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PAULA SALVE PELLEGRINETTI JUNQUEIRA
DIFICULDADES ESCOLARES: PERCEPÇÕES DAS FAMÍLIAS E DOS
EDUCADORES
CAMPINAS
2015
ii
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Ciências Médicas
PAULA SALVE PELLEGRINETTI JUNQUEIRA
DIFICULDADES ESCOLARES: PERCEPÇÕES DAS FAMÍLIAS E DOS
EDUCADORES
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Saúde,
Interdisciplinaridade e Reabilitação, área de concentração
Interdisciplinaridade e Reabilitação.
ORIENTADORA: Profª Drª Adriana Lia Friszman De Laplane
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA
ALUNA PAULA SALVE PELLEGRINETTI JUNQUEIRA,
E ORIENTADO PELA PROFª DRª ADRIANA LIA
FRISZMAN DE LAPLANE.
_____________________
Assinatura da Orientadora
CAMPINAS
2015
iv
v
vi
vii
RESUMO
A grande quantidade de alunos que apresenta dificuldades no processo de alfabetização
motivou este estudo, que teve como objetivo geral a identificação e compreensão das
queixas escolares e os fatores associados a elas na escola pública. Por meio de um estudo
qualitativo, buscou-se também identificar e compreender a visão dos docentes e familiares
com relação a estas queixas e alunos para assim desenvolver possíveis intervenções e
orientações dentro deste contexto. Identifica-se a necessidade da compreensão de que o
fracasso escolar, decorrente da dificuldade de aprendizagem, deve ser enxergado em sua
multifatoriedade e principalmente dentro de seu contexto de relações. Os sujeitos desta
pesquisa foram oito docentes das turmas de Ensino Fundamental I de uma instituição de
ensino pertencente à rede pública, 21 alunos por elas selecionados devido à queixa escolar,
de ambos os sexos (15 meninos e seis meninas), na faixa etária de sete a nove anos e 22
responsáveis por esses alunos. Foram realizadas entrevistas com os responsáveis, reuniões
informativas com as professoras e observações no contexto de sala de aula, visando
conhecer as relações professor e aluno, aluno e escola, aluno e família e família e escola,
assim como a identificação dos possíveis fatores associados ao processo de aprendizagem e
suas dificuldades. A contribuição teórica da abordagem Sócio-Histórica foi utilizada como
base para a compreensão desses fatores. Os resultados do estudo sugerem que uma
compreensão multifacetada das dificuldades de aprendizagem, que extrapole os aspectos
técnicos do conhecimento específico e incorpore dados da história, identidade e contexto de
desenvolvimento podem ser úteis para o planejamento de atividades pedagógicas.
Palavras-chave: Aprendizagem; Dificuldade de aprendizagem; Ensino público;
Professores; Família.
viii
ix
ABSTRACT
The large number of students with difficulties in the literacy process motivated this
study, the general purpose of which was to identify and understand school complaints and
factors associated with them in a public school. Using a qualitative study, the purpose was
also to identify and understand the family's and the teachers’ perceptions of the students
and their school complaints to develop possible interventions and guidelines within this
context. The study identifies the need to understand that academic failure due to learning
difficulties must be seen from a multifactorial perspective and especially in the context of
relationships. The subjects of this study were eight teachers from public Elementary School
classes as well as a group of 21 students (15 boys and six girls aged seven to nine years old)
selected by these teachers based on school complaints. The study also included 22 legal
guardians of these students. Interviews were done with the legal guardians, informational
meetings were held with the teachers, and participant observation was done on the context
of the classroom, in an effort to become familiar with the different relations within this
context (teacher-student, student-school, student-family and family-school) and of
identifying possible factors associated with the students’ learning process and their
difficulties. The theoretical contribution of the Socio-Historical approach was used as the
basis for understanding these factors. The results of the study suggest that it may be useful
to plan educational activities using a multifactorial understanding of learning difficulties,
which extrapolates the technical aspects of specific knowledge and incorporates historical
data, identity and the context of development.
Keywords: Learning; Learning disabilities; Public education; Teachers; Family.
x
xi
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ................................................................................................................. xiii
LISTA DE QUADROS ................................................................................................................. xv
LISTA DE TABELAS ................................................................................................................ xvii
LISTA DE GRÁFICOS ................................................................................................................ xix
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1
1.1. A DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM E O FRACASSO ESCOLAR ..................... 2
1.2. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM PAUTA: .......................................... 6
1.3. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM ......................................................................... 16
1.4. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NO ÂMBITO EDUCACIONAL .................... 20
1.4.1 Aquisição da leitura e escrita
1.4.2. Aspectos cognitivos e emocionais no processo de aprendizagem e papel do
erro neste processo.
2. OBJETIVOS ............................................................................................................................. 35
2.1. Objetivo Geral ................................................................................................................. 35
2.2. Objetivos Específicos ..................................................................................................... 35
3. METODOLOGIA ..................................................................................................................... 37
3.1. Participantes .................................................................................................................... 37
3.2. Procedimentos, Coleta e Análise de Dados .................................................................... 38
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................................. 41
4.1. Caracterização dos alunos ............................................................................................... 42
4.2. Caracterização do contexto familiar ............................................................................... 47
4.3. Caracterização das professoras e suas percepções .......................................................... 68
xii
4.4. Observações das práticas pedagógicas............................................................................ 71
4.4.1. Relato de experiência - O ano letivo de 2013
4.5. Percepções das famílias sobre as crianças com dificuldades escolares .......................... 84
4.5.1. A queixa escolar
Aspectos comportamentais, afetivos e emocionais das crianças
5. CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 121
6. REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 125
APÊNDICE I ............................................................................................................................. 137
APÊNDICE II .............................................................................................................................. 139
APÊNDICE III ............................................................................................................................ 141
xiii
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço aos meus pais por todo apoio diário (físico, intelectual e
emocional) e por me proporcionarem todas as condições necessárias para que eu consiga
alcançar meus objetivos. São meus maiores exemplos de amor, carinho e educação, assim
como também de persistência, garra e luta pelos sonhos.
Aos meus familiares e amigos, que a todo o momento me animaram, estimularam e
torceram por mim.
À minha orientadora, professora Adriana Lia Friszman de Laplane pelos
ensinamentos, assim como pela paciência e compreensão das minhas dificuldades durante
todo o processo de aprendizagem, tanto no aprimoramento profissional quanto no mestrado.
Às professoras: Ivani Rodrigues Silva, pelo incentivo, apoio e ensinamentos durante
a minha atuação no Programa de Estágio de Docência; Maria Sílvia Pinto de Moura
Librandi da Rocha e Cecília Guarnieri Batista pelas contribuições, aprendizado e atenção
oferecidos durante o exame de qualificação, assim como também da defesa e conclusão do
mestrado.
À escola que me acolheu como parte de sua equipe durante todo o momento da
pesquisa, assim como os responsáveis e alunos participantes da mesma.
xiv
xv
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Apresentação dos alunos e responsáveis participantes da pesquisa ............................ 42
Quadro 2. Caracterização das professoras participantes da pesquisa ........................................... 68
Quadro 3. Caracterização comportamental e das dificuldades do aluno descritas pelas
docentes das turmas do 3º ano A e D e 5º ano B ........................................................................... 69
Quadro 4. Caracterização comportamental e das dificuldades dos alunos descrita pelas
docentes das turmas do 1º ano D, 2º ano A, B e C ........................................................................ 70
xvi
xvii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Distribuição dos alunos por gênero e idade no período das entrevistas. ...................... 43
Tabela 2. Composição das residências: com quem moram as crianças ........................................ 47
Tabela 3. Composição das residências: com quem moram as crianças ........................................ 49
Tabela 4. Alfabetização autodeclarada dos responsáveis ............................................................. 57
Tabela 5. Ajuda nas tarefas escolares, segundo depoimento dos familiares ................................ 59
Tabela 6. Contato do aluno com a leitura e escrita fora do contexto escolar, segundo o
relato dos responsáveis .................................................................................................................. 63
Tabela 7. Descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, segundo o relato dos
responsáveis ................................................................................................................................... 84
Tabela 8. Distribuição dos alunos por gênero e queixa, segundo o relato dos responsáveis ....... 92
Tabela 9. Como a criança enxerga suas dificuldades, segundo o relato dos responsáveis ......... 111
Tabela 10. Postura do aluno perante notas baixas e provas, segundo o relato dos
responsáveis ................................................................................................................................. 113
Tabela 11. “O aluno gosta da escola?” – Segundo o relato dos responsáveis ............................ 118
xviii
xix
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Distribuição dos alunos por gênero e idade no período das entrevistas. ..................... 43
Gráfico 2. Acompanhamentos terapêuticos e educacionais fora do contexto escolar .................. 46
Gráfico 3. Composição das residências: com quem moram as crianças ...................................... 48
Gráfico 4. Composição das residencias: com quem moram as crianças ...................................... 50
Gráfico 5. Alfabetização autodeclarada dos responsáveis ............................................................ 58
Gráfico 6. Ajuda nas tarefas escolares, segundo depoimento dos familiares ............................... 59
Gráfico 7. Contato do aluno com a leitura e escrita fora do contexto escolar, segundo
depoimento dos familiares ............................................................................................................. 64
Gráfico 8. Descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, segundo depoimento dos
familiares. ...................................................................................................................................... 85
Gráfico 9. Distribuição dos alunos por gênero e queixa ............................................................... 93
Gráfico 10. Como a criança enxerga suas dificuldades ............................................................. 111
Gráfico 11. Postura do aluno perante notas baixas e provas ...................................................... 113
Gráfico 12. O aluno gosta da escola? ......................................................................................... 118
xx
1
1. INTRODUÇÃO
Desde os anos de graduação em Psicologia, o interesse nos processos de
aprendizagem e o modo como eles ocorrem nas instituições de ensino têm se tornado meus
objetos de estudo para aprimoramento profissional. Antes de iniciar os estudos de mestrado,
elaborei dois trabalhos que têm relação com o tema: no curso de aprimoramento
profissional em Psicologia do Desenvolvimento minha monografia abordou o tema “queixa
escolar” em um levantamento da distribuição da demanda de pacientes com queixa escolar
atendidos em um serviço de atendimento da rede pública de saúde. Em um segundo
momento da minha formação, na minha especialização profissional em Psicopedagogia, o
meu trabalho de conclusão de curso foi elaborado a respeito de um relato de experiência de
atendimentos psicopedagógicos de quatro alunos com queixa de dificuldade de
aprendizagem, de uma instituição de ensino da rede pública.
A presente pesquisa concretiza, no contato com a realidade educacional no
cotidiano da escola pública a busca de conhecimento motivada pela presença, nesse
ambiente, de alunos com queixas escolares que envolvem a aprendizagem e o
comportamento. Nesse sentido, pretende-se investigar os fatores associados a essas queixas,
assim como também o contexto no qual ocorrem: as formas de funcionamento da escola, a
sua organização, as relações professor e aluno e a visão da família em relação aos alunos e
à escola.
Algumas das perguntas que surgiram neste contato com a realidade da educação
brasileira da rede pública de ensino, dizem respeito ao modo como as dificuldades de
aprendizagem na escola são identificadas e quais são as estratégias que os professores e
gestores utilizam para lidar com elas.
A dificuldade de aprendizagem é um tema estudado já há algumas décadas por
inúmeros autores, que pretendem entendê-lo, explicá-lo e desenvolver soluções para os
problemas nessa área. A compreensão do processo de aprendizagem em si e seus fatores
associados são questões experienciadas e inspiradoras para muitos autores, assim como
para o desenvolvimento desta pesquisa.
2
1.1. A DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM E O FRACASSO
ESCOLAR
Na busca por uma definição do termo dificuldade de aprendizagem, deparei-me
com muitas teorias, diferentes abordagens e inúmeros estudos. Compreende-se que com o
surgimento de alunos com dificuldades de aprendizagem, do fracasso escolar e das queixas
escolares em geral, foram desenvolvidas diferentes teorias para explicar e interpretar tais
fenômenos.
As primeiras explicações e visões, descritas nos trabalhos de Corrêa1 e Patto
2, são as
provenientes da área médica. Posteriormente, apareceram as visões da psicologia, da
psicanálise e, também, da sociologia.
Nas primeiras explicações produzidas no final do século XVIII e no século XIX,
advindas da visão médica com contribuições da neurologia, neurofisiologia e da
neuropsiquiatria, os alunos eram vistos como doentes e anormais, destacando as causas do
fracasso escolar como derivadas de distúrbios de aprendizagem, atribuídos às anomalias
genéticas e orgânicas1, 2
. Corrêa1 faz uma crítica a esta visão e afirma que ela gerou a
patologização do aprender, propiciando a rotulação dos alunos e a conseqüente
classificação e discriminação segundo uma hipotética capacidade de aprender. A concepção
de aprendizagem inatista As concepções inatistas embasavam essa abordagem, e afirmavam
que o problema ocorria na maturação do sistema nervoso central, justificando o não-
aprender na origem genética, o que contribuiu para a exclusão destes alunos. Apesar disso,
a autora argumenta o fato de que para aprender, o indivíduo precisa ter um organismo bem
estruturado como um todo. Essa questão ainda é bastante discutida em obras atuais,
considerando que a medicalização e patologização do aprender, ainda não foram superadas.
Com grande influência da física, da química e da biologia, tanto no que se refere aos
métodos utilizados como às relações entre os aspectos psicológicos e orgânicos, a
psicologia experimental surgiu no final do século XVIII, na Europa. Essa visão psicológica
teve como objetivo central a compreensão das ligações estruturais nas diferentes funções
cerebrais e também a medição dos eventos psicológicos. No século XIX, tais estudos
possibilitaram a criação dos primeiros laboratórios de psicologia e pesquisas1, 2
.
3
Neste período, com a psicometria do pedagogo e psicólogo Alfred Binet foram
desenvolvidos testes de inteligência, os quais objetivaram determinar a variação das
faculdades mentais nos indivíduos. A partir de então, estudiosos da psicologia buscaram
compreender as relações entre o desempenho nessas provas, a aprendizagem e suas
dificuldades, juntamente com profissionais das áreas da medicina, sociologia e
antropologia. Autores de estudos da psicologia e da pedagogia passam a se complementar
para interpretar e entender a natureza humana, mas, assim como na visão médica, essas
duas áreas atribuem as razões do fracasso escolar ao aluno que não consegue aprender.
Enquanto a visão médica apresentou como causa principal das dificuldades de
aprendizagem, a disfunção cerebral, autores da psicologia situaram-a na deficiência
cognitiva, denominando-a: déficit intelectual ou inaptidão (p.39) 1
.
Ainda no campo da psicologia, a visão psicanalítica, criada pelo médico e
especialista em neurologia Sigmund Freud revolucionou o pensamento a partir do século
XIX. Segundo Corrêa1 e Patto
2, estudiosos com base nesta teoria, trouxeram uma nova
visão de saúde mental para a compreensão do fracasso escolar. A criança que apresentava
problemas de ajustamento ou aprendizagem, que anteriormente na visão médica era vista
como anormal e doente, passou a ser designada como a criança problema/problemática.
Esta nova visão procurou as causas psíquicas das doenças, voltando-se assim para o
ambiente sócio-familiar em busca das causas dos desajustes infantis. O insucesso escolar
era advindo de causas “físicas até as emocionais e de personalidade, passando pelas
intelectuais” (p.421; p.44
2).
Essa visão acrescentou o ambiente familiar às causas de problemas na infância, mas,
apesar disso, ela também contribuiu para a culpabilização da criança. Essas perspectivas
apontam que o aluno inibe seu processo de aprendizagem em situações de conflito com a
escola e a família. Esse comportamento expressaria a presença de mecanismos de defesa.
Compreende-se assim que o foco é deslocado das funções biológicas e intelectuais, para o
campo afetivo, incluindo os problemas familiares e individuais1, 2
.
Por fim, Corrêa1 e Patto
2 descrevem em seus estudos a visão sociológica. Esta visão,
nas primeiras décadas do século XX, questionou o predomínio de resultados pouco
satisfatórios obtidos por alunos pobres e/ou negros nos testes psicológicos e atribuiu esse
4
desempenho às desigualdades sociais, às diferenças raciais e à influência da cultura no
processo de aprendizagem, considerando como causa do fracasso escolar, a privação
cultural. Essa visão, criticada por Patto2, expõe que as condições ambientais desfavoráveis
propiciariam uma deficiência no desenvolvimento psicológico do indivíduo. As críticas à
teoria da privação cultural apontam para a desvalorização da cultura da qual o sujeito
provém e, consequentemente, para a desvalorização do próprio sujeito. As propostas dos
críticos envolvem a valorização das culturas minoritárias e não hegemônicas como pontos
de partida válidos para a apropriação do conhecimento escolar.
Outros estudos relacionados à ideia de fracasso escolar incluem as obras das autoras
Collares e Moyses3, 4, 5, 6
, as quais estudam e discutem há, aproximadamente, 30 anos essas
questões. Apesar do tempo transcorrido e dos muitos debates sobre essa visão, várias ideias
das autoras continuam extremamente atuais e pertinentes.
Collares e Moysés abordam e criticam a patologização do aprender, denominando-a
inicialmente “medicalização do fracasso escolar”. Esta visão é descrita pelas autoras como
a
“(...) busca de causas e soluções médicas, a nível organicista e individual,
para problemas de origem eminentemente social. Este processo ocorre na
educação quando, frente às altas taxas de fracasso escolar, tenta-se
localizá-lo na própria criança, explicando-o através de doenças. Isentam-
se, assim, de responsabilidade a instituição escolar e o sistema social. A
medicalização é uma resposta que atende a uma demanda da própria
sociedade e é exatamente por isso e por seu caráter simplificador que se
difunde tão rapidamente.” (Collares e Moysés3, 1985 p.10-11).
Devido à participação crescente no contexto educacional de profissionais como: o
médico, fonoaudiólogo, psicólogo, enfermeiro, psicopedagogo, entre outros, a expressão
utilizada passou a ser: “patologização do processo ensino-aprendizagem”3, 4, 5, 6
.
Nessa perspectiva justifica-se o não aprender das crianças devido a possíveis
doenças físicas e/ou emocionais, que motivam seu encaminhamento para serviços de saúde.
Essa visão atualiza as críticas às perspectivas biologizantes da aprendizagem. Transfere-se
assim, a responsabilidade da educação para fora da escola. Da mesma forma, desloca-se a
responsabilidade da aprendizagem, do âmbito institucional e coletivo para o individual e
5
culpabiliza-se a criança e sua família por sua situação de pobreza e dificuldade em aprender
na escola. Esse mecanismo exerce um papel “tranquilizador” para a escola e para o sistema
educacional, enquanto o aluno e sua família passam a ser depositários da situação de
fracasso.
As autoras descrevem:
“A medicalização desloca problemas coletivos para a esfera do individual;
problemas sociais e políticos para o campo médico. E o que significam
esses deslocamentos? A biologização e, consequentemente, a
naturalização desses problemas. Esse paradigma, ainda hegemônico em
todos os campos da ciência, enxerga, cada vez mais, o ser humano quase
como um corpo apenas biológico, determinado por seus genes. A esse
paradigma, contrapõe-se um outro, em que o social é concreto, histórico,
construído pelos homens, portanto mutável; nele, o processo saúde e
doença é apreendido como resultante da inserção social das pessoas, da
qualidade (ou falta de) de suas vidas.” (grifo das autoras, Collares e
Moysés4, 2006, p. 14).
A crítica apresentada diz respeito à necessidade de inverter as formas de se
compreender o fracasso escolar, há tanto tempo estudado, porém ainda presente. Os
denominados “problemas de aprendizagem”, deveriam, dentro desta nova perspectiva, se
configurar também como “problemas de ensinagem” (p.28)5, levando em consideração todo
o processo que ocorre dentro da sala de aula, assumindo o fracasso escolar como um
problema social e politicamente produzido.
É importante entender que essa visão não culpabiliza a escola e os professores, mas
os considera como parte do processo complexo que gera o fracasso. As autoras enfatizam
ainda que é necessário compreender que nesse processo de culpabilização, a criança, sua
família e até mesmo o professor, são vítimas que sofrem diante de um sistema educacional
cristalizado e pouco afeito a mudanças.
“Centrar as causas do fracasso escolar em qualquer segmento que, na
verdade, é vítima, seja a criança, a família, ou o professor, nada constrói,
nada muda. Imobilizante, constitui um empecilho ao avanço das
discussões, da busca de propostas possíveis, imediatas e a longo prazo, de
transformações da instituição escolar e do fazer pedagógico. O que
6
deveria ser objeto de reflexão e mudança — o processo pedagógico —
fica mascarado, escamoteado, pelo diagnosticar e tratar singularizados.”
(6p.24).
Esta estigmatização de crianças, inicialmente sadias, acaba por fazê-las incorporar
esta “doença”, este “rótulo”, tornando-as “doentes”, comprometendo sua autoestima, seu
autoconceito, trazendo consequências negativas e diminuindo suas chances de aprender.
A partir dessas leituras, compreende-se que o fracasso escolar tem sido atribuído
principalmente à criança, à sua família e à sua posição social. Identifica-se a necessidade de
uma compreensão baseada na concepção de que o fracasso escolar é produto da
multifatoriedade e multicausalidade, visto que sua causa está associada a fatores de diversas
ordens que excedem a responsabilidade do aluno que não consegue aprender.
1.2. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM PAUTA:
O ponto de partida do presente estudo foi a realização de um levantamento de
pesquisas publicadas na biblioteca eletrônica SciELO - Scientific Electronic Library
Online, a qual abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros. Para a
seleção das publicações, foram utilizados os descritores “Dificuldade(s) de aprendizagem”
e “Problema(s) de Aprendizagem”. Foram analisadas as pesquisas publicadas no período de
Janeiro de 2003 até Julho de 2013, dentre todas as revistas disponíveis no idioma
Português, nas áreas temáticas da Educação e pesquisa Educacional, Psicologia
Multidisciplinar e Psicologia Educacional. Foram excluídas pesquisas com base na
Educação Especial, Educação Superior, outras áreas além da Psicologia e Educação,
pesquisas não realizadas com seres humanos e, por fim, pesquisas com diagnósticos
fechados como síndromes, AIDS, TDAH, Autismo, deficiências, entre outros. A partir
desse levantamento inicial foram selecionados 24 trabalhos, que abordam o tema e
preenchem os critérios antes expostos.
Este levantamento possibilitou a ampliação dos conhecimentos, identificação e
reconhecimento dos aspectos abordados nos estudos da última década em torno dos temas
7
de Fracasso e Sucesso Escolar, Processo de Aprendizagem e Desenvolvimento, assim como
também possibilitou a identificação e compreensão do que se tem dito sobre tais questões
na atualidade.
A partir da leitura e análise desses estudos publicados, identificou-se a
multifatoriedade e multicausalidade do fenômeno aqui destacado, a dificuldade de
aprendizagem. Esses estudos procuram conhecer e caracterizar as dificuldades e os sujeitos;
identificar os fatores que influenciam o aparecimento de dificuldades de aprendizagem e
estratégias de intervenções para ajudar a superá-las.
Entre os primeiros, destacam-se estudos que caracterizam os indivíduos. Essas
pesquisas enfocam a influência da família e das escolas, destacando os aspectos culturais e
sociais, além de aspectos próprios dos alunos, como os fatores cognitivos, as questões
afetivo-emocionais e psicossociais.
Com relação às variáveis psicossociais familiares e relações com a escola destaca-se
a pesquisa de Andrada7, a qual estudou a influência destas variáveis no processo de
desenvolvimento e aprendizagem. Ribeiro, Ferrão e Enumo8 também estudaram os aspectos
psicossociais ao relacionarem emoções e saúde, incluindo em sua pesquisa os indicadores
de ansiedade, depressão, estresse, doenças físicas, queixas somáticas, faltas escolares, peso
e altura, concluindo principalmente que os eventos do contexto escolar e familiar
influenciam de forma significativa nos indicadores estudados, o que dificulta o desempenho
acadêmico dos alunos.
Entre outros estudos na perspectiva que aborda a família, destaca-se o estudo de De
Pauli e Rossetti-Ferreira9, que investigaram o processo de construção de dificuldades de
aprendizagem em crianças adotivas, por meio de um levantamento bibliográfico das
produções brasileiras e internacionais. As autoras criticam a visão dos estudos em torno do
tema que indica ser alta a incidência de patologias que indivíduos adotados desenvolvem ao
longo de seu ciclo vital, considerando que a temática não é de fato descrita em quantidade
e/ou profundidade. As autoras concluem ainda que as investigações sobre o processo de
construção de dificuldades de aprendizagem em crianças adotivas são praticamente
8
inexistentes, o que indica a necessidade de desenvolvimento de estudos voltados para esse
campo de pesquisa.
Os aspectos afetivo-emocionais também estiveram presentes nas pesquisas
selecionadas. Os trabalhos de Sisto, et al.10
e Marturano, et al. 11
, relacionam as dificuldades
de aprendizagem e os aspectos afetivo-emocionais, incluindo os níveis de dificuldade e o
autoconceito geral, escolar, social, familiar e pessoal das crianças com dificuldade de
aprendizagem. Os autores, apesar de pertencerem a grupos de estudos distintos e de formas
de trabalho não equivalentes, concluíram que o autoconceito, nos escores global e
específico, de crianças com dificuldade de aprendizagem é mais negativo quando
comparado ao de crianças sem queixa de dificuldade de aprendizagem. Além disso, em
outra pesquisa, Sisto et al.12
destacam ainda o aumento da ansiedade, a presença do
autoconceito negativo, sentimentos de inadequação, agressividade, timidez e dificuldades
de comunicação em crianças com esta queixa.
Ainda na discussão dos aspectos afetivo-emocionais inclui-se uma pesquisa que
engloba a percepção do senso de autoeficácia de alunos com dificuldades de
aprendizagem13
. Medeiros, Loureiro, Linhares e Marturano13
concluíram que o baixo
desempenho e o mau comportamento de crianças com dificuldade de aprendizagem, são
indicadores de uma percepção negativa do senso de auto-eficácia.
Santos e Graminha14
também trouxeram em sua pesquisa os fatores emocionais e
comportamentais. Esse estudo abordou, através da comparação entre dois grupos de
escolares, a incidência de problemas emocionais e comportamentais, assim como os tipos
de problemas de comportamento, que aparecem associados ao desempenho escolar. As
autoras aplicaram duas escalas (a Escala Comportamental Infantil e a Escala de Rutter) e o
resultado apontou que a maioria das crianças no grupo de crianças com baixo rendimento
acadêmico, obteve escores indicativos da presença de problemas
emocionais/comportamentais, diferente do grupo classificado com alto rendimento
acadêmico. Segundo as autoras, a incidência da maioria dos problemas específicos de
comportamento foi maior no grupo de baixo rendimento acadêmico. A partir disso, as
autoras concluíram que problemas de comportamento representam uma forte condição de
9
risco para dificuldades de aprendizagem, sendo necessário assim que o trabalho com esses
alunos englobe também os aspectos comportamentais.
Dentro deste quadro das caracterizações, outro aspecto que surgiu nesse recorte foi
a respeito das habilidades sociais de alunos com dificuldades escolares. Em sua pesquisa,
Del Prette e Molina15
avaliaram o efeito de atividades visando a promoção de habilidades
sociais sobre o status sociométrico de estudantes com dificuldades de aprendizagem, a
partir do fato de que outros estudos que investigaram a aceitação de alunos com
dificuldades de aprendizagem, concluíram que estes alunos tendem a
apresentar status sociométrico negativo.
Esta pesquisa foi realizada com três grupos de estudantes: um grupo que participou
da intervenção com o Treinamento em Habilidades Sociais (seis alunos com dificuldade de
aprendizagem) e outros dois sem intervenção (seis alunos com dificuldades e 12 alunos
sem). Foram realizadas avaliações com o Protocolo de Indicação Sociométrica antes e
depois da intervenção. Este estudo concluiu que houve mudanças depois da intervenção e
ressaltou a importância das habilidades sociais na produção de um status sociométrico
positivo.
Ainda dentro do tema das habilidades sociais, Bandeira, Rocha, Souza, Del Prette e
Del Prette16
, investigaram em seu estudo as características sócio-demográficas do contexto
em que ocorrem comportamentos problemáticos (como agressividade física e/ou verbal,
isolamento e fobia social, entre outros) e suas relações com as habilidades sociais e
dificuldades escolares. Participaram desta pesquisa 257 crianças, matriculadas em duas
escolas públicas e em uma escola particular do ensino fundamental, 185 responsáveis por
essas crianças e 12 professoras. A partir desse estudo, os autores concluíram que a
ocorrência de comportamentos problemáticos foi mais elevada em meninos, de nível
socioeconômico mais baixo e com desempenho acadêmico mais deficitário. Com relação
aos alunos que apresentaram menor frequência de comportamentos problemáticos,
destacaram-se as crianças que apresentaram um nível mais adequado e elaborado de
habilidades sociais. Os autores concluíram, a partir desses resultados, a necessidade de se
desenvolver intervenções junto à população de nível socioeconômico mais baixo.
10
Em seguida, destacam-se pesquisas que investigaram as habilidades cognitivas. Mól
e Wechsler17
pesquisaram as habilidades cognitivas de crianças com indicação de
dificuldades de aprendizagem, segundo a visão de professores, através da aplicação da
bateria Woodcock-Johnson III. Esse estudo foi desenvolvido através da análise dos
resultados do teste e comparação de grupos de escolares. Os resultados mostraram que
houve diferença entre as habilidades cognitivas do grupo com dificuldade de aprendizagem
e o grupo de crianças sem dificuldades, segundo a bateria WJ III. As autoras chegaram a
essa conclusão, pois todos os resultados do grupo com dificuldades de aprendizagem foram
claramente inferiores ao outro grupo.
