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1 INTRODUÇÃO
Quais os determinantes da ação de um professor em seu contexto de
trabalho? É possível pensar que todos os professores agiriam de uma mesma
maneira, considerando a existência de um conjunto de ações que seja comum a
eles: planejar aulas; conduzir atividades com os alunos; organizar-se conforme os
ritos no meio escolar (preenchimento de pautas, relatórios, entre outros.).
Porém, na perspectiva de pensar um sujeito (único) agindo em meio às suas
relações no contexto de trabalho, a questão de agir como “um professor” passa a ter
outros contornos. Implica em considerar, nestas relações, elementos que o professor
traz de suas experiências em variados contextos, inclusive, para além da formação
inicial que o credenciou na profissão. Refiro-me às suas relações em família; com
amigos em outros espaços fora da escola; outras experiências profissionais, entre
outras. Assim, para que seja respondida a questão proposta no início do texto, é
preciso observar o professor em ação e considerá-lo um sujeito específico em
contexto próprio.
Nesta pesquisa, apoiada nos estudos de Bernard Lahire, é evidenciada a
importância de se considerar a pluralidade de esquemas de ação incorporados pelo
professor e a complexidade do seu engendramento. Este estudo investiga
esquemas de ação mobilizados por uma professora, na realização do seu trabalho
docente. Tem como foco de análise os comportamentos observáveis e as
elaborações narrativas de situações vivenciadas por ela em seu cotidiano escolar;
que dialogam com a sua formação acadêmica inicial; com a sua vida social em
família e com a sua história de vida. Para tanto, foi necessário ouvi-la e acompanhá-
la em suas aulas e nos momentos possíveis do seu cotidiano.
No início a pesquisa teve um foco impreciso. Iniciei a investigação partindo de
questões muito gerais que se referiam a saberes e experiências do professor,
buscando compreender como os saberes produzidos nas experiências de vida
(pessoal e profissional) eram acionados quando, a professora pesquisada, interagia
com as situações que aconteciam no ambiente escolar.
Ao longo da pesquisa fui construindo a clareza do que eu não iria fazer: não
iria analisar a prática pedagógica da professora; não iria fazer análise da professora.
À medida que ia declinando de algumas possibilidades de pesquisa sobre o “fazer”
14
da professora, fui me apropriando de uma referência teórica que se mostrou profícua
para isolar/ construir o objeto de estudo como sendo os esquemas de ação
mobilizados pela professora na interação com o contexto de seu trabalho; e
colocando as seguintes questões:
O que na formação pessoal e profissional da professora foi incorporado como
esquema de ação? Como ela viveu/ vive suas relações familiares e que ligações são
possíveis perceber quanto ao engendramento e a mobilização de seus esquemas de
ação? Como a sua formação continuada se relaciona com a perspectiva da
incorporação de novos esquemas de ação que poderão ser ativados conforme as
situações vividas por esta professora?
Centrei minha observação no seu agir em aula; em momentos de estudo e
planejamento; em festividades na escola; em reuniões e em outros momentos
aleatórios do cotidiano escolar para captar a maneira como ela interage nestes
contextos, dando especial atenção àquilo que pode ser posteriormente identificado
como esquemas de ação mobilizados pela professora. Fiz entrevistas em que foram
rememorados períodos de sua história de vida, na perspectiva de captar do seu
passado como possivelmente foram incorporados tais esquemas no contexto dessas
relações. Com as informações mobilizadas na observação das ações da professora
e nas entrevistas, foi possível:
Sistematizar os esquemas de ação mobilizados por ela na prática
profissional;
Averiguar as condições de homogeneidade ou heterogeneidade dos
contextos vividos por ela no decorrer de sua trajetória e, atualmente, na
perspectiva de perceber como foram incorporados os esquemas de
ação mobilizados na interação com sua prática docente.
Analisar com ela as ações pesquisadas para favorecer o surgimento
dos aspectos de crise identificados nos momentos narrados e vividos
pela professora numa perspectiva de materialização de uma nova
prática reflexiva.
O texto dissertativo está organizado em cinco capítulos assim construídos:
inicialmente o capítulo um, como texto introdutório, e a seguir o capítulo dois que
apresenta o referencial teórico utilizado no desenvolvimento do estudo e suas
15
articulações no campo de pesquisa referente às teorias da ação. Descreve os
critérios para a escolha da professora a ser acompanhada na pesquisa e a
abordagem teórico-metodológica que possibilitou organizar a sistematização dos
encontros para entrevistas e observação das ações da professora.
O terceiro capítulo busca desenhar o agir docente da professora pesquisada,
levando em conta suas diferentes inserções. Para tanto, esquadrinhei seu espaço de
ação; a percepção que os colegas de trabalho e alunos têm dela; assim como
iniciativas docentes dentro e fora do espaço de aula. Captei, em entrevistas,
lembranças da formação inicial e narrativa da trajetória profissional e pessoal que
contribuíram para compor os dados da pesquisa.
O capítulo quatro está organizado na sistematização e análise de dois dos
esquemas de ação identificados. Foram eles: esquema de ação incorporado para o
ato de planejar e pensar atividades; esquema de ação incorporado para os registros
de trabalho, bem como descreve o esforço conjunto (meu e da professora) sobre a
análise dos esquemas de ação mobilizados pela professora. Este momento foi
pensado na perspectiva de compartilhar reflexões, inspirado na afirmação de Lahire
de que “[...] Ao se estar em condições de captar os processos que levam os atores a
agir como agem, então é possível agir sobre as suas ações e modificá-las”.
(LAHIRE, 2002 p. 14). No capítulo cinco são descritas as considerações finais sobre
a pesquisa realizada e no capítulo seis, encontram-se as referências utilizadas neste
estudo.
16
2 APROXIMAÇÃO COM O REFERENCIAL TEÓRICO1
Mobilizei o conceito de esquemas de ação, estudado pelas teorias da ação na
perspectiva de compreender as relações no modo de agir do ator2 em situações
cotidianas, considerando a maneira como foram incorporados e são mobilizados tais
esquemas. Apresentarei a seguir o referencial teórico que norteou esta pesquisa.
O referencial teórico estudado figura entre as muitas teorias da ação que
buscam responder às questões sobre o agir do ator na relação com o mundo. Essas
teorias opõem-se em uma série de tensões interpretativas. Umas privilegiam a
unicidade, a homogeneidade dos modos de ação, outras a fragmentação infinita dos
“egos”, de papéis, de experiências. Umas dão ênfase ao passado (e ao que dele foi
incorporado); outras o desconsideram. O debate entre elas expressa tensões entre
teorias da ação consciente (decisões voluntárias) e teorias da ação inconsciente
(ajustamentos pré-reflexivos às situações práticas). Segundo Lahire (2002), apesar
da oposição objetiva de algumas dessas teorias, não há confronto entre elas dentro
do espaço científico uma vez que seus resultados comparados permitem avanços na
compreensão do objeto nas pesquisas realizadas.
Neste estudo foi dada especial atenção à teoria do ator plural de Bernard
Lahire (2002), que buscou evidenciar a pluralidade de esquemas de ação
incorporados por atores que se relacionam em diferentes contextos, orientando suas
reflexões a partir da teoria da ação do sociólogo francês Pierre Bourdieu para o qual
são centrais os conceitos de habitus, prática e representações. Embora Lahire
reconheça a relevância deste autor como importante referencial de estudo no campo
sociológico, lançou críticas sobre parte de suas idéias. Lahire elaborou sua teoria,
também em diálogos (concordando ou discordando) com outros pesquisadores,
apoiando-se em estudos sociológicos, antropológicos, históricos, filosóficos e
psicológicos desenvolvidos por autores clássicos, tais como, Proust, Durkheim,
Halbwachs, Goffman, Naville, Camic, McCall. Segundo ele, esse diálogo se
caracterizou como reflexões críticas que, necessariamente, não estavam articuladas
1 Este texto foi escrito, seguindo o argumento construído por Lahire (2002).
2 Lahire esclarece que ao usar o termo “ator”, não se trata de desenvolver a metáfora teatral (ator, cena, papel, réplicas, bastidores, cenários, script...) [...], mas usar uma rede relativamente coerente de termos: “ator”, “ação”, “ato”, “atividade”, “ativar”, “reativar”...(LAHIRE, 2002 p.10)
17
em um mesmo campo de saber, mas que contribuíram para o discurso sobre o ator
plural e a pluralidade das lógicas de ação. Para Lahire (2002, p. 41), é mais comum
“observarmos atores individuais menos unificados e portadores de hábitos (de
esquemas de ação) heterogêneos e às vezes opostos e contraditórios”.
A pluralidade de esquemas de ação incorporados que os atores mobilizam,
nos diferentes contextos em que se relacionam, caracteriza esses atores como
“atores plurais”. Nas palavras de Lahire (2002, p.36).
Um ator plural é, portanto, o produto da experiência – amiúde precoce – de socialização em contextos sociais múltiplos e heterogêneos. No curso de sua trajetória ou simultaneamente no curso de um mesmo período de tempo, participou de universos sociais variados, ocupando posições diferentes.
Materializados no fazer cotidiano do ator estão, entre outros, os esquemas de
ação; os esquemas sensórios – motores, de percepção, de apreciação, de
avaliação, incorporados de acordo com as relações sociais e os contextos nos quais
viveu/ vive o sujeito. Estes esquemas de ação são sínteses das múltiplas
experiências sociais e podem ser mobilizados quando motivados pelas situações
presentes.
Para tanto, Lahire considera a importância das constatações empíricas da
pluralidade de esquemas de ação incorporados, lançando-se em pesquisas na qual
seja possível captar, na história de vida do sujeito pesquisado, as informações
contidas nos percursos de suas experiências sociais que podem contribuir para
entender o modo como foram incorporados os esquemas de ação e,
consequentemente, como eles são mobilizados nas relações presentes.
2.1 O ATOR PLURAL
Para Lahire (2002), as teorias sociológicas pretendem observar o mundo
social utilizando-se de modelos interpretativos próprios que, por vezes, desprezam
variáveis incontidas nos paradigmas utilizados para lançar seu olhar sobre o objeto
18
pesquisado. Neste sentido, propõe, então, que “todo quadro interpretativo deve ser
modificado em função dos objetos a serem estudados” (LAHIRE, 2002 p. 9). Com
isso, valoriza a singularidade da realidade social observada, evitando que casos
particulares do real sejam generalizados indevidamente.
Para o autor, no estudo dos esquemas de ação incorporados e mobilizados,
podem ser consideradas as diferenças entre os tipos e dimensões da ação e tipos
de atores já que os momentos da vida em que se formam os diversos repertórios de
hábitos são diferentes, portanto, cada ator agirá mobilizando seus esquemas de
ação conforme a lógica na qual foram incorporados e a interação com a situação
presente em razão da sua função ”ativadora”, “mobilizadora” desses esquemas.
Sendo assim, cabe ressaltar a importância de se observar o ator em ação e daí
compreender os efeitos das interações deste, nos contextos vividos.
Lahire (2004, p.25) considera que “é verdade que, incontestavelmente,
encontramos nos trabalhos de Pierre Bourdieu o maior esforço de explicitação em
matéria de teoria disposicionalista da ação”. Porém, para ele, os resultados das
concepções bourdieusianas do habitus são insuficientes, uma vez que se limitam às
lógicas previsíveis de campos sociais homogêneos no qual são incorporados
esquemas de ação; práticas com poucas diferenciações situacionais que poderiam
ativar estes esquemas de ação com possíveis atualizações dos esquemas e / ou a
incorporação de outros.
Umas das criticas de Lahire a Bourdieu, quanto aos seus estudos na
construção da noção de habitus, refere-se ao fato de que ele “[...] captou o
funcionamento de uma sociedade tradicional fracamente diferenciada [...]” (LAHIRE,
2002 p. 24). A homogeneidade dos esquemas de ações incorporados pelos
indivíduos que viviam em tal contexto é inevitável. Logo, observar atores em
contextos pouco diferenciados traz poucas evidencias quanto à multiplicidade de
esquemas de ação, tão pouco coloca a necessidade de esforço em perceber o modo
como são mobilizados, dado a previsibilidade das ações observáveis.
De acordo com Lahire, o aspecto unificador do habitus e as relações sociais
estabelecidas com o modo de organização social pensado por Bourdieu limitam
consideravelmente a percepção do pesquisador quanto aos indivíduos e suas
possíveis relações em contextos diferenciados, considerando que “[...] os atores não
são todos feitos no mesmo molde”. (LAHIRE, 2002 p.18)
19
Sendo assim, afirma-se a necessidade de conhecer estes percursos vividos
pelo sujeito pesquisado, para então destacar as particularidades inerentes a cada
sujeito, sobretudo pelas diferenciações e ou regularidades encontradas no modo
como age relativo ao universo social em que está inserido.
A seguir descrevo como Bourdieu e Lahire pensavam a relação da
organização dos universos sociais e as influências sobre o modo como agem os
atores que neles convivem.
2.1.1 Os universos sociais e suas organizações
Na perspectiva do entendimento do habitus como aspecto sistemático e
unificador como aponta Bourdieu, (1979, apud LAHIRE, 2002 p.18)
O gosto, propensão e aptidão à apropriação (material e/ou simbólica) de uma classe determinada de objetos e de práticas classificadas e classificadoras é a fórmula geradora que está no princípio do estilo de vida, conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica específica de cada subespaço simbólico, mobiliário, roupa, linguagem ou héxis corporal a mesma intenção expressiva [...].
Percebe-se, com base na citação acima, que o estilo de vida condiciona o
ator a agir tal como dita o conjunto de elementos constitutivos do meio social em que
vive e que é por ele incorporado; por conseguinte, este estilo passa a ser a matriz
para a estruturação de suas práticas dentro deste universo de relações.
Esta perspectiva considera a impossibilidade de relações entre diferentes
contextos e isso pressupõe que todos os gostos e práticas culturais de um mesmo
indivíduo seriam oriundos de um mesmo núcleo gerador de disposições para as
suas ações. Tais determinações das relações do ator com o meio social,
apresentadas acima, decorrem de como Bourdieu representava o modo de
organização social.
Nos estudos de Bourdieu (1996), ao pensar o modo de organização social
com a intenção de explicar as desigualdades existentes na sociedade, foi
20
desenvolvida uma análise em termos de “espaço social” e “campos sociais”. O
espaço social representa a estruturação da sociedade em seu conjunto, quanto à
distribuição dos diferentes grupos sociais em função de suas características e como
estes se relacionam uns com os outros. Os campos sociais residem na ideia de um
modelo representativo do funcionamento específico das relações entre grupos (e
pessoas) investidos em um mesmo universo de práticas sociais. Esses conceitos
auxiliam na compreensão da reprodução da ordem social, a partir da análise das
posições dos grupos e suas relações, pensadas por esse autor.
Desta maneira tem-se, a partir destes pressupostos, o que se pode considerar
o modo como cada indivíduo vive dentro de uma determinada classe social. Sendo
assim, Bourdieu (1998) aponta alguns elementos que ajudam a perceber os limites e
diferenças de uma classe social para outra a partir do conceito de capital social.
O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de reconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, um conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998 p.67).
A posse de elementos pertencentes a um determinado tipo de capital social
aglutina os indivíduos em torno de grupos que comungam de interesses em comum.
Segundo Bourdieu (1998, p.67), “o volume do capital social depende da rede de
relações e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse
exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado”.
Outro conceito importante que emerge dos estudos deste autor é o de capital
cultural; descrito abaixo em suas três formas de apresentação e que ajuda a
compreender o modo como está relacionado ao capital social:
a) estado incorporado: que, nas palavras de Bourdieu (1998, p.74: 75),
traduz-se em “um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-
se parte integrante da pessoa, um habitus”. Não se pode transmitir tal capital de uma
vez só, faz-se de forma gradual a partir da constância de convivência (em família,
21
por exemplo), bem como, pode ser feito de maneira inconsciente nos meandros
dessas relações duráveis.
b) estado objetivo: presente nos bens culturais materializados em forma de
objetos de artes, escritos, entre outros símbolos referentes ao capital cultural que
representa. Podem ser transmitidos de maneira objetiva ao serem apresentados ou
presenteados aos indivíduos que literalmente passam a portá-los.
c) estado institucionalizado: trata-se do que é instituído pelos processos de
educação formal representado pelos títulos acadêmicos em seus diferentes níveis. E
simbolicamente representará parte do espectro cultural do indivíduo que os possui.
Conforme o que foi descrito anteriormente, observa-se que, no modo de
organização social pensado por Bourdieu, são evidenciados os conceitos de
espaços e campos sociais; pensados de maneira diferente por Bernard Lahire.
Na perspectiva de Lahire (2002), nós vivemos em contextos sociais
diferenciados de maneira simultânea e sucessiva; contextos que se organizam em
forma de campos, porém não como pensado por Bourdieu (campos de forças e de
lutas). Esta é outra crítica endereçada a ele, por não considerar que “o processo
histórico de diferenciação das esferas de atividade não é, em todo o caso, redutível
ao aparecimento de ‘campos sociais’ [...]”. (LAHIRE, 2002, p.33) Os campos, na
concepção de Lahire (2002), se interpelam ou mesmo não podem ser considerados
como tais, como no caso do universo familiar.
Para esses universos sociais organizados em forma de campos (de lutas e
poder), tal qual pensou Bourdieu, mais relacionados aos campos profissionais,
afirma-se a importância da compreensão da posição daqueles que supostamente
estão “fora do campo” ou não enquadrados nas instituições clássicas. Lahire (2002)
aponta que certas práticas ou certos objetos podem pertencer a vários campos ou o
fato de que alguns campos são sub-campos de outros.
Desta maneira, Lahire (2002) afirma que a teoria dos campos responde
parcialmente a uma série de problemas científicos, pois reduz o ator a seu “ser-
como-membro-de-um-campo”; negligencia “quem se define socialmente fora do
campo”; define os habitus dos fora de campo a partir da relação dominador/
dominado dentro das lutas deste campo. Esta teoria “[...] não pode, certamente, ser
uma teoria geral e universal, mas, representa apenas uma teoria regional do mundo
social”. (LAHIRE, 2002, p.35)
22
Na sociedade, o ator pode estar imerso em instituições sociais clássicas,
entre outros: a família, a escola, o universo profissional, a igreja, a associação, o
clube esportivo, o mundo da arte, da política, do esporte, desempenhando funções
que o caracterize como um produtor, consumidor, observador, dentro destes
universos (ou campos). O ator pode pertencer somente a uma parte destas
instituições, e não necessariamente a todas, ou pertencer a mais de uma
simultaneamente, lembrando a ideia de que um campo pode ser sub-campo de
outros campos.
O ator desempenha funções nas relações sociais (pai / mãe, filho(a),
amigo(a), profissional, marido / esposa,), interagindo com o que cada uma destas
funções ativa nos indivíduos, mobilizando seus esquemas de ação incorporados
referentes às representações que estes têm destes lugares ocupados na família, no
trabalho, enfim nos diversos meios sociais. O que faz com que vivamos
“experiências variadas, diferentes e, às vezes, contraditórias”. (LAHIRE, 2002, p. 36)
Em uma entrevista3 concedida, Lahire afirma que não fala de “identidades
múltiplas” ou de “referências identitárias”, mas “de pluralidade” e de heterogeneidade
de disposições incorporadas por cada agente nas sociedades com forte
diferenciação social na qual a família não tem mais o monopólio da educação
legítima da criança. E, mesmo que assim quisesse, sofreria diante dos múltiplos e
enormes apelos da sociedade diversificada em seus modos de socialização.
Nas sociedades contemporâneas, as experiências sociais são múltiplas,
ocorrem de maneira simultânea e cada vez mais precoce. Os indivíduos podem
participar desde muito cedo de contextos sociais múltiplos e heterogêneos, como no
caso de crianças que vão para as creches escolas ainda com pouca idade. Na
escola, essa criança terá que conviver com universos sociais diferentes e com atores
estranhos ao universo familiar. É, também, o caso da babá proveniente de um meio
social diferente ao dos pais da criança que faz interagir mundos sociais altamente
contraditórios, o que contraria a ideia de uma socialização primária homogênea feita
no seio da família.
Neste sentido, é questionada por Berger e Luckman, (1986 apud Lahire,
2002) a noção de socialização primária (na família) e secundária (escola, trabalho,
3 Entrevista concedida à Maria da Graça Jacintho Setton, professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), publicada na revista: Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2. p.315 – 321, maio/ago. 2004.
23
etc.) como se o ator passasse do homogêneo (mundo familiar coeso em seu
universo socializador limitado)4 para o heterogêneo (os diversos sub-universos que o
ator frequenta).
As críticas apresentadas à noção de habitus e de campo permitiram que
Lahire sustentasse suas propostas teóricas relativas ao conceito de “homem plural”
caracterizadas pela intenção de investigar a relação dos atores em condições de
heterogeneidade das experiências socializadoras. Lahire (2002) define este ator
assim:
trata-se de um ator com o estoque de esquemas de ação ou habitus não homogêneos, não unificados, e com práticas consequentemente heterogêneas (e até contraditórias), que variam segundo o contexto social no qual será levado a evoluir (LAHIRE, 2002, p.31).
A seguir descreverei os contextos sociais vividos pelo ator em sua trajetória
de vida que podem determinar condições de homogeneidade e/ou de
heterogeneidade quanto às relações estabelecidas nestes contextos e como essas
condições influenciam na incorporação de esquemas de ação.
2.1.2 Homogeneidade e heterogeneidade
As condições sociais em que vivem os atores determinam a homogeneidade
ou a heterogeneidade quanto aos seus esquemas de ação incorporados. As
condições de homogeneidade estão presentes em sociedades com características
muito próprias e excepcionais e representam modelos reduzidos, com pouca ou
nenhuma diferenciação no modo de vida destas organizações sociais.
Existe, em alguns casos, a tentativa de manter a ilusão da unicidade dos
esquemas de ação, ou seja, dos hábitos incorporados em grupos profissionais
investidos em certo tipo de sentimento de corporativismo, no qual as ações internas
4 O que nada é garantido que assim o seja visto que, nas lógicas familiares, inúmeras contradições são possíveis de acontecer. Os conflitos estão sempre presentes no âmago da configuração familiar “que nunca é uma instituição perfeita”. (LAHIRE, 2002, p.32)
24
deste grupo devam ser homogêneas em razão das lógicas internas do grupo. Para
tanto, evitam interferências de fora. Lahire (2002, p.28) aponta que Halbwachs
“mostra imediatamente a fragilidade de tal empreendimento em uma sociedade
diferenciada”, uma vez que estes profissionais mantêm contato com suas famílias,
entre outros grupos (de amigos, religiosos, etc.) que não partilham dos mesmos
modos de pensar e agir relativos ao determinado meio profissional, o que acentua a
importância de considerar a heterogeneidade e a pluralidade nas relações sociais.
