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1 DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE (VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL) Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde nos termos do n.º 1 do artigo 4.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto exerce funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes às atividades económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e social; Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo 5.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto; Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto; Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto; Visto o processo registado sob o n. º ERS/053/2015; I. DO PROCESSO I.1. Origem do processo 1. Em 25 de agosto de 2015, foi rececionada pela Entidade Reguladora da Saúde (doravante ERS) uma participação da 4.ª Divisão Policial da PSP de Lisboa Comando Metropolitano de Lisboa, visando a atuação do Hospital de Egas Moniz (doravante HEM), onde alegadamente terá sido negado ao utente R. o acesso a uma urgência oftalmológica e, no seguimento desse episódio, terá sido também recusada a disponibilização imediata do livro de reclamações (cfr. fls. 7 a 10 dos autos).

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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA

ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE

(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)

Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde nos termos do n.º 1 do artigo 4.º

dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto

exerce funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência

respeitantes às atividades económicas na área da saúde nos setores privado, público,

cooperativo e social;

Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo

5.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;

Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde

estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º

126/2014, de 22 de agosto;

Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde

estabelecidos no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º

126/2014, de 22 de agosto;

Visto o processo registado sob o n.º ERS/053/2015;

I. DO PROCESSO

I.1. Origem do processo

1. Em 25 de agosto de 2015, foi rececionada pela Entidade Reguladora da Saúde

(doravante ERS) uma participação da 4.ª Divisão Policial da PSP de Lisboa –

Comando Metropolitano de Lisboa, visando a atuação do Hospital de Egas Moniz

(doravante HEM), onde alegadamente terá sido negado ao utente R. o acesso a

uma urgência oftalmológica e, no seguimento desse episódio, terá sido também

recusada a disponibilização imediata do livro de reclamações (cfr. fls. 7 a 10 dos

autos).

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2. O estabelecimento hospitalar visado situa-se na Rua da Junqueira, n.º 126, 1349-

019 Lisboa, está registado no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados

(SRER) da ERS sob o n.º 108188, e integra o Centro Hospitalar Lisboa Ocidental,

E.P.E. (doravante CHLO) – cfr. fls. 12 e 59 dos autos.

3. Por seu turno, o CHLO encontra-se sedeado na Estrada do Forte do Alto do

Duque, 1449-005 Lisboa, está inscrito no SRER da ERS sob o n.º 15138, e é

responsável por mais 2 estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde

hospitalares, para além do HEM (cfr. fls. 11 e 58 dos autos).

4. Para uma análise preliminar da participação da PSP, foi aberto o processo de

avaliação n.º AV/158/2015.

5. No entanto, face à necessidade de uma averiguação mais pormenorizada dos

factos denunciados, ao abrigo das atribuições e competências da ERS, o respetivo

Conselho de Administração deliberou, por despacho de 23 de setembro de 2015,

proceder à abertura do presente processo de inquérito, registado internamente sob

o n.º ERS/053/2015 (cfr. fls. 1 a 6 dos autos).

I.2. Diligências

6. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as

diligências consubstanciadas em:

(i) Pesquisa no SRER da ERS sobre o estabelecimento prestador de cuidados

de saúde visado na participação da 4.ª Divisão Policial da PSP de Lisboa,

bem como sobre a entidade por ele responsável (cfr. fls. 11, 12, 58 e 59 dos

autos);

(ii) Pesquisa no SRER da ERS sobre a reclamação exarada pelo utente R., no

livro de reclamações do HEM (cfr. fls. 13, 14 e 60 a 63 dos autos);

(iii) Notificação da abertura do presente processo de inquérito e pedido de

informações ao utente R., por ofícios datados de 6 e 21 de outubro de 20151

(cfr. fls. 16 a 21, 28 a 43 dos autos);

1 Conforme será melhor explicado infra, a ERS efetuou duas tentativas de notificação do utente

R. para a morada que consta da participação da 4.ª Divisão Policial da PSP de Lisboa (e que é a única disponível no processo). Porém, ambas as tentativas se revelaram infrutíferas, sendo que o primeiro ofício, datado de 6 de outubro de 2015, foi devolvido à ERS, pelos CTT, com a referência “Objeto não reclamado”, e o segundo, datado de 21 de outubro de 2015, também foi devolvido, mas com a justificação “Mudou-se”.

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(iv) Notificação da abertura do presente processo de inquérito e solicitação de

informações ao CHLO, por ofício datado de 6 de outubro de 2015 (cfr. fls. 22

a 27, 44 e 45 dos autos);

(v) Análise da resposta fornecida pelo prestador (cfr. fls. 46 a 57 dos autos);

II. DOS FACTOS

II.1. Do teor da participação da PSP de Lisboa

7. Em 25 de agosto de 2015, foi rececionada na ERS a participação da 4.ª Divisão

Policial da PSP de Lisboa – Comando Metropolitano de Lisboa, visando a atuação

do HEM, onde alegadamente terá sido negado ao utente R. o acesso a uma

urgência oftalmológica e, no seguimento desse episódio, terá sido também

recusada a disponibilização imediata do livro de reclamações.

8. Na participação em análise é concretamente relatado o seguinte:

“Por à data e hora supramencionada [04-08-2015, às 18h10m], a mando do

graduado de serviço a esta Esquadra, acompanhei [R.], devidamente

identificado nos autos, junto do local da ocorrência [HEM] por o mesmo afirmar

ter-se deslocado, por volta das 16h30, do corrente dia, junto do serviço de

urgências oftalmológicas com vista a ser atendido, sendo-lhe negado o

atendimento.

Perante a recusa o participante afirma ter solicitado o livro de reclamações o

qual lhe foi negado quer no balcão de atendimento do serviço de urgência quer

no balcão do utente existente no interior da unidade hospitalar.

No local contactei inicialmente com [M.G.], devidamente identificada nos autos,

a qual me confirmou a recusa do acesso à consulta por parte do participante

justificando tal facto por este ter comparecido no balcão admissão após o

horário de atendimento (17h00). Informou-me ainda ter indicações claras por

parte dos responsáveis pelos serviços que as inscrições para as consultas

efectuam-se até às 16h50, visto a unidade de saúde, nesta época de verão, se

encontrar com défice de médicos ao serviço. Afirmou ainda ter dado indicações

claras ao doente para se dirigir junto do serviço de urgências do Hospital S.

Maria, sito nesta urbe, o qual se encontra aberto 24h00.

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Segundo a testemunha, o participante após ser informado dos procedimentos a

seguir assumiu uma atitude incorrecta para com ela levando a que esta tenha

solicitado a presença de [J.C.], devidamente identificado nos autos, vigilante de

serviço ali presente, o qual encaminhou o participante junto do balcão do

utente.

Contactei de seguida com [C.S.], devidamente identificada nos autos, a qual

me informou ter somente presenciado o facto do participante ali se ter

deslocado sendo que este tratou o assunto com uma outra funcionária que já

não se encontrava no hospital.