Destaca-se a seguir, mais uma pesquisa que investigou as habilidades cognitivas de
crianças e adolescentes com distúrbio de aprendizagem. Figueiredo, Quevedo, Gomes e
Pappen18
avaliaram 263 crianças com dificuldades de aprendizagem de escolas públicas
através do uso do teste de inteligência WISC-III. As autoras identificaram problemas na
leitura e déficit de atenção como os mais comuns no grupo estudado. Além disso, as
defasagens observadas nos subtestes do grupo de escolares participantes da pesquisa
mostraram fraquezas em diversas habilidades cognitivas, o que indicou um perfil cognitivo
diferente do grupo de padronização do teste, que apresentou escores dentro da média.
Segundo as autoras, a avaliação intelectual permite ao educador obter uma compreensão
mais completa do aluno, identificando suas forças e fraquezas no que se refere à capacidade
intelectual.
Essa afirmação, entretanto, pode ser questionada: o uso de testes de avaliação
intelectual pode contribuir para estigmatizar as crianças e, por serem padronizados, não
consideram a dinâmica da aprendizagem em curso, o que os torna ferramentas parciais, que
ao invés de conduzir e guiar o trabalho pedagógico, apenas classifica e rotula os alunos.
Dois outros estudos foram destacados nesse levantamento, o de Cunha19
e de
Cunha, Brito e Silva20
. As autoras estudaram as possíveis relações entre as dificuldades de
aprendizagem na escrita, o nível intelectual e maturacional de crianças da segunda série do
ensino fundamental. Nesses estudos elas buscaram estabelecer relações entre a tríade
alfabetização-operatoriedade-maturidade dentro do contexto escolar. A pesquisa mostrou
que as relações entre a tríade não são necessárias. Sendo assim, uma criança que apresenta
11
dificuldade de aprendizagem na escrita, não necessariamente apresentará problemas
operatórios, ou um nível de maturidade diferente do esperado para a sua faixa etária. A
impossibilidade de se estabelecer relações fortes entre a alfabetização e os fatores
maturacionais e mesmo nas condições operatórias nos leva a pensar na importância do
ambiente social, da cultura e do ensino nesse processo.
Outras pesquisas procuraram compreender as capacidades e conhecimentos para a
aprendizagem da matemática. O estudo de Ribeiro, Assis e Enumo21
examinou as relações
ordinais em 14 pré-escolares com baixo rendimento escolar em uma escola municipal.
Assumindo a perspectiva da análise do comportamento matemático, as autoras concluíram
que as habilidades básicas para o aprendizado da matemática podem ser diretamente
ensinadas, mesmo quando há falhas no repertório inicial da criança. Outro aspecto
destacado pelas autoras foi a importância na identificação precoce das dificuldades,
considerando que com o ensino e suporte, elas podem ser superadas.
O estudo de Corso e Dorneles22
objetivou entender se as dificuldades na matemática
estão associadas a defasagens em componentes específicos da memória de trabalho, ou se
estão relacionadas a um déficit geral desse sistema. As autoras seguiram o modelo de
Baddeley e Hicht para analisar o papel da memória de trabalho nas tarefas de matemática.
As autoras fizeram um levantamento bibliográfico de pesquisas que relacionam memória de
trabalho a dificuldades na matemática. A conclusão deste estudo foi que as pesquisas nesta
área ainda são recentes e apresentam resultados controversos. Apesar disso, elas
identificaram um único aspecto em comum nestes estudos como sendo o fato da memória
de trabalho ser vista como uma habilidade cognitiva fundamental, que apoia o
desenvolvimento das competências em matemática. Por fim, as autoras destacam a
necessidade de uma continuação das investigações, para assim possibilitar progressos nos
processos de prevenção e intervenção nas dificuldades na matemática.
Com relação à caracterização dos indivíduos com dificuldades acadêmicas, em
termos sociais e culturais, as pesquisas estudadas trouxeram que eventos do contexto
escolar e familiar influenciam de forma significativa os indicadores de emoções, saúde e
rendimento acadêmico. Sendo assim, crianças/adolescentes que vivem em situações de
risco estão também sujeitas a apresentar dificuldades de aprendizagem 7, 8
.
12
A respeito dos fatores emocionais e comportamentais, estes estudos associam as
dificuldades de aprendizagem com baixo autoconceito, quando comparado ao de crianças
sem queixa de dificuldade de aprendizagem10, 11
e a uma percepção negativa do senso de
autoeficácia13
. Além disso, destacam ainda fatores como: aumento da ansiedade, timidez,
dificuldades de comunicação e mau comportamento12, 14
.
As habilidades sociais também foram consideradas como parte importante das
dificuldades de aprendizagem. Estes estudos apontaram que o nível de aceitação desses
alunos é um fator presente e influente tanto no contexto social, como também no
acadêmico15, 16, 25
.
Por fim, em termos cognitivos, estudos voltados para esse tema, selecionados nesse
levantamento, discutem sobre dificuldades voltadas à leitura e escrita18, 19, 20
, à
aprendizagem da matemática21, 22
, assim como dificuldades de atenção18
. Segundo esses
estudos, a dificuldade de aprendizagem não está necessariamente relacionada ao nível
maturacional da criança/adolescente, mesmo quando há falhas em seu repertório inicial, a
aprendizagem ainda é possível. Os estudos resenhados revelam que o foco das pesquisas
sobre aprendizagem ainda recai sobre o indivíduo e pouca ênfase é colocada no
enfrentamento das condições de vida, desenvolvimento e participação social. Mesmo
quando os estudos consideram fatores extra-individuais (como a família ou a situação
socioeconômica), esses fatores são vistos como explicativos das dificuldades, sem ampliar
as possibilidades de análise que incorpore o papel das instituições no processo de
desenvolvimento individual.
Seguindo este levantamento bibliográfico, destacam-se a seguir os aspectos
envolvidos na superação das dificuldades. Estes estudos apontaram modelos de intervenção
direta com os alunos, apoio escolar e/ou terapêutico e intervenção junto ao docente.
Dentro dessa proposta, encontramos duas pesquisas que abordaram as intervenções
pedagógicas. Por meio de um estudo de caso, Silva e Nista-Piccolo23
investigaram, a partir
da perspectiva das inteligências múltiplas, a possibilidade de ampliar a aquisição, a
manifestação e também a expressão do conhecimento em crianças com dificuldades de
aprendizagem. Após estudos e avaliações dos casos, foram realizadas intervenções
13
pedagógicas específicas, obtendo como resultado uma maior motivação, melhor disciplina e
interação, maior autoestima e também melhor expressividade por parte dos alunos
estudados.
Davis e Miranda24
desenvolveram em sua pesquisa-ação um estudo voltado a
propostas pedagógicas diversificadas a partir de diagnósticos psicopedagógicos
previamente realizados. Este trabalho concluiu que um projeto de intervenção na escola
pode contribuir de forma significativa com o desempenho acadêmico de alunos com
dificuldades de aprendizagem, amenizando a evasão e a repetência.
Molina e Del Prette25
examinaram a relação empírica entre desempenho interpessoal
e acadêmico por meio de promoção das habilidades sociais. Este estudo foi realizado por
meio da avaliação dos efeitos do treinamento de habilidades sociais sobre o repertório
acadêmico. Neste estudo, as autoras avaliaram o repertório acadêmico e social de
estudantes com dificuldades na aprendizagem de leitura e escrita antes e depois da
intervenção com o Treinamento em Habilidades Sociais, estes foram distribuídos em três
grupos (um grupo controle e dois experimentais – um em intervenção acadêmica e outro
intervenção em habilidades sociais). O resultado obtido no estudo foi que o grupo que
passou pela intervenção acadêmica melhorou em leitura e escrita, já o grupo que participou
da intervenção em habilidades sociais apresentou ganhos tanto no repertório social como
também no acadêmico. A partir disso, as autoras concluíram que há uma relação funcional
entre habilidades sociais e acadêmicas.
Porcacchia e Barone26
estudaram os efeitos da oficina de leitura sobre o “sujeito
leitor” em crianças com dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita. Seguindo a
perspectiva da teoria de Winnicott, as autoras elaboraram um estudo de caso com o método
clínico-qualitativo. A oficina de leitura estudada por elas tem como instrumento principal a
leitura de história de literatura infantil, a qual abre espaços para a participação da criança.
Os resultados deste estudo mostraram que a oficina de leitura criou situações humanas que
possibilitaram a reflexão sobre as próprias condições de vida das crianças participantes.
Segundo as autoras, as oficinas propiciaram a construção de conhecimentos cognitivos e
interesse pelo significado das palavras e a partir disso, houve uma ressignificação do valor
da leitura e escrita e assim um novo desejo para aprender a ler e escrever.
14
Seguindo o tema de intervenções, a pesquisa de Nepomuceno e Castro25
que,
através de entrevistas, objetivaram identificar as expectativas que os professores depositam
no uso de computadores para a superação de problemas de aprendizagem escolar. Este
estudo analisou as concepções dos entrevistados (professores, instrutores e coordenadores
de duas escolas públicas e uma particular do estado do Rio de Janeiro) e concluiu que o
recurso tecnológico surge como um mediador, em momentos como uma forma de
disciplinar o aluno, em outros como um meio de expressão, assim como também parte do
processo de ensino-aprendizagem. As autoras observaram o predomínio de diferentes
concepções em relação ao tema dificuldades de aprendizagem e em relação ao uso do
computador, como uma forma de intervenção, para superá-las.
A criatividade também surgiu como tema central em duas pesquisas publicadas no
período selecionado. Dois trabalhos, o de Dias e Enumo28
e o de Dias, Enumo e Junior29
investigaram os efeitos de um Programa de Criatividade sobre o desempenho acadêmico e
cognitivo em alunos da rede pública de ensino. Por meio de uma abordagem Cognitiva, os
autores compararam os resultados entre dois grupos de estudantes (sendo um deles o grupo
controle). A partir de testes como o Teste de Desempenho Escolar (TDE), WISC e Matrizes
Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial (MPC), junto à Prova Assistida (com o
Jogo de Perguntas de Busca com Figuras Diversas), os resultados encontrados revelaram
que os alunos participantes do estudo obtiveram melhoras importantes no desempenho das
habilidades acadêmicas ao longo do ano letivo.
Finalmente, destacam-se intervenções dentro da perspectiva da Psicopedagogia. A
pesquisa de Loureiro e Okano30
identificou o valor de um programa de suporte
psicopedagógico oferecido para crianças com dificuldades escolares no início da
escolarização fundamental. Estes programas psicopedagógicos tiveram como finalidade
tentar ajudar as crianças a superarem suas dificuldades de aprendizagem. Este estudo foi
desenvolvido através de comparações das avaliações antes e depois de três grupos de
escolares (crianças com dificuldades que participaram das intervenções, crianças com
dificuldades que não participaram e crianças sem dificuldades escolares). Nessa pesquisa as
dimensões do autoconceito, desempenho acadêmico e comportamento dos alunos também
foram destacados. Essas dimensões foram avaliadas e discutidas antes e depois das
15
intervenções. As autoras concluíram que as crianças com dificuldades que participaram dos
programas psicopedagógicos, em comparação às crianças que não participaram,
apresentaram melhoras tanto no comportamento, no desempenho acadêmico, assim como
também no autoconceito, demonstrando uma efetividade nas intervenções oferecidas na
escola.
A partir deste mapeamento, compreende-se que o tema de dificuldade de
aprendizagem é bastante abordado em diversas áreas do conhecimento, estudado associado
a múltiplos fatores e múltiplas causas em busca de entendimento e de soluções. Pontuamos
que a presente pesquisa bibliográfica restringiu-se aos estudos da área de Educação e
Psicologia. O levantamento bibliográfico permitiu identificar, além dessas, diferentes
perspectivas, em áreas como: Medicina, Enfermagem, Odontologia e Fonoaudiologia, que
também abordam as dificuldades de aprendizagem e as vinculam a diversos problemas de
saúde. Não foi possível incluir esses estudos devido a sua extensão.
As pesquisas identificadas dentro do enfoque da Psicologia pertencem a diferentes
correntes teóricas, conforme apresentadas nos estudos e no campo de pesquisa dos autores:
Sócio-Histórica7, Construtivista
10,
12, 24, 19, 20, 24, Winnicottiana
26, Psicopatologia do
Desenvolvimento13
, Inteligências Múltiplas23
, Cognitivista-Comportamental8, 11, 14, 17, 18, 28,
29 e Análise do Comportamento
15, 16, 21, 25. Dois estudos com enfoque na Psicopedagogia
9, 30
também foram selecionados.
Nas pesquisas estudadas as temáticas presentes foram a verificação das dificuldades
escolares em leitura e escrita19, 20, 26
e na matemática21, 22
e a atribuição de relações das
mesmas a diferentes variáveis, como: fatores psicossociais familiares e o desempenho
escolar7, 8, 9
, aspectos afetivos e emocionais, a saúde e a dificuldade de aprendizagem8, 9, 12,
14, a sua relação com o autoconceito
10, 11, a autoeficácia e as autopercepções de escolares
13,
as habilidades sociais e as dificuldades escolares15, 16, 25
, as habilidades cognitivas17, 18, 19, 20
.
Além dessas, outras questões que surgiram foram relacionadas à eficácia de
intervenções, como as pedagógicas23, 24
, intervenções com recursos tecnológicos25
, com um
programa de Criatividade28, 29
e suporte psicopedagógico30
, sendo possível observar o
predomínio de pesquisas com um recorte centrado no indivíduo com a dificuldade.
16
Outro aspecto importante a ser assinalado é a visão de 11 pesquisas que
compreendem a importância em considerar a multifatoriedade associada ao desempenho
acadêmico dos alunos, assim como o presente estudo7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 17, 18, 19, 20
.
Por fim, vale destacar que as pesquisas estudadas ampliam o conhecimento sobre o
tema proposto e possuem implicações para as práticas educativas. Elas contribuem para dar
visibilidade à multifatoriedade das dificuldades de aprendizagem e chamam a atenção para
a diversidade de abordagens que, seja do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento,
da educação ou de outras áreas da saúde, tentam avançar na compreensão dos fenômenos
que nos ocupam e oferecem ferramentas de avaliação, diagnóstico e intervenção. Ainda,
algumas dessas pesquisas destacam as possibilidades de trabalho do psicólogo e de outros
profissionais da saúde na escola.
Observamos que as intervenções propostas decorrem de visões e concepções de
desenvolvimento e aprendizagem presentes nas diferentes teorias que embasam as práticas
escolares. Para discutir e entender estes processos, abordamos a seguir a perspectiva sócio-
histórica, abordagem que inspira, hoje, muitas práticas educacionais.
1.3. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Entre os autores que enfocam os processos de aprendizagem, Lev Vygotsky e a
teoria da abordagem Sócio-Histórica, apresentam uma visão historicizadora e cultural, na
qual a constituição do ser humano é resultante de suas condições de interação com o meio
social e com a cultura da época em que ele se desenvolve. A relação com o ambiente em
que vive é uma relação dialética, caracterizada pela constante transformação e movimento
que envolve as trocas com o ambiente social, neste sentido, há a integração dos aspectos
biológicos e sociais do indivíduo31
.
Do ponto de vista da dialética marxista, assumida por Vygotsky, na formação do
psiquismo humano, os componentes biológico e social atuam inseparavelmente e em
constante interação. Nesta teoria, no processo de constituição humana identificam-se:
17
“duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo
quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de
origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem
sociocultural. A história do comportamento da criança nasce do
entrelaçamento dessas duas linhas” (p.42)32.
Vygotsky35
, quando se refere à relação entre a criança e seu meio, utiliza-se do
conceito de “situação social de desenvolvimento”, apontando que esta ocorre de forma
única, particular e irrepetível em seu processo de desenvolvimento. O autor descreve: “La
situación social del desarrollo es el punto de partida para todos los cambios dinámicos que
se producen en el desarrollo durante el período de cada edad (...) ya que la realidad social es
la verdadera fuente del desarrollo, la posibilidad de que lo social se transforme en
individual” (p.264).
Segundo esta perspectiva teórica, é a partir das condições vivenciadas no contexto
Sócio-Histórica, que a criança estabelece suas funções intelectivas. Esta situação é o ponto
de partida para todas as mudanças dinâmicas que ocorrem no desenvolvimento da criança e
determina plenamente as formas e a trajetória que permitirá à criança adquirir novas
propriedades de sua personalidade, na medida em que o social se transforma em individual.
Nas palavras do autor32
“todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas
vezes: primeiro, no nível social, e, depois no nível individual; primeiro entre pessoas
(interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)” (grifos do autor,
p.57 e p.58).
A respeito da articulação entre os processos de desenvolvimento e aprendizagem,
Vygotsky aponta que o aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nível de
desenvolvimento da criança.
Oliveira36
, em seu estudo aprofundado da teoria escrita por Vygotsky, descreve o
desenvolvimento do ser humano como um processo marcado pela sua inserção em um
determinado grupo cultural. Segundo esta abordagem, o desenvolvimento ocorre de “fora
para dentro”, ou seja, através das relações sociais, primeiramente o indivíduo realiza ações
externas, para posteriormente essa ação ser interpretada pelas outras pessoas ao seu redor,
seguindo os significados culturalmente estabelecidos. A partir disso, ao longo de várias
18
experiências semelhantes, o indivíduo incorpora o significado atribuído pelo outro e por seu
grupo cultural e atribui significados às suas próprias ações.
Ao escrever a respeito disso, Vygotsky32, 36
cita o interesse em descobrir as relações
reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado, com isso
apresenta dois níveis de desenvolvimento, descritos a seguir.
Primeiramente o autor apresenta o conceito denominado “desenvolvimento real”,
“efetivo” ou “atual”, este é o nível de desenvolvimento das funções psicointelectuais que a
criança alcançou através de ciclos de desenvolvimento já completados anteriormente e, que
a partir disso, dispensa a ajuda/mediação de outros. Compreende-se que este é o nível de
desenvolvimento que define funções que já amadureceram, e nas palavras do autor são “os
produtos finais do desenvolvimento” (p.97) 32
.
O segundo conceito é denominado: “zona de desenvolvimento próximo” ou
“próximal”, este define as funções que ainda não amadureceram, mas que estão em
processo. O autor32
descreve:
“(é) a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes.” (p. 97).
Com relação a isto, Vygotsky também cita que “o aprendizado humano pressupõe
uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida
daqueles que as cercam” (p. 100) 32
. E apresenta ainda que
“a aprendizagem é que engendra a área de desenvolvimento potencial, ou
seja, que faz nascer, estimula e ativa na criança um grupo de processos
internos de desenvolvimento dentro do âmbito das inter-relações com
outros, que na continuação são absorvidos pelo curso interior de
desenvolvimento e se convertem em aquisições internas da criança” (p.15)
37
19
Compreende-se assim que os processos de aprendizado movimentam os processos
de desenvolvimento que, segundo esta abordagem, sem o contato do indivíduo com o grupo
cultural em que está inserido, não ocorreriam.
Destacam-se estes conceitos, pois servem como indicadores das capacidades de
aprendizagem acerca de ensinamentos futuros, e possibilitam que o ensino considere o que
a criança já sabe e o que ela necessita para enriquecer e ampliar seu conhecimento. Sendo
as ações educativas nas instituições (tanto no Ensino Infantil, Ensino Fundamental, quanto
em serviços de atendimento a crianças e adolescentes com queixa escolar) algo planejado,
vê-se a necessidade de considerar a particularidade do desenvolvimento na infância neste
planejamento.
Esta relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento da criança também aparece
quando Vygotsky apresenta a descoberta da função simbólica da escrita. Segundo o autor, a
maioria das crianças de três anos de idade já seria capaz de dominar uma combinação
arbitrária de sinais e significados, e quase todas as crianças de seis anos já seriam capazes
de realizar essa operação, se elas compreenderem o seu objetivo (por exemplo, representar
a fala por meio da escrita)32
.
Ao se considerar a existência de uma relação entre essa capacidade e o
desenvolvimento da escrita, verifica-se a importância do ensino da leitura e escrita se
organizarem de forma que se tornem necessárias às crianças. Essas atividades devem ter um
significado, visto que as crianças não aprendem simplesmente a ler e escrever, mas sim
descobrem essas práticas nas situações em que sentem necessidade de participar do mundo
letrado, como quando identificam logotipos de marcas de produtos conhecidos (e
desejados), números, letras e palavras que servem como sinais de localização (ônibus,
placas e cartazes, entre outros).
No contexto dessa pesquisa, a visão sócio-histórica que privilegia os aspectos
sociais do desenvolvimento e da aprendizagem contribuiu para tornar evidentes as relações
e a importância das trocas no ambiente escolar, assim como para identificar os aspectos
relacionados às condições únicas que marcam a vida de cada aluno e compreender seus
processos cognitivos e percursos de aprendizagem.
20
Essas leituras nortearam a prática tanto no desenvolvimento da própria pesquisa, quanto
no trabalho realizado na escola, visto que ampliaram minha visão de mundo como
pesquisadora, me possibilitando a enxergar as práticas, relações, problemas e queixas
presentes neste contexto. Foram essas leituras, também, que orientaram o desenvolvimento
de intervenções em busca de mudanças significativas nas práticas educacionais.
1.4. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NO ÂMBITO
EDUCACIONAL
A partir da compreensão do desenvolvimento do processo social, afetivo e cognitivo
no indivíduo, identifica-se a importância de um estudo voltado à aprendizagem no âmbito
educacional, processo que envolve a aquisição da leitura e escrita e o raciocínio aritmético,
descritos a seguir com base nas duas perspectivas teóricas apresentadas acima.
1.4.1 Aquisição da leitura e escrita
A linguagem escrita, segundo a abordagem Sócio-Histórica32, 36, 38, 39
, é “um sistema
particular de símbolos e signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o
desenvolvimento cultural da criança” (p.126) 32
. Para Vygotsky, este é um sistema de
simbolismo de segunda ordem, que começa antes mesmo do primeiro contato oferecido
pelo professor na escola. Para compreendê-lo é necessário introduzir primeiramente a
compreensão de simbolismo de primeira ordem (a fala, o gesto, o desenho e o brinquedo),
os quais desempenham um papel fundamental no processo de aquisição da linguagem
escrita.
A linguagem, função superior especificamente humana, caracterizada pelo seu papel
fundamental no desenvolvimento do psiquisamo humano se desdobra na fala e na escrita. A
fala é composta por palavras com significados expressos através de sons articulados pela
voz, utilizada para nomear objetos, pessoas, animais, assim como para nos comunicarmos
com o outro, é algo especificadamente humano. No início da vida de uma criança, mesmo
antes dela começar a falar, as pessoas ao seu redor conversam com ela com a intenção de se
comunicar e interagir, esse comportamento implica na ideia de que logo ela irá começar a
21
falar. Essa interação a estimula e a ajuda a compreender os significados dessa forma de
comunicação humana.
Bosco40
descreve em seu estudo que o papel do “outro” no processo de
desenvolvimento da criança vai além de alguém próximo fisicamente, seu papel é de
mediador neste processo, que deve interpretar o que a criança faz ou demonstra, ou seja,
significar seus gestos, olhares, choros, balbucios, etc.
A partir das interpretações do “outro”, da compreensão e nomeação de um gesto da
criança, esta interage com seu meio, comunica-se, assim como amplia seu vocabulário.
Vygotsky32
afirma que
“Embora o uso de instrumentos pela criança durante o período pré-verbal
seja comparável àqueles dos macacos antropoides, assim que a fala e o
uso de signos são incorporados a qualquer ação, esta se transforma e se
organiza ao longo de linhas inteiramente novas. Realiza-se, assim, o uso
de instrumentos especificadamente humano. (...) Antes de controlar o
próprio comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a
ajuda da fala. Isso produz novas relações com o ambiente, além de uma
nova organização do próprio comportamento” (p.12).
Com seus estudos, Vygotsky32
conclui ainda que “as crianças resolvem suas tarefas
práticas com a ajuda da fala, assim como dos olhos e das mãos” (p.13). Entende-se, a partir
disso, que é por meio da fala que a criança passa a controlar seu comportamento e se torna
mais capaz em planejar seus próprios atos. Com a fala, torna-se possível o alcance aos
objetos, que anteriormente estavam fora de seu alcance.
Vygotsky e Luria41
explicam que a criança que fala, tem a capacidade de combinar a
fala e a ação em uma estrutura e isso introduz um elemento social à sua ação. Seu
comportamento é transferido para um novo patamar, este se torna socializado, fator
determinante em seu desenvolvimento intelectual prático.
“The child who speaks as he solves a practical task calling for the use of
tools and who combines speech and action into one structure, in this way
introduces a social element into his action and thereby determines that
action's fate and the future path of development of his behavior. In this
way, the child's behavior is transferred for the first time to an absolutely
22
new plane, is guided by new factors and leads to the appearance of social
structures in the child's psychical life. His behavior becomes socialized:
this is the main determining factor of the entire further development of its
practical intellect. The situation as a whole acquires for him a social
meaning, where people act, just as do objects.” (p. 116)
Para Vygotsky32, 36
, os signos, assim como os instrumentos, são mediadores na
relação do sujeito com o mundo. O gesto é o signo visual inicial que antecede a futura
escrita da criança, conforme ele descreve32
, “os gestos são a escrita no ar, e os signos
escritos são, frequentemente, simples gestos que foram fixados” (p.128), o qual constitui a
primeira representação do significado. Um exemplo disso são os rabiscos das crianças cujos
traços constituem basicamente a sua representação gestual.
Dentre outras atividades que vinculam os gestos e a linguagem escrita, está o
brinquedo. Segundo o autor32
,
“o brinquedo simbólico das crianças pode ser entendido como um sistema
muito complexo de ‘fala’ através de gestos que comunicam e indicam os
significados dos objetos usados para brincar. É somente na base desses
gestos indicativos que esses objetos adquirem, gradualmente, seu
significado – assim como o desenho, que de início apoiado por gestos,
transforma-se num signo independente” (p.130).
A função simbólica do jogo da criança está no uso de gestos representativos ligados
à utilização de alguns objetos como substitutos de objetos reais. Assim, a criança atribui aos
objetos e gestos a função de signos que possuem significados.
Dentro desta perspectiva, considera-se que o desenho e a brincadeira simbólica são
grandes contribuidores para o desenvolvimento da linguagem escrita, visto que constituem
formas particulares de linguagem, que se manifestam em um estágio mais precoce, e
posteriormente levam à linguagem escrita.
Com relação ao desenho, esta abordagem afirma que este começa quando a
linguagem falada da criança já teve progresso, pois enquanto faz o desenho, a criança o
descreve oralmente, contando uma história, registrando sua ideia, auxiliando na sua
23
interpretação. Nesta etapa do desenvolvimento, o desenho é feito apenas de memória, ou
seja, as crianças não desenham o que veem, mas sim o que conhecem, nas palavras do
autor: “o desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a linguagem verbal”
(p.136).
Lúria32, 36, 38, 39
em seus experimentos, constatou que inicialmente as crianças (entre
os três, quatro e cinco anos de idade) estavam interessadas basicamente em “escrever como
os adultos” (36
, p.149). Neste estágio, a “escrita” da criança não a ajuda a lembrar do que
foi feito e “registrado” por ela mesma, pois ela ainda não desenvolveu a função mnemônica
da escrita, no sentido de que a “linguagem escrita é um sistema de signos que serve de
apoio às funções intelectuais, especificamente à memória” (39
, p.148).
Quando a criança passa a empregar a função mnemônica na sua “escrita”, tornando
seus registros um apoio técnico da memória, os símbolos adquirem significados e permitem
que a criança retorne ao conteúdo que inicialmente ela tinha a intenção de registrar.
Luria36
explica:
“(...) o desenvolvimento da escrita na criança prossegue ao longo de um
caminho que podemos descrever como a transformação de um rabisco
não-diferenciado para um signo diferenciado. Linhas e rabiscos são
substituídos por figuras e imagens, e estes dão lugar a signos. Nesta
sequência de acontecimentos está todo o caminho do desenvolvimento da
escrita, tanto na história da civilização como no desenvolvimento da
criança” (p. 161).
Assim, a criança, que inicialmente fazia uso de um rabisco não-diferenciado e sem
significado, passa a fazer uso de um signo diferenciado, com significado, o que demonstra
que ela é capaz de representar a fala através de outra forma, sendo possível a introdução
dos signos socialmente padronizados, que constituem a escrita.
Nesse processo de desenvolvimento, transformação e aquisição da criança, a
mediação é fundamental. Quando a criança chega à escola, ela já traz conhecimentos sobre
a escrita, os quais são adquiridos por suas próprias experiências, mas para a sua aquisição
24
formal, é crucial a presença do outro, como o professor na escola, que com sua mediação
auxilia a criança a dar significado a sua escrita.
Os estudos do Letramento se referem ao aprender a ler e escrever no contexto do
grupo cultural em que o indivíduo está inserido e ao impacto da linguagem escrita sobre
ambos. Segundo Kleiman42
e Soares43, 44, 45, 46
, o conceito de Letramento foi criado para
destacar que o uso da língua escrita está presente além do contexto escolar, mas também em
todo ambiente em que o indivíduo vive, constituindo assim uma prática social que requer
reconhecimento. Esse conceito explica o impacto da escrita sobre todas as esferas de
atividades, conforme Kleiman42
descreve:
“emergiu, então, na literatura especializada, o termo letramento, para se
referir a um conjunto de práticas de uso da escrita que vinham
modificando profundamente a sociedade, mais amplo do que as práticas
escolares de uso da escrita, incluindo-as, porém” (grifos da autora, p.
