Direito Das Obrigaes II Hugo

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Direito das Obrigaes II

Direito das Obrigaes II

2009

(Ttulo II - Fontes das Obrigaes) CAPTULO VRESPONSABILIDADE CIVILSeco 1Aspectos Gerais

52.Funo da Responsabilidade Civil. Modalidades. Terminologia.

Responsabilidade contratual e extracontratual; sistematizao da matria no Cdigo Civil. Na terminologia do Cdigo Civil portugus, responsabilidade civil designa um instituto localizado nas fontes das obrigaes (Seco V, arts. 483 e s.), cuja funo a de, quando na vida social uma pessoa sofre prejuzos provocados por uma outra, decidir, isto , colocar as bases para uma deciso sobre se a vtima pode ressarcir-se custa do autor da leso. Na medida em que permita uma resposta afirmativa (no todo ou em parte), fonte de uma obrigao de indemnizao. A localizao compreende-se porque, nestas situaes, no existe entre as partes qualquer vinculao prvia. So danos que acontecem nos contactos entre estranhos. A relao jurdica s vai nascer com o dano (se estiverem reunidos os restantes requisitos, os quais variam consoante a situao de facto), em princpio como uma relao de conflito. A funo deste instituto consiste assim na distribuio dos danos que se produzem no contacto social. Na linguagem dos juristas, embora tendo sempre a ver com a reparao dos danos, a expresso cobre tambm outras situaes. Nomeadamente aquela em que entre as partes existia um prvio vnculo obrigacional, sendo que o dano resulta do no cumprimento ou do no adequado (pontual e exacto) adimplemento desse dever especial. Compreensivelmente, a lei regula essa matria justamente no no cumprimento das obrigaes, mais concretamente no no cumprimento imputvel (arts. 798 e s.), j que em regra s deste que resulta uma obrigao de indemnizar. A primeira modalidade designa-se aquiliana, delitual, extracontratual ou extra obrigacional. A segunda, contratual, negocial ou obrigacional. Aquela nasce essencialmente do desrespeito de deveres gerais de conduta, impostos a todas as pessoas para salvaguarda dos direitos de outrem e tem as mais das vezes a sua gnese num acto positivo. A segunda, da violao de um dever jurdico especial (obrigao), a maior parte das vezes uma omisso (por ser positivo o dever a que se faltou, v. g. praticar certo facto ou entregar uma certa quantia). Numa primeira aproximao, dir-se- que a terminologia mais exacta a que distingue entre responsabilidade obrigacional e extra obrigacional. S que esta dicotomia perfeita no corresponde j aos dados do sistema jurdico. A perturbar a harmonia, encontramos na parte geral do cdigo uma outra modalidade, a responsabilidade pr-contratual ou por culpa in contrahendo, legalmente crismada de culpa na formao dos contratos (art. 227, n 1), S poderamos manter a classificao bipolar se esta ltima houvesse de ser arrumada em uma daquelas categorias. Ora ela ostenta uma origem bem caracterstica. Nasce da violao de simples deveres de conduta resultantes do princpio da boa f, deveres que apresentam uma fenomenologia to diversificada (v. g. no romper abusivamente, esclarecer a outra parte, no celebrar contrato nulo ou ineficaz) que parece prudente ressalvar a possibilidade de aplicao de regras diferentes, o que far deste sector um tertium genus ou terceira via. Uma terminologia que divida o mundo da responsabilidade em duas metades, sem deixar resto, no leva isto em conta. E h mais. Talvez que s obrigaes nascidas de alguns quase-contratos, particularmente a gesto de negcios, no devam ser de plano aplicadas todas as disposies do incumprimento das obrigaes. Afinal a existncia de um tertium genus j vem de trs, tendo-se apenas consolidado e fortalecido com a consagrao legal da culpa in contrahendo. Esclarecidos os conceitos, h decerto lugar para opes. Temos usado preferencialmente as designaes contratual e delitual.

Diferenas de regime e o problema do concurso.Uma terceira via do direito da responsabilidade? claro que a distino s tem efectivo interesse se se traduzir em diferenas de regime. Geneticamente, o que distingue os dois campos a existncia, na primeira, de uma prvia relao entre os sujeitos. E este quid tem sido considerado suficiente para justificar, pelo menos num ponto, um regime mais favorvel ao lesado (credor) no domnio negocial: o devedor que tem de provar que no teve culpa no incumprimento, atraso ou defeituoso cumprimento (art. 799, n 1), enquanto que nos delitos cabe vtima a prova da culpa do autor da leso (art. 487, n 1). Na lei aparecem pontuadas outras divergncias, que tm vindo a esbater-se e que, provavelmente, ainda se esvairo mais no futuro: a capacidade delitual conhece regras menos estritas (art. 488); s no campo delitual a lei prev expressamente a solidariedade dos devedores (ali. 497, n 1); o prazo da prescrio delitual (art. 498) mais curto do que o ordinrio (art. 309); em matria de direito internacional privado e de competncia dos tribunais tambm no existe coincidncia. Mas j no que respeita aos efeitos da responsabilidade (obrigao de indemnizao) as disposies que regem a matria so as mesmas (arts. 562 e s.); alis, sob pena de demonstrao do contrrio, para qualquer das modalidades, incluindo a tal terceira via (de que, em nossa opinio, a culpa in contrahendo apenas a guarda avanada). Esta sistematizao (regras prprias para os contratos e para os delitos, a que se junta um sector de disposies comuns) faz despontar algumas dificuldades. E que h institutos importantes, como a possibilidade de diminuio equitativa da indemnizao no caso de mera culpa e a atribuio de uma compensao pelo dano no patrimonial, cujo tratamento a lei situa na rea delitual (arts. 494 e 496). bvia a interrogao sobre se, estando preenchidos apenas os pressupostos do inadimplemento negocial, o juiz tem legitimidade para chamar a terreno estes institutos. No nos parece metodologicamente aconselhvel desprezar completamente um argumento sistemtico to evidente. A directriz interpretativa de que o legislador ter sabido exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9 n. 3) pretende aplicar-se no s letra da lei como a outros elementos de interpretao. E parece seguro que a lei (no o legislador, mas a lei), se pretendesse uma aplicao geral daquelas disposies, t-las-ia ento includo no rol das regras comuns. Significar isto que elas no podero de todo em todo ser aplicadas s consequncias do inadimplemento obrigacional? Seria porventura ir longe demais e no estaremos obrigados a tanto, visto no se tratar de normas excepcionais. Poder, pensamos, recorrer-se aplicao por analogia, o que obriga a uma justificao, que muitas vezes falecer. Pensemos v. g. no comerciante de tapetes que fica fortemente arreliado com a no entrega atempada de uma encomenda e adoece. Para situaes que tm puramente a ver com os negcios (porventura excessivamente associadas responsabilidade contratual), a lei entendeu que no se justifica uma indemnizao pelo dano no patrimonial. Esses outros efeitos so ainda contingncias dos negcios, digamos que normais nesse sector da vida. Mas algumas vezes acontece que os mesmos factos cumprem as exigncias de ambas as reas. V. g. o transportador viola os deveres de cuidado negocialmente assumidos, causando danos pessoa transportada. Ser que a presena de uma relao especial preclude a aplicao das regras gerais? No poder o prejudicado escolher o terreno da lide? Ou at mesmo invocar simultaneamente as regras de um e outro campo, consoante lhe sejam mais favorveis, situao em que, mais do que uma opo, teremos um concurso? O cdigo nada diz. Na doutrina e no direito comparado no encontramos apoio muito slido, num sentido ou no outro. A questo prende-se de resto com as particularidades de cada sistema. No direito portugus, onde as duas vertentes aparecem largamente unificadas, no vemos razo para rejeitar a soluo natural, que julgamos ser a do concurso, entendida nos devidos termos. Soluo para a qual apontava o principal arquitecto da Parte Geral do Livro do Direito das Obrigaes, redactor da totalidade dos trabalhos preparatrios (Nos termos do n. 1 do art. 767 do Anteprojecto de VAZ SERRA, Se um facto representar, ao mesmo tempo, uma violao de contrato e um acto licito extracontratual, so aplicveis as regras de ambas as responsabilidades, escolha do prejudicado, que pode inclusivamente escolher parte de umas e parte de outras). O entendimento correcto parece ser o de que estamos perante o concurso de normas que fundamentam uma nica pretenso.

Carcter comum dos pressupostos, variando o facto (em regra, ilcito) que est na origem das diversas modalidades. Sempre que se verificarem os pressupostos ou requisitos do art. 483, n 1, nasce uma obrigao de reparar os danos causados, Eles reconduzem-se, segundo a arrumao mais corrente, existncia de um facto humano qualificvel como ilcito, nexo de imputao do facto ao agente, nexo de causalidade e dano; por vezes aparece autonomizada a considerao do fim de proteco da norma. E note-se que estes so os requisitos de qualquer das trs modalidades fundamentais de responsabilidade civil. O que varia o facto ilcito que est na origem do nascimento da obrigao: a violao de um mero dever de conduta imposto pela boa f, no mbito da relao obrigacional de negociaes contratuais, de uma obrigao em sentido tcnico, seja qual for a sua fonte, na obrigacional ou contratual (embora possa estar igualmente em causa um outro dever de conduta. art. 762, n 2), e, tipicamente, de um direito absoluto, nos delitos.

