Das Comissões Ao PCC

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    Marcos Csar Alvarez, Fernando Salla e Camila Nunes Dias

    Das Comisses de Solidariedade ao Primeiro

    Comando da Capital em So Paulo

    [] when imprisoned men are treated as beasts, they either sink into apathy or stir up rebellion.

    HAYNEReASH(1939, p. 578)

    Introduo

    As prises tornaram-se objeto de crescente interesse para as cincias sociaisao longo do sculo XX. Diversos aspectos ocuparam a reflexo acadmica

    durante os anos de 1950, sobretudo a partir da literatura norte-americana,como, por exemplo, a configurao da priso como um sistema social, osdescompassos entre os objetivos dessa organizao e os resultados alcana-

    dos, as relaes de poder estabelecidas entre os presos e seus custodiadores,as dinmicas sociais entre os presos, os efeitos do encarceramento sobre asrelaes familiares, as rupturas da ordem interna etc.

    As mudanas nas polticas penais, desde meados da dcada de 1970,que provocaram em muitos pases um intenso processo de encarceramento(cf. Christie, 1999; Garland, 2001; Wacquant, 2001), ampliaram conside-

    ravelmente os objetos de interesse e o volume da reflexo acadmica sobreas prises. A redefinio dos objetivos e finalidades da priso no mundo

    contemporneo, os efeitos da longa permanncia de presos em regime deconfinamento mais severo, as revoltas e rebelies e a privatizao de prisesforam alguns dos novos temas debatidos.

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    Uma questo central que tem atravessado muitos dos eixos de reflexosobre as prises a do ajustamento dos indivduos presos aos dispositivos dis-

    ciplinares, bem como a da resistncia a esses dispositivos atravs de estratgias

    complexas que mobilizam as aes individuais ou por meio da ao coletivaoriunda de grupos organizados que possam potencializar a no aceitao dasregras impostas institucionalmente.

    O foco da anlise aqui empreendida so justamente os efeitos para a di-nmica prisional, e mesmo para a sociedade mais abrangente, da existnciade grupos de presos no s constitudos e reconhecidos pelas autoridadescomo legtimos interlocutores na conduo dos assuntos prisionais, mastambm aqueles que buscam legitimidade entre os presos com base em

    outros fundamentos (cdigos e lgicas do mundo do crime) que no oreconhecimento da legitimidade pela autoridade institucional. Trata-se deanalisar essa dinmica na sua verticalidade, ou seja, na relao dos custo-diadores com os presos e vice-versa, e na dimenso de sua horizontalidade,isto , entre os prprios presos. Em ambas as direes, so muitos os efeitos

    dessas relaes no interior das prises e para alm de seus muros.Para o desenvolvimento emprico de tal questo, ser explorado o caso

    do sistema prisional do estado de So Paulo, onde nos anos de 1980, durante

    o governo Montoro, as autoridades estimularam a formao de Comisses deSolidariedade dos presos (que tiveram existncia formal breve) e onde depoissurgiu, na dcada seguinte, o grupo autodenominado Primeiro Comando daCapital (PCC), que se mantm atuante ainda no presente. Embora situadosem contextos polticos e sociais diferentes, pretende-se, com a anlise com-parativa da emergncia desses dois acontecimentos no interior do sistemaprisional paulista, desenhar a hiptese de que a obstruo existncia de

    mecanismos de comunicao e representao da populao carcerria efeti-

    vamente legitimados pelas autoridades, no perodo da transio democrtica,favoreceu a formao de um grupo de presos que se imps pela violncia masque, ao mesmo tempo, buscou fundamentar sua legitimidade na represen-tao dessa populao, com base nas denncias das deficincias do sistema

    prisional e tambm a partir dos cdigos de conduta formulados no mundodo crime.

    Num primeiro momento ser feita reviso de parte da literatura nascincias sociais que explorou o tema das formas de organizao dos presos

    no interior das prises nos mbitos internacional e nacional. Em seguida,sero caracterizados os dois momentos em jogo: primeiro, a experincia daformao em algumas penitencirias paulistas de grupos representantes dos

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    presos que ficaram conhecidos como Comisses de Solidariedade; depois, aemergncia e a atuao do PCC, que ainda hoje um dos principais desafiospara a segurana pblica no estado. Para finalizar, so apontados alguns

    desdobramentos de pesquisas que exploram o problema da ao coletiva dospresos no sistema prisional paulista a partir de uma perspectiva temporalmais ampla, abrindo espao tambm para a discusso poltica de formaslegtimas de ao coletiva dos presos que no desguem necessariamente em

    comportamentos ilegais e violentos como os encontrados nos dias atuais.

    Revendo a literatura internacional

    Os estudos sobre as dinmicas prisionais quase sempre estiveram associa-dos prpria discusso pblica acerca do papel da priso como instituiopunitiva, com suas crises e tentativas de reforma. Assim, foram as instabili-dades internas que abalaram as prises norte-americanas ao longo dos anos

    de 1950, que estimularam vrios estudos no campo das cincias sociais vol-tados, sobretudo, para a compreenso das formas de organizao dos presose de suas relaes com os custodiadores. desse perodo um dos maioresclssicos da literatura prisional, The society of captives,de Gresham M. Sykes

    ([1958]* 1974), cuja anlise focaliza a priso como um sistema social queemerge a partir das interaes entre os presos e entre estes e os guardas. ParaSykes, a chave para a compreenso do funcionamento desse sistema a falhaestrutural da instituio prisional, na medida em que incapaz de impor opoder total sobre a populao carcerria, tal como oficialmente pretende. Apartir dessa falha que se podem compreender os acordos, as negociaes

    e a diviso de poder que efetivamente movem esse sistema de ao entrecustodiadores e presos. A ordem mantida na priso , desse ponto de vista,

    sempre precria, instvel e sujeita ruptura dos acordos. Sykes colocou emevidncia a trama das interaes que se constroem no interior das prises

    e permitem compreender as possibilidades de manuteno da ordem e dealcance de alguns dos objetivos esperados pela sociedade.

