137
Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências Jurídicas Curso de Graduação em Direito Disciplina de Direito Processual do Trabalho Professor Célio Horst Waldraff 5º Ano – Noturno – 2014 Giovani Soares do Nascimento

Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

Universidade Federal do Paraná

Setor de Ciências Jurídicas

Curso de Graduação em Direito

Disciplina de Direito Processual do Trabalho

Professor Célio Horst Waldraff

5º Ano – Noturno – 2014

Giovani Soares do Nascimento

Page 2: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 2

SUMÁRIO

Princípios de Direito Processual do Trabalho ..................................................................... 6

Noção de princípios ............................................................................................................. 7

Princípio protetor ................................................................................................................. 7

Outros princípios ................................................................................................................. 9

Princípio do Juízo especializado ......................................................................................... 9

Princípio da justa retribuição do capital .............................................................................. 10

Princípio da simplificação de procedimento ....................................................................... 10

Fontes do Processo do Trabalho .......................................................................................... 17

Terminologia própria ........................................................................................................... 20

Dissídios coletivos ............................................................................................................... 20

Características da Justiça do Trabalho................................................................................. 21

Competência material da Justiça do Trabalho ..................................................................... 22

Critério pessoal .................................................................................................................... 22

Critério funcional ................................................................................................................. 22

Critério material ................................................................................................................... 23

Relação de trabalho ............................................................................................................. 23

Corrente da competência ampla .......................................................................................... 25

Corrente da lide entre pessoas jurídicas .............................................................................. 25

Corrente da relação de consumo .......................................................................................... 26

Corrente da competência restrita ......................................................................................... 27

Competência criminal da Justiça do Trabalho ..................................................................... 27

Page 3: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 3

Entes de Direito Público Externo ........................................................................................ 28

Funcionário público ............................................................................................................. 29

Greves e lides sindicais........................................................................................................ 30

Acidente de trabalho ............................................................................................................ 31

Dano moral trabalhista......................................................................................................... 33

Fiscalização trabalhista ........................................................................................................ 34

Competência territorial da Justiça do Trabalho ................................................................... 38

Competência territorial (continuação) ................................................................................. 43

Competência internacional da Justiça do Trabalho ............................................................. 46

Capacidade para ser parte .................................................................................................... 48

Capacidade para estar em Juízo ........................................................................................... 49

Capacidade postulatória ....................................................................................................... 50

Litisconsórcio ...................................................................................................................... 53

Substituição processual ....................................................................................................... 54

Intervenção de terceiros ....................................................................................................... 56

Atos procedimentais ............................................................................................................ 56

Petição inicial ...................................................................................................................... 56

Inépcia da petição inicial ..................................................................................................... 60

Aditamento da petição inicial .............................................................................................. 62

Notificação........................................................................................................................... 62

Audiência ............................................................................................................................. 64

Presenças ............................................................................................................................. 67

Ausências ............................................................................................................................. 69

Page 4: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 4

Conciliação .......................................................................................................................... 70

Defesa .................................................................................................................................. 76

Espécies de resposta do réu ................................................................................................. 77

Impugnação ao valor da causa ............................................................................................. 77

Exceções .............................................................................................................................. 78

Exceção de incompetência................................................................................................... 78

Exceção de suspeição .......................................................................................................... 79

Contestação em sentido estrito ............................................................................................ 81

Reconvenção ........................................................................................................................ 83

Reconhecimento da procedência do pedido ........................................................................ 83

Provas .................................................................................................................................. 84

Definição e Generalidades ................................................................................................... 84

Princípios sobre a prova ...................................................................................................... 85

Princípio da concentração/imediação .................................................................................. 85

Princípio dispositivo ............................................................................................................ 86

Princípio da necessidade ...................................................................................................... 86

Fatos objetos de prova ......................................................................................................... 87

Controvérsia ........................................................................................................................ 87

Pertinência ........................................................................................................................... 87

Relevância ........................................................................................................................... 87

Hierarquia quanto aos meios de prova ................................................................................ 88

Ônus probatório ................................................................................................................... 89

Provas em espécie ................................................................................................................ 92

Page 5: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 5

Depoimento pessoal ............................................................................................................. 92

Prova documental ................................................................................................................ 96

Inautenticidade formal ......................................................................................................... 98

Inautenticidade ideológica ................................................................................................... 99

Reprodução de documentos ................................................................................................. 100

Prova testemunhal ............................................................................................................... 101

Prova pericial ....................................................................................................................... 108

Inspeção judicial .................................................................................................................. 112

Invalidades ........................................................................................................................... 113

Sentença ............................................................................................................................... 119

Recursos .............................................................................................................................. 123

Pressupostos recursais ......................................................................................................... 124

Pressupostos recursais subjetivos ........................................................................................ 124

Pressupostos recursais objetivos .......................................................................................... 126

Embargos de declaração ...................................................................................................... 132

Recurso ordinário ................................................................................................................ 134

Page 6: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 6

10.02.2014 – Segunda-feira – 1º BIMESTRE

Bibliografia

Wagner Giglio é o mais pedagógico.

Homero Batista Mateus Silva – mais moderno. Para conhecimento mais intermediário.

Amauri Mascaro Nascimento – não tanto pedagógico. Mais ortodoxo.

Bezerra Leite – mais moderno.

Teixeira Filho – é o maior processualista do trabalho no Brasil.

O professor não adota nenhum livro-texto, mas a bibliografia está indicada. Se houver

contradição entre o que o professor diz e os autores, vale o professor.

Princípios de Direito Processual do Trabalho

A nossa geração de juristas está empanturrada de princípios. Qualquer tipo de

dificuldade jurídica se resolve por meio de um princípio, e não por regra, o que é inadequado.

No Direito Processual do Trabalho se precisou desenvolver uma principiologia antes da fase

contemporânea do constitucionalismo fundante. A principiologia do Direito Material do

Trabalho e do Direito Processual do Trabalho antecede essa fase histórica.

As regras de Direito Processual do Trabalho são apenas continuações, encadeamentos

da matéria de Direito do Trabalho. Essa relação entre os dois ramos não é turbulenta.

Dois textos são extremamente importantes.

O primeiro é o Código Napoleônico, cujo art. 1.781 dizia que se presumiam

verdadeiras as informações do patrão sobre a regularidade do pagamento do salário no

contrato de trabalho. Trouxe um regresso ao Direito do Trabalho. O que havia antes era mais

protetivo e favorável aos trabalhadores em comparação ao que veio depois da Revolução

Francesa. A Revolução Francesa piorou a condição do trabalhador. Com as corporações de

ofício era menos pior.

Na Itália há cidades com campanários e sinos, para proteção contra inimigos e para

fixar jornadas de trabalho. O sistema de marcação dos horários, na Idade Média, estava

fortemente vinculado aos ciclos do trabalho, e com as limitações da jornada de trabalho, o que

o Direito pós-revolucionário rompeu, deixando a regulamentação para o contrato de trabalho.

Page 7: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 7

O segundo texto é a Constituição de Weimar, cujo art. 153 dizia que A propriedade

obriga. Também, o art. 157 dizia que a força de trabalho está sob especial, específica proteção

do Império Alemão (ou do Estado). Esse texto é precursor de uma afirmação de tutela jurídica

do trabalho, que é a proteção, particularmente na América Latina.

Noção de princípios

Podemos apontar três noções para os princípios:

1) Noção sintética – reductio ad unun. Princípio é espécie de afirmação concisa que

resume todo um ramo do Direito. É uma afirmação descritiva e sumarizante. Exemplo é todo

o sistema de regulação da responsabilidade civil, conforme o art. 927 do Código Civil: quem

causa dano a outrem deve indenizar. É uma acepção no sentido pedagógico.

2) Noção analítica – princípio como noção de sistema, do ponto de vista kantiano. O

princípio reitor explicando o funcionamento de todo o sistema organizado, concatenado e

coerente. Explica o funcionamento do sistema, pelo seu encadeamento lógico, dando-lhe

coerência (harmonia) do ponto de vista científico.

3) Noção hermenêutica – o princípio orienta a criação e a aplicação da lei (se é que é

possível fazer distinção desses dois momentos), dirigindo-se ao legislador e ao aplicador do

Direito em geral.

Princípio protetor

O princípio protetor é o princípio reitor do Direito do Trabalho. Uma definição que

agrada ao professor é: o princípio protetor é o antônimo do princípio da autonomia da

vontade. O Direito do Trabalho surge ou se delineia, tenta se autonomizar dentro do Direito

Privado, do Direito Civil, com essa vis repulsiva do princípio da autonomia da vontade,

partindo de uma premissa de que é necessário implantar uma desigualdade jurídica para

compensar uma desigualdade fática. Essa é a proposta do Direito do Trabalho. Um

distanciamento do princípio da autonomia da vontade.

O princípio reitor do Processo Civil é o princípio dispositivo. Significa, no sentido

processual do termo, que o processo se inicia e se dinamiza por iniciativa das partes, tanto que

há o contraponto do princípio da inércia da jurisdição. Nesse sentido, o Direito Processual do

Trabalho é muito próximo, é vizinho, do Direito Processual Civil, porque também é regido

pelo princípio dispositivo. Inicia-se e dinamiza-se pela iniciativa das partes. Sua grande

consequência é a existência de regras de ônus probatório. Esse tema é extremamente

Page 8: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 8

relevante, precioso, para definir um prognóstico do sucesso ou insucesso da ação. Basta ver o

que o Direito do Consumidor faz, invertendo e alterando o ônus probatório em favor do

hipossuficiente. A hipossuficiência econômica compensada por uma hipertrofia jurídica.

Esse discurso de proteção visa organizar e legitimar um sistema de exploração do

trabalho. O Direito do Trabalho só é protetivo nos manuais acadêmicos. Exemplo é essa

vizinhança que o Processo do Trabalho tem com o Processo Civil em matéria de ônus da

prova, porque o ônus é muito grande sobre o trabalhador. Se o Direito Processual do Trabalho

fosse realmente protetivo os ônus seriam diferentes.

A construção principiológica do Direito Material antecede o neoconstitucionalismo, ou

seja, a constitucionalização de direitos. Era preciso encontrar fundamentos principiológicos

fora da Constituição. Para padrões atuais, segundo o Direito Constitucional, o princípio reitor

seria da dignidade do trabalhador. É preciso ter em conta esse ajuste cronológico.

É possível falar em princípio protetivo do demandante hipossuficiente? O princípio

protetivo serve para o Direito Processual do Trabalho? Há duas correntes.

1) Negativa – não existe e é indesejável, porque o Direito do Trabalho já é protetivo.

Aplicam-se as normas materiais de modo protetivo. As partes precisam ser protegidas lá fora,

mas dentro do laboratório é desnecessário, porque a presença do Juízo afasta essa

necessidade. Basta aplicar o Direito protetivo. O Juiz não precisa se contaminar dessas

construções, em homenagem à imparcialidade prevista na Constituição Federal.

2) Positiva – o hipossuficiente, quando ingressa em Juízo, continua sendo

hipossuficiente. A desigualdade econômica não se mitiga quando se vai ao Poder Judiciário.

Exemplo: a questão da idoneidade econômica do trabalhador, que permite suportar o tempo

dilatado do processo. O tempo corre de forma diferente em determinados ambientes. O tempo

do processo, do Direito, é diferente da mídia, da imprensa. O Direito tem o seu tempo de

maturação, que na maioria dos casos é excessivamente longo. Assim é também na Justiça do

Trabalho. Outro exemplo: superioridade da assessoria jurídica do trabalhador. Pode ser

verdade, mas nem sempre, porque pode ser o contrário. Há contradições entre o grande capital

e a microempresa e empresa de pequeno porte. O trabalhador pode ter uma assessoria bem

articulada, com assessoria jurídica do sindicato, e o empregador talvez nem tenha advogado.

Exemplo: o empregador tem maior possibilidade de gestão da prova, porque os fatos ocorrem

dentro da empresa. Há uma emanação do direito de propriedade. A empresa é uma

manifestação do direito de propriedade. O poder hierárquico do empregador é uma emanação

do direito de propriedade, com toda sua intensidade. A prova será produzida e armazenada,

Page 9: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 9

arquivada pelo próprio empregador. É ele quem registra os fatos envolvidos com o

trabalhador. Muitas vezes a prova produzida pelo trabalhador só alcança a prova testemunhal.

17.02.2014 – Segunda-feira

Vimos a principiologia do Direito Processual do Trabalho, enfatizando o princípio

protetivo, do Direito Material do Trabalho, e examinando sua eventual compatibilidade com o

Direito Processual do Trabalho, que é nosso objeto de estudo neste ano. A par dessa

exposição, fizemos um levantamento de definições sobre os princípios que podem ser úteis

para nossa exposição.

Outros princípios

Os próximos princípios têm mais conotação de princípios caracterizadores do Direito

Processual do Trabalho, sem preocupação sistêmica. O Direito Processual do Trabalho está,

eventualmente, escorado num centro de gravidade dúbio como se fosse um sistema estelar em

que os astros são estrelas binárias: de um lado, o princípio protetivo do demandante

hipossuficiente, e, de outro, o princípio dispositivo. O impacto do princípio dispositivo é

muito grande, porque o processo do trabalho se inicia e se dinamiza pelo protagonismo dos

litigantes. Inclusive, as regras sobre ônus probatórios talvez sejam mais inflexíveis do que no

Processo Civil.

Princípio do Juízo especializado

Esse princípio não é estranho ao Direito comparado. Nosso sistema, com um ramo

específico e autônomo do Judiciário, uma Justiça do Trabalho, não é uma exclusividade

brasileira. Na Argentina há uma Justiça do Trabalho muito parecida com a brasileira, embora

exista certa confusão entre judiciários federais e provinciais, e outro exemplo é a República

Federal da Alemanha, em que há uma Justiça do Trabalho muito parecida com a Justiça do

Trabalho brasileira. O mesmo exemplo serve para a França e a Inglaterra. Já na Espanha e em

Portugal não há uma Justiça especializada, mas unidades especializadas para matéria social e

trabalhista. A diferença em relação ao Brasil é que temos um ramo autônomo do Judiciário.

Nos Estados Unidos não há especificação de competência para matéria trabalhista,

normalmente havendo uma agência para resolver os dissídios trabalhistas. Isso não quer dizer

que não haja ação trabalhista nos Estados Unidos. Todo o tema daquilo que vem a ser o dano

Page 10: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 10

moral no Brasil, sobre as indenizações típicas do sistema anglo-saxão, são assuntos ocorridos

no ambiente de trabalho.

Essa é uma característica comum. Nosso caso não é incomum. O caso uruguaio é

diferente, no qual o Direito do Trabalho é extremamente desenvolvido, havendo Juízos

especializados dentro do Judiciário.

Princípio da justa retribuição do capital

O legislador celetista presta uma homenagem ao realismo, ao pragmatismo. Trata-se

de uma versão trabalhista do princípio da reserva do possível:

Art. 766 - Nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas

condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam

também justa retribuição às empresas interessadas.

Esse dispositivo, que muitas vezes é encarado com certa miopia para dizer que

envolve apenas o Direito Coletivo, serve também para o Direito Individual, porque consta da

Parte Geral da CLT, na parte sobre o Processo Judiciário do Trabalho. Serve como uma prova

para dizer que o sistema de regulações das relações trabalhistas é um hóspede para o grande

banquete do capital. Serve também como meio de regulação para, por exemplo, reequilibrar a

regra do jogo. O grande capital é simpático a uma certa interferência trabalhista, levantando o

standard salarial mínimo a fim de prejudicar a concorrência, imaginando que condições de

trabalho mais aparatadas tendam a prejudicar o pequeno empresário.

Princípio da simplificação de procedimento

A parte processual da CLT é de 1943, portanto contemporânea ao CPC de 1939. A

CLT foi escrita com olhos voltados ao CPC de 1939. Essas características de simplificação

devem ser avaliadas segundo os padrões da época.

“Ius postulandi” das próprias partes – o Direito Processual do Trabalho permite o ius

postulandi da própria parte. O cidadão não precisa estar acompanhado de advogado para

litigar na Justiça do Trabalho, seja autor ou réu. Essa característica é uma aberração para

padrões contemporâneos. Mas é preciso se teletransportar para o Brasil da década de 1940,

em que havia falta de advogado no mercado de trabalho. Exigir do trabalhador ou do

empregador com dificuldades econômicas um advogado seria um empecilho insuportável para

o exercício regular do direito de ação. Para aquela época era um avanço emancipatório.

Page 11: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 11

Pagamento de custas ao final – frequentemente, a necessidade de pagamento de

despesas possa ser complicada para suportar. Por isso, só é feito o pagamento somente ao

final.

Notificação postal, preferencialmente – com os meios tecnológicos houve mudanças.

A notificação postal é mais comum hoje do que na década de 1940.

Audiência concentrada – usamos o paradigma do velho Processo Civil, em que a

maioria dos atos era feita por escrito, em cartório. O procedimento da CLT priorizava a

realização de atos na presença do Juiz e sob sua coordenação.

Irrecorribilidade autônoma das decisões interlocutórias – os recursos somente se

oportunizam depois da sentença. No Processo Civil há várias alternativas recursais, de

maneira tal que a chance de uma decisão definitiva supera anos, e até décadas. O legislador de

1940 disse que somente depois do proferimento da sentença é possível haver recurso no

processo do trabalho.

Art. 893, § 1º, da CLT - Os incidentes do processo são resolvidos pelo

próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das

decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.

Depois, o legislador do Processo Civil foi influenciado por certos avanços. Em certa

época, o Processo Civil ultrapassou o Processo do Trabalho em termos de vanguarda.

Iniciativa “ex officio” do Juízo, sem prejuízo do princípio dispositivo. Uma questão

que se coloca é a assimetria econômica dos litigantes. Espera-se uma atuação do Juízo que

protagonize a maioria dos atos processuais em caráter quase diligente. Isso não afeta o perfil

decorrente do princípio dispositivo.

Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na

direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo

determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

Art. 878 - A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou

ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos

termos do artigo anterior.

Art. 856 - A instância será instaurada mediante representação escrita ao

Presidente do Tribunal. Poderá ser também instaurada por iniciativa do

presidente, ou, ainda, a requerimento da Procuradoria da Justiça do

Trabalho, sempre que ocorrer suspensão do trabalho.

Todos esses são preceitos que ratificam esse papel muito mais próximo do magistrado.

Page 12: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 12

In dubio pro operario – outro princípio frequentemente relembrado é o in dubio pro

operario, baseado num aforismo do Processo Penal, que é o in dubio pro reo. Essa é uma

importação mal feita. Não é esse princípio uma regra de valoração de prova. Se a prova

estiver dividida, o intérprete deveria valorar a prova em benefício do trabalhador. Não é nada

disso. É uma regra hermenêutica oriunda do Direito Material: dentre várias interpretações

duvidosas, adota-se a mais favorável ao trabalhador. Serve para interpretação de texto, não

para valoração de prova.

Coletivização das ações – neste universo, normalmente, os conflitos se travam em

relação a uma coletividade de trabalhadores. Muito frequentemente, uma antijuridicidade é

mero reflexo de algum tipo de política empresarial que tende a ser difundida entre os demais

colegas. Muitas vezes há uma organização tipicamente fordista, taylorista, em que há uma

linha de montagem, com uma violação frequentemente atingindo mais de um trabalhador. Em

segundo lugar, a coletivização decorre da existência de um sujeito típico das relações laborais,

o sindicato, normalmente contra uma diretriz difusa da parte do patronato, contra

determinações que atingem de forma indeterminada todos os trabalhadores, surgindo o

sindicado para reivindicar melhores condições de trabalho. Postular melhores condições de

trabalho frequentemente se oportuniza pela via judicial. O sindicato tem um aparato judicial

bastante refinado. Os meios de reinvindicação ordinária, como a greve, a manifestação, essas

medidas se sintonizam com o ajuizamento de ações em favor da categoria. Isso estimula uma

tendência de coletivização das ações. É um ambiente propício para essa coletivização. Ainda,

há a Ação Civil Pública do Ministério Público do Trabalho, que, no caso brasileiro,

desempenha uma função importantíssima, talvez por fraqueza dos sindicatos. Nosso

sindicalismo é extremamente frágil. Basta comparar com Argentina, Uruguai e Chile. No caso

brasileiro, fora alguns eventos muito destacados, dificilmente o sindicalismo desempenhou

um papel tão importante quanto naqueles países. Uma parte deixada nesse vácuo pelo

sindicalismo é preenchida pelo Ministério Público do Trabalho.

Despersonalização do empregador – o art. 2º da CLT sempre teve críticas à sua

redação, porque fala que empregador é a empresa. Na verdade, fez-se uma opção radical,

categórica, abandonando uma classificação clássica que distinguiria a pessoa física da

jurídica. O que a CLT fez foi dar um sentido mais aberto ao termo empresa. Esse conceito é

ainda mais volátil se compararmos com a empresa do Código Civil. Existem alguns

exemplos. Se uma pessoa jurídica estiver irregular, com alguma irregularidade em seus atos

constitutivos perante a Junta Comercial, por exemplo, tudo isso é irrelevante para o Direito do

Trabalho. Uma irregularidade, ilicitude, invalidade em relação à pessoa jurídica é muito

pouco relevante para o Direito do Trabalho. Vamos um pouco mais longe. Imaginem um

empreendimento criminoso. Uma casa de tolerância, um lupanário, um prostíbulo. Pergunta:

Page 13: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 13

essa atividade, a prostituição, é criminalizada em nosso sistema jurídico? O que é

criminalizado é a exploração, de modo que esse empreendimento é criminoso. Em que

condições um lupanário pode celebrar vários contratos de trabalho? Com o frentista, o

garçom, as pessoas da limpeza. Esses trabalhadores da atividade-meio vão celebrar vários

contratos de trabalho válidos. Na atividade criminosa há contratos válidos. Outro exemplo é o

dos cassinos, que celebra vários contratos de trabalho com atividades meramente

instrumentais. Cambista do jogo do bicho não celebra contrato de trabalho válido, segundo o

que se entende modernamente. As teorias de desconsideração da personalidade jurídica da

pessoa jurídica são absolutamente irrelevantes para o Direito do Trabalho, porque a CLT

sequer personifica a pessoa jurídica, pelo que não há razão para desconsiderá-la. Em relação a

dívida trabalhista, a responsabilização de sócios e sucessores é praticamente automática,

diferente de outros ramos de Direito privado. Se a empresa não pagar, pagam os sócios ou os

sucessores. O único requisito invocado é o inadimplemento. É um fenômeno marcante em

relação ao contraste da realidade trabalhista se comparada ao Direito Civil. Se compararmos a

Consolidação das Leis do Trabalho ao art. 50 do Código Civil, veremos uma redação bem

diferente. O Direito do Trabalho é mais radical do que o Direito Tributário e mesmo o Direito

Ambiental, pois há um único requisito, o inadimplemento da dívida trabalhista.

Jurisprudência sobre o tema

Essas decisões são tanto do campo do Direito Material quanto do Processual.

DANOS MORAIS. LIMITAÇÃO EM RELAÇÃO AO TEMPO DE

UTILIZAÇÃO DOS BANHEIROS IMPOSTA PELA EMPREGADORA. O ato

de impedir que o empregado exerça normalmente seu direito de efetuar

suas necessidades fisiológicas no curso de sua jornada de trabalho,

limitando período de idas ao banheiro, afronta todos os princípios

norteadores do Direito do Trabalho. Além disso, verifica-se total inversão de

valores, em que a 1ª reclamada fez prevalecer seu interesse na maior

produtividade do empregado sobre a própria dignidade da pessoa humana

(art. 1º, III, da CF/88). É fato que o aumento de produtividade e lucratividade

é almejado por todo o setor empresarial, todavia, tal objetivo não pode ser

alcançado por meio de ofensa à integridade física e emocional daqueles

que empregam sua força de trabalho na empresa, ou seja, os empregados,

como se verifica no caso destes autos. Ademais, não se pode olvidar que

há sobrepujança do capital em relação ao trabalhador e é justamente por

isso que, ao intérprete e aplicador do Direito do Trabalho, resta a estrita

observância ao princípio protetivo , no sentido de minimizar desigualdades

havidas entre eles. Sendo incontroversa a existência de limitação ao tempo

de utilização dos banheiros imposta pela empregadora, resta devido o

pagamento de indenização por danos morais. Recurso ao qual se nega

Page 14: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 14

provimento. TRT-PR-00841-2009-651-09-00-6-ACO-16635-2010 - 3A.

TURMA. Relator: CÁSSIO COLOMBO FILHO. Publicado no DJPR em

01-06-2010

TRT-PR-03-07-2007 VENDEDORES EXTERNOS - EMISSÃO DE

CHEQUES PARA ACAUTELAMENTO DAS VENDAS - TRANSFERÊNC IA

DO RISCO - VIOLAÇÃO AO ARTIGO 2º, CAPUT DA CLT. O risco do

empreendimento não pode ser atribuído aos reclamantes, porquanto,

conforme se depreende dos autos, houve vínculo de emprego entre as

partes, logo, na condição de empregadora, cabia à reclamada arcar com o

ônus do seu negócio (CLT, art. 2º). A necessidade de os autores deixarem

cheques caução como garantia das vendas efetuadas implica em

transferência do risco da atividade econômica aos empregados, em

descompasso com o art. 2º da CLT, corolário lógico do princípio protetivo

do Direito do Trabalho. Sentença que se mantém. TRT-PR-93008-2006-

678-09-00-7-ACO-17139-2007 - 4A. TURMA Relator: SER GIO MURILO

RODRIGUES LEMOS Publicado no DJPR em 03-07-2007

TRT-PR-09-11-2012 DOENÇA LABORAL - RESPONSABILIZAÇÃ O

OBJETIVA (ARTIGO 927, PARÁGRAFO ÚNICO, CÓDIGO CIVIL ) -

PREVISÃO DO ARTIGO 7º, XXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDE RAL -

COMPATIBILIDADE . Aplicáveis ao ramo juslaboral as normas jurídicas que

instituem a responsabilização objetiva. A previsão do artigo 7º, XXVIII

(XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem

excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou

culpa), da Constituição Federal não afasta hipótese de condenação fundada

na previsão do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil (Haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo

autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem),

posto que a previsão do inciso referido está subordinada à regra do caput

do artigo 7º da Constituição Federal, que elenca os direitos dos

trabalhadores expressamente registrando que aquele rol não exclui outros

direitos "que visem à melhoria de sua condição social". Interpretação

jurídica distinta acarretaria evidente contradição com os princípios

informadores do ramo trabalhista, especialmente o princípio protetivo , não

sendo admissível a exclusão dos trabalhadores do âmbito de atuação de

norma protetiva de aplicação ampla à toda a sociedade. Recurso ordinário

ao qual se nega provimento, no particular. TRT-PR-01429-2010-068-09-00-

0-ACO-51244-2012 - 3A. TURMA Relator: ARCHIMEDES CA STRO

CAMPOS JÚNIOR Publicado no DEJT em 09-11-2012

O art. 927 do Código Civil traz a regra da responsabilidade civil subjetiva. O parágrafo

atenua o rigor da regra, em que, se a atividade for de risco, a responsabilidade passa a ser

objetiva. Mas o art. 7º da Constituição Federal diz que o empregador tem a responsabilidade

Page 15: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 15

de indenizar nos casos de acidente de trabalho quando houver culpa. A Constituição Federal

literalmente fala em responsabilidade subjetiva, com culpa do empregador, pelo que teríamos

uma consequência ainda mais prejudicial ao trabalhador acidentado ou doente, porque sequer

o parágrafo único do art. 927 seria compatível com esse preceito constitucional. O Código

Civil disse que a regra geral é a responsabilidade subjetiva e a exceção é a responsabilidade

objetiva, atenuando o preceito constitucional.

PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, D O CPC.

APLICABILIDADE NO PROCESSO DO TRABALHO. Não é o arguir que

cria a prescrição, porque os seus efeitos jurídicos dele independem. A

disciplina jurídica sobre o instituto da prescrição confere ao magistrado o

dever de aplicá-la de ofício em qualquer grau de jurisdição (art. 219, § 5º, do

CPC). A natureza privilegiada do crédito trabalhista e o princípio protetivo

nunca foram obstáculos à prescrição, que é, inquestionavelmente,

compatível com o Direito do Trabalho, até porque existente previsão

constitucional (art. 7°, XXIX, da CF). Possível, portanto, a declaração de

ofício da prescrição. Recurso da Reclamante a que se nega provimento, no

particular. TRT-PR-08118-2009-863-09-00-1-ACO-23845-2010 - 1A.

TURMA. Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES. Publicado no DEJT

em 27-07-2010

RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. PRONÚNCI A DE

OFÍCIO. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO DO TRABALHO . Ao

afastar a possibilidade de pronúncia de ofício da prescrição pelo juiz, o

Tribunal Regional decidiu em conformidade com o entendimento que tem

prevalecido nesta Corte, no sentido de que a norma do art. 219, § 5º, do

CPC não se aplica ao processo do trabalho, por incompatível com os

princípios regentes do direito trabalhista . Recurso de revista de que se

conhece, ante a demonstração de divergência jurisprudencial, e a que se

nega provimento, no mérito. ... (TST. RR - 130900-80.2007.5.05.0222,

Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, Data de Julgam ento: 14/12/2011,

4ª Turma, Data de Publicação: 03/02/2012)

No Processo Civil a prescrição deve ser declarada ex officio. O TRT9 já decidiu que é

possível, porque não viola o princípio protetivo, mas o TST entendeu que ela não é

compatível com o processo trabalhista, e é essa a linha da jurisprudência dominante.

TRT-PR-23-09-2008 INDENIZAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 94 0 DO

CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE NO DIREITO DO TRABAL HO. O

artigo 940 do Código Civil não incide no âmbito trabalhista, a teor do

disposto no artigo 8º, parágrafo único, da CLT, por ser incompatível com

princípio protetivo que informa o Direito do Trabalho. Essa norma dirige-se

a particulares em situação de igualdade, diversamente daqueles que

compõem um contrato de trabalho. A diferenciação não é meramente

Page 16: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 16

econômica, é ontológica. Figuram o empregador e o empregado em

conceitos jurídicos distintos, não podendo a mesma regra submeter

igualmente a ambos, quando há diversidade entre eles. TRT-PR-08874-

2007-028-09-00-6-ACO-34163-2008 - 3A. TURMA Relator : PAULO

RICARDO POZZOLO Publicado no DJPR em 23-09-2008

Diz o art. 940 do Código Civil:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte,

sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará

obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver

cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver

prescrição.

Esse preceito vale para relações simétricas entre as partes (é a posição predominante).

O professor entende de forma diferente. Esse dispositivo é perfeitamente compatível com o

Processo do Trabalho, segundo o professor.

TRT-PR-12-05-2009 VÍNCULO DE EMPREGO. PROVA. PRINCÍPIO

PROTETIVO. NÃO INCIDÊNCIA. Não é qualquer diferença entre um e

outro depoimento testemunhal que autoriza reconhecer a hipótese de prova

dividida. Esta se caracteriza somente quando não resolúvel pela aplicação

do princípio da persuasão racional (artigo 131 do CPC), insuperável pela

detida valoração de todos os elementos probatórios trazidos aos autos. De

qualquer modo, inaplicável o princípio protetivo do "in dubio pro misero", de

incidência restrita ao campo do direito material, visto que em sede

processual, em especial no momento da valoração das provas, vigora o

princípio da igualdade das partes, e as regras atinentes ao ônus da prova

(artigo 818 da CLT e artigo 333 do CPC). TRT-PR-18449-2004-016-09-00-

2-ACO-13909-2009 - 1A. TURMA Relator: UBIRAJARA CAR LOS

MENDES Publicado no DJPR em 12-05-2009

Entrega das avaliações

Ação é o direito público subjetivo. Jurisdição como poder ou função. Processo como

meio. Ônus probatório é a faculdade, a prerrogativa, a conduta que a parte facultativamente

poderá implementar se quiser ter sucesso. Princípio protetivo – uma concretização do

princípio da isonomia no Direito Material do Trabalho.

Page 17: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 17

24.02.2014 – Segunda-feira

Concluímos na aula passada a questão dos princípios. Na segunda parte vimos

princípios característicos do Direito Processual do Trabalho, o que seria uma prévia para as

características do Processo do Trabalho e da organização da Justiça do Trabalho.

O Direito Material do Trabalho tem uma familiaridade com o Direito Processual do

Trabalho nesses aspectos.

Agora, veremos as características do Direito Processual do Trabalho.

Fontes do Processo do Trabalho

Constituição Federal – é uma fonte não apenas na questão dos princípios

constitucionalizados do processo, de uma maneira geral, mas até, especificamente, na questão

da organização do Judiciário trabalhista. Depois, veremos a competência material.

Legislação – em princípio, está assentada na própria CLT. A CLT tem um histórico e

uma sistematização curiosa. É um Código que possui normas de Direito Material

Administrativo, Previdenciário, Tributário, Sindical e Processual. É um corpo bastante vasto,

na medida em que engloba diversas matérias. Isso decorre de uma circunstância histórica

interessante, do nascedouro na CLT. É uma recopilação de diplomas legais preexistentes.

Em nossa legislação trabalhista temos um discurso falso a respeito da origem da CLT.

Fala-se em inspiração fascista da CLT, com base na Carta del Lavoro, da Itália, de 1927. Essa

é uma leitura falsa. Ela não tem natureza fascista. Isso não é verdade para a parte material e

nem para a processual. Também não é verdade que as normas da CLT foram fruto de Vargas.

A finalidade da Comissão da década de 1940 foi apenas organizativa. A Justiça do Trabalho

foi criada em 1941. É como se se dissesse que a Justiça Federal fosse militar porque criada

pela ditadura militar. Essa mentira é contada pelos setores conservadores e por setores da

esquerda, seja entre marxistas ortodoxos e outros setores de inspiração mais nórdica, dos

países nórdicos europeus, nos quais o Direito do Trabalho tem forte ligação com o Direito

Previdenciário. Isso é lamentável, mas isso é dito repetidamente. Isso serve para enfraquecer a

tutela do Direito do Trabalho.

O primeiro Código trabalhista estaria dentro da CLT. A par disso, o legislador

compareceu pouquíssimas vezes para atualizar as normas. Apareceu com a Lei 5.584, de

1970, e 9.957 e 9.958, no ano 2000. A rigor, nosso Parlamento trata dessa matéria com certo

temor de desagradar o capital, sob o argumento da empregabilidade, de investimentos, tanto

Page 18: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 18

quanto com o medo de reduzir direitos. Por isso, é raro que o legislador ordinário apareça para

regulamentar matérias. Exemplo disso é a Emenda Constitucional das domésticas. Até hoje o

Congresso Nacional, não obstante uma demanda prática intensa, não conseguiu regulamentar

esse tema. Por essa razão, os outros estágios de fontes acabam ocupando esse vácuo

legislativo. A área trabalhista é intensamente normatizada por conta do protagonismo da

jurisprudência. Há muita matéria processual nas Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho.

Talvez a maioria envolva matéria processual e não material. Era de se esperar que o TST

tivesse mais Súmulas sobre Direito material, porque existe para dizer esse Direito. Na área

trabalhista isso é muito claro, tanto nos Regimentos Internos quanto nos repertórios de

jurisprudência. Isso ocorre por causa do vácuo legislativo. Também são típicas as Orientações

Jurisprudenciais. O legislador deveria ter se pronunciado a respeito, mas vêm o Direito

Sumular ou as Orientações Jurisprudenciais para ocupar esse espaço. As Súmulas servem para

uniformizar de maneira ampla uma matéria. As Orientações Jurisprudenciais servem para

uniformização através de algum órgão fracionário interno dos Tribunais. Essa proliferação,

essa riqueza de precedentes, decorre do vácuo legislativo. Num raciocínio crítico, isso

envolve o déficit democrático que o Tribunal enfrenta, porque o lugar apropriado para essas

coisas serem resolvidas seria o Parlamento. Mas na área trabalhista isso ocorre há muito

tempo.

Não obstante essa característica histórica, de um texto editado na década de 1940, a

complexidade de ações já era pensada pelo legislador:

Art. 769, CLT - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte

subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for

incompatível com as normas deste Título.

O legislador trabalhista já previu a superação cronológica do texto que estava

editando. O número de artigos, inclusive, é escasso. Quando houver omissão legislativa, usa-

se a norma processual comum. O Código de Processo Civil não é direito processual comum.

O que há de bom no Processo Civil está fora do Código de Processo Civil. É um texto de

1973, com uma principiologia escorada no individualismo e no patrimonialismo. Tanto é

assim que sua redação originária tem dificuldade para reger o processo coletivo. Claro que

houve mudanças, mas há muita coisa fora do CPC que faz parte do Direito processual comum.

Cabe fazer uma referência ao Código de Defesa do Consumidor, sobre a questão dos

processos coletivos e de ônus probatório, que é um assunto delicado para qualquer ramo do

Processo, particularmente do Direito Processual do Trabalho. O próprio Processo Penal pode

servir de fonte subsidiária para o Processo do Trabalho. Há uma analogia forte entre o art. 482

da CLT e o Direito Penal. Na grande maioria das justas causas ali previstas há,

concorrentemente, um crime: incontinência de conduta e mau procedimento, ato de

Page 19: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 19

improbidade. Inclusive, alguns atos previstos na CLT eram considerados crimes contra a

segurança nacional. O princípio da presunção da inocência pode ser útil para a aplicação de

uma justa causa trabalhista. Talvez isso seja muito mais útil do que o art. 333 do Código de

Processo Civil, com as regras de ônus probatório. Diante de um dinamismo do legislador do

Código de Processo Civil, o Processo do Trabalho sempre está se deparando com essa

aplicação supletiva do direito processual comum.

Entretanto, há outra regra para aplicação subsidiária do Direito processual comum

além da omissão, pois o art. 769 diz exceto naquilo em que for incompatível com as normas

deste Título. Portanto, em primeiro lugar é preciso haver omissão. O texto trabalhista deve ser

omisso. E, em segundo lugar, é preciso haver compatibilidade com a principiologia do Direito

Processual do Trabalho. Vimos um exemplo que é a questão da prescrição ex officio, tendo a

jurisprudência considerado como incompatível. O professor discorda, porque acha que deve

existir essa declaração, mas a jurisprudência entende firmemente que não é possível.

