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Robson Barbosa da Silva UMA REFLEXÃO SOBRE O ENDURENCIMENTO DAS PENAS COMO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO À CRIMINALIDADE VIOLENTA Belo Horizonte Fundação João Pinheiro Setembro – 2008

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Robson Barbosa da Silva

UMA REFLEXÃO SOBRE O ENDURENCIMENTO DAS PENAS

COMO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO À CRIMINALIDADE

VIOLENTA

Belo Horizonte

Fundação João Pinheiro

Setembro – 2008

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Robson Barbosa da Silva

UMA REFLEXÃO SOBRE O ENDURENCIMENTO DAS PENAS

COMO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO À CRIMINALIDADE

VIOLENTA

Monografia apresentada à Escola de Governo da Fundação João Pinheiro como requisito parcial para aprovação no Curso de Especialização em Segurança Pública e Justiça Criminal com Ênfase em Defesa Social.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo

Belo Horizonte

Fundação João Pinheiro

Setembro 2008

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Dedico o presente estudo:

A Deus, que é o senhor e criador de todas

as coisas;

A minha mulher e minhas filhas que têm

sido minha mola propulsora na busca por

um futuro cada vez maior;

Aos amigos e professores que me

auxiliaram e incentivara em toda a

caminhada para que esse sonho se tornasse

realidade; e,

Finalmente, ao meu orientador, Professor

Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo que

mesmo a distância possibilitou o alcance

dos meus objetivos.

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RESUMO

O presente trabalho tem como principal foco trazer à reflexão a utilização

do endurecimento penal como estratégia de enfrentamento à criminalidade violenta.

Uma das principais teorias adotadas é a de que “é melhor prevenir delitos que castiga-

los”1 e a metodologia adotada consiste na revisão bibliográfica das principais obras que

tratam o tema, comparando-as a fatos reais e pesquisas quantitativas e qualitativas

realizadas e publicadas por pesquisadores renomados.

O que esperamos demonstrar ao final deste trabalho é que a edição de leis

cada vez mais severas, tais como leis de crimes hediondos, Lei Maria da Penha e outras

tantas, não atinge a eficácia esperada; que as penas alternativas, aliadas ao combate às

desigualdades sociais, entre outros, se apresenta como o melhor caminho para conter a

escalada da criminalidade violenta.

Palavras – chave: Endurecimento Penal; Segurança Pública; Penas; Criminalidade violenta; Justiça Criminal.

1 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das Penas.

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ABSTRACT

The present has as its main focus brings to reflexion the utilization of the

penal endurance as strategy to face violent criminality. One of the main theory utilized

is “that is better to prevent offences that punish them2” and the adopted methodology is

was the bibliographical revision of the main works that studies the theme, comparing

them with real facts and quantities and qualitative realized resources published by

renamed researchers.

What we expect at the end of this work is to show that the more and more

strict law edition as the Hediond Law, Maria da Penha Law and many others, do not

reaches the hoped efficacy; that the alternative penalty, allied with the combat to

social inequalities, among others, present itself as the better way to stop the

development of violent criminality.

Key-words: Penal Enduringness; Public Security; Pena; violent criminality;

Criminal Justice.

2 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das Penas.

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SUMÁRIO

1. 2.

2.1

2.2

2.2.1

2.2.2

2.3

2.3.1

2.3.2

2.3.3

3.

3.1

3.2 4. 5.

6.

Introdução................................................................................................. Evolução histórica e institucionalização das penas................................

Teorias absolutas ......................................................................................

Teoria relativa ............................................................................................

Prevenção geral ou “teoria da coação psicológica”.................................

Prevenção especial.....................................................................................

Teorias unificadoras ou ecléticas ............................................................

Teoria da prevenção geral positiva..........................................................

A prevenção geral positiva fundamentadora...........................................

A prevenção geral positiva limitadora ....................................................

Exemplos dos modelos de sistemas penais japoneses e americanos........

A criminalidade e o Sistema Penitenciário no Japão..............................

O Sistema Penal Americano.....................................................................

O modelo de execução penal brasileiro e o seu reflexo na segurança pública Conclusão....................................................................................................

Referências.................................................................................................

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1 - INTRODUÇÃO:

A sociedade brasileira parece ter chegado ao ápice da tolerância e do pacifismo.

Desde que se ouviu pela primeira vez o termo “crime organizado” a insegurança parece

ter tomado conta de nossas vidas. Somos assaltados, em plena luz do dia, nossas casas

são invadidas, nossas famílias agredidas e, muitas vezes, vidas preciosas são ceifadas.

Como se não bastasse, somos bombardeados, diuturnamente, com noticiários de

tragédias como a que se abateu sobre a família do garoto João Hélio, arrastado por mais

de sete quilômetros pelas ruas do Rio de Janeiro, em Fevereiro de 2007, preso apenas

pelo cinto de segurança do veículo roubado de sua mãe minutos antes ou, ainda matérias

sobre monstruosidades como foi o caso do assassinato da adolescente Liana

Friedenbach e seu namorado Felipe Café, em Outubro de 2003, ocasião em que a

adolescente após ter sido mantida em cativeiro por aproximadamente cinco dias, foi

violentada reiteradas vezes, antes de ter sido morta a facadas pelos seus algozes ou,

então, pela a ocorrência de inúmeros outros crimes que provocam forte comoção social,

reacendendo polêmicas em torno de questões tais como o endurecimento das penas,

redução da maioridade penal ou a inflexibilização dos regimes prisionais existentes

como estratégia de combate à criminalidade violenta, restabelecimento da paz social e

da convivência harmônica entre a população brasileira.

Se de um lado uma parcela mais conservadora da população defende o

afastamento dos criminosos do convívio social através de longos períodos

encarceramento, buscando através desse afastamento o desestímulo à pratica criminal

através da aplicação de penas extremamente duras, do outro lado, deparamos com a

inconteste defesa da minoração das penas de restrição de liberdade, maior humanização

nos cárceres e aplicação de penas alternativas aos crimes de menor potencial ofensivo,

dentre outros, baseada em entendimentos de que o cárcere pode destruir a personalidade

do homem ao propiciar-lhe o contato com um meio pernicioso e cruel que funciona

como verdadeira escola do crime, além de cortar por completo os seus laços sociais e

familiares, prejudicando a sua futura reinserção na comunidade e a sua recuperação pelo

trabalho honesto. Escudados na teoria de que a solução para os problemas da Segurança

Pública não está no Direito Penal, ou seja, na aplicação de penas excessivamente duras

e até desumanas, estudiosos, como FERREIRA (1996) defendem que as penas

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alternativas apresentam-se hoje como única forma de punir com dignidade, atendendo-

se aos interesses das vítimas e da comunidade.

Para esses estudiosos, assim como para Beccaria, a utilização das penas como

uma espécie de vingança coletiva induzirá sempre à aplicação de punições de

conseqüências muito superiores aos males produzidos pelos delitos, conforme registram

os tempos antigos, como na vigência do código de Hamurabi, em que a justiça poderia

ser classificada como uma reparação na mesma proporção do dano causado. Por

exemplo, se uma pessoa roubava, perdia a mão, etc. A pena na atualidade tem uma

função social, ou seja, serve como uma compensação à sociedade pelos danos causados,

ou seja, é uma forma de retornar ao equilíbrio social existente, antes do delito ser

praticado. Para Rodrigues (2001) a pena de prisão não é uma pena de banimento. A

reclusão penitenciária não pode ser um ‘espaço de quase - não direito’, uma obscura

‘relação especial de poder’ em que o Estado se desvincula do respeito que deve à

dignidade da pessoa e aos seus direitos fundamentais. É a pena uma ameaça da lei aos

cidadãos para que se abstenham de cometer delitos (Feurbach), a ameaça da aplicação

da lei deveria produzir no indivíduo uma espécie de motivação para não cometer

delitos. Porém, parece-nos que essa função preventiva das penas longe está de se

realizar pois que os índices de criminalidade têm alcançado patamares alarmantes em

nossos dias. Daí a nos perguntarmos: 1) Será que a solução para a segurança pública

está no enrijecimento do sistema prisional? 2) Somente o endurecimento das penas

seria o suficiente para refrear a escalada da criminalidade violenta? 3) Qual seria,

na atualidade, o melhor caminho para conter a escalada da violência?

É nesse contexto de contradições e dúvidas que buscamos desenvolver nossas

reflexões, esperando encontrarmos ao final dessa caminhada claros indícios de qual o

melhor caminho a ser seguido no enfrentamento à criminalidade violenta.

