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OS GÊNEROS TEXTUAIS COMO FERRAMENTA DIDÁTICA PARA O ENSINO DA LINGUAGEM ROSILDA MARIA ARAÚJO SILVA DOS SANTOS Orientador: Prof. Dr. Junot Cornélio Matos Coorientadora: Profª Dra. Marígia Ana de Moura Aguiar RECIFE 2010 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO COORDENAÇÃO GERAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM

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  • 1

    OS GNEROS TEXTUAIS COMO FERRAMENTA DIDTICA

    PARA O ENSINO DA LINGUAGEM

    ROSILDA MARIA ARAJO SILVA DOS SANTOS

    Orientador: Prof. Dr. Junot Cornlio Matos

    Coorientadora: Prof Dra. Margia Ana de Moura Aguiar

    RECIFE

    2010

    UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCO COORDENAO GERAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO

    PROGRAMA DE MESTRADO EM CINCIAS DA LINGUAGEM

  • OS GNEROS TEXTUAIS COMO FERRAMENTA DIDTICA

    PARA O ENSINO DA LINGUAGEM

    ROSILDA MARIA ARAJO SILVA DOS SANTOS

    Dissertao apresentada como exigncia parcial para

    obteno do ttulo de mestre em Cincias da Linguagem,

    na rea de concentrao em Linguagem, Educao e

    Organizao Scio-Cultural, comisso julgadora da

    Universidade Catlica de Pernambuco, sob a orientao do

    Professor Dr. Junot Cornlio Matos e coorientadora Prof

    Dra. Margia Ana de Moura Aguiar.

    RECIFE

    2010

    UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCO COORDENAO GERAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO PROGRAMA DE MESTRADO EM CINCIAS DA LINGUAGEM

  • 3

  • DEDICATRIA

    Ao Oleiro da minha alma que guia meus passos...

    A minha me e ao meu esposo por sempre

    acreditarem em mim,

    aos amigos que me apoiaram e compreenderam

    minha ausncia nesta trajetria acadmica e

    em especial aos meus filhos

    Breno Vincius e Caio Renan.

  • 7

    AGRADECIMENTOS

    A Deus por ter me concedido esta oportunidade de conquistar mais uma vitria em minha vida

    acadmica. A Ele dou toda a glria e honra.

    Ao orientador, mestre e amigo Prof. Dr. Junot Cornlio Matos, pela contribuio e apoio na

    construo do conhecimento durante a jornada acadmica.

    coorientadora, mestra, exemplo de professora e amiga Margia Ana de Moura Aguiar, pelo

    estmulo, orientaes e contribuies valiosssimas durante todo o estudo, validando meu

    amadurecimento acadmico.

    Ao meu esposo e parceiro de todas as horas Antero Flix, pelo suporte e incentivo durante

    todas as etapas do curso. Obrigada por fazer parte de minha histria.

    Aos meus filhos, Breno Vincius e Caio Renan, por fazerem parte de minha vida.

    A minha me por sempre estar de atalaia pela minha vida.

    A todos que contriburam, de forma direta ou indiretamente, para a elaborao desta pesquisa.

  • SUMRIO

    RESUMO 11

    ABSTRACT 13

    INTRODUO 14

    CAPTULO I PRESSUPOSTOS TERICOS

    18

    1.1 O estudo dos gneros 19

    1.2 As contribuies das teorias lingusticas para o estudo dos gneros 22

    1.2.1 A teoria bakhtiniana 23

    1.2.2 A teoria interacionista sciodiscursiva (ISD) de Bronckart 26

    1.2.3 Marcuschi e o estudo dos gneros 29

    1.3 Gneros textuais e ensino 34

    1.4 Linha Terica adotada na anlise 50

    CAPTULO II - ASPECTOS METODOLGICOS 53

    2.1Caracterizaes da Instituio de Ensino pesquisada 54

    2.2 As pessoas envolvidas na pesquisa 57

    2.3 Procedimentos 58

    2.4 Gneros textuais usados pelos alunos para retextualizao 60

    2.4.1 Gneros base do primeiro perodo 61

    2.4.2 Gneros base do oitavo perodo 65

    CAPTULO III ANLISE DO CORPUS: PRODUES DE GNEROS COM

    ALUNOS E PROFESSOR UNIVERSITRIOS

    70

    3.1 Anlise interpretativa da entrevista com o professor 71

    3.2 Anlise interpretativa das entrevistas com os alunos 75

    3.2.1 Entrevista com alunos do 1 perodo 76

    3.2.2 Entrevista com alunos do 8 perodo 79

    3.3 Anlise do programa da disciplina 82

    3.4 Anlise das retextualizaes dos gneros produzidos pelos alunos 85

    3.4.1 Anlise de retextualizaes de gneros escritos para gneros escritos

    3.4.2 Retextualizaes dos alunos do primeiro perodo

    89

    91

    3.4.3 Retextualizaes dos alunos do oitavo perodo 99

  • 3.4.4 Anlise geral das retextualizaes dos alunos 108

    CONSIDERAES FINAIS 110

    REFERNCIAS 115

  • RELAO DE QUADROS

    CAPTULO I

    Quadro I - Os trs gneros do discurso segundo Aristteles 22

    Quadro II - Possibilidades de retextualizao 33

    CAPTULO III

    Quadro III- Entrevista do professor 71

    Quadro IV- Entrevista com os alunos do 1 perodo 76

    Quadro V- Entrevista com alunos do 8 perodo 79

    Quadro VI- Programa da disciplina 82

    Quadro VII- Anlise de retextualizaes de gneros escritos para gneros escritos 89

  • 11

    RESUMO

    A prtica com gneros textuais no ensino de lngua portuguesa, enquanto instrumento

    didtico, trabalha a forma delineada no fazer discursivo e confirma que a linguagem

    ultrapassa os limites da forma estritamente lingustica, contribuindo para o desenvolvimento

    de capacidades tanto lingustica como textual e comunicativa. Numa perspectiva

    interacionista sciodiscursiva, esta pesquisa est amparada nas teorias propostas por Bakhtin

    ([1979], 2003) sobre os gneros discursivos na interao, Bronckart (1999) que evidencia o

    interacionismo scio-discursivo, Dolz e Schneuwly (2004) e Marcuschi (2003) que acreditam

    numa proposta de ensino-aprendizagem organizada a partir de gneros textuais, atribuindo

    linguagem e interao a instrumentalizao na construo do conhecimento e na formao

    do cidado. Objetivando investigar formas de se utilizar os gneros textuais como ferramenta

    para o ensino da linguagem, pesquisou-se, por meio de metodologia emprica, a familiaridade

    dos alunos do curso de Letras com o tema gneros textuais, no campus de uma Instituio

    privada de Ensino Superior, na cidade de Escada, Pernambuco. Com base numa anlise do

    programa de disciplina das turmas participantes observou-se a proposta de trabalho do

    professor e sua relao com os gneros. Foram elaboradas entrevistas com dezoito alunos do

    curso de Letras no perodo inicial, e vinte no perodo final, adotando como critrio de escolha

    alunos que pretendem lecionar a Lngua Materna, e uma entrevista com o professor para

    perceber sua concepo e seu conhecimento sobre gneros. Alm disso, foram utilizadas as

    produes textuais e os depoimentos dos alunos para verificar at que ponto o trabalho

    desenvolvido em sala de aula contribui para a construo do seu conhecimento, visto ser papel

    da escola tornar esses alunos proficientes leitores e produtores de textos, e o desafio de

    educadores responsveis pelos processos de ensino-aprendizagem proporcionar a apropriao

    do gnero trabalhado, sem perder de vista seus usos e suas funes sociais. Os resultados

    demonstraram que a instituio de ensino envolvida na investigao, contempla o trabalho

    com os gneros textuais, desde o primeiro perodo, porm recebe os alunos do ensino mdio

    com pouca informao sobre o assunto, dificultando a leitura e produo proficiente de textos

    pelos alunos nos primeiros perodos do curso superior. Conclui-se, nesta investigao, que

    embora haja um trabalho eficaz desenvolvido pela instituio de ensino participante, h

    lacunas no trabalho desenvolvido com os gneros textuais no ensino fundamental e mdio,

    apontando para a necessidade de uma reviso nas prticas pedaggicas do ensino da lngua

    materna para aqueles alunos. Um trabalho nesse sentido poder promover uma contribuio

  • 13

    ABSTRACT

    Practice with genre in teaching English as a teaching tool, works as outlined in the discursive

    practice and confirms that the language goes beyond the strictly linguistic form, contributing

    to capacity building both linguistic and textual and communicative. Sciodiscursiva

    interactionist perspective, this research is supported by the theories proposed by Bakhtin

