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LFG – PENAL – Aula 08 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo I – 18/03/2009 REVISÃO DA AULA PASSADA: Estamos analisando a teoria geral do crime, já vimos os três substratos do crime (fato típico, ilicitude e culpabilidade). Estamos destrinchando o fato típico (conduta, resultado, nexo e tipicidade). Estou concentrando a aula em conduta. E o que já vimos? Conceito de conduta (que varia conforme a teoria adotada), causas de exclusão da conduta (são quatro) e começamos a analisar espécies de conduta. Começamos a ver conduta dolosa e culposa. Vamos ver hoje erro de tipo e na próxima aula, terminamos com ação e omissão. Quando eu falei de crime culposo, falei da previsão legal (art. 18, II, do Código Penal). Depois, eu dei um conceito extenso, mas dei uma dica, Código Penal Militar (art. 33, II – traz conceito doutrinário aprofundado). Falei dos elementos da culpa: 1º elemento: conduta 2º elemento: violação de um dever de cuidado objetivo. Há três formas de violar um dever de cuidado objetivo: imprudência, negligência ou imperícia, as chamadas modalidades da culpa. Parei aqui. O terceiro elemento da conduta culposa, do crime culposo é: 3. Resultado – Não há crime culposo sem resultado naturalístico. Que conclusão vcs podem extrair quando eu digo que não há crime culposo sem resultado naturalístico? Que todo crime culposo é crime: material, formal ou de mera conduta? Vamos fazer essa lembrança: Crime material – Aqui, o tipo penal descreve conduta + resultado naturalístico. O resultado naturalístico é indispensável para a consumação. Crime formal – Aqui, o tipo penal descreve conduta + resultado naturalístico. A diferença é que no formal, o resultado naturalístico é dispensável, ocorrendo mero exaurimento. Por quê? Porque esse crime se consuma no momento da conduta, com a simples prática da conduta. Por isso é chamado de crime de consumação antecipada. 91

Direito Penal - 08 - Crime Preterdoloso, Erro de Tipo

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Crime Preterdoloso, Erro de Tipo

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REVISÃO DA AULA PASSADA:

Estamos analisando a teoria geral do crime, já vimos os três substratos do crime (fato típico, ilicitude e culpabilidade). Estamos destrinchando o fato típico (conduta, resultado, nexo e tipicidade). Estou concentrando a aula em conduta. E o que já vimos? Conceito de conduta (que varia conforme a teoria adotada), causas de exclusão da conduta (são quatro) e começamos a analisar espécies de conduta. Começamos a ver conduta dolosa e culposa. Vamos ver hoje erro de tipo e na próxima aula, terminamos com ação e omissão.

Quando eu falei de crime culposo, falei da previsão legal (art. 18, II, do Código Penal). Depois, eu dei um conceito extenso, mas dei uma dica, Código Penal Militar (art. 33, II – traz conceito doutrinário aprofundado).

Falei dos elementos da culpa:

1º elemento: conduta 2º elemento: violação de um dever de cuidado objetivo. Há três formas de violar

um dever de cuidado objetivo: imprudência, negligência ou imperícia, as chamadas modalidades da culpa. Parei aqui.

O terceiro elemento da conduta culposa, do crime culposo é:

3. Resultado – Não há crime culposo sem resultado naturalístico. Que conclusão vcs podem extrair quando eu digo que não há crime culposo sem resultado naturalístico? Que todo crime culposo é crime: material, formal ou de mera conduta? Vamos fazer essa lembrança:

Crime material – Aqui, o tipo penal descreve conduta + resultado naturalístico. O resultado naturalístico é indispensável para a consumação.

Crime formal – Aqui, o tipo penal descreve conduta + resultado naturalístico. A diferença é que no formal, o resultado naturalístico é dispensável, ocorrendo mero exaurimento. Por quê? Porque esse crime se consuma no momento da conduta, com a simples prática da conduta. Por isso é chamado de crime de consumação antecipada. Ele tem resultado naturalístico? Tem. Mas é dispensável. Ele já está consumado com a simples conduta. Por exemplo? Extorsão, extorsão mediante sequestro, concussão, crimes contra a honra.

