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DADOS DE ODINRIGHT · 2020. 3. 22. · DADOS DE ODINRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe eLivros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer

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DADOSDEODINRIGHTSobreaobra:

ApresenteobraédisponibilizadapelaequipeeLivroseseusdiversosparceiros,comoobjetivodeoferecerconteúdoparausoparcialempesquisaseestudosacadêmicos,bemcomoosimplestestedaqualidadedaobra,comofimexclusivodecomprafutura.

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ConvertedbyePubtoPDF

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1ªedição

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CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAFONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

Ramos,Graciliano,1892-1953R143g

Garranchos / Graciliano Ramos; [organização de Thiago Mio Salla]. – Rio deJaneiro:Record,2013.

Formato:ePubRequisitosdosistema:AdobeDigitalEditionsMododeacesso:WorldWideWeb

ISBN978-85-01-40206-6(recursoeletrônico)

1. Ramos, Graciliano, 1892-1953. 2. Ficção brasileira. I. Salla, Thiago Mio II.Título.

12-5413

CDD:869.93CDU:821.134.3(81)-3

Copyright©byherdeirosdeGracilianoRamoshttp://www.graciliano.com.brhttp://www.gracilianoramos.com.br

TextorevisadosegundoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.

DireitosexclusivosdestaediçãoreservadospelaEDITORARECORDLTDA.RuaArgentina,171–20921-380–RiodeJaneiro,RJ–Tel.:2585-2000.

ProduzidonoBrasil

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ISBN978-85-01-40206-6

SejaumleitorpreferencialRecord.Cadastre-seerecebainformaçõessobrenossoslançamentosenossaspromoções.

Atendimentoevendadiretaaoleitor:[email protected](21)2585-2002.

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Sumário

Introdução—GarranchoseoutrosRamos

ANOS1910

NaTerradoFogoascoisasestãofriasCoisasdoRioLinhastortasIIIOladrão

ANOS1920

Garranchos[I]Garranchos[II]Garranchos[III]Garranchos[IV]Garranchos[V]Garranchos[VI]Garranchos[VII]Garranchos[VIII]Garranchos[IX]Garranchos[X]Garranchos[XI]Garranchos[XII]Garranchos[XIII]Garranchos[XIV]Factosefitas[I]Factosefitas[II]Factosefitas[III]Factosefitas[IV]Factosefitas[V]Factosefitas[VI]

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JudasUmacarta

ANOS1930AINDAEMMACEIÓ

Macobebapré-histórico(I)Macobebaantigo(II)OálcoolPrefeiturasmunicipais(I)Prefeiturasmunicipais(II)SertanejosChavõesOtestadeferroMulheresDoutoresUmromancistadoNordesteOromancedoNordesteAlgunsnúmerosrelativosàinstruçãoprimáriaemAlagoasAliteraturade30

DEPOISDASAÍDADOCÁRCERE

UmacartadeGracilianoRamosJorgeAmadoMulheres...D.ZiziOnegronoBrasilUmanúncioUmlivroinéditoIIUmatentativadeexplicaçãoDocumentário—RespostadeGracilianoRamosIdeiasnovasDiscursodeGracilianoRamosAgradecimentoàSociedadeFelippeD’OliveiraUmavisitainconvenienteOestranhoPortinari

DEPOISDAENTRADANOPCB

Estavontadeéanossaarma:Constituinte!

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Atarefaprincipal:Constituinte!RevoluçãoRussaOscandidatosdoPartidoComunistaAsrãsestãopedindoumreiCartaaosalagoanosOPartidoComunistaeacriaçãoliteráriaDecadênciadoromancebrasileiroAosestudantesPauloHonórioDiscursoàcélulaTeodoroDreiserIDiscursoàcélulaTeodoroDreiserIICulturaaserviçodopovoSolilóquioderramadoPrestesLembrançadoIIICongressoOúltimoromancedeAlinaPaimAprisãodolivroMundodaPazDiscursonaABDEConvocaçãoViverempazcomahumanidadeinteiraAABDEeosatentadosàculturaargentinaCartadeGracilianoàscriançasCondenaaguerrabacteriológicaaAssociaçãoBrasileiradeEscritoresUnidadeemdefesadosdireitosdoescritorApelodeGracilianoRamosaosintelectuaisbrasileirosDeGracilianoRamosaObdulioBarthe

VIDAEOBRADEGRACILIANORAMOS

CronologiaBibliografiadeautoriadeGracilianoRamosAntologias,entrevistaseobrasemcolaboraçãoObrastraduzidasBibliografiasobreGracilianoRamos

Índiceonomástico

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Introdução

GarranchoseoutrosRamosTHIAGOMIOSALLA1

Opresentevolumereúne81textosdeGracilianoRamosinéditosemlivro,produzidos pelo escritor alagoano em diferentes momentos de sua trajetóriaartística, intelectual e política, abrangendoumperíodoquevai demeados dosanos1910atéo iníciodadécadade1950.Nesseconjuntodíspar,não incluídonas obras póstumas Linhas tortas (1962) e Viventes das Alagoas (1962),encontram-secrônicas,epigramas,artigosdecríticaliterária,discursospolíticos,cartaspublicadasnaimprensa,oprimeiroatodeumapeçadeteatro,alémdeumconto juvenil intitulado “O ladrão”, datado de julho de 1915, entre outrasproduçõesesquecidasemvelhosperiódicoseacervosdetodoopaís.Cadauma,aseumodo,permite iluminarfacetaspoucoconhecidasou,atéentão,obscurasdoautordeVidassecas,fornecendomaissubsídiosparaafundamentação,peloleitor, de certos elementos concernentes a sua poética, além de ampliar aspossibilidades de leitura e compreensão do papel desempenhado tanto pelohomemquantopeloartistaGracilianoRamos.Nesta coletânea, figuram desde escritos nos quais o autor ainda se vale de

diferentes pseudônimos, abreviaturas e iniciais (Ramos Oliveira, Ramos deOliveira,LúcioGuedes,X,R.O., J.C.,G.R.)2 até aqueles emque já os assinacomonomepelo qual se tornou literariamente consagrado.Demaneira geral,nos textosestampadosna imprensaaindanosanos1910,oescritoroptavapordeixar de lado o prenome e valer-se apenas dos nomes de família “Ramos deOliveira” (ou “Ramos Oliveira”) ou ainda das iniciais destes, “R.O.”. Algunsanos depois, nas páginas do jornal interiorano O Índio, o procedimento deencobrir-seganharealce:porconveniência,oautorsubscrevesuasproduçõestão

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somente por meio de pseudônimos, entre os quais se destacam “AnastácioAnacleto”,“J.Calisto”,“J.C.”e“X”3.Em1930,nascolaboraçõesparaoJornalde Alagoas, o artista ainda se ocultava, fosse por meio da alcunha “LúcioGuedes”,fosse,maisdiscretamente,medianteoempregodascapitulares“G.R.”.Somenteapartirde1931,emsuacontribuiçãoparaNovidade,revistaalagoanana qual publica pela primeira vez um trecho de romance,4 passará a assinar“GracilianoRamos”, deixandode lado, desde então, toda equalquer formadedisfarce.Seos textos da presente coletâneavariamquanto ao gênero e aos traços de

autoria, o mesmo se pode dizer no que diz respeito aos assuntos. Entre eles,destaquepara:asimpressõesdoaindajovemcronistasobreoRiodeJaneirodocomeçodoséculoXX;diferentesaspectosdavidasertaneja;ocenáriopolíticoalagoano no começo dos anos 1930; a exaltação da arte dos romancistasnordestinos;osdebatesliteráriosdacapitaldopaís,nomomentoposteriorasuasaída do cárcere; a militância comunista em seus últimos anos de vida; osdebates em torno da Constituinte de 1946; e a defesa dos autores nacionaisquando de sua passagem como presidente da Associação Brasileira deEscritores.Emmeioa tamanhadiversidade,ocritérioquenorteoua seleçãodos textos

orapublicados,cujaautoriadeGracilianopudesse sercomprovadademaneiraassertiva,foiapublicizaçãopreliminardestesfeitapeloautor,sejaempáginasdejornaiserevistas,sejaemdiscursosecomícios.Taldiretrizeditorialfezcomquese privilegiassem escritosmais bem acabados, trazidos previamente a públicopeloartista,aindaqueemsuportesprecários,distantesdaperenidadeeprestígiodoformato livresco.De todomodo,emsuamaioria,nãose tratadeesboçosefragmentos, ou seja, de versões anteriores que possivelmente viriam a ganharoutroacabamento.Fogemdessaregraapenascincoproduções,extraídasúnicaeexclusivamente

demanuscritos,ouseja,semexposiçãooralou jornalísticapréviaefetuadaporGraciliano:oreferidoconto“Oladrão”eascrônicas“Aliteraturade30”,“JorgeAmado”, “O negro no Brasil” e “Revolução Russa”. A inclusão de taiscomposiçõesnestesGarranchossejustifica,sobretudo,emfunçãodarelevânciacultural que apresentam quer para o conjunto da obra do autor, quer para acompreensão matizada de suas posturas em face de importantes questões daépocaemqueviveu.

Garranchoseopseudorrebaixamento

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Aparentemente paradoxal, a escolha do termo “Garranchos” para nomear estacoletâneadeve-se,emprimeirolugar,aofatode14dostextos,oraapresentados,terem sido publicados em seção com estemesmo título no jornalO Índio, dePalmeiradosÍndios,entrejaneiroemaiode1921.Logo,emmeioaoconjuntoheterogêneodemaisdeoitentaescritosaquireunidos,estasériesedestacaporconstituir uma unidade específica, de crônicas articuladas entre si, em que onarrador projetado porGraciliano, encoberto pelo pseudônimo “X”, procuravaconstruir uma identidade e um estilo bem definidos. Em tais produções, oescritorprivilegiavaumdiscursomaisdiretoeparticipativo,assumindo,muitasvezes,acondiçãodedefensordapopulaçãodacidade interiorana representadapelojornal.Paratanto,recorrentemente,vale-sedeumtomopinativoemordazdepolemista.5Demaneira análoga, os demais textos integrantes do presente livro também

revelamumGracilianomais atuante,que tomapartidoenão fogeà lutaao sedefrontarcomasprincipaisquestõesliteráriasesociaisdeseutempo.Oescopode sua ação, contudo, amplia-se: não serámais omicrocosmomunicipal, nemdepois a esfera estadual, mas sim o país, o grande diálogo nacional. Sejacolocando-seafavordoromancenordestinode1930,sejamilitandonoPartidoComunista do Brasil, posiciona-se diante dos grandes debates artísticos epolíticosemtornodaconstruçãodopaís.Paralelamente,aopçãopeloreferidotítulorecuperacertatradiçãoinstaurada

pelaobrapóstumaLinhastortas.Adenominação“LinhasTortas”,tambémnomedeumaseçãodejornalcomandadaporGraciliano,6assimcomo“Garranchos”,ou ainda “Traços a esmo”, designação de outra série sob a tutela do escritor,7traduzbemaaparenteprecariedadeatribuídapeloartistaasuascolaboraçõesnaimprensa.Paranomeá-las,elelançoumãodecertaestratégiaretóricaconhecidacomo inaniaverba (palavras fúteis), recorrentementeutilizadanaconceituaçãodogênerocrônica.Emlinhasgerais,talartifícioprevêorebaixamentodostextosjornalísticos (referidos como frivolidades sem maiores compromissos) e doprópriomisterdecronista,comomeiodetorná-los,emsentidocontrário,aindamais persuasivos. A suposta humildade reivindicada por tal procedimentoajudariaadignificaracondiçãodaquelesqueescrevem“aocorrerdapena”,bemcomo ampliaria as possibilidades de obtenção da benevolência do leitor,corroborandooêxitodointentocomunicativoproposto,noqual,muitasvezes,afunçãodidáticaparecesobrepujaraestética.Graciliano, portanto, não se furta a essa tradição. Se o título Linhas tortas

remete às noções de imprecisão formal, descaso e inferioridade, pormais queagrupetextosdereconhecidovalor,8omesmosepodedizeremrelaçãoaestes

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Garranchos.Etimologicamente,entreoutrasacepções,talpalavrapodereferir-setanto aos ramos tortuosos de uma planta quanto, por analogia, a letras maltraçadas,poucolegíveis.Nessesentido,pormaisqueosescritosreunidosnestapresente coletânea não alcancem a estatura dos romances,memórias e contos,apresentando-semetaforicamente como galhos tortos de uma árvore frondosa,bemestabelecidanocentrodojardimliterárionacional,têmoméritoderevelarnovosaspectosdoartistaedesuaobra,bemcomoengrandeceraambos.

GarranchosaolongodotempoComo abarcam diferentes fases e inflexões da atividade intelectual deGraciliano, os textos foram agrupados em cinco blocos, tendo como base umcritério de ordem cronológica, especificado, quando necessário, por dadosgeográficos e biográficos. São eles: “Anos 1910”; “Anos 1920”; “Anos 1930aindaemMaceió”;“Depoisdasaídadaprisão”e“DepoisdaentradanoPCB”.Na primeira parte, “Anos 1910”, têm-se escritos do momento da primeira

permanência deGraciliano noRio de Janeiro, entre 1914 e 1915, quase vinteanosantesdapublicaçãodeseusprimeirosromances.Trata-sedetrêscrônicasedeumconto,assinados,oucomossobrenomesdoautor(“RamosdeOliveira”oucomavariante“RamosOliveira”),oucomasiniciaisdestes(“R.O.”).Noquedizrespeitoaostextosjornalísticos,privilégioparaatematizaçãodefaitsdiversretiradosdos jornaisdegrandecirculaçãodacapital federal,bemcomoparaafigurativizaçãodedadosrecolhidosdaprópriaexperiênciadonarrador,aflanarpelacidadeepelodiscursoculturalnoqualelaseassentavajáemfinsdeBelleÉpoque.UmdostextoscronísticosfoiestampadonojornalParaybadoSul,dacidade do interior fluminense demesmo nome, e os outros dois no Jornal deAlagoas,jáque,alémdecolaborarcomaimprensacarioca,oescritor,comoumaespécie de correspondente, enviava suas produções para serem publicadas nacapitalalagoana.Além de crônicas, Graciliano também escreveu alguns contos durante sua

estadainicialnoRiodeJaneiro.EmcorrespondênciaenviadaàirmãLeonor,em10 de julho de 1915, o jovem escritor aponta que até aquele momento haviacompostoquatrodeles: “Maldiçãode Jeovah”, “Acarta”, “Odiscurso”e“Umretardatário”, chegando a destinar este último para publicação nas revistasAmericana eConcórdia.9 Ao que parece, todos se perderam, inclusive o queteria sido supostamente estampado em periódico, restando tão somente anarrativa“O ladrão”,aindaemmanuscrito,queagora seapresentaaos leitorespelaprimeiravez.10ConformesublinhaFernandoAlvesCristóvão,ela temum

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caráterseminal,merecendoserpublicada“peloquepermiteesclarecersobreasprincipaisdeterminantesdoestiloedaevoluçãodoautor”.11Na seção “Anos 1920”, agrupam-se textos domomento em que Graciliano

retomaaatividadejornalísticanaspáginasdoperiódicoprovincianoOÍndio,dePalmeiradosÍndios.Noiníciode1921,seisanosdepoisderetornardoRiodeJaneiroedeseestabelecercomocomercianteemtalcidadedoagrestealagoano,oautorcomeçaaescreverparaapequenafolhalocal.Dejaneiroamaiode1921,colaborou de maneira intensa nas 14 edições iniciais da publicação, que eradirigidapelopárocodomunicípio.12Afora alguns textos eventuais,Gracilianoera responsável por três seções: “Factos e Fitas”, “Garranchos” e “Traços aEsmo”.Aprimeira,queabrangeumtotaldeseiscomposições,reuniaepigramassatíricos,prioritariamenteemprosa,assinadoscomopseudônimodeAnastácioAnacleto.Asegundaeaterceiraeramespaçosprivilegiadosparaaveiculaçãodesuaproduçãocronística.Nelas,publicousériesde14textos,mantendo-seocultopelospseudônimos“X”e“J.Calisto”,respectivamente.Desseconjunto,apenasosescritosassinadoscomopseudônimo“J.Calisto”

foramreunidosnaobrapóstumaLinhastortas.Os14subscritospor“X”,osseisfirmadospor“AnastácioAnacleto”eumacrônicaisoladanaqualGracilianoseencobre com as iniciais “J.C.” (em que a última letra deve ser tomada comoumaabreviaturade“Calisto”,docriptônimo“J.Calisto”)são,aqui, reunidosetrazidosapúblicopelaprimeiravezemlivro.Omesmosepodedizerde“Umacarta”, missiva em que o escritor, assinando agora “G. Ramos”, nega tercolaboradoemOÍndioedizdemaneirairônicaquenãosabiaescreverequenãomereciatalhonra.13Já a terceira parte, “Anos 1930 ainda emMaceió”, abarca as produções do

período em que Graciliano ocupava cargos administrativos na burocraciaestadual e convivia como talentosogrupode intelectuaisque então residianacapitalalagoana,entreosquaisseencontravamRacheldeQueirozeJoséLinsdo Rego. Nesse momento, colaborava principalmente com o Jornal deAlagoas,14 periódico governista, um dos mais importantes do estado, orautilizando o pseudônimo “Lúcio Guedes”, ora assinando as crônicas com asiniciaisG.R.Residindoeescrevendonacapital,passaaprivilegiarassuntosdeabrangênciaestadualnamedidaemqueprocuravaaproximar-seeparticipardodiálogo com os habitantes da cidade litorânea, representados pelo jornal emquestão.NosseistextosquepublicounoJornaldeAlagoas,aolongodoanode1930,detém-sequaseexclusivamentenatematizaçãodecertaspráticaspolíticasalagoanas, procurando evocar, direta ou indiretamente, os avançosmodernizadores da gestão do governador Álvaro Paes15 em contraposição ao

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queocorrianasadministraçõesanteriores.À medida que adquire maior status artístico, observa-se que a produção

cronística de Graciliano sofre uma inflexão. Ao mesmo tempo que passa aassinar os textos com o nome pelo qual se tornou artisticamente conhecido,abandonando o véu dos pseudônimos, o escritor deixa de privilegiar assuntosrelacionados à vida sertaneja para tratar de literatura. Nesse processo, suascrônicas adquirem mais o aspecto de artigos, com o crítico se detendo maisespecificamente num assunto: o romance nordestino de 1930. Como se podeperceber, por exemplo, nos escritos “Um romancista do Nordeste” ou “Oromance do Nordeste”, o autor procurará valorizar tal atividade regional,reconhecendo-lhemaiorverossimilhançaartísticaaocompará-lacomaproduçãoromanesca brasileira escrita até então, sobretudo com aquelas obras feitas porliteratos“oficiais”daAcademia.Na seção “Depois da saída da prisão”, privilegiam-se textos do período em

queoromancistapassaamorardemaneiradefinitivanoRiodeJaneiroeaviverdeseu trabalho literário,oqueoobrigaacolaborar intensamenteem jornaiserevistas.16Logonoprincípiodessanovavida, passa a escrever para a IBR—ImprensaBrasileiraReunidaLimitada—,umaagênciadenotíciasdeSãoPauloquedistribuíamatériasdediferentescolaboradoresparaumacadeiademaisdeduzentos jornais de todo o país.17 Além disso, sem intermediários, colaboraraaindacomváriosperiódicoscariocas,taiscomo:OCruzeiro,VamosLer!,DomCasmurro,Revista doBrasil,Diretrizes,Observador Econômico e Financeiro,Diário deNotícias,DiárioCarioca,FolhaCarioca,O Jornal,A Tarde, entreoutros.18OstextosdeGracilianoescritosnessemomentodesuasegundapermanência

no Rio tratam basicamente de literatura e da vida literária nacional. Sãoassinadoscomonomeartísticodoautor,agoraumrenomadoromancista,que,alémdeCaetéseSãoBernardo,viuseulivroAngústia serpublicadopelaJoséOlympio,em1936,quandoaindaseencontravanacadeia.Énessecontextoqueoescritorseaventurapelogênerodramático.Emjulho

de1942,publicounaRevistadoBrasiloprimeiroquadrodeumapeçaintituladaIdeiasnovas,queaqui,pelaprimeiravez,seapresentaemlivro.Nãosesabeoporquê,maso trabalhonão tevecontinuidade.Dequalquermaneira,apesarderesumir-se a um trecho inicial, o documento se mostra relevante por dar aconhecer a incursão do artista pelo universo teatral. Revelando afinidade comArtur Azevedo e Martins Pena,19 tal iniciativa pode ser descrita como umacomédiade costumes, cujopanode fundoera avidadeuma família sertanejacontemporâneaaomomentodeenunciaçãodoautor,ouseja,o iníciodosanos

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1940.Por soba figurativizaçãodoenredo,percebe-sequeoartista, emúltimainstância, procura discutir literatura. A filha libertária e a mãe conservadora,retratadas no texto, alegorizariam, respectivamente, o romance de 1930 e oslivros românticosdopassado (oumesmoos romances intimistasdeorientaçãocatólica do presente). Obviamente, Graciliano recusa estes em favor daquele,enaltecendooexamecríticoesempudoresdavidasertanejaensejadoporJorgeAmadoeJoséLinsdoRego,entreoutrosdeseuscompanheirosdegeração.Por fim, na última parte, “Depois da entrada no PCB”, reúnem-se artigos,

discursosemanifestosdafasedemilitânciapolíticadeGraciliano.20Emagostode 1945, pelas mãos do próprio Luís Carlos Prestes, Graciliano filia-se demaneiraoficialaoPartidoComunistadoBrasil.Nessemomento,aorganizaçãovoltavaafuncionarlegalmenteeseaproximavadojádecadenteditadorGetúlioVargasnocontextodofinaldaSegundaGuerraMundial.Oromancistaalagoanose tornaummilitantedisciplinado.Participavadecélulas,encontrosereuniõespartidárias;pronunciavaeredigiadiscursos,sobretudonocontextodaeleiçãodaAssembleiaConstituintede1946;alémdecolaborar, semgrande regularidade,comveículosdaimprensacomunista.Duranteesseperíodo,apartirdemaiode1951,oromancistaassumeapresidênciadaAssociaçãoBrasileiradeEscritores(ABDE), num momento em que a instituição estava sob total controle dopartidão. Na qualidade de dirigente, redige notas e declarações em defesa,sobretudo,daliberdadedeexpressãoedapaz.Entre os textos de jornal, destaque para a crônica “Prestes”, publicada em

janeirode1949,nojornalClasseOperária,órgãooficialdoComitêNacionaldoPCB.21 Trata-se de uma narrativa de caráter encomiástico, em celebração aoaniversário do líder do partido.22Contudo, logo no início, o escritor alagoanosinaliza que deixaria de lado o mito Prestes, resultado da força criadora damultidão,paratratardohomemLuísCarlosPrestes,opondodialeticamenteumeoutro.Logo,namedidaemquepropõeaapresentaçãonãodeumserinatingível,massimdeumafiguradecarneeosso,Gracilianoredimensionaopanegírico,fugindo da glorificação pura e simples do dito “Cavaleiro da Esperança”,procedimentolaudatóriohabitualnaquelemomento.Se, por um lado, seus discursos desse período apresentam cunho

eminentemente político e partidário, por outro, destacam-se do ponto de vistaformalpelocuidadoeplanejamentodaexpressão,assemelhando-seemmuitosaspectos aos textos direcionados a publicações impressas. É o próprioGraciliano,emcartade12deoutubrode1945,endereçadaaofilhoJúnio,quemcomentatalsimilitude,lembrandoaestratégiaretóricaempregadanumcomícionazonanortedoRiodeJaneiro,em7deoutubrode1945:“Decidi,pois,falar

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num discurso como falo nos livros. Iriam entender-me? Talvez metade doauditório fosse formadopelasescolasdesamba. (...)Eraarriscado.Aceitariaamultidão essa literatura sem metáforas e crua?”23 Como evitava falar deimproviso,elaboravasuasfalasporescrito,selecionandocomacuidadetermos,frases e argumentos.Contudo, nada que o distanciasse do público,muito pelocontrário: a opção por uma prosa meticulosamente acessível, despida derebuscamentos bacharelescos, o emprego de metáforas pedestres, exemploscotidianos,informaçõescorrenteseoprivilégioparaaprimeirapessoadoplural,amalgamando enunciador e enunciatário, favoreciam a empatia com aassistência,bemcomoapersuasãoeaseduçãodestaemtornodamensagemdetransformaçãosocialanunciada.Portanto,osdiscursosaquiapresentadosvalemnão só enquanto documentos de época,mas também enquanto peças retóricasrepresentativasdaforçadotextodeGraciliano.

GarranchospodadosPorsetratardemerosexercíciosliterários,nãoforamcoligidas,nestevolume,asproduções adolescentes publicadas por Graciliano nos jornais de tiragem ecirculação restritasODilúculo24 eEcho Viçosense,25 quando ele tinha apenasentre11e13anosdeidade.SeguindorecomendaçãodadapeloautoraseufilhoRicardoRamos de nunca publicar poesia,26 também se excluíram da presenteedição cerca de sessenta poemas e sonetos estampados na revista carioca OMalho e nos periódicos alagoanos Jornal de Alagoas,Correio de Maceió eArgos, entre 1907 e 1913.27 Como se trata de uma sequência inconclusa edescontinuada, deixou-se ainda de fora o manuscrito “J. Carmo Gomes”,desconhecidacontinuaçãodoconto“AprisãodeJ.CarmoGomes”,recuperadaporFernandoAlvesCristóvão.28Outras ausências foram os sete textos em prosa assinados pelo pseudônimo

“Lambda”saídosnoJornaldeAlagoas, entre1909e1913, e emOÍndio,em1921.29Apesardealgunscríticossugeriremqueessasproduçõesseriamdoautorde Angústia, têm-se fortes indícios para se recusar tal atribuição de autoria,sobretudoquando se considera a crônica “Solidariedade”, estampadano jornaldePalmeiradosÍndiosem24deabrilde1921.Emchavenãoirônica,otextoémarcado por certo tom doutoral, bem como por irrestrita adequação à moralreligiosa,algobemdistantedomaterialismoedocriticismomordazdoautor.30Como se apresentam aqui textos de diferentes períodos, eles obedecem a

padrões ortográficos variados. Nesse sentido, optou-se por uniformizar as

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grafias, atualizando-as de acordo com as regras correntes. Realizaram-setambémasoluçãoocasionaldeerrostipográficos,semprereferidosemnota,eapadronização de formatações especiais (negrito, itálico e sublinhado). Forammantidos, entretanto, os casos de pontuação, concordância, colocaçãopronominal e regência de caráter mais estilístico. Como algumas crônicas ediscursos não apresentavam títulos, coube ao organizador atribuí-los, optandosempre por nomes “econômicos, diretos e previsíveis”, bem ao feitio deGraciliano.31Investiu-seaindanaproduçãodenotasderodapé,tendoemvistaoobjetivo de facilitar a compreensão deste conjunto de composições tãodiversificadoeheterogêneo,produzidoemcontextossocioculturaistãodistintos.Tal iniciativa procurou, assim, aproximar esta coletânea dos leitores atuais deGraciliano, retomando, quando possível, os diálogos do tempo da primeiraveiculação oral ou escrita das produções aqui reunidas. Todos os cuidadosvisaram à confiabilidade, à integridade e à inteligibilidade para que estesGarranchosseestabeleçamcomofontedeconsultaparanovosestudossobreoautordeVidassecas.32

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Notas1.ThiagoMioSallaébacharelemportuguês,linguísticaejornalismopelaUSP,alémdedoutoremComunicação Social e doutorando emLetras pelamesma universidade.Defendeu a teseO fio danavalha: Graciliano Ramos e a revista Cultura Política (2010) e, a partir de 2011, desenvolvepesquisasobrearecepçãodaobradoautordeVidassecasemPortugal. 2. Uma série de estudiosos da obra do autor confirma que ele se valera de pseudônimos:MIRANDA,Wander deMelo.GracilianoRamos. São Paulo: Publifolha, 2004; PINTO,RolandoMorel.GracilianoRamos:autoreator.Assis,SãoPaulo:FaculdadedeFilosofia,CiênciaseLetrasdeAssis,1962;GAMA,MariaLúciaPalma.“Projetoparainéditos”.RevistadoInstitutodeEstudosBrasileiros,SãoPaulo,nº35,1993,pp.201-4;SANT’ANA,MoacirMedeirosde.GracilianoRamosantesdeCaetés.Maceió:ArquivoPúblicodeAlagoas,1983.Informaçõestambémpresentesnositeoficialdoautor:http://www.graciliano.com.br/vida_linhadotempo.html. 3. Ousode talpseudônimoé referidoapenasporGAMA,MariaLúciaPalma,op.cit., p. 201.Contudo, seja pela extensão de seu emprego no jornalO Índio, seja pela proximidade temática eestilística das composições assim acobertadas em relação às crônicas assinadas por “J. Calisto”,disfarceinquestionáveldeGracilianonaspáginasdoreferidoperiódico,nãohásombradedúvidadeque o artista se valeu de tal alcunha para ocultar-se diante dos leitores. Como se sabe, o escritoralagoanocolaborouapenascomas14primeirasediçõesdafolhadePalmeiradosÍndios.(RAMOS,Graciliano.Cartas. Rio de Janeiro:Record, p. 72). Tão logo deixou o veículo, não por acaso, ostextos rubricados por “X” deixaram de ser publicados, totalizando 14 crônicas sequenciadas,estampadasnaseção“Garranchos”.Alémdisso,aênfasenainterlocuçãoeoempregodecertotomirônico e zombeteiro, direcionado ao tratamento de temas como o Carnaval, a Semana Santa, ascomplicações domundomoderno e a alfabetização, entre outros, evidenciam o parentesco dessasproduçõescomosdemaistextoscronísticoscompostospeloartistanaquelemomento. 4. Trata-sedocapítuloXXIVde seu livroainda inéditoà época,Caetés. (RAMOS,Graciliano.“Cahetés–capítuloXXIV”.Novidade,Maceió,nº9,6dejunhode1931).5.Emváriasoportunidades,porexemplo,protagonizaumacampanhaemdefesadoincrementodainstruçãopúblicanomunicípio.Naprimeiradelas, a crônicadenúmero IV,de20de fevereirode1921,apelaparaoargumentodasupostarelaçãoentreadegradaçãomoraldapopulação,sobretudodascrianças,eoanalfabetismo,comointuitodesensibilizarseusinterlocutoreshabituaise,aofim,osprópriosgovernantes,aosquaisendereçaumasúplica:“Abriescolas,senhoresdogoverno,essesviveirosdeesperança(...)e tereisprestadoumgrandebemànossapátria”(X[GracilianoRamos].“Garranchos[IV]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº4,20defevereirode1921,p.2).Destacaque, na cidade, contudo, criavam-se diariamente centros de diversões,mas não se abria nenhumaescola.Àmedidaquevaiconstruindoseudiscursosobreacidade,deacordocomumaperspectivadeorientador social, o narrador dosGarranchos continuava a privilegiar a tematização de supostosproblemasqueafligiamosmunícipes,taiscomoaprecariedadedailuminaçãopública;asmelhoriasno abastecimento de água que custariam caro à população; a ausência de árvores nas ruas; aprecariedade do cinema local, incompatível com a modernidade da qual a cidade almejava fazerparte,entreoutros. 6. Seção publicada no Jornal de Alagoas, de Maceió, entre março e maio de 1915, quandoGracilianoseencontravanoRiodeJaneiroeenviavacrônicassobrediferentesaspectosdacapitalcariocaparaseremestampadasemtalperiódicoalagoano. 7. Títulode seçãoencontrada tantoemOÍndio, noprimeiro semestre de1921, comono jornalfluminenseParaybadoSul,entreabrileagostode1915.

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8. “As crônicas e artigos deGraciliano certamente não têma estatura textual de suasmelhorespáginasderomanceoumemória.Aindaassim,emseuconjunto,respeitadasasdiferentescondiçõesdeprodução,circulaçãoeconsumo,sãoescritosqueestãolongededesmereceroautor.Muitossãoobras-primas no gênero, continuação segura da melhor tradição brasileira no ramo, cuja fonteprincipaléMachadodeAssis.”(GARBUGLIOetal.GracilianoRamos.SãoPaulo:Ática,1987,p.118.)9.RAMOS,Graciliano.Cartas.RiodeJaneiro:Record,1981,p.57.10.Talcontonãodeveserconfundidocomotexto“Umladrão”,recolhidopeloautoremDoisdedos(1945),Histórias incompletas (1946) e Insônia (1947). Apesar do título semelhante, as históriasversamsobresituaçõesdiferentesesãocompostasdeacordocomorientaçõesformaiseestruturaisdistintas.Paramaisinformações,verasnotasaopróprioconto“Oladrão”,presentenestevolume.11. CRISTÓVÃO,FernandoAlves.“UminéditodeGracilianoRamosprenunciaobrafutura.”In:Diálogosdacasaedosobrado:ensaiosluso-brasileiroseoutros.Lisboa:EdiçõesCosmos,1994,p.137.12.OÍndio,jornalindependente,literárioenoticiosoeraumapublicaçãoemtamanhotabloide,dequatropáginasdivididas emquatro colunas,que circulounomunicípiodePalmeirados Índiosdefevereirode1921ajaneirode1925.Aredaçãodoperiódico,comandadopelopadreMacedo,ficavanasacristiadaigrejapalmeirense.13.RAMOS,G.[GracilianoRamos]“Umacarta”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº17,22demaio de 1921. Tal afirmativa não passava de pura ironia, pois, como se sabe, mesmo no sertão,Graciliano era considerado um homem de letras nesse momento: lecionava francês no ColégioSagrado Coração, ensinava, sem formalidades escolares, português e gramática para diferentesgruposdepessoas,assinavaváriosjornaisdoRiodeJaneiroesolicitavalivrospeloscatálogosdaseditorasAlves,GarniereMercuredeFrance(asduasprimeirasdacapitalfederaleaúltimadeParis).14. O Jornal de Alagoas é lançado em 1908. Em 1914, com o intuito de divulgar informaçõesreferentesàPrimeiraGuerraMundial,passaaterduasediçõesdiárias.Em20defevereirode1920,jáapresentavaumformatomoderno,comoitopáginas.Foioprimeiroperiódicoaoferecer,emsuasediçõesdominicais,umsuplementosemanalilustradoquetratava,entreoutrosassuntos,deliteratura.Em1926,estampavaaprimeirapáginaexclusivamenteliteráriadaimprensaalagoana,sobadireçãodopoetaLobãoFilho(SANT’ANA,MoacirMedeirosde.HistóriadaimprensaemAlagoas(1831-1981).Maceió:ArquivoPúblicodeAlagoas,1987).15.ÁlvaroPaespermaneceuàfrentedoExecutivoestadualde1928a1930,quandofoidepostopelarevolução de 3 de outubro. Em seu governo, prosseguiu com a política de seus antecessores deampliaçãodeestradasderodagemedeexpansãodecooperativasdecréditoagrícola.MereceuumacrônicaencomiásticadeGraciliano,intitulada“ÁlvaroPaes”,publicadanoJornaldeAlagoasem12dejunhode1930(RAMOS,Graciliano.Linhastortas.RiodeJaneiro:Record,2005,pp.123-6).16. Comose sabe,Graciliano foipresoem1936, emMaceió, semacusação formal.Emseguida,levado para oRio de Janeiro, o escritor ficou preso até janeiro de 1937.Após sua libertação, eledecidefixar-senacapitalcariocaededicar-se,sobretudo,àcarreiraliterária.17.ConformesublinhaopróprioGraciliano,entreoscolaboradoresdaagênciadenotíciasestavamJoséLinsdoRegoeGilbertoFreyre,oqueparaosdiretoresdaempresaeraummotivodehonra(RAMOS,Graciliano.Cartas.RiodeJaneiro:Record,1981,p.180).18.Dentreestesperiódicos,GracilianocolaboroumaisintensamentecomoDiáriodeNotícias,tidonos anos 1930 e 1940 como “um dosmais importantes jornais do país” (BAHIA, Juarez. Jornal,história e técnica. SãoPaulo:Ática, 1990, p. 180).Ao todo, entre crônicas, artigos e contos, quedepoisviriama fazerpartedesuasobras ficcionaisoumemorialísticas,estampou35 textosemtalfolha. Vale salientar ainda que, além de escrever para a imprensa da capital federal, Gracilianocomeçouacolaborar,apartirdedezembrode1945,emATribuna,deSantos,SãoPaulo.19.AocomentarsobreoquepensavadaarteteatralnoBrasil,ementrevistapublicadanoJornaldeAlagoas,em12dejulhode1910,oaindajovemaspiranteàcarreiraliteráriarevelavasuapredileção

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porMartins Pena: “TemosFrança Júnior,AgrárioMenezes,Macedo,Alencar e, talvez superior atodos,ograndeMartinsPena,ofamigeradoautordeOjuizdepazdaroçaeOnoviço” (RAMOS,Graciliano. “Um inquérito”. In: SANT’ANA, Moacir Medeiros de. A face oculta de GracilianoRamos.Maceió:ArquivoPúblicodeAlagoas,1992,p.43).20.AoagruparostextosdecunhomaispolíticodeGraciliano,cumpre-seaquisugestãodeixadaporRicardoRamos:“Oquenãopodemos ignoraréquea febredapesquisa,ao longodeanoseanos,minuciosaadesenterrarcrônicas,poesias,todaaobrajuvenilouimaturadeGraciliano,alcançandomesmo pseudônimos para nós secretos, haja unanimemente desprezado as suas ostensivaspublicaçõespolíticas.Oscomentáriosaquisãodispensáveis”(RAMOS,Ricardo.Graciliano:retratofragmentado.SãoPaulo:Siciliano,1992,p.140).21.Decertamaneira,taltrabalhojáhaviasidoanunciadoanteriormente,naentrevistaconcedidaporGraciliano,quandodesuaentradaoficialnoPCB:“Iniciou-separaGracilianoRamosumanovafasenasuavida:aoladodaliteratura,elesededicarátambémaoPCBemtrabalhosdeordempráticaquefazquestãode realizarcomo tarefas.Assiméque já tomouaseucargoumapequenabiografiadeLuísCarlos Prestes, bem como a revisão de livros que serão editados sob orientação do partido”(FACÓ, Ruy. “Graciliano Ramos, escritor do povo e militante do PC”. TribunaPopular, Rio deJaneiro,26deagostode1945).22.Talescritofazpartedeumcadernodedicadoàcelebraçãodo51ºaniversáriodePrestes,noqualhácolaboraçõesdeboapartedaintelligentsiadoPCB.23.RAMOS,Graciliano.Cartas.7ªed.(aumentada).RiodeJaneiro:Record,1992,p.206.24.JornalfundadoporGracilianoRamoseporseuprimoCíceroVasconcelos,quandoambosaindaeram alunos do Internato Alagoano, em Viçosa, no começo do século XX. A iniciativa lhes foisugerida porMárioVenâncio, literato que lecionava geografia no referido colégio. A publicaçãocirculou entre 24 de junho de 1904 e 16 de abril do ano seguinte, totalizando 17 números.“...Dilúculo, folha impressa emMaceió, com duzentos exemplares de tiragem quinzenal, trazidospeloestafetaBuriti,quevendiarevistasedeclamavapedaçosdoMoçoLouro.Odesgraçadotítulofoiescolhadonossomentor,fecundoempalavrasraras”(RAMOS,Graciliano.Infância.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1953,p.225).Assinandocomo“Ramos”,“G.Ramos”,“RamosdeOliveira”,“RamosOliveira” ou “Feliciano”, foi neste periódico que Graciliano publicou suas primeiras produções:“Meusprimeirostrabalhosforampequeninoscontos,simplesensaiossemestética,semforma,semcoisa alguma. Verdadeiras criancices” (RAMOS, Graciliano. “Um inquérito”. In: SANT’ANA,MoacirMedeiros de.A face oculta de Graciliano Ramos. Maceió: Arquivo Público de Alagoas,1992,pp.38-9).25. Noiníciode1906,novamente incentivadoporMárioVenâncio,GracilianoajudariaaeditarojornalEcho Viçosense, “periódico literário e noticioso”, que duraria apenas 15 dias, chegando aapenas dois números.A vida da publicação foi abruptamente encurtada em função do suicídio deVenâncio,em1ºde fevereirode1906.“Emediçãoextra,oEcho divulgaria a tragédia, suaúltimanotícia”(MORAES,Dênisde.OVelhoGraça.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1992,p.20).26. Poucosmeses antes de falecer,Graciliano adverte seu filho quanto à publicação de sua obrajuvenil e avulsa: “—Preste atenção ao que não está em livro. Se assinei comomeunome, podepublicar; se usei as iniciaisGR, leia comcuidado, veja bem; no que useiROouGO, tenhamaiscuidadoainda.Oquefizsemassinaturaouseminiciaisnãovalenada,deveserbesteira,maspodeescaparumaououtrapáginamenosinfeliz.Jácompseudônimonão,nãosobraumalinha,nãodeixesair.EpeloamordeDeus,poesianunca.Foitudoumadesgraça”(RAMOS,Ricardo,op.cit.,p.176).Seguindo rigidamente tais diretrizes, não só as poesias,mas tambémnenhum texto subscrito compseudônimodeveriaserpublicado.Contudo,quandodaediçãodeLinhastortas(1962),emtrabalhorealizadoporHeloísaRamos,RicardoRamoseJamesAmado,ostextosnosquaisoautorseocultavacomarubrica“J.Calisto”vieramapúblico.EssaexceçãosejustificavatantoemfunçãodoméritoliteráriodosescritosselecionadosnaquelaocasiãoquantodocrescenteinteresseecuriosidadequeaobradeGracilianodespertavanãosónosestudiososdeliteraturacomonopúblicodemaneirageral.

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Tendo como base tal perspectiva, fazem-se publicar, no presente volume, textos assinados pelospseudônimos“LúcioGuedes”,“X”e“AnastácioAnacleto”.Valeressaltaraindaque,encobertoporesseúltimo,Gracilianoincluiuversosnostextospublicadosnaseção“FactoseFitas”,dojornalzinhoOÍndio.Apesardaalegadacontrariedadedoautoraotextopoético,aopçãoporserecolheremtaisescritos no presente volume se justifica, pois, neles, a poesia vem mesclada a passagenspredominantementeemprosa.Alémdisso,elaseresumeapoemetossatíricosdedois,quatroouoitoversos,queseajustamaotomirônicoimprimidopeloescritoràssuasproduçõescronísticasdaquelemomento, saídas no mesmo periódico interiorano. Nesse sentido, guardam grande diferença daproduçãopoéticajuvenil,tributáriademodelossimbolistaseparnasianos,veementementerepudiadapeloautoralagoanoemcartaseentrevistas.27.Entre1907e1913,oescritorpublicou41poemasesonetosnarevistacariocaOMalho,sobospseudônimos Almeida Cunha, S. de Almeida Cunha, Soeiro Lobato, Feliciano de Olivença eFelicianoOlivença.Paraaimprensaalagoana,entre1909e1911oautortambémescreveuinúmeraspoesias.Foram11paraoJornaldeAlagoas,cincoparaoCorreiodeMaceió eduasparaa revistaliteráriaArgos.28. CRISTÓVÃO, Fernando Alves. “Um inédito de Graciliano Ramos: o manuscrito ‘J. CarmoGomes’”.In:CruzeirodoSul,aNorte:estudosluso-brasileiros.Lisboa:ImprensaNacional;CasadaMoeda,1983,pp.485-506.29. Sãoestesos textos: “Nocampodas letras”.JornaldeAlagoas,Maceió, 20de abril de1909;“Estudantenaroça”.JornaldeAlagoas,Maceió,13demarçode1910;“Pelamocidade”.JornaldeAlagoas,Maceió,22defevereirode1911;“ZéPereira”.JornaldeAlagoas,Maceió,26defevereirode1911;“Professiomania”.JornaldeAlagoas,Maceió,26desetembrode1913;“Comoseescreve”.OÍndio,PalmeiradosÍndios,3deabrilde1921;“Solidariedade”.OÍndio,PalmeiradosÍndios,24deabrilde1921.30. Repudiando o egoísmo degradante do ser humano, que se haveria distanciado de Deus, onarradorchegaaafirmaremtalcrônica:“Aobradohiperbólicodoardorosopoeta[“Deus!óDeus!onde estás que não respondes?”, do poema Vozes d’África, de Castro Alves] respondemos pelaconsciência,pelarazão,quenoshomenssenãoextinguedevez,porserumreflexodaeternaLuz:ninguémparasentirDeusprecisaviajarmuitoeparaDeleserouvidobastapensarlevemente.Osqueprocuramsenti-loenãoconseguem, ficandodescrentesou invadidospeladúvida,nãose lembramque, estando ele em todos os lugares, não devem procurá-lo onde não podem chegar com amesquinha imaginação”(LAMBDA.“Solidariedade”,OÍndio,Palmeirados Índios,24deabrilde1921). Mais adiante, rebaixa a falta de fraternidade e o individualismo político dos homens, aocompará-loscomocarátersolidáriodaorganizaçãosocialdeabelhaseformigas:“Noseureino[dosinsetos]nãomedramasgrevesnemoshorroresdoanarquismoquetantoinfelicitamosmaioresseresda criação, caprichosamente empenhados em perverter os sentimentos da solidariedade humana,substituindooamordopróximopeloegoísmo,oamordaespéciehumanapelaambiçãopartidária”(idem,ibidem).Chegou-seàhipótesedequeostextosassinadosporLambda,emOÍndio,seriamnaverdadedeJoaquimPintodaMotaLima,paideJoaquimPintodaMotaLimaFilho,grandeamigodeGracilianonaquelemomento.SegundooautordeCaetés,elepróprioteriasolicitadoaodr.Motaapublicação de dois artigos no pequeno jornal palmeirense (RAMOS, Graciliano. Cartas. Rio deJaneiro:Record,1981,p.72).Nãoporacaso,acolaboraçãodeLambdacomapublicaçãoseresumeaapenasduascrônicas.Alémdisso,recuperando-seaproduçãopregressadodr.Mota,publicadanoJornaldeAlagoas(verostextos“Operdão”,de4dejunhode1911;“Materialismo”,de18dejunhode1911;“Humildade”,de21denovembrode1913,entreoutros),observa-seopredomíniodecertapostura sapiencial, subordinada à moralidade católica, muito próxima daquela vista acima em“Solidariedade”.31.RAMOS,Ricardo,op.cit.,pp.73-4.32. Por fim, gostaria de agradecer, em primeiro lugar, a Luiza Ramos Amado, pela confiançadepositadanopresentetrabalho,bemcomopeloapoioepelaajudaemtodososmomentos.Agradeço

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tambémàFundaçãodeAmparoàPesquisadoEstadodeSãoPaulo(Fapesp)peloauxíliofinanceironecessário à realização das pesquisas que resultaram neste livro.Mais especificamente, sou gratotambém a Elizabeth Ramos, Ivan Teixeira, Luiz Maklouf Carvalho, Paulo Motta, Luís Bueno,Wander Melo Miranda, Yêdda Dias Lima, Ann Marie Buyers, Marcos Vasconcelos Filho, JoãoTenórioetodaaequipedoInstitutodeEstudosBrasileirosque,pordiferentesrazões,colaboraramnaconsecuçãodestesGarranchos.Emespecial, agradeço a IedaLebensztayn, pela revisão criteriosa,bemcomopeloauxílioconstantenosúltimosmeses,eaDanielaDamiatiFerreira,pelacompreensãoecarinhodetodasashoras.

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ANOS1910

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NaTerradoFogoascoisasestãofrias1

C onforme telegrama publicado, há dias, em um dos nossos melhoresjornais,háumagrandecarênciademulheresnaTerradoFogo.Semelhantefato,coisaquenãoacontececomfrequência,felizmente,constitui—nãohásombrade dúvida — uma calamidade para um povo. Pudesse alguém interrogar oscolonos portugueses das primeiras expedições que vieram aoBrasil...Mas, sevão longe esses tempos indecisos da IdadeMédia, ainda se não apagaram doespíritodealgunscariocasosdiasagitadosde93,2operíodoemqueaRepúblicalutava contra a fúria da revolução. Houve então aqui um consideráveldecrescimentodonúmerodasmulheres,oquedeterminou,segundoaopiniãododr.PiresdeAlmeida,3profundacorrupçãonoscostumesdacidade.Ajudiciosaasserçãodo ilustreclínico levaagenteapensarqueoshabitantesdaTerradoFogo não devem estar em situação muito agradável. Mas quais seriam osmotivosdehaveremasgentisrepresentantesdosexofrágilabandonadoessailhatãofria,quetemumnometãoquente?Teráhavidoporláalgumaextraordináriaepidemia, que se haja limitado a atacar apenas a constituição delicada dessasencantadorascriaturas?TerãoosgelosdasproximidadesdoPoloSularrefecidoo caráter de seus compatriotas a ponto de, sentindo-se desprezadas, terem aspobrezinhas a necessidade de bater a linda plumagem? Ou continuarão oshomensdelácomaquelehábitodequefalaDarwin—opéssimocostumede,em tempodepenúria,comerasmulheres,porqueasconsideram inferioresaosanimais?4 Se esta última hipótese é verdadeira, devem agora os habitantes daTerra doFogo estar arrependidos de sua voracidade,5 porque se privaram, pornão haverem sido mais sóbrios, do único meio que tinham de perpetuar oalimento das ocasiões difíceis. Mas não se pode atinar com a causa do

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desaparecimentodaspobres floresdavidanagrande ilhadosul.Eagentevê,pela tristeza do telegrama, que os homens estão angustiados, estão aflitos,vítimas de uma viuvez geral. Mas caso é para uma pessoa pôr-se a pensartristemente nas grandes desigualdades que há nestemundo.Desapareceram asmulheres ali, e aqui promanam mulheres em quantidade. Parece até umainjustiça.Bemseestávendoqueosbensdaterranãoforamfeitosparatodos...

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Notas1.RAMOSOLIVEIRA[GracilianoRamos].“NaTerradoFogoascoisasestãofrias...”,ParaybadoSul,ParaíbadoSul,RJ,nº54,7de janeirode1915,p.2.Talsemanário,dacidadefluminensecomomesmonome,eraeditadoapenasàsquintas-feirasetinhaapenasquatropáginas(detamanhostandard),divididasemseiscolunas. 2. Provável alusão àRevolta daArmada, sublevação iniciada em setembrode1893, emnaviosancoradosnoRiode Janeiro,que teve“comocausaas rivalidades entreoExército e aMarinhaeressentimentosdoalmiranteCustódioJosédeMelo,quesevirafrustradoemseuobjetivodesucederaFloriano na presidência da República” (FAUSTO,Boris.História do Brasil. São Paulo: Edusp,2003,p.255).Emseuintuitodeforçararenúnciado“MarechaldeFerro”,umapartedaesquadrainsurrecionalsedeslocouparaoSulejuntousuasforçasàdosrebeldesparticipantesdaRevoluçãoFederalista, guerra civil originada da disputa entre republicanos e federalistas (“maragatos”), quetomoucorponoRioGrandedoSul tambémem1893(idem,ibidem).EmsuaPequenahistóriadaRepública, Graciliano demora-se ao abordar a Revolta da Armada, documentando a sucessão deeventosrelacionadosaoconflitoeocaosinstauradonacapitalfederal:“Namanhãde6desetembrode1883todaaarmadaserevoltou,acrescidadealgunsnaviosmercantes.Nomesmodiaobatalhãonaval da ilha das Cobras aderiu à revolta, os operários da Central do Brasil fizeram greve,assaltaram-sediversasestações(...).Nodia13cinconaviosinsurgentescomeçaramabombardearacidade.Aesquadraestrangeiraafastou-se,portodaapartecircularamboatos,umagrandemultidãoinvadiuasestaçõesefugiudesordenadamenteparaossubúrbios”(RAMOS,Graciliano.Alexandreeoutrosheróis.RiodeJaneiro:Record,2003,p.161). 3. Referência a José Ricardo Pires de Almeida, médico higienista, autor de, entre outros,InstructionpubliqueauBrésil—Histoireetlegislation(1889)eHigienemoral—homossexualismo(A libertinagem no Rio de Janeiro): estudo sobre as perversões do instinto genital (1906). Nestaúltimaobra,oautorconsideravaqueasodomiaeaprostituiçãomasculinanaentãocapitaldopaísdecorriam, sobretudo, da desproporção entre o número de homens e mulheres (ANTUNES, JoséLeopoldoFerreira.Medicina, leisemoral:pensamentomédico e comportamento noBrasil [1870-1930].SãoPaulo:FundaçãoEditoradaUnesp,1999,pp.172-3).4.EmAorigemdasespécies,Darwinassinala:“OsselvagensdaTerradoFogodedicamtãograndevalor a seus animais domésticos que preferem, em época de fome, matar e devorar as velhasmulheresdatribo,poisasconsiderammuitomenosúteisqueoscães”(DARWIN,Charles.Aorigemdasespécies.RiodeJaneiro:Ediouro,2004,p.48). 5. Nooriginal,háumerrotipográfico:emvezde“voracidade”,estáescrito“veracidade”,termoquenãoconvémemfunçãodalógicaargumentativadesenvolvida.

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CoisasdoRio1

Aguerraacabou-se.Jásenãoouvempelasruasaquelasgravesdissertaçõessobreomovimentoeuropeu.Éemvãoqueosjornaiscontinuamaprodigalizaraopúblicosuaslongascolunasrepletasdetelegramas—essasvagasnotíciasjánão produzem em nosso espírito aquele entusiasmo de outrora. Foi-se a ânsiadoselegantesquedevoravamfolhascomsofreguidão,esperandosabertalvezseas botas do generalPau2 estavam bem lustradas no último combate, ou se osbigodes de S.M. germânica continuavam irrepreensivelmente frisados.3Findaram-se as ponderosas lições daqueles geógrafos circunspectos quediscursavamemfrentedasredações,falandolargamentesobreovolumedeáguadoMarne ou sobre a posição deAntuérpia.Hoje o negociante rico da rua daQuitanda não sente, aomontar seus óculos no nariz e ao desdobrar seu diáriomatutino,aquelasapreensõesquehácincomeses sentia,quando julgavaqueaconflagraçãolhepodiaprejudicarocomércio.Ingratos... Como vos esquecestes tão depressa daquilo em que ocupáveis

todososvossoscuidados,todososvossospensamentos?Nãosoispatriotas,“franceses”querebentáveisacaradevossosantagonistas

quando estes ousaram afirmar que o cerco de Paris era um fato... Não tendesamoravossaterra,“alemães”quecombatíeispacificamentenaAvenidaenaruadoOuvidor...PorqueabandonastescovardementeessaGermâniagloriosaqueodr. Topsius4 chamava “amãe espiritual dos povos”? Como pudestes esqueceressa França tão pródiga que [n]os oferecia tudo— artes e moda, fazendas eliteratura,mulherese ideias;essaFrançagenerosaque fornecianossomercadode todosos instrumentos inventadospelacivilizaçãoeenriquecianossa línguacomtodasaspalavrasdeseuvocabulário.Ingratos... Hoje sentis pela conflagração o mesmo que sentiríeis se vos

dissessemque aLua tinha voado pelos ares ou que os habitantes deMarte se

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matavamunsaosoutros,servindo-sedegrossoscanhões42.E se um antiquário desocupado tem o mau gosto de referir-se a esses

acontecimentos vermelhos que lentamente se vão desdobrando lá nas estepesbrancasenospérfidosmarescheiosdeminastraidoras,torceisonarizeabrisabocaemlongosbocejos.

***

Não sei quem fez esta observação sagaz: “Nós somos um povo muitovolúvel.”Grandeverdade,quenãopassariadespercebidaaoespíritoargutodoconselheiroAcácio.Dizemaquiquehouveumpoetamuitoamadoportodaagentequefazversos

eamarraaopescoçobonitasgravatas.Eraumídolo,maisqueumídolo—umfigurino.Imitavam-lheoformatodosmetroseofeitiodaroupa.(Há alguém que se queixe da falta da originalidade que nos leva a seguir

cegamentepegadasdealgummestre.Tolice!Émuitomaiscômodopercorreroscaminhos que os outros vão abrindo do quemeter-se uma pessoa por veredasescusaseintrincadas.)Poisonossohomemeraumaespéciedepontíficedetodososindivíduosque

deitavamolhoscobiçososàsmusasdoRioantigo.Um dia— dia fatal!— o poeta teve de fazer uma longa viagem. Viagem

funesta! Voltou anos depois. Trazia versos. Mas parece que seus adoradoresnotaramquelhenãoficavabemolaçodagravata...Foiumagrandeapostasia—todososdevotospassaramaqueimarincensonosaltaresdeoutrosdeuses.E o figurino das letras exilou-se, pensando talvez na ingratidão daqueles

gregosquedecretaramoostracismodeAristides.

***

Ocasoéparaagentepôr-seapensarnaversatilidadedoscariocas.Pensandobem,vê-sequehámuitasemelhançaentreoídololiteráriodageraçãopassadaea conflagração europeia. Nosso povo tudo esquece. O que é necessário é quehaja um fato qualquer que lhe afaste o pensamento do objeto de suaspreocupações.A viagem determinou o desterro do poeta. A indiferença com que olhamos

hoje as coisas da Europa temmuitas causas— a crise, ambiguidade sobre o

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presidentedoE.doRio5,ocarnaval...Decididamentesomosumpovoextremamentefaltodememória.

Rio,25defevereirode1915

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Notas1.R.O.[GracilianoRamos].“CoisasdoRio”.JornaldeAlagoas,Maceió,6demarçode1915.Nooriginalháumerronadataapresentada,poisestáescrito1914emvezde1915.2.MençãoaPaulMarieCésarGeraldPau,generalque,noâmbitodaPrimeiraGuerraMundial,foiretiradodaaposentadoriaparacomandaroExércitofrancêsdaAlsácia(BOURNE,J.M.Who’sWhoinWorldWarOne.Londres;NovaYork:Routledge,2001,p.228). 3. ReferênciaaSuaMajestadeGuilhermeII, imperadordaAlemanhae reidaPrússiaduranteaPrimeira Guerra Mundial. Esteve no poder de 1888 a 1918 (TUCKER, Spencer e ROBERTS,PriscillaMary.The Encyclopedia ofWorldWar I:a political, social andmilitary history. 5 vols.SantaBarbara,Califórnia:ABC-CLIO,2005,vol.1,p.1260).OKaiserdeuensejoacertomodismoaoutilizar asguiasdobigodeespetadaspara cima.SegundoValdemardeSouzaLima,Gracilianoteriaimplicadocomtalparticularidade,produzindo“piadasferinas”acercado“bigoderetorcido”dochefe de Estado alemão (LIMA,Valdemar deSouza.Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios.Brasília:Livraria-EditoraMarco,1971,p.109).4.NojornalestágrafadoTopsins,contudotrata-sedeumareferênciaaodr.Topsius,personagemdeArelíquia(1887),deEçadeQueirós.SegundoTeodoricoRaposo,narrador-protagonistadoromance,talfigura,queportavaotítulodedoutorpelaUniversidadedeBonn,“eratambémintoleravelmentevaidosodasuapátria.Semcessar,erguendoobico,sublimavaaAlemanha,mãeespiritualdospovos;depois ameaçava-me com a irresistibilidade das suas armas. A onisciência da Alemanha! AonipotênciadaAlemanha!Elaimperava,vastoacampamentoentrincheiradodein-fólios,onderondae fala do alto a Metafísica armada!” (QUEIRÓS, Eça de. A relíquia. Cotia, São Paulo: AteliêEditorial,2004,p.114). 5. Tal “ambiguidade” decorre das disputas em torno da sucessão ao governo fluminense quevinham, sobretudo, desde fins de 1914. Depois do pleito, uma parte da Assembleia LegislativaestadualconsiderouvencedorNiloPeçanha.OutraparcelareconheceucomopresidentedoEstadodoRiootenenteFelicianoSodré.OcasofoisubmetidoaoSupremoTribunalFederal,eaqueleobteve,pormeiodeumhabeascorpus,decisãoaseufavor(BARBOSA,Rui.Obrascompletas.49vols.RiodeJaneiro:MinistériodaEducaçãoeCultura;FundaçãoCasadeRuiBarbosa,1981,vol.42,t.2,p.3).Mesmodiantedestasentença,WenceslauBraz,recém-eleitopresidentedaRepública,ordenouàsForças Armadas que assegurassem a posse de Nilo Peçanha. Apesar disso, o grupo favorável aFelicianoSodrétambémoempossoucomogovernador.Osembatesentreosdoisladossearrastarampelo ano de 1915, e, “em novembro e dezembro, as discussões finais sobre o estado de sítio dãovitóriaaNiloPeçanha”(CARONE,Edgar.RepúblicaVelha:evoluçãopolítica.SãoPaulo:DifusãoEuropeiadoLivro,1971,p.300).Emcarta aopai, de9de janeirode1915,Gracilianomanifestacertodistanciamentoemrelaçãoàsdisputaspolíticasnacapitaldopaís:“Acidadeestáagitada—háportodaaparteumaterrívelmanifestaçãoanãoseiquem,aNiloPeçanha,parece(...).DeveseraNiloPeçanha.Parecequeacoisanãoacababem;porqueháforçasportodaaparte,eopovogritapelasruasavaler...”(RAMOS,Graciliano.Cartas.RiodeJaneiro:Record,2011,p.55).

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LinhastortasIII1

A brindo um parêntesis na agitação de uma vida pouquíssimo devota emuitíssimo prática, todo o grande rebanho religioso resolveu, durante três ouquatrodias,recordar-sedequeoutrora,láemumavelhacidadedoOriente,umpobrerapaz,poramordoshomens,sedeixouamavelmentependurarnumacruz.Recordou-se,masnãocomonaquelestemposemqueacristandade,comum

prantomaisoumenosverdadeiro,batiapiedosamentenospeitosesemortificavaeralavaosjoelhosepassavasemanasestragandooestômagocomumdetestáveleinsulsobacalhauascético.Hoje—ai!—ascoisasmudaram.Há até algumas condenadasquenãohesitam, nosdias daPaixão, emmeter

dentesímpiosnosaboroso“beef”cheiodepecados,britanicamentetresandandoaheresia.Areligiosidadepacataquetransitapelasruas,visitaasigrejas,beijaospésdoSenhorecriticarindoa linguagemdosgraveseclesiásticosquepregamsermões de lágrimas, abandonou o antigo e salutar costume de penetrarfunebremente em fatos cor da treva, amarrar ao pescoço gravatas tétricas eapresentaràgenteumarcompungidodequemacabadereceberomaisdolorosogolpequesepodeimaginar.Anda-se com botas amarelas, chapéu branco, calças claras, coisas que são

apenas atenuadas pelo rigor de um ou outro paletó severamente escuro e quetraduzemumacrençamuitodúbia,umfervorreligiosomuitoambíguo.Mas que querem? É o progresso. Já não há necessidade de meter-se um

indivíduonumacelaealipassarhorasehorasprostrado,comsangrentoscalosnasrótulas,batendonospeitosouarrancandooscabelos, faminto,arezarcomdesespero, os olhos esbugalhados presos no teto, como se estivesse vendoaparecer lá em cima o vulto do amável Jesus tal qual ele estava quando odesceramdoaviltanteinstrumentodesuplício—bocaaberta,acabeçapendida

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paraumlado,asmãosnegrasdesanguecoalhado.Háprocessosmodernosdeadoração.Chora-se alegremente a morte do Redentor nos teatros, onde as empresas

suspendem temporariamente as representações de revistas idiotas e de peças“gênerolivre”,paraofereceraopúblicoaVida,PaixãoeMortedeNossoSenhorJesusCristo,coisamuitobem-feitaepelospreçosdocostume.Eoscartazesdoscinemas proclamam também reproduções daquelas coisas peregrinas que S.Mateus, S. Marcos, S. Lucas e S. João ingenuamente introduziram em seusevangelhos.Magnífico!Porcincotostões,temumcristãoumamortedeJesusemsegunda

classe, com tudo que uma alma pia pode desejar — as pregações, as curasmilagrosas,osbrinquedosinfantisdopequenoRabieosbigodesdoslegionáriosromanos.Ébarato.Desorteque,comadeslealconcorrênciaqueosteatrosfazemàsigrejas,vão

osempresáriospenetrandosuavementenasearasagrada.Essagentefrivolamentereligiosanemsedáaotrabalhodecomemorarasério

amortedopobre revolucionário judeu,aquemaposteridadepregouumlogroformidávelequeéhojerepresentadoporqualquercomediantederevistas.Epensarque,hámilsetecentosecinquentaeseteanos,S.Policarpo teveo

louvável incômodode ir deEsmirna aRoma conferenciar comSantoAnicetosobre a grave questão da Páscoa! Pensar que S. Vitor e a Igreja do Orienteandaramnumagrossabarulhada,pornãoteremchegadoaumacordosobreodiaemqueacristandadedeviacomerumcarneiroeexerceroutraspráticasdifíceis!Para nada serviram tantos discursos, tanta condenação, tanta balbúrdia entreaquelesrespeitáveissantos,atéqueoconcíliodeNiceiaresolvessepôrtermoàquestão2.Hoje chega a parecer que se não estabelece distinção entre amais séria de

todas as sextas-feiras e essas reles sextas-feiras ordinárias. E o sábado é umapândega,uma“aleluia”detodosospecados.Mandam-seàfavaasparcasroupaspretasqueaindasurgiamporacaso,veste-

sequalquercômodavestimentade“pierrot”oudearlequim,pega-seumlança-perfumeevai-separaaAvenida.Aliéqueavidaéumacoisadeliciosa.“Confeti”, serpentinas, caras com pinturas artísticas, sorrisos tentadores e

postiçosmostrandoalvosdentesdeporcelana...Sublime!Asemanapassadafoi-se,vailonge.AgoraéoCarnaval,apatuscada,aalegria,a“evoé”,a“Filomena”...3

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Ah! Venerandos sumos pontífices do segundo século! S. Policarpo, SantoIrineueoutrosquetais!EmpertigadosesimplóriosbisposdoconcíliodeNiceia!— Felizmente estais mortos. Se pudésseis ver o que aqui se passa milnovecentos e quinze anos depois da execução doMessias,mandáveis à brecatodasascontrovérsiasquetivestesparareputaraquelascoisasdaPáscoa.

Rio,5deabrilde1915

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Notas 1. R.O.[GracilianoRamos].“LinhastortasIII”.JornaldeAlagoas,Maceió,ano8,nº83,18deabril de 1915. Além deste, Graciliano publicou outros quatro textos no Jornal de Alagoas entremarçoemaiode1915, emseção intitulada“Linhas tortas”: “LinhasTortas I”,de18demarçode1915(tambémestampadonojornalParaybadoSul,em8dejulhode1915);“LinhastortasII”,de20demarçode1915;“LinhastortasIV”,de25deabrilde1915(republicadonoParaybadoSul,em13demaio de 1915); e “Linhas tortasV”, de 7 demaio de 1915.Não com osmesmos títulos aquiapresentados,nemcomamesmadisposição,mastodasascrônicasacimalistadasforamcoligidasnaobra póstumaLinhas tortas (1962). Em carta de 20 de março de 1915, dirigida à irmã Leonor,fingindo indignação pelo fato de ela ter viajado sem avisar-lhe, indaga-a sobre os escritosencaminhadosparapublicaçãonoreferidoperiódicoalagoano:“Entãorecebesadelicadamissãodeenviar-meumas linhastortasmandadasaoJornaldeAlagoas e, sorrateiramente,azulasparaessasterras,avivercomonçaseoutrosbichos?” (RAMOS,Graciliano.Cartas.Record:RiodeJaneiro,1981,p.49).2.GracilianofazreferênciaàsquerelasentreascorrentesorientaleocidentaldaIgreja,noquedizrespeitoaoestabelecimentodadatadaPáscoacristã.Aprimeira,presaaocostumehebraico,defendiaque a festa deveria realizar-se no dia 14 do mês judaico de nisã. A segunda estabelecia que acomemoração ocorreria no domingo subsequente a este (CROSS, F. L. e LIVINGSTONE, E. A.[eds.].TheOxforddictionaryoftheChristianChurch.3ªediçãorevista.Londres:OxfordUniversityPress,2005,p.1234).Taldiferençagerouinúmerastensõesnasprimeiraserasdocristianismo,taiscomo a viagem do bispo Policarpo de Esmirna, adepto da vertente oriental, a Roma, paraconferenciarsobreoassuntocomopapaAniceto;eaimposiçãoporpartedopapaVitorI,emfinsdoséculoII,dacelebraçãodominicaldofestejo,oquegerouforteprotestodobispodeLião,Irineu.OconcíliodeNiceia,realizadonoanode325,procuroupôrfimàcontrovérsia:todasasigrejasforamexortadasaaceitaro“costumealexandrinodecelebraraPáscoanodomingoseguinteàluacheiadoequinócio da primavera, ou seja, entre 22 de março e 25 de abril” (BOROBIO, Dionísio. AcelebraçãonaIgreja.3vols.SãoPaulo:Loyola,2000,vol.3,p.99). 3. ReferênciaàmúsicaAiFilomena.Seeufossecomotu...grandesucessodocarnavalde1915.Tratava-se de uma polca (cantada como marcha), assinada nas partes de piano por J. CarvalhoBulhões,aqualsatirizavaopresidenteHermesdaFonseca(verTINHORÃO,JoséRamos.Amúsicapopularnoromancebrasileiro.3vols.SãoPaulo:Editora34,2002,vol.3,pp.119-21).

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Oladrão1

O homem chegou sorrateiramente à esquina, olhou desconfiado osarredoreseentrounaúnicalojaqueporalihaviaabertaàquelahoradanoite.Vi-oentrar,comumsacoaoombro,ochapéudecouronegrodaágua,aroupaemfarrapos colada ao corpo, o queixo tremendo, rilhando os dentes. Eram onzehoras.Onegociante,queestiveraatéentãoacochilar,esperandoalgumfreguêsretardatário,dispunha-seafecharasportas.Levantou-se,estirouosbraçosparadesentorpecê-los,abriuosolhoscheiosde

sono e, contente com a perspectiva de fazer negócio, acercou-se do homem.Estávamosemjunho.Faziamuitofrio.Eratudoescuro.Chuviscoscaprichososesvoaçavam no ar, espalhando-se em todas as direções, levados por um ventoinconstanteemal-humorado.Naruaestreita,tortuosa,estendia-seumlençoldelamarevolvida,atoladiça,vagamenteespumosa.Perto,naestaçãodaestradadeferro,aluzdeumagrandelanternaferiaasduaslongaslinhasdetrilhosclaros,brilhantes,semelhandoserpentesadormecidas.Orumormonótonodoriocheioconvidavaagente adormir.Euestavaencostadoaobalcão, acompanhandooscochilosdodonodacasa,quandoohomementrou.Vinhadescalço, semfazerruídocomospés,epareciameiogelado.Exigiuumapinga,algumacoisaqueoesquentasse.Bebeu, pareceu reanimar-se umpouco, pediu umartigoqualquer.Nãome lembra o que foi que ele pediu. Parece que foi um chapéu.Comprousem regatear. Depois pediu outras mercadorias e foi comprando sempre. Ocomerciante estava encantado. Eu, espantado. Já havia sobre o balcão coisassuficientes para encher o saco, que o homem trazia agora cuidadosamentedebaixo do braço. Não se apartava dele. Eu perguntava a mim mesmo ondeaqueleesfarrapadoforabuscardinheiroparacomprartanto.Oquemeadmiravaera ele conformar-se sempre com o preço que lhe davam. Estava sendopositivamenteroubado.Suagrandepreocupaçãoeraaescolha.Pediaumartigo,

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depois outro, enfileirava-os, punha-se a examiná-los com excessivo cuidado.Mas parecia proceder maquinalmente. De vez em quando chegava à porta,olhavaaruadeserta,osnegrosarmazénsadormecidosaoladodaestação,atorreda igreja que se elevava a pequena distância, esguia, com uma luz indecisa abrilharemumadassuasjanelitasemquehaviasinos.Depoisvoltava,pediadesculpasporestardandoaquelamaçada.Mastinhaa

voz trêmula, gaguejava, dizia tolices. E ia comprando, comprando. Era quaseumahoradamadrugada.Haviaaliummontãodecoisasqueelesónãopoderiatransportar.Eudiziaamimmesmoqueocomercianteiaganhandofrancamentenaquela transaçãoparamaisde sessentaporcento.Agoraohomemfalavaemcompanheiros que o deviam auxiliar a conduzir o fardo.E sempre com a voztrêmula,osolhosbaixoseassustados.Espantavam-meaquelesmodosinquietoseaquelaatitudedesúplicatãoestranhaemumfreguês.Odonodacasatambémestava admirado. Uma venda àquela hora era coisa extraordinária,principalmente no inverno. Passavam-se ali meses em que o movimentocomercialeraquasenulo.Ofrioaumentava.Eusentiaasorelhas,porbaixodagoladocasaco,úmidasdaquelespequeninoschuviscosqueseespalhavampelobalcão,dando-lheaaparênciadeumagrandeplacadevidro.Aluzdocandeeiropendente do teto esmorecia, por falta de combustível. O homem continuavaaqueleinterminávelnegócio,agoradesatento,precipitadamente,lançando-medesoslaiounsolharesemquehavia impaciênciae raiva.Eraevidentequeminhapresença lhe não agradava. Parecia que eu lhe estava a estorvar algum plano.Suas rápidas viagens à porta sucediam-se agora commais frequência.Olhavaparatodososladoscomumaansiedadequenãopodiaocultar,comosequisessedescobrir na treva algumvestígiodos companheiros deque falara.Não se vianinguém.Tudoescuro.Apenas asduas luzinhaspálidas continuavamabrilhar— uma na janelita do campanário, outra na estação da estrada de ferro,iluminando os trilhos claros, luzentes, como dois enormes rastos de lesmasgigantescas.Nocéunegroesmoreciaumbandodepequeninasmáculasbrancas,semelhando frocos de algodão. Subitamente ouviu-se um rumor de cordas deviolão. Quem diabo estaria a tocar àquela hora, com tão grande frio? Meioenregelado,comasmãosinsensíveis,ascabeçasdosdedosroxas,euadmiravaaperícia do artista noturno. Quem seria ele? Naturalmente o sacristão, meucompanheiro de pândegas, umpatife de primeira ordemquepassava as noitespela rua da Sodoma, a fazer serenatas à chuva. Com certeza vinha bêbedo omaroto,porque tocavaàsmaravilhas.Amúsicaaproximava-se.Eraumavelhacantigamuitotriste,quediziaasdoresdeumaseparaçãoouqualqueroutracoisaassim.Euaplaudigritando:—Bravo!Bravo!O homem teve um sobressalto. Disse não sei quê em voz baixa, a tremer.

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Creioquesequeixavadofrioequepediumaisumtragodeaguardente.Erajáoterceiroouquartoquebebia.Furtivamente,lançavaolharesdesesperadosàsduasextremidadesdarua:pareciapensaremfugir,semseaventurar,contudo,ameteros pés naquele extenso lamaçal de um negro avermelhado, coberto de bolhasondese refletiamasmanchasbrancasquepolvilhavamocéu. Indeciso,olhavatambémcomavidezomontãodemercadoriasqueonegociante faturavaagoracomcuidado,sobrecarregandoopreçodealgumas.Àsvezesbatialigeiramentecom o pé no chão e apertava contra o corpo o saco que invariavelmenteconservavadebaixodobraço.Euachava tudoaquilomuitoestranho.Agoraosbordõesdoviolãogemiamperto.Avozavinhadaeamigadosacristãogritou-medasombradeummuro:—Vemcá,meufilho.Vai-sefazerumafestançanacasadaBela.Coitadinha!

Elaandadoente,doente…Caroços,feridas,odiabo.Nãofazmal.Hádeserumapândega. Temos um bacalhauzinho mole e uma sentinela de defunto navizinhança.Muitasaia,graçasaDeus.Sóvendo.Diacho!Estoucomagargantainflamada,umtantorouco,enãopossocantarhoje.Éprecisoquemeajudes.Enquantofalava,aproximou-se,tombandoligeiramente,edeu-meumgrande

abraço.Agoraodonodacasaexplicavaaoextraordináriofreguêsquenãopodiacontinuar com a porta aberta. Os pacotes estavam feitos, sim senhor, a faturatirada,aliestavaela.Ohomemjánãotinhapretextoparademorar.—Vamoslá,cidadão.Nãopodemospassaraquianoiteinteira.Olhequesão

quaseduasdamadrugada.Façaofavordereceberostralhos.Ofreguêsriucomumrisoalvar,pegouafatura,virou-aparaadireita,voltou-

aparaaesquerda,pôs-seaconsiderá-lacomatençãosimulada.—Nãosedemore,amigo,façafavor.Olhequejánãotenholuz.Osujeito,semdizerpalavra,olhavaaruacomansiedadecrescente,parecendo

calcularadistânciaqueoseparavadoângulodeummuropróximo,negrocomobreu,ondeumapessoasepodiarefugiar.—Então,bradoucomrispidezonegociante,osenhoracabaounãoacabacom

isso?Jáfazmuitotempoqueeuestoudesconfiandodeseusmanejos.— Tenha paciência, patrão. É que meus companheiros... Aqueles sem-

vergonha,comoV.Mc.sabe,falandocompoucoensino...—Ah!Lávoltaafalarnovamenteemcompanheiros.Esaltouobalcão.Ooutrolançava-mederelancesuaspupilasnegras,emque

haviadesesperoeódio.Eu tinhaamãodireitanobolsodocasaco.Odonodacasa resvalou furtivamentepara trásda folhadeumaportaepôs-sedeatalaia,comumaguardadeferronamão.Juntos,emsilêncio,empenhadosnumsingulartorneioqueexigiamuitaastúciaemuitaprecisãodemovimentos,éramosdoisgatosbrincandocomumrato.Osacristão, semnadaver,continuavaaparolar,

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narrandooprogramadafestaemcasadaBela.Haviaunscajusadoráveiseumacamaimaculadaadoráveltambém.Umapândega.Sóvendo.Ohomemcontinuavaadevorarcomosolhosaqueladistânciadedezmetros

que o separava da salvação. Num momento em que julgou nossa atençãodistraída,deuumsaltoefoicairemmeiodarua.Látentouformarcarreira.Nãopôde. Estava preso, mergulhado quase até à cintura naquele lodaçal negro,viscoso, coberto de espuma avermelhada como uma baba sangrenta. Quantomais se esforçavapara sair,mais se afundava.Edo atoleirovinhaumglu-glusemelhante ao rumor que alguém faz quando quer engolir qualquer coisa sempoder, e à superfície subiam sempre aquelas bolhas redondas, avermelhadas,comounsgrandesolhosqueestivessemassistindoaosesforçosdodesgraçado,impassíveis, zombeteiros. Eu já estava ao lado dele, meio enterrado na lamatambém, comum revólver entre os dedos inteiriçados.O comerciante, junto amim,brandiaabarradeferro,prontoaarremessá-la.—Nãotemexas—gritou.Nãotemexas,quetepartoacabeça.Deitaforao

saco.Ohomemnãosemexia.—Deitaforaosaco—berrei.Deitaforaosaco,quetensaíumaarma.Ohomematirou-mo.Abri-o.Haviadentroumpedaçodepaueumafaca,uma

lâminainofensivaeridículacomocaboamarradoacordéis.Atirei tudoaquiloaoatoleiro.—Saidaí—bradouonegociante.Anda,saidaí.Masnãofujas,quetequebro

aspernas,patife.O sujeito não podia sair. Estava todo enterrado do umbigo para baixo. Foi

precisoarrancá-loàforçaearrancar-nosanósmesmos.Gastamosumquartodehora a desenvencilhar-nos. Agora o lampião da loja estava quase apagado. Osacristão riscava fósforos e, livre do susto que apanhara, soltava pragas, semcompreender bem aquilo. O homem batia os dentes como um porco bravo,tremiaechorava,sempodermexer-se,meioparalisadodepoisdaquelebanhodelamagelada.Nósgritávamos:—Ladrão!Ladrão!Qualeraatuaintenção,sem-vergonha?Confessa.Eobêbedoagritartambém,fazendocoro:—Ladrão!Tuésumsafardana,ouviste?Nãoprestasparanada.Vinhasmatar-

nos, vinhas roubar as fazendas todas. Vamos! Conta tudo ou eu dou-te umsopapo.Haviaagoraumagrandebalbúrdia.Navizinhançaabriam-seportasejanelas,

mostrando rostos cheios de sono; gente acorreu, trouxeram velas acesas ebrandões. Nosso grupo aumentava. E a vozeria aumentava também com asexplicaçõesconfusasquesetrocavamatortoeadireito.Ohomemcontinuavaa

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tiritar em nossas mãos, tentando falar sem poder. Fazia com os dentes umbarulhohorrível.Emumminutoarrancamos-lheocasacoeacamisa.Seubustomagríssimo, cor de bronze, apareceu, com as costelas salientes formandograndes sulcos. Batido por aqueles chuviscos que iam caindo sempre compersistência,alvos,miudinhos,dolorososcomopontasdealfinetes,percorriam-noestremecimentosrápidos.Semquerer,euocomparavaaocorpodescarnadode um Jesus sinistro que havia na capela do povoado. Amarramos a cordasaqueles pobresmembros entanguidosquenãoopunham resistência.Choveramentãoimpropérioseinsultos.—Dizequeviesteroubareassassinar,bandido!Confessa,ladrão!Confessa!Eapertávamosmaisascordas.—Queédeteudinheiro?Revistamososbolsos.Nãohavianada.—Vinhascomprarsemdinheiro,impostor!Osacristãoandavaabradardeumladoparaoutro:—Nãotensdireitoderoubar.Estásouvindo,grandíssimofilhodeumamãe?