    Erving Goffman ([1961] 1974) analisou essas interaes no interior doque denominou, de forma mais geral, de instituies totais como um cam-po de possibilidades de trocas, de barganhas e de acomodaes envolvendo

    basicamente dois grandes grupos: os presos e os custodiadores. Sua nfase

    tambm recaiu sobre a vida cotidiana da instituio, com a predominnciade arranjos no oficiais que delimitam o campo de ao desses dois gruposde acordo com sua posio institucional. Goffman criou uma tipologia para

    * A data entre colchetes refere-se edio original da obra. Ela

    indicada na primeira vez que a

    obra citada. Nas demais, indica-

    -se somente a edio utilizada

    pelo autor (N.E.).

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    compreender as aes no interior de instituies como a priso, dividindo--as em ajustamentos primrios e secundrios. O ajustamento primrio seriao comportamento do indivduo quando contribui cooperativamente para

    uma organizao e as atividades por ela exigidas. O secundrio, por sua vez,seria aquele em que o membro da organizao utiliza meios no legtimose visa atingir objetivos no sancionados pela instituio, ou seja, empregameios ilcitos e busca fins no autorizados de forma a escapar daquilo quea organizao supe que ele deve ser. Dadas as caractersticas da instituio

    prisional instituio de mortificao do eu, como outras instituiestotais , a maior parte da dinmica institucional envolvendo presos ecustodiadores seria compreensvel em termos sobretudo dos ajustamentos

    secundrios que predominam no cotidiano prisional.Autores como Clarence Schrag (1954), em outra direo, discutiram a

    importncia da identificao dos lderes entre a populao carcerria, bemcomo dos mecanismos de formao dessas lideranas. O objetivo da autoraera conhecer o processo de formao das lideranas para que administraoprisional pudesse control-lo, fomentando determinados lderes em detri-

    mento de outros ou promovendo o isolamento das lideranas consideradasnegativas ou daqueles cujo perfil indicava possibilidade de resistncia a

    essas lideranas.A discusso dos aspectos formais e informais da priso constitui-se igual-

    mente em questo central no texto de Bernard B. Berk (1966). Comparandotrs instituies classificadas e graduadas de acordo com a nfase na custdiaou no tratamento e categorizadas como fechada, parcialmente fechada e aber-ta, ele analisou as diferenas em termos da organizao informal em cada umadelas. Apontou, ainda, que as atitudes dos presos tendiam a ser mais positivas

    e cooperativas com a administrao nas instituies abertas, voltadas ao trata-

    mento. Os lderes desempenhavam papel diferente de acordo com a tendnciada instituio: nas mais abertas, tendiam a cooperar e, nas mais fechadas, atendncia era o surgimento de lideranas mais negativas e em flagrante opo-sio administrao formal. Em suma, o autor mostra que os objetivos e o

    modo de organizao formal das instituies determinam a sua organizaoinformal, incluindo as atitudes dos presos em relao prpria instituio.

    J Charles R. Tittle (1969) utilizou o mtodo comparativo para discutir sea organizao social dos presos um produto institucional ou se a transposi-

    o da subcultura criminal para o interior das prises. Nesse sentido, analisouas formas de organizao social dos presos em termos do sexo e concluiu que,embora haja diferenas significativas entre presos homens e mulheres so-

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    bretudo na construo de grupos primrios e de forte apelo afetivo por estasltimas, ao passo que os homens tendem a se associar em grupos maiores,privilegiando aspectos financeiros e sexuais , quanto sua organizao, elas

    so paralelas e no exclusivas. Isso, para o autor, confirmou a teoria de que adinmica da organizao dos presos sobretudo um produto institucional.

    As experincias de envolvimento dos presos na conduo dos assuntosinternos da priso, promovidas pelas autoridades, decorreram da consta-tao de que no seria possvel ressocializar os criminosos impondo a

    eles um modo de vida completamente artificial e sem qualquer exercciode responsabilidade durante a permanncia na condio de encarcerados.Essa perspectiva foi traduzida pela sociologia em termos de anlise da

    priso como comunidade. Diversos estudos norte-americanos tomaramesse rumo (cf. Clemmer, [1940] 1958; Hayner e Ash, 1939). Alm de seracionada como um conceito que permitia compreender os processos sociaisinternos (conflitos, relaes sexuais, isolamento etc.), a ideia de comunidadeproporcionaria sustentao como princpio para implementar iniciativas deajustamento das prises aos objetivos estabelecidos pela sociedade. Segundo

    Norman S. Hayner e Ellis Ash (1939, p. 580), prises foram ineficazes paraajudar criminosos a se tornarem cidados cumpridores da lei na medida

    em que elas no proporcionavam oportunidades de participao dos presosna conduo de sua vida interna, nem promoviam situaes de integrao

    que permitissem um sentimento de pertencimento quela coletividade.Mais recentemente, Richard J. Sparks e Anthony E. Bottoms (1995),

    sob o impacto da onda de motins nas prises britnicas, defenderam anecessidade de discutir a manuteno da ordem nessas instituies a partirda teoria da legitimidade. Para eles, ainda que se trate de um regime de

    fora, a ordem nas prises pode ser afetada, positiva ou negativamente, de

    acordo com a forma como as regras so aplicadas, da justia dessas regras emtermos das crenas compartilhadas pelos sujeitos e do tratamento humanoe digno do preso. Um regime prisional legitimado demanda um dilogono qual a voz dos presos ouvida e, ainda, deve ter por referncia padres

    que podem ser defendidos externamente, a partir de argumentos polticose morais. Para os autores, a legitimidade coloca-se no apenas em termosnormativos, mas tambm pela sua importncia na manuteno e reproduoda ordem social na priso.

    Na Frana, tambm a reflexo sobre a priso acompanhou as urgnciase as crises provocadas pelas prprias dinmicas prisionais. A perspectivacrtica elaborada por Michel Foucault foi formada, sobretudo, com a crise

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    de legitimidade das instituies prisionais a partir de maio de 1968, acom-panhada pelo posterior endurecimento das polticas de segurana do governofrancs no incio dos anos de 1970, o que levou priso de militantes de

    esquerda e desembocou numa onda de motins que atingiu os estabeleci-mentos franceses na poca.