2 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA E INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS PENAS:

O estudo da origem e da evolução das penas nos leva obrigatoriamente ao estudo

das sociedades primitivas e à criação dos primeiros aparelhamentos da justiça criados

pelo homem. Naturalmente, os primeiros modelos do sistema penal diferiam em muito

do modelo atual, seguindo cada um deles uma tendência vigente à época. Um bom

exemplo desse fato é que a pena, tal como conhecemos hoje tem a sua origem no

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surgimento das primeiras sociedades que se tem noticias e foi instituída primeiramente

para punir os transgressores das normas internas dos povos que se organizaram de

forma a se protegerem dos ataques de animais selvagens, grupos rivais ou qualquer

outro evento que pudesse colocar em risco sua existência. Beccaria, ao se referir à

origem das penas e ao direito de punir cita em sua obra que “somente a necessidade de

sobrevivência, os riscos constantes a que estavam expostos e o constante estado de

guerra em que viviam levaram os primeiros homens, até então selvagens, a se reunirem,

formando as primeiras sociedades” às quais, logicamente, várias outras se seguiram,

surgindo daí a necessidade de também resistirem umas às outras e, “assim como haviam

vivido os indivíduos, num contínuo estado de guerra entre si, passaram a viver os

diferentes grupos.” A diversificação dos grupos e os diferentes interesses inerentes a

cada um deles, bem como, as diferentes personalidades dos indivíduos integrantes de

cada grupo levou, obrigatoriamente, à criação de instrumentos que pudessem regular a

convivência entre esses indivíduos, em prol do bem estar dos grupos instituídos, dessa

forma nasceram as leis. A esse respeito, Beccaria, em sua obra Dos Delitos e Das

Penas, afirma que, “as Leis foram as condições que reuniram os homens, a princípio

independentes e isolados sobre a superfície da terra”. Continua ainda o mestre,

“cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos em toda parte,

fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram

uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. O conjunto de todas essas

pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir”.

Porém, acrescenta Beccaria, que ninguém faz gratuitamente o sacrifício de uma

porção de sua liberdade visando unicamente o bem público, cada homem só por seus

interesses está ligado às diferentes combinações políticas deste globo; e cada qual

desejaria, se fosse possível, não estar ligado pelas convenções que obrigam os outros

homens, pelo que não basta somente, a instituição das normas, mas principalmente, a

criação de mecanismos para protegê-las contra as usurpações de cada particular, pois

que há uma tendência do homem a não só retirar da massa comum a sua porção de

liberdade, como também, usurpar a dos outros. Para tal, criaram-se as penas, das quais

uma das funções, segundo Bitencourt, seria a retribuição à sociedade pelos males

causados pelo indivíduo. As penas, segundo Beccaria, dividiriam-se em três grandes

eixos: Legalidade, Proporcionalidade e Utilitarismo, sendo que qualquer outra forma de

pena que se afaste desses princípios é abuso e não justiça.

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Na verdade, a história das penas e sua evolução têm estreita conexão com o

estudo da origem do Direito Penal3 , surgido com a finalidade de tornar possível a

convivência humana, dentro dos princípios de justiça pré-estabelecidos. Segundo

Bitencourt (2004), no que se refere às penas, “a doutrina mais aceita tem adotado uma

tríplice divisão, representada pela vingança privada, vingança divina e vingança

pública, todas elas marcadas por forte sentimento religioso/espiritual.” Conforme o

autor, nas sociedades primitivas, quando se acreditava que todos e quaisquer fenômenos

naturais maléficos eram manifestações divinas, as sociedades revoltadas com a prática

de atos que exigiam reparação, puniam o infrator para desagravar as divindades. O

castigo consistia, na maioria das vezes, no sacrifício da vida do infrator. Essa era o que

o autor convencionou chamar de era da vingança divina, fase em que a religião exercia

grande influencia sobre a vida dos povos antigos. Nesse período, o castigo era aplicado

por delegação de sacerdotes, com penas cruéis, desumanas e degradantes, visando

principalmente à intimidação pelo terror causado pelas penas. Destaca-se como

legislação dessa fase o Código de Manu.

Posteriormente à fase da vingança divina, temos aquela fase denominada pela

doutrina de vingança privada, período em que a punição para infrações cometidas por

membros do próprio grupo era o banimento, fazendo com que esse indivíduo ficasse à

mercê de grupos inimigos, o que fatalmente lhe ocasionaria a morte. Remonta dessa

fase a origem da conhecida lei de talião4. Apesar da crueza, a lei de talião, segundo

Bitencourt, de certa forma, representa uma das primeiras tentativas de humanização das

penas, por dar tratamento igualitário ao infrator e à vitima. Porém, com a instituição da

lei de talião, surge um novo problema, o grande número de infratores faz surgir,

proporcionalmente, uma população deformada pela perda de membros, sentido ou

função, face ao Direito talional. Os problemas decorrentes da aplicação da lei de talião

deram então lugar a um novo sistema, denominado composição, através do qual o

infrator comprava a sua liberdade, livrando-se do castigo. Para Bitencourt, a

composição constitui um dos primeiros antecedentes da moderna reparação do Direito

Civil e das penas pecuniárias do Direito Penal.

3 Direito Penal, segundo Bitencourt: Conjunto de normas jurídicas que têm por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança. A finalidade do Direito Penal é tornar possível a convivência humana (...) observando rigorosos princípios de justiça. 4 A lei de talião foi adotada no Código de Hamurabi tinha como mote: “Olho por olho, dente por dente”.

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É a evolução social que fez com que à vingança privada, sucedesse a vingança

pública, quando o Estado, organização social originaria da formação das primeiras

sociedades, assumisse o poder-dever de manter a ordem e a segurança social.

Inicialmente, a vingança pública manteve estreita conexão entre o poder divino e o

poder político, cuja finalidade precípua era garantir a segurança do soberano por meio

da aplicação da sanção penal, ainda dominada pela crueldade e desumanidade. Mas

apesar das mudanças, por muito tempo o sentimento religioso continuou a inspirar os

sistemas penais nas diversas culturas, porém, foram os romanos os primeiros a

buscarem a separação entre direito e religião.

Foram os romanos também que criaram a primeira distinção entre os crimes

públicos (ius publicum) e os crimes privados (ius civile). Julgados pelo Estado, através

do magistrado, os ius publicum, constituídos por crimes como traição, conspiração

política contra o Estado e o assassinato, tinham como sanção aplicada a pena de morte.

De outro lado, os julgamentos dos ius civile, crimes tais como furto, dano, injúria, etc.,

eram confiados ao particular ofendido e o Estado interferia apenas para regular seu

exercício. Somente duas ou três décadas antes de Cristo é que seria suprimida do Direito

Romano a vingança privada, cujo sucessor seria o ius puniendi, exercido pela

administração estatal.

É também no Direito Romano, no Século II d. C. que a pena de morte, até então

quase extinta, ressurge com grande força para punir prática de crimes tais como furto

qualificado, estelionato, extorsão, aborto, etc. Prisão, nesse período, teria apenas a

função de depósito, onde os condenados aguardavam para a execução da pena

propriamente dita.

Assim como no Direito Romano, no Direito Germânico, até o século IX, o

agressor acusado de crime público (perda da paz) poderia ser punido com a morte por

qualquer pessoa, enquanto nos casos de crime privado esse era entregue à vítima e seus

familiares para que esses exercessem o direito de vingança ou vingança de sangue,

como era conhecida, sendo essa prática banida definitivamente do sistema penal

Germânico somente em 1945.

O Cristianismo talvez tenha sido uma das maiores influencias para o sistema

penal moderno. Primitivamente, o chamado Direito Canônico teve caráter disciplinar e é

exatamente através dele que surgiram as primeiras idéias de reforma do delinqüente. Do

conceito de “penitência”, surgido no Direito Canônico, derivou-se a nomenclatura

“penitenciária” e de seus conceitos teológico-morais, até o século XVII, quando se

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considerava que o crime era um pecado contra as leis humanas e divinas, surgiram as

idéias de correção e reabilitação do delinqüente, amparadas nos ideais de fraternidade,

redenção e caridade da Igreja. Contudo, foi a Revolução Francesa, o grande marco de

extinção da desumanidade do Direito Penal, onde até então, imperava um sistema

repressivo em que “a pena capital, aplicada com grande freqüência, era executada por

meios brutais e atrozes, como a forca, a fogueira, a roda, o afogamento, a estrangulação,

o arrastamento, o arrancamento de vísceras, o enterramento em vida, o esquartejamento,

etc., proliferando ainda, todas as outras formas de tortura destinadas a fazer sofrer,

multiplicar e prolongar o sofrimento ou as mutilações, como as de pés, mãos, línguas,

lábios, nariz, orelhas, castração e os açoites”.

O Século das Luzes, em sua segunda metade, trouxe a tona, através de vários

pensadores, as severas críticas aos excessos imperantes na legislação penal vigente,

fazendo ver que a reforma dessa situação tão absurda não poderia demorar mais.

Pautados em idéias que têm por fundamento a razão e a humanidade, esses pensadores

passaram a defender as liberdades individuais e os princípios de dignidade do homem,

propondo que o fim do estabelecimento das penas não deveria consistir em atormentar a

seres sensíveis; que a pena deveria ser proporcional ao crime, devendo-se levar em

consideração, quando imposta, as circunstâncias pessoais do delinqüente, seu grau de

malícia e, sobretudo, produzir a impressão de ser eficaz sobre o espírito dos homens,

sendo ao mesmo tempo a menos cruel para o corpo do delinqüente.