Crime de mera conduta – Aqui, o tipo penal descreve uma mera conduta. Não tem resultado naturalístico. Por exemplo, violação de domicílio, omissão de socorro, etc.

Se vocês compreenderam isso, presta atenção: eu comentei que o crime culposo tem como elemento o resultado naturalístico. Não existe crime culposo sem isso. Se é indispensável para o crime culposo o resultado naturalístico, qual é o crime em que o resultado naturalístico é indispensável? O crime material. Então vocês vão ver que todo crime culposo é, necessariamente, material.

Exceção: Tem mais de uma, mas vou falar só de uma. Eu quero um crime culposo que não seja material e que dispense o resultado naturalístico. Ele se consuma com a mera conduta. Alguém sabe? Art. 38, da Lei de Drogas (Lei 11.343/06).

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“Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.”

O médico receita uma droga em dose excessiva. O crime se consuma na hora da prescrição. Dispensa resultado naturalístico. O médico receitou a dose errada ou de forma excessiva? O crime já está consumado na hora que o paciente segura a receita. Dispensa o paciente fazer uso da droga. Esta observação só vocês vão ter:

“O art. 38, da Lei 11.343/06 é uma exceção, punindo a culpa sem resultado naturalístico.”

A culpa, além da conduta, da violação de um dever de cuidado objetivo e resultado, a culpa tem um quarto elemento:

4. Nexo causal entre a conduta e o resultado – A sua conduta negligente tem que ser a causa do resultado.

Além de disso:

5. Previsibilidade – O resultado deve estar abrangido pela previsibilidade do agente, isto é, pela possibilidade de conhecer o perigo. Não se confunde com previsão. Isso é importante! Previsibilidade é potencialidade, possibilidade de conhecimento do perigo. Já a previsão, vc conhece o perigo.

Pergunta de concurso: “Qual é a espécie de crime culposo que não tem esse elemento?” tem uma espécie de crime culposo que tem conduta, violação de um dever de cuidado objetivo, resultado, nexo, mas não tem a previsibilidade. A culpa consciente não tem previsibilidade. A culpa consciente tem previsão. A culpa consciente, mais do que previsibilidade, tem previsão, mais do que a mera possibilidade de conhecer o perigo ele efetivamente conhece o perigo.

6. Tipicidade – É o último elemento do crime culposo. Art. 18, § único, do CP:

“Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.”

Isto é, no silêncio, o crime é punido a título de dolo. Quando o legislador quer punir a forma culposa, ele o faz expressamente.

Se te perguntassem: crime culposo ofende o princípio da legalidade (prova oral TRF 3ª Região)? Na segunda aula, eu falei de tipo completo e tipo incompleto. E como subespécies do tipo incompleto, eu comentei: normas penais em branco e os tipos abertos. A norma penal em branco depende de um complemento normativo, já os tipos abertos dependem de um complemento valorativo, que é dado pelo juiz. O exemplo está aqui: o crime culposo é um exemplo de tipo aberto. Quem vai valorar e completar o tipo penal é o juiz analisando o caso

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concreto. Quem vai analisar que houve negligência é o juiz analisando o caso concreto. O tipo não diz o que é imprudência, negligência ou imperícia. É o juiz que vai dizer. Então é preciso o complemento valorativo. Pergunto: fere o princípio da legalidade? O princípio da legalidade exige anterioridade (lei anterior), exige lei escrita, exige lei certa e, mais, necessária. Estão lembrados disso? Vou refazer a pergunta: quando eu digo que o crime culposo é um tipo aberto, depende de complemento valorativo dado pelo juiz, isso ofende algum desses subprincípios do princípio da legalidade? Será não que ofende o mandado de certeza ou o princípio da taxatividade? Vcs estão percebendo onde eu quero chegar? Eu afirmei que o crime culposo é um exemplo de tipo aberto, em que o complemento não é dado pelo examinador, mas pelo juiz, analisando o caso concreto. Anotem a resposta: “O crime culposo, apesar de aberto (ação não determinada legalmente), não fere o princípio da legalidade, pois contém um mínimo de determinação legal.”

