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Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 387-391, jul/set, 1994 387 OPINIÃO / OPINION Desenvolvimento Econômico, Desigualdade e Saúde 1 Economic Development, Inequality, and Health Pedro Reginaldo Prata 2 PRATA, P. R. Economic Development, Inequality, and Health. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 387-391, Jul/Sep, 1994. The author refers to the social, economic, individual, and collective dimensions of the relationship between health and disease. He considers that individuals and populations are not equally exposed to protective and risk factors. He highlights the uneven development between nations and Brazilian regions, and communities, as well as discussing the relationship between development, wealth, health, and social justice. The article analyzes development theories and makes a distinction between economic development and growth. The concepts of development trap and social refugees are coined. The author defines a healthy community, points to the need for a shift in the current development model, and delineates the health sector’s role and limitations in dealing with social inequality. Key words: Development; Inequality; Health Status; Public Health INTRODUÇÃO A saúde, a doença e a morte apresentam uma dimensão individual e coletiva (distribuída no espaço e no tempo). Não sendo um acontecer estritamente biológico também apresentam relação com fatores socioeconômicos, culturais, ambientais e subjetivos. Além disso indivíduos e grupos populacionais estão desigualmente submetidos a fatores protetores e de risco. Virchow, por exemplo, (mais conhecido no meio médico por sua obra: “Patologia Celular” de 1860) também escreveu sobre a desigualdade na distribuição e consumo, do que ele chamou de recursos sociais, como determinantes da saúde e doença, Waitzkin (1981). Um interessante e dramático exemplo do determinante social da morte é encontrado no naufrágio do navio S. S. Titanic, no Atlântico Norte, na madrugada de 15 de abril de 1912: embora a tragédia da morte inesperada pareces- se ser conseqüência de uma fatalidade inevitá- vel e acidental, as chances de sobrevivência não foram iguais para todos os passageiros. Na primeira classe houve 62% de sobreviventes, na segunda 41% e na terceira somente 25%. Hall (1986) concluiu que os fatores relevan- tes para explicar o diferencial por classe foram: a localização dos botes salva-vidas no convés onde a primeira e a segunda classe se localiza- vam; uma política por parte da tripulação de cuidar, preferencialmente, dos passageiros da primeira e da segunda classe (negligenciando os da terceira que só encontraram o caminho para o convés dos botes salva-vidas por tentativa e erro) e finalmente, alguma exclusão (embora não-sistemática) por membros da tripulação, dos passageiros da terceira classe do convés onde estavam os botes salva-vidas. O caso do Titanic exemplifica o que acon- tece com as populações em nossa sociedade: as pessoas são “escolhidas” para morrer por esta- rem submetidas a um risco diferencial de mortalidade, relacionado com as condições ambientais do lugar onde vivem, com suas condições de trabalho, o seu status socioeconô- mico, educacional e com a distribuição desigual dos recursos à que têm acesso. Portanto estão posicionadas com acesso desigual ao “bote salva-vidas do convés social”. 1 Trabalho apresentado na Conferência Internacional Sobre Meio Ambiente, Desenvolvimento e Saúde, Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz. 1 Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal da Bahia. Rua Padre Feijó, 29, 4º andar, Salvador, Bahia, 40113-170, Brasil.

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  • Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 387-391, jul/set, 1994 387

    OPINIÃO / OPINION

    Desenvolvimento Econômico, Desigualdade e Saúde 1

    Economic Development, Inequality, and Health

    Pedro Reginaldo Prata 2

    PRATA, P. R. Economic Development, Inequality, and Health. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10

    (3): 387-391, Jul/Sep, 1994.

    The author refers to the social, economic, individual, and collective dimensions of the relationship between

    health and disease. He considers that individuals and populations are not equally exposed to protective and

    risk factors. He highlights the uneven development between nations and Brazilian regions, and communities,

    as well as discussing the relationship between development, wealth, health, and social justice. The article

    analyzes development theories and makes a distinction between economic development and growth. The

    concepts of development trap and social refugees are coined. The author defines a healthy community,

    points to the need for a shift in the current development model, and delineates the health sector’s role and

    limitations in dealing with social inequality.