Momentos depois, compareceu perante mim [C.P.], devidamente identificada

nos autos, no momento responsável pelo serviço de doentes, a qual, após

colocada ao corrente dos factos relatados forneceu de imediato o livro de

reclamações ao participante que efectuou a sua reclamação na folha n° 22 do

referido livro. Após tal acto prescindiu de outras diligências por parte desta

polícia seguindo o seu destino para parte incerta.” – Cfr. fls. 7 a 10 dos autos;

II.2. Notificação da abertura do processo de inquérito e pedido de informações

ao denunciante

9. Por ofício datado de 6 de outubro de 2015, a ERS tentou notificar o denunciante da

abertura do presente processo de inquérito e solicitou-lhe as seguintes

informações:

“1. Informe se a situação denunciada se passou nos exatos termos relatados

na Participação da PSP de Lisboa (em anexo), ou se tem alguma

observação/correção a fazer;

2. No caso de V. Exa. ter efetivamente subscrito uma queixa, no livro de

reclamações do estabelecimento hospitalar visado, após a chegada da PSP ao

local, informe se o sobredito estabelecimento prestador de cuidados de saúde

já lhe prestou algum esclarecimento relativamente à situação reclamada e, em

caso afirmativo, informe também sobre o teor da eventual resposta que lhe

tenha sido concedida, se possível, com envio da respetiva cópia.” – Cfr. fls. 16

a 21 dos autos;

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10. Sucede, porém, que o referido ofício foi devolvido à ERS, pelos CTT, em 19 de

outubro de 2015, com a referência “Objeto não reclamado” (cfr. fls. 28 a 33 dos

autos).

11. Através de ofício datado de 21 de outubro de 2015, foi efetuada nova tentativa de

notificação do denunciante (cfr. fls. 34 a 37 dos autos).

12. Contudo, o sobredito ofício também foi restituído à ERS, pelos CTT, em 27 de

outubro de 2015, com a justificação de que o denunciante teria mudado o seu

domicílio (cfr. fls. 38 a 43 dos autos).

13. Ora, dado que a ERS não tem conhecimento da nova morada do denunciante,

revelou-se impossível notificá-lo para os presentes autos.

II.3. Notificação da abertura do processo de inquérito e pedido de elementos ao

CHLO

14. Por ofício datado de 5 de outubro de 2015, a ERS notificou o CHLO – entidade

responsável pelo HEM – da abertura do presente processo de inquérito e, com o

objetivo de averiguar mais pormenorizadamente os factos denunciados,

apresentou, em simultâneo, o seguinte pedido de elementos:

“1. Esclarecimentos sobre a situação descrita na participação da PSP de

Lisboa (em anexo);

2. Informação sobre se foi efetivamente recusado o acesso do utente [R.] ao

serviço de urgência do Hospital de Egas Moniz, para ser assistido na valência

de oftalmologia;

3. Informação sobre se a mencionada valência é assegurada, naquele serviço

de urgência, 24 horas por dia, ou, ao invés, com uma duração limitada, e, nesta

última hipótese, qual o motivo subjacente a essa limitação de

funcionamento/horário;

4. Informação sobre eventual(ais) rede(s) de referenciação hospitalar de

urgência/emergência aplicável à valência de oftalmologia do serviço de

urgência do Hospital de Egas Moniz;

5. Indicação do número total de oftalmologistas que colaboram com o Hospital

de Egas Moniz, bem como indicação do número de oftalmologistas que se

encontram disponíveis para realizar serviço de urgência;

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6. Informação sobre o(s) concreto(s) motivo(s) pelo(s) qual(ais) o livro de

reclamações não foi imediatamente facultado ao utente;

7. Na hipótese do utente [R.] ter efetivamente subscrito uma queixa no livro de

reclamações do Hospital de Egas Moniz, após a chegada da PSP ao local,

informação sobre o tratamento que foi dado à mesma, com indicação da

entidade à qual a reclamação terá sido remetida, de que forma e em que prazo;

8. Informação sobre eventuais medidas/procedimentos que tenham sido

adotados, no CHLO, com o objetivo de assegurar o respeito pelo direito dos

utentes à reclamação e apresentação de queixa, independentemente do

conteúdo, da pertinência e/ou da autoria da mesma, com envio do respetivo

suporte documental.

9. Quaisquer esclarecimentos complementares que V. Exas. julguem

necessários e relevantes para a análise do caso concreto.” – Cfr. fls. 22 a 27

dos autos;

15. Tendo decorrido o prazo (de 10 dias úteis) concedido para a resposta, sem que o

CHLO tivesse facultado os elementos requeridos, por ofício datado de 30 de

outubro de 2015, a ERS reiterou junto do prestador a necessidade de dar

cumprimento ao solicitado (cfr. fls. 44 e 45 dos autos).

16. Assim, por ofício datado de 10 de novembro de 2015, o CHLO veio aos autos

informar o seguinte:

“1. Confirma-se que o utente [R.] [esteve] presente na Urgência Oftalmológica

do Hospital Egas Moniz/CHLO no dia 04/08/2015. Dado a hora em que se

apresentou na admissão de doentes ter ultrapassado a hora de atendimento

nas consultas de urgência, foi-lhe dada a indicação de se dirigir à Urgência

Metropolitana de Lisboa (UML), a funcionar no Hospital de Santa Maria/CHLN.

O utente solicitou o livro de reclamações, e depois de alguns constrangimentos

aparentemente por má comunicação com a funcionária do atendimento e

conduta menos correcta do utente, foi-lhe entregue o livro pela responsável do

serviço de doentes, tendo o reclamante escrito a reclamação na folha n.º 22 do

livro de reclamações que assinou às 18h27 (junta-se cópia) [2].

Esta situação está relacionada com a mudança no horário e forma de

atendimento da Urgência Oftalmológica do HEM/CHLO durante o mês de

2 Cfr. fls. 49 e 54 dos autos;

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Agosto, comunicada aos utentes por informação afixada no vidro do guichet da

admissão de doentes urgentes (cópia em anexo) [3].

Por acentuada redução do corpo clínico de oftalmologistas com idades

compatíveis com a execução de serviço de urgência reduzido a 3 médicos, não

foi possível constituir a equipa de urgência para o mês de Agosto no período

das 8h às 20h (após as 20h os utentes são encaminhados para a UML por

determinação da ARSLVT).

Para não prejudicar os doentes, considerou-se possível constituir uma consulta

urgente feita por médicos mais velhos (dispensados da urgência por lei, devido

à idade) dentro do seu horário de trabalho, no período das 8h às 17h.

Junto se envia a lista de médicos do mapa da especialidade de Oftalmologia,

com as respectivas idades [4]. Relembra-se que por lei os médicos com idades

superior a 50 anos podem ser dispensados do serviço de urgência nocturno e

com idade superior a 55 anos, ficam totalmente dispensados de fazer serviço

de urgência.

Em relação à listagem actual de médicos que se envia informa-se que o

médico [R.A.] só foi contratado no início de Setembro de 2015 e que os quatro

internos da lista só fazem medicina tutelada pelo seu estatuto. Facilmente se

identificam unicamente três especialistas com idade inferior a 50 anos,

disponíveis para a urgência, o que obviamente impossibilitou a elaboração da

escala.

2. Informação dada na resposta anterior.

3. Por decisão da ARSLVT, a Urgência de Oftalmologia funciona das 8h às 20h

no Hospital de Egas Moniz/CHLO e a partir das 20h passa a ser assegurada na

urgência do Hospital de Santa Maria/CHLN.

O motivo de alteração do horário para as 8h-17h foi a redução do n.º de

médicos com idade para efectuar urgência durante o mês de Agosto, já

explicado no ponto 1.

4. A rede de urgência/ emergência foi determinada pela ARSLVT com a criação

da Urgência Metropolitana de Lisboa, que funciona em dois polos,

nomeadamente no Hospital de Santa Maria e Hospital de São José, os quais

3 Cfr. verso de fl. 49 e fl. 55 dos autos;

4 Cfr. fls. 50 e 56 dos autos;

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asseguram a Urgência Nocturna da área da grande Lisboa e são referência de

fim de linha para todas as outras situações.

5. Listagem anexa.

6. Como foi explicado na comunicação da PSP, o livro foi fornecido

imediatamente quando compareceu a responsável pelo serviço de doentes.

Não se poderá falar portanto de recusa, mas talvez de algum atraso ou má

comunicação gerada entre o utente e a funcionária da admissão da Urgência

Oftalmológica.