21).
Soares43, 44, 45
apresenta em seu estudo o conceito de Letramento e afirma que este já
era presente no final do século XIX nos Estados Unidos e na Inglaterra, conhecido na
língua inglesa por literacy, com a definição de “estado ou condição que assume aquele que
aprende a ler e escrever. (...) Ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais,
políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja
introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la” (Soares45
, p. 17). Este conceito
tornou-se foco também no Brasil, na França e em Portugal em meados de 1980. A autora43
afirma que o Letramento surgiu por uma “necessidade de reconhecer e nomear práticas
sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do
escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita” (p. 6).
Este conceito está associado ao conceito de alfabetização, considerando a
alfabetização, como uma prática realizada dentro do contexto escolar, por um profissional
encarregado (o professor) de ensinar as regras de funcionamento e uso do código alfabético
aos alunos. Nas palavras de Kleiman42
, a alfabetização é descrita como um “processo de
aquisição das primeiras letras” (grifos da autora, p.13), Soares44
também apresenta uma
25
definição: “alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das
habilidades de utilizá-lo para ler e para escrever, ou seja, o domínio da tecnologia –
conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita” (p. 91).
Estes dois conceitos são indissociáveis e ocorrem de forma simultânea,
considerando-os interdependentes. Soares43
descreve:
“Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro
das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de
leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no
mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela
aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo
desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de
leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o
letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e
indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de
práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de
letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e
por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é, em
dependência da alfabetização.” (grifos da autora, p.14).
Entende-se assim que ser alfabetizado (saber ler e escrever, no sentido mais restrito)
não é o suficiente, pois o letramento vai além do reconhecimento do alfabeto, da
codificação de grafemas em fonemas, pois é um processo de apropriação das práticas
sociais de leitura e escrita, que possibilitam ao indivíduo uma inserção social e cultural42, 43,
44, 45, 46.
As ideias sobre Letramento, com a sua perspectiva sociológica e antropológica que
envolve as práticas de leitura e escrita e o contexto social e cultural em que ocorrem,
convergem com a perspectiva Sócio-Histórica porque entendem as práticas de leitura e
escrita como emergentes de um contexto que delimita as suas condições e possibilidades
concretas e porque entendem essas práticas como oriundas da cultura e do coletivo e não do
indivíduo.
26
A aquisição da leitura e da escrita, estudada e descrita pelas autoras Ferreiro47
e
Ferreiro e Teberosky48
, diz respeito ao processo constituído a partir de uma aquisição
conceptual, completamente dependente da competência linguística da criança, assim como
de suas capacidades cognitivas. A psicogênese da escrita, elaborada, pelas autoras sobre a
base da teoria do Piaget, atribui ao indivíduo um papel ativo na aquisição da leitura e da
escrita, destacando a apreensão pelo sujeito, das informações relevantes para utilizar a
língua escrita, em um processo progressivo que depende da ação da criança sobre esse
objeto da cultura. A descrição desse processo constitui um dos fundamentos teóricos
utilizados no sistema educacional para avaliar as crianças quanto ao domínio de
informações sobre a língua escrita que elas detêm e para elaborar atividades que incluam as
práticas de escrita.
O processo de evolução da escrita, descrito pelas autoras47, 48
, se dá através de
quatro fases, em um percurso que transita da fase inicial, a Pré-Silábica até a fase final, a
Alfabética. Essas fases se sucedem através da progressão de descobertas que envolvem a
noção de fonema, ou seja, a criança alcança a noção de que as palavras se compõem por
sons, correspondentes a letras.
A primeira delas é denominada Fase Pré-silábica, na qual a criança entende o que o
signo representa, porém não compreende ainda que a escrita representa a fala e, devido a
isso, ela não tenta representar a sonoridade das palavras: sua escrita é uma grafia primitiva,
que se vale de símbolos e pseudoletras (há também a mistura de letras e números) para
representar a fala. Nesta etapa, a criança já entende que a escrita é composta por partes,
embora não saiba exatamente quais são, identifica que as palavras devem ter um número
mínimo de caracteres (duas a três letras) e já demonstra conhecimento da direção da escrita,
fazendo uso da pauta da esquerda para a direita, se tiver sido instruída em relação a esse
fato.
Nesta fase inicial da alfabetização, Ferreiro e Teberosky48
explicam que podem
aparecer “tentativas de correspondência figurativa entre a escrita e o objeto referido”
(p.194), ou seja, é esperado que as crianças tomem como referência os aspectos físicos dos
objetos ao relacionarem estes com o tamanho da palavra que os nomeia. Isto representa
uma dificuldade da criança em dissociar o signo do significado.
27
A segunda é a Fase Silábica, a criança aprende que a letra representa uma parte do
que se diz (sílaba). Esta compreensão possibilita que ela faça uma decomposição silábica
através da palavra falada como guia, o que a auxilia a determinar o número de partes e
letras a serem escritas47, 48
. Esta fase caracteriza o avanço da consciência da
correspondência entre os sons e as letras, e há grande importância da mediação e
intervenção do outro alfabético e oralizado, visto que surge a necessidade de nomear e
atribuir sons às letras. Um exemplo de escrita nesta fase, sem valor, seria “TCM” para o
que corretamente seria “cavalo” e, com valor para a mesma palavra, seria “CVO”.
A terceira é a Fase Silábico Alfabética, na qual a criança compreende que uma letra
não é o suficiente para representar a sílaba, e com isso ela passa a acrescentar mais letras na
formação das palavras. Nos casos em que inicialmente eram representadas principalmente
por apenas vogais, a criança começa a inserir algumas consoantes, de preferência na
primeira sílaba da palavra. Esta fase é caracterizada pela noção de que as sílabas são
passíveis de separação e a correspondência entre sons e letras (os fonemas) se apresenta
mais estável47, 48
.
Por fim, a última fase descrita pelos autores é denominada Fase Alfabética. Nesta,
a criança já venceu os obstáculos conceituais para a compreensão da escrita e passa a
escrever considerando em sua escrita a correspondência entre fonemas e grafemas (sons e
letras), o que possibilita que ela expresse graficamente o que pensa e/ou diz. Além disso,
ela demonstra a compreensão da escrita.
Embora a criança avance até a última fase, dominando a correspondência entre
fonemas e grafemas, é importante destacar que apenas esse processo não garante o sucesso
da alfabetização, pois o mesmo demanda a compreensão dos aspectos linguísticos, como os
conhecimentos da gramática normativa (a ortografia, fonologia, morfologia e sintaxe) e a
semântica, integrados com os aspectos psicológicos, cognitivos, sociais e culturais. No
processo de aprendizagem, é essencial a transmissão do valor social e cultural que tanto a
leitura, quanto a escrita representam na sociedade em que o indivíduo vive49, 50
.
Com relação ao processo de aprendizagem da leitura e da escrita, é importante
ressaltar que ele inclui o envolvimento ativo do aluno e seus sentimentos diante da leitura e
28
da escrita. Estes podem ser tanto positivos, quanto negativos, advindos de sua familiaridade
com essas práticas, dos conhecimentos prévios, assim como do contexto de uso (se é um
ambiente em que a leitura e escrita são presentes ou não). Sua motivação neste processo,
influenciada por seus sentimentos e vivências, assim como a necessidade da compreensão
do funcionamento linguístico49, 50
.
A atenção necessária para a aprendizagem é influenciada pela motivação. Bzuneck52
descreve a motivação como o que move o indivíduo, o que o faz agir ou a mudar seu curso,
ou seja, ela leva-o a fazer escolhas, instiga-o a iniciar um comportamento direcionado a um
objetivo. No contexto escolar, o autor pontua que é a motivação que faz com que o aluno
preste ou não atenção, faça ou não seu dever de casa, estude, etc.
A motivação é vista como o investimento pessoal para a ação, como a disposição
pessoal de tempo, energia, conhecimentos e habilidades, as quais influenciam a atenção do
indivíduo enquanto os fatores motivacionais estão atuando52
. No entanto, na perspectiva
Sócio-Histórica, a motivação não é vista como atribuição do próprio indivíduo, mas, ao
contrário, como uma função do ambiente social, responsável por gerar condições que sejam
motivadoras.
Para a compreensão do funcionamento linguístico, é de grande importância que a
criança entenda que existe uma grande diversidade de textos e que a leitura e a escrita
possuem uma função social. Deste modo, tornar-se letrado é mais do que simplesmente
desenvolver as habilidades de leitura e escrita, e sim utilizá-las como uma ferramenta
durante outras aprendizagens ou atividades cotidianas, fazendo uso das mesmas para fins
particulares51
.
Para alcançar a fluência, Gomes53
descreve os estágios pelos quais a criança passa.
O primeiro descrito é o de reconhecimento da palavra, o qual se dá através da pista visual.
Este estágio pode ser observado na fase em que a criança tenta “adivinhar” as palavras
escritas e faz-de-conta que está lendo. Em seguida, ocorre a consciência fonética,
possibilitando o reconhecimento da palavra através da pista fonética. Com isso o
reconhecimento se torna controlado e por fim, ocorre praticamente de forma automática.
29
Ler é um processo de interação entre autor/leitor mediado pelo texto, além de ser
um processo de construção de significados, dependente dos objetivos do leitor, de suas
expectativas, experiências, entre outros fatores também associados. Sendo assim, a leitura é
um processo interativo e construtivo, no qual estão envolvidas as relações entre os
conteúdos presentes no texto e os conhecimentos prévios do leitor. A compreensão leitora é
vista como um processo complexo de representação mental que exige atenção, memória e
também raciocínio.
Com relação ao processo de interpretação, Gomes53
destaca três momentos: este
processo se inicia com as palavras (as relações sintáticas e semânticas presentes entre elas);
em seguida, é representado o significado e, por fim, a visão de mundo, ou seja, o que vai
além do que está escrito, aquilo a que o texto se refere.
No âmbito educacional, a aquisição da leitura e escrita é fundamental, visto que é
uma ferramenta essencial na aquisição de novos conhecimentos, além de ser um apoio para
as relações interpessoais, a comunicação e a compreensão do mundo em que se vive.
1.4.2. Aspectos cognitivos e emocionais no processo de aprendizagem e papel
do erro neste processo.
O ensino é descrito por Carvalho54
como um ato com três elementos interligados no
processo de aprendizagem: alguém que ensina, algo que é ensinado e alguém a quem se
ensina. Quando o aluno não aprende, é preciso considerar todos os elementos presentes no
processo e levar em conta a multicausalidade das dificuldades. O reconhecimento do
contexto de relações em que o indivíduo está inserido e do papel da interação no processo
de aprendizagem, assim como, a influência dos fatores psicológicos, incluindo as emoções,
sentimentos e a afetividade da criança durante este processo podem colaborar para uma
avaliação inicial que permita elaborar as estratégias de intervenção em cada caso.
Por meio de uma associação entre o erro e o fracasso, Carvalho54
apresenta o tema
“dificuldade de aprendizagem”. Segundo o autor, o erro é um dado, algo objetivamente
detectável, já o fracasso, é uma questão subjetiva, a interpretação desse dado e a maneira
30
de o encararmos e não necessariamente a sua consequência. É fundamental a compreensão
desta distinção, principalmente para a tarefa pedagógica do educador.
As autoras Oliveira55, 56
e Serconek57
explicam que o desenvolvimento ocorre
conforme o indivíduo busca entender o que surge de novo em sua trajetória. A
compreensão do novo conhecimento se dá a partir da relação da criança com seus
conhecimentos anteriores e os novos conceitos, construções culturais e experiências com o
mundo social exterior ao indivíduo.
Este processo é descrito por meio de dois conceitos sobre os níveis de
desenvolvimento, apresentados no capítulo anterior. O primeiro é o denominado
“desenvolvimento real”, “efetivo” ou “atual”, que descreve o nível de desenvolvimento das
funções mentais da criança, resultado dos ciclos de desenvolvimento já completados32, 55, 56
.
A teoria apresenta ainda que a apropriação de novos conhecimentos implica
necessariamente na presença de conceitos já adquiridos pela criança em seu processo de
desenvolvimento e aprendizagem55, 56, 57
.
O segundo nível do desenvolvimento é o “desenvolvimento potencial”, este diz
respeito aos processos em que a criança aprende através do que os indivíduos mais
experientes compartilham com ela, levando em consideração seus conhecimentos prévios,
interesses e necessidades. Este define as funções que ainda estão sendo adquiridas,
perceptíveis nas tarefas que a criança consegue realizar com ajuda. A diferença entre os
dois níveis de desenvolvimento consiste no espaço de aprendizagem chamado: zona
proximal de desenvolvimento32, 55, 56, 57
.
A partir disso, entende-se que compreender a zona de desenvolvimento proximal da
criança, possibilita delinear seu “futuro imediato e seu estado dinâmico de
desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do
desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação” (p.98)32
.
“O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento,
que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas
31
em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma
vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do
desenvolvimento independente da criança.
(...) O aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado
adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma,
seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto
necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções
psicológicas culturalmente organizadas e especificadamente humanas.”
(Vygotsky 32
, p. 103).
O erro nesta abordagem deve ser visto como parte do processo de desenvolvimento
e de aprendizagem da criança. Conforme afirma Vygotsky32
, “aquilo que é zona de
desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja,
aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha
amanhã” (p.89). Entende-se assim que é fundamental a mediação e atuação de outros
indivíduos de seu meio social. Cabe a esses indivíduos reconhecer na criança os conceitos
por ela já adquiridos e os tipos de erros apresentados por ela, para então fornecer a ela
materiais relevantes para impulsioná-la e auxiliá-la, colaborando assim em seu processo de
desenvolvimento mental. A busca não é pela correção do erro e sim a assimilação do
conhecimento em uma nova perspectiva, mais ampla47, 48
.
Vygotsky56, 58, 59
propõe em sua teoria uma abordagem unificadora entre os aspectos
intelectuais e afetivos no funcionamento psicológico. O autor apresenta o pensamento
natural na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos,
afeto e emoção.
Para o autor58
, a organização da inteligência ocorre em uma relação dinâmica, entre
o afeto e o intelecto. A emoção está diretamente relacionada à ação do indivíduo:
“toda emoção é um chamamento à ação ou uma renúncia a ela. (...) As
emoções são esse organizador interno das nossas reações, que retesa,
excitam, estimulam ou inibem essas ou aquelas reações. Desse modo, a
emoção mantém o seu papel de organizador interno de nosso
comportamento” (p. 139).
32
Magiolino59
em seu estudo das emoções humanas e significação nas obras de
Vygotsky, explica que
“O afeto acompanha o desenvolvimento da criança, está presente em cada
uma de suas etapas mudando de lugar, alterando as conexões que se
estabelecem entre as funções, finalmente, está no início e no fim do
desenvolvimento psíquico e da formação da personalidade. (...) O afeto
marca cada nova etapa do desenvolvimento da criança, relacionado à
linguagem, à consciência e à sua vontade. Em suma, o afeto, o sentimento,
a emoção, têm um lugar, uma função: organizam, orientam, transformam
a atividade, o comportamento e a personalidade” (p.92).
Com base nesta perspectiva59
, entende-se que as emoções humanas “deixam de ter
um estatuto estritamente biológico (...) e assumem uma função no psiquismo humano (...)
de regulação dos estados internos à orientação do comportamento e (trans)formação da
personalidade” (p. 93).
A atenção, com base na teoria vygotskiana, é descrita como uma função psicológica
superior, assim como a memória, o pensamento e a linguagem. Estas são produtos da
atividade cerebral resultantes da interação do indivíduo com o mundo32, 60
.
Oliveira36
descreve,
“inicialmente baseada em mecanismos neurológicos inatos, a atenção vai
gradualmente sendo submetida a processos de controle voluntário, em
grande parte fundamentados na mediação simbólica. Os organismos estão
submetidos a imensa quantidade de informações do ambiente. Em todas as
atividades do organismo no meio, entretanto, ocorre um processo de
seleção das informações com as quais vai interagir: se não houvesse essa
seletividade a quantidade de informação seria tão grande e desordenada
que seria impossível uma ação organizada do organismo no mundo” (p.
75).
Ao longo do desenvolvimento humano, o indivíduo se torna capaz de dirigir sua
atenção voluntariamente para determinados elementos do ambiente, definidos por ele como
relevantes. Este ato de focar a atenção em um estímulo em particular está diretamente
relacionado ao interesse do indivíduo36
. Entende-se assim que no contexto escolar é
33
importante compreender o que produz interesse nos alunos, já que a dispersão e a falta de
atenção podem ser provocadas pela pouca afinidade dos alunos com as práticas de ensino
ou com os conteúdos das aulas.
Conclui-se que todos os aspectos até aqui discutidos, como os processos de
aquisição dos conhecimentos (aquisição da leitura e escrita e conhecimentos lógico-
matemáticos), os processos de desenvolvimento e os aspectos psicológicos, constituem o
perfil multifatorial do que chamamos de, um modo geral, aprendizagem.
A compreensão das ideias decorrentes da teoria de desenvolvimento na perspectiva
sócio-histórica, assim como a grande quantidade de alunos que apresentam dificuldades no
processo de alfabetização, motivou o desenvolvimento desta pesquisa. Com ela, pretendeu-
se compreender os fatores associados ao sucesso e ao fracasso na escola pública, pois
entende-se que um olhar mais cuidadoso para os diferentes fatores associados ao fracasso e
à dificuldade de aprendizagem possibilita colaborar com o planejamento de atividades
pedagógicas e apoiar o trabalho do professor.
34
35
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo Geral
Identificar e compreender os fatores associados às queixas escolares apresentadas
por alunos de uma instituição de ensino pública.
2.2. Objetivos Específicos
Levantar os tipos de queixa presentes na instituição.
Identificar e compreender a visão dos docentes e dos familiares com relação às
queixas e alunos.
Conhecer as relações entre o professor e o aluno, aluno e a escola, aluno e a família
e a família e a escola.
Refletir sobre as possíveis intervenções e orientações dentro deste contexto.
36
37
3. METODOLOGIA
O presente estudo foi desenvolvido principalmente por meio de uma metodologia
qualitativa, através de um trabalho de observação participante61
.
Nesta pesquisa, foi utilizada a técnica de observação participante como instrumento
de investigação. Esta foi escolhida por possibilitar interações da pesquisadora com os
sujeitos da pesquisa, considerando que, para obtenção dos dados, foi necessário contato
direto e prolongado entre a pesquisadora e o ambiente estudado. Lüdke61
afirma que esta
técnica permite ao observador chegar mais perto da “perspectiva dos sujeitos”,
possibilitando a apreensão do significado que atribuem às suas realidades e suas próprias
ações. Entende-se assim que a observação implica na análise dos dados obtidos no
ambiente natural do fenômeno observado.
A partir das observações foram registradas em diário de campo as vivências em sala
de aula, incluindo uma descrição detalhada dos sujeitos e das situações, do ponto de vista
da observadora e também do ponto de vista dos docentes. Foram realizadas também
entrevistas com os responsáveis pelas crianças com queixa escolar.
A metodologia qualitativa foi utilizada para a análise dos dados obtidos nessas
entrevistas. As tabelas e quadros agrupam as características dos alunos, assim como as falas
dos informantes (docentes e responsáveis pelas crianças) identificadas como relevantes para
cada um dos temas e apresentam o número de ocorrências.
3.1. Participantes
Os participantes desta pesquisa foram oito docentes das turmas de Ensino
Fundamental I, de uma instituição de ensino estadual na periferia do município de
Campinas, 21 alunos por elas selecionados, de ambos os sexos (15 meninos e seis
38
meninas), na faixa etária de sete aos nove anos (no ano de 2013), escolhidos devido à
queixa escolar e 22 responsáveis por estas crianças (18 mães, três pais e uma avó).
Todos os dados utilizados se referem aos sujeitos que assinaram o TCLE (Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido). Foi considerado como critério de exclusão: o
responsável não ter consentido com o TCLE e/ou o aluno não apresentar queixa escolar.
3.2. Procedimentos, Coleta e Análise de Dados
Após a elaboração do projeto desta pesquisa, foi realizada uma reunião com os
dirigentes da escola selecionada a fim de expor a proposta de trabalho, esta foi autorizada
pelo diretor e subdiretora do ano de 2013 e 2014. Posteriormente este mesmo projeto foi
submetido e autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Faculdade de Ciências
Médicas, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) seguindo a Resolução do
CNS n˚ 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que normatiza a
pesquisa com seres humanos62
, através do parecer número 424.496, obtido em 22/10/2013.
Em um segundo momento, os dirigentes selecionaram os alunos que se
enquadravam nos critérios do projeto de pesquisa: apresentarem queixas de baixo
rendimento escolar e dificuldades de aprendizagem. Após essa seleção, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice I e II) foi entregue para todos os
participantes escolhidos para a pesquisa, incluindo os responsáveis pelos alunos
selecionados e suas professoras.
Para a coleta de dados, com a obtenção do consentimento e da assinatura de todos
participantes, deu-se início às entrevistas e observações. Através destas, visou-se a
caracterização dos alunos e o conhecimento das relações professor e aluno; família e
escola; aluno e escola, que possibilitam a compreensão da interação dos elementos
identificados no processo de aprendizagem escolar.
No final do segundo semestre do ano de 2013 e no primeiro semestre do ano de
2014, foram realizadas as observações em sala de aula, sendo esta uma observação
39
participante no ambiente natural dos alunos. O período de observação foi de
aproximadamente 6 horas por dia, sendo de 1 hora a 1h30 minutos por turma selecionada,
totalizando 30 visitas à escola. É importante pontuar que em determinados dias de
observação não foi possível realizar a observação de 1 hora a 1h30 nas seis turmas
selecionadas devido às atividades acadêmicas planejadas pelas professoras no dia da
observação. Nesses casos optou-se por conversar com as professoras para coleta de dados e
atualização da evolução dos alunos participantes da pesquisa.
As entrevistas iniciais com as professoras das turmas selecionadas tiveram como
objetivo conhecer suas principais observações dos alunos destacados, das situações de
aprendizagem e os tipos de atividades desenvolvidas em sala de aula. Além destas
entrevistas, no decorrer da pesquisa, foram realizadas conversas informativas com as
mesmas professoras e com os dirigentes da escola, para discutir questões referentes aos
alunos com queixa escolar: suas evoluções e os trabalhos desenvolvidos em sala de aula.
Além das entrevistas com as professoras, foram realizadas entrevistas com os
responsáveis que autorizaram a participação de suas crianças na pesquisa. As entrevistas
foram semiestruturadas, a partir de um roteiro previamente desenvolvido (Apêndice III),
utilizado como base sobre os aspectos familiares, sociais e do desenvolvimento da criança.
Classifica-se como entrevista semiestruturada, pois a pesquisadora procurou propiciar um
ambiente de acolhimento, que muitas vezes possibilitou o surgimento de temas além do
esperado e descrito no roteiro de entrevista.
A análise de dados foi realizada por meio da interpretação dos registros nos diários
de campo, desenvolvidos durante a observação participante, reuniões/conversas e
entrevistas. Para apresentação dos dados, foram formulados temas a partir dos conteúdos
emergentes das reuniões e entrevistas. Para a discussão, utilizou-se do levantamento
bibliográfico sobre os fatores que influenciam a aprendizagem escolar e, principalmente, os
fatores que influenciam a caracterização dos alunos como “alunos com dificuldades de
aprendizagem”.
Durante o desenvolvimento da pesquisa e principalmente após esta interpretação e
análise de dados, foi possível, junto aos professores, desenvolver um planejamento de
40
atividades pedagógicas e apoiá-los em seu trabalho, mesmo que essa parte do trabalho fosse
além da proposta e objetivos da pesquisa.
A presença prolongada da pesquisadora no espaço escolar e a sua participação em
reuniões, observação de sala de aula, entrevistas e conversações com gestores e professores
gerou um clima de confiança e de cooperação que possibilitou também observações e
avaliações de alunos e professoras, além de orientações aos responsáveis, à direção e aos
professores.
Apesar de não serem participantes da pesquisa, foram feitos acompanhamentos,
avaliações e observações de alguns alunos a pedido da direção da escola. Além disso,
durante as entrevistas surgiram oportunidades e necessidades de acolhimento de alguns
responsáveis. Alguns deles utilizaram o espaço não apenas para responder as perguntas,
mas também para refletir e expor suas angústias. Dentre estes, três famílias, dos alunos S10,
S20 e S21, foram orientadas a procurarem atendimentos psicoterapêuticos, pelo fato de
terem relatado suas angústias, problemas e conflitos, os quais, do nosso ponto de vista,
evidenciavam a necessidade de um apoio profissional sistemático.
Além destas, duas mães (responsáveis por S1 e S18) trouxeram para a entrevista as suas
preocupações e tristezas por não conseguirem ajudar seus filhos, por serem analfabetas.
Diante disso, foi possível introduzir a elas o trabalho desenvolvido pela Educação de
Jovens e Adultos (EJA), uma política pública destinada a jovens e adultos que não
obtiveram acesso ou não concluíram seus estudos no Ensino Fundamental63
.
41
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados apresentados a seguir foram coletados no período do segundo semestre de
2013 e primeiro semestre de 2014. Esta coleta se deu através das observações em sala,
entrevistas com seis professoras no ano de 2013 e outras três no ano de 2014 e entrevistas
com 22 responsáveis, dentre estes foram individualmente 17 mães, dois pais e uma avó,
além destes um pai e mãe estiveram presentes juntos na mesma entrevista. A partir disso,
foi possível formular uma caracterização da demanda desta instituição, o que possibilitou a
elaboração de orientações aos responsáveis, docentes e dirigentes da instituição.
Inicialmente, apresentamos a caracterização dos alunos participantes da pesquisa,
contendo: ano escolar, gênero, idade, responsável entrevistado e se a criança faz algum
acompanhamento educacional e/ou terapêutico fora do contexto escolar. Em seguida,
destacamos a caracterização do contexto familiar: constituição familiar, alfabetização dos
responsáveis, se o aluno recebe ajuda nas tarefas escolares e o nível de contato com a
leitura e escrita em casa. Posteriormente descrevemos a caracterização das professoras e
suas percepções: gênero e a turma que lecionou enquanto participante da pesquisa nos anos
de 2013 e 2014 e suas percepções dos alunos com queixa escolar e suas famílias. Após essa
caracterização seguem-se episódios selecionados do nosso diário de campo, que ajudam a
descrever o trabalho das professoras e as dificuldades dos alunos.
Por fim, são apresentadas as percepções das famílias sobre as crianças com
dificuldades escolares: descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, a queixa escolar,
características comportamentais e emocionais, como enxerga suas dificuldades, qual a
postura observada perante provas e notas baixas e se gosta ou não da escola. A visão da
família em relação ao desempenho escolar dos alunos, que contribui para a compreensão de
como eles são percebidos e de como essas percepções colaboram para a autoestima desses
alunos e, eventualmente, para o modo como as relações entre a criança e o conhecimento
são estabelecidas. Os discursos das famílias são cotejados, nesse momento, com
observações e episódios registrados no diário de campo.
42
4.1. Caracterização dos alunos
Quadro 1. Apresentação dos alunos e responsáveis participantes da pesquisa. Período da
coleta de dados Novembro de 2013.
Aluno Gênero Idade Responsável
Entrevistado
Classe:
Ano letivo 2013
Classe:
Ano letivo 2014
S1 Feminino 8 anos e 4 meses Mãe 1 2º ano A 3º ano B
S2 Masculino 8 anos e 5 meses Mãe 2 2º ano B 3º ano B
S3 Masculino 8 anos Mãe 3 2º ano C 3º ano B
S4 Feminino 7 anos e 10 meses Mãe 4 2º ano C 3º ano B
S5 Masculino (7 anos)* Pai 1 2º ano C **
S6 Feminino 7 anos e 11 meses Mãe 5 2º ano C 3º ano B
S7 Masculino 8 anos e 5 meses Mãe 6 2º ano C 3º ano B
S8 Feminino 8 anos e 2 meses Mãe 7 2º ano C 3º ano B
S9 Masculino 8 anos e 1 mês Mãe 8 2º ano C 3º ano B
S10 Feminino 8 anos e 5 meses Mãe 9 2º ano C 3º ano B
S11 Masculino 7 anos e 9 meses Mãe 10 e Pai 2 2º ano C 3º ano B
S12 Masculino 8 anos e 9 meses Mãe 11 3º ano A 4º ano D
S13 Masculino 9 anos Pai 3 3º ano A 4º ano D
S14 Feminino 9 anos e 5 meses Mãe 12 3º ano A 4º ano D
S15 Masculino 9 anos e 1 mês Mãe 13 3º ano A 4º ano D
S16 Masculino 9 anos e 7 meses Mãe 14 3º ano A 3º ano C
S17 Masculino (9 anos)* Avó 1 3º ano D 4º ano D
S18 Masculino 8 anos e 10 meses Mãe 15 3º ano D 4º ano D
S19 Masculino (8 anos)* Mãe 16 3º ano D 4º ano D
S20 Masculino 8 anos e 10 meses Mãe 17 3º ano D 4º ano D
S21 Masculino 9 anos e 10 meses Mãe 18 5º ano B 5º ano B
Fonte: elaboração própria com base nos dados coletados durante a presença da pesquisadora na escola.
*O responsável não soube dizer a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a
idade.
43
**O aluno S5 saiu da escola no ano letivo de 2014.
Tabela 1. Distribuição dos alunos por gênero e idade no período das entrevistas.