Sabe-se também que existem universos familiares nos quais os adultos
buscam coerência em suas ações para que, de maneira regular e sistemática, seja
possível levar às crianças um tipo de educação que resulte em menos contrastes
possíveis nas suas relações internas. Mães abandonam os seus trabalhos para uma
dedicação exclusiva aos filhos podendo, pois, sucumbir em seus esforços com a
inevitável convivência destas crianças com as situações sociais extra familiar,
múltiplas e heterogêneas.
Lahire (2002) pretende despertar as ciências sociais para o problema da visão
homogeneizante do indivíduo na sociedade, visto que é muito dispendioso em
energia e sacrifícios5, para um indivíduo, manter as lógicas de condições para a
formação de habitus coerentes e homogêneos. Portanto, este autor adverte que
Para poder observar uma tal “força formadora de hábitos” é preciso que as condições sócio-históricas se prestem a isso, e é isso que Panofsky nos diz ao insistir sobre a particular homogeneidade das condições históricas nas quais vivem os arquitetos da época [...] Pierre Bourdieu inspirou-se amplamente na sociologia implícita de Panofsky para explicitar e fortalecer a sua teoria do habitus (LAHIRE, 2002 p.26).
O estudo de Panofsky (exemplo utilizado por Lahire na citação acima) é sobre
a arquitetura gótica e o pensamento escolástico no qual demonstra as condições de
homogeneidade vividas pelos atores, dada a condição em que viviam os arquitetos
da época, e o monopólio educativo ao qual eram submetidos, já que
5 Vide os exemplos das mães que largam seus empregos para cuidar dos filhos; famílias que buscam ações coerentes e sistemáticas na educação de seus filhos; profissionais que tentam manter uma unidade homogênea de ações dentro de seus grupos profissionais; etc.
25
Se muitas vezes é difícil, ou impossível isolar uma força formadora de hábitos (habit-forming force) dentre muitas outras e imaginar os canais de transmissão, o período que vai de cerca de 1130 – 1140 até de 1270 e a zona de cento e cinqüenta quilômetros em torno de Paris são uma exceção. Nesta área restrita, a escolástica tinha monopólio educativo (PANOFSKY, 1967, citado por LAHIRE, 2002, p.26).
Lahire (2002, p.24) cita ainda o exemplo do internato estudado por Durkhein
no qual os objetivos deste modelo de educação exigiam de seus alunos a unificação
de suas maneiras de pensar, agir e comportar-se de acordo com os interesses dos
que comandavam tais instituições. Para tal, era suprimido qualquer possível contato
com elementos exógenos.
Os exemplos citados demonstram o caso de sociedades tradicionais que são
caracterizadas por um número reduzido de atores em interações frequentes e
semelhantes. Entretanto, lembra-nos Lahire (2002) de que, entre as sociedades
tradicionais e as sociedades contemporâneas, existem diferenças determinantes
quanto aos modos de relação. Nas primeiras, com poucas diferenciações, é possível
perceber maior estabilidade e durabilidade das condições em que se estabelecem
as relações entre os sujeitos que nela convivem. Limitados em suas experiências
socializadoras, tendem a incorporar um repertório de habitus que se repetem; com
pouca ou nenhuma chance de atualizar-se.
Por outro lado, a heterogeneidade nas relações é característica comum na
maioria das organizações sociais contemporâneas. São muitas as diferenças de
modos de relações estabelecidas no meio familiar, bem como nos diversos espaços
de socialização vividos pelo ator; possibilitando que este tenha a oportunidade não
só de incorporar diferentes esquemas de ação por múltiplas interações
estabelecidas, como ter a chance de mobilizar outros tantos esquemas de ação
ativados pelas situações presentes.
Dentro do que propõe Lahire, considerando a heterogeneidade dos contextos
de incorporação de esquemas de ação, percebe-se que as situações presentes
vividas pelo ator em contextos heterogêneos possuem papel importante no modo
como ativam ou inibem os esquemas de ação, como descritas no tópico a seguir.
2.1.3 - Sobre a ativação e/ou inibição dos esquemas de ação
26
A situação presente tem grande importância para determinar o que do
passado será mobilizado e, portanto, ativado ou inibido quanto aos esquemas de
ação incorporados.
Se a situação em si não explica nada, é ela que abre ou deixa fechados, desperta ou deixa em estado de vigília, mobiliza ou deixa como letra morta os hábitos incorporados pelos atores. Tanto negativamente (pelo fato de deixarem “inexprimidos” ou “inatualizados”) como positivamente (pelo fato de permitirem “exprimir” ou “atualizar”), os elementos e a configuração da situação presente têm um peso inteiramente fundamental na criação das práticas (LAHIRE, 2002 p. 53).
Tais situações vividas pelo ator podem ser interpretadas por ele de diferentes
maneiras, e essas interpretações são resultantes das interações dele com o
contexto que estimula as sensações de como o ator vê, percebe e movimenta-se,
diante da situação que se apresenta. As exigências desta situação tencionam o ator,
compelindo-o a reagir adequadamente às demandas desta mesma situação.
Agir adequadamente, no entanto, não significa somente a ativação de
esquemas de ação que, ao serem mobilizados, venham a responder as
necessidades de atuação mais ou menos de acordo com o que foi incorporado no
passado em situações similares. Podem, também, significar inibir os esquemas de
ação por não encontrarem condições propícias para o seu acionamento decorrentes
de associações a experiências negativas nas matrizes incorporadas. Mesmo com a
possibilidade de atualização, estes esquemas, fortemente marcados pela
experiência passada, ficam inexpressivos.
Os variados contextos sociais agem sobre os atores exigindo deles respostas
em ações que podem estar ajustadas ou não. Disso depende o repertório de
esquemas incorporados (positiva ou negativamente) que dá ao ator condições de
elaborar (ou não), consciente ou inconscientemente, ações que correspondam à
situação em questão.
Os contextos transitados pelo ator (profissional, conjugal, familiar, etc.), a
questão a qual o ator não é capaz de responder, podem levá-lo a encontrar outras
maneiras de conviver da melhor maneira possível. Lahire (2002, p.59) assevera que
“mudar de contexto [...] é mudar as forças que agem sobre nós”. Este mesmo autor
caracteriza três aspectos desse movimento de ajustamento e adequação a uma
27
situação desfavorável ao ator. São eles: viver no mesmo contexto assim como for
possível (adaptação mínima); mudar de contexto (fuga); ou transformá-lo
radicalmente para suportá-lo (reforma ou revolução).
Observa-se que o contexto tem peso determinante no modo de ativação das
disposições para a ação. O que em um contexto, pela interação do ator é possível
de ser ativado, em outro pode ser inibido. O ator tem a possibilidade de se expor, ou
não, em determinados contextos em razão do grau de ativação ou inibição de
esquemas de ação que permanecem incorporados; estes últimos “postos à espera
de sua hora ou temporariamente ou mais duravelmente em suspenso” (LAHIRE,
2002, p.60).
Microssituações sociais podem permitir que alguns desses esquemas,
inibidos outrora, venham a ser (re)ativados, sob condições específicas e favoráveis a
isso. São situações que envolvem a interação do ator no domínio de práticas
(culturais, por exemplo); em interações no universo social no qual cada contexto
pode exigir a inibição de determinado esquema de ação (fazer no universo familiar o
que não faria no universo profissional); ou em momentos no ciclo de vida (esquemas
incorporados na infância e ou adolescência que reaparecem após um período longo
de inibição em outro momento da vida).
Em um exemplo sobre o comportamento de estudantes e a necessidade
deles agirem em relação à organização de seu tempo para cumprir as tarefas
escolares, Lahire (2002) apresenta uma situação em que a mudança de contexto
escolar (do ensino fundamental e médio6 para a universidade) pode ativar ou inibir
disposições hedonistas7 ou ascéticas8 incorporadas neste ator. Isso dependerá,
sobretudo, das condições oferecidas pelo contexto (de estudo, da instituição, do tipo
de companheiros, etc.) e da interação que esse ator (estudante) estabelecer com as
situações ativadoras ou inibidoras de tais disposições incorporadas.
6 O longo tempo de permanência do aluno nestes regimes escolares permite a incorporação de esquemas referentes a um controle maior quanto à sistematização de horários; de condutas de estudo; da maneira como são exigidos o cumprimento de prazos das tarefas escolares. O que não acontece nas universidades onde os alunos possuem maior autonomia para gerir seu próprio tempo.
7 Hedonismo do Gr. hedoné, prazer s. m., antigo sistema filosófico que considerava o prazer como único fim da vida; doutrina que considera que o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral. (fonte: http://www.priberam.pt/dicionarios.aspx)
8 Ascetismo s. m., doutrina moral ou religiosa, que consiste na prática de mortificações corporais e de intensa actividade espiritual, com o fim de alcançar a perfeição moral; vida ascética; estados dos ascetas. (fonte: http://www.priberam.pt/dicionarios.aspx)
28
No exemplo citado evidencia-se a posição do ator na relação deste com o
contexto também descrito como elemento que interfere sobre o ator. Lahire (2002, p.
56) define que “o comportamento ou a ação é o produto de um encontro no qual
cada elemento do encontro não é nem mais nem menos determinante que o outro”,
já que
A ação (a prática, o comportamento,...)9 é sempre o ponto de encontro das experiências passadas individuais que foram incorporadas sob forma de esquemas de ação (esquemas sensório - motores, esquemas de percepção, de avaliação, de apreciação, etc.), de hábitos, de maneiras (de ver, de sentir, de dizer e de fazer) e de uma situação social presente (LAHIRE, 2002, p. 69).
Segundo Lahire, independente do contexto em que se encontram os atores, o
que determinará o seu comportamento é o modo como interage nele, imerso na
heterogeneidade das relações sociais, nas sociedades contemporâneas, vividas em
interações simultâneas por esses atores.
Podemos questionar, então, que transferências são possíveis no que se
refere às disposições incorporadas ativadas ou inibidas, em contextos diferentes, e
que podem ser consideradas específicas ou gerais para determinados contextos? É
o que veremos a seguir.
2.1.4 Transferência de esquemas de ação
O ator interage em diferentes contextos e situações e age conforme as
exigências apresentadas. Estas situações vividas em um determinado contexto, com
suas características próprias, muitas vezes se assemelham a outras vividas em
lugares diferentes (na família, no trabalho, com os amigos, etc.).
Essas semelhanças podem levar a supor que o ator age mobilizando
esquemas de ação e que a mesma maneira de agir, o mesmo comportamento em
9 Lahire (2002) trata como sinônimos a prática, a ação e o comportamento.
29
um desses ambientes, pudesse ser exatamente igual em outra ocasião similar. Para
Lahire (2002, p.80) “Contestável é a idéia segundo a qual esses esquemas ou essas
disposições seriam todos e em todas as ocasiões transferíveis e generalizáveis”.
Ele não descarta a possibilidade do mesmo esquema de ação ser mobilizado
em contextos diferentes, porém que estes contextos sejam semelhantes aos
contextos em que foram adquiridos (incorporados). Adverte, entretanto, que essa
afirmação só é possível mediante a observação intensa do pesquisador, objetivando
a comparação de práticas do ator de uma situação para outra, para não incorrer em
“generalização abusiva ou prematura”. (LAHIRE, 2002, p.80)
Presumir que um ator age “constantemente” nesse processo de
transponibilidade de ação pode impedir que sejam considerados esquemas de ação
que são bem próprios de um domínio específico de práticas, apesar de semelhanças
com outras. Cada ator agirá considerando essas diferenças, portanto, esquemas
relativos à situação presente poderão obedecer a critérios de pertinência para que
disposições incorporadas neste ou em outro contexto sejam mobilizados.
Segundo Lahire (2002, p. 83) “O mesmo ator aprenderá a desenvolver
esquemas de ação [...] diferentes em contextos sociais diferentes”. Isso significa
dizer que um ator pode não se comportar de um mesmo modo em diferentes
contextos. Em cada contexto social, esquemas específicos poderão ser mobilizados.
Como no exemplo que se refere ao uso da escrita em contextos bem específico
estudados por Sylvia Scribner e Michael Cole (1981), citados por Lahire (2002). Para
estes autores, os efeitos cognitivos testados referentes ao uso da escrita
Dependem mais da ordem dos esquemas parciais, dos saberes particulares, restritos a situações particulares, que da ordem dos esquemas gerais, duráveis e transponíveis [...] Uma vez que os usos da escrita são restritos, os esquemas adquiridos através desses usos só podem ser transferidos num número reduzido de contextos ou de domínios de atividade bem circunscritos. Inversamente, quando os contextos de uso são aumentados, as ocasiões de transferências de esquemas se multiplicam. (LAHIRE, 2002, p.87).
Nota-se, na citação acima, a diferença de transponibilidade de esquemas de
ação em relação à condição restrita ou ampliada do contexto o qual é solicitado. Os
esquemas de ação podem ser parciais, quando ativados em situações particulares,
30
restritas, limitadas; ou gerais, quando encontram nas situações sociais condições
que lhes permita transpor de uma situação à outra.
De acordo com Lahire (2002, p.89), “pareceria presunçoso agir como se todo
esquema fosse generalizável, de aplicação sistemática e universal, seja qual for o
domínio de prática considerado”. Sendo assim, este autor reforça em sua teoria a
importância das pesquisas empíricas na constatação de possíveis esquemas gerais
e transponíveis, observando o estudo de esquemas parciais referentes a contextos
específicos. O autor ainda aponta que os casos estudados, quanto à transferência
de esquemas de ação de um domínio a outro, não correspondem a um regime de
transferência generalizada, mas sim de “transferência limitada e condicional”
(LAHIRE, 2002, p. 90) pelas condições sociais.
Estudar os indivíduos em seus contextos específicos, mobilizando meios de
pesquisa e articulação das teorias da ação, pressupõe como veremos a seguir,
alguns entendimentos do que venha a ser relação teórica com a prática. Lahire
(2002, p.142) coloca que “a relação prática com a prática é profundamente diferente
da relação teórica com a prática, que o sociólogo põe em ação quando tenta
compreendê-la”. Vejamos
2.1.5 Diferentes maneiras de pensar as lógicas de ação
Pensar uma teoria da prática constituiu-se um dos esforços da sociologia para
então tomar como análise as questões que movem a ação do indivíduo.
Lahire (2002) aponta as ambiguidades relativas ao termo “prática”. Ora se
opõe ao discurso; ora se opõe ao teórico. Bem como está relacionada às atividades
sociais diversas; “as práticas culturais, as práticas esportivas, as práticas
econômicas”. (LAHIRE, 2002 p. 142)
Bourdieu considera diferenças na relação prática com a prática e a relação
teórica com a prática. Com a intenção de marcar a diferença entre aquele em
condições de analisar e aquele em situação de agir, construiu a sua “teoria da
prática”. Bourdieu acreditava que “É preciso fazer uma teoria dessa relação não
teórica, parcial, um pouco pé-no-chão, com o mundo social, que é o mundo da
experiência comum”. (BOURDIEU, 1987:31 apud LAHIRE, 2002, p.142).
31
Lahire (2002) discorda da separação entre grupos: de atores teorizantes e de
atores praticantes. Para ele, os atores podem casualmente estar na situação do
teórico ou na situação do praticante; ou, então, de tal maneira imbricados que fica
difícil distinguir o teórico do prático em razão de que são noções que estão
investidas na mesma pessoa agindo conforme a necessidade do momento.
O corte entre teoria e prática, relação teórica com o mundo e relação prática com o mundo, lógica lógica e lógica prática não é só e simplesmente um corte entre duas realidades claramente distinguíveis (dois grupos de atores – teóricos / práticos – ou dois tipos de situação – o ator teórico / o mesmo ator praticante), ela constitui também uma distinção formal que pode ser aplicada à mesma situação, segundo o ponto de vista a partir do qual é vista (LAHIRE, 2002, p. 143).
De modo imediato, pode-se ter a ideia de que teorizar está associado ao
pensar reflexivamente sobre algo e a ideia de prática pode estar puramente
relacionada a um fazer automatizado. Porém, ao considerar essa dicotomia, pode-se
negligenciar que o ato de pensar teoricamente sobre algo, ao ser feito de maneira
cotidiana e repetidas vezes, passa a figurar como uma “segunda natureza” operando
sem que o ator necessariamente esteja focado na ação (hábito que se desencadeia
sem esforço reflexivo). Sendo assim, Lahire (2002 p. 143) conclui que,
Se, por conseguinte, o hábito de gênero pré-reflexivo não é o único gênero de habitus possível então é necessário constatar que a teoria do habitus reduz o hábito, como modalidade da ação a um gênero particular de hábito, a saber o gênero não reflexivo.
A teoria do habitus de Bourdieu opõe-se às teorias intelectualistas que
cultivam a ideia de uma prática intencional, racional, voluntária. Portanto, este
conceito (habitus), como base para explicar a ação do homem relacionada às suas
condições de vida, reforça a ideia de que os indivíduos são movidos pelo senso
prático e, assim, sem uma reflexão prévia. Age pelos conhecimentos que já possui;
pelo que tem incorporado.
Na perspectiva de que o habitus esteja exclusivamente ligado ao senso
prático, há que se considerar a característica das sociedades homogêneas em que
32
foi estudado e, portanto, com pouca diferenciação. Sendo assim, sem tanta
necessidade de reflexões prévias, a ação é previsível. Porém, diferenças culturais
são eminentes, sobretudo na separação de classes sociais (dominantes e
dominados), na classificação bourdieusiana. Para ser capaz de operar com essas
diferenças, Bourdieu utiliza conceitos referentes a controle prático e controle
simbólico.
A condição de existência de cada grupo social oportuniza “a constituição e o
desenvolvimento da aptidão ao domínio simbólico da prática” (BOURDIEU &
PASSERON, 1970 apud LAHIRE, 2002, p. 144), o que significa um domínio mais
racional e consciente de suas práticas. O mesmo não ocorre com alguns indivíduos
que não conseguem adquirir instrumentos de reflexividade (na escola, por exemplo)
para sair da lógica do senso prático (atribuída em sua maioria aos dominados). Mas,
Lahire (2002, p144) conclui que “[...] os membros de diferentes grupos sociais são
mais ou menos movidos pelo senso prático [...]”, porém, alguns têm acesso aos
instrumentos para “dominar simbolicamente o mundo” e outros não; o que,
objetivamente, faz uma grande diferença quanto ao que move a ação de indivíduos
de um grupo e de outro.
O habitus é colocado por Bourdieu como o elemento que “está no princípio de
certas práticas”, porém, não descarta que as respostas do habitus à situação em
que é mobilizado, estejam acompanhadas de alguma forma de consciência ao agir,
o que poderia ser considerado um cálculo estratégico para essa ação.
Os períodos de crise nos quais os ajustamentos rotineiros das estruturas
subjetivas e das estruturas objetivas são bruscamente rompidos [...] a
escolha racional pode triunfar [...] (BOURDIEU & WACQUANT, 1992 apud
LAHIRE, 2002, p 145).
Então Lahire (2002) questiona que, se existe um modo consciente (habitus
reflexivo) que se diferencia do senso prático ao agir (habitus prático), não tem
nenhum sentido dizer que o habitus (prático) não está no princípio de certas
condutas. Há talvez que se considerar que o habitus (prático) não é o único e que
não responderia a todas as situações, visto que as diferenças sociais são inevitáveis
33
e que os atores agem em interações com estes contextos. Suas ações não estão
restritas só por uma relação teórica com o mundo, mas, também por uma relação
prática e nem tão pouco vivem em modos exclusivamente separados, mas em
situações distintas e também simultâneas; não só na urgência do momento como
nos exemplos dos desportistas citados por vários autores que estudam a teoria da
ação, mas também na dinâmica da vida cotidiana que nos permite refletir
previamente antes da ação.
É sem dúvida, por querer demasiadamente enfrentar problemas simultaneamente com a mesma ferramenta teórica (resposta ao problema epistemológico concernente à relação dos eruditos com os seus objetos; resposta às teorias da ação racional; resposta ao intelectualismo; resposta àqueles que não vêem a desigualdade de distribuição dos instrumentos de reflexividade) que a ferramenta pode acabar quebrando (LAHIRE, 2002 p145).
Para Lahire (2002), o tempo que se dispõe para a reflexão ou não diante da
ação tem relações com os tipos de ações praticadas. Para ele, habitus sensório
motores e habitus planejadores estão “sutilmente” misturados no modo de agir. A
possibilidade de refletir, de planejar, de calcular estratégias constitui um retorno a si.
E, ao agir em situação de decisões imediatas, o ator tem a possibilidade de se valer
desses momentos prévios, mobilizando-os como esquemas incorporados. Para este
autor, em alusão aos exemplos dos desportistas em ação, ele afirma que “A vida
social não se desenrola em cada momento nas condições de uma partida oficial
diretamente”. (LAHIRE, 2002 p. 150). Não é um jogo de improvisação, embora seja
possível agir em momentos não previstos em que as ações são deliberadas fora do
que seria um plano a ser realizado.
Privilegiar ações em condições particulares, como o jogador no ato do jogo,
pode não explicar os processos para compreender esta maneira de agir por não
considerar todo o momento de preparação que não aparece explícito na ação.
Os professores de escola elementar dão conta, incessantemente, de vários tempos ao mesmo tempo (“tempo estratégico do ano escolar” com “acontecimentos mobilizadores”; “tempo ritualizado” e “tempo tático”) em sua prática pedagógica e explicam por que o observador exterior às vezes não compreende o sentido dos atos, dos gestos ou dos dispositivos
34
pedagógicos que se inscrevem nos contextos e nas perspectivas temporais diferentes. Este observa, num período dado, práticas cuja distribuição ele ignora nos diferentes contextos temporais da ação que lhes dá sentido (CHARTIER & JANSSENS, 1996 apud LAHIRE, 2002 p. 151).
Se o ator age intencionalmente ou não, com consciência ou na ausência dela,
é um dado que não pode ser determinado pela observação de um tipo particular de
ação, mas na observância de tipos de ação (longa ou curta; simples ou complexa;
ordinária ou extraordinária), considerando também os contextos da ação.
No diálogo entre as diferentes teorias da ação, Bourdieu ataca as premissas
relativas à intencionalidade das práticas. Cita o exemplo de situação marcada por
particularidades, na trajetória intelectual de um indivíduo, no que se refere às suas
escolhas para a sua carreira acadêmica.
Portanto, primeira redução que sujeita ao utilitarismo. Substitui-se uma relação pelo futuro, pelo fim enquanto preocupação, enquanto presença imediata a objetivos inscritos no presente, uma consciência racional, calculadora, colocando os fins enquanto tais como possíveis. É ao fazer esse movimento que se é condenado ao cinismo. O cinismo é de fato para tais fins inconfessáveis. Se minha análise é verdadeira, é possível, por exemplo, estar ajustado às necessidades de um jogo, fazer uma magnífica carreira acadêmica, sem nunca ter sido preciso calcular para querê-lo. Isto talvez pareça menos especulativo quando se trata de um seminário de pesquisa, se, por exemplo, se discutir a análise de uma biografia universitária ou os grandes lingüistas franceses do século XIX. Muito frequentemente um erro teórico, que muitos pesquisadores cometem, porque estão inspirados (geralmente por um desejo de desmistificação), consiste em colocar como tendo sido os fins dos agentes (de Meillet por exemplo) o termo de sua trajetória. Transformam o objeto em projeto. Agem como se desde o momento em que escolheram um patrono de tese, um tema, uma disciplina, tinha a ambição de se tornar o maior lingüista do seu tempo. Dão com princípio das condutas dos agentes num campo (dois priores que brigam pelo báculo, ou dois universitários que brigam para saber se a teoria da ação é esta ou aquela...) uma espécie de consciência calculadora cínica (BOURDIEU, 1989b : p. 23 apud LAHIRE, 2002, p. 152).