    Key words: Development; Inequality; Health Status; Public Health

    INTRODUÇÃO

    A saúde, a doença e a morte apresentam umadimensão individual e coletiva (distribuída noespaço e no tempo). Não sendo um acontecerestritamente biológico também apresentamrelação com fatores socioeconômicos, culturais,ambientais e subjetivos. Além disso indivíduose grupos populacionais estão desigualmentesubmetidos a fatores protetores e de risco.Virchow, por exemplo, (mais conhecido no meiomédico por sua obra: “Patologia Celular” de1860) também escreveu sobre a desigualdade nadistribuição e consumo, do que ele chamou derecursos sociais, como determinantes da saúdee doença, Waitzkin (1981).

    Um interessante e dramático exemplo dodeterminante social da morte é encontrado nonaufrágio do navio S. S. Titanic, no AtlânticoNorte, na madrugada de 15 de abril de 1912:embora a tragédia da morte inesperada pareces-

    se ser conseqüência de uma fatalidade inevitá-vel e acidental, as chances de sobrevivência nãoforam iguais para todos os passageiros. Naprimeira classe houve 62% de sobreviventes, nasegunda 41% e na terceira somente 25%.

    Hall (1986) concluiu que os fatores relevan-tes para explicar o diferencial por classe foram:a localização dos botes salva-vidas no convésonde a primeira e a segunda classe se localiza-vam; uma política por parte da tripulação decuidar, preferencialmente, dos passageiros daprimeira e da segunda classe (negligenciandoos da terceira que só encontraram o caminhopara o convés dos botes salva-vidas portentativa e erro) e finalmente, alguma exclusão(embora não-sistemática) por membros datripulação, dos passageiros da terceira classe doconvés onde estavam os botes salva-vidas.

    O caso do Titanic exemplifica o que acon-tece com as populações em nossa sociedade: aspessoas são “escolhidas” para morrer por esta-rem submetidas a um risco diferencial demortalidade, relacionado com as condiçõesambientais do lugar onde vivem, com suascondições de trabalho, o seu status socioeconô-mico, educacional e com a distribuição desigualdos recursos à que têm acesso. Portanto estãoposicionadas com acesso desigual ao “botesalva-vidas do convés social”.

    1 Trabalho apresentado na Conferência Internacional

    Sobre Meio Ambiente, Desenvolvimento e Saúde, Rio de

    Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz.1 Departamento de Medicina Preventiva da Universidade

    Federal da Bahia. Rua Padre Feijó, 29, 4º andar,

    Salvador, Bahia, 40113-170, Brasil.

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    Prata, P. R.

    Este processo, silencioso, não é comumentepercebido. Engels (1984: 61), por exemplo,ressaltou que:

    “quando um indivíduo fere mortalmentealguém, o seu ato é chamado de assassinato;mas quando a sociedade coloca centenas depessoas em tal situação que por não poderemsobreviver adequadamente, morremprematuramente e ainda permite que estascondições assim permaneçam, isto também éassassinato. Entretanto ninguém pode ver oassassino porque a morte parece natural”.

    Ainda Engels (1973) utilizando-se de dadosde Manchester (Inglaterra) concluiu que a taxade mortalidade era inversamente relacionadacom a classe social, não somente na cidadecomo um todo, mas também dentro de bairrosespecíficos. Quase um século e meio depoisTowsend & Davidson (1982) também estuda-ram as desigualdades em saúde na Inglaterra econcluíram existir um diferencial de mortalida-de relacionado com as classes sociais (em últimainstância, com as relações de produção).

    Embora a organização da produção geredesigualdades, classe social pode ser considera-da apenas uma dimensão da mortalidade desi-gual. Wood & Carvalho (1988), por exemplo,chamam a atenção para o fato dos modos deprodução econômica e de reprodução humanainteragirem para determinar a estrutura demo-gráfica da população (sua fertilidade, mortalida-de e migração).