ESPÉCIES de crime culposo

Eu vou começar pelas duas espécies famosas:

1. Culpa CONSCIENTE ou culpa COM PREVISÃO – O agente prevê o resultado decidindo prosseguir com sua conduta, acreditando não ocorrer ou que pode evitá-lo com sua habilidade.

2. Culpa INCONSCIENTE ou culpa SEM PREVISÃO – O agente não prevê o resultado que, entretanto, lhe era inteiramente previsível. Mas existia a previsibilidade, ou seja, a possibilidade de prever.

3. Culpa PRÓPRIA ou PROPRIAMENTE DITA – Gênero do qual são espécies a culpa consciente e a culpa consciente e a culpa inconsciente. O agente, com sua conduta, não quer, e nem assume o risco de produzir o resultado.

4. Culpa IMPRÓPRIA ou POR EXTENSÃO ou POR EQUIPARAÇÃO ou POR ASSIMILAÇÃO – Exemplo: estou na rua, atravessa a rua o marginal vem na minha direção, e coloca a mão no bolso. Eu penso que vai me matar. Tiro a minha arma primeiro e dou um tiro. Eu atirei para matar? A minha vontade era que ele morresse ou não? Sim. Ele cai e morre. Nesse caso, o art. 20, § 1º, diz o seguinte: neste caso, eu que imaginava estar agindo em legítima defesa, mas errei, foi uma legitima defesa fantasiada, putativa, neste caso, o 1º diz o seguinte:

“§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.”

Eu dei o tiro para matar. A minha vontade era matar. Mas vou ser punido a título de culpa. Na verdade é uma culpa punindo um crime doloso. Por isso é chamada de culpa imprópria porque é uma culpa apenas por razões de política criminal.

“Culpa imprópria é aquela em que o agente, por erro, fantasia situação de fato, supondo estar acobertado por causa excludente da ilicitude (caso de descriminante putativa) e, em razão

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disso, provoca intencionalmente o resultado ilícito, evitável. Apesar de a ação ser dolosa, o agente responde por culpa por razões de política criminal.”

Em apertada síntese, é o art. 20, § 1º, 2ª parte.

Qual é a diferença de culpa consciente e dolo eventual? Vamos analisar essas quatro modalidades sob o aspecto da consciência e da vontade.

No caso do dolo direto, ele prevê o resultado e quer realizá-lo. Prevê e quer. Isso é dolo direto.

No caso do dolo eventual. Se é dolo, ele prevê, mas se diferencia do dolo direto porque ele não quer. Ele assume o risco. Só nas duas primeiras hipóteses você já consegue diferenciar dolo direto e dolo eventual. Os dois têm consciência. Mas com intensidades diferentes.

E a culpa consciente, também chamada de culpa com previsão? Ele prevê. Aqui, diferente do dolo direto e do dolo eventual, ele não quer e nem aceita produzir.

E a culpa inconsciente? É também chamada de culpa sem previsão, porém é previsível. Qual é a diferença entre dolo eventual e culpa inconsciente? A diferença não está no campo da consciência, mas da vontade. É exatamente essa diferença que a doutrina diz que é nebulosa e que promotor e advogado ficam se digladiando e o juiz vai ter que decidir.

Vamos discutir alguns casos que a mídia divulgou:

Alexandre Pires – Tomou todas. Atropelou e matou um traficante. Dirigindo embriagado, ele agiu com dolo ou culpa? O MP/MG denunciou o Alexandre Pires por dolo e homicídio qualificado. O promotor entendeu que ele, dirigindo embriagado, ele previu o resultado e, apesar de não querer, assumiu o risco. Dolo eventual. O juiz desclassificou para culpa. E é culpa mesmo! Dolo é exagero.

Racha – Competição não autorizada de competição entre veículos automotores em via pública. Uma morte oriunda de um racha, é homicídio doloso ou culposo? Edinho, filho do Pelé, fazia isso. Matou uma pessoa em razão dessa disputa. Foi denunciado por homicídio doloso. O juiz mandou à júri. É posição do STJ: Racha, dolo eventual. E de várias procuradorias-gerais de Justiça. Vc que participa de racha, assume o risco de matar alguém.