Como é habitual, a reclamação foi devidamente analisada e respondida ao

utente pela Directora Médica do Hospital de Egas Moniz em 27/10/2015 (cópia

anexa) [5].

8. Todos os funcionários do CHLO, que têm responsabilidade no atendimento

aos utentes, têm formação para estas funções, com reciclagens frequentes. A

entrega imediata do livro de reclamações quando pedida, e o encaminhamento

para o Gabinete do Cidadão/ Utente é constante nesta formação. […]” – Cfr. fls.

46 a 57 dos autos;

II.4. Do teor da reclamação apresentada pelo denunciante no livro de

reclamações do HEM – CHLO

17. Compulsado o SRER da ERS, apurou-se que a reclamação exarada pelo utente R.

na fl. 22 do livro de reclamações do HEM, no dia 4 de agosto de 2015 – facto

narrado na participação da PSP que está na origem dos presentes autos, e

posteriormente admitido pelo CHLO –, foi inserida no Sistema de Gestão de

Reclamações (SGREC) da ERS, em 12 de novembro de 2015 (cfr. fls. 13, 14 e 60

a 63 dos autos).

18. Na sobredita reclamação é referido o seguinte:

“A atendente […] mandou-me passear por vários prédios do complexo Egas

Moniz e quando chegou às 17:00h disse-me que não havia oftalmologista. O

segurança […] agrediu-me verbalmente. Peço que hajam soluções. Obrigado.”

– Cfr. fls. 49, 54 e 62 dos autos;

5 Cfr. verso de fl. 50 e fl. 57 dos autos;

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19. Por ofício datado de 27 de outubro de 2015, o CHLO prestou ao utente R. os

seguintes esclarecimentos:

“[…] informamos que o motivo que o levou a apresentar a sua exposição foi

devidamente registado. Nesta conformidade, cumpre-nos esclarecer que

estava afixada informação relativa ao horário de funcionamento da urgência de

Oftalmologia (das 8h00 às 17h00), durante o mês de Agosto de 2015, no

balcão de admissão do Serviço de Urgência de Oftalmologia desta unidade

hospitalar. […]” – Cfr. verso de fl. 50 e fls. 57 e 63 dos autos;

III. DO DIREITO

III.1. Das atribuições e competências da ERS

20. De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 5.º, ambos

dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, 22 de agosto, a

ERS tem por missão a regulação, a supervisão e a promoção e defesa da

concorrência, respeitantes às atividades económicas na área da saúde dos setores

público, privado, cooperativo e social, e, em concreto, à atividade dos

estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde.

21. Determinando o n.º 2 do artigo 4.º dos mesmos Estatutos que estão sujeitos à

regulação da ERS todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde

do setor público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua

natureza jurídica.

22. Consequentemente, sendo o CHLO uma entidade pública empresarial detentora

de três estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde hospitalares – entre

os quais se inclui o HEM, concretamente visado na participação da PSP que está

na origem dos presentes autos –, então, ele está legalmente submetido aos

poderes de regulação e supervisão da ERS, onde, aliás, está inscrito sob o n.º

15138 (cfr. fls. 11, 12, 58 e 59 dos autos).

23. Segundo o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º dos seus Estatutos, as

atribuições da ERS compreendem a supervisão da atividade e funcionamento dos

estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, no que respeita à garantia

dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados

de saúde de qualidade, bem como à defesa dos demais direitos dos utentes.

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24. De tal forma que aquelas atribuições se encontram expressamente incluídas no

elenco dos objetivos regulatórios da ERS.

25. Com efeito, as alíneas b) e c) do artigo 10.º dos seus Estatutos fixam como

objetivo geral da atividade reguladora da ERS, respetivamente: “Assegurar o

cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de saúde, nos termos da

Constituição e da lei”, e “Garantir os direitos e interesses legítimos dos utentes”.

26. Na execução dos preditos objetivos, e ao abrigo do preceituado nos n.os 1 e 2 do

artigo 12.º dos Estatutos da ERS, compete a esta Entidade Reguladora assegurar

o direito de acesso universal e equitativo à prestação de cuidados de saúde, entre

outros, nos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), e

consequentemente prevenir e punir as práticas de rejeição e discriminação

infundadas de utentes que sejam eventualmente detetadas nesses mesmos

serviços e estabelecimentos.

27. Mais, conforme resulta da alínea a) do artigo 13.º dos Estatutos da ERS, compete

a esta Entidade Reguladora apreciar as queixas e reclamações dos utentes e

monitorizar o seguimento que lhes é dado pelos estabelecimentos prestadores de

cuidados de saúde, nos termos do artigo 30.º do mesmo diploma estatutário.

28. Acresce que a ERS pode assegurar a prossecução das suas competências

mediante o exercício dos seus poderes de supervisão, zelando pela aplicação das

leis e regulamentos e demais normas aplicáveis às atividades sujeitas à sua

regulação, no âmbito das suas atribuições, e emitindo ordens e instruções, bem

como recomendações ou advertências individuais, sempre que tal seja necessário,

sobre quaisquer matérias relacionadas com os objetivos da sua atividade

reguladora, incluindo a imposição de medidas de conduta e a adoção das

providências necessárias à reparação dos direitos e interesses legítimos dos

utentes (cfr. alíneas a) e b) do artigo 19.º dos Estatutos da ERS).

29. Considerando o relato dos factos feito pela 4.ª Divisão Policial da PSP de Lisboa,

na sua participação, revela-se necessário analisar a situação denunciada e os

elementos carreados para os autos, na sequência das diligências instrutórias

realizadas, sob o prisma da necessidade de proteção dos direitos e legítimos

interesses dos utentes (concretamente, o direito de acesso aos cuidados de

saúde, bem como o direito à reclamação e apresentação de queixa), matéria que,

conforme acima exposto, compete à ERS acautelar.

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III.2. Dos direitos e interesses legítimos dos utentes

III.2.1. Do direito de acesso aos cuidados de saúde

30. O direito de acesso aos cuidados de saúde visa garantir aos utentes do sistema de

saúde o acesso àquelas atividades que tenham por objeto a prevenção, promoção,

restabelecimento ou manutenção da saúde, bem como o diagnóstico,

tratamento/terapêutica e reabilitação, e que, por conseguinte, visem atingir e

garantir uma situação de ausência de doença e um estado de bem-estar físico e

mental.

31. O referido direito deve ser assegurado:

a) pelos prestadores de cuidados de saúde do SNS, aos quais se impõe

também o respeito pelos princípios da generalidade, universalidade e

tendencial gratuitidade;

b) pelos prestadores de cuidados de saúde, próprios, convencionados ou em

regime livre, de um dado subsistema (público ou privado) de saúde, caso o

utente seja beneficiário de tal subsistema, e nos termos definidos por este

último;

c) pelos prestadores de cuidados de saúde, próprios, convencionados ou em

regime livre, ao abrigo de um dado seguro de saúde, caso o utente haja

contratado uma tal cobertura do risco de doença, e nos termos acordados com

a entidade seguradora; e, finalmente,

d) pelos prestadores de cuidados de saúde privados, com ou sem fins

lucrativos, mediante contraprestação acordada entre o utente e o concreto

prestador, livremente escolhido.

32. Em particular, o acesso dos utentes aos cuidados de saúde do SNS caracteriza-

se, nos termos do disposto no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa

(CRP), pela garantia de um acesso ao universal, geral, igual e equitativo, em

tempo útil, e, ainda, tendencialmente gratuito.

33. Em desenvolvimento do preceito constitucional acima mencionado, a Lei de Bases

da Saúde (LBS), aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, estabelece que “a

protecção da saúde constitui um direito dos indivíduos e da comunidade”,

determinando que o Estado deve promover e garantir o acesso de todos os

cidadãos aos cuidados de saúde, embora no limite dos recursos humanos,

técnicos e financeiros disponíveis (cfr. n.os 1 e 2 da Base I).

