25
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · discriminação racistas sem antes livrar-se da imagem própria, coletiva e ... preparados para entender as necessidades de uma sociedade pluriétnica

Embed Size (px)

Citation preview

O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO ENSINO DE LÍNGUA

INGLESA ATRAVÉS DE MÚSICAS E POEMAS

Autor: Iracema Maria de Sá1

Orientador: Valdomiro Polidório2

RESUMO: A ideia de desenvolver um projeto na disciplina de língua inglesa através de músicas (letras de músicas) e de poemas com a temática da discriminação racial sofrida pela população de afrodescendentes brasileiros tem como pressuposto o fato de que, apesar de exigência legal, há ainda uma carência de material didático pedagógico que aborde essa temática. Além de formular mais material didático, o projeto também vem a oferecer aos nossos alunos a oportunidade de terem um contato maior com esse gênero literário musical, que raramente é trabalhado nas escolas, mas que, por outro lado, faz parte do dia a dia dos nossos educandos. Assim sendo, através de músicas (letras de músicas) e de poemas da língua inglesa, elaboramos um caderno pedagógico com atividades cujo objetivo é desconstruir e desaprender o racismo, bem como toda forma de discriminação, de preconceito, de exclusão e de injustiças sociais.

Palavras-Chave: Discriminação racial. Músicas. Poemas. Afrodescendentes.

ABSTRACT: The idea of developing a project in the subject of English language through music (song lyrics) and poems with the theme of racial discrimination suffered by the population of Brazilian African descents implies that, despite the legal requirement, there is still a lack of educational courseware that addresses this issue, and we will also be offering our students the opportunity to have greater contact with this literary genre, which is rarely studied at schools, considering that music is part of the day by day lives of our pupils. Thus, through music (lyrics) and poems of the English language, we developed a pedagogical notebook, with activities designed to deconstruct and unlearn racism, as well as all forms of discrimination, prejudice, exclusion and social injustice. Keywords: Racial discrimination. Songs. Poems. African descent.

1 Professora da Rede Estadual de Ensino, na cidade de Toledo. Especialização em: Didática e Metodologia de Ensino e História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.

2 Professor de Literaturas de Língua Inglesa da UNIOESTE - Campus de Cascavel - PR.

Introdução

A partir da Lei Federal nº 10.639/2003, alterada pela Lei Federal nº

11.645/2008, todas as escolas brasileiras deverão trabalhar conteúdos

referentes à História da África e à Cultura Afro-Brasileira e, ainda, a

Deliberação nº 04/2006, do Conselho Estadual de Educação do Paraná,

normatiza que todas as escolas paranaenses deverão contemplar esses

conteúdos em todas as disciplinas.

Assim sendo, nossa produção didático-pedagógica sobre a diversidade

étnico-racial, através de músicas (letras de músicas) e de poemas, nas aulas

de língua inglesa, tem como objetivo proporcionar ao educando condições para

que ele possa identificar e refletir sobre questões referentes à cultura, aos

valores, à emoção, aos sentimentos, aos estilos de vida, às discriminações

sofridas pelos afrodescendentes brasileiros, aos preconceitos e às

desigualdades sociais, presentes e criticados nos poemas e nas letras das

músicas estudadas.

É nosso dever e direito, como educadores que almejam ajudar a

produzir uma sociedade mais justa e igualitária, trabalharmos de forma que em

nenhum momento nossa prática pedagógica, consciente ou inconscientemente,

venha a colaborar para a permanência dessas desigualdades e injustiças

sociais. Infelizmente, na prática isso ainda ocorre, pois nossos currículos

escolares, em grande parte, ainda são identificados com a população branca,

masculina e europeia. Nossa história ainda é pautada no eurocentrismo, em

detrimento da rica contribuição da população africana e indígena na formação

deste país. Nesse sentido, o professor doutor Henrique Cunha Júnior afirma

que:

A bandeira dos Movimentos Negros em demandar a introdução da História Africana nos currículos foi bastante acertada e providencial. Facilita uma percepção mais igualitária da História da Humanidade, introduz África como origem do Homo Sapiens, mostra as aquisições civilizatórias a partir de fontes culturais diversas e abre novas perspectivas para compreensão da História do povo Brasileiro.

Fundamentação Teórica

Segundo Silva(1995), no que se refere aos currículos escolares,

chamou-se a atenção para a falta de conteúdos ligados à cultura afro-brasileira

que estejam apontando para a importância dessa população na construção da

identidade brasileira, não apenas no registro folclórico ou de datas

comemorativas, mas principalmente buscando uma revolução de mentalidades

para a compreensão do respeito às diferenças.

Dessa forma, a construção de nosso currículo dever estar voltada para

o processo de sensibilização de alunos/as, para o conhecimento e o exercício

de seus direitos e deveres como cidadãos/ãs. O trabalho docente pode, então,

orientar-se para além das disciplinas constantes do currículo do curso, mas

também na exposição e na discussão de questões éticas, políticas,

econômicas e sociais. E, para dar visibilidade a essa proposta educativa, é

fundamental a participação de professores/as na escolha, seleção e

organização dos temas que podem integrar um planejamento curricular.

Sabemos que existe um currículo manifesto que está presente nos

planos de ensino, curso e aula, mas visceralmente articulado está o currículo

oculto, que representa um “corpus ideológico” de práticas que não estão

explícitas no currículo manifesto, formalizado. Nessa relação manifesto/oculto

podem circular ideias que reforçam comportamentos e atitudes que, implícita

ou explicitamente, podem interferir, afetar, influenciar e/ou prejudicar a

aprendizagem escolar dos/as discentes. Essas ideias podem remeter a

preconceitos, intolerâncias e discriminações enraizadas e que estão ligados às

relações de classe, gênero, orientação sexual, raça, religião e cultura.

A questão do racismo deve ser apresentada à comunidade escolar de

forma que sejam permanentemente repensados os paradigmas, em especial os

eurocêntricos, com que fomos educados. Não nascemos racistas, mas nos

tornamos racistas devido a um histórico processo de negação da identidade e

de “coisificação” dos povos africanos. E a luta contra o racismo, em nosso país,

vem possibilitando que sejam discutidos temas significativos para a

compreensão de todo esse processo, mostrando a resistência dos africanos e

seus descendentes, que não se submeteram à escravidão, que se rebelaram e

que conseguiram manter vivas as suas tradições culturais.