Nãotensdireito.Traste,coisaruim.Vemcá,voudar-teumcachação.Eatirou-lheocachação.Odesgraçadosoltouumgrunhido,vacilou,deuuma

cambalhota. Depois foi uma chusma de bofetadas. Seguindo o exemplo dobêbedo,cadaumdenósdescarregavaasmãossobreaquelacaramagra,lívida,comduasgrandescovasnasbochechas,denunciandoausênciademolares.Pelatestaestreitadopacientedeslizavamumasgotinhasmiúdasqueseiamperdernamata das sobrancelhas emaranhadas.Não se sabia se eram suor ou a água dachuva,quecontinuavaacair.Outrasqueescorriampelasfaceseramcomcertezalágrimas.Ovento rugia; os aramesdo telégrafogemiamcomoextraordináriosbordõesdeviolão;oriocontinuavaasoluçarláembaixo.Osestalossonorosdasbofetadasrepercutiamadistância.Eosacristãosempreagritar:—Nãotensdireito!Toma!Toma!Batamderijo.Toma!Toma!Comosmovimentos que fazíamos comos braços, uma espécie de calor de

indignaçãoinvadia-nos;ia-seofrioaospoucosdissipando;estávamosumtantoconfortados.—Éprecisoentregá-loàpolícia—lembroualguém.Vamoslevá-loàcadeia.Aplaudimosunanimemente.Numminutofecharam-seasportas.E,àluzdos

brandões e das velas, lá fomos em procissão, fazendo uma algazarra doida.Éramos uns vinte. Marchávamos com precaução, meio cegos pelo clarão dastochas.Estávamos encharcados.De vez emquandoumapernamergulhava noatoleiro de lama nauseabunda, pegajosa, macia como um veludo. Às vezes,encandeadoscomomorcegos,procurávamosevitarolamaçalsaltandoparacimadeumacoisabrancaque,vistaadistância,pareciaumapedra,eeraumapoçade

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água.Umexaltadoperdeuapaciênciaesaiucorrendo,aacordarocomissáriodepolíciaeocarcereiro.Nóscontinuamosaarrastar-noscomlentidão,conduzindoohomem.Dequandoemquandosoavamgritosdealerta:—Cuidadocomele!Estáseguro?Olhemqueocanalhanãoseescape.Estavaseguro.Todasasmãosesforçavam-seportocar-lheocorpo.Dir-se-ia

queelenoseramuitoprecioso.Havianaquelenossoexageradodesejodeagarrá-loqualquercoisadofervordebeatosquerendoatodootransepegaroandoremquevaia imagemdeumsanto.Àmatinadaquefazíamos, ladravamcães,boisdespertosmugiam nos estábulos.A povoação continuava negra;muros negrossurgiam por vezes junto a nós, como grandes lençóis escuros; e sombras deárvoresavultavamaquieali,povoandoosquintais,negrostambém.Estávamosachegar.Jásedivisavaumaluzinhaailuminarumaportaaberta.

Estugamosopasso.Eohomematremerentreasnossasgarras,abaterosdentescomumaviolênciaquemedavaumgrandemal-estar.Seusmembrosúmidos,molescomotrapos,causavamrepugnância.Pareciaquetínhamosentreosdedosum bando de lesmas desmanchando-se. Nossos gritos ferozes casavam-se aosgritosquevinhamdacadeia.— Depressa, malvado, depressa! Estás demorando de propósito para fugir,

sem-vergonha!Ejánemsentíamososoprogeladoquenosaçoitavaasorelhaseaquelaágua

em pó, fina como vidro frisado, tão excitados estávamos. Chegamos. Abarafundacresceu.Houveumaespéciedeinterrogatórioqueninguémentendeu.Todos nós falávamos a um tempo, comonuma feira.O comissário de polícia,arrepiado, puxava as mãos para dentro das mangas do casaco e pediaexplicações. Alguns soldados soltavam trajos e passavam as costas das mãospelosolhos.Eosacristãoandavaaberrar:—Canalharuim!Roubouasfazendasdohomemtodas!As perguntas choviam sobre o homem, que, atordoado, nada dizia. Apenas

afirmava que era arrieiro do senhor Ladislau e que uns camaradas o tinhamencarregadodefazeracompra.—Estásamentir,safado!Tunãotinhasnobolsoumvintém.—Eles traziam—balbuciou o desgraçado.Tinhamprometido chegarmais

tarde.Nãoseiporquenãovieram.—Mentira!—bradamosnós.—Estáclaro!—apoiouocomissário.—Traziam,simsenhor—gemeuohomem.Euvimprimeiroparaadiantaro

serviço. Deram-me a nota, sabe? Ora! Veja o senhor! Não trouxe o dinheirojustamente com medo de ser roubado. E acontecer-me uma coisa assim! Asestradasestãoescurasquefazemmedo.Éatéarriscadoagenteandarsó.

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—Elementequefazgosto—disseumarapariguitafranzinaqueacabaradeentrar.—Éclaroquemente—exclamouocomissário.Sejáiafugindo!Porqueé

quevocêiafugindo?O homem embatucou. Naturalmente não pensou em dizer que se havia

arreceadodeminhaatitudeedabarradeferrodonegociante.Reconheceu com certeza que não havia meio de convencer-nos. Continuou

calado.Talveztivessequeridodizermuitascoisas.Maseraumacriaturabisonha,meioselvagem.—Porqueéquevocê iacorrendo?—insistiaocomissário.Responda.Por

quefugiu?Estábem.Nãoquerfalar.Ficaporaquiadescansaralgunsdias.Evoltando-separaospolícias:—Metam-no ládentro.Deem-lheumacamaeum lençol, que está fazendo

frio.Saiu,piscandoumolhosignificativamente.Ohomemdeitava-nosunsolhares

de imbecil, como se não tivesse consciência daquela aventura em que estavametido. Parecia que aquilo não era com ele. [Desligaram]-se2 as cordas queoprendiam.Eeleaobservarassustadoasaletaemqueestávamos,otetonegro,astarimbas sujas, as cortinas de teias de aranha que enfeitavam as paredes, asgrades de ferro que davam para o cárcere, onde presos se concentravam,resmungando. Se naquela ocasião ele tivesse podido justificar-se, creio quesentiríamos uma grande decepção. A rapariga andava entre nós, lançando-noscom meiguice suas pupilas negras e sorrisos que lhe mostravam os dentesmiudinhos,aguçadosalima,todoscaninos.Doissoldadosacercaram-sedoprisioneiro,agarraram-lheospulsos,puxaram

os sabres.Ele teveumestremecimento,pareceudespertar, caiude joelhos, fezumesforçoparajuntarasmãos.Umalâminadeaçobateu-lhenodorsonu.—Valha-meNossaSenhoradoAmparo!—berrouopobre-diabo.Peloamor

deDeus!Deixem-me.Outralâminacaiu-lhesobreopeito,numapancadaseca.—Eu sou portador do senhor Ladislau. Juro por tudo quanto é sagrado.O

senhorLadislauéhomemsério.Deixem-mepeloamordeDeus!—Peloamordodiaboquetecarregue,maroto!—urrouosacristão.E as folhas continuavam a silvar no ar, e as pancadas sucediam-se

cadenciadas,monótonas, sobre as costas e sobreopeitodohomemajoelhado.Ele tinha todoobustovermelhocomoumabrasa.Nos lugaresemqueo ferrobatia ficavam faixas brancas, cinzentas, que se tornavam rubras depois. E elesempre a pedir misericórdia, a chorar, a urinar abjetamente. Nós estávamosrecolhidosnumgrandesilêncio.Pareciaqueexperimentávamosoprazerdeuma

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vingança.Dir-se-iaqueaqueleindivíduonoshaviacausadoumgrandemalequenãotínhamosfeitooutracoisaduranteavidasenãoacumularódiocontraele.Araparigaenviava-nosolharesúmidosemquebrilhavaumjúbiloestranho.Mentalmente, eu contava as pancadas, que iam caindo regulares como os

baquesdeumpêndulo:—Uma,duas,três,cinco,dez,vinte,trintaecinco…— Pronto. Já tens tua conta. Podes ir dormir descansado. Se não estás

satisfeito,desculpa—disseumsoldado.O homem ainda ficou de joelhos algum tempo; ergueu-se, tentou dar um

passo,vacilou,caiu,tornoualevantar-semuitomaltratado.Abriu-se a porta do cárcere, ele recuoumaquinalmente, foi precisometê-lo

dentroàforça;aportatornouafechar-se.A vozeria recrudesceu. Todos queríamos ver. Disputavam-se os melhores

lugaresasocoseacotoveladas.Osqueestavampertodagradeagarravam-seaosvarõesviolentamenteedefendiam-secomospés.Lutávamos.Tínhamosnaquelaocasião raiva uns dos outros. Eu me recordava de certa página em que sedescreviaofurordeumachusmadepessoasque,encerradasemumacelaondenãohaviaarsuficienteparatodas,sedebatiamdesesperadamenteparaalcançaruma janelita onde um pequeno número se podia salvar. A rapariga magrasegurava o ferro com os dedos crispados e cravava-me no pescoço seusdentinhos acerados de rato.O homem, de pé emmeio da casa, não semovia,olhando os presos reunidos a um canto, reservados, hostis, grunhindo em vozbaixa.—Boanoite, camarada—gritouumdeles.Fala comagente, deixade ser

soberbo.—Entra sem cerimônia,meu coração— disse outro. Esta casa é nossa.O

artigoprimeiroéentregarochapéueosduzentosréisdocostume.Chega,nãoteacanhes,passaochapéueoníquel.Orecém-chegadoentregouapenasochapéu.—Eoresto?—exclamouoprimeiro.Entãoqueresvirparacásempagara

entrada?Parecequenãoconhecesoscostumesdacasa.—Dondediabovenstu,criatura?Queespéciedetolicesandastefazendopor

aí?Ladroeira,hein?Issoéumcrimegrave.—Quemtemeteunacabeçaquetinhasjeitoparaessascoisas?—segredou

umnegroquesedivertiaarasparseuspequeninospésextremamentemóbeis.Émuitodifícil,menino, e tu tens carade idiota.Éaprimeiravezque trabalhas,comcerteza,edeixasteque tepassassemamão.Quevergonha!Umrapaz tãobonito!—Nãosejas recruta.Deixade luxo,meubem—disseumrapazola.Chega

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cá,voudar-teumpedaçodaminhaesteira.O hóspede aproximou-se do grupo dos veteranos, que continuavam

agachados.Num instante agarraram-lhe aspernas e afastaram-nas rapidamenteuma da outra. O homem ficou um momento de pé, como um acrobata,milagrosamenteequilibrado,agitandodesordenadamenteosbraços;depoiscaiuemcheio, batendocomopeitonochão.Viumobjeto comprido, escuro, fino,semelhandoumacobra,erguer-se-lheporcimadocorpo,silvando,descreverumcírculonoar,enroscar-se-lhedepoisemvoltadosrins.Eouviumgrito,queseperdeulogo,misturadocomaassuadaquefazíamos.—Isso!isso!—gritávamos.E, insensivelmente, íamos acompanhando o ritmo das vergastadas, batendo

com o pé nas lajes. O homem urrava e uivava. Parece que aquilo devia doermuito. Seu busto magríssimo como que agora tinha engrossado, com osmúsculosintumescidossulcadosdeumbandodepequeninasestriasvermelhas.—Toma!Toma!—bradavaosacristão.Enósíamosrepetindo:—Toma!Toma!Ladrão,sem-vergonha!Sentíamos que aquele indivíduo era o maior criminoso do mundo. Se nos

dissessemde chofre quehavia outros culpados, é possível que nos tivéssemosespantado.Nossoprazereramuitointenso.Eavergasta sempreazunir, enossosgritos sufocandoosuivosdohomem.

Seubustobronzeadotinhaagoraumacoloraçãomuitoviva,asestriasestendiam-seemtodosossentidos,misturando-se, formandoumabela teiaencarnada.Aschacotas dos presos sucediam-se. Ouvindo-os, tínhamos a ilusão de que eles[eram]3 umas boas criaturas, uns pobres-diabos ali trancados por acaso.Simpatizávamoscomeles.Pudera!Seelesnosproporcionavamumasatisfaçãoforte…Eohomemarugir,aroncar,sempredebruços,arojar-secomoumbicho,a

arranhar as lajes com os dedos, a bocamuito aberta. Súbito apareceu-lhe nascostas uma gotazinha vermelha, que foi crescendo, crescendo, até ficarmuitograndeedeslizarlentamenteentreduascostelas,deixandoatrásumafitaestreitaeviva.Outros pingos vermelhos surgiam aqui e ali. Parecia que ele tinha sobre o

dorsoumbandoderubisqueseiamfundindopoucoapouco.Araparigadeuumgritoeempalideceu.Ohomemtinhaperdidoossentidoseestavacomosbraçosabertos,semelhandoumacruz,entreduaspoçasdesanguequeaumentavam.Foientãoqueovergalhoparou.Saímostodos,comosnervosexcitados…Eunãoiacontente.Creioquechegueiapensarqueéramostodosunsinfames.

Epensavatambémnarecepçãofeitaporaquelesdesgraçadosaumdesgraçado

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comoeles.4

Rio,27dejulhode19155

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Notas1.ManuscritooriginalpertencenteàColeçãoGracilianoRamos,doCentrodeEstudosLiterárioseCulturaisdaUniversidadeFederaldeMinasGerais(UFMG),redigidopeloautornoRiodeJaneiro,em 27 de julho de 1915, no qual consta a assinatura “Ramos de Oliveira”. Uma cópia destedocumentopodesertambémencontradanaCasaMuseuGracilianoRamosdePalmeiradosÍndios.Durantesuaprimeirapermanêncianacapitalcarioca,entre1914e1915,alémdeatuarcomorevisorecronista,Gracilianotambémsededicouàconfecçãodecontos.EmcorrespondênciaenviadaàirmãLeonor, em10de julhode1915,o jovemescritor relataqueatéaquelemomentohaviacompostoquatro deles: “Maldição de Jeovah”, “A carta”, “O discurso” e “Um retardatário” (RAMOS,Graciliano.Cartas.RiodeJaneiro:Record,1981,p.57).EsteúltimoteriaseguidoparapublicaçãonaRevista Americana, mas, por um imprevisto, teria recebido outro destino editorial: Concórdia,veículo pertencente à Sociedade Concórdia de Propaganda Sul-Americana, presidida por CoelhoNeto. Na mesma missiva, Graciliano se refere à possibilidade de as “novelas” “A carta” e “Odiscurso” ainda serem estampadas na ditaRevistaAmericana, órgão dirigido por “sujeitos muitograúdos” (eram eles Araújo Jorge e Sylvio Romero Filho). Vasculhando-se os exemplares aindadisponíveisdetaisperiódicosnaBibliotecaNacionalenoInstitutodeEstudosBrasileiros,contudo,ostextosmencionadosnãoforamencontrados.Diantedofato,pode-seconsiderarquedaproduçãocontísticadeGracilianodoperíodoemquestãoteriarestadotãosomenteeste“Oladrão”,apesardeelenãoseraludidopeloautornasmissivasdaépoca.2.Palavradedifícilinterpretação,sobrescritaaumtermorasurado. 3. Graciliano havia escrito “eram eles”, mas riscou o verbo de ligação, muito provavelmenteporque tinha preferência pela sentença em ordem direta (“eles eram...”). No entanto, depois desuprimirotermo,nãooincluiunolugarpretendido.Daíainserçãodesteentrecolchetes.4.Nofinaldadécadade1930,Gracilianoviriaaescreverenomearumcontocomumtítulomuitopróximoaodeste“Oladrão”.Trata-sede“Umladrão”,textocujomanuscritodatade17deoutubrode 1938 e que foi publicado nos periódicosBrasilNovo, Rio de Janeiro, 1º de junho de 1939;ATribuna,Santos,10demarçode1946;eLadéfense,[Paris],s.d.,[pp.260-4],trad.NoelA.François,bemcomonoslivrosDoisdedos(RiodeJaneiro:RevistaAcadêmica,1945),Históriasincompletas(PortoAlegre:Globo,1946),Insônia(RiodeJaneiro:JoséOlympio,1947)eHistóriasagrestes(SãoPaulo: Cultrix, 1960). Apesar da semelhança quanto ao nome, os contos apresentam enredos,estruturas, cenários, focalizações e narradores distintos. Neste “O ladrão”, aqui apresentado pelaprimeiravezaopúblico,prevaleceonarrador-testemunha,queconta,deseupróprioângulodevisão,emprimeirapessoa,ahistóriadeumpobrehomem,presoeespancadoapósumatentativafrustradade roubo a uma loja de uma cidade interiorana. Na estruturação do texto, mesclam-se cenas esumários,compreferênciaparaestesúltimos.Jáem“Umladrão”,escritomaisdevinteanosdepois,tem-seumnarradoronisciente,emterceirapessoa,quefocalizaahistóriadeumassaltofracassadoauma residência apartir dopontodevistadobandidodesajeitadoe inexperiente, capturadoapósoinsucesso de sua empreitada criminosa. Em tal narrativa, situada num centro urbano, observa-seaindaopredomíniopraticamenteabsolutodosumário,emqueodiscursoindiretoépermeadopeloindiretolivrenacaptaçãodomododepensaresquivodolarápio(RAMOS,Graciliano.Insônia.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1953,pp.19-34).5.Hesitaçãonagrafiadadataentre27dejulhode1914oude1915.Porém,comosetratadeumconto escrito noperíododaprimeira permanência deGracilianonoRiode Janeiro, a únicaopçãorazoável seria 1915, uma vez que, em julho de 1914, o escritor ainda se encontrava emAlagoas.Comosesabe,suaestadianacapitalcariocaprolongou-sedefinsdeagostode1914asetembrodo

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ano seguinte, quando se viu obrigado a voltar aoEstado natal, pois três de seus irmãos (Otacília,Leonor e Clodoaldo) e um sobrinho haviam morrido em decorrência de uma epidemia de pestebubônicaqueassolavaPalmeirados Índios (MORAES,Dênisde.OVelhoGraça.Rio de Janeiro:JoséOlympio,1992,p.36).

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ANOS1920

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Garranchos[I]1

Leitoramigo:Bomdia.Bomdia,boatardeouboanoite?

Não o posso dizer ao certo, porque não me é dado adivinhar a que horasvolverás os olhos para este meu escrito tão cheio de senões como debanalidades...Mas, aopegaresnesta folha, consultao teu relógio e, de acordocomoseumostrador,aceitaosmeuscumprimentos...Meubomleitor:abrohojeestaseçãofazendo-teumpedidoeumapromessa:

quando, aos domingos, à hora em que tranquilamente te sentares à tuamesa,onde fumega, saboroso e escuro, o habitual café das “sete”, eu te levar, peloÍndio, asminhas frases insulsas e tolas, peço-te que volvas amemória para opassadoremotoesigasoedificanteexemplodeJó,oexpoentemáximoquefoidapaciênciahumana.Querocomissodizer-tequedevesserpacienteecaridosocomigoeque,por

euficarimpingindo-tetodososdomingosumainjeçãodesta,nãomedevesficarquerendomal.Mas eu lembrei-te Jó. E muitíssimomais do que isto ele sofreu, sem uma

palavra de ironia ou um gesto de vingança. Também eu te prometo que nemmandareimatarosteusfilhosnemsaqueareiosteushaveres...EtudoistoemaisaindasofreuopobrehomemdaBíblia...Nãoficamosbemassim?Tufazendo-meopedidoeeucumprindoaminhapromessa?De resto, quem sabe se esta seção não te irá fazer algum bem... Sofres de

insônia, meu paciente leitor? Então não usarás melhor narcótico! Talvez nemseja preciso ler a garrancheira toda, para o sono chegar-te. Estive nomeio deumagente,que,paradormir,nãoeraprecisomaisqueaminhapresença!Ora,se

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apresençadeumacriaturaébomnarcótico,claroestáqueoqueelaescreveoseráaindamelhor.Poisnãoconcordas?Mandaaboalógicaquesepenseassim.Bem,o teucafé jádeveestaresfriando,eparanãomaçar-temais, façoponto,antes quede tuaboca saia esta expressão tão emmoda agorananossapacataPalmeira:“Quebucha!”

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Nota1.X[GracilianoRamos].“Garranchos[I]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº1,30dejaneirode1921,p.1.

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Garranchos[II]1

C omeço hoje a minha crônica com esta frase chocarreira e tola dosnamoradospataus:“gostastedemim”,leitor?Porquesegostaste,comefeito,douporpagoomeusacrifíciodepassarestes

longosminutosestragandoavistaàluzdeumaescassalâmpadaGarcia,quemaliluminaamesaemqueescrevo, sentadonestavelhaeduracadeiracobertadesola...E,paraoutracoisanãoéqueaistomeexponho,senãoparaagradar-te.Mas,se tenãoserviuaxaropadaque temetiportasadentronodomingo,sê

francoedize-meaverdade.Então o maior malho que houver na minha terra servirá para rebentar esta

pena e, para destruir os meus “Garranchos”, eu mandarei fazer uma fogueiracomonãohaveránotíciadeoutraigual.Serviu-tebemonarcótico?Entãonãoeramaisqueoteudeverqueeurecebessehojedetuasmãoscoisas

com que pudesse render o meu culto a Momo, nestes dias que lhe sãoconsagrados... E comoperfumarei aminhaColombina, se aVlan2 chegou tãoaristocrática para os meus bolsos humildes! Então cinco dezenas dos meus“Garranchos”nãovalemumade“lança”?Diabo!Estouvendendomuitobaratoomeuartigo!EnquantovaistagarelarcomPierrot,fechoestacrônicacomavelhachavedos

discursos, enferrujada como uma de queme sirvo todos os dias e igualmentevelha:“tenhodito”...

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Notas 1. X [Graciliano Ramos]. “Garranchos [II]”.O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 2, 6 defevereirode1921,p.1. 2. Marca de um dos primeiros lança-perfumes comercializados no país (NAVA, Pedro.Baúdeossos.Cotia:Ateliê;SãoPaulo:Giordano,2005,p.249).

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Garranchos[III]1

E ra de doidos a festa, amigo? Era de bêbedos? Fizeste muito bem emenlouquecer e embebedar-te também. Ficaste otimamente pondo amáscara depapelpintadosobreamáscaramoralcomquecobreseternamenteorosto,meupérfido!Serboboéchic,estánamoda!E, como gostas dela, foste bobo também! Que pândego que te achei,

envolvido em panos encarnados, arrotando vinho! Que bem que fizesteabandonandoagravidadedavida!QueméquequersersérionoCarnaval?Háláseriedade nisso! E ainda que quisesses exibir alguma, pensas que Bacoconsentiria?Passariasporidiotaseprocedessesassim...Bateu-teàportaaorgiae,comaseduçãodasbacantes,caíste-lhesbêbedoaos

braços, tratante!Melhor não poderias ter feito. Se o vinho é deus, se o vinhoimpera, eramisterque te entregassesdecorpoe almaao seudomínio!Beber!Transportar-sedeumtragoàsparagensencantadasdoprazer...Quedelícia!E, depois de todas essas loucuras, depois de tantas noites a braços com o

vício,ir,genuflexoepiedoso,recebernatestaacruzdecinza!Que contraste! E que é a vida, afinal, senão uma intérmina sucessão de

contrastes?

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Nota 1. X [GracilianoRamos]. “Garranchos [III]”.O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 3, 13 defevereirode1921,p.1.

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Garranchos[IV]1

Talvezo leitorseadmirehojedesteartigo.Estaseçãoaindanão trouxeaseusolhossenãofutilidadesecoisasinúteis.Mudahojeumpouconaformaenaessência.Vaitratardeumassuntoimperiosoegrave;vaiuniradebilidadedesuavoz ao eco desta folha em prol da instrução.2 Talvez fique por aqui, talvezcontinue.Seesteartigoforbemrecebidoporaquelesaosquaissedirige,munireiobraçodeforçasecontinuarei.Vaicomoumasúplicaendereçar-seaogoverno;partiu pelaminha pena desses infelizes pais de família que veem, dia a dia, amisériainvadir-lhesolar,ondenãopenetrouainda,balsâmicaedivina,afontedobemhumano:olivro!Criam-se aqui todos os dias, quase, centros de diversões, e no entanto uma

escolanãoseabre!É simplesmente horroroso que numa cidade como a nossa (já não digo o

município,contento-mecomasuacapital)nãotenhamosquemnosensinealer,arrancando-nosacegueiradaalma.Bemlongeaindavaidenósoprogresso...Ogoverno, descurando a maior necessidade do povo, entrega a sua instrução acriaturas tão ineptas que mal poderiam frequentar o primeiro ano de umestabelecimentodeensino!Quepodemelasensinar,santoDeus,senadasabem?Sópormilagre.Milagres?Ah!Masapoeiradosséculosapagou-lhesovestígio!Eaignorânciaaumenta,eoscrimesmultiplicam-se!Temos(miséria!)escolasdevício,aprendizagemdecrime,escadasparaaprostituição.Éacasadejogo,éoálcool, é a aluvião demendigas, crianças à puberdade, que infestam a cidade,oferecendo-sequase.Enão falarãoessasmisérias todasbastantealtoparapenetrarosouvidosdo

governo?Nãoestarãoaindabemexpostasàluzaspústulasquemaculamaalmadasmultidõessertanejas?Abriescolas,senhoresdogoverno,esses“viveirosdeesperança”,comolhes

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chamouRosendoMuniz,etereisprestadoumgrandebemànossapátria.3

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Notas 1. X [GracilianoRamos]. “Garranchos [IV]”.O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 4, 20 defevereirode1921,p.2. 2. Na primeira página do segundo número do jornalO Índio, avultava o texto “Liberdade einstrução”:“Pode-seconceberliberdadeseminstrução?Podeexistirdemocracia,queéogovernodopovopelopovo;umavezqueele,despojadodosconhecimentosnecessários,dasluzesprecisas,nãoestácônsciodosseusdeveresedireitos?(...)Comoaterra,quesemamanhoecultivonãopodedarbons frutos, um povo entregue à inércia e ao abandono não pode jamais contribuir com auxíliosmútuosparaoseuengrandecimentopolítico,moralesocial”(DUARTE,O.“Liberdadeeinstrução”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº2,6defevereirode1921,p.1).3.RosendoMunizBarreto(1845-97):poeta,autordeOcombatedeRiachuelo(1865),Cantosdaaurora(1868)eVoosdeÍcaro(1873),bemcomodoromanceFavosetravos(1872)(COUTINHO,Afrânio e SOUSA, J. Galante de [dir.].Enciclopédia de literatura brasileira. 2 vols. São Paulo:Global;Riode Janeiro:FundaçãoBibliotecaNacional/DNL,AcademiaBrasileiradeLetras,2001,vol.1,p.326).ProfessordefilosofiadoColégioPedroII,eraconsideradoumespíritodémodé porRaulPompeia(PONTES,Eloy.Avida inquietadeRaulPompeia.Riode Janeiro:LivrariaEditoraJoséOlympio,1935,p.53).

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Garranchos[V]1

Andamos,positivamente,apassosdetartarugaemquestõesdeletras.Todaagente,quase,aquiassinajornais,equaseninguémaquilêosjornaisqueassina.Se lê, não compreende. E, por não saberem ler e pela vaidade que têm osignorantes de entenderem de tudo, indivíduos há que têm umamaneiramuitooriginal de julgar a obra pelo título e pelo nome que a subscreve, sem a lerentretanto.Por isso, certo cidadãoda roda, que tem títulode eleitor, queusagravata e

meias,quediscute literatura,pegandocertavezumnúmerod’OÍndio,emquevinha publicado um artigo um pouco extenso, jogou-o para um canto,exclamandoespumantederaiva,comoseelelhetivesseferidoasensibilidade:—Istoéjornal!Eubemdisselogoqueaquinãoháassuntoparafazer-seum

jornal!Umartigodestetamanho,misericórdia!Está-sevendologoqueéfaltadeassunto.Pode-selálerumaporcariadestas?!E,nofundo,assistiamuitarazãoaopobrehomem:habituadoalernacartade

ABC (único livro que mal conhece) que “Paulina mastigou pimenta”2 e que“Delfinacompraráaraçás”,nãopodiapassearosolhossobreumartigodequatrocolunas,fossebomoumauoassunto,eterumgestodiferentedaquele!E,acimadetodososdefeitosd’OÍndio,colocouoqueachoumaisgrave:—Unsanúnciosinsignificantes,queagentenempodeler,tãopequenossão!

Istoéjornal!Leioláestaporcaria!Que imbecil! Julgaqueovalordistoestáno tamanhodosartigose formato

dosanúncios!...

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Notas 1. X [GracilianoRamos]. “Garranchos [V]”.O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 5, 27 defevereirode1921,p.1. 2. Tal frase, retirada de uma antiga cartilha, tornaria a ser utilizadamais de 15 anos depois nacrônica“UmnovoABC”:“Nessamedonhacarta,querasgávamoscomprazer,salvavam-sealgumaslinhas.‘Paulinamastigoupimenta’.Bem.ConhecíamospimentaeachávamosnaturalquealínguadePaulinaestivesseardendo.Masqueteriaacontecidodepois?Estahistóriacontadaemtrêspalavrasnão nos satisfazia, precisávamos saber mais alguma coisa da aventura de Paulina” (RAMOS,Graciliano.VamosLer!,RiodeJaneiro,21deabrilde1938;Linhastortas.RiodeJaneiro:Record,2005,p.249).SereclamadabrevidadelacunosadahistóriadePaulina,protestacommaisveemênciacontraos“conceitosidiotas”contidosnasvelhascartasdeABC,taiscomo“falapoucoebem:ter-te-ãoporalguém”e“apreguiçaéachavedapobreza”.EmInfância(1945),taiscríticasganharãoumtratamentomaispessoaleespecífico.

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Garranchos[VI]1

Voltamosa encarardenovoogravemalqueameaçaderruir amoraldopovo: o analfabetismo. A ignorância arrasta, a passos gigantescos, amultidãosertanejaaoabismotenebrosodocrime!TingeaindaaterradoCandaráosanguedacriançainocentequetombouaos

golpesfataisdeenxadaqueseutioecompanheirodetravessuras infantis,comidadedepoucomaisdedoislustros,lheprojetanocrânio.2EnchemaindaocoraçãodopovodeVitóriaosgritoslancinantesdorapazelho

queexpiracomagargantaentreasgarrasferozesdeumsoldadodepolícianapraçapública,àluzmeridiana.3NãoseapagouaindadaretinadoshabitantesdosítioLagoaMourãoavisão

trágica e canibalesca de uma cena em que três indivíduos apunhalam umhomem,pormotivosfúteis,porcachaçadastalvez!...4Sãodestanaturezaosdramas terríveisquenosofereceaselvageriadomeio

emquevivemos.Etudoporquê?Porque,emvezdeumacartadeABC,sedáaopovoacartadebaralho;porque,emvezdeumensinamentosão,quelheilumineocérebro,selhedeitanabocaocopodeaguardentequelhedevastaoorganismoerelaxaocaráter!Urge,pois,queseponhatermoatamanhasmisérias.Comofazê-lo?Projetandonatrevaquehánaalmadoanalfabetooclarãoradiosoquevemdo

livro!Nãoserãoacasotantoscrimesoresultadodaignorânciaquecaracterizaopovo?Precisamosabrirescolas.EénapalavraautorizadadeGuerraJunqueiroquevamosacharesteconceitodesupremaverdade:“Alongaraescolaédiminuirocárcere.”5

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Notas1.X[GracilianoRamos].“Garranchos[VI]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº6,6demarçode1921,p.2. 2. Retomaanota“Umassassinoprecoce”,publicadanomesmoOÍndio, em20de fevereirode1921,p.3,quetratavadamortedeummeninode13anos,vítimadeenxadadasdesferidasporoutrogaroto,de11anos.3.Remissãoànota“Crimehediondo—umsoldadoestrangulaumacriança”,tambémestampadaemOÍndio,em20defevereirode1921,p.3. 4. Aludeànota“Tirose ferimentos”,quedavacontadasviolênciassofridasporumcidadãodenomeManoelEuphrásio,saídaemOÍndioem27defevereirode1921,p.3. 5. AbílioManuelGuerraJunqueiro (1850-1923):célebrepoetaportuguês integrantedachamadaGeraçãode70,daqual tambémfizeramparteAnterodeQuentaleEçadeQueirós. (MACHADO,ÁlvaroManuel[org.].Dicionáriodeliteraturaportuguesa.Lisboa:EditorialPresença,1996,p.253).Panfletário, anticlerical, antimonárquico e influenciado pela cultura francesa, ressaltava o caráterluminar da escola, fator de progresso que poderia retirar Portugal do atraso no qual o país seencontravadiantedasdemaisnaçõeseuropeias.Nessesentido,posiciona-secomocríticoferrenhodoarcaico sistema educacional português, tal como se percebe no poema-manifesto “A escolaportuguesa”, publicado no livro A musa em férias (1879). Conforme destaca nota publicada naRevistaBrasileira deEstudosPedagógicos, em referência ao pensamento cientificista da segundametade do século XIX brasileiro, era “usual, então, repetir-se, com Guerra Junqueiro, que ‘abrirescolas era fechar uma prisão’” (LIVROS. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio deJaneiro,vol.36,nº83,julho-setembrode1961,p.262).Estafrase,contudo,écomumenteatribuídaauma das grandes referências de Guerra Junqueiro, o escritor francês Victor Hugo (SCIENCIA eeducação.Aáguia,Porto,vol.XI,2ªsérie,janeiro-junhode1917,p.79).

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Garranchos[VII]1

Eu tinhadeixadoacidadenaagoniada luzelétricaenoctivagavaestradaemfora.Passeiaságuasverdesepodresdovelhoaçude,passeiapadariaMogecaminheiainda.Masaoenfrentaracasadosmortos,brancanatreva,tolheu-meospassosuma

visão:eraumaprocissãodealmasqueseiam,enchendoocaminhodeespantoedemedo!Fiqueibrancocomelas;aspernastremiam-mecomotenrosgalhosqueoventoaçoitasse;oscabelosencrisparam-se-me.Estivequaseapedir socorro!Masninguémmevaleria,porquesóalmasmerodeavam...Depoisumaquemeficarapertofalou:—Osenhorvotanogoverno,poisnãovota?Entãovai fazer-meumgrande

favor.Fuieleitortambém.Votavanachapaoficial.Oraosenhormevailevarumrecado lá para a rua. Está vendo?Depois que o portão caiu, os companheirosdeixaram-mesó!Vão-sesemmaisaquelas,semlicençadeninguém.Detantoshabitantesdestacasaimensa,jápoucosrestam.Eugostodecumprirordens.Fuimilitar.Umdia,porumasimplesinfração,mandaram-meaoxadrez,quinzedias,apãoeágua!Depoisdestecastigo,nuncamaisdesobedeci.Ninguémnosdisseainda que nós podíamos ir; por isso continuo no meu posto. É certo quearrancaramoportão,masnadanosdisseram...Vêosenhor?Aquiloalifazdó!Os cães invadem-nos os leitos, os porcos chafurdam tudo, as galinhas nosmartirizamremexendoaterraquenoscobre,àcatadealimentos.Éumainvasãodanada!Avidaaquivaisetornandoinsuportável!Osoutrosfogemapavorados!Pareceatéquemejulgamalgumaautoridadeaqui,porquesaemàsescondidas.Maseu fico, todocheiode aflições.O senhorparece terbomcoração,porqueestácomosolhoscheiosd’água.Quandochegaràrua,váaopalacetedaáguia2efaça-meofavordedizertudoistoaogovernoepedir-lhequemandeumportãoparacá.Docontrárioistoficaráàsmoscas.

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Écertoquenãofuipessoalmenteà intendência;mascreioquereproduzindoaqui,textualmente,aspalavrasqueouviàalma,satisfaço-lheopedido.

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Notas 1. X [GracilianoRamos]. “Garranchos [VII]”.OÍndio. Palmeira dos Índios, ano1, nº 7, 13demarçode1921,p.1.2.AantigaIntendênciaMunicipaldeMaceióeracognominadade“PaláciodasÁguias”(PalácioFlorianoPeixoto<http://www.gabinetecivil.al.gov.br/alagoas>.Acessoem7deagostode2011).

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Garranchos[VIII]1

E ra uma vez uma cidade do interior de um Estado, que tinha a suailuminaçãoconfiadaaoscuidadosdeumcertoManoelXororó...Àluztênuedoslampiões, fabricados com engenho por um cidadão que tinha o nome poucocomum de José Urubu, os habitantes daquela pitoresca terra podiam, à noite,sem se arriscarem ao perigo de quebrar as pernas, passear tranquilos nas ruasesburacadas...Veioumdiaadoença,Xororófoiàcama,agonizouemorreu.Nomeou-seum

substituto, que não limpava os vidros dos candeeiros, nem deitava para acombustão o líquido necessário. E a luz enfraqueceu... Então o povo daliaborreceu-sedoclarãoquevinhadospaviosembebidosemqueroseneepediuluz elétrica. Vai o intendente e, acedendo ao pedido dosmunícipes, tratou docaso.Apareceuumcidadãojeitosoeamável,arrancouprivilégiodevinteanosefirmouumcontratocomamunicipalidade...O povo, como era natural, bateu palmas. Meses depois o homem enterrou

postes e enrolou a cidade (salvo seja) em fios amarelos... Os proprietáriosqueriamfazer instalaçõesemsuascasas,mas receavamopreço.Oempresáriodiziaqueaquiloeramuitobarato.Eosprédiosencheram-sedefios.Chegaramporfimosaparelhos,eaprimeiraexperiênciafoianunciada.Gente

curiosa encheu as imediações da empresa. O dínamo enrascou-se, as criançasgargalhavameosgarotosriscavamfósforos,parailuminaraluzelétrica...Nodiaseguinte,depoisdeumlaborinsano,aluzsefez!Houverisos,felicitações,easjanelasseencheramderostinhoscuriosos.Dias após ao arrasta-pé de valsas e ao tilintar de copos transbordando

espumas, inaugurou-se a iluminação pública. E a cidade se vestiu de júbilo...Música, discursos, o diabo!Tudomuitobem.As ruas ficaramclaras.Opovo,satisfeito,abriuosbolsos,cruzouosbraçosemandouoproprietáriodaempresa

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servir-seàvontade.Este, não contente com o lucro, dobrou o número de instalações, e a luz

esmoreceu. Achou pouco ainda; triplicou... e a luz ficou agonizante. Houvereclamações.O homemmandou cartas para aAmérica emarcou prazo para achegadadeaparelhos,quenãoforampedidos...Ehojeagentedacidade,obrigadaaandaràsapalpadelaspelasruas,arrisca-se

aquebraraspernasnosburacos,mandaaosdiabosastransparenteslâmpadasdeEdisonefalacomsaudadesdosbonstemposemqueailuminaçãodaterraeraconfiadaaoscuidadosdofinadoManoelXororó,desaudosamemória!

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Nota 1. X[GracilianoRamos].“Garranchos[VIII]”.OÍndio.Palmeirados Índios, ano1,nº8,20demarçode1921,p.1.

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Garranchos[IX]1

Comassuasvias-sacraseosseuscrepes,assuasmatracaseosseusjejuns,aSemanaSantapassou...Passoucomaserenidadedascoisassagradas.Igrejasemesasencheram-se,estasdegostosasiguarias,aquelasdecrentesquerezavamedeindiferentesquenadafaziam.Ejáqueotempoédejejum,falemosumpoucosobreele.Todosjejuam,unsporpenitência,outrosporgula.E,comoparaisso,precisamsairdascomidasvulgares,corremàsfeiras,batemosmercados,andamdemercearia paramercearia, a comprar bonitos peixes, bons acepipes, ótimosdoces e escolhidos temperos. O povo jejua. Não em português, que diz que“jejuaréabster-sedealimentos”,mascomendobememuito.Aquiseensinaquejejuar é passar à farta. Com efeito, tomar-se café pela manhã, almoçar-se àsonze,comosenãotivessedejantar,nãocomernadanointervalodasrefeiçõesejantar-se às seis, tanto como se não tivesse de comer jamais, é um grandesacrifício e, consequentemente, uma grande penitência. Andar o povoempanturrado, desmanchando-se em suor, asfixiado, caindo ao peso doestômago, abrindo-se em bocejos, arrotando, enchendo o ambiente de gasesmalcheirosos,nãoéestúpido?Aíestáojejum...

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Nota 1. X [GracilianoRamos]. “Garranchos [IX]”.O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 9, 27 demarçode1921,p.2.

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Garranchos[X]1

Vemdenovoàbailaavelhaquestãodoabastecimentod’águaàcidade.Opovojádiscuteascláusulasdequesecomporáocontratoe,comafebrequesóiacompanhar o assunto, já meia dúzia de homens andou fazendo sondagens,“Cafurna”2 em fora, escalando acidentados terrenos, até às águas serenas quefertilizamaterraserranado“Amaro”.3Tu,leitor,comcertezaestáscontentíssimocomoveresemfocoumaquestão

quedepertoteinteressa.Entretanto,eu,emvezdeficaralegrecomotu,entristeçosemprequeseme

fala em tal assunto... Nem imaginas o mal que nos vem trazer essemelhoramentoquesediscutecomtantocalor,apesardeserumacoisatãofriaoqueelenostraz.Pensas então, leitor amigo, que beberemos da água e nos banharemos nela,

andandodebolsosescassoscomoandamos?Qualnada!Aquiloécoisaquesóviráserviraosricos.Bementendido,nocaso

imagináriodevir,oqueétãofácilcomotransportar-separaoladoopostoaquelaserra ali defronte, emboraomestre Jovinomedissesseque, no tempoemqueestudavacertaciência,eracapazdefazê-lo,comaféquelhepovoavaacabeça,queandacheiahojeemdiadenotasdemúsicaedeáguassulfurosas...Ora,seolíquidoemquestão,transportadoemvelhaseferrugentaslatas,nas

costas de bons animais, lentos e orelhudos, que andam a trote as estradas,ruminandoasuafilosofia, jáninguémobebe, tãoaltoéopreço, imagine-seoqueseráquandovierentreasparedesredondasdecanosamericanamentecaros!Aísim!Teremosdecompraráguadeacordocomocâmbio...Esendopropriedadedeempresa...Empresa!Sóporsiestapalavraapavora!E

cá sabemos por que... Por isso vamos fazer promessas para que se deixem asfontesempaz,seéquenãoqueremosmorrerdesede...

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Notas1.X[GracilianoRamos].“Garranchos[X]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº10,3deabrilde1921,p.1. 2. Referência à Mata da Cafurna, espaço que se localiza fora da cidade, distante uns oitoquilômetrosdocentrodePalmeiradosÍndios,ondeseencontraumacomunidadeindígenaXucuru-Kariri.3.ReferênciaaopovoadoAmaro,situadonaregiãoserranadePalmeiradosÍndios.

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Garranchos[XI]1

P almeira não tem árvores. Já repararam na tristeza que há nas cidadesdesarborizadas?PorissoPalmeiraétriste...Asruastêmoarpesadodosrostosque não riem. Como o riso é a beleza do rosto, a árvore é o riso da rua... Épreciso, pois, que a nossa cidade ria. Arborizemo-la o quanto antes. O atualintendentecogitaagoradoassunto,masdeumamaneiraassazdemoradaequetalveznãodêresultadosatisfatório.AsmudaspedidasparaoRiopoderãocomaviagemchegarimprestáveisoudepoisdoinverno,obrigandoassimoadiamentoda questão. Mas, para que irmos tão longe, quando temos às portas variadosespécimesdefruteirasquetãobemserviamparaocaso?Plantemosmangueiras,laranjeiras,outrasárvores,tãobelas,queasháemnossossítios.Florençaépovoadadelaranjeiras,oseuambienteéperfumado,temocheiro

especialdessaárvore.AsgrandesruasdeBelémsãocheiasdemangueiras.Eédeverabelezado

aspecto, às tardes e àsmanhãs,quandomorreo solou raia a aurora.Em rodatudo é festa; são os homens que se acolhem à sua sombra, ouvindo-lhes nosgalhosospássarosacantar,osgarotosqueesperamaquedadofrutodesejado.Aarborizaçãoénecessáriaaoembelezamentodeumacidade.O invernochega.Nãodevemosperderaocasião.FaçamosanossaPalmeira

alegre.Vistamo-ladefesta,plantemosárvores.Alémdaarborizaçãoprecisamostambémdejardins.Palmeira embreve receberá deParis, comooferta de umdigno filho seu, o

major de engenheirosManoelCavalcanti,2 o busto do velho político e grandepalmeirensepadreMaia.3FoidesejodoofertantequeseerigisseobustoàpraçadaMatriz,oqueseráobservado.Ora,emfacedisto,seriadebomalvitrequesecuidasselogodeprepararapraçaparatalfim.

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Notas1.X[GracilianoRamos].“Garranchos[XI]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº11,10deabrilde1921,p.3.2.MajorManoeldeAlmeidaCavalcanti(1865-1920):autordeEssaid’uncoursphilosophiquedecalcul arithmétique d’aprèsAugusteComte (Paris: Librairie Scientifique Emile Blanchard, 1916),ElementosdeÁlgebraElementar(RiodeJaneiro:ImprensaNacional,1930),entreoutros(BARROS,Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas — dicionário biobibliográfico, histórico egeográficodasAlagoas.2vols.Brasília:SenadoFederal,ConselhoEditorial,2005,vol.1,pp.242-3).3.ReferênciaaJosédaMaiaMelo,padrequeesteveàfrentedaparóquiadePalmeiranasegundametadedoséculoXIX.Alémdisso,elegeu-sedeputadoprovincialnas legislaturas1862-3,1870-1,1876-7e1878-9(BARROS,FranciscoReinaldoAmorimde,op.cit.,vol.2,p.253).

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Garranchos[XII]1

“Cinemaéhoje!Éhoje,éhoje!Grita,rapaziadadacanelasuja!”Eamolecoreba,comocartazàscostas,berra,eosganzásreco-requeiam...ÉassimqueseanunciaocinemadePalmeira!Ésimplesmenteespantosoque,

a trinta quilômetros da via férrea, uma cidade comum relativo progresso, emcujasruas,cortadasdefioselétricos,transitamcarrosFordesapatosàLuizXV,queusaperfumesdeCaron e figurinosdeParis, quedançaone-step, que tocapianoefazjornais,estejaausarasvelhascoisasdeseuProcópiodocirco!Émalucoisto!Umcinemainstaladoàeletricidade,queexibeEdiePolo2eFranciscoFord,3

PrescillaDean4 e LidaBoreli,5 usando um anúncio tão reles e canalha que opróprioCardoso,oCardosoreumático,desprezava!É provocante! Irrita o sistema nervoso do mais pacífico habitante deste

mundo!Ora, senhor empresário, sejamos coerentes. A César o que é de César.

Deixemosaquelereclamoparao“Pastoril”,doAlfredo,ouparacoisapior!Bemvedes, é pouco o que desejamos. Já vos não pedimos que corrijais a vossadesgraçadaprojeção,quenosvaiaospoucosdesgraçandoosórgãosvisuais;nãoexigimos também que endireiteis os vossos escangalhados bancos, que serebentamsobasnossasinfelizespernas.Nãoqueremossacrifícios!6Mas aomenos poupe-nos a vergonha de ver as ruas cheias de esfarrapados

garotosagritarocinema!Não notastes ainda como o povo daqui tem boa vontade para convosco?

Exibisosfilmesdetrásparaadiante,peloavesso,decabeçaparabaixo;paraovossomotorpor faltadecombustíveledecuidado—eele,opovo,aesperarpaciente, quieto, calmamente, a cochilar sobre a dura madeira dos vossos

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móveis,semreclamar,semaomenosatirar-vosàscostasumachuvadepedrascomoprotesto!Tendesrazão.—Opovoéassim?Poisqueespere!Pois bem. Fazei tudo, mas não nos martirizeis mais com a vergonha que

aquilofaz!Deixai empaz os cartazes, amarrados aos postes da luz elétrica, já quenão

tendesoutromeiodeosexibiraosolhosdacidade.Fazei-nosumfavor,senhorempresário,umfavorquenadavoscusta:nãonos

mandeismaisosvossosgarotosgritandoquehácinemahoje...7

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Notas 1. X[GracilianoRamos].“Garranchos[XII]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº12,17deabrilde1921,p.1. 2. Eddie Polo: um dos atoresmais famosos do estúdioUniversal durante o período do cinemasilencioso.Ex-acrobatadecirco,eraconhecidocomooHérculesdastelas.EstrelouofilmeemsérieLure of the circus (1918) (KATZ, Ephraim. The film encyclopedia. Nova York: Harper CollinsPublishers,1979,p.921).3.FrancisFord:irmãomaisvelhodeJohnFord,eraatorediretordecinema(LAHUE,KaltonC.Boundandgagged:the story of the silent serials. SouthBrunswick [N.J.]:A. S.Barnes, 1968, p.222).Notadaseção“CrônicaSocial”,do jornalOÍndio, de 17de abril de 1921, indicavaque “ograndioso filmeem9sériesOmistériodostreze(Themisteryof13)”, dirigidopor ele, haviadiasestava em cartaz no cinema local e vinha “atraindo a atenção dos frequentadores daquela casa”(CRÔNICASOCIAL.OÍndio,PalmeiradosÍndios,ano1,nº12,17deabrilde1921). 4. PriscillaDean:atriznorte-americana,consideradaumadasgrandesestrelasdecinemaentreofinal dadécadade1910 e iníciodos anos1920, protagonizou, entre outros, o filmeTheVirgin ofStamboul(1920),dirigidoporTodBrowning(MACCAFFREY,DonalW.etJACOBS,ChristopherP.Guide to the silent yearsofAmerican cinema.Westport,Connecticut;Londres:GreenwoodPress,1999,pp.105-6).5.LydaBorelli:atrizitalianadegrandesucessonadécadade1910,queestrelouRapsodiasatanica(1917),Una notte a Calcuta (1918), entre outros (VACCHE, Angela Della.Diva: defiance andpassioninearlyItaliancinema.Austin:UniversityofTexasPress,2008).6.NomesmoOÍndio,em20defevereirode1921,notextosemassinatura,masprovavelmentedeautoriadeGraciliano,“Aocorrerdafita”,avultamcríticasàcasadeexibição local:“OcinemadePalmeira tem a extravagante particularidade de fazer de um filme em oito atos uma estopada emoitenta ditos.Quer isto dizer que em cada ato a projeção se interrompe pelomenos dez vezes.Agente paga para assistir a uma sessão de umahora e acaba passando três horas a ver aquele jogointeressantedeapagareacender.Custandoumahoradeprojeçãoseiscentosréis,oespectadorpassaumformidávelcalotenoproprietáriodocinemaseotriplodotempocustaigualmenteseistostões.Éclaro! De resto é uma coisa extremamente agradável estar-se ali. (...) Dá até vontade de dormirnaquelesbancoscômodos,aqueporcomodidadevãotirandoosencostos.Infinitamenteagradável.Quandoestáclaro,éaquelabelezademeuDeus.Aquiealisenhorasdepalitonaboca...Édeliciosoverumasenhoraemumteatro,dequeixocaído,aremexerumdentecariado.Devezemquando—craque!—rebentaumbanco.Nãoénadaextraordinário,nestestemposdecâmbiobaixo,quandoatébancos de outra natureza quebram a valer. É magnífico! Só temos a louvar o esforço que oproprietáriodocinematemempregadoparadaraumfilmeemseisatoselasticidadesuficienteparalevá-loemtrêshoras...(Aocorrerdafita,OÍndio,ano1,nº4,20defevereirode1921,p.1). 7. Para mais informações sobre o tratamento conferido pelo autor de Vidas secas à artecinematográfica,verSALLA,ThiagoMio.“OcinemaemquatromomentosdaproduçãocronísticadeGracilianoRamos”.Rumores,SãoPaulo,ano5,9ªed.,nº1,janeiro-junhode2011.

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Garranchos[XIII]1

N ada mais encerram hoje os desenxabidos “Garranchos” do que estahumildeeingênuaeinofensivapergunta:Por que será que todos os sábados, mais ainda do que nos outros dias da

semana,aluzelétricaseencrenca?Já daqui vejo as pregas que o senhor empresário fará na testa, e os meus

ouvidos já se enchem com as palavras de enjoo com que ele responderá àmodéstiadestaarguição...Dirátalvezquenadatemcomofatoequeporissoéintrusocomapergunta

esteseucriado,troncodondebrotamparcaedescoloridamenteestesdesnudadosgarranchos.Mas, se esta criatura, que do canto desta coluna ousa dirigir-lhe apalavra lhedisserque,paracustearadespesada luzquevemdesuaempresa,pagatodososmesesduzentosréisporveladeluzquerecebe,quelheresponderáS.S.?Responderá por certo que, uma vez que o governo do município nada lhe

reclamar,éporqueestásatisfeito...Oseufiscalcomcertezaboavistanãotemeporissonãovêosdesleixosda

iluminação!Por que, novo Diógenes2, não se mune ele da luz de um feixe,3 não para

procurar homens de bem, mas para ver se consegue descobrir os defeitos daempresadeluzelétrica,invisíveisaseusolhos?4

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Notas1.X[GracilianoRamos].“Garranchos[XIII]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº13,24deabrilde1921,p.2.2.ReferênciaaDiógenes,oCínico(tambémconhecidocomoDiógenesdeSínope).Trata-sedeumfilósofogrego,discípulodeAntístenes,sobreoqualseconstruiuvastoanedotário.Viviacomoumaespécie de mendigo, fazendo da pobreza extrema uma virtude. Conta-se que, “segurando umalanterna acesa em plena luz do dia, andava pelas ruas de Atenas à procura de um homem‘verdadeiramente justo’” (CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia. São Paulo:CompanhiadasLetras,2002,vol.1,p.324).3.Nooriginal,estágrafado“faixe”. 4. As críticas à empresa que fornecia energia elétrica à cidade reaparecerão publicamente nomomentoemqueGraciliano,eleitoprefeitodePalmeiradosÍndios,sepõeaprestarcontasaoentãogovernador do Estado, Álvaro Paes. No Relatório de 1929: “A iluminação da cidade custou8:921$800.Seémuito,aculpanãoéminha:édequemfezocontratocomaempresafornecedoradeluz” (RAMOS, Graciliano. Viventes das Alagoas. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 195). Nodocumentodoanoseguinte:“APrefeiturafoiintrujadaquando,em1920,aquisefirmouumcontratoparaofornecimentodeluz.Apesardeseronegócioreferenteàclaridade,julgoqueassinaramaquiloàsescuras.Éumbluff.Pagamosatéaluzquealuanosdá”(idem,p.213).

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Garranchos[XIV]1

O senhor empresário da luz elétrica melindrou-se com omeu artigo dedomingo, em que apenas lhe fiz uma simples pergunta a respeito de um dosdefeitosdesuaempresa.Por que se zangou? Fiz-lhe eu, acaso, alguma acusação injusta? Menti,

porventura,emdizerque“todosossábados,maisaindadoquenosoutrosdias,”asualuznoschegapéssima,depoisdelongoatrasonohorário?Nãoadmiteelequesechameaocumprimentododeverasuaempresa...Que

intransigência!...Que é do compromisso assumido para com a municipalidade e,

consequentemente, para com o povo, de que sou ínfima partícula? Onde orespeito à terceira cláusula do contrato firmado com o município, no qual oempresário se obriga a “fornecer a luz pública das 18 às 24 horas, durante operíododoverão”emeiahoraantesnoinverno?Temfeitoeleisto?Aíestátodaagenteparadizerquenão!Emdianenhumaluzpúblicafoifeita

sem um atraso pelo menos de trinta minutos da hora estabelecida naquelaobrigaçãocontraídacomopovo.Edaquiseconcluiquenenhumarazãoteveosenhorempresárioemzangar-se

comaqueixacontidanestaseçãononúmerodedomingo.Elebemsabeque,alémdosdefeitoscitados,háaindamuitosemsuaempresa,

quemeeximodemostrarporseremmuitoconhecidosdopúblico.E,comoeledemonstroudesejarconheceroreclamante,aquilhedeclaroque

encontrarátodasasnoites,das8às10horas,naredaçãod’OÍndio,oautordos“Garranchos”,prontoaatendê-lo.2

Nota

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Sr.Crisanto,3peloamordeDeus,acabecomaqueleanúncio!Puxa!OSr.temacabeçadura!

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Notas1.X[GracilianoRamos].“Garranchos[XIV]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº14,1ºdemaiode1921,p.1.2.Abaixodaassinaturadopseudônimo“X”,estágrafado,entreparêntesis,onome“JoãoMoraes”.3.CrisantoSoares:donodoCine-Helvética,casadeexibiçãodePalmeiradosÍndios,queforaalvodas críticas do cronista X namesma seção “Garranchos” duas semanas antes. (Ver neste mesmovolume“Garranchos[XII]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº12,17deabrilde1921,p.1.)

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Factosefitas[I]1

Conhecemavelhadefinição?Ofrancêséumcavalheiroamável,quenãosabegeografia.Dobrasileironãoconheçodefinição,masaquilembrouma,quepodemuitobemservir:obrasileiroéumcidadãopoucoamável,quenãosabecoisanenhuma.

***

Seriainteressantesaber-seopontoexatoemqueumsujeitodeixadeserpatifeecomeçaaserherói.

***

Meusamigossãocomooscigarros:fazem-meomalquepodem,enchem-medeveneno,eeunãomepudeaindaaventuraradeixá-los.Adiferençaqueháéqueagentequeimaoscigarros.Sempreéumaconsolação.Enãosepodefazeromesmoaosamigos...

***

AquelacarcaçaingenteTantagordurajuntou

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Queumdia,logicamente,—Tinhadeser—rebentou.—ComdezarrobasdebanhaNapança,todosdirão,ÉcertoqueaterraapanhaPavorosaindigestão.2

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Notas1.ANACLETO,Anastácio[GracilianoRamos].“Factosefitas[I]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº1,30dejaneirode1921,p.1. 2. SegundoAurélio Buarque deHolanda, Graciliano teria utilizado os versos desta seção para“espinafrarinimigos”àmaneiradeumBocage.Dopontodevistaformal,comosepodedepreenderdoconjuntodepoemetos incluídosnosdemais“Factose fitas” (veros textos seguintes), “passavacom desenvoltura do alexandrino à redondilha maior e ao octossílabo, e da quadra à oitava”(HOLANDA,AurélioBuarquede.“Umbrasileirofaladeumromancistabrasileiro—RecordandoGracilianoRamos:afaceeosepisódiosmenosconhecidosdeum‘humour’provincianodoescritorquefaria70anosnestesdiasdeoutubro”.DiáriodeNotícias,RiodeJaneiro,7deoutubrode1962,p.1.SuplementoLiterário).

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Factosefitas[II]1

C omeça hoje este jornal uma campanha contra o analfabetismo. É umacoisalamentável,realmente,ograndeatrasoemquevivemos.Masnãopensemqueaatitudedestafolhasejamotivadaporpatriotismo.Qual!História!Oqueadireçãodesejaéaumentaronúmerodeassinantes.

***

Precisa-sedeumasenhoraviúva,comalgunsbensdefortuna,paracasarcomum moço de boa família, figura razoável, sabendo ler e escrever comdificuldade. É pobre,mas tem boa vontade, o que talvez seja bastante a umacandidata não muito exigente. Peçam informações a todos os rapazes semempregoqueháporaí.

***

FalavaumdiaumtabeliãoAumboticáriodestasorte:—“Pois,apesardaprofissãoNãotedesejo,amigo,amorte.TeuinventárioireifazerSemorres,flordosboticários!Masvaidecerto2decrescerAquantidadedeinventários.”

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Notas1.ANACLETO,Anastácio[GracilianoRamos].“Factosefitas[II]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº2,6defevereirode1921,p.1.2.Nooriginal,emvezdoadvérbio“decerto”,elementogramaticalmaispropriamenteajustadoaoversoemquestão,estágrafado“decerto”.

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Factosefitas[III]1

Desífilisterciáriaaqueleenfimmorreu,Magroetriste,doalcoiceignóbilfrutoespúrio.E—espanto!—engalicada,aterraqueocomeuEntroulogoatomarinjeçõesdemercúrio.

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Nota1.ANACLETO,Anastácio[GracilianoRamos].“Factosefitas[III]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº3,13defevereirode1921,p.1.

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Factosefitas[IV]1

“Umsenadorfederalfoiassassinado,noRio,porummaridoultrajado.”

Dosjornais

Anotíciaévelha,masafinalválá.Umsujeitociumento,pelosimplesfatode encontrar a mulher quase despida em companhia de um venerandorepresentantedanação(salvoseja),perdeuacabeçaematouosedutorafacadas.Ah!Setodososmaridosultrajadosfizessemomesmo,nãoescapariaumpaidapátria...

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Nota1.ANACLETO,Anastácio[GracilianoRamos].“Factosefitas[IV]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº4,20defevereirode1921,p.1.

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Factosefitas[V]1

V ende-se em segundamão, e por preçomódico, uma consciência quasenova, em perfeito estado de conservação. Por um excesso de escrúpulo,declaramosqueelajáfoiusada,masdevemosacrescentarqueoprimitivodonoseserviudelapoucasvezes,podendoassimserutilizadasemreceioporqualquercidadão.

***

Tudonavidaéumaquestãodeatitude.Omesmoatopodelevarumcidadãoàglóriaouàcadeia,conformeamaneiraporqueéexecutado.IstonãoédoconselheiroAcácioemborapareça.

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Nota1.ANACLETO,Anastácio[GracilianoRamos].“Factosefitas[V]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº5,27defevereirode1921,p.1.

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Factosefitas[VI]1

Nãoédifícilacreditaragentenasmentirasdosoutros.Maisdifíciléacreditarmosemnossasprópriasmentiras.

***

TãoduraassimnãohaviaVidanestemundo,não.MachadooumãodepilãoAcabá-lonãopodia.ÁtroposderaivaestouraAquelefioaocortar.2—Caramba!Põe-seagritar,Fez-meumdentenatesoura.

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Notas1.ANACLETO,Anastácio[GracilianoRamos].“Factosefitas[VI]”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº6,6demarçode1921,p.1.2.Namitologiaclássica,ÁtroposcompunhajuntamentecomClotoeLáquesisatríadededeusasquedeterminavamocursodavidahumana.Emlinhasgerais,suaocupaçãoconsistiaemtecerofiodo destino dos homens e cortá-lo quando bem entendia. Como suas irmãs, era filha de Têmis(BULFINCH, Thomas.O Livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula): história de deuses eheróis.RiodeJaneiro:Ediouro,2005,p.15).

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Judas1

Ontem,comoacontecetodososanosemigualépoca,osgarotosdasruasexcitaram-senoardordearrancarastripasdeumpobrebonecodepalhaetrapo.É uma vingança tardia e inócua que a ralé toma periodicamente contra um

cidadãoquehá tempossechamouIehoudadeKerioth,vulgarmenteconhecidopor Judas Iscariotes, homem de maus bofes, segundo a tradição, apóstolodiletante, provavelmente traidor. Provavelmente, digo eu, mas não exijo queninguémdêcréditoaoqueaquifica,poisseriadifícilapurarograudeverdadequeexistenessatrapalhadadecoisasantigas.Possuímos uma certa quantidade de noções que julgamos verdades

inconcussas, emboranunca tenhamos tomadoamais insignificante informaçãosobreelas.Quemvailátocaremcoisasantigas,cobertasdeumagrossacamadademofo tradicional, polvilhadas da venerável poeira demilênios? Ficaríamosassombrados se nos viessem dizer que elas estão falhadas, rachadas, que hásoluçõesdecontinuidadeporbaixodaespessacrostaqueasreveste.Longe de mim a ideia de defender o Iscariotes. Todos nós estamos

convencidos de que ele foi um tratante. Deixemo-lo tal qual está, até que osesmerilhadores das pedras doOriente nos venham demonstrar que ele foi umótimorapaz.Por ora não vejo mal nenhum em que o consideremos o mais acabado

representantedainfâmia.Seelenãofoitãomaucomosediz,naturalmentehádeperdoar-nosamáopiniãoquetemosarespeitodesuapessoa.Épossívelqueonossojuízosobreelenãoestejamuitodistantedaverdade.Judassuicidou-se,oqueémotivobastanteparaqueodetestemos.Osuicida

não está muito longe do assassino. A diferença que há entre os dois é que oprimeiroroubaavidaaumapessoaeosegundopodefazeromesmoamuitas.Questãodenúmeroapenas.

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Continuemos, pois, a dizer que Judas foi um patife. Não há nada deextraordinárioemsemelhante julgamento.Maisdifíciléadmitirasantidadedeumacriatura.Ossantossãoraros,eomundoestácheiodemalvados.EuficariapasmoseentreosdiscípulosdeJesusnãohouvesseaparecidonenhumbirbante.Até me espanta que só um tivesse aberto exceção à monótona bondade quenaquelas almas cândidas se encerrava. O que era razoável era surgirem pelomenosquatrooucincotraidoresentreoscompanheirosdoMestre.Sóhouveum,oqueélisonjeiroparaahumanidadedaquelestemposremotos.Se o doce Jesus viesse hoje aomundo, talvez não lhe fosse fácil encontrar

tantos espíritos fiéis. A proporção agora seria, pelo menos, de cinquenta porcentodesafados.Quemésantonestestemposprosaicosemqueodólargovernaomundo?As

consciências tornaram-semercadoriavulgar.Asalmasvendem-seevendem-secaro.Judashojenão se enforcaria. Jánenhum traidor se enforca.Trintadinheiros

eram,talvez,umaquantiainsignificante,capazdelevarumhomemaodesesperodepassarumacordaaopescoço.Atualmenteépossívelobtersomastentadoras,quedãorendimentosconsideráveisaumtraidorqueserespeita.NenhumIscariotessesuicida.Seoscontemporâneosseguissemoexemplodo

antigo, não haveria no mundo figueiras que bastassem para pendurar tantoslaços...

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Nota1.J.C.[GracilianoRamos].“Judas”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,nº9,27demarçode1921,p.1.

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Umacarta1

SenhoresRedatoresd’OÍndio:

Vinoúltimonúmerodessejornalumacoisaquemeencheudeespanto.Na“CrônicaSocial”,emumanotíciadeaniversário,alude-seàminhainsignificantepessoacomotendoeupertencidoaonúmerodosquefazemessafolha.Não seimuito bem seme quiseram colocar entre os que dirigem, redigem,

colaboram,reveemprovasouvarremacasa.Ora, a verdade é que não tive a honra de trabalhar nesse semanário.Nunca

junteiideiasparaafabricaçãodeartigos,crônicasounotícias;nuncajunteitiposparaacomposiçãodaprosacomquegentehábilenchelinguados;nuncajunteiosbraçosparapuxaraalavancadopreloqueaíguinchaegritaànoite,aodaràluz o pensamento rabiscado em pedaços de papel com que se embrulha opúblico.Qualquerdastrêsocupaçõesseriamagníficaparamim,masnãoqueroreceberoquemenãopertence.Quando vimeu nome na tal notícia, graciosamente circulado por deliciosos

pastéis,tremi.Etremiporquepenseiqueossenhoresmequisessemmistificar.Julguei-mevítimadeumapilhéria—desculpem-meafranqueza—,pilhéria

demuitomaugosto,porqueaquitodaagentesabequesouumcamelo.Jamaisem minha vida escrevi sequer uma dessas cartas de namorados, que seencontram profusamente em dicionários de flores e outros livros úteis que assenhoritasporaímuitobemconhecem.Nãomedeiaindao trabalhodecopiarumdessespitorescosdiscursosdoOradorPopular,2paraimpingi-locomocoisaminha em festas de casamento, batizados e outras reuniões fúnebres. Nãoescrevo, meus caros redatores, nunca escrevi, graças a Deus, como diria oDamaso Salcede.3 Sou inteiramente impenetrável à arte que os senhores

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publicistas possuem de embromar superiormente os leitores metendo-lhescaraminholasnacabeça.Atéversos,coisaquetodomundofezequealiosenhorFelinto Santos Lima com abundância fabrica, não tenho jeito para osmanufaturar.Como poderia eu, pois, ter trabalhado nesse jornal? Nunca omeu nome lá

figurou, para sossego deminha alma, quemuito se aflige agora na camisa deonzevarasemqueossenhoresameteram.Refletindo,ahipótesedamistificaçãonãomepareceaceitável,porqueenfim

onúmeroaquemerefironãoédeprimeirodeabril.Naturalmenteaquilofoiumerrodecomposição,erroquedesejovercorrigido.Eaomanifestar-meassim,deummodoquetalvezpareçaimpertinente,devo

dizer-lhesquea retificaçãoquepeçoéparamimdemuita importância.Tenhouma profissão de que está naturalmente banido qualquer animal que tenha aveleidade de escrevinhar para a imprensa. Se os indivíduos de minha classesoubessem que há no corpo humano um órgão chamado cérebro, ficariamassustados. Eu e osmeus companheiros estamosmuito bem sem inteligência.Não temosnecessidadedisso. Imaginemqueosmeus credores soubessemquedeiemgaratujarpapéis.Adeus,crédito!Eueraumhomemperdido.Háaindaoutrarazãoparaqueeunãodeixepassardespercebidoolamentável

equívocoqueossenhorescometeram.Semdúvidaseriaparamimumagrandehonraencontrar-meemtãonobrecompanhia.Observei, com grande prazer, que esse hebdomadário passou por uma

transformação radical. Encontra-se agora muito melhorado, e não me possoesquivaraaquilhesenviarasminhasmaiscalorosasfelicitações.Atéonúmero14, esteve ele em estado de larva; hoje é a borboleta, linda, a esvoaçar combrilhoegraça.Aqual das duas fases teria eu pertencido, na hipótese de deixar passar sem

protestoanotíciaqueossenhoresderam?Certamenteàprimeira,poisasegundacontaapenasduassemanas.Ah!Não!Digocomenergia,comoosgarotoscádaterra:—Nãovounisso!OÍndiotemapenasdoisnúmerosbons—osúltimos.Osoutros,comexceção

talvez de um ou outro artigo, estão perfeitamente desarranjados, cá emminhaopinião.Nãomequeiram,pois,atribuirafaturadeumacoisaqueachomá.Tenhama

bondadededesculpar-meestalinguagemdescosidaerude.Équepoucopercebodessascoisasdepapelimpresso.Sou,meuscarossenhores,umseuleitorsofrível.

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G.Ramos

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Notas1.RAMOS,G.[GracilianoRamos]“Umacarta”.OÍndio.PalmeiradosÍndios,ano1,nº17,22demaiode1921.Antesdapublicaçãodopresentetexto,oseditoresdoperiódicoapresentamointroito:“Apropósitodeumanotíciaqueemnossoúltimonúmeropublicamos,recebemosaseguintecarta.”Faz-sereferênciaaumapequenanotaestampadanaseção“CrônicaSocial”,em15demaiode1921,que anunciava o aniversário do pai de Graciliano: “De amanhã: /— o cel. Sebastião Ramos deOliveira,abastadoproprietárionestemunicípioepaidonossoqueridoex-companheirode redaçãoGracilianoRamos.”Como se sabe, o escritor alagoano colaborou comas14primeiras ediçõesdojornalzinhosertanejo.Nonúmero15,de8demaiode1921,háaseguinteindicaçãonoespaçoantesocupadopelaseção“TraçosaEsmo”:“Oautordestacolunaretirou-sed’OÍndio.Dehojeemdiante,nãoserãopublicadososTraços.” 2. Provável referência ao livroOrador popular, de José Alves Castilho, editado pela LivrariaGarnierentreofinaldoséculoXIXeoiníciodoXX(tem-senotíciadequeovolumemaisantigodata de 1889).No catálogo da referida editora, a obra é apresentada como contendo “modelos dediscursos,umainfinidadedemodelos,desdeode‘duaspalavras’quesedizemàsobremesa,emdiade anos, até a oração fúnebre, que se pronuncia à beira do túmulo aberto. É de grande utilidadeprática”(ExtractodoCatálogodaLivrariadeH.Garnier,p.19. In:ANDRADE,J.M.Goulartde.Poesias:1900-1905.RiodeJaneiro:Garnier,1907).3.ReferênciaaopersonagemdeOsMaias(1888),deEçadeQueirós,DamasoSalcede.Trata-sedeumsujeitoafeitoa intrigas, representantedosvíciosdaLisboadasegundametadedoséculoXIX,que fazpublicarumanotícia injuriosacontraCarlosMaiano jornalACornetadoDiabo.Quandoindagadosobreseeraelemesmooautordo texto,Salcede responde,balbuciando:“QueCorneta?Nunca escrevi em jornais, graças aDeus!” (QUEIRÓS,Eçade.OsMaias. 2 vols. Porto:Lello&IrmãoEditores,1951,vol.2,p.267).

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ANOS1930AINDAEMMACEIÓ

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Macobebapré-histórico1

I

AntigamenteAlagoaseraumparaíso—adesordem,aconfusão,ocaos,todas as desgraças em fúria contra o pobre bicho desengonçado quepenosamentecomeçavaalevantaraespinhaeacaminhar,semmotivoaceitável,sobreaspatastraseiras.Nãoeraumparaísocômodo,masafinaleraumparaísocomoqualqueroutro.Pelos estudos dos fósseis, isto é, pelo exame de algumas pedras que por aí

andam e se imaginam vivas, vê-se que naquele tempo não havia crimes. Osbípedesalagoanosmatavam-seinocentemente,naboaleinatural,e,comotodososbenspertenciamaos coronéis, a noçãode roubo aindanão tinha aparecido.Circulavaregularmentedinheirofalso.Eessacoisadetomaràforçaasmulhereseasfilhasdosoutrosestavanoshábitosdequasetodososantigosmandões.Nãohavia castigo, nem aqui nem no inferno, porque Moisés é judeu e porqueninguémconheciaocódigo.Ora no meio dessa balbúrdia dos pecados surgiu um indivíduo animoso,

resolvidoaescangalhartudo:umsujeitode“rostocarregadoebarbaesquálida,osolhosencovadoseaposturamedonhaemá,eacorterrenaepálida,cheiosdeterra (isto é exagero) e crespos os cabelos, a boca negra, os dentes”2... delobisomem.EraMacobeba.3PelomenosdizemqueeraMacobeba.Queeu,parafalarcom

franqueza, não acredito muito nele. Uma criatura positiva e constitucional,leitorade jornais, iluminadaàeletricidade,nãoadmite,éclaro,ascrençasqueenchiamaalmadoshomensantigos.Nãoacredito.E,paradescreverMacobeba,recorriaoCamões:furteiunspedaçosdogiganteAdamastor.Macobebanuncaexistiu.Ouantesexistiu...Euseilá!Isto,comoveem,sevai

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encrencando consideravelmente. Sinto que me não sairei de semelhantedificuldade.HouvetalvezdoisMacobebas.Oprimeiro,nascidonumaidadeheroica,tinha,

como todos os heróis que se respeitam, uma existência subjetiva; o segundo,atualebacharel,éumserdecarneeosso,comoqualquerumdenós.Julgoqueestefoipoucoapoucotomandoolugardaquele,atéconfundir-secomelee,delonge,pareceremformarosdoisumtodoindivisível.Tentemossepará-los.Éoprimeirooqueagoranosinteressa,oMacobebapré-histórico.Comoveio

ele ao mundo? Se me não engano, gerou-o a necessidade que tinha a genteprimitivadeumsalvador.Haviaentão,comosemprehouve,espíritosinquietosedescontentes que tencionavam desmantelar a velha ordem, criar outra nova,pintar o diabo. E, como se sentissem fracos, laboriosamente imaginaram umsuper-homem com atributos característicos das divindades grosseiras daquelaépoca.Diziaum:—Necessitamosumhomemdedentesacavalados.Outroafirmava:—Paraarrasaristoéindispensávelumsenhordeengenhoquefaçaversos.Lentamenteasqualidadesexigidasseforamfixando,deramorigemaumser

ideal que infundiu ao povo a coragem precisa para vencer. E, como às vezesacontece,umsujeitomanhoso,fabricantedeaçúcar,poetaeprógnato,começouagritar:—EusouMacobeba!Nãoera.Masosoutrospensaramqueera.EohomemsetransformoudefinitivamenteemMacobeba.4

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Notas1.GUEDES,Lúcio[GracilianoRamos].“Macobebapré-histórico(I)”.JornaldeAlagoas,Maceió,27 de abril de 1930, p. 3.A utilização do pseudônimo “LúcioGuedes” porGraciliano é referida,entre outros, por RolandoMorel Pinto emGraciliano Ramos, autor e ator. Assis: Faculdade deFilosofia,CiênciaseLetrasdeAssis,1962,p.178.2.DescriçãodogiganteAdamastor,extraídadeOslusíadas(cantoV,estrofe39),deCamões.VerCAMÕES,Luísde.Oslusíadas.ApresentaçãoenotasdeIvanTeixeira.SãoPaulo:AteliêEditorial,2001,p.205.3.FiguramitológicaimaginadaporJúlioBelo,encobertopelopseudônimo“JoséMathias”,numasériedetextospublicadosnojornalpernambucanoAProvínciaem1929.“NaregiãosuldoEstado[Pernambuco],ribeirinhadomar,umhorrívelentefantásticoandaapavorandoastímidascriancinhase impressionando a imaginação crédula dos matutos: o Macobeba. Grande, muito grande, dotamanhodeumasucupirademeioséculo,comumextensorabo,metadedeleão,metadedecavalo,quatro imensos olhos vermelhos como quatro grandes brasas vivas (...), aduncas unhas deLobisomem,enormecabeleirahíspidadeMãe-d’água,(...),traiçoeiroerápidocomo‘Pai-do-mato’,oMacobebaempunhaumaimensavassouradegrandescordasresistentes(...)edevastatudoporondepassa” (Mathias, José [JúlioBelo]. “OMacobeba émais feio que o cão”. Il.ManoelBandeira.AProvíncia,Pernambuco,1929).MáriodeAndrade,emcrônicaestampadaemsuacoluna“Táxi”,nãodeixadedarnotíciadoaparecimentodesta“assombraçãomuitosimpática”(ANDRADE,Máriode.Macobeba.Diário Nacional, São Paulo, 3 de maio de 1929. In: ANDRADE, Mário de. Táxi ecrônicasnoDiárioNacional.SãoPaulo:DuasCidades;SecretariadaCultura,CiênciaeTecnologia,1976,p.97). 4. De acordo com os textos “Palavras aMacobeba” e “Palavras deMacobeba”, publicados nomesmoJornaldeAlagoas,respectivamenteem15e19demarçode1930,pode-sedepreenderqueopolítico tratado, em chave alegórica, como omonstromitológicoMacobeba seria, provavelmente,José Fernandes de Barros Lima (1868-1938). Jornalista, advogado, senador por três legislaturas,governadordoEstadode1918a1924,LimafaziaoposiçãoaogrupodeCostaRegoeÁlvaroPaesnaseleiçõesdemarçode1930.Comosesaíraderrotadoemtalpleito,passouaalegarqueavotaçãoteria sido marcada por atos fraudulentos, algo duramente criticado pelo governista Jornal deAlagoas:“É,pois,certo,segundodizes,quehouvefraudenaseleições.Tunemsabesoquedizes,Macobeba./Aseleiçõesprocessaram-secomapresença,emtodaparte,de teus fiscais.Nãohouveumúnicodesses fiscais que se tivesse recusado a assinar uma ata, umboletim, ouqualquer outrapeçadoatoeleitoral,porqueojulgasseinquinadodefraude.Nenhum,absolutamentenenhumdessesfiscais, fezumprotesto,emdevido tempo,nemperanteamesaeleitoralcujo trabalho fiscalizasse,nememcartório,nemempartenenhuma./Nãohá,pois,Macobeba,comofugirdestaalternativa:outumentes, ou todos os teus fiscais constituíam um bando de imbecis, incapazes de denunciar nomomentooportunoumafraudenaeleição./Aprimeirahipóteseéqueéaverdadeira.Teusfiscaisnãoeramimbecis.Tu,sim,Macobeba,équementesementescomtantomaiorimpudênciaquantoécertoque foste, empessoa, umdos fiscais das eleições” (PALAVRASaMacobeba.Jornal deAlagoas,Maceió,15demarçode1930,p.1).