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34. Portanto, não obstante as limitações (humanas, técnicas e financeiras) que

possam existir nos serviços e estabelecimentos públicos de saúde, numa

determinada altura, e a forma como estes poderão estar especificamente

organizados, está, em geral, consagrado o direito dos utentes acederem a

cuidados de saúde, de forma atempada e com qualidade.

35. Nas diretrizes da política de saúde, estabelecidas na Base II da LBS, consagra-se

como objetivo fundamental “obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos

cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que

vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização

de serviços” (cfr. alínea b) do n.º 1 da Base II).

36. Mais recentemente, foi publicada a Lei n.º 15/2014, de 21 de março6, em cujos n.os

1 e 2 do artigo 4.º se consagra que “O utente dos serviços de saúde tem direito a

receber, com prontidão ou num período de tempo considerado clinicamente

aceitável, consoante os casos, os cuidados de saúde de que necessita” e que “O

utente dos serviços de saúde tem direito à prestação dos cuidados de saúde mais

adequados e tecnicamente mais corretos”.

37. Neste sentido, o acesso aos cuidados de saúde deve ser avaliado, pelo menos,

numa quádrupla perspetiva, a saber: económica, geográfica, temporal e qualitativa.

38. Ora, a vertente económica implica que o acesso aos cuidados de saúde não fique

dependente das condições económico-financeiras dos utentes, estando, ao nível

do SNS, correlacionada com o princípio da tendencial gratuitidade dos serviços

prestados.

39. Por outro lado, o acesso aos cuidados de saúde deve ser garantido aos utentes

onde quer que vivam, isto é, o acesso dos utentes de determinada região deve ser

assegurado em igualdade de circunstâncias, quando comparado com o acesso

dos utentes de qualquer outra região do País (vertente geográfica).

40. Já a vertente temporal do direito de acesso surge associada à necessidade de

obtenção de cuidados de saúde em tempo útil, por referência à situação clínica

dos utentes.

6 A Lei n.º 15/2014, de 21 de março, consolida a legislação em matéria de direitos e deveres do

utente dos serviços de saúde, concretizando a Base XIV da LBS, e salvaguardando as especificidades do SNS (cfr. n.º 1 do artigo 1.º).

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41. Finalmente, numa perspetiva qualitativa, o acesso aos cuidados de saúde deve ser

entendido como o acesso aos cuidados que efetivamente são necessários e

adequados à satisfação das concretas necessidades dos utentes.

42. Por conseguinte, os prestadores devem conceder, com qualidade e segurança,

todos os cuidados de saúde, a cada um dos utentes que a si se dirige, dentro do

tempo considerado clinicamente aceitável.

III.2.2. Do direito à reclamação e apresentação de queixa

43. Os cidadãos que recorrem a estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde

(independentemente da natureza jurídica destes últimos) são titulares de um direito

fundamental à reclamação e apresentação de queixa, o qual se encontra

consagrado, desde logo, na LBS.

44. Com efeito, a alínea g) do n.º 1 da Base XIV da LBS consagra que “os utentes têm

direito a reclamar e fazer queixas sobre a forma como são tratados”.

45. No mesmo sentido, também o n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 15/2014, de 21 de

março, determina que “o utente dos serviços de saúde tem direito a reclamar e a

apresentar queixa nos estabelecimentos de saúde, nos termos da lei”,

estabelecendo o n.º 2 do mesmo artigo que “as reclamações e queixas podem ser

apresentadas em livro de reclamações ou de modo avulso, sendo obrigatória a

resposta, nos termos da lei”.

46. Por seu turno, o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 15/2014 obriga todos os fornecedores

de bens ou de serviços de saúde a possuírem livro de reclamações, que pode ser

preenchido por quem o solicitar.

47. Assim, independentemente dos concretos fundamentos que possam levar ao

exercício do direito à reclamação e apresentação de queixa, caberá à ERS avaliar

se todos os prestadores de cuidados de saúde asseguram o exercício efetivo de

tal direito fundamental dos cidadãos em geral, e dos utentes em particular.

48. Sucede que o direito em questão não é exclusivo da área da saúde, pelo contrário,

é um direito transversal a todos os setores da economia onde exista a

possibilidade de ocorrerem trocas diretas entre os cidadãos, que assumem a

qualidade de consumidores, e os agentes económicos.

49. No entanto, há áreas onde o sobredito direito revela uma especial importância,

devido à especificidade dos bens e serviços que são alvo de comercialização,

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constituindo o setor da saúde um exemplo paradigmático, porquanto, no limite,

pode estar em causa a vida das pessoas – bem jurídico essencial cujo valor é

reconhecido e acolhido pela CRP, quer na perspetiva da sua inviolabilidade, quer

na perspetiva da sua defesa e promoção.

50. Neste sentido, em matéria de saúde, o direito a reclamar e apresentar queixa, bem

como o direito a obter uma resposta clara e percetível do prestador, constituem

uma preocupação da ERS, revelando-se de primordial relevância o processamento

adequado de todas as reclamações e queixas dos utentes, para permitir uma

melhor aferição dos pontos fracos do sistema de saúde e, por conseguinte, a

identificação das áreas que exigem uma intervenção mais aprofundada, sempre

com o objetivo de prolongar ao máximo a saúde, o bem-estar e a vida dos

cidadãos.

51. Ora, atualmente, o direito à reclamação e apresentação de queixa pode ser

exercido por diversas formas, designadamente, por recurso ao livro

especificamente destinado a esse fim, por carta, por correio e formulário

eletrónicos, e também por recurso às caixas de opiniões e sugestões, em especial

no caso dos estabelecimentos públicos.

52. No que concretamente concerne ao livro de reclamações, este trata-se de um

importante instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes, no

âmbito do fornecimento de bens e da prestação de serviços, em cumprimento do

preceituado na Lei n.º 24/96, de 31 de julho (comummente designada Lei de

Defesa do Consumidor).

53. Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro7, na sua

versão atualmente em vigor:

“O livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais

acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a

possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu. A criação deste livro

teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da

exigência do respeito dos direitos dos consumidores. A justificação da medida

7 O Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, estabelece a obrigatoriedade de

disponibilização do livro de reclamações a todos os fornecedores de bens ou prestadores de serviços que tenham contacto com o público em geral, não se aplicando, porém, aos serviços e organismos da Administração Pública (cfr. n.º 3 do artigo 2.º do diploma em análise). Não obstante, a ratio legis subjacente à existência do livro de reclamações no setor privado é também aplicável ao setor público, daí que se possa recorrer à explicação que o legislador dá no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 156/2005, para esclarecer a importância e o objetivo do livro de reclamações, em termos gerais.

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[…] prendeu-se com a necessidade de tornar mais célere a resolução de

conflitos entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos, bem como

de permitir a identificação, através de formulário normalizado, de condutas

contrárias à lei.”

54. Acontece que, no caso do setor público, aos motivos acabados de expor para

justificar a existência (e exigência) do livro de reclamações, acresce a necessidade

de proteger os direitos dos cidadãos face à Administração Pública, que está, por

natureza, numa posição de supremacia relativamente aos administrados (cfr., a

este propósito, o artigo 266.º da CRP).

55. No setor público, há, então, um esforço permanente para reforçar as relações

entre a Administração e a sociedade, aprofundando a cultura do serviço público,

orientada para os cidadãos e para uma gestão que se paute pela eficácia,

eficiência e qualidade da Administração (cfr., a esta propósito, o n.º 1 do artigo

267.º da CRP).

