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1
OS GNEROS TEXTUAIS COMO FERRAMENTA DIDTICA
PARA O ENSINO DA LINGUAGEM
ROSILDA MARIA ARAJO SILVA DOS SANTOS
Orientador: Prof. Dr. Junot Cornlio Matos
Coorientadora: Prof Dra. Margia Ana de Moura Aguiar
RECIFE
2010
UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCO COORDENAO GERAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO
PROGRAMA DE MESTRADO EM CINCIAS DA LINGUAGEM
OS GNEROS TEXTUAIS COMO FERRAMENTA DIDTICA
PARA O ENSINO DA LINGUAGEM
ROSILDA MARIA ARAJO SILVA DOS SANTOS
Dissertao apresentada como exigncia parcial para
obteno do ttulo de mestre em Cincias da Linguagem,
na rea de concentrao em Linguagem, Educao e
Organizao Scio-Cultural, comisso julgadora da
Universidade Catlica de Pernambuco, sob a orientao do
Professor Dr. Junot Cornlio Matos e coorientadora Prof
Dra. Margia Ana de Moura Aguiar.
RECIFE
2010
UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCO COORDENAO GERAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO PROGRAMA DE MESTRADO EM CINCIAS DA LINGUAGEM
3
DEDICATRIA
Ao Oleiro da minha alma que guia meus passos...
A minha me e ao meu esposo por sempre
acreditarem em mim,
aos amigos que me apoiaram e compreenderam
minha ausncia nesta trajetria acadmica e
em especial aos meus filhos
Breno Vincius e Caio Renan.
7
AGRADECIMENTOS
A Deus por ter me concedido esta oportunidade de conquistar mais uma vitria em minha vida
acadmica. A Ele dou toda a glria e honra.
Ao orientador, mestre e amigo Prof. Dr. Junot Cornlio Matos, pela contribuio e apoio na
construo do conhecimento durante a jornada acadmica.
coorientadora, mestra, exemplo de professora e amiga Margia Ana de Moura Aguiar, pelo
estmulo, orientaes e contribuies valiosssimas durante todo o estudo, validando meu
amadurecimento acadmico.
Ao meu esposo e parceiro de todas as horas Antero Flix, pelo suporte e incentivo durante
todas as etapas do curso. Obrigada por fazer parte de minha histria.
Aos meus filhos, Breno Vincius e Caio Renan, por fazerem parte de minha vida.
A minha me por sempre estar de atalaia pela minha vida.
A todos que contriburam, de forma direta ou indiretamente, para a elaborao desta pesquisa.
SUMRIO
RESUMO 11
ABSTRACT 13
INTRODUO 14
CAPTULO I PRESSUPOSTOS TERICOS
18
1.1 O estudo dos gneros 19
1.2 As contribuies das teorias lingusticas para o estudo dos gneros 22
1.2.1 A teoria bakhtiniana 23
1.2.2 A teoria interacionista sciodiscursiva (ISD) de Bronckart 26
1.2.3 Marcuschi e o estudo dos gneros 29
1.3 Gneros textuais e ensino 34
1.4 Linha Terica adotada na anlise 50
CAPTULO II - ASPECTOS METODOLGICOS 53
2.1Caracterizaes da Instituio de Ensino pesquisada 54
2.2 As pessoas envolvidas na pesquisa 57
2.3 Procedimentos 58
2.4 Gneros textuais usados pelos alunos para retextualizao 60
2.4.1 Gneros base do primeiro perodo 61
2.4.2 Gneros base do oitavo perodo 65
CAPTULO III ANLISE DO CORPUS: PRODUES DE GNEROS COM
ALUNOS E PROFESSOR UNIVERSITRIOS
70
3.1 Anlise interpretativa da entrevista com o professor 71
3.2 Anlise interpretativa das entrevistas com os alunos 75
3.2.1 Entrevista com alunos do 1 perodo 76
3.2.2 Entrevista com alunos do 8 perodo 79
3.3 Anlise do programa da disciplina 82
3.4 Anlise das retextualizaes dos gneros produzidos pelos alunos 85
3.4.1 Anlise de retextualizaes de gneros escritos para gneros escritos
3.4.2 Retextualizaes dos alunos do primeiro perodo
89
91
3.4.3 Retextualizaes dos alunos do oitavo perodo 99
3.4.4 Anlise geral das retextualizaes dos alunos 108
CONSIDERAES FINAIS 110
REFERNCIAS 115
RELAO DE QUADROS
CAPTULO I
Quadro I - Os trs gneros do discurso segundo Aristteles 22
Quadro II - Possibilidades de retextualizao 33
CAPTULO III
Quadro III- Entrevista do professor 71
Quadro IV- Entrevista com os alunos do 1 perodo 76
Quadro V- Entrevista com alunos do 8 perodo 79
Quadro VI- Programa da disciplina 82
Quadro VII- Anlise de retextualizaes de gneros escritos para gneros escritos 89
11
RESUMO
A prtica com gneros textuais no ensino de lngua portuguesa, enquanto instrumento
didtico, trabalha a forma delineada no fazer discursivo e confirma que a linguagem
ultrapassa os limites da forma estritamente lingustica, contribuindo para o desenvolvimento
de capacidades tanto lingustica como textual e comunicativa. Numa perspectiva
interacionista sciodiscursiva, esta pesquisa est amparada nas teorias propostas por Bakhtin
([1979], 2003) sobre os gneros discursivos na interao, Bronckart (1999) que evidencia o
interacionismo scio-discursivo, Dolz e Schneuwly (2004) e Marcuschi (2003) que acreditam
numa proposta de ensino-aprendizagem organizada a partir de gneros textuais, atribuindo
linguagem e interao a instrumentalizao na construo do conhecimento e na formao
do cidado. Objetivando investigar formas de se utilizar os gneros textuais como ferramenta
para o ensino da linguagem, pesquisou-se, por meio de metodologia emprica, a familiaridade
dos alunos do curso de Letras com o tema gneros textuais, no campus de uma Instituio
privada de Ensino Superior, na cidade de Escada, Pernambuco. Com base numa anlise do
programa de disciplina das turmas participantes observou-se a proposta de trabalho do
professor e sua relao com os gneros. Foram elaboradas entrevistas com dezoito alunos do
curso de Letras no perodo inicial, e vinte no perodo final, adotando como critrio de escolha
alunos que pretendem lecionar a Lngua Materna, e uma entrevista com o professor para
perceber sua concepo e seu conhecimento sobre gneros. Alm disso, foram utilizadas as
produes textuais e os depoimentos dos alunos para verificar at que ponto o trabalho
desenvolvido em sala de aula contribui para a construo do seu conhecimento, visto ser papel
da escola tornar esses alunos proficientes leitores e produtores de textos, e o desafio de
educadores responsveis pelos processos de ensino-aprendizagem proporcionar a apropriao
do gnero trabalhado, sem perder de vista seus usos e suas funes sociais. Os resultados
demonstraram que a instituio de ensino envolvida na investigao, contempla o trabalho
com os gneros textuais, desde o primeiro perodo, porm recebe os alunos do ensino mdio
com pouca informao sobre o assunto, dificultando a leitura e produo proficiente de textos
pelos alunos nos primeiros perodos do curso superior. Conclui-se, nesta investigao, que
embora haja um trabalho eficaz desenvolvido pela instituio de ensino participante, h
lacunas no trabalho desenvolvido com os gneros textuais no ensino fundamental e mdio,
apontando para a necessidade de uma reviso nas prticas pedaggicas do ensino da lngua
materna para aqueles alunos. Um trabalho nesse sentido poder promover uma contribuio
13
ABSTRACT
Practice with genre in teaching English as a teaching tool, works as outlined in the discursive
practice and confirms that the language goes beyond the strictly linguistic form, contributing
to capacity building both linguistic and textual and communicative. Sciodiscursiva
interactionist perspective, this research is supported by the theories proposed by Bakhtin
([1979] 2003) of the genres in the interaction, Bronckart (1999) which highlights the socio-
discursive interactionism, Schneuwly and Dolz (2004) and Marcuschi (2003) believe that a
proposal of teaching and learning organized from genre, attributing to language and
interaction in building the instrumentalization of knowledge and training of the citizen. To
investigate ways to use the genre as a tool for teaching language, the research gathered
through empirical methodology, the familiarity of the students of the lyrics to the theme
genre, on the campus of a private institution of higher education in the city of Escada,
Pernambuco. Based on an analysis of program discipline of participating classes observed the
proposed work of teachers and their relation to gender. Interviews were arranged with
eighteen students of Letters in the initial period, and twenty in the final period, adopting as a
criterion of choice students seeking to teach the Mother Tongue, and an interview with the
teacher to realize their design and their knowledge of genres. Furthermore, we used the
textual productions and the statements of students to check to what extent the work in the
classroom contributes to the construction of their knowledge, since it is part of the school
these students become proficient readers and text producers, and the challenge educators
responsible for teaching and learning processes provide the appropriation of the genre
worked, without losing sight of its uses and its social functions. The results demonstrated that
the educational institution involved in research work deals with the genre since the first period
but receives high school students with little information on the subject, making the reading
and production of texts for students proficient in the first periods of the university. We
conclude this investigation, that although there is an effective work developed by the
participating educational institution, there are gaps in the work with the genre in the
elementary and high school, pointing to the need to review the teaching practices of mother
tongue teaching for those students. A work in this direction will promote a contribution to an
effective teacher training, not only in the city observed here as in other institutions for training
teachers of Language Portuguese.
KEYWORDS: genre, language, tool didactic
14
INTRODUO
15
No cenrio educacional, percebe-se que as teorias mais recentes de aquisio de
linguagem reiteram o papel dos gneros textuais no ensino da lngua verncula, quando
usados como ferramenta para a vida social, assinalando o compromisso e o dever da escola
em divulgar a linguagem como observvel atravs de um gnero e a importncia desse gnero
na vida no acadmica do cidado.