A CLT utiliza essa técnica de aplicação de outras fontes no art. 8º, que trata do Direito

Material, e na execução, conforme art. 889:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de

disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela

jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas

gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo

com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que

nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse

público.

Art. 889 - Aos trâmites e incidentes do processo da execução são

aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os

preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança

judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

Os legisladores de 1940 eram bem melhores do que os de hoje. Os redatores de seu

texto tinham muita clareza, muito arejamento com a realidade da época, e até certo

prognóstico para o futuro, porque captaram uma tendência da época: industrialização e

urbanização. Para aquela fase histórica a CLT funcionou muito bem, tanto no setor primário,

da agricultura, daí para a indústria e depois para a cidade. No período de 1940 a 1980, o país

se transformou muito, e tudo isso funcionou bem também por causa da CLT. Talvez a

deficiência da CLT seja a passagem do setor secundário para o terciário. Mas ela tem essas

virtudes.

Page 20: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 20

Sobre a inércia legislativa, isso pode ser comprovado pela Emenda Constitucional n.

45. Foi por conta da Emenda Constitucional 45 que a Justiça do Trabalho começou a julgar

acidentes de trabalho. E o Parlamento não disse qual seria o rito aplicável. Curiosamente,

quem teve que suprir essa inércia foi o Tribunal Superior do Trabalho, que, por uma Instrução

Normativa, disse: para as ações novas, o rito velho da CLT. As coisas foram dessa forma

porque o Parlamento não funcionou. Por outro lado, as partes ficaram seguras, porque

souberam que o Juiz aplicaria a CLT e não o CPC.

Terminologia própria

A CLT, quando foi editada, buscava um contraste em relação ao velho CPC de 1939,

formalista, rigoroso e patrimonialista. O legislador da época, para se distinguir desse processo

arcaico, trouxe uma terminologia própria. Em vez de ação ou processo, usou o termo

Reclamatória, para dar a ideia de que é uma ação de fácil acesso. Reclamante e reclamado ao

invés de autor e réu. São sinônimos que a CLT utilizou. Não há diferença em termos práticos.

Mas essa circunstância decorreu de decisão do legislador da época, para se distanciar do

legislador do Processo Civil.

Dissídios coletivos

É uma característica extremamente diferente dos outros ramos do processo. O que o

Tribunal do Trabalho faz não é dar jurisdição, mas juris-criação. No dissídio coletivo, a rigor,

o que o Tribunal faz é criar normas para aplicação posterior, olhando para frente e não para

trás. Apesar disso, a Emenda Constitucional n. 45 restringiu o dissídio coletivo, criando a

cláusula do comum acordo, ou seja, sindicatos de empregados e de empregadores devem

concordar com o ajuizamento do dissídio coletivo, transformando-o em uma espécie de

arbitragem estatal, ou pode haver o dissídio coletivo no caso de greve em atividade essencial,

quando cabe ao Ministério Público do Trabalho o seu ajuizamento.

O dissídio coletivo, este sim, pode encontrar algum tipo de inspiração na Itália

fascista. A influência, nesse ponto, foi maior.

No México e na Índia, esse tipo de sistema, de poder normativo da Justiça do

Trabalho, ainda existe. Por outro lado, essa figura é criticada, porque o efeito é de

enfraquecimento do aparato sindical. Isso sempre gerou um enfraquecimento do sistema

sindical, que vive com a dialética do conflito, da manifestação, do conflito das ruas. As

democracias toleram condições de reivindicação.

Page 21: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 21

Características da Justiça do Trabalho

Fundada em 1941, antes da edição da CLT, a Justiça do Trabalho decorreu da

judicialização de um órgão do Ministério do Trabalho. Até então, havia uma espécie de

arbitragem estatal feita pelo Poder Executivo, como ocorre ainda hoje nos Estados Unidos.

Por conta de características políticas da época, essa estrutura foi federalizada, diferente da

regra geral da época, em que todo o Judiciário era estadual. É uma Justiça que nasceu federal

e assim continuou, inclusive inspirando a Justiça Federal comum, que surgiu na década de

1970. Isso proporcionou uma maior possibilidade de existência de meios, de recursos. Para a

Justiça do Trabalho isso se revelou ser algo extremamente benéfico. Por isso, o quadro de

servidores é formado por servidores públicos federais.

No sistema constitucional, os ramos se diferenciam por causa de sua competência

específica, a competência material. A especialização decorre de um critério de competência,

que é material, no caso da Justiça do Trabalho. No caso da Justiça Federal, o critério de

diferenciação de competência é a pessoa. Se a pessoa for federal, a competência será da

Justiça Federal, salvo algumas exceções. Na Justiça Eleitoral, o critério também é material.

Na Justiça Militar, da mesma forma. Foi uma escolha do constituinte, de modo que a

competência da Justiça estadual é residual, o que significa grande quantidade de ações.

Historicamente falando, a Justiça do Trabalho foi criada com a figura dos Juízes

Classistas: um Juiz indicado pelos empregados e outro pelos empregadores, e um Juiz togado.

A presença de Juízes leigos é algo interessante. A rigor, o cidadão, de maneira geral, absorve

isso de maneira tranquila. Basta ver o Tribunal do Júri. O que acabou inviabilizando esse

sistema foi o grande custo desses Juízes.

Por fim, o impacto da Emenda Constitucional 45 sobre esse sistema. Essa Emenda foi

chamada de Reforma do Judiciário, sendo criados os conselhos, tal como o CNJ, organismos

de controle da sociedade sobre o Judiciário. Mas no caso da Justiça do Trabalho, essa Emenda

Constitucional teve um grande impacto. A reforma do Judiciário foi uma reforma para a

Justiça do Trabalho. Ela recebe por ano, um número entre dois milhões e quinhentos mil e três

milhões de processos. Desses, a Justiça do Trabalho costuma julgar algo entre 98, 99 e, às

vezes, até 100% desses litígios. O ritmo de produção é grande se comparado ao de outros

países do mundo. O sucesso de execução, entretanto, é tão ruim quanto noutros ramos do

Judiciário. De cada quatro ações em fase de execução (qualquer área), apenas uma será paga.

Os índices em execução são catastróficos, e isso aparece também na Justiça do Trabalho. As

empresas nascem com muita rapidez, mas os negócios são mal organizados, mal planejados, e

a tendência é a insuficiência econômica do devedor.

Page 22: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 22

17.03.2014 – Segunda-feira

Competência material da Justiça do Trabalho

A competência diferencia a Justiça do Trabalho das demais Justiças em nossa estrutura

judiciária. Uma dessas Justiças é a Justiça do Trabalho. Ela se diferencia dos demais ramos

por sua competência material. Quando se faz uma competência como essa, evoca-se um

temário da ciência processual, sobre o que seja competência e o que seja competência

material.

Jurisdição é um poder, pelo que é absoluto, no sentido de que não admite, a rigor,

categorizações intrínsecas. A autoridade tem o poder de dizer o Direito no caso concreto. A

jurisdição, então, não possui graduações: tem-se ou não. Dizer que competência é a medida da

jurisdição é algo equivocado. Então, se competência não é medida de jurisdição, ela é um

critério de distribuição de trabalho, para dar conta da complexidade quantitativa e

qualitativa da demanda jurisdicional.

A doutrina oferece alguns critérios incorporados pelo legislador.

Critério pessoal

O critério pessoal é relevante, particularmente no Processo do Trabalho, porque

envolve a diferenciação da Justiça do Trabalho em relação à Justiça Federal. Esta se

diferencia dos demais ramos das Justiças pelo critério da pessoa integrante da relação jurídica

processual. Há alguma característica pessoal que justifica a atração de competência para um

ramo do Poder Judiciário, para a Justiça Federal.

Critério funcional

Competência funcional não significa hierarquia, ao contrário do que diz o Código de

Processo Civil. O critério, em relação à competência funcional, é o ato processual. Significa

que a relação processual é uma espécie de corrente composta pelo encadeamento de atos

processuais, podendo haver Juízes competentes de acordo com a sucessão dos atos

processuais, na mesma relação jurídica processual. Pode, então, haver mais de um Juiz

competente. Basta analisar a interposição de recurso. O Juiz competente para a sentença pode

voltar a ser competente para os atos executórios.

Page 23: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 23

Há um critério vertical, quando se fala do mesmo processo, variando em instâncias,

desde a Vara do Trabalho até o Supremo Tribunal Federal. É a mesma relação processual,

com diversos Juízos, o que não significa hierarquia.

E há um critério horizontal, num mesmo grau de jurisdição, com mais de um Juiz

competente, como o Relator, o Revisor e os demais membros do Colegiado no Tribunal.

Critério material

O critério material, para nós, é o mais importante. Se o critério pessoal envolve uma

questão subjetiva e o funcional um ato processual em questão, o critério, quando se trata da

matéria, é, para alguns, o tipo de litígio, apesar de o professor não gostar dessa terminologia.

O termo mais apropriado seria a natureza jurídica das questões litigadas. Isso é

extremamente importante, porque a Justiça do Trabalho é competente para uma dada

natureza, tanto de fatos quanto de direitos. A Justiça do Trabalho funciona em relação a esse

tipo de processo.

Relação de trabalho

A definição da matéria de competência da Justiça do Trabalho está na Constituição

Federal, no art. 114, que é o mais importante da Constituição para o Direito Processual do

Trabalho.

A redação da Constituição Federal de 1988, no art. 114, foi alterada de modo

impactante pela Emenda Constitucional n. 45/2004, talvez não em sua literalidade, mas mais

na sua interpretação pelo Supremo Tribunal Federal.

O art. 114 dizia:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios

individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores (...)

O art. 114 falava conciliar e julgar, e não processar e julgar, tal como quanto à

competência dos outros ramos do Poder Judiciário. Esse ajuste foi feito pela Emenda 45.

Foram, também, inseridos incisos no art. 114, ao contrário do que ocorria

anteriormente, quando apenas havia o caput do artigo.

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho (...)

Page 24: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 24

É importante analisar essa expressão: relação de trabalho. Fala-se em trabalho

juridicamente relevante. O Direito tem uma definição para o que seja esse fenômeno, o

trabalho, esse fenômeno relacional, humano, podendo-se considerar todas as figuras dentro

desse gênero, considerando todas as modalidades de trabalho oneroso e até outras

modalidades de trabalho gracioso. Há o trabalho voluntário e mesmo o trabalho exercido em

decorrência do poder familiar. Há a mãe de família que, em decorrência dessa atividade

laborativa, poderá ter consequências previdenciárias. Por isso, precisamos fazer algumas

delimitações.

Em primeiro lugar, temos uma espécie de trabalho relevante, que é a de empregados.

Sabemos que alguém é empregado quando estão previstos, como diz o professor Mauricio

Godinho Delgado, os requisitos fático-jurídicos para caracterização da condição de

empregado. É preciso haver prestação de serviços a outrem, mediante onerosidade, muitas

vezes direta ou indireta, contínua, personalíssima e subordinada, ou seja, a possibilidade

efetiva de o empregador dar ordens ao empregado. O art. 3º da CLT delimita esse conjunto de

elementos, em especial o trabalho subordinado.

A par desse subconjunto, dessa espécie dentro do gênero, podemos falar ainda em

trabalhador autônomo, quantitativamente importante, podendo-se destacar os trabalhadores

mais qualificados, como advogado, médico, todos com uma relação assimétrica em relação ao

tomador de serviços.

Ainda, o trabalhador avulso, que é o trabalhador que presta trabalho numa espécie de

terceirização, em que o tomador contrata o sindicato para fazer a descarga de um navio

recém-chegado. O que caracteriza esse trabalho, hoje, é a existência de um sujeito

intermediário, que é o sindicato ou o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO).

Temos, também, o funcionário público, definido pelo Direito Administrativo como

um trabalhador com regime jurídico próprio, estatutário. Esse trabalhador, que presta serviços

para entes públicos, pode ser estatutário ou celetista. O projeto originário da Constituição

Federal de 1988 era acabar com o regime celetista. O tempo acabou invertendo essa ideia,

existindo também os contratos administrativos de prestação de serviços.

Dentro desse conjunto, a competência material da Justiça do Trabalho compreende,

especificamente, os litígios em que o prestador de serviços é ou alega ser empregado. A

Justiça do Trabalho julga exclusivamente matéria de relação de emprego.

A CF/88 dizia:

Page 25: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 25

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios

individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores (...)

O constituinte, com a Emenda Constitucional 45, falou em relação de trabalho e não

de emprego:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho (...)

O que houve foi certa malícia de segmentos lobistas. Quando se fala em competência,

estamos falando de jurisdição e poder, ampliado ou diminuído. Houve, aqui, um interesse

estranho, cuja intenção era o desejo de alguns segmentos de ampliar a competência, saindo

dos muros do vínculo de emprego, tal como previsto no art. 3º da CLT. Quando se fala em

aumentar a competência da Justiça do Trabalho, significa diminuir a competência da Justiça

Estadual ou Federal. Essa redação dúbia, relação de trabalho, trouxe certa perplexidade. Por

isso, tivemos o advento de algumas correntes para explicar o que seria essa relação de

trabalho.

Corrente da competência ampla

Em princípio, interpretou-se que relação de trabalho seria o gênero, o oneroso. Uma

tese ampliativa se formou, a competência abissal, passando tudo a ser competência da Justiça

do Trabalho.

Uma postura bastante juvenil, irresponsável. Há um elemento positivo, porque a

Justiça do Trabalho sempre se mostrou um ambiente mais acolhedor para teses mais

avançadas. Desse modo, qualquer modalidade de prestação onerosa seria da competência da

Justiça do Trabalho. O erro médico seria de competência da Justiça do Trabalho, porque

haveria uma prestação de serviços.

Passado esse período da Emenda Constitucional 45, pensou-se em limitar um pouco,

porque seria competência demais. Então, teses limitadoras começaram a surgir. Duas delas

intermediárias.

Corrente da lide entre pessoas jurídicas

Em primeiro lugar, falou-se sobre competência da Justiça do Trabalho quanto a

relações de prestação de serviços entre duas pessoas jurídicas, quando há um contrato de

Page 26: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 26

prestação de serviços entre duas empresas. Houve um obstáculo a essa tese, dizendo-se que

quando o litígio envolvesse duas pessoas jurídicas não seria competente a Justiça do Trabalho.

Corrente da relação de consumo

Outra corrente falou sobre a relação de consumo. Diz o Código de Defesa do

Consumidor:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de

produtos ou prestação de serviços.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de

crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter

trabalhista.

Há prestação de serviços, por exemplo, quando um usuário utiliza os serviços de um

táxi. Para a tese ampliativa, essa relação de consumo teria passado à competência da Justiça

do Trabalho. Era muito comum que dentistas ingressassem com ações contra clientes na

Justiça do Trabalho. Os Juízes do Trabalho começaram a perguntar a eles por que

ingressavam com essas ações, e eles responderam que era porque antes da Emenda 45

precisavam ir para o Judiciário estadual, muito lento, e não valia a pena ingressar com essas

ações contra os clientes. A rapidez da Justiça do Trabalho é maior em comparação com a

Justiça comum.

Contudo, na relação de consumo a assimetria é diferente daquela do Direito do

Trabalho, porque a assimetria é em favor do trabalhador. O prestador de serviços é o

trabalhador. O Juiz Federal do Trabalho está acostumado a proteger o trabalhador, e teria que

passar a proteger o prestador de serviços.

Na sequência, o Superior Tribunal de Justiça editou uma Súmula para dar conta dessa

situação, que é um primor de inépcia redacional:

Súmula 363. Compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de

cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente.

O Superior Tribunal de Justiça é um Tribunal de conflitos de competência, cabendo

falar sobre essa matéria. O art. 652 da CLT, entretanto, diz, no inc. III:

Page 27: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 27

Art. 652 - Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento:

a) conciliar e julgar:

III - os dissídios resultantes de contratos de empreitadas em que o

empreiteiro seja operário ou artífice;

O que diferencia o contrato de emprego do contrato de empreitada é o poder que o

tomador de serviços tem ou não de dar ordens. O que a CLT trouxe foi uma extensão de sua

competência. Esse dissídio resultante de contrato de empreitada é de relação de consumo,

sendo uma hipótese excepcional. Por isso, por causa dessa previsão da CLT, houve

divergência, incialmente, mas depois prevaleceu a outra tese, da Súmula n. 363 do STJ.

Corrente da competência restrita

Prevaleceu a competência restrita: nada se modificou. Quando o constituinte falou em

relação de trabalho, falou, na verdade, em relação de emprego.

24.03.2014 – Segunda-feira

Vimos algumas correntes sobre interpretação acerca do inc. I do art. 114 da

Constituição Federal. Vimos uma corrente ampliativa e, de outro lado, outra corrente que

entende ser relação de trabalho, na verdade, apenas a relação de emprego.

Competência criminal da Justiça do Trabalho

Depois da Emenda Constitucional 45, falou-se em competência criminal da Justiça do

Trabalho. Num limite, o Direito do Trabalho faz uma interface com o Direito Criminal,

quando trata de algumas violações tipificadas, reconhecidas como figuras delitivas para o

Direito Penal. Nessa circunstância, essas figuras delitivas podem se verificar no ambiente de

trabalho, no contrato de trabalho. Falou-se, inclusive, em hipóteses extremas, nos casos de

crimes dolosos contra a vida, quando o empregado mata o empregador ou vice-versa. Assim,

para esses casos, haveria um Tribunal do Júri Trabalhista.

Mais importante do que esses casos, também se falou nas situações de trabalho em

condições análogas à escravidão. A verdade é que a competência criminal não serviu para

reprimir esse tipo de situação, e a Justiça do Trabalho, por conta de certos aparatos,

dispositivos processuais, parecia ser um ramo apropriado para apreciar esse tipo de crime, não

Page 28: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 28

com júri, mas com competência para esse tipo de crime. Isso porque a Justiça Federal e a

estadual não davam conta dessa tutela jurisdicional reprimida.

A atuação do Ministério Público do Trabalho, nesse particular, tem sido intensa. O

Poder Judiciário não tem sido eficaz para investigar e atuar nessas situações. Claro que ele

atua mais na área trabalhista, mas consegue fazer com que o Ministério Público Federal reaja

contra essas situações.

Em 2005, em decisão do pleno, em Acórdão da lavra do Ministro Ayres Brito, o

Supremo Tribunal Federal disse que a Justiça do Trabalho não tem competência criminal.

Imagine-se que numa audiência trabalhista haja desacato ao Magistrado, ou falso

testemunho ou falsa perícia. O Juízo, constatando essa situação, não poderia reagir

imediatamente? Qual seria a conduta esperada nessa situação? A solução que o Processo

Penal oferece para isso seria a prisão em flagrante delito.

Está-se diante de um crime cometido em flagrante, e o Código de Processo Penal diz

que qualquer do povo pode e a autoridade deve dar voz de prisão. E é nessas condições que o

Juiz do Trabalho dá voz de prisão a essa testemunha.

Código de Processo Penal

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus

agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante

delito.

É preciso analisar outra questão, já não mais de Processo Penal, mas de Direito Penal.

O crime está consumado? Ou a possibilidade de retratação até a sentença impediria a

configuração do delito? Se a parte pode se retratar até o proferimento da sentença penal, a

rigor, essa prisão seria ilícita, seria abusiva. É isso? Na verdade, o crime está consumado, e a

retratação é apenas hipótese de extinção da punibilidade.

Então, o Juiz, ao se deparar com essa situação, deve, imediatamente, dar voz de prisão.

Claro que essa hipótese é rara, à mercê de técnicas apropriadas. Tecnicamente falando, é

possível. Esse crime será processado e julgado perante a Justiça Federal, na medida em que o

sujeito passivo é um órgão federal.

Entes de Direito Público Externo

Outro tema interessante, que gerou consequências para o Direito Constitucional e

Internacional Público, foi a alteração do inc. I do art. 114 da Constituição Federal:

Page 29: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 29

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito

público externo;

Os Estados soberanos assim constituídos são pessoas jurídicas de Direito Público

Externo. Houve um debate sobre imunidade de jurisdição no Supremo Tribunal Federal,

porque muitos empregados brasileiros prestam serviços nas representações diplomáticas das

nações amigas. Então, estamos tratando, a rigor, do caso do motorista do Cônsul ou da

cozinheira da Embaixada, ou seja, brasileiros que prestam serviços em algumas atividades

específicas. Argumentava-se que essa indicação constitucional violaria o princípio da

imunidade de jurisdição. Neste caso, o Ministro Francisco Rezek trouxe uma classificação,

típica do Direito Internacional Público, sobre atos de gestão e atos de império, dizendo que a

simples contratação de empregados para trabalhar nas representações seria ato de mera gestão,

pelo que não estava protegido pelo manto da imunidade de jurisdição. Então, é perfeitamente,

possível, nessas circunstâncias, processar a República do Paraguai por conta de uma ação

trabalhista promovida pela faxineira pelos serviços que prestou na Embaixada ou no

Consulado desse país.

Essa classificação entrou para nossa jurisprudência a partir desse julgado do Ministro

Rezek, sob a constitucionalidade da expressão pessoa jurídica de direito público externo. Por

outro lado, sobrevive a imunidade de execução. Os atos executivos, aí, devem respeitar a

competência internacional, sendo necessária Carta Rogatória, não sendo possível praticar atos

executórios comuns, como a penhora.

O caso mais destacado envolveu o PNUD (Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento), que desenvolvia programas no Nordeste, gerando dúvidas sobre a

legislação trabalhista. Os trabalhadores reclamaram contra a ONU, e o Supremo Tribunal

Federal disse que seria possível processar, por ser ato de mera gestão e não de império.

Funcionário público

Outro assunto que decorre da leitura que se faça da Constituição Federal, sobre as

relações de trabalho, é se a competência da Justiça do Trabalho compreenderia qualquer

trabalhador que preste serviço para a Administração Pública. Diz a Constituição Federal que:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

Page 30: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 30

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito

público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

O que se dizia é que os celetistas estariam submetidos à Justiça do Trabalho e os

servidores públicos à Justiça comum. A Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE)

entrou com ação declaratória de inconstitucionalidade para verificar esse preceito, sendo

decidido pelo Supremo Tribunal Federal que os estatutários são julgados pela Justiça comum

e não pela Justiça do Trabalho.

Greves e lides sindicais

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

... II — as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III — as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre

sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

A competência da Justiça do Trabalho não abrangia lides envolvendo direito de greve,

ações entre sindicatos e nem entre sindicatos e seus associados. Essas lides não eram lides

empregatícias. Não há relação de emprego entre o sindicato e seus associados, nem entre um

sindicato e outro sindicato. Então, a Constituição Federal trouxe essa ampliação da

competência da Justiça do Trabalho. A motivação para isso foi que são os Juízes do Trabalho

que lidam com essas questões de Direito Coletivo do Trabalho. São os justrabalhistas que

estudam Direito Sindical. O local mais apropriado para julgar esse tipo de litígio é a Justiça do

Trabalho.

Nesse sentido, nesse meio tempo, e por conta de uma moderação a respeito do

exercício e do conceito de certos direitos fundamentais, começou-se a perceber que o direito

de greve é fundamental, mas há restrições. A dialética da greve é de conflito. As democracias

convivem com certos excessos decorrentes dessa situação, do direito de manifestação. O atrito

é absolutamente essencial para o método democrático. Esses elastecimentos são suportados.

Quando ocorria o direito de greve no setor privado, o patronato utilizava uma medida

jurídica, o interdito proibitório, do Direito Civil, para defesa do domínio e da posse. É uma

ação real. Envolvia, então, questões estritamente patrimoniais. Quando a categoria em greve

impede ou dificulta o acesso dos trabalhadores que não estão em greve ou, eventualmente, do

público, da clientela, isso violaria o direito de propriedade, ou, eventualmente, a posse, e a

técnica processual ofereceria o interdito proibitório.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 31: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 31

Dizia-se que o interdito proibitório seria ajuizado perante a Justiça estadual, na medida

em que está sendo defendido o direito de propriedade, com suas irradiações. Claro que uma

ação dessas, sendo proposta na Justiça estadual, encontra um interlocutor com certas

características de formação. Se se vê que o sujeito é dono da empresa e não pode entrar nela,

existe violação ao direito de posse, sendo deferido o interdito proibitório. A questão é que a

natureza desse tema é difícil, porque existe a colisão de dois direitos fundamentais, de greve e

de propriedade.

A primeira questão é que o Supremo Tribunal Federal, percebendo essa circunstância

e uma natural dificuldade da Justiça estadual de examinar essa circunstância com um pouco

mais de equilíbrio, para não priorizar o direito de propriedade, disse que caberia à Justiça do

Trabalho processar e julgar essa matéria, e editou uma Súmula Vinculante:

SÚMULA VINCULANTE Nº 23, DO STF - A JUSTIÇA DO TRABALHO É

COMPETENTE PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO POSSESSÓRIA

AJUIZADA EM DECORRÊNCIA DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE

PELOS TRABALHADORES DA INICIATIVA PRIVADA.

Quando se tratar de servidor público, essa circunstância desloca a competência para a

Justiça Federal ou estadual, conforme a esfera do setor público em greve.

O professor entende ser essa medida inadequada. O professor entende que há falta de

pressuposto processual, porque o interdito proibitório não é o rito adequado para analisar essa

situação. O piquete faz parte da greve. Piquetar significa exercer em sua amplitude o direito

fundamental à greve. Claro que sem violências. O que o Supremo Tribunal Federal disse é

que a Justiça do Trabalho é competente, mas essa técnica processual existe, o que significa

dar com uma mão e tirar com outra. Há outras medidas adequadas para lidar com esse

excesso.

Acidente de trabalho

Outro tema para tratarmos, e, aí sim, nesse assunto houve uma grande revolução em

termos de competência material, foi sobre a competência para analisar assuntos de acidente

de trabalho. A ampliação de competência foi muito pequena, e decorreu da literalidade de

uma alteração na Constituição Federal.

Acidente de trabalho é a agressão à integridade física que ocorre pelo trabalho a

serviço da empresa, ainda que fora dela (in itinere), ou a ele parcial ou indiretamente ligado.

Equiparada: doença profissional, decorrente do trabalho (com nexo de causalidade com o

trabalho).

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 32: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 32

O acidente de trabalho envolve matéria de responsabilidade civil, que em nosso

sistema está situado no Direito Civil. A responsabilidade civil está no Direito Civil. Isso era

estranho ao Direito do Trabalho. Até a Emenda Constitucional 45, a Justiça do Trabalho não

tinha competência para julgar lides sobre acidente de trabalho.

Veio o inc. VI da Constituição Federal:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

... Inc. VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial,

decorrentes da relação de trabalho;

Disse-se que o constituinte, quando falou aqui de relação de trabalho, falou de relação

de emprego, assim como no inc. I.

Entendeu-se que a ampliação da competência também para os acidentes de trabalho foi

rejeitada, primeiramente nas Comissões e depois no Supremo Tribunal Federal. O constituinte

originário repudiou essa competência para levar os acidentes para a Justiça do Trabalho.

Entendeu o Parlamento que não haveria por que levar essa matéria para a Justiça do Trabalho.

Isso é diferente do que ocorre no Direito Comparado.

Na sequência, o Supremo Tribunal Federal, analisando a matéria, acabou por entender

o contrário. Entendeu que a Emenda Constitucional 45 contemplava também o acidente de

trabalho. Foi um debate interessante, porque a jurisprudência disse que não e depois que sim,

no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Então, nada mais foi como antes, por conta da

gravidade do contexto da saúde em nosso país. Recentemente, morriam no Brasil 17

motoboys por dia. A proporção do risco da atividade laboral é muito grande. Há

consequências para esse trabalhador que perde sua capacidade laborativa e esse custo deve ser

pago pela sociedade. O Supremo Tribunal Federal procurou tentar oferecer algum meio de

tutela jurídica, e fez isso com a Súmula Vinculante n. 22:

SÚMULA VINCULANTE Nº 22 - A JUSTIÇA DO TRABALHO É

COMPETENTE PARA PROCESSAR E JULGAR AS AÇÕES DE

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES

DE ACIDENTE DE TRABALHO PROPOSTAS POR EMPREGADO

CONTRA EMPREGADOR, INCLUSIVE AQUELAS QUE AINDA NÃO

POSSUÍAM SENTENÇA DE MÉRITO EM PRIMEIRO GRAU QUANDO DA

PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04.

Da leitura que o Supremo Tribunal Federal fez da Constituição Federal, à margem do

que entendia o constituinte derivado, disse que essas causas seriam de competência da Justiça

do Trabalho.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 33: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 33

Isso implicou numa janela grande de possibilidades, mas, de outro lado, num desafio

descomunal, porque a questão sobre ambiente de trabalho é bastante complicada no Brasil.

Propôs-se um novo desafio, cultural, aos justrabalhistas, que estavam acostumados a

ver o mundo a partir da CLT. Ela não trata de responsabilidade civil. Foi preciso desenvolver

outro tipo de Direito Processual, diferente do anterior, no qual o trabalhador ingressava com

Reclamatória Trabalhista somente depois de extinto o contrato de trabalho. Agora, o

trabalhador ingressa com ação de indenização, ações que se projetam no tempo, inclusive com

ações revisionais. E houve a questão dos herdeiros, quando o trabalhador morria. Quando o

trabalhador estava vivo, a competência seria da Justiça do Trabalho. Porém, no caso de morte

desse trabalhador, o Superior Tribunal de Justiça veio e disse que:

SÚMULA 366 do STJ - Compete à Justiça estadual processar e julgar ação

indenizatória proposta por viúva e filhos de empregado falecido em acidente

de trabalho.

Estando o trabalhador vivo ou morto, o correto seria que essa ação fosse de

competência da Justiça do Trabalho. Se o trabalhador morreu, a viúva e os filhos deveriam

propor a ação na Justiça do Trabalho. O titular da pretensão faleceu, mas o direito se

transmitiu aos herdeiros.

Depois, o Supremo Tribunal Federal analisou essa questão, e essa Súmula nº 366 do

STJ foi cancelada:

Compete à Justiça estadual processar e julgar ação indenizatória proposta

por viúva e filhos de empregado falecido em acidente de trabalho.(*)

(*) - Julgando o CC 101.977-SP, na sessão de 16/09/2009, a Corte Especial

deliberou pelo CANCELAMENTO da Súmula n. 366.

Dano moral trabalhista

Diz a CF/88:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

... Inc. VI — as ações de indenização por dano moral ou patrimonial

decorrentes da relação de trabalho;

O ambiente de trabalho, a empresa, é um ambiente que possibilita colisões que

caracterizam dano moral. Pela redação da CF/88, que, pela primeira vez, se manifestou sobre

o dano moral, costumava-se dizer que se o dano moral ocorre num ambiente de trabalho e em

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 34: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 34

relação de emprego a competência seria da Justiça comum, por ser aplicável o Direito Civil. A

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entendeu de forma diferente e o constituinte

ratificou esse entendimento.

Fiscalização trabalhista

Outra alteração explícita, expressa sobre a competência da Justiça do Trabalho, para a

matéria de fiscalização, foi a seguinte:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

... VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos

empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

Aqui estamos falando de exercício de poder de polícia por parte do Ministério do

Trabalho e Emprego. O aparato de tutela jurídica do trabalho se vale de diversos sujeitos,

como a Justiça do Trabalho, os sindicatos, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do

Trabalho e Emprego. Este procura evitar, inibir o antijurídico trabalhista, em caráter, portanto,

preventivo. Se nosso sistema fosse orgânico, em matéria de cumprimento da legislação

trabalhista, esse aparato do Ministério do Trabalho e Emprego seria maior do que o da Justiça

do Trabalho. No orçamento da União, destinam-se mais ou menos cinco bilhões de reais por

ano à Justiça do Trabalho. O Ministério do Trabalho e Emprego tem mais ou menos um

décimo disso. Seria adequado inverter esses recursos, para direcionar mais à prevenção. Isso

seria uma solução orgânica muito mais célere. O sistema não foi feito para funcionar, porque

deveríamos ter mais fiscais nas ruas do que Juízes do Trabalho nos foros.

28.04.2014 – Segunda-feira – 2º BIMESTRE

Para concluirmos a competência material da Justiça do Trabalho faltou, salvo engano,

somente o inc. VIII do art. 114, que diz:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I,

a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

A Constituição Federal diz que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar a

execução de ofício das contribuições previdenciárias das sentenças proferidas. Nosso

sistema tributário tem uma peculiaridade marcante, que é a de que o salário é um fator gerador

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 35: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 35

de, pelo menos, dois tributos: imposto de renda e contribuição previdenciária (que tem

natureza fiscal em nosso sistema). É algo a ser destacado por razões estritamente

quantitativas. A grande fonte de arrecadação do Estado e, particularmente, da União é o

salário, o que pode ser colocado em dúvida do ponto de vista crítico. Se há alguma coisa que

não é renda é salário, inclusive para imposto de renda. Renda é outra coisa. Renda é o

rendimento decorrente da movimentação dos bens de produção, do capital em atividade, o que

não é salário. Salário é o oposto dessa relação sinalagmática. É uma das despesas decorrentes

desse tipo de atividade. Mas, abstraída essa circunstância crítica, é uma realidade que está

posta. E se está posta, há uma circunstância reflexa nas sentenças proferidas pela Justiça do

Trabalho, na medida em que a grande maioria das ações versa sobre parcelas salariais. O

trabalhador presta serviços e, em decorrência dessa prestação, tem uma contraprestação

financeira. Em princípio, essa contraprestação é salário, tanto para fins de Direito do Trabalho

quando para fins de Direito Tributário. Pode haver circunstâncias em que essa retribuição

meramente reponha o patrimônio do trabalhador, tendo natureza meramente indenizatória. E

aí não estaria sujeita à incidência do IR.

A Constituição Federal, todavia, faz menção expressa à contribuição previdenciária,

que é a parcela que, a rigor, fomenta, subsidia nosso sistema de seguridade social. Não há

menção expressa à incidência do imposto de renda. A lei sim faz esse tipo de indicação, mas

alguém poderia ventilar sobre a incompetência material, particularmente porque essas verbas

podem envolver uma lide contra terceiros. Nesse momento, a competência trabalhista evoca,

atrai a atuação de um tercius. No caso do IR, a Secretaria da Receita Federal (União), no caso

da contribuição previdenciária o INSS, que passam a ser partes de uma relação que pode ser

litigiosa. O Juízo pode entender que tal ou qual parcela tenha tal ou qual base de cálculo,

incidência, e a agência arrecadadora diz que não, querendo controverter ou até recorrer desse

tipo de decisão. É uma lide estranha à relação empregatícia, tanto é que as verbas têm

natureza tributária. A Constituição Federal, todavia, de maneira excepcional, tratou da

contribuição previdenciária e o raciocínio que se faz a esse respeito é que o imposto de

renda também estaria agasalhado por esse preceito, estendendo a competência a essa

situação.

De qualquer forma, é uma lide exótica, porque só nasce como decorrência de uma

sentença condenatória e de um processo em fase de execução. E é ainda mais exótica na

medida em que a execução dessa parcela acessória é atribuição ex officio da Justiça do

Trabalho. Embora haja um terceiro, a iniciativa para a execução é do próprio Juízo, com todas

as críticas que isso possa envolver, tendo em vista que essa circunstância envolve direitos

disponíveis, direitos patrimoniais das próprias partes, e mesmo até das agências

arrecadadoras, que, essas sim, deveriam fazer essa interferência.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 36: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 36

Aqui para nós importa exclusivamente problematizar o tema da competência, com

essas circunstâncias a que fizemos referência. As características procedimentais nós vamos

aprofundar um pouco adiante. Mas é bom ter isso em mente, porque, em termos quantitativos,

estamos tratando de muitas ações, e estamos tratando de um montante financeiro

extremamente elevado. Basta se lembrar do número de dois milhões de ações trabalhistas por

ano, com condenações de verbas salariais e a incidência tributária que isso possa gerar. Então,

a sanha arrecadadora tanto da Receita Federal quanto da Previdência Social é bastante intensa.

Isso estimula, faz essas feras salivarem diante da possibilidade de execução desses valores.

Há outro preceito cujo exame se impõe, no art. 114, sobre os aspectos processuais da

competência da Justiça do Trabalho. Incisos IV e V do art. 114:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato

questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

A Justiça do Trabalho tem competência para o Mandado de segurança em basicamente

duas direções. Mandado de segurança contra ato jurisdicional, que é uma figura bastante

frequente na problemática processual trabalhista, por conta da inexistência de um tipo de

recurso autônomo contra decisões interlocutórias. Vamos verticalizar esse tema

oportunamente, mas desde logo convém sublinhar esse aspecto. Não há um agravo de

instrumento com efeito suspensivo, como no Processo Civil. Então, o mandado de segurança

acontece no âmbito processual trabalhista com muita frequência.

O inciso fala ainda sobre habeas corpus e habeas data. A indicação de habeas corpus

não tem razão de ser na medida em que a Justiça do Trabalho não tem competência criminal e

já não se fala mais na prisão do depositário infiel, por conta da ratificação, pelo Brasil, do

pacto de São José da Costa Rica e da internalização, por conta do julgamento do STF. Então,

como não há mais prisão do depositário infiel, não há mais que se falar em habeas corpus na

Justiça do Trabalho. Anteriormente, falamos sobre o Juiz do Trabalho que daria voz de prisão

à testemunha que comete perjúrio. Quem seria competente para um habeas corpus nesse

caso? O Juiz do Trabalho não é porque ele dá voz de prisão em crime flagrante, encaminha

para a autoridade policial, nesse caso, a Polícia Federal, e o Juiz Federal Criminal competente

para examinar esse tema é que avaliará sobre a prisão, podendo processar e julgar esse habeas

corpus.

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista,

ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 37: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 37

Os conflitos de competência internos, dentro da pirâmide processual trabalhista,

poderão ser julgados dentro da Justiça do Trabalho. Quando se tratar de conflito de

competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Comum, o Juízo competente é o STJ,

porque a CF assim indica e transforma o STJ no grande Tribunal de competências em nosso

sistema processual constitucional. Por exemplo, quando o Juiz do Trabalho disser que não é

competente para julgar uma matéria envolvendo relação de trabalho e encaminha para o Cível

que, por sua vez, diz que a Justiça do Trabalho é sim competente para julgar esse litígio,

havendo um conflito negativo de competência, o STJ fará o julgamento.