Um dos mais importantes pensadores dessa época é César Bonessana, Marques

de Beccaria (1738-1794), cujas idéias, em seus aspectos fundamentais não perderam,

apesar do tempo, sua atualidade. Ainda hoje, os princípios reabilitadores ou

ressocializadores da pena têm como antecedente importante os delineamentos de

Beccaria, já que a humanização do Direito Penal e da Pena são um requisito

indispensável.

Beccaria defende em sua obra uma concepção utilitarista da pena, enfatizando

que “é melhor prevenir delitos que castiga-los.” Em suma, os princípios defendidos por

ele se insurgem contra a todo tipo de perversidade que historicamente, até então faziam

das penas instrumentos para que indesejáveis fossem removidos do convívio dos

poderosos, lotando prisões e galés de desafortunados que somente descobriam os crimes

de que eram acusados após terem sido aprisionados5. Segundo Kirchheimer (1968) as

5 “Carcer enim ad continendos homines non ad puniendos haberi debet” – Prisões existem apenas para conter os homens, não para puni-los.

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raízes do sistema prisional estariam no mercantilismo enquanto a sua promoção e

elaboração estariam no iluminismo, consequentemente, os diferentes sistemas penais e

suas variações estariam intimamente ligados às fases do desenvolvimento econômico, o

que explicaria a teoria, surgida à época, de que as penas deveriam ser graduadas de

acordo com o status social do indivíduo, porém, embora essa diferenciação de classes

estivesse afeta apenas à gradação da pena, foi essa diferenciação um dos principais

fatores que contribuíram para a evolução do sistema de punição corporal, pois se aquele

que ofendia as leis não podia pagar financeiramente pelos seus crimes, deveria então,

receber punição corporal ou ser jogado na prisão e alimentado a pão e água até que os

cidadãos de bem intercedessem por ele ou que fossem perdoados pelo Bispo.

Outro importante teórico que discute os fins das penas é Cezar Roberto

Bitencourt que em seu Tratado do Direito Penal (1997) adota a separação das diversas

teorias que dão suporte científico em: Teorias absolutas, Teorias relativas (prevenção

geral e prevenção especial) e Teorias Unificadoras ou ecléticas, às quais procuraremos,

ao menos superficialmente, comentar separadamente.

2.1. Teorias absolutas

De acordo com Bitencourt, em um Estado absolutista em que a religião, a

teologia e a política se confundiam entre si, concentrava-se na pessoa do rei o Estado,

assim como o poder legal e de justiça. A concepção que se tinha da pena era de que essa

era um castigo com a qual se expiava o mal cometido. Acreditava-se que agir contra o

soberano era, concomitantemente, rebelar-se contra o próprio Deus. Porém, com o

crescimento da burguesia e a transição da sociedade da baixa idade média para a

sociedade liberal, surge uma nova necessidade de se implementar meios para proteger o

capital e a pujança da nova classe social que passa a dominar o cenário econômico, o

que leva à decadência do Estado absoluto e à ascensão do Estado burguês, alicerçado

num modelo capitalista. Dentro dessa nova concepção, a pena já não poderia continuar

mantendo seu fundamento baseado na antiga identidade Deus e Soberano, Religião e

Estado. Assim, a pena passa então a ser concebida como “a retribuição à perturbação da

ordem adotada pelos homens e consagrada pelas Leis”. A retribuição sucede a expiação,

a razão de Estado substitui a razão Divina. Enfim, a Lei divina dá lugar à Lei dos

homens.

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A partir desse esquema retribucionista, a pena passa a ter como fim fazer justiça,

nada mais. Seu fundamento ideológico baseia-se no reconhecimento do Estado como

guardião da justiça terrena e como conjunto de idéias morais, na fé, na capacidade do

homem para se autodeterminar e na idéia de que a missão do Estado perante os cidadãos

deve limitar-se à proteção da liberdade individual.

2.2 Teorias relativas (prevenção geral e prevenção especial):

O estudo da teoria preventiva nos ensina que seu principal escopo não é retribuir

o fato delitivo e sim, prevenir a sua pratica. Para os teóricos defensores da teoria

preventiva, a fundamentação dessa teoria encontra eco, principalmente, em Sêneca que

acreditava que “nenhuma pessoa responsável castiga pelo pecado cometido, mas sim

para que não volte a pecar”. Contudo, apesar voltar-se para a prevenção é consenso

entre os teóricos que tanto na teoria retributiva quanto na teoria preventiva, a pena é um

mal necessário e, segundo FEURBACH, sua função seria dividida em:

2.2.1 Prevenção geral ou “teoria da coação psicológica”

A discutir a Prevenção geral, Bitencourt nos afirma que é através do Direito

Penal que se pode dar uma solução ao problema da criminalidade, pois, na sua

concepção, a pena é, efetivamente, uma ameaça da lei aos cidadãos para que se

abstenham de cometer delitos, ou seja, é uma “coação psicológica” com a qual se

pretende evitar o fenômeno delitivo.

Desenvolvida durante o período iluminista (século das luzes) em que a razão

sobrepõe-se à emoção, a prevenção geral fundamenta-se em duas idéias básicas: a idéia

de intimidação ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem.

Para a teoria da prevenção geral, a ameaça da pena produziria no indivíduo uma espécie

de motivação para não cometer delitos, porém, o que a teoria da prevenção geral teria

deixado de observar é o aspecto da confiança do homem em não ser descoberto,

frustrando assim, ao menos em parte, o aspecto preventivo das penas; fator que

explicaria a existência dos delinqüentes profissionais, os habituais ou os impulsivos

ocasionais (Bitencourt). Em suma, a simples existência do delito deixa em xeque a

eficácia da prevenção geral.

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2.2.2 Prevenção especial

A fundamentação da prevenção especial diverge da prevenção geral ao

considerar que evitar que quem delinqüiu volte a fazê-lo é, também, uma forma de

prevenção. Ao contrário da prevenção geral, a prevenção especial tem o seu foco no

delinqüente, não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato

praticado, visa apenas aquele individuo que já delinqüiu para fazer com que não volte a

transgredir as normas jurídico-penais. Na prevenção especial, como o castigo e a

intimidação não têm sentido, o que se pretende é corrigir, ressocializar ou inocuizar.

Porém, segundo Bitencourt, suas contribuições não evitam as argumentações contrárias

que lhe são endereçadas sob vários pontos. “Os fins da prevenção especial seriam

ineficazes ou anulados diante daquele delinqüente que, apesar da gravidade do fato

delitivo por ele praticado, não necessite de intimidação, reeducação ou inocuização, em

razão de não haver a menor probabilidade de reincidência, o que nesses casos, levaria à

impunidade do autor.”

2.3. Teorias unificadoras ou ecléticas:

Iniciada por Merkel, no início do século, a partir das críticas à

unidimensionalidade das teorias absolutas ou relativas da pena, as teorias mistas ou

unificadoras são uma tentativa de se agrupar em um conceito único os fins da pena.

Incapazes de abranger a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao

Direito Penal, com conseqüências graves para a segurança e os direitos fundamentais do

homem, as teorias absolutas ou relativas da pena cedem lugar às novas teorias que

abranjam a pluralidade funcional dessas.

De acordo com Bitencourt, ao apoiar-se no fundamento de que a sanção punitiva

não deve “fundamentar-se” em nada que não seja o delito praticado, as teorias mistas

afastam um dos princípios básicos da prevenção geral: a intimidação da pena,

responsável por inibir o cometimento de novos delitos pelo resto da comunidade. Se

inicialmente as teorias unificadoras se limitaram a justapor os fins preventivos,

especiais e gerais da pena, reproduzindo as insuficiências inerentes a cada teoria, numa

segunda etapa passou a fixar-se na procura de outras construções que permitiam unificar

os fins preventivos gerais e especiais. Nessa etapa, centralizaram o fim do Direito Penal

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na “idéia de prevenção”, enquanto a retribuição passou a ter um papel apenas limitador

(máximo e mínimo) das exigências da prevenção.

2.3.1 Teoria da prevenção geral positiva:

Novamente, os inconvenientes resultantes da observação das teorias unificadoras

fizeram com que a doutrina investigasse novas alternativas para os fins da pena, já que

as combinações de proposições retributivas e preventivas da tese unificadora não foram

suficientemente convincentes para consolidar a teoria doutrinária a ser seguida.

Surgindo daí, a teoria da prevenção geral positiva que se subdivide em prevenção geral

positiva fundamentadora e prevenção geral positiva limitadora.

2.3.2 A prevenção geral positiva fundamentadora:

A prevenção geral positiva fundamentadora tem como principais representantes

Welzel e Jakobs6. Na concepção de Welzel, o Direito Penal cumpre uma função ético-

social para a qual, mais importante que a proteção dos bens jurídicos, é a garantia da

vigência real dos valores e ação da atitude jurídica. A proteção dos bens jurídicos

constituiria somente a função de prevenção negativa. Segundo o autor, ao castigar a

violação de valores fundamentais, estaria o Direito Penal expressando a vigência dos

ditos valores, conforme o juízo ético-social7 do cidadão, fortalecendo sua atitude

permanente de fidelidade ao Direito. Para Jakobs, quando ocorre a infração de uma

norma, convém deixar claro que esta continua a existir, mantendo sua vigência, apesar

da infração. Para ele, “a pena serve para destacar com seriedade, e de forma ‘cara’ para

o infrator, que sua conduta não impede a manutenção da norma”. Assim, de acordo com

esse entendimento, enquanto o delito é negativo, na medida em que há a infrigência da

norma, a pena, por sua vez, é positiva na medida em que afirma a vigência da norma ao

negar sua infração.