56. Neste sentido, o caráter obrigatório da adoção do livro de reclamações em todos

os serviços e organismos da Administração Pública foi instituído pela Resolução

do Conselho de Ministros n.º 189/96, de 28 de Novembro, a partir de 1 de janeiro

de 1997.

57. Efetivamente, de acordo com o disposto no ponto 3 da mencionada Resolução, “os

serviços e organismos da Administração Pública ficam obrigados a adotar o livro

de reclamações, a partir de 1 de Janeiro de 1997, nos locais onde seja efetuado

atendimento ao público, devendo a sua existência ser divulgada aos utentes de

forma visível.”

58. A citada disposição regulamentar foi posteriormente transformada em preceito

legal, graças à sua inclusão no artigo 38.º, e, mais recentemente, também no n.º 6

do artigo 35.º-A, ambos do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril8, tendo o

legislador estendido a obrigatoriedade de adoção do livro de reclamações a todos

os serviços da administração central, regional e local, bem como aos serviços

públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado ou de fundos

públicos (cfr. as disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 1.º e do artigo 38.º do

Decreto-Lei n.º 135/99).

8 O Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, estabelece as medidas de modernização

administrativa aplicáveis a todos os serviços da administração central, regional e local, e foi alterado, pela última vez, pelo Decreto-Lei n.º 73/2014, de 13 de maio, que entrou em vigor no dia 18 de maio de 2014.

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59. O regime jurídico aplicável à obrigatoriedade de existência e disponibilização do

livro de reclamações em serviços e organismos da Administração Pública – onde

estão também naturalmente incluídos os prestadores de cuidados de saúde do

setor público – encontra-se, então, desde 1999, consagrado no Decreto-Lei n.º

135/99, de 22 de abril, que determina que os referidos serviços e organismos

estão obrigados a adotar o livro de reclamações nos locais onde seja efetuado

atendimento ao público, devendo a sua existência ser divulgada aos utentes de

forma visível (cfr. n.º 6 do artigo 35.º-A e n.º 1 do artigo 38.º).

60. Portanto, da conjugação da obrigatoriedade legal de adoção de livro de

reclamações pelos serviços e organismos da Administração Pública, tal como

conformado pelo Decreto-Lei n.º 135/99, com a consagração do direito à

reclamação e apresentação de queixa fixado pela LBS e, bem assim, pela Lei n.º

15/2014, resulta que todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde

do setor público estão legalmente obrigados a disponibilizar imediata e

gratuitamente o respetivo livro de reclamações, sempre que este seja solicitado.

61. No artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 135/99, o legislador dispôs também sobre o

tratamento que deve ser dado às reclamações, atribuindo a competência para a

sua apreciação à Agência para a Modernização Administrativa, I.P. (AMA, I.P.).

62. Posteriormente, através do Despacho n.º 5081/2005, de 9 de março, foi criado o

Sistema Sim-Cidadão, destinado especificamente à recolha, tratamento e

monitorização das exposições apresentadas pelos utentes do SNS, bem como o

Observatório Nacional e os Observatórios Regionais de apoio ao sistema em

questão.

63. Para além dos mencionados Observatórios, o sistema era também sustentado pelo

Sistema de Gestão de Reclamações e Sugestões (SGRS), uma plataforma

informática que funcionava como elo de ligação entre todas as instituições do SNS,

facilitando o tratamento e análise das reclamações e sugestões eventualmente

apresentadas, possibilitando ao Ministério da Saúde a obtenção de indicadores de

gestão de suporte à decisão, relacionados com o grau de satisfação dos cidadãos

quanto ao funcionamento dos serviços de saúde, no sentido de melhorar a eficácia

e qualidade dos mesmos.

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64. Todavia, por força da entrada em vigor dos atuais Estatutos da ERS, aprovados

pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto9, o sobredito regime jurídico

encontra-se desatualizado no caso da área da saúde, porquanto os Estatutos

confirmam e reforçam as atribuições e competências da ERS na apreciação das

queixas e reclamações apresentadas pelos cidadãos nesse domínio específico,

bem como na monitorização do seguimento que lhes é dispensado pelos

estabelecimentos de saúde visados,

65. Passando a competência da ERS nesta matéria a estender-se a todos os

prestadores sujeitos à sua regulação, incluindo, portanto, o setor público, que é

justamente o setor em causa na situação sub judice (cfr. os n.os 1 e 2 do artigo 4.º,

articulados com a alínea a) do artigo 13.º, todos dos Estatutos da ERS).

66. Tanto assim é que, por força da assunção pela ERS das competências que

estavam conferidas aos Sistema Sim-Cidadão, a Direção-Geral da Saúde

extinguiu-o, com efeitos a partir de 2 de fevereiro de 2015, tendo divulgado a sua

extinção através da Informação n.º 001/2015, de 30 de janeiro de 201510.

67. O procedimento de análise, tratamento e monitorização das queixas e

reclamações pela ERS encontra-se, então, estabelecido, em primeira linha, e de

forma resumida, no artigo 30.º do seu diploma estatutário, nos seguintes termos:

“1 - Cabe à ERS apreciar as queixas e reclamações apresentadas pelos

utentes, assegurar o cumprimento das obrigações dos estabelecimentos

prestadores de cuidados de saúde relativas ao tratamento das mesmas, bem

como sancionar as respetivas infrações.

2 – Os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde estão obrigados a

remeter à ERS, no prazo de 10 dias úteis, cópia das reclamações e queixas

dos utentes, designadamente as constantes dos respetivos livros de

reclamações, bem como do seguimento que tenham dado às mesmas.”

68. Em desenvolvimento do citado artigo foi recentemente aprovado o Regulamento

da ERS n.º 65/2015, de 11 de fevereiro11, que veio estabelecer as concretas regras

aplicáveis ao procedimento em questão (cfr. artigo 1.º).

9 Os Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, entraram

em vigor no dia 1 de setembro de 2014 (cfr. artigo 7.º do diploma legal). 10

A mencionada Informação pode ser consulta na página eletrónica da DGS, em https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/informacoes.aspx. 11

O Regulamento da ERS n.º 65/2015 foi publicado na 2.ª Série do DRE n.º 29, de 11 de fevereiro de 2015.

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69. De acordo com a primeira parte do n.º 1 do artigo 9.º do referido regulamento, “A

entidade responsável pelo estabelecimento prestador de cuidados de saúde deve

proceder à inserção no SGREC das reclamações de que seja alvo, no prazo de 10

dias úteis desde a sua apresentação pelo utente.”

70. Em complemento daquela regra, o n.º 2 do mesmo artigo determina que “a

entidade responsável pelo estabelecimento prestador de cuidados de saúde deve

proceder à digitalização e submissão no SGREC da reclamação, da resposta que

tenha endereçado ao reclamante e de outros ficheiros que considere relevantes à

apreciação dos factos.”

71. De todo o exposto, conclui-se que todos os estabelecimentos prestadores de

cuidados de saúde, independentemente da sua natureza jurídica, devem possuir o

seu próprio livro de reclamações e facultar o seu acesso a qualquer utente que o

solicite, devendo, depois, dar um tratamento adequado e célere à exposição que

venha a ser apresentada, garantindo a prestação de informações claras e precisas

ao reclamante sobre a situação objeto da reclamação e sobre eventuais medidas

corretivas que tenham adotado.