O dolo eventual é o “foda-se!”, a culpa consciente é o “fodeu!”

Existe no direito penal compensação de culpa? O agente foi negligente e a vítima também. Nesse caso, cabe compensação de culpa, como acontece no direito civil? No direito penal, não. A culpa concorrente da vítima não exclui a responsabilidade do agente, não se compensa culpa no direito penal, mas a culpa concorrente pode atenuar a responsabilidade penal do agente (art. 59, do Código Penal):

“Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao

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comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:”

Então, vejam que comportamento da vítima pode influenciar na fixação da pena-base.

Vimos o crime doloso, o crime culposo, agora vamos ao preterdoloso.

c ) Crime PRETERDOLOSO

PREVISÃO LEGAL

Art. 19, do CP:

“Agravação pelo resultado Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena,

só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.”

CONCEITO de crime preterdoloso

O crime preterdoloso é espécie de crime agravado pelo resultado. Temos que lembrar disso. O crime pode ser agravado pelo resultado de quatro maneiras, segundo a doutrina:

1. Crime doloso agravado dolosamente2. Crime culposo agravado pela culpa3. Crime culposo agravado pelo dolo4. Crime doloso agravado culposamente

Eu falei que o preterdoloso é uma espécie. Eu ainda não disse qual.

Quem me dá exemplo de um crime doloso agravado dolosamente? Latrocínio. Você que acha que latrocínio é só preterdoloso, não.

Quem me dá um exemplo de crime culposamente agravado culposamente? Incêndio culposo. Ele é agravado se ocorre morte culposa de alguém.

Crime culposo agravado dolosamente: Homicídio culposo no Código de Trânsito Brasileiro, agravado dolosamente pela omissão de socorro.

E quem me dá um crime doloso agravado culposamente? Lesão corporal seguida de morte, latrocínio também pode ser um exemplo. Somente esta quarta espécie, de crime agravado pelo resultado é que é chamado de preterdolo ou preterdoloso. Por quê? É um misto de dolo na conduta e culpa no resultado.

Preterdolo = dolo na conduta e culpa no resultado.

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Depois que eu dei a previsão legal de dolo e o conceito de dolo, eu, em seguida expliquei o quê? Os elementos do dolo. Depois que eu dei a previsão da culpa e o conceito da culpa, eu dei o quê? A doutrina dá a previsão e o conceito de preterdolo, mas omite os elementos. Só o seu caderno vai ter isso.

ELEMENTOS de crime preterdoloso

Quais são os elementos do preterdolo? São três:

1. Conduta dolosa visando determinado resultado2. Provocação de resultado culposo mais grave do que o desejado3. Nexo causal entre conduta e resultado

Não tem como errar. Exemplo clássico: lesão corporal seguida de morte. Conduta dolosa visando determinado resultado: lesão corporal. Provocação de resultado mais grave do que o desejado: morte. Tem nexo causal? Sim.

Vejam bem: o resultado mais grave do que o desejado tem que ser a título de culpa. Não pode ser fruto de caso fortuito ou força maior.

Eu estou numa boate. Eu vou brigar com alguém. Dou um soco. A pessoa bate com a cabeça na quina e morre. Eu respondo pelo quê? Eu dei um soco querendo a lesão. Ocorreu a morte, resultado mais grave do que eu queria. Esse resultado pode ser imputado a mim a título de culpa? Era possível prever o perigo daquela conduta? Sim (a boate estava cheia de gente e cheia de mesas). Se era previsível, existe culpa e eu vou responder por lesão corporal seguida de morte.

Obs.: A aluna questionou esse exemplo, dizendo que não dá para concluir com tanta segurança que era previsível, já que ninguém pode imaginar que de um soco, o cara vai bater a cabeça na quina da mesa. Resposta do professor: você não pode confundir previsibilidade com previsão. Previsão é pensar que o outro vai bater a cabeça e morrer. Previsibilidade é: quem dá um soco numa boate, lotada de mesas em volta, pode não ter previsto, mas era possível prever que isso fosse acontecer.