Idade Masculino Feminino Total
7 anos 2 2 4
8 anos 8 3 11
9 anos 5 1 6
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
Gráfico 1. Distribuição dos alunos por gênero e idade no período das entrevistas.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
7 anos 8 anos 9 anos
Masculino
Feminino
44
É possível observar a partir da tabela 1 e do gráfico 1 a diferença na quantidade de
meninos com relação a meninas com queixa escolar. De um total de 21 alunos que
apresentam queixa escolar no ano de 2013, apenas seis são meninas e 15 são meninos, na
faixa etária entre sete e nove anos. Observa-se que a maioria possui oito anos, em ambos os
sexos, no período das entrevistas (Outubro e Novembro de 2013).
Considerando o contexto em que essas crianças foram destacadas pela dificuldade
escolar, no momento da seleção a turma do 2º ano C, particularmente, apresentou maior
índice de defasagem idade-série. Quase metade dos participantes dessa pesquisa (nove
alunos) encontrava-se nessa situação, destacando dentre estes, quatro crianças com sete
anos e cinco com oito anos, justificando o alto índice de crianças nessa faixa etária.
Com relação às diferenças entre os gêneros masculino e feminino, pode-se observar
uma relação destes resultados com o que a bibliografia estudada aponta. Desde a década de
60, muitas pesquisas mostram que ao relacionar crianças com queixas escolares, incluindo
problemas de desenvolvimento e de comportamento, a prevalência é a do sexo masculino65,
66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74.
Esta ocorrência é justificada a partir da compreensão de que há uma tendência
maior de meninos apresentarem mais problemas de comportamento e agressividade do que
meninas, considerando isto uma questão social e cultural65
.
Segundo Silva et al.65
a educação direcionada a meninos e meninas é diferenciada
tanto no contexto familiar, como no educacional. Isso é apontado em sua pesquisa que
trouxe a percepção dos professores com relação aos seus alunos. Em sua maioria, as
meninas foram descritas como “mais responsáveis, dedicadas, estudiosas, interessadas,
sensíveis, atentas” entre outros, já os meninos foram descritos como os alunos que são
“malandros, não têm hábitos de estudo, não ficam em casa para estudar, saem para jogar
bola, faltam às aulas, ainda que mais inteligentes”. O estudo destaca observações
comportamentais, psicológicas (no que abrange aspectos cognitivos e emocionais) e sociais
no discurso dos 84 professores analisados pelos autores, e uma ausência de comentários a
respeito do desempenho acadêmico, do processo de aprendizagem em si e dos aspectos
cognitivos dos alunos.
45
Os estudos indicam que é provável que aspectos relacionados aos preconceitos de
gênero interfiram na avaliação das professoras em relação aos seus alunos e alunos,
atrelando, muitas vezes, comportamento a desempenho acadêmico de forma indevida.
Outro fator importante a ser destacado é a preocupação de muitos pesquisadores,
que estudam as diferenças de raça e gênero nos sistemas de ensino, em mostrar que a
maioria dos alunos que apresentam dificuldades escolares pertence também a minorias
raciais e étnicas, além de provir de famílias de baixa renda66, 69, 70, 74
. A partir disso,
entende-se que além da questão de gênero, é importante observar o fator da renda, a
ocupação dos pais, as práticas culturais e as características desses alunos, as quais fazem
diferença para o seu desempenho escolar. Estas questões são discutidas a seguir. De acordo
com os dados coletados na escola, um número maior de meninos é caracterizado como
“com problemas”.
Para a caracterização dos alunos, identificou-se a importância de verificar se estes
fazem algum acompanhamento terapêutico e/ou educacional fora do contexto escolar,
principalmente se voltado à sua dificuldade na escola.
46
Gráfico 2. Acompanhamentos terapêuticos e educacionais fora do contexto escolar.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
A partir do relato dos responsáveis, foi possível observar que a maioria das crianças
(14) não faz acompanhamento terapêutico ou educacional fora do contexto escolar e nem
viram necessidade em procurar por atendimentos. Apesar disso, três alunos fazem/fizeram
acompanhamento em psicoterapia (a aluna S6 estava em acompanhamento no período da
coleta de dados e os alunos S16 e S21 fizeram acompanhamento em outro momento da
infância, porém haviam interrompido as sessões por motivos de mudança e falta de retorno
do profissional). Dois alunos faziam aulas com professor particular (S14 e S21), até o
momento da coleta de dados, e duas fizeram acompanhamento com fonoaudiólogo (S8 e
S14). Além destes, três alunos seguem em fila de espera do atendimento público em
fonoaudiologia (alunos S7 e S12) e em psicologia (aluna S10).
Diante dessas questões e necessidades dos alunos, a instituição de ensino também
tem papel importante nesse envolvimento com a atenção à saúde dos alunos. Entende-se
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Meninos
Meninas
47
que a própria escola deve manter uma relação ativa com os postos de saúde, para assim
identificar a situação de cada aluno e efetuar encaminhamentos e acompanhamentos sempre
que necessário e não apenas cobrar dos pais que procurem atendimentos por conta própria.
É preciso lembrar que os responsáveis pelas crianças, muitas vezes têm dificuldades ou até
mesmo não identificam possíveis problemas de saúde, alteração no desenvolvimento, entre
outras necessidades da criança e, devido a isso, a escola tem papel importante em
reconhecer isso e tomar frente no acompanhamento também da saúde de seus alunos.
4.2. Caracterização do contexto familiar
Tabela 2. Composição das residências: com quem moram as crianças.
Residentes Meninos Meninas Total
Avó, avô e irmãos(ãs) 1 0 1
Mãe e irmãos(ãs) 3 0 3
Mãe, avó, avô, bisavó, irmã gêmea 1 0 1
Mãe, avó, tio e irmãos(ãs) 1 0 1
Mãe, padrasto e irmãos(ãs) 1 2 3
Mãe, pai 1 2 3
Mãe, pai e irmãos(ãs) 6 0 7
Mãe, pai, tios e primos 1 1 1
Mãe, pai, tio e avó 0 1 1
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
48
Gráfico 3. Composição das residências: com quem moram as crianças.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
3
2
1
3
1 1
6
3
1
Mãe e pai
Mãe, pai, tios e primos
Mãe, pai, tio, avó
Mãe, padrasto e irmãos(ãs)
Avó, avô e irmãos(ãs)
Mãe, avó, avô, bisavó, irmã gêmea
Mãe, pai e irmãos(ãs)
Mãe e irmãos(ãs)
Mãe, avó, tio e irmãos(ãs)
49
Tabela 3. Composição das residências: com quem moram as crianças.
Membros Residentes Meninos Meninas Total
Pai 8 4 12
Mãe 14 6 20
Padrasto 1 2 3
Avós/Bisavós 3 1 4
Irmãos (ãs) 14 2 16
Primos (as) 1 1 2
Tios (as) 2 2 4
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
50
Gráfico 4. Composição das residências: com quem moram as crianças.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
As tabelas 2 e 3 e os gráficos 3 e 4 apontam para a presença de vários membros da
família residentes com o grupo estudado. Destaca-se primeiramente a presença da mãe na
maioria das constituições familiares (20 famílias), com exceção de apenas um menino que
vive com os avós. Em apenas cinco famílias, das 21 participantes da pesquisa, há a
presença da estrutura monoparental, com a ausência da figura paterna. Em três famílias
houve o recasamento, tendo assim a presença do padrasto. O pai está presente em 12
famílias.
A presença de irmãos e irmãs tanto mais novos(as) quanto mais velhos(as) também
predominou, considerando que no total dos 21 alunos selecionados, 16 possuem irmão(s).
Em quatro famílias há a presença de tios como membros, assim como também em quatro
famílias também há a presença de avós e bisavós e, por fim, a presença de primos (um em
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
Meninos
Meninas
51
cada grupo estudado, considerando que a menina participante da pesquisa é prima do
menino também participante).
Apesar dessa variação na constituição familiar dos participantes desta pesquisa,
observa-se que o modelo de família nuclear foi o mais presente, em 10 casos, caracterizado
pela presença materna, paterna (pai ou padrasto) e alguns casos com irmão(s) mais velhos
ou mais novos.
Compreender os arranjos familiares dos alunos selecionados para a pesquisa é de
grande importância, pois, segundo a literatura estudada75, 76, 77
, o contexto familiar é visto
como o espaço em que o indivíduo inicia seu processo de formação e socialização. A
família constitui o ambiente em que o indivíduo incorpora padrões de comportamentos,
valores sociais, espirituais, morais e éticos, entre outros, além de possibilitar as suas
primeiras identificações. É nesse contexto que se possibilita a prática das responsabilidades,
de estratégias de sobrevivência e prática da cidadania, sendo este um espaço importante
para o desenvolvimento, sobrevivência e proteção dos seus membros, independente de seu
arranjo e estrutura.
Para a compreensão dessa dimensão, Berthoud77
em seu trabalho, cita a importância
de identificar as possíveis variáveis presentes no conceito de família: primeiramente a
autora apresenta a estrutura familiar, incluindo número de componentes, nível econômico,
escolaridade, tipo de casamento, quem trabalha, entre outras. Seguindo essas variáveis, a
autora destaca a dinâmica familiar como a forma de funcionamento da família e cita a
importância de identificar os motivos e metas que guiam e possibilitam esse
funcionamento, as relações hierárquicas nela estabelecidas, o desempenho dos papéis
familiares e as relações afetivas. Por fim, a autora explica que deve-se buscar constatar os
valores familiares, sendo os aspectos vivenciados no coletivo e/ou individual pelos
membros das famílias estudadas e como essas vivências são transmitidas às novas gerações.
A bibliografia estudada a respeito do tema condiz com os dados obtidos nesta
pesquisa. Esses estudos visam a importância em reconhecer as várias possibilidades de
organizações familiares e, como afirma Neder78
em seu trabalho, é apropriado o uso do
termo “famílias” no plural, considerando a multiplicidade étnico-cultural, ou seja, os
52
variados aspectos históricos e culturais que constituem essas diferentes organizações
familiares.
O ciclo de vida da família também é um aspecto importante a ser estudado,
considerando os diferentes momentos por ela vivenciados, reconhecendo a sua trajetória e
etapa do desenvolvimento em que se encontra. Em cada fase da vida, o indivíduo e sua
família se compõem de forma a buscar a sua sobrevivência e bem-estar, influenciados e
guiados, nesses diferentes períodos do ciclo de vida, pela variação em seu número de
membros e suas idades cronológicas79
.
Outro aspecto presente nos estudos aqui destacados, diz respeito ao número de
membros que constituem o arranjo familiar, sendo estes consanguíneos ou não, porém
residentes no mesmo local. Neder78
, Amazonas, et al.75
, Macêdo e Monteiro80
, Ferrari e
Kaloustian76
, Ribeiro et al. 79
e Bilac81
, relacionam o tamanho da família com a sua situação
socioeconômica. Os autores verificaram em seus estudos que quanto menor o poder
aquisitivo, mais numerosos são os arranjos familiares, situação equivalente a dos
participantes dessa pesquisa. Segundo eles, isso se dá devido à busca em comum pela
sobrevivência e bem-estar. Além disso, Ribeiro et al79
destacam ainda a influência que o
nível da renda traz sobre o nível de instrução, o que acarreta prejuízo no planejamento
familiar e nas taxas de natalidade.
Com relação à presença das mães na grande maioria das famílias participantes,
Ribeiro et al79
e Amazonas et al75
também discutiram e destacaram essa predominância.
Para as autoras, as mulheres são vistas como o centro principal quando se discute a respeito
da dinâmica familiar. Nos dados obtidos nessa pesquisa, a única família sem a presença da
mãe na constituição familiar, possui a figura materna presente na avó. Aspecto também
discutido pelas autoras, que atribuem à figura materna, incluindo nela, mães, avós e tias a
função de centro da dinâmica familiar.
Além disso, em casos de recasamento, encontra-se na literatura que a procura de
novos parceiros decorre da busca de novos provedores e companheiros na divisão de
responsabilidades, assim como também da necessidade de apoio emocional75, 79
.
53
Observa-se nos dados obtidos nessa pesquisa e nos dados estudados em outras
pesquisas pertinentes ao tema75, 76, 77, 78, 79, 80, 81
, que o arranjo familiar pode ser bem diverso
em termos de número de membros familiares consanguíneos ou não, mesmo com a
presença predominante do modelo de família nuclear.
Santos e Graminha14, 82
, em seus estudos mostraram que as adversidades familiares
tendem a estarem mais presentes no contexto familiar dos alunos com rendimento
acadêmico mais baixo. Para as autoras, adversidades familiares dizem respeito desde a
criança não ter sido desejada, dificuldades financeiras, problemas de saúde de outros
membros da família, consumo de drogas e/ou álcool, agressividade, superproteção,
indiferença, rejeição, entre outros.
É importante sinalizar que devido a localização da escola selecionada, na região de
periferia do município de Campinas, com predomínio de famílias de baixa renda sócio-
econômica, a incidência de adversidades familiares também surge em famílias de alunos
sem dificuldades escolares.
Esses aspectos foram observados nos discursos dos responsáveis ao se referirem, em
sua maioria (18 entrevistados) à existência de problemas no ambiente familiar.
Os exemplos que seguem destacam fragmentos das entrevistas em que os
responsáveis relataram detalhadamente as histórias vivenciadas no ambiente familiar:
S1. A mãe relatou que o pai da aluna faleceu no ano de 2010 e ela e as filhas sentiram
muito, “entraram em depressão” (sic). Além disso, a mãe descreveu sua angústia devido ao
uso de drogas por sua filha mais velha (com 13 anos, no período de coleta de dados). Com
relação a S1, ela afirmou “É o tipo de menina que tem que ter ajuda (...) tem falta de
carinho, né?”. Ela afirmou também que atualmente vive com o padrasto de S1 e os dois
não se relacionam bem, brigam constantemente e trocam agressões verbais. [Mãe 1; aluna
S1; 8 anos e 4 meses].
54
S6. Durante a entrevista, a mãe relatou que a gravidez da aluna não foi desejada, e no
primeiro mês ingeriu medicamento específico para abortar. Apesar disso, o medicamento
falhou e a gravidez foi levada até o fim. Ela atribui o atraso no desenvolvimento da filha ao
uso do remédio abortivo, ela afirma ainda que “as irmãs tratam normal”, mas ela não
consegue, “eu trato ela diferente, (ela) não é normal”. [Mãe 5; aluna S6; 7 anos e 11
meses].
S10. Durante a entrevista a mãe da aluna desabafou: “a gente precisa de ajuda, o tio dela
‘tá’ internado, o outro precisa também, tem demência, bebe e briga, a minha mãe (avó da
aluna) tem depressão há 11 anos”. A mãe demonstrou sentir-se sobrecarregada, e afirmou
que largou tudo para ajudar a família toda, mas percebe que por causa disso abandonou os
cuidados com a filha, “é uma menina praticamente sozinha, ‘se sente adulta, tomou para
ela os problemas’”.
Além desses pontos, a mãe da aluna ainda relatou: “o pai não dá atenção, chega bêbado, e
ela até me chama para dormir, ‘pro’ pai dela não me chamar, bêbado”. [Mãe 9; aluna
S10; 8 anos e 5 meses].
S16. Segundo a responsável entrevistada, o aluno é muito agressivo. No decorrer da
entrevista, chama a atenção a diferença na maneira da mãe falar do aluno S16, utilizando
uma linguagem mais ríspida, e na maneira de falar de seu irmão mais novo, com um
discurso mais amoroso. Ela afirmou em diferentes momentos da entrevista que “ele é muito
agressivo (...) e eu bato nele mesmo”. Descreveu situações de violência física e verbal
constantes em seu ambiente familiar.
No seu relato, ela afirmou ter depressão e tomar medicamentos. Ela percebe que muitas
vezes “desconta no filho” (sic). Durante seu relato, ela demonstrou irritação com o jeito do
filho. Além disso, disse que, quando mais novo, “(ele) tentou suicídio, e ainda disse que
era por causa do irmão dele, ele fez desenhos com arma ‘pro’ irmão e até tentou matar o
55
irmão dele sufocado com travesseiro (...), ele fez um desenho da família e colocou o irmão
bem longe”.
Quando questionada sobre qual foi a postura adotada em relação a tantas questões
preocupantes, ela afirmou apenas que a partir do encaminhamento da professora do pré que
procurou atendimento psicológico para o filho, porém depois de sete sessões o profissional
não deu mais retorno e ela não procurou mais ajuda. [Mãe 14; aluno S16; 9 anos e 7
meses].
S17. A entrevista com a avó revelou muita angústia e um sentimento de pena pelas
adversidades que seu neto já vivenciou e ainda vivencia na vida. Segundo ela, a relação do
aluno com a mãe é bastante problemática: até os quatro anos de idade, ele viveu
exclusivamente com a avó, porém a mãe depois de um período tentou se aproximar mais e
viver junto, mas não conseguiu conviver por muito tempo e se mudou novamente. Do
ponto de vista da avó, a relação com o irmão de oito anos envolve muitas brigas. Sobre o
pai biológico do aluno, a avó relatou que quando o neto tinha apenas dois meses de idade,
ele agrediu a ela e a sua filha (a mãe de S17) fisicamente e verbalmente e ameaçou matar o
próprio filho. Desde então ele é proibido pela família de ver o menino.
Por fim, a avó também relatou que o avô de S17 bebe diariamente e, devido a isso, “(ele)
perdeu o respeito, ele fala para mim ‘manda esse homem embora, por que você fica com
ele?’ ”. Em outro momento da entrevista, a avó assumiu que o aluno é muito nervoso,
afirmando que ele “tem gênio ruim”, e por causa disso, muitas vezes ela perde a paciência e
bate nele com cinta. [Avó 1; aluno S17; 9 anos – a avó não soube informar a data de
nascimento no momento da entrevista, apenas a idade].
S20. No início da entrevista a mãe se apresentou bastante abatida e contou que estava com
quadro de depressão. A mãe relatou que há dois anos (do momento da coleta de dados), seu
filho mais velho de 24 anos havia sido assassinado e que desde então a família toda sofre
com essa perda. Além disso, o pai do aluno tem problemas sérios de saúde e pouco interage
56
com o filho. Segundo a mãe, quando não está acamado, ele está trabalhando, “ele é bem
ausente, indiferente sabe?”. Por fim, a mãe do aluno disse que toda sua família é alcoólatra
e, em alguns momentos, ela também bebe. Devido as adversidades que enfrentou na vida,
ela revelou que chegou a pensar em suicídio, porém lembrou-se de seu filho e desistiu, “ele
é uma bencinha, veio suprir minha vida”. [Mãe 17; aluno S20; 8 anos e 10 meses].
S21. Durante o período de coleta de dados, a própria mãe do aluno solicitou participar das
entrevistas com a pesquisadora. Quando soube que havia uma psicóloga na escola, falando
sobre dificuldades de aprendizagem, ela logo pensou no filho. A mãe relatou que o filho
constantemente diz “eu não sou feliz” e a mãe revelou que o menino sofreu abuso sexual
pelo próprio pai, quando mais novo. Desde então, a mãe observou essa mudança no
comportamento do filho, “fica mais rebelde quando vê o pai”. A mãe desconfia de que o
menino tenha um comportamento violento, provavelmente reproduzindo a violência
sofrida. Diz ela: “eu falo para ele, você vai ser igual seu pai”. A mãe contou ainda que ela
também sofreu abuso quando mais nova, e devido a isso ela tem medo e não os deixa sair
de casa sozinhos. [Mãe 18; aluno S21; 9 anos e 10 meses].
Os depoimentos das famílias permitem identificar casos de violência física e verbal,
incluindo violência sexual; consumo de álcool e drogas; existência de membros da família
doentes, com doenças físicas e mentais; indiferença e rejeição dos filhos. Como visto, é
importante entender que esses fatores influenciam de forma significativa os aspectos da
vida de um indivíduo, os aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
Alem dos depoimentos anteriores, um grupo de responsáveis se referiu à existência
de problemas na família, mas, optou por não relatá-las (S3, S4, S5, S6, S8, S9, S11, S13,
S14, S15, S18 e S19). A importância de mencionar esses depoimentos reside em que eles
permitem identificar indícios do funcionamento do ambiente familiar, como visto no
trabalho de Berthoud77
: são essas informações que proporcionam o conhecimento da
57
estrutura familiar, dinâmica familiar e valores familiares, demonstrando que, muitas vezes,
são de risco para o indivíduo se desenvolver e aprender.
Percebe-se que quando algo no ambiente familiar não vai bem, de certa forma, o
ambiente escolar também é afetado. Maldonado83
descreve em seu estudo que problemas
familiares que se refletem em casa, “quase sempre, também (se refletem) na escola em
termos de indisciplina e de baixo rendimento escolar” (p. 11). A autora explica que o
contexto e as pessoas com que a criança vive, suas experiências de vida, junto a
determinadas predisposições, recursos e características pessoais, contribuem para seu modo
de ser. A partir disso, ela destaca a importância em reconhecer a existência da
multiplicidade de fatores que influenciam na construção desse modo de ser da criança.
Outro aspecto observado nessa população foi a presença de responsáveis
semianalfabetos e até mesmo analfabetos. Dados apresentados e discutidos a seguir.
Tabela 4. Alfabetização autodeclarada dos responsáveis.
Responsáveis alfabetizados? Meninos Meninas Total
Sim 8 3 11
Não 7 3 10
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
58
Gráfico 5. Alfabetização autodeclarada dos responsáveis.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
O rendimento acadêmico está associado a um conjunto de fatores que incluem: o
contexto familiar, as características pessoais dos próprios alunos e dos responsáveis e
outros membros da família, assim como a vivência do aluno na escola e em outros
ambientes que podem favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem escolar. A educação
formal recebida pelos familiares que convivem com a criança tem sido apontada também
entre os fatores que condicionam o sucesso escolar. Nesse sentido, as entrevistas revelaram
que, praticamente metade dos familiares foi classificada como analfabeta. Além disso, é
importante pontuar que alguns dos responsáveis, apesar de se apresentarem como
alfabetizados, não finalizaram o ensino fundamental.
Entende-se a importância do envolvimento dos pais, e responsáveis na educação das
crianças, reconhecido como fator que incide na atitude e desempenho escolar da criança.
Esta participação pode ser realizada desde a sua presença nas reuniões e eventos escolares,
até o auxílio no dever de casa e o incentivo à realização das atividades relacionadas à
escola. Devido a isso, a ajuda nas tarefas escolares também foi discutida durante as
entrevistas.
0
2
4
6
8
10
Sim Não
Meninos
Meninas
59
Tabela 5. Ajuda nas tarefas escolares, segundo o relato dos responsáveis.
Recebe ajuda nas tarefas escolares? Meninos Meninas Total
Aceita 14 5 19
Não aceita 1 1 2
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
Gráfico 6. Ajuda nas tarefas escolares, segundo o relato dos responsáveis.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
Apesar do alto índice de pais analfabetos, a maioria das crianças recebe ajuda nas
tarefas escolares em casa, como auxílio na leitura das atividades propostas e explicações
sobre as dúvidas. No grupo dos meninos, 14 aceitam ajuda oferecida em casa. Dentre esses,
sete além de aceitarem, também a solicitam de forma espontânea e apenas um menino não
aceita ajuda de ninguém em casa. No grupo das meninas, também surgiu um caso de uma
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Aceita Não aceita
Meninos
Meninas
60
menina que não aceita ajuda alguma nas tarefas escolares e, assim como no grupo dos
meninos, a maioria aceita e também pede ajuda de forma espontânea.
Devido ao fato de que muitos pais serem analfabetos, na maioria dos casos, os
irmãos mais velhos são chamados para auxiliar a criança com dificuldade. Em algumas
situações, a presença de uma avó alfabetizada colabora para ajudar nas tarefas escolares da
criança.
Destacam-se abaixo exemplos dos discursos dos responsáveis, que descrevem os
tipos de ajuda e suportes que a criança recebe em casa:
S3: A mãe apresentou a sua dificuldade em ajudar o filho, por ser analfabeta, mas afirmou
que tenta ajudá-lo ao máximo: “(ele) pede ajuda, não é menino que tem preguiça” (...)
“quero que seja alguém na vida”, e o quanto o incentiva a ler: “ele até fala ‘quero ir pra
igreja, para ler os livrinhos’”. Porém, segundo a mãe, o pai já é mais impaciente e
enquanto ajuda o filho, chega a verbalizar: “tu é burro”. [Mãe 3; aluno S3; 8 anos].
S4: A criança busca ajuda e mesmo com as dificuldades dos pais, ambos a ajudam: “(ela)
pede explicação, fica brava quando não ajudam”; “(ela) quer muito estudar”; “o pai ajuda,
eu não sei muito, mas ajudo”. [Mãe 4; aluna S4; 7 anos e 10 meses].
S8: A mãe afirmou ler para sua filha e que ela muitas vezes reproduz o que vivencia: “eu
leio pra ela e ela lê pra boneca”. [Mãe 7; aluna S8; 8 anos e 2 meses].
S10: A mãe, que se apresentou como analfabeta, alegou que a filha não tem paciência com
ninguém em casa, constantemente desrespeita os familiares: “ela não tem paciência, faz
61
outras coisas enquanto a pessoa ‘tá’ ajudando”; “ela nem mostra (a tarefa para a mãe),
porque sabe que eu não sei ‘lê’ ”. [Mãe 9; aluno S10; 8 anos e 5 meses].
S11: Os pais do aluno afirmaram que se sentem “perdidos com as dificuldades” do filho,
porém sempre tentam ajudá-lo: “tento pegar livro, brinquedos para estimular ele”. [Mãe
10 e Pai 2; aluno S11; 7 anos e 9 meses].
S14: A queixa principal é a alteração na fala, característica também presente na avó paterna
e no pai, os quais ajudam a criança com frequência: “a família toda ajuda, minha sogra,
meu marido também (...) que eles fizeram ‘fono’ também”; “a gente (mãe e avó) lê bastante
para ela”. [Mãe 12; aluna S14; 9 anos e 5 meses].
S15: A mãe alegou que tanto ela quanto o pai do aluno são analfabetos, porém eles buscam
incentivar seu filho a estudar e pedem com frequência que a sua filha mais velha o ajude
nas tarefas escolares: “a gente (pais) não lê, mas a irmã (mais velha) ajuda ele, manda ele
estudar mais”. [Mãe 13; aluna S15; 9 anos e 1 meses].
S16: A mãe afirmou que normalmente faz a tarefa pelo filho e ele apenas copia. Apesar de
enxergar isso como uma forma de ajuda, ela disse que não se preocupa muito e acaba
atribuindo a responsabilidade à avó do menino, que o criou até os 4 anos (no período da
entrevista a criança estava com 9 anos): “não faço nada, ajudo quando posso, a avó dele
ajuda mais, explica com mais paciência (...) ele depende muito da avó”. [Mãe 14; aluno
S16; 9 anos e 7 meses].
62
S17: A avó expressou angústia por ter dificuldades para ajudar seu neto (que reside com
ela): “(eu) tento ajudar, mas não tenho muita leitura. A mãe ajudava, mas ele perdia a
paciência e ficava nervoso, ‘fala’ que está fazendo errado”. [Avó 1; aluno S17; 9 anos – a
avó não soube informar a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a
idade].
S18: A mãe mostrou preocupação, por ela ser analfabeta e não conseguir ajudar seu filho:
“eu queria ajudar, mas não dá”. Ela alegou que pede aos seus outros filhos que já sabem
ler e escrever para ajudarem o menino, porém eles não têm paciência com suas
dificuldades: “os irmãos tentam, mas falta paciência”. [Mãe 15; aluno S18; 8 anos e 10
meses].
S19: “Eu tento ajudar ele, mostrando, escrevendo pra ele ver”. [Mãe 16; aluno S19; 8
anos – a mãe não soube informar a data de nascimento no momento da entrevista,
apenas a idade].
S20. A mãe do aluno, apesar de ser analfabeta e não poder ajudá-lo muito nas atividades
escolares, demonstrou o quanto se preocupa com seu futuro: “meu sonho é que ele
aprenda, é ter filho estudado, que tire carteira de motorista”, essa preocupação surgiu pelo
fato dela não poder tirar a carteira de motorista por ser analfabeta. [Mãe 17; aluno S20; 8
anos e 10 meses].
S21: A mãe explicitou como queixa principal o isolamento da criança e a falta de
comunicação entre mãe e filho, o que dificulta a relação entre os dois. Além disso, ela diz
que seu filho não manifesta preocupação com a aprendizagem escolar: “eu tento ajudar,
mas ele fala que não tem lição, nem bilhete. As irmãs tentam ajudar, mas o caderno é em
branco”. [Mãe 18; aluno S21; 9 anos e 10 meses].
63
Outro aspecto importante para o rendimento acadêmico e também discutido nas
entrevistas foi o contato com a leitura e escrita fora do contexto escolar.
Tabela 6. Contato do aluno com a leitura e escrita fora do contexto escolar, segundo o
relato dos responsáveis.
Contato com a leitura e a escrita Meninos Meninas Total
Não tem 6 1 7
Pouco - apenas lição escolar 3 1 4
Moderado - revistas e gibis 4 2 6
Bastante - revistas e gibis 1 2 3
Sem resposta 1 0 1
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
64
Gráfico 7. Contato do aluno com a leitura e escrita fora do contexto escolar, segundo o
relato dos responsáveis.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
Com relação ao contato com a leitura fora do contexto escolar, procurou-se
informação sobre leituras que fossem além das tarefas escolares, porém a maioria dos
responsáveis respondeu levando em consideração apenas essas atividades. Os dados da
tabela 6 e gráfico 7 descrevem essa situação. Sete responsáveis afirmaram que a criança
não possui contato algum, alegando que nem a tarefa de casa é feita. Quando questionados,
muitos disseram que a criança esconde a tarefa, mente que não tem ou simplesmente não
mostra para os responsáveis, que também não perguntam se tem.