III.3. Análise da situação concreta

72. Atento o relato dos factos constante da participação da 4.ª Divisão policial da PSP

de Lisboa trazida ao conhecimento da ERS, as questões concretas que importa

analisar no âmbito dos presentes autos são as seguintes:

(i) Se, no caso concreto, foi assegurado o direito de acesso do utente R. a uma

urgência de oftalmologia e se, em geral, este direito está garantido para

todos os utentes da área de influência geográfica do CHLO;

(ii) Se, no caso concreto, o CHLO – HEM respeitou o direito do utente R. à

reclamação e apresentação de queixa, e se, em geral, neste Centro

Hospitalar, está garantido o exercício do mencionado direito, bem como se o

procedimento interno de tratamento das reclamações eventualmente

apresentadas está em conformidade com as exigências legais e

regulamentares aplicáveis.

73. Neste contexto, a análise da situação concreta será efetuada tendo em

consideração cada uma das questões acima enunciadas.

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III.3.1. Do acesso dos utentes da área de influência geográfica do CHLO à

especialidade de oftalmologia, em situações de urgência/emergência

74. De acordo com a participação da PSP que está na origem do presente processo

de inquérito, no dia 4 de agosto de 2015, a meio da tarde12, o utente R. deslocou-

se ao serviço de urgência do HEM, integrado no CHLO, por um problema do foro

oftalmológico.

75. No entanto, no balcão de atendimento, o utente foi informado que se deveria antes

dirigir ao Hospital de Santa Maria, integrado no Centro Hospitalar Lisboa Norte

(doravante CHLN), porquanto, durante o mês de agosto, e devido à falta de

médicos, a urgência de oftalmologia do HEM só funcionava das 8h00m às

17h00m, e as inscrições para o serviço encerravam às 16h50m (cfr. fls. 7 a 10 dos

autos).

76. Os factos narrados na participação da PSP foram, entretanto, confirmados pelo

CHLO, na resposta que remeteu à ERS (cfr. fls. 46 a 57 dos autos).

77. Com efeito, conforme consta já do enquadramento factual supra exposto, o

prestador confirmou que o utente R. esteve presente “na Urgência Oftalmológica

do Hospital Egas Moniz/CHLO no dia 04/08/2015” e que “dado a hora em que se

apresentou na admissão de doentes ter ultrapassado a hora de atendimento nas

consultas de urgência, foi-lhe dada a indicação de se dirigir à Urgência

Metropolitana de Lisboa (UML), a funcionar no Hospital de Santa Maria/CHLN”.

78. O prestador esclareceu também que “A rede de urgência/emergência foi

determinada pela ARSLVT com a criação da Urgência Metropolitana de Lisboa,

que funciona em dois polos, nomeadamente no Hospital de Santa Maria [CHLN] e

no Hospital de São José [CHLC], os quais integram a Urgência Nocturna da área

da grande Lisboa e são referência de fim de linha para todas as outras situações”;

79. Tendo acrescentado ainda que “Por decisão da ARSLVT, a Urgência de

Oftalmologia funciona das 8h às 20h no Hospital de Egas Moniz/CHLO e a partir

das 20h passa a ser assegurada na urgência do Hospital de Santa Maria/CHLN”,

mas que “Por acentuada redução do corpo clínico de oftalmologistas com idades

compatíveis com a execução de serviço de urgência reduzido a 3 médicos, não foi

12

Através das diligências instrutórias realizadas não foi possível apurar a hora exata a que o utente R. chegou ao balcão de atendimento do serviço de urgência oftalmológica do HEM. Com efeito, à polícia, o utente disse que chegou ao local “por volta das 16h30”. Porém, a sua versão é refutada pelo depoimento da assistente técnica do respetivo serviço. Não obstante, o facto em causa não se revela especialmente importante para a decisão do caso concreto.

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possível constituir a equipa de urgência para o mês de Agosto no período das 8h

às 20h […]”.

80. Para resolver o problema da falta de recursos humanos para assegurar a urgência

de oftalmologia no período diurno, durante o mês de agosto de 2015, e de forma a

não prejudicar os doentes, o CHLO constituiu “uma consulta urgente feita por

médicos mais velhos (dispensados da urgência por lei, devido à idade) dentro do

seu horário de trabalho, no período das 8h às 17h”, sendo que a partir das 17h00m

os utentes eram encaminhados para o Centro Hospitalar de referência, integrado

na Urgência Metropolitana de Lisboa (UML).

81. Efetivamente, em 2012, no âmbito da Reforma Hospitalar, desenvolvida pelo

Ministério da Saúde, deu-se início, entre outras diligências, a um procedimento de

reorganização das urgências hospitalares na Área Metropolitana de Lisboa, no

período noturno (entre as 20h00m e as 8h00m) – à semelhança, aliás, do que

havia já anteriormente sucedido no município do Porto.

82. Tal procedimento, que acabou por desembocar na criação da UML tal como é hoje

conhecida, esteve a cargo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale

do Tejo, I.P. (doravante ARS LVT), que, conforme as restantes quatro

Administrações Regionais de Saúde existentes no país, tem um papel fundamental

na estruturação e organização do SNS nas áreas geográficas sob sua influência e,

in extremis, na definição dos pontos de oferta, ou redes, de cuidados de saúde

primários e de cuidados de saúde diferenciados, como são os cuidados

hospitalares, os continuados e os paliativos.

83. Com efeito, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º

22/2012, de 30 de janeiro13, à ARS LVT compete garantir à população da respetiva

área geográfica de intervenção o acesso à prestação de cuidados de saúde,

adequando os recursos disponíveis às necessidades, bem como cumprir e fazer

cumprir políticas e programas de saúde nessa mesma área;

84. Mais lhe compete, de acordo com o disposto na alínea n) do n.º 2 do mesmo

artigo, assegurar a adequada articulação entre os estabelecimentos prestadores

de cuidados de saúde, de modo a garantir o cumprimento da rede de

referenciação.

13

O Decreto-Lei n.º 22/2012, de 30 de janeiro, aprovou a Lei Orgânica das Administrações Regionais de Saúde, I.P.

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85. O principal propósito do procedimento de reorganização das urgências

hospitalares noturnas, na Área Metropolitana de Lisboa, foi ajudar os Centros

Hospitalares e Hospitais desta região, sob gestão pública, responsáveis por

assegurarem a manutenção de urgências médico-cirurgicas ou polivalentes, a

enfrentarem as crescentes dificuldades sentidas na manutenção de uma oferta

permanente de apoio aos utentes da sua área de influência, devido ao

envelhecimento da população ativa de médicos14.

86. Sem prejuízo, em relação à criação da UML, a ARS LVT elencou expressamente

os seguintes objetivos gerais:

“- Criar condições para a concentração de recursos humanos/especialistas

médicos e utilização partilhada dos recursos disponíveis nos Serviços de

Urgência Polivalente (SUP) da ARSLVT.

- Concentrar especialidades mais diferenciadas num pólo ou dois pólos de SUP

em Lisboa, à noite, nomeadamente nos CHLN e CHLC.

- Privilegiar a deslocação dos profissionais em detrimento da deslocação dos

doentes sempre que possível e tecnicamente adequado.

- Considerar não apenas os recursos disponíveis mas também o impacte a

jusante dessa colaboração de recursos humanos/especialistas médicos,

nomeadamente no que diz respeito ao apoio a outras atividades da rede de

urgência e atividades programadas.

- Minimizar o recurso a horas extraordinárias ou de prevenção nas

escalas/equipas dos Serviços de Urgência.

- Favorecer a implementação de um modelo de equipas fixas na Urgência.

- Promover uma boa comunicação e articulação (reforçada) com os Serviços do

INEM, no sentido de haver uma adequada referenciação das situações

emergentes/urgentes.”15

87. Neste sentido, através da reorganização das urgências hospitalares noturnas, na

Área Metropolitana de Lisboa, a ARS LVT procurou colmatar o problema da falta

14

Cfr. documento da ARS LVT, intitulado “Urgência Metropolitana de Lisboa”, datado de 18 de julho de 2013, e disponível para consulta em http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/43511E66-06CF-43E7-9640-16ACF7C4BA25/0/UrgenciaMetropolitanaLVTrelatorio.pdf. 15

Ibidem.