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Macobebaantigo1

II

Tendo-se tornadoMacobebapara todosos efeitos,o indivíduoaquenosreferimosficousendoumgrandehomem.E,comograndehomem,achoubommandarà favaosqueo tinhamengendrado,colocaros filhos,umachusmadeMacobebinhassacudidos,ealgumasrespeitáveisMacobebasdooutrosexo,quelogoentraramagovernaristomacobebamente.Noscafés,nosbotequins,nastavernas,admiradoresexaltadoslevantavamos

coposdecervejaeberravam:—Macobebacaiudocéu.Éumportento!Eoutrosadeptosasseveravam,convictos,arregalandoosolhos:—Umportento,simsenhor.Macobeba sorria. Alagoas macobebizou-se. Da capital aos mais remotos

sertões fervilhavam bichos destruidores, de incisivos aguçados e caninosenormes, que estragavam, sem cerimônia, o que iam encontrando. Unsdevoravamcomavidez.Outrossecontentavamroendomodestamente,mascoisaquelhescaísseentreasgarraseracoisaroída.Nos hotéis, nos bares, nas esquinas, partidários, já pouco convencidos,

bradavamcomanimaçãodescorada:—Macobebavaiendireitartudoisto.VivaMacobeba!Outrossectárioshesitavamerespondiamtristes:—Viva!Macobeba, resplandecente, mostrava o forro das algibeiras e sorria.

Fundaram-se asilos, abriram-se estradas, derramou-se gasolina—a família deMacobeba engordava e era feliz. Descobriu-se que havia no interior, entre osamigos de Macobeba, uma quantidade razoável de assassinos e ladrões de

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cavalos. Era grave. Começaram sussurros. Que diabo! Teriam trocado oMacobeba?Acoisaassimnãoprestava,eranecessáriofazeroutra.Macobeba continuava a sorrir. E, para demonstrar que podia varrer num

momento bagatelas que lhe não perturbavam o sono, tomou uma resoluçãoadequada às circunstâncias. Pegou um jornal, meteu-o numa garrafa, que foiarrolhada,lacrada,atiradaaomar.Emseguida,pelotelégrafo,comunicouofatoaoSr.PereiraLobo2eesperouosacontecimentos.Nas praças, nos bilhares, no relógio oficial, vagos amigos de Macobeba

defendiam-no,encolhidos:—Nãosenhor,éexagero.Macobebatemassuasfraquezas,comotodagente,

maséhonesto.Equantoa tinopolítico,sejamos justos, istoninguémlhepodenegar.Vejaosonetoqueeleescreveuarespeitodosxexéus.3Outrosamigosbaixavamacabeça,constrangidos,engoliamemseco.E Macobeba sorria. Sorriu sempre. Ultimamente sorria desconfiado. Mas

sorria.EaquiterminaahistóriadeMacobebaantigo.

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Notas1.GUEDES,Lúcio[GracilianoRamos].“Macobebaantigo(II)”.JornaldeAlagoas,Maceió,29deabrilde1930,p.3.2.PossívelreferênciaaoantigogovernadordeSergipe(1918-22)enaquelemomentosenadorpelomesmoestado,JoséJoaquimPereiraLobo,influentepolíticoqueviuseupoderdiminuirnoâmbitodaseleiçõesdemarçode1930(verDANTAS,JoséIbarêCosta.OtenentismoemSergipe.Petrópolis:Vozes,1974,pp.201-2). 3. Espécie de pássaro de portemédio e coloração negra e amarela,muito conhecido na porçãosetentrionaldopaís.DenomecientíficoCacicuscela,étambémchamadodejapiim,japim,japuíraejoão-conguinho. “Na Amazônia é uma das aves cujos bandos mais despertam a atenção,principalmentenasvárzeasebeirasdorio.OcorredoPanamáaonortedocontinente,atéaBolívia,suldeMatoGrosso,GoiásesuldaBahia”(SICK,Helmut.Ornitologiabrasileira.2vols.Brasília:EditoradaUniversidadedeBrasília,1984,vol.2,p.660).

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Oálcool1

Noticiou esta folhaqueoSr. governadordoEstado eoSr. secretáriodaFazenda,2 em viagem realizada a 14 deste mês, demonstraram ser o álcoolexcelenteparamotoresdeautomóveis.Oartigoquenosoferecea interessantenovidade encerra informações preciosas a respeito de força, velocidade, preçoetc.; tem grande número de algarismos; soma, diminui, multiplica, divide—metenumchineloagasolinaou,pelomenos, coloca-anamodesta situaçãodecontribuirapenascom15%namisturaquehádepôremmovimento,dentroempouco,osveículosdeAlagoas.Teremos,pois,seaminhaaritméticanãofalha,umareduçãode85%noconsumodocombustívelgringo.Háalgunsdias,noSenado,oSr.MessiasdeGusmão3declamoulamentações

patrióticaseatacou,emfaltadecoisamaior,umabombaamericana,pintadadevermelho, aqui instaladapara substituiroutramais antiga,pintadadebrancoenacional.Asjeremiadasdoilustresenadorindignaramtodaagente,epodemosprever o fim dessas máquinas exóticas, que nos impingem líquidosnauseabundosdaAméricadoNorte,trapalhonaeprotestante.Oravejamcomoumsimplesadjetivoalargaoassuntoerendeperíodosnovos.

Está claro que os brasileiros, especialmente os católicos, devem elevar aoscornos da lua o produto da cana, ortodoxo e econômico. Resistam, cristãos eamigos, mandem à fava o dólar, empreguem nas suas viaturas (os que aspossuírem,naturalmente)substânciasnossas.Parece que emPernambuco a rusga triunfa.E o deputadoCastroAzevedo4

afirmouaoJornaldeAlagoas quehá seismeses vemalimentando comálcoolumcarrodepasseio evários caminhões, cujosmotores funcionamdemaneiraexemplar.Não admira. Conheço indivíduos que passam seis anos sem ingerir outro

alimento e têm os motores em perfeito estado. Se utilizassem a gasolina,

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sentiriamtalvezalgumasperturbações.Ninguém ignora que o álcool é um excitante aconselhado às vezes pela

medicina,empequenasdoses.Paraaespéciehumana,jásevê.Comorganismosdeferroocasoédiferente.A experiência mencionada no princípio destas linhas evidenciou que um

automóvel absorve quarenta litros de álcool e anda cento e trinta quilômetrossemseembriagar.Éassombroso.Comaintemperançanaturalnosmaquinismos,bebesempre,esódelongeemlongenecessitaalgumrepousoeamoníaco.Findaacarraspana,continuaarodarcomosenadahouvesseacontecido.Julgo,peloqueaí fica, teremcarradasde razãooSr.ÁlvaroPaeseos seus

secretários,oJornaldeAlagoas,odeputadoCastroAzevedo,osenadorMessiasdeGusmãoePernambuco.Só faz medo que as latas de folha vençam as garrafas e prejudiquem a

respeitávelclassedospaus-d’água.5

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Notas 1. G.R. [GracilianoRamos]. “O álcool”. Jornal deAlagoas,Maceió, 21 de junho de 1930.Asiniciais G.R., com que Graciliano assina o presente texto, já haviam sido utilizadas na crônica“ÁlvaroPaes”,publicadanomesmoJornaldeAlagoas em12de junhode1930 e posteriormenterecolhidanovolumepóstumoLinhastortas.2.MençãoaÁlvaroCorrêaPaes,governadordeAlagoasdejunhode1928aoutubrode1930,eaosecretáriodaFazendadeste,ArthurAccioly,que,nomomento,tambémocupavaopostodediretordoJornaldeAlagoas.3.ReferênciaaManoelMessiasdeGusmão,produtorrural,jornalista,deputadoestadualde1915a1922 e senador estadual de 1923 a 1930 (nummomento emque o poder legislativo no estadodeAlagoaserabicameral)(BARROS,FranciscoReinaldoAmorimde.ABCdasAlagoas—dicionáriobiobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas. 2 vols. Brasília: Senado Federal, ConselhoEditorial,2005,vol.2,pp.50e554-5).4.ProvávelalusãoaJosédeCastroAzevedo,secretáriodeEstado,jornalista,usineiroedeputadofederaldemaioaoutubrode1930,quandooprocessorevolucionáriodeterminouofechamentodoLegislativo(BARROS,FranciscoReinaldoAmorimde,op.cit.vol.1,p.112). 5. Nodiaseguinteàpublicaçãodopresente textoporGraciliano,a iniciativadochefedopoderexecutivo estadual continuava a ganhar repercussão no Jornal de Alagoas: “Os extraordináriosresultadosdasexperiênciasfeitaspessoalmentepelogovernadorÁlvaroPaes,relativasàaplicaçãodoálcool-motor, não devem ser apreciadas somente sob o aspecto financeiro, suficiente, aliás, paraafirmar,emdefinitivo,asuperioridadedessecombustívelerecomendá-loincontinenteaocomércioeà indústria” (CARVALHO,Afonso.“Oálcool-motor”.JornaldeAlagoas,Maceió, 22de junhode1930,p.3).Oarticulistaargumentaqueoálcoolseriasoluçãoparaograndeconsumodegasolina,bemcomoserviriaparaaumentaraslavourasdecana.

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Prefeiturasmunicipais(I)1

H á algum tempo fizemos ligeiras observações a respeito das prefeiturasmunicipais de Alagoas. Foram simples notas, não pudemos tocar nasminudências que exige um assunto interessante, mas que tem sido até agoradesprezadopelanossaimprensa.Quem,háanos,tratoudaquestãofoioSr.L.Lavenère,2numasériedeartigos

que,emboramisturadoscomumpoucodefel,corrigiramnumerososabsurdoseprestaramexcelentes serviços aoEstado;masos escritosdeS.S. deixaramempaz a administração dosmunicípios e alvejaram especialmente os legisladoressertanejos,criaturasnaverdadebastanteoriginais.Não nos ocupamos com elas, por enquanto. Apenas desejamos mencionar

alguns homensde boavontade, indivíduos que, privados de recursos e agindonummeiohostil,praticaramfeitosconsideráveis.Certamenteninguémimaginaque no curto lapso de alguns anos a evolução intelectual do nosso povo hajaatingido o seu ponto culminante e que as resoluções municipais de Alagoassejam muito diferentes do que eram quando o Sr. Lavenère, razoavelmenteindignado, andou espicaçando os bisonhos conselheiros do interior. São talvezumpoucomenosruins.Masdeixemosasposturas.Elastêmdeordinárioumvalorbastanteduvidoso.

Sesãoboas,oupelomenosaceitáveis,entramemvigoreomatutoseconformacomelas, depoisde eloquentesprotestos,porqueomatutoprotesta sempre; sesãoruins,caducamlogo,ficamescondidasnagavetadosecretáriodaprefeitura,somem-se.De resto a Lei Orgânica de 1926, essa malsinada Lei 1087, que, segundo

afirmam,deuumgolpedemortenaautonomiadosmunicípios, etc., etc.,veioendireitarmuitacoisapéssima.Ointendentedeoutraserasadministravaparaoconselho;mas,comooconselhonuncasereunia,ointendentenãoadministrava

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para ninguém. Em dezembro organizava-se uma sessão e declaravam-seaprovadasascontasquenãotinhamsidofeitas.Umbiênioeraprazobemcurto,massempredavaparaumhomemdiligenteliquidarassuasdívidasejuntarumpequenopecúlio.Hoje,comessahistóriadebalancetebimestralenotadasdespesasefetuadas,

gastosnão rarodeexplicaçãodifícil, emaisum relatóriodos trabalhosqueàsvezesumcidadãoexecutaporquetemdecontá-losnofimdoano,tudomudou.3“Jánãoconvémserprefeito!”,exclamava,hámeses,indignadoeespumante,umchefepolíticodeformaçãocarboníferaoudevoniana.Enãoconvém.Atualmenteopoder executivonão se entende apenas comesse corpo legislativoqueoSr.Lavenère, justamente, escalavrou: presta conta dos seus atos ao governo doEstado.Eesses atos,queantigamente eramconfusos, atrapalhados, esotéricos,vãoparaoDiárioOficial, vão para asmensagens, vão para o público, que osjulga,analisa,compara,esmerilhando,vintémporvintém,odinheiroarrecadado.Dirãotalvezqueumsujeitodemedíocreimaginação,sabendodoisdedosde

aritmética, poderia facilmente apresentar e justificar uma lista considerável detrabalhos fictícios.Afirmam os roceiros que papel aguenta tudo.O indivíduo,porém, que adotasse semelhante processo logo seria desmascarado. NestesúltimostempososgovernadoresdeAlagoasapanharamohábitodeviajar,hábitoincômodo para eles, para os que os acompanham, para os que são visitados efiscalizados.Oatualéumviajanteincansável.Moranumautomóvel.Chegaaoslugarejos do interior, ouve as embaraçadas conversas dos matutos e sugereideias,aconselha,discute,anima,exige.Nãoéfácilumadministradordeclararaelequedespendeumundosefundosnumaestradaimaginária.4Asobraspúblicastêmhojeexistênciareal.Todospodemexaminá-las,medi-

las, apalpá-las, saberquantocustaram,como foramconstruídas, aquem forampagas.Hápor aívários trabalhos realizados.Não são,decerto,os trabalhosdeHércules.As pretensões dos que os executaram não chegam tão longe.Aindaestão em começo. Mas bastam para demonstrar que Alagoas vai em bomcaminho.

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Notas1.GUEDES,Lúcio[GracilianoRamos].“PrefeiturasmunicipaisI”.JornaldeAlagoas,Maceió,31dejulhode1930,p.3. 2. ReferênciaaLuisWanderleyLavenère, jornalista,vereadoredeputadoestadual,entre1905e1908.ColaborounosjornaisalagoanosGutenberg,AGazetadeAlagoas,noqualassinou,pormaisde dez anos, a coluna “A Propósito de...”, e Jornal de Alagoas (BARROS, Francisco ReinaldoAmorimde.ABCdasAlagoas—dicionáriobiobibliográfico,históricoegeográficodasAlagoas.2vols.Brasília:SenadoFederal,ConselhoEditorial,2005,vol.2,p.119). 3. Enquantoesteveà frentedaadministraçãodacidadedePalmeirados Índios,Graciliano teriaseguido à risca as determinações legais de prestação de contas, previstas pela Lei Orgânica. OpróprioJornaldeAlagoasfaziaquestãoderessaltarocaráterdeespecialistadeGraciliano,quandooassunto era a eficiência e a lisura na gestãomunicipal: “À frente dosmelhores prefeitos do atualtriênioestevehápoucooSr.GracilianoRamos,pelainteligência,pelaatividade,pelaenergia,pelahonestidade e pela felicidade de suas iniciativas. Todos sabem o que foi sua administração emPalmeiradosÍndios(...).EntreasboascoisasinstituídaspeloSr.GracilianoRamosnaPrefeituradePalmeiradosÍndiosconta-seamaneiraporquesãoorganizadososbalancetesbimestrais,pelaqualoleitor fica imediatamente senhor do que ali se vai passando. Com a sua inteligência aguçada epragmática, sentiuoex-prefeitodePalmeirados Índiosqueomelhormodode fazer compreendercomoaprefeituravaisendodirigida(deacordocomosintuitosdaLeiOrgânica)épublicar,embaixodoquadrodareceitaedespesadobimestre,umoutroquadro,tendo,aoladodareceitaorçadaparaoexercício, a arrecadação do período em que o balancete foi publicado. Esse sistema de publicarbalancetes permite que a população saiba sempre o que se está fazendo e o que se pode fazer naadministraçãodecadamunicípio”(ADMINISTRAÇÕESmunicipais.JornaldeAlagoas,Maceió,14deagostode1930,p.3). 4. Em número especial do Jornal de Alagoas, dedicado à comemoração do segundo ano demandatodogovernadorÁlvaroPaes,talpublicaçãogovernista,emconsonânciacomaspalavrasdeGraciliano, ressaltava: “O preclaro político que nos governa não se deixa ficar no seu gabinete,dizendo por telegramas o que se deve fazer (...). Prefere, portanto, examinar de perto os quetrabalhameosquedeixamde fazer.Destarteviaja todas as semanas sozinho, semavisosprévios,sendorecebidoemtodosos lugaresporondepassacomoqualquercidadão. (...)Alagoas,hoje,nomeiodocontentamentomaiseloquenteemaissincero,saúdaoseupreclarogovernador,quelheestáimpulsionando todas as energias, num ritmo permanente de beleza cívica, em busca de seuengrandecimento”(UMGOVERNOdinâmico.JornaldeAlagoas,Maceió,12dejunhode1930,p.1.).NessamesmaediçãodoJornaldeAlagoas,Gracilianopublicaraotexto“ÁlvaroPaes”,noqualexaltava,sobretudo,atenacidadedopolítico,convertidoem“caixeiro-viajante”nodesenvolvimentodointerioralagoano(RAMOS,Graciliano.Linhastortas.RiodeJaneiro:Record,2005,pp.123-6).

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Prefeiturasmunicipais(II)1

E m 1927 o Sr. Costa Rego,2 em documento oficial, declarou que asprefeiturasalagoanas,comexceçãodeuma,gastavammaiscomempregadosquecomobraspúblicas.Aobservaçãoproduziubomresultado,poisosorçamentospara 1928 mostram já uma transformação muito louvável. Quase todosconsignamparadespesasdeadministração,pensões,gratificações,classeinativa,menosdoquedeterminamparaobrasdeutilidade.Naturalmenteumaprefeituraquearrecadadezcontosderéisporanonãopode

reservar para trabalhos públicosmetade das suas rendas. Seria inconsideraçãoesperar semelhante coisa, pois a receita apenas chega para as miudezas desecretaria, publicações, lampiões de petróleo e funcionários, ainda que estessejamreduzidosefacilmentecontentáveis.Não podemos, pois, razoavelmente supor que todas as municipalidades de

Alagoas estejam em condições de executar um programa. Há algumas derecursos tão parcos que, em conformidade com a Lei Orgânica, deveriamincorporar-se a outras vizinhas, pois ainda não conseguiram o rendimentoexigidoaummunicípio.Houveesteanoprefeituradointeriorqueemumsódiaarrecadoumaisdoque

outras,menosfavorecidas,alcançaramemtodooanode1929.Seconsiderarmosque apenas três municipalidades, excluindo a da capital, têm orçamentossuperiores a cem contos, compreenderemos as dificuldades que oprimem osmunicípios pobres. Uma calçada de pedras toscas, em pedaço de caminho,algunsreparosnasruasdavilarepresentamparaelesesforçoimenso.Muita energia é necessária, muito desprendimento, para que um homem

suporte, durante três anos, abundantes maçadas e obrigações de toda a casta,obrigaçõesemaçadasquelhenãodarãonenhumproveito.Um pouco acima desses municípios mirins, que julgam a chegada de um

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telegramaacontecimentoextraordinário,aparecemalgunsmenosdesprotegidos,com agricultura e pecuária, vestígios de comércio e indústria, orçamentos quevão de vinte a cinquenta contos. Aí começam a surgir realizações dignas deencômios. Em certos lugares por aí se têm feito verdadeiros milagres. Causaespantoquetantacoisasehajaconseguidocomtãopoucodinheiro.Vêm afinal as prefeituras mais ricas, porque estão localizadas em regiões

prósperasouporque,emvirtudedeuma fiscalização rigorosanacobrançadosimpostos,puderamelevarassuasrendas.Estãohojenogalarimumasqueporaísearrastavam,bisonhaseempasmaceira,entreguesacidadãos resignadosquediziam com displicência: “Encontreimole, emole deixo.” Tudo estámudado.Examinando algumas terras e alguns homens, tentaremos mostrar o que têmrealizadoossubstitutosdessescavalheirosdisplicentes.

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Notas1.GUEDES,Lúcio[GracilianoRamos].“PrefeiturasmunicipaisII”.JornaldeAlagoas,Maceió,8deagostode1930,p.3.2.PedrodaCostaRego(1889-1954):jornalista,deputadofederal,senadoregovernadordeAlagoasde1924a1928(COSTA,JoãoCraveiro.HistóriadasAlagoas.SãoPaulo:Melhoramentos,1983,p.166).

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Sertanejos1

P ara o habitante do litoral o sertanejo é um indivíduo meio selvagem,faminto,esfarrapado,sujo,comumrosáriodecontasenormes,chapéudecouroefacadeponta.Falso,preguiçoso,coléricoevingativo.Nãotemmoradacerta,desloca-se do Juazeiro do Padre Cícero para o grupo de Lampião, abandonafacilmenteamulhereosfilhos,bebecachaçaefurtacomorato.Éesse,poucomaisoumenos,osertanejoqueagentedacidadeseacostumou

a ver em jornais e em livros. Como, porém, livros e jornais de ordinário sãofeitosporcidadãosquenuncaestiveramnointerior,otipoqueapresentaméumprodutoliterário.Essamisturaderetirante,beatoecangaceiro,enfeitadacomumpatuá,duasalpercatasemuitasfigurasderetórica,torna-serara.Oshomensdeminha terra podem ter por dentro a cartucheira e os molambos, masexteriormentesãocriaturasvulgares,semnenhumpitoresco.Os sertanejos dos campos estiveram no Amazonas, em São Paulo e no

EspíritoSanto;tiraramborracha,plantaramcafé,voltaramcommaçosdenotasedispostos a esbanjá-las depressa. Alguns, incapazes de exercícios pesados,meteram-se no exército e namarinha, e os que haviam ido à cadeia e levadopancadaentraramnapolíciaevingaram-se.Todos esses sujeitos regressaram muito sabidos, estranhando tudo, falando

difícil, desconhecendo os amigos, ignorando os nomes dos objetos maiscorriqueiros,confundindobodecomonça.Naturalmentenãoquiserammaiscriarbodes.Tornaram-senegociantesambulantesouadquiriramumpedaçodeterraeforamexplorarotrabalhodosoutros.Osmoradoresdascidadesleramjornaiseaprenderambastante.Aliteraturae

a ciência deles, que estavam contidas no Carlos Magno2 e no LunárioPerpétuo,3aumentaramdemodoconsiderável.ConhecemoJosédeAlencar,oJúlioVerne,aConstituiçãobrasileiraeaseleçãonatural.

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Aparecementreelesalgunsdoutoresquedefendemaliberdade,outrosatacamo vigário. E há o rábula, o farmacêutico, o tabelião, o caixeiro que estudagramática,oredatordafolhasemanal.Aspessoasnotáveisdo lugar sãocomerciantesquepassammetadedosdias

encostadosàcarteira,cochilando,eaoutrametadedebaixodasárvoresdolargoda feira, tesourando a vida alheia, tecendomexericos.O assunto preferido é apolítica. Escangalham o prefeito e o delegado de polícia, vão subindo e, comligeiras paradas nas secretarias e no gabinete do governador, acabamdesmantelandooministérioeopresidentedaRepública.Falam demais,4 não ganham quase nada e começam a sentir necessidades

exorbitantes.Têm rodovias, estradasde ferro, luzelétrica, cinema,praçascomjardins, filarmônicas, máquinas de escrever e pianos. Só faltam escolas ehospitais.Por issoossertanejosandamcarregadosdemuitaverminoseemuitaignorância.Trabalham pouco, pensam pouco. Mas querem progresso, o progresso que

veem,encantados,nas fitasamericanas.Eprogridemsem tomar fôlego.Numacasavelhadetaipaarranjamumasalabonitaemetemdentroquadros,cortinasependuricalhos.Dançamocharleston, jogamo foot-ball,ouvemo jazz,conhecemoboxeo

flirt.Aténosjogosdecartasesqueceramohonestoseteemeioeadotaram,semnenhuma vergonha, as ladroeiras dopoker.Daí tiraramobluff, que invadiu ocomércioeapolítica.Emalgumasregiõesjáexisteoturf.Eemtodaaparteagasolina,omotorU.S.A.Entretantoosriosestãosecos,ogadomorre,alagartarosadadeunoalgodão.

Tudotãopobre...Para que esse bando de coisas de nomes esquisitos? Não era melhor que

continuássemosacultivaroterço,oreisado,opastoril,aquadrilha,acavalhada,obozópeloNatal,assortesemnoitesdeS.João?Istoénossoeébarato.Orestoédosoutrosecaro.Dentroempoucoestarãotodosnosertãofalandoinglês.Masnósnãosomos

ingleses...

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Sertanejos”.Novidade,Maceió,nº1,11deabrilde1931,p.11.2.ReferênciaaCarlosMagnoeosdozeparesdeFrança,“volumepopularíssimoemPortugaleBrasil,leituraindispensávelportodoosertão,inúmerasvezesreimpressoetendoaindaseupúblicofiel e devotado. Fornecematerial aos cantadores, e muitos episódios tiveram redação em versos,constituindo temas de canto e leituras entusiásticas” (CASCUDO,Câmara.Dicionário do folclorebrasileiro.2vols.Brasília:InstitutoNacionaldoLivro;MinistériodaEducaçãoeCultura,1972,vol.1, p. 228). Marlyse Meyer relata como o livro povoou as lembranças de Oswald de Andrade,MonteiroLobato,GuimarãesRosa, entre outros (MEYER, Marlyse.Caminhos do imaginário noBrasil.SãoPaulo:Edusp,pp.147-59).NaproduçãoromanescadeGraciliano,hámençãoatalobraem Infância (1945), quando o artista relembra uma das cantigas que sua mãe cantava, a qual sereferia “a episódios de chegança, briga de mouros e crentes verdadeiros, mas tinha o nome demarujada e encerrava diversas interpolações” (RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro:Record,1953,p.136),eemAngústia,nomomentoemqueLuísdaSilvarelataseuanseiodeabdicardas complicações do mundo moderno e retornar à vida simples do passado: “Desejaria calçaralpercatas,descansarnumaredearmadanocopiar,nãolernadaoulerinocentementeahistóriadosdozeparesdeFrança”(RAMOS,Graciliano.Angústia.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1953,p.172).3.EspéciedealmanaquecompostoporJerônimoCortezeeditadopelaprimeiravezemLisboa,em1703. “Foi o livromais lido nos sertões doNordeste (...). Registra um pouco de tudo, incluindoastrologia, receitas médicas, calendários, vidas de santos, biografia de papas, conhecimentosagrícolas,ensinosgerais,processoparaconstruirumrelógiodesol,conhecerahorapelaposiçãodasestrelas, conselhosdeveterinária” (CASCUDO,Câmara.Dicionáriodo folclorebrasileiro. 2 vols.Brasília:InstitutoNacionaldoLivro;MinistériodaEducaçãoeCultura,1972,vol.2,p.506).4.Porerro,nooriginal,nãoconstaavírgulaqueseparaaprimeiraeasegundaoraçõescoordenadasassindéticasdopresenteperíodo.

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Chavões1

A tacamporaío lugar-comum.Nãoseiporquê.Sendocomum,deveserconvenienteaopúblico,enãovalemcontraeleasopiniõesdealgunscavalheirosquenãosãocomuns.Semedão licença, declaro que tenhopredileção especial pelos clichês.E a

minharazãoestáaqui:émaiscômodoviajaremautomóvelporumaestradaderodagemsemburacosquepercorreroscaminhossertanejoscheiosdesurpresasdeespinhorasga-beiço.Comparando mal (ou comparando bem, como quiserem), a literatura

encrencadadoshomensdetalentoécomoasveredasdeminhaterra:temcurvasfechadas,rampasqueescangalhamumcarro,tocosprejudiciaisaospneumáticos,pedras, atoleiros, riachos, precipícios, areais e ramos indiscretos que batemnacaradagente.Tudoissoédesagradáveleproduzabaloseinterrupçõesfrequentesnaviagem

enaleitura.Vejam agora a rodovia bem conservada e a crônica literária de um cidadão

inofensivo.Ambassãoplanas,batidas,retas,extensas—eresvalamosporelasfacilmente, com velocidade de oitenta quilômetros por hora, sem precisão deentendê-las.Quandomuito,perguntamosaochauffeurouaoconhecidoqueentranocafé:“Quemfoiquefezisto?”Com efeito, nenhum viajante ou leitor, por muito exigente que seja, sentiu

nuncaanecessidadedecompreenderumaestradaouumartigocampanudo.Eprecisamente pela sensaçãode preguiça que experimentamos lendo frases

bombásticas simpatizo com certos autores. Sem eles, jornais e livros setornariamdepressaintoleráveis.Imaginem a maçada de estar um cristão a catar pensamentos em todas as

linhasqueencontra.Étrabalhopenoso,porquehásujeitosquepensambem,mas

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nãoseexprimemcomclareza,outrosqueseagarramaassuntosterríveisenosobrigam a olhar para cima e a procurar uma brecha que não aparece. Quasesempredetestamosmistérios.Por isso lemos com imenso prazer os escritores que não dizem nada.

Excelentescriaturas.Têmboasintençõeseportam-sedecentemente.Oravejam.Cobertodeglória,oSr.GraçaAranharesolvemorrer,oqueéuma

perdairreparávelparaasuaexcelentíssimafamíliaeparaaAcademiaBrasileiradeLetras.2Um doutor que há vinte e tantos anos leuCanaã e entusiasmou-se, como

então era costume, lembra-se de compor o necrológio do ilustre diplomata.Arma-se de gramáticas, dicionários e outros instrumentos análogos, senta-se,bebe café, fumacigarros e atira quatro colunas emcimado finado.Pois essasquatro colunas, com pequenas modificações no tipo, no título e em algunsadjetivos,servemperfeitamenteparadefenderodivórcio,parafazerdeclaraçõesde amor e para insultar aRússia. Têmminas de ouro, cachoeiras, florestas, apátria,abandeira,océu,omar,umgrandenúmerodeinstituiçõesconsideráveisqueagentelêpensandonavida,pensandonocâmbio,ounãopensandoemcoisanenhuma.Éadmirável.ComparemumcapítulodoSr.OliveiraViannasobreoBrasilcolonial3aum

dessesartigosqueporaísepublicamarespeitodeCastroAlvesoudaprefeituramunicipaldePortodePedras.Aprimeiratemlatifúndios,engenhosdebanguê,nobrezarural,pecuária,mineraçãoegovernadoresgerais;osegundo temtudo.Ounãotemnada.Éótimo.Nãonosperturbaasocupaçõesordinárias,podeler-se no banho, em cima duma bicicleta, ou junto a um tabuleiro de xadrez. Eadapta-seadmiravelmenteàsnossascondiçõesinteriores.Seestamoszangados,afirmamos que aquilo é insensatez; se estamos de bom humor, achamosengraçadoeútilcomoobjetodeestudo.Oscatólicos levantamosolhosparaocéuesorriemdocemente:“Pobrezinho,éumbem-aventurado”;osateusrasgamojornalegritam:“Ora,sebo!”Apresento uma sugestão aos homens inteligentes: deixem de escrever e

entreguemapenaaosimbecis.4

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Chavões”.Novidade,Maceió,nº8,30demaiode1931,p.7.2.OautordeCanaãemembrofundadordaAcademiaBrasileiradeLetras(cadeira38)faleceraem26dejaneirode1931,algunsmesesantesdapublicaçãodapresentecrônica. 3. Referência ao primeiro volume dePopulaçõesmeridionais do Brasil, obra do historiador esociólogoOliveiraVianna,publicadaem1920,pelaeditoradeMonteiroLobato.4.Aopédestacrônica,haviaaseguinteafirmaçãodoseditoresdoperiódico:“Nopróximonúmero:um capítulo d’Os Caetés, romance de Graciliano Ramos, a sair brevemente no Rio”. Além de“Sertanejos” e “Chavões”, textos recolhidos neste volume, Graciliano publicou, emNovidade, oreferidoexcertodeseulivrodeestreia(trata-sedocapítuloXXIVdaobra,saídoemprimeiramãononúmero 9 da revista, em 6 de junho de 1931), bem como as crônicas “Lampião” (estampada nonúmero3,de25deabrilde1931)e“Milagres”(presentenonúmero14,de11de julhode1931),reunidas, posterior e respectivamente, nos livros póstumosViventes das Alagoas eLinhas tortas,lançadospelaLivrariaMartinsEditora em1962.Paramais informações sobre a revistaNovidade,bemcomosobreapassagemdeGracilianopeloperiódico,verLEBENSZTAYN, Ieda.GracilianoRamoseaNovidade:oastrônomodoinfernoeosmeninosimpossíveis.SãoPaulo:Hedra,2010.

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Otestadeferro1

Naqueletempoosjornalistaseramhomensquefabricavamdesaforoscomtinta.Os de hoje também fabricam, mas antigamente os desaforos eram mais

pesadosemaisnumerosos.Dedicar-se alguém a essa hidrofobia impressa, agradável aos leitores e

desagradável aos políticos, é arriscado e exige músculo abundante e ossosespessos, atributos que dificilmente se encontram em articulistas. Eles têm, éverdade, bastante coragem,mas a coragem dura apenas o tempo necessário àproduçãodosartigos.ComasportascerradaseDeusportestemunha,todosnóssomos criaturas naturalmente dispostas — e arranjamos sozinhos diálogosadmiráveisemqueespatifamosadversárioscomhabilidadeespantosa.É impossívelconhecer-seadignidade todaquehánoshomens:deordinário

ela fica escondida. Surge às vezes nas conversas em que pessoas imaginosascontamrasgosdeheroísmoquepraticaramenosinsultosescritosparaosjornais.É aí que o indivíduo se supera, como dizia oZaratustra, e se, em horas de

trabalho, o literato valente visse aparecer-lhe umperigo sério, é provável que,impossibilitadode se transformarde repente, tivesseumpoucodasqualidadesquejulgater.Infelizmente as folhas descem para a composição — e certas ideias

importunas começam a picar o redator.Na revisão cortam-se alguns adjetivoscabeludos;como,porém,acoragemaindaexiste,outrospermanecem.Derestoéprecisoqueumintelectualnãoseacanalheperanteostipógrafos.Resultado:nodia seguinte há conveniência em o jornalista não sair de casa ou sair comprecaução, olhando para os cantos e evitando encontros prejudiciais à ordempública.Realmente a tranquilidade só chega quando vem a certeza de que a vítima,

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fingindo superioridade, não ligou importância ao ataque.Aí o articulista sabe,semnenhumasombradedúvida,queébravo.Comexercício,nodecorrerdosanos,abravuraaumenta.Podemadvir,entretanto,mal-entendidosesucessosdeploráveis.Criaturasde

índole selvagem, ignorando que a imprensa é um sacerdócio e pode gritar,arranhar,morderimpunemente,indignam-sequandosãoalvejadascomretóricaevingam-secompancadas.Temosvistoalgunsdessesmártiresdaliberdadedopensamento,cobertosdeglóriasedeesparadrapos.Parapouparsacrifíciosinúteisfoique,emépocaspassadas,seinstituiuotesta

deferro,figuradequeosescritoresidososselembram.Eraopadrastodasdiatribesqueasfolhaspublicavam.Não valia nada, falava difícil, discutia todos os assuntos, conhecia frases

latinas,nãoescrevia,nãoseocupavaemcoisanenhumaeganhavacinquentamilréispormês,umainsignificânciaatualmente,masquantiarazoávelnotempoemquehaviacâmbio.Se um jornal trazia publicação escandalosa, os ofendidos tinham dois

caminhos, é claro:partir a caradoautorou levá-lo à Justiça.Quem foi, quemnãofoi—eobarulhocomeçava.Nesse ponto o testa de ferro assinava uma declaração responsabilizando-se

pelas injúrias e calúnias presentes e futuras. E a parte contrária, desarmada,metia a viola no saco, porque ninguém quereria entreter com semelhantepersonagemumabrigachinfrimemcalçadasouumapendênciaridículanoforo.Daíemdianteagazetapodiainsultaràvontade.Ah!Játivemosliberdadede

pensamento.Eareputaçãodotestadeferrocrescia.Otestadeferroeraconsiderado.Sofria, é certo, alguns dissabores sem consequências graves: quebravam-lhe

umacostelaouduas,de longeemlonge,emnoitesdeescuro.Tolice.Emtodapartehásemprecostelasquebradas.Enquanto o nosso homem se consolidava, a literatura política florescia

jogandobilhar,dançandonaPhenix2oudeclamandodiscursos.Otestadeferrodesapareceu.Habituadoaviveremredações,acaboumexendo

os pronomes, fez sonetos e compôs arengas compridas. Depois morreu. Fazpena.Porissodeixamdecircularhojeemdiamuitasdescomposturas.

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Notas1.G.R.[GracilianoRamos].“Otestadeferro”.JornaldeAlagoas,Maceió,16deagostode1931,p.3.PublicadoemnúmerocomemorativodoJornaldeAlagoas,dedicadoaocentenáriodaimprensaalagoana,queteveseuiníciocomapublicaçãodoperiódicoÍrisAlagoense,em1831.(SANT’ANA,MoacirMedeiros de.História da imprensa em Alagoas, 1831-1981.Maceió:Arquivo Público deAlagoas,1987,p.20). 2. ReferênciaaoClubeFenixAlagoana, fundadoem7desetembrode1886,cujafinalidadeera“realizar reuniões dançantes, serenatas musicais e coreográficas, jogos permitidos e outrasdistrações” (BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas — dicionáriobiobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas. 2 vols. Brasília: Senado Federal, ConselhoEditorial,2005,vol.1,p.264).

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Mulheres1

Afinaltemosaquivencedoronossopequenofeminismocaboclo.Pouco importam as opiniões irritantes que pessoas biliosas manifestam a

respeito do cérebro da mulher. A esta hora nas mais distantes povoações doEstadosenhorasdecididasseaprumam,projetamvestidosediscursosdeaparato,organizamcomissõesparaatenazarogoverno.Exatamentecomooshomens.Osmesmospedidos,asmesmasembromações,

masaparênciamuitomelhor.É possível que bom número delas se esteja preparando para a futura

assembleia estadual e imaginando alterações em códigos de posturas eorçamentos municipais, que sempre foram ruins, apesar da competência dosconselhos e dos prefeitos. Por baixo dos cabelos curtos, como os nossos,fervilhamprogramasqueoshomensnão souberamexecutar emquarenta anosou,seacharempouco,emquatrocentosetrinta.Parausardefranqueza,tudopelointeriorestádesorganizado,eaculpanãoé

delas.Ninguémtemodireitodejulgá-lasincapazes.Podemfazeraspromessasmaiselásticas.A verdade é que as nossas matutas estão muito mais preparadas que os

matutos.Atéaidadede12anos,vãoàescola,enquantoosmeninosarrastamaenxadaouseexercitam,emcalçadasouembilharesdepontaderua,paraumavidafácildemalandros.Crescemumpouco,eosardoresdapuberdadeaslevampara os romances amorosos, que lhes corrigem a sintaxe. Um dia dão umatopadasentimental,casam-see,algumtempodepoisdocasamento,quasenuncamenos de nove meses, passam à categoria de mães. São agentes do correio,telegrafistas, professoras interinas, datilógrafas num banco popular e agrícola,mulheresdenegociantes.Comomulheresdenegociantes,tomamcontadaloja,compram,vendem,escrituram,arrumam,desarrumam,varrem,espanam,brigam

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com o caixeiro (ou não brigam), escrevem bilhetes de cobrança, entendem-secomosrepresentantesdosfornecedores.Enquanto isso acontece, os maridos passam oito meses do ano jogando

gamão,discutindoostelegramasdosjornais,atacandoogovernoeoimpostonasbarbearias,nasfarmácias,nasesquinas.Éassimnacidadepequena,quehoje,pordescontodosnossospecados, tem

eletricidade, cinema, automóvel, gasolina, outras infelicidades americanas quenosdeixamdeesmola.No campo é diferente. Em cada sítio, quando falta a professora pública, há

uma velha sabida, perita em décimas e ladainhas. É ela que ensina as quatroespécies de contas às meninas e lhes mete o almanaque entre os dedos. Oalmanaqueresumeaciênciatoda.Osmeninossapecam-senaqueimada,enegrecemnacoivarae,logoqueficam

taludos,dançamococoemfestasdeS.Joãoebebemaguardentenassentinelasde defuntos. Casam-se novos e entregam às companheiras tudo quanto exigepensamento:correspondência,palestrascomasvisitas,explicaçõesdascoisasdanatureza, leituraspiedosas,comunicaçõescomaDivindadeecomovigáriodafreguesia.A consequência disso é existirem no sertão mulheres terríveis, que

transformamosmaridosemquincas,administrampropriedades,arengamcomoscoronéis,têmcabroeira,mandammatargenteeprotegemcriminososnojúri.Há amulher chefe político. Sempre houve. Tem um cunhado secretário da

prefeitura, um irmão delegado de polícia, muitos afilhados cobradores deimpostosmunicipaiseummaridoqueserveparapediraogovernoademissãodopromotorearemoçãodocabocomandantedodestacamento.Oraassenhorasnãovotavam.Agoravotam.Asmatutasforamàeleiçãode3

de maio e comportaram-se perfeitamente.2 Assinaram as folhas comdesembaraço, entraram no gabinete, meteram a chapa no envelope e, emconformidade com os conselhos da Liga de Ação Católica, sufragaram oscandidatosdoPartidoNacional,doPartidoDemocrataedoPartidoSocialista.Os matutos em geral não se comportaram bem. Sentaram-se tremendo e

estiveramdezminutossujandoosdedoscomtintaeprocurandotirarumfiapoinexistente no bico da pena. Fizeramborrões no papel, foramà saleta secreta,voltaramedeitaramotítulodeeleitordentrodaurna.Vãoagorapensarqueessespobreshomenscontinuarãoaatrapalharapolítica

eaadministraçãodoEstado.Nãocontinuam.Osmunicípiosserãodirigidospormulheres.Dirigidosclaramente.Porqueemalguns,conformeficoudito,jáelasdominavamàsocapanotempoemquesóoshomenspodiamvotar.Imaginemaquenosreduziremosparaofuturo.

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Mulheres”.JornaldeAlagoas,Maceió,20demaiode1933,p.3.2.Nomomentodaescrituradanarrativa,haviaumapreocupação,expressapeloJornaldeAlagoas,quantoàeducaçãopolíticadonovoeleitoradofeminino,cujovotoforarecém-instituídopeloCódigoEleitoralBrasileirode24defevereirode1932,equantoaquaisseriamasrepresentantes-mulheresnaAssembleiaConstituintede1933,depoisdarealizaçãodopleitoemmaiodessemesmoano.Taisconsideraçõespodemserobservadas,porexemplo,nostextos“Amulhereapolítica”,“Apresençadamulher na antessala daConstituinte” e “Quemdeverá representar amulher alagoana na futuraConstituinte”,publicadosnoveículo,respectivamente,em4deagostode1932,25denovembrode1932e2demarçode1933.Anteriormente,adefesadovotofemininojáhaviaganhadoaspáginasdoreferidoperiódicoalagoanoaolongodoanode1931emtrêsoportunidades:“Votofeminino”(em3 de maio), “O direito de voto à mulher” (em 1º de outubro) e “A reforma eleitoral” (em 2 deoutubro)(verAZEVEDO,Vivice.“Apportsinéditsàl’oeuvredeGracilianoRamos”.In:GracilianoRamos: Vidas secas (séminaires de février et juin 1971). Poitiers: Centre de Recherches Latino-Américaines,daUniversidadedePoitiers,1977,p.132).

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Doutores1

Aquinacapitalosdoutoressãoindivíduosquasecomoosoutros:vestem-secomo todomundo, falam como todomundo, é possível a gente desprevenidapassarjuntoaelessempercebernenhumsinalqueosdenuncie.Têm,naturalmente,as suashonrasdesabedoriaoficialnoconsultórioouna

repartição,masfindootrabalho,escondemoanel,dobramacartaevãoparaoscafésdiscutir fitasdoFloriano,2 literatura, sociologiaeoutrashabilidades.Umsujeitodaruagritaparaeles:—OhThéo!3OhMoacir!4Comovai,ZéLins?5E os que jogam dados namesa próxima ficam sem saber que um daqueles

fregueseséespecialistaemmoléstiasdecrianças,outroensinafísica,oterceiroescreveromances.Sãobemrazoáveisosdoutoresdacapital.Osdointeriorsãomuitodiferentesdeles.Dogmáticos,eriçados,carrancudos.Adiferença explica-se.O bacharel, omédico ou o engenheiro quemora na

cidade encontra frequentemente, dentro da sua classe ou fora dela, homenssabidos.Daíumaaproximação,umafamiliaridadeútilatodos.No interiornãoéassim.Orapazquesaltadaacademiaparaa roçasente-se

isolado.Vaicomacabeçacheiade fórmulas, algumpensamentoemuitobonsdesejos: quer abrir uma escola, criar o horrível grêmio literário, fundar umdesses pequeninos jornais onde os talentos cambembes engatinham. Mas sópercebeemredorbrutalidadeechatice.Opensamentoeosdesejosencolhem-se.Buscafugiràbrutalidadeambiente,procuraalgumasaliêncianaquelachatice

toda.Nada.Naprimeiravisitaquefazaoprefeitoouveosermãodeclamadonodomingo,

sermãoqueovigáriohádezanosproferetodasassemanas,commuitofervorepouco êxito. Amulher do prefeito defende o vigário.Mas o prefeito é livre-

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pensador.Nãoseentendem.Eovisitantesaizonzo.Éatraídoporumasrisadasenormes.Andameioquilômetroeafinaldescobre

um malandro ocupado em fazer relatório dos amores ilícitos da localidade,história complicada e antiga a que a imaginação tacanha do narrador todos osdiasacrescentaumpormenor.Afasta-se,enjoado.—Genteestúpida!Genteruim!Convidam-noparaumcasamento.Vai, constrangido.Nomeioda festadão-

lheapalavra.Seéumbacharelafoitoelinguarudomuitobem.Masàsvezeséagrônomo ou cirurgião-dentista e confessa honestamente que não sabe fazerdiscursos.Estáarrasado:daíemdiantenãoinspiranenhumaconfiança.Omatutoéumserquefalaabundantemente.Dizendoascoisasmaissimples,

usatiradasabsurdas,circunlóquios,quenãotêmfim.Achaqueosoutrosdevemsertambémtagarelas.Para ele qualquer doutor tem obrigação de saber fazer tudo: requerimentos,

defesasno júri, correspondênciasparao jornal,demarcaçõesde terra, extraçãodedentes,eleições,orçamentosmunicipaisereceitasderemédios.Assim,oletradooficialqueviveemcidadepequena,senãoquerpassarpor

ignorante,entrega-seaocupaçõesnumerosas.Torna-seumcharlatão.Comaprumoquefazpena,dizcinicamente:“Paramatutoéisto:ensinaroque

elesabeecomeroqueeletem.”Muita arrogância e uma frase latina: dura lex sed lex ou outra. Se o latim

falha,agarra-seaofrancês.Osroceirosficamembasbacados.Eodoutortriunfa.Depoisquearranjaumconceitoregular,falapoucoparanãosecomprometer:

sorri,gesticula.É,naturalmente,oconsultordapovoaçãoondereside.Selhefazempergunta

difícil,evitaoobstáculousandoexpressõesarrevesadas.EsqueceasfórmulasquetrouxedaAcademia,masosfragmentosdealgumas

ficam,inúteisesemprerepetidos,aadornar-lheosrestosdoespírito.Admiraospersonagensconsagradospeloartigodefundo,temhorroràpoesia

semrima,acataogovernoeaoposição,gostadoprogressoededoisemdoisanosmandafazerumaroupadecasimiraetorna-seimportantíssimo.Escrevendoarrazoados,examinandodoentesoufabricandoxaropes,emprega

JosédeAlencar,RuiBarbosa,CastroAlveseEuclidesdaCunha.Omatutobaba-seporele,equandoérico,tentacasá-locomumafilha,queo

grandedesejodotabaréuéterumparentedoutor.Buscatratá-lofamiliarmente,mas istoé impossível. Julga-semuitopequeno.Dirigindo-seaele,dizsenhor;ele,emresposta,dizvocê.

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Essetratamentolevaoshomensdaaldeiaasacrifícios.Umsoletraquatrolivrospacientementeefaz-serábulaoutabelião.Odoutor

auxilia-o.Outroestabelecelojadefazenda,ganhadinheiro.Odoutorvisita-odepoisdo

jantarecontaanedotas,comsuperioridade.Onegociantepassadalojaparaoarmazém,arrancaumafortunadocourodo

mandioqueiro.Odoutorcontinuaaolhá-lodecimaparabaixo.O desgraçado mete-se em política, transforma-se em prefeito e, se há

Constituição,viradeputado,comofavordogoverno.Diantedodoutor,ésempremesquinho. Acredita no que ele diz, deixa-se enganar candidamente. Declara,comumaespéciedeorgulho:—DoutorFulanoriscaeeucorto.Éessedoutor,parlapatãoeignorante,quedominaascidadezinhasdointerior.

Lá não há livros, e os jornais, raros, servem para se embrulhar sabão, nasbodegas.Quandoogovernoconhecerbemisso,cortarámuitasdespesasinúteis.Eaopiniãopública,pelomenosnaaldeia,estarácomele.

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Doutores”.JornaldeAlagoas,Maceió,11dejunhode1933. 2. Cine-teatro Floriano: espaço de exibição criado em 1913, que se situava no trecho “maiselegantedaRuadoComércio”(SILVA,RonaldodeAndradeSilva.TeatroamadornoMaceiódasAlagoas (1940-1970)— a trajetória do efêmero. Dissertação (Mestrado em Artes)— Escola deComunicaçõeseArtes,UniversidadedeSãoPaulo,SãoPaulo,1996,p.49). 3. Referência a Theotônio Vilela Brandão (1907-81), folclorista, poeta, professor, médico,farmacêutico. Nesse momento, mantinha uma clínica de pediatria e obstetrícia em Maceió.“ParticipoudomovimentomodernistaemAlagoas,aoladodeAloísioBranco,AurélioBuarquedeHolanda,ValdemarCavalcanti,GracilianoRamoseoutros”(BARROS,FranciscoReinaldoAmorimde.ABCdasAlagoas— dicionáriobiobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas. 2 vols.Brasília:SenadoFederal,ConselhoEditorial,2005,vol.1,p.171). 4. Provável referência a Moacir Soares Pereira (1907-2001), professor, químico industrial,advogadoeplantadordecana-de-açúcar.Em1927,porconcurso,tornou-secatedráticodeFísicadoLiceuAlagoano.ColaborounarevistaNovidade(1931),comosartigos“Oacordonaval”,“Ovotoproporcional” e “Novos rumos”. Em 1942, publicou pela Livraria José Olympio Editora, comprefáciodeJoséLinsdoRego,aobraOproblemadoálcool-motor (BARROS,FranciscoReinaldoAmorimde,op.cit.vol.2,p.395). 5. Em1926,depoisdeabandonarocargodepromotorpúblicoqueexercianointeriordeMinasGerais,oescritorJoséLinsdoRegofoinomeadofiscaldebancosemMaceió.Residindonacapitalalagoana,passouaconvivercomogrupodejovensintelectuaisqueseformaranacidade,entreosquais se encontravamGracilianoRamos, Rachel deQueiroz, Jorge de Lima,Aurélio Buarque deHolandaeSantaRosa.

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UmromancistadoNordeste1

OSr.PrudentedeMoraesNeto,2falandosobreanossaliteraturadeficção,pobredemais, fez-mehá tempoumaobservaçãoqueacheicuriosa.Oromancebrasileiroéruim,osmelhoresescritoresemperramnestegênero.Porqueserá?Impotência?Talvezoambientenãoofereçamaterialquepreste.Fiquei surpreendido e com desejo de contrariar uma pessoa inteligente e

autorizada como o Sr. Prudente de Morais Neto.3 Pensei que ele tinha sidorigoroso em demasia com alguns novelistas indígenas e especialmente com opaís,quedevesercomoosoutrospaíses,salvopequenasdiferenças.Emtodososlugaresháromances,dissecomigo,oquefaltaàsvezeséoromancista.Liliput e Brobdingnag nunca existiram e não obstante Swift pôs lá o seu

Gulliver.Umurso, umapantera, uma cobra, um tigre, váriosmacacos e lobosderamaKipling,quenãoviveunaflorestaedehomenssóutilizouum,queeraquasebicho,assuntoparadoislivrosdaJungle.Ondehouverumserdotadodeimaginaçãoháumaobradearteemperspectiva.Écertoqueascriaturasquenosrodeiamsãoordinárias,mastambémpodeque

o Raskolnikoff e a Sonia de Dostoievski fossem na realidade um assassinocomumeumaprostitutavagabunda,semnenhumaespéciedegrandeza.Vendo-seimpressos,talveznãosereconhecessem.Matuteinestascoisasquandoli,háalgunsmeses,osegundovolumedasérie

queoSr.JoséLinsdoRego inicioucomapublicaçãodumanovelaescritaembrasileiro.4Éumbomromancista,creioeu.Eentretantodecorrenumambientedeestreitezalastimosa.Constituemomeiofísicoasquatroparedesdumcolégio— prisão doNordeste, um rio, pedaços de natureza entrevistos de relance. Omeiosocialcompõe-sedecincoouseismeninosde importânciamedíocre,umprofessor brutíssimo, a mulher e o sogro do professor, uma preta, uma vagameretriz assanhada, mais algumas figuras que entram e saem discretamente.

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Muitopouco!Masapesardisso,etalvezporisso,oSr.JoséLinsdoRegofezumbomtrabalho.Julgoqueéumtrabalhoadmirável.Seo escritor dispusessedegrandenúmerode tiposque semexessemnuma

cidade,épossívelquenãoresistisseàtentaçãode,comotantosoutros,fornecer-nospormenoresinúteis.Jogandocomelementosescassos,tevedeextrairquasetudodoseuinterior.AtéagoraoSr.JoséLinsdoRegopublicoudoislivros.Oscríticosandarama

compará-los.Qualseriaomelhor?Pensandobem,achoqueaperguntanãotemcabimento:háapenasumaobraemdoisvolumes.Provavelmentevirãooutros—eteremosumapequenaComédiaHumananordestina.Oqueháéquenoprimeiro,oMeninodeEngenho celebradíssimo, existem

descrições que poderiam desaparecer sem desvantagem, uma queimada e umaenchenteporexemplo,bem-feitas,masquejáforamexploradasporliteratosdeoutrasépocas,ofinadoJosédeAlencareofinadoGraçaAranhainclusive.Estaopiniãonãotemimportância.Deordináriooquesejulgamelhornoromanceéexatamente a parte objetiva, e é provável que essas duas tiradas, ricas emminudências,semelhantesàsfotografiasqueBalzaceosrealistasaproveitaram,hajam concorrido para tornarMenino de Engenho uma história admirada portodaagente.AverdadeéqueoSr.LinsdoRegonãoprecisarecorreraopitorescoparadar

vida às suas criações.NesseDoidinho excelente não há excesso de tintas.Ascoisasnãonosaparecemcomosão(equemsabe lácomosãoascoisas?),mascomoopersonagemprincipalasvê.Essepersonagem,sujeitointeligenteecomum parafuso frouxo, transmite-nos ampliados e interessantes os fatos maiscorriqueiros.Nãosabemoscomoéporforaessacriançacarregadadetarasecacoetes.Será

loura oumorena?Terá os olhos pretos, azuis, verdes ou amarelos?E o resto?Estamos longedo tempoemqueocidadãogastavaeternidadesparadescreverum tipo das unhas dos pés à ponta dos cabelos. Não esquecia uma ruga, nãoesqueciaumbotãodacamisa.Nofimdetudoapresentavaummanequim.PresumimosqueoprotagonistadoSr.LinsdoRegotemrugas,botões,olhose

cabelos,comotodosnós,masoautornãonosamolacomsemelhantesbagatelas:mostra-nosorapazpordentro.Surgeentão,vivo,bulindo,umsujeitoquenãoécomo os outros, um sujeito cheio de curiosidades e caprichos, indiferente àslições e à chatice da escola, incapaz de marcar passo e marchar na fileira,movendo-se desordenadamente e transformando, com os olhos e os ouvidosmuitoabertos,omundoexteriornumuniversonovo.Tudoseanima.Aáguadorionãoserveapenasparatirar-lheaporcariaganha

nocolégioimundo:lava-lheaalmaetransporta,paraosítioondeviveu,assuas

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tristezasdeestudantemaltratado.Obueirodoengenhoéumamigovelhoqueochamadelonge.Nasuamemóriaoavôdeixadeseroexploradordacabroeiraqueseesfalfanoeito:muda-senumaespéciede santoquesepreocupacomasortedumassassinopreso.A obra do Sr. Lins do Rego tem coesão. Às vezes a de escritores grandes

demais não a tem. Os livros do velho Hugo, os de Anatole France, os deMachado de Assis estão cheios de soluções de continuidade, intercalações,enxertos.Vendoessesparêntesis,somoslevadosapensarquecertosautoresoutrabalham com interrupções, ou escrevem nas horas vagas folhas avulsas queentremeiam nas suas narrações com mais ou menos habilidade. Entre nós ocomuméencontrarem-seromancesarranjadoscompedaçosdesconexos.Lemosumapáginaboa,emseguidavintepáginasquenãosãoboasnemruins,adianteumapéssima,depoisumasofrível—eoleitortemaimpressãodeestarvendoumdessesgráficosdo serviçodeestatísticaemqueas linhasdesceme sobemdesesperadamente.ÉpossívelqueumolharagudodescubraaltosebaixosnaobradoSr.Linsdo

Rego. Não notei isso. Também não me esforcei por encontrar preciosidades.Poucomesatisfariaacharaquiumdiálogonatural,aliumadescriçãoencaixadaapropósito, acolá uma frase original. Essas descobertas só serviriam paraprejudicar o conjunto, seriam como elevações numa planície. Se merecomendassemumaestátuaporterasmãoseospésbem-feitos,eunãoficariacontente.Prefeririaquenemasmãosnemospésfossemdemasiadobem-feitos,masqueestivessememharmoniacomasoutraspartesdocorpo.De resto esse trabalho de expor minúcias revela mão de especialista, e no

romance, campo vastíssimo, o especialista, a começar pelo gramático, nãoultrapassaasfronteirasdoseudistrito.O Sr. Lins do Rego não é especialista em coisa nenhuma. Nada de

terminologias embaraçosas. Mostra simplicidade extraordinária, põe-sefacilmenteemcontatocomopovoignaro,comodiziaCamões.Dificuldade.Outra dificuldade, e terrível, foi ter conseguido tornar-se interessante

servindo-se desta pobre língua do Nordeste, língua bronca, incerta, devocabulário minguado. Língua braba, que o Sr. Mário Marroquim procuradomesticar.5Notemqueomatutofalapoucodiantedepessoassabidas.Quandoo obrigam a falar, recorre aos gestos, usa circunlóquios — e o discurso écharada.Uma só expressão, variando com o tom da cantiga que é a conversaordináriadotabaréu,temsignificaçõesquenosatrapalham.Dialetohorrívelparaalinguagemescrita.Outra coisa. Tenho estado a pensar que o Sr. Lins do Rego escreveria, se

quisesse, excelentes biografias. Como as de André Maurois. Valeria a pena?

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SeriapreferíveltransformarovelhoCotegipenumaespéciedeDisraeli?6Talveznãofosse.Ondeacharpersonagens?Parecequeestouinutilizandooqueafirmeinocomeçodesteartigo.Masnabiografiaaimaginaçãonãopoderiafazertudo.

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“UmromancistadoNordeste”.Literatura,RiodeJaneiro,ano1,nº18,20dejunhode1934,p.1.2.PrudentedeMoraes,Neto(1904-77):escritorecríticomodernista.“Semsombradedúvidaelefoi uma das vozesmais atuantes nas duas primeiras décadas domodernismo” (MASSI,Augusto.Militantebissexto:ocríticoPrudentedeMorais,Neto.Tese(doutoradoemLetras)—FaculdadedeFilosofia,LetraseCiênciasHumanas,UniversidadedeSãoPaulo,SãoPaulo,2004,p.II.3.TaldebateentreGracilianoePrudentedeMoraesNeto,estabelecido,provavelmente,mediantetroca de correspondências entre ambos no início dos anos 1930 (ver RAMOS, Clara. MestreGraciliano:confirmaçãohumanadeumaobra.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1979,pp.67-8),jáhaviasidotematizadopelocríticocariocaemartigopublicadonaseção“CrônicaLiterária”,darevistaAOrdem,emmarçode1932.Emtal texto,depoisdedestacarqueogêneroromanceaindanão teria se aclimado no Brasil, Prudente de Moraes Neto, encoberto pelo pseudônimo “PedroDantas”, parte em busca dos motivos para tal adaptação infrutífera, que apresentava “evidentessintomas de depauperamento”: “Mas que misteriosas razões nos arrastam, assim, a sucessivosfracassos?Faltar-nos-ámatériaromanceável?Empartedeveserisso.Essacircunstância,porém,porsisónãoexplicasuficientementetantaperseverançanoinsucesso.Fossesóissoedevíamosproduzirboa cópia de romances dos que ‘peuvent être mis entre toutes les mains’, o que entretanto nãoacontece. (...) Não: de tudo se poderia fazer romance,mesmo da nossa vida, pormais que fosseprovincianaemedíocre.ArazãoestácomoSr.GracilianoRamos:oquenosfaltanãosãoromances,sãoromancistas:nãoéomaterial,esimquemsaibacomoaproveitá-loparaconstruir”(in:DANTAS,Pedro[PrudentedeMoraisNeto].CrônicaLiterária—“AmulherquefugiudeSodoma”.AOrdem,RiodeJaneiro,nº25,marçode1932,p.208).4.ReferênciaaDoidinho(RiodeJaneiro:Ariel,1933),segundaobradochamadoCiclodacana-de-açúcar, iniciadopor JoséLins doRegomediante a publicação deMenino de engenho (Rio deJaneiro:Adersen,1932).5.ReferênciaàobraAlínguadoNordeste:AlagoasePernambuco(SãoPaulo:Nacional,1934),deautoriadofilólogoMárioMarroquim. 6. BenjaminDisraeli (1804-81): político britânico de origem judaica que chegou ao posto deprimeiro-ministrodoReinoUnido.Sobreele,oreferidoescritorfrancêsAndreMauroisescreveuabiografiaLaviedeDisraeli(Paris:Gallimard,1927).Aomencionar“ovelhoCotegipe”,GracilianoserefereaJoãoMaurícioWanderley,destacadosenadoreministroduranteoSegundoReinado,queportavaotítulonobiliárquicode“barãodeCotegipe”.

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OromancedoNordeste1

Nestesquatrocentosanosdecolonizaçãoliteráriarecebemosainfluênciademuitospaíses.Sempretentamosreproduzircomtodasasminudênciasalíngua,as ideias, avidadeoutras terras.Nãoseidondevemessemedoque temosdesermosnósmesmos.Queremosquenostomemporoutros.Talvez seja porque entre nós é fácil um preto casar com uma branca, uma

pretavivercomumbranco,semcasar.Osmulatinhosescondem-sedospaise,comointuitodeclarearadescendência,sujaram-sedepódearrozeimitaramosmodosdosestrangeiros.Areligiãonegra,aartenegra,tudoquantoaÁfricanospodiadarfoisufocadopeloingênuodesejodearianizaristodepressa.Havia em Portugal uma certa quantidade de gramáticos. Arranjamos

gramáticosmaisnumerososeprocuramosháalgunsanosescrevermelhorqueosportugueses.Nuncahouvelugarnomundoondesediscutissetantasintaxe.Tudonosvinhadefora.Na literatura de ficção é que a falta de caráter dos brasileiros se revelou

escandalosamente. Em geral os nossos escritores mostraram uma admirávelignorância das coisas que estavam perto deles. Tivemos caboclos brutossemelhantes aos heróis cristãos e bem-falantes em excesso. Os patriotas doséculopassado,emvezdeestudaros índios,estudaramtupinos livrose leramWalter Scott. Tivemos Damas das Camélias em segunda mão. Tivemospaisagens inúteis em linguagem campanuda, pores do sol difíceis, queimadasenormes, secas cheias de adjetivos. Descrições. José Veríssimo construiu umcandeeiroemnãoseiquantaspáginas.2Muitopouco—rios,poentescordesangue,incêndios,candeeiros.Os ficcionistas indígenas engancharam-se regularmente na pintura dos

caracteres.Nãomostraramospersonagenspordentro: apresentaramo exteriordeles, os olhos, os cabelos, os sapatos, o número de botões. Insistiram em

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pormenoresdesnecessários,easfigurasficaramparadas.Os diálogos antigos eram uma lástima. Em certos romances os indivíduos

emudeciam, em outros falavam bonito demais, empregavam linguagem dediscurso.Doisestrangeiros,perdidosnasbrenhas,discutiampolítica,sociologia,trapalhadas com pedantismo horrível que se estiravam pormuitas dezenas defolhas.Via-seperfeitamentequeoautornuncatinhaouvidonadasemelhanteaopalavróriodosseushomens.Felizmente, vamo-nos afastando dessa absurda contrafação de literaturas

estranhas.Os romancistas atuais compreenderamque para a execução de obrarazoávelnãobastamretalhosdecoisasvelhasenovasimportadasdaFrança,daInglaterraedaRússia.EcomodeixaramdeserobrigatóriasasexibiçõesdaportadoGarnier,osprovincianosconservaram-seemsuascidadezinhas,acumulandodocumentos,realizandoumahonestareportagemsobreavidanointerior.OtrabalhoquehánoNordesteémaisintensoqueemqualqueroutrapartedo

Brasil, tão intenso que um crítico, visivelmente alarmado com as produçõesdaqui,disseultimamentequenãoésónoNortequesefazliteratura.3Decerto.Eraindispensável,porém,quenossosromancesnãofossemescritosnoRio,porpessoas bem-intencionadas, sem dúvida, mas que nos desconheciaminteiramente.Hojedesapareceramosprocessosdepuracomposição literária.Emtodosos

livros do Nordeste, nota-se que os autores tiveram o cuidado de tornar anarrativanão absolutamenteverdadeira,masverossímil.Ninguémse afastadoambiente,ninguémconfiademasiadonaimaginação.Eéassimquedeveser.SeoSr.GastãoCrulsvivesseaqui,nãoteriapodido

escrever o seu Vertigem.4 Apesar de médico e romancista, foi-lhe necessárioestarhabituadoàcidadegrande.Tambémnãoseriapossívelaumcarioca,aindaquetivessevisitadoointerior

do Ceará, conceber e realizar o João Miguel. Para fazê-lo a Sra. Rachel deQueiroz consumiu largo tempo examinando uma prisão da roça, registrou aspalavrasdocaboSalu,conversoucomaFiló,viucomoelaenchiaocachimbodebarro.5OSr.LinsdoRegocriou-senabagaceiradumengenho,ejulgoquenemsabe

queébacharel.Conservou-segarotodebagaceira,oquenãolheteriaacontecidosemorassenoRio,frequentandoteatrosemetendoartigosnosjornais.Aquiestábem. Quando o cheiro das tachas vai esmorecendo, dá um salto a umaengenhoca,escutaZéGuedes,seuLula,avelhaSinhazinha.6O Sr. Jorge Amado nasceu numa fazenda no sul da Bahia — e por isso

escreveuCacau. Instalou-se depois na ladeira do Pelourinho, 68, onde travou

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relaçõescomváriascriaturasqueentraramnacomposiçãodoseuúltimolivro.7Esses escritores são políticos, são revolucionários, mas não deram a ideias

nomes de pessoas: os seus personagensmexem-se, pensam como nós, sentemcomonós,preparamassuassafrasdeaçúcar,bebemcachaça,matamgenteevãoparaacadeia,passamfomenosquartossujosdumahospedaria.Os nossos romancistas não saíram de casa à procura de reformas sociais: a

revoluçãochegouaeleseencontrou-osatentos,observandoumasociedadequesedecompõe.Estáclaroqueninguémaquipretendehaverconstruídomonumentos.Estamos

aindanocomeço,masumexcelentecomeçoquenosdágrandequantidadedevolumestodososanos.Nessa produção excessiva há falhas, topadas, marcas de trabalho feito à

pressa. Naturalmente porque estamos a correr sem nos termos acostumado aandar.O que é certo é que o romance do Nordeste existe e vai para diante. As

livrariasestãocheiasdenomesnovos.Nãoérazoávelpensarmosquetodaessagente escreva porque um dia o Sr. José Américo publicou um livro que foinotadocomespantonoRio:—UmromancedoNordeste!Quecoisaextraordinária!8

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“OromancedoNordeste”.DiáriodePernambuco,Recife,10demarçode1935.2.ReferênciaaolivroCenasdavidaamazônica(1886),deJoséVeríssimo.EmInfância(1945),aorelembrarsuaincursãonomundodasletraseovaticíniodeMárioVenâncio,deque teriaumbomfuturocomoescritor,Gracilianofariaremissãoatalobra:“Nuncadescreveriaumcandeeirocomoode metal amarelo que iluminava, com azeite e difíceis pavios, duas páginas das Cenas da vidaamazônica.Oscandeeirosmepassavamdespercebidos.Eseriamnecessários”(RAMOS,Graciliano.Infância.RiodeJaneiro:LivrariaJoséOlympioEditora,1953,p.229). 3. Possível referência a Octávio de Faria, que, depois de elogiar a explosão e a vitalidade doromance nortista, transformou-se no seumais ferrenho opositor. Antes da publicação do presenteartigo deGraciliano, Faria já havia se posicionado contra os autores nordestinos ao destacar, porexemplo, comoos críticos haviam silenciado sobre o livroO inútil de cada um (1933), deMárioPeixoto. Segundo ele, tal obra teria sido ocultada pelo sucesso “desorientador” dos “romances doNorte”, que dominavam o cenário romanesco brasileiro e não davam espaço para que produçõessulistasdecunhomaispsicológicoemenosdocumentalganhassemvisibilidade(FARIA,Octáviode.“Oinútildecadaum”.BoletimdeAriel,RiodeJaneiro,anoIV,nº2,novembrode1934,p.48).Seurepúdio à “avalanche de testemunhos” vindos da porção setentrional do país seria sistematizado,algunsmeses depois, no polêmico “Excesso deNorte”.Nesse texto, vociferava que omovimentoliterárionacionalhaviasedeslocado“gritantementedoCentroparaoNorte”,depoisdeumprocessoquemaisseassemelhavaa“umainvasão,quaseumdelírio”(FARIA,Octáviode.ExcessodeNorte.Boletim deAriel,Rio de Janeiro, ano IV, nº 10, julho de 1935, p. 263). Segundo o autor carioca,tendoemvistaaprevalênciadaondanortistadedocumentaçãodointeriordopaís,quedominavaomercadoeditorial,bonsromancesdoSulteriampassadodespercebidos,comosenãoexistissem,poisnão se ajustavam à “mania domomento” de tematizar asmazelas e as particularidades do sertãobrasileiro. 4. Livro publicado pela Editora Ariel, em 1934, cuja trama, diferentemente dos romancesnordestinos aqui referidos porGracilianooumesmodo livro anterior do próprioCruls (Amazôniamisteriosa.RiodeJaneiro:Castilho,1925),desenrolava-senoambientecitadinodoRiodeJaneiro,centrando-senoexamemeticulosodeuma típicafamíliacarioca.SegundoAlcidesBezerra, críticoque apresentava restrições à dita “literatura do Norte”, “Vertigem afasta-nos desse romantismosertanejista,quejádeutudoquantotinhadedar.Éumromancedacidade,doséculoXX,degentecivilizada.Umromancegenuinamentebrasileiro” (BEZERRA,Alcides. “Análise espectraldeumafamíliacarioca”.BoletimdeAriel.RiodeJaneiro,anoIV,nº4,janeirode1935,p.98).5.AmbospersonagensdeJoãoMiguel,segundoromancedeRacheldeQueiroz,lançadoem1932,cujahistóriasepassanumpresídio,nointeriordoNordeste.6.TríadedepersonagenspresentenoromancedeestreiadeJoséLinsdoRego,Meninodeengenho(1932).7.ReferênciaaoromanceSuor(1934),sobreoqualGracilianojáhaviapublicadoacrônica“Suor”,estampada na Folha de Minas de Belo Horizonte, em fevereiro de 1935. Tal texto também foirecolhidoemLinhastortas(1962),comotítulo“OromancedeJorgeAmado”. 8. Esteespantopodeserobservado,porexemplo,noartigoemqueTristãodeAthaydesaúdaachegadadeAbagaceira,deJoséAméricodeAlmeida:“Temosumgranderomancistanovo.Nãoseise velho ou novo de idade. Sei apenas que autor de um livro sensacional (...)— talvez o granderomance do Nordeste pelo qual há tanto tempo eu esperava” (ATHAYDE, Tristão de [Alceu

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AmorosoLima].“Umarevelação”.AOrdem,RiodeJaneiro,1930.In:ALMEIDA,JoséAméricode.Abagaceira.12ªed.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1972,p.lxxxix-xc).

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Alguns números relativos à instruçãoprimáriaemAlagoas1

Oquadroquenosapresentava,hápoucosanos,ainstruçãoemAlagoaseraeste:dezenaemeiadegruposescolares,ordinariamentelocalizadosemedifíciosimpróprios, e várias escolas isoladas na capital e no interior, livres defiscalização, providas de material bastante primitivo e quase desertas. Asprofessoras novas ingressavam comumente nos grupos; as velhas ficavam nasescolas isoladas, desaprendendo o que sabiam, longe do mundo, ensinandocoisas absurdas. Salas acanhadas, palmatória, mobília de caixões, santos nasparedes,emvezdemapas.Em1932eramassimasescolasrurais,asdistritaisetambémgrandepartedasurbanas.De17gruposescolaresquepossuíamos,oitoestavamemcasasarranjadasà

pressa, sem nenhuma aparência de escolas. Depois da revolução adotaram osistemadecriargruposescolaresque,parabemdizer,sóexistiamnosdecretos.Armava-se um grupo no papel, nomeava-se o corpo docente e depois seprocuravaumacasa.EmPalmeirados Índioshaviaumdesses,pessimamente instaladonoprédio

da prefeitura. Mobília nenhuma. Cada aluno levava a sua cadeira, cadaprofessoraadquiriaumabanca.Quatromulherese152criançastrabalhavamaliem 1933. Provido de bom material, esse estabelecimento tem hoje oitoprofessoras e 374 alunos. Dentro de dois meses será inaugurado o excelenteedifícioqueparaeleseestáconstruindo.O“DeodorodaFonseca”,nacidadedeAlagoas,esteveemcasaalugadaatéo

fimde1934,quandopassouafuncionaremumprédioconveniente.Várias das escolas que existiam em salas pequenas, onde as crianças não

tinham nenhum conforto e se privavam dos objetos indispensáveis ao estudo,

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vãodesaparecendo.Oanopassadofecharam-sedeznacapital.Emcompensaçãoforamabertosdoisgruposqueutilizam19professoras.Esteanocriaram-segruposescolaresemMurici,PãodeAçúcar,AtalaiaeSão

José da Lage. Os decretos relativos a esses estabelecimentos foram escritosdepois de construídas e mobiliadas as casas. Isso nos dá a supressão de 19escolasisoladas.EsteanoseráiniciadaaconstruçãodeoitogruposescolaresemMaceió,Rio

Largo,Coruripe, S.Miguel deCampos,Anadia,Quebrangulo e Sant’Anna deIpanema.Desaparecerão36escolasisoladas.Em1932havianasescolaspúblicas15.826alunos,22.821em1933,25.840

em1934.Afrequênciamédiade11.285,em1932, subiua15.264em1933,a16.900em1934.Excetuados os municípios de Água Branca, Porto Calvo, Igreja Nova,

Camaragibe e Maragogi, em todo o Estado a matrícula e a frequênciaaumentaram.Nacapital amatrículaera3.055em1932,5.576em1933,7.264em1934;afrequênciacresceude2.308em1932para3.654em1933e4.859em1934.Em 1932 existiam 434 professores em 337 estabelecimentos de ensino,

compreendidos17gruposescolares.Temoshoje473professorestrabalhandoem358estabelecimentos:335escolasisoladase23gruposescolares.Em 1932 houve 4.089 promoções e 544 conclusões de curso; em 1934

tivemos7.697promoçõese1.519conclusõesdecurso.Em1934as criançaspobresdos estabelecimentospúblicos receberam3.865

cadernos e 9.064 metros de fazenda. É pouco, mas talvez este ano osfornecimentoscresçam.Sobre o ensinomunicipal há os seguintes números: 45 escolas isoladas em

1932, 56 em 1933; 1.622 crianças matriculadas em 1932, 1.994 em 1933;frequênciamédiade1.412em1932,de1.487em1933;45professoresem1932,56em1933.Ensinoparticular:95escolasem1932,169em1933;matrículas—4.144em

1932, 7.365 em 1933; frequência — 3.605 em 1932, 5.775 em 1933; 159professoresem1932,225em1933.Aindanosfaltamascifrasrelativasa1934.Essasescolasnãonosremetemosmapasqueoserviçodeestatísticaexige:vaiuminspetorcolhernelasosdadosnecessários,eistodemoraotrabalho.Derestosóde1933paracáoserviçodeestatísticaexiste.Oqueanteshaviaé

bastantenebuloso.

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Nota 1. RAMOS,Graciliano.“Algunsnúmerosrelativosà instruçãoprimáriaemAlagoas”.DiáriodePernambuco,Recife,2ªseção,28dejunhode1935.Talprestaçãodecontastambémfoipublicadanarevista alagoana A Escola, Maceió, setembro de 1935. Em janeiro de 1933, na interventoria deAfonsoCarvalho,GracilianoénomeadodiretordaInstruçãoPública,cargocorrespondente,hoje,aodesecretárioestadualdeEducação,noqualpermaneceuatésuaprisãoemmarçode1936.Depoisdedois anos de sua gestão, em 1935, o Jornal de Alagoas não deixou de reconhecer o trabalhoexecutadoporGracilianoàfrentedapastadaeducação,destacandooacréscimode87,3%nonúmerodematrículasnoperíodode1932a1934:“Trabalhadorcompenetradodeseusdeveres,decididonassuasdeterminações,asuaobra,naInstruçãoPública,diaadiaseimpõeaorespeitodacoletividade”(TRABALHANDOemsilêncio.JornaldeAlagoas,Maceió,13dedezembrode1935).