Há uma situação no Processo do Trabalho em que ocorre com frequência conflito

positivo de competência, no caso de insolvência do executado, no caso de falência e

recuperação judicial, em que pela recuperação judicial a execução das dívidas, inclusive as

dívidas trabalhistas com o recuperando, está suspensa, e no caso de falência quando o próprio

crédito trabalhista pode estar sujeito à vis atrativa da falência. Exemplo: foi decretada a

falência, tramita no Juízo falimentar e o Juízo do Trabalho persiste na sua execução

individual, de um determinado trabalhador, inclusive com atos de constrição do patrimônio. O

Juízo falimentar diz que aquele bem é seu, porque, em decorrência da falência, foi submetido

à vis atrativa e a Justiça do Trabalho somente irá até os atos de liquidação de sua própria

sentença, mas não realizará atos de expropriação, como é típico da lógica do processo

falimentar, segundo o princípio do Juízo universal e da vis atrativa. Nesse caso, a Justiça do

Trabalho e o Juízo falimentar se declaram competentes para realizar esses atos de execução.

Temos um conflito positivo de competência que também deverá ser resolvido pelo STJ. Hoje,

já não há mais dúvida, embora a controvérsia tenha sido intensa no passado, de que a

competência é do Juízo falimentar, quando se tratar de execução de sentença no sentido mais

estrito do termo e não nos atos de liquidação, de apuração do crédito.

Uma problemática que surgiu quando da edição da Emenda Constitucional n. 45 foi

saber qual o Direito aplicável nas novas ações. A Justiça do Trabalho acabou dando uma lição

de pragmatismo e despego às circunstancias formais. O TST editou a instrução normativa n.

27, de 2005, dizendo que nas novas ações, que vêm para a Justiça do Trabalho, o Direito

aplicável é o da CLT. Nas ações novas aplica-se o Direito processual da CLT, ressalvados os

procedimentos especialíssimos, como o mandado de segurança, a execução da dívida ativa,

habeas corpus, mas como regra geral aplica-se o Direito processual da CLT, o que tem

consequências importantes sobre prazos, depósito recursal e pagamento de custas no

momento da interposição do recurso.

Por meio da Súmula Vinculante n. 22, o STF superou de maneira apropriada a dúvida

a respeito da incidência do Direito intertemporal. A regra nova aplica-se aos processos em

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 38: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 38

curso? Qual é a regra nos conflitos de lei no tempo em matéria processual? A regra geral é

tempus regit actum, ou seja, a aplicação imediata, porque se trata de uma norma de ordem

pública, e não há nada mais público do que uma relação processual. Então, a lei nova atinge

as relações processuais em curso. Por isso, com a Emenda Constitucional n. 45, as ações

novas seriam atraídas pela Justiça do Trabalho e ali processadas segundo o rito da CLT. O

STF, todavia, de maneira apropriada, na Súmula 22, fez uma ressalva, dizendo:

A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de

indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de

trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas

que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da

promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04.

As ações que tramitavam no Cível, de acidente de trabalho, mas, na verdade, para

todas as ações novas, da competência nova, iriam todas para a Justiça do Trabalho, mas o STF

fez uma ressalva na parte final: desde que não tivesse sido proferida sentença de mérito. Se a

sentença de mérito já tivesse sido proferida antes da entrada em vigor da Emenda

Constitucional n. 45, a ação permaneceria na Justiça Comum. A marca aqui é a data do

proferimento da sentença. Se o Juízo cível proferiu sentença até 31/12/2004, processa os

recursos e executa; se proferiu depois, vai para a Justiça do Trabalho.

Competência territorial da Justiça do Trabalho

O critério aqui é geográfico, e o preceito que regulamenta é o art. 651 da CLT e seus

parágrafos.

Art. 651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é

determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado,

prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro

local ou no estrangeiro.

O local da prestação de serviços: lex loci laboris. Onde o trabalhador prestou serviços

ele poderá promover a ação trabalhista. O § 3º, entretanto, cria uma dificuldade, não tanto

pelo resultado interpretativo que acaba por provocar, mas por uma redação que poderia ser

melhor:

§ 3º - Em se tratando de empregador que promova realização de atividades

fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado

apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da

prestação dos respectivos serviços.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 39: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 39

A rigor, o resultado interpretativo do caput e do § 3º é o lugar do trabalho ou do

contrato, admitida essa disposição pelo trabalhador.

Se o Direito Processual do Trabalho fosse protetivo, e ele não é, qual seria a regra de

fixação de competência? O local de domicílio do trabalhador. O Direito Processual do

Trabalho adotou uma regra funcional, pragmática, presumindo que o Juízo do lugar da

execução do contrato estaria mais vocacionado para conhecer das características geográficas

da causa. Geografia em sentido amplo, não apenas física, mas muito mais a Geografia

humana, as circunstâncias do perfil econômico do local da prestação de serviços,

diferenciando-se, por exemplo, um meio agrícola de um meio urbano, com características

próprias. O Juiz do Trabalho do interior do Paraná, numa cidade que possui uma empresa que

tem muitos empregados, deve conhecer as condições de trabalho nessa empresa, enquanto que

o Juiz de Paranaguá deve conhecer o Direito portuário. Essa especialização natural foi

pensada pelo legislador da CLT quando redigiu o art. 651, nos termos desse resultado

interpretativo.

Mas o legislador celetista cogita também do trabalhador contratado num lugar para

prestar serviços em outro lugar, e essa circunstância trata da importação de mão de obra. O

empregador se desloca para outros locais para importar mão de obra, dentro do território

nacional. No exterior as circunstâncias são diferenciadas. Há certos empregadores que se

dirigem até o Acre atrás dos haitianos, atrás de mão de obra barata para certos serviços. Um

bom exemplo envolve a construção civil, que tem uma demanda muito forte por mão de obra.

Se o legislador não tivesse trazido essa opção, quando é contratado num lugar para prestar

serviços em outro, exigindo-se que o trabalhador ajuizasse ação no local da prestação de

serviços, a partir do momento em que ele retorna ao seu lugar de origem ficaria inviabilizado

o exercício do direito de ação. Por essa razão, o § 3º permite essa alternativa. O trabalhador

pode promover a ação lá no local onde foi contratado ou onde houve a prestação de serviços.

Digamos que o trabalhador tenha sido contratado em Curitiba, depois foi promovido,

sendo transferido para trabalhar em Londrina, onde trabalhou durante cinco anos. Na

sequência, ele é promovido mais uma vez, sendo transferido para trabalhar em Foz do Iguaçu,

onde trabalha mais cinco anos. Ao final, trabalha nos últimos cinco anos de seu contrato de

trabalho em Curitiba novamente. Aposenta-se e vai morar em Cascavel. Pergunta-se: onde sua

ação trabalhista poderia ser promovida? Quaisquer desses locais. Entretanto, no período

imprescrito, dos últimos cinco anos, trabalhou somente em Curitiba. Isso modificaria a

situação? Não. Claro que seria mais interessante estrategicamente ajuizar a ação em Curitiba,

tendo em vista que os fatos do período imprescrito ocorreram aqui. Administrar uma ação em

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 40: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 40

Curitiba tenderia a ser mais fácil para o trabalhador, mas é uma faculdade dele. Todos os

lugares em que houve prestação de serviços são competentes para a propositura da ação.

Na sequência, o art. 651 trata do vendedor viajante:

§ 1º - Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a

competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência

ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será

competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou

a localidade mais próxima. (Redação dada pela Lei nº 9.851, de 27.10.1999)

Esse preceito trata do agente ou viajante, cuja grande característica é a inexistência de

um local fixo de prestação de serviços. É uma hipótese excepcional, em que o trabalhador sai

do estabelecimento empresarial, do art. 2º da CLT, e presta serviços fora, em quaisquer locais

em que o empregador preste a atividade. O critério para fixação de competência é a filial, a

unidade à qual o trabalhador esteja subordinado, o local de onde ele recebe ordens. Essa

característica é bastante moderna, frequente, hoje em dia, tendo em vista o concurso de certos

aspectos de informática. O trabalhador nem sempre precisa comparecer à sede empresarial,

submetendo-se à fiscalização por alguns meios de comunicação com o empregador ainda mais

intensos do que o trabalhador que presta serviços dentro da empresa. Esse trabalhador realiza

sua atividade e repassa informações ao empregador sem precisar ir até a sede da empresa. O

Juízo competente será o da localidade para a qual esse trabalhador se comunica para receber

as ordens. A exceção que traz o § 2º é quando a sede inexista ou tenha sido extinta, podendo o

trabalhador promover ação no foro do seu domicílio ou outra localidade com competência

trabalhista mais próxima.

Para fechar essa situação do § 1º, ele também trata do trabalhador itinerante. Vamos

agora cogitar da hipótese da empresa itinerante, em que todo o acervo empresarial se desloca.

Um exemplo seria o circo e empresas que realizam feiras e eventos. O próprio acervo, a

própria empresa é itinerante. Ou no caso de construção de estradas, em que o próprio local

onde o trabalhador está alojado vai se deslocando à medida da construção da estrada. Nessa

situação excepcional, o Juízo competente será o do local da prestação ou das prestações de

serviços.

05.05.2014 – Segunda-feira

Na aula anterior terminamos o tema da competência material, mas faltou falar sobre

um entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre os limites de competência material da

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 41: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 41

Justiça do Trabalho. Vamos retroceder a um tópico, que envolveria o inciso VIII do art. 114

da Constituição Federal:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I,

a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

Esse dispositivo trata dos reflexos da contribuição previdenciária nas condenações da

Justiça do Trabalho. O Supremo Tribunal Federal decidiu sobre os efeitos da

complementação de aposentadoria em decorrência da competência material da Justiça do

Trabalho.

Essa figura jurídica (complementação de aposentadoria) é um contrato de natureza

mercantil, financeira, que está disponível em nosso meio bancário, financeiro. O cidadão, o

trabalhador, vai a uma instituição financeira e ajusta certos pagamentos periódicos com vistas

à percepção desse valor investido e os frutos desse investimento num tempo diferido. É

comum certos empregadores oferecerem esse tipo de vantagem a seus empregados, para atrair

e manter a mão de obra qualificada, principalmente em empresas de grande porte. Temos dois

exemplos, a Petrobrás e o Banco do Brasil, que possuem instituições de previdência privada

bastante grandes, reinvestindo no mercado financeiro para capitalizar os valores, a fim de

poder pagar o cliente, o segurado, e, eventualmente, capitalizar lucratividade nessa situação.

Mas fato é que alguns empregadores mantêm esses institutos com esse mesmo raciocínio,

para oferecer um atrativo à mão de obra. Esses institutos precisam reinvestir o capital pago no

mercado financeiro. No Brasil, temos uma tradição um pouco pobre nessa modalidade de

mercado financeiro. Em economias mais evoluídas essas instituições movimentam o mercado

financeiro, inclusive em nível mundial. Os grandes institutos de previdência complementar,

dos países de primeiro mundo, são os grandes investidores do mercado financeiro e os

grandes investidores do mercado de valores. A rigor, o dinheiro que vagabundeia no mercado

financeiro mundial é oriundo de economias de uma velhinha japonesa de Osaka ou de um

senhor de Ohio. Eles fazem suas aplicações para ter uma aposentadoria tranquila, num dado

período de tempo, e esse dinheiro é investido e depois ingressa no mercado financeiro com

vistas a essa capitalização, para dar retorno ao futuro aposentado.

Se o empregador oferece esse tipo de vantagem, dirigindo um instituto de previdência

complementar, também haverá o pagamento de salários e eventual desconto de alguma

parcela em relação ao empregado, que são formas de subsidiar essa complementação de

aposentadoria (uma parte é paga pelo empregado e outra pelo empregador). Esse valor está

indexado no salário do trabalhador. Se o salário cresce, o valor da complementação de

aposentadoria também aumenta. Se houver uma condenação na Justiça do Trabalho, por

Page 42: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 42

exemplo, por horas extras, o salário aumenta, e o valor da complementação também, de forma

que essa verba é reflexa da condenação trabalhista. A dúvida que se colocava antes do

julgamento do Supremo Tribunal Federal é que se trata de complementação, mas possui

natureza previdenciária, ou até financeira. A relação não é tanto do trabalhador com o Banco

do Brasil, mas com a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI);

não é tanto com a Petrobrás, mas com a Petros. Em outras situações talvez o trabalhador tenha

um litígio direto contra a instituição de previdência complementar por razões apenas

financeiras, sem relação trabalhista. Segundo esse raciocínio, de que o litígio não tem

natureza trabalhista, mas previdenciária e/ou financeira, esse assunto refugiria à competência

da Justiça do Trabalho. E foi isso o que entendeu o Supremo Tribunal Federal, em

repercussão geral, no chamado tema 190 dos assuntos de repercussão geral.

EMENTA Recurso extraordinário – Direito Previdenciá rio e Processual

Civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o

processamento de ação ajuizada contra entidade de p revidência

privada e com o fito de obter complementação de apo sentadoria –

Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao

Direito do Trabalho – Litígio de natureza eminentem ente

constitucional, cuja solução deve buscar trazer mai or efetividade e

racionalidade ao sistema – Recurso provido para afi rmar a

competência da Justiça comum para o processamento d a demanda -

Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, n a Justiça Federal

do Trabalho, até final execução, todos os processos dessa espécie em

que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão

do julgamento do recurso (20/2/13). 1. A competência para o

processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de

previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do

Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art.

202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de

matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. 2. Quando, como

ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há

fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível,

deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade e

racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao

qual se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para o

processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de

previdência buscando-se o complemento de aposentadoria. 4. Modulação

dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal

do Trabalho para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a

correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido

proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do

Supremo Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso (20/2/2013).

5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao

Page 43: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 43

alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes

à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a

aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por

entidade de previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio.

(RE 586453, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator (a) p/ Acórdão:

Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 20/02 /2013, DJe-106

DIVULG 05-06-2013 PUBLIC 06-06-2013 EMENT VOL-02693 -01 PP-

00001)

O STF acabou por se pronunciar a respeito desse assunto, para dizer que a Justiça do

Trabalho não tem competência para complementação de aposentadoria, mas modulou os

efeitos dessa decisão para dizer que ficam na Justiça do Trabalho aquelas ações que tinham

sido sentenciadas no momento da publicação da decisão.

É um assunto muito mais de processo constitucional do que de processo do trabalho.

Os justrabalhistas criticam essa decisão porque a imensa maioria dessas decisões envolve

condenações trabalhistas, em que basta fazer um cálculo para fazer as adequações em folha,

com os ajustes necessários, sem necessidade de ajuizamento de nova ação perante a Justiça

estadual, pois essas instituições são normalmente privadas. Muito mais fácil é o trabalhador

ingressar com Reclamatória Trabalhista contra o Banco do Brasil e formular pedidos contra a

PREVI, na matéria de complementação de aposentadoria, dizendo que isso é uma decorrência

do contrato de trabalho e desde logo pede os reflexos das condenações na complementação de

aposentadoria, com o cálculo feito no bojo da própria ação trabalhista, e a sua execução

também feita neste momento imediato. Claro que esse novo entendimento homenageia a falta

de racionalidade processual, e o entendimento antigo era um entendimento de décadas na

Justiça do Trabalho, e aí veio o Supremo Tribunal Federal para conturbar esse raciocínio.

Uma homenagem à irracionalidade e à falta de funcionalidade.

Competência territorial (continuação)

Voltando para a competência territorial, vínhamos fazendo a leitura do art. 651 da

CLT. Vimos o caput e o § 3º, para verificarmos a questão do trabalhador fixo, que presta

serviços dentro do estabelecimento empresarial, sem grande mobilidade, e o § 2º, que trata do

trabalhador itinerante, para dizer que válido é o Juízo do local da prestação de serviços para

o trabalhador fixo e o do local da subordinação para o trabalhador itinerante.

Há mais dois aspectos para tratarmos sobre essas circunstâncias, no tocante à arguição

de incompetência. No Processo Civil, quando a parte quer argumentar que o Juízo é

territorialmente incompetente, existe a exceção de incompetência. Quando se fala em

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 44: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 44

competência material, não há porque utilizar esse instrumento, bastando uma alegação

preliminar na contestação (claro que não só) para levantar a questão da incompetência

material. No caso de incompetência territorial a circunstância é distinta, porque se não for

arguida ocorre a prorrogação de competência. O Juízo que era incompetente passa a ser

competente. Esse é um raciocínio do Processo Civil aplicado à CLT. Portanto, na área

justrabalhista, quando a parte quiser arguir a competência territorial, o empregador

interessado em deslocar e enviar o processo para outro Juízo deverá se valer da exceção de

incompetência territorial.

A CLT trata do assunto nos artigos 799 e 800:

Art. 799 - Nas causas da jurisdição da Justiça do Trabalho, somente podem

ser opostas, com suspensão do feito, as exceções de suspeição ou

incompetência. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.737, de 19.1.1946)

Art. 800 - Apresentada a exceção de incompetência, abrir-se-á vista dos

autos ao exceto, por 24 (vinte e quatro) horas improrrogáveis, devendo a

decisão ser proferida na primeira audiência ou sessão que se seguir.

O primeiro efeito é a suspensão do feito. O efeito da apresentação da exceção é a

suspensão dos demais atos processuais e o exame dessa matéria, normalmente se dizendo,

pelo empregador, que o reclamante não trabalhou naquele local, ou não trabalhou e não foi

admitido em CTBA, mas noutra cidade.

O que é foro de eleição? É uma cláusula contratual, prevista em contratos que fixam

direitos disponíveis, que fixam um foro territorialmente competente. Quanto se tratar de

direitos disponíveis não há maiores problemas para absorver essa circunstância. Mas mesmo

no Processo Civil há situações em que existe uma assimetria muito grande entre o consumidor

e o grande capital. Quando existe desequilíbrio econômico, essa cláusula de foro de eleição é

encarada com reservas, sob o argumento do livre exercício do direito de ação. A liberdade

negocial deve estar à disposição para o conforto das partes. Esse raciocínio para o Direito

Processual do Trabalho deve ser radicalizado, de modo a ser banido por completo do processo

trabalhista. O foro de eleição é incompatível com o Processo do Trabalho, porque esse

raciocínio de desigualdade econômica deve ser presuntivo, o que ocorre desde a sua

principiologia.

Diz o art. 112 da Constituição Federal:

Art. 112. A lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas

não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito, com

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 45: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 45

recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho. (Redação dada

pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

A lei pode atribuir competência residual trabalhista para os Juízes de Direito, ou seja,

as unidades judiciárias de piso da Justiça estadual. É a competência residual do cível. A CLT

é mais específica a esse respeito:

Art. 668 - Nas localidades não compreendidas na jurisdição das Juntas de

Conciliação e Julgamento, os Juízos de Direito são os órgãos de

administração da Justiça do Trabalho, com a jurisdição que lhes for

determinada pela lei de organização judiciária local.

O mosaico de competência territorial da Justiça do Trabalho, nos mapas dos estados,

foi sendo completado no curso do tempo, preenchido muito lentamente, de maneira tal que a

competência trabalhista acompanhou a lenta implantação de Varas do Trabalho por todo o

território nacional. O Estado do Paraná somente há pouco tempo conseguiu completar o mapa

do estado com as cores da competência material da Justiça do Trabalho. Foi um processo

lento, gradual, e que foi acompanhado, décadas depois, pela própria Justiça Federal comum,

que também muito lentamente foi preenchendo todo o mapa de competência territorial no

Estado do Paraná.

Há uma característica interessante, de que só há Varas do Trabalho ou Federais em

cidades-polo, cidades sede de microrregião. Não há uma Vara do Trabalho ou uma Vara

Federal em Salto do Lontra. São cidades de médio porte, por conta da demanda, de maneira

tal que uma comarca trabalhista (esse termo “comarca” não existe na Justiça do Trabalho)

abrange a cabeça da comarca, o edifício sede, e diversos outros Municípios. Curitiba acaba

abrangendo diversos Municípios da região metropolitana. Não há uma Vara do Trabalho em

todos os Municípios da região metropolitana.

No passado, quando não havia competência territorial trabalhista em determinado

local, o cível funcionava como órgão da Justiça do Trabalho. Algo correlato ocorre até hoje

com a Justiça Eleitoral, que poderia ter Varas próprias instaladas, dispensando o concurso da

Justiça estadual e do Ministério Público estadual. Na Justiça estadual nunca houve

complementação na renda do Juiz de Direito que exercesse a competência trabalhista,

diferente do que hoje ocorre em relação à competência da Justiça Eleitoral. O Juiz de Direito

não ganhava a mais por isso.

Hoje, essa competência residual trabalhista dos Juízos de Direito quase não existe

mais, salvo nos estados menos desenvolvidos.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 46: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 46

Competência internacional da Justiça do Trabalho

Dispõe a CLT:

Art. 651 (...) § 2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento,

estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou

filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja

convenção internacional dispondo em contrário.

A competência territorial da Justiça do Trabalho estende-se a contratos executados

no exterior, desde que o trabalhador seja brasileiro, pela literalidade do preceito em questão.

Esse dispositivo tem um lado atrativo, positivo, que é o de que o legislador brasileiro e a

jurisdição brasileira oferecem um tipo de proteção altamente qualificada à tutela jurisdicional,

à proteção da Justiça do Trabalho. O trabalhador brasileiro é protegido pelo legislador e pela

jurisdição. Mas esse preceito acabou por ser muito aberto. Será que o trabalhador brasileiro

que viaja para o exterior, como imigrante ilegal nos Estados Unidos, por exemplo, atravessa,

com o auxílio de um coiote, a fronteira do Rio Grande, para entrar nos estados da fronteira

com o México, atravessando rios, túneis, sendo perseguido por cães, por policiais, por

paramilitares, e celebra um contrato de trabalho para ser operador de chapa quente do

Mcdonalds, em Sacramento, na Califórnia, será que esse trabalhador poderia ingressar com

ação na Justiça do Trabalho do Brasil? Os operadores jurídicos passaram a interpretar esse

dispositivo de maneira mais restritiva, até porque, há pouco tempo atrás, o Brasil era um

exportador de mão de obra. Os estrangeiros fora do Brasil seriam um vigésimo sétimo estado

da federação, por ser um contingente muito elevado. Seria possível que o legislador

estendesse a tutela jurisdicional para contratos iniciados e executados fora do Brasil? Para que

o Estado brasileiro ofereça a tutela jurisdicional, esse trabalhador deve ser contratado no

Brasil. Portanto, o empregador estrangeiro que compareça em nosso país para recrutar, para

atrair, para seduzir nossa mão de obra deve saber que o Estado brasileiro propõe-se a julgar,

oferecendo tutela jurisdicional em relação a esse trabalhador. Por isso, se esse trabalhador do

Mcdonalds tivesse sido contratado no Brasil, poderia demandar aqui.

No caso do § 2º, pode haver algum incidente internacional, de modo que o Estado

estrangeiro não admita a tutela jurisdicional brasileira. Julgada procedente a Reclamatória

Trabalhista, a execução estará sujeita a tratados internacionais e à exequibilidade no

estrangeiro. A homologação de sentença estrangeira é bastante conturbada.

Isso que falamos refere-se a Direito Processual Internacional do Trabalho. Indo para

o Direito Internacional Privado, aplica-se o Direito material americano ou o brasileiro? É o

chamado conflito de leis no espaço, tema atrativo, estimulante, motivador, particularmente

nos períodos de globalização, quando há intensa movimentação de mão de obra. A maior

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 47: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 47

empresa de petróleo da Argentina é a Petrobrás. Não raro, brasileiros, funcionários da

Petrobrás, vão para Buenos Aires, para trabalhar. É possível que um trabalhador brasileiro vá

trabalhar em uma sucursal argentina da Petrobrás. A dúvida que se coloca é: qual o direito

aplicável neste período argentino da prestação de serviços? Havia um entendimento

categórico do Tribunal Superior do Trabalho. A Súmula n. 207 dizia:

SUM-207 CONFLITOS DE LEIS TRABALHISTAS NO ESPAÇO.

PRINCÍPIO DA "LEX LOCI EXECUTIONIS" (cancelada)

A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da

prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação.

Existe o critério da lex loci executionis, uma regra geral, de tema obrigacional, com

previsão na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, conforme um critério geral das

relações obrigacionais. O critério de aplicação seria o da lei da execução. Essa Súmula foi

revogada. O Tribunal Superior do Trabalho tem outro posicionamento a respeito desse

assunto, valendo a norma mais favorável ao trabalhador, segundo um raciocínio típico de

Direito do Trabalho: na dúvida, havendo diversos estatutos jurídicos incidentes, aplica-se a lei

mais favorável.

Temos uma circunstância distinta, que é a do marítimo, o trabalhador que presta

serviços nas embarcações. Aqui há uma circunstância interessante, porque a embarcação tem

uma nacionalidade. O navio é considerado bem imóvel, valendo a bandeira de sua matrícula

como critério de fixação de sua nacionalidade por outro lado, a realidade atestou que

frequentemente as embarcações acabam fixando sua nacionalidade em certos paraísos

marítimos. A maior frota do mundo é, em princípio, a japonesa, embora a bandeira das

embarcações não seja japonesa. Normalmente, são encontradas bandeiras panamenhas,

cipriotas ou liberianas, países que oferecem certas vantagens jurídicas, estimulando esse tipo

de deslocamento. É muito raro encontrar bandeiras dos grandes países do mundo. A

jurisprudência trabalhista, todavia, repudia esse tipo de estratagema, dos chamados pavilhões

de complacências, quando esse tipo de ardil serve exclusivamente para fraudar direitos

trabalhistas. Nesse caso, será aplicável, no caso de trabalhador brasileiro, o Direito

brasileiro.

Interessante que o primeiro caso a respeito dessa matéria, banindo o efeito do pavilhão

de complacência, foi do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que corresponde ao

Estado de Minas Gerais. Interessante porque esse estado não tem costa.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 48: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 48

12.05.2014 – Segunda-feira

1) para ser parte

Capacidade 2) para estar em Juízo

3) postulatória

Capacidade para ser parte

Quem pode legitimamente figurar no polo ativo e passivo de uma ação trabalhista?

Essas definições vêm do Direito do Trabalho para figurar no Direito Processual do Trabalho,

e partem de artigos básicos da CLT: o art. 3º, que define o empregado, que é a pessoa física, o

prestador de serviços personalíssimo (o que não impede que o autor seja pessoa jurídica,

quando a empresa processar o trabalhador, ou se se tratar de uma demanda de extensão da

competência, com a figura da União), e o art. 2º, que define o empregador.

Sobre o impacto da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica no

Direito do Trabalho nós já falamos. Não se fala em desconsideração, porque a CLT sequer

considera a personalidade jurídica. Ela optou por uma figura diferente, menos definida, com

um perímetro menos definido, meio ectoplasmático, que é a empresa em oposição à pessoa

jurídica do Direito privado. Os efeitos práticos são devastadores na sucessão e na

responsabilidade dos associados.

Então, esses são os dois sujeitos por excelência das relações processuais trabalhistas.

A par deles, há quem, de maneira extraordinária, tem capacidade para ser parte, que Frederico

Marques chamava de personalidades judiciárias. São entes que não têm personalidade, no

sentido jurídico do termo, mas podem ser partes numa ação trabalhista. Um exemplo é a

massa falida, o espólio, algumas universalidades de fato, mas basicamente massa falida e

espólio. Não têm personalidade no sentido jurídico do termo, mas serão partes. O empregador

pode falecer e seu espólio figurar como parte em decorrência da sucessão mortis causa.

Quando ocorre morte do trabalhador o que acontece? No Processo Civil, quando

falece uma pessoa natural, como se regularia a sucessão mortis causa? Assumirá o espólio.

Esse tipo de raciocínio, que é simples para o Direito Processual Civil, para o Direito

Processual do Trabalho é mais complicado, porque quando se fala em espólio fala-se em

espólio, herança, o que não é compatível com a realidade do Processo do Trabalho. A

etimologia da palavra proletário faz referência àquele que possui apenas a prole. O

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 49: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 49

trabalhador, então, não precisa de um inventário, como no caso do empregador. Por isso, o

legislador editou a Lei n. 6.858, de 1980, cujo art. 1º diz:

Art. 1º - Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os

montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida

pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes

habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação

específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores

previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de

inventário ou arrolamento.

O legislador processual trabalhista requisita exclusivamente a inscrição na condição

de dependente na Previdência Social para a regularização da sucessão mortis causa do

empregado. Basta que o sucessor comprove sua condição de dependente habilitado perante a

Previdência Social para que regularize essa sucessão do trabalhador. Isso tem consequências

práticas bastante intensas. Não raro, o vínculo matrimonial do trabalhador não está

formalizado. Ele mantém união estável, sem formalização. Há dúvidas quanto à legitimidade,

circunstância que se resolve com a habilitação perante a Previdência Social. Isso para o

trabalhador pessoa física. No caso de empregador, é preciso um processo sucessório, com

inventário, arrolamento e a presença do espólio, representado pelo inventariante, com toda a

burocracia.

Capacidade para estar em Juízo

Aqui, no tocante à pessoa natural, não há grande diferença em relação ao Processo

Civil, sendo esse tema regido pelo art. 7º do CPC:

Art. 7º Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem

capacidade para estar em juízo.

A pessoa plenamente capaz pode figurar em Juízo. A pessoa jurídica o pode por meio

de seu representante legal. Essa diferença tem uma conotação mais intensa no Processo do

Trabalho. Se o empregador estiver regularmente constituído, o representante legal (no caso de

Sociedade Limitada, administrador; se for Sociedade Anônima, o diretor com poderes de

representação) representará a sociedade em Juízo.

Há uma circunstância interessante prevista na CLT, em termos de idade:

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 50: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 50

Art. 792 - Os maiores de 18 (dezoito) e menores de 21 (vinte e um) anos e

as mulheres casadas poderão pleitear perante a Justiça do Trabalho sem a

assistência de seus pais, tutores ou maridos.

O artigo fala sobre o maior de 18 e menor de 21 anos. No Código Civil de 1916 a

capacidade plena era alcançada aos 21 anos. A CLT reduziu a capacidade plena trabalhista de

21 para 18 anos. Dispensou esse sujeito da tutela ou companhia do titular do pátrio poder para

figurar em Juízo.

E a mulher casada, sem a tutela do marido? A mulher, quando casava, era rebaixada à

condição de relativamente incapaz, sujeita a uma espécie de curatela pelo marido. A

Consolidação das Leis do Trabalho veio girar a roda da história, e permitiu à mulher casada

celebrar contrato de trabalho e comparecer isoladamente, sem outorga marital, na Justiça

Federal do Trabalho.

São dois preceitos claramente emancipatórios para quase um século atrás. Esse tipo de

circunstância já foi indicado pela CLT.

Art. 793. A reclamação trabalhista do menor de 18 anos será feita por seus

representantes legais e, na falta destes, pela Procuradoria da Justiça do

Trabalho, pelo sindicato, pelo Ministério Público estadual ou curador

nomeado em juízo. (Redação dada pela Lei nº 10.288, de 2001)

Esse relativamente incapaz, para fins processuais trabalhistas, entre dezesseis e dezoito

anos, seria representado, na falta dos pais, pelo Ministério Público do Trabalho, pelo

sindicato, pelo Ministério Público estadual ou, ainda, por um curador nomeado pelo Juízo.

Lógico que o legislador se preocupava com as distâncias, indicando um longo rol de pessoas.

E o menor de 16 anos? Há a questão de Direito material relativamente a ele, sobre a

proibição do trabalho do menor de 16 anos. A circunstância, todavia, não é tão fácil no caso

de trabalho ilícito, quando o menino ou a menina trabalha com menos de 16 anos e vai ao

Poder Judiciário, reivindicando o reconhecimento do vínculo de emprego. Também haverá

esses representantes mencionados, nessa ordem sucessiva de titulares.

Capacidade postulatória

Essa é uma prerrogativa profissional do advogado inscrito no órgão de classe para

praticar atos em nome da parte. É comum a recusa do Direito relativamente à capacidade

postulatória pela própria parte. O processo trabalhista brasileiro, ao contrário, não exige

advogado para ir a Juízo:

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 51: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 51

Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão reclamar

pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas

reclamações até o final.

É um preceito que, em princípio, deveria ser lido com olhos da década de 1940. Já

houve um tempo em que não havia advogados suficientes no mercado. Requisitar a

companhia do advogado inviabilizaria o exercício do direito de ação. Por isso, o legislador

celetista disse que a própria parte poderia requerer em Juízo pessoalmente, tanto o autor

quanto o réu. Trouxe a dispensabilidade do advogado. É um preceito que há muito tempo

deveria ter perdido a razão de ser, porque a complexidade das ações trabalhistas já deveria

impedir o exercício da capacidade postulatória pela parte, por figurar, a rigor, como um

atentado ao direito fundamental à defesa técnica. O direito de agir, de atuar em Juízo, tem

um reforço, que é o da defesa técnica. A parte tem o direito de se defender. Quando não tiver

possibilidade econômica de contratar advogado, o Estado deve proporcionar um. Esse

preceito, a rigor, deveria ter sido superado pelas interpretações mais avançadas, inclusive pela

literalidade do art. 133 da Constituição Federal1. Mas a jurisprudência nunca soube encontrar

argumentos suficientes para considerar revogado o art. 791, e até hoje a capacidade

postulatória da parte existe como menoscabo à tutela jurisdicional trabalhista. Na prática, o

trabalhador se socorre do sindicato. Ele já tem clareza de como é postular em Juízo sem

advogado. Na pior das hipóteses, socorrer-se-á do sindicato. Normalmente, é o empregador

constituído em micro ou pequeno empresário que aparece sem advogado.

Outro efeito lateral bastante latente desse dispositivo é tornar incompatível com o

Processo do Trabalho o art. 20 do Código de Processo Civil, que trata dos honorários de

sucumbência:

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas

que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será

devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa

própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976)

O perdedor paga os honorários do advogado do vencedor. A indenização plena pelo

antijurídico envolve o pagamento do débito e outras despesas necessárias para convocá-lo em

Juízo. É a reparação completa para completar aquilo que o dano do antijurídico causou. Esse

preceito deveria ser compatibilizado com o Processo do Trabalho. O efeito prático disso é um

estímulo à violação trabalhista, porque o empregador deixa de pagar o empregado e faz um

1 Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e

manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 52: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 52

acordo. Se tivesse que pagar mais 20% de honorários advocatícios seria diferente. A

sucumbência, com suas consequências, é uma proteção para o credor legítimo e para a

sociedade como um todo, em relação ao cumprimento da legislação e do Direito.

Relativamente ao réu também há um efeito negativo, quando nada deve e mesmo assim

precisa pagar advogado a fim de defendê-lo.

A única válvula de escape oferecida quanto à capacidade postulatória é em relação à

assistência sindical. Diz a Súmula n. 219 do Tribunal Superior do Trabalho:

SUM-219 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE CABIME NTO

I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários

advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura

e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por

sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário

inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica

que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da

respectiva família.

II - É cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em

ação rescisória no processo trabalhista.

III - São devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente

sindical figure como substituto processual e nas lides que não derivem da

relação de emprego.

A assistência judiciária está prevista na Lei n. 1.060, de 1950, e, para o processo

trabalhista, na Lei n. 5.584, de 1970. Esta última dispõe que o sindicato oferece a assistência

judiciária. Essa lei faz, inclusive, referência à Lei n. 1.060. Uma válvula de escape ao

raciocínio que vimos envolve a percepção de valor inferior ao salário mínimo. É um preceito

restritivo, o que levou o Tribunal Superior do Trabalho a entender como remuneração inferior

ao dobro do salário mínimo e assistência do sindicato ou a declaração de insuficiência

econômica. É quando a parte declara que não pode demandar sem prejuízo do próprio

sustento. Um mecanismo bastante adequado à prática, porque a parte pode ter valores altos de

pensão alimentícia, por exemplo.

O raciocínio da Súmula n. 219 acabou por evocar outra Súmula para ratificá-la:

SUM-329 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 133 DA CF/198 8

Mesmo após a promulgação da CF/1988, permanece válido o entendimento

consubstanciado na Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 53: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 53

Uma Súmula para confirmar outra Súmula. Mesmo com a Constituição Federal de

1988 permanece a famigerada capacidade postulatória da parte.

O Tribunal Superior do Trabalho, felizmente, parece indicar uma solução para essa

questão, por meio da Súmula n. 425:

SUM-425 JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE

O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às

Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando

a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos

de competência do Tribunal Superior do Trabalho.

A jurisprudência não pode aguardar o legislador. O ativismo judicial é algo de

urgência. O Congresso Nacional não legisla sobre esses temas. Há um imperativo para isso.

Em razão disso, foi editada a Súmula n. 425, abrindo o Tribunal Superior do Trabalho uma

válvula de escape, acatando o argumento da complexidade de alguns instrumentos

processuais, não sendo possível postular no TST. O efeito prático, quando a parte é compelida

a contratar advogado, é a sucumbência. Então, dá-se um passo para a revogação do art. 791 da

CLT.

Litisconsórcio

A CLT é de uma concisão digna de elogios:

Art. 842 - Sendo várias as reclamações e havendo identidade de matéria,

poderão ser acumuladas num só processo, se se tratar de empregados da

mesma empresa ou estabelecimento.

Os requisitos, portanto, para a regular constituição de um litisconsórcio subjetivo

trabalhista são a identidade de partes e a identidade de matéria.

O litisconsórcio subjetivo é o consórcio de partes na mesma lide; diversas partes, seja

no polo passivo ou ativo. É a pluralidade, a multiplicidade de partes na relação processual.

Litisconsórcio objetivo é a pluralidade de causas de pedir e/ou de pedidos.

A grande maioria das ações trabalhistas envolve sempre um litisconsórcio objetivo.