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de recursos humanos disponíveis, com a menor ingerência possível no direito de

acesso dos utentes da região a cuidados de saúde diferenciados e especializados.

88. No que concerne à sua organização ou modo de funcionamento, desde 1 de julho

de 2014, a UML dispõe de dois pólos fixos permanentes – um no CHLN e outro no

CHLC – para as especialidades de oftalmologia, psiquiatria, otorrinolaringologia,

urologia, cirurgia plástica, cirurgia maxilo-facial e cirurgia vascular, que são

simultaneamente dois centros de trauma da região de Lisboa e Vale do Tejo.

89. Os sobreditos pólos asseguram, em exclusivo, os episódios de urgência das

mencionadas especialidades no período noturno (das 20h00m às 08h00m), sendo

auxiliados pelos restantes serviços de urgência da região, no período diurno

(portanto, entre as 08h00m e as 20h00m)16.

90. Em relação aos critérios de referenciação em vigor, e com relevo para a situação

sub judice, cumpre referir que, nas especialidades incluídas na UML, está previsto

que o CHLO referencie para o CHLN.

91. Conclui-se assim que, em geral, está assegurado o acesso dos utentes da área de

influência geográfica do CHLO à especialidade de oftalmologia, em situações de

urgência/emergência, vinte e quatro horas por dia.

92. Verifica-se, porém, que, durante o mês de agosto de 2015, devido à falta de

médicos disponíveis para fazerem serviço de urgência, ocorreu, no CHLO, um

desvio às regras gerais de funcionamento da UML, instituídas pela ARS LVT;

93. Isto porque, em vez de assegurar o serviço de urgência oftalmológica até às

20h00m, com recurso a uma equipa específica, em cumprimento da instrução da

ARS LVT, o CHLO só conseguiu assegurar o serviço até às 17h00m, através da

criação de uma consulta criada especificamente para esse efeito, com recurso a

médicos com idade superior a 50 anos.

94. A partir das 17h00m, os utentes eram encaminhados para o CHLN, alargando-se,

em três horas, o período diário de referenciação/transferência de utentes para a

UML (mais concretamente, para o CHLN).

95. Não obstante, atendendo, por um lado, ao facto de se tratar de uma situação

excecional e temporária, que visou colmatar um problema momentâneo de falta

recursos humanos, por motivos relacionados com o exercício do direito a férias dos

trabalhadores (in casu, médicos pertencentes aos quadros do CHLO),

16

In http://www.arslvt.min-saude.pt/uploads/document/file/1542/20_-_UML.pdf.

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considerando, por outro lado, que foram assegurados os direitos e interesses

legítimos dos utentes, e pressupondo ainda que a ARS LVT autorizou o referido

desvio às regras de funcionamento da UML e que o CHLN foi previamente

avisado, considera-se viável a solução que foi adotada pelo CHLO, pelo que não

se vislumbra, quanto à mesma, a necessidade de uma intervenção regulatória

acrescida por parte da ERS.

96. Acresce que, de acordo com os esclarecimentos dados à ERS pelo prestador, a

informação sobre a redução do horário de funcionamento da urgência de

oftalmologia do CHLO, durante o mês de agosto, encontrava-se afixada ao público

(cfr. verso de fl. 49 e fl. 55 dos autos).

97. Finalmente, segundo consta da própria participação da PSP de Lisboa, no caso

específico do denunciante, este foi pessoalmente informado pela assistente

técnica de que se deveria dirigir ao Hospital de Santa Maria – CHLN para ter

acesso aos cuidados de saúde de que necessitava, na valência de oftalmologia.

98. Hospital esse situado na mesma cidade, a pouco quilómetros de distância do

Hospital onde o utente se encontrava (HEM), e, por isso mesmo, em princípio, de

fácil acesso.

99. Nestes termos, conclui-se pela inexistência de um efetivo constrangimento ao

direito de acesso do utente R. aos cuidados de saúde hospitalares.

III.3.2. Do exercício do direito à reclamação e apresentação de queixa e do

tratamento dado às exposições dos utentes

100. De acordo com os factos narrados na participação da PSP de Lisboa, após ter

visto negada a sua pretensão de aceder a uma urgência oftalmológica no HEM, o

utente R. solicitou o livro de reclamações diretamente no balcão de atendimento do

serviço de urgência daquele Hospital, para manifestar o seu desagrado, contudo,

também esse seu pedido foi rejeitado pela assistente técnica que estava a fazer o

atendimento ao público;

101. Sendo que, posteriormente, o utente R. foi acompanhado pelo segurança do

HEM ao Gabinete do Utente, onde novamente lhe terá sido recusada a

apresentação do livro de reclamações;

102. Havendo indícios de que a situação só terá sido resolvida após a chegada da

polícia ao local (cfr. fls. 7 a 10 dos autos).

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103. Os factos em questão são, todavia, interpretados de forma diferente pelo

CHLO, que considera não ter havido recusa, “mas talvez algum atraso ou má

comunicação gerada entre o utente e a funcionária da admissão da Urgência

Oftalmológica” (cfr. fls. 47 a 48 e 51 a 53 dos autos)

104. A verdade, porém, é que, no mesmo ofício de resposta, o CHLO admite que a

regra consiste na entrega imediata do livro de reclamações, sempre que este seja

solicitado.

105. Neste sentido, independentemente de qualquer espécie de incompatibilidade

que se tenha gerado entre o utente R. e a assistente técnica do serviço de

urgência do HEM, esta nunca poderia ter recusado facultar-lhe o livro de

reclamações.

106. Com efeito, e conforme resulta do enquadramento jurídico supra exposto, o

direito à reclamação e apresentação de queixa é um direito que assiste, em geral,

a todos os consumidores e, portanto, também aos utentes, na qualidade de

consumidores de serviços de saúde;

107. E trata-se de um direito que pode ser exercido por qualquer pessoa,

independentemente do conteúdo e da pertinência da exposição que se pretenda

registar.

108. Assim, mesmo que a divergência entre ambos fosse de tal ordem que

justificasse a recusa da funcionária do serviço de urgência em falar com o utente, a

verdade é que, por força dos seus deveres profissionais, impunha-se que aquela

chamasse outro colaborador do Hospital que pudesse atender convenientemente o

utente e lhe possibilitasse exerce o seu direito à reclamação.

109. Ora, sucede que, segundo o relato constante da participação da PSP que está

na origem dos presentes autos, a funcionária em causa terá chamado um

segurança do HEM, que terá encaminhado o utente até ao Gabinete do Utente

(supostamente com competências e ferramentas específicas para assegurar a

articulação entre o prestador e os utentes), mas também aí o livro de reclamações

terá sido recusado ao utente R.

110. Verificando-se que aquele necessitou mesmo de chamar a polícia para

conseguir exercer o seu direito.

111. Nestes termos, concluiu-se que, no caso concreto, não foi respeitado o direito

do utente à reclamação e apresentação de queixa.

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112. Importando aqui frisar que não basta que os funcionários dos estabelecimentos

prestadores de cuidados de saúde estejam informados acerca do direito dos

utentes à reclamação e apresentação de queixa, mas é fundamental que eles

interiorizem a importância desse direito e assimilem as consequências (diretas e

indiretas) que podem derivar da sua violação.

113. Isto posto, e agora a propósito do tratamento que deve ser dado às

reclamações apresentadas em estabelecimentos prestadores de cuidados de

saúde, cumpre recordar que, de acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 30.º

dos Estatutos da ERS, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do

Regulamento da ERS n.º 65/2015, devem ser remetidas a esta Entidade

Reguladora, no prazo de 10 dias úteis, cópia das reclamações e queixas

apresentadas pelos utentes, bem como do seguimento que tenha sido dado às

mesmas, o que inclui o envio de cópia dos eventuais esclarecimentos que tenham

sido prestados aos reclamantes/queixosos.