Luta marcial. O sujeito leva um chute e morre porque em decorrência do chute, bateu com a cabeça em um prego que havia no tatame. Era previsível que num tatame houvesse um prego? Não. Então o que bateu vai responder somente pela lesão. Essa morte não pode ser imputada a ele a título de culpa. Se foi culposa, lesão seguida de morte. Se não, responde só por lesão.

Eu discuto com alguém e dou um empurrão nessa pessoa. Ela se desequilibra, cai, bate a cabeça e morre. A conduta foi dolosa? Sim. O resultado era previsível ou não? Era. Conduta dolosa, resultado previsível (conduta preterdolosa) por qual crime eu respondo? Lesão corporal seguida de morte? Não. Empurrão não é lesão corporal, é “vias de fato”. E no exemplo, trata-se de vias de fato seguida de morte que não tem previsão legal. O exemplo é de homicídio culposo.

Lesão seguida de morte é crime preterdoloso previsto no art. 129, §3º. Vias de fato – contravenção penal prevista no art. 21 – seguida de morte, não tem previsão legal específica. Então o crime do exemplo é o do art. 121, § 3º, ficando a contravenção absorvida. Aqui não cabe analogia porque seria em malam partem.

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ERRO DE TIPO

Eu fui fazer uma pesquisa por curiosidade: Delegado, magistratura e MP, 97% das provas, desde 1990, perguntam sobre erro de tipo ou erro de proibição.

Eu vou fazer uma análise geral do tema e, depois, aprofundo.

1. PREVISÃO LEGAL – Art. 20, CP

“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.”

2. CONCEITO DOUTRINÁRIO

“Erro de tipo é a falsa percepção da realidade. Entende-se por erro de tipo aquele que recai sobre as elementares (gerando atipicidade absoluta ou relativa), circunstâncias (podendo interferir na pena ou presunções legais) justificantes ou qualquer dado que se agregue a determinada figura típica.”

Erro de tipo não se confunde com erro de proibição

No erro de tipo, nós temos a falsa percepção da realidade. Detalhe: o agente não sabe o que faz. Já no erro de proibição, o agente percebe a realidade. O agente sabe o que faz, mas desconhece ser um delito. Então, aqui, o agente sabe o que faz, mas desconhece que é proibido.

Na sua prova, se o agente não sabe o que está fazendo, vc já sabe que está no campo do erro de tipo. Se ele sabe o que está fazendo, mas desconhece ser um delito, vc sabe que está no campo do erro de proibição.

Dois exemplos ridículos:

Eu saio de uma festa, pego um guarda-chuva, chego em casa e vejo que não era meu. Eu subtraí coisa alheia móvel ou não? Erro de tipo ou erro de proibição. Eu sabia que estava subtraindo coisa alheia móvel? Se a resposta é não, trata-se de erro de tipo.

Marido chega em casa. A esposa não fez o jantar. Ele bate nela. Erro de tipo ou de proibição? Que crime ele praticou? Lesão corporal no ambiente doméstico. Ele sabia que estava ofendendo a integridade física da esposa? Sabia o que estava fazendo? Sim. Ele percebeu a realidade? Sim. Mas ele acreditou que estava autorizado. Ele acreditou que, como marido, podia fazer isso. Desconhece que é delito. Isso é erro de proibição.

(Fim da 1ª parte da aula)

Vc já sabe que o erro de tipo é a falsa percepção da realidade (o agente não sabe o que faz). Erro de proibição, o agente sabe o que faz, tem uma falsa percepção da realidade, apenas não sabe que é proibido.

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3. ESPÉCIES DE ERRO DE TIPO

O erro de tipo se divide em: erro de tipo essencial e erro de tipo acidental. Seja um erro de tipo essencial, seja acidental, o agente não sabe o que faz.

Erro de tipo essencial – Aqui, o erro recai sobre dados principais do tipo. No erro essencial, se avisado do erro, o agente evitaria a conduta criminosa. Você vai saber se o erro de tipo é essencial ou acidental, colocando alguém hipoteticamente no problema. Se ele fosse parar com tudo, é erro de tipo essencial. O erro de tipo essencial se divide em dois tipos, podendo ser:

a) Erro de tipo essencial inevitável – É escusável pois imprevisível,b) Erro de tipo essencial evitável – é inescusável pois previsível.