Fundamento, evoluo e espcies da responsabilidade delitual. O princpio casum sensit dominus e os diversos fundamentos para a imposio de uma obrigao de indemnizar.( a; b; c;)

No direito comparado, o ponto de partida do legislador costuma sintetizar-se no velho brocardo casum sentit dominus. Em princpio o dano fica com quem o sofre. Para que esse o possa repercutir sobre o autor necessrio um fundamento. Na sistemtica legal, a responsabilidade civil aparece-nos dividida em dois grupos de normas: Factos Ilcitos (arts. 493 a 498) e Risco (arts. 499 a 510). Mas para averiguar dos fundamentos da imposio de um dever de ressarcir melhor falar de responsabilidade por culpa e responsabilidade objectiva. Isto porque a ilicitude, sendo um requisito objectivo, um filtro, no constitui o fundamento da deslocao do dano, tradicionalmente assente na censura ao agente por ter actuado de um modo diferente do que podia e devia ter feito (culpa). E a responsabilidade objectiva ou independente de culpa pode ter por trs de si diversos fundamentos; o risco, em sentido tcnico, apenas um. Vejamos ento, no sem lembrar que a responsabilidade mergulha as suas origens na vingana privada. Aps a introduo de lei de Talio, que hoje consideramos brbara, mas que na evoluo da humanidade representou um afinamento do sentido jurdico, surgiu o sistema das composies (compra do direito de vingana), de incio voluntrias e depois obrigatrias, com o civil a ganhar alguma autonomia face ao penal. No direito romano no existiam clusulas gerais de responsabilidade civil, antes previses especficas (como a injuria), delitos ou quase-delitos, sistema que se manteve no mbito da common law. No Cdigo Civil francs de 1804 aparece-nos ento uma amplssima clusula (art. 1382).

a) Responsabilidade por culpa - A deslocao do dano pode ter lugar sempre que o agente actua com culpa, que o contrrio do casus. Mas, ao invs, tambm s pode ter lugar se existir culpa. Este sistema da culpa como fundamento geral mas exclusivo da loss shifting enquadrava-se bem com a sociedade de antanho. Os factos danosos eram factos pessoais. Se no foi o homem que causou o dano por culpa sua, eia o destino, o prejuzo ficava com quem o sofria. Se houvesse culpa, este podia exigir de outrem a sua reparao. At hoje a culpa no deixou de ser um fundamento geral da responsabilidade (art. 483, n 1). Esta posio, que ainda se mantinha dominante aquando da publicao do Cdigo Civil alemo (BGB) de 1900, estava em consonncia com o esprito do liberalismo econmico, cujo corao constitudo pela imagem do homo oeconomicus, o cidado economicamente emancipado e responsvel, cuja capacidade de criao e desenvolvimento no deveria ser travada por um direito delitual que o onerasse excessivamente. O princpio da culpa, no conflito de interesses entre a conservao das posies jurdicas e a liberdade de agir, privilegia a liberdade de aco.

b) Responsabilidade objectiva (risco)Mas a industrializao, servida pela mquina, viria perturbar esta sintonia entre a sociedade e o direito. Quando a mquina intervm no processo causal, muitas vezes difcil saber se houve culpa de algum ou, em todo o caso, fazer a respectiva prova. E o dano pode ser desproporcionado gravidade da culpa, dificilmente suportvel por um patrimnio individual. Manter-se o direito civil aferrado ao princpio da culpa implicaria, alm do mais, deixar legies de vtimas sem reparao. Basta pensar no sector dos acidentes de trabalho. Irrompeu ento, em ligao com o desenvolvimento da tcnica dos seguros, um novo fundamento. Se algum tirava proveito de unia particular fonte de riscos parecia Justo que suportasse os encargos com as indemnizaes, mesmo sem culpa, teoria que, em Frana, acabou por fazer vencimento pelos finais do sculo XIX. A esta evoluo no obviamente indiferente uma mudana de mentalidade, com a superao dos rgidos pressupostos ideolgicos do individualismo e o despontar do ethos do Estado de direito social. Cada vez mais o cidado exige segurana e o Estado intervm tambm com instrumentos de direito privado, como os seguros obrigatrios e as responsabilidades objectivas. E com isto o acento tnico desloca-se do momento da culpa para o da reparao do dano. No entanto a teoria do risco nunca conseguiu uma formulao totalmente convincente. A frmula mais atraente era a do risque profit: quem tira proveito econmico de unia fonte de riscos deve responder sem culpa. Mas alguns avanaram com a ideia do risque dactivit: ao agir um indivduo cria riscos, devendo suportar os inerentes encargos. Levada letra, esta perspectiva conduziria a uma inverso coprnica: em princpio o dano no seria suportado por quem o sofreu mas por quem o causou. At hoje, no se imps com esta extenso. H actividades geradoras de riscos que, mesmo exercidas sem finalidade econmica, se entende deverem ser fonte de uma responsabilidade pelo risco. v. g. a conduo de veculos automveis. Mas tem prevalecido o mtodo da avaliao pontual, embora em projectos legislativos recentes se depare com a proposta de clusulas gerais com respeito a actividades perigosas. Finalmente, insinua-se a teoria do risque dautorit: assim como se tira proveito da actuao de outras pessoas, deve responder-se pelos prejuzos que elas causem. Intelectualmente simptica, talvez que esta teoria nunca tenha correspondido inteiramente aos dados do direito positivo, como melhor veremos ao analisar a nossa disposio caseira sobre o tema (art. 500). Fica assim assinalado um outro fundamento para a deslocao do dano, o risco, nascido com a revoluo industrial. Esta bipolaridade no permite porm explicar todas as situaes reguladas no direito positivo, Cdigo Civil e legislao avulsa.

c) Responsabilidade por actos ou intervenes lcitas. A nvel de princpios gerais, a colocar ao lado dos anteriores, uma outra modalidade, com um fundamento especfico, a tradicionalmente designada responsabilidade por actos ou intervenes lcitas. No h melhor exemplo para perceber isto do que a expropriao por utilidade pblica, em que o direito de agresso vai conectado com uma obrigao de indemnizar. S que o exemplo cai no domnio do direito pblico. No direito privado, tendo falhado a proposta de abrir uma seco prpria no Cdigo Civil, esto dispersas pela lei diversas hipteses. Desde o direito a perseguir o enxame de abelhas at ao de apanhar os frutos no prdio vizinho. A justificao da agresso deixa inclume a justia de unia compensao a quem se v constrangido (sacrificado) a deixar prevalecer um interesse superior de outrem.

Situao actual do instituto; a interveno de mecanismos de reparao colectiva, tanto do lado dos lesantes como dos lesados.

Com isto, ficam descritas as trs principais modalidades da responsabilidade extracontratual: responsabilidade por culpa (ou por actos ilcitos), responsabilidade objectiva (pelo risco) e responsabilidade por actos ou intervenes lcitas. No entanto, no prprio sector da responsabilidade por culpa se abriga uma hiptese que requer uma explicao adicional, a da responsabilidade dos inimputveis (art. 489). Inexistindo capacidade, no h culpa. Logo, tem de ser outro o fundamento da responsabilidade, que se intui pela letra do n 1 residir numa razo de equidade. o que confirmado pelos termos em que a obrigao de indemnizao amenizada no n 2. Que esta disposio se inclua na rea da culpa, explica-se pela tradio e talvez tambm por outro motivo: ser necessrio um acto do inimputvel tal que, se assumido por algum com discernimento, pudesse ser taxado de culposo. Mas dentro da grande rea da responsabilidade independente de culpa (objectiva) parece que deveremos distinguir diversos fundamentos. No se trata agora de distinguir modalidades ou espcies da responsabilidade extracontratual, apenas de discutir o fundamento da responsabilidade objectiva. Olhando para a 1 hiptese prevista na Subseco respectiva do nosso cdigo (ali. 500), verificamos que o comitente, respondendo embora independentemente de culpa (n 1), pode depois exigir do comissrio tudo quanto houver prestado (n 3). Ora, respondendo pelo risco, ele deveria suportar em definitivo a indemnizao, o que no acontece; apenas corre o risco de insolvncia do comissrio. Alm de que as actividades de que encarrega o comissrio podem ser as mais pacficas deste mundo. Em vez da ideia de risco parece mais consentneo com os dados legais chamar a terreno a de garantia. Na responsabilidade do produtor, a lei descrimina positivamente, a propsito dos danos em coisas, o consumidor, E a responsabilidade existe para todos os produtos, sejam ou no perigosos. No h qualquer risco especfico. Esta particular espcie de responsabilidade objectiva parece prender se muito directamente a ideia da proteco do consumidor. Responsabilidades objectivas esto ainda previstas a favor das pessoas que aceitam sujeitar-se a ensaios clnicos ou a doar rgos, riscos que assumem voluntariamente O direito de indemnizao parece agora um prmio a quem aceito correr riscos no interesse de outrem ou da colectividade. Seco 2Responsabilidade Por Culpa 53. Responsabilidade e Medidas Preventivas

O dano como requisito da responsabilidade. Medidas preventivas. Sem dano no h responsabilidade, assume-o o prprio artigo, 483, n 1. Mas isto no significa que no possa haver lugar a medidas preventivas, exigindo um mero ilcito objectivo (no a culpa), destinadas a evitar a consumao de uma ofensa, a repetio ou o agravamento da ofensa j cometida. A questo foi analisada com pormenor nos trabalhos preparatrios e o Anteprojecto consagrava o instituto com carcter geral. Desaparecida a correspondente disposio, a lei substantiva apenas estabelece abertamente esta possibilidade em matria de direitos de personalidade (art. 70, n 2) e de defesa da posse (art. 1276).54.Apresentao do Sistema

Culpa provada, culpa presumida e responsabilidade objectiva.

- Na responsabilidade civil extra-contratual, a regra geral a de que o nus da prova da culpa do lesante incumbe ao lesado!

- No domnio da responsabilidade civil contratual, a regra a da presuno legal de culpa do devedor, cabendo a este provar que no teve culpa.55Pressupostos

1)O Facto

Aco e omisso; os "deveres de segurana no trfico" ou "deveres de preveno do perigo".

O facto humano dominvel ou controlvel pela vontade (o que exclui os actos puramente reflexos ou praticados com vis absoluta) pode consistir numa aco ou numa omisso. Todavia, a omisso apenas equiparvel aco quando existia o dever jurdico de agir. Tendo o legislador decidido manter no Cdigo Civil uma disposio atinente a responsabilidade por omisses (art. 486), apesar de despida do que de inovador aparecia no anteprojecto, pode parecer indispensvel que o dever de praticar o acto omitido resulte da lei ou de negcio jurdico. Mas no assim, visto que a equiparao de certas abstenes a uma comisso (comisso por omisso) no enfrenta no direito civil as os mesmos obstculos que no direito penal, onde vigora o princpio nulla poene sine lege. No h impedimento metodolgico a uma extenso analgica da responsabilidade por aco omisso, De entre os grupos de casos discutidos na doutrina, destaca-se pela sua importncia o dos deveres de preveno do perigo ou deveres no trfico, cujo ncleo reside na ideia cio que aquele que abre uma fonte de perigos ou em cuja esfera de poder se d uma situao produtora de riscos tem o dever de agir para impedir ou eliminar esses riscos.