Lahire (2002, p. 153) contrapõem ao pensamento de Bourdieu sustentando que,
As situações evocadas estão sendo pensadas exclusivamente ao nível das trajetórias e dos campos com suas lógicas de lutas, de relações de forças, de reprodução, etc., pode-se sublinhar – justa e frequentemente – o aspecto não intencional das práticas.
35
Ao longo de toda uma trajetória de vida, um indivíduo não está tomado pela
racionalidade em todas as suas ações, portanto, planejamentos, previsões, projetos
são pertinentes, ao considerar o domínio desta ou daquela prática. Sendo aceitável,
portanto, que o indivíduo atue em consonância com as situações sem
necessariamente objetivar nada, ou seja, ao acaso.
Avançando além da pesquisa estritamente teórica, a pesquisa empírica pode
questionar quais as condições sócio-históricas que tornam possíveis ao ator agir de
modo intencional e calculado.
Lahire (2002, p. 155) adverte que “um (mau) hábito leva frequentemente a
fazer da ‘ação’ e da ‘reflexão’ duas realidades obrigatoriamente distintas e cujo
contato provocaria uma explosão”. Portanto, como já dito anteriormente, o pensar
reflexivamente (a princípio entendido como reflexão teórica, erudita, racional) e a
ação (senso prático) devem ser considerados como elementos indissociáveis um do
outro, relacionando-se mutuamente.
Bourdieu (1997 apud LAHIRE, 2002), faz uma separação pontual do “sujeito
que pensa” para o “agente que age” quando investidos no lugar da reflexão e de
ação; apesar de suas críticas a ação racional. Já para Lahire (2002) ele afirma que
mesmo uma ação descrita pelo senso prático poderá existir uma reflexão em
concomitância com essa ação e que não haveria necessidade de parar a ação para
que a reflexão ocorra (reflexão na ação) 10.
Mesmo, porém, quando a ação corresponde à ação descrita pela teoria do senso prático, sempre existe uma reflexão pragmaticamente ancorada, indissociável da ação em curso e dos elementos do contexto imediato e que não necessita, necessariamente, de uma “pausa” na ação (LAHIRE, 2002, p.156).
Para apropriar-se dos elementos que de fato expliquem o que dos universos
sociais e dos meios sociais são pertinentes, quanto ao que faz o ator agir nestes
diferentes contextos, é necessário que se esteja junto com este sujeito na
perspectiva de compreender as lógicas da ação.
10 Ver sobre esse assunto em SCHÖN, Donald A.. Formar professores como profissionais reflexivos, In: NÓVOA, Antônio (org ). Os Professores e sua formação, Lisboa – Portugal, publicações Dom Quixote, Ltda, 1992.
36
2.1.6 Da constituição dos esquemas de ação
Os esquemas de ação são incorporados a partir da relação do indivíduo com
o meio social e, como já descrito, variável de acordo com a maneira como se
organiza este meio, ou seja, são incorporados elementos relativos a uma
determinada estrutura social. Porém, como aponta Lahire (2002, p. 173), “estruturas
sociais não são incorporadas”. Então, o que destas estruturas são incorporadas?
A sociologia por muito tempo se ocupou em observar e estudar o habitus
incorporado, porém em sua forma de expressão, ou seja, “definido mais pelo seu
funcionamento e suas funções que pelas especificidades que tornam possível tal ou
tal habitus” (LAHIRE, 2002, p. 173). Sendo assim, ficam ainda por explicitar como
estes habitus são construídos. Sabe-se que os que são incorporados são, segundo
Lahire (2002, p. 173), os “habitus corporais, cognitivos, avaliadores, apreciativo, etc.,
isto é, esquema de ação, maneiras de fazer, de pensar, de sentir e de dizer
adaptadas (e às vezes limitadas) a contextos sociais específicos”
Um dos desafios para as teorias da ação é, pois, compreender as relações
sociais em suas singularidades, para então captar a maneira como estes esquemas
de ação vão se constituindo e, consequentemente, vão sendo incorporados por meio
das relações estabelecidas nestes espaços sociais observados; constituindo-se
como matrizes que, ao serem ativados pelas situações presente, influenciam na
ação.
As estruturas incorporadas não são elementos palpáveis nestes contextos,
são observáveis a partir da ação empreendida que é resultante do encontro de uma
situação presente (ativadora) e do esquema de ação (mobilizado). O modo como foi
incorporado tal esquema pode ser entendido a partir das características do contexto
vivido e/ou que vive o ator e como ele se relacionou e/ ou relaciona-se dentro destas
organizações sociais.
As maneiras de fazer, de pensar, de sentir, entre outras, ou seja, os
esquemas de ação podem vir a ser atualizados, ou mesmo modificados segundo a
variação dos contextos; salvaguardando que, para isso, é preciso uma regularidade
e/ ou uma constância para se operar tal ajustamento.
O tempo será curto ou longo conforme a complexidade dos elementos
incorporados. Por exemplo, será curto para gestos simples da vida cotidiana; ou
37
longo para hábitos complexos de raciocínio (matemática, filosofia), hábitos
especializados de profissões (relojoeiro, marceneiro), hábitos morais (não se
improvisa de um dia para o outro), conforme Lahire (2002, p.176). Podem ser
transmitidos, porém não como “capital cultural”, mas, como “herança cultural” ou
“transmissão cultural”, conforme considera Lahire (2002, p. 175).
A metáfora da “herança cultural” (ou da transmissão cultural) apaga inevitáveis distorções, adaptações e re-interpretações que o “capital cultural” sofre durante a sua reconstrução de uma geração para a outra, de um adulto para o outro, etc., sob efeito, por um lado, das diferenças entre os supostos “transmissores” e os pretensos “receptores” e, por outro lado, das condições (dos contextos) dessa reconstrução.
Para obter êxito nestas transmissões é necessário que as disposições
culturais incorporadas encontrem condições de serem atualizadas. Condições estas
ativadoras dos esquemas que poder ser incorporados pelos atores que convivem
neste determinado contexto.
Para entender tais relações não basta simplesmente voltar-se para os meios
sociais e examiná-los “cegamente”; com olhares tomados pela superficialidade das
estruturas sociais, mas, em um envolvimento capaz de perceber como um indivíduo,
ao relacionar-se com o outro, é capaz de incorporar esquemas de ação nos
meandros destas “trocas” que não devem se resumir na visão bourdieusiana de
transmissões de um indivíduo para o outro de bens materiais e culturais. Esta ideia
figura como um grande obstáculo para se perceber como “as relações com o mundo
social e os outros, maneiras de agir em situações particulares, com os outros e com
os objetos, são progressivamente incorporados” (LAHIRE, 2002, p 175).
2.2 SÍNTESE DA CONSTRUÇÃO DESTE PROJETO DE PESQUISA
Após apresentado o referencial teórico, descreverei sobre como se processou
a organização quanto ao projeto de pesquisa.
38
O primeiro material que se configurava como um projeto de pesquisa e que
possibilitou o meu ingresso no mestrado continha ideias sobre a formação de
professores e a prática docente; e demonstravam o meu interesse em investigar o
professor no enfrentamento dos problemas relativos à prática e às possíveis
superações pela postura assumida por esse professor. Ao que se refere ao tema
citado, nenhum objeto de pesquisa estava bem delimitado.
A inquietação inicial que me movia para o estudo sobre a ação docente partiu
da intenção de compreender como o professor age em seu contexto de trabalho
relacionado ao seu fazer pedagógico. Sendo assim, na intenção de se construir um
possível objeto de estudo, foram geradas questões problematizadoras relativas aos
saberes e experiências do professor e as implicações destes saberes e experiências
nas situações vividas por ele. Como hipótese, pode-se considerar a perspectiva de
que todos os professores agiriam de uma mesma maneira no que tange ao conjunto
de ações comum aos professores (planejar aulas; conduzir atividades com os
alunos; organizar-se conforme os ritos no meio escolar: preenchimento de pautas,
relatórios, entre outros); em meio aos seus saberes docentes.
A interação com os professores de algumas disciplinas oferecidas pelo
programa de mestrado, dentre elas Seminário de Pesquisa; Formação Docente e
Currículo e os encontros com a orientação, ajudaram a me situar em meio ao
turbilhão de ideias contidas neste projeto inicial. Como exercício para se pensar
melhor sobre as ideias que eu tinha sobre a formação e prática docente, escrevi
sobre a minha formação e as relações estabelecidas nos contextos dos quais
vivi/vivo. Em síntese, nestes textos, considero que em minha prática como professor,
as decisões para a ação docente estão baseadas nas mediações construídas entre
os referenciais que possuo (da formação inicial, das vivências profissionais
anteriores e de minha história de vida) e as demandas da prática, ou seja, da minha
interação com os contextos.
Escrever sobre a minha prática docente contribuiu para perceber que se
poderiam configurar outros caminhos para a compreensão da ação do professor.
Percebi a possibilidade de se considerar as interações do professor em variados
contextos valorizando as especificidades dessas experiências. Refiro-me às suas
relações em família, com amigos em outros espaços fora da escola, o percurso da
sua formação inicial e outras experiências profissionais como elementos que
interferem na sua ação.
39
Era preciso, portanto, observar o professor em ação, e considerá-lo um sujeito
específico em contexto próprio. Sendo assim, outros questionamentos surgiriam na
tentativa de construção do objeto de pesquisa que ainda estava nebuloso para mim.
A construção do objeto de estudo se deu a partir da minha interação com a pesquisa
de campo na escola. Tudo era passível de ser observado. Fazia inúmeras anotações
em diário de campo. Observava a escola enquanto contexto de trabalho do
professor; as relações da professora com os demais atores da escola (alunos, outros
professores, etc.) em diferentes situações. A ação investigativa era dificultada pela
imprecisão do objeto, o que permitia equívocos ao evidenciar a prática pedagógica
da professora na organização das atividades docentes, como elemento central da
observação, embora não fosse este ainda o foco da pesquisa.
A leitura do referencial teórico apresentado permitiu a apropriação de
conhecimentos que, paulatinamente, modificavam o meu olhar sobre a ação da
professora, tornando este olhar mais aguçado em face às compreensões que
afloravam no decorrer do processo de estudo. Devo ressaltar que o amadurecimento
para a construção do objeto de pesquisa acompanhou o desenvolvimento dos
estudos sobre o referencial e o avanço qualitativo do modo como observava a ação
da professora.
O esforço ao adensar o estudo da referência teórica possibilitou isolar/
construir o objeto de estudo como sendo os esquemas de ação mobilizados pela
professora na interação com o contexto de seu trabalho. Sendo assim, as ações da
professora passaram a ser observadas numa perspectiva investigativa na qual
pudesse atender às seguintes questões:
O que na sua formação pessoal e profissional foi incorporado como esquema
de ação? Como a professora viveu/ vive suas relações familiares e que ligações são
possíveis perceber quanto ao engendramento e a mobilização de seus esquemas de
ação? Como a sua formação continuada se relaciona com a perspectiva da
incorporação de novos esquemas de ação que poderão ser ativados conforme as
situações vividas por esta professora?
A maneira como ela interage nos contextos observados revelavam o que
pode ser identificado como esquemas de ação mobilizados pela professora. As
entrevistas em que eram rememorados períodos da sua vida social em família e de
sua história de vida captavam do seu passado como, possivelmente, foram
40
incorporados tais esquemas. As informações que afloravam da observação das
ações da professora e das entrevistas, permitiram:
Sistematizar os esquemas de ação mobilizados por ela na prática
profissional;
Averiguar as condições de homogeneidade ou heterogeneidade dos
contextos vividos por ela no decorrer de sua trajetória e, atualmente, na
perspectiva de perceber como foram incorporados os esquemas de
ação mobilizados na interação com sua prática docente;
Analisar com ela as ações pesquisadas para favorecer o surgimento
dos aspectos de crise identificados nos momentos narrados e vividos
pela professora numa perspectiva de materialização de uma nova
prática reflexiva.
A construção do objeto favoreceu o andamento da pesquisa pela maior
clareza do que se estava observando. No tópico a seguir descreverei como
aconteceu a aproximação com a pesquisa de campo e o processo de escolha da
professora que participou deste estudo.
2.2.1 Aproximação com a pesquisa de campo
Para iniciar a pesquisa de campo procurei um professor que permitisse que
eu o acompanhasse em seu cotidiano de trabalho. Visitei seis professores em suas
respectivas escolas. Os seis nomes surgiram a partir da indicação da pessoa
responsável pela formação continuada na Secretaria Municipal de Educação –
Prefeitura Municipal de Vitória – ES (SEME/ PMV - ES).
Os nomes indicados satisfaziam a condição de serem pessoas interessadas e
participativas nos encontros de formação continuada dos professores de Educação
Física da Rede Municipal de Vitória - ES. Sendo assim, considerei ser este um ponto
de partida pelo primeiro indício de que eram professores que buscavam atualizar os
41
seus conhecimentos e que, por isso, mantinham uma relação com o contexto de
formação (continuada).
Considerei a participação dos professores na formação continuada como um
critério de escolha por entender que se eles estavam buscando inovações para as
suas práticas, consequentemente, não estariam estagnados quanto as suas ações.
Era de meu interesse observar o professor no contexto de trabalho em ações das
quais as interações do professor com os alunos e demais atores da escola
ocorresse de maneira intensa.
Ao encontrar-me com esses professores, expliquei a cada um sobre o meu
interesse em acompanhar o cotidiano de trabalho na intenção de captar os
elementos necessários para o desenvolvimento do estudo. Foram feitas perguntas
sobre o período de conclusão da formação inicial; se possuíam pós-graduação; o
tempo de docência de maneira geral e na escola em questão. Estas informações me
ajudariam a escolher um dos professores.
Como o estudo dependia diretamente da aproximação com o professor, este
deveria apresentar um ótimo grau de receptividade. No encontro com esses
professores fui bem recebido; com exceção de uma professora que de pronto não se
interessou em participar da pesquisa. Como afirma Macedo (2004, p. 148), “É
fundamental a disponibilidade das pessoas para informar, deixar-se observar,
participar ativamente da pesquisa, e até mesmo para co-construir o estudo como um
todo”.
O período em que o professor cursou e concluiu a formação inicial indicaria o
tempo de atuação docente desde esta formação até os dias atuais. Interessava-me
um professor com uma formação inicial mais antiga na perspectiva de que este
pudesse ter vivenciado um contexto de formação bem diferente do que hoje é
exigido para o desenvolvimento de seu trabalho, bem como pelo tempo em si de
atuação docente.
Possuir pós-graduação indicaria que este professor não permaneceu
estagnado e buscou evoluir em sua carreira profissional, bem como teria vivido
outros contextos diferentes de sua formação inicial. O tempo de atuação profissional
na mesma escola indicaria a duração da socialização do professor em um mesmo
contexto.
42
Pelo quadro configurado a partir da visita às escolas, escolhi e fui escolhido
pela professora SARA11 para com ela desenvolver a pesquisa. Além do seu interesse
em inovar a sua ação docente, ela possuía o maior tempo de serviço na mesma
escola, um maior tempo de docência considerado o período de sua formação inicial
que aconteceu na UFES – Universidade Federal do Espírito Santo entre os anos de
1976 a 1978. Desde o primeiro contato demonstrou uma disponibilidade tal que
possibilitou perceber seu entusiasmo em colaborar com o estudo.
O quadro a seguir demonstra as informações referentes aos professores que
visitei.
Figura 1: Quadro dos professores visitados com dados que orientaram a escolha de qual participaria da pesquisa
Após escolher a professora que participou do estudo, organizei as estratégias
metodológicas para acompanhamento desta professora em seu cotidiano de
trabalho. No tópico a seguir será descrita a abordagem teórico-metodológica
adotada nesta pesquisa.
2.2.2 Abordagem teórico-metodológica
Segundo Macedo (2004), para o desenvolvimento da pesquisa qualitativa com
traços etnográficos, é preciso estar envolvido com o cotidiano do professor em uma
aproximação cautelosa, cuidando para não interferir no contexto estudado,
11 Nome fictício para a professora pesquisada. 12 Não foi possível conversar com a professora, portanto as informações do quadro não puderam ser preenchidas.
Escola Professor Fim da graduação
Esp. Conclusão
Tempo docência EF. escolar
Tempo na PMV
Recepção do professor
Disponibilizou-se para Participação na pesquisa
1 “a” 1992 2001 16 anos 3 anos boa Sim 2 “b” 1992 1993 17 anos 6 anos boa Sim 3 “c” 1997 2005 12 anos 4 anos boa Sim 4 SARA 1978 1990 20 anos 16 anos boa Sim 5 12
“e” **** *** *** *** fria Não 6 “f” 1984 2006 18 anos 5 anos boa Sim
43
conquistar a confiança dos atores deste meio (a escola); criando possibilidades de
estabelecer relações que possam garantir a percepção do que ali se desenvolve.
Salvaguardando os limites necessários entre pesquisador e pesquisados para
que estes não se sintam invadidos, prejudicados ou constrangidos ao longo da
pesquisa, foi estabelecido desde o início que a intenção era compreender o
cotidiano da professora de Educação Física, sem que houvesse nenhuma
modificação de suas rotinas.
Combinamos que toda segunda-feira13 no horário de 7:00 horas, estaríamos
juntos para conversas, refletir e fazer entrevistas. O restante do tempo seria para
observar as rotinas da professora na escola (recreio, outras atividades,
planejamento das aulas ou mesmo conversas informais ou entrevistas com outros
professores, coordenadores, alunos, conforme fosse necessário). O outro dia do
encontro seria na sexta-feira pela manhã: de 7:00h às 12:00h, no qual eu
acompanhava as rotinas da professora em suas aulas e em reunião de
planejamento e estudo com os demais professores da escola.
Optei pela Observação Participante Periférica (OPP) definida como um dos
recursos utilizados para investigação,
São os pesquisadores que escolhem este papel ou esta identidade e consideram que um certo grau de implicação é necessário, entretanto, preferem não ser admitidos no âmago das atividades dos membros. Procuram não assumir papel importante na situação estudada (MACEDO, 2004, p.156).
Além da OPP, investimos em entrevistas e conversas sobre as ações
observadas. Nestas conversas, a professora explicitava os pontos não
compreendidos por mim quanto às ações por ela desenvolvidas possibilitando
aclarar o motivo pelo qual agiu desta ou daquela maneira. Macedo (2004, p. 145)
“compreende que para suspender preconceitos é necessário tê-los explícitos”.
Essa postura de abertura diante da pesquisa de campo significava considerar
todas as situações como importantes. Na OPP busquei assumir uma “escuta
sensível” que (BARBIER, 2004) define como um “escutar / ver” que se apóia na
empatia mútua. Ainda segundo este autor,
13 Este era o dia em que a professora estava com horários na escola reservado para planejamentos
44
O pesquisador deve saber sentir o universo afetivo, imaginativo e cognitivo do outro para “compreender do interior” as atitudes e os comportamentos, o sistema de idéias, de valores, de símbolos e de mitos. (BARBIER, 2004, p. 94)
A professora permitia (ou não) transparecer durante os nossos encontros
muitos sentimentos, expressos em suas falas, gestos, posturas, modos de justificar-
se diante das ações observadas. Cada detalhe podia ser tão significativamente
relevante quanto os elementos que obviamente se apresentavam diante de nós. Até
mesmo ou necessariamente aqueles que por ventura nos pareceram estranhos ou
contrariavam as nossas mais íntimas “convicções” foram problematizados e levados
em consideração.
Ao gravar as conversas durante as entrevistas com a professora e outros
sujeitos da escola (outras professoras, diretora, coordenadores), puderam ser
resgatadas várias colocações importantes no “entremeio” das falas que pareciam
bem articuladas e de certa forma “produzidas” pelos sujeitos entrevistados. Embora
o aparelho gravador MP3 pudesse gerar certo desconforto, procurava promover a
descontração para garantir a naturalidade nestas situações.
Os dados que foram analisados estão contidos nas transcrições das
entrevistas; na produção de textos sobre as reflexões feitas com a professora; nos
relatórios (diário de campo14) produzidos a partir das observações participantes,
entre outros.
Acompanhei o trabalho de Sara no período de fevereiro de 2008 a dezembro
de 2008. Houve períodos de interrupção por greve de professores da Rede
Municipal de Ensino de Vitória (duas semanas no mês de maio/ 2008); e no início do
ano de 2009, quando estava sendo preparada a devolutiva para a professora Sara
quanto as sínteses da pesquisa; que foi apresentada no mês de Junho de 2009 e
está descrita no capítulo quatro desta dissertação.
Nos meses iniciais deste período observava as ações da professora sem que
tivesse clareza de como se constituíam os esquemas de ação. Ao longo dos meses
14 “A palavra escrita assume particular importância na abordagem qualitativa, tanto para o registro dos dados como para a disseminação dos resultados”. (BOGDAN e BIKLEN, 1994 p 49)
45
fui me apropriando dos conceitos estudados a partir do referencial teórico,
delineando melhor o objeto de estudo, possibilitando qualificar as observações das
ações de Sara e identificar os esquemas de ação mobilizados por ela. E na tentativa
de consubstanciar a constituição e análise destes esquemas que passo a descrever
o que vem a seguir: as ações da professora observadas em campo; as descrições
das entrevistas com pessoas que conviviam com Sara na escola; os momentos
vividos por ela em sua trajetória profissional e história de vida.
46
3 UM ATOR EM AÇÃO: CONHECENDO SARA E SUAS PRÁTICAS
Para entender os possíveis determinantes da ação da professora faz-se
necessário conhecer o contexto em que ela estava inserida. Considera-se aqui que
suas decisões sobre como agir podem estar condicionadas ao modo como se
organiza os espaços / tempos na escola. Nestas observações foi considerado o
modo como essa professora era percebida pelos atores (colegas de trabalho e
alunos) que ali interagiam e também as percepções que ela tinha sobre o modo
como agiu e age nas suas experiências de vida. Depoimentos de Sara sobre sua
história em família; percurso profissional; escolaridade e formação acadêmica inicial
traçavam um panorama das percepções que ela tinha sobre si mesma.
As descrições de suas ações em aula apresentam as situações vividas pela
professora e buscam dar visibilidade as relações de Sara com seus alunos e com o
contexto no qual era desenvolvida a prática docente em seus enfrentamentos;
conquistas e insucessos.
São nestas relações entre as situações que se apresentam e a ação
empreendida que emergiam os esquemas de ação mobilizados pela professora,
ativados ou inibidos neste contexto que descreverei a seguir.