Ainda hoje a identidade de escravo permeia a consciência de pessoas e

comunidades afro-americanas, para não falar das atitudes das sociedades

dominantes eurocentristas. Quando o professor Manuel Zapata Oliveira (1993)

afirma a necessidade de nos referirmos não a escravos, mas a africanos

prisioneiros e escravizados, destaca uma questão de consciência política e de

dignidade humana muito atual para as populações afro-americanas. No nosso

entender, nenhum povo consegue se livrar dos grilhões do preconceito e da

discriminação racistas sem antes livrar-se da imagem própria, coletiva e

individual, estampada com a marca indelével da escravidão. Para levantar a

cabeça, exigir seus direitos e protagonizar uma luta coletiva, esse povo precisa

primeiro sentir-se gente, soberano de sua própria vida. Enquanto persistir a

ideia de que o africano nada contribuiu para a civilização humana, nada

construiu no sentido intelectual, político, tecnológico ou econômico, sempre

persistirá a dúvida: − Será que o negro não é mesmo inferior por natureza? Por

isso, o resgate da história africana e sua popularização entre as comunidades

afro-americanas impõe-se como fundamental à recuperação do protagonismo

pleno de nossa gente no presente e futuro, possibilitando-lhe o

desenvolvimento da luta coletiva pelos seus direitos (NASCIMENTO, 1997, p.

99).

Para a viabilização e efetivação dessa lei é preciso, antes de tudo, dar

subsídios ao professor, pois, conforme estudos de Oliveira (1992), os

professores afirmaram que não possuem subsídios para abordar assuntos

relativos à história e cultura africana e, apesar de afirmarem que, no cotidiano

escolar, as crianças negras são vítimas da violência racial, argumentaram que

não sabem intervir em situações de preconceito. Nesse sentido, tanto a escola

pública quanto a particular não possuem currículos e nem professores

preparados para entender as necessidades de uma sociedade pluriétnica e

atender às demandas de um sistema educacional antirracista.

Outros estudos, como, por exemplo, os de Ana Célia Silva (1987 e

1989), também oferecem elementos que sustentam a argumentação de que a

escola, em vários aspectos, contribui para o constrangimento da criança negra,

colocando à disposição dos alunos material com referenciais exclusivamente

etnocêntrico/eurocêntrico, onde se destacam somente aspectos da cultura

branca dominante.

Percebe-se, claramente, um preconceito racial com relação aos

afrodescendentes, embora dissimulado e negado, fatos esse que dificulta o

enfrentamento do problema e a retirada das barreiras sociais da

marginalização da população afrodescendente.

A população negra não se beneficia dos progressos alcançados pelo

avanço tecnológico: modernidade e atualização são variáveis que não fazem

parte do curriculum vitae dos negros. Consequentemente, os negros

continuaram fora dos lugares de decisão e de poder e não obtêm status de

cidadão global, o que só pode ser possível quando já se tem a cidadania

nacional garantida (OLIVEIRA, 1987).

Dessa forma, pensar propostas de implementação da Lei Federal nº

10.639/2003, alterada pela Lei Federal nº 11.645/2008, é focalizar e reagir a

estruturas escolares que nos enquadram em modelos por demais rígidos.

Atentarmos para a interdisciplinaridade nessa proposta é estarmos abertos ao

diálogo, à escuta, à integração de saberes, à ruptura de barreiras, às

segmentações disciplinares estanques.

Assim sendo, elogiável é a criação e aprovação dessa legislação,

que visa a constituição de uma sociedade mais cidadã, menos desigual e,

para tanto, há que se romper com o mito da democracia racial, que, a meu

ver, atrasou demasiadamente a implementação de políticas públicas para

corrigir as desigualdade entre brancos e negros neste país. Não se pode

esquecer, porém, que essas leis são frutos da incansável luta do

Movimento Negro no Brasil, que, por questões óbvias, não tem

visibilidade e, muito menos, a valorização a que fazem jus.

Isto posto, resta informar que nossa produção didático-pedagógica

também levou em consideração a enormidade de músicas e de poemas da

língua inglesa que abordam a temática referente à intolerância étnico-racial, os

preconceitos, as discriminações e as injustiças sociais. Escolhem-se, então,

esses conteúdos, sendo que muitas dessas músicas são mesmo já do agrado

de nossos educandos.

Ressalta-se, ainda, a importância de a escola trabalhar com músicas e

poemas na língua inglesa, pois, conforme Polidório (2007), é muito importante

que a relação poesia/música/letras de música seja trabalhada na sala de aula

para aproximar o gênero lírico dos jovens leitores, que, muitas vezes, gostam

de ouvir música, porém não gostam de ler poemas, isso porque a música é

mais difundida pelos meios de comunicação.

Ao abordar a temática da diversidade étnico-racial nas aulas de língua

inglesa, através de poemas e de letras de músicas, estaremos oferecendo, aos

nossos alunos, a oportunidade de terem um contato maior com esse gênero

literário, que raramente é trabalhado nas escolas.

Polidório (2007) argumenta que os alunos apreciam mais a música em

detrimento do poema porque este não é muito divulgado nos meios de

comunicação. Por isso nós podemos, através do trabalho com músicas e

poemas, levar nossos alunos a se interessarem mais pela leitura de poemas de

qualidade, principalmente se considerarmos poemas de qualidade como um

meio de comunicação universal e atemporal.

O poema de qualidade também é polissêmico. Essa possibilidade de

várias interpretações permite que o leitor possa seguir caminhos diferentes em

sua leitura. Polidório (2004) afirma que a literatura, por ser língua, pode se

constituir como um excelente recurso a fim de ajudar os professores de língua

inglesa nas suas aulas e que a literatura pode também motivar os alunos a

estudarem inglês. Isso depende, no entanto, da metodologia, que deve explorar

as partes mais importantes de um texto literário e também o tema abordado por

ele.

Quer nos parecer, então, que está faltando para nós, professores de

língua inglesa, trabalharmos essa LE como uma língua viva, que está presente

em nosso dia a dia, mais do que imaginamos. Desse modo, cabe a nós,

professores, demonstrar a nossos educandos que uma boa letra de música é

um poema e um poema de qualidade é uma boa letra de música, além de

despertar neles o gosto pela poesia.