Toda Reclamatória Trabalhista envolverá vários pedidos. É típica do cotidiano do foro

trabalhista essa pluralidade de pedidos e de causas de pedir. A CLT foi feliz ao requisitar

apenas identidade de partes e de causa de pedir. Vamos imaginar que somos trabalhadores na

mesma linha de fábrica. Temos a pretensão de que a iluminação não é suficiente segundo as

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 54: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 54

normas regulamentares do Ministério do Trabalho e Emprego para o desempenho saudável da

atividade laboral. Todos os trabalhadores estão nas mesmas condições, com insalubridade

decorrente da insuficiência de iluminação e postulam o adicional de insalubridade decorrente.

Existe identidade de partes e também identidade de matéria nessa pretensão. Isso seria

diferente se um requeresse dano moral, outro horas extras e outro adicional noturno. Nesse

caso, não há mais identidade de matéria, o que não justifica a reunião. A reunião é uma

questão de economia processual. Mas há outro argumento, também, de política judiciária:

qual é a vantagem de julgar todas essas lides todas no mesmo processo? O bom e velho

argumento da segurança jurídica para a isonomia. Seria indesejável que o trabalhador A

vencesse a ação e o B perdesse.

Falamos do litisconsórcio ativo. Vamos falar, agora, sobre o litisconsórcio passivo, em

que há pluralidade de réus, não de autores. O exemplo mais cotidiano no foro trabalhista

envolve a intermediação de mão de obra, a chamada terceirização. Na terceirização há uma

triangulação de empregadores ou de empresas, que mantêm entre si um vínculo de natureza

mercantil, em que uma dada empresa é contratada para prestar serviços para a tomadora e

celebra uma relação de contrato empregatício com o trabalhador, nos termos do art. 3º da

CLT. Qual é a responsabilidade que tem o tomador, nesse esquema de terceirização? Ele não

é o empregador. Vamos tomar como exemplo a UFPR, que terceiriza o serviço de

conservação, segurança e limpeza. A UFPR não é empregadora dessa empresa. Não há

vínculo de emprego entre a UFPR, a empresa e os trabalhadores, mas a UFPR tem uma

responsabilidade trabalhista, que é subsidiária no caso de inadimplemento por parte da

prestadora de serviços. Há uma circunstância recente, de que é preciso, para que haja

responsabilidade trabalhista, culpa da pessoa jurídica de Direito público. Nesse caso, a ação

trabalhista deve aparecer com litisconsórcio passivo, ou seja, haver o empregador e o

tomador dos serviços, para condenação subsidiária. Isso deve ser feito no momento do

ajuizamento da ação, sob pena de não se fazer essa responsabilidade posteriormente.

Frequentemente, essas empresas de terceirização acabam não pagando em decorrência de

fragilidade econômico-financeira.

Substituição processual

Aqui é uma hipótese de legitimação extraordinária em que o sindicato aparece em

nome próprio postulando direito alheio. O sindicato, na representação da categoria,

comparece em Juízo em nome da categoria para reivindicar direitos trabalhistas. Esse assunto

foi alvo de diversas variações na jurisprudência, mas, por interferência do Supremo Tribunal

Federal e aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, admite-se, agora, a

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 55: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 55

defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos pelo sindicato, nos termos do art. 81 do

CDC:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas

poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares

pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,

categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por

uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os

decorrentes de origem comum.

Nessas circunstâncias, e particularmente no caso de direitos individuais homogêneos,

permite-se que o sindicato aja em nome dos trabalhadores, que é o exemplo da nossa linha de

montagem com deficiência de iluminação.

A par da substituição pelo sindicato, outra hipótese que o Direito Processual do

Trabalho apresenta é a substituição processual pelo Ministério Público do Trabalho. Diz o

art. 6º da Lei Complementar n. 75/93:

Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos,

relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao

idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos

e coletivos;

É um espectro amplo, que permite também ao Ministério Público do Trabalho, no caso

de antijurídico trabalhista, figurar como substituto processual, e até de maneira muito mais

ampla do que aquela restrição nos direitos individuais homogêneos ou coletivos dos

sindicatos.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 56: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 56

Intervenção de terceiros

Numa hipótese de legitimação extraordinária, num raciocínio típico de economia

processual, a parte que não figura na relação processual pode ser convocada em decorrência

de algum tipo de pertinência com a situação litigiosa, se atendidas as condições legais,

passando a figurar nessa relação processual. A finalidade é com um único processo resolver

toda a solução litigiosa envolvida. É uma situação bastante rica, complexa, no Processo Civil,

mas no Processo do Trabalho é mais simples, porque normalmente se impede a intervenção de

terceiros no Processo do Trabalho. Imagine-se que o trabalhador terceirizado, do nosso

exemplo anterior, mova ação não contra o prestador de serviços, mas contra o tomador, contra

a UFPR. A Universidade diz que não tem relação com esse sujeito, mas apenas com a

empresa; tem apenas um contrato mercantil com a empresa terceirizada. Eventualmente, a

parte pode formular uma das figuras da intervenção, no caso a denunciação da lide, para dizer

que não deve, mas, sim, a empresa de terceirização. Isso desembocaria numa lide não

empregatícia entre duas empresas. A empresa terceirizada pode dizer que nem conhece aquele

sujeito. Por isso, a jurisprudência vinha entendendo que essa circunstância provoca a

formação de uma lide não empregatícia, que fugiria à competência da Justiça do Trabalho.

Mas a jurisprudência trabalhista evoluiu, particularmente no Tribunal Superior do Trabalho,

dizendo que essa hipótese de não ser lide empregatícia é rara, e é acessória, decorrente de uma

postulação trabalhista por parte do empregador, justificando a existência da denunciação da

lide. Claro que o ideal seria o empregado indicar a empresa terceirizada como empregador,

responsável principal, e a Universidade com responsabilidade subsidiária.

19.05.2014 – Segunda-feira

Atos procedimentais

Na aula passada vimos a matéria sobre as partes. Terminamos as características, a

principiologia e a competência. Acabamos a teoria geral do Processo do Trabalho. Daqui para

frente, veremos atos procedimentais. Vamos estudar as partículas da relação processual e o

seu encadeamento no curso do processo.

Petição inicial

Qualquer relação processual vai se iniciar com uma petição inicial: ato postulatório,

em que uma das partes vai a Juízo para acionar o aparato judicial, dando início à atividade de

tutela jurisdicional e exercendo um direito fundamental, invocando a tutela jurisdicional do

Estado frente à Justiça do Trabalho. O tema está regulado no art. 840 da CLT:

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 57: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 57

Art. 840 - A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

Essa redação tem uma linguagem ideológica do legislador trabalhista. A reclamação

pode ser escrita ou verbal. Vimos como características do Direito Processual do Trabalho o

tema da capacidade postulatória da parte. Ela pode aparecer desacompanhada de advogado.

Sabia o legislador da época que 60% da população brasileira eram de analfabetos. Era uma

população ágrafa. Se, por um lado, dispensava-se o advogado, não se podia exigir que a parte

comparecesse com um documento escrito para invocar a tutela jurisdicional. Então, foi aberta

outra possibilidade, permitindo que a parte comparecesse perante o órgão jurisdicional,

batesse no balcão e dissesse que foi procurar seus direitos. Isso seria suficiente para acionar

todo o complexo de obrigações públicas.

Continua o § 2º:

§ 2º - Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em 2 (duas) vias

datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber,

o disposto no parágrafo anterior.

O legislador cogitou dessa hipótese, da parte desacompanhada de advogado, sem a

possibilidade de apresentar petição inicial escrita, invocando o auxílio do funcionário para

isso. A pretensão deveria ser reduzida a termo. Um ato processual convertido por escrito por

um agente público. A autuação seria feita por um agente público. O ato processual em si foi a

pretensão deduzida. Cabe ao funcionário documentar essa situação, tentando dar um formato

jurídico e processual a essa postulação, particularmente quanto aos três traços característicos

que individuam uma ação: partes, pedido e causa de pedir. O servidor deveria identificar a

parte autora, a parte ré, a causa de pedir e os pedidos, sem necessidade do formato burocrático

que uma peça apresentada pelo advogado devesse ter. Faz-se uma referência à petição inicial

escrita do § 1º do art. 840, mas não há como cogitar de requisitos de uma petição inicial

escrita no sentido da inépcia dessa peça. A figura da apresentação verbal não é mais acionada

com tanta frequência, por várias razões, como a assistência sindical (a Lei n. 5.584 impôs ao

sindicato a obrigação de oferecer um advogado – muito provavelmente, o servidor dirá ao

trabalhador para ir ao sindicato). Por outro lado, o próprio trabalhador pode contratar um

advogado particular, e hoje não mais há falta de advogados como havia. Também há a questão

dos meios tecnológicos dos processos digitais, permitindo à parte contornar essas alternativas.

Mencionamos essas peculiaridades ideológicas e pragmáticas do legislador de 1943,

que talvez possam ressuscitar hoje em dia, no sentido da simplificação dos atos processuais.

Diz o § 1º do artigo 840 sobre a peça escrita:

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 58: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 58

§ 1º - Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do

Presidente da Junta, ou do juiz de direito a quem for dirigida, a qualificação

do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que

resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu

representante.

Quem comparar esse parágrafo com o artigo 282 do Código de Processo Civil, mesmo

no caso da petição escrita, perceberá que o legislador da CLT foi bastante dietético em termos

de requisitos. Foi bem menos exigente. O professor prefere uma petição com quatro fases:

1) Endereçamento – a parte indica a autoridade jurisdicional que considera

competente para processar esse ato processual e os sucessivos, a autoridade que vai captar

essa peça processual, sendo importante a competência material e a territorial para tanto. Por

que razão a tradição cartorial coloca essa informação com destaque no corpo da petição

inicial, no cabeçalho? Para que essa peça vá para o lugar certo. Para que uma autoridade que

não seja destinatária possa encaminhar para o local correto. Claro que, hoje, isso é old

fashioned, se consideramos os processos eletrônicos.

2) Identificação de partes – autor e réu: quem deduz a pretensão e em face de quem

se deduz a pretensão. A CLT não indica requisitos específicos para essas identificações. Não

há, segundo a CLT, necessidade de indicar número da CTPS, do CPF etc. No processo digital

é preciso que haja toda essa identificação. Mas o problema do Processo do Trabalho não é

esse. Há circunstâncias em que o trabalhador não consegue identificar quem seja seu

empregador.

Vamos usar dois exemplos.

Um de Germinal, de Émile Zola, um livro antigo, que trata, a rigor, de um tema

trabalhista. Trabalhadores numa mina, no auge da Revolução Industrial na Europa

continental. É uma cena dramática, que leva a um movimento grevista. Os trabalhadores não

sabem nessa obra clássica quem é seu efetivo empregador. Sabem que trabalham numa mina,

mas não sabem quem é o dono, o titular daquela atividade empresarial. Isso não é distante de

certas realidades, até hoje. É um exemplo um pouco mais refinado.

Há outro exemplo bem mais prosaico, da época em que o professor era estudante de

Direito. Naquele tempo, os estagiários podiam realizar atos postulatórios na Justiça do

Trabalho. Sentia-se um semideus. Foi para o interior. Há uma modalidade de prestação de

serviços chamada boia-fria. São trabalhadores que prestam serviços em diversas atividades

rurais, conforme o fluxo sazonal: plantio, ceifa de mato, colheita etc., de acordo com a safra e

os cultivos da região. Como se chama o intermediário que contrata boias-frias? O gato. Esse

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 59: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 59

gato faz a arregimentação dos trabalhadores de boia-fria e intermedeia a contratação com a

fazenda, com a empresa rural, normalmente sendo o responsável pelo setor de transporte. Às

vezes, o ritmo de trabalho é tão intenso nas épocas de maior demanda que esse gato precisa

subempreitar, contratar outro intermediário, um subintermediário. Como é chamado esse

subintermediário? Subgato ou gatinho. Em Jaguariaíva, ninguém sabia o nome verdadeiro do

gato, mas todos sabiam que ele residia num Volkswagen. Ele vivia naquele lugar, e, por isso,

era chamado de Zé do Fuqui. O oficial de Justiça conseguia fazer a diligência com facilidade

por causa disso. E havia uma peculiaridade nessa região, que era de colonização holandesa,

em que havia certos empregadores com nomes tão complicados, impronunciáveis, que seriam

ditos alguns parecidos, para fazer a identificação.

Tudo isso foi considerado pelo legislador, quando trouxe esse requisito aberto.

3) Fundamentos – a causa de pedir, envolvendo, por exemplo, tempo de prestação de

serviço, remuneração, jornada de trabalho, acidente de trabalho ou doença profissional, dano

moral etc.

4) Pedido – o requerimento condenatório propriamente dito. Assim como há diversas

causas de pedir e diversos pedidos, o pedido será, também, muito provavelmente, de natureza

condenatória. Não é frequente haver pedidos somente declaratórios ou constitutivos, ou um

único pedido. Pode ser que o único pedido seja de declaração de que houve relação de

emprego. Pode ser uma ação meramente declaratória para fins previdenciários. Ou,

eventualmente, esse pedido declaratório terá consectários condenatórios (13º, FGTS, férias

etc.), mas a regra é de pedidos múltiplos e de natureza condenatória. E essa multiplicação dos

pedidos nas Reclamatórias Trabalhistas é decorrente da não compatibilidade no Processo do

Trabalho com o princípio da sucumbência. Não vige no Processo do Trabalho o princípio da

sucumbência, o que prejudica o empregador honesto. Se houvesse sucumbência, e o

trabalhador reclamante faz 20 pedidos e perde em 19, deveria pagar honorários para a parte

contrária. O fato de ganhar um único pedido não deveria ser suficiente para isso. Não é o

caso, porque não vige, no Processo do Trabalho, o princípio da sucumbência.

Por fim, a autenticação, a data e a assinatura do emissor da peça. Nada impede que

seja o reclamante. Pode ser que ele tenha condições para redigir essa petição inicial. Na

maioria dos casos, o signatário será o advogado, no exercício de sua capacidade postulatória,

facultativa, juntamente com a procuração, pelo menos com os poderes da cláusula ad judicia.

Considerados esses requisitos, e fazendo um confronto com os requisitos na petição

inicial do Código de Processo Civil, pode-se dizer que não há necessidade de:

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 60: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 60

Fundamentação concisa – uma especificação mais profunda da causa de pedir. Isso

por uma razão orgânica do Processo do Trabalho. Não há razão para indicar o fundamento

legal do reflexo das horas extras em DSR ou do reflexo das horas extras e DSR em férias, 13º

salário e aviso prévio. Basta fazer referência ao cabimento dessas verbas. Isso porque a

petição inicial é redigida por um profissional especialista e endereçada a outros dois

profissionais especialistas: o advogado da parte contrária e o Juiz do Trabalho. Aqui, a

consequência de um Juízo especializado deve sobrepujar qualquer tipo de delonga

desnecessária. A concisão é algo cada vez mais esperado. Claro que se a tese for mais ousada,

inovadora, merece maior aprofundamento.

Indicação do valor da causa – aqui é preciso fazer um alerta. Estamos estudando a

petição inicial do procedimento ordinário trabalhista. Temos ritos procedimentais

diferenciados, assim como no Processo Civil. Na área trabalhista temos o procedimento

ordinário, sumário e sumaríssimo. Neste último, é preciso pedido líquido e indicação do valor

da causa.

Pedido de citação da parte contrária – a citação é um ato automático, um ato

administrativo realizado automaticamente pela Secretaria da Vara do Trabalho.

Inépcia da petição inicial

Vistos os requisitos e os não requisitos, vamos falar da possibilidade, bastante rara, de

inépcia da petição inicial, prevista no art. 295 do Código de Processo Civil. Apesar de indicar

requisitos, a CLT não fala em inépcia da petição inicial, ou seja, uma petição inicial que não

preencha o pressuposto processual da aptidão.

Art. 295. A petição inicial será indeferida:

I - quando for inepta;

Parágrafo único . Considera-se inepta a petição inicial quando:

I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

Aqui, a petição inicial é mal redigida e não permite uma compreensão apropriada. Há

um exemplo saboroso sobre essa circunstância, de uma petição inicial em que havia três

reclamantes, um litisconsórcio ativo, contra uma dada empresa. A deficiência da petição

inicial é que se referia sempre a ambos. O advogado disse que não teria escapatória, porque

seria inepta essa petição, apresentando a arguição com a contestação. O Magistrado examinou

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 61: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 61

a peça e disse: onde constam ambos entenda-se não ambos os dois e sim ambos os três ou

trambos, com o perdão do vernáculo. Sanada a inépcia, pelo menos da petição inicial.

III - o pedido for juridicamente impossível;

IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.

São todas circunstâncias perfeitamente factíveis na realidade do processo do trabalho

também. Isso não é estranho. Todavia, a redação como está posta e a própria técnica

processual impõem um cuidado que, no caso trabalhista, está encartado na Súmula n. 263 do

Tribunal Superior do Trabalho:

SUM-263 PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. INSTRUÇÃO

OBRIGATÓRIA DEFICIENTE

Salvo nas hipóteses do art. 295 do CPC, o indeferimento da petição inicial,

por encontrar-se desacompanhada de documento indispensável à

propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é

cabível se, após intimada para suprir a irregularidade em 10 (dez) dias, a

parte não o fizer.

Há uma classificação do Processo Civil que fala da inépcia substancial ou

incorrigível e da inépcia não substancial ou corrigível. Quando o Juízo constatar que há

possibilidade de conserto deve abrir sempre um prazo de 10 dias, para dar possibilidade de

emenda, de correção.

Uma circunstância que já tratamos na aula anterior, sobre identidade de partes, quando

houver identidade de matéria, conforme art. 842 da CLT, vimos um exemplo sobre colegas de

trabalho em chão de fábrica que têm a pretensão do reconhecimento de insalubridade do local

de trabalho e o consequente pagamento do adicional decorrente. Mas imaginem uma situação

distinta, em que alguns querem adicional de insalubridade e a outra metade quer horas extras,

e essa petição inicial vem como litisconsórcio nessa mistura, nessa salada processual. A

consequência, nessa circunstância, é a inépcia. Claro que o Juízo deve abrir prazo para

emenda, e nessas circunstâncias, depois de receber o pedido e acabar o prazo, o Juiz deve

considerar que o processo não deve ser totalmente extinto sem julgamento de mérito. Deve ser

extinto em relação àqueles reclamantes que não atendem ao requisito da identidade da

matéria, com violação do art. 842 da CLT. Um pressuposto essencial da petição inicial não é

atendido por esses reclamantes, mas isso não ocorre em relação à petição inicial como um

todo. A extensão do vício deve ser restrita, ou seja, o Juízo deve levar em consideração

somente esses reclamantes, devendo o processo ser extinto sem resolução de mérito

relativamente a eles.

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 62: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 62

Aditamento da petição inicial

Aditamento da petição inicial significa adicionar pedido ou causa de pedir. Pode ser

que o reclamante compareça perante seu procurador, dizendo que não recebe horas extras na

empresa em que trabalha. O empregador, quando recebe a petição inicial dessa ação movida

contra ele, manda embora esse trabalhador. Então, o trabalhador conta esses novos fatos e

pretensões que devem ser apresentadas. No Processo Civil, qual é o limite cronológico para o

acréscimo de pedidos e de causas de pedir? A citação, quando se triangulariza a relação

jurídica processual. O processo do trabalho se compatibilizaria com o art. 294 do Código de

Processo Civil. Todavia, na prática, esse trabalhador terá de entrar com nova Reclamatória

Trabalhista, contra o mesmo empregador, e essa Reclamatória Trabalhista será reunida à

reclamatória anterior, de modo de que o art. 294 não deveria ser compatível com o Processo

do Trabalho. Essa realidade de distribuição por dependência acaba tendo efeitos mais intensos

do que no Processo Civil.

Diz o art. 783 da CLT:

Art. 783 - A distribuição das reclamações será feita entre as Juntas de

Conciliação e Julgamento, ou os Juízes de Direito do Cível, nos casos

previstos no art. 669, § 1º, pela ordem rigorosa de sua apresentação ao

distribuidor, quando o houver.

Por que distribuir quando houver? Nos casos de foros plúrimos, quando há mais de

uma Vara do Trabalho. A petição inicial vai passar por um órgão prévio, para recepcioná-la e

encaminhar a uma Vara competente. A simples distribuição da petição inicial gera dois efeitos

automáticos no Processo do Trabalho: a expedição da notificação da parte contrária e a

designação de audiência. Tudo isso administrativamente pela Secretaria, sem despacho

prévio de recepção da petição inicial. O Juízo só será apresentado à petição inicial e ao litígio

em si, à relação processual, futuramente. Tudo isso será apenas consequência administrativa

da simples distribuição da petição inicial. Haverá a expedição de notificação da parte

contrária, que o Processo Civil chama de citação. Na verdade, rótulos diferentes para o

mesmo frasco. Termos distintos para o mesmo ato processual. E há, então, designação da

audiência. É a primeira vez que vamos falar desse fenômeno processual, que é o núcleo

existencial do processo do trabalho. A rigor, todo o drama processual ocorre neste palco, da

audiência designada a partir dessa data.

Notificação

O art. 841 da CLT diz:

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 63: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 63

Art. 841 - Recebida e protocolada a reclamação, o escrivão ou secretário,

dentro de 48 (quarenta e oito) horas, remeterá a segunda via da petição, ou

do termo, ao reclamado, notificando-o ao mesmo tempo, para comparecer à

audiência do julgamento, que será a primeira desimpedida, depois de 5

(cinco) dias.

E o § 2º:

§ 2º - O reclamante será notificado no ato da apresentação da reclamação

ou na forma do parágrafo anterior.

Essa data designada impõe a ciência tanto ao réu que recebe a notificação quanto ao

autor, que deverá comparecer. Essa responsabilidade é do próprio reclamante. Não haverá

intimação especial dele para comparecer à audiência inicial.

Sobre a notificação, ela tem esse nome por duas razões. Para distinguir o Processo do

Trabalho do Processo Civil e porque o Processo do Trabalho fez uma opção bem sucedida

pelo carteiro em detrimento do oficial de Justiça. O legislador da época parece que tinha um

senso de realidade bastante aguçado. E há uma característica interessante daquele tempo.

Dizia-se que no Brasil havia três coisas que funcionavam: o jogo do bicho, a igreja e o

correio. Eram as três instituições, do nosso país, que funcionavam. Mas vejamos como

vivemos tempos de desagregação. O jogo do bicho, depois do tráfico, perdeu completamente

a credibilidade. A igreja já teve bons tempos, dos rigores do Papa João Paulo II, apesar de

estar se recuperando. E o correio, depois da terceirização, não é mais o que foi antigamente.

Era uma instituição que tinha um refinamento, um grau de credibilidade impressionante. A

verdade é que essa opção que se fez por notificação postal teve resultados extraordinários: a

eficiência em si e o custo. Um ato muito menos oneroso e que acabava por gerar resultados

excepcionais. Essa notificação tem uma peculiaridade: não é ato personalíssimo, diferente da

citação pelo oficial de Justiça. O único requisito é que chegue ao endereço correto da

empresa. É uma versão processual da teoria da aparência.

26.05.2014 – Segunda-feira

Estávamos analisando na aula anterior a notificação no Processo do Trabalho. Aquilo

que o Processo Civil chama de citação foi alterado para notificação, no Processo do Trabalho.

Estávamos concluindo essa observação, e precisamos concluir.

Essa notificação citatória não é um ato personalíssimo, ou seja, não precisa chegar às

mãos do representante legal da empresa para que se aperfeiçoe. Basta chegar ao endereço

da empresa para que seja presumida perfeita. É uma presunção relativa, que, em certas

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 64: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 64

circunstâncias, pode configurar certo tipo de subversão. A notificação pode ter chegado à

portaria do prédio e ser extraviada. Se isso ocorrer, cabe à empresa comprovar o desvio.

Nessas circunstâncias, a presunção deve sucumbir à realidade. De qualquer forma, essa

circunstância cria uma aptidão funcional grande para o ato. O próprio empregador toma as

devidas providências para captar essas correspondências. Esse sistema acabou por inspirar o

Processo Civil, notadamente nos ritos mais sumários. O que há de virtude nesse sistema é a

originalidade com que foi concebido.

Uma referência a esse tipo de presunção está na Súmula n. 16 do TST:

SUM-16 NOTIFICAÇÃO

Presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua

postagem. O seu não-recebimento ou a entrega após o decurso desse

prazo constitui ônus de prova do destinatário.

Por esse verbete, o Tribunal Superior do Trabalho presume que a notificação foi

entregue 48 horas depois de sua postagem, cabendo ao destinatário uma prova diversa.

Com isso, concluímos o ponto da notificação. Vamos seguir o caminho do rito

procedimental trabalhista. Temos a petição inicial, a notificação e depois a audiência.

Audiência

Há uma importante característica na audiência do Processo do Trabalho, que é a

concentração. A partir de agora todos os atos procedimentais serão condensados, realizados

dentro desse ambiente processual. Tudo, a partir de agora, exceto algumas excepcionalidades

destacadas, que devem ser realizadas fora do ambiente forense, como a prova pericial, fora

isso, todos os atos serão realizados na audiência, inclusive a própria prolação da sentença. Isso

é a marca da economia processual e a simplificação do procedimento. Já pontuamos isso

quando vimos a capacidade postulatória da parte, a apresentação da petição inicial verbal e

agora temos essa apresentação de atos na audiência. Aqui, o legislador atesta o realismo. Não

há necessidade de advogado e nem ser alfabetizado para a realização desses atos processuais.

Naquela época, presumia-se que havia pessoas mais simples, um país mais simples e lides

mais simples. O curso das décadas mudou essas premissas, mas as marcas continuam. Há uma

eterna homenagem prestada à simplificação. O próprio advogado pode praticar atos

oralmente. Isso ocorre, inclusive, com a gravação audiovisual das audiências.

Uma característica da audiência é a continuidade. O art. 849 da CLT é o nosso ponto

de partida:

Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Novelli
Highlight
Page 65: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 65

Art. 849 - A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for

possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz ou

presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida,

independentemente de nova notificação.

Na verdade, o legislador poderia ter chamado apenas de audiência e não audiência de

julgamento. Ao falar isso, ele diz que todos os atos serão realizados na audiência, sucessiva e

imediatamente, de maneira que haveria uma única audiência. Era também isso que tinha

imaginado o legislador de 1940. Uma versão tupiniquim do day on the Court. Muitos

reclamantes ficavam emocionados com a prestação jurisdicional trabalhista, com a atenção

dispensada a esses trabalhadores. O hipossuficiente está numa situação um pouco menos

vulnerável. A base do nosso sistema para essas pessoas é como rés em ações criminais ou em

ações possessórias.

Há uma circunstância prática importante, para demonstrar como o custo do tempo

precisa alterar certas premissas materiais que inspiraram o legislador de 1940. Essa audiência

seria indivisa, em que todos os atos processuais seriam realizados. Com exceção da petição

inicial, todos os atos estariam concentrados na audiência. Na prática, não é essa a realidade no

foro trabalhista de hoje em dia. A audiência dificilmente é una. A parte recebe uma

notificação, em que as partes sairiam da audiência com uma sentença ou com um acordo. Isso

não acontece mais, na prática. Hoje, há uma classificação meio fordista para as audiências,

distanciando-se do modelo que a CLT prevê.

A audiência é fracionada em três seguimentos. Existe a audiência inicial, a audiência

de instrução e a audiência de publicação da sentença. Nos próprios editais isso pode ser

percebido: audiências iniciais, de instrução e no fim da semana as audiências de publicação da

sentença. Isso não consta na lei. É uma técnica de fracionamento da audiência. Para contornar

a literalidade do art. 849, diz-se que a audiência é única, mas é interrompida para seguir

alguns dias, semanas ou meses depois. Mas a audiência é a mesma. Aqui há uma

circunstância interessante. Como a lei fala em audiência contínua, em alguns foros,

particularmente de acordo com o entendimento do titular da unidade judiciária, essa técnica

de fracionamento não é utilizada, voltando-se à audiência una do art. 849. Isso é comum nos

foros de menor movimento, nos foros de atividade rural mais intensa. As dificuldades de

deslocamento, deficiências nos meios de transporte justificam essa audiência única, não

apenas para partes e advogados, mas também as testemunhas. A dificuldade é congregar todas

essas pessoas numa única audiência.

A audiência fracionada tem algumas vantagens, considerada a premissa da

complexidade maior das ações no meio urbano e no meio contemporâneo. O reclamante

Page 66: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 66

recebe a defesa na audiência inicial. Tem um prazo para se manifestar sobre os documentos.

Na instrução se organizam as técnicas de ataque e defesa. O próprio Juiz pode ter sua

organização. E pode haver uma chance de acordo mais intensa nas audiências iniciais. Esse

sistema de fracionamento é mais apropriado para a realidade urbana e para litígios mais

complexos. O sistema de audiência una parece ser virtuoso no meio rural ou quando as

audiências tendem a ser menos complexas. O tema probatório é menos denso, justificando

esse sistema que é mais rápido. Na prática, para as partes e advogados, o sistema de audiência

una é um desafio. Para as partes, isso costuma ser um desafio, pelo que esse sistema de

audiência fracionada acabou se impondo nas Varas do Trabalho do país. Então, é preciso

saber qual é o tipo de técnica que a Vara em questão adota. Esse sistema evoluiu em

decorrência dos imperativos práticos. Não é o que diz a lei. A jurisprudência adota as duas

técnicas, porque não há prejuízo às partes.

A outra característica é a da oralidade. Os atos, a rigor, são praticados verbalmente,

inclusive contestação, defesa e a própria sentença. O que se esperava naquele tempo é que o

Magistrado proferisse a decisão e depois de 48 horas juntasse aos autos a ata de audiência

com um resumo dos atos e mais a própria sentença, aí sim com o detalhamento necessário. O

que prevalece é que os atos são produzidos verbalmente pela parte e seu advogado e reduzidos

a termo pelo Juízo, com o concurso do servidor que está ali para documentar esses atos.

A CLT trata das técnicas de documentação.

Art. 851 - Os trâmites de instrução e julgamento da reclamação serão

resumidos em ata, de que constará, na íntegra, a decisão. (Redação dada

pelo Decreto-lei nº 8.737, de 19.1.1946)

Art. 828 (...) Parágrafo único - Os depoimentos das testemunhas serão

resumidos, por ocasião da audiência, pelo secretário da Junta ou

funcionário para esse fim designado, devendo a súmula ser assinada pelo

Presidente do Tribunal e pelos depoentes.

A CLT insiste que a técnica de transcrição será o resumo.

Aqui, vamos fazer um exercício sobre essa problemática, a exemplo do que alguns

alunos estão fazendo, assistindo a aula e fazendo anotações. Alguns adotam esse tipo de

sistema. Existem certas Turmas que têm um sistema organizado, há pessoas que fazem

transcrição. Na época do professor havia um caderno oficial da Turma. Já viu isso ser

apresentado como meio de prova perante o professor. Hoje em dia, com a informática,

evoluiu. Na época do professor havia uma verdadeira procissão ao xerox. Às vezes, até se

sequestrava, furtava-se o caderno do colega. Claro que hoje em dia com informática isso fica

resolvido. É bem provável que haja dezenas de versões distintas do conteúdo da aula que está

Page 67: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 67

sendo lecionada. Algumas mais próximas, outras nem tanto. E aqueles que já assistiram

audiências percebem o quanto isso é sutil e, por outro lado, decisivo na imensa maioria das

ações. E essa realidade vale não apenas para o Processo do Trabalho, mas para qualquer ramo

que tenha de se valer particularmente da prova oral, de testemunhas. Uma afirmação que

agrada ao professor é: o núcleo existencial do Direito Processual do Trabalho, onde as

circunstâncias vão se resolver. A subjetividade nessas transcrições é muito intensa, muito

carregada. Aquela história da subsunção, em que o Juiz examina os fatos, coleta o Direito e, aí

sim, decide, é algo profundamente desumano. É típica, por características neurológicas do

cérebro, essa tendência de fazer julgamentos já na abertura do processo. Nessa hora, esses

matizes hão de estar marcados sempre. A transcrição dos atos da audiência acaba sendo

diferente do que efetivamente ocorreu. Há essa perda de domínio, de referência subjetiva que

o processo vai encontrando, principalmente o processo trabalhista, que depende de prova oral.

Isso ocorre em qualquer área. Esse termo passa a se materializar como a verdade dos autos.

Claro que hoje as técnicas de registro audiovisual podem contribuir bastante.

Por fim, como última característica, todas elas complementares, há a imediatidade.

Uma das grandes virtudes da audiência é a proximidade física do Juiz com as partes, com os

advogados e com o desenrolar do drama processual. Os procedimentos que priorizam os atos

verbais têm esse tipo de virtude. Imediatidade não significa identidade física do Juízo.

Presenças

Diz o art. 843 da CLT:

Art. 843 - Na audiência de julgamento deverão estar presentes o

reclamante e o reclamado, independentemente do comparecimento de seus

representantes salvo, nos casos de Reclamatórias Plúrimas ou Ações de

Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se representar pelo

Sindicato de sua categoria. (Redação dada pela Lei nº 6.667, de 3.7.1979)

Então, requisita a CLT a presença pessoal de reclamante e reclamado, seja

empregado ou empregador. Não há limitação no sentido de que o empregador proponha ação

trabalhista contra o empregado. É uma hipótese rara, mas pode ocorrer. Reclamante não é

sinônimo de trabalhador empregado. Por outro lado, reclamante e reclamado devem estar

presentes na audiência pessoalmente quando forem pessoas físicas.

Contudo, há duas exceções.

Primeiro, nas ações plúrimas, em que o sindicato pode comparecer como

representante na audiência, como representante de todos os reclamantes, até por interesse da

Page 68: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 68

própria empresa. Ao invés de todos os trabalhadores comparecerem à Justiça do Trabalho, o

sindicato aparece com representante em audiência.

§ 2º - Se por doença ou qualquer outro motivo poderoso, devidamente

comprovado, não for possível ao empregado comparecer pessoalmente,

poderá fazer-se representar por outro empregado que pertença à mesma

profissão, ou pelo seu sindicato.

Então, no caso de ações plúrimas ou no caso de motivo poderoso. Se alguém consultar

a CLT, algumas edições colocam o termo ponderoso, o que o Direito Civil chamaria de força

maior: alguma circunstância, algum evento natural que impeça o comparecimento do

trabalhador à audiência. Nessas circunstâncias, pode ser representado por outro colega ou pelo

sindicato. As duas grandes ocorrências no meio urbano são o trânsito, que não é justificativa,

e greve de ônibus, que, essa sim, é justificativa.

No caso do empregador, diz o art. 843, § 1º:

§ 1º - É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou

qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas

declarações obrigarão o proponente.

Então, aqui somos apresentados a uma figura que fez fama no Processo do Trabalho: o

preposto. Uma faculdade assegurada ao empregador de indicar um representante, que pode

ser gerente ou qualquer outro preposto. A jurisprudência encarregou-se de preencher melhor

esse conceito, à luz de demandas práticas, com uma condicionante positiva e outra negativa.

O preposto pode ser qualquer empregado, e não apenas o ocupante de cargo de

representação de pessoa jurídica. O reclamado deve indicar alguém que pertença aos quadros

funcionais da empresa da qual é titular, qualquer um. A finalidade foi facilitar a

representação, não obrigando o deslocamento de um funcionário qualificado, que possa

prejudicar o processo produtivo, mas, por outro lado, sem abrir excessivamente esta

alternativa, para evitar o chamado preposto profissional. Se pudesse ser qualquer pessoa

indicada como representante, o escritório de advocacia ou de contabilidade poderia indicar

essa alternativa indesejável e eticamente duvidosa. Então, o requisito é de que seja

empregado, porém com conhecimento dos fatos. Não precisa ter presenciado os fatos do

litígio, mas conhecer por versões internas na empresa, seus relatórios, mas deve ter

conhecimento dos fatos, sob pena de confissão. Então, esses dois requisitos foram construídos

pela jurisprudência, pela interpretação do art. 843, § 1º.

A jurisprudência acabou por restringir a condição de empregado na Súmula 377:

SUM-377 PREPOSTO. EXIGÊNCIA DA CONDIÇÃO DE EMPREGAD O

Page 69: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 69

Exceto quanto à reclamação de empregado doméstico, ou contra micro ou

pequeno empresário, o preposto deve ser necessariamente empregado do

reclamado. Inteligência do art. 843, § 1º, da CLT e do art. 54 da Lei

Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

Então, duas exceções a essa condição de empregado. O empregador doméstico, que

pode indicar outra pessoa, pois normalmente terá um único empregado ou até envolver

pessoas com dificuldade de deslocamento. Exigir a presença dessa parte seria algo penoso. E

a hipótese da microempresa ou empresa de pequeno porte. Um privilégio legal que o

legislador estendeu a esse tipo de empresa, que, nos termos da Constituição Federal, merece

tratamento discriminado, conforme prevê a Lei Complementar n. 123, de 2006.2

Esse sistema do preposto acabou influenciando, por exemplo, o legislador do Processo

Civil, na Lei n. 9.099, também trazendo a figura do preposto.

Ausências

Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o

arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado

importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.

A CLT indica certas consequências drásticas para a ausência das partes, não tanto para

reclamante, mas muito mais para o reclamado. No caso do reclamante, o arquivamento. Se

fôssemos fazer uma atualização para a terminologia processual contemporânea, extinção do

processo sem resolução de mérito. É uma modalidade trabalhista de perempção. O legislador

trabalhista criou um pressuposto processual de válido prosseguimento da relação processual.

Não do nascimento, mas do prosseguimento válido dessa relação processual. A presença do

reclamante na audiência inicial. No caso do reclamado, a revelia e a confissão quanto à

matéria fática.

Essas consequências ocorrem apenas em relação à audiência inicial, no sistema de

audiência fracionada que vimos (inicial, instrução e julgamento). No caso da audiência de

instrução, a ausência aqui gerará meramente a confissão ficta, tanto para o reclamante quanto

para o reclamando. Aqui, eles estavam ausentes no momento específico da tomada de

depoimento, e a consequência, o ônus processual é distinto. A relação processual está

validamente configurada, e o que ocorre é a ausência da parte para um ato processual para o

2 Art. 54. É facultado ao empregador de microempresa ou de empresa de pequeno porte fazer-se substituir ou

representar perante a Justiça do Trabalho por terceiros que conheçam dos fatos, ainda que não possuam vínculo

trabalhista ou societário.