A professora Sara compõe uma equipe de 41 profissionais entre professores,
coordenadores, supervisores e direção que trabalham na escola. No ano em que foi
desenvolvida a pesquisa (2008), estudou na escola pesquisada15 um total de 729
alunos; sendo 386 no turno matutino e 343 no turno vespertino. Não existiam turmas
no noturno.
A maioria de seus alunos são moradores do bairro e também bairros vizinhos
onde residem famílias de classe média, bem como famílias de baixa renda. São
alunos heterogêneos em suas condições sócio-econômicas e culturais. Essas
diferenças, intensas ou não, interagiam no ambiente escolar podendo emergir daí
inúmeras contradições. Trata-se de uma grande escola e, como já citado, com
muitos alunos abrigados em uma estrutura física como será descrita a seguir.
15 Informações mais detalhadas que possam identificar a escola foram suprimidas em razão de manter o anonimato dos atores que aparecem na pesquisa.
47
Na entrada principal da escola encontra-se a secretaria e logo em frente está
a biblioteca. Neste local há um corredor largo que desemboca em um pátio interno
onde fica a cantina; os bebedouros; o acesso central para as quadras; acesso para a
sala dos professores; da coordenação; da supervisão; da direção; para o refeitório;
os banheiros e algumas salas de aula; bem como as escadas que dão acesso as
salas de aula e outras salas específicas tais como laboratórios e sala de vídeo que
ficam no segundo andar da escola.
É uma escola ampla, possui uma quadra coberta e uma quadra externa
abrigada sob uma grande árvore que abrange um pátio onde também está
localizada uma sala para guardar os materiais utilizados nas aulas de Educação
Física. Neste pátio acontecem as atividades das aulas de Educação Física. A
professora Sara, que atuava com alunos de 1ª a 4ª série, revezava este pátio e a
quadra com a outra professora de Educação Física das turmas de 5ª a 8ª séries, no
turno matutino.
A professora transita por estes ambientes em momentos específicos do seu
dia na escola. Ao chegar, organiza os seus materiais no armário individual, na sala
dos professores, e se dirige para as salas de aula (no segundo andar) de acordo
com a sua “grade de horário”. Assume a turma na sala com os procedimentos
iniciais da aula: chamada; explicação do conteúdo que será trabalhado no dia;
reflexões sobre aulas anteriores, entre outros assuntos que podem surgir. Sara
utiliza estratégias específicas para a realização da chamada e para iniciar as
atividades. Certos dias ela faz a chamada dos alunos normalmente; em outros
chama os alunos de maneiras diferentes: pelo sobrenome, com o nome no
diminutivo, no aumentativo; faz a chamada cantando (improvisando os nomes dos
alunos como a letra da música, utiliza uma paródia de uma música conhecida do
universo infantil)16. Em outro momento, ao fazer a chamada, o aluno presente
levanta o braço e para avisar do aluno ausente, todos batem palmas.
Às vezes, ela conta histórias de livros de maneira dramatizada. Imita vozes
dos personagens; faz gestos; “caras e bocas”. Não conta a história toda no mesmo
dia. Ela interrompia de preferência em uma parte em que os alunos fiquem curiosos
pelo desfecho da cena contada. Nas aulas seguintes ela continuará a contar.
16 Atirei o pau no gato.
48
Antes de descer para a quadra ou pátio (conforme organização dos espaços
com a outra professora), Sara explica as atividades no quadro. Faz isso entremeada
por diversas interrupções dos alunos com conversas e bagunças. Às vezes age
indiferente ao tumulto causado pelos alunos; outras vezes age com rigor exigindo
silêncio. Costuma organizar uma fila para sair com a turma da sala para a área das
aulas de Educação Física, porém, nem sempre os alunos respeitam essa
organização. Os que ficam no final dispersam, ficando para trás ou correndo na
frente de todos para chegar primeiro ao espaço onde serão desenvolvidas as
atividades combinadas.
Sara oscila em sua maneira de agir para manter a organização das filas. Ora
ela pede que os alunos dispersos voltem à fila, ora deixa que dispersem sem sua
intervenção. O critério para agir ou não esta associado à quantidade de tempo que
ela tem para chegar da sala ao pátio e desenvolver as atividades propostas. Por
vezes a falta de tempo deixa a professora “afobada” para cumprir com o que tem
preparado para os cinqüenta minutos de aula. Essas situações relativas ao
comportamento dos alunos, acabam escapando à sua possibilidade de intervenção.
No desenvolvimento das atividades, existe a resistência dos alunos em
acompanhar as propostas da professora dentro de determinadas organizações
apresentadas por ela. As constantes paradas para reuniões, no centro da quadra,
nas quais ela faz reflexões com os alunos sobre os fatos que ocorrem, é motivo de
dispersão destes, sendo necessário um enorme esforço para reorganizá-los. Muitas
situações de agitação entre os alunos fazem com que a professora fique dividida
entre mediar estes conflitos e ministrar a aula.
Embora tenha consciência da impossibilidade de agir sobre todas as questões
de indisciplina na aula, Sara assume uma postura de “estar no controle”.
A fila é uma de suas estratégias para controlar o fluxo dos alunos na hora de beber
água e retornar a sala, porém como descrito anteriormente, nem todos os alunos
aceitam essa condição de manter-se em fila. Não raro, sobem as escadas
enfileirados, mas, fazendo barulho; criando tumultos; saindo da fila; entre outras
atitudes de desordem. Entretanto, existem situações de aulas em que os alunos
colaboram interagindo com a professora sem tantos conflitos.
A condição física / estrutural da escola interfere no modo de organização de
Sara ao agir. A professora administra diversas situações tais como: buscar e levar os
49
alunos no segundo andar da escola no início e final da aula, respectivamente; abrir e
fechar o local para pegar ou guardar os materiais a cada início e término de aula,
bem como abrir e fechar o portão que dá acesso ao pátio e a quadra; compartilhar
os espaços (mesmo que distintos) com a outra professora; entre outros.
Estas situações exigem dela agir de acordo com as relações imediatas neste
contexto. O que Sara traz para essas ações dos contextos (pessoal e profissional)
nos quais vive/ viveu?
Tomando como exemplo a maneira como ela se move (age) em uma
determinada aula, permiti dar visibilidade às relações que Sara estabelece com seus
alunos neste contexto específico desta escola tal qual foi descrita anteriormente.
Para além da relação com seus alunos em contexto de aula e fora dele (no recreio,
em festas na escola e em outros momentos informais); ela também se relaciona com
os outros sujeitos que integram o corpo docente e o corpo técnico administrativo da
escola. No tópico seguinte descreverei como estes sujeitos percebem a professora
Sara considerando o modo como se relacionam com ela.
3.1COMO SARA É PERCEBIDA PELOS SUJEITOS ESCOLARES COM QUEM CONVIVE: ALUNOS E COLEGAS
A maneira como age a professora no contexto escolar constrói a
representação de como ela é percebida e / ou interpretada pelos sujeitos escolares
com quem Sara convive. Ouvir estes sujeitos permitiu captar estas impressões,
considerando o tempo de convivência; o tipo de relações estabelecidas; os
diferentes momentos na escola em que se estabeleceram tais relações.
Entender como os sujeitos percebem a professora Sara, é importante por
gerar parâmetros que permitem cotejar a maneira como é percebida e a maneira
como ela se percebe. Esse cotejamento ajuda a dar visibilidade aos possíveis
descompassos entre representações, o que permite explorar diferentes facetas do
comportamento da professora.
De modo geral, os alunos da escola gostam de Sara. Muitos deles foram
acompanhados por ela desde as séries iniciais e, hoje, estão nas séries finais do
ensino fundamental. Para captar a opinião deles, organizei um momento em que os
50
alunos da 2a série D e 3a série A, responderam às questões: “O que mais gosta e o
que não gosta nas aulas de Sara? O que você acha de sua professora?” Os alunos
responderam por extenso e também utilizaram desenhos para se expressar.
Especificavam as brincadeiras que gostam e que não gostam.
Apareceram relatos que apontam o desagrado de alunos que não gostam dos
momentos de reflexão, quando Sara chama para a “roda na quadra” (momento em
que ela reúne a turma para explicações e conversas sobre a atividade realizada).
Os alunos também não gostam quando Sara fica brava e briga. Aparecem relatos
que retratam situações na qual a professora retira alguns alunos da aula ou quando
é mais severa com os alunos em momentos de impaciência extrema, motivada pela
“raiva” de ver um aluno agredindo ao outro (justificativa dada por Sara em
entrevista em 30 /07/2008).
Entretanto os alunos se referem à professora com elogios, identificando-a por
adjetivos como: “inteligente”, “legal”, “boazinha”, “linda”, “simpática”. Ela também é
elogiada por explicar bem as atividades trabalhadas em aula.
Além destas informações, o que observei da conduta dos alunos em relação a
Sara, nos diferentes momentos de interação na escola, tais como: aulas; recreio;
festas; momentos casuais no pátio ou corredores; foram manifestações de carinho e
respeito pela professora.
Os profissionais do Corpo Técnico Administrativo (CTA)17 responderam18 a
questões sobre como vêem o trabalho de Sara e como se relacionam com ela. As
impressões destes profissionais ajudaram a entender as interações de Sara no seu
contexto de trabalho; agora relacionado ao trato com essas colegas. [Questões em
ANEXO 1].
A profissional do CTA 1 ressaltou o trabalho organizado de Sara. Relata
surpreender-se ao ver como a Educação Física é valorizada pela professora no
sentido dela não permitir que os alunos fiquem sem aula. A profissional do CTA 1
demonstra ter uma visão bastante positiva da professora e fez questão de ressaltar
isso.
17 Compõe o CTA profissionais que representam o núcleo gestor da escola. Também foi ouvida a professora da turma 3ª série A. Para não expor esses profissionais eles serão identificados por números com a designação “profissionais do CTA”. A professora da turma de referência, mesmo não sendo do núcleo gestor, terá a mesma identificação. 18 As entrevistas foram feitas em momentos diferentes com cada pessoa entrevistada, permitindo que estes respondessem oralmente às questões e, posteriormente, entregassem por escrito os seus relatos.
51
No meu entender a professora consegue valorizar a Educação Física na formação do aluno quando exige dos mesmos, disciplina, respeito às diferenças individuais, aos professores da escola e ao mesmo tempo dá exemplo com seu comportamento de compromisso com suas ações desde suas aulas interessantes, planejadas em grupo de estudo e com a pedagoga da escola e também a sua luta com a classe dos profissionais do magistério como pessoa e cidadã, merecedora do nosso incentivo e apoio as suas ações (profissional do CTA 1, relato em 19/05/2008).
A profissional do CTA 2 também ressaltou a importância da Educação Física
para a formação do aluno e a seriedade do trabalho desenvolvido por Sara ao
valorizar a formação de seus alunos e a interatividade das aulas que favorecia as
relações interpessoais. Ela acompanha o trabalho de Sara tomando ciência do que é
ministrado em suas aulas e sugerindo intervenções, sobretudo, quanto ao
comportamento dos alunos. É com ela que Sara divide as dificuldades encontradas
no desenvolvimento de suas aulas.
A profissional do CTA 2 reconhece que as estratégias utilizadas pela
professora para envolver os alunos são diferenciadas e destacou como pontos
positivos de Sara sua abertura para as propostas de trabalho bem como suas
posturas colaborativas e de entrosamento. Considerou como um ponto negativo, o
fato de Sara não valorizar o que faz; não registrando o seu trabalho em
planejamentos organizados e nem socializando o que realizava.
A profissional do CTA 3 reconhece a importância da Educação Física na
escola como uma disciplina que colabora com a formação do aluno. Ela ressaltou
que tem com Sara uma relação de diálogo. Vê na professora posturas de respeito e
responsabilidade. Reconhece que Sara gosta do que faz e destaca uma
característica marcante da professora: o fato de ser uma “pessoa fechada”. “Ela
gostaria que Sara falasse mais, fosse mais solta. Gostaria que fosse mais firme,
mais segura”. (A profissional do CTA 3, em entrevista no dia 19/5/2008). Mas,
descreve Sara como uma pessoa divertida, “gostosa de lidar” (depoimento da
diretora, em entrevista no dia 19/5/2008).
A profissional do CTA 3 reconhece aspectos positivos na forma de trabalho
desenvolvido pela professora; o comprometimento; a preocupação com os alunos e
com o grupo de professores.
Para a profissional do CTA 4, “a Educação Física contribui para a formação
do indivíduo quanto à socialização, disciplina, limites, destacando o desenvolvimento
52
físico e psicológico” (questionário respondido em 6/6/2008). Considera ainda que a
importância da Educação Física no currículo é a de “formar o indivíduo para a
sociedade”. Observa que Sara trabalha as questões disciplinares, sociológicas e
atitudinais, destacando o lado social; enfatizando danças, teatros e outros. No
entanto, o planejamento integrado com as demais disciplinas não acontece. A
profissional do CTA 4 considera Sara “bastante comprometida com o seu trabalho”,
porém avalia que este trabalho fica prejudicado em razão dos problemas
disciplinares da turma. Ela considera como condutas positivas em Sara a crítica; a
sensibilidade; o comprometimento e a capacidade de trabalho. Enfatiza, entretanto,
que Sara “não gosta de divulgar seus trabalhos” (profissional do CTA 4, questionário
respondido em 6/6/2008).
Ela percebe Sara como uma colega de trabalho “agradável, humilde,
atenciosa” uma pessoa “alegre”, porém, “fechada”; “não deixava transparecer o seu
lado pessoal” (profissional do CTA 2, questionário respondido em 6/6/2008).
As descrições feitas pelas colegas de Sara, em relação ao seu desempenho
profissional e características pessoais, são comuns quando ressaltam o
compromisso de Sara com o seu fazer docente, o fato dela ser uma pessoa de
convivência agradável e ser uma pessoa “fechada”. Convergem também apontando
que Sara não registra suas ações em planejamentos escritos e que não socializa
suas ações com seus pares professores. Ao longo das entrevistas, percebi que
essas profissionais demonstraram um certo pudor ao abordar os pontos negativos
de Sara, embora não se eximissem de expressar suas opiniões.
As impressões dos alunos e profissionais do CTA revelam as representações
sobre as ações da professora Sara. No tópico a seguir, descreverei as narrativas de
Sara das quais puderam ser registradas as suas próprias percepções quanto ao seu
modo de ser e agir. São momentos resgatados por ela de sua história de vida,
período de escolarização e trajetória profissional.
3.2 COMO SARA É PERCEBIDA POR SI PRÓPRIA: EM SUA HISTÓRIA DE VIDA; PERÍODO DE ESCOLARIZAÇÃO E TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
53
Adentrar ao universo particular da professora foi uma tarefa necessária,
sobretudo para investigar as percepções que ela tem de si mesma quanto aos seus
modos de agir na relação com os seus familiares; amigos; colegas de trabalho;
colegas na escola e no período da universidade. Para tanto, mobilizei estratégias19
que permitiam resgatar sua história de vida a partir dos relatos sobre a sua formação
profissional; sobre o período de sua escolarização; das suas vivências em família;
um pouco das suas crenças; dos seus valores; entre outras; enfim, um auto-retrato
da professora Sara.
Sara relembrou passagens de sua vida pessoal e profissional em entrevistas
e conversas informais. As primeiras foram gravadas e as últimas anotadas em diário
de campo. Segundo os seus próprios depoimentos Sara percebe-se como uma
pessoa de poucas palavras e que prefere falar em pequenos grupos. Prefere ouvir e
analisar as coisas que ouve, pensando muito antes de falar, por medo de magoar as
pessoas com suas palavras. Entrega-se às suas amizades sinceras, gosta de ser útil
e buscar coisas boas para sua vida. Não gosta de contrariar ninguém. Percebe em si
a necessidade de, em algumas situações, fazer valer a sua vontade e vê isso como
um processo de libertação da atitude passiva que costuma assumir. Ela me contou
que
Eu era uma criança muito quieta... Sabe muito quietinha... De repente eu queria ser igual a minha irmã, em que todo dia minha mãe tinha que ir buscar ela porque ela era muito levada. Eu tinha vergonha de ser chamada a atenção. Até hoje se alguém me chamar a atenção na frente de todo mundo eu sou capaz de chorar; morrer de raiva depois que eu deveria ter falado isso...isso...isso .... Eu tenho raiva de ser assim (depoimento de Sara em entrevista em12/9/2008)!
Em família Sara se considera brincalhona. Contou-me que tinha uma relação
intensa com os dois filhos e que não gostaria de ser professora de sua filha pelos
tantos problemas que ela gerava na escola. Os conflitos dizem respeito, segundo
Sara, ao fato de sua filha ser uma menina contestadora e não aceitar facilmente algo
19 Marcava com Sara entrevistas em que trazia algumas perguntas que desencadeavam as suas narrativas e aproveitava momentos de conversas informais que surgiam no entremeio dos encontros para observação de suas aulas e outras situações na escola para estimular as suas lembranças sobre sua história de vida. As estratégias a que me refiro eram o modo como procurava conduzir esses momentos, deixando-a o mais à vontade possível para que as situações fossem rememoradas ao máximo em seus detalhes e riquezas.
54
que a contrarie. Ela vê na filha o que gostaria de ser; “desembaraçada; que fala o
que lhe passa na cabeça”. (entrevista em 19/5/2008)
Um de seus filhos viajou para os Estados Unidos da América no início de
2008 na perspectiva de ganhar e juntar algum dinheiro para começar a sua vida
profissional. Retornou no final de 2008. Antes de viajar, cursou administração de
empresas. Sua atitude revelava um comportamento desprendido e desenvolto
(segundo observou Sara), ao salientar que seus filhos têm comportamentos bem
diferentes do seu.
Sara está casada com seu marido há mais de vinte anos e considera que
recebe muito apoio dele para o desenvolvimento de seu trabalho como professora,
assim como ela o ajuda nas suas horas de folga na floricultura do qual ele é
proprietário.
Em síntese, a própria professora identificou valores pessoais construídos em
família que se revelavam em suas maneiras de agir, bem como são retratados em
suas narrativas: o fato de que ela é uma pessoa de poucas palavras; que gosta de
ouvir e analisar as coisas que ouve; que pensa muito antes de falar; que tem medo
de magoar as pessoas; que se entrega às suas amizades sinceras; que gosta de ser
útil; que não gosta de contrariar ninguém; que reconhece em si a necessidade de
libertação da atitude passiva que costuma assumir. Sara afirma que gostaria de ser
mais; “desembaraçada” como sua filha, porém, também se considera brincalhona
quando na intimidade com os seus familiares.
Descreverei a seguir o contexto no qual viveu a sua infância para
entendermos sobre o que determinam estas maneiras como Sara, agia/ age.
Foi criada em Vitória - ES com seus pais e uma Irmã. Na frente de sua própria
casa brincava de roda. Resgatava boas lembranças da memória quando sentia
“cheiro de cimento”. Saiu desta casa aos sete anos de idade, mudando-se para
outra casa também em Vitória – ES, onde mora, atualmente, com o marido, seus
filhos e seu pai.
Sua mãe era negra, uma mistura de índio, negro e alemão. Não sabia ler,
mas valorizava eventos culturais tais como o teatro e a música. Costumava levar as
filhas ao parque. Sua mãe faleceu aos 47 anos com problemas cardíacos (Sara
tinha 22 anos na época). O falecimento de sua mãe ocorreu onze meses antes de
seu casamento. Seu pai, um marceneiro “durão”, “fechado”, “organizado”, “metódico”
(adjetivos citados por Sara), com o falecimento da esposa e o casamento da filha,
55
ficou morando com Sara e seu marido nesta mesma casa que foi reformada. A irmã
de Sara também é casada; tem três filhos e mora em Vitória - ES.
De acordo com Sara, ela teve uma criação pautada no respeito aos valores
humanos e se sente incomodada ao ver em seus alunos atitudes que ferem estes
princípios. Afirma ter, como princípios em sua vida, o espírito de colaboração e de
conservação destes valores e que eles a acompanham em suas outras experiências
socializadoras. Reconhece que adquiriu com a mãe o sentimento de valorização de
eventos culturais tais como o teatro, a música e que isso contribuí para a valorização
da sensibilidade nos relacionamentos humanos.
Os comportamentos citados anteriormente também apareceram recorrentes
nos relatos da professora sobre sua escolarização no ensino fundamental e médio;
na sua formação inicial e trajetória profissional. Sendo assim, descreverei adiante
como Sara viveu seus períodos de escolarização.
Para além do seio familiar, a escola foi também um ambiente importante na
socialização desta professora. Sara relembra algumas de suas experiências como
estudante. Estudou em uma escola denominada “escola da comunidade” (ensino
fundamental e médio), que tinha em suas mensalidades preços diferenciados.
Mesmo levando-se em conta que a família possuía condição financeira razoável, foi
nesta escola que Sara participou do curso de normalista (formação de professoras).
Sua opção, desde o início desta etapa escolar, era a de ser professora.
Sara não considera que tenha sido a melhor aluna no ensino fundamental e
médio, embora amigas deste mesmo período reconhecessem o potencial dela como
aluna nota dez (relato de Sara em entrevista em 16/2/2009). Para ela suas notas na
escola ficavam no limite. Sara lembrou que, diante da pergunta de um professor,
mesmo que dominasse o conhecimento sobre a matéria perguntada, ela não
respondia por vergonha.
Quanto aos relacionamentos interpessoais na escola, contou-me que tinha
poucas amizades. Selecionava as companhias aproximando-se daquelas pessoas
que compartilhassem do seu jeito de ser, por identificações e ou semelhanças no
modo de agir. Segundo Sara, ela era muito fechada, não expunha suas idéias e se
discordasse de algo nas aulas, não falava, pois tinha vergonha de se expor diante
dos outros colegas, sobretudo por medo de errar e ser criticada ou de magoar
alguém com suas colocações.
56
Sara considera que esse comportamento se mantém até hoje e advém de
algo que a bloqueou na infância. Ela explica que sua irmã apanhou muito dos pais
por dizer o que pensava sem medo de repreensões, mas ela se recolhia por medo
de apanhar como a irmã. Pelas suas narrativas não foi difícil registrar a reincidência
destes comportamentos fechados e reclusos que serão descritos no período de sua
formação acadêmica inicial.
Em continuidade ao período de escolarização de Sara, descrevo a seguir as
suas relações interpessoais em sua formação acadêmica inicial como professora de
Educação Física. Sua formação inicial em nível superior ocorreu na UFES –
Universidade Federal do Espírito Santo, nos anos de 1975 a 1978. Saiu do curso de
magistério e entrou direto na universidade.
Durante o período de sua formação inicial, Sara disse que mantinha boa
relação com os colegas de turma. As amizades femininas eram mais intensas em
razão do maior volume de convivência entre as moças em situações de elaboração
de trabalhos acadêmicos e porque as aulas para o curso de Educação Física, na
época em que cursou a universidade, eram separadas em turmas masculinas e
femininas.
Sara restringia estas relações de amizades ao convívio na UFES, não tinha
relacionamentos com essas colegas fora deste espaço. Não participava das festas
promovidas pelos colegas da universidade nem por instituições como o D.A.
(Diretório Acadêmico), por exemplo.