O Plano Nacional do Livro Didtico (PNLD) e os Parmetros Curriculares Nacionais
(PCN) so objetivos e incisivos, quando tratam da introduo e da divulgao da linguagem
enquanto gneros textuais nas escolas, mas por esta nfase necessrio esclarecer que este
recurso didtico, imprescindvel s aulas de lngua materna, so textos encontrados na vida
diria, com padres sociocomunicativos caractersticos, definidos por composies
funcionais, objetivos enunciativos e estilos variados (MARCUSCHI, 2008, p.155). A este
propsito, DellIsola (2007,p.12) afirma:
Como preconizam os Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa (PCNLP) imprescindvel o investimento no trabalho com
gneros textuais em sala de aula, pois os alunos devem ser capazes de ler
textos de diferentes gneros combinando estratgias de decifrao com estratgias de seleo, antecipao, inferncia e verificao.
Analisando este panorama, enxergou-se que, na escola tradicional, o objetivo das aulas
de Lngua Portuguesa era formar alunos reprodutores de conhecimentos voltados para um
modelo abstrato da lngua (e no de texto), priorizando o domnio dos contedos lingusticos
ou mesmo desconsiderando a funo instrumental do ensino de linguagem na escola.
Nas perspectivas do letramento, a caracterstica trabalhada pela escola tradicional deu
lugar a uma tendncia de formadores de opinio, ou seja, as teorias do letramento vm
revelando, em detalhes cada vez mais instigantes, o carter scio-histrico da modalidade
escrita.
De simples cdigo tradutor ou transpositor da fala para sinais grficos
convencionais, a escrita passou a ser considerada, entre outras, como parte indissocivel da
escola, conscientizando o professor de Lngua Materna da importncia da prtica de leitura e
produo de texto em sala de aula.
Fiorin (2006, p.60) esclarece que o trabalho da produo de texto em sala de aula por
meio de gneros no est limitado a atividades que os explorem como um conjunto de
propriedades formais a que o texto deve obedecer, transformando-o num produto cujo ensino
passa a ser normativo. A partir desta observao, entende-se que a Lngua Portuguesa, para
exercer uma ao lingustica sobre a realidade, precisa ser estudada atravs dos seus
16
diferentes usos sociais, ampliando as capacidades individuais do usurio e seu conhecimento a
respeito dos gneros textuais.
Diante da necessidade da utilizao deste instrumento didtico em sala de aula, no se
pode deixar de percebe-se que, atravs da linguagem, possvel ultrapassar os limites da
forma lingustica, analisando-se no s a diversidade de significaes, mas tambm os
mundos em que ela circula. Amparados no conceito bakhtiniano ([1979], 2003) de gneros
discursivos, pesquisadores europeus do chamado Grupo de Genebra, que tem sido
representado de forma destacada por Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz e Jean-Paul
Bronckart, visaram utilizao dos gneros como ferramenta para o ensino.
Nesse sentido, esta pesquisa, ao focar os gneros textuais como objeto de estudo,
objetiva investigar formas de se utilizar os gneros textuais como ferramenta para o ensino da
linguagem, j que funo desafiadora do educador tornar os alunos proficientes leitores e
produtores de textos, sem perder de vista os usos e funes sociais dos gneros estudados e,
principalmente, que se pense em como veicul-los e signific-los em sala de aula, podendo,
assim, desenvolver competncias metacognitivas que propiciem a anlise e interpretao de
textos. Aqui, novamente, vale destacar a afirmao de DellIsola (2007,p.11) sobre o assunto:
Constata-se a urgncia de se promover a formao de leitores e escritores
capazes de compreender e interpretar as relaes sociais; de se compreender
identidades e formas de conhecimento veiculadas atravs de textos em variadas circunstncias de interao; de se levar em conta a determinao
scio-histrica da interao escritor-texto-contexto-leitor; e de se
desenvolver a capacidade de perceber a pluralidade de discursos e possibilidades de organizao do universo.
O trabalho foi organizado em trs captulos, abordando-se, no primeiro captulo, os
pressupostos tericos sobre gneros textuais, apresentando, inicialmente, um estudo sobre este
objeto de investigao com vrias teorias lingusticas, dentre as quais se destaca a teoria
bakhtiniana ([1979], 2003), que defende a importncia dos gneros do discurso na interao, e
a teoria interacionista sciodiscursiva discutida por Bronckart (1999).
Em se tratando da proposta de ensino-aprendizagem organizada a partir de gneros
textuais, evidencia-se Dolz e Schneuwly (2004), Marcuschi (2008), alm de outros, que
comungam a ideia de que o homem pode modificar o mundo por meio do uso de ferramentas
e acreditam que essa transformao ocorre atravs da instrumentalizao da linguagem, para a
construo do conhecimento e de uma cidadania consciente pela formao do indivduo.
17
No segundo captulo, descreve-se o espao pedaggico onde foi desenvolvida a
pesquisa, expondo a localizao, horrio de funcionamento, o quadro funcional, as atividades
oferecidas e os objetivos especficos da proposta pedaggica do curso, alm de explicitar os
objetivos especficos da pesquisa que so: identificar a familiaridade sobre os gneros textuais
dos alunos do curso de Letras de uma instituio privada e verificar como utilizada esta
ferramenta de trabalho interdisciplinar em sala de aula num curso de licenciatura de Letras, os
quais nasceram a partir de questionamentos que foram levantados para a consecuo do
objetivo geral, j mencionado.
O primeiro questionamento foi se havia tcnicas para a utilizao dos gneros textuais
como ferramenta didtica em sala e de que forma este recurso didtico poderia ser explorado.
O segundo foi se havia familiaridade entre os alunos do curso de Letras e os gneros textuais,
j que sero os futuros professores da lngua materna. E o terceiro, qual a concepo do
professor sobre os gneros textuais e como trabalha com esta ferramenta didtica em sala de
aula.
Ainda no segundo captulo se descreveram as pessoas envolvidas na pesquisa, os
procedimentos adotados nas etapas do trabalho e os gneros utilizados pelos alunos para
verificao da familiaridade dos estudantes com esta ferramenta didtica.
No terceiro captulo, foi feito um exame dos dados coletados, para verificar a anlise
interpretativa das entrevistas realizadas com os alunos do primeiro e do oitavo perodos,
buscando observar se havia, em funo das respostas do professor, fornecidas por meio de
uma entrevista diretiva em que se buscava identificar o domnio de contedo e familiaridade
com o objeto de estudo (concepo e metodologia utilizada para ensinar os gneros), uma
relao dessas respostas com a efetiva produo textual dos alunos do curso de Letras da
FAESC- Faculdades da Escada, que se localiza no Municpio de Escada - PE.
Para finalizar, foram feitas algumas consideraes apresentando os resultados da
investigao, em que se sugere, com base nos resultados obtidos, alguma forma de
interveno pedaggica a ser aplicada no Municpio, com os professores da rede pblica do
ensino fundamental e mdio, que apontem caminhos para a qualificao da prtica
pedaggica.
18
CAPTULO I
PRESSUPOSTOS TERICOS
19
1.1 O estudo dos gneros
A identidade, os relacionamentos e o conhecimento dos seres humanos so
determinados pelos gneros textuais a que esto expostos, que produzem e consomem. O estudo dos gneros possibilita a explorao de algumas
regularidades nas esferas sociais em que eles so utilizados. Por isso,
qualquer profissional da rea de ensino de lngua deveria levar em conta esse aspecto no trabalho com o aprendiz (DELLISOLA, 2007, p.24).
A preocupao com o estudo dos gneros no matria recente, todavia, parece
indito, porque sempre conduz o estudioso a descobrir mudanas, j que seu surgimento ou
alteraes esto relacionados s transformaes na sociedade, visto que o avano tecnolgico
tem determinado o nascimento de novos gneros e mudanas dos antigos.
Baseando-se na proposta de Marcuschi (2002, p.19), ao afirmar que os gneros no
so instrumentos estanques e enrijecedores da ao criativa e se caracterizam como eventos
maleveis, dinmicos e plsticos, pode-se declarar que sempre este objeto de estudo vai estar
em foco, pois estes instrumentos se renovam a cada dia, surgindo emparelhados s
necessidades e atividades scio-culturais, j que o seu surgimento originado de acordo com
a inteno dos usos e suas interferncias na comunicao diria.
Subentende-se, ento, ser a pesquisa deste tema de cunho inesgotvel, porquanto
sempre surgem novos gneros textuais, j que so caracterizados por sua funcionalidade na
comunicao de acordo com a cultura onde so desenvolvidos, com suas especificidades e
diferenas, desmistificando a ideia de que so caracterizados apenas por suas formas ou por
seus aspectos funcionais.
Marcuschi (2002, p.21) tambm adverte que Em muitos casos so as formas que
determinam o gnero e, em outros tantos, sero as funes. Contudo, haver casos em que
ser o prprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem que determinam o gnero
presente.
Diante desta advertncia, confirma-se a imprescindibilidade da prudncia que se deve
ter ao definir que as formas ou funes determinam ou discriminam um gnero, e Bakhtin
([1979], 2003, p.261-262) refora este entendimento quando ressalta o fato de os gneros do
discurso refletirem as condies especficas e as finalidades de cada referido campo, no s
por seu contedo e pelo estilo da linguagem, isto , pela seleo dos recursos lexicais,
fraseolgicos e gramaticais da lngua, mas, sobretudo por sua construo composicional.
Isto significa que estes elementos esto indivisveis e so demarcados por uma esfera
especfica de comunicao, intensificando a ideia de que ao falar em gneros textuais no se
20
pode deixar de envolver Bakhtin, que, em sua poca, realizou em relevante estudo sobre os
gneros discursivos at hoje utilizado como fundamento para pesquisas. Para ele,
a riqueza e a diversidade dos gneros do discurso so infinitas porque so
inesgotveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade integral o repertrio de gneros do discurso,
que cresce e se diferencia medida que se desenvolve e se complexifica um
determinado campo (BAKHTIN, ([1979], 2003, p.262).
Mais recentemente, Marcuschi (2008, p.147) ressalta que:
H uma nova viso sobre este assunto e h uma dificuldade natural no tratamento desse tema diante da abundncia e diversidade das fontes e
perspectivas de anlise. Porque hoje, o tratamento dos gneros est em
perspectiva diferente, pois muitos estudiosos de campos diferentes esto sendo atrados por este tema, multidisciplinarizando-os.