    A estratificação social pode ser, portanto,identificada por outras dimensões além daclasse social propriamente dita: pelas desigual-dades resultantes do acesso diferenciado arecursos socioeconômicos, educacionais e aopoder político; pelas diferenças étnicas, religio-sas e de sexualidade; pela exposição desigual afatores ambientais e geográficos. Também,segundo Vaitsman (1992), como resultante demicrorrelações de poder ao nível da família einstituições (escolas, serviços de saúde etc). Adiversidade de uma dimensão coletiva: sócio-cultural e de uma dimensão individual: genéti-ca, psíquica e subjetiva, complementam oquadro da desigualdade.

    DESENVOLVIMENTO, DESIGUALDADEE SAÚDE

    A economia política da saúde leva em consi-deração a existência de relações econômicasque criam desigualdades na renda, na riqueza ena saúde em particular. O conceito de desi-gualdade referencia a relação entre desenvolvi-mento e justiça social, estando relacionado coma distribuição de renda, educação, moradia,serviços (serviços de saúde, abastecimento deágua e saneamento ambiental), acesso ao em-prego, a bens de consumo, à terra, bem comoao poder de decisão e de influência social.

    O desenvolvimento tem sido marcado pordesigualdades históricas ao longo do tempoentre nações, entre regiões dentro de um mesmopaís e entre grupos populacionais. Esta históriatem sido também um processo durante o qualindivíduos, comunidades, grupos sociais intera-gem coletivamente com o objetivo de melhoraras suas condições de vida, procurando conse-qüentemente sobrepor-se à injustiça e às dispa-ridades, encontrando as suas própriasestratégias de sobrevivência.

    A ênfase brasileira no crescimento econô-mico como o maior objetivo do de-senvolvimento, levando a altos níveis deindustrialização e urbanização, teve comoresultado uma sociedade profundamentedesigual, com uma grande distância entre osque possuem e os despossuídos, uma profundadesigualdade no desenvolvimento regional ena distribuição da renda e riqueza resultantedeste crescimento.

    Visto este quadro pelo ângulo otimista dateoria da modernização, as desigualdades so-ciais deveriam simplesmente diminuir depoisde um período de transição para amodernidade, de tal forma que segundo Wood& Carvalho (1988: 16):

    “a pobreza crescente e persistente seria ocusto necessário do estágio primeiro dodesenvolvimento. A pobreza generalizada eas disparidades entre uma elite afluente e oresto da população deveriam ser vistas comocaracterísticas inevitáveis, ainda quetransitórias, do processo de desenvolvimento”.

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    Desenvolvimento Econômico

    Em contraste, a teoria da dependência econô-mica desenvolvida por Cardoso (1973), argu-menta que o desenvolvimento quandodependente exacerba as desigualdades. O rápidodesenvolvimento econômico não teria na Amé-rica Latina, o mesmo resultado daquele encon-trado nos países mais desenvolvidos, devido aocontrole da economia Latino Americana pelaintrodução externa de tecnologias de capitalintensivo. É também importante considerar quea revolução industrial na Europa se deu juntocom a exploração colonial do mundo não-Europeu e que a concentração de capital nomundo industrializado levou, depois do colonia-lismo, ao imperialismo, quando as companhiasmultinacionais passaram a investir no exteriorpara expandir lucros e acumular poder político.

    Entretanto, a concepção de um desenvolvi-mento relacionado com o atendimento denecessidades sociais básicas vem desviando aênfase no crescimento econômico para o bem-estar social. De acordo com Grosse & Harkavy(1980) a imediata redistribuição de renda erecursos para combater a pobreza rural e urbanatornar-se-ia, neste caso, prioritária, já que comoargumenta Seers (1969) se a pobreza, o de-semprego e as desigualdade se agravam, seriaincoerente chamar este resultado dedesenvolvimento mesmo quando a renda percapita tenha dobrado.

    No entanto, da mesma forma que a teoria dadependência econômica, esta concepção nãoconsidera os interesses enraizados das elites,das próprias nações em desenvolvimento, quese beneficiam do processo de modernizaçãoque, entretanto, sofre o impacto negativo destemodelo de desenvolvimento.

    Além disso, atualmente, a dívida externaprecisa ser também considerada como ummecanismo de dependência e de impedimentodo desenvolvimento social. A título de exemplovale mencionar que de acordo com o BancoCentral, nos últimos dez anos (1983 a 1992)ingressaram no país aproximadamente U$ 62bilhões e foram desembolsados U$ 130 bilhões.Apesar te terem sido pagos U$ 67 milhões a maisdo que foram recebidos, a dívida cresceu de U$93 milhões para U$ 135 bilhões de dólares.