Criticável face à sua pretensão de impor ao indivíduo, de forma coativa,

determinados padrões éticos, ou simplesmente por não constituir uma alternativa real

6 Welzel, Derecho Penal Alemán; Jakobs, Derecho Penal, Parte General – fundamentos y teoria de la imputación (1995). 7 Para Kaufamann, a função ético-social defendida por Welzel deveria ser entendida como “um aspecto positivo da prevenção feral, e a caracteriza como socialização dirigida a uma atitude fiel ao Direito”.

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que pudesse satisfazer as necessidades da teoria da pena, dá a teoria da prevenção geral

positiva fundamentadora lugar a uma nova teoria, a prevenção geral positiva limitadora.

2.3.3 A prevenção geral positiva limitadora:

Fundamentada na defesa de que a prevenção geral deve expressar-se com

sentido limitador do poder do Estado, a prevenção geral positiva limitadora, teria seu

grande defensor em Hassemer8, “a pena, como forma de castigar ou sancionar

formalmente, submete-se a determinados pressupostos e limitações, às quais não se

subordinam as demais sanções. A pena deve manter-se dentro dos limites do Direito

Penal do fato e da proporcionalidade, e somente pode ser imposta através de um

procedimento cercado de todas as garantias jurídico-constitucionais”. Ainda de acordo

com Hassemer, o Estado não pode, a não ser que se trate de um Estado totalitário,

invadir a esfera dos direitos individuais do cidadão, ainda e quando haja praticado

algum delito. Para tal, Hassemer invoca os princípios da intervenção mínima, da

proporcionalidade, da ressocialização, da culpabilidade e outros.

Na sua concepção, Hassemer, defende que a função da pena é a prevenção geral

positiva, ou seja, a reação estatal perante fatos puníveis, protegendo ao mesmo tempo, a

consciência social da norma, enquanto a ressocialização e a retribuição seriam apenas

instrumentos de realização do fim geral da pena. Continua Hassemer, “a principal

finalidade, pois, a que deve dirigir-se a pena é a prevenção geral – em seus sentidos

intimidatórios e limitadores -, sem deixar de lado as necessidades de prevenção

especial, no tocante à ressocialização do delinqüente”. A ressocialização defendida por

Hassemer implicaria num processo comunicacional e interativo entre indivíduo e

sociedade, pois, para o autor, não se pode ressocializar o delinqüente sem colocar em

dúvida, ao mesmo tempo, o conjunto social normativo ao qual se pretende integrá-lo.

Ao contrário, defende Muñoz Conde, estaríamos admitindo que a ordem social é

perfeita, o que, no mínimo é discutível.

Como se vê, um longo caminho foi percorrido para que as penas chegassem à

conformação que conhecemos hoje, passando de vingança pública e/ou privada à

instituto de prevenção criminal; à crueza e desumanidade sobrepõe-se, na atualidade, a

função social de ressocialização e reintegração do indivíduo e o respeito à dignidade e à

8 Hassemer, Los fines de la pena.

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integridade física são princípios que devem nortear a aplicação das penas em quaisquer

circunstâncias, em conformidade com os artigos 5º e 11º da Declaração Universal dos

Direitos Humanos 9.

3 – EXEMPLOS DOS MODELOS DE SISTEMAS PENAIS JAPONESES E

AMERICANOS.

Para que possamos entender os efeitos do endurecimento penal no combate à

criminalidade violenta e seus reflexos na Segurança Pública, partimos do estudo de

alguns modelos de sistemas penais empregados por países como Japão e Estados

Unidos cujos modelos se diferem tanto na aplicação quanto nos resultados. É sabido,

contudo, que diversos fatores tais como cultura, religião, história e outros irão

influenciar bem de perto tanto na escolha dos modelos adotados quanto na aceitação por

parte da população local e, principalmente, nos resultados alcançados e, que nem

sempre um modelo que atende a um povo irá atender satisfatoriamente a outro povo.

Ainda assim, consideramos extremamente importante analisarmos experiências de

outras culturas no momento em que buscamos em nosso país uma conformação mais

positiva do Direito Penal e dos nossos Modelos e Sistemas prisionais.

3.1 A criminalidade e o Sistema Penitenciário no Japão:

O Japão com poucas disparidades entre o rico e o pobre veio a ser,

indubitavelmente, uma das sociedades mais seguras do mundo, com baixíssima

incidência criminal. Basta dizer que no ano de 1996, 91% dos homicídios registrados na

capital foi esclarecido pela Polícia, o que reflete a eficiência da organização encarregada

da Segurança Pública, apesar de tal eficiência não impedir, contudo, a convivência com

9 Art. 5º Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; Art. 11º Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento de sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido.

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o crime organizado10 que atua em áreas como jogos, prostituição, pornografia, usura,

segurança e tráfico de drogas. Outra modalidade em profusão no país é, curiosamente, o

crime de colarinho branco.

Diferentemente do sistema penitenciário brasileiro, as prisões no Japão não

vivenciam o problema da superpopulação e, a comunidade cativa, submetida ao sistema

progressivo, usufrui, em instituições quase sempre modernas e bem aparelhadas, de

instalações higiênicas, alimentação adequada, esportes, trabalho e ensino. O trabalho,

obrigatório, é de 44 horas semanais, podendo ser de três categorias:

a) Produção (carpintaria, alfaiataria, oficina mecânica, etc.);

b) Treinamento vocacional (tipografia, silvicultura, indústria química,

processamento de dados, etc.);

c) Manutenção (cozinha, limpeza, lavagem, construção e reforma de prédios).

Os presos não recebem salário propriamente dito, pois o trabalho é considerado

gratuito e o valor que lhes é devido, como forma de encorajamento, fica retido em

poupança, lhes sendo entregue ao sair.

Crimes Japão Estados Unidos

Homicídio

Roubo

Incêndio premeditado

Estupro

Lesão Corporal

1.233

2.466

1.754

1.611

3.581

23.760

672.480

Não disponível

109.060

1.126.970

Fonte: http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/prisons.htm, acessado em 30/07/2008.

Apesar do baixíssimo índice de criminalidade apresentado pelo Japão, em

recente reportagem intitulada “Prisões japonesas estão superlotadas”, o Ministério da

Justiça Japonês declarou que as prisões japonesas ultrapassaram em 2006 a marca dos

70 mil presos e que o governo japonês já estava tomando medidas como a construção de

quatro novos presídios e a ampliação de outros, com o objetivo de criar acomodações 10 A Yakuza, máfia japonesa é conhecida mundialmente pela sua crueldade e estrita organização com regras e severíssimos códigos de honra, além de uma forte hierarquia.

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para 71 mil presidiários até março de 2009. A explicação das autoridades é que a taxa

de encarcerados japoneses está intimamente relacionada ao crescente rigor das

sentenças pronunciadas por Juízes, o que levou ao aumento da população de

encarcerados a um rítimo anual entre três mil e quatro mil novos detentos.

Contudo, conforme nos aponta Halley (1989), apud Rolim (2006), o que tem

realmente contribuído para reduzir o crime no Japão é o padrão de reconhecimento de

culpa e arrependimento. Esse padrão consiste, na verdade, em negociações diretas com

as vítimas para a reconstituição dos prejuízos e obtenção de perdão como precondição

para um tratamento judicial mais favorável, evitando longas sentenças de prisão.

O Sistema de Justiça Restaurativa, adotado no Japão, conforme Rolim (2006)

adota um determinado padrão “confissão-arrependimento-perdão” que se distribui em

todas as fases da persecução criminal, desde o primeiro interrogatório policial até a

última sessão do tribunal. Em qualquer dessas fases, se o acusado pela prática de algum

delito confessa, mostra arrependimento, negocia o perdão com suas vítimas e se

submete inteiramente ao poder das autoridades, como forma de retribuição será tratado

com compreensão e ganha a expectativa de remissões futuras.

Alguns aspectos que diferenciam o sistema de justiça restaurativa japonês do

sistema de justiça criminal ocidental são: o olhar mais amplo da justiça que se preocupa

também com a situação da vítima, enquanto no sistema criminal ocidental o foco da

atenção oficial é direcionado para o ato infracional em si e para o seu autor; no modelo

de justiça restaurativa a preocupação com o dano produzido à sociedade é maior do que

a preocupação com o fato de ter havido uma violação à lei, já no sistema criminal

ocidental (retributivo) a preocupação maior é com o ato danoso ou imoral que violou as

leis fundamentais da sociedade. Muitos outros aspectos poderiam ainda ser

considerados, porém, o que nos parece de suma importância ressaltar é que no sistema

de justiça restaurativa, o infrator é colocado em face das circunstâncias de dor e prejuízo

produzidas por seu ato, criando-se a possibilidade de arrependimento e perdão.