    ([1979] 2003) of the genres in the interaction, Bronckart (1999) which highlights the socio-

    discursive interactionism, Schneuwly and Dolz (2004) and Marcuschi (2003) believe that a

    proposal of teaching and learning organized from genre, attributing to language and

    interaction in building the instrumentalization of knowledge and training of the citizen. To

    investigate ways to use the genre as a tool for teaching language, the research gathered

    through empirical methodology, the familiarity of the students of the lyrics to the theme

    genre, on the campus of a private institution of higher education in the city of Escada,

    Pernambuco. Based on an analysis of program discipline of participating classes observed the

    proposed work of teachers and their relation to gender. Interviews were arranged with

    eighteen students of Letters in the initial period, and twenty in the final period, adopting as a

    criterion of choice students seeking to teach the Mother Tongue, and an interview with the

    teacher to realize their design and their knowledge of genres. Furthermore, we used the

    textual productions and the statements of students to check to what extent the work in the

    classroom contributes to the construction of their knowledge, since it is part of the school

    these students become proficient readers and text producers, and the challenge educators

    responsible for teaching and learning processes provide the appropriation of the genre

    worked, without losing sight of its uses and its social functions. The results demonstrated that

    the educational institution involved in research work deals with the genre since the first period

    but receives high school students with little information on the subject, making the reading

    and production of texts for students proficient in the first periods of the university. We

    conclude this investigation, that although there is an effective work developed by the

    participating educational institution, there are gaps in the work with the genre in the

    elementary and high school, pointing to the need to review the teaching practices of mother

    tongue teaching for those students. A work in this direction will promote a contribution to an

    effective teacher training, not only in the city observed here as in other institutions for training

    teachers of Language Portuguese.

    KEYWORDS: genre, language, tool didactic

  • 14

    INTRODUO

  • 15

    No cenrio educacional, percebe-se que as teorias mais recentes de aquisio de

    linguagem reiteram o papel dos gneros textuais no ensino da lngua verncula, quando

    usados como ferramenta para a vida social, assinalando o compromisso e o dever da escola

    em divulgar a linguagem como observvel atravs de um gnero e a importncia desse gnero

    na vida no acadmica do cidado.

    O Plano Nacional do Livro Didtico (PNLD) e os Parmetros Curriculares Nacionais

    (PCN) so objetivos e incisivos, quando tratam da introduo e da divulgao da linguagem

    enquanto gneros textuais nas escolas, mas por esta nfase necessrio esclarecer que este

    recurso didtico, imprescindvel s aulas de lngua materna, so textos encontrados na vida

    diria, com padres sociocomunicativos caractersticos, definidos por composies

    funcionais, objetivos enunciativos e estilos variados (MARCUSCHI, 2008, p.155). A este

    propsito, DellIsola (2007,p.12) afirma:

    Como preconizam os Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa (PCNLP) imprescindvel o investimento no trabalho com

    gneros textuais em sala de aula, pois os alunos devem ser capazes de ler

    textos de diferentes gneros combinando estratgias de decifrao com estratgias de seleo, antecipao, inferncia e verificao.

    Analisando este panorama, enxergou-se que, na escola tradicional, o objetivo das aulas

    de Lngua Portuguesa era formar alunos reprodutores de conhecimentos voltados para um

    modelo abstrato da lngua (e no de texto), priorizando o domnio dos contedos lingusticos

    ou mesmo desconsiderando a funo instrumental do ensino de linguagem na escola.

    Nas perspectivas do letramento, a caracterstica trabalhada pela escola tradicional deu

    lugar a uma tendncia de formadores de opinio, ou seja, as teorias do letramento vm

    revelando, em detalhes cada vez mais instigantes, o carter scio-histrico da modalidade

    escrita.

    De simples cdigo tradutor ou transpositor da fala para sinais grficos

    convencionais, a escrita passou a ser considerada, entre outras, como parte indissocivel da

    escola, conscientizando o professor de Lngua Materna da importncia da prtica de leitura e

    produo de texto em sala de aula.

    Fiorin (2006, p.60) esclarece que o trabalho da produo de texto em sala de aula por

    meio de gneros no est limitado a atividades que os explorem como um conjunto de

    propriedades formais a que o texto deve obedecer, transformando-o num produto cujo ensino

    passa a ser normativo. A partir desta observao, entende-se que a Lngua Portuguesa, para

    exercer uma ao lingustica sobre a realidade, precisa ser estudada atravs dos seus

  • 16

    diferentes usos sociais, ampliando as capacidades individuais do usurio e seu conhecimento a

    respeito dos gneros textuais.

    Diante da necessidade da utilizao deste instrumento didtico em sala de aula, no se

    pode deixar de percebe-se que, atravs da linguagem, possvel ultrapassar os limites da

    forma lingustica, analisando-se no s a diversidade de significaes, mas tambm os

    mundos em que ela circula. Amparados no conceito bakhtiniano ([1979], 2003) de gneros

    discursivos, pesquisadores europeus do chamado Grupo de Genebra, que tem sido

    representado de forma destacada por Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz e Jean-Paul

    Bronckart, visaram utilizao dos gneros como ferramenta para o ensino.

    Nesse sentido, esta pesquisa, ao focar os gneros textuais como objeto de estudo,

    objetiva investigar formas de se utilizar os gneros textuais como ferramenta para o ensino da

    linguagem, j que funo desafiadora do educador tornar os alunos proficientes leitores e

    produtores de textos, sem perder de vista os usos e funes sociais dos gneros estudados e,

    principalmente, que se pense em como veicul-los e signific-los em sala de aula, podendo,

    assim, desenvolver competncias metacognitivas que propiciem a anlise e interpretao de

    textos. Aqui, novamente, vale destacar a afirmao de DellIsola (2007,p.11) sobre o assunto:

    Constata-se a urgncia de se promover a formao de leitores e escritores

    capazes de compreender e interpretar as relaes sociais; de se compreender

    identidades e formas de conhecimento veiculadas atravs de textos em variadas circunstncias de interao; de se levar em conta a determinao

    scio-histrica da interao escritor-texto-contexto-leitor; e de se

    desenvolver a capacidade de perceber a pluralidade de discursos e possibilidades de organizao do universo.

    O trabalho foi organizado em trs captulos, abordando-se, no primeiro captulo, os

    pressupostos tericos sobre gneros textuais, apresentando, inicialmente, um estudo sobre este

    objeto de investigao com vrias teorias lingusticas, dentre as quais se destaca a teoria

    bakhtiniana ([1979], 2003), que defende a importncia dos gneros do discurso na interao, e

    a teoria interacionista sciodiscursiva discutida por Bronckart (1999).

    Em se tratando da proposta de ensino-aprendizagem organizada a partir de gneros

    textuais, evidencia-se Dolz e Schneuwly (2004), Marcuschi (2008), alm de outros, que

    comungam a ideia de que o homem pode modificar o mundo por meio do uso de ferramentas

    e acreditam que essa transformao ocorre atravs da instrumentalizao da linguagem, para a

    construo do conhecimento e de uma cidadania consciente pela formao do indivduo.

  • 17

    No segundo captulo, descreve-se o espao pedaggico onde foi desenvolvida a

    pesquisa, expondo a localizao, horrio de funcionamento, o quadro funcional, as atividades

    oferecidas e os objetivos especficos da proposta pedaggica do curso, alm de explicitar os

    objetivos especficos da pesquisa que so: identificar a familiaridade sobre os gneros textuais

    dos alunos do curso de Letras de uma instituio privada e verificar como utilizada esta

    ferramenta de trabalho interdisciplinar em sala de aula num curso de licenciatura de Letras, os

    quais nasceram a partir de questionamentos que foram levantados para a consecuo do

    objetivo geral, j mencionado.

    O primeiro questionamento foi se havia tcnicas para a utilizao dos gneros textuais

    como ferramenta didtica em sala e de que forma este recurso didtico poderia ser explorado.

    O segundo foi se havia familiaridade entre os alunos do curso de Letras e os gneros textuais,

    j que sero os futuros professores da lngua materna. E o terceiro, qual a concepo do

    professor sobre os gneros textuais e como trabalha com esta ferramenta didtica em sala de

    aula.

    Ainda no segundo captulo se descreveram as pessoas envolvidas na pesquisa, os

    procedimentos adotados nas etapas do trabalho e os gneros utilizados pelos alunos para

    verificao da familiaridade dos estudantes com esta ferramenta didtica.