    Foucault mais conhecido por seu livro Vigiar e punir (1987), emque, na esteira do trabalho de Georg Rusche e Otto Kirchheimer (1939),analisou o papel central da priso na penalidade moderna. Nesse livro, o

    filsofo francs estava preocupado sobretudo em caracterizar o poder dis-ciplinar, poder voltado para o adestramento dos indivduos, que tem nasprises modernas um de seus espaos exemplares de aplicao. A elaborao

    desse livro, no entanto, foi em parte resultado da participao de Foucaultna mobilizao que deu origem ao Groupe dInformation sur les Prisons(GIP), criado em 1971 e que contava tambm com o envolvimento de PierreVidal-Naquet e Jean Marie Domenach (cf. Artires et al., 2003; Artires,

    2004; Eribon, 1990; Alvarez, 2006). O GIPse constituiu como um novotipo de mobilizao que buscava dar a conhecer publicamente a situao dasprises francesas, ao reunir numerosos testemunhos e escritos produzidosprincipalmente pelos prprios presos. A criao do GIPpropiciou naquele

    momento um intenso debate pblico sobre as condies de silenciamentoa que estavam submetidos os presos e sobre os obstculos que se colocavamentre a priso, os presos e a sociedade, no s ao denunciar as condies porvezes inadequadas de encarceramento, mas sobretudo ao dar voz aos presos,tornar visveis seus rostos, sua existncia atrs das grades. O grupo formado

    em torno doGIPno buscou estimular as revoltas que se seguiram nas prisesfrancesas, mas indicar como essas manifestaes eram esperadas diante dascondies existentes de encarceramento, abrindo espao para a anlise das

    novas formas de subjetividade coletiva, pois, ao se sublevarem, os presosacabavam por se constituir em fora coletiva ante a administrao prisional.Diversos outros trabalhos surgiram na Frana, desde o incio dos anos de

    1970, com uma perspectiva mais analtica do sistema prisional, como porexemplo os de Combessie (2001), Chantraine (2006a) e Artires (2004), ou

    ainda o de Antoinette Chauvenet et al. (1994) sobre os agentes penitenciriose o de Corine Rostaing (1997) sobre as mulheres presas. Na linha dos escritosde denncia das condies de encarceramento na Frana, o da mdica Vro-

    nique Vasseur (2000) provocou intenso debate pblico e constrangimento sautoridades ao descrever a situao precria dos presos na priso La Sant,que

    funciona no centro da capital da repblica francesa.

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    Utilizando-se da contribuio analtica deixada por Foucault, Chan-traine (2006b) observa que, ao lado da recente tendncia de confinamentoextremamente rgido adotado em muitas prises, com severas limitaes

    de locomoo, atividades e contatos com o mundo exterior, surgem tam-bm novos padres de organizao interna das instituies, que o autordenominou de priso ps-disciplinar ou governamentalizada. Tendo porbase uma experincia prisional do Canad, Chantraine mostra que ali ospresos so instados pela prpria administrao do estabelecimento a nomear

    representantes, constituir lideranas que negociem suas demandas com oEstado, ao estabelecer uma complexa mecnica de privilgios, concesses erestries. Segundo ele, a colaborao dos presos estimulada na expectativa

    de infundir sentimentos de cooperao, de responsabilidade e de autono-mia. No entanto, os direitos dos presos so objeto de constante negociaopor parte da administrao, condicionados aos riscos ou ao rompimentoprovocados pelos presos nos seus compromissos de gesto autnoma. Tc-nicos e gestores buscam manter a ordem interna por meio de mecanismosparticipativos que levem os presos a se autogovernarem, minimizando, em

    consequncia, o recurso aos dispositivos coercitivos. Segundo Chantraine,porm, a organizao e autogesto dos presos esto sempre subordinadas,

    e so facilmente desativadas diante dos riscos manuteno da ordem e dasegurana interna e externa.

    Em suma, da literatura norte-americana sobre a priso como um sistemasocial prprio s abordagens crticas como as de Foucault voltadas para acaracterizao do poder disciplinar e para as formas de resistncia que emer-gem correlativamente a esse poder , no s novos campos de investigao seabriram para a caracterizao das dinmicas sociais no interior da priso, mas

    igualmente ganhou relevo a necessria discusso pblica acerca da criao de

    canais legtimos de representao da populao carcerria. No Brasil, tambma reflexo sociolgica trabalhou tais questes, espelhando-se, em parte, naliteratura internacional, mas articulada ao mesmo tempo ao contexto social epoltico especfico desenhado pela situao das prises brasileiras.

    A reflexo no Brasil

    No Brasil, a literatura das cincias sociais sobre as prises recebeu grande

    influncia norte-americana, mas s se destacou efetivamente a partir dofinal dos anos de 19701. O trabalho pioneiro de Jos Ricardo Ramalho(1979) constri a anlise da Casa de Deteno de So Paulo (Carandiru)

    1. necessrio reconhecer que,

    na passagem do sculo XIX

    para o XX, mdicos e juristas j

    esboavam trabalhos de natureza

    sociolgica e antropolgica sobre

    as prises no pas, uma vez que

    essas reas ainda no haviam

    se constitudo como campos

    institucionalizados e autnomos

    em relao aos tradicionais

    cursos de direito e de medicina.

    Paulo Egydio (1896), Aurelino

    Leal (1902) e Nina Rodrigues

    ([1894] 1957) podem ser citados

    como exemplos de autores que

    desenvolveram alguns estudos

    nessa direo. Sobre as relaes

    entre o campo da criminologia

    e das cincias sociais no Brasil,

    ver Alvarez (2003) e Candido

    (1958), e sobre a formao das

    cincias sociais no perodo, ver

    Miceli (1989) e Chacon (1977).

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    em torno da dicotomia mundo do trabalho versusmundo do crime, quese refletia no apenas nos valores e no comportamento de presos e funcion-rios, mas na prpria repartio fsica da Deteno: o pavilho 2, reservado

    aos presos que trabalhavam, compunha o polo de uma oposio que tinha,na outra ponta, os pavilhes 8 e 9, o chamado fundo, o que expressavauma diviso muito mais estrutural do que temporria ou acidental. Essadiviso opunha os chamados criminosos ocasionais para os quais haveriarecuperao e os criminosos natos, irrecuperveis.

    No incio da dcada de 1980, Edmundo C. Coelho (1987) realizou um es-tudo sobre o sistema penitencirio do Rio de Janeiro que at hoje refernciana rea. Com forte influncia de Sykes (1974), Coelho discutiu as contradi-

    es inerentes instituio prisional no que refere aos seus objetivos recu-perar e punir e ao seu funcionamento: imposio de poder e necessidade decooperao por parte dos presos. Enfatizou tambm o importante papel daslideranas da populao carcerria para a manuteno da ordem, bem comoa eroso do poder da administrao que a necessidade de fomentar e negociarcom essas lideranas implicava.