Page 70: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 70

qual sua presença é absolutamente indispensável. A relação processual vai prosseguir, com a

consequência da confissão quanto à matéria fática.

A ausência do advogado gera alguma consequência? Nenhuma consequência direta,

jurídica. Evidentemente que as consequências práticas podem ser avassaladoras, porque como

a parte detém capacidade postulatória, ela vai realizar os atos do processo na sequência, sem a

companhia de seu assistente técnico. Mas a audiência se instala e prossegue normalmente,

com a parte advogando em causa própria.

Por fim, uma questão interessante, trazida pela Súmula n. 122 do Tribunal Superior do

Trabalho, tratando do atestado médico.

SUM-122 REVELIA. ATESTADO MÉDICO

A reclamada, ausente à audiência em que deveria apresentar defesa, é

revel, ainda que presente seu advogado munido de procuração, podendo

ser ilidida a revelia mediante a apresentação de atestado médico, que

deverá declarar, expressamente, a impossibilidade de locomoção do

empregador ou do seu preposto no dia da audiência.

Essa Súmula tenta resolver uma realidade prática lamentável. O atestado médico não é

documento que goza da máxima presunção de veracidade, um tema que transcende os muros

da ética profissional. É algo que está no campo da subjetividade. O TST, com essa Súmula,

tentando superar essa deficiência ética, impõe um requisito para a validade do atestado

médico, dizendo que ele deve contemplar, expressamente, a impossibilidade de

comparecimento do paciente. Por que a jurisprudência não exige a indicação da doença, da

patologia, do mal que acometeu o paciente ausente ao ato processual? Por questões de ética

médica, ninguém é obrigado a expor seu prontuário, por uma questão de intimidade

constitucional, como direito fundamental. A jurisprudência tentou contornar essa

circunstância, impondo mais um requisito. Evidentemente que é uma tentativa patética, de

fácil superação, mas, ainda assim, é um requisito que a jurisprudência trouxe.

02.06.2014 – Segunda-feira

Conciliação

Vamos examinar a conciliação no Direito Processual do Trabalho, situando essa figura

no roteiro procedimental. Vimos a instalação da audiência, presenças, constatação de

ausências e as consequências disso.

Page 71: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 71

Em termos de roteiro, o processo vai tramitando, e o primeiro ato da audiência após a

sua instalação será o pregão, um ato solene, que caracteriza a convocação das partes, até

porque a partir daí as ausências poderão sofrer sanções. Deve o servidor anunciar a todos os

presentes que se está abrindo audiência no processo número tal, em que é autor fulano e réu

sicrano. A partir daí o Juiz poderá sancionar as ausências. Constatará que as partes estão

regularmente presentes; caso contrário, aplicar-se-ão as consequências do art. 844 da CLT:

Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o

arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado

importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.

Constatada a regularidade das partes, aplica-se o art. 846 da CLT:

Art. 846 - Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação.

Aí, o primeiro ato na presença regular das partes, a primeira tentativa obrigatória

típica, legal de conciliação, antes mesmo do recebimento da defesa e de qualquer incidente

procedimental. O Juiz, usando bons ofícios e persuasão, vai tentar uma conciliação para o

litígio. Essa tentativa é obrigatória para esse momento processual, assim como depois da

apresentação das razões finais. Alguns dizem que o processo seria anulado desde o momento

em que a conciliação não foi feita. O professor discorda dessa ideia. Quando o processo for

eletrônico, normalmente a defesa é apresentada previamente pela via eletrônica. Isso traz

conforto para o reclamante, que já conhecerá os argumentos da defesa e já poderá ter um

prognóstico estratégico a respeito das chances que possa ter.

O professor Valentin Carrion faz uma distinção terminológica. O professor não gosta

muito, mas utilizará para diferenciar algumas figuras.

a) Transação: é a do Direito Civil, do Direito das Obrigações, o negócio jurídico

tendente a evitar, a prevenir ou a por fim a um litígio, mas é, fundamentalmente, um evento

extraprocessual, ou extrajudicial, particularmente quando as partes pretendem evitar um

futuro litígio. Exemplo: ato da vida civil, em que um sujeito autônomo negocia concessões

recíprocas com a parte contrária, envolvendo direitos disponíveis, o que, para nós, em matéria

trabalhista, cria um problema. Não significa que uma transação seja nula absolutamente.

Significa que ela terá um potencial de ineficácia. Não a transação em si, mas o seu efeito

preventivo em relação à quitação geral. Nada impediria, se se tratasse de um contrato de outra

natureza, para evitar algum tipo de confusão, que o sujeito pagasse mil reais e desse quitação

sobre esses mil reais e também em relação a quaisquer outras pretensões desse extinto

contrato. Uma cláusula de quitação geral, de eficácia liberatória plena. Pode ser uma das

cláusulas desse negócio jurídico, dessa transação. A quitação geral de todos os direitos.

Page 72: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 72

Justamente essa eficácia liberatória plena em transação extrajudicial é ineficaz em matéria

trabalhista. O máximo que poderia ocorrer seria uma compensação de valores em ulterior

ação trabalhista. Isso sem falar ainda das comissões de conciliação prévia.

b) Acordo: é um negócio jurídico intraprocessual, celebrado dentro do processo, sob a

proteção, dentro do ambiente protegido do foro trabalhista, e aqui os direitos disponíveis

podem ser negociados. O acordo é judicial. É um negócio jurídico processual, tendente a pôr

fim a uma situação litigiosa.

c) Conciliação: estado psicológico de paz entre os litigantes. Uma coisa meio

evangélica, meio ingênua e que o processo contemporâneo já abandonou faz tempo. Dizer que

a finalidade da tutela jurisdicional é restabelecer a paz social é uma bobagem que só um

desavisado pode falar. O que há é uma tentativa de reequilibrar certa normalidade, mas as

partes nunca ficarão em paz. A jurisdição pode ter inúmeros escopos, mas essa questão da

pacificação social está superada há muito tempo. A supressão do estado de litígio, que a

conciliação almeja, só é possível com uma lobotomia, o corte da região cerebral em que esse

estado de animosidade possa estar presente. Mas é uma obsessão da parte do legislador,

inclusive da própria administração judiciária. Os acordos, no Brasil, são uma mera alternativa

de recuperação de renda. A parte está desesperada, precisa de provisão de fundos, e faz um

acordo que tem muito pouca referência à chance de sucesso ou insucesso da ação. Há uma

frase antiga, muito elegante, que dizia que a boa sentença é um acordo imposto pelo Juízo. É

mais próxima de uma solução de estabilidade psicológica para as partes. E o bom acordo seria

uma espécie de sentença escolhida por ambas as partes. A sentença como um acordo imposto

e o acordo como uma sentença escolhida. Infelizmente, no nosso país, não é assim. Não se

faz um prognóstico da chance de sucesso ou insucesso, e isso se deve, em parte, às decisões

aleatórias da Turma do Tribunal, da Turma do STJ, do TST, com critérios irracionais e

aleatórios.

O acordo, assim como a transação, envolve negócios jurídicos, normalmente

formatado em cláusulas, envolvendo concessões recíprocas celebradas pelos negociantes.

Art. 835 - O cumprimento do acordo ou da decisão far-se-á no prazo e

condições estabelecidas.

Quais seriam as principais cláusulas estabelecidas?

Para o devedor – valor, data do pagamento e o lugar, para caracterizar ou evitar a

mora. Não apenas a quantidade, mas onde e quando. Essa é a principal obrigação do devedor.

Page 73: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 73

Para o credor – dar quitação. É importante detalhar bem qual é a extensão exata dessa

quitação. Normalmente, o que pretende o devedor nessas circunstâncias é ter a certeza de que,

pagando esse valor, não será mais uma vez convocado, ou seja, a quitação ampla, geral e

irrestrita. O voto de silêncio perpétuo em relação às dívidas da extinta relação de trabalho, do

extinto contrato de trabalho ou dos extintos contratos de trabalho. É importante especificar a

extensão dessa quitação, até porque é possível dizer que se está dando quitação em relação a

tal processo, em relação a tais ou quais verbas. Consultando os interesses do reclamado, ele

pode aceitar esse tipo de acordo restrito, envolvendo apenas algumas verbas, algumas

pretensões.

A par disso há uma cláusula acessória importante, que o Código Civil chama de

cláusula penal, que é uma sanção em decorrência do cumprimento inapropriado do acordo,

ou do não cumprimento simplesmente. É muito frequente nessas circunstâncias, para evitar a

mora creditória, que se preveja o pagamento no balcão da Secretaria, em tal hora e dia.

Ausente o reclamante, é feito o pagamento via depósito na conta corrente em determinada

data.

O Código Civil tem duas previsões a esse respeito que são interessantes.

Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode

exceder o da obrigação principal.

A cláusula penal, embora importante, é acessória, e o acessório não pode ultrapassar o

principal, ou seja, 100%.

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a

obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da

penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a

finalidade do negócio.

Essa é uma das disposições que caracterizam um grau de discricionariedade no Código

Civil, permitindo ao Juízo modelar os efeitos da cláusula penal, conforme o grau de

cumprimento da obrigação. Então, o sujeito atrasar apenas um dia e ter uma multa de 100%

seria muito radical. A CLT, todavia, tem um preceito diferente:

Art. 846 (...) § 2º - Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior,

poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo

obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização

convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo. (Incluído pela Lei

nº 9.022, de 5.4.1995)

Page 74: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 74

A CLT, portanto, tem um dispositivo diferente, que fixa duas alternativas pelo

descumprimento. Pode ser de suas formas:

a) um valor estipulado (podendo ser em percentual); ou

b) cumprimento integral do pedido, que é algo radical, que pode superar, em muito, o

valor principal do pedido.

Essa circunstância põe a dúvida de saber se o art. 413 do Código Civil é compatível

com o Processo do Trabalho. Até três semanas atrás, o TRT9 dizia que era compatível,

aplicando o Código Civil. Há duas semanas, porém, mudou o entendimento, passando a

considerar que se aplica a CLT. Ou seja, ainda que haja apenas um dia de atraso, a multa

fixada deve ser aplicada integralmente, sem a modulação de efeitos do art. 413 do CC.

Celebrado o acordo, o efeito, no Processo Civil, é a extinção do processo com

resolução de mérito, ou seja, é um equivalente da tutela jurisdicional em sentido estrito,

presumindo o exame e uma decisão homologatória do Juízo. O Juízo que recebe o acordo com

essas cláusulas vai sujeitá-lo a um critério de legitimidade. Celebrado um acordo, fato gerador

de dois tributos, há incidência desses tributos, devendo o Juízo levar isso em consideração.

Não raro, as partes comparecem com algum tipo de pretensão abusiva. Por exemplo, um

bancário celebra um acordo no valor de 01 milhão de reais e as partes afirmam que esse valor

está sendo pago com caráter meramente indenizatório, não estando sujeito à incidência nem

de imposto de renda e nem de contribuição previdenciária. Por outro lado, nem o Juízo e nem

a agência de rendas vão aceitar esse tipo de proposta. O que se deve fazer é um cotejo com a

petição inicial para verificar qual é a proporção dos pedidos de natureza salarial e dos pedidos

de natureza indenizatória, para tentar fazer uma declaração dessa natureza, sem forçar os

limites da legalidade.

Se o Juízo, ao submeter esse acordo a exame, constatar que ele é legítimo, vai

homologá-lo, o que gerará efeitos de coisa julgada, nos termos do art. 831, parágrafo único,

da CLT:

Art. 831 (...) Parágrafo único . No caso de conciliação, o termo que for

lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social

quanto às contribuições que lhe forem devidas. (Redação dada pela Lei nº

10.035, de 25.10.2000)

A decisão homologatória equivale a uma decisão irrecorrível. Produz efeitos

imediatamente. Dada essa dupla circunstância, de se tratar de uma sentença de mérito, de

uma decisão irrecorrível, nos termos do art. 831, e se há algum tipo de vício no acordo,

Page 75: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 75

extraído mediante erro, dolo ou coação, se o trabalhador foi ludibriado, o remédio processual

cabível nesse caso é a ação rescisória, para desconstituir a coisa julgada material. Há algum

tipo de subversão, desafiando a ação rescisória.

Além desse exemplo de coação, temos outros mais frequentes. Temos a ação

trabalhista fria, a ação simulada, cogitada no artigo 129 do Código de Processo Civil,3 em que

as partes usam o processo com fins escusos. É o caso do empregador que paga as verbas

rescisórias se o trabalhador for até o escritório do advogado, passar uma procuração para

entrar com uma ação fria e fazer um acordo em Juízo. A ação, a rigor, visa iludir os direitos

trabalhistas do próprio empregado. O que o empregador está buscando é a segurança da coisa

julgada material com o acordo homologado. O remédio para o reclamante seria,

posteriormente, demonstrar, pelos indícios ou pelas provas que possa produzir, que foi alvo

desse tipo de subversão. Espera-se que o próprio Juízo que se aperceba dessa situação no

momento da homologação. Se vier um acordo no dia seguinte ao do ajuizamento da ação, é

sinal de que há algo de muito podre no Reino da Dinamarca.

Outro caso também em que a ação fria se oportuniza é quando visa ludibriar direitos

de outros credores. Por exemplo, quando uma empresa está em estado pré-falimentar e simula

uma ação trabalhista com um empregado de confiança, que entra com uma ação trabalhista e

fazem um acordo no valor de um zilhão de reais, dizendo que se trata de verba decorrente de

acidente de trabalho ou doença profissional, uma verba alimentar. Posteriormente, numa

falência, num concurso de credores, esse crédito é superprivilegiado e se sobrepõe a todos os

outros. Os outros credores também terão de se socorrer da ação rescisória para tentar superar

esse ardil coadjuvado pelo autor e pelo próprio réu. Claro, espera-se que antes da

homologação o próprio Juízo se aperceba dessa situação e aplique o art. 129 do Código de

Processo Civil, extinguindo o processo sem resolução de mérito.

Principalmente no acordo frio, o prazo para ação rescisória é decadencial, e a parte

fica sabendo anos depois sobre isso. Mas há uma tese heroica dizendo que o vício não é de

mera invalidade. Como não há lide, a ação sequer existiu, e o vício da inexistência pode ser

arguido por ação declaratória de inexistência a qualquer tempo. É um remédio adotado e, às

vezes, até acatado em situações extremas. Ultrapassa-se uma lógica formal para fazer maior

justiça nesses casos.

3 Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo

para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.

Page 76: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 76

Defesa

No passo processual seguinte, depois da primeira tentativa de conciliação, o art. 847

da CLT fala da defesa:

Art. 847 - Não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir

sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada

por ambas as partes. (Redação dada pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995)

Antes do oferecimento da contestação, o legislador indicou a circunstância da

possibilidade de que o reclamado solicite a leitura da petição inicial. Por que o legislador

trouxe essa faculdade? Por conta do analfabetismo da época, a fim de conhecer quais

pretensões estariam sendo deduzidas em face dele. Superadas essas circunstâncias, vai

adiante, facultando ao reclamado apresentar contestação verbal, pelo prazo de 20 minutos.

Então, a parte, analfabeta, sem advogado e sem contestação escrita, iria se pronunciar

verbalmente, e essa argumentação toda seria reduzida a termo pelo Juízo, por intermédio do

servidor ali presente. Esse é o modelo cogitado pelo legislador lá nos primórdios da CLT. O

curso do tempo impôs uma alternativa distinta, uma novidade para a época, que hoje é mais

frequente. As partes, por intermédio de seus advogados, já trazem um documento escrito, que

traduz a sua contestação. Não chega a ser a resposta do réu, do Processo Civil, mas muito

mais um memorial remissivo que a parte apresenta nesse momento, ao invés de fazer uso da

palavra em 20 minutos. Algo interessante para o reclamado, que já elabora uma estratégia

racional. Para o Juízo também é interessante, que economiza 20 minutos de uma modorrenta

leitura. O próprio reclamante é beneficiado, porque recebe uma peça organizada. Então, na

prática, esse procedimento já foi chancelado é o mais aconselhado. Mas nada impede a

pronunciação verbal na audiência.

Neste momento, quando o Juízo passa a palavra ao réu, há algumas possibilidades de

lógica factual, porque, neste momento, a revelia pode se pronunciar mais uma vez. Temos a

revelia do art. 844 da CLT, em que a parte não comparece. Mas também há outra

possibilidade de revelia, pelo silêncio. Nada impede que a parte, ali chegando, não queira

apresentar defesa, havendo revelia e confissão quanto à matéria fática. Mas há outra

circunstância, essa, sim, muito mais comum, do silêncio parcial: a parte deixa de se

pronunciar a respeito de algum dos tópicos da causa de pedir ou do pedido, e, nos termos do

art. 300 do CPC,4 a parte deve se pronunciar desde logo, no momento da contestação, com

4 Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e

de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.

Page 77: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 77

todos os argumentos de defesa. Todas as teses de defesa virão neste momento, sob pena de

revelia quanto às questões em que houve silêncio, em que houve omissão da parte.

Espécies de resposta do réu

Utilizaremos em nossa exposição o roteiro oferecido pelo Código de Processo Civil,

que fala em resposta do réu. O CPC utiliza essa expressão em caráter genérico, que comporta

algumas espécies.

Quais são as espécies do gênero resposta do réu? I) impugnação ao valor da causa, ii)

contestação, iii) exceção, iv) reconvenção e v) reconhecimento da procedência do pedido.

04.08.2014 – Segunda-feira

O texto legal da CLT fala apenas em defesa verbal, a ser apresentada num prazo de 20

minutos, mas foram feitas adaptações em razão do Código de Processo Civil. Houve uma

mudança segundo o Código de Processo Civil.

Por um lado, pode haver ausência de defesa, no caso de revelia, silêncio, ou uma

revelia parcial, em que algum ou alguns dos tópicos da resposta do réu deixam de falar sobre

algum ponto da petição inicial.

Por outro lado, o réu pode utilizar todo o arsenal que a ciência processual pode

oferecer. Vimos a indicação dessas espécies, do gênero resposta do réu. Cabe examinar as

espécies nesta aula.

Impugnação ao valor da causa

Mesmo no Código de Processo Civil, é uma regra sem importância. Há valores que

serão liquidados na fase de liquidação. Normalmente, o valor da causa está vinculado a

questões financeiras, traduzindo o valor de custas. Com a Lei n. 9.957/2000 acabou crescendo

essa circunstância prática, porque o legislador distinguiu os ritos procedimentais pelo valor da

causa, um critério altamente questionável, porque questões de menor valor econômico podem

traduzir temas bastante complexos e relevantes.

Então, há três ritos no Processo do Trabalho:

a) Procedimento ordinário – é o originário da CLT, que fez a fortuna e a graça do

Processo do Trabalho no curso desses 70 anos de vigência da CLT, caracterizado pela

Page 78: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 78

concentração muito tensa de atos em audiência, e que o Processo Civil utilizou para formar o

seu procedimento sumário. É o procedimento que estamos estudando.

b) Procedimento sumaríssimo – envolve causas com valor de até 40 salários mínimos,

simplificando ainda mais o procedimento ordinário, diminuindo o número de testemunhas de

três para duas, proibindo a técnica de fracionamento de audiência e tentando simplificar

algumas questões relacionadas a redação de sentença e na esfera recursal, procurando abreviar

ainda mais algo que já era bastante conciso.

c) Procedimento sumário – é uma figura antiga que existe somente para incomodar,

prevista na Lei n. 5.584/70, para causas de até dois salários mínimos.

O roteiro procedimental será fixado pelo valor de alçada da petição inicial. O valor

econômico da pretensão, frequentemente, não corresponde ao valor de alçada. A parte autora

tem o costume de indicar um valor baixo, para não pagar um alto valor de custas.

O valor de alçada será importante para o procedimento sumário e para o sumaríssimo,

porque neste último a petição inicial deve ser líquida. O reclamante pode querer que o rito

seja ordinário e o reclamado pode querer que seja sumaríssimo. O remédio processual para

correção desse eventual erro quanto ao valor econômico da causa é a impugnação ao valor da

causa. O Processo Civil exige que seja uma peça apartada, e terá uma repercussão forte

quanto ao rito processual.

Exceções

Exceção de incompetência

A incompetência aqui é a relativa, que impõe a arguição sob pena de prorrogação.

Então, é a incompetência territorial, quando se pretende dizer que a Vara do Trabalho não é

competente. Por que não a incompetência material ou funcional? Qual seria o remédio para

arguir a incompetência material? Na preliminar, prefacial, enfim, dentro do bojo da própria

resposta. Pode, inclusive, fazer isso em razões finais, em recurso ou até mesmo em ação

rescisória. No caso da exceção de incompetência territorial, pode haver prorrogação, passando

o Juiz incompetente a ser competente.

Já vimos o art. 651 da CLT e seus parágrafos sobre isso.

Page 79: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 79

Exceção de suspeição

Envolve uma pequena dificuldade. Qual é a diferença entre suspeição e impedimento

no Processo Civil? Em nenhum dos dois casos opera-se preclusão, por conta do perigo da

parcialidade. Interessante é a redação da CLT sobre a matéria, que fala somente sobre

suspeição:

Art. 801 - O juiz, presidente ou vogal, é obrigado a dar-se por suspeito, e

pode ser recusado, por algum dos seguintes motivos, em relação à pessoa

dos litigantes:

a) inimizade pessoal;

b) amizade íntima;

c) parentesco por consangüinidade ou afinidade até o terceiro grau civil;

d) interesse particular na causa.

Desse texto se percebe que o arrolamento legal é muito tímido, não dando conta de

todas as hipóteses possíveis, ao contrário dos artigos 134 e 135 do CPC.

Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de

parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar

alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para

atender às despesas do litígio;

V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo

íntimo.

Um arrolamento mais detalhado tecnicamente, mais aprimorado nas hipóteses de

suspeição. Mas o Código de Processo Civil vai mais longe, porque fala também sobre as

hipóteses de impedimento:

Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso

ou voluntário:

Page 80: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 80

I - de que for parte;

II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito,

funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como

testemunha;

III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido

sentença ou decisão;

IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu

cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou

na linha colateral até o segundo grau;

V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes,

em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica,

parte na causa.

Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o

advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao

advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

Outras hipóteses mais apropriadas, e o Processo do Trabalho deve ser humilde para

reconhecer esse rol mais longo.

Digamos que o Juiz é casado com a advogada de uma das partes. A rigor, a CLT não

trata desse assunto, a não ser que seja um interesse particular na causa.

Aqui há uma problemática importante, por conta do reverso. O professor René Dotti

contava a seguinte história. O Juiz novato chegava à Comarca e se deparava com uma causa

dificílima. O cartorário levava o processo ao Juiz, porque já era um processo antigo, e o Juiz

despachava dizendo que não decidiria por ser amigo pessoal do acusado. O cartorário voltou

com o despacho porque achou estranho o Juiz mal ter chegado e ser amigo íntimo do

criminoso mais conhecido da localidade. Então, dizia ao cartorário para rasgar o despacho e

faria outro, afirmando ser inimigo capital do acusado. O Juiz, quando investido, só deve

invocar essas circunstâncias quando o motivo legal estiver rigorosamente presente. Esses

artigos não servem como esquiva de processos difíceis. Há uma regra que diz que ninguém se

dá por suspeito em processo fácil.

Na lei não há previsão de amizade íntima ou inimizade capital com o advogado da

parte. Isso não autoriza invocar, salvo uma circunstância mais delicada, pelo foro íntimo, a

suspeição, devendo o Juiz julgar imparcialmente. Esse tema não admite flexibilização. O

Page 81: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 81

múnus da imparcialidade não é uma prerrogativa que o Magistrado exerce da forma que

quiser. É obrigado a julgar, e julgar com imparcialidade.

Art. 799 - Nas causas da jurisdição da Justiça do Trabalho, somente podem

ser opostas, com suspensão do feito, as exceções de suspeição ou

incompetência. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.737, de 19.1.1946)

Então, as duas exceções suspendem o feito, devendo ser instruídas e julgadas.

A competência, para a exceção de incompetência do próprio Juízo excepto, é do Juízo

de primeiro grau, e a da suspeição será no âmbito do TRT. O prazo de resposta à exceção é de

24 horas e no final há uma decisão resolutiva, com uma característica legal interessante:

Art. 799 - (...) § 2º - Das decisões sobre exceções de suspeição e

incompetência, salvo, quanto a estas, se terminativas do feito, não caberá

recurso, podendo, no entanto, as partes alegá-las novamente no recurso

que couber da decisão final. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.737, de

19.1.1946)

Essas decisões são irrecorríveis, em regra, por conta do princípio da irrecorribilidade

autônoma das decisões interlocutórias, salvo no caso de exceção de incompetência

territorial , em que a decisão é terminativa do feito, ou seja, quando é acolhida a exceção,

sendo o processo enviado para outra área territorial. A decisão terá, para o trabalhador, o

excepto, efeito de decisão terminativa do feito, podendo inviabilizar o patrocínio da causa,

dependendo do novo lugar competente. Por isso, é possível recorrer desde logo.

Contestação em sentido estrito

Há duas classificações, que não têm a menor pretensão de cientificidade ou de

veracidade, mas possuem um cunho pedagógico. Exemplo: o advogado tem uma contestação

para redigir; para na frente da máquina de escrever, do papel e caneta ou do computador, na

época do DOS, e vai redigir. Ele vai adotar uma espécie de capitulação, separando as matérias

em questões preliminares (o que deve ser examinado antes pelo Juiz do que outras matérias,

tal como prescrição, incompetência, negativa do vínculo empregatício, litispendência etc.) e

questões de fundo. Não há uma deficiência nessa classificação, tanto que as próprias

sentenças utilizam essa técnica de capitulação. Não há compromisso com cientificidade, mas

tem importantes efeitos na prática.

Há outra classificação, que tem alguns laivos de cientificidade, mas com alguma

pretensão pedagógica: questões processuais e questões de mérito.

Page 82: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 82

As questões processuais levariam à extinção do processo sem resolução de mérito,

conforme art. 267 do Código de Processo Civil, e as questões de mérito teriam como efeito a

extinção do processo com resolução de mérito, segundo o art. 269 do CPC.

Aqui, interessam as condições da ação e os pressupostos processuais. O professor não

acredita mais sobre as condições da ação. Existem no Código de Processo Civil, mas isso não

significa que existam na prática. Os processualistas do trabalho encaram isso com

circunspecção, porque, normalmente, no Processo do Trabalho, o que há é extinção com

resolução de mérito. Quando o réu argumenta que o autor não tinha um vínculo empregatício,

alguma preliminar da condição da ação é levantada. Como não é empregado, o pedido é

juridicamente impossível. A Justiça do Trabalho é incompetente para analisar essa matéria. Se

a negativa do vínculo prevalecer, entretanto, haverá extinção do processo com resolução de

mérito. Caso contrário, se houvesse extinção por pedido juridicamente impossível, poderiam

ser ajuizadas novas ações indefinidamente. Por isso decide-se com resolução de mérito.

No caso dos pressupostos processuais, eles são mais comuns: litispendência, coisa

julgada, perempção etc. Figuras que têm existência concreta. É nesse momento que a parte

poderá fazer essa argumentação.

No caso de argumentos de mérito propriamente ditos, a parte verterá argumentações

fáticas, negando os fatos constitutivos dos direitos postulados ou opondo fatos

desconstitutivos. Essa terminologia, de fatos constitutivos e desconstitutivos, está no Código

de Processo Civil. Qual é o fato constitutivo do direito às horas extras? O excesso de jornada.

Esse é o fato constitutivo, que faz nascer direito subjetivo do autor sobre as horas extras, na

quantidade que foram realizadas. Isso tem grande impacto no ônus probatório, que é do autor.

O réu, então, poderá dizer que o autor não fazia horas extras. O fato constitutivo está negado.

O réu, todavia, poderá pretender invocar fatos desconstitutivos (extintivos, modificativos ou

impeditivos). Um fato extintivo do direito à percepção de horas extras por excelência é a sua

satisfação. O direito subjetivo nasceu, porque as circunstâncias fáticas estão presentes, mas o

réu apresenta essa situação no sentido de sua satisfação. Um exemplo de fato impeditivo do

direito a horas extras seria quando o trabalhador era externo, cumprindo jornada externa, ou

quando o trabalhador ocupava cargo de confiança. O réu terá de provar que o reclamante

tinha cargo de confiança ou que tinha jornada externa. Fato modificativo seria banco de

horas, compensação semanal. O trabalhador faz horas extras, mas para compensar em outro

dia.

Essa classificação é importante tanto no Processo Civil quanto no Processo do

Trabalho. Essa construção é ortodoxa, clássica, que tem um conteúdo político importante,

porque o autor deve provar muita coisa.

Page 83: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 83

Outro exemplo. Qual o fato constitutivo de um vínculo de emprego? Está no art. 3º da

CLT. São utilizados esses critérios. Quais seriam os fatos constitutivos do vínculo

empregatício? O que o autor deve atestar? Deve provar que trabalhou, recebia ordens, era

remunerado e era personalíssimo. É um raciocínio que acabou sendo solapado, porque isso é

complexo para o trabalhador. Parcela respeitável da jurisprudência entende que seria somente

a prestação de serviço ônus para o autor provar. A rigor, é uma técnica precursora dos

sistemas de inversão do ônus probatório. É uma preparação para essa inversão do Processo

Civil, porque para o trabalhador fica numa situação mais fácil. Então, consideram-se fatos

desconstitutivos a inexistência de subordinação, onerosidade, pessoalidade, continuidade.

Reconvenção

É um contra-ataque do réu na mesma relação processual. Ele não apenas responde,

contesta, mas afirma ser credor de algum tipo de prestação da parte do trabalhador. Se o

trabalhador alegar ter sido vítima de assédio sexual por parte do proprietário da empresa, o

réu então nega e pede condenação por dano moral, por conta desse argumento falso. Isso é

possível, desde que a pretensão deduzida esteja incluída no âmbito da competência material

da Justiça do Trabalho.

Reconhecimento da procedência do pedido

A parte reconhece que o autor deve ser vencedor. No caso do Processo do Trabalho é

problemático, por conta da lide simulada e do art. 467 da CLT:

Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo

controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é

obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do

Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las

acrescidas de cinqüenta por cento. (Redação dada pela Lei nº 10.272, de

5.9.2001)

Se o empregador considera procedentes as verbas, deve pagar no momento da

audiência, sob pena de multa de 50%. Esse preceito é um exemplo de uma norma eficaz

academicamente, porque o Juiz nunca deixa de aplicar, mas é altamente ineficiente, porque,

na prática, acaba por nunca se verificar.

Page 84: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 84

18.08.2014 – Segunda-feira – 3º BIMESTRE

Provas

Definição e Generalidades

Vamos expor algumas características gerais, esboçando uma teoria geral da prova no

Direito Processual do Trabalho, sem grandes pretensões.

Numa definição da ciência do processo para prova, veremos que ela seria a

predisposição ou a indicação de instrumentos que permitem ao Juízo tomar conhecimento,

formar convicção a respeito dos fatos do processo. Nesse sentido, a prova é a consequência

de um dado encadeamento de atos processuais, dentro de uma fase procedimental.

Aqui, terminamos a fase postulatória e iniciamos a instrutória.

Agrada ao professor uma classificação a esse respeito, que ultimamente se tornou mais

interessante, a respeito da verdade. O manual de filosofia da professora Marilena Chauí traz

três definições de verdade, da filosofia, que podem nos auxiliar aqui no Processo do Trabalho.

Michel Foucault dizia o ocidente é assombrado por três patriarcas: o profeta bíblico (o profeta

judeu), o filósofo grego e o jurisconsulto romano. Marilena Chauí complementaria que cada

um desses patriarcas tem um discurso de verdade, embora as definições que eles ofereçam

sejam um pouco distintas.

O profeta judeu fala sobre a verdade como confiança, que o fiel, o destinatário dessa

verdade trazida tem no interlocutor, no profeta. Há uma fábula judicial, que trata do profeta

Maomé. Ele ia à montanha e recebia as ordens, os textos ditados em seu ouvido diretamente

por Alá, que os enunciava, por sua vez, para um dado escriba, de nome Abdu-la. Maomé era

analfabeto, então precisava de um escriba. Consta que um dia Maomé estava de mau humor, e

Abdu-la foi em direção à montanha, sozinho. Chegando lá, ele fica parado, porque não via

nada e não escutava nada. Ele chegou lá e fez um texto do que pensou ser a verdade. Aqui, o

intérprete é o Abdu-la, Maomé o texto e Alá é o legislador, que não conhecemos e nem

sabemos se existe. Mas é mais ou menos essa a descrição desse perfil de verdade para o

profeta judeu.

Depois, para o filósofo grego a verdade é Alétheia, a revelação, muito mais poética,

contemporânea. O ser se revela aos poucos. É algo mais lento, de acordo com a

aprendizagem, particularmente poético e sempre incompleto, nessa sua proposta.

Essencialmente platônico, inclusive a capacidade de percepção integral da essência do ser

típico da descrição platônica do mundo. Para nós, processualistas, é interessante, porque foi

Page 85: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 85

resgatada por Kant, que falou sobre a distinção entre nômeno e fenômeno, e, hoje em dia, há

as descrições linguísticas da verdade.

O tipo classificatório mais específico, que nos assombra, é a verdade do jurisconsulto

romano, que se vale, todavia, do pensar aristotélico. A descrição de verdade desse

jurisconsulto romano, que ainda é a proposta do Direito Processual, é a verdade como

correspondência ou adequação. Veritas est adaequatio rei intellectum: a adequação, a

compatibilidade da descrição intelectual com o objeto. Se a descrição feita de um objeto for

adequada, for compatível, ela é verdadeira. É o que se espera a respeito de uma descoberta

fática numa relação processual, de que os autos sejam um espelho da realidade fática; de que

seja uma descrição adequada daquilo que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos; de que a

verdade formal dos autos corresponda à verdade material do litígio. É nisso que nós

acreditamos, embora versões mais contemporâneas tenham feito evoluir esse tipo de conceito,

particularmente na transição do velho CPC para o futuro CPC, especialmente com as tutelas

de urgência e outras figuras correlatas, como a verossimilhança ou a tutela de evidência. Isso

pode ser um avanço para o processo.

É isso que nós pretendemos fazer quando atravessamos a fase instrutória: que as

versões contraditórias que se concretizaram na fase postulatória sejam dirimidas, sejam

suprimidas, para, ao final, encontrar-se uma única versão fática apropriada, seja por

adequação, seja por construção. Fazemos de conta que construímos, que revelamos uma

verdade nesse sentido.

Princípios sobre a prova

Podemos falar em três princípios característicos da prova, muito impactantes para o

Processo do Trabalho.

Princípio da concentração/imediação

Significa a realização das provas prioritariamente na audiência, na presença e sob a

presidência do Juiz. O Juízo é o grande protagonista, o grande líder nessa fase processual, ao

contrário da fase postulatória, em que o protagonismo é das partes. No Processo do Trabalho,

isso se oportunizou em razão das virtudes da audiência, com concisão e devido às

características do Processo do Trabalho.

Existe uma circunstância procedimental que pode ser apresentada nesse momento.

Quando vimos a audiência no Processo do Trabalho, vimos que ela é una, indivisível, não

Page 86: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 86

fracionada, contínua. Mas, na prática, faz-se um fracionamento dessa audiência em, pelo

menos, três segmentos (inicial, instrução e julgamento). Agora, estamos na segunda fase. A

CLT não fala em fracionamento, e até o proíbe. Essa técnica se revela extremamente útil nas

ações mais complexas, sendo frequentemente utilizada. Gera efeitos importantes quanto à

ausência das partes, no depoimento pessoal e também na sequência.

Princípio dispositivo

O Processo do Trabalho é um processo de partes, em que o protagonismo das partes é

absolutamente decisivo e implica regras de ônus probatório. Se a parte, nesse mister

essencial de protagonismo probatório, não for bem sucedida, a consequência será a derrota na

ação. É quase um contraste com o princípio anterior. Se o Juízo não conseguir chegar a uma

conclusão apropriada, se a parte não for bem sucedida nessa atividade, haverá regras de ônus

probatório suprindo esse tipo de deficiência.

Princípio da necessidade

A prova é uma das condições, um dos requisitos, um dos componentes retóricos

essenciais para a fundamentação. Uma fundamentação que não faça uma referência

adequada, convincente, à prova é uma não fundamentação. É, no mínimo, inválida.

Podemos ter dois sentidos, positivo e negativo.

No sentido positivo do termo, fundamentar bem significa fazer uma seleção de

maneira apropriada e convincente das versões concretamente comprovadas.

E no sentido negativo, o princípio da necessidade significa a proibição, a repugnância

em relação a medidas probatórias inúteis, desnecessárias, irrelevantes para esse desfecho.

Por exemplo, o art. 334 do Código de Processo Civil:

Art. 334. Não dependem de prova os fatos:

I - notórios;

II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III - admitidos, no processo, como incontroversos;

IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

Page 87: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 87

Essa indicação e outras referências esporádicas fizeram a doutrina propor uma

classificação sobre os critérios de admissibilidade da prova. A cada prova que a parte

pretenda produzir no curso do processo e que o Juiz se dispõe a colher, esse critério deverá

estar presente.

Fatos objetos de prova

Quais sãos os fatos objetos de prova? O professor Manoel Antonio Teixeira Filho fala

sobre três critérios: controvérsia, pertinência e relevância.

Controvérsia

O fato é incontroverso quando houve alegação por uma parte e a não contestação ou

até o reconhecimento pela parte contrária. O próprio Juízo, no início do procedimento

probatório, identifica as questões fáticas controvertidas, fazendo-se um confronto entre a

petição inicial e a contestação. O Juiz verifica o que será objeto de prova, e o restante não,

porque não houve contestação.

Pertinência

Apenas fatos que constam do limite retórico traçado pela soma da petição inicial e da

contestação, chamada litiscontestatio, serão objeto de prova. O somatório dos elementos da

petição inicial e da contestação. Não há por que saber da jornada do trabalhador se não há

pedido de horas extras ou se o ambiente é insalubre se não há pedido concernente a essa

questão.

Relevância

A prova pretendida deve, potencialmente, virtualmente, alterar o desfecho do litígio.