No sistema restaurativo a responsabilização do infrator será definida a partir do

entendimento do mal causado e da sua decisão de reparar o dano, o que é um fator mais

do que suficiente para que os índices criminais no Japão se apresentem como os mais

baixos do mundo.

3.2 O Sistema Penal Americano:

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Dentro do propósito de buscarmos bases mais sólidas para nossos estudos sobre

criminalidade violenta e políticas de enfrentamento, não poderíamos deixar de analisar

alguns aspectos do modelo penal dos Estados Unidos que se tornaram uma importante

referencia, pois, com aproximadamente dois milhões de presos (2002) e praticante da

mais dura política de combate ao crime do mundo desenvolvido, ainda amarga uma

realidade muito violenta.

Para alguns estudiosos é exatamente o aumento da criminalidade que provocou

na sociedade norte-americana uma reação favorável à política criminal de extremo rigor

e à imposição de sentenças longas, principalmente para crimes considerados graves

como seqüestros e homicídios dolosos e, é exatamente a certeza de que um número alto

de detenções pode baixar a taxa de delito que tem funcionado como força motriz em

torno da qual, várias vozes se aglutinam numa reivindicação de aumento do número de

prisões. É o que afirma Lemgruber (2002, p. 55) ao dizer que “a temática da

criminalidade e dos meios de controlá-la carrega, por sua própria natureza, um forte

apelo emocional. Facilmente o medo se converte em caldo de cultura para demandas

vingativas e autoritárias, sobretudo quando amplificado pela mídia e manipulado por

interesses políticos”.

Na verdade, tais crenças não passam de mitos, pois, de acordo com a

pesquisadora “mesmo encarcerando seus habitantes seis vezes mais do que a média dos

países europeus ocidentais, em 1995, por exemplo, houve mais homicídios em Los

Angeles, uma cidade de 3,5 milhões de habitantes do que em toda Inglaterra e Pais de

Gales, com 50 milhões de pessoas”.

Esse pode ser na verdade um dos grandes indícios de que endurecer a legislação

penal não resolve, pois, se nos Estados Unidos, país com a legislação penal mais severa

do mundo desenvolvido, onde a pena de prisão perpétua é comum e ainda vigora em 38

dos 50 estados norte-americanos a pena de morte, há muito extinta na Europa Central, o

que explica o crescimento da população prisional que vem ocorrendo naquele país

desde 1995? Relatórios Departamento de Justiça Americano11 mostram que de 1995 a

2005, a taxa de pessoas presas por 100.000 habitantes cresceu de 193 para 256. Outro

aspecto que merece ser mostrado nesse estudo é o fato de que “nos Estados Unidos, país

11 http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/prisons.htm, acessado em 30/07/2008

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que desde 1976 re-introduziu a pena de morte para crimes letais, a taxa de homicídios

por 100 mil habitantes é de duas a quatro vezes superior à registrada em países da

Europa Ocidental que não adotam essa pena. Além do mais, nos Estados norte-

americanos em que não há pena de morte, as taxas de homicídio são mais baixas do que

naqueles onde a pena capital é adotada (Lemgruber, 2002).”

A análise do crescimento da taxa de presos por 100.000 habitantes que chegou a

aproximadamente 709 presos por cem mil habitantes em 2002 leva ao seguinte

questionamento o contingente de presos nos Estados Unidos cresceu porque

aumentou o numero de crimes ou se não tivesse crescido o numero de presos, as

taxas de criminalidade seriam ainda mais altas? As pesquisas mostram que somente

no período entre 1970 a 2000 a população prisional americana passou de 200 mil para

aproximadamente dois milhões de presos.

Alguns estudiosos debitam o alto índice de encarceramento nos Estados Unidos

à duríssima legislação penal do país que tem entre as leis vigentes a Three Strike Law,

lei nascida na Califórnia e que determina que um infrator, ao cometer seu terceiro crime,

seja condenado à prisão perpétua; enquanto em alguns Estados americanos o crime deve

ser grave e violento para que se aplique a Three Strike Law, em outros bastam três

condenações por crimes leves tais como furto, cheque sem fundos, etc., para que a

prisão perpétua seja aplicada ao autor.

Outro aspecto relevante nos Estados Unidos é que se uma pessoa cumpriu pena

por qualquer crime intencional, mesmo crimes sem violência ou crimes contra a

propriedade de pequeno valor, essa pessoa perde para sempre o direito de voto. A

referencia à prisão torna-se uma marca indelével, contaminando as relações sociais e

diminuindo a capacidade de gerar renda. Contudo, em que pese a duríssima legislação

penal, a socióloga Julita Lemgruber aponta que nos últimos anos as taxas norte-

americanas têm sido, em média, seis vezes maiores que as da Europa Ocidental e,

mesmo assim, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, nos Estados Unidos é de

duas a quatro vezes mais alta que as taxas européias ocidentais. (Lemgruber, 2002, p.

168).

Em 1994, o Prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, numa decisão de ser

inflexível em relação aos crimes, embasou sua política num estudo chamado Janelas

Quebradas elaborado pelo cientista político James Q. Wilson e o psicólogo

criminologista George Kelling, instituiu a política da Tolerância Zero que consistia

numa preocupação em atacar as pequenas infrações do cotidiano, além de adotar

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instrumentos semelhantes à reengenharia industrial, aumentando o efetivo da polícia,

informatizando os departamentos, modernizando os equipamentos policiais,

descentralizando a responsabilidade de resolver os problemas de crime aos chefes de

delegacias, informatizando o acompanhamento dos índices de criminalidade, criando

mecanismos de avaliação de produtividade dos policiais, implementando uma cultura de

planejamento de avaliação corretiva e de troca de informação entre os policiais e

utilizando a metodologia do CompStat (Computorized Statistic) que, traduzindo para o

português, significa Estatística Computadorizada ou geoprocessamento. O programa

Tolerância Zero tinha como máxima tirar as pessoas carentes, pobres, negros,

imigrantes das ruas de Nova York e prende-las, ao invés de dar-lhes condições sociais

mais acessíveis para melhorar suas qualidades de vida. A única preocupação era dar

uma resposta efetiva à população dos resultados da política da Tolerância Zero e da

competente atuação dos departamentos de Polícia em desvendar crimes, executando

para tanto, uma verdadeira caça aos criminosos ou àqueles que se supunham criminosos

em potencial (população carente, comunidades pobres, etc.).

Contudo, como era de se esperar, em comunidades formadas principalmente por

minorias, os ressentimentos explodiram em protestos após vários incidentes ligados aos

abusos da Polícia contra os cidadãos, moradores que viam traficantes com ódio

adoraram sentimento similar pela Polícia; outro aspecto relevante foi a mudança

adotada por alguns mercados como, por exemplo, o mercado do tráfico de drogas, que

buscou uma reconfiguração na sua forma de atuar para sobrevier à política da

Tolerância Zero; os mercados de drogas se mudaram para locais fechados e a entrega

passou a ser à domicílio, o que lhes proporcionou a possibilidade de operar por anos

sem sofrer nenhuma prisão.

Na avaliação de especialistas, possivelmente as mudanças econômicas em Nova

Iorque causaram maior diferença do que o policiamento agressivo e a política de

Tolerância Zero; nas áreas onde o crime dominava foram repovoadas por residentes

com interesses na participação de assuntos locais, tendo os serviços básicos e o

patrulhamento sido retomados.

4 – O MODELO DE EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRO E O SEU REFLEXO

NA SEGURANÇA PÚBLICA:

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No Brasil o Direito Penal apresenta duas fases bastante distintas. A primeira

delas com o período colonial, onde tivemos a vigência das Ordenações Filipinas e, a

segunda a partir de 1824, quando entramos na fase do Direito Penal Brasileiro com o

Código Criminal do Império.

Enquanto as Ordenações Filipinas, promulgadas em 1603, por Felipe II, tinham

por orientação uma ampla e generalizada criminalização com severíssimas punições que

incluíam a pena de morte, amputação de membros, açoites, degredo, galés, etc. O

Código Criminal do Império fundava-se em sólidas bases de justiça e de equidade,

tomando por base os ideais de Bentham, Beccaria e Mello Freire, além de consagrar em

seu art. 55, o festejado sistema dias-multa. Considerado como um dos mais bem

elaborados da época, o Código Criminal do Império influenciou grandemente o Código

Penal espanhol de 1848 e o Código Penal português de 1852, porém, a proclamação da

República trouxe consigo um novo projeto de Código Penal que foi elaborado e

publicado em 1890.

Contudo, até a chegada do Código Penal de 1940, com a Carta Política de 1937,

muitas outras reformas foram necessárias e, em que pesem os avanços do novo Código

Penal, o seu texto trazia em seu bojo uma orientação claramente autoritária com um

sistema de penas e medidas de segurança que na prática se constituíam de recursos

formais para prolongar indefinidamente as penas.