    A pesquisa emprica de Coelho ocorreu num momento poltico sui generisno Rio de Janeiro, com a eleio de Leonel Brizola e sua tentativa de democra-

    tizao do sistema prisional. Entre outras aes nessa direo est a tentativade implantar uma comisso de presos para dialogar com a administrao pri-

    sional e participar de algumas decises. Essas comisses, contudo, acabaramsendo ocupadas por lideranas de quadrilhas e servindo de mote para intensase sangrentas disputas entre os grupos que j se organizavam nas prises cario-cas nesse perodo. Isso tudo, obviamente, acompanhado e fomentado porenorme descontentamento dos funcionrios e diretores, que consideravam

    estar perdendo poder, uma vez que o Estado procurava regulamentar as pr-

    ticas sociais nas prises. A onda de violncia que assolou o sistema carcerriocarioca nesse perodo foi suficiente para que as medidas democratizantes dogoverno Brizola fossem apontadas como as causas para a crise no setor, e umaforte presso popular alimentada pelos setores polticos mais conservadores

    acabou por revogar o processo de abertura, indito, em marcha no estado.Coelho discutiu todas essas questes e apontou como incua qualquer

    tentativa de fazer da instituio prisional algo diferente de um sistemacalcado na violncia, uma vez que esse elemento seria inerente a qualquer

    estabelecimento prisional e, no Brasil em geral e no Rio de Janeiro em par-ticular, a situao seria ainda mais dramtica, na medida em que o Estadono cumpriria seu papel na proviso dos bens necessrios sobrevivncia na

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    priso, forando o desenvolvimento de uma economia ilegal nesses estabe-lecimentos. Isso acabaria por minar a autoridade e a legitimidade do poderpblico em aplicar qualquer programa de ressocializao, restando-lhe to

    somente a fora para evitar rupturas mais graves.A par de perceber a atuao das organizaes de presos como central na

    anlise desenvolvida na sua principal obra (cf. Coelho, 2005), o autor abor-dou em um texto imediatamente posterior a trajetria e as transformaes daprincipal organizao criminosa do Rio de Janeiro, o Comando Vermelho,

    em especial no tocante ao perfil de suas lideranas, que resultariam numamudana significativa na sua forma de atuar. Coelho apontou como as li-deranas que fundaram a organizao, compostas por assaltantes de bancos,

    foram sendo substitudas por traficantes. Isso acarretou profundas mudanasna faco. Em primeiro lugar, porque os traficantes no tm fortes vnculoscom a massa carcerria, na medida em que fogem regularmente das prisese, principalmente, mantm sua empresa em pleno funcionamento, mesmoquando esto encarcerados o que no ocorre com o assaltante de banco,que cessa de ganhar dinheiro to logo vai para a cadeia. O poder normativo

    exercido pelos assaltantes baseado num discurso e numa ao que enfati-zava a necessidade de unio dos presos contra a violncia institucional e a

    luta por seus direitos foi transformado num poder remunerativo exercidopelos traficantes, que passaram a fazer promessas pontuais efetivadas com

    o dinheiro de seus negcios, como melhorias nas instalaes das unidadesprisionais, promoo de jogos e festas, pequenos favores, remunerao apequenos servios pessoais e promessa de insero na rede do trfico, semhostilizar abertamente o poder pblico (cf. Idem, pp. 38-39).

    Uma das contribuies mais significativas para o debate sobre a emer-

    gncia de grupos criminosos organizados nas prises brasileiras foi dada

    por Antnio Luiz Paixo com o livro Falanges vermelhas, serpentes negras ea ordem prisional (1987). Sua reflexo contempornea ao intenso debatepblico que se instalou em meados dos anos de 1980, medida que avana-vam as iniciativas de modificao das polticas prisionais no Rio de Janeiro,

    em So Paulo e Minas Gerais. Tais polticas tinham em comum a buscada alterao dos padres de administrao consolidados durante o regimemilitar e, portanto, traziam uma preocupao com a reduo da violnciae da arbitrariedade nos ambientes prisionais e o estmulo participao dos

    presos numa perspectiva de promoo e defesa de seus direitos.O argumento principal de Paixo era que as organizaes criminosas depresos que ento se formavam no decorriam da lenincia das polticas de

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    humanizao dos presdios, como propalavam seus opositores, mas antes deuma dinmica prpria do que chamou de modernizao da criminalidadeurbana. Assalto a banco e trfico de drogas eram modalidades criminosas

    que impunham nveis mais elevados de organizao e de eficincia para seusucesso. As taisfalanges,comandos,serpentes, segundo ele, nada mais seriamque padres organizacionais e reivindicatrios que acompanham a moder-nizao do comportamento criminoso nas reas metropolitanas brasileirase que alteram a estrutura das populaes prisionais (Paixo, 1987, p. 77).

    Essas organizaes anunciavam um novo modelo de negociao de ordemprisional que confrontava diretamente com os padres ento vigentes demanuteno dos ambientes prisionais.

    Em suma, Paixo desvinculou a formao de grupos criminosos organiza-dos, inclusive no interior das prises, das polticas liberais que foram adota-das em meados da dcada de 1980. Formas mais rigorosas de manuteno docotidiano prisional tambm no evitaram a formao de grupos organizados.Para ele, como j afirmado, a formao desses grupos se deveria s caracters-ticas mais gerais da prpria criminalidade. E as prises, como qualquer outra

    formao social, leva constituio de grupos e de lideranas que disputamo controle sobre os recursos e as oportunidades que o ambiente proporciona.

    Nesse sentido, a ao desses grupos na priso no significaria absolutamente apromoo da representao dos interesses do grupo maior, no caso os presos.

    Depois dessas reflexes, realizadas na dcada de 1980, a questo daorganizao dos presos foi retomada no Brasil a partir das anlises sobre asrebelies. A abordagem das rebelies esteve, em geral, associada s anlises decontextos sociais e polticos e/ou das polticas penais que teriam influncia(ou no) sobre tais eventos. Nessa perspectiva, pode-se destacar o trabalho

    de Eda Ges (1991) sobre as rebelies ocorridas durante a dcada de 1980

    em So Paulo. Para a autora, esses eventos eram decorrentes das mudanaspolticas pelas quais o Brasil estava passando no perodo transio doregime autoritrio para a redemocratizao e, assim, estariam ligados aodescontentamento de alguns setores da sociedade, em especial dos servi-

    dores do sistema penitencirio, com as polticas liberalizantes, que ficaramconhecidas como poltica de humanizao dos presdios.