Um ano depois de seu ingresso na UFES, conheceu e namorou o rapaz com
quem se casou. Ela atribuía em parte o afastamento desta convivência com os
colegas da universidade para além daquele espaço, ao relacionamento com o
namorado que, segundo ela, a colocava em outra perspectiva de vida.
No que tange às relações sociais no período de sua formação inicial, Sara
ressaltava sua timidez e restrição a pequenos grupos. Uma forma de dificultar a
aproximação para com as demais pessoas. Comportamento esse que a acompanha
desde a escola de ensino fundamental e médio e em algumas situações da sua
convivência familiar. Sara convive com poucas pessoas, pois, segundo ela, ela
mesma limita esses contatos.
Nos relatos de Sara sobre o período da formação inicial, apareceram,
características referentes ao seu modo de agir e relacionar-se nas disciplinas e com
seus respectivos professores. Ela relatou que não gostava das disciplinas mais
57
diretamente ligadas ao esporte de quadra (Vôlei, Basquete, Handebol), pois dizia
não ter muitas habilidades para a execução dos fundamentos técnicos dessas
modalidades20 e temia ser criticada pelos colegas em razão de não conseguir
executar os movimentos corretamente. Ela mesma expõe suas limitações quanto
aos processos de interação com as disciplinas nos quais pudesse ser exigido dela
mais do que suas possibilidades. Ela afirmou diversas vezes que não gostava de ser
repreendida. Portanto, também aqui, preferia não fazer para não errar, não se expor.
Alega que tinha preferência pela Dança, Ginástica, Natação e Recreação.
Nestas disciplinas ela se sentia mais à vontade ao participar das aulas. Ela
considerou que nas disciplinas das quais mais gostava o relacionamento com os
professores era melhor.
No entanto, ela destacou momentos ruins vivenciados na disciplina de Dança,
pois a professora usava sempre as mesmas músicas; as mesmas coreografias; não
deixava a turma interagir no processo de criação. Era uma professora iniciante. Em
seu depoimento, Sara afirma que gostaria de ter feito a disciplina com a outra
professora (a titular da cadeira) que segundo ela era mais experiente, portanto,
melhor. Não fez aula com a professora titular porque esta havia viajado para os EUA
– Estados Unidos da América.
Criticou a professora de Ginástica por ter sido uma professora exigente
demais com os alunos, em relação à eficiência dos movimentos executados em
aula. Era rígida e Sara reagia a essas cobranças esmerando-se nos resultados que
eram bons. Ela gostava das aulas, apesar dos professores agirem de maneira
inflexível com as eventuais inabilidades dos alunos, ridicularizando-os quando não
conseguiam acertar e exagerando nas cobranças na execução correta dos
movimentos ensinados.21
Apesar de Sara não gostar das professoras, a Dança e a Ginástica eram
disciplinas nas quais ela tinha domínio e se destacava; sobretudo na preparação de
trabalhos em que suas idéias sobressaíam, não por imposição dela, mas porque
suas colegas de turma não ofereciam sugestões.
20 As disciplinas práticas do curso de formação de professores de Educação Física, na década de 70, exigiam dos alunos um desempenho mínimo de execução dos movimentos relativos às modalidades. Essa era a perspectiva de formação de professores para a época.
21 Cabe ressaltar aqui que para o modelo de formação de professores na década de 70, a ação dos professores citados por Sara eram legítimas, em razão das concepções de ensino que figuravam naquela época.
58
Ela contou ainda que gostava muito da disciplina Natação. Sara não sentia
tanta abertura com esses professores, mas, por dominar essa prática corporal, ela
se sentia à vontade nas aulas obtendo bons resultados. O que não era o caso do
Voleibol, por exemplo, em que ela temia erros por não dominar as habilidades
específicas e estar sujeita a passar vergonha diante do professor e dos colegas.
Nesta mesma perspectiva, lembrou do professor da disciplina Basquetebol
como um exemplo que não foi positivo para sua formação, pois considerava que
suas aulas contribuíam pouco para aquisição de conhecimentos que permitisse a
elaboração de sua prática pedagógica futura; talvez somente reproduzir o que ela
vivenciava nestas aulas.
Sara não dominava as atividades específicas dos esportes de quadra, então
ela se sentia à margem e afirmava que “quem se sobressaía se dava bem”
(depoimento de Sara em entrevista em 9/06/2008); e seu desempenho, conforme
relatou, não era dos melhores. O que dificultava também o seu relacionamento com
os professores dessas disciplinas. “Os professores eram muito afastados da gente.
A dinâmica da aula era o jogo” (depoimento de Sara, entrevista em 9/06/2008).
Mesmo nas disciplinas em que as exigências não eram de habilidades físicas,
mas de desempenho intelectual, Sara ressaltou algumas de suas dificuldades.
Lembrou que em Cinesiologia era “burrinha” (termo utilizado por Sara); não
conseguia fazer bem os cálculos exigidos na disciplina, bem como não se
considerava boa aluna em Biologia. A disciplina Anatomia, existente na grade
curricular de seu curso, era só teórica. Ela não fez aulas práticas. E seu
desempenho era considerado por ela como mediano.
Nas considerações de Sara sobre as disciplinas citadas acima (Anatomia,
Cinesiologia, Biologia), ela demonstrou que não se destacava como uma das
melhores alunas e sua relação com os professores não lhe inspirou maiores
lembranças.
Entretanto, Sara lembrou da professora de Psicologia que, no horário de suas
aulas, contava sobre as suas viagem à Europa. Sara interagia bem com essa
professora, pois gostava de ouvir e observar a maneira como ela contava essas
viagens e como estas histórias prendiam a atenção dos alunos. Porém, Sara não via
relação das narrativas da professora com o programa da disciplina.
Lembrou, também, da professora que ministrava a disciplina Recreação como
alguém que em sua formação “deixou bastantes referências práticas” (Sara, diário
59
de campo, 24/3/2008). Referenciais que poderiam ser aplicadas por ela em suas
aulas e que, segundo ela, nortearam parte de sua prática profissional.
A narrativa de Sara sobre a disciplina Recreação permitiu que aparecesse um
pouco de como eram tratados os conteúdos na formação inicial (daquela época).
Para os egressos da universidade, naquele período (década de setenta), havia uma
tendência de que os professores em formação reproduzissem os modelos
apresentados nas disciplinas, como sugestões de atividades a serem trabalhadas
em aula. Podendo ainda, apresentar, em sua prática pedagógica, identificação com
o modo como agiam os seus professores formadores.
Em Síntese, durante o período de sua formação inicial, Sara mantinha boa
relação com os colegas de turma. As amizades femininas eram mais intensas em
razão do maior volume de convivência, porém, Sara restringia estas relações de
amizades ao convívio na UFES e não tinha relacionamentos fora deste espaço.
Ela não participava das festas promovidas pelos colegas da faculdade nem
por instituições como o D.A. (Diretório Acadêmico), atribui em parte esse
afastamento da convivência com os colegas da faculdade ao relacionamento com o
namorado que conhecera meses depois que entrou para a Universidade.
No que tange às relações sociais, Sara ressalta o seu temperamento tímido e
restrito a pequenos grupos que dificulta a aproximação com as pessoas. Sobretudo
na relação com os colegas e professores de algumas disciplinas das quais dizia não
ter habilidades para a execução dos movimentos e temia ser criticada pelos colegas
em razão de não conseguir executá-los corretamente. Sara ressalta limitações suas
quanto aos processos de interação com essas disciplinas das quais pudesse ser
exigido dela mais do que suas possibilidades de acordo com o seu perfil de não se
expor.
Os comportamentos descritos referentes aos percursos narrado por Sara e
que se referem aos relacionamentos em família e momentos de sua escolarização e
formação inicial possuem muitas semelhanças. Descrevo a seguir sobre o contexto
vivido pela professora em sua trajetória profissional em seus vários anos de
docência e sobre o modo como Sara se relaciona nestes lugares.
Na sua trajetória profissional, a primeira e única experiência em prática de
ensino, quando fez o curso normal, foi com a Educação Física. Depois de concluída,
a formação inicial, começou a trabalhar, em 1978, em uma academia com natação e
ginástica. Em 1982 fez o concurso para a Rede Estadual de Ensino, mas só
60
ingressou em 1984 quando conseguiu uma vaga em uma escola da Rede Estadual
de Ensino no Município de Cariacica – Sede, onde trabalhou um ano.
Transferiu-se para outra escola em Alto Lage – Cariacica – ES onde trabalhou
no período de um ano. Foi um ano muito difícil (1985). Não gostava do lugar onde
trabalhava. Não gostava da maneira como as pessoas se relacionavam umas com
as outras.
Transferiu-se para outra Escola da Rede Estadual de Ensino no Município da
Serra – ES, na qual permaneceu por vinte anos até a sua aposentadoria pelos anos
trabalhados na Rede Estadual de Ensino. Trabalhou com turmas de 1a a 8a séries e
com turmas do ensino médio.
Em 1990 prestou concurso público para a Prefeitura Municipal de Vitória e,
em 1991, começou a trabalhar em CEMEI, (Centro Municipal de Educação Infantil)
com carga horária quebrada em duas escolas. Em 1995 iniciou o seu trabalho na
Escola onde atua até hoje como titular desta cadeira (vaga de professora de
Educação Física).
Foram nestes diferentes contextos que Sara vivenciou e vivencia suas
experiências docentes bem como as possibilidades de relacionamentos com as
pessoas pertencentes a esses meios sociais (academia, Escolas Estaduais, CEMEI,
Escolas Municipais). Relações que são permeadas, também, pelo que ela traz das
relações em família; com os colegas de escola e da universidade.
O compromisso da professora com o seu fazer docente, percebido pelas
profissionais do CTA, está de acordo com o comportamento responsável a que Sara
se atribui, reconhecido também pelos alunos quando afirmam que ela explica bem
as atividades trabalhadas em aula. Quando as profissionais do CTA apontam sobre
o temperamento “fechado” da professora e que ela não socializa suas ações com
seus pares professores; suas impressões estão de acordo com o que ela própria
reconhece de seus comportamentos apresentados desde os períodos vividos em
sua escolarização e em família, por ser ela, uma pessoa que fala pouco,
principalmente quando na presença de muitas pessoas. No entanto, os adjetivos
atribuídos pelos alunos à Sara (“inteligente”, “legal”, “boazinha”, “linda”, “simpática”);
correspondem às afirmações das profissionais do CTA quando consideram que ela é
uma pessoa de agradável convivência. Assim como observei o bom relacionamento
de Sara com os alunos pelas manifestações de carinho e respeito expressos por
61
eles durante as aulas; no recreio; nas festas e nos momentos casuais no pátio ou
corredores.
Com essas comparações percebo que Sara demonstra coerência em suas
maneiras de agir. Perceptíveis pelos resultados comparados de como Sara era
percebida pelas profissionais do CTA; pelos alunos e como ela mesma se percebe.
No próximo tópico serão descritos os momentos vividos por Sara em suas
práticas na escola. Momentos em que estive com ela e observei diretamente as suas
ações e momentos captados pelas narrativas da professora.
3.3 SARA E SUAS PRÁTICAS NA ESCOLA
Descreverei neste tópico a participação de Sara nos seus afazeres
distribuídos em sua semana de trabalho, para além de suas aulas. As atividades
profissionais de Sara na escola se constituíram de momentos de estudos; de
reuniões com pais de aluno; festas comemorativas; entre outros compromissos.
Sara é assídua aos compromissos de trabalho na semana e considera
importante a realização dos grupos de estudos com a equipe docente e corpo
técnico administrativo da escola. Nestas reuniões de estudo, Sara permanece
calada; participa timidamente dos debates sobre os temas tratados, acompanha e
comenta as questões em voz baixa com colegas ao seu lado que, de certa forma,
reportam aos demais presentes as suas opiniões.
Além das reuniões na escola, Sara também se reúne, semanalmente, para
estudos e planejamentos com duas professoras da Rede Municipal de Ensino de
Vitória. Este grupo foi formado no final no ano de 2006, por iniciativa destas
professoras. Nele, as professoras discutem sobre o que cada uma consegue realizar
nas suas aulas. Debatem as estratégias que utilizam, e socializam umas com as
outras os materiais que podem ser utilizados.
Sara é mais participativa neste grupo de estudo. Pergunta sobre as ações a
serem realizadas para o desenvolvimento dos projetos pensados; dá sugestões para
estas ações; participa discutindo a organização dos conteúdos propostos; questiona
o número de aulas necessárias para o desenvolvimento do tema e os tipos de ações
para as aulas práticas; os debates em relação aos textos estudados; a retomada de
62
ações já realizadas; entre outros assuntos. Ainda assim, por vezes, ela se coloca
numa posição passiva em relação às outras professoras com afirmações tais como
“Para mim, tudo é difícil” (fala de Sara durante o grupo de estudo em 29/8/2008).
O fato de poucas pessoas participarem no seu grupo particular de estudo,
contribuía para que ela se permitisse falar mais. O que não acontece no grupo de
estudo em que todos os professores da escola participam. Assim como quando Sara
participou na preparação do texto específico da área de Educação Física que
representaria parte da construção do Projeto Político Pedagógico desta escola, seu
comportamento foi o de ouvir e concordar com o que argumentava o professor que
era o seu companheiro para a construção deste texto. Diante da postura de Sara o
professor passou a conduzir as ideias que deveriam ser debatidas por eles e
colocadas no PPP22.
Em nosso encontro semanal para entrevistas, Sara admite ter dificuldades em
falar em público por temer cometer equívoco e ser criticada. “Qualquer coisa me
envergonha, e eu não gosto de ser chamada à atenção” (depoimento de Sara,
entrevista em 12/ 9/2008).
Descreverei a seguir momentos vividos por Sara nas reuniões de plantões
pedagógicos com os pais de alunos que foram à escola para tratar de assuntos
relativos ao desempenho de seus filhos. Sara demonstra segurança ao falar com os
pais; ela tem consciência das problemáticas com os alunos podendo então
identificar os pontos a serem tratados com os pais.
Nestes diálogos com a família, Sara procura perceber os motivos que levam
os alunos a agir desta ou daquela forma durante as aulas; informa aos pais sobre o
comportamento destes e tenta explicar como são as suas ações, como professora,
para intervir. Sara demonstra conhecer a realidade de seus alunos, sugere aos pais
a leitura dos relatórios produzidos pelos seus filhos para se interar sobre o que é
desenvolvido em aula. Sara pede ao aluno que acompanhe seus pais na reunião,
para que ele mesmo relate sobre seu comportamento na aula. Ela tem a intenção de
pensar soluções em conjunto com estes dois segmentos. (pais e filhos), na
perspectiva também de que o aluno se comprometa com suas ações na escola.
Sara pede que o aluno dê sugestões quanto a ações que podem ser
utilizadas para colaborar para a melhoria do comportamento geral da turma. Nos
22 Obtive estas informações a partir de uma entrevista com a professora Sara, no dia 14/11/2008 em que ela me descreveu o processo de como ela participou da construção deste texto.
63
momentos de conflitos em aula; ela utiliza as sugestões dadas pelos alunos
lembrando-os do compromisso firmado junto aos pais, no momento do plantão
pedagógico.
A indisciplina é algo que a incomoda muito. Sua preocupação com o
comportamento dos alunos é visível em suas ações em vários momentos do seu
trabalho. Na formação de fila para a entrada e no recreio; nas estratégias de aula; no
trânsito dos alunos da sala para o pátio; na organização e preparação de atividades
extras na escola; entre outras.
Quanto à formação de filas, existe, também, uma questão relativa à
organização geral da escola. Como, por exemplo, após o recreio em que os alunos
formam filas no pátio. A diretora da escola, ao microfone, pede silêncio para
organizar o retorno destes à sala de aula. Os alunos das turmas iniciais de 1ª a 4ª
séries (turmas em que Sara dava aula), respondiam melhor a esta estratégia das
filas, do que os alunos das séries finais de 5ª a 8ª séries. Sara afirma que a
disciplina nas aulas é primordial para se trabalhar. Reconhece na fila um modo de
organização que favorece a manutenção da disciplina na turma e o controle do
professor sobre os alunos.
Descreverei, a seguir, a festa da diversidade cultural que ocorreu na escola,
no dia 23 de agosto de 2008. Será ressaltada aqui a relação de Sara com as
questões de organização, preparação e execução das atividades apresentadas na
realização deste evento.
Segundo seu relato, Sara já havia participado de muitas outras festas como
aquela, porém, não estava à vontade, pois não encontrou espaço para colaborar
com as suas ideias para a elaboração das coreografias justificando que a outra
professora de Educação Física23 que estava à frente da preparação das danças,
agia de maneira diferente do que ela gostaria de fazer. A outra professora trouxe as
coreografias prontas e treinou com as crianças. De maneira diferente, Sara
pretendia preparar, junto com as alunas, as coreografias sem uma concepção prévia
dos passos da dança.
Sara teve dificuldades para assimilar uma proposta diferente da sua, quanto a
elaboração das coreografias para a festa. E, apesar de não ter criado as danças
com os alunos, conforme gostaria; reconheceu suas limitações e não entrou em
23 Professora das turmas de 5ª a 8ª séries que trabalham no turno matutino junto com a professora Sara.
64
confronto; respeitando o trabalho da outra professora. Mesmo assim, participou dos
ensaios ajudando na organização dos alunos; dançou junto com eles, em alguns
ensaios, para orientá-los. Apesar de sentir-se fora da organização das danças para
a festa, Sara deu opiniões e sugestões de inserção de novos passos e de como
poderia ser a roupa para a apresentação.
No dia da festa, Sara e os outros professores da escola, divididos em
equipes, participaram da montagem, decoração, preparação de comidas, entre
outras atividades relativas ao evento. Sara ajudou na organização da programação
das danças; supervisionando as trocas de roupas; reunindo os alunos para se
apresentarem.
Ela enfrentou dificuldades tais como: o atraso da professora que trazia o CD
(Compact Disk) com a Música e os materiais a serem utilizados em uma das
coreografias; o não comparecimento de integrantes do grupo que apresentariam a
dança, etc. Apesar de tencionada, Sara criou alternativas quanto ao número de
participantes da dança para substituir os faltosos; esperou pacientemente pela
chegada da professora que trazia o CD e os materiais, ciente de que poderia criar
soluções para esses problemas.
Das ações de Sara nestas situações em seu cotidiano de trabalho na escola,
observei que Sara demonstra disposição para participar dos seus compromissos,
apesar de permanecer a maior parte do tempo calada nas reuniões de estudo.
Como já dito, Sara é mais participativa no grupo de estudo com as outras
professoras de Educação Física, embora também nele se coloque de modo passivo
em relação a estas professoras.
Demonstra firmeza e fluidez na condução das reuniões de plantões
pedagógicos ao conversar com os pais sobre o rendimento dos alunos. Exige o
comprometimento dos seus alunos para a organização das ações na escola.
Preocupa-se com o comportamento dos alunos.
Na organização da festa, apresenta comportamentos que demonstraram
dificuldades suas em trabalhar com a proposta diferente da outra professora, porém
participou da organização antes e durante a realização do evento, enfrentando as
situações de tensão.
No próximo tópico serão descritos momentos da prática pedagógica de Sara,
dos quais acompanhei e também o que ela apresentou em suas narrativas.
65
3.4 SARA E SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA (FLASH DE AULAS E PROJETOS)
Ao acompanhar a prática pedagógica da professora Sara pude observar suas
ações na interação com as situações que ali aconteciam. Nessas conversas fizeram
aparecer o modo como ela pensa e organiza as estratégias de aula.
Essas informações eram captadas pela observação direta de suas aulas, na
quadra; na sala de aula; no pátio, bem como por meio de entrevistas nas quais a
professora relatava como agia nas situações em que não observei diretamente.
Descreverei a seguir as situações observas por mim e narradas por Sara.
Nas aulas, Sara intercala momentos de reunião com os alunos, no qual
conversa sobre as atividades desenvolvidas; explica como devem acontecer as
atividades; reflete sobre as situações de conflito ocorridas em aula.
Certa vez, Sara organizou uma atividade em que os alunos corriam e
chutavam bolas dispostas em fileiras no meio da quadra. Os grupos se revezavam
para chutar bolas diferentes. Sara primava pela organização sistemática dos alunos
durante a realização das atividades propostas. Sua rigidez em relação a essa
organização consumia em parte o tempo da aula, dadas as diversas interrupções
para chamar a atenção dos alunos.
Em uma das aulas observadas, Sara utilizou um recurso para conter a
agitação dos alunos. Fez uma contagem de um a três e, ao final, proferiu a palavra:
CÓDIGO. A turma responde a essa estratégia com um relativo silêncio, embora
alguns alunos demonstrassem não compreender o que significava este código
estabelecido pela professora. Os alunos são inquietos, dispersam com facilidade,
atrapalhando o momento de explicação das atividades trabalhadas em aula. Sendo
assim, ela busca com o uso de recursos como o descrito anteriormente, maneiras de
viabilizar o seu trabalho.
Pequenas brigas, implicâncias entre colegas acontecem constantemente nas
aulas e, durante esses conflitos, entre os alunos, muitas vezes Sara não fazia
nenhuma intervenção. Porém, o que observei era que a professora atuava
tencionada pela necessidade de manter um mínimo de organização para as suas
aulas e a necessidade de mediação dos conflitos entre os alunos. Sendo assim,
muitas dessas intercorrências passam sem que ela possa intervir no momento em
que ocorrem, sendo obrigatoriamente deixadas para serem resolvidas depois.
66
Em outra aula observada, Sara organizou os alunos para jogar o
“caranguejobol”24. Utilizou esta atividade como base problematizadora para o
momento de reflexão na aula. Fez comparações entre jogar em pé ou naquela
posição diferente. Fez referência a pessoas portadoras de necessidades abordando
a temática da inclusão.
Em outro momento, a professora Sara relatou como desenvolveu a atividade
“bola invisível”. Era uma atividade em que, sem o uso de palavras ou sons, os
alunos utilizavam gestos reproduzindo movimentos de jogos com bola como
linguagens que deveriam ser interpretadas.
Em outra situação observada, os alunos escolheram, por votação na sala de
aula, uma brincadeira com bola e cones que já havia sido apresentada a eles pela
professora, em aula anterior. A professora acatou a sugestão dos alunos e propôs
variações para enriquecer a atividade escolhida por eles. Na quadra, organizou a
turma em duas filas, mas perdeu o controle da organização ao longo de sua
realização, pois, os alunos, contrariando ao que fora combinado, demonstravam o
desejo de jogar futebol.
Sara reuniu a turma no centro da quadra para refletir sobre o que eles não
conseguiam entender e ou não conseguiam fazer. Ao se aproximar do final da aula,
a professora desistiu de fazer outras atividades, culpando os alunos pelo tempo mal
administrado por eles. Atribuiu o fato à desorganização dos alunos na execução da
atividade. Sara encerrou a aula levando os alunos para sala.