56.2) Ilicitude

Modalidades fundamentais:

Em sentido amplo, ilicitude significa contrariedade ao direito. Nesta acepo, o conceito pode ser utilizado nos mais variados ramos de direito, privado ou pblico. No direito da responsabilidade est em causa uma reaco contra danos. O conceito ter de ser mais restrito, tendo o cdigo optado por especificar as duas principais modalidades que a ilicitude pode revestir: violao dos direitos de outrem e de disposies legais destinadas a proteger interesses alheios (art. 483 n 1).

a) violao de direitos (absolutos) de outrem; Vaz Serra estudara em separado a questo da violao dos direitos de crdito por parte de terceiros, defendendo a posio de que s deveria originar um dever de indemnizar quando se pudesse dizer constituir um abuso do direito, Ao referir-se violao dos direitos de outrem tinha exclusivamente em vista os direitos absolutos, sendo certo que ao incumprimento dos direitos de crdito sempre sero aplicveis, como vimos, as disposies sobre o inadimplemento obrigacional. De qualquer forma, a resposta questo do efeito externo no deve ser colocada na dependncia da mera interpretao da letra ou da sistematizao da lei. Esto em causa problemas de valorao. A nossa posio tem sido negativa a respeito da utilizao da teoria da eficcia externa como modo de resolver o problema da interferncia de terceiros nos direitos de crdito, com prejuzo do credor. Principalmente porque, perante interesses (do credor e do terceiro) que se apresentam partida como de igual valia, no parece prudente fazer uma escolha antecipada. A ilicitude, com a inerente sobreposio de uns interesses a outros, pressupe uma desigualdade no plano da valorao, Alm de que dispomos de um instrumento suficientemente dctil para ponderar as circunstncias do caso e responsabilizar o terceiro, quando essa for a soluo mais justa: a teoria do abuso do direito. Em todo o caso, a lei, ao no empregar a expresso direitos absolutos, deixa, margem hermenutica para um aperfeioamento progressivo do direito. L onde se demonstrar o merecimento de um determinado direito relativo para consubstanciar o juzo de desaprovao da ordem jurdica que subjaz cominao de um dever de indemnizar, no existe obstculo metodolgico. Neste plano, temos hesitado um pouco com respeito a hiptese de induo dolosa quebra do contrato. Normalmente costumamos afirm-lo -, quando algum induz o devedor a no cumprir, para da retirar vantagem, sabendo que o credor ir sofrer prejuzos, normalmente, dizamos, justificar-se- a responsabilizao desse terceiro, Sendo assim, pode duvidar-se sobre se no ser ento prefervel aceitar que, nestas circunstncias, o crdito merece ser delitualmente protegido, de uma forma directa. Costuma dizer-se que o preenchimento do Tatbestand (violao de um direito absoluto) indicia a ilicitude, Mas isso no acontece quando estiver em causa um direito-quadro, especialmente o direito geral de personalidade, Nestas situaes, o juzo de ilicitude pressupe necessariamente uma ponderao do valor da aco e do desvalor do resultado, de bens e de interesses, inexiste uma noo universal de danos pura, mera ou primariamente patrimoniais, conceito alis inteiramente desconhecido em alguns pases. No entanto, ela tende a ser obtida pela negativa. V g., na lei da responsabilidade civil da Sucia (de 1972), no muito longe do que encontramos no mbito da common law, este prejuzo definido como um dano econmico que surge sem conexo com danos pessoais ou na propriedade sofridos por algum , isto para o efeito de se estabelecer que s em princpio indemnizvel se tiver lugar a prtica de um crime. No direito portugus, apenas sendo protegidos, de plano, os bens ou interesses incorporados num direito subjectivo (absoluto), dano econmico puro ser o prejuzo econmico sofrido por algum, sem prvia violao de um direito subjectivo. Este pure economic loss aparece-nos pois, em princpio, como um damnum sitie injuria. Isto porque no existe um direito ao patrimnio, como tal. S ser ressarcvel (inexistindo contrato ou outra relao especial) se se verificar a violao de uma disposio legal de proteco ou a actuao do agente implicar um abuso do direito. A causao deste tipo de danos pode ter lugar atravs de modos muito diversos. Tpicas so as situaes em que a danificao negligente de um cabo de energia elctrica provoca a interrupo da laborao de uma empresa (sem causar outros danos) qual a proprietria da instalao fornecia electricidade (cable cases), bem como os provocados por uma informao econmica ou financeira inexacta, v. g. sobre a solvabilidade de uma pessoa ou o valor de uma empresa.

b) violao de disposies legais de proteco (particularidades desta modalidade); A segunda modalidade da ilicitude consiste na violao de uma disposio legal destinada a proteger interesses alheios. Por esta via, podem ser objecto de proteco bens jurdicos no integrados em direito absolutos (desde logo danos patrimoniais puros), alargando-se com isso o campo dos danos ressarcveis. Por outro lado, mesmo em relao a bens jurdicos j protegidos ao abrigo da primeira modalidade, esta tcnica tem um interesse autnomo com respeito a delitos de perigo abstracto, v. g. as normas do Cdigo da Estrada sobre limites de velocidade ou sinais de paragem obrigatria. E que a culpa s tem de se referir infraco da norma, no violao dos bens jurdicos, de forma que o agente responde mesmo quando a verificao de um dano no era previsvel. Com respeito a este tipo de disposies legais, a orientao dominante vai alis no sentido de que, provada a infraco da norma, deve presumir-se a existncia de culpa. Para preencher os requisitos, alm da violao de uma disposio legal (lei em sentido material), necessrio que esta tenha em vista a proteco de particulares contra danos e que o prejuzo se situe dentro do mbito de proteco pessoal e material (danos pessoais, em coisas ou meramente patrimoniais). A determinao do fim de proteco da norma , no raro, uma tarefa rdua. Como critrio auxiliar, alguns autores propem que a distino entre a violao de bens jurdicos protegidos atravs da atribuio de direitos absolutos e danos puramente patrimoniais volte a ser tida em conta. Em relao a este segundo tipo de danos, impor-se-ia grande prudncia na atribuio do carcter de disposio legal de proteco; em princpio, s deveria ser reconhecido com respeito a normas de carcter penal.

c) o abuso do direito - vertente delitual (afirmao de um princpio geral de responsabilidade quando, de uma forma ofensiva para os bons costumes, se causam dolosamente danos a outrem); Finalmente, pode existir uma conduta ilcita quando o dano e causado com abuso do direito. Em reas no cobertas pelas modalidades anteriores, nomeadamente em matria de danos patrimoniais primrios, se no estiver disponvel uma lei de proteco, s esta via permite ao lesado ressarcir-se. Tendo renunciado a incluir na seco da responsabilidade civil normas especificamente atinentes ao abuso do direito, o nosso cdigo deixa aos tribunais e doutrina a tarefa do aproveitamento delitual do art. 334. Das suas trs vertentes, tem reduzido interesse a da boa f porque esta, de acordo com a concepo dominante, pressupe uma relao jurdica especial, que tipicamente falta no terreno puramente delitual, que primariamente nos ocupa. Numa sociedade em que a atribuio dos direitos subjectivos no esteja funcionalizada, tambm no se pode esperar muito (pelo que toca responsabilidade civil) da vertente fim econmico ou Social. Resta como essencial o excesso manifesto dos limites impostos pelos bons costumes. A formulao aberta da nossa lei concede alguma liberdade ao intrprete. Preocupar-nos-emos apenas com o contedo delitual mnimo do abuso do direito, isto , com os requisitos cuja presena permite afirmar de plano a ilicitude, com o consequente nascimento de uma obrigao de indemnizar. De acordo com o que nos parece constituir uma espcie de fundo cultural comum europeu, esses requisitos so dois, permitindo-nos formular a seguinte regra: a conduta do agente ser ilcita quando, de uma forma ofensiva para os bons costumes se causam dolosamente danos a outrem. No que respeita contrariedade aos bons costumes, parece-nos deverem distinguir-se as situaes em que est em causa o exerccio de um direito especial e aqueloutras em que o agente se encontra no exerccio da sua liberdade geral de agir. Existindo um direito especial, a regra a de que o seu titular o pode exercer mesmo com prejuzo de outrem. A ofensa dos bons costumes pressupor circunstncias bem particulares, nomeadamente que a verificao do dano no esteja em relao com um interesse justificado da outra parte. Diferentemente quando estiver em causa a liberdade geral de agir. Ao conceito de bons costumes parece dever ser atribudo o mesmo contedo que quando utilizado em outros sectores da ordem jurdica (em especial nos arts. 280 e 281), embora a diferente finalidade de regulao possa implicar resultados no simtricos. Tm de ser tidas em conta as mximas da moral social, embora se tenha de usar de prudncia, pois no pode aceitar-se acriticamente a concepo dominante. Os bons costumes no devem ser vistos apenas pelo prisma de uma tica individual, antes abranger o sector de uma tica de ordenao (princpios de boa ordenao de uma sociedade), em que se integram os deveres fundamentais das diversas profisses. No fundo, est em causa a concretizao do mnimo tico. Se o agente, alm de ter uma conduta ofensiva dos bons costumes, actuou com dolo de leso, ento a imposio de uma obrigao de indemnizar no parece suscitar dvida. certo que a nossa lei no impe esta dupla verificao (ofensa dos bons costumes e dolo de leso). Mas, metodologicamente, parece prefervel este procedimento. Desde logo porque nem sempre a causao dolosa de danos e ofensiva dos bons costumes (embora essa deva ser a regra). V g. a empresa que utiliza mtodos agressivos para roubar clientela ao seu vizinho ou concorrente no est por isso, sem mais, a praticar um acto contrrio aos bons costumes ou s normas e usos honestos. O que fica exposto diz respeito ao contedo delitual mnimo do abuso do direito; se quisermos, transformao do art. 334 numa norma delitual bsica. Pensamos que tambm poder existir um excesso manifesto dos limites impostos pelos bons costumes mesmo sem dolo de leso. Isso exigiria porm uma anlise sectorial.

Para alm do princpio geral estabelecido no art. 483, o cdigo regula nos arts. 484 e 485 duas situaes particulares: ofensa do crdito ou do bom nome e danos resultantes de conselhos recomendaes ou informaes.