    Este processo leva a uma situação na qual amodernização por si mesma não é capaz de

    gerar bem-estar social e equidade, o que poderí-amos chamar de armadilha do desenvolvi-mento. A prevista transição advogada pelateoria da modernização não resultaria,portanto, em justiça social sem mudanças nopróprio modelo de desenvolvimento.

    Esta desigualdade pode ser ilustrada pelamagnitude do fluxo migratório ocorrido noBrasil. O êxodo rural seja para as fronteirasagrícolas ou para o industrializado Sudeste,correspondeu a 1,3 milhão de pessoas por anodurante os anos sessenta e a 1,7 milhão duranteos anos 70.

    No Nordeste, por exemplo, deveu-se princi-palmente a fatores de estagnação econômica,de onde as pessoas migraram, geralmente parao Sudeste atraídas pelo processo de industriali-zação. Já no Sul, a partir dos anos 70, o fluxomigratório se deu principalmente para as novasfronteiras agrícolas da região Centro-Oeste eNorte, devendo-se não a fatores de estagnação,mas sim a fatores de mudança na estrutura daprodução agrícola no Sul, resultando pelaprimeira vez, na região, um fluxo de agriculto-res sem terra para as novas fronteiras da regiãoAmazônica (como Mato Grosso e Rondônia).

    Esses refugiados sociais (graças a um desen-volvimento desigual, injusto e aético) migrampor não terem como manter a sua subsistência.Adotam, portanto, uma estratégia de sobrevi-vência, embora deixem para trás importantes eestruturantes referências sócioculturais. Estesmais uma vez sofrerão riscos diferenciados emaiores de adoecer e morrer prematuramente.

    A maioria dos que migram para o Sudesteapesar de estarem em uma região com melhorinfra-estrutura de serviços, sofrem um riscodiferenciado de adoecer por viverem, principal-mente, em favelas e loteamentos periféricos, comprecariedade ambiental e de serviços. Já na regiãoNorte, tomando como exemplo o que ocorreuno pólo de desenvolvimento Grande Carajás (naregião Amazônica de Tucuruí), estudospreliminares feitos por Prata & Costa (1988)mostraram que além de um aumento damortalidade no grupo etário com menos de cincoanos, houve também uma mudança no pico demortalidade: do grupo etário com mais de 50anos, para o grupo economicamente ativo (de15 a 49 anos) onde ocorreram 82% das

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    mortes. As principais causas de morte foram:doenças infecciosas e causas externas. A mi-gração de populações suscetíveis, o desequilí-brio ecológico e violentos conflitos sociaisparecem ter sido a principal razão para estenovo padrão de mortalidade.

    Assim o resultado dos chamados projetos dedesenvolvimento e colonização tem sido umarede de devastação e morte prematura. Wood& Carvalho (1988) concluíram que para os agri-cultores pobres a esperança de um futuro pro-missor na Amazônia desapareceu, na medidaem que a região reflete progressivamente asdesigualdades que marcam o resto da sociedadebrasileira. O impacto desta realidade na saúdeda população é o resultado da forma como vemocorrendo a ocupação humana nestas regiões.

    Um indicador da persistente desigualdadequalitativa e quantitativa do desenvolvimentono Brasil pode ser encontrado no processo detransição epidemiológica diferenciada quevem-se dando no Brasil e suas regiões,conforme ilustrado por Prata (1992).

    É importante ter em mente as implicaçõesde todos estes fatores (históricos, políticos e eco-nômicos) como determinantes das existentesdesigualdades no bem-estar, na saúde e namortalidade entre aqueles beneficiados pelocrescimento econômico e aqueles mantidos asua margem.

    CONCLUSÃO

    A economia clássica deu ênfase ao papel daacumulação de capital no desenvolvimentoeconômico e pouca atenção aos aspectos huma-nos e sociais. Uma grande proporção da popula-ção que vive em regiões mais pobres ou emáreas pobres de regiões mais ricas, estão maissuscetíveis a doenças e a morte prematura. Aconcepção de que as doenças podem ser umentrave ao crescimento econômico, não levaem consideração que a pobreza é também oresultado de um desenvolvimento desigual.