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Aliteraturade301

N esta época de escrita excessiva e leitura apressada temos uma grandequantidadedeescritoresmaisoumenosanônimosefervilhamnosbureauxdoslivreiros trabalhos inéditos. Para alguma coisa a Revolução de 30 serviu.Apareceu o hábito da leitura, de repente ficamos curiosos, às vezesimprudentemente curiosos, e como nem todos podemos ler línguas estranhas,porque a nossa instrução seja minguada ou porque a baixa do câmbio hajadificultadoaimportaçãodopapeledasideias,tratamosdefabricarestascoisas—eaindústriadolivrolevantouacabeça.Oqueésingularnomovimentoqueseoperanestesúltimosanoséqueelevemdedentroparafora.Antigamenteumcidadão escrevia no Rio, e as suas obras, hoje quase todas definitivamentemortas,impunham-seaorestodopaís.Paraqueumprovincianopublicasseumlivro aqui era necessário, não que ele pudesse fazer um livro, mas que seaventurasseaumaviageme,acostumadoapisarnoasfalto,entrassenaGarniercomumacartaderecomendaçãodumacadêmico.Comoissovailonge!Depoisdas tentativasseparatistasdeSãoPaulo,deMinas,doRioGrandedoSuledoNordeste, o país encontra-se afinal dividido. Realizou-se na literatura o queindivíduosimportantesnãoconseguiramempolítica:tornarindependentesváriascapitaniasdestagrandecolônia.QuemjáviuforadePortoAlegreacaradoSr.EricoVerissimo?Entretanto ele é hoje um romancista notável, um romancistanotabilíssimo.OSr.LinsdoRegofazamaiorpartedosseuslivrosemMaceió,lugar terrível, absolutamente impróprio a esse gênero de trabalho. E a Sra.Rachel de Queiroz produziu excelentes romances numa rede. EstamoscompletamentelivresdaobrigaçãodeiràruadoOuvidorevisitaraslivrarias.2Trabalharemosemqualquerparte,noBrásounoAcre.Correremoso riscodeficar ignorantes, os homens sábios dirão que somos analfabetos. Ficaremosespantadosdescobrindocoisasquehácemanoseramvelhaseescorregaremos

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no solecismo com uma constância desesperadora. Seremos ingênuos eindiscretos narrando as coisas que existem por este mundo ruim, não as quedesejaríamosqueexistissem.Pasmosamenteingênuos.Provavelmenteopúblicose vai enjoar dos nossos palavrões e da nossa simplicidade. E como aconcorrênciaégrande,oseditoresestarãosaciadosdentroempoucoebocejarãodiante das pilhas de manuscritos. Lançaremos com dificuldade um livro quepassará despercebido e dará prejuízo ao livreiro. Queixar-nos-emosamargamente da incompreensão, do mau gosto dos leitores. Parece que estoubancando o profeta e procurando verrumar o futuro. É ummodo de falar: eudevia ter posto isso no presente. Já existe de fato superprodução, pelo que opúblicoprincipiaaaborrecer-sedosnossosprodutos.Épossívelqueaatençãoqueopúbliconosdispensoutenhasidoapenasumentusiasmodefogodepalha.Dentrodealgunsanosestaremosdefinitivamenteesquecidos.Acuriosidadedoleitor estará satisfeita, estancar-se-á a sede de imprevisto e pitoresco. Eandaremos pelas livrarias, acanhados e barbudos, uns coelhonetos semgramática,oferecendoàtoavolumesimprestáveis—Baladilhas,Romanceiro.3Junto comessasporcariasos livrosque escrevemoscomalma.Provavelmenteseremos todos uns vendedores ambulantes ordinários, presentes e passados.Imaginar,copiar,observar.Observamos,semdúvida.Masistonãovalenada.Osmais inteligentesdirãoqueestamos imitandoumasbestascaducas.Acharemosnaturalmentequeistoéumpaísperdido.

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Notas1.ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos,not.12.6.Títuloatribuídopeloorganizador.Texto escrito provavelmente em meados da década de 1930, ainda em Maceió, entre o períodoposterioràpublicaçãodeCaetéseS.Bernardoeaprisãodoescritoremmarçode1936.Trata-sedomomento emque a produção cronística deGraciliano sofre uma inflexão: “Em regra, o autor vaideixandodeladoassuntosrelacionadosàvidasertanejaparatratarbasicamentedeliteratura.Nessesentido, aborda demaneiramais detida as produções nordestinas de seus jovens companheiros degeração. Em linhas gerais, procura valorizá-las atribuindo-lhesmaior verossimilhança artística doque aos demais romances brasileiros escritos até então, sobretudo aqueles feitos por literatos‘oficiais’ da Academia” (SALLA, ThiagoMio.O fio da navalha: Graciliano Ramos e a revistaCultura Política. Tese (doutorado em Comunicação) — Escola de Comunicações e Artes,UniversidadedeSãoPaulo,SãoPaulo,2010,p.96).2.Argumentojáutilizadonacrônica“OromancedoNordeste”,publicadanestaedição.3.AmboslivrosdeautoriadoescritorCoelhoNeto,lançadosrespectivamenteem1894e1898.EmInfância(1945),ojovemGraciliano,aindaafeitoaromancesdeaventura,refere-seaestasmesmasduasobrasparailustrarsuacontrariedadesilenciosaàprosa“insípidaeobscura”doentãoidolatradoescritormaranhense:“Nãomeimportavaabeleza:queriadistrair-mecomaventuras,duelos,viagens,questõesemqueosbonstriunfavameosmalvadosacabavampresosemortos.Incapazderevelarapreferência,resignei-meeaguenteiasBaladilhas,oRomanceiro,outrosaparatoselogiados,quemerevolveramoestômago.Cochileiemcimadeles,devolvi-osreceandoquemeforçassemacomentá-los. Para mim eram chinfrins, mas esta opinião contrariava a experiência alheia. Julguei-meinsuficiente,calei-me,engolibocejos”(RAMOS,Graciliano.Infância.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1953,pp.226-7).

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DEPOISDASAÍDADOCÁRCERE

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UmacartadeGracilianoRamos1

MuriloMiranda:Estou muito agradecido a você, aos membros do júri que me conferiu o

prêmio Lima Barreto, aos colaboradores que, no último número da Revista,contribuíramparamelhorarasituaçãodumromancequenasceuinfelizearrastanas prateleiras das livrarias uma existência bastante precária. Se, depois detantostrabalhosetantosartigos,elecontinuarinédito,aculpanãoterásidodosgenerososamigosque tencionarampublicá-lo:2você,AníbalMachado,ÁlvaroMoreyra,Mário deAndrade, RubemBraga, Peregrino Junior, Tavares Bastos,Oswald de Andrade, Emil Farhat, Jorge Amado, Aydano do Couto Ferraz,Bezerra de Freitas, João da SilvaMello, José Bezerra Gomes, Paulo Saraiva,Portinari, Adami e o misterioso Nicolau Montezuma, o estranho NicolauMontezuma,quenãoéNicolaunemMontezumaesemanifestouhátempo,antesdestaconfusãoemquevivemos.3Eupretendia entender-me pessoalmente comos escritores e os pintores que

olharamcomotimismoexcessivoomeuromancemagroeaminhafigurafísica,magratambém.Nãoofizpordoismotivos.Primeiramenteacheique,tendosidopúblicas asmanifestações de simpatia, os agradecimentos deviam também serimpressos. Em segundo lugar pareceu-me redundância escrever dezoito cartasdiferentesparadizeramesmacoisa.Euencontrarianelasumadupladificuldade:não poderia aceitar a opinião dos meus amigos, sob pena de mostrar-mepresunçoso;nãomeseriapossíveldiscordardelesabertamente,porqueistoseriaimpertinência.Omeuassuntoficariamuitoreduzido.Émelhor fazerumacarta só,umacartaqueexpliqueem ligeiraspalavraso

procedimento de alguns homens que, nos tempos que correm, são verdadeiraspreciosidades.Tenhoacertezadequetodosaíestãodeacordocomigo.Confesso que, nesse negócio de concursos literários, não se leva em conta

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apenasovalordasobrasqueseapresentam.Talvezopúbliconãoacherazoávelquesejaassim,masé.Hásempre fatos importantesqueaplateia ignoraequeinfluemnojulgamento.Olivroconsideradobomporumainstituiçãoérecusadoporoutra—eficamossabendoqueavitóriadequalquerdeleséduvidosa,queojúriqueoescolheuteveointuito,nãodeformularumasentença,masdeofereceraoescritordesconhecidoumestímulonecessário.Adecisão refere-semenos ao trabalho executado que a trabalhos futuros.E

como examinar coisas possíveis é mais difícil que analisar coisas realizadas,explica-se perfeitamente que haja divergência entre os pareceres de váriascomissões.Esse caso do prêmio Lima Barreto é diferente dos outros. Parece que não

houveprecisamentea intençãode julgarum romancenemde saber seoautordelepoderiafazertrabalhomenosmau.Estou convencido de que me quiseram dar uma compensação. Aníbal

Machado, Álvaro Moreyra e Mário de Andrade desfizeram agravos ecombaterammoinhosreais.4Euestavasendotrituradoporumdessesmoinhos.Ea solidariedade de alguns intelectuais brasileiros teve para mim significaçãoextraordinária.Refletindobem,pensoqueoprêmionãofoiconcedidoamim,masavárias

centenas de criaturas que se achavam como eu. Não se tratou de literatura,evidentemente.Oquenãoquerdizerque,achandoadecisãoinjusta,comoacho,eunãoaconsidereumatodecoragemindispensávelnummomentodecovardiageneralizada, ato imensamente útil, se não a mim, pelo menos a outros, quepoderãorespirarcomalívioedizeroquepensam.

AbraçosdeGRACILIANORAMOSRio,11dejunhode1937

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“UmacartadeGracilianoRamos”.RevistaAcadêmica,RiodeJaneiro,nº28,junhode1937.2. Comosesabe,GracilianoaludeaoromanceAngústia (Riode Janeiro:Livraria JoséOlympioEditora,1936),publicadoquandooautoraindaseencontravanocárcereequefoiagraciadocomoPrêmioLimaBarreto,de1936,pelaRevistaAcadêmica.Talperiódicotambémdedicouumvolume,o de número 27, de maio de 1937, à análise do romance e a uma homenagem ao romancistaalagoano.Esteagradecetantooprêmiorecebidoquantoasnotaseartigosconsagradosàsuaobra.3.Napresentemissiva,estágrafado“NicolauMoutezuma”,masGracilianoreporta-sea“NicolauMontezuma”, pseudônimo utilizado pelo jornalista Carlos Lacerda. Com exceção dele, todos osdemais nomes de intelectuais e artistas listados por Graciliano figuram como colaboradores doreferidonúmero27daRevistaAcadêmica,demaiode1937,dedicadoaoartistaalagoano.Contudo,areferênciaao“obscuro”NicolauMontezumasejustifica,poisalgunsmesesantes,nonúmero23damesmaRevistaAcadêmica,denovembrode1936,elepublicaraoartigo“Angústia”,noqualtambémenfocara o agora premiado romance, destacando amestria deGraciliano: “O autor deAngústia é,entre os novos romancistas brasileiros, o romancista mais completo. Não só pela anotação eobservaçãodosatosesentimentosdosseuspersonagens.Étambémpelaexataproporçãodeles,pelasrelações que estabelece entre os personagens e a obra, as criaturas e a criação” (MONTEZUMA,Nicolau[CarlosLacerda].“Angústia”.RevistaAcadêmica,RiodeJaneiro,ano3,nº23,novembrode1936,p.23).Anteriormente,semaindautilizaroreferidopseudônimo,Lacerdapublicara,nomesmoperiódico,acrítica“SãoBernardoeocabodafaca”(RevistaAcadêmica,RiodeJaneiro,nº9,marçode1934). 4. Mais especificamente, os três intelectuais citados eram os membros do júri que conferiu oPrêmio Lima Barreto aAngústia. No topo da primeira página do referido número 27 daRevistaAcadêmica,háaseguintechamada:“OsmembrosdojúrifalamsobreAngústia.”Logoabaixo,têm-se os textos: “Graciliano, Luiz da Silva, Julião Tavares, Marina, etc.”, de Aníbal Machado;“Angústia”,deMáriodeAndrade;e“Umgrandelivro”,deÁlvaroMoreyra.

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JorgeAmado1

Peri, Iracema,aescrava Isaura,oalemãoLenz,oTimbira2—comoessagenteeracomplicadaefalavadifícil!Naflorestabrutaoupelasvizinhançasdasenzala,adotavamsintaxeencrencadíssima,ideiasesentimentosqueosgringosmanifestam nos livros. Todos os heróis, que deliciaram, ou chatearam, nossospais, eram falsos, contrafeitos, mal traduzidos do francês e pessimamentearrumados numa terra que ninguém estudava convenientemente. Os escritoresnacionais viviam no mundo da lua, isto é, viviam aqui na cidade, cavandoqualquercoisanapolítica,naburocraciaounaimprensa,mendigandopistolõeseartigos.AindahápoucosanoseracomumveralgunsgesticulandonaportadoGarnier,vermelhos,suados,embromadoresefamintosdeelogios.Esseshomenscriavam um mundo absurdo, os seus personagens mexiam-se em regiõesdesconhecidas,porqueàsvezesosautoresseenvergonhavamdelocalizá-losemSanta Rita de Passa Quatro ou Jacaré dos Homens. Ou penetravam o sertãobrasileiro,masumsertãoirreal,caluniado,acanalhado.FelizmentePeri,Iracemae os alemães do Sr. Graça Aranha estão mortos. Temos é uma quantidaderazoável de sujeitos bem-intencionados que se propuseram examinarcuidadosamente o que se passa nas plantações de cacau, nos engenhos, nasrepartições, nas casas de cômodos, nos bordéis, nas favelas, nas cadeias, noscolégios,3 homens que abandonaram os salões e as florestas de pano pintado,foram ver como se comportavam os trabalhadores do eito, os presos, osretirantes,osvagabundos,oscriminosos,asprostitutas,osfuncionáriospúblicose as crianças das escolas.4 Um desses observadores, e dos melhores, éincontestavelmenteJorgeAmado.Asuagaleriadetipos,jábemvasta,cadavezmais se enriquece com figurasque elevai arrancar àvidanoRecôncavoenointerior da Bahia. São criaturas admiráveis, definitivamente incorporadas aonossominguadopatrimônio literário,pretosemulatoshabitantesdosmorrose

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dos saveiros, pequena humanidade que semove numa luzmuito forte,Guma,Antonio Balduíno, mestre Manuel, Lívia, Maria Clara, crianças perdidas emalandros, mendigos e contrabandistas, ladrões e macumbeiros, a professoracheiadesonhos indefinidos,amoçadeazulquepassaadistância, imprecisaenebulosa,todosmaisoumenosresignados,maisoumenosfatalistas,agitando-seàs vezes em revoltas bruscas, mas confiantes de ordinário, à espera de ummilagrequeendireiteascoisas.5Nadadecomumentreessascriaturaseosheróisdoromanceantigo,convencionaisearbitrários,híbridosdeselvagemecristão,vazioseenfeitados,absolutamentebonsouabsolutamentemaus.OsmestiçosdeJorgeAmadonão são bons nemmaus, ou antes são as duas coisas aomesmotempo—epor issoconfundem-secomosbrasileirosdecarneeosso,quesãoassim mesmo, bebem e jogam, vão à sessão espírita, acreditam em sonhos,conversam putaria e desejam que falem deles nas folhas. É verdade que osnossosamigosdomorrodoCapaNegro,docais,daladeiradoPelourinhoaindanãochegaramaoespiritismoeàliteraturadasrevistas,masaproximam-sedisso:amamasmacumbasedesejamseraduladosporpoetasbisonhos,emfolhetosdecapa6vistosa,quesevendemporumníquelnasfeiras.Amisériaaquinãonosaparecedepunhos cerrados e rangendodentes: encolhe-se comdoçura, esperaqueascoisasmelhoremeacabemporarranjar-se,confianofeitiço,nasorte,naproteçãodedivindadesbárbarase terríveis.Umsoprodepoesiavarre todasasimundices,perfumaessemonturosocial.Oprópriovíciotemaparênciaamável.Umaprostitutasacia7odesejodovagabundosemdinheiro,amulataEsmeraldaengana o amante inocentemente, alegremente, livre de pecados, um brilho detriunfo nos olhos verdes.8 Muitos crimes circulam nas páginas do escritorbaiano,mascirculamdiscretamente,semacarrancatrágicadodramalhão,semoadjetivo campanudo que deforma os atos simples e naturais. Furtos, roubos,contrabandos,navalhasepunhais,brigasemquantidade.Paraquedarexcessivorelevoafatosordinários?Agente lastima.Éodiabo.Masquesehádefazer?Estavaescrito.Aembarcaçãobateunacoroaeafundou,umhomemnadaalgumtempo e acaba comido pelo tubarão. Naturalmente a viúva chora, lamenta-se,cobre-sedeluto.9Masé issomesmo, tinhadeser,oquetemdeser temmuitaforça.10Coisaestranha.OmundoqueJorgeAmadonosrevelaétãonossoquenos espanta.Vivemos nele, sentimos emnós essas forçasmisteriosas de raçasdiferentes. E no entretanto como ainda o conhecemos pouco! É que nosesforçamosporsaberoquesepassanaEuropaepercorremosonossocaminhocomosolhosfechados.11

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Notas 1. ArquivoGracilianoRamos;Crônicas,Ensaios e Fragmentos;Manuscritos, not. 10.13.Títuloatribuídopeloorganizador.AorealizaraquiumaespéciedebalançodaproduçãopublicadaporJorgeAmadoaté seumomentodeenunciação,Graciliano faz referências, sobretudo, aos romancesSuor(1934), Jubiabá (1935) eMar morto (1936), não avançando além deste último. Como o artistaalagoano fora preso emmarçode 1936, ou seja, antes do lançamento deMarmorto (volume queaindaseencontravanoprelomesesdepois[AMADO,Jorge.“Horadanoite”.BoletimdeAriel,RiodeJaneiro, ano5,nº10, julhode1936,p.257]), e como fora libertoem janeirodoano seguinte,pode-sepressuporqueapresentecrônica tenhasidoescritaporeleapóssuasaídadocárcere,masantesdeJorgeAmado ter lançado, no segundo semestre de 1937, seu próximo livro,Capitães daareia,poisGracilianonãofaznenhumamençãoaessaobranotextoquesegue. 2. Na sequência, remissãoàsobrasOguarani (1857) e Iracema (1865), de José deAlencar;AescravaIsaura(1875),deBernardoGuimarães;Canaã,deGraçaAranha(1902);eaopoemaI-JucaPirama,deGonçalvesDias,reunidonovolumeÚltimoscantos(1851). 3. Sobre a palavra “escola”, escreve “colégio”, o quedificulta a leitura.Optou-sepormanter otermomaissaliente. 4. Emcrônicaanteriorsobreaobradoautorbaiano,Gracilianoutilizaraargumentosimilar:“Osescritores atuais foram estudar o subúrbio, a fábrica, o engenho, a prisão da roça, o colégio doprofessorcambembe.Para issoresignaram-seaabandonaroasfaltoeocafé,viramdepertomuitaporcaria (...). Ouviram gritos, pragas, palavrões e meteram tudo nos livros que escreveram”(RAMOS, Graciliano. “Suor”,Folha de Minas, Belo Horizonte, 17 de fevereiro de 1935. TextotambémrecolhidoemLinhastortas[1962]comotítulo“OromancedeJorgeAmado”).5.ReferênciaapersonagensqueaparecemapenasemJubiabá(AntônioBalduíno),ousomenteemMarmorto(Líviae“aprofessoracheiadesonhos”,queprovavelmenteremeteàdonaDulce,docentequeviviaàesperadeummilagrequemudasseavidadasociedadedepescadoresdocaisdaBahiadeTodososSantos)ou emambosos livros (Guma,MestreManuel eMariaClara).Tem-se ainda “amoça de azul”, figura presente em Suor (1934). As “crianças perdidas e malandros, mendigos econtrabandistas, ladrões e macumbeiros”, apesar de povoarem as três obras aqui mencionadas,ganhammaiordestaquenaúltimadelas,queenfocaumcortiçonaladeiradoPelourinho,68.6.Acimadotermo“capa”,semrasurá-lo,Gracilianoescreve“papel”.Observa-seaindecisãodoautorentreumaeoutrapalavra.Optou-sepormanteraprimeira,pois,emseguida,oescritormanteveoadjetivonofeminino,“vistosa”,oqualconcordaemgênerocom“capa”.7.Indecisãoentreostermos“sacia”e“mata”.Oprimeiroestásobrescritoaosegundo.Comonãohánenhumamarcadeconcordânciaquepermitainferiraprevalênciadeumsobreooutro,optou-sepeloverbosobrescrito.8.PassagensrespectivamentedeSuor(RiodeJaneiro:Record,1998,pp.52-3)eMarmorto(RiodeJaneiro:Record,1995,pp.143-89).9.Indecisãoentreaspalavras“luto”e“preto”.Aprimeiraestásobrescritaàsegunda.Comonãohánenhumamarcade concordânciaquepermita inferir a prevalênciadeuma sobre a outra, optou-sepelotermosobrescrito.10.TalprovérbiojáhaviaaparecidonoromanceAngústia,empassagemposterioraoassassinatodopersonagemJuliãoTavares.(RAMOS,Graciliano.Angústia.RiodeJaneiro:LivrariaJoséOlympioEditora,1953,p.223).11.Aofinaldomanuscrito,viradodeponta-cabeça,tem-seoseguinteparágrafo,quenãoapresentaligaçãoimediataenecessáriacomotextovistoatéaqui:“Paraocidadãoordinárioquelê,ounãolê,

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romancesignificahistóriafiada—eromancistaéumsujeitosemocupação,quepassafome,vesteroupasmedonhasevivenomundodalua.Seresassimdesconchavadosfabricamtipossempénemcabeça,criaçõesabsurdasquenãosepõememcontatocomaspessoasdireitas;sãodesprezados,esóonomeliteratolançaridículoouvergonhaaquemousa.Natural.”

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Mulheres...1

H á alguns dias, percorrendo as salas dumministério para tratar de certonegócio terrivelmente embrulhado, desses que dão aneurismas e cabelosbrancos,eueumamigoencontramosnumerosasfuncionáriasbonitas.Umadelasforneceu-nosinformaçõesbastantevagas:deu-nosdoisoutrêsnúmerose,comos olhos redondos e úmidos, que um ligeiro estrabismo entortava, pareceuindicaradireçãodolugarondeosnossospapéisdeviamestar.Corremos a outro ministério e vimos várias senhoras difíceis entregues a

trabalhos incompreensíveis.Não achamos os nossos papéis, é claro.Andamosem repartições diferentes, voltamos ao primeiro ministério, ao segundo,tornamosavoltar,percorremosinfinitoscanaiscompetentes—eemtodaaparteesbarramos com senhoras atarefadas, que executavam operações estranhas,usavam uma linguagem desesperadamente confusa e recebiam indiferentes asnossasqueixaseosnossosrogos.Comocoraçãogrossoe indignado, resolviabandonaressenegócio infelize

fui deitar umacarta ao correio.Tomei lugarna fila,mas antesque chegasse aminhavezamulherquevendiaselosdeixouoguichê.Espereiumaeternidadeavolta dela e fui-me aproximando devagar, na fila. A carta foi pesada, o selocompradoeumapratafalsarecebidanotroco.Marcheiparaoguichêdosregistrados,ondeumaespéciedemulherportadora

deóculosebastanteidadesemexiacomoumafiguradecâmaralenta.Enquanto me arrastava seguindo os desgraçados que ali estavam sofrendo

comoeu,penseinasdeputadas,nastelefonistas,naprofessoraprimáriaquemeatormentava e nos versos de certa poetisa que em vão tento esquecer.Evidentemente nenhuma dessas pessoas, deputadas, telefonistas, professora epoetisa, tinhaculpadehaveremcorridomalosmeusnegóciosnosministérios,nenhumamederapratafalsa,eeraestupidezresponsabilizá-laspelapreguiçada

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mulher do registrado. Mas relacionei todas e julguei perceber os motivos decertoshábitosnovos.Antigamente, quando uma senhora entrava num carro cheio, havia sempre

sujeitosque se levantavam.Hoje, nos trensdaCentral elasviajamespremidascomonummeeting.Ninguémfumavanosprimeirosbancosdosbondes.Aindaexisteaproibição

numavisogastoemetrificado,quetemomesmovalordosoutrosalexandrinos:ninguém o lê. A autoridade do condutor ficou muito reduzida, e o letreiroproibitivotornou-seleicomoasoutras,artigoderegulamento.Há pouco tempo uma senhora declarou num romance que as mulheres são

diferentes dos homens. É claro. Mas, apesar da diferença, elas se tornaramnossasconcorrentes,econcorrentestemíveis.Euqueriaverumexaminadorquetivesse a coragem de reprovar aquela moça de olhos redondos, úmidos eligeiramenteestrábicos,queencontreiumdiadestesnocorredordoministério.Sóseelefossecego.OSr.PlínioSalgadoqueracabarcomosbanhosdemar,porqueaspernasdas

mulheres se descobrem neles.2 Não vale a pena. São pernas de concorrentes,para bem dizer nem são pernas. Pensa que temos lá tempo de pensar nessascoisas?3 Tinha graça que, nos banhos de mar, fôssemos espiar as canelas damoçadeolhosestrábicosouasdamulherquenosimpingiuumapratafalsadedoismilréis.Nãoolhamos.Seelaschegarempertodoestribodobondecheio,ficaremos sentados porque pagamos passagem e temos o direito de ficarsentados. Isto. Somos pouco mais ou menos iguais, apesar da afirmação damulherdoromance.Vãonoestribo,sequiserem,depingente.Oufiquemjuntodoposte.Vãoparaodiabo.Éisto.Concorrentes,inimigas.Ouamigas.Dátudonomesmo.4

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Mulheres...”VamosLêr!,RiodeJaneiro,anoII,nº65.28deoutubrode1937,p.23.ManuscritopertencenteaoInstitutodeEstudosBrasileiros:ArquivoGracilianoRamos;Manuscritos;Crônicas, ensaios e fragmentos; not. 10.9.Tal versãomanuscrita apresenta pequenasvariaçõesemrelaçãoaotextosaídonaimprensa.Namedidaemqueelasemostracomoumaespéciederascunhoinicial,semdivisõesdeparágrafos,optou-seporconsiderarotestemunhopublicadoemVamosLêr!comotexto-basenapresenteedição,poissesupõequeestesemostrariamaispróximodaúltimaredaçãopretendidapeloautor.2.Nomomentoemquesepassaapresentecrônica,oentãolíderdaAçãoIntegralistaBrasileira,Plínio Salgado, disputava as eleições presidenciais de 1938, as quais seriam canceladas emdecorrência da instauração do Estado Novo, mediante o golpe de 10 de novembro de 1937. Oantiliberalismo, o anticomunismo e a defesa da moralidade católica são uma constante em suaproduçãopolíticaeintelectual.Noquedizrespeitoàmulher,destacavaqueeladeveriaestabelecernãoumarelaçãodeigualdadeperanteohomem,massimdeinterdependência,semperder,portanto,“aconsciênciadoseudestino,osentimentodolar,domatrimônioedamaternidade”(SALGADO,Plínio.Obrascompletas.20vols.SãoPaulo:EditoradasAméricas,1956,vol.5,p.255).Deacordocomtalpontodevistaconservadordeespecializaçãoentreossexos,consideravaquea“coeducação,as promiscuidades e liberdades excessivas hoje correntes nos estabelecimentos de ensino, naindústria,naburocraciaenavidasocial,tudoissolevaàdesvalorizaçãocadavezmaisevidentedamulher” (SALGADO,Plínio.AMulher no século XX. In:Obras completas. 20 vols. São Paulo:Editora das Américas, 1956, vol. 8, p. 304). Ainda sobre a imagem feminina, tratandoespecificamente da nudez, afirmaria em o Espírito da burguesia: “E vós? Não ides à praiapublicamente?Osimplesfatodevosexibirdesnãotransfiguraovossonudismoemostentaçãodasvossas formas, e se nessa ostentação sentis algum prazer, que nome dareis a esse prazer? Eu ochamarei a delícia de mostrar-se e a essa delícia chamarei deleite luxurioso. Etimologicamente,luxúria quer dizer exuberância, ostentação, transbordamento, expansão. Ora, quem se mostra,exubera,ostenta, transborda,expande-seenissohá secretogozo” (SALGADO,Plínio.Espírito daburguesia.In:Obrascompletas.20vols.SãoPaulo:EditoradasAméricas,1956,vol.15,p.142).3.Nomanuscritodapresentecrônica,nesteponto,háaseguinteinterpolação,quefoisuprimidadaversãopublicadaemperiódico,aquiprivilegiada:“Primovivere,parecequeéassimquesedizemlatim.Depoiséquevêmoamoreosfilhos.Osfilhos,apátria,etc.”(InstitutodeEstudosBrasileiros:ArquivoGracilianoRamos;Manuscritos;Crônicas,ensaiosefragmentos;not.10.9). 4. Ao final domanuscrito deste texto, há o seguinte trecho, que foi deixado de fora da versãoestampadaemVamosLêr!,oraapresentada:“Julgamquevamosolharparaaspernasdelas?ParecequeosenhorPlínioSalgadonuncaviupernas.Ninguémsepreocupacomisso”(InstitutodeEstudosBrasileiros:ArquivoGracilianoRamos;Manuscritos;Crônicas,ensaiosefragmentos;not.10.9).

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D.Zizi1

E u ia terminando o jantar quando d. Zizi se sentou, e, como sempreacontece, mostrou os dentes num sorriso amável e principiou a contar casosinteressantesdasuavidanocolégio.Essas conversas agradam-me, porque circulam nelas uns tipos curiosos de

freiraseporqueosdentesded.Zizisãobrancos.Infelizmenteeunãodispunhadetempobastanteparaescutá-la:precisavaescreverumascoisaseporissohaviajantadomal,procurandoumassunto,inutilmente.Apresençaded.Zizipôsemfugaumasideiasqueeutentavasegurar.Olheio

relógio.Comoeramoitohoras,calculeiqueasfreirasseretirariamdecenaalipor volta das onze. Se d. Zizi não se lembrasse de contar-me a sua viagem aCambuquira,acontecimentonotáveljánarradoquatrooucincovezes,aindameseria possível redigir a coluna magra esboçada vagamente durante o jantar.Agarrei-me à esperança de que a coluna engrossaria no decorrer da história eplanteioscotovelosemcimadamesa,resignado,prontoparareceberasfreiras.Vieram: primeiro a madre superiora, boa mulher, a que prestava no

estabelecimento,mas de ordinário invisível; depois as outras,medonhas, sereshipócritas odiados pelas alunas. É o que d. Zizi me diz sempre, e não tenhomotivoparaduvidardela.A minha excelente vizinha rezou tanto que enjoou as rezas, e, como a

obrigaram a ajoelhar-se no chão em cima de caroços demilho, foge da igrejacomoumdiabo.OarrombamentodocofredeS.Joséeconsequenteroubodasmoedasquelá

estavam realizou-se por volta das nove horas. Ouvi a façanha com todas asminudênciaseaproveitei-a,acheiqueasmeninastinhamprocedidocomacertoespoliandoosanto.Animadaporalgumas interjeiçõesque reforçaramosmovimentosdecabeça

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quefiz,d.Ziziatacouaprofessoradefrancês,mulherqueaborreceporcausadoseu comportamento horrível no dia em que a mocinha chegou à porta emcompanhiadonamorado.Istoaconteceupoucomaisoumenosàsnoveemeia,equandoaprofessoradefrancêssedirigiuaotelefone,dezhorastinhampassado,porquehouveumgrandeespalhafato,avelhaameaçando,amoçadefendendo-se,gritandoqueiaaosjornaisnarrarunscasosfeios.D.Zizientusiasmava-secomaantigacolega.Umadornoscotovelosobrigou-

me a retirar da mesa os braços cansados, que sustentavam a cabeça cansada.Penseinosjoelhosagudosdaminhaamiga,nospobresjoelhosqueanosantessehaviammartirizadoemcimadecaroçosdemilho.—Perfeitamente,d.Zizi.Continue.E d. Zizi continuou até onze horas, exatamente o que eu tinha previsto.

Hábitos pretos enchiam a sala de jantar,mãos brancas emagras escondiam-senas mangas largas, olhos parados pregavam-se no chão, beiços amarelosmexiam-sequasesemvida:—LouvadosejaNossoSenhorJesusCristo.—Parasempresejalouvado,bocejavamasalunas.D.Zizi resmungou isso longamenteenuncaseacostumoua resmungar.Fez

caretasàsirmãsquandoelasdavamascostas,abafouníqueisepratasdocofredeS.José.Hojeéímpia,semalma.Entraránoinfernosemnenhumaformalidade.Evaimeterofilhonumcolégiodereligiosos.—Éprecisoqueelevejaissodeperto.Osenhornãoacha?—Perfeitamente,d.Zizi.—Seficardefora,podeenganar-se,imaginarcoisadiferente.Vouinterná-lo.

Nãoébom?—É,d.Zizi.Boanoite.Subiaescadaàsonzeemeia.FelizmenteaviagemaCambuquiranãoveio.

Mas as ideias necessárias ao pagamento da pensão tinham desaparecido.Paciência.Emfaltadecoisamelhor,utilizeionegóciodasfreiraseasopiniõesded.Zizi.

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Nota1.RAMOS,Graciliano.“D.Zizi”.VamosLêr!,RiodeJaneiro,anoII,nº67,11denovembrode1937,p.25.ManuscritopertencenteaoInstitutodeEstudosBrasileiros:ArquivoGracilianoRamos;Manuscritos;Crônicas,ensaiosefragmentos;not.10.8.

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OnegronoBrasil1

Perguntoamimmesmoqual seráacausadessavalorizaçãoexcessivadopretonoBrasil.Temosaimpressãodequeelessubirammuito,nivelaram-seaosbrancos,oupelomenosaproximaram-sedeles, tornaram-seenfimlivres,oquenãohaviamconseguidointeiramenteem88.NocarnavaldesteanoapraçaOnzedeJunhoeoutrospontosdoRiodeJaneiroescureciamdecordõeseescolasdesamba que desciam dos morros, e a cidade parecia ter sido conquistada poralgumatriboafricana.Músicadebatuque,dançasemqueoscorposseagitavamfuriosamente, rebolando os quadris, e as notas ásperas do canto bárbaro,amoroso ou guerreiro, dominando todos os rumores. Nessas manifestaçõestumultuosas um fato novo nos surpreende: a raça negra aparece-nos pelaprimeiravez comoumaafirmação.Até agora ela sempreviveuescondendo-seoutentandoesconder-se,ospretoslegítimos,logoqueselivraramdassenzalas,evitandocomdesconfiançaacompanhiadosbrancos,osmestiçosrenegandoosseusascendentesescuroseprocurandoportodososmeios,caiando-sedepódearroz, espichando os cabelos, contraindo casamentos com mulheres claras,misturar-seàraçaopressora.Faziamcomoosjudeusque,nospiorestemposdaperseguição religiosa, entravam na igreja e ficavam mais intolerantes que osoutroscristãos.Osmulatosbrasileiros,emregrageral,eramarianospuríssimos,eàsvezesnãosecontentavamcomisto,imaginavamcomplicadasgenealogiaseacabavam descobrindo parentela nobre. Muito diferentes dos da América doNorte, que, excluídosdosmeiosondepresumivelmente se encontramos centoporcento,2frequentamasociedadenegra.Aquiistoseriaimpossível,poisnuncativemospropriamenteumasociedadenegra.Astradiçõesafricanasperderam-seoudeturparam-se.Asreligiõessumiram-se,perseguidaspelapolícia.Ossambasesconderam-se timidamente em mocambos. A cozinha fora da Bahia poucosvestígios nos deixou.A raça indígena,mais atrasada, forneceu-nos as receitas

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horríveiscomquesepreparagrandepartedaalimentaçãonoNortedopaís.Aslínguas, comparadas ao tupi, não influíram muito na formação do brasileiroatual. Convém talvez notar que foram professores negros e mulatos os maisferozesdefensoresdagramatiquiceportuguesa,ospioresinimigosdalínguaquefalamos.3Provavelmenteissoeraumrecurso,comoopódearroz,aspomadaspara o cabelo e os casamentos que lhes clareavam os filhos. Quando não sejulgavam suficientemente clareados, os mulatos sempre se disseram caboclos,descendentesdumaraçadecivilizaçãoinferioràdeseuspais,masquenãotinhasuportadoaescravidão.Numaépocaemqueamanianacionalista fazia todaagente se orgulhar de ter sangue índio, isso os aproximava dos brancos. Esseconstrangimentoseculardesapareceu,ouestádesaparecendo.Aspessoasdecorlevantaramacabeça.Seriainteressantesaberarazãodeelashaveremaprumadooespinhaçoenãoseenvergonharemdoquesão.Poderemossuporquedoisfatosimportanteshajamatuadosobreamassanegra,umprofundo,subterrâneo,outrodesuperfície.Oprimeiro,deordemeconômica,ateriaempurradoparacima;osegundo, de natureza cultural, tê-la-ia feito equilibrar-se e manter-se à tona.Refiro-me à elevação do nível de vida do preto e à propaganda feita nestesúltimos anospor sociólogos e romancistas em favor deles.Realmente,mesmonosmaisdurostemposdocativeiro,essagenteprolífica,sóbriaetenazsempreencontroumeio de juntar algumas economias no baú de folha pintada que seocultavaentremolambos,porbaixodaenxerga.Enquantoaraçaconquistadaseacabava miseravelmente em lutas sangrentas ou levada por doençasdesconhecidas, esses dignos auxiliares do conquistador, trabalhando emdomingos e dias santos, conseguiam às vezes acumular as somas necessáriaspara libertar-se. E depois daAbolição, pouco a pouco se fortaleceram, se nãoempregando muita inteligência, pelo menos adotando manhas e ardis que dealguma formaosaproximavamdos judeus.Acoragem resignada, ahumildadequeeraumaarmadonegro,foisubstituídapelaarrogânciadomestiçotriunfante.O desaparecimento repentino do trabalho servil e consequente pobreza dafamíliarural,umurbanismoapressadoferindodemorteoregimepatriarcal,asvicissitudes da indústria açucareira, a policultura substituindo amonocultura eoriginandooretalhamentodoslatifúndios,tudocontribuiuparaquesurgissenanossa vida econômica o proprietário negro, esse pobre-diabo que nascidadezinhasdointeriorandavadechapéunamão,fazendosalamalequesatodaa gente,mas punha os filhos na escola e não raro deixava aomorrer umnetobacharel, promotor público em comarca distante do litoral. É um tipo que setornou vulgar o do chocolate palavroso, risonho, perfumado, furão, homemdotadodeexcelentefaroparadescobrirrelaçõesproveitosasetalvezoprincipalautordessaliteraturaqueporaísedesenvolveu,ricadelugares-comuns,balofae

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agradávelaoouvido,inteiramentedesprovidadeideias.Essecavalheiro,quejáhavia surgido timidamente no Império, mesma época em que era quaseimpossívelotrabalhadorpretoemancipar-seetornar-seproprietário,quandoasrelaçõessexuaisentreohomemnegroeamulherbrancararamenteseefetuavameproduziamvingançashorríveis,eraentãoofrutodosamoresdosenhorcomasmelhoresfêmeasdasenzala.NaRepúblicasubiumuito,ocupouoslugaresmaisimportantes,desejandosempredesaparecer,perderosseuscaracteres,enganareenganar-se. Esse suicídio duma raça originava fatos muito curiosos, que nosenchem de pasmo. Como alguém, referindo-se a Machado de Assis, dissesselevianamente que ele eramulato,Nabuco protestou ressentido, pediu emenda,considerouapalavraumainjúriagraveaopresidentedaAcademia.4UmquadrodePortinari,premiadoemNovaYork,foirecusadoporumministérioporqueopintor havia posto negros trabalhando na apanha do café.5 É convenienterepetirmosissonumaépocaemqueosnegroscomeçamaandarsemmáscaras.Provavelmente já se sentiram bastante fortes para dispensá-las. E a fortalezaaumentou coma convicçãoque lhes deramdeque eles são tãobons comoosoutros.Os trabalhos deGilberto Freyre6 eArthur Ramos7 tiveram nisso umainfluência decisiva. Talvez não seja inoportuno aludir à ação de certosindivíduos,evidentementetraidores,quedefenderamosinteressesdumaraçaouclasse inimiga da deles: nobres e padres apoiando o Terceiro Estado naRevolução Francesa, burgueses abraçando a causa dos trabalhadores naRevoluçãoRussa, brancos defendendo os pretos nosEstadosUnidos.GilbertoFreyreeArthurRamosdeviamsernegros.Nãosão.ComooautordeMambaesuasfilhas.8JulgaramnaEuropaqueestefossepreto.Foramverdepertoeeraumcentoporcento.Surpresaimensa,masoromanceficoudepé,porsinalumexcelente romance. No Congresso Afro-Brasileiro instituído por GilbertoFreyre,9 reúnem-se muitos indivíduos brancos, amigos dos africanos, que láaparecemcomoobjetosdeestudo,paisdesanto,babalorixás,senãomeengano.Maséinegávelqueosbabalorixáscaminhame,deobjetos,setransformarãoemagentes. Há ainda os romances negros de Lins do Rego e Jorge Amado,provavelmentefeitossobainfluênciadaliteraturanegranorte-americana,oudaaçãodeGilbertonoCongressodeRecife.10Talvezasduascoisasjuntas.Comoquer que seja, os personagens mexem-se aí como não se mexiam nos livrosantigos. Na literatura do século passado os pretos surgiam bonzinhos, bem-comportados, as mucamas queriam ser agradáveis às sinhás, as mães pretasdeixavam que os filhos morressem por falta de alimentação e viviamexclusivamentepara amamentar omeninobranco.Agora édiferente.MolequeRicardo e Antonio Balduíno querem viver, metem-se em greves, acabam nas

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prisões.11Sãoospretosatuais,refletidos,inimigosdosbrancos,nãoporqueestestenham cor diferente da deles, mas porque os podem agarrar e mandar paraFernandodeNoronha.12Umaliteraturahonesta,sincera,comtipostãohumanosquepodemter influenciadopersonagensdavidareal,umaartemuitodiferentedessa indianice que nos forneceu caboclos horrivelmente bem-falantes,possuidoresdasmelhoresvirtudes,dasqualidadesmaisnobresdoscavalheiroscristãos.13 Esses selvagens de ópera, moeda falsa definitivamente afastada dacirculação,enfeitaramacenografianacionalista,ondehaviaflorestasepenasdearara,masnãochegavamaoconhecimentodosbugresqueseespreguiçavamecochilavam, perdidos no fundo das malocas tristes. Os moleques do romancemoderno são amigos dos moleques vivos, que, sentindo-se retratados nessasadmiráveisfigurascriadaspornossosescritoresnovos,afinalcompreendemquenãosedevemenvergonharequeessahistóriaderaçainferiorfoiumaconversacontadaporindivíduosbemarmadosparaseaproveitaremdotrabalhodeles.

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Notas 1. ArquivoGracilianoRamos;Crônicas,Ensaios e Fragmentos;Manuscritos, not. 10.10.Títuloatribuídopeloorganizador.Pelasreferênciaspresentesnotexto,elefoiescrito,muitoprovavelmente,no final da décadade1930, nummomento emqueGraciliano já se havia estabelecidonoRiodeJaneirodepoisdesuasaídadocárcere. 2. Definição de ordem racial utilizada para designar aqueles considerados 100% caucasianos,sobretudonosEstadosUnidos,onde,porexemplo,emmarçode1924,aAssembleiaLegislativadaVirgíniaaprovarao“ActtoPreserveRacialIntegrity”,medidarestritivaquedividiaasociedadeemapenasduascategorias—“white”e“colored”—,bemcomovedavaocasamentodebrancoscomnãobrancos(JACKSON,JohnP.Scienceforsegregation:race,law,andthecaseagainstBrownv.BoardofEducation.NovaYork:NewYorkUniversityPress,2005,pp.30-2). 3. EmInfância (1945),Gracilianofaz referênciaexplícitaadoisprofessoresmulatosque teriammarcadosuainiciaçãoàsletras:d.MariadoÓeumlentereferidoapenascomo“mestiço”.Emlinhasgerais,asduasfigurasseriammarcadaspelaviolêncianotratocomosalunos,pelonarcisismoepelodesejo de “embranquecer”. No que diz respeito à última delas, apresenta-o como um sujeito que“passava os dias alisando o pixaim com uma escova de cabelos duros”,mas “azeite e banha nãodomavamacarapinha—eodono teimava,esfregava-aconstantemente,mirando-senumespelho,namorando-se, mordendo a ponta da língua. Era feio, quase negro— e a feiura e o pretume oafligiam” (RAMOS,Graciliano. Infância.Riode Janeiro:Livraria JoséOlympioEditora, 1953, p.179).Quandoopódearrozsefixavaadequadamentena“suapeleazinhavrada”eoóleoassentavaos“pelosrebeldes”emseu“crâniomiúdo”,oprofessor“pardavasco”tomavaaescritadosalunossemgrandescuidadosecobranças.Poroutrolado,quando“nãoseachavalisoealvacento,azedava-se”e“repentina aspereza substituía a doçura comum”: “E consertava-nos furiosamente a pronúncia,obediente a vírgulas e pontos, forçava-nos a repetir uma frase dez vezes, punha notas baixas nasescritas, rasgando o papel (...). Nesse policiamento súbito acuávamos — e as folhas virgensendureciam”(idem,p.181).Poroutrolado,asimpatiaeaadmiraçãodeGracilianopor indivíduosnegros que se assumiam enquanto tais, pautando-se por uma vida simples, honesta e laboriosa,tornam-sesalientesnascrônicas“Odr.Jacarandá”,deViventesdasAlagoas(RiodeJaneiro:Record,2007, pp. 25-8), e, sobretudo, em “Um homem forte”, reunida emLinhas tortas (Rio de Janeiro:Record,2005,pp.336-9). 4. Graciliano alude ao episódio no qual JoséVeríssimo, com o intuito de recuperar as origenshumildes deMachado deAssis, em artigo encomiástico dirigido ao autor deDomCasmurro, queentãoacabavademorrer,teriasereferidoaelecomo“mulato”.“JoaquimNabuco,queleuotexto,rapidamentepercebeuofaux-paserecomendouasupressãodapalavra,insistindoqueMachadonãoteriagostadodela”(COSTA,EmíliaViottida.DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos.SãoPaulo:FundaçãoEditoradaUnesp,1999,p.376).Nabucoteriadestacadoaindaqueotermo,alémdenãoliterário,seriapejorativo:“OMachadoparamimeraumbrancoecreioqueportalsetomava”(idem,ibidem). 5. Referência à obra deCandidoPortinariCafé (1935), que recebeu a 2ªMenção Honrosa doCarnegieInstitute(Pittsburgh,PA),em1935.Trata-sedoprimeiroprêmioestrangeiroconcedidoaoartistapaulista.AntesdetersidolaureadanosEstadosUnidos,areferidatelajáhaviasidoadquiridapeloministrodaEducação,GustavoCapanema,passandoafazerpartedoacervodoMuseuNacionalde Belas-Artes, (PROJETO PORTINARI.Cronobiografia de CandidoPortinari, p. 9. Disponívelem: <http://www.portinari.org.br/ ppsite/ppacervo/cronobio.pdf>. Acesso em: 15 de setembro de2011).Apesar disso, em 1937, toda uma série de quadros destinada àExposição Internacional de

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Paris teria sido recusadapelogovernobrasileiro,“somenteporqueentreeles seachavaoCafé, deCandidoPortinari”(ROSA,Santa.“Aderrotadospreconceitos”.RevistadoBrasil,Riode Janeiro,ano II,3ª fase,nº14,agostode1939,p.95).SantaRosa indigna-se contrao fato, questionando arecomendação,atéentãovigenteentreosburocratasqueselecionavamobrasdeartesarepresentaremopaísemmostrasesalõesnoexterior,“denãoseremenviadostrabalhoscujotemasejaavidadopovo,contendo,consequentemente,gentepretaegentemulata”(idem,ibidem). 6. GilbertoFreyre: influenteescritoresociólogo,autorde,entreoutros,Casa-grande&senzala(1933)eSobradosemucambos(1936).Colocou-secomocríticodoracismobiológicoaindavigentenasprimeirasdécadasdo séculoXX,pautando-sepelavalorizaçãodocaráter sincréticodaculturabrasileira.FoiresponsávelpelarealizaçãodoICongressoAfro-BrasileironoRecifeentre11e16denovembrode1934.Aoaludir à iniciativa “vitoriosa”deFreyredeorganizar tal evento,Roquette-Pinto destacava: “O negro esperou bastante; mas valeu a pena. Consagraram-lhe um pequenomonumento—singelocomoaprópriaverdade,semretóricaesemlantejoulas—algunsdosmaioresespíritos do Brasil de hoje” (ROQUETTE-PINTO, E. “Prefácio”. In: FREYRE, Gilberto Freyre(org.),Estudosafro-brasileiros.RiodeJaneiro:Ariel,1935,p.IV). 7. ArthurRamos: antropólogo, etnólogo, médico e folclorista, autor de, entre outros,O negrobrasileiro(1934),Ofolk-lorenegronoBrasil (1935)eAsculturasnegrasnoNovoMundo (1937).Prefaciou a obraNovos estudos afro-brasileiros (1937), um dos volumes que procurou reunir ostrabalhos apresentados no I Congresso Afro-Brasileiro do Recife de 1934. Conforme sublinhouGilbertoFreyre,ArthurRamosseria“amaiorautoridadebrasileiraemassuntosnegros”(FREYRE,Gilberto.“OquefoioCongressoBrasileirodoRecife”. In:Novosestudosafro-brasileiros.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1937,p.352). 8. Referência aDuBoseHeyward, escritor norte-americano, caucasiano e sulista, que, além deMambaesuasfilhas(1929),foiautordePorgy(1925),livroquetambémtinhacomomoteassuntosdeordemracialeavidadosafro-americanosnaCarolinadoSul,estadonataldoartista (FLORA,JosephM.eVOGEL,Amber [orgs.].Southernwriters:anewbiographicaldictionary. Louisiana:LouisianaStateUniversityPress,2006,p.198). 9. Menção ao já referido I CongressoAfro-Brasileiro realizado emRecife, em 1934, encontrodedicado,sobretudo,àanálisedasituaçãodonegroedomulatobrasileiros,suaantropologiaesuaimportância na formação da sociedade e cultura nacionais. O evento reuniu não só doutores eeruditos,mastambémbabalorixás,rainhasdemaracatu,pretasdefogareiro,entreoutrasfigurasquepossuíamumconhecimentomaisdiretodosassuntosabordadosduranteoevento.“OCongressodoRecife, com toda a sua simplicidade, deu novo feitio e novo sabor aos estudos afro-brasileiros,libertando-os do exclusivismo acadêmico e cientificista das escolas ‘rígidas’, por um lado, e poroutros,daleviandadeedaligeirezadosquecultivamoassuntoporsimplesgostodopitoresco,porliteratice,porpolitiquice,porestetismo,semumsentidosocialmaisprofundodosfatos”(FREYRE,Gilberto,op.cit.,p.351).10.NoICongressoAfro-BrasileirodoRecife,JorgeAmadoexpôsotrabalho“‘BibliotecadoPovo’e ‘Coleção Moderna”’, nomes de duas coleções de trovas, ABCs, histórias, orações, recitativos,pertencentesaofolclorenegroepopular,dasquaisoautorbaianoretiraalgunstextosqueapresentaaopúblico[verFREYRE,Gilberto[org.].Novosestudosafro-brasileiros.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1937,pp.262-324).11.Protagonistas,respectivamente,dosromancesOmolequeRicardo(1935),deJoséLinsdoRego,eJubiabá(1935),deJorgeAmado.12.ArquipélagosituadonoNordestebrasileiroqueabrigoupormaisdeduzentosanosumacolôniapenal.Nosanos1930,pordeterminaçãodeGetúlioVargas, tal instituiçãopassouaabrigarnão sópresoscomuns,mastambémpresospolíticos.“ComaentradadoBrasilnaSegundaGuerraMundial,opresídio foiextintoea ilhapassoua serutilizadaparaadefesanacional” (BOJUNGA,Claudia.“Reportagem—Ailha-prisão”.RevistadeHistória,RiodeJaneiro,nº56,maiode2010).13.Quantoataiscríticasaoindianismo,Gracilianoparecefazeralusão,sobretudo,àsobrasdeJosé

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deAlencaredeGonçalvesDias(veracrônica“JorgeAmado”,presentenestevolume).

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Umanúncio1

LeionumjornaldebastantecirculaçãonacapitaldaRepúblicaesteanúnciocurioso em letras grandes: “Intelectual sem emprego.AmadeuAmaral Júnior,jornalista desempregado, aceita esmolas, donativos, roupa velha, pãodormido...”.Sintoumarrepioeacompanhodelongeosdiferentesgestosefrasesque essa publicação naturalmente provocaria entre as diversas espécies deleitores — razões espalhadas e incompletas, fragmentos de verdadescontraditórias. E, como os outros leitores, penso coisas inconciliáveis, deixoescapar,numespantoverdadeiro,algumasexclamaçõesdesentidovário.A primeira ideia que me chega é desfavorável a Amadeu Amaral Júnior

homem de letras, agora inúteis:2 acho que ele procedeu mal expondo comfranqueza as suas necessidades. Evidentemente esse apelo à caridade que seimprime nos diários traz prejuízo à numerosa e vaga classe dos intelectuais.Afinalquevemaserisso?Quaissãoosmembrosdessaclasse?Osqueescrevemparaselivrardotédio,investigamquestõesdifíceiselevantamacabeça—ouosqueproduzemartigosdeencomenda,atrapalham-senasdívidaseolhamochãocomdesgosto,porqueosburacosdossapatosinsubstituíveisaumentam?Amadeu Amaral Júnior, articulista sem trabalho, não pertence ao primeiro

grupo, é claro. Mas o público ignora essas diferenças. Pois um sujeito queescreve declara em anúncio que tem fome e anda com as calças furadas?Ninguém pergunta donde veio Amadeu Amaral Júnior, que fez, que ideiasustentou ou combateu.Ninguémpergunta se ele tem ideias.AmadeuAmaralJúnioraparececomoescritor,numcantodejornal,pedindoesmolas,porquetemoestômagovazioeacamisaemtiras.Éhorrível.—Literatura!Bocejaumfuncionáriodesubúrbio.Naopiniãodele,umescritornãopossui estômagonemcamisa.Oescritor é

um símbolo. E o país necessita de símbolos. Amadeu Amaral Júnior, esse

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homemlouroefichado,éumsímbolo.Nãodeveriatrazer-nosoespetáculodassuas misérias: sapatos estragados e fundilhos rotos, incompatíveis com aprofissãodesímbolo.Osmeussentimentosbrigam,umagrandepiedademeatiraaAmadeuAmaral

Júnior. Agora não julgo que ele tenha procedido mal. Vejo-o desocupado,trocandoaspernaspelascalçadas,forjandoàtoaprojetosirrealizáveis,rondandoasmesasdoscaféssempodersentar-se.Osníqueissesumirameéprecisonãoampliar o rasgão das calças. PobreAmadeuAmaral Júnior. Em casa, na casapiorqueacadeia,noquartoescurodapensãodesconhecida,talvezuseaquelasmedonhas cuecas pretas que vestia há dois anos, passe as noites caminhandocomo um sonâmbulo ou compondo, para não perder o hábito, dezenas decrônicasqueficaminéditasounãorepresentamvalor.Refletindo,digocomigoqueojornalistanãofoiimpudenteexibindo-seassim

cheiodeprecisões,comoscotovelosroídoseasbainhasdascalçasesfiapadas.Épossível que ele tenha sido impelido por um excesso de amor-próprio, umavaidade imensa que os fiapos das bainhas e as manchas do casaco irritam.Comparando-se a outros que estão livres dessas inconveniências, reputa-seacimademuitos—epublicao seuescandalosopedido lembrando-sede tiposilustres que mendigaram. Considera-se vítima duma injustiça. O anúnciobarulhentonãoé,pois,declaraçãodeinsuficiênciadoautor,égritodeprotesto,ataque à sociedade que não compreende. Amadeu Amaral Júnior nos aparececomocriançazangadaquenãopodesofreremsilêncio,bateopéedesejaquetodosconheçamasuazanga.Seeledispusessedumacolunadejornalasuapobrezaseriamenorerevelar-

se-ia sob forma artística; não dispondo, redige com raiva o anúncioespalhafatoso.Oseuofícioéredigir,nãosabefazeroutracoisaenãoquerficarde braços cruzados. Lança a queixa violenta, que, pelomenos durante algunsdias,chamaráparaeleaatençãodopúblico.EnfimoprocedimentodeAmadeuAmaralJúniormostracoragem.Supomosa

princípio que ele não está com a cabeça regulando bem e acabamosreconhecendoqueoseuatonãofoitãodesarrazoadocomoparecia.Oqueháéquenãoestamoshabituadosalercoisasdessegênero.MassetodososliteratosfossemfrancoscomoAmadeuAmaralJúnior,quantospedidosderoupavelha,níqueis e pão duro surgiriam nas folhas! Se elas quisessem publicar isso degraça,naturalmente.3

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Umanúncio”.Esfera—revistadeletras,arteseciências,RiodeJaneiro,ano1,nº1,maiode1938,p.7. 2. Em suasMemórias do cárcere, Graciliano faz referência a ele, então seu companheiro noPavilhãodosPrimários:“Outrafiguramechamouaatenção,AmadeuAmaralJúnior,arcabouçodetorre,olhosprofundamenteazuis,cabeleiraaneladacobrindo-lheasorelhas,prometendochegaraosombros.Vestiaumacuecapretaecalçavaenormestamancosruidososquepezunhavamcomocascos.Jornalista,desenfastiava-senaprisãoredigindonovelas.Exibiu-meumcontobemchocho,amostradas suas possibilidades literárias.Devolvi-o constrangido, esforçando-me em vão por indicar neleideiaouformarazoável,masoautoreximiu-medacortesiafalsa:indiferenteaelogios,asseverava,napalavraenogesto,ograndevalordoseutrabalho”(RAMOS,Graciliano.Memóriasdocárcere,4vols.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1953,vol.2,p.18). 3. Gracilianovoltariaa tomarasdificuldadesenfrentadaspeloantigocolegadecárcereAmadeuAmaralJúniorcomoobjetodeumanovacrônica.Trata-sedotexto“Umamigoemtalas”,recolhidoemLinhastortas,noqualoescritoralagoanodestaca:“Oanúncionãoproduziunenhumefeito,éoque,mesesdepois, nosdeclaraAmadeuAmaralJúnior: ‘Minha situação continua preta.Reitero oapelo às almas bem formadas: deem de comer a quem tem fome, uma fome atávica, milenária.Deem-metrabalho.’E,catalogandoassuashabilidades:‘Escrevopoesias,crônicas,contos(policiais,psicológicos, de aventura, de terror, de mistério), novelas, discursos, conferências. Sei inglês,francês, italiano, espanhol e um bocado de alemão.Deem-me trabalho pelo amor deDeus ou dodiabo’”(Linhastortas.RiodeJaneiro:Record,2005,p.177).

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UmlivroinéditoII1

R eferindo-me há dias a um livro curioso que li em 1939,2 de autordesconhecido,rigorosamenteinédito,recebideGilbertoFreyreestepedido:—Conte-meissonumartigoparaaProvíncia.3Éoquedesejamos,descobrir

valores,apresentargentenova.No primeiro momento achei o programa, com franqueza, supérfluo. Tem

surgido espontaneamente nestes últimos tempos tanta gente nova de valordiscutívelquemepareceuarriscadoincentivarnovasestreias,estimularfracassoe desilusões. Pessimismo desarrazoado, evidentemente. As obras ruins queinundaram omercado no decênio agora findo não prejudicam, ou prejudicampouco,asboas.Aliásnãosetratadessacontribuiçãovoluntária,doscavalheirostipoOrante4 quepagampara ser literatos: invademcertas sociedadesde letrasmundanas, financiam edições, derramam-se nas dedicatórias, mendigam unselogiospingadosno rodapé,cavampistolõesparametercolaboraçõesgratuitasnossuplementosdominicais.Arevistapretendeédesentocarossujeitosqueporaí vivem, no interior, no subúrbio, na capital de segunda classe, estudando,examinando, anotando, e um dia se resolvem a jogar no papel fatos e ideias,arranjamcoisasqueonossopúblico,encharcadodetraduçõescinematográficas,recebe com desconfiança. Em geral esses homens não têm nenhum desejo decelebrizar-se: leem, combinam observações próprias com observações alheias,porqueonaturaldeleséisto,ler,combinar,masnãofazemquestãodeconservar-se anônimos. São indiferentes à pequena fama que obtemos, escondem-setímidos, receosos talvezde,caindona livrariaeno jornal,perturbaro trabalhopaciente e desinteressado a que se dedicam.O urso quemencionei aGilbertoFreyre deve ocultar-se por orgulho. Mandou, há dois anos, quinhentas folhasdatilografadasaoconcursodecontosdalivrariaJoséOlympio,foiatéofimdojulgamentoemcompanhiadeLuísJardim,perdeuporumvoto.Eamoitou-se,

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naturalmente indignado; maldizendo o júri, pelo menos parte dele, até certoponto com razão.5 Nada mais precário que essas escolhas por sufrágio. Nãoexiste um critério, há critérios, e isto ocasiona desordem. Um jurado embirracom um concorrente porque tem opiniões políticas diferentes das dele, outroporqueaadjetivaçãolhedesagrada.Impossívelestabelecer-seharmonia.Masoautor vencido tem um recurso: levanta os ombros, considera os juízes unsidiotas, continua a escrever e publica a obra derrotada, para demonstrar quehouve injustiça. O contista referido tomou o pinhão na unha e conservou-seincógnito, não obstante várias pessoas se terem esforçado por conhecê-lo, atéindivíduosquevotaramcontraele.6UsouopseudônimodeViator,temjeitodemédico,mora,oumorou,naroça.Éoquesabemos.Ignoramosdeleaidade,acor, a índole. Contudo nesse calhamaço de quinhentas folhas, lido por meiadúziadepessoas e logo recolhidoavaramente,há coisasótimas.Sequisermosserhonestos,devemosdizerqueháoutrasmuitoruins,eistonosdesconcerta:osamorespiegasdumengenheirocomumaprofessorinhadegrupoescolar,amorteinverossímil de um médico transformado, por desgostos excessivos, emtrabalhador de enxada, algumas páginas de mau gosto que chegam àdeclamação, à propaganda, ao arrazoado.Numa delas quase nos avisa de queaquilonãoéanúnciode soroantiofídico.Mordedurasdeconsciência,precisãodedesfazerpassagensquesósedesfariamseoautortivessetidoacoragemderasgar papel escrito. Junto a isso certa preciosidade de linguagem e certamonotonia,cadênciadeembalodarede.Numperíodolongosucedem-sedezoitoou dezenove versos de seis sílabas, rigorosamentemedidos. Estes reparos sãouma impertinência, é claro. Ninguém tem o direito de fazer restrições a umtrabalhoquenãoveioalume.Omeuintuito,porém,é,exibindodefeitos,pôremevidênciaasqualidadesboasdo livro,quesobemuitooudescedemais,nuncasendomedíocre.Foramprovavelmenteessesaltosebaixosqueoprejudicaram.Como é enorme, ainda ficaria de tamanho considerável se o expurgassem daprofessora, do engenheiro, do médico, da advocacia mais ou menos clara.Teríamosumaexcelente coleçãode contos—ahistóriahumanadeLalino, asviagenscomplicadasdedoiscriminososqueseprocurameevitamnosertão,oadmirável fim do compadre Joãozinho Bembem, uma conversa de bois, casosério, dos mais sérios levados a efeito por estas latitudes. O diálogo vivo, adescrição exata, a narrativa segura. Conhecimento perfeito do meio e dosassuntos tratados.Estamoslongedosertãofalso,apresentadoporcidadãosquedelenãotinhamnenhumanotícia.Nadadetransplantação,deadaptaçãoforçada.Nãotemosaquiumdramachegadopelocorreioe,traduzidoconvenientemente,postoemcenacomatoresescolhidosnapopulaçãodosnossoscafundós.Tudo

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real,nacionalebárbaro.Alémdeconhecerbemoshomenseaterra,esseViatoréumanimalistanotável.Certoosseusanimaissãocriaturashumanas,comoosdenumerososescritoresqueseocupamdebichosfalantesepensantes;acobraque aparece de pele nova é parente da Kaa de Kipling.7 Isto não lhes tira averossimilhança.Essasfigurasconvencionais—osbois,umburroqueatravessaum rio cheio e salva o cavaleiro bêbado — estão admiravelmente fixadas ecomovem.Vem-mede novo a ideia de que estes ligeiros comentários são, aténoselogios,inconvenienteseindiscretos.Nãohá,porém,outromeioderevelaraexistência dum escritor macambúzio, enroscado, descrente do juízo alheio,talvezdoseuprópriojuízo.Lembrando-sedoaborrecimentoqueteveem1939,Viatoralgumasvezesexaminarácomcertezaasboaspáginasquefez,julgar-se-ávítima dum logro, prometerá não reincidir; outras vezes notará desgostosoalgumas falhas existentes, exagerá-las-á, dirá pessimista que elas se estendem,racham toda a obra — e considerar-se-á inepto, não terá nenhum prazer emvoltaràcompanhiadeLalinoedocompadreJoãozinhoBembem.Enquantosegasta nessa alternativa dolorosa, criaturas hábeis, livres de dúvida, furamcaminho, avançam, oferecem-se descaradamente, pedem, rebaixam-se emdemasia e aí formam o pulo: quando menos esperamos, surgem lá em cima,decidindo, uns figurões. De malabaristas semelhantes, insensíveis e semescrúpulos,nadaesperamos.MasViatoréumaespéciede tatu.Nãoseriamauque a revista publicasse algumas linhas em tipo graúdo, com este apelo:“Gratifica-se a pessoa que trouxer a esta redação o conto ‘Conversa de bois’,vistoporcincoouseisliteratosedesaparecidomisteriosamentehádoisanos.Oautor, homemesquivo, de hábitos ambulatórios, andoupelo interior doBrasil,estudandopacientementebrutos,cristãoseplantas.Faltamoutrasindicações.”

5dejaneirode1941

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Notas 1. Manuscrito pertencente à CasaMuseu Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios. CrônicatambémpublicadanarevistaTeresa,SãoPaulo,Ed.34,nº2,2001,pp.82-5.Nooriginal,houveasupressãodo título“Umlivro inédito”, riscadopelocronista,muitoprovavelmenteporqueele jáoutilizara anteriormente em texto datado de 20 de agosto de 1939, que seria depois recolhido emLinhastortas.Foiporissoque,napresenteedição,optou-sepornomeartalescritocomo“UmlivroinéditoII”. 2. Gracilianofazreferênciaaovolumeexaminadoporeletrêsanosantes,quandofiguraracomojuradodoconcursodecontos“HumbertodeCampos”,instituídopelaLivrariaEditoraJoséOlympioem1938,nãoem1939.Comosesabe,oautordeVidassecasaludeaumaprimeiraversãodoqueviriaa serSagarana (1946), obrade estreiade JoãoGuimarãesRosa.Este participara do referidocertame encoberto pelo pseudônimoViator, o qual só seria desvendado pelo escritor alagoano em1946, conforme destaca na crônica “Conversa de bastidores” (texto publicado emA casa,Rio deJaneiro,junhode1946;TribunadeSantos,Santos,6junhode1946;erecolhidoemLinhas tortas,SãoPaulo:Martins,1962).3.TextoaparentementeescritoparaarevistaProvíncia,projetodeperiódicoqueseriacodirigidoporGilberto Freyre eEricoVerissimo e começaria a circular emmarço de 1941.Gilberto Freyreexplicaqueoveículoteriacomoprogramavalorizarearticularasenergiascriadorasprovincianasdopaís,semprejuízodasrelaçõesdestascomorestantedaAméricaecomomundo(MELLO,Arnonde.“EntrevistacomGilbertoFreyre”.DiáriodePernambuco,Pernambuco,12dejaneirode1942).EmcartaenviadaaOlívioMontenegro,oautordeCasa-grande&senzalaindicaaindaqueaeditoragaúchaLivrariadoGloboseencarregariadeviabilizarapublicação,poisestaria“dispostaaperderdinheiro numa revista séria, de literatura” (FREYRE, Gilberto.Cartas do próprio punho sobrepessoas e coisas doBrasil e do estrangeiro. Rio de Janeiro:MEC, 1978, p. 235).Ao anunciar olançamentodeProvíncia,aRevistadoBrasilexaltaosnomesdeseusfuturosdiretores,sublinhandoqueela“nãosealistaránoroldastãonumerosaseefêmeraspublicaçõesquesurgemedesaparecemórfãsdointeressedopequenogrupodepessoasquenoBrasilnãofazemdaliteraturatrampolimdepequenasambiçõesindividuais”(“PROVÍNCIA”.RevistadoBrasil,RiodeJaneiro,3ªfase,anoIV,nº 31, janeiro de 1941). Contudo, percebe-se que a revista nem chegou a ser publicada. Não háregistros dela nas hemerotecas brasileiras. Tem-se notícia apenas do periódico porto-alegrenseProvíncia de São Pedro, lançado em junho de 1945, pela referida Livraria Editora Globo, sob adireção deMoysés Vellinho, da qual Erico Verissimo e Gilberto Freyre figuravam apenas comocolaboradores ocasionais. Em tal veículo, Graciliano publicou os textos “Baleia” e “Minsk”,respectivamente em setembro de 1945 (nº 2) emarço de 1946 (nº 4).Mediante esta iniciativa, oescritoralagoanoprocuravapromoversuasHistóriasincompletas,editadaspelamesmaLivrariadoGloboem1946,obraquereuniaosdoiscontosreferidos. 4. Personagem da comédiaLes facheux (1661), deMolière. No segundo ato, juntamente comClymène, talsenhoraabordaÉrastes,protagonistadapeça,paraqueestearbitreumadisputasobrequal seria o amante perfeito. EnquantoClymène revela predileção por homens violentos em suaspaixões, Orante prefere aqueles que se mostram gentis e respeitadores (GAINES, James F. TheMolièreencyclopedia.Westport,Conn:GreenwoodPress,2002).5.OreferidojúrieracompostoporPrudentedeMoraesNeto,MarquesRebelo,PeregrinoJúnior,DiasdaCostaepelopróprioGraciliano.OsdoisprimeirosoptaramporViator;osdoisúltimosporLuís Jardim. O voto deminerva em favor de Jardim teria cabido a Peregrino Júnior (MORAES,Dênisde.OvelhoGraça.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1992,pp.175-6).

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6.Oescritoralagoanoaludeasimesmo,umavezque,depoisdehesitar,optarapelaobraMariaPerigosa, de Luís Jardim. Porém, após o escrutínio, passou a reivindicar que Viator saísse doanonimatoequeaobradestetambémfosseeditada:“ÉprecisoqueolivrodeViatorsejapublicado”(RAMOS,Graciliano,op.cit.,p.217). 7. Animal imaginado por RudyardKipling que aparece inicialmente em seu The jungle book(1894).

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Umatentativadeexplicação1

OSr.JoséOsórioOliveira,ensaístaecríticoportuguês,apropósitodeumconcurso da Revista Acadêmica, para saber quais os melhores romancesbrasileiros, escreveu um artigo em que,2 depois de citar numerosos livros deliteraturabrasileira,dela sedespedia,maldissimulandoumrancor justo.3Esseartigo,anterioràBlitzkrieg,aindaéoportuno.Depoisdelemuitagentenasceu,mais gente morreu, e os habitantes de cidades grandes começaram a dormirdebaixodochãocomotatus.Mas, graças a Deus, estamos longe disso, pelo menos por enquanto, e

podemos,comodizopoetaCarlosDrummonddeAndrade,beberhonradamenteanossacerveja.Bebendoacerveja,comfatalismo,esperandoserchamadosaotribunal divino antes que ela se acabe, esquecemos os bombardeios aéreos,pensamosnasletrasnacionais,coitadas,enodescontentamentodumamigoquese cansou de nos prestar favores e afinal se aborreceu da nossa ingrataindiferença.O Sr. José Osório de Oliveira tem razão. Contudo várias pessoas ficaram

magoadascomele,talvezigualmentecomrazão.Oquehánestecasoéapenasumequívoco;tantonosdiferençamosdoseuropeusquejánemnosentendemos.Serábomtentarmos,emboratarde,umaexplicaçãodessenegócio.Oescritorportuguêsdesejouquenoscomportássemoscomoseestivéssemosà

direitadoAtlântico,aonorte;aquiimaginaramqueoSr.JoséOsóriodeOliveira,tendo vivido no Rio, conhecesse os nossos hábitos e os tolerasse. Para oestrangeiro doVelhoMundo a correspondência é coisa séria.O cidadão enviaumbilheteaoutro,nãoobtémresposta—enaturalmenteseofende:écomosefalasseaumindivíduoeesteseconservassecalado.Nós,brasileiros,sabemosoquesedevefazer,masprocedemosdemodocontrário.Deixamosparaamanhãasconversascompessoasausentes,arranjamosnovoprazo,ascartasfervilham,

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envelhecem—eexcelentesrelaçõesdesanimam.Épossívelque anossadescortesia seja involuntária.Talvezpreguiça, talvez

excesso de escrúpulo, receio de, arrumando algumas linhas à pressa, cometerleviandades, dizer inconveniências. A verdade é que somos assim. Nãoagradecemos os livros que nos remetem, não agradecemos as críticas que nosdispensam.Apoiamo-nosemdesculpasfrágeis:oslivrosaindanãoforamlidosou nos desagradam, recusamos o juízo do crítico.Evasivas: se admirarmos oslivros,aceitarmosacrítica,tambémpermaneceremosemsilêncio.Certamentenosconsiderambárbaros.Esomos.Aextremaurbanidadereside

noextremooriente.Àmedidaqueavançamparaoeste,ospovossetornamcadavezmenosmesureiros.NoBrasilatingimosaculminância.Nossos vizinhos não se espantam. Por estes meridianos mais próximos o

defeitoaquenosreferimosécomum.SerecebermosumapropostadequalquerpaísdaAméricadoSul e, contrariandoomaucostume,nos interessarmosporela,équasecertoqueoaviãodaPanairvailevaraoproponenteumpapelquejánãoteráparaelenenhumasignificação.Realmente há entre nós quem ponha os seus escritos em ordem e numa

gavetinhadobureauguardeasfolhastimbradas,osenvelopes,ofrascodegomaeacaixadeselos. Isto,porém,éexceção:ascensurasquenosvêmdeLisboamostramqueemgeralsomosdesleixados.Poderemos justificar-nos dizendo que possuímos ideias escassas, as

indispensáveisàcomposiçãodanossaminguadaliteratura.Seremoscomefeitoliteratos?Estenomeencerravaaindahápoucoumsentidoprejudicial,herançaprovável do tempo em que arte era indício de boêmia e sujeira. Escrevemosefetivamente, mas desconfiados, no íntimo desgostosos com um gênero detrabalhoquenãopodeserprofissão.Anossamercadoriavaisemvernizparaomercado e não nos desperta, posta em circulação, nenhumentusiasmo.Somosdiletantes.Receamos que nos discutam, que nos analisem, que nos exibam osaleijões.Seelescomeçaremaser indicados,multiplicar-se-ão,ocuparão todaaobra.Areferênciaquenoscontentaéoelogiobemderramado.Nãofazmalqueseja idiota: precisamos vê-lo, repeti-lo, convencer-nos de que realizamosqualquercoisanotável.Trabalhamos umpouco à toa, e o pensamento que surge no café e briga às

vezes com outros pensamentos acha meio de estabelecer-se: em falta deargumentos,édefendidocomgritos.Essesgritossãoimpossíveisnacarta,ondeasincongruênciasavultam.Gostamosdefalar,discutir—eopiniõesantagônicasjá têm rolado no chão, atracadas, resistindo a murros. Somos bastanteexpansivos,masaexpansãosósemanifestacaraacara.Separadosarrefecemos,murchamos. Para que nos gastarmos em correspondência que nos roubaria

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grandeparte do tempo?Desejamos ler sobre nós o que julgamos conveniente.Podemos até redigir nós mesmos os louvores, celebrar-nos com exagero. Háquem faça isto à força de imaginação, enganar-se, acreditar no panegírico,chegarquaseaapertaramãodopseudônimo4.

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Umatentativadeexplicação”.RevistaAcadêmica,nº54,maiode1941.Manuscrito datado de 3 de novembro de 1940, pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros:ArquivoGracilianoRamos;Manuscritos;Crônicas,ensaiose fragmentos;not.10.1. (Comparadoàversãopublicadaemperiódico,omanuscritoapresentavariantespontuaisnoinícioeoacréscimodeumparágrafoaofim.Este trechofinalmostra-seaparentemente inacabado.Emfunçãodisso,nestaedição,optou-seporprivilegiarotextosaídonaimprensa.)NonúmerodaRevistaAcadêmicaemqueo presente artigo foi publicado, na contracapa, em anúncio publicitário da Biblioteca do EspíritoModernodaCompanhiaEditoraNacional, destaca-seonomedeGracilianoRamos como tradutordasMemórias de um negro, livro autobiográfico do norte-americano BookerWashington, recém-lançadonaquelemomentopelareferidacasaeditorialpaulista(WASHINGTON,Booker.Memóriasdeumnegro.TraduçãodeGracilianoRamos.SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional,1940).2.Nomanuscrito,tem-se,noparágrafoinicial,umapequenavarianteemrelaçãoàversãosaídaemperiódico, aqui privilegiada como texto-base: “O Sr. José Osório de Oliveira, ensaísta e críticoportuguês, escreveu há meses, a propósito do concurso de romances da Revista Acadêmica, umartigo em que...” (Instituto de Estudos Brasileiros: Arquivo Graciliano Ramos; Manuscritos;Crônicas,ensaiosefragmentos;not.10.1). 3. NoDiáriodeLisboa,em16de junhode1940,ocríticobrasilianistaJoséOsóriodeOliveirapublicou o rumoroso artigo-carta “Adeus à literatura brasileira”, no qual, por falta de apoio eestímulos,davaporencerradoseutrabalhodedivulgaçãodasobraseautoresnacionaisemPortugal,depois de quase 15 anos: “...corresponderão os brasileiros ao interesse que tenho por eles,interessando-seigualmente,nãodigopormim,maspelaliteraturaportuguesa?(...)seráeste,portudoisso,omeuúltimoartigosobrealiteraturabrasileira,masqueroqueestadespedidasejaaindaumatode louvor” (In:CRISTÓVÃO,Fernando.CruzeirodoSul,aNorte.Lisboa: ImprensaNacional—Casa da Moeda, 1983, p. 125). Apesar da aparente despedida, José Osório de Oliveira ainda senotabilizariacomosecretárioderedaçãodarevistaluso-brasileiraAtlântico,editadaemparceriapeloSecretariado da Propaganda Nacional português e pelo Departamento da Imprensa e Propagandabrasileiro, a partir da primavera de 1942. Graciliano publicaria o que seriam três capítulos deInfâncianesseperiódico:“Ofimdomundo”(nº2,1942,Il.AntônioDuarte);“OmolequeJosé”(nº3, 1943, Il.Manuel Lapa) e “O barão deMacaúbas” (nº 4, 21 de novembro de 1943, Il. CarlosBotelho).4.Naversãomanuscrita,tem-se,aofinaldotexto,umparágrafoinacabado:“Nenhumacartanosdaria semelhantes vantagens. Só nos agradaria uma carta que escrevêssemos, voltasse copiada,assinada por um amigo distante” (Instituto de Estudos Brasileiros: Arquivo Graciliano Ramos;Manuscritos;Crônicas,ensaiosefragmentos;not.10.1).