1. Ofensa do crdito ou do bom nome De entre os delitos de expresso, o de ofensa do crdito ou do bom nome recebe acolhimento no art. 484 do Cdigo Civil, segundo o qual quem afirmar um facto capaz de prejudicar o crdito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos anos causados. A formulao do Tatbestand deixa em branco aspectos essenciais, nomeadamente quanto ao ponto de saber se, para gerar responsabilidade, o facto afirmado ou difundido tem de ser contrrio verdade, e, em ligao com isso, qual o ponto de referncia da culpa; bem como o eventual atendimento de alguma causa de justificao. Est pois formulado nos mais latos termos, deixando ao intrprete/aplicador um enorme espao hermenutico. Mas a disposio peremptria em exigir que se esteja em presena de um facto, noo que tradicionalmente se contrape a juzo de valor. Certamente porque uma afirmao de facto em regra mais perigosa para o visado do que um juzo de valor, apresentando-se como algo de objectivo, demonstrvel, sobre o qual nada mais h a discutir no simples elemento para a formao de uma opinio, como acontece naqueloutra hiptese, j que, estando em causa a concepo pessoal de quem emite o juzo, o receptor pode ou no deixar-se persuadir. Uma afirmao de facto refere-se a um acontecimento concreto, objectivamente existente ou verificado, e com isso susceptvel de prova da verdade. Pelo contrrio, os juzos de valor podero ou no basear-se em factos, mas, mesmo nesta segunda hiptese, o ncleo factual suficientemente indeterminado para que no se torne possvel a prova da verdade. No entanto, amide surgem dificuldades da separao entre estes dois modos de expresso, que no conseguiremos vencer no plano puramente definitrio e naturalstico. Antes haver que ter em conta o horizonte de compreenso de um parceiro razovel de comunicao. E, em ltima anlise, impe-se uma valorao autnoma. As dvidas surgem principalmente quanto aos juzos de valor que se apoiam em factos. Os interesses do lesado falaro no sentido de uma interpretao ampla da noo de facto, a fim de possibilitar a aplicao do art. 484. Mas o respeito pelo direito fundamental correspondente s liberdades de expresso, de informao e de Imprensa, aconselharo, em caso de dvida, a afirmar antes um juzo de valor. Este segundo ponto de vista parece merecer a primazia, sob pena de, por via de uma interpretao demasiado estrita do art. 484 se limitar com excessiva facilidade a formulao de juzos de valor. Assim, nas hipteses de mistura ou ligao entre afirmao de facto e valorao, se o contedo de facto, numa considerao objectiva, to diminuto que como que desaparece por detrs do intencionado juzo de valor, ele dever ser considerado irrelevante. Alis, no apenas a liberdade de expresso (lato sensu) fala neste sentido; igualmente a liberdade de conhecimento e de investigao. Nesta medida, as teses cientficas no devem normalmente ser consideradas como afirmaes de facto. Seguidamente, coloca-se a questo de saber se apenas existe delito quando se afirma ou divulga facto no (demonstravelmente) verdadeiro (capaz de prejudicar o crdito ou o bom nome). A lei nada diz a este respeito. Mas o sistema jurdico no est de forma alguma rfo de valoraes. Em geral, a afirmao ou divulgao de factos verdadeiros tem de ser considerada lcita. No h dvida de que a divulgao de factos verdadeiros pode gerar responsabilidade. O que nos parece dever acentuar-se que uma e outra hipteses integram, em nossa opinio, dois delitos completamente diferentes. Os requisitos da responsabilidade pela afirmao de um facto verdico tero de ser outros; o direito no pode encarar com os mesmos olhos a verdade e a mentira. E quando a lei, no art. 484, afirma a responsabilidade como regra, sem outros resguardos, deve entender-se, parece-nos, que tem em vista apenas os factos desconformes com a realidade. Para que se deva considerar no verdadeiro, bastar contudo a apresentao incompleta, deturpada ou exagerada de um facto verdadeiro. Determinante dever ser o entendimento de um receptor no especializado face comunicao do facto, no o sentido puramente textual. Na hiptese de mistura de afirmaes verdadeiras com outras falsas, haver que ter em conta a exposio na sua globalidade; tambm aqui se deve ter em conta a compreenso do crculo dos destinatrios. O facto capaz de prejudicar o crdito poder implicar ofensa para a honra ou considerao do ofendido, dando lugar interveno de normas penais. Mas podem no ser lesivas da honra, prendendo-se com a situao financeira, o mbito da actividade negocial, a qualidade dos produtos produzidos ou distribudos, a sua formao ou xitos profissionais. A quem dever contudo incumbir o nus da prova da verdade, ou, ao invs, da falsidade? A afirmao ou divulgao de um facto susceptvel de prejudicar o cr dito ou o bom nome de outrem implica a criao de uma situao de perigo. Se ele no corresponde verdade, no deveria a correspondente afirmao ou declarao ter tido lugar. Parece justo fazer recair sobre o lesante o risco de no ser possvel fazer a prova da verdade; se ele pretende ter por si a verdade dos factos, deve demonstr-lo. O nascimento de uma obrigao de indemnizao exige culpa no desconhecimento do carcter no verdico do facto, se isto corresponde aos princpios gerais, a formulao do art. 484 aponta tambm no sentido de se requerer cognoscibilidade da circunstncia de a afirmao ser susceptvel de causar prejuzo ao crdito ou ao bom nome. Para que haja lugar aplicao deste preceito, deve ainda exigir-se uma ligao cognoscvel entre o facto inverdico e a pessoa do lesado, a sua empresa, mtodos negociais ou produtos. Afirmaes que possam prejudicar um determinado sector, v. g. uma modalidade de desporto ou uni processo de alimentao, sem atingirem ningum em concreto, no bastam. Isto em vista de no prejudicar o interesse primordial de formao de uma opinio pblica. A causa de justificao defesa de interesses legtimos s intervm no caso de afirmaes de facto no demonstravelmente verdadeiro ( bvio que no pode existir interesse legtimo na divulgao consciente de factos no verdicos). Mas parece que o xito desta invocao deve ser colocado na dependncia de ter o autor da declarao procedido s averiguaes impostas pelas circunstncias, tendo em conta a intensidade do interesse e o risco para o atingido. Mesmo no mbito desta causa justificativa se requer a utilizao do cuidado devido, isto , uma obrigao de diligncia. Mas parece ser agora admissvel, estando em causa a defesa de interesses legtimos, um maior risco de no correspondncia verdade. Refira-se ainda que o interesse legtimo tanto pode ser pblico (nomeadamente na hiptese de rgos de comunicao social) como privado, e neste caso ser um interesse do declarante (v. g. no mbito processual) ou do receptor (pr de sobreaviso algum).

2. Conselhos, recomendaes ou informaes O n 1 do art. 485 contm uma regra de fcil inteleco e que no suscita dificuldades, ao afirmar que os simples conselhos, recomendaes ou informaes no responsabilizam quem os d, mesmo que haja negligncia da sua parte. Por seu turno, o n 2 enumera as hipteses nas quais tem lugar uma obrigao de indemnizao: ... quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurdico de dar o conselho, recomendao ou informao e se tenha procedido com diligncia ou inteno de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punvel. Aqui surgem algumas dvidas, porque, de acordo com as regras gerais, podem verificar-se situaes em que no h um dever jurdico de informar, entendendo-se porm que, se a informao dada, existe um dever de proceder com diligncia, de cuja violao pode resultar um dever de indemnizar. Ter a lei querido cercear a aplicao dessas regras? Para resolvermos esta dvida, temos de recorrer histria da lei. Fonte imediata o actual 675 (2) do BGB, o qual se encontrava inicialmente integrado nas normas do mandato, o que indicia a ligao com a figura romanstica do maudatum tua gratia. Este 675 (2) estabelece tambm uma regra de irresponsabilidade, ressalvando porm a que possa resultar de um contrato ou de um acto ilcito (O 676 do BGB do seguinte teor literal: aquele que d a uma outra pessoa um conselho ou recomendao no fica obrigado reparao do dano nascido do seguimento do conselho ou recomendao, sem prejuzo da responsabilidade resultante de uma relao contratual ou de um acto ilcito.). Primo conspectu, uma disposio enigmtica, j que se limita a mandar aplicar as regras a que o intrprete sempre teria de recorrer, mesmo que no existisse qualquer norma. Ela explica-se afinal por particularidades histricas. No seguimento da discusso em torno da figura do tnaiidatuni tua gratia e das suas excepes, uma corrente doutrinal sustentava que sempre que se pede una informao e esta dada, mormente em assuntos de carcter profissional, se devia ter por concludo um contrato (de mandato). E foi isto que o legislador alemo quis evitar. A norma, simplesmente remissiva, tem afinal um carcter que poder dizer-se pedaggico. Manda aplicar as regras gerais, mas previne ( esta a ratio legis) que o simples pedido e resposta a uma informao ou conselho no devem ser vistos como implicando automaticamente a concluso de um negcio. Ora, nada nos trabalhos preparatrios do Cdigo Civil portugus sugere se tenha querido inverter esta orientao de permitir a aplicao na rea da informao das regras gerais da teoria dos contratos e da responsabilidade civil. Pelo contrrio, transparece a ideia de que as informaes vinculativas iam adquirindo cada vez maior importncia. Parece assim que temos de afastar uma interpretao puramente literal do art. 485 e considerar a enumerao do n 2 como no exaustiva. Noutras situaes, poderemos igualmente deixar de estar perante os tais simples conselhos... de que fala o n 1. que no geram responsabilidade. Saber quando tal acontece, prende-se com a aplicao de outras regras e princpios plurilocalizados no sistema jurdico. Pensamos que no pode ser de outra forma, sob pena de se gerarem conflitos normativos para os quais no existe justificao. Ou seja, o art. 485 no preclude a aplicao dos princpios gerais, devendo ser visto em ltima anlise como uma norma incremente exemplificativa e de remisso.

57.

3) Nexo de imputao

Imputabilidade e culpa

Para que o agente possa ser censurado pela prtica de um facto ilcito em primeiro lugar necessrio que possua capacidade delitual (imputabilidade), a avaliar em concreto, tendo em conta a personalidade do agente e o acto em causa. Em consonncia com o esprito do n 1 do art. 488, requer-se que o agente tenha a capacidade natural para discernir e apreciar o carcter ilcito do seu acto (elemento intelectual), bem como a faculdade de dirigir o seu comportamento de acordo com essa avaliao (elemento volitivo). Na adio libera in causa (ltima parte daquele n 1) parece no existir uma excepo ao princpio da culpa, porque o agente se colocou (culposamente) numa situao (transitria) de incapacidade. A lei apenas presume a falta de imputabilidade em relao aos menores de sete anos bem como nos interditos por anomalia psquica (art. 488, n 2). Quanto idade de sete anos, pensamos que a fasquia est colocada demasiado baixo. Vimos porm que um no imputvel pode ser equitativamente onerado com uma obrigao de indemnizao, desde que no seja possvel obter uma reparao do obrigado vigilncia (art. 489), sendo de exigir um facto que, se praticado por algum com discernimento, fosse considerado culposo. Culpa a reprovabilidade ou censurabilidade de um comportamento ilcito. Age com culpa quem adopta uma conduta (ilcita) que poderia e deveria ter evitado.

Distino entre dolo e negligncia e suas modalidades.