Conforme Polidório (2007), os professores devem se aproveitar do uso

de músicas com ideias interessantes para fazer com que os alunos percebam

como uma música com uma letra inteligente pode ser associada a um poema

bem elaborado e com um enredo inteligente. A partir do momento em que

temos uma arte que influencia um número maior de pessoas porque é mais

difundida do que uma outra arte, devemos fazer uso da arte que é mais

divulgada para podermos atrair a atenção de nossos alunos/leitores para ela. É

o que ocorre com a poesia e a música. Por isso, aproximar os alunos/leitores

da leitura de poesia, bem como o entendimento e, consequentemente, a

apreciação da mesma, pode ter a contribuição da música, seja através de seu

poder sonoro, seja através de suas relações de temáticas.

Assim sendo, pensou-se também em trabalhar a temática da

diversidade étnico-racial nas aulas de língua inglesa, no sentido de valorizar a

Cultura Afro-Brasileira e de reconhecer a rica contribuição dos africanos e dos

afro-brasileiros para o progresso desta nação brasileira, através de poemas,

bem como de letras de música da língua inglesa, e poemas da língua

portuguesa.

É certo que, se almejamos um mundo melhor, precisamos repensar

nossos currículos e a metodologia de ensino: “Por causa do crescimento da

diversidade étnica, cultural, racial e religiosa pelo mundo, a educação para a

cidadania precisa ser mudada de forma substancial, para preparar os

estudantes para estarem aptos a interagir no século 21” (FERREIRA, 2006, p.

47).

Além disso:

Se o ensino de uma língua estrangeira é dever da escola, e se grande parte das escolas oferece exclusivamente o Inglês, e ainda se, no caso dos alunos das camadas populares, a escola pública é o único lugar de aprendizado desse idioma, é de se esperar que seu ensino seja eficaz e significativo para eles, possibilitando-lhes o acesso ao direito de formação integral do indivíduo a fim de que possam exercer a tão proclamada “cidadania” e utilizar o conhecimento adquirido como mecanismo de inclusão social, encontrando assim um “lugar nas redes articuladas de fluxos de capitais e informações”, no atual mundo globalizado. (CHARLOT, 2005, p. 133).

Alguns livros específicos para professores de língua inglesa apontam,

como causas para a ineficiência do ensino/aprendizagem de línguas, os

seguintes fatores: desmotivação, recursos didáticos escassos, classes

numerosas, pouca qualificação docente, utilização de metodologias

inadequadas e a condição sociocultural do aluno, dentre outros.

É inegável a interferência de fatores dessa ordem no processo de

ensino-aprendizagem de um idioma estrangeiro, mas alguns desses livros se

assemelham a manuais de técnicas de ensino, atribuindo, direta ou

indiretamente, ao professor, através da aplicação ou não de determinadas

metodologias, uma responsabilidade unilateral quanto ao sucesso ou ao

insucesso de seus alunos. É realmente preocupante a situação do ensino-

aprendizagem de inglês na escola pública, visto que a maioria dos alunos, ao

final de sete anos de estudo, parece estar estudando inglês pela primeira vez:

Dentro das salas de aula, é necessário questionar a prática do discurso que silencia as vozes dos alunos. Se os processos das salas de aula são construídos através do discurso, eles podem ser desconstruídos através da linguagem. (FERREIRA, 2006, p. 49).

É preciso que o aluno se sinta representado nessas aulas e que os

temas sejam relacionados à sua realidade, até para perceber que, quando nós

escrevemos, lemos ou escutamos, estamos engajados num discurso social

através das nossas identidades como brancos, negros, ricos, pobres,

heterossexuais, homossexuais, mulheres, jovens, velhos, etc. Nós nos

posicionamos no discurso, mas também podemos agir no discurso e

experimentar uma forma de transformação social (MOITA LOPES, 1996; 2002;

2003).

Inquestionável é a necessidade de nossos alunos aprenderem e/ou

terem conhecimentos básicos da língua inglesa, tendo em vista o crescimento

vertiginoso dos recursos tecnológicos e da globalização. Inúmeros entraves, no

entanto, dificultam o trabalho dos professores de EFL, nas escolas públicas

brasileiras.

Dentre os problemas, podemos elencar: a pequena duração das aulas

(45 minutos aproximadamente), o número excessivo de alunos em sala (cerca

de 40 alunos), falta de recursos didáticos e audiovisuais e formação deficitária

de professores.

Com o advento da globalização e dos recursos tecnológicos, os quais priorizam esse idioma para comunicação, muitos são os

objetivos que levam pessoas a se interessarem em estudar a Língua Inglesa, objetivos esses, bastante diferentes de tempos atrás. E, “o aprendizado da língua inglesa mudou muito nos últimos anos, pois o aluno que procura aprender inglês tem como meta a comunicação com pessoas de várias nacionalidades e não somente com americanos e britânicos. O aprendizado da língua significa falar com o resto do mundo, pois, o idioma tornou-se um fenômeno lingüístico” (FREIRE, 2008, p. 24).

Percebe-se que os alunos gostam do idioma da língua inglesa, no

entanto essa apreciação raramente é demonstrada nessas aulas. Polidório

(2004) afirma que há uma necessidade de melhorarmos o ensino de línguas no

Brasil.

Talvez uma das estratégias para a melhoria do EFL seria trabalharmos

nessas aulas com textos cuja temática seja relevante para os alunos, através

dos quais eles possam se expressar e, com o auxílio do professor, tentar

contextualizar esses textos dentro de sua realidade.

Os estudantes precisam aprender não somente porque os professores

exigem isso. Eles também devem querer aprender. E os professores podem

fazer os estudantes gostarem de estudar a língua inglesa se eles os motivarem

para isso. Assim, eles precisam ter contato com material que os motive a

aprender (POLIDÓRIO, 2004, p. 17).

Assim, interessante, agradável e produtivo é trabalhar com poemas, com

letras de músicas e com músicas nas aulas de língua inglesa, enfatizando a

temática da diversidade étnico-racial.