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Documentário—RespostadeGracilianoRamos1

GabinetedoPrefeito.PalmeiradosÍndios,Alagoas.Em16defevereirode1930.Sr.JurandirGomes:2

Muitoagradecidolheestoupelacartaquemeescreveuadoisdocorrente.ÉestranhoqueoSr.tenhalidocominteresseorelatórioapresentadopormimesteanoaogovernador.3Tudoali,ouquasetudo,éruim.EseoSr.JurandirGomesme vem dizer que aquilo alguma surpresa lhe causou, compreendo que o seuespanto é motivado pelo fato de julgar os habitantes do interior meioanalfabetos,oqueéverdade.Eunãoescapoà regra, infelizmente,e imaginoqueoSr.estava,quandome

leu,comdisposiçõessingularmenteotimistas.Quatropalavraslhedesagradaram,oqueélisonjeiroparamim.Oculpadofoi

HenriqueFord.Pergunta-mesenegoaautoridadedessegringoformidável.Não,decerto. Eu vou lá negar a autoridade de um cidadão que acumulou tantosmilhões?Mas, realmente, não sei se possa considerar sociedade comercial a

administraçãodeummunicípio.Enãoseriamau levaremcontaqueossaláriosaltossão talvezmenosúteis

que a esperançadeobtê-los.Falo em funcionáriosmal remunerados,mostro apossibilidadedemelhorpaga—etenhocertezadequeelesfarãoporalcançá-la.4 Assim procede a SantaMadre Igreja, com proveito para os homens, queesperamoreinodocéu.De resto as necessidadesdeumanglo-saxão e as deumcaboclonordestino

diferem. Passamos sem o cinema, ignoramos o flirt, o automóvel é luxo paragentegrande.EentrenósaindaháquemacreditenaSantíssimaTrindadeenão

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creianoaeroplano.Comemospoucoedormimospouco.Mas...quevantagemtenhoeuemestaraquiadefenderoconselhomunicipal

de Palmeira dos Índios? É inegável que os ordenados que recebemos sãoexíguos.Ocorpolegislativoachouque,emfaltadealimentos,podemosviverdagraçadeDeus.Estáclaroque,nesse relatórioaqueoSr. se referiu,eunão iriadizerqueo

meutrabalhoémalretribuído.Masaverdadeéque,emjaneirodesteano,houveemPalmeiracobradoresqueganharammaisdoqueeu.Julgo que a coisa está explicada. E declaro-me um seu amigo e admirador

muitosincero.GracilianoRamos

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Documentário—respostadeGracilianoRamos”.RevistadoBrasil,Riode Janeiro, 3ª fase, ano IV, nº 41, novembro de 1941, pp. 89-90. O presente textomissivístico éantecedidoporumanotaintrodutóriaepelacartamotivadoradaredarguiçãodoescritoralagoano,asquaisseguemabaixo:“Antesdehaver lançadooseuprimeiro romance,Caetés,GracilianoRamosobteve ruidosa publicidade na imprensa do país em virtude dos seus relatórios de prefeito domunicípio de Palmeira dos Índios, em Alagoas. Houve um movimento de atenção, em todos oscírculos intelectuais, em relação ao obscuro prefeito do interior que redigia os seus documentosoficiaiscomhumoreoriginalidade,livredequalquerrançoburocrático.Foidessaépoca—1930—a correspondência trocada entre um jornalista alagoano e o autor deAngústia, a qual, a título decuriosidade,orareproduzimosaseguir:”

“Penedo,2fev.30.Sr.GracilianoRamos:Emboranãooconheçapessoalmente,ousolevar-lheomeuparabémpeloexquisitehumour

e verdadeiro patriotismo revelados por V. Sa. em seu relato ao governador, publicado noDiárioOficial.

Surpreendeu-meeencantou-meoencontrodeumhomemdeespíritoedecultura,nessapaisagemadustadointeriordeminhaterra.

Entretanto,peçolicençaparanegaraplausoàsem-cerimôniacomqueV.Sa.declarapagarmalaseusfuncionários.Todonegócioqueempregamaisdeumapessoa,dizHenryFord(cujaautoridadeV.Sa.nãonegará),ésociedadecomercial;enãoéindependentequemnecessitadecolaboração.Assim,HenryFordsentencia:‘Aúnicaambiçãodetodochefe,noseucargodediretornato, deveria consistir empagaros saláriosmais elevados que pudesse, e por outrolado,oempregadodeveriafazerquestãodeobteromáximorendimentodoseutrabalho.’

Anãoseresseponto,suponhoorelatodeV.Sa.impecávelafirmaçãodeumainteligênciaquemuitoaindapoderáserviraAlagoas.Éoquedesejoeexpresso—semprejuízoparamim,nemvantagemparaV.Sa.

Atenciosamente,JurandirGomes.”

2.JurandirGóesGomes(1904-56):jornalistaefuncionáriopúblico.Em1931,passariaaconvivercom Graciliano nas páginas da revista Novidade, periódico com o qual colaborou em seteoportunidades.Em1940, tornou-seredatorprincipaldaGazetadeAlagoas.Publicou,entreoutros,QuadrosdahistóriadeAlagoas—brevesensaiossobreahistóriapátria.PrefáciodeThéoBrandão.Maceió:CasaRamalhoEditora,1956 (LEBENSZTAYN, Ieda.GracilianoRamoseaNovidade:oastrônomodoinfernoeosmeninosimpossíveis.SãoPaulo:Hedra,2010,pp.400-1).3.ReferênciaaosegundorelatórioenviadopeloentãoprefeitodePalmeiradosÍndios,GracilianoRamos, ao então governadorÁlvaroPaes em janeiro de 1930 (RAMOS,Graciliano.Viventes dasAlagoas.RiodeJaneiro:Record,2007,pp.209-21). 4. Noreferidorelatório,Gracilianodestaca:“Tenhoseiscobradores,doisfiscaiseumsecretário.Todossãomalremunerados”(RAMOS,Graciliano,op.cit.,p.212).Emaisàfrente,aofalarsobreos“bons companheiros” da administração municipal, que o ajudariam na consecução das inúmerasobras apresentadas ao chefe estadual: “Já estou convencido. Não fui eu, primeiramente porque odinheirodespendidoeradopovo,emsegundolugarporquetornaramfácilaminhatarefaunspobreshomensqueseesfalfamparanãoperdersaláriosmiseráveis”(idem,p.217).

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Ideiasnovas1

InteriordeAlagoas.Atualidade.

Personagensdo1ºquadro:

CapitãoLobo(negocianteedelegadodepolícia)D.Aurora(suamulher)Mariana(filhadocasal)Adelaide(amigadeMariana)SeuRodrigues(oficialdoregistrocivil)CaboFeliciano(comandantedodestacamento)

1ºQuadro

Manhã. Escritório em casa do capitão Lobo. Mesa com livroscomerciais,tinteiro,réguasetc.Umcofre,umapequenamáquinade escrever, um relógio, um calendário, o retrato do capitão,algumas cadeiras. Portas laterais e Janela aberta ao F.,2mostrando umpedaço de rua comárvores, lampiões, tabuletas.Passamtranseuntesnacalçada.Ouvem-sepregõesdevendedoresambulantes. D. Aurora e seu Rodrigues, sentados à mesa,discutem.

CENAI

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D.AuroraeseuRodrigues

D. Aurora (Folheia um volume)—Ora, seu Rodrigues, já lhe pedi muitasvezesquenãotrouxesseparaameninalivrosdessanatureza.Asapequinhalargao estudo e fecha-se no quarto para ler em segredo histórias... Como se diz?Históriasdissolventes.(Soltaovolume).SeuRodrigues (Pega o volume)—Respeito as suas ideias, d.Aurora,mas

afirmoqueestáenganada.Euseria incapazde inculcara sua filhauma leituraimprópria.Asenhorameconhece.NãoeraprecisoqueaMarianinhasetrancasseporcausadeste romance:podiaandar comelena rua,mostrá-loaovigário.Oautordistoéumaglórianacional,umaglóriaaindanova,mascoisasólida,noparecerdosentendidos.

D.Aurora—Conversa.Abriumromancemodernoefiqueiarrepiada.Nuncavitantaporcariajunta.SeuRodrigues(Batenacapadabrochura)—Jáleueste?D.Aurora—Eu?Deusmelivre.Tudosafadeza.

Seu Rodrigues — Que desconchavo, pai do céu! É incrível que umaprofessorajubiladafaleassim.D.Aurora—Quedizolivro,seuRodrigues?SeuRodrigues—Éum estudo sério, d.Aurora.Há aqui fatos econômicos,

sociais,políticos.Excelente.

D. Aurora — E o senhor quer arrumar isso na cabeça duma normalista!Absurdo.Deviaofereceraminhafilhaobrascalmaserefrigerantes,abibliotecadas moças. Nada de revoluções. Omundo já anda tão atrapalhado! Qual é oenredodesse?(Apontaovolume).SeuRodrigues—Enredo?Asenhoraaindaseocupacomenredo?Euprocuro

noqueleioasubstância,otutano.D.Aurora—Ah!Eusoudiferente.Oquemeinteressaéverofim,saberseo

protagonistacasaounãocasa.Essecasaoumorre?

SeuRodrigues—Queperguntaingênua!D.Aurora—Perguntoporqueosenhoradmiraoromance.Seu Rodrigues — Eu sou um bom patriota, admiro todas as grandezas da

minhaterra:acachoeiradePauloAfonso,Itabira,oAmazonas,CastroAlveseo

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Guarani.

D.Aurora—Estáparecendoqueosenhornãoleuahistória.

Seu Rodrigues— Ora essa! Também nunca estive no Amazonas, graças aDeus, que tenhomedo de beribéri.Mas admiro oAmazonas, é claro, imensoreservatórioderiquezaslatentes.Nãomecansoderepetiristo,d.Aurora,porserumagrandeverdadeeumabelafrase.D.Aurora—Afinalosenhorleuounãoleu?Seu Rodrigues — Ia explicar-me. Neste caso, como em outros, deixei-me

levar pela opinião dos críticos, ou antes pela decisão deles. Que valia ojulgamentodumoficialdoregistrocivilemSant’AnadoIpanema?

D.Aurora—Querdizerquenãoleu.SeuRodrigues—Efetivamente,não li.Eugostodeelogiar.Se lesse, talvez

achasseaquidentroalgumacoisadesagradável.Omeusistemaécômodo: fio-meemjuízosmelhoresqueomeuelivro-medecomplicações.D.Aurora—Erecomendaumaobradesconhecida?

SeuRodrigues—Simsenhora.Istoé,osliteratoséquerecomendam.Eusouapenasintermediário.UmoficialdoregistrocivilemSant’AnadoIpanemanãotemdireitodepensardemais.Eagora,semedálicença...(Levanta-se)Vistosediscutidososautosetc.,querquedeixeoromance?Quemsabeseasenhoranãoiriaentreter-secomele?D.Aurora(Ofendida)—Oh!SeuRodrigues!Seu Rodrigues — Está bem, está bem. Respeito as suas ideias, d. Aurora.

(Tomaochapéuedespede-se)Lembrançasaocapitão.(SaipelaportadoF.)

CENAII

D.AuroraecapitãoLobo

D.Aurora(Sopra,abana-secomasmãos)—Quetesouracega!

Capitão Lobo (Entra pela D., chega-se à janela, grita para fora) — Órapazinho, dá um salto ali ao quartel e pede ao cabo Feliciano que venha cá.(Volta-se,desce,monologando)Vamosvercomoterminaaquelesarapatel.Está

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provadoquefoiele.Foiounãofoi?Semdúvida.Entãonãohámotivoparaseamoitar. Espirra tudo hoje à noite direitinho. Comigo é no pau. (Descobre d.Aurora)Ah!Estáaí?Vinhatãodistraídoquenãoenxergueivocê.Esseladrãodecavalosmefazdordecabeça.Oprincípiodaautoridadesofreuumcolapso.D.Aurora—Como?

CapitãoLobo—Colapso.Foiojuizdedireitoquemdisse.Deveestarcerto.Colapso.Necessárioesticaracorda.Governoégoverno.Éounãoé?D.Aurora—Seilá!Nãomeimportocomisso,vivonomeucanto.Capitão Lobo — Falta de espírito público. Lastimoso. Uma professora

jubiladaquesócuidaemgalinhas.

D.Aurora—Natural.Capitão Lobo — Bem. Cada qual como Deus o fez. Não questionemos.

Alguémmeprocurou?D.Aurora—Não.QuemesteveaífoioseuRodrigues,aquelesem-vergonha.

CapitãoLobo—Sem-vergonha?Éumfuncionário.Bomvelho,coitado.Sem-vergonhaporquê?D.Aurora—Andaquerendocorrompernossafilha.CapitãoLobo—Hã?Estádoida,mulher?Naquelaidade!

D.Aurora—Nãoéoquevocêestásupondonão.Andaquerendocorrompê-lacomleituras...Comosediz?Perniciosas.CapitãoLobo—Ah!Tirou-meumpesodocoração.Papelsujo,lorotas.D.Aurora—Lorotas?Entãovocêdeixasuafilhaseestragarcomromances

indecentes?

Capitão Lobo — Eu? Isso não é comigo. Quem me forçou a mandar apequenaestudarnacapitalfoivocê.Possoobservardaquiosprogressosdelanaescolanormal?Nãoposso.Averdadeéqueelagastacomopiranha,masnãoseiemquê.Quantoàescolhadoslivros,achobomconsultarosprofessores.TalvezessequeovelhoRodriguesdeuaelaestejanoprograma.D.Aurora—Éumromance,homemdeDeus.CapitãoLobo—Ah!Entendo.Umaeducaçãoliberal.

D.Aurora—VocênãoserevoltacomoprocedimentodeseuRodrigues?

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Capitão Lobo — Revoltar-me? (Indeciso) É. Parece irregular. Refletindo,chegamos à conclusão... Um abuso, creio eu. (Anima-se) Aproveitar-se dainocência duma criaturinha de 18 anos e meter-lhe nas mãos obras... De queespécie?D.Aurora—Realistas.

Capitão Lobo — Patife! (Zangado) Ele me paga. Infelizmente é umfuncionário. Se não fosse, dormia hoje na cadeia, junto ao ladrão de cavalos.Mas eumevingo.Não é à toaqueme chamoLobo.Vou cobrar uma letra dequinhentosmil réisqueaquele safadomedevee sapeco-lhe jurodecincoporcentoaomês.

CENAIII

D.Aurora,capitãoLoboecaboFeliciano

CaboFeliciano(Fora,bateàportadoF.)—Ódecasa!CapitãoLobo—ÉocaboFeliciano.D.Aurora(Comumacaretadeenjoo)—Política!(Vaiabriraporta)Entre,

caboFeliciano.

Cabo Feliciano (Entrando)—Bom dia, d. Aurora. (Desce, leva a mão aoquepeesenta-sefamiliarmente)Queéquehá,capitão?D.Aurora (Àparte)—Essamania de política ainda lhe dá na cabeça. (Sai

pelaD.)

CENAIV

CapitãoLoboecaboFeliciano

CaboFeliciano (Escanchadonacadeira,àsavessas,osbraçosapoiadosnoencosto)—Queéquehá,capitão?CapitãoLobo(Grave)—Osujeitoabriuobico?

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CaboFeliciano—Atéagoranão.CapitãoLobo—Oh!CaboFeliciano!Issoéumachincalheàautoridade.Faz

trêsdiasqueestamosparacimaeparabaixo,numagangorra.Ohomemnãoquerfalar,nãofala.Emresumo,foieleounãofoi?

CaboFeliciano—Pelojeito,foi.

CapitãoLobo—Poisarranjeaconfissão.Jábotouosanjinhos3nesseinfeliz?CaboFeliciano—Aindanão.Tenhoprocedidocombonsmodos.

CapitãoLobo—Bonsmodos depois de três dias! Comigo é no pau.Bonsmodosnoprincípio,lambançasetc.Masseotipoendurece,caceteecipódeboi.Éaregra.Eninguémdescobriucoisamelhor,nemaquinemempartenenhuma.(Senta-seàmesa)Diga-mecá,vocêsfizeramameaças?CaboFeliciano—Muitasvezes,semresultado.Nãoligouimportânciaaelas.CapitãoLobo—Nãoligouimportância!Nãoligouimportânciaporquetomou

ofôlegodevocês,homem.Nemumalamboradaparamezinha?4

CaboFeliciano(Tiraafacadeponta,umpedaçodefumo,palhademilho,fazlento um cigarro) — Para usar de sinceridade, não. Dá-se uma esquisitice.Quando vejo esse bandido, falo grosso, ronco, prometo rebentá-lomais tarde.Saiocompletamenteresolvido,voltoa interrogá-loeesqueçoopropósito.Seráqueodesgraçadotemmandinga?CapitãoLobo—Disparate!Umagentedalei,nesteséculodorádio,admitir

semelhante abusão!Que, para ser franco, não sei se haverá incompatibilidadeentre a lei, o rádio e a mandinga. Mas nos tempos que correm é feioacreditarmosemfeitiço.Cabo Feliciano (Continua a preparar o cigarro)— Também acho. É uma

explicação tola, em falta de outra.O queme parece é que há duas classes depessoas:asquenascerampara levarpancadaeasquenasceramparanãolevarpancada. Veja o senhor. Certos indivíduos entram no xadrez e amunhecam,entregam os pontos. Não fizeram nada, mas acusam-se, amolecem tanto quesomos obrigados a dar neles meia dúzia de pescoções. Como estão livres deculpa, arrumam os picuás, pagam carceragem e saem logo, esmorecidos e decabeçabaixa,queonaturaldeleséistomesmo:aguentarcascudos.Esseladrãodecavalos5pertenceaosegundogrupo.

CapitãoLobo—Nasceuparanãolevarpancada.

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CaboFeliciano—(Acendeocigarro)—Écáaminhaideia.Temumolhodecoruja,umapontadelíngua...Faladireitinho,umpromotor.Ecadamuque...Fazgostoveraquilo,nãoládentro,éclaro.Ládentronãosimpatizamoscomessesbrutosrobustosdemais.Dãomuitotrabalho.Capitão Lobo — Que declaração, cabo Feliciano! Quer dizer que não

esquentouolombodosujeitoporqueeleéforte.Podemosdaraisso—nãoseofenda—onomedecovardia.

CaboFeliciano—Hã?Covardia?Éoquenãoexistenodestacamentopolicialdestacidade,capitãoLobo.Coragemláécomopulga:todobichinhotem.Mastomo a liberdade de comunicar-lhe o seguinte. O destacamento policial deSant’Ana do Ipanema compõe-se de quatro figuras: um soldado velho, quepossui uma ferida incurável nopé, umdoentedopeito, ummenino amarelo eesteseucriado.Valentiaéumacoisaquenãonosfalta,masestamoscertosdeque um fuzuê com aquele ferrabrás não convém aos achaques dos meuscompanheiros.Oqueumdelestemnopé,ooutronobofeeoterceironosanguesãomoléstiasqueosmédicostratam,enenhumadelassechamacovardia.Enfimosenhornãodeuaindaassuasordens.(Levanta-se,aproxima-sedajanela,atirana rua a ponta do cigarro. Cumprimenta alguém, encosta um cotovelo aoparapeitoeduranteorestodacenaficalá,meiovoltadoparaoexterior,alheioàconversaegesticulando).CapitãoLobo—Não dei ordens?Vocês precisam de ordens para surrar os

presos?Cabo Feliciano—Às vezes precisamos.Quando o suplicante é um desses

que nasceram para não levar pancada, precisamos. Pode haver... (Para derepente,sorri,dirige-seaumapessoainvisível)Alô,benzinho!

CapitãoLobo—Queéquepodehaver,caboFeliciano?Cabo Feliciano (Estremece) — Hum! Sangue, capitão. Com um selvagem

daquelamarcapodehaver sangue,podehavermorte.Seacontecerdesgraça,aresponsabilidadeéláparaosenhor.CapitãoLobo—CaboFeliciano!

CaboFeliciano(Fazacontinência,dengoso,olhandoarua)—Pronto!CapitãoLobo—Eusouumaautoridadeenérgica.Nãoconsintoquemepisem

noscalos.Essepovotemdeentrarnalinha,caboFeliciano,entende?CaboFeliciano(Longe)—Hã!Hã!

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CapitãoLobo—Comigoénopau.NãoéàtoaquemechamoLobo.Jámeviualgumaveztrastejar,caboFeliciano?CaboFeliciano—Hã!

CapitãoLobo—Jámeviualgumaveztrastejar?CaboFeliciano(Mole)—Aindanão.CapitãoLobo—Poisé.Branduranocomeço,amabilidade, tapeação.Agora

seomelianteinchaopapoesefazbesta,porradanele.CaboFeliciano!

CaboFeliciano—Capitão!CapitãoLobo—Vouinterrogaressemiserávelhojeànoite.Queroverseele

escarraosucedidoouseficoumudo.Madeiradomatoquebranascostasdele.Semdúvida.Heideverisso.CaboFeliciano!CaboFeliciano—Hã!

CapitãoLobo—Ouviuoqueeudisse?Cabo Feliciano — Ouvi, capitão. Isto é, ouvi, mas não guardei bem na

memória.Sequiserrepetir...Capitão Lobo — Vou interrogar esse ladrão hoje à noite. Conserve o

destacamentoapostos,defogosacesos.

Cabo Feliciano (Faz para fora um sinal, afasta-se da janela, desceesfregandoasmãos)—Émuitoboa.CapitãoLobo—Como?Cabo Feliciano — Muito boa ideia, capitão. (Perturba-se) O senhor... É

lógico...Hum!Deveinterrogá-lo.Hum!Excelenteideia.Maisalgumacoisa?

CapitãoLobo—Vaichoverbordoada.Seodestacamentoemperrar,contrateunshomens.CaboFeliciano—Oh!Seriavergonha.Odestacamentoimpõe-se.Estámeio

avariado,masoquenãofaltaláécoragem.(Fazacontinência,bateostacões,cambaleia,dámeia-volta,retira-sepelaportadoF.)(CapitãoLobosaipelaD.)

CENAV

AdelaideeMariana(EntrampelaE.)

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Adelaide—Umhorror,minhafilha,umhorror.Nuncavitantamiséria.Eulhecontoporquesousuaamiga.Umhorror.Sabeoqueandamespalhandoporaí,nafarmácia,nobilhar,naportadaigreja?Mariana—Não.Vocêaindanãosemanifestou.

Adelaide—Possofalar?Mariana—Pode,pode.Faleàvontade.Adelaide—Poissim,meucoração.Juramquevocênãoémoça.

Mariana—Diabo!Comdezoitoanos?Sãobemexigentes.Adelaide — Não zombe, meu anjo. Você comprometeu-se namorando três

rapazesaomesmotempo.Mariana—Aomesmotemponão.

Adelaide—Os três num dia. Vivem brigando por sua causa, e essa gentedesocupadajulgaquevocêfeztudocomeles.Mariana—Coisa nenhuma. O filho do juiz de direito é ummenino bem-

comportado e cheio de sentimentos nobres.Deu-me umbeijo nos dedos, e euofereciaeleumarosa,umbotãoderosa.Cenamuitocastaeemconformidadecomoshábitosdaterra.Oestudantedemedicinafoimenosromântico,beijou-meaboca.Adelaide—Evocêofereceuaeleoutrarosa?

Mariana — Para quê? Deixei-me beijar. Com o instrutor de tiro dei umpasseionosarredores.Eànoitenossentamosjuntosnocinema.Adelaide— Felizmente só foram três, não é? (Suspira) Você se inutilizou,

meubem.Aquinãoarranjacasamento.Mariana—Equemlhedissequepretendocasar-meeficaraquimofando?

Adelaide—Nãopretende?Mariana — Ah! Não. O ano vindouro findo o meu curso e bato as asas.

ArrumoaíumempregoqualqueredepoisumacomissãonoRio.Estenegócioestá apalavrado.Lá faço concurso e engancho-menumministério.É certo. Seemseismesesnãoconseguiroquedesejo,éporquesósirvoparaserprofessoraemSant’AnadoIpanema.Adelaide — Professora com uma reputação estragada, Mariana. Uma

professoraquenamoratrêshomensnumdia.

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Mariana— Bobagem. Os três não valem um homem.Mas não há receio.Atraco-menoSulevirocarioca.Outracoisa,Adelaide,falecomseuRodrigues,peçaaelequememandeolivroquemamãedevolveu.Adelaide—Estádoida?Umromanceimoral!

Mariana—Conversa.Mamãeéidiotaenãoconheceumpingodeliteratura.Avelhamaisranzinzadomundo.Chi!Queamolação!Interrompeu-mealeiturana melhor passagem: uma brincadeira de meninos com uma negrinha, numareal.6

Adelaide — Não me meto nisso não, Mariana. Se d. Aurora pensa que oromanceéperigoso,deveterláassuasrazões.Mariana—Mamãenãoleuoromance.Nuncaleunada.Leuumagramática

miudinha antigamente e ficou aí. (D. Aurora aparece à E.) Procure seuRodrigues,Adelaide.Euqueriaverorestodabrincadeiradascriançasnoareal.Éoquehádemaisinocente.

CENAVI

Adelaide,Marianaed.Aurora

D.Aurora(Severa)—Mariana!

Mariana—Oh!Mamãe!Comovai?Jámelhoroudaenxaqueca?Adelaide(Àparte)—Quebagunça!VirgemMaria!D. Aurora (Zangada)—Mariana, tenha vergonha. Quem lhe disse que eu

estavacomenxaqueca?

Mariana—Penseiqueestivesse.Amanheceutãonervosa!D.Aurora—Deixedeserdescarada,Mariana.Ouviperfeitamenteoquevocê

diziaaessa...Adelaide (À parte)— Valha-me Deus! Agora é comigo. Por quê? Não fiz

nada.

Mariana—É.Esmiuçávamosunscontospiedosos.Contosinfantis.D.Aurora—Mentirosa.UmrecadoparaseuRodrigues.

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Mariana — Efetivamente. A senhora se enjoou do romance que ele meemprestou emandei pedir outro.Os dias aqui são tão compridos!O jeito quetenhoéfazercultura.Adelaide—Mariana...D.Aurora... (Aproxima-seoradamãe, orada filha,

parasedespedir.Chega-seàporta,recua)Porfavor...(Àparte)Euqueriaacharmeiodemeescapulir.

D.Aurora—Mariana,vocêéumapessoadepravada.Mariana—Tolice.D.Aurora—Masficaestabelecidoquedehojeemdiantenãoserecebenesta

casasafadezaescrita.

Mariana—Naturalmente.Nuncaserecebeu.D.Aurora—Efaçaoobséquiodemerespeitar,insolente.Vamosdeixaresse

arzinhodegalinhaassada...

CENAVII

Adelaide,Mariana,d.AuroraecapitãoLobo

CapitãoLobo(EntrapelaD.)—Quebarulhoéesse?D.Aurora—Sãoasconsequênciasdabelaeducaçãoquevocêdeuasuafilha.

Capitão Lobo — Eu? Tem graça. Não dei educação nenhuma. Entendo ládisso?Gemocomasdespesasdelanacapital.Simplesmente.Mariana—É.Mas,acabandoomeucurso,nãoprecisareideninguém.D. Aurora (A capitão Lobo) — Está ouvindo? Senhora do seu nariz, com

rédeanopescoço,inteiramentelivre.Bonito.

Mariana(Desafiando-a)—Poisé.CapitãoLobo(Coloca-seentreasduas,tentandoapaziguá-las.Volta-separa

aesquerda,paraadireita)—Oh!Oh!Oh!Éumequívoco,nãohámotivoparadesordem.Calma,calma.Tudoseexplica.Adelaide(Àparte)—Queéqueestoufazendoaqui,santoDeus?

Mariana—Oanovindouroestareilongedisto.Heideviveremorrermuito

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longedetudoisto.Capitão Lobo — Menina, seus avós e seus bisavós foram enterrados no

cemitériodeSant’Anado Ipanema.Eu, suamãeevocê,quando fecharmososolhos,iremosdescansarnacatacumbadeles.

Mariana—Eu?Queesperança!Apodrecerjuntodessesfósseis!D. Aurora (Com voz estridente, a capitão Lobo) — Preste atenção a isso,

homem.Abraosouvidos.CapitãoLobo(Ad.Aurora)—Calma,calma.Nãoseexcite.Foiumapalavra

sonoraqueapequenadecorou.Talveznemsaibaasignificaçãodela.

D.Aurora(AcapitãoLobo)—Vocêaprovaessesmodos?CapitãoLobo(Ad.Aurora)—Ah!Não,evidentemente.Mastenhapaciência.

Éocalordamocidade,fogodepalha.Depoiselaendireita.Mariana (A capitão Lobo) — Mamãe é insuportável, é uma criatura

paleolítica.

CapitãoLobo(AMariana)—Hã?Mariana(AcapitãoLobo)—Paleolítica.CapitãoLobo(AMariana)—É.Semprefoi.Mastemosdeaguentá-laassim

mesmo.Naquelaidadenãoendireita.

D.Aurora—Perdiasaúde,envelheci,cuidandodessaingrata.CapitãoLobo (Ad.Aurora)—Oh!Oh! Exagero. Ela tem bom coração. É

meio esquentada, o sangue dos Lobos, mas tem ótimo coração. E quanto àsideiasmodernas,potocas,nãovalemnada.Adelaide (Àparte)—Sóqueriaquemedissessemqueéqueestou fazendo

aqui.

Mariana — Gasta-se a vida sapecando as pestanas, adulando professoresanalfabetos,cavandopistolõesparaosexames—enofimcoice.Douoforaemtudoisto.Orasedou!Capitão Lobo (A Mariana) — Calma, calma. Sua mãe fala demais e se

desconchava, mas é uma boa alma. Infelizmente não compreende as ideiasmodernas.Mulheratrasada.Adelaide(Àparte)—Arreliatãograndeporcausadumromancequenãofoi

lido.Que despropósito,meuDeus, que despropósito! Imaginem se soubessem

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queelabeijoutrêshomensnumdia.

D.Aurora(Puxaobraçodomarido)—Escute,examineestecasocomtodososfferr.

Mariana(Puxaobraçodopai)—Vejaseeutenhorazãoounãotenho.CapitãoLobo (Ad.Aurora)— Já escutei, estou surdode escutar.Um livro

indecente,seuRodrigues,jásei.Estácerto.(AMariana)Claroquetemrazão.Oprogresso. Não há dúvida nenhuma. (Afasta-se das duas. À parte) Com osdiabos!Euseiláqueméquetemrazão!Uminferno.Noprincípiodoséculonãohaviadisso.

(Fimdo1ºquadro)

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Notas 1. RAMOS,Graciliano.“Ideiasnovas”.RevistadoBrasil,RiodeJaneiro,3ª fase,anoV,nº49,julho de 1942. Em pesquisa realizada no Arquivo Graciliano Ramos, do Instituto de EstudosBrasileiros(IEB),nãoforamlocalizadososmanuscritosreferentesa talprodução.Encontraram-se,tão somente, trechos desconexos de outra peça, datilografados em carbono azul nos versos demanuscritosdeoutrasobrasdoautor(verLIMA,YêddaDiaseREIS,ZenirCampos.Catálogo demanuscritos do Arquivo Graciliano Ramos. São Paulo: Edusp, 1992, pp. 86, 176 e 189). Emcorrespondência de 8 demarço de 1937, o autor deAngústia menciona a insistência de EugêniaMoreyra,mulherdeÁlvaroMoreyra, para que ele escrevesse umdramaouuma comédia. “Comonãoconheçotécnicasdeteatro,[Eugênia]emprestou-meumlivro,TeatroSocialNorte-Americano,edissequeatémaioeulhedeviaentregarapeça,oquenãoacontecerá”(RAMOS,Graciliano.Cartas.RiodeJaneiro:Record,1981,p.183). 2. O adjunto adverbial “aoF.” (ao fundo) aparecia antes e depois do sintagma “Janela aberta”.Diantedetalrepetição,optou-sepormanterapenasousomaisprototípico,ouseja,aquelepospostoaoreferidosintagmanominal. 3. “Espécie de algema constituída por um anel de ferro com que se prendem os dois dedospolegares dos criminosos presos” (HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles.DicionárioHouaissdalínguaportuguesa.RiodeJaneiro:Objetiva,2001,pp.224-5).4.Osintagmadeusoregional“lamboradaparamezinha”poderiaserlivrementeparafraseadocomo“pancadacomoremédio”. 5. No contexto sertanejo enfocado pela peça, a pusilanimidade do soldado é reforçada pelagravidadedosupostodelitocometidopelodetento.SegundoopróprioGraciliano,diferentementedoqueaconteciacomoassassino,oladrãodecavalosnuncaeraperdoado.“Emregra,nãoosubmetemajulgamento:matam-no”(RAMOS,Graciliano.ViventesdasAlagoas.RiodeJaneiro:Record,2007,p.137).6.ProvávelreferênciaaCapitãesdaareia(1937),deJorgeAmado.

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DiscursodeGracilianoRamos1

SenhorasSenhores

Vejo-meemsituaçãodifícil—enãopodereirepresentarconvenientementeeste papel. Ler um discurso é ação temerosa: faltam-me elementos parasemelhantegênero.Além disso aqui se dá um caso perturbador: é que, tendo achado apoio em

cada um dos senhores, de repente me sinto como se estivesse isolado.Evidentementeosfavoresrecebidosnãosediluíram:reforçam-se,manifestam-sede jeito que seria ingratidão e insensatez duvidar deles. Mas tomaram feiçãoesquisita,surgem-metodosjuntos,esmagadores,eistonuncaesperei.Realmente,seéfácilabraçarumcamaradanalivrariaounojornal,dizer-lhe

palavrasdeagradecimentoeoferecer-lhepréstimosdiminutos,àruatal,númerotanto, acho empresa considerável reunir essas parcelas de gratidão, dar-lhesforma literária, datilografá-las, pronunciá-las com gestos adequados, em pé,junto a uma mesa. Seria preciso fazer um catálogo de benefícios, trabalhoarriscado: faltaria algum nome, escaparia um fato — e a omissão não teriadesculpa.Assim,meus senhores e amigos, confessando honestamente haver contraído

uma dívida insolúvel para com os escritores nacionais e alguns estrangeiros(felizmente esta palavra hoje pouco significa), é prudente limitar-me a umareferência coletiva, dizer que estou assombrado e tentar, se isto for possível,senãojustificar,pelomenosexplicarestareunião.Naturalmente devo mencionar Augusto Frederico Schmidt, por ele haver

tomadooencargodesaudar-meeporterfeito,12anosatrás,umadescobertanasbrenhasalagoanas.Falavammuitonessetempoemrealidadebrasileira—eesta

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frasetornou-sechavãonabocadesujeitosquedoBrasilconheciampelaramaoasfalto, o café e a Cinelândia. Schmidt estirou os olhos por estes cafundós e,lendoaprosacheiadealgarismoseparágrafosdecertoprefeito,julgouperceberqualquercoisasemelhanteaumliteratoemPalmeiradosÍndios.Supôsisso—epediu ao funcionário um romance, que foi impresso, comentado, e ficoumeioinédito, graças a Deus, pois é um desastre. Por aí notamos aonde vai aimaginaçãodeSchmidt.Sóeleachariaproveitonumacomposiçãoburocrática,minuciosa e coberta de cifrões. Com certeza se desenganou, mas insistiu empublicarolivro—eoresultadoéoquesevê.2Fuieu,meussenhoreseamigos,essenovelistapescadonosertãodeAlagoas

porumascartasqueRômulodeCastro3meenviou,de1930a1931,emnomedeSchmidt.Desdeentãoocorrênciasdevultomeatrapalharam.Seriamelhorqueeutivessecontinuadoaenvelhecernacidadezinhapoeirenta,jogandooxadrezeogamão,tratandodosmeusnegóciosmiúdos,ouvindoasintermináveisarengasdas calçadas, refugiando-me à tarde na igreja matriz, enorme, onde fiz 19capítulos de S. Bernardo. Seria melhor. Infelizmente não me foi possívelorientar-me.Osacontecimentosforçaram-meadeslocaçõesimprevistas.Julgoquesedáissocomtodaagente.Hádezanos,naEuropacentral,Otto

MariaCarpeaux4ePauloRónai5andavampelasuniversidadesenãosonhavampercorrereestudarumdiaanossaterraeanossaliteratura.JoséLinsdoRegoera um excelente fiscal de bancos, depois de ter sido juiz emMinas Gerais.Tinhaproduzidounsartigos,massefalassemnoCiclodacana-de-açúcar,eleseespantaria. Aurélio Buarque de Holanda, quase criança ainda, trabalhava noOrfanatoSãoDomingos,acumulavalivrosnasuacasinhadaCambonaeredigiapoemas que se machucavam, em pedaços de papel, por todos os bolsos, evoltavam da lavanderia completamente ilegíveis. É claro que esses homens,nascidossobdiferentessignos,empontosdiferentesdoplaneta,nenhumesforçofizeram por juntar-se e auxiliar-se. As encrencas da Europa lançaram PauloRónaieOttoMariaCarpeauxnoRiodeJaneiro,ondeestesmestresaplicamasua cultura numa análise fria do material que lhes fornecemos. José Lins doRegotinhanoespíritobanguês,canaviais,bagaceirasecasas-grandes.DeuàluzumaregiãodoNordeste—eoAterrodeJaraguátornou-sepequenoparacontê-lo. Aurélio Buarque de Holanda possuía uma avó indefinível — d. CândidaRosa.Auréliodefiniu-aemdoistrabalhos,fixou-lherigorosamentealínguaeafigura.6Ed.CândidaRosacomeçouaviver.D.CândidaRosaconcebeuAurélio,Aurélioconcebeud.CândidaRosa.Nãotenhoculpadesseabsurdo.Naverdadeele realizou muitas outras coisas. Publicou um livro de contos, ensinouportuguêsnoPedroIIeconsertouumdicionário,mastudofoideterminadopor

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d.CândidaRosa.Eaítemosaguerra,osengenhosed.CândidaRosainfluindona existência de alguns indivíduos, fazendo que eles imaginassem deliberarconhecerdepertoCopacabanaearuadoOuvidor.Quanto amim, nem sequerme resta a ilusão de haver pretendido voltar ao

Rio,ondequasemehospedeinalivrariaJoséOlympio.Nãopretendi.EmbarqueiemMaceió sempagarpassagem, salteinoRecife, embarqueidenovoe estivealguns diasmal acomodado, não porém em situação pior que a de numerososviajantes, pois o navio era uma insignificância, muito suja, e nos tinhamreservadooporão.Aqui,numcarrofechado,nãopudeadmirarasroupasnovaseos arranha-céus. Alojei-me num quarto molhado, transferi-me a outro, jáocupadoporlegiõesdeinsetosdomésticos,moreinumaestalagemondepijamaseramroupasdeluxo,quesevestiampeloavesso,porquemuitosdoshabitantescostumavamintroduzircomhabilidadeasmãosnasalgibeirasalheiaseesvaziá-las. Muitos inconvenientes. E algumas vantagens: não íamos ao cinema, nãoconcorríamos para homenagens indébitas a valores improvisados, não nosaborrecíamos com o aluguel de casa, enfim éramos forçados a cultivar aeconomia,amaisútildasvirtudesagora.Nãonosalimentávamosemdemasia.Tambémnãotrabalhávamos.Deram-nosumlongorepouso,quaseespiritual—eistomuitocontribuiuparamelhorarosnossoscostumes.Postoemcirculação,muitasdificuldadesmeaparecerametivedeescolherum

ofício.Caína literatura: todasasoutrasportasse fechavam.Asrazõesquemetrouxeramforam,pois,muitopoderosas—eemvãomerebelariacontraelas.Alguém estranhou há tempo que eu não pudesse tomar uma decisão.

Efetivamentenãomedecido,sempreascircunstânciasmecompeliram,fizeramde mim uma desgraçada marionette. Em 1914 arremessaram-me à capital econverteram-meemfocaderevisão.Emfimde1915levaram-mederegressoaointeriordeAlagoas,meteram-menocomércio.Deram-mealgumaprosperidade,que logo se desfez, confiaram-me a administração do município. Quando, nocomeçode 1930, larguei a prefeitura semconcluir omandato, arrojaram-me àimprensa oficial, aos jornais, ao hospital, à instrução pública. E aqui estou,depoisdemuitasquedasedepequeninossaltos,olhandoasparedesdocemitériobempróximo.Nuncatenteielevar-mealgumaspolegadas.Écertoqueestragueipapel e tinta, mas procedi assim por motivos de ordem particular. Um víciocomooutroqualquer.Eesforcei-meporescondê-lo.Nãoamoleioseditores,nãosolicitei um cantinho nas revistas e nos suplementos semanais. Foi Schmidtquem teve a ideia estranha de pedir romance a um sertanejo ocupado emescrituração mercantil, orçamentos e relatórios. Foi José Olympio quem meescreveu, em 1935, exigindo os originais de Angústia.7 De sorte que, meussenhores e amigos, não me responsabilizo pelos efeitos contraditórios que as

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minhasnarrativasproduziram.Houve de fato julgamentos opostos, o que evidencia ser inútil afligir-se a

genteporobteristoouaquilo.Oquenoscheganãodependedasnossasaçõesedosnossosdesejos.Esseslivrinhosjáforamconsideradosfatoresdecorrupção,matéria escandalosa. É verdade que não se fez o ataque demodo preciso, emconformidade com as regras; tendo-me, porém, sucedido um desarranjo (comviagens gratuitas, porões, jejum, insetos incômodos, referidos), certo críticonordestino,quepoucoantesmesurgiracomumacartaderecomendação,muitossorrisos e um pedido, logo viu nos meus escritos perversidades horríveis ereclamouparamimosmaisseveroscastigos.Váriaspessoasdiscordaram,masnãoestavamemcondiçãoderevelar-se.Eojuízodorigorosocensorprevaleceuduranteumano.8A essa dureza contrapõe-se a generosidade que os senhores manifestam.

Pergunto a causa dela, comoperguntei amimmesmopor queme trataramdemodocompletamentediverso.Acho-menasituaçãoemquehátemposeachouumpolíticomeuconterrâneo,

apagado emunicipal como eu. Esse tipo, que gastou amocidade colaborandonos fuxicos locais, passando telegramas a figurões, aliciando leitores,desmanchando-seempromessasirrealizáveis,oranaoposição,oranogoverno,foi, em consequência de sérios desconchavos públicos, incluído numa chapaoficial, e aportou noRio de Janeiro, como deputado.Não brilhou naCâmara,porque tinha natureza espessa, mas votou conforme as ordens, prodigalizouxícaras de café aos conhecidos da província, convidou sujeitos influentes paraalmoços detestáveis no seu hotelzinho da rua doCatete, trabalhou comafincopara reeleger-se, o que não conseguiu. Finda a legislatura, recolheu-se.Embarque, enjoo, desembarque, formalidades, conversas inoportunas comrepórteresindiscretos—afinalfoirecebidonumaestaçãodaGreatWesterncomlanternasdepapel,foguetesemúsicasdafilarmônica.Ofereceram-lheumjantar.E em discursos lembraram os benefícios prestados por ele aomunicípio e aoBrasil. Ouvindo aquelas gentilezas, o nosso homem provavelmente suava. Eprovavelmenteconfessavanoíntimo:—Quediabo!Não fiz nada.E se tivesse querido fazer qualquer coisa, isto

seriaimpossível.Nãoseinada.Mascomoatirarsemelhantefranquezaaoscamaradasquelhesorriam,queo

elevavam, hiperbolicamente? Aceitou, portanto, os elogios, declarou-se dignodeles,consideroujustososfoguetes,osdobradosdafilarmônica,aslanternasdepapeleashipérboles.Como esse indivíduo, meus senhores e amigos, deixei o meu povoado

cambembe,meti-meemcavalariasaltas.Enchi-medefumaças,vimmorarperto

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daruadoCatete,simuleiautoridadee,perigandoemconversasinacessíveisaomeuentendimento,encerrei-megravenumsilênciorazoável.Escondiumarelestragédia, cuidadoso, envelheci, afastei-me. E, neste fim de vida melancólico,vejo-mecommuitasdaspessoasque, emmomentosdifíceis,meampararamedisseram a palavra conveniente. Sem esse amparo e sem essa palavra, nãoestaríamoshojeaqui.Masporqueestamosaqui?Certamentenãofaçoaingênuadeclaraçãodomeu

conterrâneodeputado,quenãoachouarazãodashipérboles,dasmúsicasedosfoguetes. É preciso descobrirmos um motivo para esta reunião. Penso, meussenhoreseamigos,queadevemosàexistênciadealgumasfigurasresponsáveispelosmeuslivros—PauloHonório,LuísdaSilva,Fabiano.Ninguémdiráquesouvaidosoreferindo-meaessestrêsindivíduos,porquenãosouPauloHonório,não souLuís daSilva, não souFabiano.Apenas fiz o que pude por exibi-los,sem deformá-los, narrando, talvez com excessivos pormenores, a desgraçairremediávelqueosaçoita.Épossívelqueeutenhasemelhançacomelesequehaja, utilizando os recursos duma arte capenga adquirida em Palmeira dosÍndios, conseguido animá-los. Admitamos que artistas mais hábeis nãopudessem apresentar direito essas personagens, que, estacionando em degrausváriosdasociedade,têmdecomumosofrimento.Nestecasoaquimereduzoàcondiçãodeaparelhoregistrador—enistonãohámérito.Acertei?Seacertei,todo o constrangimento desaparecerá. Associo-me aos senhores numademonstraçãodesolidariedadeatodososinfelizes,quepovoamaterra.

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Notas 1. RAMOS,Graciliano. “Discurso deGracilianoRamos”.Revista doBrasil,Rio de Janeiro, 3ªfase,anoV,nº52,dezembrode1942,pp.135-8.Textotambémpublicadoem:SCHMIDT,A.F.etal.HomenagemaGracilianoRamos.RiodeJaneiro:Alba,1943,pp.19-30.Tallivrofoireeditadopor Hermenegildo Bastos et al., acompanhado deCatálogo de benefícios: o significado de umahomenagem. Brasília: Hinterlândia, 2010. O discurso consta também do livro Relatórios.OrganizaçãodeMárioHélioGomesdeLima.RiodeJaneiro:Record,1994,pp.135-40.Manuscrito,datadode24deoutubrode1942,pertencenteaoInstitutodeEstudosBrasileiros:ArquivoGracilianoRamos, Manuscritos, Discursos, not. 12.7 e 12.8 (este último incompleto). Trata-se do discursoproferido por Graciliano quando da comemoração de seu quinquagésimo aniversário, em 27 deoutubro de 1942, em jantar realizado no restaurante Lido, em Copacabana. Ao ser publicada naRevistadoBrasil, a faladeGraciliano foiestampadaemseção intitulada“ResenhadoTrimestre”,sendoantecedidapelaseguintenota:“ComemorandoocinquentenáriodenascimentodeGracilianoRamos,amigoseadmiradoresdoescritorofereceram-lheumjantarnorestauranteLido,nodia27deoutubroúltimo.Estiverampresentesàfestacercade80pessoas,entreasquaisoministroGustavoCapanema e a esposa do romancista. Falou o poeta Augusto Frederico Schmidt, agradecendo ohomenageado.FoientregueaGracilianoRamos,namesmaocasião,peloSr.RodrigoOctávioFilho,com breve discurso, um cheque de Cr$ 5.000,00, prêmio de conjunto de obra, concedido pelaSociedade Felippe D’Oliveira” (CINQUENTENÁRIO DE GRACILIANO RAMOS — Ashomenagens prestadas ao grande romancista. Revista do Brasil, Rio de Janeiro, 3ª fase, nº 52,dezembrode1942,p.132).AlémdodiscursodeGracilianoaquiapresentado,apublicaçãotambémtranscreveuaspalavrasproferidasporAugustoFredericoSchmidtnaocasião. 2. EmcartadirigidaaGraciliano, em17de junhode1930,Schmidt, poeta e editorque lançouCaetés em 1933, indicava entusiasmado: “Estou absolutamente certo do sucesso do seu livro[Caetés],meautorizandoapensarassimocapítuloquemandouaoRômulo [deCastro].Aediçãodeve ser grande. Quem sabe o Sr. não logrará o êxito de A bagaceira, por exemplo” (ArquivoGracilianoRamos,CorrespondênciaPassiva,Caixa37,058).3.SecretáriodaSchmidtEditora,encarregadodenegociarcomGracilianooenviodosCaetésparaapublicaçãopelareferidacasaeditorial.Nacorrespondênciapassivadoescritoralagoano,reunidanoInstituto deEstudosBrasileiros, constam seis cartas que lhe foram endereçadas porRômulo entrejunhode1930eabrilde1931.Ostextosrelatamtodooprocessoqueenvolveuaediçãodaobradeestreiadoex-prefeitodePalmeiradosÍndios.Emmissivade24dejulhode1930,Rômulocobraoromancista: “Vocêprecisadecidir-se:oueditavocêmesmoosCaetés, ounosmandaosoriginais”(ArquivoGracilianoRamos,CorrespondênciaPassiva,Caixa37,059).Jáemoutra,de15deabrilde1931,depoisde ter recebidoosoriginais,pedecalmaaGraciliano:“OSchmidtvai lhemandarosCaetésparacorreção,mas jáemprovas.Elevemdemorandoporcausadacrise.De fato,estáumburacoonegócio...principalmentedelivros”(ArquivoGracilianoRamos,CorrespondênciaPassiva,Caixa37,063).Comosesabe,depoisdemuitosatrasos,promessas,cobrançaseprotelações,Caetéssóviriaaserpublicadoemdezembrode1933.4.OttoMariaCarpeaux(1900-78):historiadorecríticoliterárioaustríacoquechegaaoBrasilemagostode1939,depoisqueseupaísdeorigemforaanexadoàAlemanhapelosnazistas(KONDER,Leandro. Intelectuais brasileiros & marxismo. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1991, p. 65).Escreveuoensaio“VisãodeGraciliano”,publicadonolivroOrigensefins(RiodeJaneiro:CasadoEstudantedoBrasil,1943,pp.339-51).Carpeauxpresenteiaoescritoralagoanocomumexemplardetal obra e lhe faz a seguinte dedicatória: “AomeuvelhoGracilianoRamos, artista cada vezmais

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admirável,eamigocadavezmaisquerido,seuvelhoOttoMariaCarpeaux/Natalde1943”.5.PauloRónai(1907-92):tradutor,ensaísta,revisoreprofessordeorigemhúngaraquetambémserefugiounoBrasilnocontextodaSegundaGuerraMundial.SobreoautordeAngústia,publicouoensaio“NomundodeGraciliano”,escritoem1948epresentenolivroEncontroscomoBrasil(RiodeJaneiro:MinistériodaEducaçãoeCultura;InstitutoNacionaldoLivro,1958,pp.101-10).6.GracilianoserefereaostextosdeAurélioBuarquedeHolanda“Notassobrealinguagemded.CândidaRosa”,publicadonaRevistadoBrasil(RiodeJaneiro,3ªfase,anoII,n.11,maiode1939,pp.41-5),e“Retratodeminhaavó”,recolhidonolivrodecontosDoisMundos(RiodeJaneiro:JoséOlympio, 1942). Nesses escritos, avulta a figura áspera e pitoresca de Cândida Rosa de MouraFerreira,avópaternadodicionarista,aqual,nofinaldadécadade1940,beirava90anosdeidade.Nacrônica “DoisMundos”, publicadana revistaLeitura, em janeirode1943, o autor deAngústia serefere a ela como uma “grande velha, personagem que ficariamuito bem numa literatura sólida”(RAMOS,Graciliano.Linhastortas.RiodeJaneiro:Record,2005,p.389).Emoutraoportunidade,Graciliano reafirma o caráter antológico de “Retrato de minha avó”, ao selecionar tal quadrocomposto porAurélio para integrar a coleção de contos e novelas que organizou para a Casa doEstudantedoBrasil(RAMOS,Graciliano[org.].Contosenovelas.3vols.[NorteeNordeste;Leste;SuleCentro-Oeste]RiodeJaneiro:CasadoEstudantedoBrasil,1957,vol.1,p.271-6). 7. Naentrevista“Autorretrato—GracilianovistoporGraciliano”(Leitura,RiodeJaneiro,nº1,dezembro de 1942), Graciliano menciona JoséOlympio, editor que publicaraAngústia quando oartistaalagoanoseencontravanacadeia,em1936,comoumdeseusmelhoresamigos. 8. ConformeseriaexpressoemsuasMemóriasdocárcere, refere-seao tenentequeefetuara suaprisão em 3 de março de 1936. Um mês antes, tal sujeito lhe havia aparecido na repartição(Graciliano na época era diretor da Instrução Pública) pleiteando a aprovação de uma sobrinhareprovadaemexameparaocargodeprofessora.Gracilianolherecusaraopedido.Depoisdisso,ooficial voltara com uma carta de recomendação, repisara a exigência e “ouvira a recusa fatal”(RAMOS,Graciliano.Memóriasdocárcere.4vols.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1953,vol.1,pp.25-6).

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Agradecimento à Sociedade FelippeD’Oliveira1

Meussenhores:

E m fim do mês passado tive uma enorme surpresa: recebi, em cartaassinada por João Daudt de Oliveira, Octávio Tarquínio de Sousa e RodrigoOctávioFilho,2aofertadeumprêmioespecialporconjuntodeobras,conferidopelaSociedadeFelippeD’Oliveira.3Nãomecomporteicomodevia.Perturbado,balbuciei duas palavras confusas, que ninguém percebeu, e encolhi-me, semconfiarnosmeusolhosenosmeusouvidos.Semehouvessemdadoumanotíciadesagradável, resignar-me-ia, juntá-la-ia

aosdesastresdequeavidaseformaecontinuariaomeucaminho,tropeçando.Naquelanoite,porém,tudoconspiravaparaexibir-mesomenteoladobomdaspessoasedascoisas.Schmidtmecomoveraemdemasiacomumaoraçãoaquemepossoreferirsemmostrarvaidade,pois,comoobservouarevistaDiretrizes,ela“perdeuocaráterdesaudaçãoaoindivíduo,parasetransformarnumhinodeconcórdia, num apelo aos intelectuais”.4 As conversas nos arrastavam a umotimismo perigoso. Estávamos ficando todos, homens de colorações diversas,poucomaisoumenosirmãos.EalguémnotavacommalíciaquereproduzíamosaarcadeNoé.Foi nesse ambiente que a resolução da Sociedade Felippe de Oliveira

dispersouasescassasideiasquemerestavam.Conseguidificilmenterecompor-me. E nos últimos vinte dias, sempre que tencionava fixar no papel esteagradecimentonecessário,perguntavaamimmesmo:—Porquefizeramaquilo?Arespostanãovinhaeatarefaseadiava.

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Enfim presumi atinar com o motivo da generosidade que me esmagou.Naturalmente fujo de atribuí-lo aosmeus recursos interiores, minguados, masnão devo insistir numa declaração que poderia reputar-se falsa modéstia eimpertinência.ASociedadeFelippedeOliveirateveassuasrazões,baseadasnoseguinte,senãomeengano.Possuímosumaarteque,emboracanhestraebisonha,vailevantandoacabeça

e é vista com simpatia por juízes sérios, aqui e no exterior.E possuímos umaespécie de arte, balofa, gordurosa, que avultamuito e se impõe àmaioria dosespíritos.Aprimeiraéseca,miúdaepedestre.Asegunda,considerável,rodanosautomóveis e manifesta-se com abundante palavreado sonoro, isento designificação.Schmidtferiu-aquando,hátempo,falounosdonosdaliteratura.5Etornouagoraamencionaroshomens“poderosos,aquemninguémousadisputarhonrarias, viagens e proventos”.6 Apresentaram-me um dia algumas dessaspersonagens:—Fulano,Beltrano,Sicrano,nossoscolegas.Fiqueiembuchado,parafusandonaesquisitabenevolência.Eramunssenhores

fornidos, vermelhos, importantes em excesso. Nunca me havia entrado nasorelhas o nome de nenhum. Procurei na minha insuficiência qualquersemelhança com essas criaturas notáveis e em tudo achei-me longe delas.Evidentemente não éramos colegas. Uma deplorável confusão. Seresdominadores, vistosos, rijos, simulamdedicar-se ao desgraçado ofício que nosroubasangueenervo,nostransformaemruínas.Fuiagoraobrigadoalerpertodumacentenaderomancesinéditos.Meiadúzia

regular,meiadúziapéssima,unsquasesofríveis,outrosmaus.Orestopertenceaessegênerodecomposiçãoqueinjustamenteconsideramosruim,porquedefatonão tem qualidade nenhuma: não é nada. Se muitos autores absurdos nãotivessem tido a ideia de jogar no papel frases inúteis, aminha leitura forçadaseriamuitomenospenosa.É intuitivo que só devemos escrever se qualquer coisa nos vem do íntimo,

qualquercoisaquenoschegasemprovocaçãoequersair.Podeserqueissonosapareçaumavez,muitasvezes,epodenãoaparecernunca.PodesurgirtardeeocasionarumaestreialiteráriacomoadeJoãoDaudtdeOliveira,quehápoucosanospublicouumótimolivrodememórias.7Geralmente, contudo, certos cavalheiros hábeis se julgam no dever de

engendrar um razoável número de volumes, que lhes proporcionam “ashonrarias,asviagenseosproventos”aqueserefereSchmidt.Contraeles,suponho,aSociedadeFelippedeOliveirasereveloupremiando

umliteratofortuito,umindivíduoque,semaintervençãodenumerososacasos,

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estariahojenasuacidadezinhadointerior,compondoemhorasvagashistóriasqueninguémleria.Isso não diminui, é claro, a minha gratidão. Penso nos escritores aqui

distinguidos—eacompanhiadelesmeenobrece.Amando,Gilberto,Vinícius,Lúcia,Bandeira,Rachel,JoséLins.8Todossabemtornar-sepequenos,fazerqueumsujeitocomoeunãosintaentreelesnenhumconstrangimento.Admitoqueàsvezesamentirasejaumavirtude.Amentiraquemetrouxea

estacasa,porexemplo.ApiedosamentiracomqueSchmidthádiasmevestiu.Averdadeestánomedalhão,na linguagemcampanuda,noadjetivo inchado.Nas“honrarias,viagenseproventos”.Nãoimporta.Homemderomanceedesonho,aceitoamentira,poissemelaavidaseriaumhorror.

10denovembrode1942

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Notas1.ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos,not.12.1e12.2. 2. Membros da comissão diretora da entidade desde a sua criação em 1933 (ESTATUTOS daSociedadeFelippeD’Oliveira.LanternaVerde,Riode Janeiro, nº 1, 1934,p. 119).Naocasiãodojantar,noqualfoiconferidooprêmioaGraciliano,coubeaRodrigoOctávioFilhosaudaroescritor(ver: “Saudação da Sociedade Felippe D’Oliveira”. In: SCHMIDT, A. F. et al. Homenagem aGracilianoRamos.RiodeJaneiro:Alba,1943,pp.31-2). 3. Organização criada em1933, noRio de Janeiro, por iniciativa, sobretudo, de JoãoDaudt deOliveira,“comafinalidadedepublicarobras inéditasdopoetaFelippeD’Oliveira, reeditaroutras,cultuarsuamemóriaedivulgarescritoresnovos”(COSTA,LígiaMilitzda.“FelippeD’Oliveira:vidaeobra”.In:OLIVEIRA,FelippeD’.Obracompleta.PortoAlegre:IEL;SantaMaria:UFSM,1990,pp.26). 4. CINQUENTENÁRIO deGracilianoRamos.Diretrizes, Rio de Janeiro, ano 5, nº 123, 5 denovembro de 1942, p. 21. Durante o jantar comemorativo do quinquagésimo aniversário deGraciliano,nofechodesuafala,Schmidtpontuava:“Equeestanoite,noitedoseucinquentenário,marqueo princípio de umentendimento entre todos os que escreveme estão separados pelo ódioideológico, pelos que têm a força suprema de poder falar e se enfraquecem nas lutas entre si”(SCHMIDT,AugustoFrederico.“DiscursodeAugustoFredericoSchmidt”.Revista doBrasil,RiodeJaneiro,3ªfase,anoV,nº52,dezembrode1942,pp.135). 5. Gracilianoabordarao tema,em1937,nacrônica“Osdonosda literatura”:“Umdiadestes,àportadecertalivraria,umpoetaqueixava-seamargamentedosdonosdaliteratura./—Quedonos?Perguntoualguém./Esurgiramnaconversaalgunsnomes,quenãosereproduzemaquiporqueistoseriaindiscrição.Emtodoocasoficaregistradaaamarguradopoeta”(RAMOS,Graciliano.Linhastortas.RiodeJaneiro:Record,2005,p.138).6.SCHMIDT,AugustoFrederico,op.cit.,p.135. 7. Provavelmente,Graciliano faz referência ao livroMemóriasdeJoãoDaudtFilho (1938), deautoria de João Daudt Filho, farmacêutico nascido em Santa Maria (RS) e tio do poeta FelippeD’Oliveira.Quandolançaraolivro,DaudtFilho tinha80anosde idade.JoãoDaudtdeOliveira, aquemGracilianosereferenotexto,erairmãodeFelippeeumdosdiretoresdasociedadequelevavaonomedeste.Bacharelemdireito,comerciantee líderdeclasse, tevemuitosdosseusdiscursoseconferênciaspublicados(COSTA,LígiaMilitzda.“FelippeD’Oliveira:vidaeobra”.In:OLIVEIRA,FelippeD’.Obracompleta.PortoAlegre:IEL;SantaMaria:UFSM,1990,p.28). 8. Graciliano enumera outros escritores laureados pela Sociedade FelippeD’Oliveira: AmandoFontes,premiadopelolivroOsCorumbasem1933;GilbertoFreyre,porCasa-grande&senzalaem1934;ViniciusdeMoraes,pelaobraFormaeexegeseem1935;LúciaMiguelPereira,pelolivrodecríticaMachado deAssis em1936;ManuelBandeira, pelo conjunto da obra em 1937;Rachel deQueiroz,peloromanceAstrêsMariasem1939;eJoséLinsdoRego,porÁgua-mãeem1941.

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Umavisitainconveniente1

Osociólogoestrangeirodesembarcou,dirigiu-seaohotel,aboletou-seenodia seguinte percorreu a cidade, exibindo a roupa de sábio, surrada e comjoelheiras,oguarda-chuvadecabotorto,ochapéudepalha,sujo,roídonasabas,umgrandepacoteamarelodebaixodobraço.Conhecidasváriasruas,encaminhou-seaopaláciodogoverno,entregouaum

contínuoocartãodevisitaesentou-se.Poucodepoismandaram-noentrar,poistinhavindopelo telégrafo recomendação forte.Ergueu-se, afastouo reposteiroverdecomsímbolosbordadosaouroeachou-senapresençadopoderexecutivo,a quem endereçou um pequeno discurso organizado na antecâmara,mentalmente.2Emseguida,sobreamesalargaondeoexpedienteseacumulava,desatouos

cordões do embrulho e ofereceu a S. Excia. diversas brochuras grossas, queencerravam,comlargosaber,astransaçõeshumanasdostempospré-históricoseasdofuturo.Ogovernador incluiunum rápidobalançoos títulos sisudos, as dedicatórias

amáveis, os milheiros de páginas cobertas de letra miúda, floresta raramentequebradaporespaçosbrancos.Juntoua issoasduas linhasquenegrejavamnocartão, sob o nome do visitante, os termos da recomendação telegráfica,ministerial—edisseaspalavrasaplicáveisàsituação.Conversou durante os minutos precisos e regulamentares, pensando nos

encrencadosartigosdumvagodecretoenumacriaturafeminina,tambémvagaeencrencada.Ditasasfrasesnecessárias,calcouobotãodacampainhaemandouchamarumfuncionáriodevulto,convenienteàsexigênciasdosociólogoquealidescansavanacadeiradeespaldaralto,encimadoporumaáguiaeoutrosobjetosoficiais.Vindooburocrata,fezaapresentação:— Professor Fulano, da universidade de... (Onde era a universidade, santo

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Deus?)Auniversidadedetalparte.Deseja...Houve uma pausa, exame de papéis — e o sociólogo explicou

minuciosamenteoquedesejava.Ogovernadornãoentendeuetransportou-seaosparágrafosdifíceisdodecreto

eacertaspalavrasdamulhervaga.Ofuncionáriobalançouacabeça:—Perfeitamente.Despedidas protocolares, sorrisos, agradecimentos. O contínuo, percebendo

que o sujeito era importante, franziu, curvando-se, os símbolos dourados doreposteiroverde.—Àssuasordens,professor,disseofuncionário,deixandoopalácio.Eentrounumautomóvel,dispôs-se,chateado,amostraraohomemdoguarda-

chuvadecabotortoascuriosidadesindispensáveisàfabricaçãodumaobrasériaeacadêmica.Percorreramsecretarias,diretorias,oserviçodealgodão.Viramecomentaram

a estrada de rodagem, o hóspede exigindo pormenores, os construtoresalargando-seemconsideraçõesalheiasàsperguntas.Estudaram,noaprendizadoagrícola, o banheiro carrapaticida, as pocilgas, o estábulo e o galinheiro,coleções de animais desenvolvidos cientificamente e improdutivos. Foram aotribunaleaosjornais, leramsentençaseartigosdefundo.Assentençaseramoque no lugar havia demelhor em sintaxe; os artigos,mal escritos, revelavamenergia e lirismo. Visitaram o mercado, o Instituto Histórico, os clubes defootball, os cafés, os cinemas, casas de família e casas onde não existiamfamílias,empontasderua.Osociólogoestrangeiro,deolhosabertos,ouvidosabertos,acarteiraaberta,o

lápisnamão,possuía,decorridaumasemana,materialsuficienteparaumlivrode quinhentas páginas, corpo 8. Figurariam nele, com auxílio de algumascrônicaspesadas,asorigens,odesenvolvimento,ofimprováveldumasociedadeque,partindodaqui,andandoali,chegarianecessariamenteacolá.Nesse ponto, como era preciso estirar o volume, exploraram-se as escolas.

Tudocorreubemnas elementares.Asprofessorasdisseramoque sabiameosmeninosindicaramnomapaosítioondefreiHenriquedeCoimbrarezouamissadeestreia.Masnumestabelecimentosecundáriohouvedesastre.— Esse tipo, cochichou o funcionário a um lente sabido, quer uns

esclarecimentossobreos índios.Voulevá-loàsuaclasse.Penseiemvocêparaexplicar direito esse negócio.3 Conte umas lorotas, que o homem é deuniversidade.—Muito bem, respondeu a douta personagem agradecida, feliz por sair da

sombraemanifestar-sediantedequempudessecompreendê-la.Meiahoradepois,numapreleçãomuitoverbosa,diziaaosalunos(dirigia-se

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naverdadeaoestrangeiro,queoescutavaassombradoaliperto,oguarda-chuvaentre os joelhos) coisas admiráveis a respeito de inscrições achadas no sertão.Garantiu que elas tinham sido feitas pelos egípcios e pelos fenícios,desembarcados no Brasil tantos séculos antes de Jesus (estabeleceu a data),agentesdecolôniasprósperas, ligadasporumcomércio regularàsmetrópoles.Tentou decifrar alguns caracteres, percebeu neles os nomes de Osíris e dosengenheirosque,háquatromilanos,executaramobrasnotáveisnacachoeiradePaulo Afonso. Sim senhor. Os devotos de Osíris e de Ísis misturados aosselvagensnacionais,queaindanãoeramtupis.4—Nãosenhor.O estrangeiro embasbacava, arregalava os olhos. E o funcionário suava,

agitava-sedesesperadamentenacadeira,pareciamordidodepulgas.Trincavaosbeiços e fazia gestos inúteis. Segurava-se à ideia de que o sujeito importante,conhecedordefatosrelativosàpré-históriaeaofimdomundo,nãoentendessealinguagemdoprofessorcambembe,provincianaecorrupta.—Oramuitobem.Dessasrelaçõesentreoelementoindígena,osegípciose

osfeníciosnasceramostupis.Os estudantesmaus bocejaram.Os estudantes bons sorriram.Osmedíocres

pegaramoscadernosetomaramnotas.— Felizmente lá fora ninguém entende um português assim estragado,

consolou-seofuncionário.Estamosemsegurança.Osociólogoestrangeirodesiludiu-o,fulminou-ocomumaperguntabrutal:—Os senhores não têm programa? Um homem pode aqui ensinar isso na

escola?

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Umavisitainconveniente”.CulturaPolítica,ano2,nº22,RiodeJaneiro,dezembrode1942,pp.154-5.Manuscrito,datadode10deoutubrode1942,pertencenteaoInstitutode Estudos Brasileiros: Arquivo Graciliano Ramos;Manuscritos; Crônicas, ensaios e fragmentos;not.10.3.2.Algunsdesteselementosquecompõemocenáriodogabinetedochefepolíticoestadualtornamaserutilizadosem“Doisdedos”,textoquenomeiaumvolumedecontosdeGracilianopublicadoem1945pelaRevistaAcadêmicaequeposteriormenteseriarecolhidoemInsônia(1947). 3. No manuscrito desta crônica, está grafado “Lembrei-me de você para explicar direito essenegócio” (Instituto de Estudos Brasileiros: Arquivo Graciliano Ramos; Manuscritos; Crônicas,ensaios e fragmentos; not. 10.3). Trata-se da única divergência entre as versões manuscrita eimpressado texto.Como, alémde colaborador,Graciliano exercia a funçãode revisor deCulturaPolítica (ver IVO, Ledo. “O mundo concentracionário de Graciliano Ramos”. In: Teoria ecelebração.SãoPaulo:DuasCidades;SecretariadaCultura,CiênciaeTecnologiadoEstadodeSãoPaulo,1976,p.96-97),optou-sepelaformaqueconstanapublicaçãogetulista.4.GracilianoaludeironicamenteaolivroAntigahistóriadoBrasil,de1100A.Crh.a1500Dep.Chr., publicado em Teresina (PI), em 1928, por Ludwig Schennhagen, austríaco excêntrico quepercorreraossertõesnordestinosnasdécadasde1910e1920àprocurade inscriçõese formaçõesgeológicas que atestassem a presença de civilizações perdidas em solo brasileiro. “LudovicoChovenágua”,comoerachamadopelossertanejosdevidoàdificuldadedesepronunciarseunomeeuropeu,teriasidoomaisfértilepitorescodetodososdefensoresdomitodavindadosfeníciosparaoNordestebrasileiro,muitoantesdosportugueses(MARTIN,Gabriela.Pré-históriadoNordestedoBrasil.4ª.ed.Recife:Ed.UniversitáriadaUFPE,2005).

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OestranhoPortinari1

—Você vai trazer-me os seus livros, disse-me Portinari ao almoço.Queroguardar os livros dosmeus amigos. Talvez não tenha tempo de ler tudo,masqueroguardar.Vocêsabecomoéqueé.Sótenhotempodeleristo.Abriu volumes pesados, técnicos e álbuns preciosos.Em seguida, fomos ao

“atelier”eotrabalhorecomeçou,numaconversameiomonologada,quelongossilêncios interrompiam. Às cinco horas julguei que a cabeça estivesse pronta:certamente não era preciso acrescentar-lhe um cabelo ou uma ruga.2 Portinariexaminou-a,virou-a,mediu-a,murmurandofrasessoltas,repetindoumaqueseiatornandoestribilho:—Elesnãosabemcomoéqueé.Tivedelávoltar.Dacadeiraondemeimobilizava,conseguia,entortandoum

poucoosolhos,avistarumpedaçodoS.João,3queocupavaumaparededasalapequena.Tinham-meaparecidofotografiasdessequadroumanoantes,nojornal.Estava então findo, mas a composição continuava. Fora colorido, branco enegro, novamente colorido, e tinha experimentado numerosas transformações.Corrigira-se omolequinho que sobe na palmeira; uma lata d’águamudara detamanho;opixaimdamulatavistosa,penteado,estiradocomesmero,muitosediferençava da carapinha original.O queme preocupava nessas devastações erenascimentos eram uns anjinhos mestiços que avultam à direita, admiráveltríadeondeseconcentram,depoisdeexcessivosretoques,ossentimentosbonseos sentimentos puros da favela.No grupo, asminhas simpatias se fixavamnacabrochinhamaistaluda,viva,iluminadaporumsorrisoencantador.—ÔPortinari,vocêaindavaimexercomestainocente?—Não.Achoqueestáacabada.Respirei,comagradecimentoealívio.Mas,naoutravisitaquefizaopintor,

encontrei a minha amiga triste e desfeita: uma sombra perturbara o sorriso

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maravilhoso.Comcertezaessaluzdestoavadoconjunto.Homemestranho,Portinari,homemdeenormeexigênciacomasuacriação,

indiferente ao gosto dos outros, capaz de gastar anos enriquecendo uma tela,descobrindo hoje um pormenor razoável, suprimindo-o amanhã, severo,impiedoso.Dessaproduçãocontínuaecontínuadestruição ficouoessencial,oquelhepareceuessencial.Não é arte fácil: teve um longo caminho duro, impôs-se a custo nestes

infelizesdiasdelogroecharlatanismo,depoemasfeitosemcincominutos.Eaténosespantaqueartistaassim,tãoindispostoatransigências,hajaalcançadoemvidaumaconsagração.Devemos,porém,levaremcontaasopiniõesquenãosemanifestamporque seria feiodiscordardacríticadosEstadosUnidos.Emboraconsiderem disforme o pé do cavador de enxada, cavalheiros prudentes oelogiam.Istonãotiranempõe.Insensívelagoraàslisonjas,comofoiinsensívelaos ataques naqueles princípios ásperos, o trabalhador honesto continua aaperfeiçoarseusmeiosdeexpressão,alheioàscoisasquenãolheimpressionemo olho agudo. Tudo sacrifica à ocupação que o domina, o tiraniza. Só assimpoderá realizar obras que não lhe desagradem. Porque o seu público é elemesmo.Naturalmente.Encolheosombrosacertasadmirações:—Elesnãosabemcomoéqueé.

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Notas 1. RAMOS,Graciliano. “OestranhoPortinari”.OJornal,Rio de Janeiro, 1º de julho de 1943.ManuscritopertencenteaoProjetoPortinari:RAMOS,Graciliano.“NotassobrePortinari.” [RiodeJaneiro],26dejunhode1943,2f.,not.TX-9.1,PR-718.2.Trata-sedoRetratodeGracilianoRamos,desenhoacarvãoecrayonsobrepapel,feitoem1937,apartirdeencomendadeMuriloMiranda, entãodiretordaRevistaAcadêmica.Como se sabe, talimagem fora utilizada como ilustração no número 27 da Revista Acadêmica, de maio de 1937,dedicado a homenagear o autor alagoano, cujo romance Angústia acabava de ser laureado peloperiódico como prêmioLimaBarreto.A obra vinha acompanhada de uma dedicatória nametadeinferiordireita:“ParaGracilianocomumabraçodePortinari.” 3. Trata-se da pintura a óleo Festa de São João, iniciada em 1936 e finalizada em 1939(CANDIDOPortinari: catálogo raisonné. 5 vols. Coord. JoãoCândidoPortinari; org. Christina S.Gabaglia Penna e João Cândido Portinari; apres. José Eduardo Dutra. Rio de Janeiro: ProjetoPortinari,2004,vol.2,pp.60-1).

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DEPOISDAENTRADANOPCB

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Esta vontade é a nossa arma:Constituinte!1

ExigimosumaAssembleiaConstituintelivrementeeleita—éprecisodizeristo,repetiristosempre,emtodososrecantosdopaís.Estareclamaçãoimpõe-se, entra nas consciências, e os políticos que a princípio desejavam aConstituinte, edepoisnãoadesejavam,começamadesejá-ladenovo,masdemaneira singular: comodádivadeumpresidente escolhidonavigênciade leisque se fazem, desfazem, refazem, voltam a desfazer-se.Querem um presente,coisaoutorgada,poucomaisoumenosareproduçãodoquesucedeuem1937,commaisaparato,máscaradelegitimidade.É contra isso que protestamos. Descontenta-nos a ideia de, encobertos nos

remendos da carta meio fascista ainda existente, remendos cada vez maisencolhidoseesgarçados,elegerumditador,confiantesnestapromessagenerosa:receberemos de fato aquilo que nos pertence. Realmente, se nos falta umaConstituição, se a que nos rege é apenas um simulacro de Constituição, sópoderemoselegerumtirano,enenhumavantagemhaveránisso,emboraelesejaa melhor das pessoas, absolutamente digno. Se aceitássemos tal arranjo,ficaríamos a depender dessa estranha magnanimidade, a depender de umindivíduo, situação que a experiência nos diz ser por todas as razõesinconveniente.Quenosalvitraumdoscandidatos?—Escolham-me, e eu permitirei que aCâmara edifique uma espécie de lei

básica.Mas donde vem essa linguagem? Estamos cansados de ouvir salvadores

vaidosos que nos trituram a paciência, nos amolam com o pronomezinhoirritante: eu, eu, eu, eu. Não temos a ingenuidade necessária para confiar nosmessias que se arrogamo direito de conduzir asmassas arbitrariamente e nos

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concedemliberalidadesnopapeleemdiscursos,arengamcomoutrosmessias,numalavagempúblicaderoupasuja,comosetivéssemosinteresseemremexermazelaspessoais,enãonosentendem,nãonosconhecem,nuncanosentenderãoe nos conhecerão. Afastaram-se em demasia de nós, nem percebem queacumulamos decepções sobre decepções, anos, séculos de decepções, e vêmrepisar-noscantigasvelhas,caducas,sugeridasporumindividualismoestreitoemesquinho.Por que haveríamos de aceitar a concessão que nos propõem? Ela não se

basearia naquele velho privilégio real, já ninguém possui a faculdade que asreligiõescriaramdeconcederaopovoistoouaquilo:seriaumaconsequênciadanossa vontade expressa pelo voto. Esta vontade é a nossa arma, e não nosresolvemosaaliená-la,numacredulidadetalvezfatal.—Eu farei—asseveramestadistas capengas, fechandoos olhos a algumas

revoluções,queapesardetudoserealizaramnestepobremundo.A nossa linguagem é outra. Nada pedimos, pois a criaturamais honesta se

acharáemdificuldadesenomomentodesaldarassuascontasestiverdemãosvazias.Ocumprimentodecertasobrigaçõesnãodependedosbonspropósitosdodevedor.Eaínãoháexatamentedívida:háumaoferta,deexecuçãoduvidosa.É natural que a recusemos, digamos claramente o nosso intuito.

Empregaremos todos os esforços por umaAssembleiaConstituinte livrementeeleita. Só ela nos dará tranquilidade, a paz que a reação procura estorvar porváriosmeios, forjando intrigas, semeandomentiras, estabelecendoadesordem,fingindocorrigi-laeatirandonosespíritosogérmendenovasdesordens,porqueédessasdesarmoniasqueviveareação.Desejamostrabalharemsossego,livresdas ameaças estúpidas que há dez anos tornaram isto uma senzala. O nossopequeninofascismotupinambáencheuoscárcereseocampodeconcentraçãodaIlhaGrande,meteunelessujeitosinofensivos,atédevotosdepadreCícero,gentedepenitênciaerosários,pobresserestímidosquenosperguntavamcomsurpresaverdadeira:—Porqueéqueestamospresos?Usaremos todasasnossas forçasparaqueessas infâmiasnão se repitam.E,

paraqueelasnãoserepitam,exigimosumaAssembleiaConstituintelivrementeeleita.Fascistas confessos, de cruz gamada e sigma, despiram as camisas sujas,

lavaramasmãostorpes,sãoagoraunsinocentinhosbem-comportados,zumbemcomsorrisosdeanjos:—Nãotemosnadacomisso.Profissionais da política malandra, que recebiam instruções da embaixada

alemã, da embaixada italiana, possibilitaram o golpe de novembro e se

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beneficiaramcomele,purificaram-se,estãoalheiosaindecênciaseapontamumculpado:—Foiele.E jornalistas que aplaudiram as injustiçasmais terríveis, as violênciasmais

ferozes, tambémsedistanciaramdo amo, cospemnoprato, arranjamumbodeexpiatório.Desses grupos, mais ou menos avariados, surgem cavaleiros andantes,

Quixotesresolvidosapôrascoisasnoseixosedesfazeragravos.Éintuitivoquenão acreditemos neles. Impossível responsabilizarmos um homem só pelasmisériasquechoveramsobrenós.Hámuitosautoresdelas—eospioressãoosquehojesimulamessapurezatardiaequeremdemocratizaropaísdecimaparabaixo.Éoquesemprefizeram.Nademocraciadelesopovonãoentra.Fugimosdessa mistificação. E reclamamos com insistência, gritamos cem vezes, milvezes, exibindo esta necessidade: uma Assembleia Constituinte livrementeeleita.