A distino entre a culpa intencional ou dolo e a culpa por negligncia no tem no direito civil uma importncia to fundamental como no direito criminal, j que a mera culpa ou negligncia gera em regra o dever de indemnizar. Todavia, ela releva para efeitos de o juiz poder fixar a indemnizao em montante inferior ao dano (art. 494), alm de que, por vezes, a lei exige o dolo como fundamento da responsabilidade (arts. 957, 1, 1134 e 1151). Existe dolo quando o agente quis um resultado ilcito, o que supe conscincia e vontade, isto e, a representao do resultado ilcito e a sua aceitao. Haver dolo directo quando o autor quis directamente o resultado que se produziu; dolo necessrio se no quis directamente o resultado, mas o aceitou porque necessrio obteno do objectivo que se tinha proposto; dolo eventual se o resultado no foi directamente querido nem previsto como consequncia lateral necessria, mas se puder dizer que o agente o aceita na eventualidade de ele se vir a produzir. Para que se possa afirmar a existncia de dolo necessrio que o autor conhea as circunstncias que tomam o seu acto ilcito e excluem uma causa justificativa, podendo pois ser invocado o eixo de facto. J mais discutvel a questo de saber em que medida o agente pode invocar um erro de direito, no faltando quem pense que no se deve fazer suportar pelo lesado o risco da ignorncia do direito por parte do lesante. Parecendo que se deve em princpio exigir a conscincia da ilicitude, dever abrir-se excepo quando esta derivar do carcter imoral ou ofensivo dos bons costumes, isto para evitar premiar uma conscincia particularmente embotada para os valores da vida em sociedade. A negligncia uma culpa no intencional, caracterizada por uma omisso da diligncia devida (para prever ou evitar o resultado ilcito). Existir negligncia consciente se o agente prev a possibilidade do resultado ilcito, mas actua confiando indevidamente em que ele no se produzir. Diferentemente do que acontece no dolo eventual, em que o agente no confia em que o evento no se verifique, na hiptese da negligncia consciente o agente s actua porque confia em que o resultado no se produzir. Na negligncia inconsciente, o resultado no foi sequer previsto como possvel, mas poderia e deveria t-lo sido se o agente usasse do cuidado, ateno ou circunspeco impostos pelas circunstncias.

Critrios de apreciao da culpa (culpa em concreto e em abstracto, como deficincia da vontade ou da conduta).Para apurar qual o grau de diligncia exigido pela ordem jurdica, ser sempre necessrio comparar a conduta do agente com uma conduta modelo. Oferecem-se duas possibilidades: ou comparar a conduta do agente com a que ele tem habitualmente (critrio do modelo concreto) ou referi-la a um modelo abstracto e objectivo, independente da personalidade do agente (critrio do modelo abstracto). A apreciao da culpa em concreto consiste unicamente em pr em paralelo a conduta habitual do agente e a que ele teve no momento da prtica do facto ilcito. Nesta perspectiva, haver culpa se o comportamento no conforme ao que o autor do facto tem habitualmente. Este critrio coloca portanto um acento particular sobre a personalidade do indivduo, o seu modo de vida, os seus hbitos. Os seus reflexos, inteligncia, qualidades e defeitos. No difcil ver que a utilizao deste critrio levanta objeces srias. Se o agente tem o hbito de se conduzir de maneira imprudente, descuidada ou negligente, no lhe ser imputada culpa quando rima conduta semelhante que costuma adoptar causa um dano a outrem, j que ele se comportou normalmente. Inversamente, aquele que sempre mostrou a maior prudncia seria responsvel pelo mais pequeno deslize sua conduta habitual. A avaliao in concreto conduz afinal de contas avaliao da responsabilidade moral do indivduo. Essencialmente subjectiva, perigosa na medida em que no tem em conta a dimenso social da conduta individual, eliminando qualquer norma objectiva de conduta. O que tem de estar em causa , na verdade, saber se o agente conformou a sua conduta pela que e objectivamente exigvel na vida em sociedade. A contrario, o critrio da culpa em abstracto responde a estas objeces. A culpa consistir agora num afastamento da conduta do agente em relao que teria sido adoptada por um tipo abstracto e objectivo de homem razovel, normalmente prudente e diligente, do bom cidado, do bom pai de famlia. Averiguai da existncia de culpa consistir pois em comparar a conduta do lesante com a de um indivduo normalmente prudente e diligente, dotado de uma inteligncia e discernimento normais, agindo como um bom pai de famlia, e perguntar se este tipo abstracto de indivduo teria podido prever ou evitar o evento que causou o dano. A nossa lei, ao remeter (art. 487, n 2) para a diligncia de um bom pai de famlia, aponta claramente no sentido de um critrio abstracto. Mas com isso no fica tudo resolvido. Ser de exigir ao agente apenas uma determinada tenso de vontade, um certo esforo ou empenho, mas desculpando-se-lhe a sua eventual inaptido ou impercia, por falta de conhecimentos tcnicos, foras fsicas ou intelectuais? Bastara pois o zelo e a ateno para excluir a culpa ou, mais do que isso, requer-se que o agente se conduza como uma pessoa avisada, razovel, capaz, medianamente dotada de capacidades fsicas, intelectuais, morais, tcnicas, profissionais? Se assim for, o comportamento que no atinja este nvel ser imputado a culpa do seu autor, mesmo que subjectivamente este tudo tenha feito para evitar o resultado danoso. Objectivado nestes termos o padro de conduta, haver culpa sempre que uma pessoa no se comporte como de esperar de um indivduo da sua categoria. No primeiro caso, a culpa ser entendida como deficincia da vontade; no segundo como deficincia da conduta. Ali apenas se exige que o indivduo, tal como , se esforce por cumprir; aqui pretende-se que ele corrija as suas prprias deficincias ou, em ltima anlise, se abstenha de assumir compromissos para que no est habilitado. A lei no resolve com clareza este ponto, no sendo decisivos os argumentos literais que dela se possam tirar (mais, porventura no sentido da 1 orientao). De lege ferenda, tem-se entendido porm ser prefervel a 2 orientao, de resto a que melhor se compagina com o critrio da culpa em abstracto, esse sim, abertamente consagrado no n 2 do art. 487. No sentido da culpa como deficincia de conduta, podem invocar-se diversas ordens de argumentos. Em primeiro lugar, o que est fundamentalmente cm jogo saber quem deve suportar o dano, se o lesante ou o lesado, e no a questo de saber se aquele deve ou no ser castigado. O aspecto sancionatrio acessrio e lateral na responsabilidade civil, que se ocupa primariamente com decidir quem deve suportar os danos. Ora parece mais justo que a inaptido, a impercia, a incompetncia, a incapacidade intelectual onerem o agente do que o lesado. Em geral os interesses deste no so dignos de menor proteco do que os daquele. Desde que no est em causa impor uma sano, mas fazer incidir um dano sobre o patrimnio de um ou de outro, razovel admitir que os interesses da vtima no fiquem a descoberto; se algum tem de suportar o prejuzo, que no seja ela, mas quem os causou pela sua impercia. A soluo adoptada tambm a mais favorvel aos interesses gerais da contratao e do comrcio jurdico. A vida em sociedade exige que se possa contar com um mnimo de qualidades positivas por parte dos outros, isto , postula o princpio da confiana na actuao dos outros, que seria gravemente afectado se fossem admitidas causas de escusa puramente individuais. Revela-se igualmente a mais educativa, pois constitui um aguilho para as pessoas procurarem adaptar o seu comportamento ao que normalmente exigvel no trfico, trate-se da vida profissional ou de actos banais, mas susceptveis de provocar danos graves (como o conduzir um automvel). Nem de aceitar sem mais a objeco de que a aplicao de um padro ou bitola objectiva, exigindo aos indivduos mais do que eles so capazes de dar, conduz a uma criptoculpa, uma fico de culpa, ou uma negligncia sem culpa. extremamente difcil estabelecer os limites das capacidades de cada indivduo. Se sempre ter de se aceitai a necessidade de uma adaptao a um padro mdio no que respeita ao elemento vontade (o que pressupe que se admite essa possibilidade), porque no em relao a outras faculdades ou capacidades? Na esmagadora maioria dos casos, um juzo de censura afirmado de acordo com critrios objectivos, ser tambm fundamentado em relao ao agente concreto. Existir em regra uma culpa (subjectivamente considerada) quando algum empreende uma actividade para que no possui as necessrias capacidades ou foras, pois as pessoas no devem assumir compromissos nem meter-se em cavalarias para que no esto preparadas. No pode negar-se que, em algumas hipteses, ao agente faltar o necessrio conhecimento ou discernimento para fazer um juzo correcto acerca dos limites das suas capacidades. Um exemplo de escola, citado por Larenz, o do condutor de um veculo motorizado que, em consequncia de um defeito de viso de que se no apercebera, no viu um ciclista, atropelando-o; o tribunal condenou-o, considerando que, como todo o automobilista, ele deveria no mnimo reconhecer os limites da sua capacidade individual de viso. Que este condutor no tenha podido conhecer aqueles limites, no o desculpou, por se considerar que um condutor cuidadoso, dotado de normais capacidades, poderia e deveria ter a conscincia das suas limitaes. Isto poder acontecer noutros casos, visto que uma falta ou defeito pessoal, mesmo no culposo, dos conhecimentos ou capacidades tpicas v g. de um grupo profissional no exclui a negligncia. Introduzem-se assim certos elementos de objectivao e, em casos-limite, tem de se admitir que a concepo defendida no est totalmente em consonncia com um pensamento de responsabilidade pessoal estrita. Em teoria, alm de uma falta de cuidado externo (ou exterior), exige-se sempre Lima falta de cuidado interno (ou interior), mas este aspecto tende a passar para segundo plano. Como afirma o mesmo autor, o preo que o direito civil paga pelo reconhecimento do princpio da culpa. Sem dvida que o estabelecimento de um critrio to exigente foi indispensvel para resolver com justia o problema da distribuio dos danos que se produzem no contacto social. Esses resultados ningum os quer contestar. O que se pergunta, cada vez com maior insistncia, se se deve utilizar para tal o conceito de culpa ou se esta no dever antes ser reconduzida ao ncleo de um julgamento pessoal. Aceite a culpa como conduta deficiente, a desculpabilidade subjectiva de um comportamento danoso irrelevante para o direito civil em circunstncias iguais deve ser observado o mesmo cuidado u diligncia. Um comerciante deve agir com o cuidado e prudncia de um comerciante normal; o mdico, o advogado, o agricultor, o empreiteiro, respondem pelos conhecimentos e capacidades tpicas do seu grupo profissional, medindo-se o grau de diligncia pelo que de exigir a um mdico, advogado, etc., normalmente cuidadosos, devendo alis ser-se extremamente circunspecto no atendimento dos usos, que podem ser maus, de uma determinada profisso ou sector de actividade econmica. O mesmo se diga em relao aos condutores de veculos motorizados. Assim, o automobilista que, profundamente preocupado com o estado de sua mulher que se encontra no leito de um hospital, ao conduzir a sua viatura para casa, no estando em condies de se concentrar devidamente, provoca um acidente, no pode ser desculpado pelo seu estado de esprito, por compreensvel que este seja. Nem de uma forma geral o condutor de um veculo poder alegar um estado de cansao, ou o mdico poder invocar a incapacidade, provocada pela idade, de se manter ao corrente dos progressos da cincia; se falecem os conhecimentos pessoais, o doente devera ser remetido para outro mdico ou a um especialista. E no entanto a lei fala da diligncia de um bom pai de famlia em face das circunstncias de cada caso. Quid iuris?