Há, na literatura inglesa e americana, um número expressivo de poetas

e de compositores que usaram a arte escrita para denunciarem o racismo, a

discriminação, as injustiças sociais, etc.

Freire (2008) argumenta que o texto literário é um tipo de texto no qual

podemos empregar e combinar diversas formas de linguagem

simultaneamente. Argumenta ainda que uma das características do texto

literário é a presença de figuras de linguagem, de arcaísmos e de neologismos.

Com isso, esses textos ficam mais interessantes, visto que os alunos têm a

oportunidade de interagir com uma nova forma de linguagem, com a qual ainda

não estão acostumados.

È comum, entre nossos educandos, o sentimento de inferioridade e de

baixa estima quando o assunto é arte, cultura e literatura. Provavelmente tais

sentimentos advenham da suposta ideia de que os grandes poetas e

compositores são gênios e de que possuem uma capacidade e inteligência

incomparável.

As consequências desses sentimentos de inferioridade são muitas,

pois, partindo dessas ideias, nossos educandos evitam atividades que

promovam o desenvolvimento de uma produção artística/cultural própria.

Muitos escritores, especialmente os poetas, preferem deixar que acreditemos que escrevem graças a uma espécie de sutil frenesi ou de intuição extática e teriam verdadeiros calafrios se tivessem que permitir ao público dar uma olhadela por trás da cortina, para contemplar os trabalhosos e vacilantes embriões de pensamentos, a verdadeira decisão adotada no último momento, os relances de idéias que durante muito tempo resistem a mostrar-se, o pensamento plenamente maduro mas rejeitado por ser inaproveitável, a eleição prudente e os arrependimentos, as dolorosas emendas e interpolações; alçapões, as penas de galo, as cores, os disfarces e todos os enfeites que em noventa por cento dos casos são o peculiar do histrião literário. (POE, 1849, p. 1).

Polidório (2007) argumenta que, ao analisarmos um poema de forma

atenciosa e minuciosa, teremos mais condições de apreciá-lo e afirma ainda

que, devido ao grande poder sonoro do poema, o mesmo é feito para ser lido

em voz alta − isso porque as rimas, o ritmo, a métrica, as figuras de efeito

sonoro nos remetem às letras de uma música.

Daí a importância de trabalhar com músicas e poemas

simultaneamente, incentivando os alunos a lerem e a representarem a leitura

de poemas, pois, ao fazerem isso, perceberão que um poema de qualidade

pode proporcionar-lhes emoção, despertar de sentimentos e reflexão, tanto

quanto uma boa letra de música.

A relação poesia e música é vista como: “O consórcio com a música

nos ajuda a entender a característica mais peculiar do gênero lírico: a

emocionalidade-marcante a ponto de os termos lírico e emocional serem

usados quase como sinônimos” (D'ONOFRIO, 2001, p. 57).

É de fundamental importância o professor dar segurança e incentivar

os alunos a expressarem suas impressões a respeito do texto literário, objeto

de estudo, para que eles mesmos percebam que a questão não é de ‘certo’ ou

‘errado’, já que poemas e letras de música são para emocionar, sim, mas

também para fazer pensar, desenvolvendo a capacidade da argumentação.

Nesse sentido, Polidório (2006) afirma que o objetivo da música e do

poema é emocionar, pois não há “receitas” para analisar e interpretar textos,

nem isso seria possível, dado o caráter particular e específico de cada criação

de arte. O próprio texto deve sugerir ao estudioso quais são as linhas de seu

trabalho (GOLSDTEIN, 2005, p. 6).

Apesar disso, Freire (2008) argumenta que, devido aos exemplos de

recursos de linguagem usados de diversas maneiras, isso faz com que o leitor

tenha papel de interação ao trabalhar com poemas, além de poder

compreender melhor a língua.

Além das inúmeras vantagens, já citadas, de se trabalhar com músicas

e com poemas nas aulas de língua inglesa, destaca-se o fato de que esse

recurso metodológico possibilita que o aluno deixe de ser um sujeito passivo e

passe a ser sujeito ativo, visto que a dinâmica das aulas oportunizará e

incentivará a todos a emitirem opiniões sobre a temática dos textos literários

(poemas e letras de músicas). Com isso estaremos oferecendo aos nossos

alunos a oportunidade de desenvolverem a sua capacidade de argumentação,

que, infelizmente, está bastante precária se considerarmos as avaliações

oficiais sobre o nível de ensino da educação básica.

Lazar (2004) comenta sobre o desenvolvimento das habilidades de

interpretação ao trabalhar textos literários com os alunos, dizendo que eles

ampliam sua capacidade com a ajuda dos textos, pois os textos são ricos em

ambiguidades ou em figuras de linguagem que auxiliam no desenvolvimento da

habilidade leitora, por estimularem os alunos a deduzirem as informações

implícitas.

As pesquisas têm apontado que grande parte dos professores da

língua inglesa do país somente trabalha com textos que aparecem nos livros

didáticos e eles apenas priorizam aqueles textos simplórios, sem enquadrá-los

num contexto histórico-social. O objetivo desses professores é, tão somente, o

ensino do conteúdo gramatical. Talvez por esse motivo é que nossos alunos

apreciem o inglês como idioma, mas não apreciam as aulas desse idioma.

Polidório (2003) afirma que, no Brasil, atualmente, a literatura é

raramente usada e, quando é, professores não explicam aos educandos que se

trata de um texto literário. Os professores somente trabalham com textos que

aparecem nos livros didáticos e pedem aos educandos que respondam, por

escrito, a algumas questões sobre ele. Eles não conversam sobre o autor ou

sobre o contexto histórico do texto. Afirma ainda que, para melhorarmos o

inglês de nossos educandos, nós precisamos trabalhar com textos que tenham

relação com a vida dos educandos. A isso cabe acrescentar a afirmativa de

Ferreira (2006, p. 28): “O ensino crítico se constitui numa ferramenta político-

cultural o qual se preocupa com os conceitos das diferenças humanas,

principalmente às relacionadas a ‘raça, classe e gênero’”.

Conforme Gomes (2001), nos últimos anos, algumas pesquisas

têm apresentado dados que mostram que o acesso e a permanência com

sucesso na escola têm variação de acordo com a raça/etnia da população.