    No terceiro captulo, foi feito um exame dos dados coletados, para verificar a anlise

    interpretativa das entrevistas realizadas com os alunos do primeiro e do oitavo perodos,

    buscando observar se havia, em funo das respostas do professor, fornecidas por meio de

    uma entrevista diretiva em que se buscava identificar o domnio de contedo e familiaridade

    com o objeto de estudo (concepo e metodologia utilizada para ensinar os gneros), uma

    relao dessas respostas com a efetiva produo textual dos alunos do curso de Letras da

    FAESC- Faculdades da Escada, que se localiza no Municpio de Escada - PE.

    Para finalizar, foram feitas algumas consideraes apresentando os resultados da

    investigao, em que se sugere, com base nos resultados obtidos, alguma forma de

    interveno pedaggica a ser aplicada no Municpio, com os professores da rede pblica do

    ensino fundamental e mdio, que apontem caminhos para a qualificao da prtica

    pedaggica.

  • 18

    CAPTULO I

    PRESSUPOSTOS TERICOS

  • 19

    1.1 O estudo dos gneros

    A identidade, os relacionamentos e o conhecimento dos seres humanos so

    determinados pelos gneros textuais a que esto expostos, que produzem e consomem. O estudo dos gneros possibilita a explorao de algumas

    regularidades nas esferas sociais em que eles so utilizados. Por isso,

    qualquer profissional da rea de ensino de lngua deveria levar em conta esse aspecto no trabalho com o aprendiz (DELLISOLA, 2007, p.24).

    A preocupao com o estudo dos gneros no matria recente, todavia, parece

    indito, porque sempre conduz o estudioso a descobrir mudanas, j que seu surgimento ou

    alteraes esto relacionados s transformaes na sociedade, visto que o avano tecnolgico

    tem determinado o nascimento de novos gneros e mudanas dos antigos.

    Baseando-se na proposta de Marcuschi (2002, p.19), ao afirmar que os gneros no

    so instrumentos estanques e enrijecedores da ao criativa e se caracterizam como eventos

    maleveis, dinmicos e plsticos, pode-se declarar que sempre este objeto de estudo vai estar

    em foco, pois estes instrumentos se renovam a cada dia, surgindo emparelhados s

    necessidades e atividades scio-culturais, j que o seu surgimento originado de acordo com

    a inteno dos usos e suas interferncias na comunicao diria.

    Subentende-se, ento, ser a pesquisa deste tema de cunho inesgotvel, porquanto

    sempre surgem novos gneros textuais, j que so caracterizados por sua funcionalidade na

    comunicao de acordo com a cultura onde so desenvolvidos, com suas especificidades e

    diferenas, desmistificando a ideia de que so caracterizados apenas por suas formas ou por

    seus aspectos funcionais.

    Marcuschi (2002, p.21) tambm adverte que Em muitos casos so as formas que

    determinam o gnero e, em outros tantos, sero as funes. Contudo, haver casos em que

    ser o prprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem que determinam o gnero

    presente.

    Diante desta advertncia, confirma-se a imprescindibilidade da prudncia que se deve

    ter ao definir que as formas ou funes determinam ou discriminam um gnero, e Bakhtin

    ([1979], 2003, p.261-262) refora este entendimento quando ressalta o fato de os gneros do

    discurso refletirem as condies especficas e as finalidades de cada referido campo, no s

    por seu contedo e pelo estilo da linguagem, isto , pela seleo dos recursos lexicais,

    fraseolgicos e gramaticais da lngua, mas, sobretudo por sua construo composicional.

    Isto significa que estes elementos esto indivisveis e so demarcados por uma esfera

    especfica de comunicao, intensificando a ideia de que ao falar em gneros textuais no se

  • 20

    pode deixar de envolver Bakhtin, que, em sua poca, realizou em relevante estudo sobre os

    gneros discursivos at hoje utilizado como fundamento para pesquisas. Para ele,

    a riqueza e a diversidade dos gneros do discurso so infinitas porque so

    inesgotveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade integral o repertrio de gneros do discurso,

    que cresce e se diferencia medida que se desenvolve e se complexifica um

    determinado campo (BAKHTIN, ([1979], 2003, p.262).

    Mais recentemente, Marcuschi (2008, p.147) ressalta que:

    H uma nova viso sobre este assunto e h uma dificuldade natural no tratamento desse tema diante da abundncia e diversidade das fontes e

    perspectivas de anlise. Porque hoje, o tratamento dos gneros est em

    perspectiva diferente, pois muitos estudiosos de campos diferentes esto sendo atrados por este tema, multidisciplinarizando-os.

    Com isso, deve-se considerar que no h nem pode haver um plano nico para seu

    estudo (BAKHTIN [1979], 2003), pois cada campo tem uma viso diferenciada, o que

    enriquece a pesquisa do objeto. Concordando com Bakhtin, o nvel de dificuldades aumenta,

    devido riqueza de perspectivas de anlises.

    Brando (2003) chama a ateno que, ao longo dos tempos, os estudiosos da

    linguagem sentiram-se tambm atrados pelo estudo dos gneros, interessando-se no s pela

    histria da retrica, pela pesquisa contempornea em potica, semitica literria, mas tambm

    pelas teorias lingusticas atuais. Este leque de campos do saber resultou numa diversidade de

    abordagens, ampliando, assim, os termos relacionados aos gneros como: tipos, modos,

    modalidades de organizao textual, espcies de texto e de discursos. Em suas palavras,

    Enquanto uma cincia especfica da linguagem, a lingustica recente e depois porque sua preocupao inicial foi com as unidades menores que o

    texto (o fonema, a palavra, a frase). Na medida em que ela passa a se

    preocupar com o texto, comea a pensar a questo do gnero. Essa preocupao se torna crucial quando ela deixa de trabalhar apenas com

    textos literrios, mas se volta tambm para o funcionamento de textos

    quaisquer (BRANDO, 2003, p.19).

  • 21

    Percebe-se, assim, a importncia do envolvimento das teorias lingusticas na pesquisa

    dos gneros, visto que antes, estas teorias preocupavam-se com um estudo voltado para a

    anlise do fonema, da palavra ou da frase. S depois da pesquisa sobre os gneros,

    reconheceram o valor do trabalho voltado para o funcionamento dos textos.

    Fazendo uma breve retomada histrica, encontram-se os gneros sendo analisados e

    investigados, pela primeira vez, na Grcia, com o estabelecimento de normas, caractersticas e

    explicaes em duas dimenses, na literatura e na oratria, para depois serem ampliados a

    outras, iniciando-se pela oratria.

    Para Marcuschi,

    Uma simples observao histrica do surgimento dos gneros revela que,

    numa primeira fase, povos de cultura essencialmente oral desenvolveram um conjunto limitado de gneros. Aps a inveno da escrita alfabtica por volta

    do sculo VII A. c., multiplicam-se os gneros, surgindo os tpicos da escrita.

    Numa terceira fase, a partir do sculo XV, os gneros expandem-se com o flores cimento da cultura impressa para, na fase intermediria de

    industrializao iniciada no sculo XVlII, dar incio a uma grande ampliao

    (2002, p.19).

    Marcuschi (2008, p.147) tambm pontua que, s no Ocidente, este estudo j tem, pelo

    menos, vinte e cinco sculos, considerando que sua observao sistemtica iniciou-se em

    Plato, o qual deu origem tradio potica, pretendendo perceber a diferena entre o lrico,

    em que s o autor falava; o pico, em que o autor e personagens falavam, e o dramtico, em

    que exclusivamente falava a personagem, considerando enfaticamente a literatura

    (TODOROV, 1980) 1.

    Nesta, surge o primeiro estudioso a fazer referncia aos gneros no livro III de A

    Repblica, buscando alicerar e descrever com propriedade os gneros literrios. Diante do

    grande valor de sua proposta e de sua repercusso, a obra considerada um dos marcos

    fundamentais da genologia, ou seja, da teoria de gneros literrios (AGUIAR e SILVA, 1991,

    p.340).

    Prosseguindo numa pesrspectiva histrica, verifica-se, tambm, o trabalho de

    Aristteles, que inverte a proposta de Plato, focalizando os gneros na Arte Retrica,

    emergindo com uma teoria mais ordenada sobre os gneros.

    1 TODOROV, T. Os gneros do discurso. So Paulo, Martins Fontes, 1980. Apud: Brando, H. N.

    Gneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso poltico, divulgao cientfica. 4 ed. SP: Cortez,

    2003. Pgina 18.

  • 22

    A retrica antiga reconheceu trs tipos de gneros de discurso, definidos pelas

    circunstncias em que so pronunciados: o deliberativo, usado para dissuadir ou aconselhar, o

    judicirio, o orador acusa ou se defende, e o demonstrativo (epidtico) que focaliza o elogio

    ou a censura sobre os atos do cidado (BRANDO, 2003, p.19). Estes gneros foram

    apresentados por Reboul (1998, p.47) atravs de um esquema, estabelecendo uma associao

    entre formas, funes e tempo, apresentado logo adiante no quadro I.

