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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOSCiências da Comunicação
Curso de Comunicação Social
Jornalismo investigativoTurma 33 – 2012/2Profª. Luciana KraemerDaiane Dalle TeseWiliam Mansque
Eu preciso saber da sua vida
“Comecei a receber mensagens de texto suspeitas no início do ano.
Cerca de 50 contatos eram realizados ao dia e todas vinham com conteúdo
ameaçador. Estava sendo observada na rua, detalhes do meu vestuário e os
lugares por onde passava eram descritos em cada SMS. Os torpedos eram
enviados da internet, então não conseguia identificar o remetente. Minha senha
do Facebook foi roubada e meus movimentos eram cada vez mais vistos e
detalhados nas mensagens – como com quem eu estava no ônibus –, inclusive
durante a noite. Cheguei a receber também avisos de que seria um alvo fácil na
rua.”
Shaiene Garcia – 19 anos – auxiliar de escritório
“Eu tinha um blog no qual recebia muitas respostas sobre o que era
postado. Resolvi bloquear os comentários, pois estava me sentindo pressionada
a dar retorno aos leitores. Um dos meus seguidores sempre participava com
comentários profundos e inteligentes. Ao fazer o bloqueio, comecei a receber e-
mails dele, depois foi me ligando, ligando pro meu trabalho, vindo morar em
Porto Alegre, indo no meu trabalho e na minha casa para me matar.”
Juliana Szabluk – 30 anos – editora do Fronteiras do Pensamento
Os casos de Shaiene e Juliana configuram uma nova realidade vivida pelas
gerações digitais. Oito em cada dez brasileiros com acesso à internet possuem
perfil nas redes sociais. Para cada quatro minutos na web, esses brasileiros
dedicam um a atualizar seu perfil e observar os amigos, segundo dados do
IBOPE Nielsen Online.
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Curso de Comunicação Social
Stalk é um termo inglês que está relacionado a perseguidor. Antes da internet, a
palavra era utilizada para designar a pessoa obcecada que persegue alguém por
diversos meios, como por exemplo, na rua. Hoje o termo foi apropriado por
usuários da web para denominar a vigilância exercida virtualmente. A prática de
observar e até perseguir os outros na internet é denominada cyberstalking, ou
simplesmente stalking.
De acordo com Adriana Amaral, Doutora em Comunicação Social pela PUCRS,
o cyberstalker olha e lê todas as informações sobre o seu alvo na web. “Busca
dados, verifica com quem se conecta e interage”, analisa.
Para o psicólogo Alexandre Baldasso, as redes sociais potencializam o ato de
bisbilhotar a vida alheia. “Não só torna mais fácil as pessoas saberem
informações dos outros, mas os reflexos dessa circulação de informação
acabam aparecendo muito mais rapidamente e com um impacto maior”, explica.
Segundo Adriana, hoje em dia a prática do cyberstalking é normal, mas até certo
nível. “Por um lado, todo mundo vigia todo mundo. Quando chega num nível que
a pessoa está obcecada, aí é outra questão”, salienta. Ela ressalta que esse
comportamento não surge com as redes sociais. “As pessoas sempre
monitoraram as outras, seja observando atitudes, controlando ou fazendo fofoca.
As redes sociais só potencializam isso.”
Extrema identificação
Juliana Szabluk conhecia seu stalker virtualmente. Há seis anos é perseguida.
No começo, L. comentava em seu blog sobre filosofia e pensamento crítico. Ao
desativar os comentários, passou a lhe enviar e-mails, pois sentia sempre a
necessidade de estar em contato com ela. Havia uma identificação intelectual
com seus textos. “Foi mais uma identificação humano-humano do que ídolo-
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humano”, avalia. Ele achou o blog de Juliana pesquisando sobre o escritor
francês Guy Debord. Ela citava o pensador em seus posts.