Ao analisar as trajetórias escolares dos/as alunos/as negros/as, as

pesquisas revelam que essas trajetórias se apresentam mais acidentadas

do que as percorridas pelos/as alunos/as brancos/as, sendo que o índice

de reprovação nas instituições públicas também demonstra que há uma

estreita relação entre a educação escolar e as desigualdades raciais na

sociedade.

Não é difícil entender o porquê desses resultados estatísticos que

prejudicam demasiadamente a população negra, considerando que a

exclusão escolar, consequentemente, provoca a exclusão social. Os/as

alunos/as negros/as não se veem representados na escola, pois eles

dificilmente estão nos cartazes nem nos livros didáticos, e a história

oficial sobre essa etnia é repleta de distorções e de preconceitos, os

quais inferiorizam essa etnia, e, o que é mais grave, faz com que eles

prefiram rejeitar sua origem, desenvolvendo uma baixa estima, que,

lamentavelmente, os acompanhará até a vida adulta:

Essa discussão ajuda a desvendar o rosto do racismo. Os efeitos da prática racista são tão perversos que, muitas vezes, o próprio negro é levado a desejar, a invejar, a introjetar e projetar uma identificação com o padrão hegemônico branco, negando a história do seu grupo étnico-racial e dos seus antepassados. Esse é um dos mecanismos por meio do qual a violência racista se manifesta. ( GOMES, 2001, p. 93).

Isso assim é porque “[...] a escola privilegia um padrão de ensino, de

aluno/a e de professor/a a ser seguido. Um padrão que incorpora uma noção

de homem, de mulher e de sujeito social. Que paradigma impera na escola

brasileira? Um olhar mais atento sobre a realidade escolar nos mostrará que a

nossa escola ainda prima por um modelo branco, masculino, heterossexual e

jovem” (GOMES, 2001, p. 87).

Primeiramente, temos que entender que esses problemas não

interessam tão somente às pessoas que pertencem às categorias

marginalizadas, pois não há como querer tornar a sociedade mais justa e

menos desigual se não abraçarmos todos essa causa da não discriminação e

intolerância. Ocorre que, conforme Santos (2001), não há como desejarmos

uma educação que priorize a cidadania plena se partirmos do princípio de que

as questões levantadas pela população afrodescendente, pelas mulheres e

pelos portadores de necessidades especiais devem ser trabalhadas

simplesmente por questão de reivindicação dessas categorias. A questão vai

além disso, pois, segundo a autora, é preciso garantir a equidade social e

discutir direitos civis.

Dessa forma, não basta informar que a prática de racismo é tipificada

como crime inafiançável. É preciso compreender melhor o que seria um crime

de racismo. E, como professores, devemos nos perguntar: − Quantas vezes já

fizemos essa discussão em nossas reuniões pedagógicas? − Estamos

buscando subsídios, através de leituras e de cursos, para podermos abordar

essa temática com segurança e confiança, a fim de não causarmos mais

polêmicas e distorções? − Dispensamos o mesmo tratamento e a mesma

atenção aos/às alunos/as negros/as, brancos/as?

Gomes (2001) afirma que é papel da escola ser comprometida com a

superação das desigualdades sociais/raciais e lançar um olhar positivo sobre a

cultura de tradição africana, possibilitando aos/às alunos/as negros/as e

brancos/as o contato com a imagem positiva do/a negro/a que, aos poucos,

vem sendo retratada na mídia e em publicações específicas. Muito importante

e relevante também é relembrar pensadores, escritores, artistas, cantores,

políticos, mártires e intelectuais negros/as, do passado e da atualidade, como

forma de possibilitar a desconstrução do racimo e, mais importante ainda, é

promover a autoestima da população negra a fim de propiciar condições a essa

população de também ter acesso aos bens culturais, sociais e econômicos:

Ainda nos falta avançar muito para compreendermos que o fato de sermos diferentes uns dos outro é o que mais nos aproxima e o que nos torna mais iguais. Sendo assim, a prática pedagógica deve considerar a diversidade de classe, sexo, idade, raça, cultura, crenças etc., presentes na vida da escola e pensar (e repensar) o currículo e os conteúdos escolares a partir dessa realidade tão diversa. A construção de práticas pedagógicas e não preconceituosas implica o reconhecimento do direito à diferença, e isso inclui as diferenças raciais. Aí, sim, estaremos articulando Educação, cidadania e raça. (GOMES, 2001, p. 87).

Diante de todo o exposto acima, e considerando o caráter cultural,

universal, polissêmico, atemporal e social das poesias e das músicas, é que

nos propomos a trabalhar a questão da diversidade étnico-racial, preconceitos,

injustiças sociais e conteúdos gramaticais, através de poemas e de músicas

nas aulas de língua inglesa.

Uma de nossas intenções em desenvolver este projeto é demonstrar

aos alunos que, devido o caráter universal da língua inglesa, ao estudá-la, não

a estamos idolatrando, e sim adquirindo condições de nos apoderarmos dos

benefícios que o conhecimento sobre ela poderá nos proporcionar.

A Implementação do Projeto na Escola

A implementação do projeto na escola ocorreu com uma turma de 8ª

série do período matutino. Iniciamos a implementação da proposta fazendo

uma avaliação diagnóstica a respeito do conhecimento que os alunos tinham

das nossas personalidades afro-brasileiras, tanto do passado quanto do

presente.

Solicitamos aos alunos que citassem nomes de personalidades

históricas afro-brasileiras conhecidas. Citaram, inicialmente, o nome do Nelson

Mandela, de Barack Obama e Martin Luther King. Após explicar-lhes que essas

personalidades não são brasileiras, novamente, refizemos o questionamento e

alguns alunos citaram, como personalidades, o jogador Pelé, o cantor Gilberto

Gil e o jogador Ronaldo.

Essa sondagem foi muito importante, pois, desta forma, previamente,

percebemos que os alunos pouco sabiam da história do maior líder

afrodescendente brasileiro, Zumbi dos Palmares, já que em nenhum momento

do debate o seu nome foi mencionado pelos alunos. E, considerando que

estudaríamos o texto “Why should we know the nigger leader Zumbi dos

Palmares?”, dediquei um tempo maior a essa personalidade, de modo que os

alunos pudessem conhecer um pouco da história desse herói brasileiro, pois

“[...] os materiais anti-racistas deveriam incluir vozes de minorias étnicas, não somente

para demonstrar sua integração bem-sucedida, mas também para descrever conflitos

e lutas” (STARKEY & OSLER, 2001, p. 328).

