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Aldo Dantas Tásia Hortêncio de Lima Medeiros Introdução à Ciência Geográfica DISCIPLINA A abordagem regional vidaliana Autores aula 11

D I S C I P L I N A - ead.uepb.edu.br · ... 1979, p.8). Para Vidal, ... (Quadro da Geografia da França), em 1903, no qual ele apresenta um espaço hierarquizado em graus diferenciados

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Aldo Dantas

Tásia Hortêncio de Lima Medeiros

Introdução à Ciência GeográficaD I S C I P L I N A

A abordagem regional vidaliana

Autores

aula

11

Aula 11  Introdução à Ciência GeográficaCopyright © 2008 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da UEPB - Universidade Estadual da Paraíba.

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Diagramadores

Bruno de Souza Melo (UFRN)Dimetrius de Carvalho Ferreira (UFRN)

Ivana Lima (UFRN)Johann Jean Evangelista de Melo (UFRN)

Dantas, Aldo.

Introdução à ciência geográfica: geografia / Aldo Dantas, Tásia Hortêncio de Lima Medeiros. –

Natal, RN : EDUFRN, 2008.

176 p.

1. Geografia – Brasil. 2. Geografia - teoria. 3. Geografia científica – Brasil. 4. Sociedade.

5. Prática pedagógica. I. Medeiros, Tásia Hortência de Lima. II. Título.

CDD 910RN/UF/BCZM 2008/35 CDU 918.1

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Copyright © 2008 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da UEPB - Universidade Estadual da Paraíba.

Apresentação

A questão regional é uma das mais tradicionais em Geografia, sendo a região um conceito-chave dessa ciência. Entretanto, trataremos, nesta aula, apenas da concepção de região elaborada por Vidal de la Blache. Isso porque é esse geógrafo

a maior expressão da chamada Geografia regional. Como vimos na aula 10 (A Geografia vidaliana e o seu contexto), até Vidal de la Blache, a Geografia não se constituía num ramo autônomo do conhecimento, é com ele que atinge status de ciência na França. Ele é um pensador do possível, das diversas possibilidades que o homem tem diante do imperativo de habitar a Terra. Procurou salientar a importância da vinculação entre o geral e o particular e a complexidade das entidades (regiões) geográficas, para tanto, desenvolve a idéia de unidade terrestre. Considerava fundamental para análise geográfica a diferenciação da superfície terrestre, das sociedades e a compreensão de como estão articuladas, ou seja, como as diversidades dos lugares se expressam numa determinada organização espacial.

ObjetivosCompreender a noção de região para Vidal de la Blache.

Entender a importância do conceito de região para a análise geográfica.

Perceber, na análise regional, a dialética das escalas.

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A evolução do pensamento regional vidaliano

Apoiando-se, por um lado, nos resultados obtidos pelos geólogos e, por outro, em sua formação essencialmente de historiador, Vidal concebe o espaço dos países como sendo a combinação da história do solo e a história dos homens.

Partindo de quadros naturais – geologia, geomorfologia, vegetação relevo, clima, hidrografia –, ele mostra como a geologia e o clima oferecem uma série de possibilidades, cujo emprego depende dos homens, e que é o grupo humano que, ao fazer uso da natureza, diferencia uma região “transformando a sua extensão numa medalha cunhada como a esfinge de um povo” (VIDAL DE LA BLACHE, 1979, p.8). Para Vidal, cabe ao geógrafo explicar e compreender a lógica interna de cada fragmento da superfície terrestre revelando sua individualidade, cuja réplica exata não se encontra em nenhuma outra parte. É atribuição do geógrafo estudar a organização de cada espaço diferenciado e individualizado.

Desde 1889, Vidal propõe uma primeira concepção das “divisões fundamentais do solo francês”. Quinze anos de reflexão sobre o tema o levam à elaboração de seu mais famoso livro Tableau de la géographie de la France (Quadro da Geografia da França), em 1903, no qual ele apresenta um espaço hierarquizado em graus diferenciados. No entanto, o ponto de partida permanece sendo a “região natural”, apoiada na geologia, no relevo ou no clima – Bassin parisien, Massif Central, Midi océanique. Essas regiões se diversificam em unidades mais reduzidas e são compreendidas segundo aspectos históricos, em função de elementos políticos e de desenvolvimento econômico – as rotas – ou em função de elementos oriundos do raio de influência de uma cidade.