A objectivao do conceito de negligncia no quer significar que haja um mesmo e absoluto critrio, fixado por uma vez para todas as pessoas. Desde logo, a noo de bonus pater familias, como a de cidado honesto, de homem razovel, de homem prudente e diligente, varia segundo os imperativos de tempo e lugar, de acordo com as mudanas sociais e a evoluo dos costumes. Depois, o grau de cuidado que pode e deve ser esperado varia com as circunstncias concretas. A idade e o sexo ho-de ser tidos em conta: de uma criana no se pode esperar a maturidade de um adulto e de uma mulher a fora fsica de um homem. Em linha de conta tero de entrar tambm, alm da profisso, a grandeza das dificuldades a ultrapassar, a importncia e dificuldade da actividade em questo, a sim periculosidade e o seu carcter til ou no. De uma forma geral, quanto maior a dificuldade, importncia, periculosidade e de menor utilidade se mostrar a aco, maior ser o cuidado exigvel. Tambm assim quanto mais qualificada for a profisso ou o grau de especializao (e a fama pessoal) dentro dessa profisso. Se, num momento de grande perigo, no se tomarem as medidas aconselhveis para evitar o dano, como um raciocnio a frio aconselharia, isso pode ser desculpvel se no se criou culposamente esse estado de perigo. Dificuldades imprevistas justificaro um julgamento mais benvolo. A considerao das circunstncias do caso atenuar algo as consequncias gravosas da objectivao do conceito de negligncia. Para se saber at onde ilcito ir na considerao das circunstncias do caso costuma a doutrina lanar mo da distino entre circunstncias internas e circunstncias externas, no de todo fcil de apreciar. Como linha de orientao, dir-se- que o juiz deve ter em conta todas as circunstncias que no sejam pessoais ao lesante, entendendo-se por estas as que se referem sua individualidade prpria, s suas particularidades fsicas ou morais. Todas as outras so externas. Se o julgador considerasse as circunstncias pessoais, no estaria afinal a comparar a conduta do lesante com a de um homem mdio, acabando por se meter na pele ou na conscincia do agente, fazendo uma apreciao in concreta, o que lhe est vedado. As diversas modalidades de culpa podem ser classificadas de acordo com a sua gravidade. Fala-se de negligncia grave ou grosseira quando o lesante violou as regras mais elementares de prudncia, deixando de tornar precaues que, nas mesmas circunstncias se impunham a qualquer pessoa razovel. A negligncia leve ou ligeira define-se pela negativa; o comportamento do lesante, no sendo desculpvel, no particularmente reprovvel, podendo ser tomados em conta os motivos, ao menos como ndice para a valorao.

nus da prova e casos de culpa presumida. Sendo a culpa do lesante um elemento constitutivo do direito indemnizao, incumbe ao lesado, como credor, fazer a prova dela, nos termos gerais da repartio legal do nus probatrio (art. 342. , 1) (O tribunal h-de, no entanto, socorrer-se de presunes simples e de regras de experincia, que podem justamente ajudar o lesado a vencer algumas dificuldades especiais de prova). Regra oposta vigora para o caso da responsabilidade contratual (art. 799. , 1), onde o facto constitutivo do direito de indemnizao o no cumprimento da obrigao, funcionando a falta de culpa como uma excepo, em certo termos oponvel pelo devedor. Ao afirmar o princpio segundo o qual, na responsabilidade delitual, ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da leso, o artigo 487. , 1 ressalva, todavia, os casos em que haja presuno legal de culpa. E h, com efeito, na prpria subseco que trata da responsabilidade por factos ilcitos, vrios casos em que a lei presume a culpa do responsvel.A) Pessoas obrigadas a vigilncia de outrem. Assim que, no caso de danos causados por incapazes (pessoas naturalmente incapazes) a terceiros, se presume que houve culpa da parte das pessoas obrigadas a vigi-los (art. 491. ): pais, tutores, mestres de oficinas, professores, preceptores, enfermeiros, guardas, etc. O Cdigo vigente generaliza a doutrina aos casos de incapacidade natural, sem deixar de incluir a causa natural de incapacidade por excelncia, que a menoridade, Por outro lado, estendeu-se a presuno de culpa a todos aqueles que, seja por lei, seja por negcio jurdico, tm o dever de vigilncia, enquanto o diploma anterior aludia apenas queles que tinham a tutela e vigilncia legal do demente, e aos pais e queles a cuja guarda e direco o menor estava entregue. As pessoas atingidas pela obrigao de indemnizar no respondem por facto de outrem, mas por facto prprio, visto a lei presumir que houve falta (omisso) da vigilncia adequada (culpa in vigilando). Esta presuno baseia-se em vrias consideraes, a saber:

a) Num dado da experincia (segundo a qual boa parte dos actos ilcitos praticados pelos incapazes procede de uma falta de vigilncia adequada);

b) Na necessidade de acautelar o direito de indemnizao do lesado contra o risco da irresponsabilidade ou de insolvabilidade do autor directo da leso;

c) Na prpria convenincia de estimular o cumprimento dos deveres que recaem sobre aqueles a cuja guarda o incapaz esteja entregue.

E o regime no pode considerar-se violento nem injusto, na medida em que o vigilante pode sempre afastar a presuno, nos termos da parte final do artigo 491.A responsabilidade do obrigado vigilncia pode ser afastada por qualquer das duas vias abertas no preceito legal: mediante a prova de cumprimento do dever de vigilncia ou mostrando que o dano se teria produzido, mesmo que o dever tivesse sido cumprido. Nem todos os obrigados a vigiar outras pessoas esto sujeitos presuno de culpa, mas s aqueles cujo dever de vigilncia determinado pela incapacidade natural do vigiado. A responsabilidade no abrange, assim, o graduado que comanda um destacamento militar, in relao aos actos danosos praticados pelos seus subordinados. Como incapacidade natural nem sempre corresponde a inimputabilidade, pode cumular-se a responsabilidade do incapaz e da pessoa obrigada a vigi-lo: nesse caso, respondero solidariamente nos termos do artigo 497. .

B) Danos causados por edifcios ou outras obras. Quanto aos danos causados por edifcios que venham a ruir, no todo ou em parte, vale o mesmo regime (presuno de culpa, mas no responsabilidade objectiva) (O proprietrio ou possuidor no responde pelos riscos ou pelo perigo especial provenientes do edifcio, mas s por ter culposamente deixado de observar os cuidados de construo e de conservao exigveis para prever e prevenir o dano.), nos termos do artigo 492. , contanto que a derrocada ou queda do edifcio provenha comprovadamente de vcio da construo ou de defeito de conservao. A soluo estende-se ainda a outras obras, devendo considerar-se como tais todas as construes ligadas ao solo ou unidas ao prdio (muros divisrios ou de suporte, pontes, colunas ou pilares, aquedutos, viadutos, poos, canais, albufeiras, postes, antenas, andaimes, tapumes, etc.), mas no as coisas mveis sem tal ligao (o vaso colocado janela, por ex.) nem os produtos naturais ligados ao solo (como as rvores). A responsabilidade abrange o proprietrio ou possuidor, por se presumir que deles a negligncia havida na construo ou na conservao, que levou derrocada do edifcio ou da obra. Mas, se o dano provier apenas de defeitos de conservao e esta competir (por lei ou negcio jurdico) a outra pessoa (v. gr., o usufruturio: art. 1472, 1), sobre esta, exclusivamente, recair a presuno legal de culpa, desde que no haja ao mesmo tempo culpa do proprietrio ou possuidor. Se houver (culpa in eligendo, in instruendo ou in vigilando), respondero ambos solidariamente. A responsabilidade do proprietrio ou possuidor do edifcio cessa, nos termos do artigo 492. , logo que prove que no houve culpa da sua parte, como sucede no caso de a derrocada ser devida a caso fortuito ou a facto de terceiro (v. gr. ao facto de o dono ou tcnico responsvel no ter tomado as precaues necessrias na demolio de um prdio ou muro vizinho). No h, portanto, nestes casos, a consagrao de uma responsabilidade objectiva fundada no perigo dos imveis. H responsabilidade por facto ilcito (falta de cumprimento dos deveres a observar na construo ou na conservao do imvel), agravada com a presuno de culpa. Diferente a situao prevista e regulada no artigo 1348. , n 2, cm que o proprietrio que realiza no seu prdio escavaes responde Pelos danos que cause nos prdios vizinhos, mesmo que tenha tomado todas as precaues consideradas necessrias. Neste caso, basta o nexo de causalidade entre as escavaes e o dano para, margem da culpa do lesante, garantir ao lesado o direito a indemnizao.

