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Pesqu . Jornalistas precisa m de diploma ? 0 que pensam sobr e a liminar da juiz a Carla Rister?

de diploma? 0 que pensam sobre a liminar da juiza Carla Rister?portalimprensa.com.br/tv60anos/pdfs/2000_03_dez_2001.pdf · 2012. 11. 29. · nome real) e trabalho na área de co-municação"

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Pesqu .Jornalistas precisa mde diploma?0 que pensam sobr ea liminar da juizaCarla Rister?

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Entrevista

Destino fin aRodrigo Manzan o

Quando se pensa em inves-tigação jornalística já nos ve mà mente a imagem deste gaúch ode Porto Alegre . No entanto ,nem sempre Caco Barcellos tra -balhou em televisão . Seu pri-meiro trabalho jornalístico fo ina cidade onde nasceu, no diá-rio Folha da Manhã.

Durante o dia, Caco Bar-cellos trabalhava como repórte re, à noite, era motorista de táxi .Naquela época, era duplamen-te operário . Como taxista, fo iconhecendo os melhores cami-nhos - muitas vezes, nem sem -pre os mais curtos - para che-gar a um destino. Hoje, comorepórter investigativo do Núcleode Reportagens Especiais da TVGlobo, ele continua procuran-do os caminhos que o levem omais próximo possível da verda -de - também nem sempre o smais curtos .

Revista

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:averdadeAos 51 anos, três filhos e dois

casamentos, Caco não esque-ceu sua paixão pelas palavras.Militou nas mais importantespublicações "nanicas" da im-prensa revolucionária e, naque-la época, chegou a escrever ma-térias de 50 laudas, lembra-se ,para o antigo jornal Movimen-to e outros . Hoje, CacoBarcellos divide o texto com ovídeo. Mas sua paixão não mor-reu . Enquanto dava esta entre -vista, ele pensava em mais umlivro seu em vias de ser publi-cado. Vai contar a história d onarcotráfico do ponto de vistade quem acompanhou de per-to as dores de um morro no Ri ode Janeiro .

Foi sobre jornalismo investi-gativo, sofrimento, ditadura mi-litar, ética e, claro, sobre o reco-nhecimento que recebeu nest aedição do Prêmio Libero Badaróque Caco Barcellos conversoucom a Revista IMPRENSA .

IMPRENSA - Urna das conse-güiências de trabalhar nesse tipo(le reportagem é a sua visibilida-de . Corno você administra ess aquestão ?

Caco Barcellos Isso traz al-gumas facilidades. As pessoas m evêem passar, vêm conversar comi -go e, às vezes, me contam histó-rias que geram matérias . Isso é mui -to legal . É a parte da facilidade .Mas há um componente negativo .Eu tenho dificuldade de chega rnuma cidade sem que as pessoa spercebam que eu estou ali . Já n oavião os passageiros querem sabe ro que eu vou fazer e para ond eestou indo . Dias desses, entrei n oelevador de um prédio para bus -car meu filho que estava brincan-do com o do vizinho . Unia senho-ra me identificou e já ficou preo-cupada : "0 que aconteceu de er-rado aqui no prédio?" .

IMPRENSA - Você sempre seidentifica como jornalista ?

Caco - Eu gosto muito de meiclentiticar para o acusado e fala rque sou jornalista, até porque so uconhecido . Digo que tenho um asérie de informações, mas qu egostaria que ouvir a versão dele .Se não me perguntarem, é claroque eu não vou dizer o que eu

estou fazendo . E, se me perguntarem ,digo : "Meu nome é Cláudio (se unome real) e trabalho na área de co-municação" . Eu não acho legítim ovocê usar de meios ilícitos para con -seguir uma informação, mesmo qu eseja de alto interesse público .

IMPRENSA - Câmeras escondida ssão legítimas ?