Por sua vez, tais regiões se revestem de aspectos e traços bastante diferenciados, cuja originalidade se exprime numa certa fisionomia, num estilo particular de organização espacial engendrada pelo casamento entre a natureza e a história. Essa fisionomia é o que nós chamamos hoje de paisagem.

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Compreendendo o Tableau e o papel das cidades

Para compreendermos o espírito do Tableau de la France, é necessário lembrarmos que foi encomendado a Vidal por Ernest Lavisse para servir de introdução a uma “História da França” e que deveria tratar da geografia francesa até 1789. É em função desse

aspecto que encontramos no Tableau elementos fixos e permanentes inseridos em quadros que remontam aos aspectos mais antigos e tradicionais daquele país. Mas, Vidal não ignora as transformações que o desenvolvimento urbano e a concentração industrial promoveram, no início do século XX, na estrutura regional da França. Ele demonstra isso em artigos que escreve entre 1910 e 1917. Mostrou como algumas cidades, Lyon em particular, passavam a ser grandes geradoras de unidade regional e organizavam em torno de si uma região de tipo novo, que ele qualificou de nodal, termo tomado emprestado ao geógrafo inglês Mackinder.

Essas regiões definiriam-se em função do seu centro. Num artigo escrito em 1917 e intitulado “A renovação da vida regional”, diz Vidal: “Quando se trata de região, não é necessário procurar os limites. É necessário conceber a região como uma espécie de auréola que se estende sem limites bem determinados, que circunda e que avança” (VIDAL DE LA BLACHE, 1917, p. 104).

A cidade não é uma novidade para os geógrafos dessa época, uma vez que, em vários momentos do desenvolvimento da humanidade, a cidade aparece como organizadora de um espaço que a circunda. A novidade reside na amplitude do fenômeno, no raio de influência das cidades, viabilizado pelo desenvolvimento das comunicações e das estradas de ferro. Essa “renovação regional” Vidal sente perfeitamente – de forma mais marcante no final de sua vida – e exprime, cabalmente, em sua obra La France de l’Est (1917). Ele se torna mesmo um defensor de uma reforma administrativa do país, propondo, em 1910, um recorte em 17 regiões geográficas, concebidas a partir de espaços organizados pelas maiores cidades.

Entre os geógrafos de seu tempo, é Vidal quem coloca a reflexão e a análise regional no centro de sua obra. Ele se interessa pela história da exploração do mundo, pelas formas de povoamento, pelos gêneros de vida, pela demografia etc. No entanto, a preocupação regional, que se esboça por volta de 1880, permanece central e evolui bastante até os seus últimos trabalhos, dentre eles La France de l’Est, publicado às vésperas de sua morte, no ano de 1918, em plena guerra mundial. Ao finalizar essa obra e deixar inacabado os Principes de Géographie humaine, Vidal indica o peso que tem a demarche regional em suas elaborações.

É num artigo escrito em 1888, Des divisions fondamentales du sol français, que Vidal inicia sua reflexão sobre a questão regional da França: questão capital em seu pensamento, que o acompanhará até o fim de sua vida.

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Região e ensino

O texto de 1888 destina-se aos professores de Geografia do Ensino Médio e pretende dar algumas indicações de método apoiadas em exemplos da realidade francesa. A idéia é que os alunos percebam que a Geografia é uma coisa viva. Segundo o próprio

Vidal, o texto deveria, sobretudo, inspirar o desejo de ver. Ver com os próprios olhos e compreender as diferenças das regiões. Diferenças que escapam à observação superficial, mas que se descobrem de imediato quando se tem um olhar atento e se associam a ele lembranças e impressões. Para Vidal de La Blache, isso é o que de melhor poder-se-ia desejar para o estudo da escola da França.

Uma das dificuldades, apontadas por esse geógrafo no ensino de Geografia é a incerteza sobre as divisões que melhor convém para a descrição das regiões. Para ele, essa incerteza implica a própria concepção que se tem da Geografia.