O objetivo de se iniciar o trabalho sobre a temática da diversidade

étnico-racial com um texto sobre o líder negro Zumbi dos Palmares tem a

finalidade de historicizar, resumidamente, sobre a resistência dos escravizados

em relação à escravidão e, principalmente, porque, infelizmente, alguns alunos

pouco ou nada sabem sobre esse importante personagem da nossa História.

Trata-se, pois, de mostrar aos alunos que os afrodescendentes não

foram tão passivos como enfatizam alguns livros, prova disso foi a formação

dos Quilombos, lugares para onde iam os escravizados que fugiam do sistema

escravocrata. Para o professor ter uma noção do conhecimento e da

informação que os estudantes já trazem sobre a temática/assunto a ser

estudado, é importante questioná-los previamente sobre o assunto, pois,

conforme afirma nosso grande mestre Paulo Freire, a leitura de mundo precede

à da leitura propriamente dita.

Segue abaixo o texto mencionado acima sobre o líder Zumbi dos

Palmares, texto que transcrevemos procurando ressaltar a história contada

pelo lado do oprimido:

TEXT: Why should we celebrate the day November 20th?For many years, Afro-Brazilian people have celebrated the day May 13th, because it was the date that the slaves criminally got free. But we know that the freedom was conquered and not offered. The truth is that the slaves were left on their own, without lands to plant, a house to live, and the worst: without the right to study. The result of this murder against the humanity, here in Brazil, is demonstrated through official numbers. This is because Afro-Brazilians are almost half of the population, 45% but only 2% of them are in Universities, and also among the unemployed, the percentage is bigger than among the nigger population.Due to the fight and organization of Nigger’s Movement, in the year 2003, the law n. 10.639/2003 was approved, changed by the law n. 11.645/2008. This law includes the day November 20th in the school calendar. It is called “Nigger’s Consciousness Day”. This date has much significance to Afro-Brazilians, because it was the day that the nigger leader “Zumbi dos Palmares” was murdered in an ambuscade. He is the proof that the Nigger’s Resistance and that the Brazilian black people didn’t accept the slavery peacefully. Their fight wasn’t just for freedom but for a fair society. Then, it is necessary to start studying and knowing the History told by the oppressed.

Iracema Maria de Sá

A importância de se trabalhar esse texto com nossos alunos reside no

fato de ter sido elaborado a partir de algumas releituras da nossa história

oficial, mas, desta feita, levando-se em consideração o lado do oprimido,

discriminado e marginalizado, entendendo que a invisibilidade desse

personagem histórico não é natural, mas, sim, social, e considerando ainda que

os preconceitos e as discriminações dispensados aos negros não foram

neutros, e sim ideológicos, portanto é possível desconstruí-los.

Posteriormente, apresentei a eles a biografia do poeta afro-americano

Langston Hughes.

Dentre as músicas e poemas contemplados para serem estudados,

destacam-se os poemas “I have a dream” (Martin Luther King), “I tôo sing

America” and “My people” (ambos de Langston Hughes) e a música “Ebony

and Ivory” (de Paul Mc Cartney e Stevie Wonder), cuja temática aborda

questões de discriminação racial e de intolerância contra os afrodescendentes.

Com a Abolição da Escravatura, saímos da senzala e fomos direto para

a favela. Por isso, até hoje, essa dívida não foi reparada. Pelo contrário, ainda

vivemos à margem, lutando pela igualdade de acesso à cultura, à educação, ao

respeito e ao acesso a todos os bens materiais e sociais a que temos direito.

Também é verdade, porém, que avançamos um pouco, porque hoje ninguém

mais duvida de que existe racismo no Brasil. Além do que, com a mobilização

dos Movimentos Sociais, o governo federal e os governos estaduais estão

instituindo políticas públicas, também conhecidas como políticas afirmativas,

que visam facilitar a redução das desigualdades raciais e sociais entre negros e

brancos no Brasil. Nos Estados Unidos a conquista pelos direitos civis foi

violenta, porém, graças a essa luta por igualdade nos anos 1960, visualizamos

agora seus resultados positivos. O racismo também por lá ainda não acabou,

mas os “Afro-Americans” estão representados em todos os segmentos da

sociedade, por exemplo: Barack Obama, Will Smith, Denzel Washington,

Byoncee, Martin Luther King, Langston Hughes, Rosa Parks, Malcom X e

muitos outros.

Vale salientar que o caderno pedagógico produzido para subsidiar professores

e alunos, contendo conteúdos teóricos e atividades práticas sobre

discriminação racial e exclusão social, contempla também poetas e poemas

afro-brasileiros. Por esse motivo, os professores de língua portuguesa do

colégio, sob a orientação e coordenação desta professora PDE, incentivaram

os alunos a estudarem a biografia de alguns poetas afro-brasileiros, tais como:

Solano Trindade, Luís Gama, Carlos Assumpção, Ele Semog, Alzira Rufino,

assim como seus poemas.

Após essas atividades, cada turma escolheu os três melhores intérpretes

de poemas do ensino fundamental e do ensino médio. Nossos alunos

interpretaram alguns poemas desses poetas, os quais abordam a temática das

injustiças sociais causadas pelo preconceito e discriminação racial contra os

afrodescendentes, sendo que esse trabalho culminou com o X Festival de

Poesias do colégio, realizado no teatro municipal da cidade.

Ao desenvolvermos esse trabalho também estamos contribuindo para

desmistificar a ideia do senso comum, muito presente, que é a de que os

principais países falantes da língua inglesa possuem cultura superior à nossa.