Exemplo: a testemunha indicava uma jornada de trabalho em relação ao reclamante e a parte

contrária sabia de uma característica fática, de que a testemunha diariamente alegava ir à

missa. O Juízo ainda não sabia disso, mas provocada a testemunha ela levantaria essa questão.

Então, o advogado pediu ao Juízo que a testemunha enunciasse a oração Salve Rainha. Essa

pode ser uma pergunta aparentemente irrelevante, mas pode se revelar importante nessa

circunstância. Esse exemplo é importante porque cada prova, a cada momento, cada pergunta

que se vai formular, esse critério, essa régua da relevância estará presente.

Page 88: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 88

Então, três critérios: controvérsia, pertinência e relevância.

Também poderíamos falar numa outra circunstância, que é a dispensa de provas de

fatos notórios, e, aqui, a definição do Processo Civil é mais adequada do que a do Processo

do Trabalho: cuja ocorrência seja impossível ou cuja prova seja moralmente inadmissível,

ou, por outro lado,

Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda

que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos

fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Existe essa liberdade fora do campo da tipificação, que pode ser interessante hoje em

dia, à luz de certas contribuições da informática.

Hierarquia quanto aos meios de prova

Na sequência, existe uma afirmação frequente, decorrente do artigo 332, de que não

há hierarquia entre as provas. Mesmo assim, há certos fatos que têm certa tarifação legal

quanto ao meio probatório. O exemplo mais óbvio disso envolve as obrigações de pagar e o

recibo, que é o meio probatório, por excelência, da comprovação de pagamento de salários.

Na verdade, a CLT, quando trata do pagamento de salários, admite que a prova seja o recibo

ou comprovante bancário, comprovante do crédito bancário, e só em hipóteses excepcionais,

extremas, admite-se outro meio de prova, para suprir alguma deficiência documental da

empresa. Essa é uma característica do Processo do Trabalho, que é o apelo à prova

testemunhal. A parte não consegue provar pelo meio adequado, então procura suprir essas

deficiências, inclusive documentais, valendo-se da via testemunhal. Exemplo é a falta de

cartão de ponto numa empresa com mais de dez empregados, que não atende ao requisito do

artigo 74, § 2º, da CLT, que impõe à empresa com mais de dez empregados um registro

documental da jornada de trabalho, seja por folha de ponto, cartão de ponto, registro mecânico

ou pelo registro digital. Qualquer uma dessas formas pode ser utilizada. Qualquer empresa

que não tenha esse meio de controle da jornada fica numa situação complicada. Alguns dizem

que isso significa uma inversão do ônus probatório. De todo modo, nessa situação legal, o

reclamante fica numa situação mais favorável, quando a empresa não mantém a

documentação apropriada. Outro caso muito importante envolve a insalubridade e a

periculosidade, do artigo 195 da CLT. Nesses dois casos, a prova pericial é obrigatória:

Art. 195 - A caracterização e a classificação da insalubridade e da

periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão

através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do

Page 89: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 89

Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº

6.514, de 22.12.1977)

A via probatória peremptória, por determinação da lei, é a prova pericial.

Outro caso em que, normalmente, a prova pericial vai se impor, semelhantemente às

situações de insalubridade e periculosidade, é na situação de acidente do trabalho e doença

profissional, para saber se houve perda da capacidade laborativa. O laudo médico será

decisivo nesse caso, para se conhecer a profundidade da lesão e o grau de perda da capacidade

laborativa.

Outra questão interessante é sobre a prova do Direito. No Processo Civil, quando é

preciso fazer prova do Direito? Quando a parte deve provar o teor de um texto legal? Regra

geral, isso é desnecessário, porque se fala sobre a regra iura novit curia. Diz o CPC:

Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou

consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o

juiz.

Esse caso ficaria especialmente saboroso, ou temperado, num contrato de trabalho

plurilocalizado, a que fizemos referência quando tratamos da competência internacional da

Justiça do Trabalho. Em princípio, essa prova é desnecessária, salvo determinação do Juízo,

em relação ao Direito estrangeiro. O Direito municipal ou estadual, como regra geral, será

irrelevante, porque a legislação trabalhista é federal, a não ser nos casos de servidores

públicos celetistas, municipais ou estaduais, e no caso de Direito consuetudinário.

Outra observação em relação a textos normativos, no caso trabalhista, às fontes

autônomas do Direito do Trabalho. Normalmente se fala em fontes heterônomas, a lei, mas

temos também as fontes autônomas, nomeadamente as Convenções Coletivas de Trabalho e

os Acordos Coletivos de Trabalho. Para fins de prova no Processo do Trabalho, esses textos

são considerados como mera prova documental. Devem vir aos autos com formato de

documento.

Ônus probatório

Aqui há um contraste interessante do artigo 818 da CLT em oposição ao artigo 333 do

CPC:

Art. 818 - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

Page 90: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 90

Essa expressão é tão clássica que se tivesse vinda em latim ninguém estranharia: onus

probandi alegandi incumbit. Uma regra velhíssima, mesmo no próprio Direito Romano. Por

que essa regra da CLT é inadequada para uma distribuição técnica, científica do ônus

probatório? Imaginem o reclamante que comparece a Juízo dizendo que foi dispensado e não

recebeu as verbas rescisórias. O reclamado contesta, dizendo que o reclamante realmente não

recebeu as verbas rescisórias, mas foi dispensado por justa causa. Quem deve provar essa

circunstância é o reclamado, porque alegou esse fato. Agora, imaginemos a mesma situação, à

luz do artigo 818, com uma parte meio desastrada e o reclamante diz que foi mandado embora

por indevida e injusta imputação de justa causa, pelo que tem direito ao pagamento de verbas

rescisórias. O reclamado comparece, diz que houve justa causa e as verbas rescisórias já

foram pagas de maneira correta. À luz do artigo 818 da CLT, quem deve provar? O

reclamante, nessa construção, acaba, em alguma medida, atraindo para si o ônus probatório.

Esse é um cuidado que frequentemente a parte deve levar em consideração em relação à

maneira como redige sua peça postulatória. A verdade é que o artigo 818 não resolve de

forma apropriada, de forma técnica, essa questão da delegação de ônus probatório. Por isso, o

Código de Processo Civil de 1939, inspirando-se na doutrina alemã, faz uma distinção entre

fatos constitutivos e fatos desconstitutivos, dizendo que o autor provará os fatos constitutivos

e o réu provará os fatos desconstitutivos:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo

do direito do autor.

A rigor, quando tratamos da defesa de mérito direto (com a evocação de fatos

constitutivos) e da defesa de mérito indireto (com a evocação de fatos desconstitutivos), nós

oferecemos dois exemplos: vínculo empregatício e jornada de trabalho. Poderíamos utilizar

esses modelos para diversas outras figuras do Direito Processual do Trabalho.

Especificamente para a jornada de trabalho, o fato constitutivo é a dilatação da jornada e os

seus respectivos limites. O fato desconstitutivo poderá ser extintivo (o pagamento de horas

extras), impeditivo (a assunção das hipóteses do artigo 62 da CLT) ou modificativo

(existência de algum regime compensatório). Nesses casos, temos ônus probatório da parte do

réu. No caso do vínculo empregatício, o fato constitutivo é a prestação de serviços, segundo o

entendimento preponderante, e a inexistência de subordinação, continuidade, onerosidade e

pessoalidade seriam fatos impeditivos.

Aqui emerge uma questão interessante, de que, a rigor, essa distribuição de ônus

probatório, frequentemente, tem um componente ideológico, derivando de uma opção política

Page 91: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 91

da parte do intérprete, do aplicador. Essa construção, que considera como fato constitutivo a

mera prestação de serviços, é ideológica e favorece o trabalhador. Mas vale, eventualmente, o

contrário. Em matéria de acidente de trabalho, na matéria de responsabilidade civil, quem tem

o ônus probatório? O art. 927 do Código Civil diz que, como regra, a responsabilidade é

subjetiva. Se é subjetiva, quem deve provar a culpa do empregador num acidente do trabalho,

ou em doença profissional, é o reclamante. Por outro lado, qualquer tentativa de deslocar a

responsabilidade para algum tipo de construção objetiva transfere, eventualmente, a

responsabilidade para o empregador, que deveria provar ato exclusivo da vítima, ou alguma

coisa assim. Esse mecanismo atesta, ele desnuda essa característica política de delegação de

ônus probatório.

Para fecharmos, a Súmula n. 338 do Tribunal Superior do Trabalho:

SUM-338 JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROV A

I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o

registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-

apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção

relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por

prova em contrário.

II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista

em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário.

Essa Súmula trata justamente do tema mais frequente nas ações trabalhistas, as horas

extras, para dizer de quem é o ônus probatório. O que não está dito é que o ônus da prova

quanto à jornada é do trabalhador. Se a empresa tiver mais de dez empregados é preciso que

haja registro da jornada. Por enquanto, a Súmula não trata do registro fraudulento, do registro

falsificado.

III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída

uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da

prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador,

prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir.

No caso do cartão de ponto, o chamado britanismo, sem as naturais alterações de

poucos minutos antes e depois da jornada de trabalho, o documento é falso, o cartão de ponto

é inexistente, imputando-se ao empregador a responsabilidade de demonstrar a jornada de

trabalho.

Essas técnicas de delegação de ônus probatório envolvem circunstâncias políticas,

mas, por outro lado, toda vez que um pragmático do Direito ouve um discurso de inversão do

Page 92: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 92

ônus da prova, de delegação diferenciada ou difusa da atribuição de comprovar, sabe que o

autor está em maus lençóis. Quem tem uma prova boa não precisa desses raciocínios. Mas é

extremamente importante que a parte relegue esses argumentos para uma segunda fase. Por

exemplo, numa ação trabalhista, o reclamante está ali para tentar comprovar a jornada de

trabalho que efetivamente praticava, e não para se socorrer de um sistema de aptidão para

comprovação da prova, com técnicas distintas. Isso pode ser um complemento quando a prova

é insatisfatória, mas, do ponto de vista prático, da defesa de direitos, talvez seja mais relevante

procurar o caminho tortuoso dos velhos textos, antes de caminhar para aplicação supletiva do

Código de Defesa do Consumidor, para técnicas de delegação distinta de ônus probatório,

para mitigações. Isso, normalmente, é conversa de quem não consegue fazer uma prova

adequada. Claro que isso, às vezes, não é fácil, como em matéria de discriminação.

25.08.2014 – Segunda-feira

Provas em espécie

Depoimento pessoal

O depoimento pessoal é a primeira das vias probatórias que não são pré-constituídas,

que não existem antes do processo. A finalidade dessa prova, considerando que já houve uma

petição inicial e uma defesa, é a confissão. Essa é a rainha das provas. Essa circunstância

arcaica ainda serve para nós, por conta da dicção do texto legal do artigo 334 do CPC:

Art. 334. Não dependem de prova os fatos:

II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III - admitidos, no processo, como incontroversos;

Aqui, podemos fazer uma remissão ao juízo de admissibilidade da prova, que fizemos

na aula anterior. A razão de ser do depoimento pessoal é extrair a confissão expressa e, com

isso, abreviar a colheita da prova na fase instrutória. Ou seja, a finalidade é impedir atos

probatórios inúteis. Os atos probatórios são radioativos no processo, porque são importantes,

mas, ao mesmo tempo, impõem custo de tempo e a prática de outros atos adicionais.

Essa via probatória inaugura, dentro de nossa audiência indivisível do art. 849 da CLT,

a fração que se costuma chamar de audiência de instrução. O primeiro ato de instrução é o

depoimento das partes. E a CLT tem uma redação interessante a esse respeito:

Art. 848 - Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo,

podendo o presidente, ex officio ou a requerimento de qualquer juiz

Page 93: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 93

temporário, interrogar os litigantes. (Redação dada pela Lei nº 9.022, de

5.4.1995)

E diz o art. 824, que trata da escolha do procedimento para colheita da prova:

Art. 824 - O juiz ou presidente providenciará para que o depoimento de uma

testemunha não seja ouvido pelas demais que tenham de depor no

processo.

E uma referência ao Código de Processo Civil, que diz que o procedimento para o

depoimento pessoal é o mesmo adotado para a oitiva de testemunhas. Na audiência há uma

praxe que implica a comunicação direta do Juízo com o depoente, intermediando reperguntas

pelo advogado, impedindo o contato direto. Se aprovado o projeto de novo CPC, isso vai se

modificar, mas essa tem sido a tradição do Processo Civil brasileiro, com intermediação do

Magistrado, que pergunta e atende às reperguntas dos advogados. A circunstância de o

advogado formular perguntas ao Juiz e depois o Juiz às partes é algo que está mais afinado

com a realidade do processo. A alteração no CPC poderá subverter a audiência.

Então, o Juízo examina o processo, particularmente a petição inicial e a contestação,

os documentos apresentados, os pronunciamentos a respeito desses documentos e, então,

selecionará a matéria que deve ser objeto de prova, particularmente à luz dos critérios de

admissibilidade. Por exemplo, em vista do que foi alegado na petição inicial e na contestação,

o Juízo pode chegar à conclusão de que o único tema a ser objeto de prova é a jornada de

trabalho, particularmente o horário de término da jornada. A partir disso, o Juízo formulará

perguntas a respeito do horário de saída. A única questão é saber qual o horário de saída. É

isso o que o Juiz deve perguntar ao reclamante e depois ao reclamado: qual o horário efetivo

de saída. O Juiz formula as perguntas e passa a palavra aos advogados, já que o procedimento

é o mesmo da prova testemunhal. Todavia, o advogado não formula reperguntas ao seu

próprio cliente no momento do depoimento pessoal. Por quê? Seria uma espécie de

contradição performática imaginar que o advogado iria querer extrair a confissão expressa de

seu próprio cliente, na medida em que a confissão implica o reconhecimento de uma versão

desfavorável, uma versão favorável à parte contrária.

No curso do depoimento, ou depois dele, o Juízo se encarrega de fazer a transcrição do

relato, que é algo delicado. Hoje em dia, se se entrar numa sala de audiência, ver-se-á o Juiz

ditando para o digitador da sala de audiência. É algo problemático, porque aquilo que

aconteceu deixará de ter suas circunstâncias reais, por causa da redação da ata de audiência.

Quando se aborda a questão da confissão, há uma divisão:

Page 94: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 94

1) Confissão extrajudicial – também implica o reconhecimento de uma versão

desfavorável, mas fora do ambiente forense. É o caso de uma declaração registrada perante

um escrivão, no cartório.

O Processo do Trabalho trata a confissão extrajudicial com muita circunspecção. Há as

famigeradas declarações de rendimentos. Chega o empregado solicitando um gesto de

generosidade da parte de seu empregador, dizendo que está aí a Copa de Mundo e ele gostaria

de comprar uma TV maior e pretende abrir um crediário nas Casas Bahia. Todavia, a

remuneração que recebe orça, mensalmente, 800 reais. A aprovação, todavia, demanda uma

renda média de 1500 reais, pelo que pretende uma declaração com esse valor diferente. O

sujeito é mandado embora e, meses depois, aquela declaração aparece saltitante no processo,

sob o argumento de que se trata de uma confissão extrajudicial de que havia pagamento de

salário por fora. Até provar o contrário, de que aquela declaração criminosa foi feita

exclusivamente para prejudicar terceiros e não o próprio emitente, considera-se que uma

punição é absolutamente injusta.

2) Confissão judicial:

2.1) Confissão judicial expressa – a parte reconhece versão desfavorável e

normalmente coincidente com a versão do adversário. É a confissão mais valiosa, pois não há

dúvida de sua legitimidade e seu impacto probatório é absoluto.

2.2) Confissão judicial ficta – é a confissão em que pode haver ausência, ou seja, no

caso da revelia, em que a parte não aparece e o reclamado é confesso quanto à matéria de

fato, ou pode ser a ausência de contestação tópica, que é ausência de causa de pedir ou de

pedido. Pode também haver ausência da parte no momento em que deveria se apresentar

perante o Juízo para apresentar seu depoimento pessoal. E há outra hipótese interessante,

bastante significativa, envolvendo hipótese correlata a essa ausência. Diz o art. 345 do Código

de Processo Civil:

Art. 345. Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao

que lhe for perguntado, ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais

circunstâncias e elementos de prova, declarará, na sentença, se houve

recusa de depor.

Então, a parte está presente e recusa-se a depor ou emprega evasivas. E aqui temos

um exemplo do professor Xixo, de uma prova oral na nossa Faculdade. O candidato é

indagado e começa com veja bem... Não sabe, ignora. São circunstâncias que equivalem a

essa evasiva.

Page 95: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 95

Essas situações partem de algo natural, pois reclamante e reclamado são os donos da

causa. Se alguma das partes ignora alguma versão essencial, não são as outras pessoas que

deverão falar algo sobre esse assunto. Se o reclamante fala que não sabe, isso implicará a

aplicação do art. 345 do CPC, com o mesmo efeito da confissão ficta.

A confissão expressa e a ficta são presunções. E a expressa é uma presunção juris et

de jure. A ficta é relativa, porque admite prova em contrário.

Por fim, como hipótese lateral, temos o artigo 359 do CPC:

Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que,

por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar:

I - se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no

prazo do art. 357;

II - se a recusa for havida por ilegítima.

Esse dispositivo envolve a questão da exibição documental. A parte que não apresenta

documento obrigatório ou que, incontroversamente, está em seu poder, também pode incorrer

na confissão ficta. Por isso, utiliza-se uma expressão não apropriada, mas pragmática, que é

aplicar pena de confissão. É uma expressão absolutamente didática, mas, tecnicamente

falando, não é esse o fenômeno processual que se opera. Trata-se de um ônus. A parte deve se

apresentar para prestar depoimento, sob o ônus da presunção de veracidade do que diz a parte

contrária. Não é, portanto, uma pena, no sentido jurídico.

Imaginemos que a parte não comparece e é sobrecarregada com o ônus da confissão

ficta. Todavia, a parte contrária é ouvida em depoimento pessoal e confessa expressamente.

Então, o reclamante não aparece, mas o preposto reconhece a jornada da petição inicial. Por

isso, a confissão expressa se sobrepõe à confissão ficta. Também existe outra expressão,

chamada ilisão da confissão. Nesse caso, o reclamante comparece e o preposto está ausente,

mas o reclamante, em seu depoimento, acaba, expressamente, confessando a versão da parte

contrária, do reclamado. Convenhamos que essa é uma espécie de derrota contra um

adversário ausente.

Diz a Súmula n. 74 do Tribunal Superior do Trabalho:

SUM-74 CONFISSÃO

I - Aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela

cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual

deveria depor.

Page 96: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 96

Essa Súmula descreve com exatidão o fenômeno processual. Opera-se a confissão ficta

quando a parte não aparece.

II - A prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para

confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando

cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores.

Então, está presente o advogado do reclamado, mas ausente o preposto. O advogado

do reclamado, que está ali, diz que o preposto está ausente, mas tem documentos, testemunhas

que estão presentes para ilidir essa confissão ficta, então querem produzir prova. A parte final

do inciso II da Súmula n. 74 diz que, por uma questão de economia processual, repele-se o

princípio da busca da verdade real, não se considerando como inválida a decisão que impede a

colheita dessa prova posterior. Esse raciocínio contido na Súmula é duvidoso em termos

processuais, e o Tribunal Superior do Trabalho acabou por homenagear a economia

processual em detrimento da busca da verdade real. É uma decisão política, que deve ser

encarada com certa reserva.

Prova documental

O que é um documento? Uma definição que parece muito saborosa é: documento é

uma coisa que representa um fato. Pode ser um objeto produzido ou não com essa

finalidade, mas registra uma versão fática.

Para nós, é importante considerar se esse objeto foi produzido para servir de prova

num processo. É uma prova pré-constituída, e, como tal, normalmente, faz parte do arsenal

probatório do empregador. Isso posto, é preciso levar em conta que é produzida no ambiente

da empresa, um palco marcado pelo mais concreto dos direitos, o direito de propriedade,

timbrado pela assimetria econômica e jurídica que subordina o trabalhador ao empregador.

Não se trata, evidentemente, de desconsiderar de maneira irresponsável todo e

qualquer documento, mas é fundamental considerar esse fato no balanço valorativo da prova.

01.09.2014 – Segunda-feira

Vimos uma definição sobre documento, como sendo uma coisa que representa um

fato. Essa definição chega a extremos quase ambíguos se levarmos em conta a representação

digital dos eventos da vida. Coisa é algo corpóreo, e não os bytes a circular nos sistemas

informatizados. Ainda assim, esse tipo de definição ainda é adequado, particularmente a partir

Page 97: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 97

do ponto de vista da conclusão. É uma organização de insumos destinada a representar fatos

que possam servir de prova em eventual litígio, em eventual controvérsia.

No Processo Civil, o momento adequado para produção da prova documental,

procedimentalmente falando, é na petição inicial e na defesa. A consequência da não juntada

nesse momento é a preclusão. Por que isso? Por causa da ampla defesa. O princípio do devido

processo legal enuncia que o processo é um jogo com regras racionais e pré-fixadas. Essa

questão da exibição, da publicização das provas, visa dificultar algum tipo de estratégia, de

algum tipo de artimanha, uma estratégia chicaneira, para sacar um documento que servirá de

argumento devastador. Toda prova produzida nos autos deve se submeter a uma contraprova

e, eventualmente, apenas a uma crítica. O reclamante pode reconhecer como verdadeiros os

cartões de ponto juntados pela empresa, mas negar que recebeu por todas as horas extras.

O Processo do Trabalho, nesse particular, tem uma regra que, a rigor, não é a mais

apropriada:

Art. 845 - O reclamante e o reclamado comparecerão à audiência

acompanhados das suas testemunhas, apresentando, nessa ocasião, as

demais provas.

Na audiência. E a audiência trabalhista não é um momento puntual, um momento

curto no processo, mas se estende da metade da fase postulatória até a fase decisória,

permitindo à parte apresentar documentos nesse iter procedimental, que é longo. O legislador

estava fazendo homenagem à audiência una da década de 1940. Então, esse texto acaba

trazendo consequências indesejáveis. As provas documentais não precisam vir com a petição

inicial, mas devem ser produzidas antes da colheita da prova oral, para permitir uma reação e

uma contraprova da parte contrária. Isso porque o Processo Civil, o Processo Penal e o

Processo do Trabalho são ricos em provas forjadas.

Outra questão, típica de manual de Juiz em início de carreira, é de que, para qualquer

documento apresentado, até mesmo antes de ser analisado, é preciso dar vistas dele à parte

contrária. Se a parte contrária não resiste, não impugna o documento, esse documento será

juntado aos autos, sendo um meio probatório a mais.

Quando vier a contestação, essa prova documental trazida é de produção do

empregador, pela empresa, dentro da empresa, em que a assimetria econômica é forte. O

passo seguinte é que o reclamante, entre a audiência inicial e a audiência de instrução, tenha

vistas desse documento juntado com a contestação. O reconhecimento dessas provas tornará

onerosas outras provas, como a prova documental.

Page 98: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 98

Art. 372. Compete à parte, contra quem foi produzido documento particular,

alegar no prazo estabelecido no art. 390, se lhe admite ou não a

autenticidade da assinatura e a veracidade do contexto; presumindo-se,

com o silêncio, que o tem por verdadeiro.

Se a parte é intimada, instada a se pronunciar sobre um documento juntado, e silenciar,

a versão ali estampada será considerada verdadeira. Isso no Processo do Trabalho é decisivo,

carregado que está dessa radioatividade ideológica.

O documento é autêntico quando a versão estampada reflete a verdade dos fatos. É

como se aquele pedaço de papel A4 fosse o espelho de uma dada realidade, a verdade material

ingressando dentro do processo. Quando isso acontece, as dúvidas tendem a acabar.

E quando o documento, ao invés de ser autêntico, é inautêntico? Uma das partes alega

que a versão contida naquele pedaço de papel, naquele fragmento de madeira, naquela

fotografia, naquele registro digital não reflete a verdade dos fatos, sofreu algum tipo de

adulteração, não é verdadeira, é inautêntica. Aqui, vamos contrabandear uma classificação do

Direito Material Penal. A falsidade no Direito Penal pode ser material ou ideológica. A

classificação que vamos usar aqui não corresponde exatamente à classificação do Direito

Penal. É uma classificação apenas do Waldraff, somente didática.

Podemos ter, então, a inautenticidade formal ou a inautenticidade ideológica.

Inautenticidade formal

Na inautenticidade formal, algum dos elementos materiais do documento é alterado.

A falsificação é física.

Digamos que haja um cheque em que esteja escrito um mil reais. O falsificador puxa

uma perninha na palavra um e coloca cem mil reais. Por isso, muitas pessoas usam hum. Essa

é uma falsificação formal. O próprio documento sofreu uma adulteração em algum de seus

elementos físicos, com vistas a beneficiar alguma das partes dentro do processo.

A rigor, existe uma ciência, a grafodocumentoscopia, um ramo científico que é,

algumas vezes, essencial para a solução do litígio. Vamos usar alguns exemplos mais antigos,

mais evidentes.

Há uma geração atrás, não era incomum que o empregado, quando admitido, fosse

convidado, no setor de pessoal, quando assinava todos os documentos, a assinar duas ou três

folhas de papel em branco, com vistas a um preenchimento posterior. Era um documento

Page 99: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 99

assinado in albis, um documento assinado em branco e, posteriormente, preenchido ou, às

vezes, até interpolado com algumas passagens. Uma determinada Convenção Coletiva tinha

uma cláusula a esse respeito, tornando nulos os recibos salariais cuja assinatura não fosse feita

de maneira a transfixar o documento. Essa cláusula da Convenção Coletiva exigia que a

assinatura transfixasse de maneira longitudinal o documento. Por que isso? Porque, feito isso,

a tinta azul da caneta e, particularmente num exame mais acurado, é decalcada em cima da

tinta preta da impressora ou da máquina de escrever. Num microscópio isso fica fácil de

verificar, percebendo-se que, quando foi feita a assinatura, o documento estava em branco,

sendo adicionados dados depois, adulterando-o. Quando a assinatura é feita desse modo,

existe essa possibilidade.

Na verdade, a grafodocumentoscopia, ao enquadrar um documento num escalímetro,

percebia que uma palavra ou algumas foram inseridas posteriormente pela impressora ou pela

máquina de escrever, em vista do deslocamento que as letras possam sofrer em relação às

letras restantes do texto. Há situações em que se pode comprovar, inclusive, que o estado de

tensão de quem expediu a assinatura era forte, eventualmente comprovando um estado de

coação.

Nesse aspecto, o Código de Processo Civil impõe um incidente processual, o incidente

de falsidade documental. Se a parte alega a falsidade formal, instaura-se uma relação

processual acessória incidental, mas com vida própria, cuja finalidade é declaratória. Ocorre

concomitantemente ao processo principal, visando declarar, de maneira positiva ou negativa,

a falsidade daquele documento, por sentença, tendo eficácia em relação a outros processos.

Esse tipo de pronunciamento deve ser feito em um incidente processual, com um trâmite

probatório autônomo e com uma sentença, ou, pelo menos, com um capítulo na sentença do

processo principal, fazendo coisa julgada, servindo para outros processos.

Inautenticidade ideológica

A falsidade ideológica não implica que o documento tenha uma alteração física, mas a

versão ali contida não é verdadeira. O documento é íntegro, mas a informação ali inserida

não é verdadeira.

Imaginemos que alguém queira fazer uma brincadeira de péssimo gosto com o

professor Waldraff. Vai até uma torcida organizada, por exemplo, do Coritiba, e pega uma

carteirinha de torcedor do Coxa do professor Waldraff. É um documento carregado de

dúvidas éticas, mas não envolve algum tipo de adulteração física. A versão nele contida, além

Page 100: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 100

de não ser verdadeira, é diabólica, herética, implicará punições eternas, mas ela não implica

falsidade formal. O documento não sofreu qualquer modificação em termos de conteúdo.

No Processo do Trabalho, essas hipóteses de falsidade são as mais comuns. Vejamos

dois exemplos.

Exemplo 1: os cartões de ponto que não registram os horários frequentemente

praticados, o que ocorre em 50% das ações trabalhistas. O empregador mantém registro da

jornada, o reclamante impugna e a prova demonstra que os cartões são inválidos. Não há

adulteração no horário do trabalhador, mas a jornada real praticada era diferente. Essa é uma

situação extremamente comum.

Exemplo 2: outra situação frequente é quando o trabalhador recebe salário não

contabilizado, salário por fora. Um dos fenômenos típicos de nossa economia informal é que

o sujeito recebe um salário mínimo e, por fora, recebe mais. Os recibos de pagamento que são

juntados com a contestação registram exclusivamente os salários por dentro. Normalmente, a

empresa faz o crédito do salário na conta corrente do trabalhador e paga pessoalmente o

salário por fora. Não há falsificação formal. A falsidade é ideológica.

A falsidade ideológica é remediada não pelo incidente de falsidade documental, mas

pelas outras provas em Direito admitidas. O reclamante traz, por exemplo, uma testemunha,

para dizer que a documentação apresentada pela empresa não corresponde à realidade. O

remédio aqui, então, são as outras provas em Direito admitidas, para eliminar do processo

essa falsidade.

Reprodução de documentos

Outra circunstância envolve as reproduções. Aqui, existe uma evolução interessante.

Quando o professor era estagiário, naquela época, antes da fotocopiadora, a alternativa era

uma certidão cartorial, uma certidão de inteiro teor sobre tudo o que havia num determinado

documento, para que fosse juntado aos autos. Depois, com o tempo, juntaram-se fotografias,

fotocópias e, hoje, temos as reproduções digitais. Sempre convivemos com essa obsessão

burocrática cartorial, de que a fotocópia, para ser considerada verdadeira, deve vir com uma

palavra mágica, uma espécie de bruxaria, chamada autenticação documental, que, na verdade,

foi um esquema inventado por cartorário para ganhar dinheiro. Dependendo da quantidade de

documentos, é um valor monetário altíssimo para autenticar tudo.

Page 101: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 101

Art. 830. O documento em cópia oferecido para prova poderá ser

declarado autêntico pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade

pessoal. (Redação dada pela Lei nº 11.925, de 2009)

Ou seja, aquilo que era uma prerrogativa do cartorário agora é do advogado. Se o

advogado declarar que a fotocópia é autentica, não há necessidade de vir o original, salvo no

caso de impugnação do conteúdo, vindo a formar um incidente de falsidade documental.

Outra circunstância atual é sobre os processos digitais, em que não se sabe a diferença

entre uma digitalização de fotocópia ou de um documento original.

Prova testemunhal

A próxima via probatória é a prova testemunhal. Antes de definirmos a prova

testemunhal, qual é o significado histórico de testemunha? Ela tem a ver com outro termo

correlato, que é frequentemente utilizado, chamado testibo. Uma palavra perigosa, porque, se

errar a digitação, é possível escrever outra coisa. Etimologicamente, é exatamente essa a

origem da via probatória. Lá no processo romano, quando o cidadão era convocado a depor

em Juízo, deveria evocar a atenção dos deuses e lançar mão naquela região do corpo, dizendo

que se cometesse falso testemunho perderia aqueles órgãos. Convenhamos que isso é algo

muito mais eficiente do que o mero compromisso contemporâneo. Essa é a etimologia em

termos.

Processualmente falando, a definição precisa partir de uma premissa: a testemunha é

um terceiro, alguém que não é parte na relação processual. É um terceiro que comparece no

processo para relatar, para depor de fatos em relação aos quais tem conhecimento ou que

presenciou.

Quando se fala em terceiro, fala-se sobre a credibilidade do testemunho que irá

prestar. Um terceiro sem vício, com imparcialidade suficiente para prestar seu relato. É por

isso que fizemos referência à origem etimológica do termo, por causa da importância da

credibilidade do relato da testemunha, sem contaminação. Deve ter imparcialidade suficiente

para gerar credibilidade em seu depoimento.

Uma distinção importante é sobre aquilo que a testemunha presenciou fisicamente ou

tem conhecimento sobre a questão litigada, que é alvo da prova, em circunstância subsidiária,

que tenha conhecimento por terceiro. Imaginemos que houve um incidente com dois colegas,

foi assistido por um terceiro e esse terceiro, por sua vez, relata a essa testemunha. O terceiro

morre depois disso. Como não é possível um evento espírita, houve, aqui, esse relato perante

um terceiro, que faz aquilo que se costuma chamar, processualmente, de depoimento ou

Page 102: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 102

testemunho referido, contando uma versão que ouviu de outra pessoa. Evidentemente que

esse depoimento perde eficácia probatória para formação do conhecimento. O ideal seria que

a testemunha tivesse presenciado aquilo tudo, mas, em algumas circunstâncias, é o que está

presente na questão do processo.

Quando falamos sobre a autenticidade, estávamos a indicar, direta ou indiretamente, a

questão de algum vício. O Código de Processo Civil fala em incapacidade, impedimento e

suspeição, uma classificação bem mais apropriada para as questões contemporâneas do

processo.

15.09.2014 – Segunda-feira

Estamos tratando da prova testemunhal. A grande característica definidora dessa prova

envolve uma figura que comparece para prestar depoimento, um terceiro, sem vício subjetivo,

sem mácula no tocante à imparcialidade, que comparece para falar sobre fatos que presenciou

ou sobre os quais tem conhecimento.

Duas circunstâncias procedimentais relevantes.

a) Primeira circunstância – número de testemunhas. No Processo Civil, cada parte

pode arrolar dez testemunhas, ou três para cada fato, que é um sistema apropriado, mas colide

com a característica sumarizante do Direito Processual do Trabalho. O legislador trabalhista

tabelou o número de três testemunhas no procedimento ordinário5 e duas no sumaríssimo,6

mas cresce para seis no caso de inquérito judicial para apuração de falta grave. Esse número é

para cada parte.

b) Segunda circunstância – envolve a dispensa do arrolamento prévio, conforme art.

825 da CLT:

Art. 825 - As testemunhas comparecerão a audiência independentemente

de notificação ou intimação.

Parágrafo único - As que não comparecerem serão intimadas, ex officio ou

a requerimento da parte, ficando sujeitas a condução coercitiva, além das

5 Art. 821 - Cada uma das partes não poderá indicar mais de 3 (três) testemunhas, salvo quando se tratar de

inquérito, caso em que esse número poderá ser elevado a 6 (seis).

6 Art. 852-H (...) § 2º As testemunhas, até o máximo de duas para cada parte, comparecerão à audiência de

instrução e julgamento independentemente de intimação.

Page 103: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 103

penalidades do art. 730, caso, sem motivo justificado, não atendam à

intimação.

Ou seja, as testemunhas devem comparecer independentemente de arrolamento

prévio. Por que o legislador dispensou o arrolamento prévio das testemunhas no Direito

Processual do Trabalho? Por que essa dispensa? Por um cuidado na época da edição da CLT,

por conta de um temor reverencial que a testemunha pudesse devotar em relação a seu ex-

empregador, ou seja, um medo presente na assimetria das relações sociais da época. O

legislador, então, dispensou, pensando que com a ausência de arrolamento prévio algum tipo

de pressão ou de coerção poderia ser mitigado ou evitado. Atualmente, essa assimetria perde

um pouco do sentido, particularmente em razão da urbanização. Hoje em dia, por uma questão

de gestão de pauta, de gestão de audiência, a praxe forense e a própria jurisprudência indicam

uma faculdade à parte: ao final da audiência inicial, o Juiz abre prazo para que as

testemunhas sejam arroladas ou compareçam independentemente de intimação, sendo que,

nesse segundo caso, se não houver o arrolamento prévio, a audiência não será adiada e as

testemunhas não serão intimadas ou conduzidas. Se a parte tem algum temor no sentido de a

testemunha não comparecer, deve apresentar rol de testemunhas. Caso contrário, não haverá

intimação ou condução coercitiva. O adiamento da instrução acaba sendo prejudicial à agenda

da Vara do Trabalho.

Qual é o primeiro ato a ser realizado em relação à testemunha que comparece para

depor? I) Identificação da testemunha pelo Juízo, sendo nominada. Um segundo passo

envolve a II) advertência e o III) compromisso. A testemunha é advertida, cientificada, de

que está em Juízo e se faltar com a verdade poderá ser alvo de uma persecução criminal.

Comete crime se faltar com a verdade naquele momento. Na sequência, após essa advertência,

ela assume o compromisso de dizer a verdade.

Esses três rituais adotados nesse momento decorrem da formatação do tipo penal do

perjúrio, de componentes subjetivos e objetivos do tipo de falso testemunho. A testemunha

deve estar ciente de que está em Juízo e das consequências da mentira, devendo ser

advertida no sentido de dizer a verdade. Caso contrário, se não for advertida e mentir, não

há crime. É nesse momento, nesse itinerário tríplice, que a parte contrária, a quem interesse

inviabilizar o depoimento, poderá impugnar a testemunha relativamente a alguma deficiência

em relação à imparcialidade que se exige da testemunha compromissada. Esse incidente

chama-se contradita.

Art. 829 - A testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo

íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu

depoimento valerá como simples informação.

Page 104: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 104

O termo da tradição forense é informante: quem depõe sem assumir o compromisso

formal de dizer a verdade.

A rigor, esse elenco celetista é excessivamente genérico, insuficiente para dar conta de

todas as problemáticas que podem envolver essa questão da subjetividade da testemunha.

O Código de Processo Civil é, tecnicamente, mais refinado nesse aspecto, merecendo

sua atração para uma aplicação supletiva:

Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as

incapazes, impedidas ou suspeitas.

§ 1º São incapazes:

I - o interdito por demência;

II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em

que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve

depor, não está habilitado a transmitir as percepções;

III - o menor de 16 (dezesseis) anos;

IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que

lhes faltam.

São circunstâncias que geram incapacidade para depor, não havendo qualquer tipo de

discriminação inconstitucional. É uma questão meramente operacional. É possível tomar o

depoimento de um cego em virtude de sua capacidade auditiva, ou de um surdo se a questão

for visual. Isso envolve apenas funcionalidade.

§ 2º São impedidos:

I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau,

ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade

ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa

relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova,

que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;

II - o que é parte na causa;

Nessas hipóteses, tanto no parágrafo 2º quanto no 3º, a testemunha está isenta do

múnus de depor de maneira verídica.