Caco - A câmera escondida ne msempre representa algo ilegítimo . De -pende do caráter de quem a carrega .A câmera menor facilita se você pre -cisa gravar unia cena em um ambien -te com grande dificuldade de regis-tro . Um alerta, porém : é muito fre-qüente a câmera transformara reali-dade . Digamos que eu esteja na Sã oJoão com a (piranga e veja ali algun smeninos fumando crack . Todos vêem ,o mundo acontece em volta deles eeles estão ali . Se eu chego com uni acâmera grande para registrar a cena ,é provável que ela se altere . O me -nino, em vez de fumara pedra, va ijogar para quebrar a minha lente . Coma câmera pequena, você registra acena, não está invadindo a privaci-dade de ninguém, nem alterando acena, nem agredindo o menino . El eestá exposto à cena pública . A mes-ma cena registrada dentro da casa d omenino seria uni crime . Você estari ainvadindo a privacidade dele .

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"O trabalho do jornalista deve ser centrado no brasileiro comum,

que ganha 300 reais por mês para sustentar a família . Essa é a

grande autoridade a quem eu devo procurar "

IMPRENSA - Quer dize rque o espaço público legitim aa reportagem sem autorização ?

Caco - É evidente que ,para mim, espaço público s eestende à delegacia de polr-cia, ao quartel, ao hospital, aum restaurante . Se você, com ojornalista, está defendendo ointeresse público, esse espaçose estende .

IMPRENSA - Qual é a ava-liação que você faz do jorna-lismo investigativo que ve msendo feito hoje no pars ?

Caco - Nós conquistamo salguns grandes avanços . Algunscasos levaram à cassação n oCongresso Nacional . Outro scasos atingiram a magistratu-ra, empresários de peso, d eporte, de poder .

IMPRENSA - Que fatores contri-buíram para isso ?

Caco - A queda do regime de ex-ceção alargou os limites para nós, jor -nalistas . Agora, estamos à procur adesses limites . Talvez a gente estej aaté invadindo espaços de atuação qu enão são, em sua origem, da impren-sa . Invadimos áreas do Judiciário, d aprópria polícia . A minha expectativaé que essas instituições se revigore me passem a exercer o papel delas co mmais veemência, e que o jornalism onão precise ser, de maneira tão fre-qüente, o investigador que vai des-

cobrir as falhas e os crimes, comotemos sido atualmente .

IMPRENSA - A aprovação de um aLei da Mordaça é de todo ruim, o upode potencializar a qualidade do jor-nalismo investigativo no Brasil ?

Caco - A princípio, não acho le -gal a limitação de procura de dadosou de fornecimento de dados . Quan-to mais ampla e aberta as fontes esti -verem, mais importante para a demo -cracia . A informação é aliada da de-mocracia. Eu acredito também que oJudiciário oferece todas as ferramen-tas para que uma pessoa, atingida de

IMPRENSA - Mas há gen-te afirmando que o jornalism oficaria menos dependente dasfontes oficiais .

Caco - Mas o jornalismopode ser independente das fon -tes oficiais, mesmo sem a mor-daça! É difícil eu contar co mas fontes oficiais para produ-zir um documentário ou um areportagem . A gente tem qu eter nosso trabalho centrado nobrasileiro comum, que viv elonge do poder . Eu tenho meguiado assim . O brasileiro qu eganha 300 reais para sustenta ra sua família . Essa é a grand eautoridade a quem eu devoprocurar . Digo que a gente

não tem a mesma eficácia quando ofoco da investigação são as pessoa sque vivem nas áreas menos nobresda sociedade . Para essas pessoas, nã otemos a mesma eficiência .

IMPRENSA- Por quê? O jornalis-ta não "enfia o pé na lama" da reali-dade ?

Caco - Há uma certa deformação .Existe uma parte dos profissionai smuito fascinada com a proximidadedo poder.

IMPRENSA - Na sua opinião ,quem faz um bom trabalho de jorna -

forma injusta pela imprensa ,possa recorrer e pedir açõeslegais .

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lismo investigativo no Brasil ?Caco - O meu conceito de

investigativo é diferente. No jorna-lismo, toda atividade demanda inves-tigação . É o exercício da curiosida-de . Quanto maior o número de pes-soas que você ouvir, mais próxim ochega da verdade . Eu posso mencio-nar, de imediato, Ricardo Kotscho ,José Meireles Passos, Carlos Moraes ,hoje na revista Ícaro . Eles não têm operfil de denunciantes . Mas não im-porta . Eu curto mais uma investiga-ção que traga uma quadro de intimi-dade dos personagens e que esse qua -dro retrate o universo que nem sem -pre está à frente do telespectador.