Os fatos, diz Vidal, se esclarecem segundo a ordem na qual nós os agrupamos. A Geografia não seria uma nomenclatura à qual se juntam outros conhecimentos práticos do mesmo gênero. Se se separa o que deve ser relacionado, se se une o que deve ser separado, toda a ligação natural está quebrada.

A noção que Vidal de la Blache tem de região é uma noção fundada no princípio da “unidade terrestre”, segundo o qual a região se constituiria enquanto parte de um todo e ela mesma se constituiria numa unidade, em que, havendo a quebra das ligações naturais, seria impossível reconhecer o encadeamento que religa os fenômenos dos quais se ocupa a Geografia e que é sua razão de ser científica.

Vidal de la Blache insiste no fato de que a Geografia deve ser tratada como ciência e não como uma simples nomenclatura. A região, para ele, não é a descrição de um mosaico de paisagens. Existe, na sua noção de região, uma visão de movimento, de imbricações dos seres regionais. As regiões de um país são peças que mantêm relações entre si, formando um todo.

Vidal mostra que existem regiões naturais, mas para a Geografia, interessa a relação entre essa região natural e as regiões históricas, e essa unidade natural/histórica não se realiza sem implicações complexas. Não existe uma superposição automática entre elas. A idéia é que existe uma base geográfica no desenvolvimento histórico de um povo.

Não nos parece haver dúvidas de que a região é um tema central no pensamento de Vidal de la Blache, que é um pensamento que evolui. Segundo Sanguin (1993, p. 327),

Há primeiro a região versão 1888 (a do artigo Des divisions fondamentales du sol français), onde ele tenta encontrar um princípio integrador susceptível de clarificar o conceito em geografia. Em outras palavras, esse artigo é um exercício para dar uma definição funcional à palavra região. Passamos em seguida à região versão 1903 (a do Tableau de la géographie de la France). Paul fez sua a idéia central desenvolvida

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por Michelet. Existe uma base geográfica na história de um povo: tal é a pátria, tal é o homem, segundo Michelet. Enfim, chegamos à região vidaliana versão 1910 (a do artigo Régions françaises), no qual, de uma forma visionária, Paul propõe, 80 anos antes, uma França constituída de regiões concebidas pela Europa do Mercado único e pela Comunidade saída do Tratado de Maastricht!

Sem sombra de dúvida, a idéia de região evolui no pensamento vidaliano, no entanto, parece-nos que toda essa evolução tem um fio condutor que acompanhou esse grande geógrafo durante toda a sua carreira: aquele que se funda sobre a concepção da relação homem/natureza.

Em seu Principes de géographie humaine, e em outros escritos, Vidal expõe a sua concepção geral da relação homem/natureza. Para ele, o homem participa da natureza. Homem e natureza não são termos opostos: o homem faz parte da criação e é o seu colaborador mais ativo. “Ele não age sobre a natureza senão nela e por ela” (VIDAL DE LA BLACHE, 1896, p.122).

Em função da realização de suas necessidades vitais – respiração, alimentação, habitação etc. –, o homem, segundo Vidal, permaneceria, assim como os outros animais, embebido nas influências do meio ambiente. Essa influência estabeleceria uma “ligação” entre as condições naturais e os fatos geográficos. No entanto, considera o autor, essa ligação não seria absoluta e sofreria as influências do tempo, pois os homens são dotados de capacidade criadora, o que faria com que essas influências do meio se modificassem com a evolução técnica das sociedades e o homem tiraria cada vez mais partido das possibilidades oferecidas pela natureza. O poder de ação do homem sobre a natureza está ligado, na concepção vidaliana, ao grau de evolução das sociedades humanas.

Vidal reconhece que é “verdadeiramente muito difícil desvendar, nas grandes sociedades civilizadas, a influência do meio local”, mas elas “são resultado infinitamente complicados de uma longa acumulação da atividade humana” (VIDAL DE LA BLACHE, 1896, p. 123). Nesse ponto, Vidal de La Blache concebe a atividade humana como mediatizadora entre a influência do meio e as formas de organização espacial das sociedades.