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Nota 1. RAMOS,Graciliano. “Estavontadeé anossa arma:Constituinte!”.TribunaPopular,Rio deJaneiro,25desetembrode1945,p.3.TextotambémpublicadoemGARBUGLIOetal.GracilianoRamos. São Paulo: Ática, 1987, pp. 110-2. Manuscrito pertencente ao Instituto de EstudosBrasileiros: Arquivo Graciliano Ramos, Série Manuscritos, Título Discursos, not. 12.16A. (Essaversão manuscrita se mostra praticamente idêntica ao texto publicado em jornal, a não ser pelosvocativos endereçados aopúblicoouvinteno iníciodo texto: “Senhoras / senhores /Camaradas.”Como se optou aqui pelo testemunho saído na imprensa, aparentemente mais próximo da últimaredação pretendida pelo autor, deixaram-se de fora tais interpelações à plateia). Antes de sertranscritopelaTribunaPopular,opresentediscursoforaproferidoporGracilianoem19desetembrode1945,emBeloHorizonte,numcomícioquedavainícioàcampanhaeleitoraldoPCBemMinasGerais.OautordeVidassecasdiscursavanaqualidadedecandidatoàAssembleiaConstituintepeloPCBdeAlagoas,enviadopeloComitêNacionaldopartidoparaprestigiar“afestadeapresentaçãodos candidatos mineiros” (O POVO mineiro clama em praça pública pela Constituinte. TribunaPopular,RiodeJaneiro,20desetembrode1945,p.5).

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Atarefaprincipal:Constituinte!1

Nodia3docorrente,emdiscurso,ochefedogovernoassimsemanifestou:“Devodizer-vosqueháforçasreacionáriaspoderosas,ocultasumas,ostensivasoutras, contrárias todas à convocação de uma Constituinte.”2 Essas palavrasforamdirigidasanumerosaspessoas,verdadeiramultidão,eaindapodemosvê-las no papel, convencer-nos de que não nos enganamos e elas realmenteexistiram.Longeestávamosdeesperarsemelhantefranqueza:deordinárioosestadistas

usam linguagem diversa. Não foi um transporte de eloquência, surgido noimproviso, apanhadopelo taquígrafo.Não: foi coisaescrita, emoração rápida,bastantedivulgada.Que devemos pensar? Essa declaração nos reaviva algumas ideias, que

andamos a espalhar há meses, em conversas, em jornais, em comícios. Emprimeiro lugar, negamos a importância excessiva que por aí atribuem aosdirigentes.Apesarde termos tidováriosanosdepresidencialismoeafinalumaditaduradosdiabos,consideramosaautoridademaisaltauminstrumentoapenasdequeseservemosgruposdominantes.“Devo dizer-vos que há forças reacionárias poderosas.” Sempre afirmamos

isso.E,emconsequência,olhamoscomdesconfiançaomelhordosprogramas,exposto pelo melhor dos candidatos, se, por detrás dos candidatos e dosprogramas,percebemosasombradessasforçasreacionárias.Longamente elas nos cantaram, pelos seus fonógrafos, loas idiotas e

procuraram embalar-nos com lugares-comuns arruinados. Ofereceram-nos,insinceras,atríadecomqueospregoeirosdaRevoluçãoFrancesajulgaramcurartodos os males sociais. Dessa transplantação vieram resultados curiosos. Emnomeda liberdade, houvenoprincípiodo séculouma revolta, defesada febreamarela, da peste bubônica e da varíola. A igualdade nos trouxe o terrível

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arrochodasnossaspopulaçõesrurais,que,seaindaresistem,nãoéporquenãohajam buscado por todos osmeios acabar com elas. Submeteram-nas à fome,deram-lhesadoença,amisériaextrema,abeaticedeCanudosedoJuazeiro,ocangaço, animalizaram-nas, enquanto anunciavam as nossas grandezas: oAmazonas, a cachoeira de Paulo Afonso, o Itatiaia. Quando não puderamesconder as desgraças que nos afligiam, esforçaram-se pormudar o efeito emcausa—eresponsabilizaramocaboclo.Afraternidadenosdeu1936.Realmenteconfraternizamos,naColôniaCorrecionaldeDoisRios,noporãodo“Manaus”,no porão do “Campos”, em outros lugares semelhantes, políticos, malandros,vagabundos,ladrõesdetodosostipos,doventanistaaoescroqueinternacional,esujeitosquenãoeramnadadissoe seachavamalinão se sabecomonemporquê.Depois dessas experiências, era natural duvidarmos dos nossos salvadores.

Eles próprios não se sentiam bem para continuar a mexer no velho realejo.Desprestigiados,atiravamaculpaaoExecutivo—ecomaeleiçãoarranjavamtudo.Enfeitavamumboneco,elogiavam-no,metiamnumaplataformahorríveischavõesmalenvernizados,promessasabsurdas,sabendoperfeitamentequeissoera tapeação. Quando chegavam à plateia os primeiros sinais de desânimo eenfado,novaretórica,novacomédia.Se um quadriênio era suficiente para transformar um messias em bode

expiatório,decertoseacumulamsobreoatualdetentordopoder,háquinzeanosempoleiradonele,oquádruplodosdefeitosemprestadosaosseusantecessores.Temos,pois,umademagogiamultiplicada.Conservam-se,porém,inalteráveisosmétodos:ofensaspessoais, insultosaoadversário,àsvezesaoamodavéspera;gabos insensatos a reformadores esquisitos; o badalar de glórias que ninguémnotou; o emprego imoderado e vaidoso da primeira pessoa; a afirmaçãodesonestadequeummágicobisonhomodificaráestabalbúrdia,conservandoanossaestruturaeconômica,nosdarápazetranquilidade,comooprestidigitadorquetirafitasecoelhosdeumacartola.Fazendo-nosentreveressa felicidade,afastam-sedamassa—eespantam-se

dequeelanãocorraaaplaudir-lhesosdesígnios.Ecomonãoosaplaude,agenteanônima, excelente para lançar cédulas nas urnas, fabricar personagenspneumáticas, recebexingaçãoedureza: é anegrada irresponsável, é a canalhadosmorros.Julgo que devemos aceitar essa injúria com alegria3: afrontas deste gênero

muitas vezes se transformam em títulos desejáveis. E na encruzilhada emquenosachamosaspalavrasperdemasignificaçãomuitodepressaeadquiremnovosentido.Bem.Nós,negrada,homensemulheresdacanalhadosmorros,nãoqueremos

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que ninguém nos salve, recusamos os presentes duvidosos dessas figurasadmiráveisvistasdelongeetentamossalvar-noscomosnossosmeios.Defatonada existe dentro das nossas cabeças, porque somos negros, canalha dosmorros, e habituamo-nos a respeitar as cabeças dos brancos da planície.Infelizmentenãopodemos trocarasnossascabeças—e, apesardeelas seremocas,nãonosresignamosaistoeacreditamosqueencerramqualquercoisa.Vemosnaplaníciemuitos palácios.Eos cavalheiros quedesejamgovernar-

nosprovavelmentefazemtençãodeaumentaronúmerodeles,poisisto,alémdeproporcionar diversas vantagens a amigos, embasbacará o estrangeiro. Essasconstruçõesmaravilhosas não nos servirão, porque somos negros, canalha dosmorros,vivemosnas favelase apenas tencionamos,por enquanto, consertar asnossas favelas. Evidentemente não ambicionamos alojar-nos em arranha-céus,aindaescassos.Sãoestas4algumasdasideiasquemesugeriuopequenodiscursodochefedo

governo, resposta à manifestação recebida no dia 3. Mas S. Excia. alude a“forçasreacionárias,ocultasumas,ostensivasoutras”.Essas“forçasostensivas”andamporaí,pintadasdecoresdiferentes,vestindo

roupasdiferentes, usandoexpressõesdiferentes, àsvezes fingindo-se inimigas,desdeoreligiosomesquinhoatéomarxistaindignadoporqueaUniãoSoviéticatraiuaRevolução.Eas“forçasreacionáriasocultas”?Jáasmassascomeçamadistingui-las:para

nós,canalhadosmorros,nãoseocultammuito.Nãoéprecisoseradivinhoparasaberquemforjouointegralismoeaindaprocuradesenferrujá-lo,azeitar-lheasarticulaçõesperras,apesardeosantigospatrões,Hitler,Goering&Cia.,estaremdefuntosouguardadosàchave.Amalandricedecertos jornaiséperfeitamenteclara.Patriotas,liberaisetc.defenderamcomunhasedentesogoverninhosafadoqueospolacos fascistas instalaramemLondres.De repente—silêncio,pontofinal. Secou a fonte, ninguém falou mais no caso. E se um embaixadorestrangeironostraçanormasequívocas,exatamentequandonosesforçamosporsair de uma situação irregular, enxergamos onde opera a reação exterior, agrandeeforte,dominadoradareaçãoindígenaqueescrevenasfolhasdesaforosouhipocrisia,cochichaougritasegundoascircunstâncias,amoldaconsciências,corrompe, ameaça, arma capangas e, se os ventos lhe sopram favoravelmente,queimalivros,embruteceainfânciacompataratasmalucas,encheasprisões.Combatemosissotudo.Écontraissoquenosorganizamos,nós,canalhados

morros. Evidentemente não será campanha fácil. Esses obscurantistas nosferiramcom todasasarmas.Vencidospor tanquesecanhões, fazemagoraumterrível embrulho político e, desesperados, faltos de recursos, imaginampulverizar-noscomabombaatômica.

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Nãolhesqueremosmalporessedesejopoucoevangélico.Osnazistasoanopassadovaliammuitomaisque todoseles juntos.Nãonosgastamosemódiosinúteis:asnossastarefasnosconsomemtempo.Eatarefaprincipal,hoje,éestaqueaquinosreúne:exigirumaAssembleiaConstituintelivrementeeleita.

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Atarefaprincipal:Constituinte!”.TribunaPopular,RiodeJaneiro,10deoutubro de 1945, p. 3.Texto tambémpublicado noBoletimBibliográfico da BibliotecaMário deAndrade,SãoPaulo,SecretariaMunicipaldeCultura,janeiro-dezembrode1985,v.46,nº(1/4),pp.171-7;eemGARBUGLIOetal.GracilianoRamos.SãoPaulo:Ática,1987,pp.108-10,sobotítulo“Forçasreacionáriasocultasouostensivas”.Manuscrito,datadode6deoutubrode1945,pertencenteaoInstitutodeEstudosBrasileiros:ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos,not.12.23Ae 12.15 (O texto publicado em jornal se mostra praticamente idêntico a essa versão manuscrita.Entretanto,napassagemparaoperiódico,delaforamsuprimidosapenasosvocativosendereçadosaopúblicoouvinte.Noiníciodesuafala,Gracilianosedirigea“Senhoras/Senhores/Camaradas”e,emduasocasiõespontuais,a“meus senhores emeuscamaradas”.Optou-se aqui pelo testemunhosaídonaimprensa,supostamentemaispróximodaúltimaredaçãoefetuadapeloescritor,que,assim,deixa de fora tais passagens). Antes de ser publicado originariamente na Tribuna Popular, taldiscursoforaproferidoporGracilianoemcomíciorealizadonapraçaSaenzPeña,noRiodeJaneiro,em7deoutubrode1945,conformeindicaopróprioescritoralagoano,emcartaenviadaaseufilhoJúnio,em12deoutubrode1945.Alémdisso,namissiva,oautordeVidassecasdiscorre sobreaconcepção da presente peça de oratória, revelando aproximar-se esta da prosa de seus livros, semfazer concessões aopúblico aparentemente incultodo evento: “Domingoachei-meemdificuldadeséria. Num comício, na Praça Saenz Peña, houve sabotagem, cortaram-nos o microfone— e foipreciso, diante de alguns milhares de pessoas, andar gente em busca de pilhas, não sei quê. Sópodiamfalarossujeitosdepulmõesfortes.Vieramaspilhas,masaindaassimosoradorestiveramdesuprimirmuitas coisas. Eu tinha feito uma experiência. Afirma a reação que amassa é estúpida,insensível,eporissodevemosoferecer-lhechavõesebobagensrudimentares.Resolvinãofazeraopúblico nenhuma concessão: escrevi na minha prosa ordinária, que, se não é natural, pois alinguagem escrita não pode ser natural, me parece compreensível (...). Decidi, pois, falar numdiscursocomofalonoslivros.Iriamentender-me?Talvezmetadedoauditóriofosseformadopelasescolas de samba. E referi-me à canalha dos morros, à negrada irresponsável, utilizando asexpressõesdos jornaisbrancos.Eraarriscado.Aceitariaamultidãoessa literatura semmetáforasecrua?AlémdissoDeusmedeuuma figura lastimosa,desagradável, cheiadeespinhos.Comessasdesvantagens,senti-meapoiadologonasprimeiraspalavras,econverseicomoseestivesseemcasa.Derepenteomicrofoneemperrou.Emvezdeencoivararorestoàpressa,calei-me,dobreiospapéise aguardei os acontecimentos. Exigências e gritos fizeram que o miserável voltasse a funcionar.Cheguei ao fimcomdiversas interrupções.Oshomensdosmorrosouvirama injúriaquea reaçãolhesatiraemanifestaram-mesimpatiainesperada.Einútil,porquenãopretendoserator.Estouvelhoparamudardeprofissão”(ArquivoGracilianoRamos,CorrespondênciaAtiva,caixa035,doc.021;carta 107 do volumeCartas. 7ª ed. (aumentada). Rio de Janeiro:Record, 1992, pp. 206-7; 8ª ed,2011,pp.283-4). 2. ReferênciaadiscursoproferidopeloentãopresidenteGetúlioVargasnosestertoresdoEstadoNovo,em3deoutubrode1945,nolargodaCarioca,noRiodeJaneiro,aoqualteriamcomparecidoentre80e100milpessoas(FERREIRA,Jorge.Oimagináriotrabalhista:getulismo,PTBeculturapolíticapopular1945-1964.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,2005,p.72).Tratava-sedoaugedomovimento “queremista”, que, com apoio dos comunistas, visava àmanutenção do ditador nopoder, à frente da transição democrática. Em outras palavras, defendia-se a instalação de umaAssembleiaNacionalConstituinte comGetúliono comando.Tal posição controvertidadoPCBsejustificavaemfunçãodasorientaçõesvindasdeMoscou:“Aísetraçouadiretivadequeospartidos

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comunistas de todo o mundo deveriam apoiar os governos de seus países, integrantes da frenteantifascista,fossemelesditadurasoudemocracias”(FAUSTO,Boris.HistóriadoBrasil.SãoPaulo:Edusp,2003,pp.387-8). 3. Na versãomanuscrita, há aqui a interpelação aos ouvintes do discurso: “Julgo que devemosaceitaressainjúriacomalegria,meussenhoresemeuscamaradas:afrontasdestegênero...”. 4. Naversãomanuscrita, têm-se, aqui, novamente vocativos dirigidos aos ouvintes do comício:“Sãoestas,meussenhoresemeuscamaradas,algumasideiasque...”.

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RevoluçãoRussa1

E m 1917, lendo as primeiras notícias da Revolução Russa, torcíamosdesesperadamenteparaqueelaseaguentassetrêsmeses.Kerenski,2NicolauII,3osgenerais,certamente iriamlançar-secontraelaeabafá-la.Nãoesperávamosoutra coisa e apenas desejávamos que ela não se acabasse logo, resistisse aosprimeiros choques e nos desse o exemplo de uma nova Comuna de Paris.Passadosos trêsmeses, aventuramo-nos apedirmais três, depois alargamosoprazoe,vencendooespanto inicial,poucoapouconoshabituamosà ideiadeque o movimento podia alargar-se, aprofundar-se e dar trabalho ao mundocapitalista. Não percebíamos direito os sucessos de Petrogrado e de Moscou,ignorávamos a força dos novos políticos odiados noOcidente,mas a fúria daimprensaeuropeiacontraessesfatoseesseshomens,ostelegramasabsurdos,ascontradições, mentiras e calúnias estúpidas, nos davam a certeza de queassistíamos de longe àmaior de todas as lutas.Decifrávamos penosamente asinformações recebidas, líamos nas entrelinhas, conciliávamos diante do mapaexageros e omissões. Evidentemente os bolcheviques não eram camponeses eoperáriosanalfabetosefamintos.Afinalareaçãofoiobrigadaareconheceristo.Aqueles sujeitos barbudos, brutos e sanguinários possuíam um grande chefe,apenas um. Quando este desaparecesse, não teria substituto, e nas estepesgeladas haveria o caos. Depois os sinos repicariam nas igrejas, os popes4encheriam as ruas de procissões festivas, e das cinzas da família imperialnasceriaumNicolauIII.DerepenteLeninmorriaeoOcidenterespirava.Bem.Dentrodepoucassemanasseriamvarridososbárbarosasiáticos,eacivilizaçãocristã se salvaria. Ignorando que estava morto, Lenin continuava a semearpesadelosemLondreseemParis.Faleceuváriasvezes,váriasvezesressuscitou.Equando realmentedeixouavida,osbárbarosasiáticospermaneceram firmesno Kremlin e a civilização cristã resignou-se a tê-los como vizinhos,

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naturalmente espalhando a respeito deles horrores inéditos,5 que os nossosestadistasepensadoresaquirepetiramcomdocilidade.Aprincípioosrussosnãotinhamarmasnemsoldados,constituíamhordasselvagenseanárquicas.Apesarde tudo, venceram e organizaram seus planos quinquenais. Parecia milagre.Sobreavitóriahouvesilêncio,mas,comoeranecessárioprosseguirnoataquedequalquerjeito,condenaram-seostrabalhosdapaz.Ostrenssoviéticoschegavamregularmente à estação com vinte e quatro horas de atraso.Os automóveis sedesmantelavam ao sair da fábrica. Os aeroplanos não voavam e a ferrugemcobria os tratores emperrados no meio das plantações murchas. Afastados ospatrões, toda a gente queria mandar. As oficinas se despovoavam. Às vezessurgiamafirmaçõescontraditórias.Os trabalhadores russoseramescravos—eos capitalistas, generosos, sentiam imensa pena dos infelizes. Não havia poraquelasbandasnenhumaespéciedeliberdade.Opovogemiasobumaditaduraferoz e estava disposto a acolher de braços abertos os salvadores que lhesurgissem.Longosanosmalharamnissoeporfimseconvenceramdasprópriasfalsidades.Quandoaterrasoviéticafoiinvadida,houveumassombro.Que!Poisostanquesrussosnãoeramdepapelão?Ehaviadentrodelespessoasresolvidasa defender o nefando regime? O primeiro-ministro inglês, num discursocomovido,nosexibiuvirgenseslavasrezandopeloextermíniodofurornazista!6Temosaíduasideiasnovas.Durantemaisdevinteanosafirmarampordiversosmodos que na União Soviética não existia virgindade nem existia religião.Apareceu isso e aparecerammuitas outras coisas, especialmente canhões, umaquantidade imensa de canhões. Exército enorme, abundantes generais.Numerosasepopeias,Stalingrado,Leningrado,Berlimeaderrota fragorosadomaisterríveldosinimigos.Jáagoraédifícilreeditarasinfamescalúniasantigas.Osouvidosmaissurdosforamsensíveisaosroncosdaartilharia,osolhosmaiscegosperceberamdesfiles infindáveisde tropas.Maséuma tristezaque tenhasido indispensável essa demonstração. Nos enormes kolkhoses da Ucrânia assearas amadureciam; represas fecundavam terras áridas; máquinas fabricavammáquinas; cientistas desvendavam segredos nos laboratórios; as artes e aliteratura abandonavam seus refúgios sombrios e evidenciavam-se ao povo; asescolas cresciam, multiplicavam-se, espalhavam-se por todo o território,transpunhamocírculopolar.Tudoissoeranegado.Qualquerrepórter,emmeiadúziadecanalhicesescritas,desmantelavaotrabalhoexcessivo.Eveioaguerra.Foinecessárioosacrifíciodedozemilhõesdetrabalhadoressoviéticosparaquechegasse convicção e terror ao espírito dessesmiseráveis que só acreditamnaforçabruta.

7denovembrode1945

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Notas1.Manuscritodatadode7denovembrode1945,pertencenteaoInstitutodeEstudosBrasileiros:ArquivoGracilianoRamos;Crônicas,EnsaioseFragmentos;Manuscritos,not.10.5.Títuloatribuídopeloorganizador.Napresentecrônica,Gracilianolançamãodelembranças, imagenseargumentosutilizadosanteriormentenotexto“Reviravoltas”,de14deabrilde1943,recolhidoemLinhastortas(RiodeJaneiro:Record,2005,pp.328-31).2.AleksandrKerenski(1881-1970):ministrodaJustiçae,logoemseguida,primeiro-ministrodogovernoprovisóriorussoconstituídoapósaquedadotsarNicolauII,em1917.Nestemesmoano,oregimedeordemliberalquecomandavaforaderrubadopelaRevolução(bolchevique)deOutubro,lideradaporLenin(VOGT,George.NicolauII.SãoPaulo:NovaCultural,1987,pp.81-3). 3. Tsar Nicolau II: último imperador da Rússia, que abdica do trono em 1917 e é fuzilado,juntamentecomafamíliaimperial(Romanov),em1918,emmeioaosdesdobramentosdaRevoluçãodeOutubro(verFERRO,Marc.NicolásII.Madri:FondodeCulturaEconómicadeEspaña,1994).4.Popes:sacerdotesdareligiãocristãortodoxarussa(HOUAISS,AntônioeVILLAR,MaurodeSalles.DicionárioHouaissdalínguaportuguesa.RiodeJaneiro,Objetiva,2001,p.2260).5.Termosobrescritoàpalavra“novos”,aqual,emfunçãodisso,foipreterida. 6. Provávelmenção adiscursopronunciadoporWinstonChurchill, primeiro-ministro inglês nodecorrer da SegundaGuerraMundial, em 22 de junho de 1941. Em tal fala, o eminente políticoinformavaopovobritânicosobreainvasãonazistadaRússiaesobreseuconsequenteapoioaopaíscomunista:“Noone has been amore consistent opponent ofCommunism than I have for the lasttwenty-fiveyears.IwillunsaynowordsthatIhavespokenaboutit.Butallthisfadesawaybeforethespectaclewhichisnowunfolding.Thepast,withitscrimes,itsfolliesanditstragedies,flashesaway.Isee theRussiansoldiersstandingon the thresholdof theirnative land,guarding the fieldswhichtheirfathershavetilledfromtimeimmemorial.Iseethemguardingtheirhomeswheremothersandwivespray—ah,yes,fortherearetimeswhenallpray—forthesafetyoftheirlovedones,forthereturn of the bread-winner, of their champion, of their protector” (CHURCHILL,WinstonS. TheSecondWorldWar.6vols.Boston,MA:MarinerBooks,1985,vol.3,pp.331-2).

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OscandidatosdoPartidoComunista1

SenhorasSenhoresCamaradas

Causouvivasurpresaemcertosmeios,umvagomal-estar,despeito,zanga,desdém fingido, a publicação feita, a 14 destemês, dos candidatos doPartidoComunista.2 Esses sentimentos de ordinário se revelam em conversas, pois asgrandes folhas, supostas orientadoras da opinião pública, se abstiveram decomentários que, em última análise, redundariam em propaganda nossa.Naturalmente a reação nenhum interesse tinha em conceder-nos publicidade.Uma ou outra nota azeda, apenas, como a que um jornal dispensou há dias àinclusão do pintor Candido Portinari na chapa. São minguadas linhas, meiacoluna,masistopressupõeumdesapontamentoquetentaremosesmiuçar.3Quenomes indicariaoPartidoComunista, aindahápoucona sombra, além

dasgrades,ehojedevidalegalcurtaeprecária,cercadodeinimigos,adefender-se com unhas e dentes? Não dispomos, é claro, dos homens consideráveis egordos que manejam os cordões da política nos bastidores, e nos congressosdominamcomsilenciosaimponência.Faltam-nosossujeitoshábeis,capazesdeprovar,comargumentossutis,queobrancoépretoeamisériaindispensável.Háemnós,sobretudo,apesardainflação,umaausênciamuitogravededinheiro,tãogravequeseformaramportodaapartebandosdemoçaspedinchonas,terríveis,vendedoras ambulantes de negóciosmiúdos, verdadeiras piranhas.O jeito quetemosésangrar.Nãosedescerramparanósasportassecretasdosbancosnemrecebemos subvenções de companhias estrangeiras — e isto nos inibe decomprar consciências.Nãooferecemosvantagemaninguém, enaturalmenteohomemgordo e considerável, o sujeito hábil, capaz de provar com silogismos

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queobrancoépreto,fogemdenós.Quais seriam, pois, as figuras componentes da chapa comunista? Decerto

alguns indivíduos subterrâneos, esquivos e anônimos, de mãos calosas edesasados, ineptos para o difícil mister de falar bonito, com os gorjeios, asapóstrofeseosgestosnecessários.Maquinistas,artífices,agricultores,gentequeproduzmuito,consomepouco,nãoflexionabemaspalavraseseenganchanousodaspreposições.E tambémalguns tiposque,depoisde1935,mofaramnoPavilhãodosPrimários,naSaladaCapela,noPedroI,emgaleriasmolhadasdacasadedetenção,e,levadosaoTribunaldeSegurança,tiveramquinzeminutospara defender-se, foram enviados a Fernando de Noronha e em seguida àColônia Correcional deDois Rios. Desses, como dos outros, não se esperavagrande coisa. Na prisão vestiam calções de banho, cuecas, pijamas, trajesinaceitáveis numa assembleia, e jogavam xadrez, paciência e crapaud, faziamginásticaebocejavam,exercíciosinúteisaumdeputado.Comonãosepercebiaaqui foraavozdeles,haviaacrençadequeviviamhabitualmenteemperfeitamudez, conjectura inexata. Esses homens de calções de banho não seexercitavam apenas em xadrez, paciência, crapaud, ginástica e bocejos: liam,estudavam, tinham cursos, conferências diárias, e às vezes, nas arengas doscubículos, um estivador, dos que não arrumam direito as premissas e aconclusão,desmantelavafacilmenteváriassabedoriasdecompêndio.4De qualquer modo havia a suposição de que os nossos representantes na

câmara seriam pessoas bem chinfrins. E nós demos ao público uma regularamostra.Fingem por aí julgar que tencionamos instituir amanhã a ditadura do

proletariado, e afirmam isto com energia os mais decididos sustentáculos daferozditadurapolicialde1936.Ora,naslistasdasduasprincipaisorganizaçõespolíticas, apoiadas por esses reacionários, só existem figuras da classedominante. Seria razoável termos análogo procedimento, recomendarmos aoeleitor criaturas que lidam nas fábricas e nos sindicatos. Sem fazermos isso,acusam-nos de acirrar a luta de classes, luta acirrada pelos que pretendemeternizarnopoderocapitalista,nãoporserdigno,masporsercapitalista.Não fizemos isso. Entre os nossos candidatos há numerosos burgueses.

Quando nos preparamos a dar ao país uma Constituição, é evidente que asclassesdevemserouvidas.Burgueseseproletários.Istoosnossosinimigosnãoadmitem.Emandam-nospicuinhastolas,trocadilhosingênuos.Esurpreendem-seporhavermosescolhidoomaiorpintorbrasileiro.Oraessa!Nãoescolhemossomente um artista: escolhemos vários. Divergimos naturalmente dos que,esforçando-sepor afastá-losdapolítica, lhes reservamna sociedadeumdesteslugares: o altar ou a cadeia. Sim, é preciso consultá-los. É preciso consultar

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todos.Operários,camponeses,homensdaindústriaedocomércio,professores,médicos,engenheiros,jornalistas,advogados,escritores.Nãopodemosdispensaro concurso desses profissionais, achamos injusto submetê-los a leis feitas poroutrosequetalvezlhesfiramosinteresses.Pensamosassim.Masháquemestranheopensamentoenoscensure:—Que!Umpintor,umarquiteto,umromancistaalegislar!Ondeseviuisso?5Compreendemos muito bem. Esses cavalheiros desejam uma Constituição

forjada por especialistas dóceis à classe dominante. Uma Constituição deproprietários. Uma Constituição de patrões. Podia ser fabricada por umindivíduo, como essa infeliz que por aí se extingue e a cada dia se revoga emutila. Para salvar as aparências, permitem que a composição seja entregue adiversosmestres.Istolhedácertoaspectodecoisaséria.Naverdadeéindiferentequeelasejaobradeumtécnicooudeumgrupode

técnicosalheiosaoquesepassanasminasdeMorroVelhoounosseringaisdoAmazonas.Deummodooudeoutro—polacas.6

17denovembrode1945

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Notas 1. Arquivo Graciliano Ramos, Manuscritos, Discursos, not. 12.12A, 12.12B e 12.13 (comprivilégio para esta última versão, que se apresenta como a redação final pretendida pelo autor).Discursoproferidoem17denovembrode1945.Títuloatribuídopeloorganizador.2.GracilianofazreferênciaàdivulgaçãodalistadecandidatosdoPCB,ocorridaapósacerimôniade lançamento oficial das candidaturas do partido às eleições de 2 de dezembro, feita em 13 denovembrode1945(RELAÇÃOcompletaedefinitivadoscandidatosasenadoresedeputadospeloPCB.TribunaPopular,RiodeJaneiro,14denovembrode1945,pp.1-2).3.Referênciaaotexto“PortinarieoParlamento”,estampadonoconservadorDiárioCarioca,em14denovembrode1945.Talnotadestacavaamanobrapublicitáriados“prestistas”,que,“pobresdeconceito”, “procuravam dourar seus brasões com o ouro da inteligência”, valendo-se do prestígiointernacionaldoartistapaulista.Afirmava-seaindaqueestenãopassariadeumamarionetenasmãosdoscomunistas,bemcomoserecusavaperemptoriamentesuaindicaçãocomocandidato:“Portinari,pintor,naConstituinte, jáseriaposiçãodifícildeaceitar-se.Agora,Portinariemsi,despidodesuapersonalidadecaracterística,espetadonoParlamentocomooespantalhodeseusquadros,écoisaquesómesmoamais absoluta faltade sensopoderia conceber” (PORTINARI e o Parlamento.DiárioCarioca, 14 de novembro de 1945). Na imprensa comunista, por outro lado, a candidatura dePortinariteveconsiderávelrepercussão.Em11denovembrode1945,ojornalTribunaPopular,emreportagemdepáginainteira,cominúmerasfotos,deradestaqueàligaçãodePortinaricomoPCB.Enfatizava-seque,apesardenãoserumpolítico,oartistapoderiadar“umagrandecontribuiçãoàlutadoPartidoComunistapelosideaisdopovobrasileiro”(FACÓ,RuieSANTOS,Rui.“CandidoPortinari artista do povo”. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1945). Já nacondiçãooficialdecandidato,opintordiriaàrevistaDiretrizes:“Vocêcompreende,nãotenhojeitoparadeputado,maspertençoaopovo,comtodososseusdefeitosequalidades,porissolutareipelopartidodopovo(...).ResolviaceitarainclusãodomeunomeporqueconsiderooPartidoComunistacomoaúnicagrandemuralhacontraofascismoeareação,quetentamsobrenadaraodilúvioaqueforam arrastados pelos acontecimentos. É preciso haver uma mudança, o homem merece umaexistênciamaisdigna.Minhaarmaéapintura”(PORTINARI,candidatodoscomunistas.Diretrizes,RiodeJaneiro,dezembrode1945).4.EmsuasMemóriasdocárcere,Gracilianorelataoepisódionoqualaspropostasqueapresentaranuma eleição do Coletivo (organismo criado pelos presos no interior do Pavilhão dos Primários)foram facilmente inutilizadas por um estivador de nome Desidério, “mulato ríspido, estrábico,bilioso” (RAMOS,Graciliano.Memóriasdocárcere. 4 vols.Rio de Janeiro: JoséOlympio, 1953,vol.2,pp.64-7).5.Entreos“candidatos-artistas”adeputadofederalpeloPCB,paraaseleiçõesde1945,estavamJorgeAmado,CandidoPortinari,DionélioMachado,ÁlvaroMoreyra eGracilianoRamos.Destes,apenasoprimeiroconseguiueleger-se.OsarquitetosOscarNiemeyereVilanovaArtigasfiliaram-seaopartidoem1945;contudo,nãoselocalizaramregistrosdequetenhamsidocandidatosnoreferidopleito. 6. MaisumaalusãodepreciativaàCartade1937.Verodiscurso“Asrãsestãopedindoumrei”presentenestaedição.

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Asrãsestãopedindoumrei1

SenhorasSenhoresCamaradas

Asrãsestãopedindoumrei.2Fatigaram-sedepressadaliberdadeprecáriaultimamente conseguida e ora suspiram, ora se esgoelampor umgoverno rijoqueestabeleçaordemnalagoa.Liberdade bem precária, isto facilmente se percebe: existe nas folhas, nos

meetings, nas conversas das ruas,mas ameaçada a qualquermomento por umdecreto8063ouporoutraleiestrangeira,polacaoumalaia,coleçãodeartigoseparágrafos que vêm da sombra e nos batem na cabeça, nos atordoam, duroscomo cacetes. Não estão os paraenses isentos de uma constituiçãozinhaarranjada pelo Sr. Barata, e amanhã podem os mineiros aguentar, em resumooutorgado,asideiaseasintaxedoSr.BeneditoValadares.Nadanospreservadeincômodassurpresasquesealinhamnopapeloudeclamamnorádio.3Contudo muito nos disciplinamos — e hoje somos induzidos a julgar

conquistavaliosaodireitoqueasgazetasalcançaramdeagredirsujeitossérios,dizer deles, com justiça ou sem justiça, cobras e lagartos. Consideramos isso,bemerradamente,vantagemnossaeneminvestigamosarazãodecertosataques.Saímos do escuro e vivemos a deslumbrar-nos à toa. Afeitos à obediência,esperamosnafilaqueoascensoristanosabraaportadoelevador,ríspidoelento,comprimaumbotão,eseocondutornoscobraapassagemduasvezes,largamosoníquelenempiamos:naliquidaçãodoEstadoNovo,ascensoristas,condutoresepassageirosaindanãoconseguimoscorrigir-nos.Mas é evidente que existem por aí certas licenças, pedaços de licenças,

arrancados a fórceps em partos dolorosos. Será razoável imaginarmos que a

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oposição, pelo menos parte essencial da oposição, tenciona, empoleirando-se,olhar com simpatia as nossas manifestações em comícios, artigos, faixas ecartazes?Não,nãoérazoávelsupormosisso.Háindicaçõesdequeelanãotemsemelhantedesígnio.Asrãsestãopedindoumrei.Praticamenteéumreiqueelasdesejam.Deoutra

forma, não se compreenderia esse horror àConstituinte, quehámeses, se nãonos enganamos, reclamavam com vigor e celeuma terrível: quase deitaram omundo abaixo exibindo juízos de instituições sabidas e importantes. Por quetorceram caminho? Ou muito nos equivocamos ou devemos isto ao fato deoutras rãs, pequenas, entrarem a coaxar a mesma exigência a que elas seaferravam. E aí notaremos que uma palavra, conforme o ambiente onde éempregada, pode traduzir conceitos diversos. A Constituinte defendida porproprietários gordos e de boa figura diverge daConstituinte emque operáriosmagrosecanhestrosousamentenderrepresentar-se.Nestepaísfervilhamosdemocratas.Quemháporaícapazdeafirmarquenão

édemocrata?Já tivemosatéumademocraciaautoritária.A imprensaeraentãobastantecomedida,oquenãosignifica,demaneiranenhuma,reduçãonosbonsnegócios. Agora se descomediu. Findou a censura— e toda a gente respiroucomalívio.Pensam que realmente ela findou?Não, senhores, a censura não findou. E,

para demonstrar isto, vou citar um caso há dias publicado, mas que passoudespercebido,pornãoserconvenienteaospretensosmentoresdaopiniãopúblicanenhum comentário a ele. O poeta Carlos Drummond de Andrade teve umtrecho de colaboração amputado por um desses jornais que ofendem omajorAmílcar Dutra de Meneses.4 Será possível julgarmos que noticiaristas erepórteres hajam pretendido emendar a literatura de Carlos Drummond deAndrade? Não. Carlos Drummond de Andrade é um dos maiores escritoresnacionais, suponhoquenuncahouvemelhor.Todas as pessoas queusam tintasabem isto e nenhuma cai na tolice de mexer-lhe numa vírgula ou numapreposição. Por que se cortaram, pois, alguns períodos em crônica de CarlosDrummonddeAndrade?Apenasporquehavianeles ideiascontráriasàs ideiasouaosinteressesdeumaempresajornalística.Essasideiascondenadasnãoeramexóticas,relativasàfoiceeaomartelo,doisinstrumentosnocivosquedevemoseliminar com urgência: eram ideias sãs, nada prejudiciais a Deus, à pátria, àfamília,palavrasdificilmenteutilizáveishojecontranós.5Consequência:nãoexistenaRússialiberdadedepensamento,eocomunismo

éantibrasileiro.Osrussosnãopensamenenhumdenósébrasileiro.PensamentohánacabeçadoindivíduoquesurrupiouváriaslinhasdeCarlosDrummondde

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Andrade; e cavalheiros monopolizadores do patriotismo falam em nome doBrasilexcluindosemcerimôniaverdadeirasmultidões.Seriademasiadoesperarmosrigorelógicadecertosespíritos,masnaverdade

essas trapalhices nos assustam. Depois de longos anos de silêncio e morte,quandoenxergamosemtodaaparteumaressurreição,háquemdesejeafastar-nos do resto domundo e se expresse emvoz alta, com ingenuidade pasmosa:“Estamosforadetudoisso.”Nenhumaconsultaànação,apenasolugar-comumbadalado por muito reacionário que agora se disfarça, muda a camisa e alinguagem. Nada de Constituinte. Um chefe apenas. Um chefe que nos façarecuarséculos.Asrãsestãopedindoumrei.

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Notas 1. Manuscrito pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros: Arquivo Graciliano Ramos,Manuscritos, Discursos, not. 12.10A e 12.10B. Texto também publicado emGARBUGLIO et al.GracilianoRamos.SãoPaulo:Ática,1987,pp.112-3.Títuloatribuídopeloorganizador. 2. ReferênciaaumafábuladeEsopo.Comoas rãs se encontravam insatisfeitaspornão terumlíder,pediramqueJúpiterlhesdestinasseumrei.Odeus,rindodopedido,jogouumtocodemadeiranalagoaemqueessespequenosanfíbiosseencontravam.Deinício,asrãsficaramapavoradascomoestrondocausadopelaquedadoobjeto,passandoareverenciaropedaçodemadeiracomoosupostorei ofertado. Porém, tão logo perceberam que ele não passava de algo inerte, tornaram a fazer opedido ao deus, manifestando o mesmo descontentamento inicial. Irritado com a reincidência dasúplica,Júpiterenviouumacegonhaquepassouadevorarasrãsumaporuma.Estaspassaramaselastimarporteremcaídonasmãosdeumtirano.Emresposta,Júpiterlhesdisse:“Andaiparaloucas,jáquevosnãocontentastesdoprimeiroRei,sofreiesse,quetantomepedistes”(ESOPO.Fábulas.SãoPaulo:Cultura,1943,p.75).3.GracilianofazreferênciaaoDecreto-Lei8.063,de10deoutubrode1945,oqualdispunhasobreas eleições para governadores e Assembleias Legislativas estaduais, no contexto da transiçãodemocráticaao fimdoEstadoNovo.Emseu segundoartigo, talprescrição jurídicadestacavaquecontinuaria a caber aos interventores e governadores outorgar, unilateralmente, no prazo de vintedias,ascartasconstitucionaisdosrespectivosestados,nosmesmostermosdaConstituiçãode10denovembro de 1937. Não por acaso, Graciliano protesta contra a manutenção de tais diretrizesautoritárias oriundas da Carta de 1937, referida pejorativamente como “Polaca”, “seja por suassemelhançascomaCartaautoritáriabaixadapelomarechalPilsudskinaPolônia,sejaporumaalusãoàsmulheresdaEuropaOrientalquevieramseprostituirnoBrasil”(FAUSTO,Boris.GetúlioVargas:opodereoriso.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2006,p.79).Nessesentido,oautordeAngústiamanifesta sua insatisfação contra a possibilidade de políticos à frente dos poderes executivosestaduaisdesdelongadata,comoointerventorcoronelMagalhãesBarata,noPará,eogovernadorBeneditoValadares,emMinasGerais,definirem,semorespaldodasurnas,oconjuntode leisqueregeriamavidadasunidadesfederativasbrasileiras.4.AmílcarDutradeMeneses:diretor-geraldoDepartamentodeImprensaePropaganda(DIP)dejulhode1943atémaiode1945.DepoisdeautorizaroDIPairradiarodiscursodePrestesrealizadoem23demaiode1945,noestádiodoVascodaGama,recebeuumacontraordemgovernamentaldogeneralEuricoGasparDutraparaquecancelasseatransmissão.Emfunçãodoocorrido,exonerou-sedadireçãodoórgãologodepois.Aindaem1945foinomeadoconselheirocomercialdoMinistériodasRelaçõesExteriores(ABREU,AlziraAlvesdeetal. [coords.].Dicionário histórico-biográficobrasileiro—Pós-1930.RiodeJaneiro:CPDOC,2010.In:<http://cpdoc.fgv.br.>Acessoem:18deagostode2011].5.Nãosesabeaocertoaqualcasodecensura,envolvendooautordeArosadopovo,Gracilianoalude. Contudo, em entrada de seu diário, de 27 de agosto de 1945, ao relatar sua atribuladapassagempelo jornal comunistaTribunaPopular,Drummondafirmaqueumanotade suaautoriafora“emendada”peloseditoresde talperiódico.Naoportunidade,opoeta resenharaaobraTextosmarxistas sobre literatura, traduzida para o português pela escritora Eneida, ativista que naquelemomentoforaafastadadadireçãocomunista,porqueachavainadmissívelmoralmenteaaproximaçãoentre o PCB e Getúlio. “Sabendo que ela não está em cheiro de santidade perante os dirigentes,limitei-meafazerumaresenhadaobra,dizendonaúltimalinha:‘Eneidatraduziu’.Nãoelogieinema tradução, nem a autora. Pois cortaram a última linha. Fiquei chocado com a mesquinhez, que

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equiparaaTribunaajornaisburguesesqueeliminamdesuascolunasqualquerreferênciaapessoasnão gratas à direção” (ANDRADE, Carlos Drummond de.O observador no escritório. Rio deJaneiro:Record,1985,p.47).

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Cartaaosalagoanos1

MeusrarosamigosdeAlagoas:

Depoisde longaausência,aquimevejoaconversarcomvocês,comosenos achássemos em Palmeira dos Índios, na Imprensa Oficial, no café doCupertinoounumadasredaçõesondebatíamospapo.Nãoseibemseaconversaé impertinente.Umaúnicavez,depoisdenos separarmos, tiveensejode falarsobrepessoase fatosalagoanos: referi-meaNelsonFlores,aPedroLima e àsenchentes,masparecequeestesassuntosforamaíconsideradosimpróprios.2Arrisco-meanovapalestra,ouantessouobrigadoaela.Nestesúltimosdez

anosomundotemdadotantasvoltasqueestiveapontodefazerumaviagemaAlagoas,sóabandonandoaideiaporque,tendoaquiaportadoemporãodenaviomuitovagabundo,nãoacheiconvenienteregressarnumaeroplano.Perdoem-meacitaçãodepequeninoscasospessoais,absolutamentedesprovidosdeinteresse.Masconvémtalvezlembrá-los.Não é que resolveram fazer demim candidato a deputado?Vejam só. Pois

nessecaráterdirijo-meavocês—duasdúziasdepessoas,setanto,opúblicodequedisponhonaterradosmarechaisedosgenerais.3Seriaadequadoexibir-lhesumroldeserviçosnotáveis,expordiversasobrasrealizadaseoutraspossíveis,mas receio que alguém se engane e vote em mim julgando-me sujeitoimportante, umdesses operadores demilagres nuncapercebidos.Vocês sabemquenão leveioS.FranciscoaQuebrangulo, feitoaí jápraticadocomhonraeglória.Aludo, portanto, à minha saída, em 1936, dessa província, caso

minguadamenteglorioso,quepoucomerecomendaàsimpatiadoeleitor.Ecomistodeclaronãodesejarpertenceraqualquerinstituiçãoemquesejanecessáriofazerdiscursos.

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—Uvasverdes,pensarãovocês.De modo nenhum, pois venho pedir — incongruência aparente, que

desmancho com esta explicação. Entre ser literato medíocre ou deputadoinsignificante,prefirocontinuarnaliteraturaenamediocridade.Edigoistosemfalsamodéstia.Reparemnosentidoexatodaspalavras.Nãoconsideroaminhaliteratura insignificante: ela é apenas medíocre e, por conseguinte, mais oumenosaceitável.Nalivrariasinto-meàvontade.MasnaCâmaraécertoquemedariampapel bem chinfrim.Nenhuma conveniência emmudar de ofício nestefimdevida.Está explicada, suponho, a desambição carecente de valor. Contudo, seme

falta o desejo de passar algumas horas por dia cochilando, rosnando aparteschochos,istonãoquerdizerquefecheosolhosàpolíticanacionaleencolhaosombros à eleição.Entreguei-mede corpo e alma a umPartido, o único, estoucerto,capazdelivrar-nosdamisériaemquevivemos,eestePartidoapresenta-seàsurnas.Souforçadoasolicitaravocês,paraosnossoscandidatos(osoutros:insistoemdeclarar-me isentodepretensões),osvinteequatrovotosqueestãodispostosaconceder-me.Examinemaschapasdospartidos reacionários.Sóexistemnelas, em todaa

parte, figuras da classe dominante. Nós, comunistas, escolhemos gente daburguesia e do proletariado: operários, camponeses, militares, industriais,comerciantes,artistas,professores,médicos,engenheiros,jornalistas,advogados,escritores. Quando nos preparamos para dar ao país uma Constituição, não érazoávelagoraqueelasejaumaConstituiçãodeproprietários.Vocês, meus excelentes amigos, poderiam contribuir para se afastarem da

nova carta algunsdesses artigosouparágrafos emqueos infelizes se apertamcomo em torniquetes. Realmente vocês são bem pouco numerosos.Mas cadaum, nestes breves dias que nos restam, convencerá facilmente uma tia oucomadre,queinfluiránavizinhacomrapidez—eassimpordiante.SerãoeleitaspessoasquerepresentemoEstado.Porqueatéhoje—comfranqueza—quefoiqueosnossosdeputadosrepresentaram?Com isto, meus velhos amigos, despeço-me de vocês e envio-lhes muitos

abraços.4

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Notas 1. RAMOS,Graciliano.“Cartaaosalagoanos”.RevistadoPovo:CulturaeOrientaçãoPopular,ano 2, nº 2, janeiro de 1946, p. 5. Manuscrito pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros:ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos, not. 12.5A.Tal versãomanuscrita, ainda semdivisões de parágrafos, constitui, possivelmente, a primeira redação desta missiva, que seriareformuladapeloautorantesdesuapublicaçãonaimprensa.Atestaessahipóteseodatiloscritonot.12.5B,tambémpertencenteaoacervodeGracilianodepositadonoIEB/USP:eleexpressaumestágioposteriordeescrituradacarta,jápraticamenteidênticoàversãoestampadanaRevistadoPovo.Emfunçãodisso,elegeu-seotestemunhosaídonoperiódicocomunista,oúltimodatradiçãodoreferidoescrito,comotexto-basenapresenteedição. 2. Graciliano alude a seu próprio texto “Umdesastre”, publicado naFolhaCarioca, em23 deagostode1944,eposteriormenterecolhidonovolumepóstumoViventesdasAlagoas(1962).Emtalescrito,oautordeVidassecas fazreferênciasao jornalistaemilitantedoPCB,nascidoemViçosa(AL),PedroPintodaMotaLima,bemcomoaoex-deputadoestadual alagoanoNelsonFlores.Aotematizarsuaterranatal,nãopoupacríticasàsmazelasestaduais:“AlagoaséumEstadopobre.Empoucomaisdevinteeoitomilquilômetrosquadradosarruma-sequaseummilhãodehabitantes.Parabemdizer,nãosearruma:napraiahácharco,mosquito, sezão;nacaatingaháseixo,cardo, fome.Entre as duas zonas aperta-se amata, com algodão, cana-de-açúcar,mas aí não se consegue terrafacilmente,osalárioébaixo—eparaládascancelasodespotismodoproprietáriovaleomosquitoeocardojuntos”(RAMOS,Graciliano.ViventesdasAlagoas.SãoPaulo:Martins,1962,p.161).3.Aofimdopleito,Gracilianoteve62votos(MORAES,Dênisde.OvelhoGraça.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1992,p.214).4.Apesardoformatomissivístico,aversãodopresentetexto,publicadaemperiódico,nãotrazaassinatura do escritor.Noque diz respeito aomanuscrito autógrafo, o então candidato a deputadopeloPCBosubscreveapenascomo“G”deseuprenome.

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O Partido Comunista e a criaçãoliterária1

Meiadúziadepalavras,somente.ComonãofaloemnomedosescritoresdoPartido,resolvo-meadirigir-lhesalgumasamabilidadesescassas.AfirmamcidadãosvultososquenoComunismonãoexisteambientefavorável

àcriação literária;chegandoaqui,murchamos,deitamosumpoucodechumbonosmiolose somosutilizadosemserviçosmódicos:distribuir folhasvolantes,baterpalmasemcomícios,picharmuros.Isso—enadamais.Afirmação contraditória. Por volta de 1936 esses mesmos cavalheiros

impugnaramcomvigorosprodutosvermelhos.Semexaminá-los,semdeclará-los bons ou maus como arte, exigiram simplesmente a prisão dos autores.Chegaramaverrealizadososseusdesejos—ehojenãoérazoávelnegaremoqueontembadalaram,numacríticapolicialbastantesafada.ÉdesnecessárioasseverarmosqueoPartidoComunistanenhumdanocausaà

produção literária. Inútil exibirmos figurões do exterior, engrandecidos peladistância:mostremosapenasagentequeaquiestá.Nada de queimar incenso à toa. Estes homens e estas mulheres recusam

lisonjas, mas provavelmente os nossos opositores gostariam de tê-los ao seulado.Esepensamdeoutraforma,équeojulgamentoláforaéprecário.Nestegrupo, ainda exíguo, há escritores que se revelaram em diversos gêneros.Certamente continuarão a crescer, apesar dos agouros ruins espalhados sobreeles.Tolice imaginar que lhes vão torcer as ideias, impor o trabalho desta ou

daquelamaneira.Foramasideiasqueostrouxeram,todosvieramdeolhosmuitoabertos, conhecendo perfeitamente o caminho. Ninguém está aqui porsentimentooureligião.2

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E é claro que não haveria conveniência3 em fabricar normas estéticas,conceberreceitasparaaobradearte.Cadaqualtemasuatécnica,oseujeitodematarpulgas,comosedizemlinguagemvulgar.Aliteraturarevolucionáriapodeser na aparência a mais conservadora. E isto é bom: não terão o direito dechamar-nosselvagensesentir-se-ãoferidoscomasprópriasarmas.Afinal para expormos as misérias desta sociedade meio decomposta não

precisamos de longo esforço nem talento extraordinário: abrimos os olhos eouvidos,jogamosnopapelhonestamenteosfatos.Difícilseriadefendê-la.Porissonossosinimigossedesesperam.Eafastam-se

daterra.Evivemadescobrirmundosimaginários.

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Notas 1. RAMOS, Graciliano. “O Partido Comunista e a criação literária”.TribunaPopular, Rio deJaneiro, ano II, 22 de maio de 1946, p. 11. Manuscrito incompleto (e por isso preterido noestabelecimento do presente texto), pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros: ArquivoGraciliano Ramos, Manuscritos, Discursos, not. 12.14. No início da versão manuscrita, têm-sevocativosendereçadosaopúblico—“Senhores/Senhoras/Camaradas”—,indicandotratar-sedediscursoproferidodiantedecertaplateia. 2. NoArquivoGracilianoRamos,háumfragmento,nãodatado,noqualGracilianocomentaasmotivaçõesereceiosreferentesàsuaentradanoPCB:“Quando,em1936,fuivivernoPavilhãodosPrimários,naSaladaCapela,naColôniaCorrecionaldeDoisRioseemoutroslugaressemelhantes,encontrei os excelentes companheirosquehoje trabalhamnoPartidoComunista.Sempreme sentiperfeitamenteligadoaeles,eseatéagoramelimiteiaapoiá-los,semtomarposiçãodemilitante,foipornãosabersepoderiadequalquermaneiraserútil,nestaagitaçãoemquenosachamos,otrabalhode um sujeito que mal sabe contar histórias chochas./ Um severo exame de consciência meaconselhavaprudência,umaprudênciaquedefatomehumilhava.Naverdadeeudesejavaquealgumantigocompanheiromeviesse trazerumestímulo—eistoeradifícil,poisninguémadivinhavaasminhasintenções.Masocertoéqueforamadivinhadas.Eosescrúpulosmencionadossevarrerampelomenosporenquanto”(ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos,not.12.3A).3.Nomanuscritoincompletodestetexto,preteridopelapresenteedição,tem-senestapassagem:“Eéclaroquenenhumaconveniênciahaveriaem...”.

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Decadênciadoromancebrasileiro1

P rudente deMorais Neto, crítico muito agudo, alarmando-se justamentecomaqualidademádanossaliteraturadeficção,dizia,em1930,quenosfaltavamaterialromanceável.Alguémafirmou,emresposta,quepossuíamosexcelentesromancesenãotínhamosromancistas.2Contrariando essas duas opiniões, logo surgiram livros que foram recebidos

com excessivos louvores pela crítica e pelo público. Havia material e haviapessoas capazes de servir-se dele. Tínhamos, porém, vivido numa estagnação.Ignorância das coisas mais vulgares, o país quase desconhecido. Sujeitospedantes,numacademismoestéril,alheavam-sedosfatosnacionais,satisfaziam-se com o artifício, a imitação, o brilho do plaquê. Escreviam numa línguaestranha, importavamideias, reduzidas.Asnovelasqueapareceramnocomeçodo século,medíocres, falsas, sumiram-se completamente. Uma delas,Canaã,3queobteveenormeêxito,dáengulhos,épavorosa.Doissucessoscontribuíramparadarcabodisso:omodernismoearevolução

de Outubro, que, graças à nossa infeliz tendência ao exagero, se ampliarammuito ou se negaram. Certamente não criaram o material a que se referiaPrudente nem o engenho necessário ao aproveitamento dele, mas abriramcaminhos, cortaram diversas amarras, exibiram coisas que não enxergávamos.Desanimados,comenjoo,líamosaretóricabobaquesearrumavanocongressoenoslivros.Osmodernistasnãoconstruíram:usaramapicaretaeespalharamoterrorentre

osconselheiros.Em1930oterrenoseachavamaisoumenosdesobstruído.Foiaíquedeváriospontossurgiramdesconhecidosqueseafastavamdospreceitosrudimentaresdanobreartedaescritae,embrenhando-sepelasociologiaepelaeconomia,lançavamnomercado,emhorrorosasediçõesprovincianas,romancescausadores de enxaqueca aomais tolerante dosgramáticos.Umescândalo.As

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produções de sintaxe presumivelmente correta encalharam. E as barbaridadesforam aceitas, lidas, relidas, multiplicadas, traduzidas e aduladas. Estavam alipedaçosdoBrasil—Pilar,aladeiradoPelourinho,Fortaleza,Aracaju.Rachel deQueiroz, JorgeAmado, José Lins do Rego,Amando Fontes. Há

outros, certamente. Há os que principiaram descrevendo coisas que viram eacabaramdescrevendo coisas que nãoviram.Criaturas inteligentes e inquietasnão confiaram nos seus sentidos e entraram resolutamente a delirar. As suaspersonagens, vagas, absurdas, não comem, não bebem, não sentem asnecessidadescomunsdosviventesordinários:mexem-se,ouantesestãoparadasnum ambiente de sonho, procedem como loucos, falam como os loucos. E hádezenasdeimitadores,simplescopistas.Quero apenas referir-me aqui aos representantes máximos do romance

nordestino,observadoreshonestos,bonsnarradores.Ora,seatentarmosnaobradessesquatronovelistasoriginais,perceberemosnelaumacurva.Fizeram,quasesemaprendizagem,ótimashistórias,comtantasofreguidãoquepareciamrecearesgotar-se.Nãoseesgotaramtalvez,masestacaram,comosetivessemperdidoofôlego, ou publicaram trabalhos inferiores aos primeiros. E convém notar queessa queda se deu quando cessou a agitação produzida pela revolução deOutubro.Subiramaté1935.Aíveioadecadência,oqueveremosfacilmente.Rachelsurgiuem1930,comumanovelaescritaaosdezoitoanos,Oquinze,

onde existem passagens notáveis: o roubo de uma cabra, um montão deretirantesesfomeados.EmJoãoMiguel,de1932,exibem-seascadeiasdaroça.Um preso se embriaga — e a escritora nos dá um capítulo admirável. Aspersonagensjásabemandar.Esabemfalar,grandenovidade.RealmenteforadoscontosdeArturAzevedo,hojeesquecidos,poucasvezesacharemosnaliteraturavelhaumdiálogorazoável.AsfigurasdeRachelconversamdiretosemconsultaro dicionário. João Miguel não teve a divulgação que merece. Ainda está naprimeira edição. Uma vergonha. Em 1936 saiu Caminho de pedras, livrodemagógico.Tempartesexcelentes—amortedeumacriança,omonólogodeumacriaturaquedeixaomarido—masquasesempreéintencionalefrio.Em1940RachelpublicouAstrêsMarias,omaisbemconstruídodosseusromances.Existe,porém,aíuma tesemuitoclara.Easpersonagens têmmenos liberdadequeJoãoMiguel,uminfelizprisioneiro.JorgeAmadocomeçoucomOPaísdoCarnaval,naadolescência.Cacau,de

1932, ainda hesitante, já revela o escritor que adquiriu celebridade em poucotempo, nestas paragens e em lugares cultos.Suor, coleção de tiposmagnífica,veio em 1933. Com Jubiabá, de 1935, chega o romancista ao ponto maiselevado.Existeaíumasentineladedefuntos,dasmelhorescoisasquenosdeu.MarMorto,de1936,éumrecuo.Tempáginasótimas,amortedeEsmeraldapor

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exemplo,masestá longedeJubiabá.Apoesiaquehánestemuda-seemtoadaagradável ao ouvido, e certos estribilhos (“É doce morrer no mar”) dizem ocontrário do que o autor pretende sustentar.Capitães da Areia, publicado em1937,nãovaleMarMorto.José Lins do Rego fez o Ciclo da cana-de-açúcar, conjunto de cinco

romancesmuito sérios:Menino de engenho (1932),Doidinho (1933),Banguê(1934),Moleque Ricardo (1935),Usina (1936). Não podemos isolar nenhumdesses: movem-se aí as mesmas personagens, apresentam-se os mesmosinteresses, asmesmas lutas.O romancista não ideou umplano.Escreveu umanoveladecentoetantaspáginas,julgou-aincompletaeresolveuacrescentar-lheumsegundovolume.Sempre insatisfeito, foiadiante—eassimveioa lumeanarração do banguê vencido pela usina, do capital estrangeiro absorvendo aseconomiasdosenhordeengenho.Em1937JoséLinsdoRegonosdeuPureza,que éum saltoparabaixo.Em1938, comPedraBonita, desceunovodegrau.Aindaoutroem1940,comRiachoDoce.Asadmiráveisqualidadesdoescritorsomem-se quase aí, ou seus defeitos avultam, agravados pelo fato de semostrarem lugares e acontecimentos que ele não conhece bem. José Lins doRegonasceunazonadaindústriaaçucareira,lásecriou,láseeducou.Ofereceu-noscincolivroscheiosdevida,numalínguaforte,expressiva,alínguavelhadosdescobridores, conservadanoNordeste, compoucas corrupções.Largou issoearriscou-seadigressõesperigosas.Purezaéumapequenaestaçãoqueeleviudelonge,dajaneladotrem.EmPedraBonitadesejouestudaraepidemiareligiosaque houve em Pernambuco o século passado, mas teve preguiça e inventoubeatosecangaceiros.Sacrificouatéageografia:pôsa suagentenumaviladoAnum,quenãoexiste.AprimeirapartedeRiachoDocepassa-setodanaSuécia.Embrenhando-senessasregiõesdesconhecidas,JoséLinsdoRegorepetiumuitodo que já havia dito. A figura principal doCiclo da cana-de-açúcar, homemagitado,vacilante, cheiodepavores, ressurgecomdiversosnomesnosúltimoslivros.Amando Fontes publicou em 1933Os Corumbas, obra onde há passagens

horríveis, uma conversa de professores de escola normal de Aracaju, porexemplo, ingênuaepedante.Contrastando,porém,comessas falhas, acham-seno livro páginas intensas e humanas que logo o salientaram na abundanteliteraturadodecêniopassado:amortedeumatuberculosa,aconfissãodecertaraparigaqueentranomaucaminho.AmandoFontesnãoexplorouasuanaturalaptidão.Encolheu-se.Eaorecomeçarestavanaoutraladeira,em1937,quandotodosdesciam.TrabalhoumuitoemRuadoSiriri,novelacertinha,conveniente.OmeioéobairrodasprostitutasnumapequenacapitaldoNordeste,masesselugarde safadeza foi rigorosamentepoliciadona sintaxeenamoral.Adevota

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intransigenteeacolegialafoitaquebuscaremalimotivodecensurasoltarãoovolume decepcionadas. Acharão os quartos severamente fechados, nãoperceberão saias erguidas, gestos equívocos, rumores suspeitos. Asmeretrizesnãobrigam,nãojogam,nãobebem,nuncasededicamàprofissão,falamcomosenhorase,todasiguais,possuemsentimentosnobres.Referem-seàdesgraçaemque vivem,mas com injustiça. Se os lupanares fossem aquilo, venceriam, emausteridade, em recato, os mais inflexíveis estabelecimentos de educaçãofeminina.4Essas mulheres de Amando Fontes representam bem os nossos romances

atuais, direitos, comedidos, inofensivos. Desapareceram os mocambos, ossobradões onde se alojavam trabalhadores e vagabundos, as cadeias sujas, asbagaceiras e os canaviais, as fábricas, os saveiros, a escola da vila. E a nossaliteraturacomeçouacomportar-se,namoralenasintaxe,comoasmulheresdaRuadoSiriri.Baniu-seopalavrão,verdadeiroebíblico.Afastou-seonegro.Aspersonagensbranquearam.E,timidamente,aproximam-sedaAcademia.Alguns críticos acham que existem dois gêneros de romance: os da cidade,

bons,eosdocampo,ordinários.O que se tem feito é secundário, chinfrim. Não vale a pena falar em

mocambos, bagaceiras, cadeias, negros do cais. Insignificâncias. É necessárioapresentarmosaopúblicosutilezasecomplicações,asqueexistemnocassinodaUrcaenosbanhosdeCopacabana.Os nossos melhores romancistas viviam na província, miúdos e isentos de

ambição.Contaramoqueviram,oqueouviram,semimaginarêxitosexcessivos.Subirammuito—edevemsentir-sevexadospor teremsido tãosinceros.Nãovoltarãoatratardaquelascoisassimples.Nãopoderiamrecordá-las.Estãolongedelas, constrangidos, limitados por numerosas conveniências. Para bem dizer,estão amarrados. Certamente ninguém lhes vai mandar que escrevam de umaformaoudeoutra.Ouquenãoescrevam.Nãosenhor.Podemmanifestar-se.Masnão semanifestam.Nãoconseguem recobrar apureza e a coragemprimitivas.Transformaram-se.Foramtransformados.Sabemquealinguagemqueadotavamnãoconvém.Calam-se.Nãotinhamnenhumadisciplina,nemnagramática,nemnapolítica.Diziamàsvezescoisasabsurdas—eexcelentes.Jánãofazemisso.Pensamnoqueénecessáriodizer.Noqueévantajosodizer.Noqueépossíveldizer.

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Notas 1. RAMOS, Graciliano. “Decadência do romance brasileiro”.Literatura, Rio de Janeiro, nº 1,setembrode1946.Textosaídoanteriormenteemespanhol(Decadenciadelanovelabrasileña)emNuevaGazeta,Montevidéu, nº 11, dezembro de 1941; e em inglês (The decline of the BrazilianNovel)emSmithCollegeMonthly,Northampton,Mass,fevereirode1943,pp.21-2,28.Alémdisso,tambémforareunidoemGARBUGLIOetal.GracilianoRamos.SãoPaulo:Ática,1987,pp.114-6.Manuscrito datado de 20 de outubro de 1941, pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros:ArquivoGracilianoRamos;Manuscritos;Crônicas,ensaiosefragmentos;not.10.2. 2. O próprioGraciliano teria refutado o crítico.Em resposta à sugestão deste de que noBrasil“talvezoambientenãoofereçamaterialquepreste”,oautordeVidassecasafirmavaque“emtodososlugaresháromances(...)oquefaltaàsvezeséoromancista”.Veracrônica“UmromancistadoNordeste”,presentenestevolume. 3. RomancedeGraçaAranha, publicado pelaGarnier, em1901, ainda sob a grafia “Chanaan”.Considerando-seopontodevistacríticodeGracilianoemrelaçãoaomodernismode1922,Buenosublinhaquetalmençãonãoseriagratuita:“Hojeele[GraçaAranha]évistocomoumparticipantequaseincidentaldaSemanade22,alguémqueapenasemprestouseuprestígioaomovimento.Masaindanosanos40eleera tidocomoumgrande lídereseugestoderompimentocomaAcademiaBrasileiradeLetrastinhaumsignificadomuitomaiordoquehojeseatribuiaele.Atacá-lo,aoinvésde qualquer outro figurão do início do século, já é intenção clara de alfinetar o modernismo”(BUENO,Luís.Umahistóriadoromancede30.SãoPaulo:Edusp;Campinas:EditoradaUnicamp,2006,p.47).4.Nacrônica“AsmulheresdoSr.AmandoFontes”,publicadaem24dejaneirode1938,noDiáriodeNotícias,Gracilianojádestacava,emtommaisameno,queasheroínasdoautordeRuadoSiririestavam“maispertodahagiografiaquedacrônicapolicial”(RAMOS,Graciliano.Linhastortas.RiodeJaneiro:Record,2005,p.163).

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Aosestudantes1

MinhassenhorasMeussenhores

Precisorevelaramimmesmoarazãodaminhaestadaaqui.Seconseguiristo, levarei talvez ao espírito dos outros a certeza de que não nos achamosdiante de um absurdo.Realmente nos achamos.Confessemos, porém, que umabsurdo examinado com atenção deixa muitas vezes de ser absurdo.Despropósitosváriossetornaramfatosnormais.Tentemos, pois, anular, o contrassenso que representa aminha vinda a esta

casa,emsemelhantesituação.Noticiaram-me que os indivíduos anualmente chamados para desempenhar

estepapelamimatribuídoforamemregracidadãosmortos.Esseusomeparececheio de sabedoria. Em primeiro lugar nenhum deles poderia eximir-se doconvite.Emsegundolugarhaviaumdiscursodemenos:nenhumavozdealém-túmuloviriaexibiraoscircunstantespossíveisdiscrepâncias.Eafinal,vantagempreponderante: a uma figura desaparecida facilmente concedemos valorsimbólico.Nãoentraemconcorrênciaconosco,jánenhummalécapazdefazer.Os seus defeitos se atenuam, chegam a sumir-se com o tempo; as boasqualidadescrescem,eemfaltadistoentretemo-nosapendurarnelaasvirtudesquedesejaríamospossuir.Temeridade,presumo,substituiressapersonagemcômodaeinerteporumser

vivo,naturalveículodeerrosepaixões.Asnossasfalhassãoevidentes,acustosedissimulariamasnossas fraquezas, limitações, incongruências.Movemo-nosentre quedas, a desgraçada viagem do ventre materno à sepultura é feita depequenosavanços,recuos,suspensões.Porquesefezumaescolhaemqueseressaltaaperda?Queirácontrabalançar

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tantas inconveniências? Houve um salto — e pergunto a mim mesmo asconsequências dele. Aceitavam ontem a imobilidade; hoje preferem omovimento.Que determinou isso?A quietude nos leva a contemplar, talvez aadmirar passivamente; a agitação nos força a pesquisar, sondar, criticar. Umaconcepçãoestáticaeumaconcepçãodinâmica.Seaprimeiravenciaeprevaleceasegunda,admitiremosqueajuventude,pelo

menos uma parte dela aqui presente, em vez de aumentar o prestígio devenerandasmúmias,resolveuimprovisarumaespéciedesoldadodesconhecido,apenasdiferentedooutroporqueaindanãoseenterrou.Decidiu largaracoisadistante e abrir os olhos à realidade próxima; abandonou a história e asantologias, quis ver de perto um homem da rua, vulgar, sujeito que nestemomento segura uma folha de papel e amanhã poderá viver na cadeia ou nohospício.Sendo assim, os protestos e agradecimentos e as tiradas de modéstia falsa

tornam-se inúteis, pois significo uma partícula na multidão, a ela regressareifindaestacerimônia,aquenãomeacomodobem.Evidentementenãolhesdireifrases difíceis e pomposas, dessas que analisaram no primeiro ano e graças aDeusesqueceram.Sinto-mecomoseviajassepingente—eutilizoalinguagemdospingentes,áspera,semadorno.Impossívelmanifestar-medeoutromodo.Eopior é não me surgirem ideias serenas que venham ressarcir a deficiência daforma.Certo não me ocorreu oferecer aos moços conselhos enfadonhos: cabelos

brancoserugasfracaautoridademeproporcionariamparataisrabugices.Devoentãofelicitá-los, fazer-lheszumbaias,cantar loas,afirmarqueentrarãona lutacom boas armas e se arranjarão todos em lugares magníficos? Essasadivinhações seriam naturalmente recebidas com agrado, mas ignoro quesurpresaofuturonosreserva,nãosouprofeta.E,parafalarcomfranqueza,estoulonge de agourar aos meus amigos a paz, o cargo bem remunerado, o sonotranquilo,isentodesonhos.Nadaganharíamoscomisso.Nãoesperoquesejamfelizes:esperoquesejamúteis.Quandonosretirarmosdestasala,quasetodosnosresignaremosaentrarnuma

fila de ônibus, aguardaremos com paciência a vez de nos sacolejarmos, aostrambolhões. E a certeza de que outros indivíduos, insignificante minoria,cochilamemautomóveis, rolandosobrepneumáticossilenciosos,nãonos traránenhumconforto.Receio que estas palavras soemmal em numerosos ouvidos.A culpa é dos

rapazes que, insensíveis às nossas glórias, voltaram as costas ao passado,quiseramsaberaopiniãodeumtranseunte.Dirijo-meaelesdecoraçãoaberto.Não,meuscarosamigos,nãolhesdesejofelicidade.Seriaomesmoquedesejar-

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lhesamorte.

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Nota 1. Arquivo Graciliano Ramos, Manuscritos, Discursos, not. 12.24A, 12.24B e 12.24C. Títuloatribuído pelo organizador. Discurso proferido pelo escritor alagoano em dezembro de 1946, nacondiçãodepatronodostrintaformandosdocursoclássicodoInstitutoLafayette,naTijuca,RiodeJaneiro. O convite a Graciliano partira de Sílvio Borba, estudante que pertencia à juventudecomunista.Entreosalunosdaturmade1946,encontravam-seAntonioCarlosVillaçaeCélioBorja,futuros escritor e ministro da Justiça, respectivamente (RAMOS, Ricardo. Graciliano: Retratofragmentado.SãoPaulo:Siciliano,1992,pp.80e81;MORAES,Dênisde.OvelhoGraça.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1992,p.229).

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PauloHonório1

P aulo Honório, concebido em 1924, nasceu em 1932. Narro essa longagestação, por exigência de Condé,2 homem terrível e absurdo, que guardafotografiasepapéisinéditosdetodoogênero,danovelaaorolderoupasuja,dopoemaàcartadecobrança,autosdeprocessoecorrespondênciaamorosa,coisasobtidaspelosmaisdiversosmeios:sorrisos,pagamentodocafé,doônibusedobonde, ameaças, gritos, carinhos, promessas, injúrias, cócegas, apresentação acavalheiros ponderosos e chantagens, pois o monstro conhece fidalgosestrangeiros e funcionários da polícia. Para me extorquir estas declarações,Condémeofereceu,antesdetudo,aglória.Comoasuacoleçãoduraráséculos,posso ter a certeza de que, senão a obra inteira, pelomenos uma dasminhaspersonagenstomarápénofuturo.Emsegundolugarvemumassuntopecuniário:omalvadofarejouomeuorçamento,percebeneleumdesequilíbrioedispõe-seaendireitá-lo.—Commeiadúziadepenadas,V.ganhaumdinheirão,filhodeDeus.Ojeitoquetenhoéconvencer-me,decidircontaraorigemdePauloHonório,

alagoano,viçosense,chegadoaoRiohádozeanosehospedadonaAriel.Aqui vai a tarefa. Em 1924, em Palmeira dos Índios, interior de Alagoas,

encontrei dificuldade séria, pus-me a ver inimigos em toda a parte e desejeisuicidar-me. Realmente julgo queme suicidei. Talvez isto não seja tão idiotacomoparece.Abandonandoocontas-correntes,odiário,outrosobjetosdaminhaprofissão,havia-meembrenhadonasociologiacriminal.3Quemeinduziuaisso?Teriaqueridomataralgunsfantasmasquemeperseguiam?Naqueleinvernode1924,numacasatristedoPinga-Fogo,sentadoàmesada

sala de jantar, fumando, bebendo café, ouvindo a arenga dos sapos, omugidodosboisnoscurraispróximoseospingosdasgoteiras,enchinoitesdeinsôniaeisolamento a compor uma narrativa. Surgiu um criminoso, resumo de certos

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proprietários rijos existentes no Nordeste. Diálogo chinfrim, sintaxedisciplinada,arrumaçãolastimosa.Felizmenteessasfolhasdesapareceram.Masas preocupações que me afligiam desapareceram também, pelo menosadelgaçaram: ressurgi, desenferrujei a alma, tornei-me prefeito municipal.Aventuro-meaadmitir,pois,queosuicídiosetenhadefatorealizado.Passaram-seanos.Deixeiaprefeitura,vendialoja,mudei-meparaMaceióe

fui bocejar, falar ao telefone e discutir literatura na Imprensa Oficial. Emconsequência da bagunça revolucionária de 30, demiti-me—e no começo de1932arrastava-medenovoemPalmeiradosÍndios,comváriosfilhospequenos,semofícionemesperanças,enxergandoemredornuvensesombras.4Nessa crítica situação voltou-me ao espírito o criminoso que em 1924 me

haviaafastadoasinquietações—umtipovermelho,cabeludo,violento,demãosduras, sujasde terracomoraízes,habituadasaesbofetearcaboclosna lavoura.Asoutrasfigurasdanovelanão tinhamrelevo,perdiam-seadistância,vagaseinconsistentes,masosujeitocascudoegrosseiroavultava,noalpendredacasa-grande de S. Bernardo, metido numa cadeira de vime, cachimbo na boca,olhando o prado, novilhas caracus, habitações de moradores, capulhosembranquecendo o algodoal, paus-d’arco floridos a enfeitar a mata. E, semrecorreraomanuscritodeoitoanos,pois istoprejudicaria irremediavelmenteacomposição,restaureiofazendeirocru,àlápis,nasacristiadaigrejaenormequeo meu velho amigo padreMacedo andava a construir.5 Surgiam personagensnovas,eahistóriafoisaindodiversadaprimitiva.Até o capítulo XVIII tudo correu sem transtorno. Um dia de fevereiro, ao

entrar em casa, senti arrepios. À noite, com febre, fiz o capítulo XIX, umaconfusãoquemaistarde,quandomerestabeleci,conservei.A doença prendeu-me à cama uns três ou quatromeses.Viagem aMaceió,

exames, diagnósticos equívocos, junta médica, entrada no hospital, operação,quarentaetantosdiascomumtubodeborrachaatravessar-meabarriga,delíriosúteisnafabricaçãodeumromanceedealgunscontos6,convalescençamorosa.Aosairdohospital,comumapernaencrencada,coxo,naferidaaindaaberta

umatampadeesparadrapo,recomeceiotrabalho,quefuiterminaremPalmeiradosÍndios,naminhacasadoPinga-Fogo,ouvindoossapos,aventania,osboisdeseuSebastiãoRamos.Àsvezesmeupaimevisitavacarrancudo,largavaunsmonossílabos.Acarrancaefragmentosdevelhasnarraçõesdelecombinaram-senaedificaçãodePauloHonório.Infelizmenteessecolaboradormorreuem1934enãochegoualeroromance.Alíngua,asimagensrurais,apanhei-asemconsultaspacientesameusirmãos

ecunhados,gentematuta.Useicomabundânciaantigasexpressõesportuguesas

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quecirculamemtodooNordeste.Finda a escrita, copiei-a, tentando suprimir-lhe excrescências e acessórios

dispensáveis. Houve, pois, três redações: uma completamente abandonada em1924,duasem1932.Esforcei-meemdemasiaparaconseguirsimplicidade.Em novembro Paulo Honório me parecia mais ou menos apresentável.

Acompanhou-me à capital. ValdemarCavalcanti datilografou-o.7 GastãoCrulseditou-o.8Eoscríticoslhedispensaramalgumascortesias.9EmPalmeirados Índios,onde foigerado,ninguémdeuporele.Apenas seu

Digno,10 parente deminhamãe, vaqueiro, informado de que certo livro tinhasido feitopormim,desconfiou,duvidou.Ecomo lhe falassemcomsegurança,pegouabrochura,mediu-a,pesou-a,examinou-lheacapa,ailustraçãodeSantaRosa—eopinou:—Quemdiria?Sim,senhor.Estáumtrabalhinhodireito.