    Srgio Adorno e Fernando Salla (s/d) realizaram uma pesquisa sobreas rebelies em So Paulo no perodo de 1995 a 2000, classificando-as em

    termos do nmero de presos envolvidos, da sua durao, nmero de mortose ao da administrao prisional. Entre as concluses desse estudo est aidentificao da grande instabilidade pela qual passava o sistema carcerrio

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    no perodo e da nova conformao das rebelies, deflagradas principalmen-te pela disputa entre os grupos criminosos que se expandiam no interiordo sistema carcerrio, causando um grande nmero de vtimas, no mais

    pela ao da polcia como fora na dcada anterior , mas pela ao dosprprios presos.

    Salla (2006) agrupou as rebelies em trs perodos, que de certa formarefletem diferentes formas de organizao e atuao dos presos: o primeiro,at o incio dos anos de 1980, cuja caracterstica principal foi o protesto

    contra a precariedade das condies de encarceramento; o segundo perodo,que compreenderia a dcada de 1980, cujos eventos de ruptura nas prisesestariam ligados conivncia, omisso ou mesmo incentivo de setores pol-

    ticos e administrativos refratrios tentativa de humanizao dos presdios,empreendida especialmente pelo governo Montoro, em So Paulo; por fim, oterceiro perodo, correspondente dcada de 1990, marcado pela atuao dosgrupos criminosos organizados no comando das rebelies. As rebelies emSo Paulo que emergiram nos anos de 1990 teriam como elementos impor-tantes tanto a precariedade das prises como a ausncia de controle da massa

    carcerria por parte do Estado, o que favoreceu a expanso do domnio dosgrupos criminosos organizados no interior dos estabelecimentos prisionais.

    Das Comisses de Solidariedade ao PCC

    Como se observou, as formas de organizao dos presos ocuparam parte

    importante da literatura internacional das cincias sociais sobre as prises.No Brasil, a conjuntura poltica de transio do regime autoritrio para ademocracia nos anos de 1980 abriu amplo debate pblico sobre as prisese fomentou igualmente a reflexo de cientistas sociais. Alm das questes

    relativas precariedade das condies de encarceramento e da violncia insti-tucional enraizada nas prises, instalou-se um amplo debate sobre as formasde representao dos presos, de garantia dos seus direitos, sobretudo com aentrada em vigor da Lei de Execuo Penal (Lei 7 210, de 1984). A agenda dedemocratizao de tais espaos, que motivaria a proposta de representao dos

    prprios presos na defesa de seus direitos, enfrentava a herana autoritria ain-da presente nas instituies de segurana pblica e a resistncia poltica de am-plos setores da sociedade, bem como a emergncia de uma nova criminalidade.

    Em 1983, assim que assumiu o governo do estado de So Paulo, o go-vernador Franco Montoro designou como secretrio de Justia Jos Carlos

    Dias, que tinha como uma das principais tarefas implementar uma nova

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    Das Comisses de Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital em So Paulo, pp. 61-82

    poltica para o sistema penitencirio. Ela ficou conhecida como Poltica deHumanizao dos Presdios e tentava reverter as arbitrariedades e violnciaspraticadas nas prises, sobretudo sob a proteo do regime militar. Uma das

    iniciativas mais interessantes dessa poltica foi a constituio, em algumaspenitencirias, de grupos representantes dos presos, que ficaram conhecidoscomo Comisses de Solidariedade2.

    Inseridas no contexto de uma poltica de extenso dos princpios

    democrticos s instituies prisionais, as Comisses de Solidariedadeconstituram-se como canais diretos de comunicao entre os presos e aSecretaria de Justia e os juzes corregedores (cf. Ges, 1991, p. 19). Atravsdas comisses, os presos encaminhavam as demandas relativas s condies

    de cumprimento da pena de priso e as reivindicaes em termos do acessoaos direitos e sua garantia.

    A proposta de criao das Comisses de Solidariedade situava esses gruposno registro normativo-legal da luta por direitos. Nesse sentido, essa propostarejeitava tanto as formas pelegas de representao, em que os represen-

    tantes eram indicados pela administrao local, como tambm as formastradicionais de cooperao entre a administrao prisional e as lideranasnaturais dos presos, constitudas a partir da sua ascendncia no mundo

    do crime. Em contraposio, o regimento da Comisso de Solidariedade daPenitenciria do Estado previa a eleio direta de seus integrantes atravs

    do voto secreto, garantido a toda populao carcerria, e tornava inelegveisos presos acusados de cometer atos de violncia contra companheiros oufuncionrios (cf. Idem, p. 23).

    Significativamente, as Comisses de Solidariedade foram o alvo principal

    da campanha de oposio poltica de humanizao das prises, que teveincio j em 1984. Ao contar com o apoio da ampla maioria do staffprisio-

    nal, setores do Judicirio, partidos polticos (inclusive setores do partido dogovernador) e parte da imprensa paulista (cf. Idem, ibidem), o movimentode oposio s polticas de Jos Carlos Dias no tardou a produzir efeitos,

    sobretudo sobre as comisses, deslegitimando-as.O principal ataque contra as comisses surgiu com a denncia da exis-

    tncia de um grupo de presos matadores, denominado Serpentes Negras,que tinha como objetivo dominar a massa carcerria via Comisso de Soli-dariedade. Embora a existncia do grupo Serpentes Negras nunca tenha sido

    comprovada, muito menos a sua incidncia sobre a comisso, as dennciastiveram importncia suficiente para esvaziar a primeira experincia brasileirade constituio de uma instncia de representao dos presos, ao deslegitimar

    2. As comisses foram bastante

    ativas em duas unidades prisio-

    nais: Penitenciria do Estado

    e Penitenciria de Araraquara.

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    Marcos Csar Alvarez, Fernando Salla e Camila Nunes Dias

    sua atuao como um canal de comunicao entre a populao carcerria eos responsveis pela gesto das polticas prisionais.