Pretendemos desenvolver o senso crítico nos estudantes com referência à

cultura e objetivos de se estudar uma língua estrangeira, acima de tudo,

demonstrar que a língua não é neutra, portanto, implícita e/ou explícita está a

sua ideologia, como afirma Coracini (1996, p. 4):

Na verdade, eu ousaria dizer que o ensino de línguas tal como está nas escolas (e não apenas públicas), nos três graus de ensino, corrobora para a idéia de que nada vale a língua estrangeira: em vez de colaborar para a construção do cidadão mais crítico, capaz de buscar, na cultura do outro, nas experiências do outro, elementos que o auxiliem a compreender a sua própria cultura, os fenômenos sociais e os acontecimentos políticos de seu país, capaz de se deixar convencer por uma ideologia globalizante, colabora para a idéia de que a língua é neutra, mero sistema de signos, de que a cultura é um conjunto de hábitos de um povo (o que se come, onde e quando, o que se compra, onde e quando etc.) e, portanto, não é portadora de ideologias; e, o que é ainda mais grave, contribui, de modo implícito (às vezes, explícito), para a construção de preconceitos que o inferiorizam bem como à sua cultura, que o tornam mais submisso e admirativo diante da língua e da cultura do outro.

Os professores devem dar condições aos estudantes para a realização

da leitura do texto literário, isto é, tema do texto, os contextos que permeiam

esse texto. E isto significa que os estudantes não podem ler um texto sem

antes conhecer alguma coisa sobre a língua e o assunto do texto também.

Com textos literários, as aulas de língua inglesa ficam mais interessantes. Elas

podem levar os estudantes a discutir aspectos relevantes da vida e a pensar a

respeito do mundo em que eles vivem (POLIDÓRIO, 2004, p. 41-42).

É importante pensar também sobre a forma como os jovens constroem

suas identidades por meio dos movimentos culturais e da mídia, o que

extrapola as fronteiras nacionais e cria novas linguagens e imagens entre a

juventude, gerando o que os autores denominam “estetas do multiculturalismo”,

tais como a etnomúsica e a imagem cinematográfica, que dão uma estética

diferente às etnias conforme Silva & Gonçalves:

No Brasil, o processo multicultural aconteceu de forma bem diferente dos Estados Unidos. No Brasil prevaleceu a mediação de um Estado interventor, o que dissimulou o racismo e fez com que só recentemente os segmentos sociais se mobilizassem. Já nos Estados Unidos, onde o Estado é menos interventor, o multiculturalismo se transformou em um

movimento de afirmações étnicas, mas também de conflitos sangrentos. (SILVA & GONÇALVES, 2006).

É necessário demonstrar aos estudantes que a literatura também é meio

de comunicação, fato esse que, muitas vezes, é esquecido como forma de

ajudar os estudantes a aprenderem inglês.

O uso de textos literários nas aulas de língua inglesa pode contribuir

para que essas aulas sejam mais dinâmicas. Com o uso dos textos literários

nas aulas, poderá haver melhores resultados porque os estudantes prestam

mais atenção e, consequentemente, há mais participação. Trabalhar com

textos curtos é um bom recurso para tornar a aula mais dinâmica, desde que o

professor use uma metodologia dinâmica. Essa metodologia consiste em

preparar um clima a respeito do tema do texto a ser trabalhado. Assim eles

entendem e isso faz com que se interessem pela leitura. Isso pode ser feito

através de canções e/ou com recortes de filmes que têm relação com o tema a

ser estudado (POLIDÓRIO, 2004).

Além do mais, interpretando Moita Lopes (2009, s/p), cabe dizer que, na

música popular, percebe-se, internacionalmente, também, cada vez mais, a

interpenetração de línguas. Isso é principalmente notado no rap global, que é

parte dos fluxos culturais que hibridizam o mundo. O que parece relevante é

observar como um fenômeno musical, iniciado em um bairro nova-iorquino,

com negros norte-americanos, tem seus discursos (modos de cantar, ritmo,

língua e visões do mundo) apropriados, criativamente, em outras partes do

mundo no interesse de resistir à situação de miséria que muitas pessoas nas

favelas e nos guetos vivem:

O que estou sugerindo, portanto, é uma ideologia linguística que entende o inglês global, uma língua descentrada, e seus usos em performances locais, como lugares de re-criação de uma anti-hegemonia, nos fluxos da fronteira, tornando possível contemplar outros futuros em outros discursos, construindo assim, “outra globalização”. (MOITA LOPES, 2009, s/p).

Considerando sua natureza plural, os vários ingleses falados no mundo

são lugares de muitos discursos, de contradições, de conflitos, de luta, de

heterogeneidade discursiva ou de semiodiversidade, tornado possível aventar

essa outra globalização. Os donos desses ingleses são, dessa forma, aqueles

que os usam e fazem deles o que desejam, reinventando-se em novas

performances identitárias e recriando o mundo. As margens são lugares que

conduzem a essa inspiração e seus limites devem ser ainda mais ampliados

com políticas de multilinguismo por meio das quais possamos circular em

outras línguas para além dos ingleses: um fato cada vez mais compreendido

como típico do mundo em que vivemos (MOITA LOPES, 2009).

Lazar (2004) comenta sobre o desenvolvimento das habilidades de

interpretação ao trabalhar textos literários com os alunos, habilidades que

ampliam sua capacidade com a ajuda dos textos, pois os textos são ricos em

ambiguidades ou em figuras de linguagem que auxiliam no desenvolvimento da

habilidade leitora, por estimularem os alunos a deduzirem as informações

implícitas no texto.

Ao se trabalhar com poemas e músicas (letras de músicas) cujas

temáticas abordam esses problemas, estaremos motivando nossos alunos para

as aulas de LE, contribuindo para a formação de cidadãos conscientes e

críticos, além de podermos trabalhar com conteúdos gramaticais, utilizando

músicas e poemas estudados.

Considerações Finais

De acordo com a nossa experiência e formação profissional referente à

temática da implantação e da implementação da História e Cultura Afro-

Brasileira nas escolas, aliada às atividades já desenvolvidas em nossa escola,

desde o ano de 2004, e ainda considerando todo o aporte teórico

proporcionado pelo programa do PDE do Estado do Paraná, percebemos que

“o preconceito maior está em nós, adultos”, repetindo o jargão: temos

preconceito de ter preconceito. Isto é, a dificuldade de abordar o tema da

discriminação sofrida pelos afrodescendentes brasileiros em nossas escolas

deve-se ao fato de termos recebido uma formação preconceituosa nos bancos

escolares, principalmente do ensino superior, onde ainda hoje há um currículo

eurocêntrico, o qual privilegia o estudo da etnia europeia, em detrimento da

africana e da indígena.