Funcionar como testemunha é uma obrigação semelhante ao serviço militar, à

obrigação de votar nas eleições e também de prestar socorro. É um múnus público, em

Page 105: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 105

decorrência do fato de se viver em sociedade. Por isso, é preciso comparecer como

testemunha numa situação litigiosa, colaborando com a jurisdição, depondo de maneira

verídica. Em algumas situações especiais o cidadão é isento dessa circunstância, por razões

subjetivas. Seria penoso exigir que o cônjuge comparecesse para depor sobre fatos

desfavoráveis quando alguém de sua família é parte, havendo uma isenção.

III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do

menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e

outros, que assistam ou tenham assistido as partes.

Nesse caso, o advogado da parte também é o próprio Juiz da causa. É possível

imaginar isso numa ação rescisória. São circunstâncias graves, que, se não forem levantadas,

não operam preclusão.

§ 3º São suspeitos:

I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em

julgado a sentença;

Uma presunção de falta de retidão ética, decorrente de um antecedente criminal,

concretizado numa sentença judicial transitada em julgado.

II - o que, por seus costumes, não for digno de fé;

O legislador Buzaid de 1973 estava pensando no marginal, no mendigo etc. É nessas

pessoas que se estava pensando lá, o que não é adequado para o nosso padrão constitucional

atual. Hoje em dia, podemos pensar na pessoa que consome certas substâncias, em razão do

distúrbio de percepção que isso possa gerar. Esse dispositivo, para os padrões constitucionais

contemporâneos, precisa ser banido.

III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo;

Isso envolve uma circunstância frequente nas ações trabalhistas. Aqui, na nossa sala de

aula, há três estágios de relação: inimigo, amigo e amigo íntimo. O que diferencia o amigo do

amigo íntimo é, particularmente, a frequência domiciliar. Inimigo capital é a inimizade que

pronuncia em diversas circunstâncias o desejo de ver o mal ou causar o mal a alguém. É a

alegria em sentir a dor.

IV - o que tiver interesse no litígio.

Será que alguém ser torcedor de um time faz com que essa pessoa não possa depor em

relação a um litígio no qual seu time figura como parte? Isso isenta a pessoa dessa obrigação?

Page 106: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 106

Não. Porém, a parte contrária ficaria intranquilizada com esse grau de envolvimento da

testemunha.

No caso trabalhista, há circunstâncias mais frequentes.

§ 2º São impedidos:

III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do

menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e

outros, que assistam ou tenham assistido as partes.

Aquele que figurou como preposto numa audiência foi representante da parte, e, por

isso, não pode depor como testemunha. Vale o mesmo raciocínio para o exercente de cargo de

administração, gestão ou gerência.

Outro exemplo, comum na área trabalhista, é o da testemunha demandante, ou seja, a

própria testemunha move ou moveu contra o mesmo empregador uma ação trabalhista:

SUM-357 TESTEMUNHA. AÇÃO CONTRA A MESMA RECLAMADA.

SUSPEIÇÃO

Não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter

litigado contra o mesmo empregador.

Essa é uma característica orgânica das ações trabalhistas. Normalmente, as empresas

despedem mais de um empregado, e o trabalhador, por sua vez, só vai encontrar testemunhas

entre seus colegas dispensados. Pode ser que esse colega também tenha ingressado com ação

trabalhista contra o mesmo empregador. Do ponto de vista do empregador, é intranquilizante

que a testemunha seja autora em outra reclamatória trabalhista, particularmente se os pedidos

são idênticos, inclusive até patrocinada pelo mesmo advogado. Por outro lado, o

entendimento da jurisprudência trabalhista é de que essa testemunha não tem o direito de não

falar a verdade. Esse depoimento precisa ser visto com cuidado pelo Juízo no momento da

valoração da prova, atribuindo-lhe mais ou menos crédito à luz de todas as características

desse depoimento.

No Código de Processo Civil, a colheita do depoimento do impedido, do suspeito ou

até do incapaz é uma faculdade do Juízo:

Art. 405 (...) § 4º Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas

impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados

independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz lhes atribuirá o valor

que possam merecer.

Page 107: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 107

Na CLT, na verdade, isso é obrigatório.

Art. 406. A testemunha não é obrigada a depor de fatos:

I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus

parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo

grau;

II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

Essa é outra peculiaridade que marca o depoimento, inclusive para o Direito

Processual do Trabalho.

Nossa tradição, nosso uso, e a própria indicação legal apontam para a formulação de

perguntas às testemunhas (e também as reperguntas dos advogados) pelo Juízo, segundo os

critérios da controvérsia, da pertinência e da relevância.

O sistema de transcrição normalmente envolve as respostas a essas perguntas. Hoje,

sistemas de registro audiovisual acabam com isso. Os depoimentos ficam mais rápidos e o

registro é absolutamente fidedigno.

Como se chama o procedimento pelo qual o Juízo, depois de tomar os depoimentos,

entende que permanece alguma controvérsia nesses depoimentos e reconvoca os depoentes

para que prestem depoimento juntos? Acareação. É o incidente pelo qual o Juízo coloca cara

a cara depoentes, cujas versões são conflitantes, para tentar suprimir o conflito ou tentar

encontrar uma verão convergente. Isso poderá ser feito em relação a testemunhas, mas,

eventualmente, em relação até às partes. O Juízo reconvoca dos depoentes e, eventualmente,

por meio dessa alternativa, desse procedimento facultativo, chamado de acareação, há uma

possibilidade de que a dúvida seja esclarecida.

Por último, a testemunha referida: dos relatos, ou de algum relato, é possível perceber

que há outro personagem envolvido, o qual pode prestar um depoimento mais esclarecedor,

mais imediato em relação às questões controvertidas. Nesse caso, o Juízo convoca esse

depoente, eventualmente já identificado pelas partes, para prestar depoimento na condição de

testemunha referida e também na condição de testemunha do Juízo, porque, embora a própria

lei não faça referência a essa circunstância, o Juízo poderá ouvir tantas testemunhas quanto

considere necessárias, desde que, à luz das características do litígio, possa fazer a

identificação. A testemunha referida pode ser apropriada para esclarecer algum fato nessas

circunstâncias.

Page 108: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 108

22.09.2014 – Segunda-feira

Prova pericial

A rigor, nossa disciplina se vale de uma premissa didática, que á a presunção,

meramente iuris tantum, de que já temos algum contato com as figuras que serão

apresentadas. Nesse caso, o tema põe uma dúvida definidora: o que é prova pericial na teoria

geral da prova? Essa definição parte de uma premissa interessante, de uma presunção de que

os agentes do processo, e, em particular, o Juízo, apreendem a realidade controvertida, a

realidade litigada, a questão fática controvertida, a partir de seus órgãos sensitivos. É a

maneira como, a rigor, o ser humano apreende a realidade, com todas as circunstâncias que

isso possa gerar. Todavia, há certos fatos no processo em que essa percepção da realidade

requisita conhecimentos técnicos especiais, que não estão disponíveis para todos os seres

humanos, impondo a participação de um intermediário. Portanto, há um fato técnico cuja

integral percepção impõe a concorrência, juntamente com os órgãos dos sentidos, de um

expert, um perito sobre uma área do conhecimento humano. São fatos técnicos, que

impõem conhecimentos técnicos, que serão providos por um intermediário, um auxiliar do

Juízo, que será convocado a participar.

Esse tipo de circunstância acontece quando i) o conhecimento técnico é

imprescindível para a percepção da realidade ou ii) quando esse conhecimento possa

facilitar a percepção da realidade.

Em certas circunstâncias é absolutamente imprescindível que esse intermediário

compareça. Havendo necessidade de aferir se um ambiente é adequado para as aulas, por

exemplo, seria preciso ajuda de técnicos, de médicos do trabalho, para verificar essa questão,

para aferir, de maneira científica, a existência de agentes nocivos para o trabalho, ou para a

aula.

Por outro lado, o perito pode comparecer exclusivamente para facilitar a realidade

fática, a verdade. Pode haver o perito contador, para verificar diferenças em cartões de ponto

e horas extras, repercutindo na remuneração. Nesse caso, o perito serve para facilitar esse

acesso, para pavimentar a ponte entre o processo e a realidade. Outra pessoa poderia fazer

isso, com muito mais esforço, mas, então, o perito é chamado para promover essa facilitação.

A própria CLT impõe expressamente essa modalidade de prova (pericial) em duas

situações, nos casos de insalubridade e de periculosidade:

Art. 195 - A caracterização e a classificação da insalubridade e da

periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão

Page 109: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 109

através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do

Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº

6.514, de 22.12.1977)

Nessas situações, a CLT impõe a realização da prova pericial, para a regularidade do

processo, para a validade da relação processual.

A insalubridade é um prejuízo à saúde e a periculosidade é um risco à integridade

física. As duas situações, a rigor, são numerus clausus, tipificadas num rol normativo.

No caso de insalubridade, a previsão encontra-se num texto regulamentar, em normas

regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, inclusive por conta de uma dinâmica

natural, tanto da tecnologia quanto dos métodos de trabalho. À medida que a tecnologia vai

mudando, outros agentes nocivos à saúde do trabalhador vão surgindo. No caso da exposição

ao sol, a jurisprudência trouxe essa possibilidade, mesmo sem previsão em norma

regulamentar. A jurisprudência acabou criando essa possibilidade. Mas, em princípio, caberia

ao Juiz apenas aplicar o catálogo regulamentar.

E há a questão da periculosidade, nos seguintes casos, previstos na Consolidação:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da

regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas

que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado

em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela

Lei nº 12.740, de 2012)

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740,

de 2012)

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais

de segurança pessoal ou patrimonial. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)

§ 4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em

motocicleta. (Incluído pela Lei nº 12.997, de 2014)

E temos, por último, a radiação. A rigor, a radiação precisaria de um índice altamente

elevado para gerar risco à integridade física, e não apenas prejuízo à saúde. Nesse caso, o

trabalhador vai morrendo aos poucos, com o tempo. É uma hipótese um pouco limítrofe,

porque não haveria um prejuízo imediato à integridade física. Mas tudo isso impõe a

realização da prova técnica, para saber até que ponto a radiação é prejudicial à saúde.

O legislador estendeu a hipótese de periculosidade ao trabalhador em motocicleta.

Nessa hipótese específica, como se trata de uma novidade, não está totalmente adaptada ao

Page 110: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 110

sistema. Claro que não há necessidade de prova pericial nesse caso, porque basta comprovar

que o sujeito exerce a atividade de motociclista com frequência. É algo que foge um pouco do

sistema normal da prova pericial.

Uma questão importante envolve a matéria de responsabilidade civil trabalhista, em

que o concurso do perito se mostra importante para aferição do famigerado nexo de

causalidade, ou seja, se há uma relação de causa e efeito entre o trabalho e uma eventual

responsabilidade do empregador, e o prejuízo à saúde ou à integridade física do

trabalhador. É a hipótese, portanto, de doença profissional e de acidente de trabalho. O

legislador é categórico ao indicar, no art. 927 do Código Civil, que a responsabilidade civil é

subjetiva, ou seja, delega o ônus da prova para a pretensa vítima:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,

fica obrigado a repará-lo.

É ela, a vítima, quem deve comprovar a responsabilidade, a culpa do empregador, do

tomador de serviços, e mostrar também seu efetivo dimensionamento, sua extensão,

particularmente nas hipóteses de corresponsabilidade, de responsabilidade concorrente entre a

vítima e o titular da atividade empresarial.

A própria Constituição Federal, a rigor, trata dessa matéria, fixando a responsabilidade

no caso de acidente de trabalho e doença ocupacional, se demonstrada culpa:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que

visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem

excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou

culpa;

O parágrafo único do art. 927 do Código Civil, todavia, traz uma exceção, uma válvula

de escape:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente

de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem.

É a hipótese de risco intrínseco, risco inerente, em que o ônus probatório se

inverteria.

Page 111: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 111

O Tribunal Superior do Trabalho julgou um caso recentemente, de doma de cavalos,

em que há risco inerente quando se cai do cavalo. O cavalo não será domado se não derrubar

algumas vezes o pretenso domador. Esse é o primeiro exemplo.

Muito recentemente, observa-se um setor da jurisprudência, bastante realista, que

pretende atribuir essa hipótese de risco inerente ao caso de motorista de caminhão,

reconhecendo o risco estatístico dessa atividade, para dizer que quando há acidente presume-

se a responsabilidade ou delega-se a responsabilidade objetiva também nessa situação. É um

segmento que cresce, a partir, inclusive, de outra premissa, do Direito Previdenciário, que

trata do nexo técnico epidemiológico, da Lei n. 8.213/91, e que faz um cálculo estatístico e

atuarial e incrementa o fator previdenciário, o fator de risco em certas atividades que,

estatisticamente, desenvolvem um número mais frequente de acidentes de trabalho e de

doenças profissionais. Não é exatamente o caso de motorista de caminhão, mas o raciocínio é

o mesmo: em certas atividades, o valor pago pelo empregador a título de fator previdenciário

é elevado em decorrência de índices estatísticos sobre acidente de trabalho e doença

profissional na atividade considerada, ou, eventualmente, até na própria empresa. É uma

forma de tentar estimular o empregador a adotar medidas de diminuição de risco, tanto para

acidente de trabalho quanto para doença profissional.

Procedimentalmente falando, a perícia há de ser requerida pelo interessado ou

determinada ex officio pelo Juízo. O ideal é que seja feito o requerimento no início da

audiência de instrução, não havendo necessidade de que seja na petição inicial ou mesmo na

contestação. Então, por determinação do Juízo ou solicitação do interessado a perícia será

realizada.

Com isso, deferida a realização da prova, temos duas providências: i) a designação

do perito, com requisitos subjetivos semelhantes aos do Juízo ou das testemunhas, com

imparcialidade, sem impedimento e suspeição, ou incapacidade, preenchendo os requisitos

técnicos necessários, e ii) a abertura de prazo para o oferecimento de quesitos e eventual

indicação de assistente técnico.

Quem deve antecipar os honorários periciais? Normalmente o autor, o reclamante.

Em regra, não é a empresa. Não é raro observar da parte do Juiz de primeiro grau o raciocínio

de que se a empresa não fizer a antecipação não há como fazer a prova. E também se fala que

nas hipóteses de atividade de risco seria o empregador obrigado a fazer o pagamento, por

causa da inversão do ônus probatório. Porém, esse raciocínio não tem sido aceito pelas

instâncias superiores. A antecipação é necessária em razão dos custos que o perito possa ter.

Outra dificuldade coloca uma presunção um pouco malévola, no sentido de que o perito deve,

sim, atestar a existência de insalubridade, de periculosidade ou de responsabilidade da

Page 112: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 112

empresa, porque se fizer o contrário teria muito pouca chance de receber os honorários

periciais. Caso o trabalhador não tivesse sucesso na ação, ele não teria como fazer o

pagamento dessas despesas. Segundo o Direito regulamentar, no caso de assistência judiciária

é o próprio Poder Judiciário que fica obrigado a fazer o pagamento dos honorários periciais.

Portanto, essa inversão do ônus probatório não pode impor ao réu a responsabilidade pela

antecipação dos honorários periciais, segundo o entendimento predominante.

Quem paga os honorários periciais, ao final? O sucumbente no pedido que gerou a

prova pericial, e não o perdedor na prova pericial, porque o Juízo não está obrigado a acatar

a prova pericial. Exemplo: o trabalhador ingressa em câmara fria num supermercado para

retirada das peças a fim de fazer os cortes, fazendo certo número de ingressos na câmara fria.

Isso impõe o uso de roupa térmica e certo número de ingressos. Essas duas situações atenuam

ou até eliminam a insalubridade. Se o trabalhador ingressar uma vez por dia na câmara fria

usando a roupa adequada, muito provavelmente não haverá insalubridade. Ao contrário, se

não a usar ou for inadequada para ingresso numa câmara com temperaturas congelantes, como

menos vinte graus célsius, e fizer um número frequente de ingressos, dependendo da demanda

que essa atividade empresarial possa requerer, isso implicará a existência de insalubridade, e,

até mesmo, num acréscimo ao adicional de insalubridade devido. Isso pode ser objeto de outra

prova. Pode ser que o número de ingressos seja questionado pela parte. O perito pode dizer

que o trabalhador ingressava dez vezes por dia na câmara fria. A parte, todavia, diz que

ingressava duas vezes, uma vez no turno da manhã e outra no turno da tarde. E o trabalhador

diz que ingressava vinte vezes. Essa questão pode impor a realização de prova oral, de prova

testemunhal, complementando a tese do laudo. São quesitos condicionados, com a

necessidade de complementação pela prova oral para verificação dessas informações. Isso terá

repercussões na sucumbência relativa ao pagamento dos honorários do perito.

Inspeção judicial

A prova é produzida no processo fisicamente, no foro, dentro do ambiente abstrato do

processo, inclusive as testemunhas, ressalvada uma hipótese do Processo Civil, das

testemunhas gradas, que têm o direito de ser inquiridas em sua residência ou em seu local de

trabalho. Mas, normalmente, a prova vem até o Juízo. Em situações excepcionais, todavia, e

no Processo Civil isso é mais frequente, principalmente em litígios envolvendo direitos reais,

o Juízo pode se deslocar até o local da prova, até o local da coisa. Essa é uma circunstância

rara nas ações trabalhistas, porque as ações trabalhistas são movidas, em regra, por

trabalhadores que já foram dispensados. Então, a realidade de hoje, da empresa, pode não ser

a realidade dos dias do contrato de trabalho. O fato de se fazer horas extras hoje não significa

que na época referida pela Reclamatória Trabalhista as mesmas horas extras eram feitas. Se

Page 113: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 113

ficar claro que as condições de trabalho não foram alteradas, o comparecimento do

Magistrado ao local de trabalho pode ser algo interessante.

Houve uma hipótese em que o trabalhador pedia vínculo de emprego com uma casa

lotérica, mas o suposto empregador negava a prestação de trabalho. O Juiz resolveu fazer

inspeção judicial e constatou que se tratava de um local onde se realizava jogo do bicho. Essa

é uma prática contravencional, gerando uma invalidade que contamina o contrato de trabalho,

e a própria empresa está envolvida numa situação delitiva. Essa é uma situação em que a

inspeção judicial foi decisiva.

Com isso, encerramos a fase instrutória do procedimento. Os meios de prova em

Direito cogitados são esses, em princípio.

Essa fase não corresponde, necessariamente, ao fim da audiência de instrução, no

sistema prático de fracionamento das audiências. Tivemos uma audiência inicial, que

começou com uma primeira tentativa de conciliação e encerrou-se com o oferecimento da

defesa. Essa audiência foi interrompida, sendo iniciada a audiência de instrução pelo

depoimento pessoal das partes, depois das testemunhas, os documentos, a prova pericial.

Porém, há outros atos a serem realizados. Basicamente, dois atos que não têm natureza

probatória: as razões finais e a última tentativa conciliatória. Seriam outros dois atos

procedimentais, antes de encerrarmos esse segundo fragmento de nossa audiência contínua

prevista na CLT. E teríamos, depois disso, mais um pedaço, com a audiência de publicação

de sentença.

A rigor, temos uma audiência única, mas que foi dividida em três (inicial, instrução e

de publicação de sentença) por uma questão de divisão do trabalho.

13.10.2014 – Segunda-feira – 4º BIMESTRE

Invalidades

Vamos começar a falar das invalidades no Processo do Trabalho. Esse tema é

estudado agora, no momento em que são apresentadas as razões finais, com os atos finais

antes da sentença. Tínhamos o encerramento da fase instrutória, o oferecimento de razões

finais e uma última tentativa de conciliação.

Uma circunstância interessante, que oportuniza a questão das invalidades no Processo

do Trabalho, é o oferecimento de razões finais:

Page 114: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 114

Art. 850 - Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em

prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o

juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando

esta, será proferida a decisão.

Esse tema está ligado à nossa apresentação do Direito Processual do Trabalho, quando

tratamos da questão das decisões interlocutórias e seus recursos. O Direito Processual do

Trabalho, historicamente, sempre patrocinou um sistema que acabou sendo implementado

também no Direito Processual Civil, por inspiração do Processo do Trabalho, que é um

sistema de inexistência de recurso autônomo para as decisões interlocutórias. Esse recurso

somente será cabível após a prolação da sentença e no bojo do recurso que desafia essa

sentença.

Por outro lado, nos termos da lei, há um preparativo que deve ser feito nas razões

finais para um posterior recurso, e é disso que vamos tratar.

Um dos requisitos para a caracterização da invalidade no Direito Processual do

Trabalho é a atipicidade. A invalidação requer sempre a atipicidade, ou seja, requer sempre a

desconformidade do ato processual com certo modelo, eventualmente legal ou até jurídico,

mais amplo.

Além disso, há outro requisito, que é a questão do prejuízo.

Art. 794 - Nos processos sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho só

haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às

partes litigantes.

Além de o ato não ser conforme a lei, o ato deve gerar algum prejuízo à parte,

particularmente no tocante às garantias constitucionais do litigante. Poderíamos nos valer da

principiologia constitucional para verificar o que significa um prejuízo.

Um exemplo que pode ser categórico, nesse particular, é a substituição da defesa

verbal pela defesa escrita. A lei fala exclusivamente em defesa verbal, de 20 minutos. Porém,

na prática, admite-se o oferecimento de uma defesa escrita, exatamente porque não gera

prejuízo, sendo até mais benéfica para o réu, e também não prejudica o autor. Talvez até o

contrário, sendo benéfica ao próprio reclamante, que captará a tese da defesa, os argumentos,

a própria estratégia processual da parte contrária.

Então, nessas circunstâncias, não havendo prejuízo, não há invalidade.

Há outro preceito, que merece destaque, que é a questão da arguição:

Page 115: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 115

Art. 795 - As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação

das partes, as quais deverão argüi-las à primeira vez em que tiverem de

falar em audiência ou nos autos.

Esse preceito oferece dois outros requisitos para a configuração da invalidade no

Processo do Trabalho.

Então, temos a questão da desconformidade, do prejuízo e uma arguição oportuna

formulada pela parte. A parte entende que o ato é atípico, existe prejuízo, então utiliza o

protesto, que o professor Manoel Antonio Teixeira Filho chama de protesto antipreclusivo. É

um protesto, com um efeito antipreclusivo.

Essa expressão, protesto, é da praxe forense. Quando a parte quer se manifestar no

sentido de alguma decisão equivocada, alguma ocorrência negativa, alguma intercorrência no

curso do processo que entende prejudicial, ilícita, o faz por meio de uma arguição verbal, o

protesto, pedindo que o Juízo reconsidere a decisão e, eventualmente, a corrija, mas, no nosso

caso, com finalidade antipreclusiva. Como essa expressão é utilizada de maneira corriqueira,

sendo da tradição procedimental do nosso país, é importante falar sobre o efeito, que é evitar

a preclusão relativamente a uma eventual decisão interlocutória desfavorável. A parte

prejudicada deve fazer essa formulação, a fim de deixar claro que não está de acordo com a

decisão e que, oportunamente, pretenderá formular um recurso.

O art. 795, então, faz essa indicação, do protesto antipreclusivo.

Quando esse protesto é feito?

Art. 795 - As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação

das partes, as quais deverão argüi-las à primeira vez em que tiverem de

falar em audiência ou nos autos.

A provocação das partes deve assumir a roupagem praxista do protesto, e isso deve ser

feito na primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos.

Aqui, então, vimos o formato do protesto, e a parte final do art. 795 fala da

oportunidade, do momento processual em que deve ser arguido, que é o primeiro momento

em que a parte tem de falar nos autos.

Houve controvérsia sobre a expressão “tiverem de falar”. Essa expressão legal gerou

duas correntes que até hoje ainda acabam por colidir no âmbito da doutrina e também da

jurisprudência. Ter de falar nos autos pode gerar duas alternativas temporais e lógicas:

Page 116: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 116

a) Arguição imediata, fulminante � tão logo a decisão judicial seja proferida, ou tão

logo o ato processual que a parte entende contaminado se concretize, imediatamente a parte

interrompe o curso do procedimento, eventualmente até na audiência pede a palavra pela

ordem, suspende o curso do processo e requer o registro do protesto antipreclusivo.

Essa é a primeira possibilidade, que se concretiza na primeira corrente, a arguição

imediata.

b) Arguição em momento típico � a segunda corrente entende que o ter de não

significa que a parte deve interromper o trâmite processual, não precisa interromper o

encadeamento dos autos, e apenas quando lhe for dada a palavra deverá formular a arguição

de nulidade. Quando? Normalmente, em razões finais, porque somente nesse momento a

parte, tipicamente, por expressa previsão legal, recebe a palavra para se pronunciar. Nos

outros momentos, essas intrusões, essas interferências da parte são facultativas. Mas, nos

termos do artigo 850, a interferência típica, em que a parte tem a palavra, será em razões

finais.

Então, a segunda corrente entende que há um momento típico para o pronunciamento.

Na prática, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a segunda corrente, que diz

que a parte deve se pronunciar apenas em razões finais, ou que faculta o pronunciamento

apenas em razões finais, é claramente predominante. A questão é que esse assunto é tão

antigo quanto a CLT, e ainda não se cristalizou em Súmula.

Em termos estritamente pragmáticos, e se formos encarar sob o ponto de vista da parte

e de seu advogado, é melhor que a parte interrompa, peça a palavra e faça a arguição, e, mais

do que isso, exija que essa arguição seja registrada por escrito no termo de audiência, na ata

que vai sendo elaborada durante a audiência. Se não se permitir que esse registro seja feito, a

parte deve, em razões finais, ratificar o protesto e fazer o registro nas razões finais.

Em termos também estritamente práticos, o efeito do protesto anticonclusivo seria

como se a parte tivesse apresentado um agravo verbal retido, que será examinado

posteriormente e oportunamente.

Por exemplo, recebida a petição inicial e a contestação, o Juízo pode entender que

outras provas não são necessárias. A parte traz o número de testemunhas permitido pela lei,

mas o Juiz entende desnecessária a colheita de outras provas, pois inúteis. Do cotejo da

petição inicial com a contestação, o Juiz entende que não há mais controvérsia quanto à

matéria fática, não há mais controvérsia fática naquele processo, e indefere a colheita da

prova oral. A parte que queria a oitiva de testemunhas pode, nessas circunstâncias, sentir-se

Page 117: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 117

prejudicada e, por uma questão de segurança, formula uma arguição, protestando contra essa

providência por parte do Juízo. Depois, a parte deve formular essa questão em arguição

preliminar, em recurso contra a decisão definitiva. O TRT, entendendo que a matéria

comporta prova, deverá declarar a invalidade daquela decisão e dos atos posteriores que dela

dependem, devolvendo os autos ao primeiro grau para a reabertura da instrução, com colheita

da prova necessária e, eventualmente, até com nova sentença, com uma decisão oposta àquela

proferida originariamente. A invalidade pronunciada pelo Tribunal implica retorno dos autos.

Há alguns anos atrás, a OAB, no Paraná, quando o Exame de Ordem era estadual,

elaborou uma questão interessante, antes da Emenda dos domésticos, que estendeu o rol dos

direitos do art. 7º da Constituição Federal a eles, inclusive sobre a limitação da jornada. A

questão dizia que uma trabalhadora prestava serviços na residência do reclamado na condição

de enfermeira e cuidadora, trabalhando das 07 às 19 horas, sem intervalo e repouso semanal.

A questão pedia que se elaborasse a contestação, defendendo os interesses do reclamado.

Todavia, ficava vedada a negativa quanto aos fatos alegados na petição inicial. A versão fática

que tinha de ser adotada era aquela que constava da petição inicial, ou seja, era uma

enfermeira cuidadora, que trabalhava naquele horário, na residência do empregador, sem os

direitos mencionados. Tudo isso não deveria ser contestado. É evidente que o grande contra-

argumento era de que se tratava de trabalhadora doméstica e, naquele tempo, ela não tinha

direito a horas extras e nem a repouso semanal. É uma questão hoje superada, mas apresenta a

questão da dúvida quanto à matéria fática.

A CLT ainda trata da invalidade no art. 796:

Art. 796 - A nulidade não será pronunciada:

a) quando for possível suprir-se a falta ou repetir-se o ato;

O possível refazimento, o possível conserto, a possível reparação do ato afasta a

possibilidade da declaração de invalidade. E, também:

Art. 796 - A nulidade não será pronunciada:

b) quando argüida por quem lhe tiver dado causa.

Há uma proibição à venire contra factum proprium, vedando-se esse comportamento

contraditório da parte.

Art. 797 - O juiz ou Tribunal que pronunciar a nulidade declarará os atos a

que ela se estende.

Page 118: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 118

Art. 798 - A nulidade do ato não prejudicará senão os posteriores que dele

dependam ou sejam conseqüência.

Esses dois artigos destacam uma orientação típica dos ordenamentos, principalmente

dos ordenamentos processuais, que na doutrina é chamado de princípio do aproveitamento:

somente os atos efetivamente contaminados deverão ser extirpados do processo. Define-se

qual é a patologia, seus sintomas e suas consequências, para definir uma terapia. É quase uma

medicina processual.

Isso tudo apresenta, nos termos da lei, um quadro bastante pragmático em termos de

uso cotidiano. A verdade é que a CLT ofereceu soluções práticas bastante apropriadas para a

fisionomia do Direito Processual do Trabalho. É preciso que o ato seja desconforme, a parte

interessada precisa formular uma arguição, com certo formato e com algumas formalidades

bastante singelas, sob pena de não se caracterizar a invalidade. Esse sistema dá a ideia de que

é simples e dá conta de todas as realidades práticas. Por outro lado, uma comparação desse

sistema de invalidades com outros ramos do Direito mostra que essa não é uma matéria

simples.

A professora Aldacy tentou fazer uma espécie de classificação a respeito das

possibilidades terminológicas que o gênero invalidade poderia gerar, falando sobre:

inexistência, nulidade absoluta, nulidade relativa, rescindibilidade, anulabilidade e mera

irregularidade.

Qual a diferença entre anulabilidade e nulidade relativa? Cada ramo do Direito,

particularmente do Direito Processual, oferecerá respostas distintas. Se fôssemos usar uma

terminologia de manual, diríamos que a nulidade envolve normas de ordem pública, enquanto

que a anulabilidade envolveria normas disponíveis, interesses privados.

E a distinção entre nulidade absoluta e relativa seria a de que, embora ambas

envolvam normas cogentes, de ordem pública, a nulidade absoluta não pode ser curada, não

opera a preclusão e nem precisa ser arguida imediatamente ou nos momentos processuais

oportunos. Já na nulidade relativa há também uma norma de ordem pública, mas que impõe

uma arguição num dado momento.

A verdade é que, na prática, distinguir se uma norma é ou não de ordem pública é algo

muito complexo. A questão da natureza das normas é sempre duvidosa, porque deveríamos

considerar todas as normas processuais como de ordem pública. Fala-se que a lei processual é

de ordem pública, sofrendo o impacto de uma nova lei imediatamente.

Page 119: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 119

Já a inexistência acabou por ser incluída nesse rol por uma questão prática, em

especial se considerarmos a rescindibilidade. A rescindibilidade é uma espécie de nulidade

absoluta, uma das causas elencadas no Código de Processo Civil que permitem a rescisão de

uma decisão de mérito transitada em julgado. É uma espécie mais restrita de nulidade

absoluta, nos casos identificados pela lei processual, e que permite a rescisão da sentença. A

questão delicada nesse particular é que o pronunciamento dessa rescindibilidade, por meio de

ação rescisória, está sujeito a um prazo decadencial, muitas vezes restritivo e gravoso. Em

algumas circunstâncias, então, o Direito Processual, inclusive o Direito Processual Civil,

acabou por admitir o tema da inexistência, permitindo outras hipóteses que não aquelas de

rescindibilidade, e não sujeitas a prazo decadencial. É uma inexistência meramente

declaratória, podendo ser provocada em qualquer tempo. Esse argumento é particularmente

válido na hipótese de vício quanto à citação. Nesse caso, o argumento que se utiliza não é de

nulidade absoluta ou de rescindibilidade, mas, sim, de inexistência, em especial se o prazo

decadencial já tiver sido superado. Nessa situação, costuma-se falar em inexistência para

tentar corrigir algum tipo de justiça teratológica, muito grave, que possa, efetivamente, causar

prejuízos muito fortes.

Sentença

O processo se iniciou fora da audiência, com a petição inicial, o ato seguinte foi a

notificação citatória e ingressamos na audiência do art. 849 da CLT, que a lei chama de

audiência de julgamento. Depois, tivemos os atos processuais sucessivos (a primeira tentativa

de conciliação, a resposta do réu, o depoimento pessoal das partes, das testemunhas, a prova

pericial, as razões finais e a última tentativa de conciliação). Na grande maioria dos casos,

adota-se a técnica do fracionamento da audiência. Recebida a resposta, a audiência do art. 849

é interrompida, e se costuma chamar esse primeiro fragmento de audiência inicial. A segunda

fragmentação é chamada de audiência de instrução. E o último ato processual seria a prolação

da sentença e a audiência de publicação da sentença. A rigor, pelo formato da CLT, já que

todos os atos são verbais, a sentença também deverá sê-lo. O que queria o legislador de 1943

é que, realizados todos os atos processuais, o Juízo proferisse uma sentença verbal, e teria o

prazo de 48 horas para juntar a versão escrita dessa sentença aos autos, mas as partes já

ficavam cientes da sentença e de seu teor no próprio momento da audiência. Era isso que tinha

pensando o legislador em 1943.

Na prática, esse receituário legal sofreu uma série de alterações em todos esses atos

colocados. Primeiro, o fracionamento da audiência. Na sequência, a apresentação de defesa

escrita e não verbal. Da mesma forma, as razões finais. E, também na prática, acabou por se

consolidar um procedimento bastante apropriado, no sentido de que a sentença também é

Page 120: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 120

proferida por escrito, sendo agendada uma data na qual será publicada como sequência final

da audiência do art. 849. As partes tomam ciência dessa sentença; ela entra na internet e está

disponível para qualquer interessado e também para as partes. Mas, aqui, essa alteração do

modelo legal decorreu do aumento da complexidade das ações trabalhistas e de um imperativo

também prático, qual seja de que essa sentença, elaborada em gabinete, eventualmente até

com o auxílio de um assistente, atende a parâmetros de qualidade mais especializados. Claro

que nada impede que o Juízo profira a sentença imediatamente. Não há qualquer obstáculo a

esse tipo de procedimento. Por outro lado, o tempo e o cansaço acabam impondo uma

alteração ao receituário legal.

03.11.2014 – Segunda-feira

Vimos os atos procedimentais finais e vamos concluir a sequência procedimental,

examinando a sentença no Processo do Trabalho.

A sentença é o ato final derradeiro, tende a extinguir a relação processual. Os artigos

267 e 269 do Código de Processo Civil são aqui aplicáveis, que tratam da extinção do

processo sem resolução de mérito e com resolução de mérito, sendo perfeitamente possível o

fenômeno de morte da relação processual por causa não natural, na hipótese do artigo 267 do

CPC, o que é indesejável, particularmente no Processo do Trabalho em virtude da questão da

economia processual e da relevância da questão social debatida, mas é possível haver a

ausência de algum pressuposto processual ou de alguma condição da ação que não permita a

análise do mérito.

Vamos usar dois exemplos trabalhistas típicos.

O art. 844 da CLT trata do arquivamento do processo, quando o reclamante faltar à

audiência inicial. Se ele der causa a um segundo arquivamento, um duplo arquivamento, o

direito de ação fica suspenso por seis meses.

Art. 731 - Aquele que, tendo apresentado ao distribuidor reclamação verbal,

não se apresentar, no prazo estabelecido no parágrafo único do art. 786, à

Junta ou Juízo para fazê-lo tomar por termo, incorrerá na pena de perda,

pelo prazo de 6 (seis) meses, do direito de reclamar perante a Justiça do

Trabalho.

Art. 732 - Na mesma pena do artigo anterior incorrerá o reclamante que, por

2 (duas) vezes seguidas, der causa ao arquivamento de que trata o art. 844.

Page 121: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 121

Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o

arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado

importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.

Isso faria acender uma luz amarela, por conta de uma possível violação ao art. 5º, inc.

XXXV, da Constituição Federal, que é o princípio da inafastabilidade da jurisdição. O

legislador ordinário poderia suspender por seis meses a possibilidade de ajuizamento de ação

do reclamante? A cultura trabalhista diz que o legislador impõe uma série de requisitos para o

exercício do direito de ação. O que a Constituição Federal diz não significa que o direito de

ação seja absoluto e irreprimível. Talvez o único direito que não sofra limitação seja o direito

à dignidade, mas nem mesmo o direito à vida é absoluto, como se pode verificar na situação

de legítima defesa. O direito de ação também tem condições examinadas no Direito

Processual Civil, além dos pressupostos processuais. Por isso, para a cultura jurídico-

trabalhista, esse preceito é considerado perfeitamente constitucional. O direito de ação está

suspenso e pronto. Não pode ser exercido pelo prazo de seis meses. A ação extinta sem

julgamento do mérito no caso de duplo arquivamento vai fazer com que a interrupção da

prescrição ocorra somente em relação à data do primeiro arquivamento. O duplo

arquivamento é uma hipótese semelhante à perempção, mas com características trabalhistas.

Outro exemplo que se costuma dar é o da comissão de conciliação prévia, da Lei n.

9.958/2000, que alterou a CLT.

Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à

Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços,

houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da

categoria. (Incluído pela Lei nº 9.958, de 12.1.2000)

É uma figura tipicamente trabalhista, que requisita a submissão da demanda a um

processo de mediação prévia para o posterior exercício do direito de ação.

Sobre os requisitos da sentença, o Código de Processo Civil indica os elementos

redacionais, os elementos retóricos que a sentença deve adotar: relatório, fundamentação e

dispositivo. Apesar disso, a CLT tem uma redação específica a esse respeito:

Art. 832 - Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do

pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e

a respectiva conclusão.

Isso se encaixa perfeitamente na classificação tricotômica do Processo Civil.

Interessante para nós seriam os elementos secundários típicos de uma sentença

trabalhista.