Das 13 crianças que possuem contato com a leitura, a maioria (seis) ficou em um
grau moderado, considerando que além das tarefas escolares, os responsáveis providenciam
revistinhas e gibis. Quatro responsáveis afirmaram que a sua criança tem pouco contato,
através apenas das tarefas escolares; três, em contrapartida, possuem bastante contato com a
leitura e escrita em casa, algumas dessas crianças gostam de brincar com essas habilidades,
como em brincadeiras de “escolinha”, além do uso de revistas, gibis e tablets. Apenas um
responsável não soube responder.
0
1
2
3
4
5
6
7
Meninos
Meninas
65
Mesmo sem ter sido questionado no momento da entrevista, outro aspecto
observado durante os períodos de participação no ambiente escolar e em alguns discursos
dos responsáveis, foi o uso de computadores e celulares pelos alunos da escola, o que
muitas vezes implica em informações escritas e no contato com a leitura e escrita. O uso
dessa tecnologia, principalmente, das redes sociais e internet, levanta suspeitas sobre
algumas das informações fornecidas por familiares em relação ao real contato com a cultura
letrada.
Apesar da importância da presença e apoio dos pais/responsáveis no processo
escolar dos alunos, ainda nos deparamos com situações de dificuldades dos pais em
acompanharem os estudos de seus filhos, ou até mesmo, em situações críticas, descaso e
abandono. Devido a isso, é necessário enfatizar que a escola tem papel crucial na
identificação e enfrentamento dessas situações que interferem fortemente nas condições da
aprendizagem.
Sugere-se às escolas um apoio mais direto aos familiares, com orientações e auxílio
na compreensão de como podem ajudar e apoiar seus filhos fora do contexto escolar. Além
disso, vê-se a importância de se estabelecer relações entre as vivencias dos alunos fora do
ambiente da escola e as atividades de aprendizagem formal.
Segundo os autores14, 82, 84, 85, 86
que também estudam a temática, o sucesso escolar
depende, no atual sistema educacional do apoio direto da família, desde investimentos a
ajudas nas dificuldades individuais e escolares. Sendo assim, a família que é dotada de
recursos econômicos e culturais acaba por privilegiar o aluno em seu processo de
aprendizagem.
Santos e Graminha82
em sua pesquisa confirmaram que crianças que costumam ter
com mais frequência material de leitura em casa, são favorecidos na habilidade de contar e
inventar histórias e produções de texto. Essa ideia reforça a importância da família e seu
ambiente em proporcionar condições e materiais que estimulem o desenvolvimento da
criança. Como forma de auxílio e estímulo, a família pode ajudar a criança a se estruturar e
organizar em casa e também em outros ambientes. Os estudos confirmam a percepção de
que a instituição escolar não assume como própria a responsabilidade pela aprendizagem e
66
por isso, não oferece àqueles alunos cujas famílias não têm recursos (educação, tempo
disponível, condições afetivas) que possam apoiar o trabalho escolar, os meios para uma
educação bem sucedida.
Essas questões são apresentadas por Pierre Bourdieu87, 88, 89
, sociólogo francês, que
expõe em sua teoria o poder da sociedade e do contexto familiar em mudar e moldar o
indivíduo, sendo este produto da sociedade que vive e de sua cultura. Para o autor, na
experiência escolar, é de grande importância a valorização das diferenças individuais e
também das diferenças culturais entre os indivíduos, com trocas de experiências.
A herança cultural é apresentada pelo autor como a responsável pela diferença no
rendimento escolar de cada aluno, ou seja, as oportunidades e chances de ser bem sucedido
no processo de escolarização se dão fundamentalmente pelo nível cultural do meio familiar
em que este aluno está inserido.
Bourdieu87
introduz o conceito de capital cultural como essencial para a
compreensão das diferenças no desempenho escolar de indivíduos de diferentes classes
sociais, visto que este é o sistema de valores interiorizados e implícitos, transmitidos pelo
seu meio familiar. São seus gostos, sua linguagem, “é um ter que se tornou ser, uma
propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da pessoa, um habitus ” (p.74).
Habitus, conceito também apresentado pelo autor, sintetiza o processo de
constituição do sujeito como produto da herança cultural e das suas experiências de vida,
que deixam marcas profundas no indivíduo. Este conceito permite compreender alguns
aspectos da relação do indivíduo e a sociedade. O conceito de habitus, assim como o de
capital cultural, ajuda a entender os fatores que influenciam significativamente o
rendimento escolar dos alunos, assim como as diferenças na aprendizagem e no
desempenho, decorrentes das histórias familiares e das comunidades de origem dos alunos
em interação com as vivências e exigências escolares.
Segundo Bourdieu87, 88, 89
, os alunos provenientes de famílias com maior capital
cultural, provenientes de meios mais favorecidos, possuem maiores chances de apresentar o
sucesso escolar, pois considera-se que a linguagem, as atitudes e habilidades valorizadas
67
pela instituição escolar, são mais próximas da realidade cultural destes indivíduos, pois
desde cedo possuem contatos em todos os domínios da cultura, como teatros, música,
cinema, pintura, etc, apresentando um conjunto de experiências prévias à experiência
escolar, que permite enfrentar as últimas posteriormente com mais familiaridade. De acordo
com a visão do sociólogo francês, a escola deveria promover ações que contribuíssem para
mudar esse estado de coisas.
Ratner90
relaciona em seu estudo, o conceito de habitus de Bourdieu e a teoria de
Vygotsky, ao enfatizar o papel do social na vida do indivíduo no que diz respeito às
emoções, pensamentos, necessidades, motivações, comportamento e imaginação. Nas
palavras do autor: “Bourdieu states that socially constituted set of understandings guide
perception, thinking, emotions, motives, needs, imagination, and behavior. The socially
constituted set of understandings that form the core of our cultural psychology is called a
habitus” (p.111).
Na perspectiva de Vygotsky32,
33, 34, 35
, há grande importância nas trocas e relações
do indivíduo com seu meio no processo de desenvolvimento e aprendizagem. O autor
afirma que a presença do outro é essencial, já que a criança aprende através de suas
experiências com o meio, assim como também com a assistência e informações
compartilhadas pelas pessoas ao seu redor.
“Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades
adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e,
sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do
ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o
objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o
produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado
nas ligações entre história individual e história social” (Vygotsky32
p.19-
20).
Destacamos, nos depoimentos e relatos das famílias, o interesse, a preocupação e a
tentativa de ajudar a criança, mesmo quando as condições de vida são precárias, no que se
refere a recursos socioeconômicos, saúde física e mental e recursos de educação e cultura.
68
Levando em consideração as ideias de Bourdieu, brevemente descritas, ressaltamos
aqui o papel da escola como ambiente que tem o potencial de apresentar às crianças que
podem não ter tido experiências prévias significativas com a leitura, materiais e atividades
que ajudem a tornar os atos de ler e escrever, eventos relevantes, úteis e prazerosos.
4.3. Caracterização das professoras e suas percepções
Quadro 2. Caracterização das professoras participantes da pesquisa. Período da coleta de
dados Outubro/2013 a Abril/2014.
Professora Gênero Classe:
Ano letivo 2013
Classe:
Ano letivo 2014
P1 Feminino 2º ano A ----
P2 Feminino 2º ano B 3º ano C
P3 Feminino 2º ano C ----
P4 Feminino 3º ano A ----
P5 Feminino 3º ano D ----
P6 Feminino 5º ano B 5º ano B
P7 Feminino ---- 3º ano B
P8 Feminino ---- 4º ano D
Fonte: elaboração própria com base nos dados coletados durante a presença da pesquisadora na escola.
Na entrevista com as professoras, que lecionam em turmas com média de 25 a 30
alunos, foi solicitado que elas apresentassem os alunos com dificuldades escolares e a partir
disso, contassem como os enxegavam, o que sabiam a seu respeito e suas dificuldades. Os
aspectos emergentes dessa entrevista são apresentados a seguir em quadros, elaborados a
partir de segmentos dos discursos das próprias professoras. Estes trechos foram
selecionados e destacados devido à caracterização dos alunos, etapa da alfabetização e/ou a
descrição de suas dificuldades.
69
Quadro 3. Caracterização comportamental e das dificuldades dos alunos descrita pelas
docentes das turmas do 2º ano A, B e C.
Classe Aluno Gênero Caracterização comportamental e das dificuldades do
aluno
2º ano A
Professora (P1) S1 Feminino
Dificuldade em leitura e escrita e problema no
comportamento.
2º ano B
Professora (P2) S2 Masculino
Melhorou em leitura e escrita, mas ainda tem muita
dificuldade em matemática, além de não ter boa estrutura
familiar.
2º ano C
Professora (P3)
S3 Masculino Dificuldade em reconhecer letras e números. Está no
início do processo de alfabetização.
S4 Feminino Está no início do processo de alfabetização. Começou a
reconhecer letras há pouco tempo.
S5 Masculino Dificuldade em leitura e escrita, desorganização e
comportamento inadequado.
S6 Feminino Não reconhece letras e números e não consegue respeitar
as regras.
S7 Masculino Tem alteração na linguagem e dificuldade em leitura e
escrita.
S8 Feminino Dificuldade em leitura e escrita.
S9 Masculino Dificuldade em leitura e escrita e em matemática.
S10 Feminino Dificuldade em leitura e escrita, ainda não entende
sílabas.
S11 Masculino Dificuldade em leitura e escrita.
Fonte: elaboração própria com base nos dados coletados durante as reuniões com as professoras No período
de Outubro e Novembro de 2013.
70
Quadro 4. Caracterização comportamental e das dificuldades do aluno descritas pelas
docentes das turmas do 3º ano A e D e 5º ano B.
Classe Aluno Gênero Caracterização comportamental e das dificuldades
pela professora
3º ano A
Professora (P4)
S12 Masculino
Imaturo para idade, tem alteração na linguagem, não
reconhece números e letras e esquece com facilidade o
que é explicado para ele.
S13 Masculino Apático em aula, dificuldade em leitura e escrita e com
muita desorganização.
S14 Feminino
Alteração na linguagem, leitura e escrita silábica,
dificuldade em reconhecer números e precisa de
estímulo.
S15 Masculino Não consegue ler e escrever sozinho e não tem estrutura
familiar boa.
S16 Masculino Não demonstra interesse, nem motivação para aprender e
não tem boa estrutura familiar.
3º ano D
Professora (P5)
S18 Masculino Dificuldade em leitura e escrita, porém com ajuda
consegue ler e escrever.
S17 Masculino Dificuldade em leitura e escrita. Demonstra boa
compreensão ao que é explicado.
S19 Masculino Dificuldade em reconhecer letras e sílabas, esquece
rapidamente o que lhe explicado.
S20 Masculino
Dificuldade em leitura e escrita, precisa de ajuda para
conseguir ler e escrever, família com problemas
psicológicos, emocionais e estruturais.
5º ano B
Professora (P6) S21 Masculino
(Solicitação da mãe para ajuda psicológica). Apático e
isolado em todos ambientes, dificuldade em leitura e
escrita. Família com problemas estruturais, psicológicos
e emocionais.
Fonte: elaboração própria com base nos dados coletados durante as reuniões com as professoras No período
de Outubro e Novembro de 2013.
71
Os aspectos que emergiram dos discursos das professoras foram exclusivamente
centrados nos alunos e em suas famílias: a predominância das dificuldades em leitura e
escrita, um alto índice de dificuldade em raciocínio aritmético, assim como os problemas na
estrutura familiar (nos aspectos emocionais, psicológicos e estruturais), alterações no
comportamento (apatia, agressividade, desmotivação, ansiedade, entre outros) e alteração
no desenvolvimento (atraso no desenvolvimento e alteração na linguagem). Chama atenção
a falta de referências ao processo de ensino, à forma de organização do trabalho escolar e à
história escolar dos sujeitos.
A partir do relato das professoras, entende-se que a grande maioria dos alunos
participantes dessa pesquisa, apresenta dificuldades significativas no processo de
alfabetização. Essa questão é fundamental ser investigada, pois esse resultado também
demonstra uma necessidade por parte da escola de transmitir a importância desses
conhecimentos, os quais são indispensáveis para o sujeito tanto em sua vida acadêmica,
quanto em sua vida social, conforme visto na definição de Letramento43, 44, 45
.
Observa-se que, destes alunos selecionados devido a sua queixa escolar, segundo as
professoras, muitos possuem dificuldades significativas, mesmo depois de dois ou três anos
na escola. Este fato preocupa muito os educadores, os profissionais envolvidos com a
escola e os familiares. Tais questões e preocupações estiveram presentes em todas as
conversas realizadas durante o período de participação da pesquisadora na escola, durante
as observações, conversas com a direção, com as docentes e também nas entrevistas com os
responsáveis. As entrevistas com os responsáveis complementaram as observações e as
entrevistas com as professoras e permitiram construir uma visão mais completa sobre os
alunos.
4.4. Observações das práticas pedagógicas
Após o período de observação no ano letivo de 2013 e entrevistas com os
responsáveis, apesar de não fazer parte da proposta da pesquisa, em parceria com as
professoras, a pesquisadora participou e auxiliou na organização das trocas de turmas dos
72
alunos em transição para o ano letivo de 2014, realizada no final de Novembro/2013.
Primeiramente foi feita uma reunião com as professoras dos alunos participantes da
pesquisa para fazer um levantamento da demanda, das queixas e uma análise das fases do
desenvolvimento e da psicogênese da escrita de cada um, descrita por Ferreiro47
e Ferreiro
e Teberosky48
. Esse referencial é utilizado pela escola para classificar os alunos e avaliar as
suas condições de aprendizagem e de participação na série ou ano em que estão
matriculados. A partir dessa análise, junto aos dados das observações como referência, foi
possível organizar duas turmas com foco intensivo nas dificuldades, a turma de 3º ano B e
4º ano D (Turma de Recuperação Intensiva) que reuniram os alunos com as maiores
dificuldades no processo de aprendizagem escolar.
No mesmo dia, junto às professoras, a pesquisadora se reuniu com a dirigente da
escola para apresentar a proposta de distribuição dos alunos com dificuldades escolares
nessas duas turmas. Nesta reunião foi possível discutir os benefícios para os alunos, tendo
em vista o reconhecimento e o respeito à fase de desenvolvimento, aprendizagem e
psicogênese da escrita, o que possibilitaria uma turma de melhor aproveitamento e mais
apropriada em termos de atividades pedagógicas. A dirigente concordou e o ano letivo de
2014 foi iniciado com essa nova meta direcionada aos alunos com queixas escolares.
As observações na escola e as conversações com as professoras e gestoras da escola
foram registradas em diário de campo. Esse relato nos ajuda a compreender a dinâmica
escolar e as diferenças entre as professoras e entre as turmas.
4.4.1. Relato de experiência - O ano letivo de 2013
Com as anotações no caderno de campo, foi possível escrever um relato de
experiência na escola. Primeiramente é descrita a turma que mais demandou atenção,
preocupação e intervenção, a turma de 2º ano C.
No primeiro dia de observação, a minha presença em sala de aula foi vinculada
com a imagem de “fiscal” dos alunos. Isto se deu pela própria apresentação que a
professora P3 fez: “ela veio para anotar o nome de quem estiver se comportando mal,
73
hein?” (sic) Foi necessário imediatamente alterar essa ameaça aos alunos e rebati a
apresentação feita pela professora: “vim apenas conhecer o que vocês estão
aprendendo”.
Apesar disso, em mais de um momento nesta mesma aula, a professora continuou
usando a minha imagem para “ameaçar” os alunos, alegando que eu estava anotando o
nome deles em seu caderno de campo. Algumas crianças se levantaram para ir até a minha
mesa e perguntar se eu havia anotado o nome delas e, novamente, mesmo que de forma
repetitiva, continuei afirmando que este não era meu papel, e estava lá apenas para
conhecer o que eles estavam aprendendo.
Essa figura ameaçadora foi “esquecida” apenas depois da terceira vez que eu
estava nesta sala de aula, observando e interagindo com os alunos, demonstrando que não
iria anotar seus nomes para uma possível ameaça ou bronca.
Outro recurso de “ameaça” constantemente utilizado pela professora (P3), caso a
criança não se comportasse, foi o de enviar bilhetes aos pais, assim como agendar
reuniões com eles. Apesar de nunca realizar efetivamente estas propostas, elas eram
frequentemente usadas como ameaças, demonstrando sua falta de autoridade e
insegurança perante uma classe desorganizada e desrespeitosa.
Com o decorrer dos dias de observações dentro desta sala de aula (totalizando 14
visitas no ano 2013), andando em volta das carteiras para folhear os cadernos dos alunos
e acompanhar de perto suas produções nas atividades propostas, observei que mais da
metade da turma (16 alunos) apresentava dificuldades importantes no processo de
aquisição da leitura e da escrita.
Além disso, identifiquei que destes alunos com dificuldades, a maioria tentava
copiar da lousa as informações escritas diariamente pela professora. As informações
apresentadas para os alunos copiarem sempre seguiam o mesmo padrão: nome da escola;
nome do aluno; data; nome dos alunos que faltaram; rotina do dia; uma frase do dia –
como, por exemplo, “Deus te ama” e “Mentir é errado” e como o tempo estava naquele
74
momento – como, por exemplo, “hoje o dia está nublado”, seguido pelas atividades
propostas para o dia.
Neste primeiro momento do dia, um aluno que não apresentava dificuldades na
leitura e escrita chegou a pedir para a professora (P3) escrever essas informações mais
devagar, para que assim fosse possível ele a acompanhar na escrita. Esse mesmo pedido
foi feito em mais de um dia de observação. Em uma dessas situações a professora
imediatamente verbalizou o quão absurdo foi esse pedido, considerando que este aluno
conseguia copiar a lousa rapidamente. Em outro dia, quando este mesmo aluno solicitou
que a professora escrevesse mais devagar na lousa, sua resposta, novamente ríspida, foi:
“não tem que esperar ninguém” (sic) e continuou escrevendo em ritmo acelerado. Com
essa atitude verificou-se o despreparo por parte da professora e a desconsideração com a
etapa do desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, assim como as suas dificuldades,
além do descarte da motivação que se apresentava para fazer a tarefa.
Enquanto eu andava em volta das carteiras nos 14 dias de observação, identifiquei
que mesmo com a escrita de informações repetidas diariamente, a maioria dos alunos
apresentava erros importantes e constantemente não conseguia terminar a cópia até o
horário do intervalo (duas horas após o início da aula). Alguns destes nem ao menos se
apresentavam na fase Silábica da Psicogênese da escrita, incluindo números e letras
aleatórias em sua escrita, mesmo na cópia da lousa.
Compreende-se que, possivelmente, estes erros e demora na cópia surgem pelo fato
destas crianças ainda estarem no início do processo de aquisição da leitura e da escrita,
novamente possibilitando identificar que suas dificuldades, fase de desenvolvimento e
aprendizagem escolar eram desconsideradas pela professora (P3). As instruções eram
dadas em aula, todo dia da mesma forma, porém a sua execução não era acompanhada
pela professora, fazendo com que muitos alunos fossem embora com os cadernos com
erros importantes ou até mesmo em branco. Neste período de observação, percebeu-se que
muitos destes alunos eram “copistas” e apesar de escreverem no caderno, não
compreendiam de fato o que estavam escrevendo.
75
Em contrapartida, o restante da turma (mais precisamente 13 alunos) conseguia
terminar a cópia e a atividade proposta no tempo esperado, porém, após isso, a maioria
destes alunos se levantava, andava pela sala e conversava entre si, inclusive com as
crianças que ainda não haviam finalizado as atividades e até mesmo a cópia do cabeçalho.
Esse comportamento diário das crianças que não apresentavam dificuldades prejudicava
significativamente as crianças que tinham dificuldades, pois as dispersavam
completamente. A professora constantemente interrompia a aula para dar bronca e
chamar a atenção dos alunos dispersos e, por muitas vezes, chamava a criança pelo nome
em voz alta e pontuava seu comportamento na frente da turma inteira.
Uma situação vivenciada que chamou bastante a atenção ocorreu em mais de um
dia de observação. A professora P3 e o aluno S5 constantemente demonstravam
dificuldades em se relacionar e se respeitar. De um lado a professora sem recursos para
lidar com a situação de desorganização da turma e do outro o aluno desmotivado, com
dificuldades importantes em seu processo de aprendizagem e mau comportamento
(desorganização e principalmente desrespeito com os educadores e seus colegas). Uma
frase em particular exemplifica essa situação, dita pela P3 em voz alta na frente da classe
inteira: “ele nunca faz nada... É por isso que não sabe de nada”.
Este aluno (S5) chamou bastante minha atenção, pois em praticamente todos os
dias que o observei em sala, ele se levantava inúmeras vezes para “apontar o lápis” ou
“pedir ao colega uma borracha emprestada”. Presenciei uma situação em que ele recebeu
a borracha de um colega, sentou em sua carteira, mas imediatamente se levantou, a
devolveu e foi pedir para outra criança outra borracha emprestada. Esse movimento se
repetiu nas duas horas de aula, em que cada momento era um objeto: a borracha, o lápis
ou apontador.
Entende-se que este movimento surge como uma possível forma de defesa e fuga da
execução da atividade proposta, pois assim ele não iniciava a cópia da lousa até ser
dispensado para o intervalo, ou até mesmo como uma forma de sentir-se ativo dentro do
contexto de aula. A professora (P3), por muitas vezes não percebia esse comportamento
ou, quando percebia, demorava a chamar a sua atenção. Entende-se que uma postura
adequada seria auxiliá-lo a lidar com essa dificuldade, porém a professora (P3) nunca
76
demonstrou tentar compreender este movimento do aluno, apenas dava bronca pelo mau
comportamento ou simplesmente o ignorava.
Um dia, optei por de fato cronometrar quanto tempo efetivamente a sala se
mantinha bagunçada, com as crianças andando entre as carteiras e conversando entre si.
Essa “bagunça” durou das 13h40min (hora que a aula iniciou) até às 14h30min e tudo se
“acalmou” quando a professora pediu que os alunos arrumassem o material para saírem
para o intervalo. Neste momento de arrumação, andei entre as carteiras e detectei que
apenas a minoria dos alunos (13 dos 29 alunos, que não apresentavam maiores
dificuldades), havia copiado o cabeçalho da lousa (o nome da escola, o nome da criança, a
frase do dia, quantos alunos faltaram e como o tempo estava).
Nos dias de observação presenciei situações bastante preocupantes e que
demonstravam a falta de preparo por parte da professora (P3). Um exemplo disso ocorreu
em um dia em que a professora demonstrou não se preparar e organizar para as aulas.
Após escrever o cabeçalho na lousa, ela se dirigiu para o fundo da classe para pegar as
atividades nos armários, mas nesse tempo a classe inteira começou a bagunçar. Mesmo
mandando os alunos sentarem, muitos permaneciam em pé e conversando com os colegas,
ignorando os comandos da professora. Ao presenciar essa situação de desorganização, me
ofereci para ajudá-la. Foi possível observar que o armário estava desarrumado e existiam
várias atividades impressas, porém estavam todas misturadas e em poucas quantidades
(não sendo suficientes para a turma inteira). Após uns 30 minutos tentando se organizar,
optei por intervir e sugerir que a professora pegasse alguma atividade do livro, visto que
todos os alunos o tinham em mãos e disse que em uma próxima situação ela poderia
organizar seu armário durante o intervalo ou antes do início da aula. A professora aceitou
bem a proposta e logo iniciou a leitura de parlendas no livro.
No final do semestre (em Novembro) a professora (P3) começou a inserir a letra
cursiva para as crianças aprenderem. Para tal, ela escreveu na lousa todas as informações
nas duas formas (letra cursiva e letra bastão). Ao andar em volta das carteiras percebi que
as crianças com dificuldades escolares, em sua maioria, copiaram das duas maneiras, em
letra bastão e embaixo em letra cursiva, o que demonstrou que elas não haviam
compreendido que era para escolher apenas uma forma de escrita. Ao copiar duas vezes as
77
informações, entende-se que houve também a falta de compreensão do que estavam
escrevendo. Enquanto as crianças copiavam, a professora (P3) ficou na frente da sala
lendo uma estória em voz alta, atividade esta que a impossibilitou de conferir o caderno
das crianças e que, ao contrário, as distraia enquanto copiavam a lousa.
S8 e S10 foram duas alunas que não compreenderam esta orientação. Aproximei-
me delas e perguntei o que elas estavam escrevendo. As duas demonstraram que não
conseguiam ler o que haviam copiado. Solicitei que elas me contassem sobre o que era,
mesmo sem ler e, novamente, elas disseram que não sabiam sobre o que estavam
escrevendo. Senti a necessidade em explicar que na lousa estavam escritas informações do
cabeçalho, mas que a professora havia escrito duas vezes as mesmas informações, uma
para os alunos que sabiam escrever em letra bastão e outra para os alunos que conheciam
a letra cursiva, mas que eram as mesmas informações.
Logo em seguida, me dirigi à professora e relatei a confusão que estava
acontecendo. A atitude imediata da professora foi a de chamar a atenção da turma inteira,
dizendo que ela já havia explicado como era para fazer a cópia e que muitos alunos
estavam errados, pois não haviam prestado atenção nela. Novamente esta atitude
demonstrou a falha desta professora em perceber a dificuldade de seus alunos e, além
disso, falha em sua postura que desconsiderou o processo que o aluno estava vivenciando,
interpretando seus erros e incompreensões como mau comportamento.
Outra situação que presenciei foi a semana preparatória que antecedeu a prova do
Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar de São Paulo), realizada em
Novembro de 2013. Essa prova é organizada pela Secretaria Estadual de Educação. Para
a sua aplicação, as próprias professoras da escola foram escaladas como fiscais de sala,
porém não poderiam fiscalizar a turma que lecionavam. Devido a essa mudança de turma,
na semana preparatória, as professoras selecionadas trocaram de classe no primeiro
período dos dias anteriores à prova, para se apresentarem para a turma e se acostumarem
com os alunos.
As professoras P3 e P5 foram duas professoras escaladas como fiscais. No
primeiro dia de troca de salas, a professora P5 perguntou à P3 se ela havia preparado
78
alguma atividade para a sua turma (2ºC), visto que ela ficaria com seus alunos. A resposta
que ela obteve da professora P3 foi: “enrola até o intervalo”. Esse fato chamou muito a
atenção, pois novamente foi possível identificar a falta de preparo da professora P3 e o
descaso com os seus próprios alunos.
Diante dessa situação, percebi que a professora P5 ficou bastante preocupada,
então a chamei para conversar e tentei ajudá-la a resolver esse problema. Expliquei a
situação da turma e os diferentes níveis de aprendizagem e em seguida procuramos
atividades diferentes, que atendessem aos alunos e às suas dificuldades e mais algumas
extras para as crianças que acabassem antes.
Em outro dia de observação, chamei a professora (P3) para conversar fora do
período de aula. Nesse momento foi possível compreender as suas angústias a respeito
dessa classe, descrita por ela como “problemática”. No seu relato, os problemas surgiam
desde o material doado para as crianças (livros já preenchidos e com escritos de outros
alunos que, segundo ela, eram inviáveis de serem utilizados em sala de aula), até o fato de
essa turma ter a presença de muitos alunos com dificuldades escolares, alegando que sabe
que “a professora da outra turma escolheu a dedo quem ela queria na sala dela,
sobrando só os piores” para ela (sic P3). Essas questões aparentemente desmotivaram
essa professora, que verbalizou a sua insegurança e dúvidas em como guiar a aula com
tanta dificuldade e desorganização. Para tentar amenizar essa situação, tentei acolhê-la e
sugerir novas estratégias para uma possível melhoria.
As sugestões dadas foram a respeito das atividades e de como lidar com os alunos,
considerando suas dificuldades e etapa do desenvolvimento e aprendizagem. Como os
livros estavam riscados e preenchidos, foi sugerido que ela digitasse as atividades, visto
que a escola oferecia computador e impressora para as professoras, aproveitando para
adaptá-las às diferentes etapas do processo de aprendizagem dos alunos. No caso dos
alunos que terminavam as atividades antes, sugeri que a professora fizesse algo mais
desafiador e que demandasse mais tempo para execução (como por exemplo, incluir textos
maiores e desenhos para colorir após o término). Já para as crianças com mais
dificuldades, o tema deveria ser o mesmo, porém apresentado de uma forma mais
simplificada e com menos textos escritos, com foco no início do processo de alfabetização.
79
Outra proposta foi a de levar sempre mais de uma atividade pronta para o dia, para serem
realizadas pelos alunos que terminassem antes a tarefa. Além disso, pontuei a importância
em se preparar antes do início da aula, pois, com os 29 alunos, a atenção deve ser dada
para eles e não para busca de alguma atividade no armário, por exemplo.
Por fim, aproveitei para sugerir à professora que não falasse a respeito dos alunos
em voz alta na frente de outros educadores, assim como da classe inteira. A proposta era
de extinguir principalmente ofensas, como “você não sabe nada” ou “por isso que você
não aprende”. Expliquei que essas frases desencorajam os alunos, além de prejudicá-los
emocionalmente (diminuindo seu autoconceito e autoestima).
A professora demonstrou gratidão pela atenção dada a ela, porém não modificou
claramente a sua postura em situações adversas na sala de aula. Ela chegou a verbalizar
no encerramento do semestre de 2013: “eu não me responsabilizei muito pelas crianças,
porque sou contratada como professora substituta, e não tinha certeza até quando daria
aula para essa turma” (sic P3). Entretanto, ela acabou dando aula em todo o período do
ano letivo de 2013.
No final do segundo semestre de 2013, a diretora da escola me chamou para
conversar a respeito dessa turma. Nessa reunião, foi possível pontuar algumas
observações, assim como relatar as orientações dadas à professora P3. A diretora afirmou
que apesar das inúmeras conversas com a professora, não houve melhora alguma e, devido
a isso, ela não seria escalada para dar aula no ano letivo de 2014.