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“PauloHonório”.In:CONDÉ,João(org.).10romancistasfalamdeseuspersonagens. Prefácio de Tristão de Athayde, revisão de Aurélio Buarque de Holanda. Rio deJaneiro:EdiçõesCondé,dezembrode1946.AlémdoescritodeGracilianoRamos,talobrareúneodepoimentodeJorgeAmadosobre“AntônioBalduíno”;deJoséLinssobre“PapaRabo”;deEricoVerissimosobre“Dr.Freitas”;deRacheldeQueirozsobre“JoãoMiguel”,entreoutros.OpresentetextosobreoprocessodecriaçãodePauloHonóriotambémfoipublicadonoJornaldeLetras,Riode Janeiro, ano 1, nº 6, dezembro de 1949, e naRevista do Instituto de Estudos Brasileiros, SãoPaulo,nº35,1993,pp.204-6.Manuscrito,datadode18deoutubrode1945,pertencenteaoInstitutode Estudos Brasileiros: Arquivo Graciliano Ramos;Manuscritos; Crônicas, ensaios e fragmentos;not.10.4. 2. JoãoCondé (1912-96): jornalista e obsessivo colecionador, responsável pela montagem doacervoliterário“ArquivosImplacáveis”(nomedamesmaseçãoqueoperiodistamantevenarevistaOCruzeiro), que reunia, entre outros itens, manuscritos, depoimentos sobre a gênese de obras epersonagens,bilhetes,documentospessoais,autógrafos,fotografias,caricaturas,desenhosdeartistase escritores.O nome “Arquivos Implacáveis” foi extraído de uma frase deCarlos Drummond deAndrade:“Seumdiaeurasgasseosmeusversos,pordesencantoounojo,nãoestariacertodasuaextinção: restariam os arquivos implacáveis de João Condé” (SAMPAIO, Roberta de Castro.ArquivosimplacáveisdeJoãoCondé—ediçãofac-similaracompanhadadeestudosenotas.2vols.2003. Dissertação [mestrado em Literatura Brasileira]. Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas,UniversidadedeSãoPaulo,SãoPaulo,2003,vol.1,p.6). 3. Em carta demeados da década de 1920, ao amigo J. Pinto daMota Lima Filho,Gracilianocomenta que andava a fabricar, naquelemomento, dois contos nos quais enfocava “dois tipos decriminosos” (RAMOS,Graciliano.Cartas. Rio de Janeiro: Record, 1981, p. 76). Em entrevista aFranciscodeAssisBarbosa,em1942,Gracilianorevelaosnomesdasnarrativasquecompuseranosanos 1920: “A carta” e “Entre grades” (BARBOSA, Francisco de Assis. “A vida de GracilianoRamos”.Diretrizes,RiodeJaneiro,29deoutubrode1942).Naprimeira,oprotagonistasechamavaPauloHonórioena segunda,LuísdaSilva (FACIOLI,Valentim.“Umhomembrutoda terra”. In:GARBUGLIO,JoséCarlosetal.GracilianoRamos.SãoPaulo:Ática,1987,p.40).4.Noiníciode1930,depoisdepermanecerdoisanosàfrentedoExecutivomunicipaldePalmeiradosÍndios,Gracilianorenunciaaocargodeprefeito,liquidasuaLojaSinceraeénomeadoaocargode diretor da Imprensa Oficial pelo então governador de Alagoas, ÁlvaroPaes. Demite-se desseposto em dezembro de 1931, num contexto posterior à Revolução de 1930: “Não suportando osinterventoresmilitaresqueporláandaram,largueiocargoevolteiparaPalmeiradosÍndios,onde,numasacristia,fizS.Bernardo”(SENNA,Homero.“RevisãodoModernismo”.RevistaGlobo,PortoAlegre, agosto de 1948; texto recolhido no livro de SENNA, Homero. República das letras:Entrevistas com vinte grandes escritores brasileiros. 3ª ed. rev. e atualizada. Rio de Janeiro:CivilizaçãoBrasileira,1996,pp.203-4). 5. PadreMacedo (Francisco Xavier deMacedo): vigário da paróquia de Palmeira dos Índios,responsávelpelafundaçãodojornalOÍndio,noqualGracilianocolaborouaolongodos14primeirosvolumes,dejaneiroamaiode1921.6.Referência,respectivamente,aoúltimocapítulodeAngústiaeaoscontos“Paulo”e“Orelógiodohospital”,reunidosemInsônia.“Nodelírio,julgava-medois,ouumcorpocomduaspartes:umaboa, outra ruim. E queria que salvassem a primeira e mandassem a segunda para o necrotério”(SENNA,Homero.op.cit.p.204).

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7.ValdemarCavalcanti:jornalistaecríticoliterárioalagoanocompassagenspelagrandeimprensacarioca.EramembroativodogrupodeartistaseintelectuaisqueseconcentrouemMaceiónoiníciodadécadade1930,doqualfaziamparteJoséLinsdoRego,RacheldeQueiroz,AurélioBuarquedeHolanda, Graciliano Ramos, entre outros. Ainda na capital alagoana, ao lado de Alberto PassosGuimarães, fundoua revistaNovidade, publicaçãoqueprocuravacolocar-secomoporta-vozdessanova geração de escritores nordestinos, na qual Graciliano publicou as crônicas “Sertanejos” e“Chavões”,recolhidasnopresentevolume.8.GastãoCruls,médicosanitaristaeescritor.JuntamentecomosócioAgripinoGrieco,eradonodaEditoraAriel,empresaresponsávelpelaprimeiraediçãodeS.Bernardoem1934(HALLEWELL,Laurence.OlivronoBrasil.SãoPaulo:Edusp,2005,pp.429-32).Talcasaeditorial,soboscuidadosdeGrieco, tambémpublicavao influenteBoletimdeAriel,periódiconoqualGracilianoestampou,emsetembrode1934,atítulodedivulgação,umexcertodeS.Bernardointitulado“Ciúmes”(trechoqueabarcavaoscapítulos29e30daobrapublicada).9.NoArquivoGracilianoRamos,pertencenteaoInstitutodeEstudosBrasileiros,entrepequenasnotasecríticasmaisextensas,contemporâneasàapariçãodeS.Bernardo, foramcontabilizados26textos dando conta do aparecimento do livro. Excluindo-se um ou outro texto que censurava asuposta inverossimilhança do narrador-personagem Paulo Honório (alegando a existência de umaaparenteincompatibilidadeentreasofisticaçãodeseurelatoearusticidadedesuafigura),agrandemaioria dos críticos tece elogios incondicionais à obra ou ao encaminhamento da produçãoromanescadoescritor.10. Personagem referido em trecho memorialístico incompleto, em manuscrito, pertencente aoInstituto de Estudos Brasileiros: Arquivo Graciliano Ramos; Crônicas, Ensaios e Fragmentos;Manuscritos,not.10.11.

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DiscursoàcélulaTeodoroDreiserI1

Aquitrazemosalgumasobservaçõesrelativasàtarefaquenosfoiconfiadaem sessão de 16 de julho. Como podem servir ao Partido os trabalhadoresintelectuais?2Paracomeçar,distinguimosaídoisgrupos:odosquesededicamàerudição,o

dos que se votam à criação. Decerto um indivíduo figura às vezes nos doisgrupos, mas em geral isto não se dá: por natureza ou em consequência daespecialização, esses homens pendem para um lado ou para outro, fixam-se,dificilmenteconseguiriammodificar-se.Dequemodoserealizaaprodução?Evidentementeérazoávelqueoseruditos

se associem: não conceberíamos a Enciclopédia Britânica redigida por umapessoa. A criação, porém, é rigorosamente individual: absurdo imaginarmosquadros e poemas compostos por diversas criaturas; tentativasmalograram-se;aquihátempoalgunsliteratosfabricaram,cominfelicidadenotável,umaespéciederomance—umdesastre.3Afirmamos, pois, que o artista é um trabalhador solitário. E como nos

entregamosàficção,édelaquevamostratar.Consideramo-nosartesãos,nemchegamosaadmitirqueumdiasejamosoutra

coisa. Afirmações contrárias, lançadas por um profissional, revelaminsinceridade:sabemosquesónosépossíveltrabalharnoisolamento.Háquemdigaque isto sucedepornãoestarmos identificadoscomamassa,

ideia inexata. Enxergamos nela confusão entre sujeito e objeto. Sem dúvida énecessário conhecermos e sentirmos a matéria de que nos ocupamos. Paratransformarmos em obra de arte uma cadeia ou uma fábrica, por exemplo, éindispensável termosvivido emalgumdesses lugares.E citamosumcasoqueilustra essa asserção. Em 1936 José Lins do Rego, excelente observador dosengenhos de banguê, resolveu exibir-nos uma prisão e, em longo capítulo,

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sapecouFernandodeNoronha, ondenunca esteve. InquilinosdoPavilhãodosPrimários e da Sala da Capela viram isso com espanto verdadeiro.4 Por queassimprocedeuoescritoradmirado?Porquealguémachou,com injustiça,queeleeraumsimplesmemorialista, autorde relatórios sobreacana-de-açúcar.Orapaz quis mostrar que tinha imaginação e extravagou. Depois se arriscou adigressões mais perigosas: descreveu a Península Escandinava e certa vilasertanejainexistente.5Essamistificação,éclaro,muitosedistanciadoscanaviaisedasmoendas,assuntoexploradocomvigornosprimeiroslivrosdoromancista.Masumacoisaé falaraoscabrasdoeito,aomolequeempregadoemlançar

bagaço na fornalha, outra coisa é atirar essa gente no papel, fazê-lamexer-sedireito.Senosabalançamosareproduzirumcarnaval,nãoexteriormente,masointerior dele, a bagunça que turba os espíritos, com certeza manejamosserpentinas e lança-perfumes, gritamos, bebemos chopes, declamamos tolices,perdemosacabeça;quandoescrevemos,porém,nãoconservamosamáscaranorosto,nãonosatordoaocheirodoéter,estamoslivresdainfluênciadoscordões.Ninguém pensará que formamos uma passagem de romance trepados numautomóvel,sobnuvensdeconfete,ouvindoberrosetoquesdeclarim.Eestamoslongedaprisão,daoficina,dacasernaaoselecionaredisporomaterialqueessespontosnossugeriram.Dormimosnaesteiradocárcere, familiarizamo-noscomasmáquinas,volvemosàdireitaeàesquerda,emobediênciaàvozdoinstrutor,nosexercíciosmilitares, fomospartículasdamultidão;achamo-nos,entretanto,fora dela no ato da criação artística: nessa hora estamos sós, de pijama echinelos, em silêncio: temos horror às campainhas, ao telefone, ao próximo.Houveumadesintegração.Eatésenosocupamosdenósmesmos,se fazemosautobiografia,desdobramo-nos,somos,porassimdizer,onossopróprioobjeto.Afinal istosempreocorre,poisomundoexteriornãonossurgediretamente,e,observando-o,oqueemúltimaanálisefazemoséexaminar-nos.Cairemos então no idealismo? Não cairemos: naturalmente a coisa externa

preexiste,paranós,ea internaéapenasumreflexodela, imagemcomcertezadeformada.Evitamosasdeformaçõesvoluntárias.Contudo,pormuito realistasquesejamos,nãotemosapretensãodeapanhararealidadepura.Delasabemosoque os nossos nervos transmitem, mas como a experiência alheia não nosdesmente, apossamo-nos de uma pequenina verdade relativa, verdadecontingenteehumana,aceitamosocéuazuleosmontesverdes,enojamo-nosàpassagemdoscaminhõesdelixodaPrefeitura,declaramoshorrívelopãoatual.Ora, há alguns anos, brotou aqui uma literatura presumidamentemisteriosa,

sombria,infernal,queabusadaspalavrasmistério,sombraeinferno,masondenãopercebemosmistério, nemsombra,nem inferno.Filiaram-se a ela talentos

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disponíveis, mobilizaram-se recrutas inéditos, escondidos em cidadezinhas.Esses cavalheiros reciprocaram vastos elogios, e, sempre, misteriosamenteumbrosos e infernais, condenaram a novela de costumes, o estudo social, odocumento. Na verdade pretendiam anular o fator econômico, fugir amaterialismosinconvenientes—eemconsequênciaapresentaram-nosfantasmaseproclamaram-sedonosdoromanceintrospectivo.Afirmamosrepetidamenteaesses homens que o mundo subjetivo não exclui o objetivo; pelo contrário,baseia-se nele; e se dispensarmos o fato concreto, só nos restarão falsidades:mistériosduvidosos,sombrasvãs,uminfernoglacial.6De certa maneira, toda a literatura de ficção é introspectiva, pois somos

espelhosdanatureza.Julgamos que realizaríamos introspecção razoável se, esquecendo as nossas

dores miúdas e as nossas alegrias escassas, refletíssemos e tentássemosreproduzir os numerosos sofrimentos espalhados em redor de nós. E assimpensamos admitindo a suposição de que as buscas íntimas, os profundosmergulhosnaalma,superassemdefatoasinfelizesletrascaídasemdesprestígio,desdenhosamente consideradas reportagens. Na verdade não tínhamos alma.Paraquê?Sempossuí-la,fazíamossériosexamesdeconsciênciae,emcasodenecessidade, ouvíamos as confissões do vizinho, explicávamos e perdoávamostudo. Inocentamos o criminoso e o vagabundo, mostramo-los vítimas de umaordemsocialcorrupta.Nenhuminteressetínhamosemescondermazelas.Fomosásperos e pessimistas. A crítica burguesa nos censurou; viu, portanto, queestávamoscertos.Nãosomosromânticos—enaturalmentedesejamosdestruirmuitacoisa.Outrosusarãomaistardeoprumo,onível,acolherdepedreiro.Onossoinstrumentoagoraéapicareta.Masestávistoquenãonosservequalquerpicareta.É esta literatura que devemos oferecer ao Partido, se não nos enganamos.

Habituamo-nosaela,enenhumaconveniêncianotamosemsuspenderasnossasatividades.Temo-lasemcontadearmas,abominamosaarteneutra.Seexigiremde nós conferências, discursos, artigos, conseguiremos atamancá-los, semvantagemapreciável:onossomeiodeexpressãoéoromance,éoconto.Seriaproveitoso abandoná-los, apoiar o reacionário que diz sermos inimigos dacultura?Deordinárioosnossoscamaradasnossupõemfazedoresdebrinquedosinúteis, quando muito esquisitices dignas de exposição, motivo de surpresa einvejaaoburguês:—Tambémaquiproduzimosisso.Ecomosomoshábeisemjuntarfrases,esperamquenosestiremospelosmais

diversos assuntos. Sobretudo consideram o nosso trabalho fácil em demasia.Nascimento,secretáriodeumacélulanaTijuca,anunciavaumanoite,emsessão:

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—O companheiro Fulano gastoumeia hora arrumando aí uns troços que agentepediu.Os troços haviam consumido exatamente dois dias de esforço. A Jorge

Amado, que lamentava não ter vagar para concluir um romance, alguémretrucou:—Se você escrever comvontade duas horas pelamanhã, em pouco tempo

acabaahistória.O desconhecimento das responsabilidades que pesam sobre nós é pasmoso.

De fato algumas criaturas gostam de encher papel sem muita reflexão.Fabricaramaínumasemanaumromance,quenaturalmentenãocirculou.Certopoeta se vangloriava de ter composto vinte e cinco poemas de assentada. Emoposiçãoaessasavesdevooassombroso,háosruminantes,quepezunhamcompaciêncianoterreno,hesitamnaescolhadoscaminhos,andamronceiros.Seria bem difícil prescrever tarefas a esses viventes.Os que aqui se acham

têmtidofracautilidadeedealgumaforma justificamamáopiniãoexistentearespeito deles. Despertamos desconfiança, por nossas indecisões,inconformações,atitudesesquivas,falsamodéstia,suscetibilidade.Intimamentenos valorizamos em excesso; compreendo que não temos razão para isto,fingimoshumildade,resvalamosemautoflagelaçãohipócrita.Éistoherançadecerta formade sectarismohá tempousual,na ilegalidade.Porvoltade1935opequeno-burguês simpatizante queria depressa eliminar as suas tendências,necessidades,linguagem,atéosseushábitosmentais:rosnavapalavrões,deixavadelavar-se,rasparabarbaeescovarosdentes,abandonavaagravata,porvezesafundava num amoralismo idiota e dava a impressão de deitar remendos emroupanova.Esseesnobismofrequentementedescambavaemadmiraçãopalermaao trabalho simples e desprezo ostensivo ao trabalho complexo. Necessáriocombatersimulaçõesestúpidasaindaresistentes.Os defeitos mencionados vêm da nossa classe e da nossa profissão. Quase

todos pertencemos à pequena burguesia. Asseveramos que ela seja realmenteclasse?Éumacamadavacilante,ediremostalvezsemcontrassensoqueoqueacaracterizaéafaltadecaráter.Subindoumpouco,tentainsinuar-senocapital—e é favorável à violência, detesta reuniões, pensa em conformidade com apolícia, teme a foice, o martelo, a cor vermelha, afeiçoa-se ao golpista e aodelator;largandooemprego,esgotadaacadernetadacaixaeconômica,avizinha-sedoproletariado—eentranasfilas,épingentedebonde,assisteacomícios,descompõeaLight,excede-seemparolagemdemagógica.Istoeoisolamentoaque nos condenamos, inevitável quando produzimos, explica7 as nossasdeformações. Originários dessa camada oscilante, somos induzidos ora adefenderumaclasse,oraaoutra.

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Eaquinãoseriainoportunodizermosquenãoexistearteburguesanemexistearte proletária. Concepções da pré-história ainda se conservam. Ignoramos aidadedoritmoternário:sabemosqueévelhoedificilmentenoslivraríamosdele.Entretanto seria absurdo imaginar uma arte estática. Modificações leves,acumuladas,comcertezaocasionamsaltos.Eseaartenãoédesupetãoforjadaporumaclasse,estásempreaserviçodeumaclasse.Indispensável,pois,resguardarcomzeloatécnicaliteráriadequeaburguesia

seaproveita.Atécertopontoumrevolucionárioéomaisferrenhoconservador.As liberdades excessivas que o modernismo nos trouxe foram utilizadas pormuito fascista. Repelimos a desordem, a indisciplina, a composição fácil, anovelaredigidacomonoticiário.Voltamosàperguntadoprincípio:comotrabalharemos?Ficouditoquesomos

artesãos,nuncadeixaremosdeserartesãos,parece-nos.Masnãoseráimpossível,executando o plano aqui exposto, mutuarmos auxílio. Um intercâmbionecessário. Alguém objetará que isso não é função da célula. Responderemosqueascélulasdiferem:umacéluladosistemanervosonãoseassemelhaàsdosoutrostecidos.Enaverdadetencionamosrealizartrabalhodemassa.Emgeralseconsideramassaumajuntamentode indivíduos.Consertemosodicionário.Milespectadoresabocejar,acochilarnumteatro,nãoconstituemmassa.Julgamosaplateiamassaquandoapeçaacomove.Se,porém,essasmilcriaturas,metidasemsuascasas,leremamesmapeçaeexperimentaremoentusiasmoquediantedopalcosentiriam,porquenãoconstituirãomassa?Talvezconsigamosanimaros trabalhadores da palavra escrita, estimular vocações, achar algumapreciosidade na abundância do cascalho. Difícil? Desejamos tentar aexperiência,examinaraproduçãodosnossoscamaradas.

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Notas 1. Arquivo Graciliano Ramos, Manuscritos, Discursos, not. 12.20. Discurso proferido,provavelmente,nosegundosemestrede1946.Títuloatribuídopeloorganizador.AcélulaTheodoreDreiser,aportuguesadaporGracilianocomoTeodoroDreiser(opçãodenomenclaturaaquiadotada),reunia-se na sede daEditoraHorizonte, nº 275, da avenidaRioBranco, esquina com a rua SantaLuzia,nocentrodoRiodeJaneiro.Foicriadanosegundosemestrede1945edurouatéfinsde1946(PAIM, Gilberto. “Ignácio Rangel: um intérprete original da realidade brasileira.” In:MAMIGONIAN, Armen e REGO, José Márcio [orgs.]. O Pensamento de Ignácio Rangel. SãoPaulo: Editora 34, 1998, p. 59). Era diretamente ligada ao Comitê Central do PCB e reunia osescritores do partido. Seu nome fora sugerido pelo próprio autor deAngústia, emhomenagem aoescritor americanodeorigemoperária e de orientação comunistaTheodoreDreiser, que publicou,entre outros, Uma tragédia americana (1925). Das reuniões semanais realizadas pela célula,participariam, além deGraciliano, FlorianoGonçalves, IgnácioRangel, Lia Corrêa Dutra, BenitoPapi, Laura Austregésilo, Alina Paim, Israel Pedrosa, Isaías Paim, Gilberto Paim e outros(MORAES,Dênisde.OvelhoGraça.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1992,p.218).2.Comointuitoderesponderaestaquestão,foinomeada,a16dejulhode1946,umacomissãodeescritorescompostaporAlinaPaim,LiaCorrêaDutraeGracilianoRamos(verdocumentoassinadopor estes três romancistas, pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros: Arquivo GracilianoRamos,Recortes,caixas51-2). 3. Provável referência ao livro coletivo Brandão entre o mar e o amor: romance, obraconjuntamentecompostaporJorgeAmado,JoséLinsdoRego,AníbalMachado,RacheldeQueirozepelopróprioGracilianoRamos, publicada emprincípiosde1942pelaEditoraMartins,masquesaíraumanoantes,emfolhetim,pelarevistacariocaDiretrizes.Aoautoralagoano,coubeescreveroterceirocapítulo,intitulado“Mário”.4.ReferênciaaolivroUsina(1936),oqualJoséLinsdedicaraaJoséOlympioeaGraciliano,que,naquele momento, encontrava-se preso. Em suas Memórias do cárcere, o escritor relata seuestranhamento ao ler pela primeira vez a obra e ver o romancista “afastar-se da bagaceira e docanavial, tratadas com segurança e vigor nas obras anteriores” para “discorrer sobre Fernando deNoronha,ondenuncaesteve” (RAMOS,Graciliano.Memóriasdocárcere. 4 vols.Rio de Janeiro:JoséOlympio,1953,vol.4,p.37).“Zanguei-mecomJoséLins.Porquesehavialançadoàquilo?Oadmirável romancista precisava dormir no chão, passar fome, perder as unhas nas sindicâncias.Acadeianãoéumbrinquedoliterário.Obtemosinformaçõesláfora,lemosemexcesso,masosautoresquenosguiamnãojejuaram,nãosufocaramnumatábuasuja,meiodoidos.Raciocinambem, tudocerto.Queadianta?Impossívelconceberosofrimentoalheiosenãosofremos.OcomeçodolivrodeJoséLinstorturava-me”(idem,p.38). 5. Referência ao livroRiachoDoce (1939), cuja primeira parte “passa-se toda na Suécia” (Vercrônica“Decadênciadoromancebrasileiro”,presentenestaedição).6.Talreferênciacríticaaoditoromancepsicológicoouintimista,queteriacomoprincipalexpoenteOctáviodeFaria,podeservistanoartigo“Ofatoreconômiconoromancebrasileiro”,estampadoporGracilianonoperiódicoObservadorEconômicoeFinanceiroemabrilde1937,republicadonojornalcomunistaTribunaPopular,em17dejulhode1945,e,porfim,recolhidoemLinhastortas(RiodeJaneiro:Record,2005,pp.361-70).7.Oautormanteveoverbonosingular,provavelmente,paraprivilegiaroprimeiroelementoquecompõeosujeitocomposto.

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DiscursoàcélulaTeodoroDreiserII1

Chegandoa essas conclusões,2 a comissãoprocedeu ao balanço crítico eautocríticodasatividadesdabaseedadeseusmembros.Everificamosque,deum lado e de outro, o resultado é negativo. Nada realizamos de útil, nós, osescritores de ficção, dentro de nossa especialidade, desde que nos filiamos aoPartido;nadadeútilrealizounossabase.Emnossasreuniõeshabituaisdecélula,passamosmesesperdidosemdebates

estéreis, em discussões sobre política internacional, em apreciações de pontosdoutrinários — e como, a essas divagações teóricas, não acrescentávamosqualquer tarefa de cunho prático, nem procurávamos qualquer contato com amassa,nenhumrendimentopositivopudemosofereceraoPartido.Nãodevemostermedodeconfessaremvozaltaoquecadaumdenósreconheceintimamente:nossa célula, até a reunião de 16 de julho, que procurou encontrar-lhe umafinalidade, foi, semdúvida,umacélulamorta.Perguntamosaoscompanheiros:de que trabalho de organização, de divulgação, de agitação, de finanças, demassasoueleitoraljásedesempenhouacélulaTeodoroDreiser?Narealidade,estávamos enveredando pelo perigoso desvio do oportunismo, estávamos emvia3denostransformaremteóricospedantes,cadavezmaisnosencouraçandona nossa casca de intelectuais pequeno-burgueses, cheios de pretensão e deautossuficiência.Sim,nadadeconcreto,deprático,foifeitopelosmilitantesdacélulaTeodoroDreiser,dentrodacélula.4Foradacélula,aocontrário, temossidoempregados, individualmente,quase

quesóemtarefaspráticas.Sucedem-seasincumbênciasquenosdão,namaioriainteiramenteestranhasànossaprofissãoeàsnossastendências,aonossogostoeàs nossas possibilidades. Tomamos parte em mesas-redondas para discutirquestõesmunicipais,emcomissõesparabarateamentodopreçodoleite,demosentrevistas sobre a carestia da vida, formamos grupos para levar, a domicílio,

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convitesapolíticosefigurões,debatemosproblemasdeeconomiadoméstica—coisasquefazemosmuitomaledequeentendemospouco.Tudoissoestá,porcerto,emdesacordocomasprópriasresoluçõesdasbases,

que mandam que o militante viva os problemas que tem de resolver. Ora, sóartificialmentepodemosviverproblemasquenãosãoosnossos.Aceitamosdeboa vontade debatê-los e encaminhá-los, como aceitaremos sempre,disciplinados,todaequalquerincumbênciaquenosdêoPartido,quersetratedediscursaremcomícios,decolarcartazes,depicharmurosoudevenderbilhetesde rifas. Mas o que acontece é que empregamos, na sua solução, maispropriamenteesforçosdoqueinteresse,eoresultado,porcerto,nãopodeseromesmo. Não estamos pretendendo fazer nossa autodefesa por motivos devaidade, de comodismo, de personalismo pequeno-burguês. Estamossinceramenteconvencidosdefazer,aomesmotempo,adefesadosinteressesdoPartido, que só teria a ganhar — parece-nos — com a utilização exata dascapacidadesdecadaumdenós.Julgamosqueapenasosescritores,noPartido,nãosãoaproveitadosdentrode

suaprofissão,e,naprofissão,dentrodesuaespecialidade.Nãosabemosqueaosmarceneirossemandepintarparedesnemqueaospintoresseexijaaconstruçãode uma escada. De modo geral, os outros profissionais são empregados, depreferência, em suas próprias especializações. Conhecemos convocações degarçonsparaservirmesas,deprofessoresparafazercursos,dedesenhistasparapreparar cartazes, de motoristas para guiar automóveis, de advogados paradefenderpresos.Cremosnãocometeratodeindisciplinaquandoreivindicamos,paranós,tratamentoigualaoquerecebemoutrosprofissionais.Devemos, entretanto, reconhecer que osmaiores culpados por essa situação

somos nós mesmos que, devido ao nosso excessivo personalismo, à nossaincapacidadedeorganização,nãosoubemos,dentrodoPartido,comoforadele,fazer aceitar como uma profissão nosso trabalho de escrever. O mal vem delonge, desde a época em quemuito se falava em “arte pela arte” e em que aliteraturaconstituíaainda,paraagrandemaioria,meraocupaçãosubsidiáriaoupassatempo para as horas vagas. Hoje, porém, (e já naquele tempo algunsescritores)muitosdosnossosvivemrealmentedesuapena,emesmoosquedelanão tiram sua manutenção, consideram o trabalho de escrever como suaatividade principal, amais importante, levando-amuito a sério, respeitando-a,reconhecendo-lhe toda a dignidade e os direitos inerentes a uma verdadeiraprofissão.Mas,dequalquerforma,nãovencemosaindaospreconceitosgeraisecontinuamos a ser tratados, por nossos companheiros de Partido como pelasnossasrelaçõesextrapartidárias,comoamadorese,piorainda,comodiletantes.Essacertezadequeoescritoréumprofissionaléqueprecisamosfortalecerem

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tornodenós.ÉverdadequeoPartido sabeque somosescritores e é essa aprofissãoque

figura em nossas cadernetas de militantes. Assim, produzimos, de vez emquando,minguadosartigosoubalbuciamossaudaçõeseconferências—istoé,continuamos, apesar de tudo, fora de nossa especialidade, que é a de escrevercontoseromances.Namaiorpartedasvezes,essesartigosnãosãopublicados,oquenosconfirmananossaopiniãosobreapéssimaqualidadedeles.Gastamos,com frequência, horas inteiras na elaboração custosa de frases sobre assuntosquenossãopedidoscompressa;deixamosdelado,paratanto,nossashistóriasde ficção (e é perfeitamente justo que o façamos, porquanto o interesse doPartido deve sempre prevalecer sobre nossos próprios interesses; aliás, o quepretendemosdemonstrar,nestaexposição,équeointeressedoPartidotalveznãoesteja em substituir aquilo que sabemos fazer direito por aquilo que fazemosmal); apresentamos o trabalho executado; e dele nunca mais ouvimos falar,desconhecendo o destino que lhe deram. Naturalmente, o Partido não podeaproveitartrabalhosquenãoestejamàalturadesuasexigênciaseérazoávelqueos rejeite. Nós, por nosso lado, apesar de nossos esforços, não temos práticadessas tarefas e as executamos de maneira deficiente, pois nossa literaturahabitual é a de ficção. Um especialista de garganta não será bommédico dedoenças nervosas; um romancista não passará de medíocre escrevinhador decrônicaseartigos,deinábilinventordeslogans.Não somos, entretanto, contrários ao desempenho de quaisquer tarefas

intelectuais,e,muitomenos,aodetarefaspráticas.Gostaríamos,apenas,dequeaexecuçãodestasedaquelasnosdeixassemargemparaaconfecçãodenossoscontos e romances. Parece-nos certo, certíssimo, que o Partido empregue seusescritores no trabalho de escrever, encarregando-os de redigir tudo quanto lhepareça conveniente (mesmo quando fora do gênero literário próprio a essesescritores, seus militantes em todas as atividades necessárias). Jamaisexecutaríamos de má vontade as incumbências de uma e de outra natureza.Apenasdesejamosresguardarumpoucodenossashorasedenossasolidãoparagastá-lo em nossa literatura, em nossa incoercível necessidade de criar nossospersonagens e nossas histórias — coisa que muitos de nós nunca maisconseguiram,desdequesefiliaramaoPartido.O horário de trabalho dos demais militantes, operários, camponeses,

funcionários públicos, empregados na indústria, no comércio e nos serviçosdomésticos, médicos, engenheiros, advogados, é estritamente respeitado peloPartido; nunca são convocados durante o tempo de seu expediente, nunca sãoaconselhadosafaltaraoserviço.Gostaríamos,nóstambém,dedispordealgunsmomentos para nossa literatura. Mesmo “as duas horas pela manhã” que um

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companheiro dirigente ofereceu a Jorge Amado5 seriam bem recebidas poralguns de nós, que têm a sua espera, na gaveta, um romance de que só faltaalinhavaroúltimocapítulo.Estamoscertosdeque,comapublicaçãodenossoslivros,porpequenoquesejaoseuvalor,seremosmaisúteisaoPartidodoquequandodebatemosassuntosmalcompreendidosou levantamos, juntoàmassa,reivindicaçõesquenãotemosacapacidadedeviverprofundamente.Daríamos,aomenos, um desmentido àqueles que dizem que o Partido nos absorveu porcompletoenosesterilizou.Mas nossa possibilidade de ajudar o Partido não se detém aí.Não bastaria,

para prestigiá-lo, a contribuição de nossa minguada produção intelectual. Énosso desejo sincero estimular nossos companheiros principiantes, descobrirvalores novos, capazes de concorrer, com sua literatura, para a causa doProletariado,formar,enfim,todoumgrupodeescritoresdoPartido,autoresdeobrasdeficçãoinspiradasnarealidade,navidaenossofrimentosdenossopovo.ASecretariadeEducaçãoePropagandarecebeconstantementeobrasinéditas

de ficção, enviadas por companheiros jovens, ainda tímidos, hesitantes, queignoram, eles próprios, a importância que possa ter seu trabalho. Cabe-nos, anós, escritoresmais experientes, ler essasproduções, selecioná-las, analisá-las,dar nosso parecer, propô-las para publicação nas editoras do Partido ou nasempresas burguesas, onde, possivelmente, uma recomendação facilitará suaimpressão.Sendo esta comissão encarregada da seleção e crítica de obras de ficção, o

presenteplanofoiorganizadoapenasparaessesetordetrabalho.A Comissão de ficcionistas deverá entrar em entendimento, por meio do

Secretariado da célula Teodoro Dreiser, com a Secretaria de Educação ePropaganda do Comitê Nacional, do Comitê Metropolitano e dos ComitêsEstaduais, assim como com os Distritais e as células, na forma prevista daterceira parte deste plano, pedindoque lhes sejamencaminhadas as produçõesliterárias(romances,novelasecontos)deseusmilitantes.Nessasproduções,competeàcomissãodestacar:

a)Oserrosdecaráterdoutrinário;b)OsdesviosdalinhapolíticadoPartido;c) As tiradas demagógicas, o excesso de pieguices sentimentais, osdevaneiosocos,agrosseriadelinguagem,opopulismointencionaletc.;d)Asimperfeiçõesdeformaedefundo;e)Afalsidadenaconstruçãodostiposedassituações.

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Adistribuiçãoeoprocessodetrabalhosefarãonaformaestabelecidanapartede“Divulgação”.Sempre que se tratar de obra aproveitável, mesmo quando defeituosa, seu

autorseráchamadoàpresençadacomissão,queprocuraráexplicar-lheasfalhasencontradas,debatercomeletodasasdúvidaseapontar-lheamaneiradesuperaras deficiências. Essas explicações serão ministradas por carta, no caso de setratardemilitantedosEstados.6Pensamos ser esta uma tarefa dentro das nossas possibilidades. Se a

desempenharmosacontento,como,semfalsamodéstia,julgamossercapazesdefazer, teremos prestado verdadeiro auxílio a nossos companheiros e a nossoPartido.Impediremos,certamente,quemilitantescomunistascaiamnograveerrodo

populismo,dagrosseria,doidealismovaziooudademagogia.Aindahápoucosdias,umdenósfoiabordadoporumrapazaindajovemque,estendendo-lheumlivro de sua autoria, pediu-lhe a opinião, dizendo tratar-se de obra“verdadeiramente revolucionária e comunista”. O livrinho, entretanto, nãopassavadeamontoadodeobscenidadeseimundices,expressonamaisherméticadas gírias (e não gíria do povo, do trabalhador, do estudante, mas gíria damalandragem) e cuja única novidade consistia em se escrever comminúsculatodososnomespróprios—acomeçarpelodoautor,nacapa—eemnãoseusarnenhuma pontuação. Os personagens do livro eram todos prostitutas,vagabundoseladrões.Estamoscertosdequeumparecerdacomissão,cujacriaçãoacélulapropôs,

nãopermitiriaqueobratãocomprometedorafossepublicadaporumdenossoscamaradas.Nãotemosamenordúvidadequeumaboaeabundanteproduçãoliteráriados

militantes comunistas virá prestigiar e enriquecer o Partido. E embora essaafirmaçãopossafazercairsobrenós,maisumavez,apecha—talvezmerecida— de sectários, julgamos que é destamaneira que poderemos fazer omelhortrabalhodemassas,semsacrifíciodenossastendênciasedenossaprofissão.Oque nos dá a coragem de assim expor nosso ponto de vista e defender nossapossibilidadedetrabalharnanossaprofissãoenanossaespecialidade,dentrodoPartido, é a intenção manifesta do Partido de prestigiar seus escritores e oaplausocomquefoirecebida,naIIIConferência,adefesadoescritorcomunista,feitapelonossocamaradaJorgeAmado.Um livro publicado por nós, ou por um de nossos companheiros em que

tivermosdescobertovocaçãoliterária,serádemaiorutilidadeparaoPartidodoqueasdiscussões filosóficas (teoriaafastadadaprática) emquenosperdemosaté o dia 16 de julho passado, ou do que qualquer slogan que a muito custo

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conseguirmosinventar,porsimplesespíritodedisciplina.EsperamosqueoPartidoeacélulaaceitemnossas sugestõescomomesmo

espíritocomqueasapresentamos:comodesejosincerodedarvidaativaaumorganismo de base, que tem constituído, até o presente momento, verdadeiropesomortoparaoPartido.7

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Notas 1. Arquivo Graciliano Ramos, Manuscritos, Discursos, not. 12.19. Discurso proferido,provavelmente,nosegundosemestrede1946.Títuloatribuídopeloorganizador.2.Verotextoanterior,“DiscursoàcélulaTeodoroDreiserI”.3.Originariamente,estavagrafado“vai”emvezde“via”,errodedigitaçãonodatiloscritoquefoicorrigido. 4. Segundo depoimento de Gilberto Paim, caberia aos integrantes da célula Teodoro Dreiser“entender e explicar as coisas que o camarada Prestes estava propondo na Constituinte ou nosinformes partidários”, bem como “disseminar as teses que vinham doComitê Central, através deartigos,conferências,conversase reuniões” (MORAES,Dênisde.OvelhoGraça.Riode Janeiro:JoséOlympio,1992,p.218).5.Verotextoanterior,“DiscursoàcélulaTeodoroDreiserI”.6.Emmeioàfortunacríticadoescritor,pertencenteaoInstitutodeEstudosBrasileiros,existeumdocumentoassinadoporGracilianoRamos,LiaCorrêaDutraeAlinaPaimque,emboraincompleto,jádavacontadasdisposiçõesaquiexpressaspeloartistaalagoano:“Oexamedooriginalsobtodososaspectos fornecerá elementos precisos para a orientação do autor. Caso apareçam bons livros deautores desconhecidos, a célula tentará facilitar-lhes a publicação, oferecendo-lhes depois apublicidade necessária. De acordo com as falhas apresentadas, organizaremos cursos práticosdestinados ao aperfeiçoamento dos elementos que revelaram talento e probabilidade de êxito. Ascríticasserãooraisouporcorrespondência,nocasodeointeressadonãoresidirnoDistritoFederal.Catalogadosessesconselhosescritos,teremosemfuturopróximoumtrabalhoorganizado,rápidoeeficiente”(ArquivoGracilianoRamos,Recortes,caixas51-2).7.TalpropostadeGracilianoteriasidoimediatamenteaprovadapelosintegrantesdacélula,masodiretordoComitêCentral,DiógenesArruda, informadodeque aTeodoroDreiser estava tomandodecisõesàreveliadeseucomando,ordenouadissoluçãodesta,semcomunicar,contudo,adecisãoaosinteressados.“Conclusão:acélulacontinuariaematividadeporalgunsmeses,atésernotificadaoficialmentedesuaextinção”(MORAES,Dênisde,op.cit.p.219).

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Culturaaserviçodopovo1

Camaradas:

Nãoseibemseoquelhesvoudizernestaconversaligeiracombinacomotítulodela,anunciadonojornal.Escapou-meanotícia,épossívelquemeafasteumpoucodamatériacomunicadaaosleitores.Bem. Para não estarmos com prólogos, entro no assunto e declaro que, na

minhafracaopinião,antesdevermosno livroumveículodecultura,devemosconsiderá-losimplesmercadoria.EvidentementeelenãoéumagraçadeDeus,comoaluzdosoleaáguadafonte:encerraoesforçodenumerosaspessoas,dotrabalhocomplexodoautoràrijalabutadoimpressor.Semlevarmosemcontaas fases anteriores e posteriores a isso: a fabricação do papel, da tinta, dasmáquinas,doscordéis;adistribuição,apropagandaeatéoquenestemomentorealizamos, pois, confessemos honestamente, exercemos aqui o ofício decamelôs.Estaminha declaração chocha retira ao livro, objeto poucomais oumenos

inútil àmassae apenasacessível aos iniciados,o caráterdecoisamisteriosaaquedesdeainfâncianoshabituamos.Criou-seumaespéciedetabuvantajosoàclassedominante:asabedoriadoscompêndiosfoiduranteséculosecontinuaasermeiodeopressão.Sujeitoshábeis reuniram ideias safadaseadularam, semnenhuma vergonha, os seus patrões horrorosos.A imprensa sadia é instituiçãovelha,anterioraostipógrafos,jáusadapelosescribasdoEgito.Deixemos os escribas do Egito. Se meter-me em funduras, daqui a pouco

estarei falando difícil, empregando a linguagem que desvia dos pensamentosarrumadosna folhaohomemdamultidão.Voltoaoqueafirmeinocomeço:olivro é mercadoria. As metralhadoras também são mercadorias, que, até hojeutilizadas contra o povo, irão resguardá-lo. É intuitivo, porém, que de nada

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servirãoseelenãosoubermanejá-las.Averdadeéquenemtodososlivroscantamloasaostiranos.Adesgraçadessa

gente é perceber que as suas armaduras racham, a sua força se esvai, os seusdefensoressetransformamderepenteeminimigos.Apalavraescritaéarmadedois gumes. A literatura velha arqueja e sucumbe; a literatura nova fere comvigor a reação desesperada. Não nos ocupamos da primeira, está visto;deixaremos que se enterre, no silêncio, na penumbra e no mofo, com algumlatimresmungadopeloscríticosdaLEC.2Asegundaéaquenostrazaestasala,encerra-senosvolumesaquiexpostos.Precisamosconhecê-ladeperto.Éclaroquenadaganharemosolhando,comrespeito,essesvolumesprotegidosporumavitrina.Indispensávelsabermosoquehádentrodeles.VimosnumacapaonomedeMáximoGorki e experimentamosodesejode largarunspalpites sobreele,atrapalhando tudo. Recuamos a tempo — e na reunião da célula ouvimos,bastante chateados, referências ao admirável russo, num informe. Contudo, arecordação da vitrina permanece, garantimos que Máximo Gorki é notável.Temosdecorumalistadepersonagenscélebres,afirmamosacelebridade,masseriadifícildizermosemqueelasebaseia.Asserçõesquenosfizeramnaescola,repetidas longamente, foram aceitas afinal. Em vão tentamos adivinhar comosubiram certos figurões das letras nacionais.Vi um tipo quase chorar lendo anotíciadamortedeumliteratoconde.Necessário conhecermos a razão dos nossos entusiasmos, não nos

comovermos à toa. Vamos ver se a página impressa é digna de admiração.Tratemos, pois, de adquiri-la: é para ser vendida que se exibe além do vidro.Terradeleituraescassa.Vemosfilasparabanha,açúcar,pão,carne,odiabo,masnão conceberíamos fila diante de uma livraria. Realmente ali não se vendemcomestíveis.Contudoébomumsujeitoleralgumasvezes,aomenosparafingirimportâncianapresençadochefeoudanamorada.Literatura ao alcance da massa?Muito bem. O livro está perto, à mão, na

vitrina. Foi redigido cuidadosamente: no interior dele não há cercas de aramefarpado, evitaram-se atoleiros, rios cheios, pedras escorregadias e pinguelas,enfimqualquer inteligência razoávelpode transitarali facilmente,por todososlados.Agoraesperemosqueohomemdopovosemexa,dêalgunspassosatéobalcãodalivraria,peçaovolume.Epague,naturalmente,poisoscidadãosquemourejamnaquilonãovivemnoéter.

Rio,28defevereirode1947

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Notas 1. Arquivo Graciliano Ramos, Manuscritos, Discursos, not. 12.22A. Título atribuído peloorganizador.PalestraproferidaporGracilianonocomitêdistritalSantosDumont,órgãopertencenteàestruturadoPCB,nodia1ºdemarçode1947.SegundoojornalTribunaPopular,talfala,intitulada“Culturaaserviçodopovo”,sedeunocontextoda“Campanhadolivro”,promovidapeloPartidão,quepretendia,sobretudo,estimularavendadeobrasdaseditorasdeorientaçãocomunistaVitóriaeHorizonte.Naoportunidade,oescritoralagoanofoihomenageadopelojornalistaAstrojildoPereira(GRANDEINTERESSEdespertaa“Campanhado livro”.TribunaPopular,Riode Janeiro, 27defevereirode1947,p.3).2.ReferênciaàLigaEleitoralCatólica(LEC),umaassociaçãocivildecaráternacionalcriadaem1932, no Rio de Janeiro, por dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, com o auxílio de AlceuAmoroso Lima. “Seu objetivo era mobilizar o eleitorado católico para que este apoiasse oscandidatoscomprometidoscomadoutrinasocialdaIgrejanaseleiçõesde1933paraaAssembleiaNacional Constituinte e de 1934 para a Câmara Federal e as assembleias constituintes estaduais”(KORMIS, Mônica. LIGA ELEITORAL CATÓLICA (LEC). In: ABREU, Alzira Alves de et al[coords.].Dicionário histórico-biográfico brasileiro—Pós-1930.Rio de Janeiro:CPDOC, 2010).Atuouaindanospleitospresidenciaisde1945ede1950,bemcomonaseleiçõesparaaAssembleiaConstituintede1946.

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Solilóquioderramado1

Rio,22deoutubrode1947.

P rezadoAllyrio: tenhoprocuradoavistar-mecomMonteBrito,2masesseseuamigoévaporoso,éabstrato,abala-measconvicções,atira-meaoidealismo,insinua-mea suspeitadequeumser livredecarneeossoécapazdeescreverextensosrodapés.NalivrariaenojornalpercebemosasombradeMonteBrito:emvãonosesforçamosporver-lheafigura,ponderável,comassuasfraquezaseas suas incongruências, imperceptíveis na folha onde se alarga e aprofunda opensamento. Você, ótimo Allyrio, me afirma conhecer de perto o viventesingular.Não indagomistérios— e, como a asserçãome é útil, peço-lhe quetransmita à personagem fugitiva, pelos meios convenientes, este solilóquioderramado.Quero referir-me ao longo ensaio deMonteBrito, exposto noO Jornal em

seisdomingos.Tendo fornecidoassuntoaohomem,deveria achar-mevaidoso,imaginar haver ganho nestes últimos tempos algumas polegadas. Não sucede,porém, isso, pois as minhas letras apenas serviram de pretexto ao admirávelestudo:comelasoucomoutraqualquermatéria-prima,aslargascolunasteriamsidolançadasnosuplemento,gravesevaliosas.Assim,recolho-mediscreto,douaFabiano,LuísdaSilvaePauloHonóriooméritoescassoqueelestiveramnavida.Ao ler Monte Brito, muitas vezes me pareceu distinguir os meus insetos

sociais através de uma lente de microscópio. Nesse aumento excessivo comcerteza surgiram pormenores invisíveis a olho nu, mas convém antes de tudomencionarahonestidaderigorosadoobservador:ascriaturas,ampliadasevistassobluzforte,denenhummodosedeturparam:asconclusõesnasceramdefatosirrecusáveis.

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É essa a principal virtude, suponho, do seu amigo, rara numpaís onde nãoprecisamos justificar opiniões. A nossa crítica, decisiva, dogmática, poucaimportâncialigaàscobaiasquelhechegamàsgarras;tempreguiçadeinvestigar,arroja-seadissertaçõesinoportunas,falsificaumtextocomcitaçõesinverídicas.Naturalmentenãosãotodososcríticos:aludoaosqueprocedemassim.Nem sempre, julgo, o comportamento leviano revela irresponsabilidade ou

malícia: enxergaremos nele talvez deficiência de método. Em vez de seconsiderar um livro, medi-lo, pesá-lo, toma-se de ordinário uma parte dele,abandonando passagens nocivas a afirmações apriorísticas. Desse modo umcatólico provará que também sou católico; outros alinharão princípiosmorais,quererãoobrigar-meaescorar-meneles.Pregam-nos rótulos,matriculam-nosàforça numa ou noutra escola; exumam padroeiros exóticos, os figurinos quedizemadotarmos.Comosetivéssemosapretensãodeavizinhar-nosdessagentegrande.Enfimnosatribuemassuasideias,assuaspreferências,osseusódios.Pergunto amimmesmo se poderia ser de outra forma, se não estão certos.

Devemestar.Nãosomosnunca,épossível,inteiramenteobjetivos:reproduzimo-nostentandoocupar-nosdeoutrapessoa.MonteBrito,porém,identifica-setantocomasminhashistóriasquenosdáaimpressãoesquisitadesairdesimesmo,analisar,comparar,aceitandocasoseindivíduoscomoestãonoromance,bemoumal,nãocomoeleacasodesejassevê-los.Nadatrunca,nadaenxerta.Senãomeengano,érazoávelimputarmosissoaumaconcordânciadejuízos.

Como admitimos certo número de noções e apreciamos de igual jeito asociedade, não lhe terá sido muito difícil explicar e comentar sem receberchoques,semferir-seemnenhumaaresta.Aliás,excluindoessaanalogiadeconceitos,alcançaremosuma interpretação

verdadeira? As minhas narrativas, confessemos, são chinfrins, mas foramconstruídasnaterra,asminhasmãosbisonhaspretenderamcavaralicerces.Nãoterá isso contribuído para que Monte Brito me olhasse com simpatia? Se euconseguisse uma obra-prima isenta de realidade, feita com pedaços de sonho,nãolhetorceriaMonteBritoonariz?Foi,presumo,aafinidadequelheexcitouaperspicáciaeolevouadescobrirnosmeusescritosomaterialnecessárioaoseutrabalho.Issoeoconhecimentoperfeitodaregiãoestudadapormim,dosnossoshábitos,danossaeconomia,dasnossastradições,danossalíngua.Vistasadistância,essascoisassemostramàsvezesdesprovidasdeinteresse;

buscamos selecionar minúcias, agrupá-las— e os leitores recebem delas umreflexo pálido e frio. Certas observações perturbam a rotina, lesam modelosconsagrados. Se exibirmos, por exemplo, desavenças familiares, pais a brigarcomfilhos,arrepiar-se-ãocomoseresvalássemosemsacrilégio.Nãoinvestigamse as discórdias existem: preferem negá-las, reputar-nos inimigos por nos

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arriscarmosadesacatarosseuspadrõesvelhos.Monte Brito e eu percorremos o sertão do Nordeste — e não temos

conveniênciaemcantarloasaosmandantesdelá.Teve o bom gosto de não me oferecer amabilidades irritantes, comuns na

literatura nacional. À míngua de substância, é frequente rechearem-se artigoscom adjetivos. E já alguém se lembrou de ornando um cavalheiro vastamenteimpressoediscutidoelogiar-lheasgravatas.Vejasó,umhomemtratadepoesiae desce a usar recursos de natureza indumentária. Longe disso, Monte Britodesdenhou até a minha sintaxe, que afinal é superior à roupa. Muitosagradecimentosaele,prezadoAllyrio.Eabraçosparavocê.

GracilianoRamos

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Solilóquioderramado”.OJornal,RiodeJaneiro,2denovembrode1947.Os editores do periódico apõemo seguinte introito ao texto do escritor alagoano: “Documento deimportânciaparaacompreensãodaobraedospontosdevistadeGracilianoRamoséacartaqueeledirigiuaoescritorAllyrioMeiraWanderley,pedindoaestequetransmitisseaMonteBritooqueoromancista chamou de ‘solilóquio derramado’. O modo como Graciliano Ramos encara a críticaliteráriaeespecialmenteoscríticosqueestudaramosseusromancesea‘concordânciadejuízos’queobservouexistirentreosdeleeos juízosdeMonteBritodãosingular interesseaessedepoimentoque a seguir publicamos:”. Estamissiva deGraciliano aAllyrio também foi publicada na revistaTeresa(SãoPaulo,Editora34,nº2,2001,pp.170-3).2.MonteBritoeraopseudônimocomqueocríticoeescritorparaibanoAllyrioMeiraWanderleyassinousuasériedetextossobreaobradeGraciliano,estampadosnaseção“RondadosLivros”doperiódicocariocaOJornal,aolongodeseisdomingos,de31deagostoa5deoutubrode1947.Eleassim inicia sua crítica: “Ao estudar asmetageometrias deRiemann eLobatchevsky, nas relaçõesentreaciênciaeahipótese, imaginaPoincaré,aviveremsobresuperfíciesdecurvaturaconstante,seresdeduasdimensões—animaisinfinimentplats.Eentãoperguntaqueespaçopoderiamconcebersemelhantesseresdestituídosdeespessura.Aquiestáaimagemquenosacode,malfranqueamosoportaldessemundo,impregnadodeumdesesperobranco,queéomundodaficçãodoSr.GracilianoRamos(Obras—5volumes—LivrariaJoséOlympioEditora—Rio,1947).Àgentequeaívagaesofre, tão viva mas do mesmo passo tão triste, falta qualquer coisa como uma dimensão, umadimensãotalvezmoral,comquedecomeçonãoatinamosmuitoàsclaras:umadimensãocapazdedar-lhe emcomumconosco a plenitudeda condiçãohumana, que é o nossobemcomoéonossomal”(BRITO,Monte[AllyrioMeiraWanderley].GracilianoRamos.OJornal,RiodeJaneiro,31deagostode1947).

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Prestes1

A tribuemaCarlosPrestesumpapeldiversamenteconsideradonestevivotempo de exaltações ásperas: ídolo da massa. Isto lhe ocasiona louvoresexcessivos e objurgatórias às vezes não isentas de algum despeito. Docespanegiristasedetratoresamargosconcordamnumponto:responsabilizam,pelomenos fingem responsabilizar essa estranha figura por se haver tornado umaespéciedemitonacional.Vamosrefletirumpouco.Seráquerealmentesetornou?Nocasoafirmativo,

poderia ter evitado essa canonização leiga? Afinal é ela conveniente ouinconveniente?Oque sucede aCarlosPrestes ocorre, emmaior oumenor grau, a todos os

indivíduos forçados a romper o casulo e entrar na vida pública.Não os veemcomo de fato são: enxergam-nos através de lentes deformadoras. Qualquerliterato sabe isto:pequenasalterações, acumuladas, chegama transformarumapessoa: a frase largada na livraria modifica-se no jornal, emprestando a umsujeito opinião que ele nunca teve; críticos sagazes decifram complicadosenigmas em livros comuns. De repente surgimos autores de pensamentosalheios,recebemosataquesouelogiosporumaentrevistadadapelotelefone,emmeiadúziadepalavrasdesatentas.Ora,setalaconteceaomodestocolecionadorde ideiasmirins,empaísanalfabeto,quenãosedarácomodirigentepolítico,emhorasdeefervescênciacomoasatuais?Lenda?Comcerteza.Masnahistóriatambémfervilhamexageros—eàsvezes,conhecendoasdeturpações,nãonoslivramosdelas,tantonosimbuíram.Conseguiria o homem assim crescido eximir-se da grandeza e readquirir o

tamanhonatural?Poucoprovável.Essegigantismosignificaaforçacriadoradamultidão. Tolice negá-lo ou condená-lo. É um fato.Não se improvisa, não seencomenda:absurdopretender forjá-lonasescolasounacaserna,comhinose

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lugares-comuns.Estánoespíritodopovo—enãooextirparemosdaí.Vantajoso?Desvantajoso?Aumformigueirodepigmeusbemacomodadosé

desagradável.Aturbaimaginaheróisparadefender-sedebichinhosimportunos,na verdade uns insetos, mas tão numerosos que formam pragas. De algumaformaossemideusessãoumreflexodela—eapenaselaécapazdeconcebê-los.Esses eleitos obtêm consagração espontânea que lhes interpreta os atos emconformidade comos interesses damaioria.Esta não se engana: sente neles asinceridadeinfalível,deixa-searrastar,parecepossuirantenas,dotesdivinatóriosquenosassombram.Evidentementenãoexperimentaríamosafascinação,oentusiasmodoidoque

levaopopular,numcomício,adespojar-sedopaletóequeimá-lo,transformá-loem archote, ou supor-se bastante sólido para aguentar sozinho uma carga decavalaria.Não,emgeralnãoqueimamosospaletós,enodia23demaiovíamosbemque tantos cavalos, galopandopara cimadegente, nos iriamcausar sériotranstorno. Somos prudentes, calculistas: as nossas palmas ao discurso maisenérgicosãoabafadas,lentas;asnossasalmasencolhidasseembotaram—eemconsequência inspiramos ao habitante ingênuo do morro uma vaga repulsa.CertonãoconcedemosauréolaaPrestes:oquenosatraineleéapartehumana,deordináriodeixadanasombra.Logonos surpreende,aoconhecê-lo,umadesmedidapaciência.Criatura tão

cheia de ocupações acha vagar para longas cavaqueiras. Quatro anos atráscavalheirosabundantesoamolaramcomreceitasadmiráveisparasalvarapátria.Um afirmou que ele, simulando escutar, não lhe dava a atenção devida aosplanos. Vistos os programas em curso por aí, admitiremos sem dificuldade ainformação.Éinegável,porém,quemuitosbadalaramtenazmente,embuscadeum comunismo eleitoral, para uso dos patrões. Decepcionaram-se— e houvemuitasinjúriasnasfolhas.Àsvezes,entretanto,apaciênciaestala,umafendasealargaeaprofundanasuperfícieconvencional.Emsabatinarealizadanosertãomineiro,umaperguntaincômodateveestaelucidaçãofulminante:—Falodecoisassérias.Nãomeocupodemiseráveis,patifes,vendidos.Essas manifestações devem ser raras. Há em Prestes excessiva polidez.

Viajará horas em pé num aeroplano se alguém se avizinhar da cadeira dele epuxarconversa.Avozclara,baixa,sacudida,nãoseeleva—eécomosenosmartelasse.Ouvindo-aatravésdosalto-falantes,desconcertamo-nosaoperceberquefindaalhanezaeasmarteladasbatemrijonoadversárioelhemetempregos.Háquemojulgueintolerante,escarpado,fanático.Ninguémmaisacessível.A

urbanidade ali não é máscara política, mas junta-se à franqueza — e nãoficaremosiludidosumminuto.Fazemos-lhesumaexposição.Quedapensativo,osorriso cansado a iluminar-lhe o rosto pálido. Ao concluirmos dirá

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simplesmente:—Discordo.Não conheço direito o assunto: é possível que esteja em erro.

Venhaalmoçarcomigoqualquerdiaetragaelementosparaconvencer-me.Temos a impressão de que nele se equilibram sentimentos opostos.Ou não

seráisso:talvezsecombinemqualidadesnaturaisequalidadesadquiridas,umase outras a convergir, com força terrível, para a concretização de uma ideia.Aintensidade se explica pelo afastamento impiedoso de tudo quanto de leveperturbe a execução de um plano estudado com rigor, criticado e corrigidosempre,segundoascircunstâncias.Frieza?Quasenosdesorientaacontradição.Sobascinzasqueseespalhamna

face torturada, lavra fogo medonho, pavoroso incêndio a custo perceptível.Raramente uma labareda rompe a crosta gélida. Noutras épocas essa almaardenteseteriaenchidodevisõescelestes;hojeseprendeàterra.Novocontraste:achamo-nosdiantedeumtímido.Estaobservaçãotemvisos

decontrassensoedificilmenteserátolerada.Contudoinsistimosnela.Ninguémcomoostímidosparadedicaçãocompletaaumaempresa—enacoragemquerevelamsente-seaimpossibilidadederecuar.Nãoosdetêmobstáculos:nenhumdesviodocaminhoescolhido.Delicadezainterior,purezaquaseinfantiltravaafaladessehomem,turva-lhe

os olhos ao reler um trecho de carta materna; por outro lado imenso vigor oinduzàsfaçanhasmaistemerárias.Sobreaagudasensibilidadenasceramcalos,alastraram-se, revestiram-na por fim de espessa couraça impenetrável. Umanaturezaemotivarefreouaemoçãoeaparentaafirmezadeumcompressor.Ainda uma dualidade: afigura-se-nos que a singular personagem apreende

com igual nitidez os objetos próximos e os distantes, graúdos e miúdos, opanorama e o pormenor, os mais graves acontecimentos internacionais e osefeitos de ligeiras desavenças existentes nas brenhas de um território meiodeserto.Chegamos agora a um ponto em que não distinguimos nenhum sinal de

oposição:háemPrestesumadignidadefundamental,incontrastável.Éaessênciadoseucaráter.Admiram-nocomexaltação,odeiam-nocomfúria,glorificam-noe caluniam-no. Seria difícil achar quem lhe negasse respeito à austeridadeimutável,maciça,queo levaaafrontarserenamenteduras fadigasesacrifícioshorríveis—coisasprevistasenecessárias.2

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Prestes”.ClasseOperária,RiodeJaneiro,nº157,1ºdejaneirode1949,p.8.Talediçãodoperiódicodedicou-seàcomemoraçãodoaniversáriodePrestes.AlémdotextodoautordeVidassecas, contoucomcontribuiçõesdeCandidoPortinari (“Prestes está no coração dopovo”),OscarNiemeyer (“São rarososhomens comoPrestes”),MaurícioGrabois (“Prestes comosecretário-geraldoPCB”),MoacirWerneckdeCastro(“Heróie líderdopovo”),AstrojildoPereira(“Meu primeiro encontro comPrestes”), JorgeAmado (“MensagemdeNatal para Prestes”), entreoutros. Uma versão datiloscrita e não assinada desta crônica, também datada de 1º de janeiro de1949, pertence ao Instituto de Estudos Brasileiros: Arquivo Graciliano Ramos, Manuscritos,Discursos, not. 12.21. Esse datiloscrito apresenta uma série de imprecisões, aparentando ser umaespéciede transcriçãodacrônica saídaem jornal.Assim,nesta edição, considerou-se como texto-baseorecortepublicadonaimprensa. 2. Mostradoapoiodoescritoralagoanoaolíderpartidáriopodeserobservadaem1947,quandoaquelefazpartedacomissãodedefesadomandatodesenadordeste,numcontextodecassaçãodoregistroeleitoraldoPCB,peloTSE,emmaiodoreferidoano.Sobreessetema,Gracilianoendereça,comdeferência,aseguintecartaaPrestes:

“Exmo.Sr.LuísCarlosPrestes:ComunicamosaV.Excia.tersidoaquiorganizadaaComissãodeDefesadoMandatodo

SenadorPrestes—umavoznovaajuntar-seaoclamordopaíscontraareaçãoempenhadaemforçaraosilênciorepresentantesdopovo.

O nosso protesto pouco significa na indignação geral; não pretende ferir esses teimososrestosdefascismocaboclo,aparentementefortenodesesperoejácondenado.Essahidrofobiapassará.

Semdúvidahá liberais tímidos,democratascheiosdesusto,aprocurarmeiosdifíceisdeobedecer às ordens de um patrão mais ou menos atrabiliário, sem desgostar a massa doseleitores.Nãosabemosparaondesedeixarão levar taiscriaturas; iludir-se-ãopossivelmentecompequenasvitóriasconversíveisemderrotas.

Sejamquaisforemosresultadosimediatosdasameaçasespumosasdecavalheirosaardernaraivaenopavor,estamoscertosdequeembreveelessecalarão.Eosvagidosditatoriaisquenosaborrecemterãofim.

Apresentamos-lhe, Sr. Senador Luís Carlos Prestes, a nossa irrestrita solidariedade”(ArquivoGracilianoRamos,CorrespondênciaAtiva,caixa035,doc.068).

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LembrançadoIIICongresso1

O III Congresso de Escritores2 significou para mim uma derrota.Compreenda-se: não quero dizer que nele tenha havido falha: a derrota foiminha.AusentesdaABDEosrepresentantesverdadeirosdaliteraturanacional,achei

absurdo exibirmos as nossas fraquezas.3 Somos, na opinião desses homensnotáveis,unspobres-diabosmeioanalfabetos.Desejávamosaprendercomeles,poisnoshabituamosaadmirá-los,equandoumbatiaopé,ameaçavaafastar-sedenós,gaguejávamoscomsinceroreceio:—Não,não.Tudo,menosisso.Ecorríamosasatisfazê-lo.Trabalhoperdido.Osmestresásperos,emmanifestocruel,nosabandonaram,

expondo,comlegítimoorgulhoerudefranqueza,assuasvantagenseasnossasdeficiências.4Porisso,ouvindofalarnoCongresso,alarmei-me:—Quediabovamosfazer?Nãodamosumcaldo.Certaspessoasmechamarampessimista,esforçaram-seporconvencer-mede

queoDistritoFederalnãopossuíaquatrocentosevinteecincogênios.Masascriaturaspoderosasno jornal enapolíticame inspiravamgrande respeito—eporcausadelasnãofuiaSãoPaulonemfuiaBeloHorizonte.5Conheçoomeulugar. Temia ouvir as palavras duras que apareceram depois no manifesto.Prudência.Agora, vencidas as minhas objeções relativas ao III Congresso, resolvi

desenroscar-me,iràBahia.Dissecomigo:—Estouentreindivíduoschinfrinscomoeu,jánãohámotivoparaacanhar-

me.Nãotemosumpoeta,umromancista,graçasaDeus.Possoviajar.—Enganei-me.EmSalvador encontrei figuras numerosas de influência nas

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letras—earrependi-medetervoadoquatrohoras.Sosseguei.Noplenárioenacomissãodispensaramasminhashabilidadessemprejuízo.Daplateia,observeios trabalhos,aharmonia,estranhandoàsvezes,aindasobahorrível impressãodomanifestosevero,nãopercebernenhumsolecismonosdiscursos.Ora,vejam.Comoagenteseequivoca!Adeclaraçãodeprincípiosfoiouvidacomaplausosunânimes,todosaquelessujeitosempé.Nãosurgiramprovocadores.Osnossosinimigos,queacatamoseadulamospacientemente,disseramdenós

cobras e lagartos, referiram-se a vagos intuitos vermelhos. Éramos bichosperigosos àordem.Sim senhor.Cadeia.Quando se sentemmal, pedemcadeiaparaosviventesqueosincomodam.Apesar do enorme grito, fomos bem recebidos e o governo do Estado nos

hospedou.Fez-se representar,mandoumúsica fardada—enoTeatroGuarani,na Escola de Filosofia, onde realizamos a primeira sessão e a última, nãojogamosbombas.Tudoandouperfeitamente,Deuslouvado!EntramosnaigrejadeSãoFranciscoevimosafestadeSãoBenedito.—Queéisso,Vladimir?6Negros de opas roxas, a sustentar andores.Vladimir não sabia.Dirigiu-se a

umapretagorda,peituda:—Minhatia,queprocissãoéessa?—PoisnãoéSãoBenedito,meufilho?FindooCongresso,assistimosaumcandomblé.Eestivemosumasemanaa

conversarcomosestudantes.PrecisamosvoltaràBahia,falaraessesrapazes.

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Notas 1. RAMOS,Graciliano.“LembrançadoIIICongresso”.ParaTodos,RiodeJaneiro,nº4,maio-junhode1950,p.3.TextotambémpublicadoemGARBUGLIOetal.GracilianoRamos.SãoPaulo:Ática, 1987, pp. 160-7. Manuscrito pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros: ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos,not.12.18A.2.CongressodaABDE,sobapresidênciadeÁlvaroMoreyra,realizadoentre17e21deabrilde1950emSalvador.JuntamentecomEdisonCarneiro,SantaRosa,entreoutros,Gracilianofezpartedacomissãodeorganizaçãodoevento. 3. Graciliano alude à debandada de grande contingente de intelectuais da ABDE, após asconturbadaseleiçõesde1949,quandooscomunistaspassaramacontrolara instituição.SegundooboletimABDEdeagostode1949,antesdoreferidopleito,aorganizaçãocontavacom1.119sócios;depois,delesaíram425,dosquais186eramassociadosantigos.Em29deabrilde1949,oDiáriodeNotíciaspublicaraumlongomanifestodadiretoriadaABDEeleitanaseleiçõesde26demarçode1949,masimpedidadetomarpossepelaaçãodoscomunistas,noqualelaexpunhapublicamenteasjustificativasdasuarenúnciacoletiva.Emseguida,listavam-se,umporum,todososescritoresquesedesligavamdaentidade(RENUNCIOUadiretoriadaAssociaçãoBrasileiradeEscritores.DiáriodeNotícias,RiodeJaneiro,29deabrilde1949).4.EmartigoparaaTribunadaImprensa,demarçode1950,oferozcríticoanticomunistaCarlosLacerdaassimsereferiuàABDE:“AssociaçãoBrasileiradeEscritores,nomepomposodadoaoqueresta de uma entidade de classe, hoje um aglomerado de arrivistas e aventureiros, entre os quaisdificilmentesepescariaumescritordeverdade”(ArquivoCEDEM/Unesp,FundoAstrojildoPereira,recortedojornalTribunadaImprensa,18demarçode1950).5.LocaisnosquaisocorreramosprimeiroscongressosdaABDEemjaneirode1945eemoutubrode1947,respectivamente. 6. Possível referência a Wladimir Guimarães (cujo prenome é grafado, em alguns contextos,“Vladimir”),integrantedaseçãobaianadaABDEediretordarevistadeorientaçãocomunistaSeiva,quandoapublicaçãovoltaacircularem1950.JuntamentecomA.SoaresdeAzevedo,apresentouasseguintestesesnoIIICongressoBrasileirodeEscritores:“Oproblemadolivroeocooperativismo”e“Cooperativaseditoras”(OQUEfoioTerceiroCongressoBrasileirodeEscritores.ParaTodos.RiodeJaneiro,n.4,maio-junhode1950,p.2).

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OúltimoromancedeAlinaPaim1

AlinaPaimdevepesarunsquarentaedoisquilos,oumenos.2Édistraída,silenciosa, temumsorriso tímido.Ninguémdiriaqueumapessoa tão leve, demodostãoinofensivos,seresolvesseacometerumcrime.Ninguém — exceto um juiz de direito, em Cruzeiro. Esse homem

extraordinário ordenou a prisão de Alina Paim, que, no parecer dele, seembrulhouematividadessubversivaslápelacomarca.Amoçaéumaagitadoraperigosa,merececadeia.Vamos examinar esse caso, ver em que se resumem o perigo e a agitação.

Alina Paim dedica-se à literatura. Chegou da Bahia há alguns anos com umromance,e,apesardenova,quasegarota,desconhecidana livrariaeno jornal,achou facilmente editor.Deu-nosmais dois livros, e emgeral a crítica lhe foifavorável.Escrevecomsegurança,observa,atentaàspersonagens,temrealizadosensíveis progressos. Conhece bem o ofício. Gosta de velhos e de mulheres,adoraascrianças:sãoasfigurasmaisinteressantesdassuashistórias.Hánelasumassolteironasmagníficas.Ora,ultimamentesurgiuumagrevedeferroviáriosemCruzeiro,eAlinateve

a ideiadeaproveitar istoparaassuntodeumanovela.Profissionalhonesta, foiolhar as coisas de perto, colher informações, saber como tinhamprocedido osgrevistas,especialmenteascompanheirasdeles.Muitassehaviamdeitadonaviaférrea,diantedasmáquinas,suspendendootrânsito.Findos os estudos, a escritora nos apareceu cheia de entusiasmo com a sua

coleção de tipos e iniciou o trabalho. Mas o juiz de Cruzeiro julga isso umatentadoàordemeexigeaprisãodamoça.Nãotínhamosnotíciadefatoigualno Brasil. Passamos tempos duros; anos atrás qualquer denúncia podiaarremessar um indivíduo para lá das grades.No entanto ninguém se lembrou,nos piores dias, de excomungar uma obra literária em projeto. Sim, o mais

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curiosoéesseesquisitomagistradocondenarumlivroqueaindanãofoiescrito.Possivelmente, no juízodele, grevenão ématéria dignade ficção.Numerosascriaturasporaípensamdomesmo jeito; contudoéaprimeiravezqueumaserevelacomtantaclarezaefaltadecerimônia.Seamodapega,seremosforçados,antesdecomeçarumromance,apedirlicençaaorigorosocensordeCruzeiro.3

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“OúltimoromancedeAlinaPaim”.ImprensaPopular,RiodeJaneiro.10deabrilde1951,p.2.OromancedeAlinaPaimsobreumagrevedeferroviários,aoqualGracilianose refere, éA hora próxima, que saiu quatro anos depois pela Editora Vitória, como volume dacoleçãoproletária“RomancesdoPovo”,sobasupervisãoeditorialdeJorgeAmado. 2. AlinaPaim (1919-2011): escritora sergipana, autora de, entre outros, Estrada da liberdade(1944)eSimãoDias(1949),seusprimeirosromances.Gracilianoassinaoprefáciodesteúltimo(vera primeira edição [Rio de Janeiro: Livraria Editora da Casa, 1949] e a segunda [Rio de Janeiro:Cátedra; Brasília: INL, 1979]). Tal texto de apresentação da referida obra de Alina se encontrarecolhido,porsuavez,emLinhastortassobotítulo“SimãoDias”.3.Aviolênciasofridapelaescritoramobilizou,sobretudo,aintelectualidadedeesquerda.MoacirWerneckdeCastroafirmou:“DefenderAlinaPaim,portanto, édefender a literatura.Oque se fazcomela,dopontodevistaliterário,éomesmoqueopontapénoventredemulhergrávida.Queremimpedi-ladeescreveroseulivro,promoverumestadodeterrorqueimpeçaoaparecimentodeoutroslivros nascidos do povo (...). E se os escritores e artistas não souberem criar em defesa dela umpoderosomovimentodesolidariedadeeprotesto,aordemdo juizdeCruzeiro seráumgravíssimoprecedentedeobscurantismofascistacontraarenovaçãodaliteraturabrasileira”(CASTRO,MoacirWerneckde.“OcasoAlinaPaim”.ImprensaPopular,RiodeJaneiro,8deabrilde1951).

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AprisãodolivroMundodapaz1

Houveultimamentenestepaísumcasolastimoso,maisoumenosabafado,pois é conveniente ao poder público, aos homens que nos dirigemdiscricionariamente,guardarsilêncioàsvezes.Ocasofoieste:prendeu-seumlivro.2Teriasidomelhor,comcerteza,meter

nacadeiaoautor,comosefaziaháquinzeanos,comvantagemparaogoverno.Agora,infelizmente,istonãofoipossível:oautorestavalonge,paraládacortinadeferro.SeodoutorFulanoquisesseagarrá-lo,achariadificuldades.Sabem a quem me refiro: ao escritor Jorge Amado, homem perigoso,

perigosíssimo,naopiniãodaspessoascastradasquegovernam,comantolhos,ohemisférioocidentalecristão.Quesepassaalémdacortinadeferro?Desejamossaberisso,esforçamo-nos

porentenderostelegramasforjadospelosnossospatrões.Recebemosumlivro.Muitobem.Vamosveroqueexisteparaládacortinade

ferro.Masapolícianãoconsentequeleiamosesselivro.Porquê?Apolícianãoquerquesaibamosoqueacontecenomundo.Hánessaspáginas,possivelmente,qualquercoisacontraaordemocidentale

cristã. Não podemos ver esses horrores, porque nos arrancam das mãos ovolume.Antesdeexaminarolivro,aordemjásabequeelenãopresta.Nãosecondenao livro,masoautor,quevivebem,suponho,melhorquenós, foradocristianismoedodólar.Estecaso,minhassenhorasemeussenhores,étristeeéburlesco.Faziatempo

que não víamos isso. Entra um funcionário carrancudo na livraria e retiraalgumas dezenas de volumes da prateleira. Está salva a pátria, pelo menosduranteumasemana.Mas a inteligência que determinou a brutalidade ignora isto: o livro se

valoriza.Passariatalvezdespercebido,vendia-seportrinta,quarenta,cinquenta

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mil-réis.Depoisdaapreensão,évendidoclandestinamenteporumcontoderéis,oumais,nemseiquanto,dinheirocomoodiabo.Muitagentequeoveriaseminteresse deseja comprá-lo, porque está proibido. O mercado negro, quearranjamporaí.Nãotemosculpadisso.3Outra coisa: as nossas autoridades cautelosas desconhecem um fato

corriqueiro:aliteraturadeJorgeAmadoépublicadaemvinte línguas,maisdevintelínguas.Seráqueanossapolíciatemapretensãoderetiraressevenenodasvitrines emSofia, emBucareste, emPraga e emVarsóvia?Os dedos dela sãocurtos,nãochegamlá.Minhassenhorasemeussenhores:oescritorMiécioTati,4quenoshonracom

seutrabalhonaAssociaçãoBrasileiradeEscritores,vaidar-nosoprazerdeouvirumestudosobreosromancesdonossocompanheiroJorgeAmado.

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Notas1.ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos,not.12.17Ae12.17B.Títuloatribuídopeloorganizador.FalaproferidaporGracilianoemeventopromovidopelaComissãoOrganizadoradoIVCongressodaABDE(OROMANCEdeJorgeAmado.TribunaPopular,RiodeJaneiro,4deagostode 1951), em 9 de março de 1951, às 20:00, na sala do conselho da Associação Brasileira deImprensa,aqualintroduziuaconferênciadeMiécioTati,intitulada“EstiloerevoluçãonoromancedeJorgeAmado”.Comestemesmotítulo,masdatadadeoutubrode1951,afaladeMiécioTatifoirecolhida anos depois, possivelmente com alterações, em seu Estudos e Notas críticas (Rio deJaneiro:InstitutoNacionaldoLivro,1958,pp.177-208),volumequereúnediversostextoscríticosdoautor,incluindoaquelesnosquaisdiscorreusobreoautordeVidassecas:“AspectosdoromancedeGracilianoRamos” (pp. 105-47), “O aniversário deGraciliano” (pp. 149-57) e “Conversa comGraciliano” (pp. 159-73). Mais especificamente, ao abordar a obra de Jorge Amado, o ensaístadestaca que o estilo do romancista baiano se caracterizava por dois modos opostos: “crueza delinguagemetratamentopoéticodotema,damesmaformaqueSuorsedistinguedeMarmorto,peladistânciaqueseparaumromanceduramenterealista,nosentidocomumdotermo,deumoutroquetranscorre,emsuaslinhasmestras,numclimadepoema”(idem,p.177).Apesardeconsiderar taisdiferenciaçõesnomododeelocução,enfatizaaquelequeseriaocaráterunodaobradeAmado:“Oheróiépositivamenteumsó,emgradativaevolução,nosentidorevolucionário”(idem,p.207). 2. ReferênciaaolivroMundodapaz,deJorgeAmado, lançadoemjunhode1951,pelaEditoraVitória.Emlinhasgerais,ovolumetratadospaísesdaEuropaorientalqueoautorbaianovisitou:Albânia, Polônia, a antiga Tchecoslováquia, Bulgária, Hungria, Romênia, Geórgia, bem como aprópria Rússia. Obra de propaganda, ela procuraria mostrar como os povos nas democraciaspopulares do Leste Europeu estariam “rapidamente se libertando da velha e pesada herança demiséria, fome, analfabetismo, obscurantismo e atraso deixada pelo capitalismo e pelas velhasdominaçõesfeudais”(ASSALTOalivrarias.ParaTodos,RiodeJaneiro,nº11,jul.1951,p.3).Nessalinha,olivroeraapresentadocomoum“hinoconstante,umaexaltaçãoromânticanomelhorsentido,taléagrandezadaquiloqueobservou,donovohomemqueconheceu,dofuturoqueestáreservadoàhumanidade” (Idem, ibidem). Não por acaso, o governo de Vargas encontrou um “monstrosubversivo”nolivroemandouprendê-lo,recolhendo-oeminúmeraslivrarias,alémdeteriniciadoumprocessocontraseueditor.3.“ArespostadaintelectualidadeprogressistaedopovoàagressãodoSr.VargasàculturanacionalfoiumapoiocalorosoaJorgeAmadoeumaprocuraredobradadoseuúltimolivro,Mundodapaz.EmSalvador, onde chegaramapenas200 exemplares do livro, emumúnicodia foramadquiridostodos eles” (MUNDOda Paz.Seiva, Salvador, ano IV, nº 3, agosto de 1951, p. 3). E ainda: “Ospedidos do livro começam a chover. Todomundo quer ler o livro proibido. Sairámimeografado,escrito à mão, de qualquer forma porque os leitores necessitam dele como nunca” (LIVROS,RevistaseNotas.ParaTodos,RiodeJaneiro,nº11,julhode1951,p.17). 4. Miécio Tati (1913-1980): crítico, ensaísta, tradutor e romancista, autor do já mencionadoEstudos e notas críticas (Rio de Janeiro:Ministério daEducação eCultura, InstitutoNacional doLivro,1958),alémdeJorgeAmado—Vidaeobra(BeloHorizonte:Itatiaia,1961),Nossamáximaculpa, romance (Rio de Janeiro: Pongetti, 1948; reeditado como títuloRio dos afogados. Rio deJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1961).