IMPRENSA - Para você, o jorna-lismo investigativo, então, nem sem -pre precisa ter como objetivo um adenúncia ?

Caco - Pode parecer estranho ,mas me incomoda demais fazer um adenúncia . Prefiro começar acred itan -do que a denúncia seja falsa . Se euapuro e não consigo provar o contrá-rio, tenho que colocar no ar e dize r"é verdade" . Às vezes, é terrível .

IMPRENSA - Como você se sent econvivendo com tantas verdades nãoagradáveis ?

Caco - Às vezes, eu fico indigna -do, e quero mesmo provar que aquil oé uma sacanagem, que atingiu mui -ta gente e que o cara não pensou n asociedade antes . Mas é freqüente ,mesmo no meio deste processo, eu,

no íntimo, querer provar que é men -tira . Acho legal fazer uma investiga-ção que leve a uma notícia positiva .

IMPRENSA - O jornalism ofreqüentemente é muito denuncista ?

Caco - Temos muitas mazelas, enão precisamos procurar muito par aencontrar. Eu acho que é um papel fun-damental e necessário, porque atrá sde uma denúncia há um exemplo ,como se alguém estivesse gritand opara a sociedade : "Olha, cuidado! Issopode te atingir" . Uma denúncia te mque ser precedida do interesse públi -co. Mas existem os exageros eviden -temente . E o exagero acaba tendo ess acor denuncista, sensacionalista . Voc êacaba chamando atenção e causan-do impacto com um assunto que, à svezes, não é de interesse público, ma sde interesse "para" o público .

IMPRENSA - Muitos telejornai sadoram fazer espetáculos em cim ade crimes .

Caco - Este é um belo exemplo .Se o assassino é um serial killer, oassunto tem relevância pública mí-nima . Ao analisar os dados de vio-lência fornecidos pela Secretaria d eSegurança Pública, dá para ver qu eem todo o país - isso é cristalino - orisco de você sofrer um dano pratica -do por um serial killer talvez não atin -ja 0,5%, no universo das mortes . EmSão Paulo, são 12 mil mortes por ano ,das quais menos de 1% são pratica -das por assassinos em série . Ora, se

você faz um imenso documentário o uuma cobertura exaustiva destacand oesse serial killer, vai impressionar asociedade . Você tem que avisar qu eeste crime impressiona por ser perver-so e raro, e que o risco de cruzar comeste indivíduo e ter que se protege rdele é mínimo, se comparado com orisco sofrer uma morte num assalto ,ou pelo próprio Estado - a políci amata mais do que os assaltantes . S evocê não faz este devido alerta, nã oestá praticando um jornalismo de in-teresse público .

IMPRENSA - Nosso jornalismo énotoriamente influenciado pelo jorna-lismo dos Estados Unidos . E o povonorte-americano, como se sabe, é omais paranóico em relação a algun stemas. A nossa imprensa também re-cebeu essa influência paranóica ?

Caco - Essa obsessão que eles tê mde sempre eleger um ícone do mal . . .temos que ter cuidado para não em-barcar nessa . O ícone do mal duran-te muito tempo, no Brasil, foi e aind aé a cocaína . Será que, no nosso caso,não é muito mais grave a cachaça ?A cachaça é a grande tragédia nacio -nal, muito mais do que a maconha, acocaína, ou outras drogas . A genteencontra mortes pela via da cacha-ça . Sem falar nas vias indiretas d aviolência, que é a degradação fami-liar, que leva à violência doméstica .A gente não trata a cachaça com aseriedade de que precisa e se preo-cupa muito mais com o narcotráfic o

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"O Brasil acha que só é grave a ação do corrupto . A do corruptor,não . O repórter que compra uma carteira falsa com o intuit ode investigação é um corruptor e também deve ser punido "

lação aos dias de trabalho qu eperde, o esforço por uma ma-téria que não rendeu ?