Com isso, deve-se considerar que no h nem pode haver um plano nico para seu
estudo (BAKHTIN [1979], 2003), pois cada campo tem uma viso diferenciada, o que
enriquece a pesquisa do objeto. Concordando com Bakhtin, o nvel de dificuldades aumenta,
devido riqueza de perspectivas de anlises.
Brando (2003) chama a ateno que, ao longo dos tempos, os estudiosos da
linguagem sentiram-se tambm atrados pelo estudo dos gneros, interessando-se no s pela
histria da retrica, pela pesquisa contempornea em potica, semitica literria, mas tambm
pelas teorias lingusticas atuais. Este leque de campos do saber resultou numa diversidade de
abordagens, ampliando, assim, os termos relacionados aos gneros como: tipos, modos,
modalidades de organizao textual, espcies de texto e de discursos. Em suas palavras,
Enquanto uma cincia especfica da linguagem, a lingustica recente e depois porque sua preocupao inicial foi com as unidades menores que o
texto (o fonema, a palavra, a frase). Na medida em que ela passa a se
preocupar com o texto, comea a pensar a questo do gnero. Essa preocupao se torna crucial quando ela deixa de trabalhar apenas com
textos literrios, mas se volta tambm para o funcionamento de textos
quaisquer (BRANDO, 2003, p.19).
21
Percebe-se, assim, a importncia do envolvimento das teorias lingusticas na pesquisa
dos gneros, visto que antes, estas teorias preocupavam-se com um estudo voltado para a
anlise do fonema, da palavra ou da frase. S depois da pesquisa sobre os gneros,
reconheceram o valor do trabalho voltado para o funcionamento dos textos.
Fazendo uma breve retomada histrica, encontram-se os gneros sendo analisados e
investigados, pela primeira vez, na Grcia, com o estabelecimento de normas, caractersticas e
explicaes em duas dimenses, na literatura e na oratria, para depois serem ampliados a
outras, iniciando-se pela oratria.
Para Marcuschi,
Uma simples observao histrica do surgimento dos gneros revela que,
numa primeira fase, povos de cultura essencialmente oral desenvolveram um conjunto limitado de gneros. Aps a inveno da escrita alfabtica por volta
do sculo VII A. c., multiplicam-se os gneros, surgindo os tpicos da escrita.
Numa terceira fase, a partir do sculo XV, os gneros expandem-se com o flores cimento da cultura impressa para, na fase intermediria de
industrializao iniciada no sculo XVlII, dar incio a uma grande ampliao
(2002, p.19).
Marcuschi (2008, p.147) tambm pontua que, s no Ocidente, este estudo j tem, pelo
menos, vinte e cinco sculos, considerando que sua observao sistemtica iniciou-se em
Plato, o qual deu origem tradio potica, pretendendo perceber a diferena entre o lrico,
em que s o autor falava; o pico, em que o autor e personagens falavam, e o dramtico, em
que exclusivamente falava a personagem, considerando enfaticamente a literatura
(TODOROV, 1980) 1.
Nesta, surge o primeiro estudioso a fazer referncia aos gneros no livro III de A
Repblica, buscando alicerar e descrever com propriedade os gneros literrios. Diante do
grande valor de sua proposta e de sua repercusso, a obra considerada um dos marcos
fundamentais da genologia, ou seja, da teoria de gneros literrios (AGUIAR e SILVA, 1991,
p.340).
Prosseguindo numa pesrspectiva histrica, verifica-se, tambm, o trabalho de
Aristteles, que inverte a proposta de Plato, focalizando os gneros na Arte Retrica,
emergindo com uma teoria mais ordenada sobre os gneros.
1 TODOROV, T. Os gneros do discurso. So Paulo, Martins Fontes, 1980. Apud: Brando, H. N.
Gneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso poltico, divulgao cientfica. 4 ed. SP: Cortez,
2003. Pgina 18.
22
A retrica antiga reconheceu trs tipos de gneros de discurso, definidos pelas
circunstncias em que so pronunciados: o deliberativo, usado para dissuadir ou aconselhar, o
judicirio, o orador acusa ou se defende, e o demonstrativo (epidtico) que focaliza o elogio
ou a censura sobre os atos do cidado (BRANDO, 2003, p.19). Estes gneros foram
apresentados por Reboul (1998, p.47) atravs de um esquema, estabelecendo uma associao
entre formas, funes e tempo, apresentado logo adiante no quadro I.
Quadro 1- Os trs gneros do discurso segundo Aristteles
GNERO AUDITRIO TEMPO ATO VALORES ARGUMENTO-TIPO
Judicirio Juzes Passado
(fatos a
julgar)
Acusar; defender Justo;
injusto
Entinema (dedutivo)
Deliberativo Assemblia Futuro Aconselhar
desaconselhar
til;
nocivo
Exemplo (indutivo)
Epidtico Espectador Presente Louvar; censurar Nobre; vil Amplificao
FONTE: Olivier Reboul, 1998:472
A partir da Idade Mdia, a ideia propagada por Aristteles quanto aos gneros
discursivos foi aplicada vastamente, tornando-se, inclusive, a nfase pela qual a retrica se
desenvolveu e propiciou a tradio estrutural.
Aristteles estabeleceu a distino entre epopia, (poema herico narrativo extenso,
que eterniza lendas seculares e tradies ancestrais, preservadas ao longo dos tempos) 3, a
tragdia (tipo de drama caracterizado por conflitos), a comdia, (poesia jocosa, que se utiliza
do humor para satirizar todo tipo de ideia), cujos tratados foram conservados, a aultica,
definida como a arte de tocar aulo ou flauta, o ditirambo, gnero em que o poeta usava o
ritmo, canto e verso ao mesmo tempo, popularizado na Grcia antiga, de inspirao
dionisaca, e a cicarstica, a qual, junto com a aultica, usava o ritmo e a harmonia
expressando artes anlogas, cujas anlises perderam-se (MARCUSCHI, 2008, p.148).
A partir deste levantamento histrico, percebe-se a necessidade de se conhecer as
contribuies das teorias lingusticas para o estudo dos gneros, desenvolvidas a seguir.
2 REBOUL, Olivier. Introduo retrica. So Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 47. Apud: Marcuschi,
Luiz Antnio. Produo Textual, anlise de gneros e compreenso. So Paulo: Parbola Editorial, 2008.
Pgina: 147 3 WIKIPDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta contedo enciclopdico.
Disponvel em: . Acesso em: 23.05. 2009.
23
1.2 - As contribuies das teorias lingsticas para o estudo dos gneros
1.2.1 A teoria bakhtiniana
Segundo Bakhtin ([1979], 2003, p.282), a comunicao ou a fala ocorre atravs dos
gneros e, muitas vezes, o falante no se d conta disto. Entende-se com esta afirmao que
h um vasto campo de gneros orais e escritos usados, de acordo com a intencionalidade
comunicativa, o que define o gnero.
Ele ainda enfatiza que h necessidade do falante dominar os gneros para se comunicar,
pois isto lhe d competncia comunicativa em qualquer esfera, com qualquer interlocutor ou
temas do cotidiano, sociais, etc. ressaltando que o falante s escolher o gnero se conhec-lo
com propriedade. Para Bakhtin,
preciso dominar bem os gneros para empreg-los livremente [...] Quanto
melhor dominamos os gneros tanto mais livremente os empregamos, tanto
mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso e possvel e necessrio), refletimos de modo mais flexvel e sutil a
situao singular da comunicao; em suma, realizamos de modo mais
acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN, [1979], 2003, p.285).
Analisando a definio dos gneros textuais pontuada por Bakhtin ([1979], 2003, p.261)
entende-se que eles so caracterizados por trs elementos nomeados de contedo temtico,
estilo e construo composicional. Fiorin (2006, p.62) explica que o contedo temtico trata
do domnio de sentido ocupado pelo gnero e no do assunto especfico, apresentando como
exemplo as cartas de amor, cujo contedo as relaes amorosas, mas o assunto pode ser o
rompimento de um casal, saudade, etc.;
O estilo da linguagem trata da seleo dos recursos lexicais, fraseolgicos e gramaticais
da lngua que o falante ou escritor usa para particularizar seu texto na comunicao, cujo
exemplo o estilo oficial, que usa formas respeitosas, e a construo composicional, que diz
respeito ao modo de estruturar o texto, caractersticas ou compreenso macro textuais.
Vale salientar que Bakhtin ([1979], 2003, p.266) tambm chama a ateno para o fato
de que, apesar de todo gnero ter seu estilo, e o estilo ser inseparvel do gnero, por ser
elemento integrante e individual, subentende-se que ele pode refletir a individualidade do
falante ou de quem escreve, revelando aspectos de uma personalidade individual, visto que o
estilo particular percebido em diversas relaes de reciprocidade com a lngua nacional.
24
No entanto, enfatiza o fato de que nem todos os gneros podem ser includos nesta
perspectiva, como o caso dos gneros da literatura de fico e os gneros que requerem uma
forma padronizada como os da modalidade de documentos oficiais, de ordem militar, nos
sinais verbalizados de produo, etc. Validando tambm que a prpria definio de estilo,
em geral, e de estilo individual, em particular, exige um estudo mais profundo tanto da
natureza do enunciado quanto da diversidade de gneros discursivos (BAKHTIN, [1979],
2003, p.265).
Destaca-se o fato de a lngua ser social, pois ela se institui na comunicao (BAKHTIN,
1999, p.14), subentendendo, ento, o papel da interao verbal para a comunicao, visto que
a palavra em si no tem valor, s a interao d sentido a ela, j que a base da linguagem e
s se concretiza a partir do dilogo, que intermediado pela palavra, a qual vista por
Bakhtin (1999, p.36), como o modo mais puro e sensvel de relao social:
A verdadeira substncia da lngua no constituda por um sistema abstrato de formas lingsticas nem pela enunciao monolgica
isolada, nem pelo ato psicolgico de sua produo, mas pelo
fenmeno da interao verbal, realizada atravs da enunciao ou das enunciaes, a interao verbal constitui assim a realidade
fundamental da lngua (BAKHTIN, 1999, p.123).
Segundo Rodrigues (2005, p.153), pode-se definir que os gneros textuais servem de
ponte nesta interao, j que esto numa perspectiva dialgica da linguagem, pois, por meio
deles, ocorre a interao entre o locutor e o locutrio, e entendendo o dialogismo como um
princpio de interao verbal, conclui que a linguagem se realiza neste princpio.