Em Vidal, existe uma concepção que explicaria, ao mesmo tempo, a dependência e a liberdade do homem em relação à natureza. Para ele, o homem é definido como um ser saído da natureza e que não pode e jamais poderá desligar-se dessa entidade, que o contém e à qual deve sua existência.

Na sua idéia mesma de região, está a marca dessa tensão entre as sociedades e a natureza, entre liberdade e dependência.

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Região e EstadoMesmo o Estado tem, na concepção vidaliana, um componente regional ligado às

condições naturais. Segundo Mercier (1995, p. 220/221), tanto Ratzel quanto Vidal:

sustentam que a diferenciação regional e a solidariedade inter-regional subjacente à criação do Estado resultam de uma dinâmica geográfica determinada, ao mesmo tempo, pela capacidade técnica das sociedades humanas, as condições naturais nas quais elas evoluem e a intensidade das trocas entre uma sociedade e suas vizinhas.

O papel das trocas

As trocas ocupam um lugar significativo na análise de Vidal, uma vez que estão diretamente ligadas à geração de uma rede de circulação que é ao mesmo tempo fruto e causa da intensificação dessas mesmas trocas e que transformam e alteram

profundamente as formas de ocupação do espaço.

A intensificação das trocas geraria o que Vidal chama de solidariedade regional. Isso deslocaria o foco da análise regional do princípio da homogeneidade para a da solidariedade regional.

Vidal de la Blache é um homem atento às mudanças de seu tempo, essa idéia de solidariedade regional tem em seu cerne o desenvolvimento das cidades. Para Vidal de la Blache (1993, p. 309), “Cidades e rotas são as grandes iniciadoras da unidade; elas criam a solidariedade das regiões. [...]. Esse papel nas condições econômicas do mundo atual, se precisa e se define”.

As monografias regionais

Vidal de la Blache é, sem dúvida, a maior expressão da Geografia francesa, principalmente, em se tratando de Geografia regional. Para ele, uma monografia regional, ou seja, um trabalho científico em Geografia, deveria estar atenta para os

elementos que compõem a região: os elementos do meio físico, sobretudo, o solo; formas de habitação, atividades humanas, e como as comunidades se integram com o meio físico e com outras comunidades; além de estar atenta para elementos solidários que pudessem parecer estranhos à região estudada.

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Vidal e o movimento regionalista

Por volta de 1860, por influência das idéias de Proudhon (1809-1865), Mistral (1830 - 1914) e Barres (1862 – 1923), desenvolveu-se na França um movimento regionalista, que se articula em torno da revista L’Acion Régionaliste e da Federação Regionalista

Francesa. Entre 1890 e 1910, esse movimento defendeu uma reforma territorial na França. A partir de 1910, Vidal se insere nesse movimento.

A primeira tomada de posição regionalista de Vidal foi muito discreta. Manifestou-se em um comentário que ele fez, em 1898, sobre o livro de Pierre Foncin “Les Pays de France. Projet de fédéralisme administratif. (Compte rendu du livre de Pierre Foncin: Les pays de France) Annales de Geographie, 1898). Nesse livro, Foncin propõe ao movimento regionalista uma doutrina e um programa. Em seu comentário, Vidal subscreve a idéia de “livrar a França da opressão da centralização” Como Foncin, ele lamenta a ineficácia da organização territorial em vigor na França e concorda que seria necessário dotar a França de uma circunscrição administrativa melhor adaptada às “unidades locais naturais”.

Esse breve comentário revela duas orientações que Vidal, nessa época, dava à sua reflexão sobre a região. De um lado, ele queria dotar a Geografia de uma definição do conceito de região e de um método de análise regional. Ele sustenta, como vários outros, que a realidade regional não corresponde necessariamente a divisões administrativas. Por outro lado, ele revela a sua sensibilidade política e faz elogios às vantagens de Estados onde a diversidade regional se exprime. Ao descrever a Suíça, deixa transparecer o valor moral que ele atribui à autonomia dos organismos locais. Para ele, a Suíça havia atingido um alto nível de civilização porque cada região era dotada de uma identidade política própria.