Page 122: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 122

A sentença pode dizer que: pelos fundamentos expostos anteriormente, rejeito

integralmente os pedidos formulados por A contra B. Uma sentença, portanto, de

improcedência da pretensão. Ou, então, acolhe em parte os pedidos formulados por A em face

de B, a fim de condená-lo ao pagamento de verbas (embora alguns gramáticos entendam que

esse termo, verbas, seja mais do Direito Administrativo) para B, com os títulos

correspondentes às horas extras e reflexos, nos termos da fundamentação (essa expressão é

terrível). A verdade é que essa expressão (“pelos fundamentos, nos termos da

fundamentação”) acaba por misturar a fundamentação com o dispositivo, porque, havendo

condenação por horas extras e reflexos, é preciso verificar na fundamentação quantas foram

as horas extras diárias objeto da condenação e quais foram os reflexos indicados. Isso é

comum na prática. O ideal seria que a sentença tivesse uma redação mais específica, mais

detalhada.

Por fim, esses valores devem ser quantificados em liquidação de sentença. A

apuração específica dos valores da condenação virá em liquidação, com a necessidade de

elaboração de cálculos, matematicamente mais complexos, com um desgaste de meios e,

particularmente, de tempo. Ainda não chegamos ao estágio em que as sentenças são líquidas.

O Processo Civil talvez esteja mais avançado nesse aspecto.

A liquidação e a técnica a ser adotada é outro ponto importante, segundo aqueles

procedimentos do Código de Processo Civil.

Adota-se um valor provisório para a condenação, em que o Juiz deverá fazer uma

estimativa aproximada do valor que quantifica para essa condenação, a fim de serem

calculadas as custas desde logo, antes mesmo da liquidação.

Há a questão de incidências previdenciárias e tributárias.

Também, o fato de que as partes estão ou não cientes da data da publicação da

sentença. Em caso positivo, há o início imediato da contagem do prazo. Em caso negativo, há

necessidade de intimação por parte da secretaria da Vara.

Referência, ainda, a uma eventual condenação a honorários advocatícios, a

honorários assistenciais, ou periciais.

Por fim, o fato de a sentença estar sujeita ou não a remessa “ex officio”. No Processo

do Trabalho, assim como no Processo Civil, a remessa ex officio está condicionada a um

provimento jurisdicional condenatório contra uma pessoa jurídica de Direito público.

Page 123: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 123

Recursos

A fase recursal é uma fase procedimental seguinte. É a mesma relação processual, que,

até então, veio seccionada em três fases (postulatória, instrutória e decisória), e que, por

interesse e provocação das partes, vem uma quarta fase processual, atendendo a estritos

preceitos legais. O procedimento caminha para essa nova fase, que é a fase recursal.

O que é mérito da causa? Alguém poderia apelar para o latim e dizer que é res in

judicium deducta. É o bem da vida pretendido pela parte que comparece a Juízo. Ou, mais

especificamente, o provimento jurisdicional que se reivindica: qual é o tipo de provisão, qual

é o tipo de suplemento que a parte pretende da jurisdição que não foi realizado sem a sua

intervenção.

A partir dessa definição de mérito, o que seria mérito recursal? O que pretende a parte

que recorre? O que pretende a parte que retorna ao Judiciário, para um órgão de instância

superior, a fim de corrigir uma injustiça, agora, e a seu ver, perpetrada pela própria jurisdição?

O mérito recursal é a reforma da sentença ou da decisão recorrida, da decisão “a quo”.

O mérito da causa pode não ser o mérito recursal? Sim, como, por exemplo, numa

invalidade processual anterior, que contaminou o processo como um todo. Um exemplo um

pouco melhor é o da extinção do processo sem resolução de mérito, quando o Juízo de

primeiro grau acata uma preliminar de litispendência ou de coisa julgada. Nesse caso, não

houve o julgamento da causa. O mérito não foi julgado. A parte prejudicada recorre. Qual é o

mérito recursal, nesse caso? É a litispendência, para dizer que ela não existe, pedindo-se a

reforma da decisão e a devolução do processo para que o mérito seja julgado. Aquilo que não

é o mérito da causa passou a ser o mérito recursal.

Provimento jurisdicional é uma expressão que serve para ambas as hipóteses: no

primeiro e no segundo grau.

O que não é mérito recursal? O que o Tribunal, o que o Juízo ad quem examina e não

é mérito recursal? O conhecimento ou admissibilidade. Qualquer acórdão tem em seu

dispositivo a expressão “acordam os Desembargadores em conhecer (ou admitir) e dar (ou

não) provimento ao recurso”. São duas decisões proferidas, uma envolvendo os pressupostos

processuais e outra envolvendo o mérito recursal. Quer dizer, existe um estágio prévio de

exame, uma área de ingresso antes de se chegar ao mérito. São os pressupostos recursais.

Page 124: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 124

Pressupostos recursais

No Processo Civil, utiliza-se a classificação pressupostos intrínsecos e extrínsecos. O

legislador utilizou essa nomenclatura na CLT, no dispositivo que trata dos embargos de

declaração:

Art. 897-A Caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão, no

prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência

ou sessão subseqüente a sua apresentação, registrado na certidão,

admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição

no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do

recurso. (Incluído pela Lei nº 9.957, de 12.1.2000)

A terminologia é um pouco obscura, de modo que podemos falar em pressupostos

subjetivos e objetivos, que levam em consideração aspectos da parte ou do objeto da lide.

Pressupostos recursais subjetivos

A primeira questão envolve a legitimidade. Quem tem legitimidade, quem tem

pertinência subjetiva para recorrer, são, em princípio, as partes originárias da relação

processual. Porém, não apenas elas, mas também, eventualmente, terceiros indiretamente

atingidos pela decisão. A parte é indiretamente atingida pela decisão, sendo possível utilizar

os mesmos termos que utilizamos quando tratamos do tema de intervenção de terceiros na

face de conhecimento.

Imaginemos que num certame de promoção concorreram diversos empregados. O

primeiro colocado foi A e o segundo colocado foi B. B ingressa com ação contra o

empregador, para dizer que foi prejudicado indevidamente na prova de títulos, por exemplo, e,

sendo correto o cômputo atribuído, ele seria o primeiro colocado e não A. B é bem sucedido

na ação. Essa é uma hipótese em que cabe intervenção de terceiros, mas nada impede que A

tivesse conhecimento dessa situação e, ciente da sentença que o prejudicou indiretamente,

pretenda recorrer na condição de terceiro interessado. O próprio Código de Processo Civil

reconhece a legitimidade quando há interesse jurídico violado por força da decisão. Em

algumas situações a coisa julgada traz efeitos sobre terceiros, e, aqui, é que a admissão do

recurso por terceiro pode ser colocada.

No Processo do Trabalho temos dois exemplos muito frequentes a esse respeito. O

primeiro é o do recurso do INSS, quando se trata de dúvida quanto às incidências

previdenciárias. Eventualmente, poder-se-ia cogitar da Secretaria da Receita Federal

recorrendo quanto à incidência tributária, relativamente ao imposto de renda. E outra hipótese,

Page 125: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 125

mais rara, porém possível, é o caso de recurso por parte da Caixa Econômica Federal na

qualidade de entidade bancária gestora do FGTS. Digamos que o Juízo determina

indevidamente a liberação dos valores relativos ao FGTS em favor do empregado e a CEF, na

condição de gestora desse fundo, apresenta recurso na qualidade de terceira interessada, de

terceira prejudicada.

O segundo requisito envolve a capacidade. A parte titular de seus direitos poderá

recorrer, inclusive, independentemente da companhia de um advogado. A capacidade

postulatória da parte vige também na instância recursal ordinária. A Súmula n. 425 do

Tribunal Superior do Trabalho não admite recurso apresentado apenas pela parte, sem a

chancela de advogado.

SUM 425 - JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE.

O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às

Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando

a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos

de competência do Tribunal Superior do Trabalho.

Ainda, a questão do interesse: apenas a parte efetivamente prejudicada pela decisão,

ainda que de maneira acessória, poderá formular recurso. Imaginemos a situação do réu,

diante de um pedido formulado pelo autor que foi integralmente rejeitado, mas ele, réu,

entende que seriam devidos honorários advocatícios. Ele saiu vencedor no objeto mais

importante da causa e entende que teria direito a honorários sucumbenciais, a honorários

assistenciais, tendo, também, interesse para recorrer. Se o sujeito não foi prejudicado pela

decisão, não há por que invocar mais uma vez a tutela jurisdicional. É um pressuposto

correlato ao interesse de agir como condição da ação.

Por fim, a inexistência de ato incompatível com a vontade de recorrer. Por

exemplo, a parte paga, imediatamente, o valor da condenação. Ou, imaginemos que a parte,

no primeiro dia para recorrer, requer a liquidação da sentença. Quando faz isso, realiza um ato

incompatível com a vontade de recorrer, operando-se a preclusão consumativa a respeito

desse ato processual. O ato foi realizado, não há como corrigi-lo posteriormente com uma

alternativa incoerente. Podemos falar, nesse sentido, de uma hipótese semelhante. Não raro, a

parte, quando recorre no prazo disponível, dias depois apresenta uma espécie de adendo, uma

espécie de recurso suplementar, um aditamento ao recurso. Por conta desse mesmo raciocínio,

o segundo recurso não deve ser conhecido. Só se conhece do primeiro recurso. A parte, nesse

caso, deveria esperar até o último dia para interpor o recurso com todos os cuidados.

Page 126: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 126

Pressupostos recursais objetivos

Em primeiro lugar, a recorribilidade do ato. À luz da Constituição Federal, todas as

decisões judiciais gravosas geram a possibilidade de recurso? Nos termos da Constituição

Federal, o artigo 5º, LV, fala no direito de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes,

dando a entender, eventualmente, que o direito de recurso, ou o princípio do duplo grau de

jurisdição, é um direito fundamental e ilimitado, que cabe contra toda e qualquer decisão

jurisdicional. Embora esse raciocínio seja, de maneira geral, verdadeiro, há algumas decisões

que não comportam recurso. É raro no caso brasileiro, pois temos uma vigorosa tradição de

escancarar as portas dos Tribunais para a via recursal. Porém, poderíamos ter um cenário

diferente, o que pode vir a ocorrer futuramente, impossibilitando-se recursos em certas

matérias, de acordo com o valor da causa etc. Na Europa é comum que não se admita recurso

versando sobre matéria fática. Os fatos da causa são do Juiz de primeiro grau. Aquilo de que

ele se convenceu vale como verdade na relação processual. É uma tradição europeia, que

poderia vir a nos contaminar, embora tenhamos uma resistência um pouco forte quanto a isso.

No Processo do Trabalho podemos falar sobre duas hipóteses de irrecorribilidade.

Primeiro, a hipótese da Lei 5.584, de 1970, nas ações de alçada, quando o valor da

causa for inferior a dois salários mínimos:

Art. 2º (...) § 3º Quando o valor fixado para a causa, na forma dêste artigo,

não exceder de 2 (duas) vêzes o salário-mínimo vigente na sede do Juízo,

será dispensável o resumo dos depoimentos, devendo constar da Ata a

conclusão da Junta quanto à matéria de fato.

§ 4º Salvo se versarem sobre matéria constitucional, nenhum recurso

caberá das sentenças proferidas nos dissídios da alçada a que se refere o

parágrafo anterior, considerado, para esse fim, o valor do salário mínimo à

data do ajuizamento da ação. (Redação dada pela Lei nº 7.402, de 1985)

Nessa hipótese, o processo é de instância única. É uma hipótese pouco frequente

porque o valor é muito baixo. Só cabe recurso em matéria constitucional.

E em segundo lugar, as decisões interlocutórias, em relação às quais não há recurso

autônomo.

Então, o primeiro requisito é saber se a decisão comporta recurso.

O segundo requisito é saber qual é o recurso adequado. Nosso sistema recursal, seja

do Processo Civil ou do Processo Penal, admite recursos tipificados, recursos específicos para

cada decisão. No Processo Civil, contra sentença cabe apelação. Contra acórdão de Tribunal

Page 127: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 127

cabe recurso especial em certas condições. Quando a matéria é constitucional, cabe o recurso

extraordinário. Temos, portanto, um sistema catalogado numerus clausus. Para cada decisão

cabe um recurso específico.

Entretanto, há uma atenuação a essa regra da adequação, nas hipóteses em que a parte

interpõe recurso errado contra decisão certa. O princípio, aí, é o da fungibilidade. Apesar da

catalogação dos recursos cabíveis por parte do legislador, isso pode gerar dúvidas. Se o erro

não for crasso, o recurso deve ser conhecido. Um exemplo comum no Processo do Trabalho é

quando o advogado, do Processo Civil, interpõe recurso no Processo do Trabalho e o chama

de apelação. Até aí, nada de grave, pois errou apenas o nome do recurso. O problema seria se

a parte usasse o prazo da apelação. O recurso ordinário tem um prazo de 08 dias e a apelação

de 15 dias. O vício, nesse caso, não será de inadequação, mas de intempestividade.

Outro requisito é a tempestividade. O ordenamento jurídico trabalha com a fixação de

recursos específicos, com prazos específicos para sua interposição. Essa é sempre uma

angústia na cabeça dos operadores jurídicos. Há prazos para recursos específicos, diferentes

prazos, que geram dúvidas. O legislador, no Processo do Trabalho, buscou atenuar um pouco

essa angústia dos operadores jurídicos, procurando unificar os prazos em 08 dias para recorrer

e contra-arrazoar. Foi uma tentativa inteligente da parte do legislador, para padronizar os

prazos recursais. Então, no recurso de revista, no recurso ordinário e no agravo de petição o

prazo é de 08 dias para recorrer e 08 dias para contra-arrazoar. Por que 08? Talvez para dizer

que é metade da apelação no Processo Civil, que é de 15. Também se fala que seria por uma

questão de tradição, de se publicar as sentenças na sexta-feira. Como o prazo começa apenas

na segunda-feira, a parte teria dois finais de semana para preparar o recurso. É tempo

suficiente para a parte decidir se deve recorrer.

Há duas exceções a essa uniformização, do Processo Civil: prazo de 05 dias para

embargos de declaração e prazo de 15 dias para recurso extraordinário, quando disso se

tratar.

O prazo em dobro para recorrer por parte da Fazenda Pública é compatível com o

Processo do Trabalho e, pelo contrário, por força de Orientação Jurisprudencial, o prazo em

dobro para litisconsortes com advogados diferentes não é compatível.

OJ-SDI1-310 LITISCONSORTES. PROCURADORES DISTINTOS. PRAZO

EM DOBRO. ART. 191 DO CPC. INAPLICÁVEL AO PROCESSO DO

TRABALHO.

Page 128: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 128

A regra contida no art. 191 do CPC é inaplicável ao processo do trabalho,

em decorrência da sua incompatibilidade com o princípio da celeridade

inerente ao processo trabalhista.

Então, para a Fazenda Pública sim, e para o litisconsorte com advogado distinto não.

Sobre os sistemas de contagem de prazo, é o mesmo do Processo Civil. O grande

diferencial trabalhista envolve uma figura curiosa da Justiça do Trabalho, que é o recesso

forense. A Justiça Federal do Trabalho adota o sistema da Justiça Federal comum, mais

adequado do que o velho sistema de férias forenses da Justiça estadual, e que ainda vige nos

Tribunais superiores. O recesso forense trabalhista, por importação da Justiça Federal, recai

no período de 20 de dezembro a 06 de janeiro do ano seguinte. É um tempo moderado, não

tão dilatado como se fosse de 30 dias. Os prazos estão suspensos, estão congelados, e voltarão

a correr na sequência.

O recesso começa no dia 20 de dezembro e termina no dia 06 de janeiro. Todavia, há

uma característica interessante na Justiça do Trabalho do Paraná, porque o dia 19 de

dezembro é um feriado paranaense, o dia da emancipação política do Paraná. A Justiça do

Trabalho paranaense cultiva e comemora o feriado de 19 de dezembro. Todavia, são situações

processuais diferentes. O dia 19 é um feriado, não é período de recesso.

Se a sentença é objeto de intimação no dia 16 de dezembro, quantos dias de prazo vão

correr antes da interrupção do processo? 17, 18 e 19, porque o prazo começou a correr antes

do feriado. Diferente seria se a sentença tivesse sido publicada no dia 18 de dezembro, porque

com o primeiro dia, o dies a quo, caindo no dia 19, o prazo só vai começar a correr em 07 de

janeiro.

Nesse sentido, o seguinte julgado:

TRT-PR-06-08-2004 FERIADO ANTECEDENTE A RECESSO

JUDICIÁRIO. INOCORRÊNCIA DE SUSPENSÃO DE PRAZO. O feriado

imediatamente anterior ao início do recesso judiciário não se inclui no

período de suspensão do prazo. Se o feriado do dia 19 de dezembro foi

alcançado por prazo em curso, sua contagem ocorrerá normalmente,

iniciando-se a suspensão somente a partir de 20 de dezembro, quando

começa o recesso na Justiça do Trabalho. (TRT-PR-16262-2002-015-09-00-

6-ACO-16853-2004; RELATOR DIRCEU BUYZ JUNIOR; Publi cado no

DJPR em 06-08-2004)

Digamos que haja uma questão na prova dizendo: se a sentença for publicada e

intimada no dia 17 de dezembro, qual é o último dia para interpor o recurso? Com o que

Page 129: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 129

vimos aqui, basta ter um calendário. Vamos imaginar, ainda, que, por alguma razão, o dia 07

de janeiro seja feriado em algum lugar. Qual é a consequência?

Código Civil – Art. 132 (...) § 1o Se o dia do vencimento cair em feriado,

considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.

Por fim, não como mais um requisito, mas é preciso falar sobre uma questão relativa à

adequação, que devemos sublinhar: a parte pode formatar a petição de recurso da forma que

quiser? A CLT diz que os recursos serão interpostos por simples petição. Não é o que diz o

Código de Processo Civil, que diz que o recurso deve apresentar a decisão recorrida, por que

está errada e qual é o tipo de reforma pretendida, como se fossem requisitos de aptidão da

peça recursal. Então, o recurso não pode ser apresentado com qualquer forma. Isso é

particularmente importante quando se estudam os recursos específicos para os Tribunais

Superiores. Uma petição de recurso, por exemplo, que apenas copie a contestação não atende

ao requisito de adequação da peça recursal.

10.11.2014 – Segunda-feira

Estávamos estudando uma classificação sobre os requisitos subjetivos e objetivos dos

recursos no Processo do Trabalho. Destacamos que essa bifurcação poderia adotar outra

terminologia, de requisitos intrínsecos e extrínsecos. Essa referência será importante quando

verificarmos os embargos de declaração, porque a CLT acabou por utilizar essa classificação

acadêmica. Mas, resta-nos concluir o exame das espécies dos requisitos objetivos de

admissibilidade recursal. Vamos analisar uma das espécies, que é muito característica dos

recursos trabalhistas.

Podemos falar, genericamente, no preparo, que, no Processo Civil, envolve o

pagamento das custas, isto é, o pagamento de despesas voltadas ao recolhimento por um

órgão estatal. No Processo do Trabalho também é assim quanto às custas. Esse tipo de verba

tem, no caso da Justiça do Trabalho, por ser um ramo do Poder Judiciário Federal, uma

natureza jurídica específica, catalogada pelo Direito Tributário. Um dado pagamento

vinculado a um serviço especificamente prestado por um ente público. Essa é a definição de

uma taxa, no sentido tributário do termo. Como são recolhidas as taxas devidas à União? Por

DARF. É o Documento de Arrecadação da Receita Federal. É a via pela qual a parte faz o

recolhimento do tributo e dele se vale para fazer a comprovação, o que é dramaticamente

relevante nesse caso. A parte deve fazer o pagamento das custas, no prazo recursal, de 08

dias, independentemente da data da interposição do recurso. Ou seja, se a parte interpuser o

recurso no primeiro dia do prazo, poderá pagar e comprovar as custas até o 8º dia.

Page 130: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 130

Será que um Tribunal deixaria de admitir um recurso se a parte comprovasse o

recolhimento apenas no nono dia, mesmo com o recolhimento do valor à União dentro do

prazo do recurso? Claro. O recurso não é conhecido. O grande problema dos Tribunais do

nosso país é a falta de conhecimento de recurso. Qualquer argumento é utilizado pelos

Tribunais para não admitir recursos.

Relativamente ao valor das custas, isso não tende a ser muito complicado. Em 99,9%

dos casos, as sentenças trabalhistas são ilíquidas, e, para suprir essa necessidade, o Juízo lança

um valor provisório para a condenação, uma estimativa do que deva ser o valor da

condenação, ainda que a decisão seja meramente declaratória. As custas corresponderão a 2%

desse valor provisório da condenação, eventualmente complementado na execução caso o

valor provisório se mostrar maior durante a execução. Se a condenação for de 100 mil reais,

as custas serão de dois mil reais. Nessa altura do campeonato, esse é o menor dos problemas,

porque o empregador poderá pagar um valor muito mais alto na execução. O grande problema

mesmo é o recurso não ser admitido.

Então, 08 dias para pagar as custas e 08 dias para comprovar o pagamento do valor

calculado a partir do valor provisório da condenação, ou, eventualmente, do valor líquido.

Outra figura, e essa é tipicamente trabalhista, é a do depósito recursal. Em termos

descritivos, significa que qualquer condenado que pretenda recorrer deverá depositar o valor

da condenação, a fim de garantir uma ulterior execução, o que é um sistema bastante

audacioso de requisito recursal. O legislador impõe ao condenado essa obrigação. Se o valor

da condenação for ilíquido, o valor provisório é que fará essa referência. Esse é um dos

poucos institutos que confirma a tese mitológica da protetividade do Processo do Trabalho.

Essa característica, nesse caso, é para proteger o trabalhador, na medida em que cerceia o

exercício da atividade recursal procrastinatória, garantindo que a execução possa ter bom

sucesso adiante. A questão é que o próprio legislador impõe valores teto a serem fixados

nessa hipótese. O Tribunal Superior do Trabalho, anualmente, informa quais são esses

valores. Em 2014, o valor é de R$ 7.485,83 para recurso ordinário e R$ 14.971,65 para

recurso de revista. Se o valor da condenação for R$ 5.000,00, a parte depositará R$ 5.000,00.

Se a condenação for de R$ 7.000,00, pagará R$ 7.000,00. Se a condenação for de R$

10.000,00, pagará R$ 7.485,83. Se a condenação for de 100 mil reais, pagará R$ 7.485,83.

Isso é uma perversão, na medida em que o teto é muito baixo para condenações maiores. A

rigor, essa restrição é duplamente insidiosa. Talvez não devesse existir, talvez devesse ser

gradual, para condenações maiores, mas ela também acaba por prejudicar o micro e o

pequeno empresário, porque R$ 7.485,83 para o HSBC é dinheiro de pinga, mas para o

quitandeiro da esquina é o capital de giro de meses do seu pequeno empreendimento. O

Page 131: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 131

sujeito não tira esse valor num único mês para sua sobrevivência, sendo um valor abusivo e

elevado. Diz-se que a execução ficaria prejudicada sem o depósito recursal, mas também

ficará depois. Se fosse diferente o tratamento, estar-se-ia, inclusive, cumprindo o princípio

constitucional de tratamento favorecido ao micro e pequeno empresário.

O depósito recursal também deve ser feito no prazo de 08 dias e comprovado no prazo

de 08 dias. Porém, diferentemente do pagamento das custas, é depositado na conta vinculada

do FGTS em nome do trabalhador. Uma conta corrente é aquela que pode ser movimentada

livremente pelo seu titular. Entra e sai o dinheiro de acordo com a vontade e o interesse do

titular. A conta vinculada está sujeita a condições de movimentação e saque. Nesse caso do

FGTS, o saque só pode ser feito com autorização judicial, o que só será possível na execução,

depois de liquidado o valor. Então, o depósito recursal é feito na conta vinculada do FGTS,

em nome do trabalhador, e comprovado nos autos, o que também atesta o cumprimento desse

requisito recursal. Isso tende a ser um pouco mais complexo em termos de aviamento do

recurso.

Esses, portanto, são os requisitos genéricos de admissibilidade recursal:

1) Legitimidade

2) Capacidade

Pressupostos subjetivos

3) Interesse

4) Inexistência de ato incompatível com a vontade de recorrer

1) Recorribilidade do ato

2) Adequação (saber qual é o recurso adequado)

Pressupostos objetivos

3) Tempestividade

4) Preparo

Page 132: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 132

Quando são examinados os recursos em espécie, podemos indicar requisitos

específicos a cada um deles. A questão mais óbvia é do recurso extraordinário para o

Supremo Tribunal Federal, pressupondo a hipótese, pelo menos hipoteticamente, de violação

a dispositivo constitucional. No caso de recurso especial, há violação a literalidade da lei ou

divergência jurisprudencial. Para nós, importante é o recurso de revista, para o Tribunal

Superior do Trabalho, que é o recurso que patrocina esse filtro de admissibilidade recursal

específica: violação literal a dispositivo de lei ou divergência jurisprudencial.

Embargos de declaração

É uma modalidade recursal que serve para corrigir algum tipo de defeito redacional da

sentença ou da decisão. Aqui, o artigo 897-A da CLT:

Art. 897-A Caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão, no

prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência

ou sessão subseqüente a sua apresentação, registrado na certidão,

admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição

no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do

recurso. (Incluído pela Lei nº 9.957, de 12.1.2000)

Parágrafo único. Os erros materiais poderão ser corrigidos de ofício ou a

requerimento de qualquer das partes. (Incluído pela Lei nº 9.957, de

12.1.2000)

Então, o legislador trabalhista quis, aqui, reinventar a roda. A redação desse preceito,

que indica o cabimento dos embargos de declaração no Processo do Trabalho, vai bem

quando copia o Código de Processo Civil, falando no prazo de 05 dias, no efeito interruptivo e

no cabimento de efeito modificativo no caso de omissão ou contradição, esquecendo-se da

hipótese da dúvida e colocando no lugar a questão do equívoco no exame dos pressupostos

extrínsecos do recurso. É uma bobagem que acaba por dificultar a vida dos operadores

jurídicos. De todo modo, os embargos de declaração cabem na hipótese de omissão,

contradição e dúvida em relação à decisão embargada.

a) Omissão � a parte aventa de um julgamento citra petita, em que algum aspecto da

causa de pedir ou do pedido não foi examinado, algum argumento da petição inicial ou da

contestação, algum dos temas fundamentais da litiscontestatio deixou de ser resolvido pelo

Juízo quando da decisão proferida, particularmente da sentença.

Page 133: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 133

b) Contradição � há partículas contraditórias no curso da decisão, em especial

relativamente à redação dispositiva. Vamos imaginar que, pela fundamentação, há

condenação em horas extras, com indicação dos critérios e reflexos incidentes, e no

dispositivo o pedido é julgado totalmente improcedente. Nos termos da CLT, há contradição,

admitindo efeito modificativo.

c) Dúvida � algum tipo de obscuridade em virtude da redação deficitária, da redação

pouco clara utilizada na sentença.

Tudo isso vem do Processo Civil e é compatível com o Processo do Trabalho.

O que significa efeito infringente ou efeito modificativo do julgado dos embargos de

declaração? O efeito infringente em embargos de declaração altera uma parte específica da

sentença, o dispositivo. Quando há alteração no dispositivo, como quando se condenou ao

pagamento de 01 hora extra e, na verdade, era para ser de 01 hora e meia, isso implica efeito

modificativo ou infringente. Nada impede que os embargos de declaração sejam providos para

prestar esclarecimentos, mantida íntegra a decisão, particularmente o dispositivo. Conforme

já dissemos, frequentemente, as sentenças, e não apenas as trabalhistas, têm conteúdo

dispositivo na fundamentação, que indica detalhes sobre como qual ou tal verba deve ser

executada, e o dispositivo diz que acolhe os pedidos nos termos da fundamentação. Nesse

caso, haverá modificação nessa parte.

Por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, toda vez que houver a

possibilidade do efeito modificativo, logo que interpostos os embargos de declaração a parte

contrária deverá ser intimada para pronunciar-se, abrindo uma possibilidade de contrarrazões

aos embargos de declaração. É um contraditório, por força da jurisprudência do Tribunal

Superior do Trabalho. No caso, a Orientação Jurisprudencial n. 142:

OJ-SDI1 142 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO MODIFI CATIVO.

VISTA À PARTE CONTRÁRIA.

I - É passível de nulidade decisão que acolhe embargos de declaração com

efeito modificativo sem que seja concedida oportunidade de manifestação

prévia à parte contrária.

II - Em decorrência do efeito devolutivo amplo conferido ao recurso

ordinário, o item I não se aplica às hipóteses em que não se concede vista à

parte contrária para se manifestar sobre os embargos de declaração

opostos contra sentença.

Page 134: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 134

Então, constatando o Juízo que há possibilidade de efeitos infringentes, é necessário

que a parte contrária se pronuncie antes disso, defendendo o teor da decisão. Como não existe

previsão legal de prazo, seria de 05 dias.

Outra característica comum ao Processo Civil é a interrupção de prazo tão logo os

embargos de declaração sejam opostos. Então, opostos os embargos de declaração o prazo

será integralmente devolvido à parte embargante. O prazo está sujeito a essa consequência dos

embargos de declaração.

Por fim, na esfera recursal, quando falamos em recursos de fundamentação vinculada

um tema sempre presente, e isso não é estranho ao Processo Civil, é a do famigerado

prequestionamento. Os Tribunais Superiores só examinam as questões recorridas em último

grau de jurisdição, pelo que a questão recorrida, o tema alvo de recurso somente será

devolvido ao Tribunal Superior mediante exame na instância anterior, em exame de

prequestionamento. Se não houver esse exame prévio pelo Tribunal a quo, não haverá a

devolução para a instância posterior. A ferramenta processual para subir algum defeito quanto

ao prequestionamento é, justamente, a dos embargos de declaração. Quando a parte pretende

viabilizar o prequestionamento, faz pelos embargos de declaração.

Recurso ordinário

Frequentemente, quando apresentamos certos institutos do Direito Processual do

Trabalho, podemos fazer uma vinculação terminológica com o Direito Processual Civil. O

legislador, na década de 1940, a fim de distinguir o Processo do Trabalho do Processo Civil,

utilizou na CLT termos um pouco diferentes daqueles do Processo Civil. Por exemplo, ao

invés de autor e réu, chama de reclamante e reclamado; ao invés de ação ou de processo,

chama de reclamatória. Na verdade, a CLT até mistura alhos com bugalhos e chama não

apenas a ação e o processo de reclamatória, mas a própria petição inicial. Mas, isso tudo

decorreu dessa obsessão que se tinha de distinguir o Processo do Trabalho do Processo Civil,

por razões até políticas. No caso do recurso ordinário, esse parentesco não é tão próximo

assim. Em princípio, o irmão mais velho do recurso ordinário lá no Processo Civil seria a

apelação. Um termo tradicional, com raízes até no processo romano. O legislador, todavia,

preferiu o termo recurso ordinário para essa modalidade recursal. Porém, o parentesco é um

pouco mais distante, a par do prazo e do nome distintos. Apelação de 15 dias e recurso

ordinário de 08 dias. A circunstância é um pouco mais distante, porque a apelação, em

princípio, era o recurso cabível contra a sentença, enquanto que o recurso ordinário é, como

no Processo Civil contemporâneo, o recurso cabível contra as sentenças, mas também contra

Page 135: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 135

as decisões interlocutórias. Com isso, fechamos um ciclo para descrever o sistema de recurso

contra as decisões interlocutórias.

Esse é um sistema um pouco rebuscado, um pouco pragmático demais, mas, por outro

lado, funciona tão bem no Processo do Trabalho que inspirou o Processo Civil.

O que a parte deverá fazer para recorrer ordinariamente contra uma decisão

interlocutória? No curso da audiência, digamos que o Juízo indefere a realização de uma

prova pericial que o autor considera importante para sua tese. A parte requer a realização de

perícia contábil para apuração de salário por fora. O Juízo indefere esse requerimento e dá por

encerrada a instrução processual. Como é que o autor, que requereu essa prova e se sentiu

prejudicado, procederá para devolver essa matéria para o Tribunal? O primeiro requisito será

arguir essa decisão de nula, mediante o protesto, imediatamente ou em razões finais. Será

utilizado, então, esse protesto antipreclusivo. A parte destaca essa matéria, aguarda a prolação

da sentença e no recurso ordinário é que formulará a sua pretensão recursal em relação à

questão interlocutória. É um recurso com dois capítulos: o recurso sobre a decisão

interlocutória, dizendo que aquela prova pericial demonstraria a existência de salário por fora,

e um segundo capítulo em relação à sentença propriamente dita, deficitária por conta da

ausência da prova pericial e outras questões. E o Tribunal proferirá decisão examinando os

dois temas. Primeiro, uma preliminar de mérito recursal, dizendo se a decisão interlocutória

está certa ou errada, e se disser que está errada deverá anular o processo a partir do momento

do indeferimento da prova, e determinará que o processo retorne ao primeiro grau para

colheita dessa prova pericial, e se disser que a decisão é válida passará ao exame do mérito

em relação a esse tema especificamente.

Embora esse tema seja um tema um pouco confuso, esse sistema funciona

excepcionalmente bem no Processo do Trabalho. De qualquer forma, o recurso ordinário cabe

contra sentenças e contra decisões interlocutórias.

Diz o artigo 893, § 1º, da CLT:

Art. 893 (...) § 1º - Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio

Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões

interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva. (Parágrafo único

renumerado pelo Decreto-lei nº 8.737, de 19.1.1946)

A segunda circunstância é a de que o recurso ordinário trabalhista, por definição, não

tem efeito suspensivo automático. Pelo contrário. A execução provisória pode começar

imediatamente e paralelamente ao próprio recurso da decisão definitiva. Caso seja do

Page 136: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 136

reclamante o recurso, quando teve improcedência em seus pedidos, deverá instruir a sua

petição do recurso com o comprovante do tempestivo pagamento das custas.

No tocante ao mandado de segurança contra ato jurisdicional, ele só é cabível quando

não há recurso que impeça os efeitos deletérios. No caso de decretação de revelia, por

exemplo, a parte prejudicada tem à sua disposição o recurso ordinário. O mandado de

segurança contra ato jurisdicional só deve ser acionado quando não houver alternativa. É por

isso que é raro mandado de segurança na fase de conhecimento. No caso trabalhista, é muito

mais comum na fase de execução, porque a inexistência de recurso acaba gerando prejuízos

automáticos.

Vejamos um exemplo.

Pela letra do Código de Processo Civil, o salário é absolutamente impenhorável.

Alguns Juízos e uma corrente jurisprudencial, à qual o professor se filia, entendem que não,

entendem que, em certas circunstâncias, o salário deve, sim, ser penhorado. Digamos que o

Juízo entende que é penhorável o salário, não havendo recurso autônomo contra essa decisão,

e, às vezes, uma penhora do salário é bastante prejudicial. O sujeito pode sobreviver com esse

salário mensal. Esse é um caso que desafia mandado de segurança. Fora disso, o recurso

ordinário está sempre presente, pelo menos na fase de conhecimento.

O recurso é interposto perante o próprio Juízo recorrido, no primeiro grau, contra o

próprio Juízo que proferiu a sentença e que fará um exame prévio das condições de

admissibilidade. Superada essa circunstância, admitido o recurso pelo primeiro grau, abre-se

prazo contrário para as contrarrazões. Nesse prazo de contrarrazões, o Processo Civil admite a

interposição de recurso adesivo. A CLT não tratou do recurso adesivo, mas, depois de muita

reflexão, e nos termos da Súmula n. 283, admitiu-se o cabimento do recurso adesivo. Então,

não pela letra da lei, pela CLT, mas pelo Direito Sumular.

SUM 283 – RECURSO ADESIVO. PERTINÊNCIA NO PROCESSO DO

TRABALHO. CORRELAÇÃO DE MATÉRIAS.

O recurso adesivo é compatível com o processo do trabalho e cabe, no

prazo de 8 (oito) dias, nas hipóteses de interposição de recurso ordinário,

de agravo de petição, de revista e de embargos, sendo desnecessário que a

matéria nele veiculada esteja relacionada com a do recurso interposto pela

parte contrária.

Se a parte apresenta apenas contrarrazões, o recurso vai para o Tribunal. Se, além das

contrarrazões, a parte apresenta recurso adesivo, o recorrente principal será intimado para

apresentar contrarrazões ao recurso adesivo, sendo, após, o processo encaminho ao Tribunal.

Page 137: Direito Processual do Trabalho - 5º Ano - Giovani Soares ...eng.eletrica.ufpr.br/~novelli/Direito Processual do Trabalho - 5º... · Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências

P á g i n a | 137

Normalmente, o recurso ordinário, ao ser julgado pelo Tribunal, já tem uma referência

a respeito do órgão interno que fará os julgamentos. Em Tribunais menores, apenas o pleno,

que julga todos os recursos interpostos. Ou, então, em outros Tribunais, teremos o

fracionamento em Turmas. Essa terminologia é usada em homenagem ao passado histórico do

Processo do Trabalho, quando tínhamos Juízes classistas. Eram três Juízes togados, um

classista dos empregados e outro classista dos empregadores. 05 integrantes, utilizando a

terminologia do Supremo Tribunal Federal, que é Turmas. Poder-se-ia chamar de Câmaras,

mas preferiu-se manter essa terminologia. O próprio Tribunal Superior do Trabalho é dividido

em Turmas, com três julgadores. E esses órgãos fazem o julgamento do recurso ordinário.

Se for o caso, antes do visto do relator, haverá o encaminhamento dos autos ao

Ministério Público do Trabalho, nos casos em que a lei exige. Na sequência, o processo vai

para um relator, que examina o feito e elabora seu voto, vista o processo, será designado um

revisor dentro da Turma e tão logo o revisor viste o processo será designada a data da sessão

de julgamento, na qual se admite sustentação oral pelos advogados que queiram fazer o uso da

prerrogativa.

Em caráter extraordinário, o recurso ordinário não caberá de sentenças, mas, sim,

naqueles processos de competência originária dos Tribunais Regionais do Trabalho. Por

exemplo, ação rescisória, mandado de segurança contra ato jurisdicional e dissídio coletivo.

Contra essas decisões, já proferidas por um Tribunal, caberá o recurso ordinário para o

Tribunal Superior do Trabalho.