Ao definir que todos os tipos relativamente estveis de enunciados, quer sejam orais
ou escritos, so igualmente determinados pela especificidade de condies de comunicao
discursiva, particulares de cada campo da comunicao e de uma determinada funo,
Bakhtin introduziu a noo de gneros textuais ([1979], 2003, p.262). Em outras palavras,
entende-se que, para ele, os gneros so estveis porque so caracterizados pelos seus
contedos e pelos meios lingusticos que eles utilizam, com estrutura ou composio definida
pela sua funo.
Ao usar a expresso relativamente, subentende-se o reconhecimento da importncia
da intergenericidade estabelecida no texto, permitindo a compreenso de que jamais se pode
declarar que eles so inalterveis, sem contar que todos os textos que apresentam inteno
scio-comunicativa numa esfera discursiva especfica so gneros textuais e que, por meio
25
deles, a lngua passa a integrar a vida, ou seja, a vida entra na lngua (BAKHTIN, ([1979],
2003, p.265). Brando reitera isto ao afirmar:
S que um gnero no uma forma fixa, cristalizada de uma vez por todas e
que deve ser tratado como um bloco homogneo. E esse equvoco que cometem algumas das abordagens pedaggicas. O professor no pode perder
de vista a dimenso heterognea que a noo de gnero implica. H toda
uma dimenso intergenrica, dialogal que um gnero estabelece com outro
no espao do texto. (2003, p.38)
Para Bakhtin ([1979], 2003, p.263), a heterogeneidade dos gneros discursivos
possibilita duas classificaes: a de gneros primrios, que so aqueles originados de
condies comunicativas imediatas, de situaes de comunicao verbal espontnea do dia-a-
dia como: dilogo cotidiano, conversas familiares, reunies de amigos, e at o bate-papo do
MSN, blog, e mail etc. e a de gneros secundrios, que surgem em convvio cultural mais
complexo, com uma linguagem mais rebuscada, envolvendo assuntos literrios, publicitrios,
cientficos, artsticos, culturais, polticos etc., os quais podem ser exemplificados com
palestras, monografias, teses cientficas, romances, dramas, etc.
Ele ainda enfatiza que o estudo da natureza do enunciado e da diversidade de formas
de gneros dos enunciados nos diversos campos da atividade humana de enorme
importncia, para quase todos os campos da lingustica e da filologia, porque toda
investigao de material lingustico concreto ocorre com gneros textuais, que se relacionam a
esferas comunicativas variadas, das quais os pesquisadores extraem os fatos lingusticos de
que precisam, deixando evidente ser imprescindvel o conhecimento da natureza e
particularidades dos diversos gneros em qualquer campo de investigao lingustica
(BAKHTIN, [1979], 2003, p.264-265).
Outro aspecto relevante considerado por Bakhtin em relao inteno comunicativa
do falante, defendendo a ideia de que para escolher o gnero que vai ser usado na
comunicao, primeiro o falante tem clareza de sua vontade discursiva, que determinada
pela especificidade de uma esfera, por consideraes semntico-objetais (temticas), pela
situao concreta da comunicao discursiva, pela comunicao pessoal de seus participantes,
etc. Ou seja, sua intencionalidade discursiva, com toda sua subjetividade e particularidade,
aplicada e adaptada ao gnero escolhido, desenvolvendo-se em uma determinada forma de
gnero, o qual veicula a lngua materna, j que ela no chega at seu usurio por meio de
dicionrios e gramticas, mas por meio dos gneros, que nomeia de enunciaes concretas,
pois se ouve ou se produz na comunicao discursiva entre as pessoas com quem se convive.
26
Ressalta ainda que aprender a falar significa aprender a construir gneros textuais, pois
falamos por gneros e no por oraes isoladas, nem por palavras isoladas (BAKHTIN,
[1979], 2003, p.282-283). E a partir disto, compreende-se que, alm de reconhecer a
imprescindibilidade dos gneros na comunicao, tambm houve uma ampliao da
concepo de gnero que antes era vista apenas como produo literria (CARVALHO, 2005,
p.132).
1.2.2 A teoria interacionista sciodiscursiva (ISD) de Bronckart
Dando seguimento s contribuies lingusticas para o estudo dos gneros, no se pode
deixar de falar em Bronckart (1999), grande colaborador no estudo dos gneros, apesar de no
t-los como objeto de anlise e, sim, as aes verbais e no verbais dirigidas por concepes
epistemolgicas especficas (MACHADO, 2005, p.238).
Bronckart faz parte do grupo de estudiosos da perspectiva interacionista e
sociodiscursiva de carter psicolingustico, com ateno didtica voltada para a lngua
materna. Sua vinculao psicolgica influenciada por Bakhtin e Vygotsky, perspectiva que
se preocupa com o ensino dos gneros orais e escritos na lngua materna, especificamente no
ensino fundamental (MARCUSCHI, 2008, p.153).
Segundo Machado (2005, p.238) os pesquisadores Schneuwly e Dolz guardam um trao
em comum: a perspectiva de intervir na educao, de forma imediata, ou com perspectivas
futuras. Voltando-se para a atividade de ensino e aprendizagem da lngua portuguesa, do
francs e do ingls como lnguas estrangeiras, ou para a atividade de formao. As pesquisas
podem ser organizadas em alguns tipos como: foco nas ferramentas de ensino, foco no aluno,
no professor em formao ou no formador de professor, na interao professor-ferramenta-
aluno ou no foco da interao professor em formao-(ferramenta)-formador (MACHADO,
2005, p.239).
Bronckart (1999, p.13) define o interacionismo sociodiscursivo como uma corrente
terica que enxerga as condutas humanas como produto de socializao, afirmando que so
aes significantes, ou como aes situadas, cujas propriedades estruturais e funcionais so,
antes de mais nada, um produto da socializao.
Ele defende esta teoria social instituda em Genebra, cuja tese central que a ao
constitui o resultado da apropriao4, pelo organismo humano, das propriedades da atividade
social mediada pala linguagem (1999, p.42). Ou seja, para as aes humanas terem
4 Negrito no original
27
significado numa interao, preciso apropriao dos gneros, pois o falante no poderia
interagir se no dominasse o gnero utilizado. Dolz e Schneuwly (2004) 5 enfatizam isto ao
considerar que aprender a falar apropriar-se dos instrumentos para falar em situaes de
linguagem diversas, isto , apropriar-se dos gneros.
O Interacionismo sciodiscursivo considera os fatos de linguagem como traos de
condutas humanas socialmente contextualizadas (BRONCKART, 1999, p.23) e tem a
psicologia social como fonte de referncia, evidenciando que a obra de Vygotsky o
fundamento mais radical do interacionismo em psicologia (p.24) e que ela foi alavancada a
partir dos anos 60, contribuindo, assim, com a teoria da psicologia do desenvolvimento (p.28).
De acordo, ainda, com Bronckart (1999, p.32), pode-se inferir que a interao verbal
regula e media o ser humano, pois sob o efeito mediador do agir comunicativo, o homem
transforma o meio (p.34). Nomeia como espcies de textos todo conjunto de texto que
apresenta caractersticas comuns (p.72), e argumenta que os gneros de textos continuam
sendo entidades profundamente vagas [...] e que nenhuma das classificaes existentes pode
ser considerada como um modelo de referncia estabilizado e coerente (p.73).
Bronckart (1999, p.108) define os gneros como construtos histricos que se adaptam
permanentemente evoluo das questes sociocomunicativas e adverte quanto
possibilidade de alguns gneros desaparecerem e reaparecerem com formas modificadas,
quanto ao surgimento de novos gneros j que esto em permanente dinamicidade (p.74) e
que o conhecimento da pertinncia dos gneros construdo em situaes de ao
determinadas (1999, p.109).
Alm de todas estas contribuies para o estudo dos gneros, Bronckart (2001) 6
tambm apresenta uma proposta didtica defendendo que o trabalho com gneros
interessante na medida em que eles so instrumentos de adaptao e participao na vida
social e comunicativa. Ele prope uma srie didtica em quatro fases:
I - Elaborar um modelo didtico: nesse primeiro momento, deve-se escolher um
gnero e adapt-lo ao conhecimento dos alunos. Logo em seguida, pode-se analisar as
propriedades desse gnero, seus usos, suas formas de realizao, suas variaes e seus
contextos de uso, cujo modelo permite delimitar trs grandes categorias de objetivos de
ensino:
5 DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In: ROJO, R. e
Cordeiro, G. S. Gneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. Pg. 171 6 Bronckart (2001). Lenseignement des discours. Apud: Marcuschi, Luiz Antnio. Produo Textual, anlise de gneros e compreenso. So Paulo: Parbola Editorial, 2008. Pgina: 221
28
a) A anlise das atividades discursivas: esta anlise possibilita a apreenso dos
critrios da escolha do gnero numa dada situao comunicativa; a simulao da
posio do produtor do gnero, imaginando as intenes dos interlocutores; a
identificao dos conhecimentos mobilizados para produzir o gnero nas
circunstncias imaginadas e, por fim, a especificao das estruturas comunicativas e
o formato convencional que o gnero apresenta;
b) A operao com as sequncias tpicas (tipos textuais): permite saber como
coordenar as seqncias que entram para compor a coerncia de base textual, tais
como as sequncias argumentativas, narrativas, expositivas etc.; essas bases globais
devem ser ordenadas e sequenciadas de maneira organizada;
c) O domnio dos mecanismos lingusticos: trata-se de estudar e analisar os aspectos
sintticos, morfolgicos (gramaticais de uma maneira geral) e as propriedades
lxicas, bem como a escolha dos registros e estilos; observa-se aqui a organizao
textual sob o seu aspecto local (coeso) e global (coerncia);
II - Identificar as capacidades adquiridas: neste segundo momento, devem-se
testar os alunos para diagnosticar se houve apropriao dos aspectos trabalhados
no primeiro momento.
III - Elaborar e conduzir atividades de produo: agora, deve-se partir para a
efetivao dos exerccios de produo de gneros, dando condies especficas e
situaes determinadas de acordo com os elementos analisados nas atividades
anteriores. Seriam elaboradas, agora, as sequncias didticas.