Caco - O grande medo qu eeu tenho é de errar . Isso m eangustia muito e me faz tra-balhar demais . Eu trabalh omais do que devia, acho, porcausa do medo de errar.

de grande porte, de grande va-lor, que tem uma relevânci amuito menor. Quantos brasilei-ros consomem cocaína? Quan-tos consomem cachaça ?

IMPRENSA - O que vocêacha de repórteres que prati-cam uma irregularidade ape-nas para mostrar como é fácil ,ou possível, enganar determi-nado órgão oficial? Ele estari atambém prestando um serviçopúblico?

Caco - Não vale só chegarno Detran e denunciar o funcio -nário público que está venden-do carteira fria, se você est áusando como instrumento d edenúncia a compra da cartei-ra . Eu não concordo com isso .O funcionário do Detran te mque ser punido radicalmente ,e o repórter, também . O Brasil tend ea achar que só é grave a ação do cor-rupto; a do corruptor, não . Agora ,você, repórter, comprando uma car-teira falsa, está sendo um corruptor .O funcionário do Detran, talvez, nun -ca tenha sido corrupto, talvez ele te-nha sido somente no dia em que você ,repórter, ofereceu o dinheiro para ele .

IMPRENSA - Ele seria um corrup-to midiático ?

Caco - (rindo) É "imediático" !Qual é o problema de um dia ou outrouma carteira falsa sair por aí, num paí scheio de problemas como o nosso? Tem

que procurar coisas relevantes . . .

IMPRENSA - Você acha que es-tas reflexões "o que é relevante, e oque é ético" estão presentes na ca-beça dos jornalistas em geral ?

Caco - Se não estão, precisa mestar. Permanentemente . Os profissio-nais sérios fazem isso . Se eu querodenunciar um crime, mas cometo, po rtabela, outro crime, como é que euvou dormir ?

IMPRENSA - Como você lida co ma sua profissão, não apenas com o sriscos que corre, mas também em re -

IMPRENSA - Você já fezterapia ?

Caco - Eu fiz algumas ve-zes e, quando percebi que oterapeuta estava dormindo n aminha frente, desisti . Eu ach oque acabo fazendo terapia n opróprio trabalho . Converso comtanta gente! E o que eu ach omais legal no trabalho é a opor-tunidade de conhecer tantagente e aprender com essa spessoas . Nada maior que a nos -

sa ignorância, e o jornalismo é um aprofissão que permite que a gente te -nha a convicção disso . Nada existemaior do que o não saber .

IMPRENSA - Você há de convi rque não é bem essa a imagem que a spessoas têm dos jornalistas . Eles sãovistos quase sempre como os dono sda verdade . . .

Caco - Pois é . É importante quevocê seja culto para que possa faze rmelhor juízo do assunto com que lida .Mas isso não habilita de forma nenhu -ma a se fechar para a realidade da sruas, para as pessoas mais simples ,

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incultas . Elas trazem experiências ma -ravilhosas de vida, todos os dias .

IMPRENSA - Você já fez jornalis-mo impresso, em Porto Alegre, e de-pois aqui mesmo em São Paulo . Faleum pouco das diferenças entre o im-presso e a televisão.

Caco - Isso já está um pouco lon-ge . . . Lembro que, na passagem do es -crito para o televisivo, eu sofri muito .O meu último emprego foi na Veja,antes disso, na Isto É . . . em várias re-vistas . Nelas, você tem um temp omaior para escrever, se comparad ocom o jornal diário e mais ainda co ma televisão . Eu me lembro de ficar 5ou 6 horas pensando em uma frase ,para ter maior efeito e prender o lei -tor. De repente, eu estava em um veí-culo em que tinha 15 segundos par aentrar ao vivo, apurar o texto e de-sempenhar na frente da câmera . Euficava muito tenso com isso e sobre -tudo com aquele compromisso que ti -nha com as palavras. Depois, perceb ique na televisão também dá para te rum texto de qualidade . Eu descobr ique texto e imagem podem dialogar .Até o silêncio fala na televisão .