Vigente até os dias atuais, o Código Penal de 1940, também passou por várias

revisões e em 1984, com o advento da Lei 7.209, teve toda a sua Parte Geral

reformulada. A Lei 7.209, trouxe em seu arcabouço o aspecto da humanização das

sanções penais, adotando penas alternativas à prisão, além de reintroduzir no Brasil, o

sistema dias-multa. O que para Zaffaroni (2002), foi um dos maiores acertos, do Código

Penal de 1940, a introdução da possibilidade de concessão do livramento condicional,

uma vez cumprido um terço da pena, ou metade, em caso de reincidência, o que

compensaria a extensão da pena em trinta anos.

Contudo, se de um lado o legislador buscou agregar à Lei 7.209/84 novos

avanços legais, de outro lado, com o crescimento acelerado da criminalidade violenta e

com o impacto dos noticiários recebidos pelos meios massivos de comunicação que,

“mobilizados em face de extorções mediante seqüestro que vitimaram figuras

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importantes da elite econômica e social do país. 12“, propagaram aos quatro ventos que

uma crescente onda de violência parece assolar o país, elevando o sentimento de

insegurança e instigando na população um medo irracional, dá início a uma verdadeira

campanha contra a brandura das penas e a favor de aplicação de penas cada vez mais

rígidas com o fito de desestimular ações criminosas, fez com que grupos cada vez mais

numerosos de pessoas vissem no endurecimento penal o caminho para o combate a

criminalidade e pelo retorno da sensação de segurança. Não alheia a esse movimento,

encontramos a conveniência política que faz com que os legisladores cedam aos

mecanismos pressão popular, trazendo ao cenário brasileiro a criação dos crimes

hediondos com a Lei nº 8.072/ 9013; Lei de combate à criminalidade organizada, com a

Lei 9.034/95 e outras como, por exemplo, a Lei 11.340/ 0614, conhecida popularmente

como Lei Maria da Penha, etc.

Em recente estudo, a Socióloga Julita Lemgruber nos lembra que:

“O endurecimento da legislação penal significa mais gente na prisão, por

mais tempo e, não está demonstrado que aumentos nas taxas de encarceramento

acarretem diminuições proporcionais nas taxas de criminalidade. Por outro lado,

quanto mais tempo alguém fica na cadeia, maiores suas chances de reincidir.

Consequentemente, as penas longas acabam alimentando a violência e o crime”.

A confirmação do que nos diz a Socióloga pode estar expressa no simples fato

de que de 1995 a 2001, o Brasil passou de 95,5% para 141,5% de presos por 100 mil/

habitantes, sendo que em um diagnóstico da situação prisional em Minas Gerais,

publicado pela Revista do Conselho de Criminologia e Política Criminal, Volume IX,

de Setembro de 2007, somente no período de 2003 a 2006, a taxa de encarceramento

passou de 119,45 presos/ 100.000 habitantes para 168,04 presos/ 100.000 habitantes,

elevando a população prisional de 23.298 presos para um total de 32.585 presos

12 Zaffaroni (2002) – Manual de Direito Penal Brasileiro. 13 Lei 8.072/90 - Crimes Hediondos - Art. 2º Os crimes hediondos, , a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I- Anistia, graça ou indulto; II- Fiança e liberdade provisória. § 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.

14 Lei 11.340/06/ 06 - Maria da Penha - prevê que: Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. Art. 20 Em qualquer fase do Inquérito policial ou instrução criminal caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

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somente no Estado mineiro, isso sem contar que a escalada dos índices de crimes

violentos parece não ter fim.

Na verdade, o que podemos perceber é que o crescimento da criminalidade

violenta implica em muitos outros fatores que vão muito além de uma política de

repressão mais rígida ou mais flexível, para Menna Barreto, o aumento da criminalidade

é apenas a contra carga do desenvolvimento e progresso dos povos civilizados, ou seja,

à medida que esses povos atingem índices maiores de progresso e realizações materiais,

crescerá, concomitantemente, a criminalidade em seus territórios.

Ainda estamos longe de um consenso no que se refere ao combate à

criminalidade, muitos são os defensores do movimento de lei e de ordem, que se auto-

proclamam paladinos na luta contra o crime; que confiam na capacidade inibidora da

pena e afirmam que é preciso atuar com maior severidade, principalmente quando se

trate de reincidentes. Em apoio de suas teses citam o modelo americano voltado para a

aplicação de penas rigorosas (a pena de morte, a prisão perpétua e a castração química,

são exemplos) e para o aprisionamento em larga escala.

Como não podia deixar de ser, parece longe do fim o embate entre os “paladinos

na luta contra o crime”, na luta para a adoção de políticas criminais rígidas, contra os

defensores dos movimentos de humanização das penas (penas alternativas) que, ao

longo dos anos, vem, de forma crescente, permeando a prática penal adotada no Brasil,

buscando na própria essência da Lei um mecanismo de aplicação das penas de forma

humana e eficaz.

Na verdade, na história do Direito Penal os movimentos parecem se alternar

entre as correntes que defendem a humanização das penas, a descriminalização de

alguns fatos ou a criminalização de outros, ou ainda, com aqueles que defendem o

enrijecimento do sistema de cumprimento das penas, etc., buscando tais alternâncias

por uma estratégia ideal de enfrentamento à criminalidade e violência, o que não é um

caminho simples e precisa ser avaliado e até mesmo reformulado, caso seja necessário,

face ao objetivo que se propõe, ou seja, a manutenção da Segurança Pública.

Um exemplo histórico dessa constante alternância de movimentos pode ser

encontrado nos anais da história da Segurança Pública de Estado de Minas Gerais,

quando, no final do Século XIX, uma revolução paradigmática sacudiu a criminologia

que deslocou o seu foco de atenção do crime para o criminoso. Consequentemente, o

objetivo das políticas penais passou a ser “reduzir o crime curando o criminoso de sua

criminalidade e não mais apenas punir ou isolar o agressor da ordem legal, mas

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recuperá-lo, através de sua exposição a terapias científicas de correção de patologias15”

e foi a partir desse novo paradigma que em 1927, o Estado de Minas Gerais, buscou

redesenhar o modelo prisional que vinha adotando, partindo-se de um diagnóstico

desanimador quanto à capacidade reabilitadora das cadeias do Estado onde até então:

“Sem qualquer regime de trabalho, numa ociosa promiscuidade, as sentenças eram

cumpridas, mas o homem restituído à sociedade, em vício, cinismo e maus propósitos,

era dez vezes pior do que o criminoso no momento da prisão16”.

Assim, para atender ao novo modelo que o Estado buscava implantar, foram

construídas duas penitenciárias, a primeira (Regional) em Juiz de Fora17 e a segunda

(Agrícola) em Ribeirão das Neves, cujos objetivos era a recuperação através da terapia

do trabalho. Acreditava-se estar cumprindo o requisito de classificação, isolando o

criminoso urbano do rural, ao mesmo tempo em que se ampliava a eficácia da

laborterapia, pelo respeito às vocações ocupacionais diferenciadas da clientela.

Modelada a partir do modelo consensualmente celebrado da penitenciária suíça

de Witzwill de solução reabilitadora do problema prisional, a Penitenciária Agrícola de

Neves (PAN), inaugurada em 1937, se desenvolveu sob o signo da exemplaridade, se

consolidando-se como a antítese da instituição “totalizante” que, ao restringir

severamente os laços de sociabilidade do preso com a sociedade civil, produzia o seu

embrutecimento e sua incapacitação para o convívio “normal”. Percebia-se, já naquela

época, conforme nos diz PAIXÃO (1986) que ao isolar o preso da sociedade, a

instituição carcerária possibilitava a emergência de uma “sociedade dentro da

sociedade”, pensamento corroborado por RODRIGUES18 (2001), que nos diz em sua

obra “Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária”:

“A prisão produz um efeito de intimidação sobre o recluso, criando um estimulo de

adaptação às regras de vida em sociedade; por outro lado, segrega o indivíduo do seu

estatuto jurídico normal, atinge a personalidade, favorece a aprendizagem de novas

técnicas criminosas e propõe valores e normas contrárias aos ‘oficiais’.”

15 PAIXÃO (1986) – Uma Saga Carcerária 16 J.R.S. Câmara, “Sistema Penitenciário em Minas Gerais, Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 3 (Out. 1951), p. 118 17 A Penitenciária Regional de Juiz de Fora, deveria seguir o cronograma inicial que era a criação de uma Penitenciária Industrial, porém, o estabelecimento industrial nunca foi construído. A Penitenciária de Juiz de Fora foi inaugurada somente em 1965. 18 - RODRIGUES, Anabela Miranda.

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É, exatamente em teorias como as apresentas por PAIXÃO e RODRIGUES que

se fundamentou o Regime Progressivo de cumprimento de penas, cujo principal efeito

seria obstacularizar os efeitos perversos que a reclusão tem sobre os indivíduos, pois ao

permitir aos reclusos as saídas regulares possibilitaria a esses mesmos indivíduos a

manutenção dos laços familiares, enquanto o trabalho extra-muros lhes permitiria a

construção e a manutenção de redes de interação com membros da sociedade civil, ao

mesmo tempo em que a remuneração, mesmo a mais insignificante, os tornaria, para sua

sobrevivência, menos dependentes da sociedade surgida intra-muros do sistema

penitenciário.