    Quadro 1- Os trs gneros do discurso segundo Aristteles

    GNERO AUDITRIO TEMPO ATO VALORES ARGUMENTO-TIPO

    Judicirio Juzes Passado

    (fatos a

    julgar)

    Acusar; defender Justo;

    injusto

    Entinema (dedutivo)

    Deliberativo Assemblia Futuro Aconselhar

    desaconselhar

    til;

    nocivo

    Exemplo (indutivo)

    Epidtico Espectador Presente Louvar; censurar Nobre; vil Amplificao

    FONTE: Olivier Reboul, 1998:472

    A partir da Idade Mdia, a ideia propagada por Aristteles quanto aos gneros

    discursivos foi aplicada vastamente, tornando-se, inclusive, a nfase pela qual a retrica se

    desenvolveu e propiciou a tradio estrutural.

    Aristteles estabeleceu a distino entre epopia, (poema herico narrativo extenso,

    que eterniza lendas seculares e tradies ancestrais, preservadas ao longo dos tempos) 3, a

    tragdia (tipo de drama caracterizado por conflitos), a comdia, (poesia jocosa, que se utiliza

    do humor para satirizar todo tipo de ideia), cujos tratados foram conservados, a aultica,

    definida como a arte de tocar aulo ou flauta, o ditirambo, gnero em que o poeta usava o

    ritmo, canto e verso ao mesmo tempo, popularizado na Grcia antiga, de inspirao

    dionisaca, e a cicarstica, a qual, junto com a aultica, usava o ritmo e a harmonia

    expressando artes anlogas, cujas anlises perderam-se (MARCUSCHI, 2008, p.148).

    A partir deste levantamento histrico, percebe-se a necessidade de se conhecer as

    contribuies das teorias lingusticas para o estudo dos gneros, desenvolvidas a seguir.

    2 REBOUL, Olivier. Introduo retrica. So Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 47. Apud: Marcuschi,

    Luiz Antnio. Produo Textual, anlise de gneros e compreenso. So Paulo: Parbola Editorial, 2008.

    Pgina: 147 3 WIKIPDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta contedo enciclopdico.

    Disponvel em: . Acesso em: 23.05. 2009.

  • 23

    1.2 - As contribuies das teorias lingsticas para o estudo dos gneros

    1.2.1 A teoria bakhtiniana

    Segundo Bakhtin ([1979], 2003, p.282), a comunicao ou a fala ocorre atravs dos

    gneros e, muitas vezes, o falante no se d conta disto. Entende-se com esta afirmao que

    h um vasto campo de gneros orais e escritos usados, de acordo com a intencionalidade

    comunicativa, o que define o gnero.

    Ele ainda enfatiza que h necessidade do falante dominar os gneros para se comunicar,

    pois isto lhe d competncia comunicativa em qualquer esfera, com qualquer interlocutor ou

    temas do cotidiano, sociais, etc. ressaltando que o falante s escolher o gnero se conhec-lo

    com propriedade. Para Bakhtin,

    preciso dominar bem os gneros para empreg-los livremente [...] Quanto

    melhor dominamos os gneros tanto mais livremente os empregamos, tanto

    mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso e possvel e necessrio), refletimos de modo mais flexvel e sutil a

    situao singular da comunicao; em suma, realizamos de modo mais

    acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN, [1979], 2003, p.285).

    Analisando a definio dos gneros textuais pontuada por Bakhtin ([1979], 2003, p.261)

    entende-se que eles so caracterizados por trs elementos nomeados de contedo temtico,

    estilo e construo composicional. Fiorin (2006, p.62) explica que o contedo temtico trata

    do domnio de sentido ocupado pelo gnero e no do assunto especfico, apresentando como

    exemplo as cartas de amor, cujo contedo as relaes amorosas, mas o assunto pode ser o

    rompimento de um casal, saudade, etc.;

    O estilo da linguagem trata da seleo dos recursos lexicais, fraseolgicos e gramaticais

    da lngua que o falante ou escritor usa para particularizar seu texto na comunicao, cujo

    exemplo o estilo oficial, que usa formas respeitosas, e a construo composicional, que diz

    respeito ao modo de estruturar o texto, caractersticas ou compreenso macro textuais.

    Vale salientar que Bakhtin ([1979], 2003, p.266) tambm chama a ateno para o fato

    de que, apesar de todo gnero ter seu estilo, e o estilo ser inseparvel do gnero, por ser

    elemento integrante e individual, subentende-se que ele pode refletir a individualidade do

    falante ou de quem escreve, revelando aspectos de uma personalidade individual, visto que o

    estilo particular percebido em diversas relaes de reciprocidade com a lngua nacional.

  • 24

    No entanto, enfatiza o fato de que nem todos os gneros podem ser includos nesta

    perspectiva, como o caso dos gneros da literatura de fico e os gneros que requerem uma

    forma padronizada como os da modalidade de documentos oficiais, de ordem militar, nos

    sinais verbalizados de produo, etc. Validando tambm que a prpria definio de estilo,

    em geral, e de estilo individual, em particular, exige um estudo mais profundo tanto da

    natureza do enunciado quanto da diversidade de gneros discursivos (BAKHTIN, [1979],

    2003, p.265).

    Destaca-se o fato de a lngua ser social, pois ela se institui na comunicao (BAKHTIN,

    1999, p.14), subentendendo, ento, o papel da interao verbal para a comunicao, visto que

    a palavra em si no tem valor, s a interao d sentido a ela, j que a base da linguagem e

    s se concretiza a partir do dilogo, que intermediado pela palavra, a qual vista por

    Bakhtin (1999, p.36), como o modo mais puro e sensvel de relao social:

    A verdadeira substncia da lngua no constituda por um sistema abstrato de formas lingsticas nem pela enunciao monolgica

    isolada, nem pelo ato psicolgico de sua produo, mas pelo

    fenmeno da interao verbal, realizada atravs da enunciao ou das enunciaes, a interao verbal constitui assim a realidade

    fundamental da lngua (BAKHTIN, 1999, p.123).

    Segundo Rodrigues (2005, p.153), pode-se definir que os gneros textuais servem de

    ponte nesta interao, j que esto numa perspectiva dialgica da linguagem, pois, por meio

    deles, ocorre a interao entre o locutor e o locutrio, e entendendo o dialogismo como um

    princpio de interao verbal, conclui que a linguagem se realiza neste princpio.

    Ao definir que todos os tipos relativamente estveis de enunciados, quer sejam orais

    ou escritos, so igualmente determinados pela especificidade de condies de comunicao

    discursiva, particulares de cada campo da comunicao e de uma determinada funo,

    Bakhtin introduziu a noo de gneros textuais ([1979], 2003, p.262). Em outras palavras,

    entende-se que, para ele, os gneros so estveis porque so caracterizados pelos seus

    contedos e pelos meios lingusticos que eles utilizam, com estrutura ou composio definida

    pela sua funo.

    Ao usar a expresso relativamente, subentende-se o reconhecimento da importncia

    da intergenericidade estabelecida no texto, permitindo a compreenso de que jamais se pode

    declarar que eles so inalterveis, sem contar que todos os textos que apresentam inteno

    scio-comunicativa numa esfera discursiva especfica so gneros textuais e que, por meio

  • 25

    deles, a lngua passa a integrar a vida, ou seja, a vida entra na lngua (BAKHTIN, ([1979],

    2003, p.265). Brando reitera isto ao afirmar:

    S que um gnero no uma forma fixa, cristalizada de uma vez por todas e

    que deve ser tratado como um bloco homogneo. E esse equvoco que cometem algumas das abordagens pedaggicas. O professor no pode perder

    de vista a dimenso heterognea que a noo de gnero implica. H toda

    uma dimenso intergenrica, dialogal que um gnero estabelece com outro

    no espao do texto. (2003, p.38)

    Para Bakhtin ([1979], 2003, p.263), a heterogeneidade dos gneros discursivos

    possibilita duas classificaes: a de gneros primrios, que so aqueles originados de

    condies comunicativas imediatas, de situaes de comunicao verbal espontnea do dia-a-

    dia como: dilogo cotidiano, conversas familiares, reunies de amigos, e at o bate-papo do

    MSN, blog, e mail etc. e a de gneros secundrios, que surgem em convvio cultural mais

    complexo, com uma linguagem mais rebuscada, envolvendo assuntos literrios, publicitrios,

    cientficos, artsticos, culturais, polticos etc., os quais podem ser exemplificados com

    palestras, monografias, teses cientficas, romances, dramas, etc.