IMPRENSA - Como você se sen-tiu ao receber sua indicação, pelopúblico do site da Revista IMPREN-SA, para figurar entre os cinco mai simportantes jornalistas do século XX ?

Caco - Fiquei muito feliz . Eu nun -ca imaginaria isso . Sempre me con -siderei um privilegiado . Quando co-nheci televisão, fiquei encantado .Sair para a rua e, no dia seguinte, a spessoas continuarem conversand ocom você sobre aquilo que você fa-lou no dia anterior . . . isso é muito en-graçado, eu gosto . Não me incomo-da, embora às vezes atrapalhe minh avida. A demora para eu chegar à re -dação, às vezes, é por causa das pes -

soas que me cercam, querem sabe rcomo eu fiz aquela reportagem, pe-dem autógrafos . . . isso na rua . E euparo e converso, acho que as pessoa stêm o direito a esse acesso . Eu vivodisso, adoro isso . Quando entro na scadeias, saio com os bolsos cheio sde bilhetes. Todo mundo fica enfian-do bilhete. Este é o meu trabalho . E utenho que tirar férias, sempre, fora d oBrasil . Mesmo que procure a prai amais distante do Brasil, deito na areia ,não quero saber de trabalho, bate al-guém no meu ombro e diz "Ei, Caco .Não quer um amendoim af?" . Outrodia, eu estava fazendo uma matériaem Foz do Iguaçu e não queria se ridentificado . Comprei um macacão ,inventei um uniforme, deixei a bar-ba crescer, coloquei um boné d oCorinthians, time do meu filho (eu so uFlamengo) . Ridículo . Passei vinte diasfechado num quarto de hotel, espe-rando o sinal verde para começar amatéria . Chegou um determinado dia,pensei em comer no cantinho do res-taurante do hotel . Até para testar omeu uniforme . Foi tudo perfeito, naboa, até na hora da conta . O garço mperguntou : "Caco, o que você estáfazendo desse jeito aqui, com essabarba, hein?" .

IMPRENSA - Como foram os bas-tidores da sua matéria "Recontand oos mortos pela repressão", vencedo-ra da categoria de telejornalismo nes -te prêmio Libero Badaró ?

Caco - Fui procurado um ano an-tes por um indivíduo que dizia te rfeito parte dos órgãos de repressão .Tinha sido recruta da brigada de pára -quedistas . Entrou para a brigada, n oRio, com a intenção de fazer carrei-ra, quando foi requisitado : precisava mdele como espião . E fizeram aquelalavagem cerebral nele, dizendo qu eo Brasil estava em guerra contra os

comunistas e que precisavam da aju-da dele . Como era cantor, deveria s eaproximar de um grupo de estudan-tes nos circuitos universitários . El econseguiu se aproximar de alguns .Entre eles, um casal, de quem deve-ria saber onde era o suposto aparelhodeles. Ele ia informando o pessoal d arepressão e estava se dando bem . Fi -cou hospedado num hotel no Rio, co muma certa mordomia, até o dia e mque um grupo vai buscá-lo no hotel epergunta onde é que eles se reúnem ,o aparelho . Era na Tijuca, perto d oMaracanã . Ele levou o grupo em doi scarros . Chegou na casa e ficaramaguardando acampanados até qu echega um grupo de estudantes, ospoliciais invadem . Depois, já alta shoras da noite, levam quem estav ana casa para a mata da Tijuca ond ebatem, torturam . O casal estava lá :sob tortura, ela desmaia e o rapa zaponta o nome de um tal de profes-sor. Eles saem num fusquinha paraprocurar o tal professor levando o ra-paz. Outra parte do grupo, junto co ma minha fonte, vai para um sítio n aBaixada Fluminense, supostamentede um coronel . A moça espancad ajá não reage . Chega o rapaz trazen-do o professor preso. Vão para um asala ao lado, enquanto ouviam os gri -tos do professor sendo torturado . En-tão, esse recruta, a minha fonte, as-siste à seguinte cena : o rapaz, tortu-rado, já não falava mais . A moça to-talmente desfalecida, e um oficia ldisse que não tinha mais nada paratirar deles . Então, esse oficial se apro -xima e aponta uma pistola na boc ade cada um e atira . Levam a um can -to da casa e jogam numa vala co mcal por cima . O recruta volta para ohotel, desesperado, não imaginavaque o Exército fizesse uma coisa des -sa . Ele vai ao comando e diz que nã oqueria fazer mais aquilo . Mandaram