Erro de tipo acidental – Aqui o erro recai sobre dados periféricos do tipo. No acidental, se avisado do erro, o agente corrige, persistindo na conduta criminosa. No acidental, se você avisa que ele está errando, ele corrige e continua praticando o crime. O erro de tipo acidental se divide em cinco espécies:

a) Erro de tipo acidental sobre o objetob) Erro de tipo acidental sobre a pessoac) Erro de tipo acidental na execuçãod) Erro de tipo acidental no resultado (diverso do pretendido)e) Erro de tipo acidental sobe o nexo causal

Depois dessa visão panorâmica, vamos analisar cada um deles, especificamente.

3.1. Erro de tipo ESSENCIAL

No erro de tipo essencial, há a falsa percepção da realidade. O agente não sabe o que faz e o erro recai sobre dados principais do tipo. Quais são as consequências do erro de tipo essencial? Aqui você vai ter que diferenciar se o erro é inevitável ou evitável.

Todo erro de tipo essencial, não importa qual, exclui do dolo!

a) Erro de tipo essencial INEVITÁVEL

Eu falei que o erro inevitável é o imprevisível e o evitável é o previsível. Se erro é inevitável e é imprevisível, você já pode afirmar que não há o dolo. Não há consciência. Se eu não tinha consciência, desapareceu o primeiro elemento do dolo. Se o erro é imprevisível, não há sequer, previsibilidade, exclui-se também a culpa. Por que? Porque não há previsibilidade.

b) Erro de tipo essencial EVITÁVEL

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Agora, se o erro de tipo é evitável, isto é, previsível. O evitável também exclui o dolo porque continua inexistindo consciência. O erra era previsível e se era assim, permanece a culpa. Pune-se, pois a modalidade culposa, se prevista em lei. O homicídio tem previsão culposa em lei; o furto, não.

Exemplo: Vou caçar veados. Me posiciono para atirar no veado. Para que a caça seja honesta, eu tenho que manter uma certa distância da presa. Vejo um movimento atrás da moita. Achando que fosse um veado, atirei e matei alguém. Eu não sabia que estava matando alguém. Se eu não sabia o que estava fazendo, então é erro de tipo, já exclui o erro de proibição. Agora, é erro de tipo essencial ou acidental? Se eu soubesse que era alguém ia continuar atirando? Claro que não! Se eu evitaria o comportamento, estou diante de um erro de tipo essencial: Há falsa percepção da realidade, eu não sabia o que estava fazendo e recaiu sobre dados principais do tipo, ou seja, a vida. Vou responder por alguma coisa? Era imprevisível que lá tivesse um homem ou era previsível? Se imprevisível, exclui o dolo e a culpa. Se previsível, exclui o dolo, mas aí vou responder por homicídio doloso.

A grande pergunta: Como é que eu vou saber se algo é previsível ou imprevisível? Como aferir a previsibilidade? Elementar da culpa, como aferir?

Como aferir a previsibilidade (elementar da culpa)?

1ª Corrente – A primeira corrente vai aferir a previsibilidade da culpa, analisando o comportamento do homem médio, sob o ângulo do homem médio. Ela pergunta: o homem médio evitaria? Então é evitável. O homem médio não evitaria? Então é inevitável. Ela trabalha com o tal do homem médio. Essa primeira corrente usa como ponto de partida, para saber se era evitável ou inevitável, ela traz para o caso, o homem médio. No exemplo: o homem médio ia atirar? Sim, então é inevitável. Essa primeira corrente predomina entre os doutrinadores clássicos.

2ª Corrente – A doutrina moderna espanca o homem médio. Primeiro, porque ninguém sabe quem é. Quem descreve o homem médio? Quantos anos têm? Tem gente que ainda escreve que tem 33 anos (a idade de Cristo). Homem médio do ponto de vista da cultura, da inteligência, da esperteza. O homem médio é descrito como aquele de cultura e inteligência medianas. O conceito de homem médio é impreciso, vago, poroso. Por isso, a doutrina moderna não vai analisar o agente naquele momento. Ela vai analisar o agente naquele momento. Ela não vai perquirir o que o homem médio faria, mas o que aquele agente poderia ter feito, o que era possível a ele evitar. A segunda corrente trabalha com o caso concreto, analisando o que o agente faria.