Ela narrou sobre outras atividades desenvolvidas por ela tais como: o “pique
abraço” (uma maneira dos alunos tocarem uns aos outros). Para não ser “boiada” a
criança deveria dar um abraço em algum colega; “a galinha do vizinho diferente”
(com variação referente ao fato de que: quem ficasse com a bola correria atrás dos
colegas a fim de acertá-los arremessando a bola).
Sara ressignificou o pique dando-lhe a função de recurso pedagógico para
estimular a afetividade na turma, sendo assim, transformou-se em “pique abraço”;
bem como, a “galinha do vizinho” ganhou maior liberdade para que o aluno pudesse
correr para além da roda formada pelos colegas25 com exigências maiores,
24 Futebol em posição de caranguejo (apoiado com as mãos e os pés no chão, em decúbito dorsal, sendo que as costas ficam suspensas. Somente as mãos e os pés tocam o chão) 25 Modelo original da brincadeira, na qual as crianças correm em volta do círculo após colocarem a bola (ovo da galinha) atrás de um dos colegas que estava sentado na roda. A criança então corre atrás daquele que colocou a bola até que este, correndo em volta da roda, sente-se no lugar em que o pegador ocupava nesta roda.
67
permitindo que o aluno se sentisse desafiado em suas habilidades de arremesso, o
que, segundo a professora, proporcionou mais emoção à brincadeira.
Em uma atividade feita no início do ano, nas primeiras aulas com a 3ª série A
(turma referência para observação das aulas); a professora pediu que cada aluno
escrevesse uma “carta” contando a alguém sobre as aulas de Educação Física; na
hipótese de que já estariam no final do ano e as aulas já teriam acontecido. Sara
ressaltou que, ao pensar tal atividade, não tinha clareza no que isso resultaria.
Apesar da curiosidade sobre o conteúdo das cartas, preferiu esperar o fim do ano
para lê-las. Sara afirmou em entrevista:
Isso aí é uma coisa que eu já fiz comigo mesma, alguém ensinou e eu fiz e eu achei legal, achei interessante no final de um prazo eu abrir e ver que muita coisa eu realizei e outras não. Aí então porque não colocar isso com as crianças (entrevista gravada dia 3/3/2008).
Segundo Sara sua intenção era a de ver como os alunos reagiriam ao lançar
expectativas quanto ao trabalho desenvolvido nas aulas de Educação Física ao
longo deste ano (2008).
A minha intenção é ver a expectativa deles... Sem conhecer... Eu não abri... Não sei nem se eles vão conseguir (eu não vi!)... Se vão alcançar aquilo que eu imaginei (entrevista gravada dia 3/3/2008).
Ao abrir as cartas, no final de outubro de 2008, os textos dos alunos eram os
mais diversos. Falavam sobre questões familiares26; faziam declarações de afeto à
professora; alguns alunos afirmavam gostar das aulas e da professora; entre outras.
O resultado observado, no dia da abertura das cartas escritas pelos alunos,
demonstrava que o conteúdo delas não correspondiam ao que poderiam ser suas
expectativas quanto ao que aprenderiam nas aulas de Educação Física. Apesar
disso, Sara considerou positivo o resultado.
26 Algumas cartas eram endereçadas a alguém da família.
68
De maneira similar a atividade da “carta”, Sara fez novamente com a mesma
turma um momento de escrita em que os alunos expressaram o que aprenderam
nas aulas de Educação Física e, também, avaliaram a atuação da professora. Esta
atividade serviu como tarefa de encerramento do ano.
Sara mantém como rotina a produção de registros feitos pelos alunos, em
seus cadernos de relatório. Faz isto na perspectiva de mapear o que é absorvido por
eles quanto ao trabalho desenvolvido nas aulas de Educação Física. Li alguns
relatórios referentes a aulas anteriores [anexo 2]. Nos relatórios, os alunos
reconhecem que atrapalham a aula com bagunças; restringem-se às descrições das
atividades realizadas com algumas manifestações relativas ao gostar ou não da
aula.
Sara (segundo relato dela) gostaria que os alunos se aprofundassem mais em
suas descrições, a fim de expressar o que sentem sobre as relações vividas na
turma. Objetiva, com o uso dos relatórios, fazer com que a criança pense melhor
sobre o que é desenvolvido nas aulas; usava os relatórios como instrumento de
reflexão (para o aluno). Sara considera que diante das dificuldades de organização,
enfrentadas nas aulas, essa era uma maneira do aluno tomar consciência de sua
participação nas aulas. Ela busca envolver os alunos com estratégias como a que
descrevo a seguir.
No início de algumas de suas aulas conta histórias apoiada em livros que ela
mesma escolhe. Certa vez, Sara ouviu de uma aluna como ela entendera a história
intitulada “O veado e a onça”, contada no início de uma de suas aulas. A menina
demonstrava a sua percepção sobre a estória contada.
Outra estratégia de envolvimento dos alunos nas aulas de Educação Física,
foi um sarau de poesia para a semana da criança. Nesta atividade do sarau, Sara
queria envolver toda a escola, mas não se organizou para isso. Não fez um projeto
no qual pudesse vislumbrar as etapas de organização e quais pessoas poderiam
estar envolvidas com divisões definidas quanto às tarefas a realizar.
Para possibilitar a organização desta ação, ela utilizou os horários de suas
aulas para os ensaios dos recitais de poesias; da peça de teatro (Pluft, o
fantasminha); da coreografia das danças; mesclada com atividades livres para os
alunos que não participaram das apresentações. Exigia, nos ensaios, que os alunos
sentissem o texto; que os alunos fizessem conforme ela imaginava a interpretação.
69
Nos dias que precediam ao dia do sarau, Sara organizou a decoração do
auditório; a confecção de roupas e o cenário para o teatro, preparou a programação
da ordem das atrações apresentadas; providenciou junto à escola a garantia da
estrutura de som e de pessoal de apoio (outros professores) para organização na
disciplina das turmas de 1ª a 4ª séries, participantes do evento.
No dia do sarau (sexta feira – 10 de outubro de 2008), Sara conduziu a
apresentação das atrações programadas e ajudou nos retoques finais. Incentivava
os alunos da plateia a prestar atenção e a valorizar o tipo de arte ali difundida. Havia
feito dois eventos semelhantes alguns anos atrás. Este era o terceiro. Os alunos
demonstraram muita animação e empenho nas apresentações do sarau.
Segundo me contou Sara, ela tinha como outra proposta trabalhar com
literatura de cordel, com temáticas relacionadas aos conteúdos de suas aulas,
porém não foi posta em prática no ano de 2008. A ideia do trabalho com a literatura
de cordel não era uma produção do seu grupo de estudo. Assim como para a
realização do sarau, Sara interrompeu o andamento do planejamento feito com o
grupo de estudo. Ela não foi capaz de trabalhar, na mesma semana, os conteúdos
planejados em conjunto com as outras professoras e a organização de um evento
independente. Ela ficou preocupada se não fugiria demais ao que estava planejado,
Inclusive por ter faltado alguns dos encontros de planejamento, pois se dedicou ao
Sarau.
Sara dividiu-se entre o planejamento sistematizado e uma atividade pensada
a partir de necessidades identificadas por ela em sua realidade de trabalho e que
eram em parte diferentes do que estava sistematizado no planejamento coletivo.
Neste período o grupo planejava atividades referentes à expressão corporal com
dança (Hip Hop)27 como estratégia para o desenvolvimento dos conteúdos do
basquete, propondo que os alunos dançassem quicando a bola ao som do ritmo do
Hip Hop. Com isso problematizavam temáticas relacionadas às questões sociais de
violência; de discriminação contra os negros; entre outras.
Na prática pedagógica de Sara apareceram recorrentes ações organizativas,
observadas, como por exemplo, nos momentos de reunião com os alunos em que
refletia sobre as situações ocorridas em aula. De fato, ela prima pela organização
27 Hip hop é um movimento cultural
iniciado no final da década de 1960
nos Estados Unidos
como forma de reação aos conflitos sociais e à violência sofrida pelas classes menos favorecidas da sociedade urbana. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hip-hop
70
sistemática dos alunos quando utiliza recursos como o do “código”, para conquistar
o silêncio e viabilizar o seu trabalho.
Mesmo com dificuldades em lidar com assuntos de temas transversais, ela
promove, em suas aulas, momentos de problematizações de temáticas como a da
inclusão, observado no momento das reflexões relativas à atividade “caranguejobol”.
Sara busca no seu grupo de estudo, informações sobre temáticas atuais que
possam surgir em suas aulas.
Ela pretende criar diferenciais em relação às atividades propostas aos alunos,
na perspectiva de superar um modelo de aula entendido pelos alunos como: só
futebol. Faz isso, diversificando as atividades oferecidas aos alunos, como
observado nas atividades da “bola invisível”; “o cone e as bolas”; “pique abraço”;
“galinha do vizinho diferente”; “a carta”; “sarau”.
Para acompanhar o modo como os alunos assimilam as atividades propostas
em aula, Sara mantem como rotina a produção de registros, feitos pelos alunos, em
seus cadernos de relatório. Porém, não sistematiza o seu fazer, nem na forma de
planejamento, nem na forma de relato / relatório. No exemplo do sarau, sua opção
de realizar tal evento fez com que ela abdicasse por alguns dias do planejamento
feito com o grupo de estudo em que participava.
Observando as ações de Sara durante a realização de suas aulas, percebi
oscilações que a deixam em dúvida entre a vontade de agir dentro de um
planejamento sistematizado e as situações que exigiam dela tomadas de decisão
para agir a partir de necessidades identificadas por ela em sua realidade de trabalho
e que eram em parte diferentes do que estava sistematizado no planejamento
coletivo.
71
4 EXPLORANDO OS ESQUEMAS DE AÇÃO
Ao descrever, no capítulo anterior, as práticas docentes de Sara, apresentei o
contexto vivido por ela e as relações estabelecidas nestes espaços. Neste capítulo
serão descritas as sínteses referentes aos esquemas de ação identificados ao
observar a prática da professora na interação desta com diferentes situações em
seu contexto de trabalho. Identificar e analisar os esquemas de ação mobilizados
pela professora pressupõe entender a dinâmica destas interações que se
configuram nos modos de ação dos sujeitos.
Para tanto, divido o capítulo em dois subtópicos nos quais discuto os
esquemas de ação para o ato de pensar e planejar atividades e os esquemas de
ação para o registro do trabalho realizado pela professora. Nesses subtópicos,
procurei proceder da seguinte forma:
a) primeiro formulo / enuncio o esquema de ação que foi objectualizado a partir da
observação de diferentes ações de Sara;
b) depois explicito os dados empíricos que dão a ver como o esquema de ação se
configura nas práticas da professora;
c) em um terceiro momento busco dar visibilidade a uma possível leitura de
incorporação (relação passado / presente) e, por fim;
d) busco equacionar teoricamente a questão analisando-a sob a ótica dos escritos
de Bernard Lahire.
O estudo das relações de um indivíduo em diferentes contextos permite,
segundo Lahire (2004, p. 13), “progredir no conhecimento de nós mesmos e dos
outros”. Nossas ações estão atreladas à relação de “forças e contraforças, internas
(disposicionais) e externas (contextuais)”. (LAHIRE, 2004, p.12) As forças internas
ou disposicionais representam os esquemas de ação incorporados ao longo de
nossas relações sociais e as forças externas ou contextuais representam os
elementos ativadores ou inibidores de tais disposições. As disposições incorporadas
são ativadas ou inibidas na relação do ator com as situações presentes. Neste
sentido “[...] os elementos e a configuração da situação presente têm um peso
inteiramente fundamental na criação das práticas”. (LAHIRE, 2002 p. 53)
Seguindo a perspectiva teórica de Lahire, esta pesquisa propõe a
possibilidade de compartilhar com a professora as sínteses das análises dos
72
esquemas de ação mobilizados, evidenciando um esforço conjunto (meu e da
professora), em perceber os processos que a levam a agir como age, para,
possivelmente, e se necessário for, a partir de reflexões, criar condições de
possibilidade para ela modificar essas ações.
Apresentarei a seguir dois dos esquemas de ação identificados e pinçados ao
observar as ações da professora. São eles: esquema de ação incorporado para o
ato de pensar e planejar atividades e esquema de ação incorporado para o registro
de seu trabalho considerando os relacionamentos interpessoais nos contextos
vividos por Sara.
4.1 ESQUEMA DE AÇÃO INCORPORADO: PARA O ATO DE PENSAR E PLANEJAR ATIVIDADES
Neste tópico serão analisadas as interações de Sara no contexto de trabalho,
evidenciando a sua organização docente no que tange ao ato de planejar. Serão
cotejadas as maneiras como Sara age na relação com os alunos em aula com as
situações que envolvem o trabalho coletivo na escola (reuniões, festas, etc.);
buscando compreender os processos de ativação e inibição das disposições
incorporadas relativas ao modo como a professora planeja as suas práticas.
a) Formulando o esquema de ação
Em relação ao ato de planejar, a professora Sara se alterna em condutas
diferentes. Em um determinado momento, quando pensa nas atividades junto com
as professoras integrantes do grupo de estudo e planejamento do qual participa, ela
se mostra inteiramente receptiva a esta prática de planejar, conhecendo a
necessidade e a importância desta, para a ação docente. Em outras (mais raras)
situações não se furta à experiência de abandonar os seus planejamentos, tais
73
como a atividade da “carta”28 em que ela simplesmente inventou tal proposta com os
alunos.
A maneira como a professora se relaciona com as propostas planejadas,
também oscila quanto ao centramento desta. Por mais que ela busque avançar no
modo de pensar o planejamento em suas aulas, Sara ainda conserva no seu modo
de organização pedagógica, ações correspondentes aos modelos tradicionais nos
quais se destacam as propostas do professor em detrimento ao que pensam os
alunos.
Pelos seus depoimentos, vemos que Sara sente a necessidade de promover
modificações na maneira como se organiza em sua ação docente. Em entrevista dia
25 /8/ 2008, quando questionada sobre uma nova possibilidade de seleção de
atividades para as aulas, ela asseverou que essa escolha deve ser criteriosa e “não
uma atividade pela atividade, tem que ter objetivo”. Esta fala da professora marca
um esboço de sua vontade de promover tais mudanças, fugindo de posturas
docentes tradicionais que se reflete em planejamentos endurecidos marcados por
relações hierárquicas do saber do professor em relação ao aluno em que atividades
eram propostas sem a perspectiva de objetivos pensados e construídos,
considerando o que sabe o aluno e suas contribuições para as aulas.
Entretanto, Sara ressalta a sua dificuldade em se reorganizar para ações
sistematizadas, alegando que neste processo de re-significação de sua ação
docente, é preciso romper com o modo espontâneo com o qual organizava suas
ações no início de sua carreira docente. Afirma a professora que, antes,
Eu pensava e colocava (as atividades nas aulas) sem pensar direito na sistematização... Entendeu? Não existia um tema na minha aula como hoje (a gente tem colocado29), então eu não ficava presa a um tema, e sim, a um movimento em si... Solto (entrevista gravada dia 3/3/2008).
As mudanças pretendidas em sua ação docente buscando atender a
perspectiva de um planejamento prévio, sistematizado, implicam em um modo
diferente de se relacionar no contexto de suas aulas. A interação ao relacionar-se
28 Atividade na qual os alunos escreveram cartas (no início do ano) expondo suas expectativas sobre as aulas de Educação Física como se elas já tivessem acontecido. Estas cartas foram abertas no final do ano.
29 Esse “a gente tem colocado” refere-se ao planejamento no grupo de estudo em que Sara participa.
74
com o contexto de sua prática diferencia-se pelos novos conceitos aprendidos em
seus momentos de estudos que a permite perceber as situações vivenciadas de
forma diferente, constituindo-se em novos esquemas de ação incorporados e
ativados pelas situações presentes. Desta maneira, a atualização e/ou ativação de
outros esquemas de ação podem/ devem emergir frutos desta interação.
Sara, relacionando-se no grupo de estudo cujos participantes buscavam
novos paradigmas para as suas práticas, coloca em xeque hábitos adquiridos em
sua formação inicial e demais experiências profissionais vividas até então. Porém,
paradoxalmente, apesar de sua participação no grupo de estudo específico de sua
área de atuação e no grupo de estudo geral da escola, não acontecia nenhum tipo
de planejamento integrado da disciplina Educação Física com as demais disciplinas
da escola; como identificou a profissional do CTA 4.
Pelo que foi observado, Sara possui o desejo de empreender mudanças em
suas práticas. Organiza-se para isso, reconhece algumas de suas limitações, bem
como, desconhece algumas de suas possibilidades no que diz respeito a
potencializar disposições incorporadas que se referem à criatividade, inventividade,
acionadas em situações, tal como faz com as atividades de envolvimento que utiliza
no início de algumas de suas aulas, bem como com a re-significação de atividades
utilizadas em suas aulas como a do “pique abraço”; “galinha do vizinho diferente”,
“bola invisível”30.
Então, como equacionar a liberdade para pensar atividades para as aulas,
como nos exemplos acima, com propostas estruturadas, previamente, com objetivos
bem definidos? Como potencializar as influências das situações presentes em
relação aos esquemas de ação incorporados, permitindo lidar com possíveis
modificações em nossa maneira de agir nas aulas?
Considero estas questões como sugestões a serem pensadas em conjunto
com esta professora quanto a reflexões para possíveis modificações no sentido de
melhorar ainda mais a sua prática docente. Identifico tensões na prática da
professora como representadas no esquema abaixo:
30 Atividades exemplificadas quanto ao modo que a professora as pensou e inseriu em sua prática, conforme narradas no capítulo três no tópico 3.4 p.58.
75
Figura 2: tensões na prática da professora
Estas posturas se interpelam em suas ações, demonstrando a pluralidade de
esquemas incorporados. Vejamos então como esses esquemas de ação se
delineiam nas situações práticas vividas pela professora
b) Configurando a prática com dados empíricos
Observando, em situações de aula, o modo como Sara age em momentos
tais como as reuniões com os alunos durante as aulas que caracterizam a tentativa
de reflexões sobre as atividades trabalhadas31; o momento de reflexão sobre o tema
inclusão, na atividade “caranguejobol”32, na qual ela busca superar, inclusive, uma
31 Sara reúne os alunos no centro da quadra para conversar sobre conflitos ou outras questões necessárias para a aula.
32 A atividade “caranguejobol” é um jogo no qual os alunos, em decúbito dorsal, ficam apoiados no chão pelas mãos e pés elevando o quadril. Nesta posição devem conduzir a bola com chutes. Diante da dificuldade de locomoção imposta pela posição do corpo no jogo (semelhante ao futebol), vivenciada pelos alunos, a professora fomenta o tema da inclusão, referindo-se aos alunos com necessidades especiais que vivem situações difíceis para locomover-se.
SER INTUITIVA E CRIATIVA
EX: HISTÓRIAS CONTADAS NO
INÍCIO DAS AULAS, IMPROVISAÇÕES.
SER PROGRESSISTA E ENGAJADA. EX: BUSCA DAR CONSEQUÊNCIA PEDAGÓGICA A SEUS PLANEJAMENTOS
SER DIRETIVA E IMPOSITIVA.
EX: AÇÕES DA PROFESSORA NA ATIVIDADE DO
SARAU
RELAÇÃO DE SARA COM A
AÇÃO DOCENTE
76
dificuldade declarada em trabalhar com temas transversais em suas aulas; podemos
ver que a interação da professora neste contexto, mobiliza esquemas que apontam
para ações em que Sara busca assumir posturas relativas a uma prática docente
progressista.
Sara conversa com os alunos na tentativa de organizar com eles as
estratégias para realizar as atividades nas aulas demonstrando interesse em
dialogar sobre os conteúdos desenvolvidos, ressaltando ações de negociação e
partilha com os alunos, dividindo com eles a construção dos processos de ensino e
aprendizagem, fazendo jus ao conceito de planejamento participativo entre
professores e alunos e demais atores da escola.
Porém, em um outro momento de aula, foram observadas, na atividade do
“cone e da bola”, as dificuldades enfrentadas por Sara na qual, embora ela
desejasse agir, dialogando com os alunos, tentando democraticamente escolher as
maneiras de organização das atividades; as contraposições dos alunos em relação
ao que ela “propunha” enquanto atividades programadas para a aula, criavam uma
outra demanda. Podemos observar, diante do que diz a professora, que, ou ela se
sente perdida ou age conforme a ativação de esquemas de ação que possam
responder a tal situação. Como ela mesma relata
Me dá uma impotência... Sabe! Quando eu vejo que eu quero caminhar por uma estrada e de repente eles se desviam, parece que às vezes eles vão caminhar junto comigo dentro daquilo que eu estou pensando, talvez eu esteja sendo egoísta, mas... De repente vejo tudo se desmantelando, quando penso que eu estou no caminho aí eu começo a tropeçar (entrevista gravada no dia 3/3/2008).
Considerando que a ação é o encontro do que é mobilizado quanto esquema
de ação e de uma situação presente; pude observar em diversos momentos da
prática da professora Sara situações em que são ativados esquemas de ação
relativos ao modo criativo, “solto”, que permitiam que a professora agisse utilizando
estratégias para o envolvimento dos alunos nas aulas tais como as chamadas
diferenciadas [controle de presenças do aluno]; as histórias contadas no início das
aulas; entre outras; independente de que estas ações fossem pensadas
previamente, em planejamentos sistematizados. Eram maneiras que ela encontrava
77
de superar as situações de conflito, como no exemplo citado acima de dispersão e
desinteresse dos alunos pelas atividades das aulas. Estas ações configuram modos
particulares de agir em sua prática docente, que bem poderia ser compartilhados
nas reuniões de estudo na escola. Sara demonstra dificuldades em compartilhar
com os outros professores suas ideias e propostas como pôde ser observado ao
acompanhá-la nestas reuniões.
Embora a profissional do CTA 2 considere que a professora possua “posturas
colaborativas e de entrosamento” no que se refere a “abertura para propostas”, em
outra situação quando Sara decidiu organizar um sarau de poesia, ela pretendia
envolver as demais professoras da escola neste trabalho, porém as professoras
participaram somente no dia da apresentação do sarau e não do processo de
construção do “planejamento” (que não foi feito nos moldes de um projeto com suas
etapas de elaboração, preparação e execução do evento). No entanto, houve uma
espécie de “organização” balizada pelos parâmetros que ela possuía de duas outras
atividades como essa que já havia sido preparado em anos anteriores. Tal
organização poderia ser considerada um modo de planejar e essas experiências
vividas anteriormente, em outro momento do contexto profissional, garantiam a ela
referências para agir nesta nova situação similar às outras (esquemas de ação
ativados pelas situações presentes).
Ao seu modo de se organizar, Sara realizou o sarau preparando os recursos
para o evento; ensaiando os alunos para o recital de poesias e para a apresentação
do teatro. Nesta situação pôde ser observada a maneira peculiar com que Sara
exigia de seus alunos um bom desempenho para atuarem. Ela demonstra um modo
diretivo / impositivo na condução do ensaio, ressaltando que gostaria que os alunos
percebessem o que ela deseja quanto ao modo de representação, destituindo a
possibilidade de expressão livre do aluno.