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"A gente se abala com o atentado ao World Trade Center, masem Angola são 500 crianças que morrem de fome por dia . Aquelaguerra é uma brutalidade"

detalhes que um mentiroso nã osaberia . Então eu fui procura ras ossadas .

ele para São Paulo, e aí ele fi-cou aguardando uma nova mis-são em Marília, no interior,onde devia se infiltrar no pes-soal do teatro local . Ele diz :"Se é para fazer aquilo, eu nã oquero mais" . A irmã dele in -terfere, é morta . Então, ele ca ifora . Tantos anos depois, coma Anistia, ele volta e quer re-cuperar a história dele no Exér-cito . Todo mundo que partici-pou da repressão continuousendo militar. Foram gradua-dos, viraram cabos, sargentos ,etc . . . Ele continuou recruta esaiu porque foi forçado . OExército não quis reconhecê-lo como oficial, somente com orecruta, mas também não des-cartou a história dele .

IMPRENSA - O que o Exér-cito fez quando ele voltou ?

Caco - O Exército o reincorporou .Tem cenas maravilhosas de um se-nhor de 50 anos ao lado de recrutasde 18, saltando de pára-quedas . Eleficou lá na brigada de pára-quedistas ,com a promessa de que logo seri acapitão .

IMPRENSA - Você foi o primeir oque ouviu esta história dele, além d oExército ?

Caco - Ele foi procurado pel aVeja, mas não contou a história . Oimportante é que a história dele nã oé a mesma do casal . Fui até o Exér-

cito, fecharam as portas, mas eu con -segui por outras vias . Também procu -rei o pessoal da esquerda e não ha -via nenhum indício daquele casa lcomo desaparecido em 68 . Esse ca -sal não existia na história . Fui para oRio, São Paulo, Porto Alegre, Belém .Ninguém sabia deste casal . Procure ia casa da Tijuca, que era exatamen-te como ele descreve. Estava lá, acasa reformada. Fui atrás de quem feza reforma . Fui atrás dos vários donos ,e vi as fotos, vi as grades que esta-vam na frente em 68, agora nos mu-ros de trás . Era exatamente a grad eque ele disse que tinha em 68 . Eram

IMPRENSA - Naquele síti oque seria de um coronel ?

Caco - Hoje tem um super-mercado em cima do sitio . Seeu fosse procurar as ossadas lá ,teria que derrubar o supermer-cado. O que eu fiz? Descobr ios nomes de um casal, Cata-rina e Antônio, militantes d amesma organização, que fo-ram os únicos que morrera mem 68, no mesmo período apro -ximado, entre setembro e no-vembro . São as coincidências .Mas havia as diferenças : a dis -tância de 70 km dos locais e omodo como eles morreram .Segundo a história da minhafonte, foi tortura e depois u m

tiro na nuca . O Exército encobriu essahistória, colocando-os como vítima sde um acidente na estrada de Vas-souras . Tem foto do acidente, um fus-ca destruído atrás de um caminhão .A CIA esteve lá, porque o casal er asuspeito de ter executado o oficia lamericano Charles Chandler . Doi sanos depois, ficou provado que o sexecutores eram outros . Eu não con -segui provar que o casal que cuj amorte a testemunha informou é real -mente Catarina e Antônio, mas do una matéria as várias coincidências .Eu precisaria saber quem tirou o ca -sal daquele sítio, colocou nu m

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fusquinha e simulou um acidente .

IMPRENSA - Você tentou locali-zar as famílias do casal ?