Se, por um lado, Vidal, ao comentar Foncin, concorda com a reforma regional, ele não se torna efetivamente um advogado do movimento regionalista. No entanto, dá um passo nessa direção quando publica, em 1903, o seu célebre Tableau de la géographie de la France. Nesse trabalho, ele adota uma posição regionalista, sem se referir diretamente a nenhuma posição política ou debate partidário. Ele se situa “acima” de qualquer querela doutrinária ou política e reclama para si tão somente a análise científica. Restringe-se a dizer, no final de sua obra, que a reforma regional emana da própria Geografia e que uma regionalização está verdadeiramente inscrita na história do solo e do povo francês, que somente “o esquecimento” ou “a complacência” poderiam contrariar tal reforma. Ele explica que a centralização é uma herança do século XVIII e que nessa época uma coação política externa havia favorecido essa centralização. A França precisava rivalizar com os outros Estados europeus e esse esforço de afirmação e de resistência exigia que a unidade do país fosse incontestável. Entretanto, essa centralização havia, segundo Vidal, sufocado o pleno desenvolvimento e a manifestação da Geografia francesa e no século XIX o dinamismo local começava a se manifestar, mostrando que a Geografia regional da França iniciava a retomada de seus direitos.

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Alguns anos mais tarde, Vidal decide defender mais abertamente o movimento regionalista. Sua atitude se manifesta, primeiramente, (VIDAL DE LA BLACHE, 1909), quando comenta o livro de Lucien Gallois, Régions naturelles et noms de pays, no qual denuncia abertamente e sem rodeios “o despotismo” que mantém a França num “excesso de centralização”. Essa nova coloração é o prelúdio de um outro artigo, publicado em 1910, Regions françaises.

Nesse artigo, Vidal ultrapassa, sem hesitação, os horizontes científicos, para elaborar e legitimar um autêntico programa regionalista. Desde a primeira linha, ele denuncia a inércia da classe política e se congratula com a clarividência dos partidários da reforma regional. Com essa amostra, manifesta a sua intenção de tomar partido em um debate político de sua época. Aliás, ele critica “a insuficiência das divisões administrativas atuais”. Mesmo reconhecendo um certo valor nas divisões departamentais, lamenta a ausência de entidades regionais mais amplas. Para ele, o departamento, criado no rasto da Revolução, trazia uma forte marca de uma França largamente rural. Contudo, a geografia da França havia mudado bastante no século XIX. A grande indústria havia ampliado consideravelmente a escala dos fenômenos econômicos e isso simultaneamente à formação de centros urbanos que drenavam grandes hinterlândias.

O método regional

Vidal se interessa muito pelas realidades geográficas extensas: nações ou grandes zonas geográficas, como o Mediterrâneo. Se ele efetua recortes regionais, é para melhor compreender a natureza das entidades que lhe interessam. Seu método

repousa sobre uma incessante dialética das escalas. Para ele, essa dialética se realiza quando analisa a situação dos lugares ou de pequenos conjuntos territoriais: pontos ou áreas mais ou menos extensos. A outra vertente dessa dialética das escalas procede de modo inverso, indo das grandes áreas naturais, das nações, das grandes regiões em direção aos “pays”, ao local. Essas operações de regionalização que “revelam” componentes que existem no seio de um grande espaço o apaixonam.

Quando os critérios de partição são mudados, a forma do recorte toma toda sua amplitude. É o que torna a démarche regional insubstituível no pensamento vidaliano. Ela revela, assim, a complexidade dos objetos estudados quer se trate de nações, de grandes espaços, ou do estudo do local.

Para descrever a França, Vidal utiliza sucessivamente várias perspectivas: ele a recorta em regiões naturais (1988); analisa conjuntos onde se desenvolvem formas de sociabilidade originais, mas que têm na França a particularidade de se completar (VIDAL DE LA BLACHE, 1979); faz um inventário dos pequenos “pays” e das paisagens agrárias (VIDAL DE LA

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BLACHE, 1904). Retornando dos Estados Unidos, se volta para a análise com base nas grandes cidades, nas zonas de influência que elas talham no seio do território nacional (VIDAL DE LA BLACHE, 1993).