IV - Avaliar as novas capacidades adquiridas: por fim, devem-se analisar as
produes textuais dos alunos, dando-lhes um retorno especfico de maneira que
possam prosseguir no trabalho com gneros similares ou com outros gneros
dentro dos passos j apresentados.
Enfim, ele diferencia atividade de ao, quando se trata dos gneros textuais como
reguladores e produtos das atividades (sociais) de linguagem. De acordo com Machado (2005,
p.250), o interacionismo sociodiscursivo prope, de um ponto de vista scio-histrico, em
relao aos gneros, que, no decorrer da histria, no quadro das atividades sociais, as
maneiras de se comunicar constituram gneros de textos e as distintas esferas de atividade
possibilitaram diferenciao nos gneros textuais prprios de cada uma dessas esferas.
29
1.2.3 Marcuschi e o estudo dos gneros
Marcuschi, ao escrever sobre os gneros como prtica scio-histrica, fez algumas
observaes, sinalizando sua importncia para ordenar e estabilizar a comunicao diria,
destacando-os como instrumentos plsticos e dinmicos e enfatizando o aparecimento deles
de acordo com a necessidade e atividade sociocultural e novidades tecnolgicas
(MARCUSCHI, 2002, p. 19).
Marcuschi (2008, p.155) define os gneros como todos os textos encontrados em nossa
vida cotidiana, os quais apresentam padres sociocomunicativos com caractersticas definidas
por funes, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integrao de foras
histricas, sociais, institucionais e tcnicas. Argumenta que os gneros textuais so
caracterizados muito mais por suas funes comunicativas, cognitivas e institucionais que por
suas peculiaridades lingusticas e estruturais, defendendo a ideia que seus usos e
condicionamentos scio-pragmticos os caracterizam como prticas scio-discursivas (p.20).
Tambm alertou quanto aos gneros emergentes, pois, alm de salientar o aspecto
central que a nova relao que instauram com os usos da linguagem como tal, ainda
permitem esquadrinhar a integrao entre os vrios tipos de semioses: signos verbais, sons,
imagens, etc (MARCUSCHI, 2008, p.21).
Evidencia a diferena entre gnero textual, tipo textual e domnio discursivo,
ressaltando que tipo textual denomina a construo terica delimitada pela natureza
lingustica de sua organizao, envolvendo cerca de meia dzia de categorias conhecidas
como: narrao, argumentao, exposio, descrio e injuno, enquanto que gnero textual
trata de textos materializados que se encontram em nossa vida diria e que apresentam
caractersticas sociocomunicativas definidas por contedos, propriedades funcionais, estilo e
composio caracterstica (MARCUSCHI, 2008, p.154-155).
J o domnio discursivo usado para designar esfera ou instncia de produo
discursiva em que os textos circulam, proporcionando, tambm, o surgimento de discursos
especficos como jurdico, jornalstico, religioso, etc. e que neles podem se distinguir
inmeros gneros textuais (p.155), mas enfatiza que [...] a tipicidade de um gnero vem de
suas caractersticas funcionais e organizao retrica (2008, p.159).
30
Ainda advertiu quanto ao uso equivocado da expresso tipo de texto 7 quando estiver
se referindo a um gnero, j que possvel identificar uma heterogeneidade tipolgica neles,
isto , um gnero com vrias sequncias tipolgicas (2002, p.24-25).
Alm disso, registra que os gneros no so opostos a tipos e nem so dicotmicos, uma
vez que so formas essenciais do texto em atividade (2008, p.156), comprovando isto ao
declarar que no devemos imaginar que a distino entre gneros e tipo textual forme uma
viso dicotmica e, sim, que so complementares e integrados. No subsistem isolados nem
alheios um ao outro, so formas constitutivas do texto em funcionamento.
Como se pode perceber, o leque de suas contribuies para este assunto no pequeno,
pois, alm disso, destaca a questo da intergenericidade, ou seja, um gnero assumindo a
funo de outro gnero, apresentando uma mistura entre funes e formas.
Para Marcuschi (2008,p.164) h uma diferena entre gnero e evento e a questo do
suporte de gneros textuais. Tratando-se da intergenericidade, a ttulo de exemplo, toma um
gnero que no se sabe ao certo se uma tira ou uma carta, usada por muitos peridicos
semanais e jornais na poca. Apresenta uma carta de despedida do autor do personagem
Snoopy, num quadrinho com a figura do cachorrinho pensativo diante de uma mquina de
escrever (2008, p.164).
Neste exemplo, percebe-se com clareza a presena da intergenericidade, pois, alm de
utilizar um quadrinho, que era o gnero em que o personagem sempre aparecia, utilizou-se do
7 Grifo no original
31
gnero carta para despedir-se dos fs daqueles personagens, ou seja, uma carta no formato de
uma HQ8e, alm do mais, usou o interdomnio discursivo, j que so duas instncias
sobrepostas: a instncia da publicidade, em que divulgou sua deciso e a instncia da
interpessoalidade, a qual narrou sua despedida atravs da carta pessoal.
Marcuschi esclarece que o problema no est na nomeao, mas sim, na identificao
do gnero, pois comum burlarmos o cnon de um gnero fazendo uma mescla de formas e
funes (2008, p.164), e ressalta a importncia da intergenericidade quando diz que isso
no deve trazer dificuldade alguma para a interpretabilidade, j que impera o predomnio da
funo sobre a forma na determinao interpretativa do gnero, o que evidencia a plasticidade
e dinamicidade dos gneros (2008, p.166).
No que concerne diferena entre evento e gnero, pontua que aquele se destaca pelo
conjunto de aes, que so exemplificadas como audincia no tribunal, jogo de futebol,
congresso acadmico, etc., e este a ao lingustica praticada nas situaes prprias
marcadas pelo evento. Cita como modelo de evento uma criana chorosa em que, para ser
consolada, no se pode usar a ao lingustica de recitar um poema ou dar um conselho, mas
que, para cada situao, existem gneros apropriados ou no adequados, clarificando, assim, a
diferena entre eles (2008, p.163).
Quanto ao suporte, verifica-se que este assunto ainda est em processo, porque, segundo
Marcuschi (2008, p.174) h muita complexidade, sem nenhuma deciso clara, uma vez que
no existe nenhum estudo sistematizado sobre isto. Ele atenta para o fato de que o suporte
imprescindvel para que o gnero circule na sociedade, porm por ter alguma influncia na
natureza do gnero suportado, no significa que determine o gnero, e sim que o gnero exige
um suporte especial, mesmo conhecendo casos em que o suporte determina a distino que o
gnero recebe.
Ele tambm alerta quanto ao problema de diferenciar o suporte do gnero, que no
feito com preciso, pois ele mesmo, em outros trabalhos, havia identificado o outdoor como
gnero, mas hoje admite que seja um suporte pblico para vrios gneros, preferindo
publicidades, anncios, propagandas, comunicados, etc. com predileo aos gneros da esfera
discursiva comercial ou poltica (p.176).
Define o suporte como um lcus fsico ou virtual com formato especfico que serve de
base ou ambiente de fixao do gnero materializado como texto (p.174) e tipifica o suporte
8 Histria em quadrinho
32
como convencional, que aquele que tem a funo de fixar textos, e incidental, aquele que
opera como suporte ocasional ou eventual.
Marcuschi destaca tambm o problema da retextualizao, tida como uma atividade de
transformao de um texto para outro, defendendo que:
A retextualizao, tal como tratada neste ensaio, no um processo mecnico, j que a passagem da fala para a escrita no se d naturalmente no
plano dos processos de textualizao. Trata-se de um processo que envolve
operaes complexas que interferem tanto no cdigo como no sentido e evidenciam uma srie de aspectos nem sempre bem compreendidos da
relao oralidade-escrita. (2003, pg.46)
Para ele (2003, p.47) importante perceber que para haver retextualizao necessrio
a utilizao de outra modalidade ou outro gnero, porm esta atividade de transformao
textual requer compreenso, isto , algum precisa entender o que foi dito ou o que se quis
dizer, consistindo em uma atividade cognitiva. A ideia de que retextualizar era apenas passar
um texto supostamente catico (que o texto falado) para a escrita (que o texto considerado
formal) est errada, visto que o processo vai muito alm.
Isto reiterado por ele quando ressalta o valor do mtodo para o ensino da lngua
materna, e que esta tcnica serve para aferir o grau de conscincia lingustica e o domnio da
noo das relaes entre o texto oral e o texto escrito (p.99). Apesar de serem rotinas usuais
altamente automatizadas, as retextualizaes no so mecnicas.
Ao reformular textos numa diversidade de registros, gneros, estilos e toda vez que se
repete, relata ou at mesmo quando se faz citaes, est se reformulando, transformando ou
recriando uma fala em outra, pois a escrita no acrescenta massa cinzenta ao indivduo que a
domina bem como o no domnio da escrita no evidncia de menor competncia cognitiva
(MARCUSCHI, 2003, p.48). Para ele,
Deve-se, pois, distinguir entre o conhecimento e a capacidade cognitiva. Quem domina a escrita pode eventualmente, ter acesso a um maior nmero
de conhecimentos. No verdade, no entanto, que a fala o lugar do
pensamento concreto e a escrita, o lugar do pensamento abstrato. Em resumo: a retextualizao no , no plano da cognio, uma atividade de
transformar um suposto pensamento concreto em suposto pensamento
abstrato.9 (2003, p.47)
Chama a ateno, ainda, para a diferena entre transcrever e retextualizar, e que, na
primeira, se trata de passar um texto de sua realizao sonora para a forma grfica, com base
9 Itlico no original
33
numa srie de procedimentos convencionais, porm estas mudanas no podem implicar na
natureza do discurso do ponto de vista da linguagem e do contedo (MARCUSCHI, 2003,
p.49). Transcrever no uma atividade de simples interpretao grfica do significante
sonoro, mas sim uma transcodificao (do sonoro para o grafemtico) que j uma
transformao, mas no se pode fazer uma transcodificao equivaler a uma parfrase ou a
uma traduo como se fosse uma equivalncia semntica, porque uma parfrase refaz o texto
de um formato lingustico para outro formato que diga algo equivalente (p.51).