Aprendemos a aceitar que a invisibilidade e a situação desigual dos

negros brasileiros é algo normal. Talvez por esse motivo ainda é expressivo o

número de profissionais da educação que entendem não ser necessário

elencar essa temática como conteúdo de ensino. Não obstante essa situação,

a implantação de políticas públicas para a correção das desigualdades étnicas,

juntamente com a intensificação dos cursos sobre Diversidade Cultural

oferecidos pelos governos estadual e federal, bem como a distribuição de

material didático visando subsidiar o trabalho do educador, ainda que

timidamente, vem apresentando resultados positivos.

Importante é salientar que os currículos das universidades devem ser

reformulados para implantar e implementar os conteúdos da etnia africana e

indígena para poderem contribuir para a formação de alunos que saibam

respeitar e valorizar as diferenças étnicas e culturais do país.

O nível de aceitação e de participação dos alunos referente aos

conteúdos da diversidade étnico-racial é bastante satisfatório. Percebe-se que

os alunos não apresentam a mesma resistência dos adultos quando a

abordagem é o preconceito racial. Desse modo, o educador deve aproveitar as

situações concretas de discriminação e de preconceitos raciais para

estabelecer o debate propiciando condições para os alunos desenvolverem o

senso crítico e aprenderem a repudiar toda forma de exclusão, quer seja

étnica, seja social.

Para Iser, a obra literária mais eficiente é aquela que força o leitor a uma

nova consciência crítica de seus códigos e de suas expectativas habituais. A

obra interroga e transforma crenças implícitas com as quais a abordamos,

“desconfirma” nossos hábitos rotineiros de percepção e com isso nos força a

reconhecê-los, pela primeira vez, como realmente são. Em lugar de

simplesmente reforçar percepções que temos, a obra literária, quando, valiosa,

violenta ou transgride esse modos normativos de ver e com isso nos ensina

novos códigos de entendimento (1996, p. 84-5).

Diante disso, cabe declarar relevante todo trabalho cujo objetivo vise

auxiliar professores envolvidos com a língua inglesa a ministrarem aulas dessa

disciplina de maneira lúdica, prazerosa, abordando a temática da diversidade

étnico-racial.

Dessa forma, além de estarmos cumprindo preceito de lei, estaremos

também contribuindo para a formação de cidadãos através do engajamento

dos educandos em atividades que colaborem para que a temática sobre a

discriminação racial tenha um olhar crítico-reflexivo, visando desconstruir o

racismo, possibilitando aos educandos desaprender o racismo e de se

perceberem como cidadãos que têm o direito/dever de promover uma

sociedade com menos desigualdades étnicas e sociais.

REFERÊNCIAS:

BERTÚLIO, Dora Lucia de Lima. “Ação afirmativa no ensino superior; considerações sobre a responsabilidade do Estado Brasileiro na promoção do acesso de negros à universidade - o Sistema Jurídico Nacional”. In: PACHECO, Jairo Queiroz; SILVA, Maria Nilza da (Orgs.). O negro na universidade, o direito à inclusão. Brasília, DF: Teixeira Gráfica e Editora, 2007. p. 51-97.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. In: CAJÉ, Aline. A língua inglesa na escola pública e a relação com o saber. Disponível em: <http://www.posgrap.ufs.br/period94105.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2009.

CORACINI. Maria José R. Faria. “A formação do professor de línguas ( professor, educador, cidadania)”. O professor de línguas: repetidor ou educador? Florianópolis, 1996. In: CORDEIRO, Juci Mara (Org.). Anais da XV Semana Acadêmica de Letras. “Ensino Crítico de Língua Inglesa e Material Didático”. Cascavel, PR: Edunioeste, 2003. p. 141-153. Apud: artigo “ Ensino Crítico de Língua Inglesa e Material Didático”. p. 141 a 153.

CUNHA, Henrique Júnior. “África-Brasil no Pensamento Escolar”. Káwé Pesquisa – Ano I, nº 1, jan./dez. 2002.

FERREIRA, Aparecida de Jesus. Formação de professores - raça/etnia. Cascavel, PR: Coluna do Saber, 2006.

FRANTZ, Fanon. Os condenados da terra. In: GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz. Parecer nº 003/2004 do CNE/CP- Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Disponível em: <www.cne.gov.br>.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2005. p. 21 e 23.

GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz. Parecer nº 003/2004 do Conselho Nacional de Educação sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Disponível em: <www.cne.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2009.

ISER, Wolfgang. O ato da leitura. São Paulo: Editora 34, 1996.

LAZAR, G. Literature and Language teaching. A guide for teachers and trainers. Cambridge: Cambrigde University Press, 2004. In: POLIDÓRIO, Valdomiro. The use of literature in the english teaching. Cascavel, PR: Coluna do Saber, 2004.

MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: ideologia linguística para tempos híbridos. 2009. Disponível em: <http;// www.Scielo.br/scielo.php?script=sci>. Acesso em: 12 nov. 2009.

MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Discursos de identidades: discurso como espaço de construção de gênero, sexualidade, raça, idade e profissão na escola e na família. In: FERREIRA, Aparecida de Jesus. Formação de professores RAÇA/ETNIA. Cascavel, PR: Coluna do Saber, 2006. p. 49.

NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). "Sankofa: Significado e Intenções". In: SANKOFA. Matrizes africanas da cultura brasileira. Rio de Janeiro: EduERJ, 1996. p. 99 (Vol.I).

OLIVEIRA. Rachel de. “Educação de negros: escola, currículo escolar e currículo vitae”, p. 87. In: LIMA, Ivan Costa; ROMÃO, Jeruse (Orgs.). Negros e currículo. Florianópolis, SC: Núcleo de Estudos Negros/NEN, 1997 (Série Pensamento Negro em Educação, nº 2)..

POLIDÓRIO, Valdomiro. The use of literature in the english teaching. Cascavel, PR: Coluna do Saber, 2004.

POLIDÓRIO, Valdomiro. English literatures applied to the teaching of language. In: CORDEIRO, Juci Mara (Org.). Anais da XV Semana Acadêmica de Letras. Cascavel, PR: Edunioeste, 2003. p. 124-140.

SECAD. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Brasília, 2006, p. 55.