    Segundo a anlise de Ges (1991), as formas de manifestao de insatis-

    fao com a direo dos estabelecimentos prisionais atravs das Comissesde Solidariedade encontravam algum respaldo na nova poltica de direitoshumanos que vinha norteando as atitudes da Secretaria de Justia. Nessesentido, eram priorizadas formas de negociao e acordos formais entre ospresos e a administrao prisional, nos quais a violncia, que normalmente

    acompanha esses movimentos reivindicatrios, pudesse ser reduzida demaneira significativa. Contudo, diante do bloqueio ou, pode-se dizer, doboicote a esses novos canais de reivindicaes, os presos retomaram os m-

    todos violentos j tradicionais que marcam as rebelies ou motins.Ainda de acordo com essa autora, a causa da ecloso de rebelies carcerrias

    vai muito alm dos aspectos imediatos e pontuais que marcam as demandasdos presos, como a reduo da superpopulao ou a melhora da infraestruturados estabelecimentos. A exposio desses problemas, embora eles estejam qua-se sempre presentes na pauta de reivindicaes dos presos, acaba por encobrir

    aspectos determinantes na forma pela qual as demandas so explicitadas.Assim, a ausncia de canais de representao capazes de canalizar o desconten-

    tamento da populao carcerria apresenta-se como um elemento central dosdistrbios nas prises, sendo as rebelies seu efeito mais expressivo.

    As dificuldades de implementao da poltica de humanizao dos pre-sdios ficaram evidentes ainda durante o governo Montoro, com a sada dosecretrio Jos Carlos Dias. Nos governos seguintes, de Orestes Qurcia e deLuiz Antonio Fleury Filho, assistiu-se a uma verdadeira guinada conserva-dora na rea da segurana pblica paulista, com a reverso de praticamente

    todas as experincias de abertura dentro do sistema prisional formuladas no

    incio da gesto Montoro. Em termos prticos, essa (re)orientao polticaprovocou efeitos desastrosos, com uma escalada da violncia cujo pice foio Massacre do Carandiru em 1992 (cf. Salla, 2006, 2007).

    No ano seguinte ao massacre, surgiu o grupo de presos autodenominado

    Primeiro Comando da Capital (PCC), considerado um dos principais desafiospara a segurana pblica de So Paulo. Criado no interior do Anexo da Casade Custdia de Taubat, presdio que representava o que de mais arbitrriohavia no sistema carcerrio paulista, o PCCsurge ancorado no discurso da

    unio entre os presos como forma de luta contra a opresso perpetrada peloEstado. De acordo com um de seus fundadores:

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    Ns surgimos dentro da priso, porque, na verdade, ns no espervamos que o

    PCCcrescesse dessa maneira, porque a nossa luta era interna. Era para combater as

    injustias que soframos, porque, na poca, a injustia era demais e no adiantava

    reclamar para as autoridades, no adiantava reclamar para ningum3

    .

    Narrativa sobre o surgimento do PCCque muito prxima do discursode outro importante integrante da organizao:

    Em 1993, foi fundado o PCCem Taubat, que um presdio onde o tratamento

    igual a esse local onde me encontro hoje [Penitenciria da Papuda,DF], nesse pavilho

    de segurana mxima, ou seja, o cara totalmente isolado do resto da populao car-

    cerria, no tem direito a ver tev, no tem direito a rdio, no tem direito a estudar,no tem direito a trabalhar, no tem direito a nada do que reza o Cdigo de Execues

    Penais. No tenho direito a nada, e j no tinha em 1991, 1992 e 1993, quando foi

    fundado o PCC. Ento, o PCCfoi fundado por isso e por causa da chacina do Caran-

    diru, onde foram assassinados 111 presos. Estou dentro de uma priso onde morrem

    111 presos. Eu me sinto inseguro, doutor. O PCCfoi fundado porque no tinha para

    onde correr. Se a gente reclama, se a gente manda ofcio, ningum toma nenhuma

    atitude, ningum olha para o preso, principalmente porque pobre4.

    Para alm das denncias de maus-tratos, violncias e arbitrariedade do

    Estado diante da populao carcerria como elementos centrais na confor-mao do discurso legitimador do PCC, chama ateno nesses dois depoi-mentos a meno ausncia de canais de comunicao entre os presos e asautoridades responsveis pela administrao prisional. Nas duas narrativas

    aponta-se o fracasso das tentativas de denunciar as arbitrariedades de fun-cionrios e diretores de presdios e de reivindicar o cumprimento da Lei de

    Execuo Penal (LEP) pelo Estado, sobretudo no que tange ao respeito aosdireitos dos presos e garantia de sua integridade fsica.

    Pode-se considerar, portanto, que foi no vcuo deixado pela ausncia deuma instncia representativa da populao carcerria e da completa obstruodos canais de comunicao entre os presos e a administrao prisional que oPCCencontrou um espao para se constituir e se legitimar como alternativa

    ao isolamento dessa populao diante de suas demandas muitas das quais,sem dvida, legtimas e a sua luta por direitos e reconhecimento.

    Independentemente das condies em que se produz a representaodos presos atravs do PCC(e se ela existe), o fato que o discurso da luta

    contra a opresso do Estado e pela garantia de direitos foi apropriado com

    3. Jos Mrcio Felcio dos Santos,em depoimento Comisso Par-

    lamentar de Inqurito (CPI) do

    Trfico de Armas, em 17/5/2005,

    p. 56. Geleio, como conhe-

    cido, foi um dos fundadores

    do PCCe at 2002 permaneceu

    como a principal liderana do

    grupo, ao lado de Csar Augusto

    Roriz, o Cesinha.

    4. Depoimento de Marcos

    Willi am Herbas Camacho, o

    Marcola, Comisso de Com-

    bate Violncia, da Cmara

    dos Deputados, prestado em

    21/8/2001, resumido no relatrio

    final da comisso, p. 126. Mar-

    cola apontado como um dos

    principais lderes do PCCdesde

    2002, aps o rompimento com

    os fundadores Geleio e Cesinha.

    Na ocasio dessa declarao,

    portanto, a referida ciso ainda

    no tinha ocorrido.

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    Marcos Csar Alvarez, Fernando Salla e Camila Nunes Dias

    muito xito por esse grupo e se tornou sua base de apoio social e poltico.Com a consolidao de seu poder sobre a populao carcerria, por meiode um complexo processo que envolveu sangrentas disputas, acordos e

    acomodaes (cf. Dias, 2011), o PCCse consolidou como uma importantefora social e poltica. Organizado em torno de atividades ilegais e contandocom forte apoio das bases sobre as quais se assenta o seu domnio, coloca-secomo um ator com o qual o Estado, querendo ou no, tem que lidar e cujas

    reivindicaes devem fazer parte (de forma direta ou indireta) das pautas edos debates sobre a poltica para o sistema prisional.