3.2. Erro de tipo ACIDENTAL

É o que mais cai em concurso. Se eu estou falando de erro de tipo acidental é porque também existe falsa percepção da realidade. Se estou falando de erro de tipo acidental, o agente não sabe o que faz. A diferença para o essencial é que aqui o erro recai sobre dados periféricos.

São espécies de erro de tipo acidental:

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a) Erro de tipo acidental SOBRE O OBJETO

Previsão legal: Não tem previsão legal! Ou seja, é criação doutrinária.

Conceito: “Representação equivocada do objeto material (coisa) visado pelo agente. Exemplo: Fulano quer subtrair um relógio de ouro, mas por erro de representação acaba subtraindo um relógio de latão”.

Ele não sabia o que estava fazendo, ele não sabia que estava subtraindo um relógio de latão. Ele teve uma falsa percepção da realidade. Erro de tipo. O problema é que o fato de ser latão ou não é um dado periférico porque avisado do erro, ele iria corrigir e ia continuar subtraindo o relógio de ouro do mesmo jeito. É o erro de tipo acidental, que recai sobre o objeto material ou coisa.

Consequências: Não exclui dolo nem culpa. Não isenta o agente de pena.

Ele vai responder pelo crime. A pergunta é: qual crime? O furto do relógio de outro que era o que ele queria ou o furto do relógio de latão, aquele que efetivamente subtraiu apesar de não querer?

Prevalece que o agente responde pelo crime considerando o objeto real, efetivamente lesado, e não o visado, o virtualmente lesado.

No exemplo, ele vai responder pelo furto do relógio de latão e, apesar de ele querer o relógio de outro, incidirá o princípio da insignificância.

Zaffaroni entende que a dúvida deve ser resolvida pelo princípio do in dubio pro reo. Na dúvida entre o objeto visado e o objeto lesado, aplica o que é melhor para ele. Se o objeto visado é de menor valor e dá ensejo ao princípio da insignificância, considera o objeto visado. Se o objeto furtado é de menor valor, considera esse. Prevalece que ele responde pelo crime considerando o objeto real!

b) Erro de tipo acidental SOBRE A PESSOA

Previsão legal: Art. 20, § 3º, do CP:

“§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.”

Conceito: “Representação equivocada do objeto material (pessoa) visado pelo agente. Exemplo: Fulano quer matar seu pai, mas representando equivocadamente aquele que entra em casa, mata seu tio (o agente não erra a execução. Ele representou mal o alvo)”.

É o mesmo conceito de erro sobre o objeto, só mudando para pessoa o objeto material. Vimos que objeto material é a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta delituosa. O erro sobre objeto é uma espécie de objeto material. O erro sobre a pessoa é outra espécie de objeto material. Você responde por parricídio (homicídio do pai, com agravante do art. 61), mesmo estando seu pai vivo.

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Consequências: Não exclui dolo nem culpa. Não isenta o agente de pena. Mas aqui ele responde pelo crime considerando-se a qualidade da vítima pretendida e não a vítima lesada.

c) Erro de tipo acidental NA EXECUÇÃO – Aberratio Ictus

Previsão legal: Art. 73, do Código Penal.

“Erro na execução”

“Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”

Conceito: “O agente, por acidente ou erro no uso dos meios de execução atinge pessoa diversa da pretendida, porém corretamente representada (ele executa mal um alvo bem representado)”.

O que dá para perceber? A clara diferença entre o art. 20, § 3º e o art. 73. Qual é a diferença? No art. 20, § 3º, ele representa mal e executa bem. No art. 73, ele representa bem, porém, executa mal.

Olha o detalhe que eu vou falar: Você só aplica o art. 73 quando o erro envolver pessoa! Ou seja, errou uma pessoa e acertou outra. Pessoa! Se o erro envolve coisa-coisa, é erro sobre o objeto. Se o erro envolve coisa-pessoa, vamos ver daqui a pouco (é o art. 74). Pessoa-coisa, nós já vamos ver. E pessoa-pessoa? É o art. 73, que exige pessoa-pessoa.