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DiscursonaABDE1

E sta seção daABDE foi desfalcada: perdeu algumas centenas de sóciosnum dia, e isto significa para nós um golpe de que não nos podemos comfacilidadecurar.Oprejuízoaindahojenosabala,pois seéverdadenãoseremtodosesseshomensdiscrepantesosdonosgenuínosdaliteraturanacional,comodiversos afirmaram imodestos, não podemos negar valor a muitos deles. Éimpossível preencher direito as vagas deixadas: seria absurdo tentarmosimprovisar ficcionistas, poetas, críticos. As nossas dificuldades, sensíveis aprincípio,aumentaram.Ninguém esperava há dois anos aquela desgraçada pendenga.2 Vários

companheirosachavamconvenienteafastarmosdaassociaçãoqualquer sombradepolítica—e,emconsequência,apolíticaanuviouosespíritos:caímosnumbate-papohorrível.Quanto a nós, talvez tenhamos sido muitas vezes injustos. Por outro lado,

velhos amigos nossos entraram a considerar isto um grêmio recreativo e umasociedade revolucionária. Não precisamos exibir a incongruência, mostrar serinconcebível juntararevoluçãoeorecreio.Énecessário,porém,examinarmososdoisremoquesisolados,vermosseumdelesérazoável.Estaremosaquiaprocurardivertimento?3Sequiséssemosisso,iríamosbuscar

refúgionocarnavaleno futebol.Certasacusações,diretase indiretas, a livrosnossos têm pormotivo sermos tristes, encararmos a partemá da vida.Mas aparteboaestálonge,esenãoconseguimosobservá-la,nãochegaremosatrazê-lapara os nossos escritos. Pessoas levianas se esforçam por imaginar coisasagradáveis—epintamlugaresnuncapercorridos,criaturasdiferentesdenósouse abrigamno céu antes do tempo.Alguémxingou desastradamente a arte—sorriso da sociedade. O otimismo falaz nos indigna: seria tolice andarmossorrindoà toa.Sedescrevêssemosaglória,anobreza,a renúncia,oaltruísmo,

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faríamos trabalho cômodo, aogostodo fornecedor edo senhorio, personagensquedeordinário nãonos sorriem.Por que iríamosoferecer-lhes amabilidades,cantarloas,mentir?Cerca-nos um pequeno mundo contraditório, a desgraçar-se — e o nosso

dever, parece-me, é referir miudezas e misérias, chagas e farrapos de almas,estudados,sentidos.Eovastomundo,láfora,tambémnãonospredispõeaoóciocontente. Se um indivíduo sorri ouvindo no rádio ou lendo nos telegramas osbombardeiosdaCoreia, asgrevesda Itália, daFrança, daEspanha, é intuitivoque está doido. Contudo, na opinião de cavalheiros prudentes, não convémpensarmosemtaiscasos:graçasaDeus,estamosdistantesdeles,easideologiasexóticasnãoseacomodamentrenós.Desviemos a atenção para negócios próximos: os direitos autorais, por

exemplo, o aumento das tiragens. Isso nos preocupa, decerto. Como, porém,alcançarmos vantagens pecuniárias, embora miúdas? Ao terminar um livro, oautorseconvencedehaverrealizadoobra-prima.Difíciléachareditorquetenhaomesmopensamentoearrisquedinheironumaempresaduvidosa.Aocabodeviagens,canseiras,empenhos,surgenasvitrinasovolume,excelentenoparecerdejornaiscamaradas.Opúblicoéteimoso—eignorasuplementosliterárioserevistas.Asbrochurasficamdoisdiasjuntoaosvidros,empilham-seemseguidanos balcões, alinham-se nas prateleiras, somem-se enfim nos caixotes dosdepósitos, e daí ninguém as tira. A visita a esses túmulos dá-nos terríveissurpresas: a nossa pobre edição demil exemplares encalhou.Experimentamosagrura imensa, entram-nos alfinetes no amor-próprio, e, com forte razão,atacamosaburricedoeditor e a incúriado livreiro.Quem irámandar agora àtipografiaosoriginaisquetemosnagaveta?E ainda sonhamos com longas tiragens, reedições. Como obter isso?

Instituam-se prêmios, aconselham-nos, façam-se conferências. Bem.Conferências. Ouvindo-as desatentos, raros sujeitos bocejam e cochilam nasbarbasdoorador.Eosprêmios,emgeral,nãonosapresentamvalores.Aliásnãohámeiodeforçarocompradoraaceitaradecisãodeumjúri.Eestamosdiantede uma simples questão de oferta e procura.A respeito disso os dirigentes daABDE gostariam de lançar aqui um programa, bom para ser repetido o anovindouro, com pequenas variantes. Seriam capazes de efetivar as promessas?Poderiamcriar artificialmenteummercado?Osnossos livros sãomercadorias.Esprememos o cérebro com desespero, ganhamos corcunda, palidez, cabelosbrancos, temos as vísceras em cacos — e somos fabricantes de poesia, denovelas. O freguês enjoado nos folheia torcendo o nariz, olha-nos o interior,deixa-nos,comose,nasapataria,notassepregosdentrodeumsapato.Juramosnãohaverpregosnasnossas infelizespáginas.Mascomolevaraosoutrosesta

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convicção?Afinalreconhecemoscomtristeza:somosdeficientes,nãoexpomosartigo de boa qualidade. Indispensável aperfeiçoar-nos. De que modo, seexercemos três, quatro ofícios? Somos diletantes. E rodamos num círculovicioso: a produção é falha por falta de venda, e existe venda escassa por serdefeituosa a produção. Isto se aplica a todos os escritores indígenas, presumo.Sãoadvogados,engenheiros,professores,médicos,funcionáriospúblicos—eàsvezes escrevem. Assim ou assado, quebramos a cabeça perguntando se éexequível qualquer melhora nas condições dos literatos. Perdemos o sono aremoerisso.Esenadaconseguirmos,aculpanãoseránossa.Comoveem,senhores,nãoestamosalegres—éumcontrassensodizeremque

formamosumcluberecreativo.O segundo boato forjado contra nós é sério, revela o claro intuito de

embrulhar-nos,apontando-nosàbecaeàfarda.Somos,emconformidadecomadenúncia,umorganismorevolucionário.Issonosdesagradaemexcesso.Defatonãoháriscos.Evaporaram-se,mas,no

juízodosnossosadversáriosespontâneos,devíamosestarenredados.Paraevitarnovasbalelas,confessemosonossohorroràsviolências.Habituadosamanejarpapéis, não temos o desígnio de jogar dinamite às casas desses acusadores demausbofes, e seumadelas, amanhãoudepois, voarpelos ares commóveis egente,asseguremàsvítimas,nopurgatórioouondesehospedarem,queestarãolimpas as nossas mãos. Viventes de ordem, evitamos barulho, acatamos ogoverno,aSantaMadreIgrejaeasintaxe,esenãopagamosimpostos,nãoépordesleixooubirra:éporausênciadefazenda.Nunca trouxemos desarranjos às letras. De 1922 a 1930 obstinaram-se em

virá-las pelo avesso. Só num Estado, São Paulo, de uma revolução partiramquatrosub-revoluções.Eemtodapartemoçosapressadoseafoitoscompuseramromancesnumasemanaedúziasdepoemasnumdia.Aperrearamagramática,buliramcompalavrinhas inofensivas.Opronome,bambo,mesquinho,oblíquo,afeitoaescorar-se,ameter-senoscantosdosperíodos,foiobrigadoaservirdeporteiro.Umsarapatelmedonho,emsuma.Rolaramanos.Vieramrugas,embotaram-seosdentes—enumerososhomens

semreinemlei,partidáriosdaliberdadecompleta,entraramnobomcaminho,ehoje,cristãos-novosexaltados,impõemanorma.4Aqui todos nós, ou quase todos, recusamos amoda fácil de achincalhar os

preceitos;nenhumdenós,creio,exigiuodireitosingulardemeterospéspelasmãos. Pormim, assevero honestamente que, se deixo de flexionar o infinitivoconforme as regras, ofendo a regência, atrapalho modos e tempos, não souarrastadoporideiassubversivas,masapenaspelaignorância.Sãoestas,senhores,asrápidasobservaçõesquemeocorreramapropósitodo

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segundoataquefeitoàABDE.Não somos de briga. Desejamos a paz. Falando ou escrevendo, temos

defendidoapaz.E—vejamsó—provocam-nospordefendermosapaz.

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Notas1.ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos,not.12.9.Títuloatribuídopeloorganizador.Muitoprovavelmente,discursoproferidoporGraciliano,em15demaiode1951,noatosolenedesua posse como presidente da ABDE, na sede da ABI. Na oportunidade, estiveram presentesdelegadosdaentidadedosestadosdeSãoPaulo,RiodeJaneiro,BahiaeRioGrandedoSul,bemcomo representantesdas autoridades federais edoMovimentoNacionaldosPartidáriosdaPaz.Oprimeiro a discursar foi Álvaro Moreyra, presidente cujo mandato findava. Em seguida, falou oescritorMiltonPedrosaemnomedosnovosescritoresdoBrasile,logodepois,tevelugarafaladoautordeAngústia(ASSOCIAÇÃOBrasileiradeEscritores.ParaTodos,RiodeJaneiro,nº10,junhode 1951, p. 16).As eleições vencidas porGraciliano não passavamde pura formalidade.Como aentidadesereduziraaumasimplesfacçãodeescritores,subordinadaaoPCB,haviaapenasachapade Graciliano concorrendo ao pleito (RAMOS, Ricardo. Graciliano: Retrato fragmentado. SãoPaulo:Siciliano,1992,p.148). 2. Aosereferir tambémà“pendenga”daseleiçõesdaABDEde1949,asquaisrepresentaramacisãodaentidade,AstrojildoPereiramostraopiniãocontrária.Segundoele,adivisãodosescritoresnacionais emdoisblocos, espelhandoaprópria situaçãomundialpósSegundaGuerra, já avultavadesde1947,noâmbitodoIICongressodaABDE,realizadoemBeloHorizonte.Deumladoestariamos comunistas; do outro, os “falsos democratas”, “os melancólicos palhaços da arte pela arte”(PEREIRA, Astrojildo. “O próximo congresso de escritores”. O III Congresso — Boletim daComissãoPaulistadoIIICongressoBrasileirodeEscritores,SãoPaulo,nº1,marçode1950,p.6). 3. Anosantes,nocontextoda tumultuadaeleiçãodanovadiretoriadaABDE,em1949,quandoconcorria a membro do Conselho Fiscal da entidade, Graciliano já recusava que a instituição seorientassepor certa diretriz que tomava a arte como simplesdivertimento: “Estou inteiramentedeacordo comÁlvaroLins, que, ao ser eleito presidente da ABDE, declarou em discurso que estasociedadenãoéumcluberecreativo.Evidentementenãoé.(...)Disseramquealiteraturaéo‘sorrisoda sociedade’. Julgo isso estupidez e safadeza. Não escrevemos para dar prazer aos idiotas” (AABDEnãoéumcluberecreativo.FolhadoPovo,RiodeJaneiro,19demarçode1949).4.AsrestriçõesfeitasporGracilianoaomodernismode1922sãoumaconstanteaolongodesuaprodução cronística e das entrevistas que concedeu à imprensa. Em depoimento a OsórioNunes,chegouadeclararque“omodernismofracassou(...)poisfracassadaestáumarebeliãoliteráriacujossoldadosacabamnaAcademia”(NUNES,Osório.“Omodernismomorreu?”.DomCasmurro,RiodeJaneiro,12dedezembrode1942).

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Convocação1

A comissão organizadora do IV Congresso Brasileiro de Escritores, arealizar-se em Porto Alegre, na data de 20 de setembro próximo, dirige-se atodososmembrosdaAssociaçãoBrasileiradeEscritores,a todososescritoresbrasileiros,convocando-osparaparticipardostrabalhosdaimportantereunião.Reunir escritores de todo o país para discutir seus problemas, deveres e

direitos,debater teseseapreciarosatuaisacontecimentosnopaísenomundo,ligadosàatividadedoescritoreàsquestõesculturais,éparaanaçãoumfatodeincalculável importância, como o comprovam os congressos anteriores. OsescritoresdoBrasilnãoseencontramseparadosdopovo,nemprocuramfugiràssolicitaçõesdahorapresente,emqueseexigedoescritorasuaindispensáveleconstanteparticipação.Essa participação de escritores constitui emnossa história umdos capítulos

maisricosdecompreensãodosdeveresdainteligência,fénosdestinosnacionaisenasideiasprogressistas.Éoquenosdizoexemplodosintelectuaisnaslutaspela Independência,pelaAboliçãoepelaRepública.Hoje,maisdoquenunca,os escritores brasileiros sentem o inelutável dever de participar também emtodososmovimentosnacionaisemdefesadademocracia,doprogressoedapaz,dequedependeodesenvolvimentodenossacultura.Assimcresceecontinuaráacrescerainfluênciaquesempreexerceuoescritornavidasocialbrasileira.OIVCongressosaberáreunirescritoresdasmaisvariadastendências,como

objetivo de formar vigorosa unidade na defesa dos interesses profissionais doescritor,dasoluçãocorretaeurgentedasquestõesimediatasdaculturabrasileira,enadeclaraçãodeprincípiosqueajudemonossopovoaresolverseusinadiáveisproblemas e reflitamaomesmo tempo a justa e ardente aspiraçãode todos ospovos,queéapazmundial.Comesseespírito,convocamososescritoresparaoseu IVCongresso,congressoemdefesadacultura,emdefesadas liberdadese

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peloprogressodoBrasil.2

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Convocação”.ABDEboletimmensaldeliteratura,RiodeJaneiro,nº4,deagostode1951,p.1.EscritotambémpublicadonoJornaldoIVCongresso,RiodeJaneiro,nº1,1ºdesetembrode1951,p.1;emSeiva—mensáriodeculturanacionalpopular,Bahia,anoIV,n.3,ago. 1951; novamente em Seiva — mensário de cultura nacional popular, Bahia, ano IV, nº 4,setembro de 1951, p. 4; e emParaTodos, Rio de Janeiro, nº 12, agosto de 1951.No boletim daABDEenoJornaldoIVCongresso,apresenteconvocatóriaeraantecedidapelaseguintenota:“AABDE, cumprindo decisão votada noCongresso daBahia, constituiu nesta capital aCOMISSÃOORGANIZADORA DO IV CONGRESSO BRASILEIRO DE ESCRITORES, que se reunirá emPortoAlegre,entre20e25desetembrovindouro.AreferidaComissão,queépresididapeloescritorCletoSeabraVeloso,lançouoseguintedocumentoconvocatórioquetrazaassinaturadoromancistaGracilianoRamos:”.Talcomissãoeracompostapelosseguintesmembros:AlexViany,AlinaPaim,ÁlvaroDória,ÁlvaroMoreyra,AníbalMachado,AntônioChediak,ArydeAndrade,AtílioMilano,AugustoLopesGonçalves,BrancaFialho,Carlos Sussekind deMendonça,CarreraGuerra,CastroBarreto, Dalcídio Jurandir, Edison Carneiro, Fernando Segismundo, Floriano Gonçalves, GentilFernando de Castro, Gondim da Fonseca, Graciliano Ramos, Herbert Moses, Homero Homem,Homero Pires, Jacinta Passos, James Amado, José de Castro Goiania, Josué de Castro, LauraAustregésilo,Lia Corrêa Dutra,MiécioTati,MiltonPedrosa, Moacir Werneck de Castro, MuriloAraújo,NevesManta,OrígenesLessa,PortadaSilveira,RamayanaChevalier,Renato deAlencar,RenatoTravassos,RivadáviadeSousaeTúlioChaves (COMISSÃOOrganizadora.ABDEboletimmensaldeliteratura,RiodeJaneiro,nº4,agostode1951,p.1). 2. Mais especificamente, conforme indica nota publicada no referido boletim da ABDE, talcongressotevecomotemário:“Osescritores,osproblemaseconômicoseosdireitosautorais—Adefesa da cultura e da paz — Problemas da difusão da instrução pública — Defesa do nossopatrimônioculturaledivulgaçãoeestudodoselementospopularesedemocráticosdenossacultura— Folclore — Tendências e objetivos da cultura moderna e as perspectivas de nossa atividadecultural—Questõesdeformaeconteúdo—Aliteraturaparaorádioeparaocinema—Problemasdoteatrobrasileiro—Literaturainfantil—Literaturacientíficaedidática—Ojornalearevista—Intercâmbio cultural e questões relativas à aquisição do livro estrangeiro—O livro nacional, suadefesaedivulgação”(IVCONGRESSOdeEscritores—temárioaprovado.ABDEboletimmensaldeliteratura,RiodeJaneiro,nº4,agostode1951,p.2).

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Viverempazcomahumanidadeinteira1

Sr.representantedoSr.governadordoEstadoSenhorasSenhoresCompanheirosdaAssociaçãoBrasileiradeEscritores.

ComeçoagradecendoahospitalidadequenosofereceramemPortoAlegre.Istoélugar-comum:oshabitantesdestacidadepodemjulgarquerecebiatarefade expor aqui salamaleques e cortesias. Não é verdade: estamos realmenteagradecidos.Nãoesperávamostanto:acomodar-nos-íamosdequalquermodo—eoqueoRioGrandedoSulnosdeufoiexcessivoenossensibiliza.Adiante.OIVCongressodeEscritoressesentiuhonradoefortalecidocomo

apoiodopovo.Semisso,nadateríamospodidofazer.Nãonosreunimosparaláde portas fechadas: as portas, durante uma semana, estiveram abertas — epedimos que toda a gente viesse trabalhar conosco. Não somos vaidosos:aceitamos,comhumildade,acolaboraçãodohomemdarua.Cavalheirossabidosandaramaafirmarseguros,emjornaisricos,quesomos

uns pobres-diabos,mais oumenos analfabetos. Paciência.Não nos zangamos.Quando, no correr do tempo, essas grandes, essas enormes suficiênciasperceberemquenãotemospropósitossubversivos,descerãoumpouco,chegarãoaténós—enosensinarãoqualquercoisa.Nãosomosvaidosos,repito.NinguémteveointuitodejogarbombasemPortoAlegre.Desejaríamosfixar

a alegria que esse nome nos apresenta. Não estamos a serviço de nenhumapotênciaestrangeira.Nuncadiríamosaogringo:“Entre,tomecontadisto.Acasaésua.”2Não,meus amigos.A casa, pobre, é nossa.Edenunciamosos traidores que

desejamvendê-la.

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Enfim, pequeninas calúnias, pequeninas infâmias, não nos atingem. OCongresso,bemoumal,deucontadorecado,provouserpossívelconseguirmosentendimentos para objetivo comum. Escritores de várias tendências aqui seencontram—e,apesardetodoovenenoespalhadoláfora,nãohouvebarulho,graçasaDeus.Estamosdeacordo.Encontros como este são indispensáveis, parece-me. Divergências, pontos

obscuros,equívocos,tudoafinaldesaparece,tudoseexplica.Esaímoscomumafirmezaquenãotínhamosquandochegamos.Amanhãnãonossepararemos:emBelém, no Rio, em São Paulo, em Porto Alegre, continuaremos a trabalharjuntos.Agridem-nosporsermospolíticos.Belanovidade.Claroquesomospolíticos.

Quiseram afastar-nos. Norte contra Sul; materialistas contra idealistas; orealismo e o romantismo demangas arregaçadas, coléricos. Atiraram-nos unsaos outros. Para tal fim, utilizaram-se diversos disparates.Termos nascido poracasonoNordestenãoérazãoparaatacarmosopampaeaplanícieamazônica.Não faremos isso.Nesta semanamostramosquenão faremos isso.Política?

Perfeitamente. Nem só os idiotas e os malandros devem ocupar-se dela.Resolveremos as nossas questões em família. Política? Perfeitamente. É umavergonha ouvirmos o que ouvi de um estrangeiro, há pouco tempo, numbanquete: “Façam isto, façam aquilo.” O dedinho ameaçador: “Façam isto,façamaquilo.”Não.Faremosoqueacharmosrazoávelfazer.Seremosinimigosdessehomemquenosvemdarordens,emlínguaestranha?Denenhummodo.Apenasdesejamosqueelenãonosdêordens.Jánãosomoscrianças.Queremosviverempazcomele,viverempazcomahumanidadeinteira.Necessitamos novas reuniões. Falarmuito, discutir, brigar às vezes. Ótimo.

Sairemosdessalutafortalecidos.Láforadefenderemososnossosinteresseseacultura exígua de que somos capazes. Surgirão descontentamentos, numerososdescontentamentos,éclaro.Semprehaveráquemdigadenóscobraselagartos.Quefazer?Estamoshabituados,essasofensasnãonosperturbarão.Agradecemos especialmente à senhora Lila Ripoll,3 admirável mulher

franzinaquerealizousozinhaotrabalhodevintehomensfortes.4

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“Viverempazcomahumanidadeinteira”.Horizonte,PortoAlegre,nº10,outubrode1951,pp.292-3.TextotambémpublicadoporduasvezesnojornalImprensaPopularem7e14deoutubrode1951,sobotítulo“DiscursodeGracilianoRamos”,e,posteriormente,narevistaPara Todos, nº 13 e 14, de outubro/novembro de 1951. Manuscrito pertencente ao Instituto deEstudosBrasileiros:ArquivoGracilianoRamos,Manuscritos,Discursos, not. 12.11A. (Tal versãoapresenta pequenas diferenças em relação àquelas saídas na imprensa comunista: parece ser aprimeiraredaçãodotexto,quedepois,supõe-se,teriarecebidonovoacabamentoporpartedoautorantesdeserpublicadoemperiódico;daíapreferênciapelorecortedejornalcomotexto-basenestaedição). Trata-se do discurso proferido pelo escritor Graciliano Ramos, então presidente daAssociaçãoBrasileiradeEscritores(ABDE),noatodeencerramentodoIVCongressodaentidade,realizadoemPortoAlegre,emsetembrode1951.2.PossívelalusãoàcançãoBoas-vindas(1946),resultadodaparceriaentreVilla-LoboseManuelBandeira. Ao poeta coube a composição da letra: “Seja bem-vindo! A casa é sua! Não façacerimônia,vápedindo,vámandando...”.Posteriormente,depoisdeamúsicaserexecutadaporVilla-Lobos diante damissão naval norte-americana, durante os festejos da Independência, em 1951, omaestro eo autordeCinzasdasHoras passarama ser acusadospelos esquerdistasde “lacaiosdeWallStreet”.Dizendo-sevítimadecalúnia,Bandeiralamentaofatodeuma“cançãozinha”,feitanobojodareaçãonacionalistacontraapopularidadequevinhaalcançandoentreosbrasileirosoHappybirthdaytoyou,passarasertachada,pelo“papaguearcomunista”,comoumantipatriótico“hinoaosamericanos”(BANDEIRA,Manuel.Andorinha,andorinha.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1986,pp.10-1).3.LilaRipoll(1905-67):poetisagaúcha,naoportunidadepresidentedaseçãorio-grandense-do-suldaABDE,responsávellocalpelaorganizaçãodoIVCongressodeEscritoresemPortoAlegre.4.NadeclaraçãodeprincípioseresoluçõesdoIVCongressoconstavamitenscomo“adefesadacultura, da liberdade de criação artística, dos interesses profissionais do escritor e dos supremosbenefícios da convivência pacífica entre os povos” (NOVA FASE de atividade da AssociaçãoBrasileiradeEscritores.ImprensaPopular,RiodeJaneiro,4denovembrode1951,p.3).Parapôremprática taisdeterminações, foi elaborado,peladelegaçãodoDistritoFederalqueparticipoudoevento, sob a presidência deGraciliano, umplano de atividades que incluía: a nomeação de umacomissãoparaelaboraro“CódigodeProteçãoaoTrabalhoIntelectual,incluindojuristaseescritoresqueconheçamoassunto”(idem,ibidem);areorganizaçãodasseçõesestaduaisdaABDE;atomadade providências “no sentido de obter a suspensão das medidas restritivas da livre expressão dopensamento” (idem, ibidem); a criação dos departamentos Editorial, de Atividades Culturais e deAtividades Sociais que visariam a divulgar as produções intelectuais e artísticas dos membros; adefendê-los; a assistir-lhes socialmente; a criar uma editora cooperativa e um clube do livro; e apromover lutapelapazmedianteoestímuloaosescritoresbrasileirosdasmaisvariadas tendênciasparaqueestesapoiassemoscongressossobreotema,aseremrealizadosnocontinente.

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A ABDE e os atentados à culturaargentina1

Exmo.Sr.ministrodaJustiçadaRepúblicaArgentina,

AAssociaçãoBrasileiradeEscritores,reunidaemsessãodesuadiretoria,resolve protestar perante V. Excia. contra a condenação iníqua do escritorargentino Alfredo Varela,2 que constitui atentado contra a liberdade depensamento, provando prática de arbítrio ditatorial. A liberdade para AlfredoVarelaéoqueexigeaconsciênciademocráticadospovosamericanos.AABDEconfianabravuradopovoargentinoemdefesadapazedacultura

continental.Peladiretoria,GracilianoRamos,presidente.

***

Exmo.Sr.ministrodaEducaçãodaRepúblicaArgentina,

AAssociaçãoBrasileiradeEscritoresvemprotestarperanteV.Excia.contraamedida antidemocrática e ditatorial da suspensão do professor Norberto A.Frontini,3 com mais de 24 anos de serviço na cátedra, figura de alto relevocontinentaledefensordasrelaçõesculturaisentreospovossul-americanos.EsperamosrevogaçãodoatodeV.Excia.,embenefíciodapaz,dobomnome

danaçãoamigaedadefesadacultura.Respeitosamente,

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GracilianoRamos,presidente4

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“AABDEeosatentadosàculturaargentina.”ImprensaPopular,RiodeJaneiro,anoIV,nº938,9dedezembrode1951.TaisnotasdeprotestoredigidasporGracilianoforamacompanhadas, no referido número do periódico, do seguinte texto introdutório: “A AssociaçãoBrasileira de Escritores, na última reunião de sua diretoria, tomou conhecimento das violênciascometidas contra os intelectuais argentinos Alfredo Varela e Norberto A. Frontini, tendo sidoenviados,apropósito,osseguintestelegramasdeprotestoàsautoridadesdavizinhaRepública:”2.AlfredoVarela(1914-84):jornalistaeescritorargentinoconhecidoporsualiteraturadetemáticasocial. Escreveu El río oscuro (1943), seu livro de maior êxito de público, no qual aborda aexploraçãosofridapelostrabalhadoresdasplantaçõesdeerva-matedonordesteargentino.Membrodo Partido Comunista, foi condenado a um ano de prisão em 1951, no contexto de reeleição dePerón, e é contra isso queGraciliano, enquanto presidente daABDE, protesta. Segundo a revistaesquerdistaProblemas, a detenção deVarela ocorrera depois que o peronismo fizera aprovar pelo“Parlamento as reformas reacionárias da Constituição Nacional, as reformas ao Código Penal,introduzindo nele os ‘delitos de ideias e de intenção’ (O SIGNIFICADOdas recentes eleições naArgentina — correspondência da direção nacional do Partido Comunista da Argentina sobre aseleiçõesde11denovembrode1951.Problemas:revistamensaldeculturapolítica,RiodeJaneiro,nº 38, janeiro-fevereiro de 1952, p. 10). Em setembro de 1952, Varela estava entre os escritoresargentinosquevisitaramGraciliano, quandodapermanênciado artista alagoanonumsanatóriodeBuenosAires,noqualconvalesciadepoisdepassar,semsucesso,porumacirurgiaparaaremoçãodeumtumornapleuraque lheseria fatal (MORAES,Dênisde.OvelhoGraça.RiodeJaneiro:JoséOlympio,1992,p.297).Naoportunidade,presenteouoautordeS.BernardocomumexemplardeElrío oscuro, no qual constava a seguinte dedicatória: “Al gran escritor americano camaradaGraciliano Ramos, con la antigua admiración por su obra y el afecto personal/ AlfredoVarela /BuenosAires,setembro,26del1952.” 3. Norberto A. Frontini (1899-1985): advogado e intelectual filiado ao Partido ComunistaArgentino. Em função de suas posturas antiperonistas, sofreu represálias do governo de Juan D.Perón.Revelouativointeressepelaculturabrasileira,estabelecendocontatoscomCandidoPortinari,Sérgio Buarque deHolanda,Mário deAndrade, entre outras eminentes figuras nacionais. Com oescritorpaulista,firmouamizadedesdeosprimeirosanosdadécadade1940(ARTUNDO,Patrícia.Mário deAndrade e aArgentina: um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. SãoPaulo:Edusp,2004,p.13).Emrelatoautobiográfico,AntonioCandidodestacaque foi incumbidoporOctávioTarquíniodeSousadeservirdeintermediárioentreMáriodeAndradeeFrontini,oqualtinha vindo aoBrasil como encargo de arranjar livros brasileiros para a coleçãomexicanaTierraFirme,doFondodeCulturaEconómica(CANDIDO,Antonio.“OMárioqueconheci.”In:LOPEZ,TelêAncona[org].Eusoutrezentos,soutrezentosecinquenta.RiodeJaneiro:Agir,2008,p.39).NoquedizrespeitoàsuarelaçãocomGraciliano,Frontiniverteuparaoespanhol“Umnovoprofessor”,conto do autor alagoano publicado no periódico argentinoCorreoLiterario (BuenosAires, 14 deagostode1944,p.3)edepoisrecolhidoemInfância(1945).4.JuntamentecomosprotestosassinadosporGraciliano,ojornaltambémpublicaumtelegramaescritoporE.CarreraGuerra,segundosecretáriodaABDE,eendereçadoaoembaixadorargentinonoBrasil:“AAssociaçãoBrasileiradeEscritores,emcumprimentoderesoluçõesformuladasemseuIVCongresso,recentementereunidoemPortoAlegre,vemreiterarjuntoaV.Excia.oseuprotestocontra asmedidas discricionárias de que foram vítimas os ilustres intelectuais argentinosAlfredoVarelaeNorbertoA.FrontiniequedenunciamocaráterantidemocráticodogovernoqueV.Excia.

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representaemcontrastecomosdesejosdepazeoaltoníveldeculturasempredemonstradospelanação argentina./ Comunicando a V. Excia. o texto dos telegramas que se sentiu no dever deendereçar aos Srs. Ministros da Educação e da Justiça da República Argentina, a AssociaçãoBrasileira de Escritores confirma, neste ensejo, sua solidariedade irrestrita ao povo e àintelectualidadedemocráticarioplatense.”

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CartadeGracilianoàscrianças1

Leitoramigo,

Com certeza você compreende, meu pequeno leitor, que o escritor vivequase sempre afastado do seu público. Por isso, nem sempre sabe para quemescreve,comosãorecebidososseuslivros,quaisassuasfalhas,comomelhorarassuashistórias,osseusromances.Pensando nisso resolvi ter comvocês em fevereiro oumarço uma conversa

sobre as7HistóriasVerdadeiras em que eu conto as aventuras deAlexandre.Nessaconversanósnostornaremosconhecidos.Vocêsfarãocríticasesugestões,quemeservirãodeensinamentoparaoutrashistórias.Sei que você gostará dessa reunião para a qual poderá convidar tambémos

seusamigos.Para receber o seu convite, preencha o cupão abaixo e remeta-o até 31 de

janeiroàeditoradestelivroafimdeseravisadododiaelugardessaconversa.Muitoobrigado,

GracilianoRamos

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Nota1.RAMOS,Graciliano.“CartadeGracilianoàscrianças.”ImprensaPopular,RiodeJaneiro,23dedezembrode1951.Umasemanaantesdapublicaçãodapresentecarta,omesmojornal traziaumanota intitulada “7 Histórias Verdadeiras”: “Pela primeira vez o grande romancista brasileiroGracilianoRamospublicaumvolumedecontosparacrianças:7HistóriasVerdadeiras,queacabadeser lançadopelaEditora[Vitória],emprimorosaediçãocomilustraçõesdePercyDeane.Oanoseencerraassimcomumnotávelacontecimentoliterário,eascriançaspoderãoterneleoseumelhorpresente de Natal. Um fato inédito será a conversa que os leitores mirins do livro terão comGracilianoRamos,dentroembreve,apropósitodesuashistórias.Cadalivroéacompanhadodeumcartão-convite para essa palestra, que será oportunamente marcada” (Imprensa Popular, Rio deJaneiro, 16 de dezembro de 1951). Tal edição teve como base o volumeHistórias de Alexandre,publicado em 1944 pela Editora Leitura. Este era composto por 13 contos. Ao deliberadamenteformatá-loparaopúblicoinfantil,Gracilianoelegeuapenassetehistórias(CRISTÓVÃO,FernandoAlves. Graciliano Ramos: estrutura e valores de um modo de narrar. Rio de Janeiro: Ed.Brasília/Rio,1977,p.104).

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Condena a guerra bacteriológica aAssociaçãoBrasileiradeEscritores1

Sr.JeanLaffitte,2ParisMeucaroconfrade:

EmnomedaAssociaçãoBrasileiradeEscritoresenomeupróprio,protestocom a máxima veemência contra esse nefando crime que é a guerrabacteriológica desencadeada atualmente na Coreia e na China por tropasinternacionais sob a bandeira das Nações Unidas. Tal fato constitui tremendaameaça a toda a humanidade e atingemoral e politicamente os governos queaprovaramaintervençãodaONUnopaíscoreano.

VIVAAPAZ!GracilianoRamos3

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Notas1.RAMOS,Graciliano.“CondenaaguerrabacteriológicaaAssociaçãoBrasileiradeEscritores”.ImprensaPopular,RiodeJaneiro,10deabrilde1952,p.1.EstabrevemensagemdeGracilianoéintroduzidapelaseguintenotadoseditoresdoperiódico:“Expressandoacondenaçãodosintelectuaisbrasileiros à guerra bacteriológica de que lançammão naCoreia os agressores ianques, o escritorGracilianoRamos,presidentedaABDE,enviouoseguintetelegramaaoSecretárioGeraldoBureaudoConselhoMundialdaPaz:”2. NadescriçãodeZéliaGattai,quechegouaser íntimadeJeanLaffitte edeGeorgette, esposadeste,noiníciodadécadade1950,eleeraumescritorfrancêsnovato“queexerceraaprofissãodepasteleiro na juventude. Preso durante a luta contra a ocupação nazista, passara alguns anos numcampo de concentração, terrível experiência da qual resultou seu primeiro livro:Ceux qui vivent(1947), sobre os horrores do campo, livro que revelou sua vocação de escritor e obteve grandesucesso. Escrevera em seguida dois romances:Nous retournerons cueillir les jonquilles (1948) eRoseFrance (1950), sobre a luta dos maquis” (GATTAI, Zélia. Senhora dona do baile. Rio deJaneiro:Record,1984,p.284).Em1949,noCongressodaPazdeParis,Laffittefoieleitosecretário-geraldoConselhoMundialdaPaz,sobapresidênciadeFrédéricJoliot-Curie(idem).3.EmnotapublicadanarevistaParaTodos,alémdestetelegramadeapoioaoConselhoMundialda Paz, há indicação de que Graciliano também teria enviado uma mensagem de protesto aoCongressodosEstadosUnidos,contudotaldocumentonãofora localizado.Oquesesabeéqueoartista alagoano, juntamente com JorgeAmado,CandidoPortinari,OscarNiemeyer, entre outros,subscreve,em1ºdejulhode1952,oseguinteprotestocontraousodearmasbacteriológicas:

“Está plenamente comprovado, aos olhos estarrecidos do mundo inteiro, o fato de osagressoresnorte-americanosempregaremaarmabacteriológicanaguerradaCoreia.Éumcrimemonstruoso,contraoqualselevantamcomvigorcrescenteasvozesdeprotestodasconsciênciaslivresdomundo.O crime é ainda caracterizado pela circunstância de que aparece como recurso de guerralongamente premeditado e preparado pelo governo norte-americano, precisamente um dospoucos governos que até hoje se negaram a assinar o protocolo de Genebra de 1925, queproíbeousodearmabacteriológica.Osescritoreseartistasbrasileiros,abaixoassinados,nãopodemcalaraprofundaindignaçãoquelhescausaesteinominávelatentadocontraosmaiscomezinhosprincípiosdahumanidade,aceitoseconsagradosportodosospovoscivilizados,ejulgamdeseudeverjuntarsuavozaoclamorgeraldeprotestoqueseergueportodoomundocontraosresponsáveispeloempregoda arma bacteriológica naCoreia” (PROTESTO contra o uso da arma bacteriológica.ParaTodos,RiodeJaneiro,nº17,julhode1952,p.1).

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Unidade em defesa dos direitos doescritor1

AAssociaçãoBrasileiradeEscritoresconsideradeseudevermanifestar-sea respeito da fundação, nesta capital, de uma sociedade de escritores cujosobjetivossãodoconhecimentopúblico.Seriam sempre louváveis e dignas de apoio as novas iniciativas que se

destinassem a congregar os escritores brasileiros em torno da defesa de seusinteresseseacombaterosobstáculosàssuasatividadesprofissionais.Parece, entretanto, óbvio que o caminho para assegurar o êxito de tais

iniciativasnãoéaquelequealgunsmembrosdadiretoriadaSociedadeCariocadeEscritoresdesejamseguir.Não deve haver, entre os escritores brasileiros, interesses antagônicos, nem

gruposinconciliáveis,nemdiferençasdeideiasoudeopiniõescapazesdeforçá-los a permanecer dispersos ou divididos, quando os problemas que todosdefrontam,querosdeordemprofissional,querosdeordemgeral,exigem,agoramaisquenunca,sólidaunidadedeaçãoedeprincípios.Agrandemaioriadosintelectuaisbrasileirosjamaisconsentiuqueemseuseio

se desenvolvessem ideias e práticas discriminatórias, como as que algunspretendem agora estabelecer, com o propósito evidente de comprometerpossíveisentendimentos,cercearaliberdadedeassociação,ejustificar,daquiemdiante,todasasmedidasrestritivasdaliberdadedecriação.Sepermitirmosqueseinaugurenosmeiosintelectuais,aqualquerpretexto,o

policiamento de ideias, em breve teremos formas drásticas de supressão dasliberdadesdemocráticas,transformando-seemregraaexigênciadeatestadosdeideologiaparaapublicaçãodelivros,aediçãodejornais,asexposiçõesdeartesplásticasequaisqueroutrasatividadesdecultura.

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Atradiçãocultural,noBrasil,nãoé,felizmente,adoscapitãesdomato,nãoéa da escravização do pensamento,mas a luta pela livre atividade criadora. Sequisermosreferir-nosapenasaostemposmaispróximos,relembremosaunidadeconseguida, em debates democráticos, nos congressos de escritores realizadosdesde1945.No I Congresso Brasileiro de Escritores, promovido pela ABDE, os

congressistas presentes, por decisão unânime, firmaram uma declaração queconserva toda a sua atualidade. Por ela se comprometeram a defender a“completa liberdade de expressão do pensamento”, a “paz e a cooperaçãointernacionais”ea“independênciaeconômicadospovos”.EssesprincípiostêmsidoreafirmadospormeioderesoluçõesaprovadasnoII,

III e IVCongressos, sendo que no último, realizado noRioGrande do Sul, amaioria e a minoria dos delegados expressaram livremente sua concordânciacomaquelespontosdevistagerais,emtermosdiferentesedamaneiraquelhespareceumaisprópria.Ainda recentemente, na reunião convocada pela Sociedade Paulista de

Escritores,declaraçõespelapazentreospovos,pelaexpressãodopensamentoecontrárias à apreensão de livros foramprova de que os intelectuais brasileirosnãoesquecemseuscompromissosdeprincípio.Há, portanto, razões muito fortes para confiarmos na possibilidade de

aproximar ainda mais os escritores brasileiros em torno dos seus interessesprofissionais e dos grandes problemas da cultura. Nossos esforços devemcombinar-se no propósito honesto de dissipar equívoco, não no de romper aunidadedeobjetivosedeaçõesjáesboçada.AAssociaçãoBrasileira deEscritores, cujas portas estão abertas a todos os

escritoresbrasileiros,quaisquerquesejamossetoresdesuaespecialidade,semindagar sua orientação estética ou sua filiação político-partidária,manifesta-secontrária às discriminações e lança um apelo aos homens de cultura de nossopaís,afimdequeponhamacimadosinteressespessoais,degrupooupartido,osinteressescomunsatodososquesededicamaotrabalhointelectual.A liberdade de associação e de opinião, de criação literária, a garantia de

melhorescondiçõesdetrabalho,acooperaçãopelapazentretodosospovosdomundocontinuamaserosprincípiosbásicosquepodemedevemunir,numsómovimentodesolidariedadeculturalehumana,todososintelectuaisbrasileiros.

Rio,agostode1952GracilianoRamos—presidente.

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Nota 1. RAMOS,Graciliano.“Unidadeemdefesadosdireitosdoescritor.”ImprensaPopular,RiodeJaneiro,30deagostode1952.EmrespostaaoaparelhamentodaABDEpeloPCB,processoiniciadocomviradademesanapossedadiretoriaeleitanopleitode1949,umgrupodeescritores resolvefundar,em1952,aSociedadeCariocadeEscritores,cujoprimeiropresidenteprovisóriofoiopoetaJorge de Lima. Como uma espécie de antípoda da ABDE, tal instituição teria uma orientaçãomarcadamente anticomunista. “Segundo uma revista cujos diretores fazem parte da chamadaSociedade Carioca de Escritores que está sendo fundada, nessa nova entidade não entrarãocomunistas.Mas,paraevitarqueaoscandidatosamembrodessaentidadesejaexigidoatestadodeideologiaqueseriafornecidoporBoré,osredatoresdoEstatuto[atestarão]artigosdetalmodoquesejadispensadaacolaboraçãoabertadapolícia.Querdizer,umdosdiretoresdetalentidadeéquefaráasfunçõesdeBoré.OnomemaisemevidênciaparaocargoéodeCarlosLacerda,doubledeescritorepolicial,complenoacessoaoficháriodosetortrabalhistadoDOPS”(HOMENSefatos.ImprensaPopular,RiodeJaneiro,10deagostode1952).

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Apelo de Graciliano Ramos aosintelectuaisbrasileiros1

H á várias maneiras de querermos a paz. Cada um de nós a sentirádiversamente.Masquandoéprecisodefendê-la,quemnãoficarádeacordo?Oqueestáemjogo,nummomentocomoesteemqueoperigodeguerraparecetãodenso,éapazdecadaumeéapazdetodos.Trata-sededefendê-laentãopelaunidade de todos os esforços. Buscamos salvaguardar valores, conceitosdiferentes.Nossas contribuições à luta pela paz serão também diferentes,maspor isto mesmo nosso entendimento há de ser mais sólido, nossa frente maisamplaerepresentativadosanseiosdahumanidadeinteira.Daí meu apoio sem restrições ao Congresso dos Povos pela Paz,2 que vai

realizar-seemViena,nodia12dedezembro.Joliot-Curie3emseuapeloparaaconvocaçãodoCongresso:“OCongressodosPovospelaPazreunirá,emtornodeobjetivosdefinidosem

comum,oshomensde todasas tendênciaseosgruposouassociaçõesde todanaturezaquedesejamodesarmamento,asegurança,aindependêncianacional,alivreescolhadeseumododevidaeacessaçãodatensãointernacional.OCongressodosPovospelaPazreunirátodososquedesejamqueprevaleça

oespíritodenegociaçãosobreassoluçõesdeforça.Apazpodesersalva!Apazdevesersalva!”4Concordoplenamenteefaçomeuesteapelogeneroso.Queavontadedepaz

dosbrasileirossejaouvidaemViena!5

GracilianoRamos

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Notas 1. RAMOS, Graciliano. “Apelo de Graciliano Ramos aos intelectuais brasileiros”. ImprensaPopular,RiodeJaneiro,1ºdenovembrode1952.Textoantecedidopelaseguintenotadoseditoresdo periódico: “O romancista Graciliano Ramos, cujo sexagésimo aniversário vem de sercomemorado entre excepcionais homenagens, acaba de dirigir a todos os intelectuais brasileiros oseguinteapelo:”.2.Nadelegaçãobrasileiradestinadaatalevento,destaqueparaoescritorJorgeAmado,que,nessemomento, figurava como membro do Conselho Mundial da Paz, e para Abel Chermont, naoportunidadepresidentedoMovimentoBrasileirodosPartidáriosdaPaz. 3. Ao se referir aocientista edestacadomembrodoPartidoComunistaFrancêsFrédéricJoliot-Curie (1900-58), em suasmemórias, JorgeAmado o apresentava, em 1951, como “presidente doConselhoMundial da Paz, grande cientista, PrêmioNobel (foi laureado em 1935 em trabalho dequímica nuclear sobre a síntese de novos elementos radioativos), comunista convicto” (AMADO,Jorge.Navegaçãodecabotagem.RiodeJaneiro:Record,1992,p.107).4.EstacitaçãoutilizadaporGracilianofoiretiradado“ApeloparaaconvocaçãodoCongressodosPovos pela Paz”, texto publicado, entre outros veículos comunistas, no número 30 da revistaFundamentos(periódicodecujoconselhoderedaçãoGracilianofaziaparte),emnovembrode1952.5.Noquedizrespeitoaseuenvolvimentocomacausadapaz,segundooprontuáriodeGracilianonaPolíciaPolítica,documentodenúmero11.473,presentenoArquivoPúblicodoEstadodoRiodeJaneiro, o escritor alagoano teria sido conselheiro daOrganizaçãoBrasileira da Paz e daCultura;delegado eleito para o II CongressoMundial dos Partidários da Paz, realizado emVarsóvia; bemcomo signatário de diversos manifestos, entre os quais um alusivo à Convocação do CongressoBrasileirodaPaz, sobopatrocíniodoCongressoPaulistapelaPaz (MORAES,Dênisde.OvelhoGraça. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992, p. 380). Além disso, o autor de Vidas secas foilegalmentedonoeeditorresponsáveldoperiódicoPartidáriosdaPaz,dofinalde1950afevereirode1953.

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DeGracilianoRamosaObdulioBarthe1

HámaisdedoisanosestápresoObdulioBarthe,chefedalutadelibertaçãodopovoparaguaio,modelodehomemededirigentepolítico.2Porqueomantêmpreso?Jáninguémseriacapazdedizê-loemtermoslegais,

depois que os três processos contra Barthe se desmoronaram um a um. Noentanto, ele permanece encarcerado, e nas piores condições. TestemunhosirrecusáveisnosrelatamoqueéaCadeiaPúblicadeAssunção:umatentadoaosdireitosdohomem.LaudosmédicosoficiaisnosdescrevemoestadodeBarthe:suavidacorreperigo.Isto significa que um líder popular, semoutra culpa senão a de dedicar sua

vidaàcausadademocraciaeda libertaçãodoParaguai,estásendo lentamenteexterminado.Não nos podemos conformar com tamanho crime. A força de nossa

solidariedadeaObdulioBarthedevechegaraosgovernantesparaguaios.Atodososhomenshonestos—emparticular,aosescritores—cumpresem

demoraergueravoz,protestar.Abram-seasportasdacadeiadeAssunção,queseja novamente livre, para glória de seu povo e alegria de toda aAmérica, ograndeObdulioBarthe.

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Notas 1. RAMOS, Graciliano. “De Graciliano Ramos a ObdulioBarthe.” Imprensa Popular, Rio deJaneiro,30denovembrode1952.2.ObdulioBarthe(1903-81):intelectualparaguaio,foipresoem1ºdeagostode1950,emBuenosAires, onde se achava eLivros com sua esposa e dois filhos, desde o desfecho do movimentorevolucionáriode1947(atoinsurrecionaldesencadeadopeloscomunistasnoParaguaiemrespostaàreinstauraçãodaditadurapelogeneralMoríngio),doqual,comodirigentedoPartido,elefoiumdoschefes. Nas mãos da polícia peronista, foi torturado durante cinco dias, antes de ser entregue aogovernodoParaguai,“numaclaraviolaçãododireitodeasilo,asseguradopeloacordoentreosdoispaíses”(CASTRO,MoacirWerneckde.“AsombradamortepairasobreBarthe.”ImprensaPopular,Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1951).NoBrasil, o Partidão chegou a criar umaComissão deDefesadeBarthe,tendoorganizado,inclusive,emSãoPaulo,umatopúblicoemfavordalibertação“dograndelíderantifascistaparaguaio”(ACOMISSÃOdedefesadeBarthe.ImprensaPopular,RiodeJaneiro,9desetembrode1952).Gracilianopresidiuumacomissãodeescritoresbrasileirosquefez entregar ao embaixador do Paraguai no Brasil uma carta de solidariedade a Barthe(SOLIDARIEDADEdosescritoresaolíderdopovoparaguaio,ObdulioBarthe.ImprensaPopular,RiodeJaneiro,30deagostode1952).

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VIDAEDEGRACILIANORAMOS

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Cronologia

1892Nascea27deoutubroemQuebrangulo,Alagoas.

1895Opai,SebastiãoRamos,compraaFazendaPintadinho,emBuíque,nosertãodePernambuco,emudacomafamília.Comaseca,acriaçãonãoprosperaeopaiacabaporabrirumalojanavila.

1898Primeirosexercíciosdeleitura.

1899AfamíliasemudaparaViçosa,Alagoas.

1904Publicaoconto“Pequenopedinte”emODilúculo,jornaldointernatoondeestudava.

1905Muda-separaMaceióepassaaestudarnocolégioQuinzedeMarço.

1906RedigeoperiódicoEchoViçosense,queteveapenasdoisnúmeros.

PublicasonetosnarevistacariocaOMalho,sobopseudônimoFelicianodeOlivença.

1909PassaacolaborarnoJornaldeAlagoas,publicandoosoneto“Céptico”,comoAlmeidaCunha.Nessejornal,publicoudiversostextoscomváriospseudônimos.

1910-1914CuidadacasacomercialdopaiemPalmeiradosÍndios.

1914SaidePalmeiradosÍndiosnodia16deagosto,embarcanonavioItassucêparaoRiodeJaneiro,nodia27,comoamigoJoaquimPintodaMotaLimaFilho.EntraparaoCorreiodaManhã,comorevisor.TrabalhatambémnosjornaisATardeeOSéculo,alémdecolaborarcomosjornaisParaíbadoSuleJornaldeAlagoas(cujostextoscompõemaobrapóstumaLinhastortas).

1915RetornaàspressasparaPalmeiradosÍndios.Os irmãosOtacílio,LeonoreClodoaldo,eo sobrinhoHeleno,morremvítimasdaepidemiadapestebubônica.

Casa-se comMariaAugusta deBarros, com quem tem quatro filhos:Márcio, Júnio,Múcio eMariaAugusta.

1917AssumealojadetecidosASincera.

1920MortedeMariaAugusta,devidoacomplicaçõesnoparto.

1921PassaacolaborarcomosemanárioOÍndio,sobospseudônimosJ.CalistoeAnastácioAnacleto.

1925IniciaCaetés,concluídoem1928,masrevistováriasvezes,até1930.

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1927ÉeleitoprefeitodePalmeiradosÍndios.

1928Tomapossedocargodeprefeito.

Casa-secomHeloísaLeitedeMedeiros,comquemtemoutrosquatrofilhos:Ricardo,Roberto,LuizaeClara.

1929EnviaaogovernadordeAlagoasorelatóriodeprestaçãodecontasdomunicípio.Orelatório,pelasuaqualidadeliterária,chegaàsmãosdeAugustoSchmidt,editor,queprocuraGracilianoparasaberseeletemoutrosescritosquepossamserpublicados.

1930PublicaartigosnoJornaldeAlagoas.

Renunciaaocargodeprefeitoem10deabril.

Emmaio,muda-secomafamíliaparaMaceió,ondeénomeadodiretordaImprensaOficialdeAlagoas.

1931Demite-sedocargodediretor.

1932EscreveosprimeiroscapítulosdeS.Bernardo.

1933PublicaçãodeCaetés.

IníciodeAngústia.

É nomeado diretor da Instrução Pública de Alagoas, cargo equivalente a Secretário Estadual deEducação.

1934PublicaçãodeS.Bernardo.

1936Emmarço,épresoemMaceióelevadoparaoRiodeJaneiro.

PublicaçãodeAngústia.

1937ÉlibertadonoRiodeJaneiro.

Escreve A terra dos meninos pelados, que recebe o prêmio de Literatura Infantil do Ministério daEducação.

1938PublicaçãodeVidassecas.

1939ÉnomeadoInspetorFederaldeEnsinoSecundáriodoRiodeJaneiro.

1940TraduzMemóriasdeumnegro,donorte-americanoBookerWashington.

1942PublicaçãodeBrandãoentreomareoamor,romanceemcolaboraçãocomRacheldeQueiroz,JoséLinsdoRego,JorgeAmadoeAníbalMachado,sendoasuaparteintitulada“Mário”.

1944PublicaçãodeHistóriasdeAlexandre.

1945PublicaçãodeInfância.

PublicaçãodeDoisdedos.

Filia-seaoPartidoComunistaBrasileiro.

1946PublicaçãodeHistóriasincompletas.

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1947PublicaçãodeInsônia.

1950TraduzoromanceApeste,deAlbertCamus.

1951Torna-sepresidentedaAssociaçãoBrasileiradeEscritores.

1952ViajapelaUniãoSoviética,Tchecoslováquia,FrançaePortugal.

1953Morrenodia20demarço,noRiodeJaneiro.

PublicaçãopóstumadeMemóriasdocárcere.

1954PublicaçãodeViagem.

1962PublicaçãodeLinhastortaseViventesdasAlagoas.

Vidassecas recebeoPrêmiodaFundaçãoWilliamFaulkner comoo livro representativoda literaturabrasileiracontemporânea.

1980HeloísaRamosdoaoArquivoGracilianoRamosaoInstitutodeEstudosBrasileirosdaUniversidadedeSãoPaulo,reunindomanuscritos,documentospessoais,correspondência,fotografias,traduçõesealgunslivros.

PublicaçãodeCartas.

1992PublicaçãodeCartasdeamoraHeloísa.

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BibliografiadeautoriadeGracilianoRamos

CaetésRiodeJaneiro:Schmidt,1933.2ªed.RiodeJaneiro:J.Olympio,1947.6ªed.SãoPaulo:Martins,1961.11ªed.RiodeJaneiro:Record,1973.[31ªed.,2006]

S.BernardoRiodeJaneiro:Ariel,1934.2ªed.RiodeJaneiro:J.Olympio,1938.7ªed.SãoPaulo:Martins,1964.24ªed.RiodeJaneiro:Record,1975.[93ªed.,2012]

AngústiaRiodeJaneiro:J.Olympio,1936.8ªed.SãoPaulo:Martins,1961.15ªed.RiodeJaneiro:Record,1975.[66ªed.,2012]

VidassecasRiodeJaneiro:J.Olympio,1938.6ªed.SãoPaulo:Martins,1960.34ªed.RiodeJaneiro:Record,1975.[117ªed.,2012]

AterradosmeninospeladosIlustraçõesdeNelsonBoeiraFaedrich.PortoAlegre:Globo,1939.2ªed.RiodeJaneiro:InstitutoEstadualdo Livro, INL, 1975. 4ª ed. Ilustrações de Floriano Teixeira. Rio de Janeiro: Record, 1981. 24ª ed.IlustraçõesdeRogerMello.RiodeJaneiro:Record,2000.[42ªed.,2012]

HistóriasdeAlexandreIlustrações de Santa Rosa. Rio de Janeiro: Leitura, 1944. Ilustrações de André Neves. Rio de Janeiro:Record,2007.[7ªed.,2011]

DoisdedosIlustraçõesemmadeiradeAxeldeLeskoschek.R.A.,1945.Conteúdo:Doisdedos,Orelógiodohospital,Paulo,AprisãodeJ.CarmoGomes,SilveiraPereira,Umpobre-diabo,Ciúmes,Minsk,Insônia,Umladrão.

Infância(memórias)RiodeJaneiro:J.Olympio,1945.5ªed.SãoPaulo:Martins,1961.10ªed.RiodeJaneiro:Record,1975.[46ªed.,2011]

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HistóriasincompletasRiodeJaneiro:Globo,1946.Conteúdo:Umladrão,Luciana,Minsk,Cadeia,Festa,Baleia,Umincêndio,ChicoBrabo,Umintervalo,Venta-romba.

InsôniaRiodeJaneiro:J.Olympio,1947.5ªed.SãoPaulo:Martins,1961.Ed.Crítica.SãoPaulo:Martins;Brasília:INL,1973.16ªed.RiodeJaneiro:Record,1980.[30ªed.,2010]

MemóriasdocárcereRiodeJaneiro:J.Olympio,1953.4v.Conteúdo:v.1Viagens;v.2Pavilhãodosprimários;v.3Colôniacorrecional;v.4Casadecorreção.4ªed.SãoPaulo:Martins,1960.2v.13ªed.RiodeJaneiro:Record,1980.2v.Conteúdo:v.1,pt.1Viagens;v.1,pt.2Pavilhãodosprimários;v.2,pt.3Colôniacorrecional;v.2,pt.4Casadecorreção.[45ªed.,2011]

ViagemRiodeJaneiro:J.Olympio,1954.3ªed.SãoPaulo:Martins,1961.10ªed.RiodeJaneiro:Record,1980.[21ªed.,2007]

Contosenovelas(organizador)RiodeJaneiro:CasadoEstudantedoBrasil,1957.3v.Conteúdo:v.1NorteeNordeste;v.2Leste;v.3SuleCentro-Oeste.

LinhastortasSãoPaulo:Martins,1962.3ªed.RiodeJaneiro:Record;SãoPaulo:Martins,1975.280p.8ªed.RiodeJaneiro:Record,1980.[21ªed.,2005]

ViventesdasAlagoasQuadrosecostumesdoNordeste.SãoPaulo:Martins,1962.5ªed.RiodeJaneiro:Record,1975.[19ªed.,2007]

AlexandreeoutrosheróisSãoPaulo:Martins,1962.16ªed.RiodeJaneiro:Record,1978.[55ªed.,2011]

CartasDesenhos de Portinari... [et al.]; caricaturas de Augusto Rodrigues, Mendez, Alvarus. Rio de Janeiro:Record,1980.[8ªed.,2011]

CartasdeamoraHeloísaEdição comemorativa do centenário de Graciliano Ramos. São Paulo: SecretariaMunicipal de Cultura,1992.2ªed.RiodeJaneiro:Record,1992.[3ªed.,1996]

OestribodeprataIlustraçõesdeFlorianoTeixeira.RiodeJaneiro:Record,1984.(ColeçãoAbre-teSésamo).5ªed.IlustraçõesdeSimoneMatias.RiodeJaneiro:GalerinhaRecord,2012.

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Antologias, entrevistas e obras emcolaboração

CHAKER,Mustafá(Org.).AliteraturanoBrasil.GracilianoRamos...[etal.].Kuwait:[s.n.],1986.293p.Conteúdo:Dados biográficos de escritores brasileiros:CastroAlves, JoaquimdeSouzaAndrade,CarlosDrummonddeAndrade,ViniciusdeMoraes,HaroldodeCampos,ManuelBandeira,Manuel deMacedo,JosédeAlencar,GracilianoRamos,CecíliaMeireles,JorgeAmado,ClariceLispectoreZéliaGattai.Textoetítuloemárabe.

FONTES, Amando et al. 10 romancistas falam de seus personagens. Amando Fontes, Cornélio Penna,EricoVerissimo,GracilianoRamos,JorgeAmado,JoséGeraldoVieira,JoséLinsdoRego,LucioCardoso,OctaviodeFaria,RacheldeQueiroz;prefáciodeTristãodeAthayde;ilustradores:AthosBulcão,AugustoRodrigues, Carlos Leão, Clóvis Graciano, Cornélio Penna, Luís Jardim, Santa Rosa. Rio de Janeiro:EdiçõesCondé,1946.66p.,il.,folhassoltas.

MACHADO,AníbalM.etal.Brandãoentreomareoamor.RomanceporAníbalM.Machado,GracilianoRamos,JorgeAmado,JoséLinsdoRegoeRacheldeQueiroz.SãoPaulo:Martins,1942.154p.TítulodapartedeautoriadeGracilianoRamos:“Mário”.

QUEIROZ,Rachel de.Caminho de pedras. Poesia deManuelBandeira; Estudo de OlívioMontenegro;CrônicadeGracilianoRamos. 10ª ed.Riode Janeiro: J.Olympio, 1987. 96p.Edição comemorativadoJubileudeOurodoRomance.

RAMOS,Graciliano.Angústia75anos.EdiçãocomemorativaorganizadaporElizabethRamos.1ªed.RiodeJaneiro:Record,2011.384p.

RAMOS,Graciliano.Coletânea: seleção de textos.Rio de Janeiro:CivilizaçãoBrasileira;Brasília: INL,1977.315p.(ColeçãoFortunaCrítica,2).

RAMOS,Graciliano.“ConversacomGracilianoRamos”.Temário—RevistadeLiteraturaeArte,RiodeJaneiro,v.2,n.4,p.24-29,jan.-abr.,1952.“Aentrevistafoiconseguidadestaforma:perguntasdosupostorepórtererespostasliteralmentedosromancesecontosdeGracilianoRamos.”

RAMOS, Graciliano. Graciliano Ramos. Coletânea organizada por Sônia Brayner. Rio de Janeiro:CivilizaçãoBrasileira;Brasília:INL,1977.316p.(ColeçãoFortunaCrítica,2).Incluibibliografia.Contémdadosbiográficos.

RAMOS,Graciliano.GracilianoRamos. 1ª ed. Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e

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crítico e exercícios por: Vivina de Assis Viana. São Paulo: Abril Cultural, 1981. 111 p., il. (LiteraturaComentada).Bibliografia:p.110-111.

RAMOS,Graciliano.GracilianoRamos.SeleçãoeprefáciodeJoãoAlvesdasNeves.Coimbra:Atlântida,1963.212p.(AntologiadoContoModerno).

RAMOS,Graciliano.GracilianoRamos: trechos escolhidos.PorAntonioCandido.Riode Janeiro:Agir,1961.99p.(NossosClássicos,53).

RAMOS, Graciliano.Histórias agrestes: contos escolhidos. Seleção e prefácio de Ricardo Ramos. SãoPaulo:Cultrix,[1960].201p.(ContistasdoBrasil,1).

RAMOS,Graciliano.Históriasagrestes:antologiaescolar.SeleçãoeprefácioRicardoRamos; ilustraçõesdeQuirinoCampofiorito.RiodeJaneiro:Tecnoprint,[1967].207p.,il.(ClássicosBrasileiros).

RAMOS,Graciliano.“IdeiasNovas”.Separatade:Rev.doBrasil,[s.l.],ano5,n.49,1942.

RAMOS,Graciliano.Paragostardeler:contos.4ªed.SãoPaulo:Ática,1988.95p.,il.

RAMOS,Graciliano.Paragostardeler:contos.9ªed.SãoPaulo:Ática,1994.95p., il. (ParaGostardeLer,8).

RAMOS,Graciliano.Relatórios. [OrganizaçãodeMárioHélioGomesdeLima.]Riode Janeiro:EditoraRecord,1994.140p.Relatórioseartigospublicadosentre1928e1953.

RAMOS,Graciliano.Seleçãodecontosbrasileiros.Riode Janeiro:Ed. deOuro, 1966. 3v. (333p.), il.(Contosbrasileiros).

RAMOS,Graciliano.[Sete]7históriasverdadeiras.CapaeilustraçõesdePercyDeane;[prefáciodoautor].RiodeJaneiro:Ed.Vitória,1951.73p.Contémíndice.Conteúdo:Primeirahistóriaverdadeira.OolhotortodeAlexandre,Oestribodeprata,Asafradostatus,Históriadeumabota,Umacanoafurada,Moqueca.

RAMOS,Graciliano.“SeuMota”.Temário—RevistadeLiteraturaeArte,RiodeJaneiro,v.2,n.4,p.21-23,jan.-abr.,1952.

RAMOS,Gracilianoetal.Amigos.IlustraçõesdeZeflávioTeixeira.8ªed.SãoPaulo:Atual,1999.66p.,il.(Vínculos),brochura.

RAMOS,Graciliano(Org.).Seleçãodecontosbrasileiros.IlustraçõesdeCleo.RiodeJaneiro:Tecnoprint,[1981]. 3 v.: il. (Ediouro. Coleção Prestígio). “A apresentação segue um critério geográfico, incluindoescritores antigos emodernos de todo o país.” Conteúdo: v. 1Norte e Nordeste; v. 2 Leste; v. 3 Sul eCentro-Oeste.

RAMOS,Graciliano.VidasSecas70anos:Ediçãoespecial.FotografiasdeEvandroTeixeira.1ªed.RiodeJaneiro:Record,2008.208p.

ROSA,JoãoGuimarães.Primeirasestórias. IntroduçãodePauloRónai;poemadeCarlosDrummonddeAndrade;notabiográficadeRenardPerez;crônicadeGracilianoRamos.5ªed.RiodeJaneiro:J.Olympio,1969.176p.

WASHINGTON,BookerT.Memóriasdeumnegro.[TraduçãodeGracilianoRamos.]SãoPaulo:Cia.Ed.Nacional,1940.226p.

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Obrastraduzidas

AlemãoAngst[Angústia].SurkampVerlag,1978.Nachedenistesweit[Vidassecas].HorstErdmannVerlag,1965.SãoBernardo:roman.Frankfurt:FischerBucherei,1965.KargesLeben[Vidassecas].1981.RaimundoimLandTatipirún[Aterradosmeninospelados].Zürich:VerlagNagel&Kimche.1996.

BúlgaroCyxKnbot[Vidassecas].1969.

CatalãoVidesseques.Martorell:AdesiaraEditorial,2011.

DinamarquêsTørke[Vidassecas].1986.

EspanholAngustia.Madri:EdicionesAlfaguara,1978.Angustia.México:PáramoEdiciones,2008.Angustia.Montevidéu:Independencia,1944.Infancia.BuenosAires,Rosario:BeatrizViterboEditora,2010.Infancia.BuenosAires:SigloVeinte,1948.SanBernardo.Caracas:MonteAvilaEditores,1980.Vidassecas.BuenosAires:EditorialFuturo,1947.Vidassecas.BuenosAires:EditoraCapricornio,1958.Vidassecas.Havana:CasadelasAméricas,[1964].Vidassecas.Montevidéu:NuestraAmérica,1970.Vidassecas.Madri:Espasa-Calpe,1974.Vidassecas.BuenosAires:Corregidor,2001.Vidassecas.Montevidéu:EdicionesdelaBandaOriental,2004.

EsperantoVivoj Sekaj, [Vidas secas]. El la portugala tradukis Leopoldo H. Knoedt. Fonto (Gersi Alfredo Bays),Chapecó,SC—Brazilo,1997.

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VIANNA,LúciaHelena.Roteirodeleitura:SãoBernardodeGracilianoRamos.SãoPaulo:Ática,1997.152p.,il.

ZILBERMAN,Regina.SãoBernardoeosprocessosdacomunicação.PortoAlegre:Movimento,1975.66p.(ColeçãoAugustoMeyer:Ensaios,8).Incluibibliografia.

ProduçõescinematográficasVidassecas—DireçãodeNelsonPereiradosSantos,1963.SãoBernardo—Direção,adaptaçãoeroteirodeLeonHirszman,1972.

Memóriasdocárcere—DireçãodeNelsonPereiradosSantos,1983.

ProduçãopararádioeTVSãoBernardo—novelaemcapítulosbaseadanoromance,adaptadoparaaRádioGlobodoRiodeJaneiroporAmaralGurgel,em1949.SãoBernardo—QuartaNobrebaseadanoromance,adaptadoemumepisódioparaaTVGloboporLauroCésarMuniz,em29dejunhode1983.Aterradosmeninospelados—musicalinfantilbaseadonaobrahomônima,adaptadaemquatroepisódiosparaaTVGloboporCláudioLobatoeMárcioTrigo,em2003.GracilianoRamos—RelatosdaSequidão.DVD—Vídeo.Direção,roteiroeentrevistasdeMaurícioMeloJúnior.TVSenado,2010.

PrêmiosliteráriosPrêmioLimaBarreto,pelaRevistaAcadêmica(conferidoaAngústia,1936).

PrêmiodeLiteraturaInfantil,doMinistériodaEducação(conferidoaAterradosmeninospelados,1937).PrêmioFelipedeOliveira(peloconjuntodaobra,1942).

PrêmioFundaçãoWilliamFaulkner(conferidoaVidassecas,1962).

Por iniciativa do governo do Estado de Alagoas, os Serviços Gráficos de Alagoas S.A. (SERGASA)passaramasechamar,em1999,ImprensaOficialGracilianoRamos(Iogra).Em2001é instituídopelogovernodoEstadodeAlagoasoanoGracilianoRamos,emdecretode25deoutubro.Nestemesmoano,emvotaçãopopular,Gracilianoéeleitooalagoanodoséculo.

MedalhaChicoMendesdeResistência,conferidapelogrupoTorturaNuncaMais,em2003.

PrêmioRecordista2003,CategoriaDiamante,peloconjuntodaobra.

ExposiçõesExposiçãoGracilianoRamos,1962,RiodeJaneiro,BibliotecaNacional.ExposiçãoRetrospectivadasObrasdeGracilianoRamos,1963,Curitiba(10ºaniversáriodesuamorte).

MestreGraça:“VidaeObra”—comemoraçãoaocentenáriodonascimentodeGracilianoRamos,1992.

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Maceió,GovernodeAlagoas.

LembrandoGracilianoRamos—1892-1992.Seminárioemhomenagemaocentenáriodeseunascimento.FundaçãoCulturaldoEstadodaBahia.Salvador,1992.Semana de Cultura da Universidade de São Paulo. Exposição Interdisciplinar Construindo GracilianoRamos:Vidassecas.InstitutodeEstudosBrasileiros/USP,2001-2002.

ColóquioGracilianoRamos—Semanacomemorativadehomenagempelocinquentenáriode suamorte.AcademiadeLetrasdaBahia,FundaçãoCasadeJorgeAmado.Salvador,2003.

ExposiçãoOChãodeGraciliano,2003,SãoPaulo,sescPompeia.ProjetoecuradoriadeAudálioDantas.Exposição O Chão de Graciliano Ramos, 2003, Araraquara, SP. SESC — Apoio UNESP. Projeto ecuradoriadeAudálioDantas.

ExposiçãoOChão deGraciliano, 2003/04, Fortaleza, CE. SESC e Centro Cultural Banco doNordeste.ProjetoecuradoriadeAudálioDantas.

Exposição O Chão de Graciliano, 2003, Maceió, sesc São Paulo e Secretaria de Cultura do Estado deAlagoas.ProjetoecuradoriadeAudálioDantas.ExposiçãoOChãodeGraciliano,2004,Recife,SESCSãoPaulo,FundaçãoJoaquimNabucoeBancodoNordeste.ProjetoecuradoriadeAudálioDantas.

4ºSalãodoLivrodeMinasGerais.GracilianoRamos—50anosdesuamorte,50anosdeMemóriasdocárcere,2003.CâmaraBrasileiradoLivro.PrefeituradeBeloHorizonte.

Entreamorteeavida.Cinquentenáriodamorte:GracilianoRamos.Centenáriodonascimento:DomingosMonteiro,JoãoGasparSimões,RobertoNobre.ExposiçãoBibliográficaeDocumental.MuseuFerreiradeCastro.Portugal,2003.

Homepagehttp://www.graciliano.com.brhttp://www.gracilianoramos.com.br

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Índiceonomástico

AACCIOLY,ArthurADAMIALENCAR,JosédeALENCAR,RenatodeALMEIDA,JoséAméricodeALMEIDA,JoséRicardoPiresdeALVES,CastroAMADO,JamesAMADO,JorgeAMADO,LuizaRamosAMARALJÚNIOR,AmadeuANDRADE,ArydeANDRADE,CarlosDrummonddeANDRADE,MáriodeANDRADE,OswalddeARANHA,GraçaARAÚJO,MuriloARRUDA,DiógenesARTIGAS,VilanovaASSIS,MachadodeATHAYDE,Tristãode,verAlceuAmorosoLimaAUSTREGÉSILO,LauraAZEVEDO,A.SoaresdeAZEVEDO,ArturAZEVEDO,JosédeCastro

BBANDEIRA,ManuelBARATA,coronelMagalhãesBARBOSA,FranciscodeAssisBARBOSA,RuiBARRETO,CastroBARRETO,RosendoMunizBARTHE,ObdulioBASTOS,HermenegildoBASTOS,TavaresBELO,JúlioBEZERRA,Alcides

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BOCAGEBORBA,SílvioBORELI,Lida(LydaBorelli)BORJA,CélioBRAGA,RubemBRANCO,AloísioBRANDÃO,TheotônioVilelaBRAZ,WenceslauBROWNING,TodBUENO,LuísBULHÕES,J.Carvalho

CCAMÕESCAMPOS,HumbertodeCAMUS,AlbertCÂNDIDAROSACANDIDO,AntonioCAPANEMA,GustavoCARNEIRO,EdisonCARPEAUX,OttoMariaCARVALHO,AfonsoCASTILHO,JoséAlvesCASTRO,GentilFernandodeCASTRO,JosuédeCASTRO,MoacirWerneckdeCASTRO,RômulodeCAVALCANTI,majorManoeldeAlmeidaCAVALCANTI,ValdemarCHAVES,TúlioCHEDIAK,AntônioCHERMONT,AbelCHEVALIER,RamayanaCHURCHILL,WinstonCINTRA,domSebastiãoLemedaSilveiraCOIMBRA,freiHenriquedeCONDÉ,JoãoCORTEZ,JerônimoCOSTA,DiasdaCotegipeverJoãoMaurícioWanderleyCRISTÓVÃO,FernandoAlvesCRULS,GastãoCUNHA,Euclidesda

DDANTAS,PedroverPrudentedeMoraesNetoDARWIN,CharlesDAUDTFILHO,JoãoDEAN,Prescilla(PriscillaDean)

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DEANE,PercyDIAS,GonçalvesDISRAELI,BenjaminD’OLIVEIRA,FelippeDÓRIA,ÁlvaroDOSTOIEVSKI,FiódorDr.MotaverJoaquimPintodaMotaLimaDr.PiresdeAlmeidaverRicardoPiresdeAlmeidaDREISER,TheodoreDUTRA,generalEuricoGasparDUTRA,LiaCorrêa

EESOPO

FFARHAT,EmilFARIA,OctáviodeFERRAZ,AydanodoCoutoFIALHO,BrancaFILHO,LobãoFLORES,NelsonFONSECA,GondimdaFONSECA,HermesdaFONTES,AmandoFORD,Francisco(FrancisFord)FORD,Henrique(HenryFord)FORD,JohnFRANÇAJÚNIOR,JoaquimJosédaFRANCE,AnatoleFREITAS,BezerradeFREYRE,GilbertoFRONTINI,NorbertoA.

GGATTAI,ZéliaGOERING,HermannWilhelmGOIANIA,JosédeCastroGOMES,JoséBezerraGOMES,JurandirGONÇALVES,AugustoLopesGONÇALVES,FlorianoGORKI,MáximoGRABOIS,MaurícioGRIECO,AgripinoGUERRAJUNQUEIRO,AbílioManuelGUERRA,E.CarreraGUILHERMEII,SuaMajestadeGUIMARÃES,AlbertoPassos

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GUIMARÃES,BernardoGUIMARÃES,WladimirGUSMÃO,ManoelMessiasde

HHEYWARD,DuBoseHITLER,AdolfHOLANDA,AurélioBuarquedeHOLANDA,SérgioBuarquedeHOMEM,HomeroHUGO,Victor

JJARDIM,LuísJOLIOT-CURIE,FrédéricJORGE,AraújoJUNIOR,PeregrinoJURANDIR,Dalcídio

KKERENSKI,AleksandrKIPLING,Rudyard

LLACERDA,CarlosLAFFITTE,JeanLampiãoLAVENÈRE,LuisWanderleyLENINLESSA,OrígenesLIMAFILHO,JoaquimPintodaMotaLIMA,AlceuAmorosoLIMA,JoaquimPintodaMotaLIMA,JorgedeLIMA,JoséFernandesdeBarrosLIMA,MárioHélioGomesdeLIMA,PedroPintodaMotaLIMA,ValdemardeSouzaLINS,ÁlvaroLOBATO,MonteiroLOBO,JoséJoaquimPereira

MMACEDO,FranciscoXavierdeMACEDO,JoaquimManueldeMACHADO,AníbalMACHADO,DionélioMANTA,NevesMARROQUIM,Mário

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MAUROIS,AndréMELLO,JoãodaSilvaMELO,CustódioJosédeMELO,JosédaMaiaMENDONÇA,CarlosSussekinddeMENESES,AmílcarDutradeMENEZES,AgrárioMEYER,MarlyseMILANO,AtílioMIRANDA,MuriloMOLIÈREMONTEBRITOverAllyrioMeiraWanderleyMONTENEGRO,OlívioMONTEZUMA,NicolauverCarlosLacerdaMORAESNETO,PrudentedeMORAES,EneidadeMORAES,ViniciusdeMOREYRA,ÁlvaroMOREYRA,EugêniaMORÍNGIO,generalHiginioMOSES,Herbert

NNABUCO,JoaquimNETO,CoelhoNICOLAUII,tsarNIEMEYER,OscarNUNES,Osório

OOCTÁVIOFILHO,RodrigoOLIVEIRA,JoãoDaudtdeOLIVEIRA,JoséOsóriodeOLIVEIRA,SebastiãoRamosdeOLYMPIO,José

PPadreCíceroPadreMacedoverFranciscoXavierdeMacedoPadreMaia,verJosédaMaiaMeloPAES,ÁlvaroPAIM,AlinaPAIM,GilbertoPAIM,IsaíasPAPI,BenitoPASSOS,JacintaPAUverPaulMarieCésarGeraldPauPAU,PaulMarieCésarGeraldPEÇANHA,Nilo

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PEDROSA,IsraelPEDROSA,MiltonPEIXOTO,FlorianoPEIXOTO,MárioPENA,MartinsPEREIRA,AstrojildoPEREIRA,LúciaMiguelPEREIRA,MoacirSoaresPERÓN,JuanD.PILSUDSKI,marechalJózefPINTO,RolandoMorelPIRES,HomeroPOLO,Edie(EddiePolo)POMPEIA,RaulPORTINARI,CandidoPRESTES,LuísCarlos

QQUEIRÓS,EçadeQUEIROZ,RacheldeQUENTAL,Anterode

RRAMOS,ArthurRAMOS,ClodoaldoRAMOS,HeloísaRAMOS,JúnioRAMOS,LeonorRAMOS,OtacíliaRAMOS,RicardoRANGEL,IgnácioREBELO,MarquesREGO,PedrodaCostaREGO,JoséLinsdoRIPOLL,LilaROMEROFILHO,SylvioRÓNAI,PauloROQUETTE-PINTO,E.ROSA,JoãoGuimarãesROSA,Santa

SS.M.germânicaverSuaMajestadeGuilhermeIISALGADO,PlínioSARAIVA,PauloSCHENNHAGEN,LudwigSCHMIDT,AugustoFredericoSCOTT,WalterSEGISMUNDO,Fernando

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SILVEIRA,PortadaSOARES,CrisantoSODRÉ,FelicianoSOUSA,OctávioTarquíniodeSOUSA,RivadáviadeSWIFT

TTATI,MiécioTRAVASSOS,Renato

VVALADARES,BeneditoVARELA,AlfredoVARGAS,GetúlioVASCONCELOS,CíceroVELLINHOMoysésVELOSO,CletoSeabraVENÂNCIO,MárioVERISSIMO,EricoVERÍSSIMO,JoséVERNE,JúlioVIANNA,OliveiraVIANY,AlexVILLA-LOBOS,HeitorVILLAÇA,AntonioCarlos

WWANDERLEY,AllyrioMeiraWANDERLEY,JoãoMaurícioWASHINGTON,Booker

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Garranchos:

Sobreoautor•http://www.record.com.br/autor_sobre.asp?id_autor=269

Sobreoorganizador,ThiagoMioSalla•http://www.record.com.br/autor_sobre.asp?id_autor=6656

SaibamaissobreolivronapáginadoSkoob•http://www.skoob.com.br/

Sitedoautor•http://www.graciliano.com.br/

PáginadoorganizadornoFacebook•https://www.facebook.com/thiago.m.salla

PáginadoautornaWikipédia•http://pt.wikipedia.org/wiki/Graciliano_Ramos

Documentáriossobreoautor•http://www.senado.gov.br/noticias/tv/hotsites/graciliano/default.html

Autorretratodoautor,feitoquandoeletinha56anos•http://www.graciliano.com.br/grporelemesmo.html

EntrevistacomoorganizadordolivrofeitapelaTVCultura•http://tvuol.uol.com.br/assistir.htm?video=metropolis--garranchos-de-graciliano-ramos-04020E983566C4A13326

Matériasobreolivro•http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed718_graciliano_era_