Desta maneira, assume tais posturas na perspectiva de garantir a realização
da atividade conforme ela imagina. Em seus relatos, Sara comentava suas
dificuldades quando não conseguia que sua aula acontecesse conforme planejara.
É que eles [os alunos] não conseguem compreender aquilo que eu quero que não é me ater a uma coisinha só mas é ampliar o nosso conhecimento, eu não tenho conseguido isso, às vezes eu consigo mas às vezes eles debandam para o outro lado, a impressão que dá é que eles estão fazendo um protesto” (SARA entrevista gravada no dia 3/3/2008) (grifo meu).
78
Observo neste relato da professora o quanto é imperativa a proposta que ela
deseja implementar. E o que pensam os alunos? A impressão que ela tem quanto ao
protesto dos alunos talvez seja mesmo o que de fato eles desejam como meio de
libertar-se e poder expressar-se ao seu modo.
O contexto no qual se realiza a prática docente de Sara, ou seja, as
características da escola e de seus alunos, também, contribuem para que ela aja de
modo diferente. Em determinados momentos, a sua ação está em consonância com
as mudanças pretendidas em sua prática; em outros, as ações são condizentes com
a necessidade de articular-se com as situações conflituosas desse contexto.
No contexto escolar em que interage a professora Sara, o tempo de aula é
pequeno para tantos procedimentos de rotina na aula (chamada, explicação das
atividades, os deslocamentos da sala para a quadra, o abrir e fechar portas, a
necessidade de mediar conflitos, o controle de fluxo de aluno [filas], a organização e
execução das tarefas). Tais circunstâncias e a interação da professora neste
contexto, funcionam como elementos ativadores / inibidores de esquema
incorporados capazes de mobilizar esquemas de ação incorporados nas inúmeras
experiências socializadoras vividas pela professora.
c) (Re)lendo incorporações (relação passado / presente)
Para entender esta prática de Sara, busquei nos relatos dela sobre sua
formação inicial, possíveis indícios da constituição desse modo de agir em suas
aulas como um esquema de ação.
Os relatos da professora indicam que, na década de 1970, havia uma
tendência dos professores em formação reproduzirem descontextualizadamente as
atividades apresentadas nas disciplinas do curso. Ela nos contou, por exemplo, que
a disciplina Recreação oferecia uma série de atividades / jogos que poderiam ser
aplicados em suas aulas. A aplicação aleatória dessas atividades / jogos norteou
parte de sua prática profissional; como uma espécie de modelo pronto de aulas a
serem aplicadas. Estes modelos desconsideravam as especificidades dos contextos
próprios em que se configuravam as escolas e seus alunos e sequer buscavam lhes
dar uma sistematização. Sara parece ter incorporado essa prática, assim como
79
incorporou elementos semelhantes, em outros contextos socializadores vividos por
ela.
Ao agir em suas aulas, como afirmou Sara “eu não ficava presa a um tema, e
sim a um movimento em si... Solto” (entrevista gravada dia 3/3/2008). Emergiam
destas interações esquemas relativos à sensibilidade; a criatividade; que também
podem ter sido incorporados por Sara, ao relacionar-se com sua mãe, que lhe
aguçara a sensibilidade cultural e artística. Ela lembra com muito carinho que
desenvolveu sua imaginação, sua sensibilidade e sua criatividade por meio da
relação vivida com a sua mãe que constantemente a levava a eventos culturais, tais
como: peças de teatro; apresentação de música; entre outras.
Tais disposições relativas ao modo de apreciar, de avaliar, de sentir, de
expressar-se artisticamente são mobilizadas quando na interação dela em situações
favoráveis a ativação das disposições relativas a este modo de agir. Identificados,
também, quando ao narrar sobre o seu contexto familiar, Sara se considera
brincalhona.
Suponho que tais disposições a agir “diferente” em sua prática docente
possam ser incorporadas nas relações de Sara no grupo de estudo e / ou pelas suas
buscas pessoais em cursos e palestras33. A convivência de Sara, neste contexto que
chamarei de uma formação continuada, ajuda na incorporação de novos esquemas
de ação quanto ao seu agir docente e, consequentemente, na organização de suas
ações em planejamentos. A própria relação com o grupo de estudo já se caracteriza
como um planejamento coletivo, diferente da maneira solitária com que geria sua
prática. Essa relação com o grupo de estudo promove transformações na relação de
Sara com o contexto de aula.
d) (Re)equacionando e analisando o esquema de ação
33 Acompanhei Sara em duas palestras promovidas pelo seu grupo de estudo. Uma sobre a temática da “relação entre conhecimento e poder” proferida pelo Professor Doutor Valter Bracht e outra sobre as “teorias do conhecimento” com dois professores de filosofia convidados pelas integrantes do grupo de estudo. As duas palestras ocorreram na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).
80
Referindo-me ao possível modo como foram incorporados os esquemas de
ação relativos à criatividade e sensibilidade com as quais agia a professora Sara,
Lahire (2002, p.60) fala de casos em que “competências, hábitos, disposições,
esquemas... inertes, entorpecidos, sonolentos, que são postos à espera (de “sua
hora”) ou temporalidade ou mais duravelmente em suspenso” ficam à espera e
poderão ser ativados ou inibidos, dependendo do modo de interação do ator nessas
“microssituações”. Ainda com Lahire, (2002, p.60):
Os atores podem ser portadores de hábitos (de esquemas de ação) incorporados na infância e só se tornarão efetivos (e eficazes) em sua vida adulta. Então esses esquemas de ação são como produtos em expectativa (desencadeadores, detonadores, demandas, solicitações exteriores, contextos favoráveis), produtos (da socialização) para usos diferentes.
No conflito vivido por Sara na atividade do “cone a da bola”, citada
anteriormente, ela foi surpreendida com a reação contrária dos alunos; então, diante
da necessidade de agir, mobiliza esquemas de ação pertinentes às condições que
se apresentam, e estes esquemas são revelados em ações rígidas de controle
disciplinar exercida pela professora. Porém, Lahire (2002, p 147) assevera que “a
ação não é redutível ao gesto executado, à palavra enunciada ou à decisão tomada
na urgência”. Deste modo, Sara age, intencionalmente ou não, baseada em todo o
seu repertório de esquemas de ação dos quais incorporou em sua história de vida
na perspectiva de agir de acordo com a situação presente. Afirma, também que
“Conforme uma ação for longa ou muito curta, ela autorizará mais ou menos o tempo
de reflexão, da avaliação, do cálculo, da deliberação, da solicitação de conselhos, da
negociação, e da discussão”. (LAHIRE, 2002 p. 148)
Seguindo o pensamento deste autor, podemos entender que a ação docente
pode ser considerada uma ação a longo prazo pelas condições de se poder pensar
sobre elas. Pois, apesar do imprevisto ocorrido pela não aceitação dos alunos da
atividade do cone e da bola, Sara poderá rever suas ações em ações similares a
esta, considerando as reflexões sobre o fato ocorrido. Diante desta contrariedade
vivida por Sara apareceram ações observáveis, tais como, o controle que ela tenta
ter sobre os alunos a partir de sua autoridade de professora (não mais aberta a
81
diálogo); interrompendo a aula e culpando os alunos pela desorganização e
insucesso das propostas que ela pretendia desenvolver.
Tais características deste agir docente demonstram algumas contradições
entre o discurso e a ação, assumidas por Sara. Lahire (2002, p.41) afirma que o
repertório de esquemas de ação incorporados “podem coexistir pacificamente
quando se exprimem em contextos sociais diferentes e separados uns dos outros,
ou conduzir apenas a conflitos limitados, parciais, em tal ou tal contexto, em tal ou
tal domínio de existência”. O que significa pensar que mesmo que o desejo de
mudança seja assimilado por Sara e bem articulado em seu discurso, quando ela
interage com as situações em suas aulas e estas por ventura se caracterizam como
conflitantes, pode ser que aconteça a inibição destes “novos” esquemas de ação,
em razão da maior pertinência dos esquemas de ação dos quais Sara pode ter
incorporado ao longo de sua formação inicial e das relações de trabalho, em seus
vários anos de convivência no contexto profissional. Sendo assim, é possível
acontecer de sua ação contradizer ao seu discurso.
É possível afirmar, diante do que se evidencia com essa pesquisa, que não
agiremos sempre com coerência, dado a possível diversidade de elementos
incorporados em razão da pluralidade de nossas experiências socializadoras,
segundo o referencial teórico estudado.
A pluralidade nas relações sociais possibilita uma multiplicidade de esquemas
de ação incorporados. Lahire (2002) aponta para a relação de homogeneidade e
heterogeneidade dos contextos vividos pelo individuo ao longo da vida, entendendo
que o contexto tem importante papel para ativação ou inibição de esquemas de ação
incorporados. Sendo assim, cabe pensar sobre as condições de heterogeneidade
vividas por Sara no contexto familiar, de escolarização, de formação inicial, de
experiências profissionais relativas ao modo de incorporação de seus esquemas de
ação.
De acordo com Lahire (2002), desde muito cedo as crianças vivem contextos
heterogêneos em suas famílias. No caso de Sara, mesmo com seu temperamento
tímido e avesso a muitas interações, ela conviveu com seus familiares que
apresentavam comportamentos diferentes do seu. Esta situação sugere a
incorporação de esquemas de ação diferenciados relativos ao modo como interage
com cada um.
82
No período de escolarização e de formação inicial a multiplicidade de relações
permitiu que fossem incorporados esquemas relativos ao modo como interagia com
os colegas e que, segundo os relatos de Sara, era uma convivência amigável, porém
restrita aos contextos escolares e de formação inicial. As várias experiências
profissionais, em contextos escolares diferentes (trabalhou em mais de uma escola
da Rede Estadual e Municipal de Vitória), compõem as disposições incorporadas por
Sara, ativadas ou inibidas, conforme as situações presentes no seu cotidiano de
trabalho.
Cada papel assumido por ela (filha, irmã, aluna, esposa, mãe, normalista,
universitária, professora, etc.) permitiu a incorporação de esquemas de ação
pertinentes a cada contexto e que necessariamente não são transponíveis de um
contexto ao outro. Conforme aponta Lahire, (2002, p.83) “Os esquemas socialmente
pertinentes dependem dos contextos sociais (microssituação social, configuração
social, universo social específico, campo...) em que se realizam”.
O contexto escolar possui suas particularidades. Há que se considerar,
porém, que o cotidiano escolar, no que diz respeito ao que acontece nos espaços /
tempo da escola, bem como a interação dos alunos com o professor, são condições
sociais variáveis e que segundo Lahire (2002, p.57) “não é muito possível encontrar
“condições sociais” e “atores” tais que fosse possível predizer com certeza a
manifestação de uma disposição singular”. Ou seja, os alunos não agirão sempre da
mesma maneira na escola, nem tão pouco os professores poderão pautar as suas
práticas em modos de ação unificados e homogêneos. Isto significa afirmar que
agimos sob condições. E quais eram, para além do espaço físico da escola, as
outras condições vividas por Sara que interferem no contexto de aula da professora
e que podem ativar ou inibir esquemas de ação incorporados? Vejamos a
articulação de Sara com os outros atores e em outros contextos da escola.
Seria interessante se os professores encontrassem sempre condições
totalmente favoráveis para a realização de seu trabalho, e que as disposições
incorporadas encontrassem nas situações presentes sem maiores dificuldades o seu
momento de ativação. Neste caso, diria que o indivíduo está em situação de conforto
em relação ao contexto que frequenta, ou seja, a homogeneidade na relação do que
é ativado e o elemento ativador de esquemas de ação não seriam estranhos um ao
outro, garantindo a ação fluida, sem tantas necessidades de conflitos, ajustes ou
outras mobilizações de esquemas de ação diferentes.
83
Sendo assim, conforme Naville apud Lahire (2002, p. 49) o indivíduo está “no
seu negócio”. No controle, pois, age com familiaridade em relação ao esquema de
ação incorporado e ativado em um determinado contexto.
Será que as rotinas escolares podem nos fazer presumir que, neste contexto
(escolar), as maneiras de agir, pensar, perceber, etc., serão incorporadas do mesmo
modo pelos atores que ali convivem? Será que podem nos fazer negligenciar,
também, o fato de não considerar que as condições socializadoras de cada um dos
indivíduos (alunos e professores), fora do contexto escolar, podem ser diferentes no
tocante às condições de homogeneidade e / ou heterogeneidade das experiências
vividas?
Mesmo que o professor queira manter a ilusão de um habitus professoral
homogêneo, como pode sugerir concepções tradicionais de ensino ao que se refere
ao planejamento de suas condutas, tais características do agir docente, nesta
perspectiva, podem esbarrar no modo dinâmico como se configuram o contexto
escolar e educacional atual inviabilizando esta ideia. Bem como, se pensarmos a
existência de alunos que sejam oriundos de famílias que pretendam cercar seus
filhos com referenciais educativos unívocos e coerentes com a lógica interna deste
determinado modo de educação familiar, este aluno estará exposto a outros
contextos (inclusive a escola) que geram interferências neste tipo de socialização
familiar.
Lahire (2002) cita exemplos de escolas (internatos) que, pelos seus
interesses particulares, pretendem educar em padrões rígidos e que buscam
assumir práticas homogêneas, no que tange a ação de alunos e professores. O
mesmo autor assegura quanto às dificuldades de manutenção destas propostas na
sociedade contemporânea.
Sara vivencia momentos diferentes em seu trabalho, portanto é provável que
aja de maneira diferente ou “mesmo contraditória” segundo Lahire (2002), em razão
da heterogeneidade de esquemas incorporados. Portanto, Sara, ao interagir nos
contextos em que se desenvolve a sua prática docente, no ato de planejar a suas
práticas, fará mobilizando esquemas relativos ao que cada situação contribui para a
ativação e ou inibição destes esquemas.
A questão é que Sara vive estas relações docentes na forma de conflito,
talvez por não conhecer a pluralidade do modo como nos articulamos em nossas
84
ações; elemento que pode contribuir para que ela possa (con)viver com essa
diversidade de modo colaborativo (consigo mesma).
A articulação de sua ação docente efetiva com as propostas planejadas pode
ser pensada assim como nos aponta Caparroz,(2001, p. 206), ao afirmar que
Por pior que possa parecer uma determinada prática, ela é o que o professor faz. Cabe questionar por que ele a faz desse determinado modo a fim de compreender quais possibilidades e limites esse professor possui para desenvolver uma prática diferente. Isso significa que o professor desenvolve sua prática tecendo uma teia com fios que explicitam, mas também ocultam suas qualidades, deficiências, certezas, seus medos, angústias.
Esta afirmação, segundo o autor citado, nos leva a pensar a importância do
ato de planejar numa perspectiva da construção das ações cotidianas.
O planejamento implica em organizar de modo prospectivo as ações
pretendidas em nossas aulas. Porém, quando a professora Sara, ao buscar novas
posturas quanto ao ato de organizar sua ação docente, esbarra em problemas que
podem alterar ou mesmo inviabilizar as ações que foram pensadas previamente,
cabe aqui, apoiado no que nos diz Gimeno, (1988 apud SACRISTÁN e GÓMEZ,
1998, p. 276) compreender o que representa este planejar para o professor.
[...] o plano para os docentes significa profissionalmente um tempo para dar oportunidade de pensar a prática, representando-a antes de realizá-la num esquema que inclua os elementos mais importantes que intervêm na mesma e que propõe uma seqüência de atividades.
Embora, o planejamento possa auxiliar nossas ações na medida em que
organiza, possibilitando vislumbrar caminhos a seguir com as propostas de trabalho,
há que se considerar, porém, que nem tudo o que se planeja acontece como
pensamos. Sendo assim, pensar este planejamento pressupõe a análise dos
elementos que constituem o contexto como no esquema apresentado abaixo:
85
Figura: 3 o planejamento como problema (YINGER, 1977 apud SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998 p. 277).
Os referidos elementos tais como: os alunos; os materiais utilizados; a
organização curricular que de maneira macro insere a disciplina no contexto escolar;
o tempo disponível para as nossas aulas; compõem o que podemos chamar de
contexto.
As leituras que o professor faz dos contextos dos quais atua permite-o
equacionar suas opções e dilemas considerando, também, o que desta pesquisa
emerge, no que se refere ao impacto gerado pelas situações presentes, quanto
ativadoras das disposições incorporadas e que serão mobilizadas para a ação desse
professor. (esquemas de ação incorporados)
Em suma, a dinâmica do contexto escolar exige do professor ações
planificadas, porém não se pode perder de vista a imprevisibilidade deste mesmo
contexto exigindo, também, do professor, abertura para flexibilizações dos “roteiros”
de ação que devam estar sensíveis às variações pertinentes ao relacionamento dos
atores (alunos, professores), bem como das situações que se estabelecem neste
mesmo contexto, bem como da relação passado / presente no que tange aos
esquemas de ação incorporados.
4.2 ESQUEMA DE AÇÃO INCORPORADO: PARA O REGISTRO DE SEU TRABALHO CONSIDERANDO OS RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS NOS CONTEXTOS VIVIDOS POR SARA
86
No capítulo anterior foram descritas as impressões que os alunos e
profissionais do CTA que conviviam com Sara no contexto escolar tinham a respeito
dela. De alguma maneira Sara deixa a sua marca relativa ao trabalho que
desenvolve na escola. Porém, conforme veremos neste tópico, a professora
apresenta algumas dificuldades quanto ao registro do trabalho por ela desenvolvido.
a) Formulando o esquema de ação
As profissionais do CTA, em seus depoimentos, lamentaram o fato de Sara
não registrar os trabalhos realizados por ela e também, que não os socializa com os
outros professores. Elas reconhecem que o trabalho da professora teria maior
visibilidade com tais registros. Cabe analisar os motivos pelos quais estes registros
não são feitos cruzando informações sobre os comportamentos de Sara nos
contextos em que “viveu/ vive” que “poderiam/ podem” influenciar na inibição para
ação de registrar os trabalhos realizados na prática docente.
Vejamos como este esquema de ação emerge, a partir das ações de Sara em
seu cotidiano.
b) Configurando a prática com dados empíricos
Na observação das ações de Sara em seu cotidiano e das suas narrativas,
ela incidia várias vezes na perspectiva de se calar para evitar confrontos. Como
foram constatados nas reuniões na qual ela se esquivava da necessidade de ficar
em evidência, alegando que não gostava de falar diante de muitas pessoas;
portanto, não expunha suas idéias, nem tão pouco apresentava suas propostas de
trabalho que não eram descritas em um planejamento formal.
Este comportamento também pôde ser observado em outro momento em que
Sara precisou negociar com a outra professora de Educação Física a elaboração
das danças da festa da diversidade cultural, cujo modo de organização para as
87
danças era diferente em sua maneira de pensá-los e organizá-los34. Por fim, não
entrando em conflito com a sua colega de trabalho, justificou sua esquiva alegando a
preferência em respeitar o trabalho da outra professora ao ter que por em xeque
suas disposições incorporadas de passividade, manifestadas em sua maneira de
agir. Esse traço de passividade em sua maneira de agir é uma característica que
contribui para que a professora assuma esse lugar de esquiva nos momentos de
interatividade nas relações estabelecidas por ela nos contextos em que convive.
Contrapondo ao modo passivo de agir que aparece marcante em suas ações,
observei, também, situações nas quais ela se permite agir de maneira mais ativa.
Como, por exemplo, perante seus alunos, ao realizar as chamadas (controle de
alunos) de maneira diferenciada; ao contar histórias; na organização do sarau de
poesias; ressignificando atividades35 ou quando na reunião com os pais, demonstra
segurança e fluidez na condução da mesma.
Esses comportamentos são indícios de que as disposições anteriores
relativas ao comportamento passivo e restrito, apesar de representar maior força de
ativação na maioria dos momentos observados, podem ser bloqueadas permitindo a
ativação de outras disposições que revelam ações criativas e expansivas e que são
determinadas pelo modo de interação da professora nos contextos em que
acontecem tais situações.
Sara demonstra ambiguidades ao agir quando comparamos as suas ações
nestas situações em que consegue ser expansiva, criativa, valendo-se de
estratégias diferentes para momentos de sua aula e momentos em que age de modo
passivo em relação aos sujeitos dos quais interage, como exemplificado nesta fala
de Sara: “Quando você36 planeja e dá certo é muito bom, quando chega os
obstáculos e você não consegue te deixa mal.” (Sara, transcrição de conversa com
a professora gravada em 25 de agosto de 2008). Ou seja, situações favoráveis
permitem-na agir ativamente e situações adversas, fazem-na esquivar-se,
34 Para Sara as danças poderiam ser construídas com os alunos; para a outra professora os passos da dança eram indicados por ela e os alunos só reproduziam.
35 São exemplos dessas ressignificações de atividades: o pique abraço; a galinha do vizinho diferente; o trabalho com bolinhas de sabão na aula.
36 No discurso de Sara aparece a ambiguidade de suas incorporações. Quando ela está segura/ ativa se posiciona na primeira pessoa (EU); porém quando ela assume a posição passiva em não se expor, ela generaliza referindo-se às condutas dela, porém na 3ª pessoa (VOCÊ). (grifo meu)
88
possivelmente evitando exposições das quais ela estará sujeita a críticas sobre o
trabalho que realiza.
Em relação ao seu trabalho com atividades das quais pretende que sejam
inovadores, Sara relatou, ainda, sobre o fato de não saber como implementar o
trabalho com danças afro e outros ritmos, ou como os alunos aceitarão o que ela irá
propor37. Falou, também, sobre propostas de trabalho com Capoeira em suas aulas.
Ela fez um curso (de capoeira), mas, segundo ela, a incerteza quanto ao sucesso ou
insucesso do trabalho a realizar ainda mexe com ela. “Um misto de partir para uma
ação, desafio e de medo em relação ao desempenho” (Sara, transcrição de
conversa com Sara gravada em 25 de agosto de 2008). Estas propostas de trabalho
são resultados de acordos com as outras professoras de Educação Física com as
quais Sara participa do grupo de estudos e planejamentos independente ao da
escola.
Apesar das dificuldades colocadas por Sara, ela se sente compelida a
trabalhar com esses conteúdos, pois compreende ser este o caminho para realizar
as pretendidas modificações quanto aos conteúdos trabalhados em suas aulas,
dando maior sentido ao que estará ensinando aos seus alunos.
A profissional do CTA 3 em seu depoimento, reconhece as incertezas
presentes na ação de Sara, quando afirma que “Gostaria que fosse mais firme, mais
segura”. (A profissional do CTA 3 em entrevista no dia 19/5/2008). A incerteza
refletida nas ações de Sara e percebida pela profissional do CTA 3, pode ser uma
das consequências relacionadas às disposições mobilizadas pela professora que a
fazem agir esquivado-se e protegendo-se de cometer deslizes e ser repreendida.
Em entrevista, Sara afirmou não gostar de ser chamada à atenção.