Para os defensores da humanização das penas é preciso rejeitar que se excluam,

em nome de qualquer euforia preventiva, princípios como os do Estado de Direito, da

Humanidade, da Tolerância ou da Culpa, uma vez que tais princípios têm como essência

a garantia dos direitos individuais contra as exigências coletivas de segurança. A própria

sociologia moderna tem revelado através de estudos que a pena de prisão não só produz

os perversos efeitos de dessocialização como também cria problemas e dificuldades

ulteriores, quando se tem como perspectiva o regresso do recluso à comunidade.

Para Ferreira (1996), a pena de prisão está longe de ser o remédio absoluto para

todos os males da criminalidade, que não parou de intensificar-se e diversificar-se,

falhando por completo a idéia de ser a pena de prisão o meio mais eficaz para a

retribuição ao criminoso e para a prevenção geral ou especial. Seu pensamento poderia

ser facilmente exemplificado pelo seguinte extrato:

“A passagem pelo cárcere além de destruir a personalidade do homem e de cortar

por completo os seus laços sociais e familiares, prejudicando a sua futura reinserção na

comunidade e a recuperação pelo trabalho honesto, propicia o contato com um meio

pernicioso e cruel, verdadeira escola do crime, sujeitando-o muitas vezes a tratamento

desumano e degradante que põe em risco a paz social e estimula a reincidência e a sua volta à

prisão em condições mais desfavoráveis19.”

Atualmente, países como a Alemanha, baseados na afirmação de que a privação

da liberdade é a ultima rátio da política criminal, vêm buscando nas medidas

alternativas para as penas de prisão uma tendência irreversível no moderno direito

penal, modelo esse que tem se diversificado nos vários países e sistemas legais e 19 Ferreira, Ivette Senise. Penas Alternativas e Substitutivos Penais, 1996. p. 58-59

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apresentam inúmeras possibilidades que se destinam a solucionar o desprestígio da

repressão penal provocado pela falência da prisão como pena exclusiva ou principal.

Para Rodrigues (2001), as penas alternativas, de qualquer forma, apresentam-se

hoje como única forma de punir com dignidade, atendendo-se aos interesses das vítimas

e da comunidade, procurando-se ao mesmo tempo, nos estreitos limites do princípio da

legalidade, uma forma de retribuição que leve em conta os direitos fundamentais da

pessoa humana e contribua para a prevenção da criminalidade, realizando os objetivos

máximos do direito penal.

Apesar dos contrastes, no Brasil, o passo decisivo na implementação das penas

alternativas foi dado com a implementação da Lei 9.099/05 que regulamentou os

Juizados Especiais e contem uma série de medidas despenalizadoras. É na verdade, uma

tentativa de reconformação da pena de prisão, com intuito de minimizar o seu efeito

negativo e criminológico, outorgando-lhe, em contrapartida, um sentido positivo,

prospectivo e socializador, além de proporcionar rapidez e efetividade.

Alguns novos modelos de sistema prisional vêm sendo testados como é o caso

das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), cujo modelo

original nasceu em 1972, em São José dos Campos, no Estado de São Paulo,

empregando a filosofia “Vamos matar o criminoso e salvar o homem” e “Todo

homem é maior que sua culpa”, a APAC surge com o objetivo de promover a

humanização das prisões, sem perder de vista a finalidade da pena. Seu propósito é

evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar.

Para os idealizadores da APAC, nos estabelecimentos prisionais convencionais, os

presos são profissionalizados e recebem trabalho, mas o homem acaba esquecido. Ao

final da pena, retornam ao convívio em sociedade como um delinqüente com uma

profissão, sem nenhuma fonte de referência, exceto a própria Polícia; nesses casos,

quase sempre o futuro que o aguarda é a reincidência, na maioria das vezes, com única

opção de sobrevivência.

Apesar de não haver uma estatística oficial no País sobre os níveis de

recuperação alcançados pelas APAC, seus idealizadores vêm divulgando que as APAC

têm apresentado índices de reincidência em torno de 7%. Hoje, existem

aproximadamente 100 unidades espalhadas em torno de todo território nacional, sendo

que países como Alemanha, Argentina, Armênia, Bolívia, Bulgária, Chile, Cingapura,

Costa Rica, El Salvador, Equador, Eslováquia, Estados Unidos, Inglaterra e País de

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Gales, Latvia, México, Moldovia, Nova Zelândia e Noruega também já estão

implantando os modelos APAC em seus territórios.

5 - CONCLUSÃO:

Após a análise do rosário de estudos que apresentamos ao longo desse trabalho,

acredito que reunimos plenas condições de responder aos questionamentos que serviram

de mote à nossa busca. Assim, buscaremos a partir desse capítulo discutir

separadamente a cada uma das perguntas apresentadas:

5.1 Será que a solução para a segurança pública está no enrijecimento do

sistema prisional?

Na verdade, a solução para a Segurança Pública não está no enrijecimento do

sistema prisional, basta uma rápida pesquisa para constatarmos que todos os países que

adotaram penas severas, tais como a pena de morte, nos Estados Unidos e outros, ou

mesmo, na antiguidade com a vigência da Lei de Talião “dente por dente, olho por

olho”, não aboliu ou reduziu a criminalidade. Além do mais, conforme dizem os

especialistas em criminologia, o aumento de penalidade, qualquer que seja sua forma,

apresenta um retrocesso em toda a legislação penal e nas conquistas da humanidade,

obtidas nos dois últimos milênios, segundo Monducci (2007), o aumento da penalidade

inviabiliza o controle criminal e funciona somente como ação no efeito e não nas causas

da criminalidade.

Nesse mesmo sentido poderíamos citar Montesquieu, com a célebre frase “que

se examinem as causas de todos os abusos: ver-se-á que eles se originam da impunidade

dos crimes e não da moderação das penas”.

Numa avaliação dos efeitos da política da Tolerância Zero aplicada no Estado de

Nova Iorque, nos Estados Unidos nos anos 90 de Wendel & Curtis (2002), os autores

concluem que os jovens ao se tornarem acostumados aos repetidos contatos com o

sistema de justiça criminal, não mais vislumbram os efeitos desse sistema que deveria

desmotivá-los à prática dos crimes, pelo contrário, as suas diversas entradas e saídas da

cadeia cumprindo curtas sentenças, fazem com que as oportunidades legítimas sejam

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diminuídas enquanto as oportunidades na vida do crime são aumentadas através dos

contatos feitos na prisão.

A Revista Caros Amigos publicou em 2006 uma Edição Extra com o título PCC,

a História da Facção, O perfil de Marcola, o Líder; A Posição do Governo; A Vida nos

Presídios. Em uma das reportagens a Revista presenteia o leitor com um exemplo claro

da perversidade do atual sistema prisional através da história de JS, 26 anos, um rapaz

trabalhador do Estado de São Paulo, casado, pai de quatro filhos, preso em Abril de

2005, pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, por porte ilegal de arma (que ele jura

não lhe pertencia), numa festa ao ar livre, na Praça Luiz Gonzaga, em Embu, nos

arredores de São Paulo, cujo destino após cumprir 11 (onze) dias de detenção na

Delegacia de Taboão da Serra/ São Paulo, foi se encantar com o mundo do crime e se

apaixonar pelo PCC (Primeiro Comando da Capital).

JS sempre trabalhou. A bordo de sua bicicleta de marchas,

de manhã cedinho, era fácil encontra-lo pela cidade usando camiseta do São

Paulo Futebol Clube, a caminho do serviço. Típico jovem de periferia,

morava com a família numa casinha com quarto, corredor, cozinha e

banheiro, ao lado de uma outra casa ainda menor que a dele. Ao ser preso,

levou uma surra dos PMs, foi jogado no carburão e ameaçado: “vai morrer

vagabundo, filho da puta” A Polícia rodou com ele até a alta madrugada,

quando afinal o levou para a Delegacia de Taboão da Serra. Lá, puxaram

sua ficha de antecedentes criminais: não tinha. Passou a ser réu primário.

A mãe de JS foi avisada na manhã seguinte. Desesperada,

vai ao distrito ver o filho e lá fica sabendo que precisa arrumar R$ 5.000,00

“para quebrar o flagrante” e relaxar a prisão. Mas dona Maria é pobre,

ganha a vida fazendo comida barata em um bar do centro de Embu.

Impotente diante da situação, ela chora o tempo todo. JS é levado então ao

CDP, de onde só sai quando a família conseguiu juntar dinheiro com

parentes, amigos e vizinhos e contratar um Advogado. O tempo que JS ficou

no CDP – onze dias – foi o suficiente para sofrer uma lavagem cerebral.