Conforme visto na literatura estudada, é possível identificar através do discurso
dessa professora (P3) o que Collares e Moysés5 já descreviam em meados dos anos 90. A
educadora “apresenta-se como vítima de uma clientela inadequada.” (p.16). Trazendo para
o contexto escolar a transformação de questões sociais em biológicas, como crianças com
problemas intelectuais, atraso no desenvolvimento, problemas de aprendizagem e
responsáveis pelas suas dificuldades, o que as autoras nomearam de “biologização”:
“Ao biologizar as questões sociais, atingem-se dois objetivos
complementares: isentar de responsabilidades todo o sistema social,
inclusive em termos individuais (...) Na escola, este processo de
80
biologização geralmente se manifesta colocando como causas do fracasso
escolar quaisquer doenças das crianças. Desloca-se o eixo de uma
discussão político- pedagógica para causas e soluções pretensamente
médicas, portanto inacessíveis à Educação” (P.16)5.
Apesar das queixas e da postura inadequada da professora P3, com relação às
outras turmas com alunos participantes da pesquisa, (2ºA, 2º B, 3ºA, 3º D e 5ºB), foi
possível observar que o número de alunos com dificuldades escolares era
significativamente inferior ao da turma relatada anteriormente (2ºC). Além disso, as
professoras dessas turmas (P1, P2, P4, P5 e P6), apresentaram-se mais preparadas para
lidar com as situações adversas em sala de aula. Seguem alguns exemplos.
Nas turmas do 2ºA; 2ºB; 3ºA e 3ºD: as professoras P1, P2, P4 e P5 programavam
atividades distintas para as crianças em sala, seguindo a fase da psicogênese da escrita em
que elas se encontravam, assim como constantemente as estimulavam, fazendo uso
constante de palavras de apoio (“você consegue”, “você é capaz, que eu sei”) e
transmitindo segurança caso precisassem pedir ajuda. Outra estratégia utilizada foi o
trabalho em duplas, colocando as crianças com dificuldades junto a outras mais
adiantadas no processo de aquisição da leitura e escrita, o que possibilitava trocas entre
elas durante a execução das atividades.
Com relação à turma de 5ºB, a professora P6, procurava auxiliar diretamente o
aluno S21, colocando-o em duplas para estimular sua interação social, visto que a maior
queixa era seu isolamento, além de conversar bastante com ele durante as aulas. Com
relação a sua dificuldade de aprendizagem escolar, a professora constantemente verificava
seu caderno, questionava quando algo estava incompleto e o auxiliava a preenchê-lo
corretamente. Além disso, ela chegou a ajudar financeiramente a mãe do aluno para pagar
uma professora particular e a estimulou a procurar ajuda psicológica no posto de saúde. A
professora se mostrou bastante carinhosa, atenciosa e solidária ao histórico do aluno.
Seguindo as observações, verificou-se que grande parte das dificuldades
enfrentadas pelos alunos decorre de um processo de aprendizagem incompleto, que
envolve as experiências escolares prévias e as práticas atuais, nem sempre adequadas às
81
necessidades do aprendiz. Em alguns poucos casos, alterações como problemas de visão e
audição ou problemas de desenvolvimento, são parcialmente responsáveis pelas
dificuldades.
A partir dessas observações, é possível afirmar que esta é uma escola que busca
atenuar as situações de dificuldades escolares, assim como problemas nas estruturas
familiares. Apesar da situação crítica ocorrida no ano letivo inteiro de 2013 com a turma
de 2º ano C, o ano letivo de 2014 iniciou de forma muito diferente.
O ano letivo de 2014 (período de observação - Janeiro a Abril/2014)
Com a mudança na distribuição dos alunos com dificuldades escolares, propostas a
partir da reunião realizada no final do mês de Novembro/2013, as observações foram
direcionadas às turmas de 3ºB e 4ºD. Com relação aos alunos S16 e S21 que foram retidos
na turma do ano letivo de 2013 e continuaram com as mesmas professoras (P4 e P6) no
ano de 2014, foram realizadas apenas conversas para acompanhamento da evolução dos
alunos, que segundo as professoras, apresentaram melhoras importantes no processo de
aprendizagem, demonstrando um melhor acompanhamento das atividades, considerando
que estavam fazendo o ano pela segunda vez.
Nas duas turmas, 3ºB (alunos classificados como pré-silábicos, silábicos sem e com
valor) e 4ºD (turma de Recuperação Intensiva), as professoras P7 e P8 procuraram
realizar atividades pedagógicas diferentes das comumente desenvolvidas na escola. A
estratégia de ensino através do uso de jogos com uso de letras e números, sílabas e rimas
foi constantemente utilizada, incorporando a atividade lúdica às práticas pedagógicas.
Além disso, foram incluídas atividades na área externa da escola, como por exemplo, a
professora P8, da turma do 4ºD, trabalhou o primeiro semestre de 2014 inteiro com foco
nos jardins da escola, ensinando sobre os insetos e animais que ali habitavam,
apresentando pessoalmente o que haviam lido em textos na sala de aula através de
observações no jardim.
82
Nessas duas turmas, as professoras deram a atenção necessária e formularam
atividades apropriadas para esses alunos. A postura acolhedora, o encorajamento, o
reconhecimento do processo de desenvolvimento como produto das relações sociais e a
proposta de atividades motivadoras e congruentes com a fase de aprendizagem escolar em
que cada aluno se encontrava, teve um resultado bastante positivo. Os alunos
apresentaram evolução importante e, muitos que apresentavam baixa autoestima e
autoconceito negativo, construíram novas percepções de si e autoavaliações.
Aos alunos que apresentaram novas demandas, como aspectos emocionais,
sensoriais ou neurológicas foram sugeridos encaminhamentos tanto pela pesquisadora,
como pelas próprias professoras para outros centros especializados em saúde.
Para discutir as observações das práticas pedagógicas, recorremos à teoria Sócio-
Histórica de Vygotsky. O autor33
apresenta que o processo de aprendizagem é anterior à
inserção da criança na escola, por meio de interações com seu grupo familiar e outras
pessoas ligadas a ele. Entende-se que é nesse ambiente que a criança vivencia a sua
primeira experiência em sociedade. Apesar disso, no decorrer das vivências da criança, o
processo de interação em sua vida é intensificado quando ela ingressa na escola,
considerando que este é um ambiente que promove uma maior variedade de relações
interpessoais e propicia novas experiências, conflitos, partilha de conhecimentos,
informações e construções.
Segundo esta perspectiva, no ambiente escolar o professor e os colegas exercem o
papel de mediadores no processo de aprendizagem. A apropriação da cultura e a
aprendizagem se dão através da transição das funções interpsicológicas para funções
intrapsicológicas, na medida em que o social se transforma em individual32,
33, 34, 35
.
O autor descreve que o aprendizado deve ocorrer de acordo com o nível de
desenvolvimento da criança. A qualidade e quantidade do auxílio advindo do outro, deve
estar em sintonia com a zona de desenvolvimento próximo ou proximal que, delimita as
condições de aprendizagem no que se refere às funções que ainda não amadureceram, mas
estão em processo32, 34, 35
. Segundo esta abordagem, a educação tem como função levar o
aluno adiante, através de uma relação de qualidade entre professor e aluno.
83
“a instrução e o aprendizado na escola estão avançados em relação ao
desenvolvimento cognitivo da criança. Vigotski propõe um paralelo entre
o brinquedo e a instrução escolar: ambos criam uma ‘zona de
desenvolvimento proximal’ e em ambos os contextos a criança elabora
habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis que passará a
internalizar” (91
p. 162).
“Nessa teoria, o ensino representa, então, o meio através do qual o
desenvolvimento avança; em outras palavras, os conteúdos socialmente
elaborados do conhecimento humano e as estratégias cognitivas
necessárias para sua internalização são evocados nos aprendizes segundo
seus ‘níveis reais de desenvolvimento’ ” (91
p.165).
Identifica-se a extrema importância em entender, além das relações familiares, as
relações no âmbito escolar, entre os professores e alunos, assim como entre os alunos.
Entende-se que para um educador promover ensino de qualidade, ele deve se sensibilizar e
valorizar o aluno enquanto sujeito. De acordo com as observações realizadas no cotidiano
da escola, nem sempre esses critérios são utilizados ou constituem a base das práticas em
sala de aula. Apesar disso, em muitas situações, as professoras se mostraram sensíveis e
atentos às necessidades dos alunos, criando um ambiente propício para o estabelecimento
de boas relações, e valorizando a singularidade de cada um. Essas situações ajudaram aos
alunos a construírem também, boas relações com o conhecimento.
É importante lembrar que, assim como o aluno e seus familiares, o professor
também é um ser singular, que vivencia/vivenciou experiências em sua vida, vive em
diferentes contextos além da escola e tem suas próprias características pessoais e familiares.
A sua relação com os outros ao seu redor também é influenciado por diferentes fatores e,
quando surge algum problema na qualidade de ensino e relação do professor com os alunos,
é de extrema importância a escola considerar esses fatores para tentar entender e
possibilitar um auxílio e apoio para este profissional, tendo em vista o seu papel
fundamental no processo de aprendizagem escolar dos alunos, assim como suas vivências
na escola.
84
4.5. Percepções das famílias sobre as crianças com dificuldades
escolares
Como os responsáveis pelos alunos descrevem o desenvolvimento inicial dessas
crianças? Este item é de grande importância, pois pode revelar as circunstâncias em que as
queixas escolares surgem, nem sempre, como produto de alterações identificadas por
diagnósticos específicos ou atrasos percebidos pela família e, muitas vezes, em função de
fatores tais como: modos de escolarização, aspectos comportamentais e emocionais, entre
outros.
Tabela 7. Descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, segundo o relato dos
responsáveis.
Desenvolvimento Meninos Meninas Total
Normal 12 3 15
Atraso no desenvolvimento 3 3 6
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
85
Gráfico 8. Descrição do desenvolvimento inicial dos alunos, segundo o relato dos
responsáveis.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
A maioria dos responsáveis descreveu o desenvolvimento da criança como
desenvolvimento dentro da normalidade. Porém, cinco crianças (três meninos – S7, S12,
S13 e três meninas – S4, S6 e S14), segundo os responsáveis, apresentaram
especificadamente atrasos na aquisição da linguagem oral. Dentre estes, dois meninos e
uma menina, até o momento da coleta de dados para a pesquisa, ainda apresentavam como
queixa a alteração na fala, enquanto os outros apontados com atraso no desenvolvimento
inicial, não apresentavam mais essa queixa, conforme verificado nas observações em sala e
a partir do relato dos responsáveis.
Como visto na introdução teórica desta pesquisa, o processo de aquisição da leitura
e da escrita pode ser concebido a partir de uma aquisição conceptual, relacionada às suas
capacidades cognitivas, relação com o meio social e competência linguística. Nessa
perspectiva, a criança inicia seu processo de compreensão da linguagem escrita, a partir da
compreensão mais ampla de que a escrita representa, de alguma maneira, a fala. Depois,
avança na sua compreensão da relação entre fonemas e grafemas e progressivamente
adquire noções sobre o funcionamento do sistema linguístico nos seus aspectos gramaticais,
0
2
4
6
8
10
12
14
Normal Atraso no desenvolvimento
Meninos
Meninas
86
semânticos, pragmáticos e fonológicos que fornecem as regras de formação de palavras,
frases e textos47, 48
.
Marturano, Loureiro, Linhares e Machado92
, em seu estudo a respeito de
indicadores de problemas associados a dificuldades escolares e Bishop e Adams93
, em sua
pesquisa sobre a relação entre distúrbios de linguagem e problemas na leitura, concluíram
que alterações na linguagem oral, como por exemplo, trocas ou omissões de fonemas,
podem contribuir de forma significativa para o surgimento de dificuldades acadêmicas,
principalmente no processo de aquisição da leitura e da escrita.
Ambas pesquisas destacaram outros estudos que encontraram a mesma associação
entre os dois fatores e que indicaram que as crianças que apresentam alterações e/ou atraso
na linguagem, tendem a apresentar baixo desempenho em leitura e escrita, assim como
também baixo índice de compreensão de leitura. Estes resultados sugerem que estas
dificuldades e alterações são fatores de risco significativos para o processo de
aprendizagem escolar.
Observa-se assim que a presença de um alto índice de dificuldades na leitura e na
escrita surge devido a problemas na fala. Identifica-se a importância em compreender que a
linguagem oral é dependente do contexto em que a criança está inserida, assim como todo o
processo de desenvolvimento. Vygotsky e Luria41
expõem em seu estudo que toda história
do desenvolvimento da criança, ocorre através de seu meio social e das pessoas que a
cercam. Segundo os autores, a transição do biológico para o social é o elo central no
processo de desenvolvimento e transformação no comportamento da criança.
Deste modo, a linguagem oral surge a partir das relações e interpretações das ações
da criança pelo “outro”. Mesmo antes de começar a falar, os outros ao redor do bebê já
esperam que futuramente ele vá ser capaz de falar e, a partir disso, conversam com ele
mesmo com retorno apenas em forma gesticular, balbucios e expressões faciais, sem a
presença da língua falada. Logo que a criança age, através de um balbucio, choro, gesto,
olhar, etc, a pessoa que convive e se comunica com ela, compreende e interpreta essa ação,
o que lhe possibilita aprender a interagir e a se comunicar com seu meio48
. Por isso, quando
esse processo se apresenta de forma incompleta ou com falhas, os problemas de
87
comunicação podem ter consequências também para a interação com os pares, para a
constituição da autoconfiança e para a aprendizagem.
Com relação aos participantes que apresentaram queixas de fala, estes se enquadram
no que se classifica como alterações de origem fisiológica (como alteração neurológica,
anatômica, motora, entre outras)92, 93, 94
. Segundo os responsáveis, quatro destas seis
crianças apresentam alteração na motricidade orofacial e, no momento da coleta de dados,
já haviam sido encaminhados ou haviam feito atendimento fonoaudiológico. Os
responsáveis pelos outros dois alunos destacados pela alteração na linguagem, não
souberam especificar qual tipo de alteração ou atraso a criança apresentou, apesar de
alegarem que houve um atraso na aquisição da linguagem oral.
Destacam-se a seguir alguns trechos de discursos retirados das entrevistas realizadas
com os responsáveis e, a fim de complementar essa informação, pontuam-se também
observações feitas durante as aulas.
S4: A mãe de S4 afirmou que a “linguagem demorou um pouco”. Apesar dessa colocação,
não houve nenhum indício de atraso significativo na aquisição da linguagem oral. [Mãe 4;
aluna S4; 7 anos e 10 meses].
No início das observações em sala no ano letivo de 2013, essa aluna havia acabado
de entrar na escola e inicialmente se apresentou bastante tímida e falando muito pouco.
Apenas depois de aproximadamente um ano de convivência, ela passou a conversar e
interagir mais com a professora, a pesquisadora e os outros alunos. Depois desse período
dentro da sala de aula, foi possível observar que sua linguagem oral estava normalizada.
Esta foi uma aluna que se mudou do Maranhão para Campinas no ano de 2013, para
sua mãe não há relação entre seu desenvolvimento e a sua dificuldade na aprendizagem, ela
afirmou na entrevista que a estrutura da escola anterior foi o que causou essa dificuldade
escolar: “não tinha como aprender, como está aprendendo aqui, lá eles ficavam sem aula
várias vezes, não tinha professor”. No início das observações suas dificuldades eram
significativas, ela misturava números e letras e não os conhecia, porém após a transição do
88
2º ano para o 3º, com a mudança de professora (P3 para a professora P7) junto às aulas de
reforço, ela apresentou uma evolução importante e passou a reconhecer as letras, fazendo
relações entre grafemas e fonemas.
S7: A mãe de S7 afirmou que o filho ainda apresenta dificuldades na linguagem: “troca as
palavras. Espero que a ‘fono’ ajude e que cresça e mude. A gente (os pais) ajuda”. A mãe
disse também que pediu para os amigos da escola o ajudar quando ele falar errado. [Mãe 6;
aluno S7; 8 anos e 5 meses].
Durante o período de observações, foi possível verificar que o aluno S7 faltava com
muita frequência. Apesar disso, nos dias em que esteve presente, ele apresentou-se bastante
comunicativo, sendo possível detectar uma alteração na linguagem importante. Sua mãe
disse na entrevista que ele faz trocas nas palavras, como por exemplo, “cata” para “casa”,
“catorro” para “cachorro”, com predomínio no som da letra T na maioria das palavras.
Segundo a professora (P7), apesar de solicitar mais de uma vez para a mãe de S7 levá-lo
para a fonoaudiologia, ela disse que a mãe “não vê problema nisso e não busca ajuda” (sic
P7 – no ano letivo de 2014), porém no discurso da mãe surgiu a expectativa do
atendimento, não sendo possível compreender a real situação deste aluno devido às
contradições. A partir disso, a orientação dada tanto para a professora quanto para a
responsável foi de encaminhar este aluno para atendimento fonoaudiológico o mais rápido
possível.
S12: “Só a fala que não fala direito. Com três anos não falava nada, agora ‘tá’ falando
bem”. [Mãe 11; aluno S12; 8 anos e 9 meses].
Durante o período de contato com os alunos em sala foi possível observar que ele
reconhecia as letras, porém tinha bastante dificuldade em reconhecê-las pelo som. Em
conversa com a professora (P8), ela disse que chegou a questionar os pais dele sobre
alguma possível alteração na audição e solicitou que eles o levassem para uma avaliação
89
fonoaudiológica. Até o momento da coleta de dados, não houve nenhuma avaliação
auditiva do aluno.
S13: Segundo o pai: “a linguagem atrasou, ainda tem dificuldade em falar algumas coisas,
em explicá-las”. [Pai 3; aluno S13; 9 anos].
A partir das observações em sala e conversas com as duas professoras que o aluno
S13 teve contato (nos anos letivos de 2013 com a professora P4 e 2014 com a professora
P8), ele sempre foi descrito como uma criança apática, que pouco conversava e pouco se
posicionava perante os colegas. Essa timidez esteve presente durante todo momento de
observação, não sendo possível detectar qualquer alteração em sua linguagem ou
desenvolvimento.
S14: “Teve atraso na linguagem, mas a família toda ajuda, minha sogra e meu marido
também”, segundo a mãe, os dois também tiveram dificuldades na fala e também fizeram
acompanhamento com a fonoaudiologia. [Mãe 12; aluna S14; 9 anos e 5 meses].
A mãe pontuou que a aluna já havia feito acompanhamento com fonoaudiólogo
desde os três anos de idade. Em observação em sala, não foi possível perceber qualquer
alteração em sua fala, porém foi possível observar, neste período, que a aluna apresentava
bastante dificuldade escolar, com uma leitura silabada, apesar de estar no 4º ano (no ano
2014).
Além desses alunos, uma menina, que no momento da coleta de dados já se
apresentava dentro da normalidade com relação à linguagem oral, apresentou atraso
significativo no processo de aquisição da linguagem. Segundo sua mãe (Mãe 5), ela apenas
começou a falar na escola a partir do 1º ano (em torno dos seis anos) e além da linguagem
oral, ela também apresentou atraso em seu desenvolvimento cognitivo, sendo necessário
acompanhamento por profissionais da saúde (pediatra e psicóloga). É importante pontuar
90
que apesar de não ter um diagnóstico definido, a psicóloga que a atendia afirmou que ela
tinha “mente de quatro anos” (nas palavras da responsável durante a entrevista) e no
momento da coleta de dados ela estava com sete anos e 11 meses de idade.
Destacam-se a seguir trechos do discurso da mãe durante a entrevista:
S6: A mãe revelou perceber alterações importantes em seu desenvolvimento: “(ela) não é
normal, não fala coisa com coisa, alguma alteraçãozinha ela tem”. [Mãe 5; aluna S6; 7
anos e 11 meses].
No decorrer da entrevista a mãe mencionou que imagina o que pode ter causado
essa alteração no desenvolvimento de sua filha. Para ela foi como um “castigo” por ter
tentado abortar no primeiro mês da gestação, ingerindo um remédio abortivo (nas palavras
da própria mãe).
Durante as observações em sala de aula, foi possível identificar o desafio de manter
a aluna em seu lugar. Ela constantemente se levantava, ia até a lousa e começava a escrever
ou até mesmo a apagar as informações que a professora havia escrito. Algumas alunas
sentavam com ela para pelo menos tentar mantê-la sentada em seu lugar, porém até ajudá-la
no decorrer das atividades era um desafio. Apesar da ausência de diagnóstico, a escola
conseguiu proporcionar a presença de uma educadora especial durante dois dias da semana,
a partir da solicitação da professora da turma no ano letivo de 2013 (P3).
Apesar de um caso específico, um aluno do 2º ano (S2), não ter sido destacado
acima pela alteração na linguagem oral, é importante pontuar que a partir de observações,
entrevista com a responsável e conversas com a docente, a dificuldade desse aluno na
aquisição da leitura e escrita se deu, principalmente, pelo fato dele ter mudado de cidade
(vindo da região nordeste, da Bahia) no início do processo de alfabetização (no 1º ano) e ter
tido dificuldades no processo de adaptação ao novo contexto.
A partir da bibliografia estudada, é possível afirmar que algumas “alterações” na
fala não são de origem fisiológica (como alteração neurológica, anatômica, motora, entre
outras) e sim cultural, portanto não podem ser caracterizadas como alterações e sim como
diferenças que remetem à variedade linguística92, 93, 94
.
91
Como discutido antes, muitas dificuldades surgem porque a criança faz uso de
recursos de fala da sua comunidade de origem, exemplo desse aluno. Neste exemplo, desde
a compreensão do alfabeto até a pronúncia das letras (incluindo a sua consciência da
relação fonema e grafema) foram ensinadas inicialmente na Bahia, com uma pronúncia
própria e regionalizada, o que acarretou dificuldades na compreensão da sonoridade do
alfabeto e das palavras na região Sudeste, em Campinas, residência atual desse aluno.
Outro aspecto observado, a partir das entrevistas com docentes, responsáveis e
observações, assim como também na bibliografia estudada93, 94
, frequentemente apenas com
o início da escolarização da criança são identificadas as suas dificuldades na aprendizagem
escolar ou até mesmo no desenvolvimento (como alteração ou atraso na aquisição na
linguagem, atraso no desenvolvimento psicomotor, entre outros). Esse aspecto é
importante, visto que o acompanhamento e a intervenção precoce são cruciais tanto para as
dificuldades de aprendizagem como para qualquer alteração no desenvolvimento humano.
Aguardar o ingresso da criança na creche ou na escola (Ensino Infantil ou Fundamental I)
para a detecção de problemas revela falhas na rede de cuidados responsável pelo
atendimento em saúde e educação anterior a esse momento, ao tempo que posterga o início
de qualquer intervenção.
Observa-se também que apesar de alguns alunos apresentarem problemas na
linguagem oral e/ou alterações no desenvolvimento, a queixa de profissionais e familiares
acaba se direcionando à dificuldade no processo de aquisição de leitura e escrita.
4.5.1. A queixa escolar
O termo “queixa escolar” é empregado neste trabalho com o intuito de apresentar a
condição dos alunos participantes desta pesquisa, que foram identificados como
necessitados de acompanhamentos dentro e fora do contexto de sala de aula, devido ao seu
baixo rendimento acadêmico. Durante a entrevista, a questão apresentada aos responsáveis
foi direcionada às dificuldades que a criança apresenta na escola e em quais áreas, o que
justifica a predominância de queixas voltadas para as habilidades acadêmicas, considerando
92
que as queixas comportamentais e emocionais surgiram no momento reservado à
caracterização dos alunos, apresentada anteriormente.
Tabela 8. Distribuição dos alunos por gênero e queixa, segundo o relato dos responsáveis.
Queixa Escolar Meninos Meninas Total
Dificuldade em leitura 14 5 19
Dificuldade em escrita 12 5 17
Dificuldade em matemática 11 4 15
Não memoriza 3 2 5
Alteração na fala 2 1 3
Apatia 1 0 1
Desorganização 2 0 2
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
93
Gráfico 9. Distribuição dos alunos por gênero e queixa, segundo o relato dos responsáveis.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
A análise da entrevista e dos dados apresentados na tabela 8 e no gráfico 9 permite
observar que em todos os casos selecionados e entrevistados, surgiram nos discursos tanto
das docentes quanto dos responsáveis, múltiplas queixas escolares, ou seja, queixas
associadas entre si. Apesar dessa associação, as mais frequentes, tanto no grupo de
meninos, quanto no grupo de meninas, foram: dificuldade em leitura, em escrita e em
matemática, compreendendo assim um problema de transmissão do valor social e cultural
que a leitura e escrita englobam, conforme visto no conceito de Letramento43, 44
, o que
configura um “problema de ensinagem” (p.28), descrito pelas autoras Collares e Moyses5.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
Meninos
Meninas
94
Alguns trechos foram selecionados dos discursos dos responsáveis que
exemplificam a descrição das queixas escolares pelos familiares.
S1: “Tem dificuldade na leitura e na escrita, ela precisa de ajuda (...) tem dificuldade em
tudo, até no alfabeto” [Mãe 1; aluna S1; 8 anos e 4 meses].
Em observação na sala, no ano letivo 2013, foi possível identificar as dificuldades
que a própria mãe da aluna relatou. Em um ditado para sondagem, sua escrita foi
classificada como Pré-Silábica, em que fez uso de letras sem sentido e sem valor sonoro
convencional. Para essa sondagem foi ditada a música do “Cravo e Rosa” e para cada refrão
a aluna escreveu “OETOETHTOODHTOETRTOGI”, entre outras variações utilizando as
mesmas letras.
Nas atividades na sala, a professora P1 sempre propôs atividades diferenciadas para
a aluna, com foco em sua alfabetização. Para a maioria das atividades a aluna S1 pedia para
P1 lhe deixar sentar em dupla com outros alunos, em alguns momentos a professora a
autorizava, porém em outros a professora deixava claro que ela era capaz de fazer a
atividade sozinha e que ela precisava aprender. Em conversa com a professora P1 ela falou
sobre isso, disse que S1 quer sempre fazer com os outros alunos pois eles a ajudam, porém
ela também precisa aprender sozinha: “ela tem que ser mais independente, não pode usar
os outros como ‘muleta’ para sempre”.
S3: “(Ele) não reconhece letras, não sei por que é desse jeito, mistura tudo letra e
número”. [Mãe 3; aluno S3; 8 anos].
Em 2013, durante as observações, folheando seu caderno e conversando com ele,
foi possível perceber que S3 não conhecia nem as letras do alfabeto. Em seu caderno,
apesar de tentar copiar a lousa, não havia nenhuma palavra de fato escrita, apenas letras
aleatórias, como, por exemplo, “OAOAEODOAOFI” e outras variações de misturas de
letras, e muitas vezes até com números no meio.
95
Em conversa com a professora P3, ela alegou que o aluno tinha bastante
dificuldade, e que o ano de 2013 era seu primeiro ano na escola, pois ele havia acabado de
se mudar do Maranhão. Desconsiderando sua questão social e cultural e seu histórico na
escola (veio de uma região em que as escolas por muitos dias ficavam sem aulas, sem
professores e não tinham estrutura), quando questionada se ela havia conversado com os
pais sobre as dificuldades do aluno, a professora apenas respondeu: “os pais se negam a
levar ele no médico” (sic P3). Este foi mais um exemplo do que Collares e Moysés5
denominaram “biologização”, mais uma vez culpabilizando e justificando as dificuldades
escolares por “problemas” no aluno.
S5: “Na verdade, não apresenta dificuldade, ele não se interessa... porque passa de ano
mesmo assim... (...) o problema está no sistema, (ele) só vai ficar preocupado se levar
bomba (...) parece lição de pré, é vergonhoso”. [Pai 1; aluno S5; 7 anos – o pai não soube
informar a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a idade].
Durante a entrevista, o pai do aluno S5 criticou em muitos momentos o sistema
atual da educação brasileira, principalmente a respeito da progressão continuada. Alegou
que antigamente os alunos sofriam consequências quando não aprendiam por mau
comportamento e que com a progressão continuada, isso não acontece mais, o que apenas
incentiva a desmotivação para aprender. S5 foi um dos alunos que mais chamou a atenção
pela sua constante dispersão, falta de respeito à professora e desmotivação.
S6: “(Tem dificuldade) em tudo, até para dar laço no próprio tênis. Tem dificuldade em
todas as matérias” [Mãe 5; aluna S6; 7 anos e 11 meses].
A mãe da aluna relatou atrasos significativos no desenvolvimento da criança,
pontuando ainda atraso na aprendizagem em geral.
Durante as observações, identificou-se que esta aluna foi o maior desafio para a
escola em geral. A diretora da escola conseguiu contratar uma educadora especial para ficar
com ela duas vezes por semana, porém mesmo esta educadora tinha bastante dificuldades
96
em manter a aluna sentada ou fazendo qualquer atividade proposta. Nos dias em que a
educadora não estava em sala, o desafio era ainda maior, porém muitos alunos tentavam
ajudá-la, tratando-a como uma criança bem mais nova (assim como a própria professora
P3).
No ano letivo de 2014, quando a professora P7 assumiu a turma em que S6 estava,
pela mudança nas atitudes direcionadas à aluna e à turma toda, com o uso de regras e
limites, a aluna apresentou-se mais tranquila, conseguia permanecer mais tempo sentada e
até realizar as atividades, apesar de ainda apresentar muitas dificuldades na aprendizagem.