114. No entanto, no caso em apreço, aquele prazo (de 10 dias úteis) não foi

observado.

115. De facto, apesar do utente R. ter registado a sua reclamação no livro de

reclamações do HEM, no dia 4 de agosto de 2015 (cfr. fls. 49 e 54 dos autos), o

CHLO só lhe remeteu uma resposta por ofício datado de 27 de outubro de 2015

(cfr. verso de fl. 50 e fl. 57 dos autos) e apenas inseriu a reclamação em causa no

SGREC da ERS a 12 de novembro de 2015 (cfr. fls. 60 a 63 dos autos).

116. No seguimento do exposto, e à luz das atribuições e competências da ERS,

justifica-se a emissão de uma instrução dirigida ao CHLO, de forma a garantir o

respeito pelo direito fundamental dos utentes à reclamação e apresentação de

queixa, nos termos do regime jurídico (legal e regulamentar) em vigor, com o

objetivo de evitar que situações idênticas à denunciada se repitam no futuro.

IV. DA AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS

117. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados,

nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código do

Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi da alínea a) do artigo 24.º dos

Estatutos da ERS, tendo sido chamado a pronunciar-se, relativamente ao projeto

de deliberação, o CHLO (cfr. fls. 78 e 79 dos autos).

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118. Já após o decurso do prazo legal concedido para o efeito, a ERS rececionou a

pronúncia do prestador, que foi enviada, primeiramente, por mensagem de correio

eletrónico, em 11 de janeiro de 2016, e depois por correio normal (cfr. fls. 80 e 81

dos autos).

119. A ERS não procedeu, contudo, à notificação do utente, porque dispunha de

informação anterior dos CTT sobre a alteração da morada do mesmo,

desconhecendo a sua nova morada.

120. Em sede de audiência dos interessados, o CHLO veio pronunciar-se nos

seguintes termos:

“[…]

(i) Estão disponíveis livros de reclamações nos vários locais de atendimento

deste Centro Hospitalar, nomeadamente secretariados, recepções e

admissões de doentes. Mais se informa que foi reforçada a informação junto

dos colaboradores que se deve garantir o respeito pelo direito fundamental à

reclamação que assiste a todos os utentes do sistema de saúde,

disponibilizando o livro de reclamações, sempre que solicitado, no momento

e no local da ocorrência;

(ii) Em todos os locais de atendimentos encontra-se informação afixada, em

local visível, sobre os direitos dos utentes à reclamação bem como a

existência de livro de reclamações;

(iii) Foi reforçada a informação sobre a necessidade de, após a apresentação da

reclamação, que a mesma seja, de imediato, remetida ao Gabinete do

Cidadão. As direções dos serviços têm informação sobre os prazos de

resposta. O Gabinete do Cidadão insere a exposição no SGREC (Sistema

de Gestão de Reclamações) e procede ao respetivo tratamento;

(iv) Está prevista, no plano de formação anual deste Centro Hospitalar,

formação na área de atendimento e comunicação. Os colaboradores dos

locais de atendimento têm conhecimento dos procedimentos a realizar após

a recepção de uma reclamação, tendo sido reforçado o princípio de direito

dos utentes à reclamação. Têm ainda informação sobre outros meios para

os utentes apresentarem reclamação (email ou correio). Para

esclarecimentos encontra-se sempre disponível do Gabinete do Cidadão,

para atendimento personalizado (horário de funcionamento: 09h00 às

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17h00, dias úteis) ou os respetivos contactos para esclarecimentos ou envio

de exposições. […]”

121. Os esclarecimentos acima transcritos foram considerados e ponderados pela

ERS.

122. Sucede que o CHLO não contestou nem o quadro factual, nem o quadro

jurídico apresentados pela ERS no seu projeto de deliberação.

123. Pelo contrário, o CHLO elencou um conjunto de medidas que terá adotado, em

conformidade com a instrução projetada, manifestando, dessa forma, a sua

intenção de cumprir a deliberação da ERS.

124. No entanto, não foram juntos aos autos elementos comprovativos das referidas

medidas.

125. Por esse motivo, e também porque importa assegurar a permanente

adequação do comportamento do CHLO, para que, no futuro, se possa aferir se as

medidas por ele adotadas efetivamente se coadunam com o objetivo da

intervenção regulatória da ERS, verifica-se a necessidade de manter integralmente

os termos da instrução, tal como projetada e regularmente notificada ao prestador

visado.

V. DECISÃO

126. Tudo visto e ponderado, o Conselho de Administração da ERS delibera, nos

termos e para os efeitos do preceituado nas alíneas a) e b) do artigo 19.º e na

alínea a) do artigo 24.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º

126/2014, de 22 de agosto, emitir uma instrução ao Centro Hospitalar Lisboa

Ocidental, E.P.E., nos seguintes termos:

(i) O Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, E.P.E., deve garantir o respeito pelo

direito fundamental à reclamação e apresentação de queixa que assiste a

todos os utentes do sistema de saúde, através da disponibilização imediata

do livro de reclamações, no momento e no local da ocorrência, sempre que

aquele seja solicitado, independentemente do conteúdo, da pertinência

e/ou da autoria da reclamação;

(ii) O Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, E.P.E., deve publicitar, em todos os

estabelecimentos hospitalares que o integram, informação sobre o direito

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dos utentes à reclamação e apresentação de queixa e a existência de um

livro específico para o efeito (o livro de reclamações);

(iii) O Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, E.P.E., deve adotar mecanismos

organizacionais internos com vista a assegurar o cumprimento do

procedimento de tratamento das reclamações que forem apresentadas nos

estabelecimentos hospitalares que o integram, nos termos do disposto nos

Estatutos da ERS e no Regulamento da ERS n.º 65/2015, onde se inclui a

obrigação de observar o prazo de 10 dias úteis para enviar à ERS cópia

das reclamações e queixas dos utentes, designadamente as constantes do

livro de reclamações, bem como do seguimento que tenha sido dado às

mesmas;

(iv) O Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, E.P.E., deve sensibilizar e dar

formação adequada a todos os seus colaboradores que fazem

atendimento ao público sobre:

i. o direito à reclamação e apresentação de queixa e a

necessidade de o respeitar, independentemente do conteúdo, da

pertinência e/ou da autoria da reclamação;

ii. as formas e os meios à disposição dos utentes para o efeito,

incidindo em especial, mas não em exclusivo, sobre o livro de

reclamações e o seu modo de preenchimento;

iii. o tratamento e seguimento que deve ser dado às reclamações

que foram apresentadas diretamente nos estabelecimentos

hospitalares, em observância do preceituado nos Estatutos da

ERS e no Regulamento da ERS n.º 65/2015;

(v) O Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, E.P.E., deve dar cumprimento

imediato à presente instrução, bem como dar conhecimento à ERS, no

prazo máximo de 30 dias após a notificação da decisão final, das medidas

adotadas para cumprimento do determinado nos pontos anteriores.

127. A instrução emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º 1 do

artigo 61.º dos seus Estatutos configura como contraordenação punível in casu

com coima de 1 000,00 EUR a 44 891,81 EUR, “[….] o desrespeito de norma ou de

decisão da ERS que, no exercício dos seus poderes regulamentares, de

supervisão ou sancionatórios, determinem qualquer obrigação ou proibição […]”.

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128. A versão não confidencial da presente deliberação será publicitada no sítio

oficial da ERS na Internet.

O Conselho de Administração.

Porto, 20 de janeiro de 2016.