    O PCCpassou a habitar, pois, os espaos sociais onde as regras, os valores,os recursos e os objetivos das polticas pblicas para o sistema prisional so

    disputados, apropriados ou rejeitados (cf. Neves, 1993), constituindo-secomo ator poltico, provocando constrangimentos e impondo ao governoestadual a necessidade de recorrer a alternativas polticas especficas, seja paratentar enfraquecer ou desarticular a organizao, seja para manter acomo-daes e garantir a estabilidade social. Isso porque, conforme afirma Neves,

    [...] a emergncia de novos atores a partir da organizao de seus interesses acarreta

    alteraes qualitativas nas relaes entre as instncias estatais e a classe dominan-

    te, [pois] organizando-se em resposta a interesses e questes diversas, os agentesem disputa podem deslocar a concorrncia para instncias e campos de regras

    diferentes, alterando as consequncias e os desdobramentos dela (concorrncia)

    advindos (Idem, p. 80).

    A partir de 2001, em resposta ao surgimento do PCC, o governo paulistaadotou estratgias formais e informais visando o enfrentamento da organi-zao. No plano formal, a principal medida foi a criao, pela Secretaria de

    Administrao Penitenciria, do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD),por meio da Resoluo SAP26/01, que, em 2003, foi transformada em LeiFederal (Lei 10 792/03), incorporada Lei de Execuo Penal5. Trata-se deum regime de cumprimento da pena de priso muito mais rgido em termos

    disciplinares, com uma hora de banho de sol, ausncia de visita ntima, con-trole estrito da comunicao com advogados e visitantes, isolamento celularsem acesso a televiso e rdio e acesso restrito a livros, revistas e jornais. Entreas condutas passveis de penalizao atravs da internao no RDDest a

    suspeita de participao em organizao criminosa, e 360 dias o perodomximo de permanncia no regime (sem prejuzo de repetio da sano emcaso de nova falta grave, at o limite de 1/6 da pena)6.

    5. Para uma discusso acerca

    dos efeitos do RDDna dinmica

    prisional, ver Dias (2009).

    6. Em termos das medidas de

    enfrentamento ao PCC, alm da

    criao desta sano no mbito

    da execuo penal, destaca-se a

    atuao do Ministrio Pblico

    Estadual e da polcia civil no

    desmantelamento de centrais

    telefnicas e no bloqueio de

    centenas de contas correntes que

    eram utilizadas para movimentar

    o dinheiro da faco.

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    Das Comisses de Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital em So Paulo, pp. 61-82

    No plano informal, uma das aes da administrao penitenciria pareceter sido a tentativa de provocar a fragmentao do poder do PCCestimulandoa formao de outros grupos que poderiam se tornar rivais. Conforme sugeri-

    do por alguns autores e de acordo com relatos de presos, o Comando Demo-crtico da Liberdade (CDL) teria sido criado na Penitenciria Ide Avar, com acolaborao direta da direo da unidade, e o Comando Revolucionrio Bra-sileiro da Criminalidade (CRBC) teria sido concebido dentro da Penitenciria

    Parada Neto, de Guarulhos7. Juntamente com o PCC, esses grupos foramprotagonistas de uma srie de confrontos violentssimos durante o incio dosanos 2000. OCDL, contudo, foi praticamente dizimado e oCRBCpermanecerestrito a poucas unidades prisionais, mantendo seu reduto na penitenciria

    que se constituiu como seu bero.Outra ao voltada para o enfrentamento ao PCC, que pode ser situada

    numa zona cinzenta entre o legal e o ilegal, deu-se por meio do Grupo deRepresso e Anlise dos Delitos de Intolerncia (Gradi). Em 2001, esse grupo

    passou a atuar em aes contra o PCCao lado das Agncias Regionais deInteligncia (ARIs) da PMpaulista. Com o respaldo de setores do Judicirio, oGradi passou a realizar aes arbitrrias e ilegais, como grampos telefnicos,torturas, sequestros e recrutamento, e infiltrao de presos e de policiais em

    aes criminosas ligadas ao PCC(cf. Jozino, 2005, pp. 156-157). Entre asaes do Gradi, a que ficou mais conhecida foi a Operao Castelinho, emmaro de 2002, que culminou com a execuo de doze supostos integran-tes do PCCpela Polcia Militar, numa emboscada no trajeto para execuo

    do assalto a um avio pagador em Sorocaba. O avio pagador no existiae tudo no passava de uma farsa armada pelo Gradi, com a conivncia dealguns juzes e promotores, bem como da Secretaria de Segurana Pblicae da direo da Penitenciria I de Avar, de onde eram retirados os presos

    ilegalmente infiltrados nessas operaes.Se, em relao ao PCC, uma das estratgias principais da administraopenitenciria foi a criao e o fortalecimento de grupos rivais que pudessemopor resistncia sua expanso no interior do sistema penitencirio paulista,

    nos anos de 1980 as estratgias do governo em relao Comisso de Soli-dariedade eram no sentido de seu fortalecimento. A Secretaria da Justia, napoca, buscou transformar a Comisso de Solidariedade num legtimo inter-locutor para a conduo dos assuntos internos priso. Para tanto, tentou

    tornar seu funcionamento o mais transparente possvel, dando-lhe inclusiveum regulamento que estipulava as condies de participao dos presos,evitando, ao mesmo tempo, que a comisso fosse acusada de servir a outras

    7. De acordo com Souza (2007,

    pp. 30-31), percia da polcia

    civil apontou que o estatuto do

    CRBCfoi escrito na sala de um

    diretor da penitenciria. Alm

    disso, presos mencionaram em

    entrevistas (ver Dias, 2011)diversos episdios de tomadas

    de cadeias isto , substituio

    da faco detentora do controle

    local fomentados e/ou apoiados

    pela direo da unidade.