A obsessão ficou mais séria quando L. mudou-se de Belo Horizonte para Porto
Alegre com intuito de cursar filosofia na UFRGS. “Ele estudava em busca da
salvação num pensamento perfeito e tornava-se cada vez mais paranóico”,
lembra. O stalker de Juliana sofre de paranoia, neurose e múltipla
personalidade.
A situação ficou complexa quando L. tinha surtos e precisava dialogar com
Juliana. “No início, ele precisava que eu respondesse um e-mail. Depois, que eu
atendesse ao telefone. Criava encontros por acaso na rua e me puxava para
tomar um café, dizia que estava surtando. Eu conversava, ele se acalmava, não
apresentando risco”, conta. Juliana realizou estudos sobre stalking para buscar a
proteção que a lei não iria lhe fornecer. Segundo sua pesquisa, a interação com
o perseguidor era a melhor maneira de lidar com a situação.
A perseguição começou a ficar mais violenta, pois L. criou um universo paralelo
no qual acreditava que os dois seriam almas gêmeas. “Apareceu no meu
trabalho, escrevia atrocidades no mural do meu Facebook, expôs meu endereço,
xingou meus contatos e me coagiu virtualmente. Quando resolvi negar o contato
com ele, recebi ameaças de morte.”
Um dia L. apareceu na casa de Juliana. Ligou para o ex-namorado da jovem
dizendo que iria matá-la se ela não o atendesse. Após chamar a polícia, foi
emitida uma ordem protetiva de restrição. O stalker não foi preso. Quando
descobriu que ele já havia perseguido outras vítimas, Juliana conseguiu ajuda da
Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, de Porto Alegre.
Foram realizadas três audiências na justiça. Na última, foi decretada a prisão do
stalker. Ele permaneceu no Presídio Central durante um mês por desrespeitar a
ordem de restrição da Lei Maria da Penha.
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L. foi solto para a realização de tratamento psicológico. Ao receber “férias” pelo
médico responsável por seu caso, voltou à casa de Juliana, mas novamente foi
preso e transferido para o Espirito Santo, onde faz tratamento ao lado de sua
família.
A Lei Maria da Penha acolheu e salvou Juliana. “A justiça virtual não faz nada,
nenhuma lei desse tipo entrou nisso, pelo menos no meu caso. As primeiras leis
que procurei, há anos, foram as das policias virtuais. Nada foi feito”, queixa-se.
O delegado Marcínio Tavares é responsável pela Delegacia de Repressão a
Crimes Informáticos, da Polícia Civil do RS. Ele alega que o termo cyberstalking
não existe. “A descrição é muito genérica e vaga. O que pode acontecer é o
acusado ser enquadrado em crime contra a honra se houver calúnia ou injúria.
Nesse caso, cabe a vítima procurar qualquer delegacia ou distrito policial”,
explica Marcínio. Portanto, a Delegacia de crimes virtuais não atende casos de
cyberstalker.
A auxiliar-administrativo Shaiene Garcia chegou a receber 70 mensagens
inconvenientes do seu stalker por dia. O delegado não acredita que isso seja um
delito. “Nem tudo que é chato configura um crime”, minimiza. Marcínio não tinha
conhecimento do anteprojeto formulado pela Comissão de Reforma do Código
Penal e apresentado ao Congresso que criminaliza o cyberstalking.
A criminalização do cyberstalking
Em junho de 2012, foi entregue ao senado um anteprojeto para reforma do
Código Penal. Entre as novidades, foi criado um capítulo para os Crimes
Cibernéticos que busca conservar os atributos básicos da segurança da
informação: confidencialidade, integridade e disponibilidade. Nesse capítulo, o
termo stalking é caracterizado como “perseguição obsessiva ou insidiosa”.
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Lucas Polycarpo, advogado e consultor jurídico, explica que caso seja aprovado
o anteprojeto do Novo Código Penal que está em curso, o stalking poderá ter
sua penalidade aplicada nos meios eletrônicos. “Os autores sentem-se
protegidos por uma falsa ideia de impunidade. Em tais meios eletrônicos é
bastante comum o uso de ameaças para fins de perturbar a vítima”, explana.