No caso da segunda, que retextualizar, a interferncia maior e h mudanas
perceptveis, como a introduo de pontuao e eliminao de hesitaes, ( o caso de
entrevistas publicadas). A adaptao uma transformao de modalidades, isto , uma
retextualizao. Nesta, interfere-se tanto na forma e substncia da expresso como na forma e
substncia do contedo, sendo que a situao mais complexa (p.52). No se trata apenas de
uma reescritura de texto para adequar norma padro, trata-se de uma proposta mais
significativa, pois se diz de outro modo, ou em outro gnero, o que foi dito por algum.
Marcuschi (2003, p.48) prope quatro possibilidades de retextualizao representadas
no Quadro 2.
Quadro 2. Possibilidades de retextualizao
1.Fala Escrita (entrevista oral entrevista impressa)
2.Fala Fala (conferncia traduo simultnea)
3.Escrita Fala (texto escrito exposio oral)
4.Escrita Escrita (texto escrito resumo escrito)
E ainda alerta quanto a algumas variveis intervenientes numa retextualizao, supondo
serem relevantes:
1. O propsito ou objetivos da retextualizao, explicando que, dependendo da
finalidade, pode-se ter uma grande diferena no nvel de linguagem do texto, porm
o correto que numa retextualizao no pode haver indiferena aos objetivos.
2. A relao entre o produtor do texto original e o transformador, mostrando que,
quando o prprio autor retextualiza, as mudanas so mais drsticas, pois o autor
despreza a transcrio da fala e redige um novo texto, mesmo no eliminando todas
as marcas da oralidade. Quando outra pessoa que retextualiza, ela modifica o
contedo de forma menos intensa, embora possa interferir na forma.
34
3. A relao tipolgica entre o gnero textual original e o gnero da retextualizao diz
respeito transformao de um gnero falado para o mesmo gnero escrito,
advertindo que as mudanas so menos drsticas do que de um gnero para outro.
4. Os processos de formulao tpicos de cada modalidade tratam da questo das
estratgias de produo textual vinculadas a cada modalidade.
Considerando estas quatro variveis, pode-se defender que os processos operacionais
de retextualizao so atividades conscientes, que seguem vrios tipos de tcnicas
(MARCUSCHI, 2003, p.53-55).
Diante deste levantamento de contribuies tericas lingusticas para o estudo dos
gneros textuais como ferramenta didtica, existe uma indagao que grita na esfera
educacional, desejando resposta: De que forma utilizar os gneros textuais como ferramenta
para o ensino de linguagem? Na tentativa de responder a esta indagao, discorre-se, logo
adiante, sobre a importncia dos gneros textuais no ensino.
1.3 Gneros textuais e ensino
As teorias mais recentes de aquisio de linguagem reiteram o papel dos gneros na
efetiva apropriao dos alunos, usados como ferramenta para a vida social, e assinalam o
compromisso e o dever da escola em divulgar a linguagem como observvel atravs de um
gnero e a importncia desse gnero na vida no acadmica do cidado.
O Plano Nacional do Livro Didtico (PNLD) e os Parmetros Curriculares nacionais
(PCNs) investem na introduo da linguagem, enquanto gneros textuais, nas escolas, e
Marcuschi (2002) alerta para o valor do trabalho com gneros textuais em sala de aula na
atualidade ao enfatizar que [...] a relevncia maior de tratar os gneros textuais acha-se
particularmente situada no campo da Lingstica Aplicada. De modo todo especial no ensino
de lngua, j que se ensina a produzir textos e no a produzir enunciados soltos (p.35).
Ou seja, h muitas recomendaes quanto importncia do uso dos gneros em sala
de aula, mas o problema pode estar na forma como este recurso didtico est sendo
trabalhado. De acordo com Bazerman (2009, p.10), no se ensina um gnero como tal e sim
se trabalha com a compreenso de seu funcionamento na sociedade e na sua relao com os
indivduos situados naquela cultura e suas instituies.
Deve-se, portanto, refletir sobre a forma como se ensina e Schneuwly e Dolz (2004,
p.23-24) defendem a ideia de que o gnero um instrumento, e, portanto, imprescindvel
numa comunicao (falada ou escrita), com uma situao definida por uma inteno
35
comunicativa, num determinado local e com destinatrios, at porque, segundo eles, este
instrumento guia e controla a ao durante seu prprio desenvolvimento:
Como toda ao humana, ele vai usar um instrumento ou um conjunto de instrumentos - para agir: um garfo para comer, uma serra para derrubar uma
rvore. A ao de falar realiza-se com a ajuda de um gnero, que um instrumento para agir lingusticamente (2004, p. 171).
No entanto, chama ateno o uso do termo megainstrumento, j que o prefixo ali
usado tem um sentido grandioso, pois uma adaptao do gr. megal (o)- e equivale ao
multiplicador 106, seja, um milho (de vezes a unidade indicada, p.ex., megagrama = um
milho de gramas)10
, subentendendo que o gnero textual no uma ferramenta qualquer, mas
sim, um instrumento semitico, complexo e com diferentes nveis, pois trata-se de um
conjunto articulado de instrumentos (p.171), ou seja, o cerne da situao. Do ponto de vista
do uso e da aprendizagem, oferece um suporte para a atividade, nas situaes de
comunicao, e uma referncia para os aprendizes (p.75).
Percebe-se, ento, que o uso da expresso metafrica megainstrumento pertinente
e que, devido ao valor que esta ferramenta demonstra, a sua importncia para o ensino da
linguagem grande. O trabalho com a Lngua at ento nada mais era do que cpia ou
repetio de uma prtica ultrapassada, exigindo mudana.
A proposta terica de Schneuwly e Dolz (2004) est centrada nos gneros textuais
idealizados como instrumento de comunicao 11, que se realizam empiricamente em textos
(MARCUSCHI, 2008, p.211). Eles metaforizam os gneros como instrumento, quando se
referem ao fato de um agente agir linguisticamente (falar ou escrever), numa situao
definida por uma finalidade, um lugar social e destinatrios (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004,
p.171), ou seja, para se usar o gnero necessrio que o usurio da lngua perceba a situao
claramente, e, dentro deste contexto de produo, que ele use o gnero atravs da fala ou
escrita (agir linguisticamente), que um instrumento semitico constitudo por signos,
estabelecendo, assim, a comunicao.
Reiteram a afirmao ao declararem que esta ferramenta serve de suporte para as
atividades comunicativas e de referncia para os aprendizes (p.75), ideia calcada no
Interacionismo sociodiscursivo, e afirmam que atravs dos gneros que as prticas de
linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes (p. 74), ou seja, no h como
10 Informao retirada do dicionrio eletrnico Houaiss da lngua portuguesa 2.0.1 11 Itlico no original
36
distanciar os gneros textuais das prticas de linguagem, j que eles concretizam a
interatividade entre os seres humanos:
Numa perspectiva interacionista, so, a uma s vez, o reflexo e o principal
instrumento de interao social. devido a essas mediaes comunicativas,
que se cristalizam na forma de gneros, que as significaes sociais so progressivamente reconstrudas (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p.51).
Quando os autores apresentam os gneros textuais como metfora de instrumento, no
ignoram o perigo da noo instrumentalizada de lngua, considerada inadequada
(MARCUSCHI, 2008, p.212). Por isso, questiona-se a definio dos gneros como
instrumento e a situa numa perspectiva bakhtiniana distinguindo trs dimenses:
1. Os contedos que se tornam dizveis no gnero;
2. A estrutura comunicativa particular dos textos que pertencem ao gnero;
3. As configuraes especficas de unidades lingusticas so traos da posio
enunciativa do enunciador, conjuntos particulares de sequncias textuais e de tipos
de discurso que formam sua estrutura.
Partindo deste princpio, no h como negar a imprescindibilidade desta teoria para a
pesquisa proposta, particularmente por ela trazer os principais questionamentos de professores
quanto ao ensino dos gneros, procurando fornecer procedimentos nomeados de sequncia
didtica a fim de que o professor pense e planeje o ensino de gneros especficos (p. 15).
A proposta de Dolz e Schneuwly (2004) foi pensada para ser desenvolvida no ensino
fundamental em francs. No entanto, cabe perfeitamente para a reflexo sobre o ensino de
portugus do Brasil, visto que a discusso gira em torno do ensino de lngua materna e do
ensino de unidades do discurso (gneros), embora se reconhea tambm que os gneros sejam
determinados socialmente e que h probabilidade de que seu funcionamento seja mais similar,
nas sociedades urbanas, modernas e ocidentais, que os elementos das lnguas (ROJO e
CORDEIRO, 2004, p.14).
Schneuwly e Dolz (2004, p.97) definem os gneros como prticas de linguagem
historicamente construdas e defendem que a finalidade de trabalhar com sequncia didtica
ajudar o aluno a dominar melhor um gnero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou
falar de uma maneira mais adequada numa situao de comunicao. Eles definem sequncia
didtica como um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemtica, em
torno de um gnero textual oral ou escrito e apresentam a estrutura de base de uma seqncia
didtica que pode ser representada pelo seguinte procedimento:
37
ESQUEMA DA SEQUNCIA DIDTICA
I- Apresentao da situao: o primeiro passo apresentar a situao de
comunicao, na qual se descreve detalhadamente a tarefa a ser desenvolvida e
a modalidade utilizada pelo aluno, que corresponde ao gnero utilizado; logo
aps, os contedos a serem trabalhados devem ter relao com o gnero, o qual
deve ser apresentado aos alunos e discutido com eles os aspectos da
organizao do gnero em foco (p. 98-101);
II- Produo inicial: trata-se da primeira produo textual, que pode ser
realizada coletivamente ou individual. Este texto avaliado pelo professor e lhe
atribuda uma nota. Nesta etapa, o professor avalia as capacidades j
adquiridas e ajusta as atividades e os exerccios previstos na sequncia s
possibilidades e dificuldades reais de uma turma. Alm disso, esta atividade
define as capacidades que os alunos devem desenvolver para melhor dominar o
gnero de texto em questo (p. 98);
III- Os mdulos: neste momento, os problemas que foram detectados na produo
inicial so trabalhados para serem superados por meio de instrumentos. Estes
mdulos vo do mais complexo ao mais simples, para finalizar com o mais
complexo, que a produo textual (p.103). Por exemplo:
1. Trabalhar problemas de nveis diferentes: nesta etapa, o aluno se depara
com problemas especficos de cada gnero e, ao final, deve tornar-se
capaz de solucion-los, objetivando prepar-lo, para isso, em cada
sequncia, trabalha-se problemas relativos a vrios nveis de
funcionamento. Dentre eles, destacam-se na produo de texto quatro
nveis principais:
38
a) Representao da situao de comunicao: o aluno precisa
perceber quem o destinatrio de seu texto, qual o objetivo a
atingir, a modalidade usada, o gnero visado.
b) Elaborao dos contedos: o aluno deve conhecer os
procedimentos para buscar, elaborar ou criar contedos, ou seja,
deve-se possibilitar no s a verificao dos contedos, como
tambm a anlise das notas e as fontes, etc.
c) Planejamento do texto: o gnero trabalhado deve obedecer
organizao estrutural, pois o aluno deve perceber a finalidade que
se quer atingir de acordo com o destinatrio visado.
d) Realizao do texto: nessa etapa, o aluno precisa escolher os
meios de linguagem mais eficientes para escrever seu texto, fazendo
seleo lexical, observando os organizadores textuais para estruturar
seu texto (p 104).