Nesse sentido, a démarche regional vidaliana não pode ser concebida de maneira estática, uma vez que é dinâmica. Abrindo vários flancos, ela permite envolver na análise a natureza, a natureza humana, a cultura e todo o conjunto complexo de “objetos e de ações” que constituem a tessitura do território.

Que elementos estão no cerne da discussão de região feita por Vidal de la Blache?

O que se entende por dialética das escalas e que importância tem essa idéia para a análise regional?

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Resumo

Leituras complementaresCORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991.

Neste livro, o autor discute dois conceitos fundamentais para a Geografia, a saber: região e organização espacial. Para tanto, traz à tona a história da Geografia e as correntes de pensamento que influenciaram essa ciência. No capítulo três, faz uma boa discussão sobre região e as correntes do pensamento geográfico. Livro de leitura introdutória e obrigatória para o estudante de Geografia, pois além de trazer elementos para se compreender a história da Geografia discute o conceito de região a partir dessa história e introduz de maneira clara a idéia de organização espacial, conceito fundamental para se entender a Geografia dos dias atuais.

LENCIONI, Sandra. Região e geografia. São Paulo: EDUSP, 1999.

Leitura obrigatória para quem se interessar em aprofundar a discussão sobre região. A obra se realiza no âmbito da relação entre região e Geografia e procura demonstrar que a idéia de região é parte constitutiva do desenvolvimento da disciplina geográfica. Ao entender que é no interior do desenvolvimento histórico de uma disciplina que se constrói sua teoria, faz um excelente resgate histórico da noção de região.

Auto-avaliaçãoElabore um texto descrevendo a região onde você mora. Tome por base a proposta vidalianae perceba que na análise regional proposta por Vidal de la Blache se evidenciam os detalhamentos do meio físico, das formas de ocupação

Nesta aula, discutimos a evolução do pensamento regional de Paul Vidal de la Blache. Você percebeu que, para esse autor, a região é um recorte espacial relacionado à diferenciação natural e cultural dos lugares. Mostramos também que elementos como clima, geologia, cultura, história e técnica se imbricam e dão singularidades ao local e que o advento das cidades promovem um novo reordenamento regional.

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e das atividades humanas e de como o homem se ajusta à natureza. Note que o olhar vidaliano contém uma perspectiva histórica para a análise da relação entre homem e meio e que a integração dos elementos físicos e sociais constitui a individualidade regional. Perceba, ainda, que o sentido de região, no pensamento vidaliano, considera, pelo menos, três aspectos: as regiões se evidenciam na superfície terrestre; as regiões se manifestam na paisagem e nas realidades físicas e culturais; e os agrupamentos humanos tomam consciência dessa diversidade, a nomeiam e a utilizam na criação dos quadros administrativos.

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ReferênciasANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/UFPE, 2006.

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DANTAS, Aldo. Pierre Monbeig: um marco da geografia brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2005.

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MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: HUCITEC, 1983.

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______. Régions françaises. In: SANGUIN, André-Louis. Vidal de la Blache: un génie de la géographie. Paris: Belin, 1993.

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Ementa

n Aldo Dantas

n Tásia Hortêncio de Lima Medeiros

A construção do conhecimento geográfico. A institucionalização da geografia como ciência. As escolas do pensamento geográfico. A relação sociedade/natureza na ciência geográfica. O pensamento geográfico e seu reflexo no ensino. A geografia brasileira. Atividades práticas voltadas para a aplicação no ensino.

Introdução à Ciência Geográfica – GEOGRAFIA

Autores

Aulas

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01 O saber geográfico

02 A ação humana

03 A Geografia na Antiguidade

04 A Geografia na Idade Média

05 Os tempos modernos

06 Espaço e modernidade

07 A institucionalização da Geografia

08 A Geografia de Humboldt e Ritter

09 A Geografia ratzeliana e seu contexto

10 A Geografia vidaliana e o seu contexto

11 A abordagem regional vidaliana

12 Os movimentos de renovação

13 A institucionalização da Geografia no Brasil

14 O nascimento da Geografia científica no Brasil

15 Milton Santos: o filósofo da técnica