Caco - Foi um processo compli-cado convencer as famílias a ajuda -rem . A do Antônio disse que, se e uchegasse a uma versão diferente da-quela do acidente em Vassouras ,nem era para eu falar. Da família daCatarina, eu obtive pelo menos a aju-da de um irmão . Eu disse : "Jogo ess amatéria fora, jogo tudo no lixo, mas ,por favor, deixem eu examinar acova. Eu quero ver o crânio" . Basta-va eu ir ao cemitério e examinar ocrânio. Se eu não encontro um tirono crânio, tchau! Acabou a história .Ele concordou, foi lá e abriu o túmulocomigo. Na hora em que a gente es-tava abrindo o túmulo, um funcioná -rio do cemitério disse, rindo : "Ih! E ume lembro dessa história! Eu tav aaqui, eu construí isso . Ela foi fuzila -da pelo Exército" .

IPRENSA - Não foi suficiente ?Caco - Eu precisava de uma fot o

dela . E mostrei para o cara e ele dis-se : "É essa" . Mas não era uma prov acientífica do reconhecimento . Abrimo sa caixinha, saiu barata para todos o slados, limpei . Havia uma fratura n aparte frontal, coerente com o aciden-te, mas tinha um buraco na parte detrás . Eu falei para o irmão: "Me des -culpe, mas eu vou ter que continua r " .Eu estava quase chorando . Quando vi ,fiquei extremamente emocionado .

Quando vi aquele furo . . . Eu tive qu epedir uma exumação oficial, mas paraisso é preciso o consentimento da fa-mília porque depois de 30 anos o cri -me de homicídio prescreve e não i aadiantar tentar provar o crime se nã ohavia mais culpabilidade . Acompa-nhei o exame no IML, deu negativo .No último dia, recebi um telefonem adizendo que havia chegado uma má-quina mais potente na USP, a últim atecnologia nessa área . E, pelo exam efeito naquela deu "alta concentraçãode chumbo", compatível com fratur aprovocada por arma de fogo e incom -patível com fratura por acidente . Se-gundo os peritos, 100% de certeza d eque houve um tiro . O que isso me ha -bilitou a informar? Que podia até te rhavido um acidente, mas junto com oacidente houve um tiro na nuca dest amoça. Naquela época, matavam so btortura e depois atropelavam . Por quenão tirar de uma cova e depois leva rpara um acidente, considerando sobre-tudo que ali estavam dois suspeitos deexecutarem um agente da CIA no Bra-sil? Era preciso dar uma resposta ao samericanos . Por que não apontar u mcasal que matou e que já está aqu imorto . Simularam um acidente . Im-portante : em nenhum momento e uafirmo que o casal que o rapaz havi avisto ser executado era o mesmo . Ess ahistória me levou a esclarecer um cri -me . Para ter a certeza se é o mesmocasal, é preciso que um outro repórte rdescubra quem tirou de um buraco elevou para o acidente .

IMPRENSA - Sua experiência e mAngola também foi marcante, não ?

Caco - Eu tinha uma enorme es-perança de que aquela história - em-bora isso seja muito presunçoso d eminha parte - comovesse as pessoas .Fiquei muito abalado com o que vi .Certamente foi a reportagem em qu emais sofri na minha vida . Fiquei muitomal . O risco de morrer se tornou se-cundário diante daquilo tudo que vi .Eu sofri terrivelmente, não sei aind aqual foi o mecanismo interno. Isso ,com certeza, vai ter um preço na mi-nha vida . Posso afirmar que algum atransformação houve . Você vê o dra-ma de uma criança que morre, issojá é suficiente para sofrer a vida in-teira, mas, quando você sabe que sã o300, 500 crianças que morrem po rdia . . . quando você vê os médicos di-zerem que tal criança tem duas ho-ras de vida, aquela tem minutos e tud oo que se pode fazer é enrolar a crian -ça em papel alumínio para dar u mpouco mais de conforto . . . É terrível .Você vê os olhos da criança pedind onão sei o quê . Eu queria que as pes-soas entendessem que aquela guerr aé uma brutalidade e que Angola é u mpaís de origem democrática e est áenvolvido há 40 anos numa guerr aporque empresas querem faturar odinheiro do diamante . Isso é de um aperversidade sem igual . E a gente s eabala com as torres gêmeas do WorldTrade Center! Mas lá, em Angola, s ócrianças mortas são 500 por dia, se mcontar os adultos!,

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