Apesar da prática de stalking existir no mundo todo, o termo é pouco conhecido
aqui por não ser tipificado (crime), informa Polycarpo. O advogado salienta que
denominação que mais se assemelha ao stalking delito e que está em vigor é a
contravenção penal de perturbação à tranquilidade. Por ser uma mera
contravenção, praticamente inviabiliza a prisão do autor desta prática, gerando
assim a sensação de impunidade, e, por conseguinte, o estímulo indireto a
continuar a prática. “Com a criminalização, a pena será privativa de liberdade, de
dois até seis anos, o que certamente irá proporcionar uma maior proteção às
vítimas e também ao desestímulo da prática do stalking”, observa.
Perseguição obsessiva ou insidiosa
Art. 147. Perseguir alguém, de forma reiterada ou
continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica,
restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer
forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou
privacidade:
Pena – prisão, de dois a seis anos.
Parágrafo único. Somente se procede mediante
representação.
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Para Juliana, todo stalker deveria ter tratamento psiquiátrico. “O cara que chega
ao ponto do stalking, esquizofrênico ou não, tem problemas psicológicos”.
Polycarpo avalia como esse processo será com o novo código. “Em casos de
perturbação mental comprovada do agente ativo — ou seja, do stalker — a
punibilidade delitiva poderá ser extinta, assim como em qualquer delito”.
De acordo com a Safernet, ONG que se dedica a promover os direitos humanos
na internet, as provas coletadas ao longo dos casos não valem em juízo, pois
carecem de fé pública. Uma alternativa é ir a um cartório e fazer uma declaração
de fé pública de que o crime em questão existiu, ou lavrar uma Ata Notarial do
conteúdo ilegal/ofensivo. Esses procedimentos são necessários porque, como a
Internet é dinâmica, as informações podem ser tiradas do ar ou removidas para
outro endereço a qualquer momento.
O stalking é uma prática que pode provocar sequelas nas vitimas. “Quando você
está sendo observado o tempo inteiro, enlouquece. Isso destruiu a minha vida.
Eu desligava o computador e ficava horas chorando em um estado de
depressão”, recorda Juliana. A perseguição sofrida também abalou Shaiene.
“Meu namoro terminou e até hoje não gosto de ficar sozinha em casa, estou
sempre com o telefone nas mãos”, ressente.
Ultimamente, L. cria perfis falsos copiados contatos de Juliana. Assim ele tenta
adicioná-la se passando por seu amigo. Continua enviando e-mails com
passagens de livros de teologia, que são arquivados e redirecionados para o
juizado. “Não sei o que ele quer com isso, acho que se passar desse grau
novamente, vou atrás da família dele ver o que esta acontecendo. Até porque
esse rapaz nem poderia ter acesso à internet”, conclui. Com os recentes
assédios de L., Juliana voltou a chorar durante a noite. Ela aguarda uma nova
audiência com o stalker.
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O caso de Shaiene já dura quase um ano. Atualmente recebe e-mails do
remetente “[email protected]”, que a aconselha a ir atrás de seu ex-
namorado. Com frequência, alguém tenta acessar seu Facebook e trocar sua
senha.
Como lidar com o cyberstalking
- Fornecer o mínimo de informações privadas na web;
- Não responder às ameaças e bloqueie os perseguidores;
- Preservar todas as provas recolhidas, guardando todos os e-mails ou mensagens do perseguidor.
- Procurar a delegacia de polícia mais próxima em caso de perseguição;
- Evitar ao máximo lugares ou ambientes frequentados pelo stalker, inclusive no espaço virtual;
- É preciso estar atento a quaisquer comportamentos repetitivos e sucessivos que gerem uma ameaça à tranquilidade física e psicológica;
- Na internet, os protocolos de comunicação não são protegidos e a conversa não trafega criptografada, então alguém pode captá-la e se inteirar de histórias confidenciais;
- Suspeitar se algum desconhecido souber de algo que só um parente ou amigo seu sabia.