    Ele ainda enfatiza que o estudo da natureza do enunciado e da diversidade de formas

    de gneros dos enunciados nos diversos campos da atividade humana de enorme

    importncia, para quase todos os campos da lingustica e da filologia, porque toda

    investigao de material lingustico concreto ocorre com gneros textuais, que se relacionam a

    esferas comunicativas variadas, das quais os pesquisadores extraem os fatos lingusticos de

    que precisam, deixando evidente ser imprescindvel o conhecimento da natureza e

    particularidades dos diversos gneros em qualquer campo de investigao lingustica

    (BAKHTIN, [1979], 2003, p.264-265).

    Outro aspecto relevante considerado por Bakhtin em relao inteno comunicativa

    do falante, defendendo a ideia de que para escolher o gnero que vai ser usado na

    comunicao, primeiro o falante tem clareza de sua vontade discursiva, que determinada

    pela especificidade de uma esfera, por consideraes semntico-objetais (temticas), pela

    situao concreta da comunicao discursiva, pela comunicao pessoal de seus participantes,

    etc. Ou seja, sua intencionalidade discursiva, com toda sua subjetividade e particularidade,

    aplicada e adaptada ao gnero escolhido, desenvolvendo-se em uma determinada forma de

    gnero, o qual veicula a lngua materna, j que ela no chega at seu usurio por meio de

    dicionrios e gramticas, mas por meio dos gneros, que nomeia de enunciaes concretas,

    pois se ouve ou se produz na comunicao discursiva entre as pessoas com quem se convive.

  • 26

    Ressalta ainda que aprender a falar significa aprender a construir gneros textuais, pois

    falamos por gneros e no por oraes isoladas, nem por palavras isoladas (BAKHTIN,

    [1979], 2003, p.282-283). E a partir disto, compreende-se que, alm de reconhecer a

    imprescindibilidade dos gneros na comunicao, tambm houve uma ampliao da

    concepo de gnero que antes era vista apenas como produo literria (CARVALHO, 2005,

    p.132).

    1.2.2 A teoria interacionista sciodiscursiva (ISD) de Bronckart

    Dando seguimento s contribuies lingusticas para o estudo dos gneros, no se pode

    deixar de falar em Bronckart (1999), grande colaborador no estudo dos gneros, apesar de no

    t-los como objeto de anlise e, sim, as aes verbais e no verbais dirigidas por concepes

    epistemolgicas especficas (MACHADO, 2005, p.238).

    Bronckart faz parte do grupo de estudiosos da perspectiva interacionista e

    sociodiscursiva de carter psicolingustico, com ateno didtica voltada para a lngua

    materna. Sua vinculao psicolgica influenciada por Bakhtin e Vygotsky, perspectiva que

    se preocupa com o ensino dos gneros orais e escritos na lngua materna, especificamente no

    ensino fundamental (MARCUSCHI, 2008, p.153).

    Segundo Machado (2005, p.238) os pesquisadores Schneuwly e Dolz guardam um trao

    em comum: a perspectiva de intervir na educao, de forma imediata, ou com perspectivas

    futuras. Voltando-se para a atividade de ensino e aprendizagem da lngua portuguesa, do

    francs e do ingls como lnguas estrangeiras, ou para a atividade de formao. As pesquisas

    podem ser organizadas em alguns tipos como: foco nas ferramentas de ensino, foco no aluno,

    no professor em formao ou no formador de professor, na interao professor-ferramenta-

    aluno ou no foco da interao professor em formao-(ferramenta)-formador (MACHADO,

    2005, p.239).

    Bronckart (1999, p.13) define o interacionismo sociodiscursivo como uma corrente

    terica que enxerga as condutas humanas como produto de socializao, afirmando que so

    aes significantes, ou como aes situadas, cujas propriedades estruturais e funcionais so,

    antes de mais nada, um produto da socializao.

    Ele defende esta teoria social instituda em Genebra, cuja tese central que a ao

    constitui o resultado da apropriao4, pelo organismo humano, das propriedades da atividade

    social mediada pala linguagem (1999, p.42). Ou seja, para as aes humanas terem

    4 Negrito no original

  • 27

    significado numa interao, preciso apropriao dos gneros, pois o falante no poderia

    interagir se no dominasse o gnero utilizado. Dolz e Schneuwly (2004) 5 enfatizam isto ao

    considerar que aprender a falar apropriar-se dos instrumentos para falar em situaes de

    linguagem diversas, isto , apropriar-se dos gneros.

    O Interacionismo sciodiscursivo considera os fatos de linguagem como traos de

    condutas humanas socialmente contextualizadas (BRONCKART, 1999, p.23) e tem a

    psicologia social como fonte de referncia, evidenciando que a obra de Vygotsky o

    fundamento mais radical do interacionismo em psicologia (p.24) e que ela foi alavancada a

    partir dos anos 60, contribuindo, assim, com a teoria da psicologia do desenvolvimento (p.28).

    De acordo, ainda, com Bronckart (1999, p.32), pode-se inferir que a interao verbal

    regula e media o ser humano, pois sob o efeito mediador do agir comunicativo, o homem

    transforma o meio (p.34). Nomeia como espcies de textos todo conjunto de texto que

    apresenta caractersticas comuns (p.72), e argumenta que os gneros de textos continuam

    sendo entidades profundamente vagas [...] e que nenhuma das classificaes existentes pode

    ser considerada como um modelo de referncia estabilizado e coerente (p.73).

    Bronckart (1999, p.108) define os gneros como construtos histricos que se adaptam

    permanentemente evoluo das questes sociocomunicativas e adverte quanto

    possibilidade de alguns gneros desaparecerem e reaparecerem com formas modificadas,

    quanto ao surgimento de novos gneros j que esto em permanente dinamicidade (p.74) e

    que o conhecimento da pertinncia dos gneros construdo em situaes de ao

    determinadas (1999, p.109).

    Alm de todas estas contribuies para o estudo dos gneros, Bronckart (2001) 6

    tambm apresenta uma proposta didtica defendendo que o trabalho com gneros

    interessante na medida em que eles so instrumentos de adaptao e participao na vida

    social e comunicativa. Ele prope uma srie didtica em quatro fases:

    I - Elaborar um modelo didtico: nesse primeiro momento, deve-se escolher um

    gnero e adapt-lo ao conhecimento dos alunos. Logo em seguida, pode-se analisar as

    propriedades desse gnero, seus usos, suas formas de realizao, suas variaes e seus

    contextos de uso, cujo modelo permite delimitar trs grandes categorias de objetivos de

    ensino:

    5 DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In: ROJO, R. e

    Cordeiro, G. S. Gneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. Pg. 171 6 Bronckart (2001). Lenseignement des discours. Apud: Marcuschi, Luiz Antnio. Produo Textual, anlise de gneros e compreenso. So Paulo: Parbola Editorial, 2008. Pgina: 221

  • 28

    a) A anlise das atividades discursivas: esta anlise possibilita a apreenso dos

    critrios da escolha do gnero numa dada situao comunicativa; a simulao da

    posio do produtor do gnero, imaginando as intenes dos interlocutores; a

    identificao dos conhecimentos mobilizados para produzir o gnero nas

    circunstncias imaginadas e, por fim, a especificao das estruturas comunicativas e

    o formato convencional que o gnero apresenta;

    b) A operao com as sequncias tpicas (tipos textuais): permite saber como

    coordenar as seqncias que entram para compor a coerncia de base textual, tais

    como as sequncias argumentativas, narrativas, expositivas etc.; essas bases globais

    devem ser ordenadas e sequenciadas de maneira organizada;

    c) O domnio dos mecanismos lingusticos: trata-se de estudar e analisar os aspectos

    sintticos, morfolgicos (gramaticais de uma maneira geral) e as propriedades

    lxicas, bem como a escolha dos registros e estilos; observa-se aqui a organizao

    textual sob o seu aspecto local (coeso) e global (coerncia);

    II - Identificar as capacidades adquiridas: neste segundo momento, devem-se

    testar os alunos para diagnosticar se houve apropriao dos aspectos trabalhados

    no primeiro momento.

    III - Elaborar e conduzir atividades de produo: agora, deve-se partir para a

    efetivao dos exerccios de produo de gneros, dando condies especficas e

    situaes determinadas de acordo com os elementos analisados nas atividades

    anteriores. Seriam elaboradas, agora, as sequncias didticas.