Sara sente vontade de se libertar; modificar a atitude passiva em relação à
outras pessoas. Isto sugere uma tensão e um possível movimento em seu modo de
agir. Essas ações renovadas, tais como a participação mais ativa nas reuniões da
escola, sendo capaz de debater ideias; agir com maior autoconfiança, acreditando
em seu potencial, sem tantos receios de cometer erros; podem contribuir como um
modo diferente de interação com as situações que se apresentem em suas aulas e
podem vir a incidir na incorporação de novos esquemas de ação que são
37 Estes são os conteúdos que serão trabalhados em aulas posteriores.
89
construídos a partir dessa nova postura desejada pela professora; o que poderá
refletir em ações diferentes nestes contextos.
Apesar da dificuldade que Sara apresenta quanto ao registro e a socialização
de suas práticas, ela se relaciona com os alunos de maneira peculiar, no que tange
aos registros de práticas. Ela tenta mapear o que seus alunos apreendem do
trabalho desenvolvido nas aulas de Educação Física por meio de registros em
relatórios produzidos semanalmente; das reuniões durante ou no final das aulas
(momentos de reflexão); no depoimento dos alunos na reunião de plantão de pais.
Seriam estas ações, referentes aos registros produzidos pelos alunos,
estratégias para Sara, regularmente, avaliar o seu trabalho buscando sanar algo que
não vai bem; respondendo a ânsia de evitar críticas sobre o seu desempenho como
professora? Neste caso, a interação de Sara com os alunos pode favorecer a
ativação de disposições a agir de modo a garantir sua integridade, em face de
possíveis críticas.
Os registros produzidos pelos alunos, salvaguardando a linguagem da qual
utilizavam e que correspondiam as suas capacidades de se expressar discorrem
sobre o trabalho da professora. No conteúdo destes relatórios encontraremos
sugestões e avaliações sobre as aulas. Estes relatórios seriam bem úteis na
perspectiva da professora construir, com os alunos, a partir destas críticas,
elementos que contribuam para melhorias nas aulas em seus vários aspectos.
Esta ação de Sara sobre o registro produzido pelos alunos pode ser também
reflexo de interpretações da professora sobre ações relativas a práticas docentes
progressistas que pressupõem reflexões constantes sobre o trabalho desenvolvido,
porém, pelo modo como ela utiliza os relatórios com os alunos, essa perspectiva
reflexiva pode não acontecer. Refiro-me ao fato de que a professora explora pouco
as sugestões / críticas apontadas pelos alunos. Esta observação remete ao fato de
que Sara toma as críticas, na maioria das vezes, como negativas; e vimos, pelas
suas narrativas, o quanto isso a incomoda.
Ser crítico, como na perspectiva docente pretendida por Sara, pressupõe
fazer das críticas apontadas por outras pessoas ou problematizadas pelo próprio
professor meios de fomentar as reflexões sobre as ações desempenhadas.
Ao receber críticas Sara está exposta ao que pensam as pessoas sobre o que
ela faz. Não só as falhas aparecem; surgem, também, os elogios; o reconhecimento;
a avaliação em relação ao que é apresentando. E mesmo que os resultados desses
90
pareceres sejam positivos é como se aumentasse nela a responsabilidade diante
dos comprometimentos com sua prática. Talvez a autocrítica exacerbada não lhe
permita ponderações, mediações que as possa fazer vislumbrar os limites e
possibilidades de suas propostas.
Sendo assim, críticas negativas e ou positivas devem ser observadas e,
fundamentalmente, levadas ao crivo de análises reflexivas para que se estabeleçam
modificações na ação deste professor.
Então, como Sara poderia avançar para a concretização de registros e
socialização das atividades trabalhadas em suas aulas, reorganizando suas ações
ao interagir nos contextos de sua prática docente na perspectiva de materialização
de uma prática reflexiva? Vejamos como, possivelmente, foram incorporadas tais
disposições que ao serem ativadas colaboram para que a professora não organize
os registros sobre sua prática docente.
c) (Re)lendo incorporações (relação passado / presente)
Sara considera ter dificuldades em lidar com críticas. Como constatado em
situações da formação inicial em que temia ser criticada pelos colegas da
universidade em razão de não conseguir executar os movimentos corretamente (em
algumas disciplinas cursadas); quando afirma que não gosta de ser chamada
atenção ou no grupo de estudo em que ela se coloca numa posição passiva em
relação às outras professoras com afirmações, tais como, “Para mim, tudo é difícil”
(fala de Sara durante o grupo de estudo em 29/8/2008), antecipando-se a possíveis
exigências sobre seu desempenho no desenvolvimento dos estudos.
Na relação de passividade com a irmã e, posteriormente, quando afirma que
vê na filha o que gostaria de ser: “desembaraçada, que fala o que lhe passa na
cabeça” (Sara; entrevista em 19/5/2008). Conforme relatou, Sara demonstra querer
se libertar de suas atitudes passivas. Tem vontade de dizer “coisas” quando é
contrariada, mas não consegue e sente raiva por isso.
Na família, o relacionamento com sua irmã provocaram situações que
ativaram disposições internas de Sara relativas à vontade de superar o modo
passivo com que agia em determinadas situações. Com seu pai, relacionava-se,
91
baseada no respeito e por vezes em um sentimento de medo atribuído à rigidez das
exigências feitas por ele, como pai, para a boa conduta das filhas. Da relação com
sua mãe, trazia boas lembranças relacionadas a situações prazerosas vividas em
companhia dela.
No período de escolarização, Sara restringia suas relações. Era muito
fechada; não expunha suas idéias; tinha medo de ser criticada ou de magoar alguém
com suas colocações. Mesmo sendo a escola um ambiente propício às relações
sociais, Sara inibia suas possíveis disposições em agir de modo mais interativo com
as pessoas na escola, visto que apesar de suas colegas reconhecerem o potencial
dela como aluna nota dez, segundo narrativas da Sara, ela mesma não se
considerava desta maneira.
Do contexto familiar para as situações vividas por Sara em seu período de
escolarização existem poucas diferenças relativas ao modo como ela interagia
nestes espaços. O período de sua formação inicial e as interações de Sara neste
contexto reforçavam os modos de agir no / do contexto familiar e de escolarização
básica, enfatizando seu temperamento tímido e restrito a pequenos grupos. Assim
como ela agia com passividade em suas relações interpessoais em família, com o
pai e, principalmente, em relação a sua irmã; ela restringia as suas relações com os
colegas da escola, em razão da postura fechada assumida por ela.
Apesar das ações de Sara serem semelhantes nos contextos socializadores
apresentados acima, ela viveu em condições sociais heterogêneas ao que se refere
às relações estabelecidas com pessoas diferentes, em situações diferentes, nestes
contextos (familiar, escolaridade, profissional).
d) (Re)equacionando e analisando o esquema de ação
Bernard Lahire (2002, p.51) observa que:
Quanto mais os atores são o produto de formas de vida sociais
heterogêneas, até contraditórias, tanto mais a lógica da situação presente,
92
desempenham um papel central na reativação de uma parte das
experiências passadas incorporadas.
Sara repete em suas condutas nos diferentes contextos vividos por ela a
questão de manter relações restritas a poucas pessoas. Essas condutas sugerem
que ela construiu disposições que reforçam modos de agir que favoreceram
construir relacionamentos restritos a pequenos grupos por ter fortes restrições
(“vergonha”) de se expor perante os outros.
Esse modo de agir também acontece em seu contexto profissional sugerindo
que os esquemas de ação relativos a essa maneira de agir permanecem como
disposições prontas para serem ativadas na relação dela com possíveis situações
ativadoras desses esquemas. Em que momentos ou situações da prática de Sara
parecem ser mobilizados tais esquemas de ação? Neste caso, quando há
necessidade dela se expor ao relatar ou descrever as suas práticas.
Nas ações de Sara, as disposições mobilizadas dizem respeito ao que foi
incorporado nos contextos socializadores vividos pela professora, as disposições só
serão ativadas se encontrarem pertinência para isso. E, no caso do trabalho
docente, o compartilhamento de ideias é uma condição desejada, portanto, a todo o
momento ela está vulnerável a exposições de sua prática.
Cabe aqui retomar que “O ator é o produto de suas múltiplas experiências
passadas, das múltiplas aquisições – mais ou menos acabadas – feitas durante
situações vividas anteriormente” (LAHIRE, 2002, p.56). O que do passado pode ou
não ser ativado nas situações presentes?
Segundo Lahire (2002), sob determinadas condições, as disposições podem
ser ativadas ou inibidas. O que determina a ação são as condições favoráveis ou
não, do contexto desencadeador que funciona como uma simples ocasião de liberar
as disposições pertinentes a esse contexto.
Essa aversão da professora à possibilidade de ser repreendida pode estar
relacionada, também, a ativação de disposições incorporadas relativas ao modo com
que se relacionava com o pai. (medo de expor suas ideias e ser castigada, como
acontecia com sua irmã). Lahire, (2002 p.69) nos aponta que
93
Nessa abertura do passado incorporado pelo presente, nesta mobilização dos esquemas da experiência passada incorporada, o papel da analogia prática parece particularmente importante. É na capacidade para encontrar – praticamente e globalmente e não intencionalmente e analiticamente – a semelhança (um “ar de semelhança”, diria Wittgenstein) entre a situação presente e experiências passadas incorporadas sob a forma de resumos de experiências que o ator pode mobilizar as “competências” que permitem que ele aja de maneira mais ou menos pertinente.
Embora Lahire (2004, p.22-23) observe que
O ator não tem consciência das determinações internas e externas que o levaram a agir como agiu, a pensar como pensou, a sentir como sentiu... Em suma, não podemos pressupor que o ator possua as chaves (disposicionais e contextuais) do que o faz agir.
Seguindo o que afirma Lahire, digo que, esta relação com o pai, conforme
relatou a professora, não necessariamente figura em nível consciente para ela,
quanto elemento incorporado e que tem a ver com o modo de agir (com receios ao
se expressar).
Se para Sara, em suas ações cotidianas, o medo de errar era significativo a
ponto de ser percebido pela colega do CTA 3; o registro de trabalhos executados
bem como a socialização destes com seus pares pode representar um modo de
“marcar” o que foi feito; de colocar-se em evidência; de expor-se para as outras
pessoas; e, deste modo, ficar sujeita a críticas, mas também a elogios.
Sara talvez não tenha atentado para o fato de que tal registro de suas ações
possui uma importância singular para a construção dessa nova prática pedagógica
da qual ela deseja e, de certo modo, está alcançando, que é assumir uma prática
reflexiva.
Há uma questão que se refere à importância do registro dos trabalhos como
produção da memória do que foi realizado e ainda será construído quanto percurso
das práticas docente. Estes registros permitem ao professor confrontar-se com as
suas práticas na perspectiva de conquistar a sua autonomia pela constante reflexão
a cerca do que foi produzido, perspectivando avanços e melhorias quanto ao que
poderá ainda ser empreendido em suas ações. Portanto, as avaliações e a
necessidade de exposições a outras opiniões são inerentes a esse processo.
94
A exposição e “armazenamento”38 de nossas ação por meio desses registros
que podem assumir variados modos de organização, tais como: planejamento
escrito; apontamentos sobre tarefas realizadas; projetos contendo fotos; filmagens;
entre outros inúmeros recursos oferecidos pelas novas tecnologias da informação,
das quais podemos nos valer. Tais registros ao serem visitados por outras pessoas,
de alguma maneira, despertam nas pessoas as suas opiniões que podem trazer
contribuições para o processo de refletir sobre as práticas ali registradas.
Vejo na possibilidade de socialização e debate, em torno dessas críticas, a
oportunidade de amadurecimento do modo como organizamos e agimos em nossa
prática docente e que podem ser feitas a partir do acesso a esses registros
materializados em textos, imagens, entre outros. E isso poderá nos ser útil no
sentido de compartilharmos estas experiências e, assim, abrir à possibilidade de
ampliação de ideias para pensar, repensar, refletir e construirmos outras novas
ações.
4.3 DEVOLUTIVA SOBRE AS SÍNTESES DA PESQUISA COM O PARECER DA PROFESSORA PESQUISADA
Ao findar as análises dos esquemas de ação pinçados da prática da
professora e partindo de questões levantadas em detrimento das análises feitas,
reunimos eu, a professora Sara e a professora do programa de mestrado
(orientadora deste estudo) para debatermos sobre os objetivos desta pesquisa.
Após explicarmos o desenvolvimento do estudo e aproveitando para os
devidos agradecimentos pela sua participação, eu e a professora orientadora
estávamos prontos a ouvir o parecer de Sara ao confrontar-se com o que
apresentávamos para ela quanto aos resultados obtidos com a pesquisa.
Lembrando que a proposta era a de que, tal qual um espelho, Sara pudesse
reconhecer-se (ou não) nas ações observadas por mim, bem como nas descrições
que fiz do modo como agia, ressaltando ali os esquemas de ação que foram
analisados.
38 O uso dessa palavra está no sentido de que as propostas ficarão tal qual estoque de ideias que poderão ser reutilizadas, repensadas, refletidas, enfim, estão estocadas, guardadas, registradas.
95
Como primeiro impacto, após a leitura do resumo preparado para esta
reunião, Sara se reconheceu nas ações observadas e que emergem os esquemas
de ação sobre o ato de planejar e registrar atividades. Ela quis compreender se
estas eram “falhas” em sua prática. Ressaltamos que não se tratava de falhas, mas
do modo particular com que ela age. O que nos interessava era saber as razões
pelas quais as ações aconteciam daquela maneira.
Apresentamos alguns pontos em forma de sugestões, tais como os citados
abaixo, para que Sara fizesse suas reflexões sobre o ato de planejar atividades:
Lidar com menos sofrimento com as situações de ambiguidade em sua
prática;
Observar o maior envolvimento dos alunos nas propostas, considerando
melhor o que eles trazem;
Superação das resistências sobre a legitimidade do seu fazer. Ela pôde
reconhecer que é possível avançar nos seus conhecimentos sem negar o que
lhe constituiu em termos de conhecimentos prévios.
Quanto ao ato de registrar as atividades, observamos:
A necessidade de ela partilhar suas propostas na perspectiva de
envolvimento de outros professores, o que diferenciaria essa colaboração;
A perspectiva de pensar o registro prévio como proposta de planejamento e o
registro pós como reflexão, porém, posicionando-se melhor no
desenvolvimento desta proposta, entendendo a possibilidade de imprevistos
neste processo de construção do que poderá ser e do que foi realizado;
Ressaltamos uma dificuldade expressada por Sara em expor-se em
determinados contextos, pela sua relação conflituosa com as possíveis
críticas;
Apontamos os registros como possibilidade de trocas de experiências entre
os sujeitos que podem compartilhar as suas práticas;
Segundo afirmou Sara, essas sugestões servirão como elementos que
fomentarão suas reflexões. Cabe dizer que esse processo se inicia e terá seu
desenvolvimento a partir dessas reflexões e que elas poderão ou não contribuir para
as modificações e que isso dependerá da professora.
96
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como aporte teórico-metodológico a Teoria da Ação
proposta por Bernard Lahire. Essa teoria permite analisar a pluralidade de esquemas
de ação incorporados pelos sujeitos. No caso da pesquisa aqui desenvolvida, ela
permitiu objectualizar a pluralidade de esquemas de ação incorporados por uma
professora e a complexidade do seu engendramento. Mapeei, selecionei e analisei
alguns de seus comportamentos observáveis e as elaborações narrativas de
situações vivenciadas por ela em seu cotidiano escolar. Para tanto, foi necessário
ouvi-la e acompanhá-la em suas aulas e em outros momentos do seu cotidiano na
escola.
Concluída e redigida na forma de dissertação, a pesquisa nos permite uma
breve metareflexão que sistematiza os seus “achados” para além da sua análise
intrínseca. Esses “achados” podem ser apresentados em três eixos: problematizar o
que ela deixa de contribuição para a forma-ação da professora; o que ela deixa de
contribuição para a pesquisa e a produção do conhecimento em Educação Física e
o que ela deixa de contribuição na minha formação de professor-pesquisador.
No que tange a contribuição para a forma-ação da professora, penso que as
análises aqui empreendidas abrem a possibilidade de Sara ter para si um espelho
reflexivo – no duplo sentido do termo – do seu agir. Ao se permitir participar
ativamente da pesquisa, tornou-se sua co-autora já que muito do que foi escrito é
fruto de suas narrativas, das quais eu dependia para compreender as suas ações.
Portanto, a professora, sujeito e não apenas objeto desta pesquisa, representa a
singularidade deste sujeito no contexto escolar.
As particularidades de Sara eram evidenciadas na sua história de vida
pautada como elemento, que somados ao contexto observado (a escola),
dialogando com a sua formação acadêmica inicial, com a sua vida social em família,
montava o cenário de suas práticas em que as suas ações materializavam-se,
emergindo esquemas de ação dos quais eram do meu interesse captar para
construir este estudo. Na fase inicial da pesquisa não tinha bem delineado o que de
fato eu estava observando e ao me apropriar melhor do referencial teórico, foi que
pude avançar na qualidade de minhas observações e então perceber os esquemas
de ação que emergiam na prática da professora.
97
Investiguei os esquemas de ação no que tange ao modo como foram
incorporados e como eram mobilizados ao serem ativados ou inibidos na relação
desta professora com as situações vividas por ela. Como já dito, a construção dos
caminhos para que fossem possíveis tais observações, se deu no decorrer do
percurso; podendo ressaltar, ao findar esta pesquisa, o quanto foi importante
colocar-me aberto para que acontecesse a cumplicidade com a professora; o aguçar
do modo como percebia suas ações e das reflexões que fazíamos em nossas
conversas. Bem como a interlocução com a orientadora deste estudo que com suas
provocações desafiadoras puseram-me em condições de amadurecimento, sendo
possível, nas palavras da orientadora “alcançar saltos qualitativos significativos” na
minha formação acadêmica.
Considero que agir com abertura no momento de buscar os dados, ainda não
tão claros para mim, ajudou a vencer os limites impostos pelo pouco tempo que
dispunha para acompanhar a professora e as resistências iniciais que ela gerava ao
sentir-se observada39. Sendo assim, anotava o que era possível no intuito de
garantir ao máximo o registro dos elementos que pudessem ser analisados
posteriormente.
A orientadora me apontava alguns equívocos quando focava meu olhar na
prática pedagógica de Sara, ao que se refere ao modo como organizava suas aulas.
Contudo, eram nestas práticas e em ações diversas na escola que os esquemas de
ação eram mobilizados. Ao percebê-los, era como se necessitasse pinça-los dentro
dos contextos observados. Dentre muitos esquemas observados, nós (eu e a minha
orientadora), decidimos ater a análise em dois deles: o ato de planejar atividades e o
ato de registrar as atividades.
Desta forma surgiu a necessidade de categorizar esta análise que foi feita da
seguinte maneira:
a) Formulando o esquema de ação
b) Configurando a prática com dados empíricos
c) (Re)lendo incorporações (relação passado / presente)
d) (Re)equacionando e analisando o esquema de ação
39 Sara se justificava demais, tudo ela me explicava, como que se defendesse de alguma possível crítica. Ao longo da pesquisa, quando estávamos mais entrosados ela já falava desses incômodos iniciais com a minha presença.
98
Deste modo alinhavando os dados que tinha com o conhecimento adquirido à
luz do referencial teórico, pude levantar algumas questões relevantes para que
fossem refletidas junto com a professora pesquisada para que, como já dito, ela
pudesse se reconhecer nas observações que fiz sobre suas ações.
Ao participar da reunião que chamamos de “devolutiva”, a professora Sara
apresentou comportamentos interessantes dos quais posso ressaltar a sua ânsia em
saber se o que foi observado representava “falhas” em sua prática.
Apresentamos o trabalho limitando-nos a não emitir opiniões. Não era nossa
intenção emitir julgamentos40. Sara demonstrou reconhecer-se no modo com foi
descrita nos relatos feitos por mim quanto às suas ações, embora se mostrasse
reticente quanto aos apontamentos que fizemos como sugestões para suas
reflexões. Era um dos objetivos da pesquisa apontar para a professora algumas
sugestões das quais pudessem fomentar reflexões sobre a prática realizada para
possíveis melhoramentos em práticas futuras.
Ao tomar consciência de como são mobilizados os esquemas de ação; como
possivelmente foram incorporados, levando-se em consideração a heterogeneidade
das relações vividas por essa professora, ela poderá, a partir dessas reflexões,
pensar possíveis modificações em sua prática.
Aos nossos olhos de pesquisadores por ocupar um lugar de observador das
ações de Sara, nos era possível perceber elementos que talvez ela só poderá tomar
consciência deles ao retomar a sua prática impactada pelas questões que lhes
foram mostradas com essa pesquisa. Tais como: Lidar com menos sofrimento com
as situações de ambiguidade em sua prática; o modo como se relaciona com seus
alunos quanto às propostas trabalhadas em suas aulas; acreditar mais na
legitimidade do que é capaz de fazer; Compartilhar melhor as suas propostas de
trabalho; efetuar registros tanto como planejamentos prévios como anotações
posteriores ao trabalho realizado; reaver a sua relação com possíveis críticas
endereçadas ao seu trabalho; entre outras questões que poderão surgir a partir de
suas reflexões mais íntimas.
40 Embora no decorrer do trabalho fui por muitas vezes advertido pela orientadora quanto a comentários que tiveram que ser suprimidos do texto. Sendo necessário conter a minha veia de professor que insistia em opinar em relação às ações de Sara.
99
Portanto, saber como Sara retomará à suas ações é para nós, neste
momento, um fator limitante para este trabalho. Dado o tempo acadêmico que nos é
imposto. Ficam os elementos levantados anteriormente e mostrados a Sara como
sugestões, bases para novas questões a serem investigadas em outro estudo. Pode
ser bem interessante, saber como agirá esta professora diante do que lhes foi
apresentado nesta pesquisa. Os resultados das reflexões de Sara, materializados ou
não nas possíveis transformações em seu modo de agir, só poderão ser constatadas
em um outro momento de observação de suas ações. Cabe ressaltar, também, que
tal estudo pode representar uma possibilidade de observar o que fazem os
professores sob uma perspectiva que considere a pluralidade da qual é constituído,
ao que se refere aos esquemas de ação incorporados nas relações que se
estabelecem em sua trajetória de vida.
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100
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102
ANEXO 1 – Questões para os profissionais do CTA
Todas elas responderam a um grupo semelhante de questões sobre o
relacionamento delas com Sara. Nessas entrevistas quis saber o parecer dessas
pessoas sobre a Professora, a disciplina Educação Física, bem como sobre o
trabalho que era desenvolvido por ela. São essas as questões:
1- Qual a sua percepção sobre o trabalho da Educação Física na escola em relação:
Aos conteúdos desenvolvidos: sua importância na formação do aluno
A importância desta disciplina na grade curricular
A como este trabalho é feito pela professora Iara
2- Fale sobre a relação com a professora Sara no que diz respeito:
Às posturas docentes apresentadas pela professora
Aos resultados apresentados – existem diferenciais a serem destacados?
Relações interpessoais de trabalho com a professora.
3- Quais condutas de Sara chamam a atenção e são consideradas:
Positivas
Negativas
4- Descreva Iara segundo o seu ponto de vista:
Sara professora
Sara colega de trabalho
Sara pessoa
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