C) Danos causados por coisas ou animais ou por actividades perigosas. Trata-se dos danos provocados pelas coisas ou pelos animais e no dos danos causados pelo agente com o emprego das coisas ou dos animais, visto nenhuma razo haver para excluir estes do regime geral da responsabilidade civil. O artigo 493. do Cdigo vigente deslocou o eixo da responsabilidade do simples domnio para a deteno da coisa ou do animal, com o dever de os vigiar (Ao dono ou possuidor do animal, como tal, porm, aplicvel o disposto no artigo 502, no qual se consagra um regime de verdadeira responsabilidade objectiva fundada no risco.). Com efeito, se a responsabilidade assenta, no caso presente, sobre a ideia de que no foram tomadas as medidas de precauo necessrias para evitar o dano, a presuno recai em cheio sobre a pessoa que detm a coisa (armas, explosivos, depsito de combustveis, substncias radioactivas ou insalubres, agulhas, agulhas mdicas, lminas, instrumentos cortantes, caldeira, paiol de plvora, etc.) ou o animal, com o dever de os vigiar. Essa pessoa ser, por via de regra, o proprietrio, mas muitas vezes o no ser, podendo tratar-se do comodatrio, do depositrio, do credor pignoratcio, etc. Em qualquer hiptese, a presuno legal de culpa pode ser afastada nos mesmos termos dos casos anteriores: mediante prova da inexistncia da culpa, conforme o disposto no n 2 do art. 350, ou mostrando que os danos se teriam igualmente verificado, mesmo sem culpa. Porm, quanto aos danos causados no exerccio de actividades perigosas (fabrico de explosivos, tratamento com rdio, transporte de combustveis, navegao martima ou area, etc.), o lesante s poder exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providncias exigidas pelas circunstncias para os evitar. Afasta-se indirecta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsvel se eximir obrigao de indemnizar, com a alegao de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providncias. O carcter perigoso da actividade (causadora dos danos) pode resultar, como no texto legal (art. 504, 2) se explcita, ou da prpria natureza da actividade (fabrico de explosivos, confeco de peas pirotcnicas, navegao area, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento mdico com ondas curtas ou com raios X, corte de papel com guilhotina mecnica, tratamento dentrio com broca, transporte de combustveis, etc.). Discutiu-se bastante, na doutrina e na jurisprudncia, a questo de saber se o n 2 do artigo 493. abrange ou no, entre as actividades perigosas nele contempladas, a circulao dos veculos automveis. Trata-se especificadamente de saber se aos acidentes provenientes dos veculos de circulao terrestre ou no aplicvel a presuno de culpa estabelecida no n 2 do artigo 493. . A doutrina mais defensvel, tanto em face dos textos como do esprito da lei, sustentava a negativa, com o fundamento de a circulao e o estacionamento dos veculos automveis, como fonte eventual de danos ressarcveis, se encontrar especialmente regulada; tanto na rea da responsabilidade civil fundada na culpa (art. 483. , 1), como na zona negra da responsabilidade baseada no risco (por virtude da criao de um risco social em proveito prprio ou individual). E nada permite crer, num plano de justa composio dos interesses em jogo, que a esta responsabilidade objectiva, assente nos riscos prprios do veculo, posta a cargo de quem detm a direco efectiva do caminho, do automvel, do motociclo ou da bicicleta, a lei pretenda adita como regra, a presuno (suplementar) de culpa sobre a mesma pessoa. O argumento no de modo nenhum invalidado pela presuno de culpa que o artigo 503., n 3, lana excepcionalmente sobre quem conduz o veculo como comissrio, visto este se no encontrar sujeito ao regime de responsabilidade objectiva que onera o dono ou detentor do veculo (art. 503., n 1) e haver razes muito especiais para estimular a prudncia da sua conduo. E foi a doutrina da inaplicabilidade do artigo 493. , 2 responsabilidade civil emergente dos acidentes de viao terrestre que, justificadamente, veio a triunfar, depois de muitas hesitaes, na jurisprudncia do Supremo, primeiro no acrdo de 25 de Julho de 1978 , tirado em reunio conjunta das seces, e por fim no Assento de 21 de Novembro de 1979, embora com alguns votos discordantes. O disposto no artigo 493. , n 2 do Cdigo Civil, no tem aplicao em matria de acidentes de circulao terrestre.

D) Danos provocados pelo condutor de veculo por conta de outrem. Um outro caso de presuno de culpa, embora previsto e regulado j na rea do Cdigo onde se trata da responsabilidade pelo risco, o dos danos causados por veculo de circulao terrestre, quando o veculo conduzido por algum, por conta de outrem, nos termos do disposto no n 3 do artigo 503. . 58.DANO

Noo e espcies.

A. Dicotomias tradicionais.

a) dano patrimonial e no patrimonial (critrio de ressarcibilidade: a gravidade do dano);

Tem sido muito debatida na doutrina a questo da ressarcibilidade dos danos no patrimoniais. A favor da soluo negativa tem-se argumentado desde logo com a natureza irreparvel destes danos. O dinheiro, de um lado, e as dores fsicas ou morais, os vexames, as inibies, os complexos criados por certas deformaes estticas, do outro, so grandezas heterogneas. No h possibilidade de apagar (indemnizar) com dinheiro os malefcios desta natureza. O dano de clculo no tem cabimento nesta rea. Alm disso, ainda que se pretendesse, no indemnizar, mas compensar, estes danos no patrimoniais, dir-se- ser sempre muito difcil, seno praticamente impossvel, fixar, sem uma larga margem de arbtrio, a compensao correspondente a cada caso concreto. Chegou-se mesmo ao ponto de afirmar que s numa concepo grosseiramente materialista da vida se poderia admitir a ideia de ressarcir com o dinheiro os danos de carcter no patrimonial. Repugna permitir ao pai exigir dinheiro pela morte do filho, A estes argumentos tem-se replicado com a afirmao de que, embora o dinheiro e as dores morais ou fsicas sejam, de facto, grandezas heterogneas, a prestao pecuniria a cargo do lesante, alm de constituir para este uma sano adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado. Entre a soluo de nenhuma indemnizao atribuir ao lesado, a pretexto de que o dinheiro no consegue apagar o dano, e a de se lhe conceder uma compensao, reparao ou satisfao adequada, ainda que com certa margem de discricionariedade na sua fixao, incontestavelmente mais justa e criteriosa a segunda orientao. E no se diga que semelhante raciocnio assenta numa concepo materialista ou utilitarista da vida, ou que assim se deixa infiltrar um senso moral relaxado no seio das instituies jurdicas. No h, de facto, a inteno de pagar ou indemnizar o dano, muito menos o intuito de facultar o comrcio com valores de ordem moral; h apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composio pecuniria pode servir para satisfao das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares s de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspecto, da utilizao que dela se faa. Mais imoral e bem mais injusto o resultado a que conduz a tese oposta, negando qualquer compensao a quem sofreu o dano (o qual pode ser bem mais grave do que muitos danos patrimoniais) e deixando absolutamente intacto o patrimnio do autor da leso, a pretexto da dificuldade ou da impossibilidade de fixar o montante exacto do prejuzo por ele causado. Imoral fazer comrcio dos bens de ordem espiritual, no o pretender o ressarcimento dos danos que lhes sejam causados. Quanto a ser muito difcil, seno impossvel, calcular o montante exacto da compensao devida pelos danos morais, o argumento srio, mas no convence. Dificuldade anloga suscita o clculo de certos danos patrimoniais indirectos (como o prejuzo sofrido pelo mdico ou pelo advogado com a calnia ou a injria, que afectou sensivelmente a sua clientela) e nunca se duvidou da sua ressarcibilidade. O Cdigo Civil, na esteira de outros diplomas anteriores, tomou abertamente partido na contenda, aceitando em termos gerais, mas s no domnio da responsabilidade extracontratual, a tese da reparabilidade dos danos no patrimoniais, mas limitando-a queles que, pela sua gravidade, meream a tutela do direito (art. 496. , 1). A gravidade do dano h-de medir-se por um padro objectivo (conquanto a apreciao deva ter em linha de conta as circunstncias de cada caso), e no luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se- em funo da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concesso de uma satisfao de ordem pecuniria ao lesado. Por ltimo, a reparao obedecer a juzos de equidade, tendo em conta as circunstncias concretas de cada caso, como se depreende, quer dos termos (equitativamente), em que a lei (art. 496. , n. 3) manda fixar o montante da chamada indemnizao, quer da remisso feita para os factores discriminados no artigo 494. A indemnizao, tendo especialmente em conta a situao econmica do agente e do lesado, assim mais uma reparao do que uma compensao, mais uma satisfao do que uma indemnizao. Concretamente, a lei refere-se a seguir (n. 2 do art. 496.) aos danos no patrimoniais provenientes da morte da vtima. Isso no significa que os danos no patrimoniais no devam ser atendidos noutros casos (nomeadamente quando haja ofensas corporais, violao dos direitos de personalidade ou do direito moral do autor, mas logo deixa transparecer o rigor com que devem ser seleccionados os danos no patrimoniais indemnizveis. A referncia especial ao caso de o facto ter provocado a morte da vtima explica-se pela necessidade de designar o titular do direito indemnizao e as pessoas cujos danos (no Patrimoniais) devem ento ser tomados em linha de Conta. O montante da indemnizao correspondente aos danos no patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critrios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsvel, sua situao econmica e s do lesado e do titular da indemnizao (art. 496. , 3), aos padres de indemnizao geralmente adoptados na jurisprudncia s flutuaes do valor da moeda, etc.. O facto de a lei, atravs da remisso feita no artigo 496., 3, para as circunstncias mencionadas no artigo 494., ter mandado atender, na fixao da indemnizao quer culpa, quer situao econmica do lesante, revela que ela no aderiu, estritamente, tese segundo a qual a indemnizao se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios econmicos necessrios para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibies que sofrera por virtude da leso. Mas tambm a circunstncia de se mandar atender situao econmica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnizao no reveste, aos olhos da lei, um puro carcter sancionatrio. A indemnizao reveste, no caso dos danos no patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, no lhe estranha a ideia de reprovar ou castigar; no plano civilstico e com os meios prprios do direito privado, a conduta do agente. O que convm (pela relativa uniformidade ou proximidade de critrio que importa estabelecer dentro da matria) que, na fixao do montante da indemnizao, quando haja simultaneamente danos patrimoniais e no patrimoniais, o tribunal faa a discriminao da parte correspondente a uns e a outros.

b) dano emergente e lucro cessante;

No direito civil, diferentemente do que acontece no direito penal, no existem delitos de perigo abstracto. O dano constitui um pressuposto do nascimento desta relao jurdica, cuja finalidade principal reside justamente na sua reparao. na obrigao de indemnizao, sistematicamente localizada entre as modalidades das obrigaes, que esto regulados os aspectos fundamentais respeitantes ao ressarcimento, embora, como vimos, o cdigo tenha includo tambm algumas disposies no sector dos delitos. O dano consiste numa leso a um bem ou interesse juridicamente protegido. Tratando-se de um interesse privado patrimonial, o correspondente prejuzo ser avalivel em dinheiro, falando-se de um dano patrimonial; tratando-se de um interesse de outra natureza, em rigor insusceptvel de avaliao pecuniria, o prejuzo designa-se como no patrimonial (vulgo dano moral). Nesta segunda hiptese, no est em causa tornar o lesado indemne, mas, de acordo com a concepo tradicional, possibilitar uma compensao que contrabalance o mal sofrido. A lei d prevalncia ao princpio da reconstituio natural (art. 562), s devendo a indemnizao ser estabelecida em dinheiro quando aquela no for possvel, no reparar integralmente os danos ou for demasiado onerosa (art. 566. n 1). Quanto ao dano patrimonial, dever indemnizada quer a diminuio do patrimnio em relao ao seu estado anteriormente leso (dano emergente), quer a perda de um ganho ou possibilidade de ganho futuro (lucro cessante; art. 564, n 1). O ponto de partida do direito civil geral (diferentemente do direito do trabalho) o de uma avaliao concreta do dano. Discute-se porm se em relao a certos tipos de prejuzos, v.g. os que se prendem com a impossibilidade de utilizao de um veculo automvel, no dever ser aceito um critrio abstracto de avaliao, com o que o conceito de dano deixar de ser puramente fctico para se tornar normativo.

c) dano real e de clculo (avaliao abstracta e concreta; referncia ao "dano da privao do uso").