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    Marcos Csar Alvarez, Fernando Salla e Camila Nunes Dias

    finalidades que no a representao dos presos e a colaborao com a gesto daunidade prisional. Outra estratgia da secretaria foi trazer uma assessora paraacompanhar diretamente a instalao e as atividades da comisso, de modo

    que conseguisse estabelecer um elo legtimo entre presos, direo local daunidade prisional e administrao superior. Essa assessora teve papel funda-mental na gesto dos principais conflitos que foram emergindo, sobretudo daparte dos guardas penitencirios que viam na existncia da comisso, nas suastentativas de reduzir as arbitrariedades no cotidiano prisional, uma forma de

    diminuio de seu poder sobre os presos. Mesmo quando as Comisses de So-lidariedade foram acusadas de servir de canal para a formao de organizaescriminosas, como o grupo Serpentes Negras, a administrao superior da Se-

    cretaria da Justia saiu em sua defesa e abriu investigao interna para apuraras denncias. Alm disso, a secretaria, acreditando nas comisses como umaforma de redesenhar as polticas de gesto penitenciria, ao reduzir a violnciae estabelecer uma pauta de respeito aos direitos humanos, mobilizou esforoscom vrias organizaes da sociedade civil para uma ao poltica ampla,nos meios de comunicao principalmente, em defesa das comisses e para

    o questionamento da denncia da proliferao de organizaes criminosas.

    Consideraes finais

    A impossibilidade da populao carcerria de se constituir como ator legti-mo na esfera poltica ficou evidenciada com a frustrao da experincia in-

    dita no Brasil de formao das Comisses de Solidariedade, pensadas comocanais para a defesa de seus direitos e interesses na disputa em torno das polticaspara o sistema prisional. O presente texto levantou a hiptese de que o bloqueiodessa tentativa de democratizao poltica no campo prisional acabou por acar-

    retar o represamento de demandas legtimas que no puderam ser legalizadas,legitimadas ou institucionalizadas diante da sociedade. Tais demandas foram,em contrapartida, apropriadas pelo PCCe formaram a base de apoio ideolgicoque lhe deu sustentao para se estabelecer como instncia de representao da

    populao carcerria, tal como se apresenta na atualidade. Instncia representa-tiva a um s tempo firmada como produto das polticas prisionais e como atorpoltico extremamente relevante nas discusses e decises relativas ao sistemaprisional paulista, mesmo que a atuao violenta desse grupo o situe aqum do

    horizonte democrtico.O aprofundamento dessa hiptese em novas investigaes pode contri-buir assim para uma melhor compreenso das inmeras formas de subjetivi-

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    Das Comisses de Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital em So Paulo, pp. 61-82

    dade coletiva que se organizam nas fronteiras do crime e de sua punio nasociedade brasileira. Sem dvida, em relao s novas dinmicas prisionaisno pas, um conjunto expressivo de trabalhos foi produzido nos ltimos

    anos, inclusive com nfase na atuao do PCCe seus desdobramentos paraalm das prises (cf. Biondi, 2010; Dias, 2011; Feltran, 2008; Godi, 2010;Hirata, 2010; Marques, 2009; Teixeira, 2009, 2012). Uma abordagem comoa proposta aqui, ao adotar um escopo temporal mais amplo de anlise, que

    inclui experincias anteriores no espao prisional como a das Comisses deSolidariedade, pode descortinar novas possibilidades de compreenso de fe-nmenos que hoje afetam o imaginrio social e mobilizam a ao do Estado.

    As possveis continuidades e descontinuidades da experincia de repre-

    sentao da populao carcerria por meio das Comisses de Solidariedadee a posterior constituio do PCCpodero ser analisadas pela pesquisa defontes variadas, tais como material jornalstico, literatura, documentaoe at mesmo entrevistas com atores que direta ou indiretamente estiveram

    vinculados a esses fenmenos. As denncias sobre a suposta existncia deuma organizao de presos denominada Serpentes Negras durante a curtavigncia das Comisses de Solidariedade tambm podem ser objeto de umareflexo mais detida, pois expressam os conflitos e as tenses presentes no

    universo prisional, envolvendo os diversos grupos de presos, funcionrios,administrao e outros setores da sociedade civil e do Estado. Pesquisa jem andamento pretende compreender os efeitos dessas diferentes formasde representao da populao carcerria, em termos de seu arcabouodiscursivo, de sua base ideolgica e das formas pelas quais se considera sua

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    Resumo

    Das Comisses de Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital em So Paulo

    O artigo analisa duas experincias de ao e de representao dos presos no sistemapenitencirio paulista: as Comisses de Solidariedade e o Primeiro Comando da Ca-

    pital (PCC). A hiptese sustentada de que a obstruo existncia de mecanismos

    de comunicao e representao de presos, legitimados pelas autoridades, favoreceu

    a formao de um grupo que se imps massa carcerria pela violncia mas que, ao

    mesmo tempo, buscou fundamentar sua legitimidade nas denncias das deficincias

    do sistema prisional e tambm nos cdigos de conduta formulados a partir do mundo

    do crime. A reflexo recupera a literatura nacional e internacional sobre a presena de

    grupos nas prises, bem como material documental e da imprensa.Palavras-chave: Punio; Priso; Direitos humanos; Democratizao; Dinmica prisio-

    nal; PCC.

    Abstract

    From Solidarity Commissions to the Primeiro Comando da Capital in So Paulo

    This article analyzes two instances of prisoner action and representation of prisoners

    in the So Paulo penitentiary system: the Solidarity Commissions and the Primeiro

    Comando da Capital (PCC). Our hypothesis is that obstruction of the mechanisms ofinmate communication and representation legitimized by the authorities stimulated

    the formation of prisoner groups, which imposed themselves on the prison population

    through violence, while simultaneously seeking to legitimize themselves through de-

    nunciations of the deficiencies in the prison system and through the codes of conduct

    formulated in the crime world. The analysis draws from the national and international

    literatures on prisoner groups, as well as material from official documents and the press.

    Keywords:Punishment; Prison; Human rights; Democratization; Prison dynamics; PCC.

    Texto recebido em 10/1/2013 e

    aprovado em 24/1/2013.

    Marcos Csar Alvarez professor

    de sociologia na Universidade de

    So Paulo e pesquisador snior do

    Ncleo de Estudos da Violncia.

    E-mail: .

    Fernando Salla pesquisador

    snior do Ncleo de Estudos da

    Violncia da Universidade de So

    Paulo. E-mail: .

    Camila Nunes Dias doutora em

    sociologia, professora daUFABCe

    pesquisadora do Ncleo de Estu-

    dos da Violncia da Universidade

    de So Paulo. E-mail: .