    IV - Avaliar as novas capacidades adquiridas: por fim, devem-se analisar as

    produes textuais dos alunos, dando-lhes um retorno especfico de maneira que

    possam prosseguir no trabalho com gneros similares ou com outros gneros

    dentro dos passos j apresentados.

    Enfim, ele diferencia atividade de ao, quando se trata dos gneros textuais como

    reguladores e produtos das atividades (sociais) de linguagem. De acordo com Machado (2005,

    p.250), o interacionismo sociodiscursivo prope, de um ponto de vista scio-histrico, em

    relao aos gneros, que, no decorrer da histria, no quadro das atividades sociais, as

    maneiras de se comunicar constituram gneros de textos e as distintas esferas de atividade

    possibilitaram diferenciao nos gneros textuais prprios de cada uma dessas esferas.

  • 29

    1.2.3 Marcuschi e o estudo dos gneros

    Marcuschi, ao escrever sobre os gneros como prtica scio-histrica, fez algumas

    observaes, sinalizando sua importncia para ordenar e estabilizar a comunicao diria,

    destacando-os como instrumentos plsticos e dinmicos e enfatizando o aparecimento deles

    de acordo com a necessidade e atividade sociocultural e novidades tecnolgicas

    (MARCUSCHI, 2002, p. 19).

    Marcuschi (2008, p.155) define os gneros como todos os textos encontrados em nossa

    vida cotidiana, os quais apresentam padres sociocomunicativos com caractersticas definidas

    por funes, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integrao de foras

    histricas, sociais, institucionais e tcnicas. Argumenta que os gneros textuais so

    caracterizados muito mais por suas funes comunicativas, cognitivas e institucionais que por

    suas peculiaridades lingusticas e estruturais, defendendo a ideia que seus usos e

    condicionamentos scio-pragmticos os caracterizam como prticas scio-discursivas (p.20).

    Tambm alertou quanto aos gneros emergentes, pois, alm de salientar o aspecto

    central que a nova relao que instauram com os usos da linguagem como tal, ainda

    permitem esquadrinhar a integrao entre os vrios tipos de semioses: signos verbais, sons,

    imagens, etc (MARCUSCHI, 2008, p.21).

    Evidencia a diferena entre gnero textual, tipo textual e domnio discursivo,

    ressaltando que tipo textual denomina a construo terica delimitada pela natureza

    lingustica de sua organizao, envolvendo cerca de meia dzia de categorias conhecidas

    como: narrao, argumentao, exposio, descrio e injuno, enquanto que gnero textual

    trata de textos materializados que se encontram em nossa vida diria e que apresentam

    caractersticas sociocomunicativas definidas por contedos, propriedades funcionais, estilo e

    composio caracterstica (MARCUSCHI, 2008, p.154-155).

    J o domnio discursivo usado para designar esfera ou instncia de produo

    discursiva em que os textos circulam, proporcionando, tambm, o surgimento de discursos

    especficos como jurdico, jornalstico, religioso, etc. e que neles podem se distinguir

    inmeros gneros textuais (p.155), mas enfatiza que [...] a tipicidade de um gnero vem de

    suas caractersticas funcionais e organizao retrica (2008, p.159).

  • 30

    Ainda advertiu quanto ao uso equivocado da expresso tipo de texto 7 quando estiver

    se referindo a um gnero, j que possvel identificar uma heterogeneidade tipolgica neles,

    isto , um gnero com vrias sequncias tipolgicas (2002, p.24-25).

    Alm disso, registra que os gneros no so opostos a tipos e nem so dicotmicos, uma

    vez que so formas essenciais do texto em atividade (2008, p.156), comprovando isto ao

    declarar que no devemos imaginar que a distino entre gneros e tipo textual forme uma

    viso dicotmica e, sim, que so complementares e integrados. No subsistem isolados nem

    alheios um ao outro, so formas constitutivas do texto em funcionamento.

    Como se pode perceber, o leque de suas contribuies para este assunto no pequeno,

    pois, alm disso, destaca a questo da intergenericidade, ou seja, um gnero assumindo a

    funo de outro gnero, apresentando uma mistura entre funes e formas.

    Para Marcuschi (2008,p.164) h uma diferena entre gnero e evento e a questo do

    suporte de gneros textuais. Tratando-se da intergenericidade, a ttulo de exemplo, toma um

    gnero que no se sabe ao certo se uma tira ou uma carta, usada por muitos peridicos

    semanais e jornais na poca. Apresenta uma carta de despedida do autor do personagem

    Snoopy, num quadrinho com a figura do cachorrinho pensativo diante de uma mquina de

    escrever (2008, p.164).

    Neste exemplo, percebe-se com clareza a presena da intergenericidade, pois, alm de

    utilizar um quadrinho, que era o gnero em que o personagem sempre aparecia, utilizou-se do

    7 Grifo no original

  • 31

    gnero carta para despedir-se dos fs daqueles personagens, ou seja, uma carta no formato de

    uma HQ8e, alm do mais, usou o interdomnio discursivo, j que so duas instncias

    sobrepostas: a instncia da publicidade, em que divulgou sua deciso e a instncia da

    interpessoalidade, a qual narrou sua despedida atravs da carta pessoal.

    Marcuschi esclarece que o problema no est na nomeao, mas sim, na identificao

    do gnero, pois comum burlarmos o cnon de um gnero fazendo uma mescla de formas e

    funes (2008, p.164), e ressalta a importncia da intergenericidade quando diz que isso

    no deve trazer dificuldade alguma para a interpretabilidade, j que impera o predomnio da

    funo sobre a forma na determinao interpretativa do gnero, o que evidencia a plasticidade

    e dinamicidade dos gneros (2008, p.166).

    No que concerne diferena entre evento e gnero, pontua que aquele se destaca pelo

    conjunto de aes, que so exemplificadas como audincia no tribunal, jogo de futebol,

    congresso acadmico, etc., e este a ao lingustica praticada nas situaes prprias

    marcadas pelo evento. Cita como modelo de evento uma criana chorosa em que, para ser

    consolada, no se pode usar a ao lingustica de recitar um poema ou dar um conselho, mas

    que, para cada situao, existem gneros apropriados ou no adequados, clarificando, assim, a

    diferena entre eles (2008, p.163).

    Quanto ao suporte, verifica-se que este assunto ainda est em processo, porque, segundo

    Marcuschi (2008, p.174) h muita complexidade, sem nenhuma deciso clara, uma vez que

    no existe nenhum estudo sistematizado sobre isto. Ele atenta para o fato de que o suporte

    imprescindvel para que o gnero circule na sociedade, porm por ter alguma influncia na

    natureza do gnero suportado, no significa que determine o gnero, e sim que o gnero exige

    um suporte especial, mesmo conhecendo casos em que o suporte determina a distino que o

    gnero recebe.

    Ele tambm alerta quanto ao problema de diferenciar o suporte do gnero, que no

    feito com preciso, pois ele mesmo, em outros trabalhos, havia identificado o outdoor como

    gnero, mas hoje admite que seja um suporte pblico para vrios gneros, preferindo

    publicidades, anncios, propagandas, comunicados, etc. com predileo aos gneros da esfera

    discursiva comercial ou poltica (p.176).

    Define o suporte como um lcus fsico ou virtual com formato especfico que serve de

    base ou ambiente de fixao do gnero materializado como texto (p.174) e tipifica o suporte

    8 Histria em quadrinho

  • 32

    como convencional, que aquele que tem a funo de fixar textos, e incidental, aquele que

    opera como suporte ocasional ou eventual.

    Marcuschi destaca tambm o problema da retextualizao, tida como uma atividade de

    transformao de um texto para outro, defendendo que:

    A retextualizao, tal como tratada neste ensaio, no um processo mecnico, j que a passagem da fala para a escrita no se d naturalmente no

    plano dos processos de textualizao. Trata-se de um processo que envolve

    operaes complexas que interferem tanto no cdigo como no sentido e evidenciam uma srie de aspectos nem sempre bem compreendidos da

    relao oralidade-escrita. (2003, pg.46)

    Para ele (2003, p.47) importante perceber que para haver retextualizao necessrio

    a utilizao de outra modalidade ou outro gnero, porm esta atividade de transformao

    textual requer compreenso, isto , algum precisa entender o que foi dito ou o que se quis

    dizer, consistindo em uma atividade cognitiva. A ideia de que retextualizar era apenas passar

    um texto supostamente catico (que o texto falado) para a escrita (que o texto considerado

    formal) est errada, visto que o processo vai muito alm.