O dano a perda in natura que o lesado sofreu, em consequncia de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. a leso causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruio, subtraco ou deteriorao de certa coisa, material ou incorprea. E a morte ou so os ferimentos causados vtima; a perda ou afectao do seu bom-nome ou reputao; so os estragos causados no veculo, as fendas abertas no edifcio pela exploso; a destruio ou apropriao de coisa alheia; etc. Ao lado do dano assim definido, h o dano patrimonial que o reflexo do dano real sobre a situao patrimonial do lesado. Trata-se, em princpio, de realidades diferentes, de grandezas distintas, embora estreitamente relacionadas entre si. Uma coisa a morte da vtima, as fracturas, as leses que ela sofreu (dano real); outra, as despesas com os mdicos, com o internamento, o funeral, os lucros que o sinistrado deixou de obter em virtude da doena ou da incapacidade, os prejuzos que a falta da vtima causou aos seus parentes (dano patrimonial), Uma coisa so as amolgadelas ou as peas partidas no veculo (dano real); outra, as despesas feitas com o reboque do carro para a oficina e com a sua reparao, as viagens que o dono do txi deixou de fazer e o lucro que delas retiraria, etc. (dano patrimonial). O dano patrimonial, de que se trata com maior desenvolvimento na seco relativa obrigao de indemnizao, mede-se, em princpio, por uma diferena: a diferena entre a situao real actual do lesado e a situao (hipottica) em que ele se encontraria, se no fosse o facto lesivo. a noo de dano patrimonial que interessa ao problema do clculo da indemnizao por equivalente. Mas j o dano real, como prejuzo in natura, que interessa ao problema da causalidade e questo da opo entre a indemnizao mediante restaurao natural e a indemnizao por equivalente. Quando se exprime o dano real pela soma de dinheiro correspondente diminuio patrimonial causada pela leso (F teve um dano de 50 na sua viatura), d-se expresso dano o sentido de dano de clculo. Se a avaliao do prejuzo se faz em funo do valor que a coisa tem no patrimnio do lesado (pretium singulare) faz-se uma avaliao concreta do dano; se apenas se procura determinar o valor objectivo (pretium commune) da coisa atingida (o valor genrico, por ex., do uso do veculo danificado, de que o dono se viu privado durante a reparao, independentemente das despesas que o lesado fez ou teria de fazer para o substituir), temos a avaliao abstracta do dano. Faz-se igualmente uma avaliao concreta do dano, quando se toma em conta o valor mais alto a que o comprador teve de adquirir certa mercadoria, por lhe no ter sido entregue, na data fixada, aquela que comprara; far-se-ia uma pura avaliao abstracta, se apenas se considerasse o preo corrente da mercadoria devida no momento em que se calcula o valor do dano.

B. Obrigao de indemnizao.

I. Danos patrimoniais.

a)Teoria da reparao integral (art. 562.); b) formas da indemnizao (reconstituio natural e indemnizao por equivalente);

Temos salientado repetidas vezes que a indemnizao se destina a colocar o lesado na situao em que se encontraria se no fora o acontecimento produtor do dano (art. 562. ). Um dos modos de procurar esse resultado consiste na restaurao natural ou indemnizao em forma especifica dos interesses lesados (ex. a reparao da coisa danificada, a entrega do objecto subtrado). E quando assim acontea, remove-se o dano real ou dano concreto, quer dizer, o dano efectivamente sofrido pelo lesado. Trata-se da forma mais perfeita de reparao. Devendo observar-se que concebvel uma restaurao natural mesmo relativa a danos no patrimoniais (ex. a destruio de um escrito ofensivo, a retractao do autor de uma injria). Mas acontece muito vulgarmente que a referida reintegrao ou reposio especfica se apresenta invivel: ou porque no existe possibilidade material de reconduzir as coisas situao exacta ou aproximada em que estariam se a leso se no tivesse verificado; ou porque desse modo se no reparam integralmente os danos; ou ainda porque a ordem jurdica a no admite, designadamente por consider-la demasiado onerosa para o devedor. Ter ento de operar-se uma indemnizao ou restituio por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro que corresponda ao montante dos danos. Desta maneira, j no se apaga ou remove o dano real, mas indemniza-se to-s o dano de clculo ou dano abstracto, que consiste no valor pecunirio dos prejuzos causados ao ofendido. O n 1 do art. 566. esclarece que a indemnizao fixada em dinheiro, sempre que a reconstituio natural no seja possvel, no repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. Daqui se conclui que, em princpio, se procede restaurao natural. A indemnizao pecuniria apresenta-se como um sucedneo a que se recorre apenas quando a reparao em forma especfica se mostra materialmente impraticvel, no cobre todos os danos ou demasiado gravosa para o devedor. Esta ltima limitao ter lugar sempre que exista flagrante desproporo entre o interesse do lesado e o custo da restaurao natural para o responsvel. A onerosidade deve apreciar-se, de resto, em termos amplos, considerando-se, inclusive, legtimos interesses de ordem moral ou sentimental.

c) teoria da diferena sentido e limites (em particular, a moderao equitativa da indemnizao e a culpa do lesado);

A indemnizao por equivalente traduz o valor em dinheiro dos prejuzos causados. Ora, na avaliao desse dano de clculo ou dano abstracto pode seguir-se um de dois critrios: ou se pretende que o quantitativo monetrio corresponda ao valor do prejuzo para o lesado, ou, ento, sem curar da pessoa que sofreu o dano, que represente apenas o valor objectivo do bem atingido pelo facto lesivo. No primeiro caso, far-se- uma avaliao concreta e, no segundo caso, uma avaliao abstracta do dano de clculo. Estabelece o art. 566., n. 2, que a indemnizao em dinheiro tem como medida a diferena entre a situao patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se no existissem danos. O Cd. Civ. consagra assim, quanto ao critrio a utilizar na avaliao da indemnizao pecuniria, a chamada teoria da dferena. Em sntese: haver que proceder ao apuramento da diferena entre a situao real e a situao hipottica actuais do patrimnio do lesado isto , na data mais recente possvel devendo o montante da indemnizao apagar ou compensar a exacta separao entre elas. Como consequncia do princpio informador deste critrio, resulta que se dever ter em conta, no clculo da indemnizao, o valor subjectivo ou individual dos bens quer dizer, o valor que os bens danificados, destrudos ou subtrados possuam para o lesado e no o seu valor objectivo ou comum. Via de regra, o valor subjectivo, quando no igual, ser superior ao objectivo, merc, nomeadamente, de conexes existentes no patrimnio do lesado ou de especiais utilizaes que ele faria dos bens considerados. Uma outra ilao importante da teoria da diferena consiste na chamada compensao de vantagens: sempre que o facto constitutivo de responsabilidade tenha produzido ao lesado, no apenas danos, mas tambm lucros, estes devem compensar-se com aqueles (compensatio lucri cum damnox.). Em paralela ordem de ideias, o art. 568., quando a obrigao de indemnizar resulta da perda de qualquer coisa ou direito, permite ao responsvel exigir, no acto do pagamento ou posteriormente, que o lesado lhe ceda os seus direitos contra terceiros.

Ser a teoria da diferena admitida em termos absolutos pela nossa lei? A resposta logo se encontra no n. 2 do art. 566., que declara a aceitao do princpio, sem prejuzo do preceituado noutras disposies. Efectivamente, abrem-se regra algumas excepes relevantes, destinadas a evitar injustias a que o critrio da diferena poderia conduzir em determinados casos. No lhes estranha a ideia moderna de que a obrigao de indemnizar no visa apenas a reparao do dano produzido. Recorde-se, como primeira excepo, o que ainda dispe o mesmo art. 566., no seu n. 3. Conforme a se estatui, se no puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. No oferece di.vida que a fixao da indemnizao segundo os referidos critrios de equidade somente tem lugar quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com preciso o montante dos danos. Prxima desta se encontra a excepo que decorre da admissibilidade da limitao equitativa da indemnizao. J se referiu que ela se torna possvel, sempre que a responsabilidade por facto ilcito extracontratual se funde em mera culpa (art. 494.), preceito que deve entender-se de aplicao prpria responsabilidade pelo risco (art. 499.). Claramente se reflecte na faculdade assim reconhecida ao tribunal uma concesso aludida directriz de que a responsabilidade civil pode, num plano acessrio, desempenhar funes preventivas e sancioriatrias. De resto, a indemnizao equitativa, de acordo com as circunstncias, pode dar-se em mais casos tambm antes mencionados, como o do estado de necessidade (art. 339, n. 2) o dos danos causados por inimputveis (art. 489.) e o dos danos no patrimoniais (art. 496., n. 3). Outra ressalva teoria da diferena resulta de, em regra, a causa virtual ou hipottica ser irrelevante. Pondermos anteriormente o problema. Na verdade, a estrita e lgica aplicao do princpio da diferena levaria a admitir a relevncia negativa da causa virtual, portanto, excluso da indemnizao. Observou-se, todavia, que esse efeito apenas existe relativamente a certas situaes excepcionais em que o legislador considerou razovel a soluo, como contrapartida de a posio do obrigado se apresentar agravada (arts. 491., 492., n 1, 4930, n 1, 616., n. 2, 807., n. 2, e 1136., n. 2). Mas fora destes casos, insiste-se, a verificao hipottica do dano irrelevante, subsistindo a obrigao de indemnizao. Ainda se devem considerar excepes teoria da diferena na faculdade de o tribunal reduzir ou at excluir a reparao, quando exista culpa do lesado (art. 570., n. 1), e na possvel disciplina convencional da responsabilidade (art. 810., n 1). Destes dois aspectos nos ocuparemos em seguida. d) indemnizao sob a forma de renda;

A obrigao de indemnizar, quando reveste a modalidade de restituio por equivalente, em regra cumprida atravs da entrega de um capital ao lesado. Atribui-se, porm, ao tribunal a possibilidade de, em certos termos, fix-la total ou parcialmente sob a forma de renda vitalcia ou temporria. Providencia acerca da matria o art. 567. do Cd. Civ., cujo n. 1 estabelece: Atendendo natureza continuada dos danos, pode o tribunal, a requerimento do lesado, dar indemnizao, no todo ou em parte, a forma de renda vitalcia ou temporria, determinando as providncias necessrias para garantir o seu pagamento. Cabem tipicamente na hiptese do preceito, por exemplo, a diminuio da capacidade de trabalho ou o aumento de necessidades, com carcter de permanncia, em resultado da leso, susceptveis de verificar-se a ttulo definitivo ou apenas durante determinado lapso de tempo. Da a previso de uma renda vitalcia ou meramente temporria. Alis, o n. 2 do mesmo art. 567. permite a qualquer das partes exigir a modificao da sentena ou do acordo, quando sofram alterao sensvel as circunstncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou durao, quer a dispensa ou imposio de garantias. Eis uma das excepes ao princpio geral da no actualizao das prestaes pecunirias (art. 550.).

e) inde