2. Variar as atividades e exerccios: neste segundo mdulo, necessrio
que haja diversificao nas atividades desenvolvidas em sala de aula,
pois este o princpio essencial de elaborao de um mdulo,
considerando que h trs grandes categorias de atividades e de
exerccios distinguidos como:
a) As atividades de observao e de anlise de textos intencionam
perceber se houve apropriao do gnero trabalhado, e
desenvolver uma anlise coletiva de problemas, a partir da
comparao de vrios textos de um mesmo gnero ou de gneros
diferentes.
b) As tarefas simplificadas de produo de textos, segundo
Marcuschi (2008, p.216) o momento em que se trata dos
aspectos pontuais, como a transformao de uma sequncia
tipolgica em outra, ou a variao de um texto em algum de seus
aspectos. Isto significa que o aluno pode concentrar-se num
aspecto preciso da elaborao de um texto (SCHNEUWLY e
DOLZ, 2004, p. 105).
c) A elaborao de uma imagem comum: este o momento em que
o aluno tem oportunidade de falar sobre o gnero produzido,
39
coment-lo, critic-lo e at aperfeio-lo, pois enxerga seu
trabalho enquanto produto de construo de aprendizagem.
3. Capitalizar as aquisies: depois de ter aprendido a falar sobre o gnero
em foco e analis-lo sob vrios aspectos, o aluno consegue obter
linguagem tcnica e demonstra isto ao se expressar, construindo
conhecimentos sobre o gnero, desenvolvidos ao longo dos outros
mdulos (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 106)
IV- Produo final: nesta ltima etapa, o professor realiza uma avaliao somativa
e o aluno reconhece o que construiu, por que o fez e de que forma, aprendendo
a monitorar suas aes e selecionando o gnero de acordo com a situao em
que pode ser usado. Nesta avaliao, consideram-se os progressos e limitaes
ainda existentes no aluno, para haver redirecionamentos necessrios nas
prximas aes e atingir a eficincia desejada a partir desta percepo.
Sugerem a utilizao de mdulos de ensino, para qualificar as prticas de linguagem,
tornando-se, desta forma, essenciais para a apropriao dos gneros e se distanciar de uma
prtica pedaggica que transforma os alunos em prisioneiros de frmulas distantes do
desenvolvimento cognitivo e social. DellIsola chama ateno a este fato e afirma:
Alertamos para o perigo de se categorizar os gneros, partindo-se de uma
mentalidade normativa, reguladora, em que os textos so simplesmente
rotulados e, da para frente, ensinam-se formas engessadas como se houvesse
uma configurao rgida para cada gnero textual. Por isso, importante mostrar que os falantes no esto impossibilitados de modificar e criar
gneros, como se a estrutura composicional e o estilo fossem caractersticas
estanques de cada gnero (2007, p.20).
Entretanto, esta mudana precisa acontecer no s na metodologia de ensino, mas,
principalmente, na concepo de linguagem. De acordo com Geraldi (2006, p.41), quando o
professor v a linguagem como uma forma de interao humana, isto , por meio da
linguagem o sujeito age sobre o ouvinte constituindo relaes e vnculos, a aula passa a ter um
carter educacional diferenciado, pois os falantes se tornam sujeitos e como se sabe que
papel da escola contribuir com a formao destes sujeitos, precisa-se mudar a forma de
ensinar para conquistar uma viso geral do mundo.
Suassuna (2003, p.60) confirma isto ao declarar que transformar nossos modos de
ensinar implica, alm da busca terica, redefinir um conjunto de valores que englobam no s
a questo da educao, mas nossa forma de pensar o mundo em geral. Entretanto, o que se
40
encontra nas escolas em relao ao ensino dos gneros, uma realidade muito diferente, pois
geralmente a preocupao est na supervalorizao que dada ao estudo das tipologias
textuais, transparecendo que h uma dicotomia entre gneros e tipos, desconhecendo que eles
so complementares e que no h como dicotomiz-los, j que so formas constitutivas do
texto.
J para Santos (2006, p.19-20), a nfase e preocupao estavam sobre a apresentao
de tipologias textuais e uma das questes que se colocava eram quais textos priorizar na
escola. Isto , o ensino tinha como foco as sequncias/tipos textuais classificados como
narrao, descrio, dissertao, os quais contribuem muito para a formulao de regras fixas,
mas impedem a apropriao do gnero trabalhado em sala e a percepo de seus usos e
funcionalidade.
Alm disso, Bazerman (2006, p.30) ainda previne quanto aos considerados gneros
escolares, que atuam na sala de aula, afirmando:
[...] os gneros que atuam na sala de aula so mais do que uma repetio ritual de proposies padronizadas. Se eles falham em ser mais do que isso,
porque ns esvaziamos de tal forma o sentido da atividade de sala de aula,
que as produes genricas se tornam meros exerccios formais. Cabe a ns,
professores, ativarmos o dinamismo da sala de aula de forma a manter vivos, nas aes significativas de comunicao escolar, os gneros, em situaes
sociais que eles consideram significativas, ou explorando o desejo dos
alunos de se envolverem em situaes discursivas novas e particulares, ou ainda tornando vital para o interesse dos alunos o terreno discursivo que
queremos convid-los a explorar.
Outra situao aquela em que h supervalorizao na caracterizao dos gneros,
cujo estudo facilita a interpretao ou identificao, mas limita a viso totalizada desta
ferramenta, por enxerg-la de forma atemporalizada e igual para todos os observadores,
ignorando o papel dos indivduos no uso e na construo de sentido (BAZERMAN, 2009,
p.31):
Somos tentados a ver os gneros apenas como uma coleo desses elementos
caractersticos porque os gneros so reconhecidos por suas caractersticas
distintivas que parecem nos dizer muito sobre sua funo. Somos, ento, tentados a analisar os gneros selecionando essas caractersticas regulares
que percebemos e descrevendo a razo para tais caractersticas, com base no
nosso conhecimento de mundo (BAZERMAN, 2009, p.38).
Por isso, torna-se de suma importncia que o educador selecione estratgias didticas
para trabalhar com esta ferramenta, para desenvolver habilidades retricas e criatividade no
aluno, situacionalizando atividades comunicativas que tornem os estudantes capazes de
41
reconhecer a esfera ou habitat lingustico12
em que deve usar o gnero com propriedade.
Bazerman ainda aconselha que:
[...] no deveramos ser displicentes na escolha dos gneros escritos que os
nossos alunos vo produzir. Nem deveramos manter essas escolhas invisveis aos alunos, como se toda produo escrita exigisse as mesmas
posies, comprometimentos e metas; como se todos textos compartilhassem
das mesmas formas e caractersticas; como se todo letramento fosse igual (2006, p.24).
E esta prtica pedaggica da nfase sobre as tipologias textuais e a supervalorizao
da caracterizao dos gneros no est apoiada na nova perspectiva interativa de ensino, que
enxerga a linguagem como uma atividade e no como simples expresso do pensamento ou
simples instrumento. Isto significa que se deve ter cautela quanto ao trabalho com os gneros
em sala de aula, pois sendo considerados uma ferramenta didtica no ensino da linguagem, as
aulas de lngua materna precisam perder a caracterstica de modelo acabado, parecendo
engessar todo processo de ensino e aprendizagem, uma vez que este instrumento de ensino
possibilita interao significativa com o texto.
Ressalta-se, ento, amparados em Bazerman (2006, p.18-19), que a viso interacional
de gnero pode ampliar e qualificar a didtica do professor, anulando a prtica de tornar o
aluno mero copista, memorizador ou, na melhor das hipteses, imitador dos melhores
trabalhos de escritores, como impedindo-os de se tornarem estudantes agentes que usem a
escrita com uma viso social, reconhecendo os gneros como formas de vida e de ao,
tornando-se comunicadores atentos e poderosos dentro dos mundos do discurso.Ele ainda
enfatiza que,
Atravs de uma estimativa das necessidades e possibilidades e objetivos de
cada circunstncia particular, eu posiciono a disciplina de forma diferente,
desempenhando o meu ensino em diferentes gneros, trazendo gneros diversos para a apreciao do aluno e apresentando atravs de gneros
avaliativos; diferenciando oportunidades e desafios comunicativos para que
os alunos percebam suas presenas no frum da sala de aula (BAZERMAN,
2006, p.58).
Entende-se que, para efetivar um ensino sistemtico sobre os gneros textuais, o
educador precisa ter clareza de que os textos se materializam nos gneros e que a efetivao
deste ensino no pode ser vista como uma pedagogia formal, preocupada apenas com formas
12 Grifo no original. Este termo foi usado pelo autor BAZERMAN, Charles. Gnero, agncia e escrita.
Judith Chambliss Hoffnagel, Angela Paiva Dionsio (organizadoras). So Paulo: Cortez, 2006, pg.31.
42
lingusticas, tornando-se abstrata, separada de seus usos, em vez de ser a proviso de
ferramentas teis para a vida que os estudantes podem adquirir para seus propsitos pessoais.
Como lembra Bazerman (2006, p. 09), os alunos so pessoas comuns que passam
pelas escolas para adquirir sucesso na vida e os educadores de letramento podem possibilitar
esse crescimento, contribuindo, assim, com a sociedade e desenvolvimento de seus membros.