Volta entusiasmado com o PCC. Lembro de seus olhos faiscando de

felicidade ao se referir ao “partido que defende os presos na moral” (...) Seis

meses depois JS era o principal suspeito de roubar chácaras na cidade onde

mora.

A história de JS parece ter o fim único de corroborar com as palavras de Ferreira

(1996), quando este afirma que a passagem pelo cárcere tem o caráter de destruir a

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personalidade do homem, lhe propiciando o contato com um meio pernicioso e cruel e,

é esta passagem pela escola do crime que muitas vezes estimulará a reincidência e a

volta do criminoso à prisão em condições cada vez mais desfavoráveis.

Assim, apesar de percebermos no cenário brasileiro uma verdadeira inclinação

de diversos segmentos da sociedade e dos legisladores pelo recrudescimento das penas,

defendemos que este não é o caminho que deve ser percorrido no combate à

criminalidade, o que precisamos é viabilizar a aplicação e a execução das penas de

forma mais célere e eficaz, pois que ainda encontra bastante eco entre nós o raciocino de

Beccaria de que é a certeza da punição que inibe o crime e não a gravidade da pena.

5.2 Somente o endurecimento das penas seria o suficiente para refrear a

escalada da criminalidade violenta?

A discussão sobre Segurança Pública e criminalidade violenta é muito mais

ampla e complexa do que se pode parecer. Acreditar que a redução da criminalidade

passa apenas pela ótica do encarceramento é uma visão muito simplista e até mesmo

ingênua que as pessoas podem adotar frente a uma realidade tão dura e cada vez mais

cruel. Dizer também que a solução está apenas no combate à desigualdade social é uma

outra maneira de nos enganarmos e fechar os olhos para o caos em que se encontra a

Segurança Pública no Brasil.

Muitos são os problemas que se escondem por detrás do “caos” em que se

encontra a Segurança Pública, de um lado temos o nosso modelo de sistema carcerário

há muito que se encontra falido; de outro, a lentidão da justiça cujos processos criminais

se arrastam por anos a fio embalados por um sem número de benefícios e recursos

judiciais cujo único objetivo é protelar indefinidamente as sentenças e propiciar a

prescrição penal e, finalmente, a inação e a falta de estrutura de trabalho e

aparelhamento dos distritos policiais onde os Inquéritos se empilham e acumulam

poeira nas estantes, sem que o crime seja esclarecido e o criminoso identificado e

devidamente indiciado para responsabilização penal; não se pode desconsiderar ainda, a

falta de uma ação de pronta resposta do Estado no sentido de não só processar e punir

adequadamente aqueles que infringem a lei penal, como também, promover políticas

eficazes que possam reintegrar à sociedade o ex-condenado que quase sempre, por falta

de condições ideais para sua ressocialização acaba sendo levado à reincidência,

envolvendo-se num ciclo cada vez mais vicioso de crime, prisão, crime, etc.

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É preciso concordar com Julita Lemgruber quando esta diz que a pena de prisão

é cara e ineficaz; que não inibe a criminalidade e não reeduca o infrator, estimulando a

reincidência. O distanciamento da família e o convívio com outros criminosos, sem que

haja uma separação entre esses de acordo com a gravidade dos delitos cometidos, grau

de periculosidade ou extensão da pena tem o condão de funcionar como uma escola de

especialização no crime, embrutecendo o apenado e aniquilando sua auto-estima e

reduzindo cada vez mais a possibilidade de ressocialização. Como afirma Lemgruber

(2002), quem sai das penitenciárias, em geral sai pior e, ao reincidir, frequentemente

comete crimes mais graves, ao contrário dos infratores punidos com penas alternativas

que reincidem muito menos.

Por esse e outros motivos, advoga-se no Brasil o emprego maior das penas

alternativas, reservado o cárcere para os perigosos, autores de crimes graves como

tráfico de drogas, homicídio qualificado, latrocínio e estupro. Aos demais se

destinariam, como regra, outras opções mais humanas e menos onerosas, cuja aplicação

se estenderia a penas inferiores a quatro anos.

5.3 Qual seria, na atualidade, o melhor caminho para conter a escalada da

violência?

Por tudo que já vimos e dissemos até aqui, podemos concluir claramente que a

pena privativa de liberdade é ineficaz no combate à criminalidade. A ineficiência do

sistema prisional faz com que se perca um dos principais efeitos que a pena privativa

deveria provocar naqueles candidatos a ingressarem no mundo do crime que é o efeito

dissuasivo e, o espaço temporal decorrido entre o cometimento do crime e uma possível

condenação faz proliferar o sentimento de impunidade e a sensação de insegurança nas

pessoas de bem.

É essa sensação de insegurança, ampliada pela percepção da violência, do risco e

da ameaça que, segundo Leal (1998), faz com que a atitude social se transforme e a

sociedade reclame por um arsenal de meios efetivos contra o crime e de repressão da

violência. O que a população na verdade desconhece é que a eficácia de padrões de

sistemas rígidos em que se aplicam penas de morte, prisões perpétuas ou qualquer outro

artifício de endurecimento penal, não passa de um mito, basta observar que nos Estados

Unidos, considerado um dos países que tem o sistema penal mais rígido do mundo

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ocidental a população prisional cresceu de duzentos mil presos em 1970 para

aproximadamente dois milhões de presos em 2.000.

Para Julita Lemgruber, o que leva as pessoas a acreditarem que um sistema de

penas cada vez mais rígido seria a solução para o combate à criminalidade é a escassez

de informações sobre o que ocorre no próprio país; no Brasil poucas pessoas e

Instituições se dedicam ao estudo da violência, além do que, há uma precariedade muito

grande de dados disponíveis para fundamentar diagnósticos precisos que sirvam de

bases para a criação de políticas eficazes de redução da violência e do crime. Dessa

forma, é praticamente impossível determinar a real dimensão da criminalidade em nosso

País, uma vez que não há pesquisas regulares de vitimização, o Sistema de Justiça

Criminal se mostra insuficiente e ineficaz e, não se pode mensurar adequadamente as

perdas que ocorrem em cada instância do Sistema de Justiça Criminal, relacionando o

número de crimes cometidos com o número de infratores que recebem uma pena de

prisão (taxa de atrito) e, principalmente, não há como estabelecer a diferença entre o

número de crimes cometidos e aqueles que chegam ao conhecimento da polícia (cifra

negra), perdendo-se a precisão da mensuração, a partir do número de crimes cometidos/

registrados ou da quantidade de crimes em relação aos quais a polícia é capaz de indicar

ao judiciário um provável culpado.

A falta de indicadores precisos que estabeleçam critérios de avaliação e

comparação entre as ações de enfrentamento à criminalidade, compromete a adoção de

políticas públicas voltadas à manutenção da Segurança Pública, deixando em aberto

lacunas que fazem prosperar a impunidade, a reincidência e outros ambientes propícios

ao cometimento de delitos.

Na verdade, para coibir o crescimento dos índices da violência, não é

necessário o estabelecimento de punições severíssimas, cruéis ou desumanas, mas sim

combater a impunidade, reduzindo o lapso temporal entre crime e punição, criando um

ambiente desfavorável ao aumento da criminalidade. Pois, como já nos apontava

Beccaria, para que a pena seja justa, ela só deve ter os indispensáveis graus de

intensidade suficientes para afastar os homens dos delitos. Nós não precisamos de

criação de leis extremamente severas, como a Lei dos Crimes Hediondos, Maria da

Penha ou outras que tenham o condão de enrijecer a aplicação das penas, o que nós

precisamos é que as leis se façam cumprir, pois que o ordenamento jurídico brasileiro é

suficientemente eficiente e democrático ao tipificar os crimes e estabelecer as penas

deles decorrentes. Beccaria já à época em que escreveu a obra “Dos Delitos e Das

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Penas”, nos mostrava que: quanto mais curta é a distância do tempo que passa entre o

delito e a pena, mais forte e mais durável é, no espírito humano, a associação dessas

duas idéias, delito e pena, pois que segundo o autor um dos maiores freios dos delitos

não é a crueldade das penas, mas sua infalibilidade.

Então, se o caminho para conter a escalada do crime passa não somente pelas

penas ou mais propriamente pela severidade dessas, podemos afirmar que a solução

passa também pelo combate às desigualdades sociais, pela criação de oportunidades

concretas de ressocialização, pelo investimento em educação, saúde, saneamento básico

e geração de emprego e renda.

A pronta resposta do sistema de Defesa Social como um todo, a ampliação do

uso de penas alternativas nos casos de crimes que tenham um potencial ofensivo menor,

sem perder de vista os objetivos a que as penas se propõem, a criação de mecanismos

que dêem aos condenados condições de cumprimento de suas penas de forma

humanizada e efetiva, sem deixar que os estabelecimentos prisionais se transformem em

verdadeiras faculdades do crime e várias outras medidas certamente poderiam contribuir

sobremaneira para o controle do crescimento da marginalidade e para o combate à

criminalidade violenta, sem contudo, nos esquecermos de que alem de todas essas

medidas, faz-se de suma importância o investimento governamental em Educação,

saúde, geração de emprego e redução das desigualdades sociais de maneira geral.

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