    A demografia clássica (neomalthusiana), poroutro lado, procura identificar, unila-teralmente, a pobreza como conseqüência doaumento populacional. Na verdade, a misériaestá muito mais relacionada com a inequidadeda distribuição da riqueza entre nações, regiõese grupos populacionais.

    É interessante também ressaltar que é fre-qüente o debate sobre o papel das ações de saúdepública no declínio da mortalidade, em situaçõesde subdesenvolvimento econômico. Quandonão acompanhada pela queda da natalidade temcomo conseqüência o aumento populacional,diminuindo a renda per capita e segundo King(1990), tornando a equidade ainda mais difícilde ser alcançada no futuro. Este problema, deforte conotação política e ética, traz paradiscussão a polêmica conclusão de que amelhoria nos coeficientes de mortalidade, emsituação econômica adversa, pode resultar emmais subdesenvolvimento, piora da qualidadede vida e insustentabilidade social e ambiental.

    Se a relação crucial entre pobreza, saúde edoença é estrutural, a questão fundamental,tendo-se em mente que cuidados médicos nãosignificam necessariamente melhor estado desaúde, é saber o papel das políticas de saúde naerradicação da miséria socialmente induzida etolerada, bem como de suas conseqüências.

    Conforme salientou Mburu (1983), uma boaestratégia é a existência de programas integra-dos. Além disso, os serviços de saúde podemcontribuir para atacar o ciclo pobreza-doença-sofrimento, assumindo como sua responsabili-dade específica a preocupação com os efeitosdas doenças e suas conseqüências adversas(Blaxter, 1983).

    Temos, como observaram Jong & Rutten(1983), de um lado os meios e métodos parapromover a saúde e de outro as desigualdadesno desenvolvimento em geral e na saúde emparticular. O objetivo, portanto, deve ser o deequalizar o quanto possível o estado de saúdeda população, dando prioridade àqueles quemais necessitam, uma vez que como foi salien-tado anteriormente o crescimento econômiconão é capaz de trazer bem-estar social por si só.É preciso levar em consideração quem de fatose beneficia do desenvolvimento. Grosse (1980:165) constata:

    “O crescimento da renda nacional é umaútil medida de potencial para odesenvolvimento. Não é por si mesmodesenvolvimento do potencial humano,também não há uma correspondência entrecrescimento da renda e melhoria decondições de vida”.

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    Desenvolvimento Econômico

    É possível observar que se o amplo contextoda desigualdade na sociedade não é resolvido,a luta pela equidade na saúde se torna umprocesso isolado e interminável. Uma comuni-dade saudável seria, portanto, aquela que fossecapaz de identificar e entender os deter-minantes e condicionantes da desigualdade, damiséria, de um meio ambiente insalubre, dasdoenças e do sofrimento entre os seusmembros; sendo também capaz de construiros meios de superação destes problemas,criando um desenvolvimento sustentável quedê suporte à uma vida saudável e digna.

    RESUMO

    PRATA, P. R. Desenvolvimento Econômico,Desigualdade e Saúde. Cad. Saúde Públ., Riode Janeiro, 10 (3): 387-391, jul/set, 1994.

    O autor se refere a dimensãosocioeconômica, individual e coletiva dofenômeno saúde-doença. Refere-se tambémao fato das populações estarem sobre ainfluência desigual de fatores de risco e deproteção à saúde. Discute as desigualdades nodesenvolvimento e a relação entredesenvolvimento, riqueza, saúde e justiçasocial. Questiona as teorias dedesenvolvimento econômico, diferenciandodesenvolvimento de crescimento. Cunha osconceitos de armadilha do desenvolvimentoe refugiados sociais. Define uma comunidadesaudável. Propõe a necessidade de mudançano modelo de desenvolvimento. Baliza opapel e as limitações do setor saúde no quediz respeito a iniqüidade social.

    Palavras-Chave: Desenvolvimento;Desigualdade; Saúde Coletiva; Nível de Saúde

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