Baseado no entendimento de que letramento no s ler e escrever, mas exercer as
prticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive, conjugadas com as
prticas sociais de interao oral (SOARES, 1999, p.3), subentende-se, ento, que se precisa
considerar o ensino dos gneros a partir de situaes didticas que possibilitem os mais
diversos usos e funes, ou seja, considerem-se as condies de produo para diferentes
interlocutores, isto , condies para o letramento (BAGNO, 2002, p.52-57).
Partindo desta colocao, compreende-se que o gnero no pode ser ensinado
divorciado da ao e das situaes, pois as aes, intenes e situaes esto sempre em
processo de mudana e da mesma forma a teoria de gnero (BAZERMAN, 2006, p. 10).
Schneuwly e Dolz (2004, p.27) defendem a ideia dos gneros serem enxergados como
instrumento de comunicao que se concretizam atravs de textos em situaes claras. De
acordo com Marcuschi (2008, p.212), ao se falar sobre o ensino desta ferramenta didtica
deve-se comear de uma situao real para identificar a atividade a ser desenvolvida e depois
iniciar a comunicao.
O mesmo defendido por Schneuwly e Dolz (2004, p.172) quando declararam que
na tica do ensino, os gneros constituem um ponto de referncia concreto para os alunos,
mas para que isto ocorra, faz-se necessrio que o agente aja linguisticamente (falando ou
escrevendo), numa situao definida por uma finalidade, num lugar social e com destinatrios
especficos (p.171).
Na sociedade atual, as instituies de ensino precisam rever suas prticas para encarar
o grande desafio que, segundo Pimenta (2005, p.12), educar as crianas e os jovens,
propiciando-lhes um desenvolvimento humano, cultural, cientfico e tecnolgico, de modo
que adquiram condies para enfrentar as exigncias do mundo contemporneo.
Assim, no se pode olhar indiferente para o ensino da lngua materna, pois
necessrio que o aluno se sinta protagonista neste cenrio da contemporaneidade e, como
disse Riolf (2008, p.07), o professor deve perceber de que forma as transformaes sociais se
refletem no ensino da Lngua Portuguesa.
Deve-se analisar se realmente est havendo contribuio na formao deste aluno
durante as aulas, j que, segundo ela, as aes mediadas pela palavra esto perdendo espao
43
para as aes mediadas pelo movimento, pois o movimento sobrepe ao uso da palavra e isto
pode provocar investigaes sobre a relao do jovem aluno com a palavra (p.08). A autora
reitera isto ao declarar que
Nosso desafio maior, portanto, consiste em criar um modo de ensinar a
Lngua Portuguesa ao aluno que j no reconhece facilmente a utilidade do bom uso da linguagem. No se trata, aqui, de estabelecer a norma padro
como uso correto da linguagem, mas de fazer o aluno ter uma elaborao
mais trabalhada da Lngua Portuguesa (2008, p.09)
Ainda refletindo sobre isto, reconhece-se que, para haver mudana neste cenrio
educacional, torna-se imprescindvel contar com os professores, pois de acordo com Pimenta
(2005, p.12), eles contribuem com seus saberes, seus valores, suas experincias nessa
complexa tarefa de melhorar a qualidade do trabalho escolar:
Ao confrontar suas aes cotidianas com as produes tericas, necessrio
rever as prticas e as teorias que as informam, pesquisar a prtica e produzir
novos conhecimentos para a teoria e a prtica de ensinar. Assim, as transformaes das prticas docentes s se efetivaro se o professor ampliar
sua conscincia sobre a prpria prtica, a de sala de aula e a da escola como
um todo, o que pressupe os conhecimentos tericos e crticos sobre a realidade (p. 13).
Como afirma
Em outras palavras, entende-se que as mudanas nas prticas pedaggicas podem
ocorrer se o professor obtiver conscincia crtica de suas aes metodolgicas e, em se
tratando das aulas de Lngua Portuguesa, estas precisam ganhar sentido para os alunos.
Suassuna (2006, p.15-25), apresenta em seu primeiro captulo do livro Ensaios de pedagogia
da Lngua Portuguesa, questes que consolidam o imaginrio do aluno e do professor em
torno do que seja a aula de Portugus, no ensino fundamental, evidenciando a necessidade
de provocar uma dinamizao transformadora nas aulas.
Quanto aos contedos lingusticos to supervalorizados nas atividades, estes precisam
ganhar significado nas prticas de linguagem, ou seja, o aluno precisa perceber, enquanto
falante, no uso da linguagem, a aplicao do que se estuda em sala de aula estabelecendo
relao entre teoria e prtica. Conforme Geraldi (2003, p.120), exercendo a linguagem que o
aluno se preparar para deduzir ele mesmo a teoria de suas leis.
Riolf (2008, p.30) destaca que est na hora do professor de Lngua Materna parar de
limitar a capacidade do aluno, quando apenas se verifica se ele localizou no texto os
contedos explcitos sem recorrer materialidade lingustico-discursiva. Para Geraldi
44
O aluno, acostumado, desde as primeiras ocupaes srias da vida, a
salmodiar, na escola, enunciados que no percebe, a repetir passivamente
juzos alheios, a apreciar, numa linguagem que no entende, assuntos estranhos a sua observao pessoal; educado, em suma, na prtica incessante
de copiar, conservar, e combinar palavras, com absoluto desprezo do seu
sentido, inteira ignorncia da sua origem, total indiferena aos seus
fundamentos reais, o cidado encarna em si uma segunda natureza, assinalada por hbitos de impostura, de cegueira, de superficialidade. (2003,
p.120).
Percebe-se, ento, que h muitos problemas nas aulas da Lngua Materna. Suassuna
(2006, p.28) caracteriza estes problemas em diferentes instncias, objetivando comprovar que
no houve alterao neste ensino, apesar de j ter quase quatro dcadas que a lingustica foi
introduzida nos cursos de magistrio e, com ela, um novo tratamento metodolgico da
linguagem.
Para melhor explicar os problemas, Suassuna questiona primeiro o trabalho que
desenvolvido na leitura, analisando o objetivo desta leitura e o mtodo como realizado,
evidenciando que predomina uma viso utilitarista, pois ora ela usada para motivar a
redao, ora para ampliar o vocabulrio, ora para expresso de valores morais,
especificamente quando se trata de Literatura.
No ensino da Gramtica, caracterizado pelo seu tom normativo e conceitual, pois
no do conta da complexidade e variedade do portugus, tratando-o como um idioma
homogneo, esttico e fechado (2006, p.29) que, segundo Neves (1991, p.41), no h espao
para a reflexo sobre os procedimentos em uso, sobre o modo de relacionamento das unidades
da lngua, sobre as relaes mtuas entre diferentes enunciados.
No caso do vocabulrio, Suassuna (2006) mostra que o trabalho centrado na palavra,
em particular no estudo de sinnimo e antnimo, com exerccios que se limitam a desenvolver
substituies de palavras por outras equivalentes ou opostas, contrariando o princpio de que
cada palavra tem um sentido de acordo com seu momento de interlocuo.
No que tange ortografia, trabalha-se com exerccios enfadonhos, repetitivos e
descontextualizados, preenchendo lacunas com letras, em palavras fora de contexto,
completamente desvinculadas de seu significado e uso, transparecendo, assim, uma prtica
estril e superficial.
No que diz respeito oralidade, praticamente no tem espao, pois esta prtica
explorada, na verdade, com oralizaes de jograis, recitaes de poesias, etc. (2006, p. 30-32),
ou seja, no h entendimento do que seja trabalhar com a oralidade em sala de aula ou de
como faz-lo com eficcia.
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importante entender que os educadores precisam organizar o dia-a-dia de suas aulas
transformando seu espao de trabalho num laboratrio, onde se aprende os efeitos de sentido
das materialidades lingustico-discursivas (RIOLF, 2008, p.30-32), conduzindo o estudo da
linguagem de forma que ela fique a servio do dizer e estas aulas se tornem momentos de
produo simblica e constituio de subjetividades, concebendo a linguagem como forma de
interao entre as pessoas (SUASSUNA, 2006, p.33).
E, assim, anular qualquer possibilidade de ministrar aulas abstratamente, sem obrigar o
aluno a decorar regras e mais regras que no fazem o menor sentido para eles, pois no
conseguem aplicar em sua fala nada do que desenvolvem nos exerccios vazios e mecnicos.
Isto significa que no h como ensinar a Lngua Materna sem usar os gneros textuais como
ferramenta didtica, j que, atravs deles, o falante se comunica. Segundo DellIsola (2007,
p.24),
Os profissionais da linguagem precisam levar os alunos a compreender e
procurar explicar como se manifestam os diferentes gneros textuais. A
identidade, os relacionamentos e o conhecimento dos seres humanos so determinados pelos gneros textuais a que esto expostos, que produzem e
consomem. O estudo dos gneros possibilita a explorao de algumas
regularidades nas esferas sociais em que eles so utilizados. Por isso
qualquer profissional da rea de ensino de lngua deveria levar em conta esse aspecto no trabalho com o aprendiz.
Furlanetto (2007, p.149) tambm valida esta idia quando diz que no campo
pedaggico, trabalhar com linguagem pressupe ateno constante e generosa aos processos
de interpretao (leitura), de produo de textos, observando o papel do institucional, do
poltico, do lingstico e do histrico.
Nessa perspectiva, Suassuna (2006, p.34) esquematiza o procedimento de uma
proposta de trabalho que dinamize as aulas e oportunize leituras mais elaboradas e
diversificadas, no sentido de reorganizar/ampliar as representaes que os sujeitos constroem
em torno do real, da seguinte forma:
INTERAO
PRODUO DE TEXTOS
(ORAIS/ESCRITOS/VERBAIS/NO-VERBAIS)
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REFLEXO METALINGUSTICA
(GRAMTICA, REGRAS, CONCEITOS)
NOVAS LEITURAS
INTERAES
Partindo desta ideia, compreende-se que necessria a insero da pragmtica no
ensino da linguagem, subentendendo-se que pode haver uma grande quebra de modelos
tericos da lingustica imanente, j que a pragmtica amplia a linguagem, enxergando-a no