    Isto reiterado por ele quando ressalta o valor do mtodo para o ensino da lngua

    materna, e que esta tcnica serve para aferir o grau de conscincia lingustica e o domnio da

    noo das relaes entre o texto oral e o texto escrito (p.99). Apesar de serem rotinas usuais

    altamente automatizadas, as retextualizaes no so mecnicas.

    Ao reformular textos numa diversidade de registros, gneros, estilos e toda vez que se

    repete, relata ou at mesmo quando se faz citaes, est se reformulando, transformando ou

    recriando uma fala em outra, pois a escrita no acrescenta massa cinzenta ao indivduo que a

    domina bem como o no domnio da escrita no evidncia de menor competncia cognitiva

    (MARCUSCHI, 2003, p.48). Para ele,

    Deve-se, pois, distinguir entre o conhecimento e a capacidade cognitiva. Quem domina a escrita pode eventualmente, ter acesso a um maior nmero

    de conhecimentos. No verdade, no entanto, que a fala o lugar do

    pensamento concreto e a escrita, o lugar do pensamento abstrato. Em resumo: a retextualizao no , no plano da cognio, uma atividade de

    transformar um suposto pensamento concreto em suposto pensamento

    abstrato.9 (2003, p.47)

    Chama a ateno, ainda, para a diferena entre transcrever e retextualizar, e que, na

    primeira, se trata de passar um texto de sua realizao sonora para a forma grfica, com base

    9 Itlico no original

  • 33

    numa srie de procedimentos convencionais, porm estas mudanas no podem implicar na

    natureza do discurso do ponto de vista da linguagem e do contedo (MARCUSCHI, 2003,

    p.49). Transcrever no uma atividade de simples interpretao grfica do significante

    sonoro, mas sim uma transcodificao (do sonoro para o grafemtico) que j uma

    transformao, mas no se pode fazer uma transcodificao equivaler a uma parfrase ou a

    uma traduo como se fosse uma equivalncia semntica, porque uma parfrase refaz o texto

    de um formato lingustico para outro formato que diga algo equivalente (p.51).

    No caso da segunda, que retextualizar, a interferncia maior e h mudanas

    perceptveis, como a introduo de pontuao e eliminao de hesitaes, ( o caso de

    entrevistas publicadas). A adaptao uma transformao de modalidades, isto , uma

    retextualizao. Nesta, interfere-se tanto na forma e substncia da expresso como na forma e

    substncia do contedo, sendo que a situao mais complexa (p.52). No se trata apenas de

    uma reescritura de texto para adequar norma padro, trata-se de uma proposta mais

    significativa, pois se diz de outro modo, ou em outro gnero, o que foi dito por algum.

    Marcuschi (2003, p.48) prope quatro possibilidades de retextualizao representadas

    no Quadro 2.

    Quadro 2. Possibilidades de retextualizao

    1.Fala Escrita (entrevista oral entrevista impressa)

    2.Fala Fala (conferncia traduo simultnea)

    3.Escrita Fala (texto escrito exposio oral)

    4.Escrita Escrita (texto escrito resumo escrito)

    E ainda alerta quanto a algumas variveis intervenientes numa retextualizao, supondo

    serem relevantes:

    1. O propsito ou objetivos da retextualizao, explicando que, dependendo da

    finalidade, pode-se ter uma grande diferena no nvel de linguagem do texto, porm

    o correto que numa retextualizao no pode haver indiferena aos objetivos.

    2. A relao entre o produtor do texto original e o transformador, mostrando que,

    quando o prprio autor retextualiza, as mudanas so mais drsticas, pois o autor

    despreza a transcrio da fala e redige um novo texto, mesmo no eliminando todas

    as marcas da oralidade. Quando outra pessoa que retextualiza, ela modifica o

    contedo de forma menos intensa, embora possa interferir na forma.

  • 34

    3. A relao tipolgica entre o gnero textual original e o gnero da retextualizao diz

    respeito transformao de um gnero falado para o mesmo gnero escrito,

    advertindo que as mudanas so menos drsticas do que de um gnero para outro.

    4. Os processos de formulao tpicos de cada modalidade tratam da questo das

    estratgias de produo textual vinculadas a cada modalidade.

    Considerando estas quatro variveis, pode-se defender que os processos operacionais

    de retextualizao so atividades conscientes, que seguem vrios tipos de tcnicas

    (MARCUSCHI, 2003, p.53-55).

    Diante deste levantamento de contribuies tericas lingusticas para o estudo dos

    gneros textuais como ferramenta didtica, existe uma indagao que grita na esfera

    educacional, desejando resposta: De que forma utilizar os gneros textuais como ferramenta

    para o ensino de linguagem? Na tentativa de responder a esta indagao, discorre-se, logo

    adiante, sobre a importncia dos gneros textuais no ensino.

    1.3 Gneros textuais e ensino

    As teorias mais recentes de aquisio de linguagem reiteram o papel dos gneros na

    efetiva apropriao dos alunos, usados como ferramenta para a vida social, e assinalam o

    compromisso e o dever da escola em divulgar a linguagem como observvel atravs de um

    gnero e a importncia desse gnero na vida no acadmica do cidado.

    O Plano Nacional do Livro Didtico (PNLD) e os Parmetros Curriculares nacionais

    (PCNs) investem na introduo da linguagem, enquanto gneros textuais, nas escolas, e

    Marcuschi (2002) alerta para o valor do trabalho com gneros textuais em sala de aula na

    atualidade ao enfatizar que [...] a relevncia maior de tratar os gneros textuais acha-se

    particularmente situada no campo da Lingstica Aplicada. De modo todo especial no ensino

    de lngua, j que se ensina a produzir textos e no a produzir enunciados soltos (p.35).

    Ou seja, h muitas recomendaes quanto importncia do uso dos gneros em sala

    de aula, mas o problema pode estar na forma como este recurso didtico est sendo

    trabalhado. De acordo com Bazerman (2009, p.10), no se ensina um gnero como tal e sim

    se trabalha com a compreenso de seu funcionamento na sociedade e na sua relao com os

    indivduos situados naquela cultura e suas instituies.

    Deve-se, portanto, refletir sobre a forma como se ensina e Schneuwly e Dolz (2004,

    p.23-24) defendem a ideia de que o gnero um instrumento, e, portanto, imprescindvel

    numa comunicao (falada ou escrita), com uma situao definida por uma inteno

  • 35

    comunicativa, num determinado local e com destinatrios, at porque, segundo eles, este

    instrumento guia e controla a ao durante seu prprio desenvolvimento:

    Como toda ao humana, ele vai usar um instrumento ou um conjunto de instrumentos - para agir: um garfo para comer, uma serra para derrubar uma

    rvore. A ao de falar realiza-se com a ajuda de um gnero, que um instrumento para agir lingusticamente (2004, p. 171).

    No entanto, chama ateno o uso do termo megainstrumento, j que o prefixo ali

    usado tem um sentido grandioso, pois uma adaptao do gr. megal (o)- e equivale ao

    multiplicador 106, seja, um milho (de vezes a unidade indicada, p.ex., megagrama = um

    milho de gramas)10

    , subentendendo que o gnero textual no uma ferramenta qualquer, mas

    sim, um instrumento semitico, complexo e com diferentes nveis, pois trata-se de um

    conjunto articulado de instrumentos (p.171), ou seja, o cerne da situao. Do ponto de vista

    do uso e da aprendizagem, oferece um suporte para a atividade, nas situaes de

    comunicao, e uma referncia para os aprendizes (p.75).

    Percebe-se, ento, que o uso da expresso metafrica megainstrumento pertinente

    e que, devido ao valor que esta ferramenta demonstra, a sua importncia para o ensino da

    linguagem grande. O trabalho com a Lngua at ento nada mais era do que cpia ou

    repetio de uma prtica ultrapassada, exigindo mudana.

    A proposta terica de Schneuwly e Dolz (2004) est centrada nos gneros textuais

    idealizados como instrumento de comunicao 11, que se realizam empiricamente em textos

    (MARCUSCHI, 2008, p.211). Eles metaforizam os gneros como instrumento, quando se

    referem ao fato de um agente agir linguisticamente (falar ou escrever), numa situao

    definida por uma finalidade, um lugar social e destinatrios (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004,

    p.171), ou seja, para se usar o gnero necessrio que o usurio da lngua perceba a situao

    claramente, e, dentro deste contexto de produo, que ele use o gnero atravs da fala ou

    escrita (agir linguisticamente), que um instrumento semitico constitudo por signos,

    estabelecendo, assim, a comunicao.