S8: “A gente explica, mas ela não consegue sozinha depois, peço para ela ler, na primeira
vez ela lê, mas na segunda não”. A mãe disse que o pai da aluna acha que isso é falta de
interesse: “ele fala que isso acontece porque ela perde o interesse, ela que não quer”, mas
disse que não concorda com ele e por isso vai procurar uma avaliação neurológica. [Mãe 7;
aluna S8; 8 anos e 2 meses].
Em observação no contexto de aula, no ano letivo de 2013, a aluna constantemente
copiava as atividades de sua colega S10, que também apresentava dificuldades
significativas. A professora P3 solicitou uma avaliação para a pesquisadora, pois achava
que a aluna possuía algum “problema” (sic P3). Fora do contexto de sala, foi realizada uma
sondagem simples, com foco na leitura e escrita, em que a pesquisadora apontou algumas
palavras em uma revista e a aluna leu em voz alta, em seguida, foram ditadas algumas
palavras, a produção da aluna foi: “joga” (jogar); “recelea” (recreio); “mudo” (mundo);
“fofo” (fundo); “carro”; “lifo” (livro) e “familhe” (família). Com essa observação fora do
contexto de aula, foi possível perceber que a aluna apresenta mais um sinal de insegurança
do que de fato dificuldade no processo de aprendizagem, as trocas foram classificadas
como esperadas para a fase inicial da alfabetização.
97
S9: “Reconhece letra, mas não consegue juntar, mas não consegue formar palavras e
quando escreve ele só copia”. Quando questionada sobre as outras disciplinas: ”em
matemática eu acho que não é muito bom não”.
Foi possível observar muita dificuldade por parte do aluno. Aparentemente não
conhecia as letras e como consequência dessas dificuldades, se dispersava, ficava
apontando os lápis, andando pela sala e conversando com os outros colegas, sempre como
uma forma de evitação da atividade proposta. Sua irmã gêmea estudava na mesma turma e
por não apresentar dificuldades (sua escrita foi classificada como silábico-alfabética) em
muitos momentos ela tentava ajudá-lo.
S10: “Não sabe nada, não sabe as letras, mês passado que a professora disse que começou
a juntar (as letras)” [Mãe 9; aluna S10; 8 anos e 5 meses].
No ano letivo de 2013, ao folhear seu caderno foi possível identificar que a aluna
conseguia copiar todas as informações da lousa corretamente. Apesar disso, nenhuma
atividade proposta foi realizada, o que indica que a aluna conseguia apenas copiar as
informações. Em conversa individualmente, como realizada com a aluna S8, foram
identificadas dificuldades importantes no processo de aprendizagem de S10, pois a aluna
não conseguiu ler a maioria das palavras solicitadas, e, quando presente, a leitura foi
silabada.
S11: Segundo os pais, ambos presentes na entrevista, o aluno “não lê, reconhece as letras,
mas não memoriza, (ele) esquece rápido”. Quando estavam descrevendo as dificuldades, os
pais afirmaram que se preocupam muito, pois o filho é bastante infantilizado para a idade.
Eles disseram que ele “parece um bebêzão”, e que em alguns momentos em casa ele chega
a evacuar na roupa, questão não detectada na escola. Apesar disso, o pai alegou ter dúvidas
sobre se esse comportamento é devido a ter preguiça ou de fato uma dificuldade em
perceber sua própria necessidade de ir ao banheiro. O pai chegou a afirmar que o filho
“parece que não liga quando está sujo”. [Mãe 10 e Pai 2; aluno S11; 7 anos e 9 meses].
98
S14: Segundo a mãe, além da dificuldade na linguagem, a aluna “tem dificuldade na leitura
e na escrita, não consegue ler, junta tudo e troca as letras, tem dificuldade também em
guardar os números e ainda usa o dedo para contar”. [Mãe 12; aluna S14; 9 anos e 5
meses].
Durante a observação no ano letivo de 2013, na turma 3ºA, e no ano letivo de 2014,
na turma 4ºD, a aluna apresentou dificuldades importantes na leitura e na escrita. A todo o
momento, sua leitura era silabada e fragmentada. A aluna foi encaminhada em 2013 para
um atendimento psicopedagógico, porém os pais não retornaram para o atendimento.
S16: “(Ele) não se interessa em aprender, ele mente que não tem lição”. Quando
questionada, disse que a professora conta para ela quando o aluno não faz a tarefa de casa.
[Mãe 14; aluno S16; 9 anos e 7 meses].
S17: “O caderno é todo relaxado, rasga o caderno, desiste da lição, ele é nervoso demais.
Não consegue contar, nem ler”. Quando questionada em quais matérias têm mais
dificuldades: “é péssimo, pelo menos é o que se vê no caderno”. [Avó 1; aluno S17; 9 anos
– a avó não soube informar a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a
idade].
S19: “Sim, (tem dificuldades) nas letras, (em) matemática, ele esquece tudo”. [Mãe 16;
aluno S19; 8 anos – a mãe não soube informar a data de nascimento no momento da
entrevista, apenas a idade].
A queixa de dificuldade em memorizar as informações passadas também foi destacada pela
professora P5 (3º ano D em 2013) e P8 (4º ano D em 2014), as duas relataram que o aluno
“esquece tudo” e se preocupavam muito com essa questão.
A professora P8 trabalhou com o aluno de diferentes maneiras, fornecendo
diferentes formas de exposição ao conteúdo, e percebeu que o aluno reconhecia e
99
memorizava facilmente o som das letras, porém tinha bastante dificuldade em relacioná-los
com as letras escritas, além de apresentar dificuldades em reconhecer as cores. Diante
disso, a professora cogitou haver um problema na visão do aluno e o encaminhou para
avaliação oftalmológica. Durante o período de coleta de dados o mesmo foi diagnosticado
com um alto grau de alteração em sua visão (não foi especificado o tipo de problema) e sua
mãe já estava providenciando óculos, confirmando a suspeita da professora e demonstrando
que a sua dificuldade em memorizar, possivelmente era dificuldade em enxergar.
S21: “A professora diz que ele sabe, mas não faz, é lento, mas consegue ler e escrever”.
[Mãe 18; aluno S21; 9 anos e 10 meses].
A leitura desses exemplos permite observar que as queixas, do ponto de vista dos
responsáveis, surgem por diferentes fatores. Nesses exemplos, nove responsáveis
reconhecem e descrevem a dificuldade no aluno (falas dos responsáveis por S1, S3, S6, S8,
S9, S10, S11, S14 e S21): “não consegue contar, nem ler”; “tem dificuldade na leitura e na
escrita”; “não lê, reconhece as letras, mas não memoriza” entre outros. Apesar desses,
surgiu uma queixa voltada ao sistema pedagógico e a progressão continuada, isentando o
modo de ensinar oferecido pela escola, no discurso do responsável pelo aluno S5: “o
problema está no sistema, (ele) só vai ficar preocupado se levar bomba”; queixas que
apresentam aspectos emocionais, como insegurança, preguiça e desinteresse, destacados
nos discursos dos responsáveis pelos alunos S8, S16 e S17 e por fim queixas voltadas a
outros aspectos do desenvolvimento, como destacado no discurso dos responsáveis pelo
aluno S11: “parece um bebêzão”.
A partir do estudo da bibliografia relacionada ao tema, entende-se que a dificuldade
de aprendizagem é caracterizada como uma condição de risco psicossocial para o
indivíduo, colocando-o em desvantagens educacionais e sociais. Além disso, os problemas
de aprendizagem têm sido frequentemente associados a dificuldades nas condições
familiares e do ambiente mais amplo. Entende-se assim que há grande possibilidade de
estar associada a outras situações de vulnerabilidade pessoal e ambiental. Os alunos com
100
esse tipo de queixa, em sua maioria, apresentam problemas sociais, emocionais e
comportamentais14, 64, 95, 96, 97, 98, 99, 100
.
Segundo a perspectiva vygotskyana101
, é comum surgirem erros e dificuldades no
início de qualquer nova aprendizagem. A dificuldade é um indício de que as funções
psíquicas da criança ainda estão em processo de construção. É o contato com a informação
e experiência, através das relações, que a aprendizagem irá promover o desenvolvimento.
Entende-se que as funções amadurecem ao longo do processo, e este ocorre de uma
maneira singular em cada criança.
Conforme Vygotsky101
, não há um paralelismo entre o curso da instrução escolar e o
desenvolvimento das funções, a aprendizagem escolar deve sempre levar o aluno adiante,
estimulando-o a aprender mais e a se desenvolver mentalmente. Nas palavras do autor,
sobre a relação entre a instrução escolar e o desenvolvimento da criança “siempre hay
divergencias y que nunca se manifesta paralelismo entre el curso de la instrucción escolar y
el desarrollo de las correspondientes funciones” (p.235). Além disso, ele afirma que: “la
curva de desarrollo no coincide com la del curso del programa escolar. (...) la instrucción se
adelanta en lo fundamental al desarrollo” (p.236-237) e devido a isso, a mediação do outro
mais experiente e a sua instrução são aspectos importantes e decisivos para aprendizagem
da criança.
“(...) en la escuela el niño no aprende a hacer lo que es capaz de realizar
por sí mismo, sino hacer lo que es todavía incapaz de realizar, pero que
está a su alcance en colaboración con el maestro y bajo a su dirección. Lo
fundamental en la instrucción es precisamente lo nuevo que aprende el
niño. Por eso, la zona de desarrollo próximo, que determina el campo de
las gradaciones que están al alcance del niño, resulta ser el aspecto más
determinante en lo que se refiere a la instrucción y el desarrollo” (p. 241)
Diante disso, entende-se que se o professor valorizar o aluno e compreender seu
desenvolvimento (real e potencial), ele se torna capaz de mediar, colaborar e o instruir para
superar suas dificuldades. Novamente, destacando a importância da relação de qualidade
entre professor-aluno no âmbito escolar.
101
Com relação aos resultados, observa-se que a maioria dos alunos apresenta
dificuldades no processo de aquisição de leitura e escrita, o que indica falhas no processo
de alfabetização e na transmissão dos conhecimentos, valores sociais e culturais, a partir da
concepção de Letramento43, 44
. Dentre esses casos, algumas crianças sequer reconhecem
letras e números, misturando-os quando tentam escrever. Além disso, algumas crianças
também foram descritas como “copistas”: elas apenas copiam da lousa ou de seus colegas,
porém não conseguem ler nem escrever de forma espontânea e independente e nem
entender o que copiam.
Essa questão é muito preocupante porque a cópia não possibilita a apreensão do
sistema de escrita e não permite o uso significativo dessa ferramenta. Por outro lado, é
importante que a escola identifique e atue de forma diferenciada em relação a esses alunos,
que utilizam, na sala de aula, estratégias de fuga para sobreviver. É importante entender,
também, que se o aluno aprendeu a copiar, ele poderá, muito provavelmente, apreender o
sistema de escrita se o ambiente prover os recursos necessários para que a própria cópia
seja significativa e assim para a aprendizagem.
Qualquer indivíduo que vive e convive em uma sociedade letrada, mesmo sendo
criança, tem a capacidade de perceber que a escrita é algo bastante presente e importante.
Devido a isso, o indivíduo que possui contato com essa realidade, desde cedo, busca fazer
suposições e especulações a respeito deste objeto de uso social. Assim, o processo de
letramento da criança está diretamente relacionado com o grau de letramento do contexto
em que vive, o qual proporciona desde a fase inicial da oralidade, uma relação com o
conhecimento da escrita102
.
Apesar de atualmente haver bastante exposição à escrita, por exemplo, através de
rótulos de mercadorias, placas distribuídas nas ruas (outdoors), computador e internet,
celular, televisão, entre outras formas de comunicação, na população estudada
possivelmente ainda falte uma convivência mais significativa com os atos de ler e escrever.
Quando olhamos para o contexto em que vivem, nele podemos identificar que a maioria
convive com pais e familiares analfabetos ou semianalfabetos, os quais não têm o costume
de ler jornais, revistas, livros, etc, e assim, possivelmente, essa atividade não é uma prática
102
presente em casa. Por isso, é importante que a escola reveja os modos de aproximar as
crianças da escrita e de tornar as atividades de leitura e escrita, algo necessário para elas.
A aprendizagem da leitura e da escrita envolve aspectos psicológicos, cognitivos,
sociais, culturais e linguísticos. Esses aspectos integram a história do aluno como leitor e
aprendiz. Nesse sentido, a familiaridade do indivíduo com a escrita, seus conhecimentos
prévios à entrada na escola e as práticas de linguagem em que está imerso, influenciam as
relações subjetivas que estabelece com a língua49, 50
.
A literatura da área aponta que, em muitos casos, o sistema de ensino tem se
preocupado mais em transmitir a “mecânica” da alfabetização, centrada nas técnicas de
codificação e decodificação, deixando de lado o ensino do valor social e cultural que a
leitura e a escrita representam. Este aspecto está explicado no grande número de
dificuldades de aprendizagem escolar, principalmente no âmbito dos conhecimentos de
leitura e escrita, essenciais para todas as áreas acadêmicas. Considera-se assim que a leitura
e a escrita devem representar para o aprendiz algo a ser descoberto, aprendido, por ter
importância e um valor para si mesmo e para a sociedade49, 50, 103
.
Observam-se ainda queixas como dificuldades de memória, apatia e
desorganização. Estas questões estão diretamente relacionadas aos aspectos motivacionais e
emocionais do indivíduo.
A criança que apresenta dificuldades dentro do contexto de sala de aula,
possivelmente irá manter pouca atenção direcionada ao conteúdo exposto pela professora,
apresentando mais facilidade para a distração, o que pode justificar os comportamentos de
isolamento e apatia ou, até mesmo o oposto, como a agressividade e/ou agitação49, 94, 95, 104
.
Bzuneck52
descreve:
“os efeitos imediatos da motivação do aluno consistem em ele envolver-se
ativamente nas tarefas pertinentes ao processo de aprendizagem, o que
implica em ele ter escolhido esse curso de ação, entre outros possíveis e
ao seu alcance. Tal envolvimento consiste na aplicação de esforço no
processo de aprender e com a persistência exigida por cada tarefa” (p.11).
103
Com relação à desmotivação, o autor apresenta que o aluno reduz seu investimento
de recursos pessoais, ou seja, não aplica esforços, faz o mínimo necessário, ou até mesmo
desiste mais facilmente de tarefas que demandam mais atenção, esforço e compreensão. A
motivação faz o indivíduo agir ou a mudar seu curso. No contexto escolar, é ela que faz
com que ele preste ou não atenção, faça as atividades, participe ou não das aulas, etc,
demonstrando novamente a importância das professoras e da escola em estarem atentas a
essas questões, para assim intervir quando necessário.
Outra queixa presente foi a desorganização, a qual também surge como um aspecto
comportamental e emocional, pois, como visto, muitas vezes esta encobrindo estratégias de
fuga das dificuldades, ou até mesmo surgindo a partir da desmotivação, que influencia no
envolvimento do aluno nas tarefas acadêmicas, em seu esforço no processo para aprender e
na persistência na tarefa. O aluno desmotivado acaba por apresentar uma queda de
investimento pessoal de qualidade nas tarefas acadêmicas, o que inclui o cuidado com seu
material, o preenchimento de seu caderno, etc52
.
Essa desorganização, muitas vezes originada pela dificuldade, e outras por
condições da vida extraescolar, acaba por também influenciá-la, visto que é necessário que
a criança tenha clareza e organização de seu material, de seu caderno e dos conteúdos
apresentados e ensinados e a desorganização a dificulta.
A partir disso, entende-se que a motivação diz respeito ao envolvimento do aluno e
a atenção está diretamente relacionada ao seu interesse. É importante tentar entender o que
está ocorrendo no contexto escolar que possa causar a desmotivação e dispersão no aluno
durante as aulas. Além de direcionar o olhar cuidadoso ao aluno desmotivado, é
fundamental rever as práticas pedagógicas e identificar como o conteúdo acadêmico é
apresentado, se este desperta o interesse ou o contrário, se causa o desinteresse,
desmotivação e desatenção.
Destacamos, aqui, que os processos de atenção estão estreitamente vinculados ao
interesse nas atividades, o que motiva corriqueiramente, a observação das famílias de que
as crianças não têm problemas de atenção quando se trata de brincar, jogar videogame e
realizar outras atividades prazerosas e escolhidas por elas, mas não prestam atenção na
104
escola. Nesses casos, não haveria problemas de atenção, propriamente, mas sim um
descompasso entre as práticas propostas pela escola e aquelas que a criança encontra
significativas e interessantes, próximas da sua realidade ou desafiadoras e possíveis de
serem incorporadas.
Essa discussão, tomando como base a perspectiva Sócio-Histórica, possibilita a
compreensão de que as queixas escolares apresentadas pelos familiares estão mais
associadas aos fatores pedagógicos, socioculturais e emocionais – o interesse, atenção e
motivação, do que a fatores biológicos – como problemas e atrasos no desenvolvimento
cognitivo e/ou psicomotor, alteração de linguagem, entre outros.
4.5.2. Aspectos comportamentais, afetivos e emocionais das crianças.
A leitura dos discursos dos responsáveis entrevistados permite destacar que 16 de
21 depoimentos apresentaram como característica da criança o ser carinhosa/amorosa.
Apesar disso, chama atenção o fato de que os aspectos preocupantes surgiram na maioria
dos discursos nas entrevistas, como: ansiedade, agressividade, irritação e isolamento. As
crianças que foram descritas como “isoladas” (seis participantes da pesquisa), inspira
atenção, já que o termo remete a algo além da timidez.
Para a compreensão desses resultados, reconhece-se a importância de levar em
consideração as circunstâncias da coleta de dados, em que os responsáveis foram chamados
para falarem a respeito das dificuldades dos alunos, um assunto corriqueiramente tratado de
forma negativa. Como uma forma de esclarecimento e acolhimento, em toda entrevista
realizada houve a tentativa da pesquisadora em atenuar essa “visão negativa” explicando a
real finalidade da entrevista: a intenção em compreender a criança como um todo, o
contexto em que ela vive, suas características comportamentais, emocionais e afetivas, seu
desenvolvimento, sociabilidade e dificuldades, para ajudar no trabalho das professoras,
assim como, se necessário, orientar os pais para lidarem com as dificuldades dos filhos.
Vale pontuar que, em alguns casos, as observações em sala de aula permitiram
identificar discrepâncias entre a visão da família e da escola em relação ao comportamento
105
ou características das crianças. Assim, características que vão desde a timidez até a
agressividade ou a falta de respeito foram descritas pelos familiares, mas não observadas
por professores ou pela pesquisadora.
Em muitos discursos os responsáveis apresentaram diferentes características, até
mesmo opostas, em uma mesma descrição. Entende-se que esta “contradição” se dá devido
aos sentimentos humanos naturalmente se contradizerem, visto que o indivíduo age e reage
diferentemente a cada situação a que é exposto.
Esta questão da variação comportamental e emocional nos alunos esteve presente no
próprio discurso de alguns responsáveis. Em alguns casos os entrevistados reconheceram
que apesar da criança ter um mau relacionamento (com desafeto) com um dos familiares,
ela se relaciona de maneira diferente e mostra afeto positivo com outros.
Destacam-se a seguir, alguns trechos de falas, selecionadas das entrevistas com os
responsáveis, que ilustram a descrição anterior:
S1: “Ela não gosta do padrasto, ela xinga muito ele, e ele responde também” (eles
convivem há, aproximadamente, 2 anos). Com relação à mãe: “ela gosta de carinho, é
carinhosa”. [Mãe 1; aluna S1; 8 anos e 4 meses].
Em observação, foi possível verificar uma postura agressiva por parte da aluna.
Constantemente ela implicava com os outros meninos da turma e chegou a agredir um deles
durante um dia de observação. A professora (P1) afirmou que a aluna, além das
dificuldades no processo de aquisição da leitura e escrita, normalmente apresentava
problemas de mau comportamento como dificuldades em respeitar os alunos e em seguir as
regras da sala. Diante disso, pelo fato da professora estar ciente das dificuldades da aluna,
ela constantemente a ajudava a lidar com os desafios que surgiam no processo de
aprendizagem escolar, assim como lidar com seu comportamento agressivo, com esse
acolhimento a aluna se apresentava mais tranquila, carinhosa e respeitosa com a professora.
106
Este exemplo evidencia as diferentes maneiras em que a criança pode agir e reagir
com diferentes pessoas e contextos. Junto a pessoas que lhe davam atenção e carinho, ela
também se apresentava assim, porém quando a relação era mais agressiva, ela também
respondia com a agressividade.
S2: A descrição desta criança no discurso da mãe foi destacada por sua variação: “(ele é)
bem apimentado, danado, bom, alegre, divertido até demais, agitado”. [Mãe 2; aluno S2;
8 anos e 5 meses].
S16: “Ele responde muito, faz cara de ‘quero te matar’, ele chegou a tentar bater em mim,
roubou minha banca (de jornal), tentou fazer intriga minha com o pai dele, só a avó que faz
tudo pra ele, então ele gosta”. [Mãe 14; aluno S16; 9 anos e 7 meses].
S17: A avó na entrevista disse que a criança não conviveu muito com a mãe, e afirmou: “eu
sou a mãe para ele”, ela disse que ele chega a verbalizar: “(ele) fala que a mãe dele é chata
e que não gosta (dela)” e já com relação a avó: “(ele) gosta muito (do carinho dela)”. [Avó
1; aluno S17; 9 anos – a avó não soube informar a data de nascimento no momento da
entrevista, apenas a idade].
A descrição da criança pela avó também apresentou variações: “(ele) é muito
nervoso, tem gênio ruim, fica nervoso e se irrita muito, mas é carinhoso”.
Em observação na sala, a postura do aluno S17 foi diferente, tanto no ano letivo de
2013 quanto no primeiro semestre de 2014. Apesar de faltar bastante nas aulas, nos dias em
que esteve presente, o aluno apresentou-se tímido, retraído, assim como quieto e falando
bem baixo durante as atividades pedagógicas, além de interagir pouco com a professora e a
pesquisadora.
107
É importante pontuar que, até o momento da coleta de dados, este era um aluno que
vivenciava constantemente situações adversas em seu contexto familiar, como violência
doméstica e alcoolismo.
S19: “Ele é agitado, bagunceiro, briguento com o primo”, quando questionada sobre a
forma da criança se relacionar com outras crianças: “se dá bem, normal, na escola briga um
pouco, mas se relaciona bem”. [Mãe 16; aluno S19; 8 anos – a mãe não soube informar
a data de nascimento no momento da entrevista, apenas a idade].
S20: No discurso da mãe: “comigo ele é brincalhão, fala que ama, mas com o pai ele não
gostava, agora tem demonstrado mais, mas eles brigam muito, ele (o pai) não dá amor
sabe? Não consegue.” A mãe explicou essa possível indiferença do pai com o filho: “o pai
dele foi criado na roça, na ‘revolta’, sem amor, humilhado por todos, nunca foi de brincar
com o filho, não participa de nada”. [Mãe 17; aluno S20; 8 anos e 10 meses].
S21: “(Ele é) meio fechado, isolado, mas brinca com a prima e com a irmã mais velha (13
anos), mas com a de 11 anos briga muito, mas ela que cutuca”; “comigo é carinhoso, mas
não conversa muito”. A mãe disse que a criança chega a verbalizar a infelicidade e o
quanto modifica seu comportamento quando vai visitar o pai e afirma que o filho “não
gosta dele”, mais uma vez sendo possível observar as diferentes formas de relacionamento
da criança. [Mãe 18; aluno S21; 9 anos e 10 meses].
O discurso da mãe é coerente com as observações, que permitiram constatar
situações de isolamento e evitação de contato social. Este é um aluno que traz marcas
importantes de vivências do passado, que incluem violência física e sexual.
108
Os exemplos citados permitem vislumbrar o quanto as características e relações
podem estar associadas com o baixo desempenho acadêmico. Na abordagem Sócio-
Histórica, Vygotsky32
enfatiza a importância do outro não apenas no processo de
construção do conhecimento, como também na constituição do próprio indivíduo e suas
formas de agir.
Cole e Cole104
e Coll, Marchesi, Palácios105
trazem em seus trabalhos que o olhar
que se tem sobre o indivíduo, faz com que o mesmo se reconheça. A partir disso, entende-
se que um olhar negativo faz com que o aluno tenha uma visão negativa de si, por isso a
visão das pessoas ao redor dessa criança, a faz ser e agir diferentemente. Isso possivelmente
explicaria porque as crianças agem de forma distinta em ambientes e com pessoas
diferentes.
Cole e Cole104
descrevem que é a partir da experiência de relacionar-se com várias
pessoas que as crianças desenvolvem uma melhor percepção de si. Os autores descrevem
ainda que é possível observar a presença de “Eus múltiplos”, que envolvem o exercício de
papéis sociais diferentes, conforme o contexto em que se está inserido no momento.
O autoconceito e a autoestima são dois conceitos fundamentais quando se discute o
tema abordado neste estudo, o processo de aprendizagem e as dificuldades que podem
surgir nesse processo.
A experiência escolar tem um importante papel na formação do autoconceito e da
autoestima. Muitos estudos têm encontrado relações entre as dificuldades de aprendizagem,
o baixo desempenho acadêmico e o autoconceito e autoestima dos alunos10, 11,
12,
14, 64, 94, 95,
96, 97, 104. Estes mostram que alunos com defasagem escolar tendem a apresentar um
autoconceito e autoestima negativos, visto que se percebem inferiores e com menor
capacidade de aprender do que o restante da turma, que não apresenta maiores dificuldades
e defasagens na aprendizagem escolar.
De acordo com Moysés106
, há um consenso de que o autoconceito diz respeito à
percepção que o indivíduo tem de si e a autoestima à percepção que ele tem de seu próprio
valor. A autora, com base na abordagem Sócio-Histórica, escreve que os adultos costumam
109
reagir aos comportamentos das crianças pequenas, em momentos com elogios e
aprovações, em outros com repreensões. Com o decorrer do tempo, com a repetição dessas
respostas aos comportamentos da criança, um processo inicialmente interpessoal passa a ser
incorporado por ela à sua própria estrutura cognitiva, e assim torna-se pessoal. Vygotsky32,
106 descreve que a passagem dos conteúdos interpsicológicos ocorre através de uma
interação com os conteúdos existentes na mente da criança, ou seja, ela traz consigo marcas
de sua individualidade e a internalização destes conteúdos ocorre seguindo tais marcas.
Bakhtin107
resumiu: “as palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom
valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos” (p. 314).
O autoconceito é visto como um aspecto importante para o indivíduo, pois envolve
a maneira como ele concebe a si em relação aos outros. Este conhecimento de si não está
presente desde o momento do nascimento, porém é o resultado de um processo ativo
presente ao longo do desenvolvimento humano105
.
Compreende-se assim que há grande importância dos pais ou de outros indivíduos
considerados importantes pela criança na formação de seu autoconceito e sua autoestima.
Moysés106
afirma: “é com eles que a criança estabelece as relações mais significativas para
a formação da sua identidade. Nas suas mãos estão o poder e o controle e, em
consequência, a aprovação e a recompensa ou a reprovação e o castigo” (p.26). A
autoestima é vista assim como o nível de satisfação que a pessoa sente quando entra em
contato com seu autoconceito.
Nesta etapa da vida, entende-se que estes sentimentos estão diretamente associados
ao desempenho acadêmico dos alunos, visto que o sentimento de inadequação e
incapacidade, muitas vezes originado pela própria forma da escola e professores tratar os
alunos, traz consigo sentimentos de frustração, inferioridade e insegurança. Estes
sentimentos resultam, muitas vezes, em comportamentos de isolamento e apatia, como
surgiram nas descrições de algumas crianças participantes dessa pesquisa. Em
contrapartida, esses sentimentos também podem acarretar maus comportamentos,
relacionados à agressividade, raiva, irritabilidade e falta de respeito, justamente pela
sensação de inadequação ao contexto, comportamentos também presentes nos discursos dos
responsáveis entrevistados 94,
104
.
110
O autoconceito negativo e a baixa autoestima são decorrentes, possivelmente, do
fato dessas crianças com queixa escolar receberem feedbacks negativos de seu ambiente,
não apenas com relação ao seu rendimento escolar, mas também no que se refere às suas
habilidades sociais e aos problemas comportamentais95
. Em muitos casos, o mau
comportamento ou a falta de modos considerados adequados no ambiente escolar
predispõem os professores a encontrar, nesses mesmos alunos problemas de aprendizagem.
A partir dessa leitura, é possível compreender que a consciência de si se desenvolve
através um processo longo e contínuo, que sofre mudanças e transformações, as quais são
refletidas nas experiências e nas capacidades sociais, intelectuais e biológicas emocionais
adquiridas ao longo dos anos. Esse processo modifica as dimensões relevantes tanto do
autoconceito, quanto da autoestima. É de grande importância entender esses fatores, pois
estão diretamente relacionados às motivações, comportamentos, sentimentos, escolhas e
relações que o ser humano estabelece com os outros94, 104
.
Os fatores emocionais apareceram em destaque no decorrer de todas as entrevistas
com os responsáveis. Devido a sua grande importância para o rendimento acadêmico,
apresentam-se a seguir as tabelas e gráficos que representam o envolvimento emocional e o
comportamento dos alunos nas atividades escolares e sua relação com a própria escola. A
primeira diz respeito a como o aluno enxerga sua própria dificuldade.
111
Tabela 9. Como a criança enxerga suas dificuldades, segundo o relato dos responsáveis.