Consequências: Não exclui dolo nem culpa. Não isenta o agente de pena. Mas aqui ele responde pelo crime considerando-se a qualidade da vítima pretendida e não a vítima lesada. As mesmas do erro sobre a pessoa, com uma observação: se também for atingida a vítima pretendida, eu aplico concurso formal de delitos.

Espécies: A doutrina moderna diferencia duas espécies de aberratio ictus:

i. Erro na execução em sentido estrito – Aqui, a pessoa visada está no local da execução. Exemplo: aqui está o meu pai, aqui está o vizinho, eu quero matar o meu pai e mato o vizinho. O meu pai estava lá. Foi erro de execução puro. Falta de pontaria.

ii. ‘Aberratio ictus’ por acidente – Aqui, a pessoa visada pode não estar no local da execução. Exemplo: eu coloco uma bomba no carro do desafeto. Quem liga o carro e liga é o motorista. O motorista morre.

Caiu isso em concurso: uma mulher, querendo matar o marido, colocou veneno na marmita dele. Naquele dia, ele não levou a marmita. E quem comeu a marmita foi o filho dela. O concurso perguntou: que espécie de aberratio ictus é essa? Erro na execução por acidente.

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Page 12: Direito Penal - 08 - Crime Preterdoloso, Erro de Tipo

LFG – PENAL – Aula 08 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo I – 18/03/2009

d) Erro de tipo acidental NO RESULTADO – Aberratio Criminis

Previsão legal: art. 74, CP.

“Resultado diverso do pretendido”

       “Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.” 

Conceito: “O agente, por acidente ou erro na execução do crime, provoca lesão em bem jurídico diverso do pretendido. Exemplo: Buscando danificar o veículo do meu desafeto, arremesso uma pedra que acaba por atingir o motorista, causando-lhe a morte”.

O que eu queria aqui? Danificar um bem, uma coisa. Por erro na execução, eu acabei matando pessoa. Reparem que o resultado é diverso do pretendido. É diverso do art. 73. no artigo 73, você provocou o resultado.

Semelhança entre o art. 73 e o art. 74: ambos são erros na execução.

Diferenças do art. 73 para o art. 74:

1. Na aberratio ictus, o agente atinge o mesmo bem jurídico. Isto é, produz o mesmo resultado pretendido. Na aberratio criminis, o agente atinge bem jurídico diverso. Ele queria coisa, atingiu pessoa. Então, ele produz resultado diverso do pretendido.

2. Diz respeito às consequências: as do art. 74 são outras: o agente responde por culpa se o fato é previsto como crime culposo. “O agente responde pelo resultado diverso do pretendido a título de culpa. Ele vai responder pelo que ele provocou a título de culpa”. Então, no exemplo pedra para danificar o carro e mata o motorista, ele responde pelo quê? Homicídio a titulo de culpa.

Como pode o examinador complicar a vida aqui? Eu quero, minha vontade é danificar o carro. Porém, por erro na execução, acabei matando o motorista. Vou ser processado pelo resultado processado a título de culpa. Agora eu vou inverter. Eu quero matar o motorista. A minha vontade é atingir a pessoa. Por erro, acabei danificando coisa (carro). Eu vou responder pelo quê? Se vocês aplicarem a letra fria do art. 74, ele vai responder pelo resultado pretendido? Não. Ele vai responder pelo resultado diverso do pretendido e a título de culpa. Eu pergunto: tem dano culposo? Mesmo que tivesse. Eu só posso aplicar o art. 74 se o resultado diverso do pretendido proteger bem jurídico mais valioso. Se proteger bem jurídico menos valioso, não tem utilidade. Quem veio ao Brasil explicar isso? Zaffaroni. O Código Penal não diferencia.

Observação: “Para Zaffaroni, não sem razão, não se aplica o art. 74, do Código Penal, se o resultado produzido protege bem jurídico menos valioso que o pretendido. Neste caso, o agente deve responder pelo resultado pretendido a título de tentativa.”

A lei não faz essa observação. A doutrina é que faz.

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