Como a criança enxerga suas dificuldades? Meninos Meninas Total
Reconhece a dificuldade: fica triste,
preocupado(a) e/ou envergonhado(a) 9 4 13
Não manifesta 6 2 8
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
Gráfico 10. Como a criança enxerga suas dificuldades, segundo o relato dos responsáveis.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
Observa-se que, de acordo com os familiares, pouco mais da metade dos alunos
reconhece e/ou se importa com suas dificuldades escolares. Dos 21 alunos participantes da
pesquisa, no discurso de seus responsáveis, oito alunos não manifestam ou até mesmo
demonstram desinteresse sobre seu baixo rendimento acadêmico e dificuldades.
Os atos das crianças que revelam essas posturas foram descritas pelos entrevistados
como: a mentira e ocultação das tarefas escolares, descuido com o próprio material escolar,
0
2
4
6
8
10
Reconhece a dificuldade Não manifesta
Meninos
Meninas
112
a verbalização de que não se importam em aprender e ir à escola e/ou até mesmo o silêncio
a respeito de sua vivência escolar.
É importante pontuar que muitas vezes os familiares podem não perceber a
existência do reconhecimento da dificuldade de aprendizagem, mas isso não implica que
ela não exista. Essa questão inspira cuidados, no sentido de se compreender que o
reconhecimento da dificuldade muitas vezes pode ser doloroso e, como forma de defesa, o
indivíduo não se depara com ele explicitamente.
A dificuldade em reconhecer o próprio desempenho e o desinteresse nas atividades
escolares pode estar relacionada com vários fatores já mencionados: a dificuldade em se
apropriar de uma linguagem distante da sua comunidade; a tentativa de evitar situações
desagradáveis - tais como as que se apresentam quando alguém não domina um
conhecimento exigido como pressuposto para adquirir outros conhecimentos; a baixa
autoestima; ou até mesmo a falta de compreensão da importância da leitura e da escrita para
a vida social49
. Diante disso, revela-se a necessidade do envolvimento direto da escola e dos
educadores, devido à importância deles em se responsabilizarem por esses alunos e seus
processos de aprendizagem escolar e assim buscarem novas estratégias de ensino para
atender esse público. Por outro lado, a persistência dos problemas de ensino, aprendizagem,
desempenho acadêmico e progressão no sistema de ensino revela a dificuldade envolvida
nessa empreitada.
Já com relação aos 13 participantes que demonstraram reconhecimento de suas
dificuldades, observamos que esse reconhecimento é importante e positivo. Ele possibilita a
busca de soluções para o problema, além de muitas vezes guiar o indivíduo em busca de
melhoria, motivando-o. O discurso dos responsáveis pelo grupo que reconheceu a
dificuldade acadêmica revelou sentimentos de preocupação, tristeza e vergonha.
Esses aspectos também foram destacados quando os responsáveis foram
questionados sobre a postura do aluno perante provas e notas baixas, apresentados a seguir
na tabela 10 e gráfico 11.
113
Tabela 10. Postura do aluno perante provas e notas baixas, segundo o relato dos
responsáveis.
Postura perante de provas e notas
baixas Meninos Meninas Total
Demonstra: tristeza; preocupação;
ansiedade e/ou vergonha 4 4 8
Não manifesta 11 2 13
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
Gráfico 11. Postura do aluno perante provas e notas baixas, segundo o relato dos
responsáveis.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Demonstra: tristeza;
preocupação; ansiedade
e/ou vergonha
Não manifesta
Meninos
Meninas
114
A percepção dos familiares em relação à postura dos alunos, no que se refere às
avaliações escolares indica que a maioria dos alunos (13 participantes) não manifestam
mudanças no comportamento quando há provas e/ou notas baixas. Em contrapartida, oito
alunos demonstram tristeza, preocupação, vergonha e ansiedade.
A nossa observação em sala de aula permitiu perceber que algumas das crianças
que, segundo os familiares, não manifestavam nenhum sentimento em relação às provas e
notas, eram também desatentas e desmotivadas a ponto de ignorarem a maioria das
atividades que a classe estava desenvolvendo. Assim, a desmotivação pode ser responsável
pela falta de investimento pessoal e também pela ausência de manifestações em relação ao
trabalho escolar92
. É importante compreender que a desmotivação pode ser apresentada
como um fator responsável nas dificuldades acadêmicas, advindas da falta de investimento
pessoal, porém ela também deve ser vista como uma consequência da falta de estímulo e
interesse no aluno em situações de exposição de conteúdo e atividades pedagógicas, que
muitas vezes não fazem sentido para ele.
No que se refere à ação das professoras diante desses aspectos, no ano letivo de
2013, especificadamente na turma de 2ºC, surgiram fatores que podem ter influenciado nas
dificuldades acadêmicas dos alunos, principalmente dos alunos com dificuldades de
aprendizagem. Dentre esses aspectos, destaca-se a falta de preparo, desmotivação e
angústia por parte da professora (P3), com uma sala com muitos alunos com dificuldades e
com falhas nas práticas pedagógicas.
Apesar disso, é possível afirmar que nesta mesma escola, outras professoras (P1,
P5, P6, P7 e P8) buscaram atenuar as situações de dificuldades dos alunos através de
mudanças nas atividades acadêmicas, como por exemplo, promovendo adaptações
condizentes com a fase de desenvolvimento e aprendizagem da criança e utilizando jogos, o
que representou uma evolução positiva na vivência acadêmica dos alunos.
Com relação aos oito alunos que demonstraram preocupação, ansiedade, vergonha e
tristeza, alguns dos responsáveis chegaram a trazer discursos das próprias crianças que,
quando tiravam notas baixas, afirmaram serem “burras”, ou perto de uma prova agendada,
115
questionavam ao responsável “o que eu vou fazer?”, demonstrando angústia e ansiedade,
por reconhecer que, possivelmente, não iriam conseguir fazer a prova.
Destacam-se a seguir, mais alguns exemplos de falas e expressões de sentimentos
das crianças a respeito de suas notas baixas e provas previamente agendadas, presentes no
discurso dos responsáveis:
S1: Segundo a mãe, S1 demonstra preocupações quando tem provas na escola: “(ela) fica
com medo, ansiosa, (e fala:) ‘o que vou fazer?’ ”. [Mãe 1; aluna S1; 8 anos e 4 meses].
Em observação, durante uma atividade no ano de 2013, na turma 2ºA, a aluna
constantemente verbalizava para si em voz alta “ ‘tô’ com preguiça”, sendo necessária
intervenção constante da professora para que ela continuasse realizando a atividade. Nesse
mesmo dia, a pesquisadora conversou com a aluna e apontou para algumas letras para
verificar sua compreensão. A aluna aparentemente tentava adivinhar as letras, nomeando-as
aleatoriamente e incorretamente. Em seguida a aluna afirmou “eu não sei ‘lê’, só sei o A, E,
I, O, U, ÃO”. A professora P1 confirmou a dificuldade da aluna em se manter atenta
durante as atividades, disse também que ela constantemente pede para sair da sala e perde o
interesse. P1 disse que conversa bastante com S1, para tentar entender esse processo de
“fuga” (sic P1) e tentar proporcionar atividades mais apropriadas para ela.
S3: A mãe afirmou que a criança chega a verbalizar: “por que sou assim?”;“tenho
problema na cabeça?”. A mãe ainda disse: “(ele) é esforçado, chora quando não
consegue”. [Mãe 3; aluno S3; 8 anos].
S4: “(Ela) fica triste, ela quer coisa melhor, (nota) mais alta”. [Mãe 4; aluna S4; 7 anos e
10 meses].
116
S6: “Ela não liga para as coisas, não ‘tá’ nem aí” (...)”Vive no mundo dela, no mundo da
lua” [Mãe 5; aluna S6; 7 anos e 11 meses].
S8: A mãe afirmou que a aluna a questiona: “será que sou normal? Porque eu não
aprendo”. Quando há provas agendadas na escola, a mãe disse: “ela fica bem preocupada,
fala ‘não vou saber fazer’”. [Mãe 7; aluna S8; 8 anos e 2 meses].
S9: Na entrevista com a mãe de S9, foi possível observar que em alguns momentos
ocorrem comparações do aluno com a sua irmã gêmea, que estuda na mesma sala. Quando
questionada sobre a postura do aluno em provas e atividades, ela alegou que às vezes a mãe
nem fica sabendo que tem provas e por isso não percebe a diferença, “acho que (ele) não
liga muito” (...) “eu falo para ele ser igual a irmã, para aprender...”. [Mãe 8; aluno S9; 8
anos e 1 mês].
Durante o período de observação no ano de 2013, o aluno constantemente andava
pela sala, dispersava facilmente durante os momentos de cópia da lousa e execução das
atividades, porém em um dia em particular, quando sentou para tentar fazer uma atividade,
ele começou a chorar. Perante essa situação a professora P3 disse apenas que esse choro era
porque ele não conseguia fazer a atividade.
Chamei o aluno para fora da sala e conversei brevemente com ele, para tentar
entender o que estava acontecendo e assim ajudá-lo a se acalmar. A sua irmã, também
aluna da turma, também saiu da sala e conversou com ele, dizendo carinhosamente que ele
não precisava chorar. Depois de um breve momento, apesar do aluno não verbalizar nada, o
acolhimento o ajudou a acalmar e a parar de chorar, e assim retornamos para sua carteira. Já
na sala, me sentei ao seu lado e procurei orientá-lo novamente sobre a proposta da
atividade, além disso, ofereci também exemplos de como deveria ser feita. Apesar disso, a
aula foi interrompida poucos minutos depois, não sendo possível confirmar se ele realizou a
tarefa.
117
S15: Segundo a mãe, o aluno apresenta “dificuldade na leitura, chora para não ler, fala
‘não consigo ler’ ”. Entretanto, ela afirma também que: “as notas são boas, não liga para a
dificuldade, não liga para a leitura” [Mãe 13; aluno S15; 9 anos e 1 meses].
S16: “(Ele) não se interessa em aprender, mente que não tem lição”; “ele não demonstra,
não ‘tá’ nem aí”. [Mãe 14; aluno S16; 9 anos e 7 meses].
S19: Quando o aluno tem uma prova agendada para o dia seguinte, segundo a mãe: “ele
fica preocupado, ele fala ‘e agora? Que que eu faço?’ ”. Quando questionada sobre como a
criança lida com as notas baixas ela afirmou: “ele fala que tirou nota baixa e que ‘tá’
triste”, porém com relação a como a criança lida com suas dificuldades, ela disse: “ele não
percebe, não tá nem aí”. [Mãe 16; aluno S19; 8 anos – a mãe não soube informar a data
de nascimento no momento da entrevista, apenas a idade].
Esses sentimentos de incapacidade e incompetência pessoal trazem consigo
sentimentos de vergonha, dúvidas sobre si mesmo, baixa autoestima, entre outros
sentimentos negativos. É importante pontuar que a experiência escolar tem papel crucial na
formação do autoconhecimento e autopercepção do indivíduo95
. Como visto e discutido na
caracterização dos participantes, as crianças que apresentam dificuldades escolares,
possuem alto risco de apresentar um autoconceito negativo e baixo autoestima10, 11, 12, 14, 64,
95, 97.
Entende-se assim que quando o indivíduo acredita de fato em suas capacidades e
habilidades e apresenta uma percepção mais positiva de si e de seu potencial intelectual,
desenvolve uma maior motivação e maior eficiência para enfrentar a sua situação de
aprendizagem. Em contrapartida, o oposto ocorre caso o indivíduo se avalie inseguro e
fraco em recursos necessários para a aprendizagem, diminuindo a sua motivação e
aumentando sua dúvida a respeito de suas capacidades intelectuais para resolver problemas,
118
como ocorre com as crianças participantes dessa pesquisa, quando se deparam
principalmente com situações avaliativas. O indivíduo, diante de situações como provas
e/ou atividades que demandam de suas capacidades e habilidades, tende a, previamente,
simular mentalmente a execução da atividade, avaliando seu possível desempenho e
habilidade.
É possível identificar tal postura nos discursos dos responsáveis, quando eles citam
falas das próprias crianças sobre provas e atividades, o que demonstra que elas adiantam
mentalmente a resolução da futura situação problema com a qual irão se deparar, causando-
lhes angústia e ansiedade por se avaliarem de forma negativa. Além disso, por muitas vezes
essas crianças faltam nos dias das provas ou, até mesmo quando vão, entregam a prova “em
branco”, sem tentativa alguma de resolução.
Nesse processo é essencial a presença do “outro”, visto que a criança tende a
acreditar mais em si quando vive em um contexto de suporte, que reafirme a sua capacidade
e possibilidades de desenvolvimento 104
.
Os dados obtidos por meio das entrevistas com os familiares indicam que tanto o
desempenho escolar como o comportamento e a atitude dos alunos com queixas escolares
influenciam a sua relação com a própria escola. Tal aspecto é apresentado e discutido a
seguir.
Tabela 11. “O aluno gosta da escola?” – Segundo o relato dos responsáveis.
Gosta da escola? Meninos Meninas Total
Gosta 10 4 14
Não gosta 5 2 7
Total 15 6 21
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
119
Gráfico 12. “O aluno gosta da escola?” – Segundo o relato dos responsáveis.
Fonte: elaboração própria com base nos dados obtidos nas entrevistas com os responsáveis em
Novembro/2013.
Antes de apresentar a análise dos dados, é necessário refletir sobre o fato de a
entrevista ter sido realizada dentro do próprio contexto escolar. Mesmo com toda
explicação inicial sobre o real motivo da entrevista, isso pode ter acarretado receio por
parte dos responsáveis em fornecer informações que, a seu ver, poderiam prejudicar a
matrícula do filho na escola, como por exemplo, revelar que ele não gosta de frequentá-la.
Apesar disso, optou-se por levar em consideração essa informação, tendo em vista ser
pertinente e importante para a compreensão da percepção dos responsáveis sobre a vivência
e relação dos alunos com a escola.
Apesar das dificuldades, um aspecto positivo identificado pelos familiares
entrevistados é que a maioria das crianças (14 do total de 21 participantes) gosta de
frequentar a escola. É importante compreender que esse fato abre espaço para a intervenção
pedagógica e para um trabalho que resulte na permanência da criança na escola, com
melhoria da qualidade e sucesso acadêmico.
Em contrapartida, os outros sete alunos participantes da pesquisa, segundo seus
familiares, não gostam da escola. Essa postura é coerente com a relação negativa, as
dificuldades, o baixo rendimento, a ansiedade e os comportamentos agressivos e
isolamento, relatados nos depoimentos. Por outro lado, observamos que são esses alunos os
0
2
4
6
8
10
12
Gosta Não gosta
Meninos
Meninas
120
que constantemente faltam às aulas, o que repercute de forma também negativa nas próprias
possibilidades de superar as dificuldades.
O não gostar está diretamente relacionado ao autoconceito negativo, baixa
autoestima e consequentemente à desmotivação da criança, pois entende-se que com a
dificuldade que ela apresenta na escola, todos esses aspectos são influenciados de forma
significativa e negativa, transformando a vivência nesse ambiente em algo desagradável.
É importante enfatizar que, dentre os responsáveis entrevistados para essa pesquisa,
grande parte não possui uma participação ativa na escola, frequentando raramente reuniões
e mantendo pouco contato com as professoras, embora, alguns se esforcem em auxiliar e
motivar os filhos. É necessário tentar entender o porquê dessa relação família-escola
ocorrer dessa forma, em que muitas vezes as famílias são bastante ausentes e a escola não
traz para si o compromisso pela educação dos alunos. Além disso, é possível observar que
muitas vezes a própria escola não as recebe bem, apenas as chama para criticar seus filhos e
apresentar suas dificuldades e cobrar providências, que, a maioria dos pais, em razão do
baixo nível de escolaridade, entre outras condições, não pode atender.
121
5. CONCLUSÃO
Este estudo, motivado pela grande quantidade de alunos com dificuldades escolares
na rede pública de ensino do município de Campinas/SP nos possibilitou a ampliação dos
conhecimentos a respeito dos fatores que concorrem para que a aprendizagem escolar
aconteça.
A partir dos resultados do trabalho, que incluiu: observações em sala de aula e
entrevistas com os responsáveis e professoras, caracterização dos alunos e levantamento
das percepções dos responsáveis e professoras, compreendeu-se que o fracasso escolar que
resulta das chamadas dificuldades de aprendizagem, se estabelece a partir de um conjunto
de fatores, os quais, sempre, vão além do ensino e da aprendizagem de conteúdos
específicos e, sempre, envolvem os diferentes contextos de desenvolvimento dos alunos e
suas condições de vida. Assim, os aspectos sociais, culturais, biológicos e psicológicos se
apresentam de forma única para cada sujeito e condicionam as formas de participação da
criança nas atividades escolares, as interações com seus pares e professores e as relações
com o conhecimento.
O olhar sobre a criança e sobre a escola foi construído a partir da convivência com
professores, alunos e familiares. O material resultante dos diversos tipos de registro
realizados foi confrontado com as teorias que se debruçam sobre o desenvolvimento
humano e sobre a aprendizagem escolar.
O estudo revelou a presença de um conjunto de fatores provenientes do contexto
extra-escolar como contribuintes para a gestação dos problemas de aprendizagem. Os
problemas familiares, alguns deles decorrentes da pobreza, do contato com a violência e
com o consumo de álcool e drogas não são responsáveis diretos pelas dificuldades escolares
enfrentadas pelas crianças, mas, eles podem gerar situações adversas para o
desenvolvimento quando afetam de forma negativa a autoestima e autoconfiança, a visão
que as próprias famílias têm sobre a criança e, não menos importante, o conceito que a
escola constrói sobre o aluno.
122
Além disso, foi possível verificar que essa é uma população com um capital cultural
e habitus87, 88, 89
distantes dos que a escola valoriza, considerando que praticamente metade
dos familiares foi classificada como analfabeta e, dos que se apresentaram alfabetizados,
alguns não chegaram a finalizar o Ensino Fundamental.
Ainda assim, identificou-se que, em sua maioria, são famílias que buscam
melhorias, assim como o oferecimento de um ambiente de suporte para as crianças.
Conforme verificado, com relação ao processo educacional dessas crianças, mesmo com o
alto número de analfabetos dentre os responsáveis, houve auxílio aos alunos nas tarefas
escolares e provisão de situações que envolvem a leitura e escrita em casa.
No que se refere à saúde das crianças, a espera, as tentativas de atendimentos e até
mesmo a falta deles na rede pública também surgiram como questões preocupantes.
Considera-se ainda a falta de apoio, estrutura e suporte à população, tendo em vista que o
diagnóstico e tratamento em saúde são fundamentais para que os alunos possam usufruir da
escola.
Uma questão que emerge com força no presente estudo é a que relaciona interesse e
motivação à participação e desempenho nas atividades escolares. A falta de interesse e
motivação foi uma queixa expressada por familiares e professoras. Diferentes
denominações, exemplos e descrições remetem à ideia de que a criança é responsável pela
sua falta de motivação e interesse.
No entanto, o fato de que, durante entrevista com a pesquisadora, os responsáveis
responderam, em sua maioria, que as crianças gostam da escola e o fato de que elas
expressam de diferentes formas a frustração causada por ocupar o lugar de “alunos
difíceis”, indica possibilidades e espaço para intervenção por parte da escola, e assim
podem ser bem-sucedidas na modificação dessas condições de participação. Exemplo disso
são as práticas de algumas professoras que, durante o ano letivo de 2014, propiciaram a
aprendizagem e o avanço acadêmico dos sujeitos do nosso estudo.
Essa evolução foi descrita tanto pelas professoras como também observada pela
própria pesquisadora. Durante as atividades com uso de jogos, foi possível identificar que
123
todos os participantes da pesquisa, com dificuldades no processo de alfabetização e assim
em leitura e escrita, já estavam reconhecendo letras e alguns deles até já conseguiam
montar palavras. A atividade no contexto de sala de aula, em que os alunos precisavam se
manter sentados e prestando atenção na professora também evoluiu, considerando que no
ano de 2013, poucos alunos se mantinham sentados e respeitando as regras, já em 2014,
todos se apresentaram mais calmos em sala, respeitando o momento e o tipo de atividade
proposta.
Entende-se assim que com a mudança das atividades pedagógicas, com a inserção
de uso de jogos, visitas ao jardim para compreender o que haviam lido em sala de aula e até
mesmo atividades expostas em sala de aula, foram atividades que proporcionaram maior
atenção, motivação e segurança aos alunos, incentivando-os a serem ativos e pensantes
nesse ambiente.
A partir dos resultados da pesquisa, foi possível entender que a dificuldade de
aprendizagem é um fator potencial de risco, com grande possibilidade de estar associada a
outras situações de vulnerabilidade pessoal e ambiental. Observou-se também que os alunos
com esse perfil, em sua maioria, apresentam problemas sociais, emocionais e
comportamentais. É importante compreender também que a dificuldade pode surgir a partir
de uma vulnerabilidade psicossocial, mas também pode vir a ser responsável por situações
de vulnerabilidade para o indivíduo, caracterizando um círculo vicioso, em que em um
momento é produto, e em outro causa.
Diante disso, pode-se concluir que quando a escola e as professoras modificaram
seu jeito de agir, atendendo às necessidades dos alunos, tomando frente à educação dos
mesmos e se comprometendo por seus processos de aprendizagem, a evolução foi clara e
positiva. Isso evidencia que as dificuldades escolares desse grupo de participantes da
pesquisa podem ser minimizadas ou mesmo superadas por meio da diversificação das
estratégias pedagógicas, entre outros recursos que a escola é capaz de mobilizar.
Por fim, o trabalho desenvolvido na escola nos possibilitou um crescimento pessoal
e profissional, visto que através da parceria e confiança por parte da escola, foi possível
junto às professoras, coordenadora e diretora desenvolver um planejamento de atividades
124
pedagógicas, apoiá-las em seu trabalho, além de discutir casos e esclarecer dúvidas. Foram
feitas, a pedido da direção da escola, algumas avaliações e observações em sala de aula de
alguns alunos (não participantes da pesquisa), assim como orientações e sugestões de
encaminhamentos aos responsáveis, à direção e aos professores desses alunos e auxílio nas
organizações das turmas na transição do ano letivo de 2013 para o ano de 2014.
A nossa intensa participação na escola, assim como o estudo e a tentativa de
integrar o conhecimento teórico e a experiência prática, no contato com professores,
gestores, familiares e alunos trouxe uma nova perspectiva da realidade escolar, que se
apresentou em toda a sua complexidade e multiplicidade.
Conclui-se que a presença do psicólogo na escola, assim como a de outros
profissionais da área da saúde, possibilita o desenvolvimento de ações em parceria com os
educadores, a fim de considerar essa multifatoriedade e individualidade no processo de
aprendizagem e desenvolvimento de cada aluno.
Sugere-se para futuras pesquisas na área, a inclusão de escuta dos próprios alunos,
dando voz aos próprios participantes da pesquisa, considerando que enxergá-los em sua
totalidade possibilita a compreensão de seu contexto escolar, familiar e pessoal. Neste
estudo em particular não foi possível essa escuta devido às dificuldades encontradas no
ambiente escolar, como o fato da pesquisadora ter sido apresentada inicialmente como uma
“fiscal”, e até mesmo os responsáveis terem pressionado seus filhos a “conversarem com a
psicóloga da escola”, o que modificou de forma clara a relação da pesquisadora com alguns
alunos, que em diversas situações, pouco conversavam ou expressavam seus sentimentos,
apresentando-se tímidos e retraídos.
125
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137
APÊNDICE I
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO -
RESPONSÁVEIS
Título da Pesquisa: “Percursos de aprendizagem: a alfabetização e suas dificuldades”
O Sr. ou Sra._____________________________________________, responsável
pela criança ________________________________ estão convidados a participarem dessa
pesquisa, que tem como finalidade compreender os fatores associados ao sucesso e ao
fracasso escolar na escola pública, sob a responsabilidade de Paula Salve Pellegrinetti
Junqueira, psicóloga, aluna de mestrado do Programa de Pós-graduação em Saúde,
Interdisciplinaridade e Reabilitação, da Faculdade de Ciências Médicas, na Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP) sob a orientação da Profª Drª Adriana Lia Friszman de
Laplane.
A pesquisa será realizada na própria escola durante o período de aula. A
pesquisadora avaliará e observará a criança em sala de aula e você será convidado/a a
participar de uma entrevista com duração de até 1 hora. As entrevistas serão agendadas
conforme seu horário disponível e estas ocorrerão na própria escola.
Os dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados da pesquisa serão
utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, incluindo sua apresentação em
encontros científicos e publicação em revistas especializadas. Os dados da pesquisa serão
mantidos em poder da pesquisadora responsável.
138
Os procedimentos em questão não oferecem riscos previsíveis para os participantes
e não ferem a integridade moral dos sujeitos. A participação nesse estudo não acarretará
nenhum prejuízo ou benefício terapêutico.
Caso haja interesse ou necessidade será possível interromper sua participação e a
participação de seu/sua filho(a) em qualquer momento da pesquisa, sem que com isso
sofram qualquer tipo de ônus.
Para apresentar recursos, reclamações e/ou denúncias em relação aos aspectos éticos
da pesquisa você pode entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual de Campinas pelo telefone (19) 3521-8936 e/ou com a responsável
pelo estudo, Drª Adriana Lia Friszman de Laplane, pelo telefone (19) 3521-7018 na
Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
Este termo é feito em duas vias, sendo que uma permanecerá em seu poder e a outra
com a pesquisadora responsável.
___________________________________
Nome do responsável
___________________________________
Nome da criança
___________________________________
Local e data
____________________________________
Assinatura do responsável
___________________________________
Assinatura da responsável pela pesquisa
139
APÊNDICE II
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO -
PROFESSORAS
Título da Pesquisa: “Percursos de aprendizagem: a alfabetização e suas dificuldades”
A Sra._____________________________________________, professora da turma
_________, está convidada a participar dessa pesquisa, que tem como finalidade
compreender os fatores associados ao sucesso e ao fracasso escolar na escola pública, sob a
responsabilidade de Paula Salve Pellegrinetti Junqueira, psicóloga, aluna de mestrado do
Programa de Pós-graduação em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação, da Faculdade
de Ciências Médicas, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sob a orientação
da Profª Drª Adriana Lia Friszman de Laplane.
A pesquisa será realizada na própria escola durante o período de aula. Ela envolverá
a realização de uma entrevista de até 1 hora de duração. A entrevista será agendada
conforme seu horário disponível e ocorrerá na própria escola.
Os dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados da pesquisa serão
utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, incluindo sua apresentação em
encontros científicos e publicação em revistas especializadas. Os dados da pesquisa serão
mantidos sob a guarda da pesquisadora responsável.
Os procedimentos em questão, não oferecem riscos previsíveis para os participantes
e não ferem a integridade moral dos sujeitos. A participação nesse estudo não acarretará
nenhum prejuízo ou benefício terapêutico.
140
Caso haja interesse ou necessidade será possível interromper sua participação em
qualquer momento da pesquisa, sem que com isso sofra qualquer tipo de ônus.
Para apresentar recursos, reclamações e/ou denúncias em relação aos aspectos éticos
da pesquisa você pode entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual de Campinas pelo telefone (19) 3521-8936 e/ou com a responsável
pelo estudo, Drª Adriana Lia Friszman de Laplane, pelo telefone (19) 3521-7018 na
Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
Este termo é feito em duas vias, sendo que uma permanecerá em seu poder e a outra
com a pesquisadora responsável.
___________________________________
Nome da professora
___________________________________
Local e data
____________________________________
Assinatura da professora
___________________________________
Assinatura da responsável pela pesquisa
141
APÊNDICE III
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O RESPONSÁVEL
(adaptado de Dell’ Agli BAV. Aspectos afetivos e cognitivos da conduta em crianças com e
sem queixa de dificuldade de aprendizagem. Tese de doutorado, Faculdade de Educação –
UNICAMP, 2008).
HISTÓRIA ESCOLAR DA CRIANÇA
1. Em que idade entrou na escola?
2. Teve dificuldade de adaptação?
3. Quais anos que frequentou?
4. Teve alguma repetência? Se sim, qual foi o motivo?
5. Apresenta e/ou apresentou dificuldades de aprendizagem?
6. Se sim, quais dificuldades? Em quais matérias?
7. Quando elas apareceram?
8. Foi feito algum encaminhamento para especialista? Se sim, quem encaminhou?
9. Como a família lida com as dificuldades da criança? E a própria criança?
10. Há alguma mudança no comportamento da criança nas vésperas de prova? Quais?
11. A criança se sente envergonhado quando não tira boas notas?
12. Ela gosta de ir à escola? E de fazer as lições?
13. Aceita ajuda nas atividades escolares?
14. Como é o contato com a leitura e escrita em casa?
ASPECTOS DO RELACIONAMENTO
1. Como é o relacionamento da criança com seus familiares?
2. Como é o relacionamento da criança com amigos fora da escola? E com os amigos
da escola.
3. Teve ou tem algum problema de relacionamento? Como é resolvido?
4. A criança gosta e aceita ser acariciada?
5. Como a criança reage aos problemas familiares?
142
ASPECTOS SOCIAIS
1. Cuida sozinho de si (trocar de roupa, se servir etc.)
2. Gosta de ir a festas e/ou sair para passear?
3. Fica demasiadamente ansioso nas vésperas de algum evento? O que ocorre? (perda de
apetite, agressividade, perda do sono etc.)
4. Prefere brincar sozinho ou com amigos?
5. Tem muitos amigos ou prefere brincar apenas com um?
DESENVOLVIMENTO
1. O desenvolvimento (físico, psicomotor e de linguagem) foi dentro do esperado para
a idade ou teve atrasos? Se houve atrasos em quais aspectos?
2. Houve algum contato com drogas, bebidas alcoólicas e/ou medicamentos durante a
gravidez?
3. Fica doente com frequência?
DESCRIÇÃO DA CRIANÇA
1. De uma maneira geral descreva como é seu filho.