    Reiteram a afirmao ao declararem que esta ferramenta serve de suporte para as

    atividades comunicativas e de referncia para os aprendizes (p.75), ideia calcada no

    Interacionismo sociodiscursivo, e afirmam que atravs dos gneros que as prticas de

    linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes (p. 74), ou seja, no h como

    10 Informao retirada do dicionrio eletrnico Houaiss da lngua portuguesa 2.0.1 11 Itlico no original

  • 36

    distanciar os gneros textuais das prticas de linguagem, j que eles concretizam a

    interatividade entre os seres humanos:

    Numa perspectiva interacionista, so, a uma s vez, o reflexo e o principal

    instrumento de interao social. devido a essas mediaes comunicativas,

    que se cristalizam na forma de gneros, que as significaes sociais so progressivamente reconstrudas (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p.51).

    Quando os autores apresentam os gneros textuais como metfora de instrumento, no

    ignoram o perigo da noo instrumentalizada de lngua, considerada inadequada

    (MARCUSCHI, 2008, p.212). Por isso, questiona-se a definio dos gneros como

    instrumento e a situa numa perspectiva bakhtiniana distinguindo trs dimenses:

    1. Os contedos que se tornam dizveis no gnero;

    2. A estrutura comunicativa particular dos textos que pertencem ao gnero;

    3. As configuraes especficas de unidades lingusticas so traos da posio

    enunciativa do enunciador, conjuntos particulares de sequncias textuais e de tipos

    de discurso que formam sua estrutura.

    Partindo deste princpio, no h como negar a imprescindibilidade desta teoria para a

    pesquisa proposta, particularmente por ela trazer os principais questionamentos de professores

    quanto ao ensino dos gneros, procurando fornecer procedimentos nomeados de sequncia

    didtica a fim de que o professor pense e planeje o ensino de gneros especficos (p. 15).

    A proposta de Dolz e Schneuwly (2004) foi pensada para ser desenvolvida no ensino

    fundamental em francs. No entanto, cabe perfeitamente para a reflexo sobre o ensino de

    portugus do Brasil, visto que a discusso gira em torno do ensino de lngua materna e do

    ensino de unidades do discurso (gneros), embora se reconhea tambm que os gneros sejam

    determinados socialmente e que h probabilidade de que seu funcionamento seja mais similar,

    nas sociedades urbanas, modernas e ocidentais, que os elementos das lnguas (ROJO e

    CORDEIRO, 2004, p.14).

    Schneuwly e Dolz (2004, p.97) definem os gneros como prticas de linguagem

    historicamente construdas e defendem que a finalidade de trabalhar com sequncia didtica

    ajudar o aluno a dominar melhor um gnero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou

    falar de uma maneira mais adequada numa situao de comunicao. Eles definem sequncia

    didtica como um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemtica, em

    torno de um gnero textual oral ou escrito e apresentam a estrutura de base de uma seqncia

    didtica que pode ser representada pelo seguinte procedimento:

  • 37

    ESQUEMA DA SEQUNCIA DIDTICA

    I- Apresentao da situao: o primeiro passo apresentar a situao de

    comunicao, na qual se descreve detalhadamente a tarefa a ser desenvolvida e

    a modalidade utilizada pelo aluno, que corresponde ao gnero utilizado; logo

    aps, os contedos a serem trabalhados devem ter relao com o gnero, o qual

    deve ser apresentado aos alunos e discutido com eles os aspectos da

    organizao do gnero em foco (p. 98-101);

    II- Produo inicial: trata-se da primeira produo textual, que pode ser

    realizada coletivamente ou individual. Este texto avaliado pelo professor e lhe

    atribuda uma nota. Nesta etapa, o professor avalia as capacidades j

    adquiridas e ajusta as atividades e os exerccios previstos na sequncia s

    possibilidades e dificuldades reais de uma turma. Alm disso, esta atividade

    define as capacidades que os alunos devem desenvolver para melhor dominar o

    gnero de texto em questo (p. 98);

    III- Os mdulos: neste momento, os problemas que foram detectados na produo

    inicial so trabalhados para serem superados por meio de instrumentos. Estes

    mdulos vo do mais complexo ao mais simples, para finalizar com o mais

    complexo, que a produo textual (p.103). Por exemplo:

    1. Trabalhar problemas de nveis diferentes: nesta etapa, o aluno se depara

    com problemas especficos de cada gnero e, ao final, deve tornar-se

    capaz de solucion-los, objetivando prepar-lo, para isso, em cada

    sequncia, trabalha-se problemas relativos a vrios nveis de

    funcionamento. Dentre eles, destacam-se na produo de texto quatro

    nveis principais:

  • 38

    a) Representao da situao de comunicao: o aluno precisa

    perceber quem o destinatrio de seu texto, qual o objetivo a

    atingir, a modalidade usada, o gnero visado.

    b) Elaborao dos contedos: o aluno deve conhecer os

    procedimentos para buscar, elaborar ou criar contedos, ou seja,

    deve-se possibilitar no s a verificao dos contedos, como

    tambm a anlise das notas e as fontes, etc.

    c) Planejamento do texto: o gnero trabalhado deve obedecer

    organizao estrutural, pois o aluno deve perceber a finalidade que

    se quer atingir de acordo com o destinatrio visado.

    d) Realizao do texto: nessa etapa, o aluno precisa escolher os

    meios de linguagem mais eficientes para escrever seu texto, fazendo

    seleo lexical, observando os organizadores textuais para estruturar

    seu texto (p 104).

    2. Variar as atividades e exerccios: neste segundo mdulo, necessrio

    que haja diversificao nas atividades desenvolvidas em sala de aula,

    pois este o princpio essencial de elaborao de um mdulo,

    considerando que h trs grandes categorias de atividades e de

    exerccios distinguidos como:

    a) As atividades de observao e de anlise de textos intencionam

    perceber se houve apropriao do gnero trabalhado, e

    desenvolver uma anlise coletiva de problemas, a partir da

    comparao de vrios textos de um mesmo gnero ou de gneros

    diferentes.

    b) As tarefas simplificadas de produo de textos, segundo

    Marcuschi (2008, p.216) o momento em que se trata dos

    aspectos pontuais, como a transformao de uma sequncia

    tipolgica em outra, ou a variao de um texto em algum de seus

    aspectos. Isto significa que o aluno pode concentrar-se num

    aspecto preciso da elaborao de um texto (SCHNEUWLY e

    DOLZ, 2004, p. 105).

    c) A elaborao de uma imagem comum: este o momento em que

    o aluno tem oportunidade de falar sobre o gnero produzido,

  • 39

    coment-lo, critic-lo e at aperfeio-lo, pois enxerga seu

    trabalho enquanto produto de construo de aprendizagem.

    3. Capitalizar as aquisies: depois de ter aprendido a falar sobre o gnero

    em foco e analis-lo sob vrios aspectos, o aluno consegue obter

    linguagem tcnica e demonstra isto ao se expressar, construindo

    conhecimentos sobre o gnero, desenvolvidos ao longo dos outros

    mdulos (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 106)

    IV- Produo final: nesta ltima etapa, o professor realiza uma avaliao somativa

    e o aluno reconhece o que construiu, por que o fez e de que forma, aprendendo

    a monitorar suas aes e selecionando o gnero de acordo com a situao em

    que pode ser usado. Nesta avaliao, consideram-se os progressos e limitaes

    ainda existentes no aluno, para haver redirecionamentos necessrios nas

    prximas aes e atingir a eficincia desejada a partir desta percepo.

    Sugerem a utilizao de mdulos de ensino, para qualificar as prticas de linguagem,

    tornando-se, desta forma, essenciais para a apropriao dos gneros e se distanciar de uma

    prtica pedaggica que transforma os alunos em prisioneiros de frmulas distantes do

    desenvolvimento cognitivo e social. DellIsola chama ateno a este fato e afirma:

    Alertamos para o perigo de se categorizar os gneros, partindo-se de uma

    mentalidade normativa, reguladora, em que os textos so simplesmente

    rotulados e, da para frente, ensinam-se formas engessadas como se houvesse

    uma configurao rgida para cada gnero textual. Por isso, importante mostrar que os falantes no esto impossibilitados de modificar e criar

    gneros, como se a estrutura composicional e o estilo fossem caractersticas

    estanques de cada gnero (2007, p.20).

    Entretanto, esta mudana precisa acontecer no s na metodologia de ensino, mas,

    principalmente, na concepo de linguagem. De acordo com Geraldi (2006, p.41), quando o

    professor v a linguagem como uma forma de interao humana, isto , por meio da

    linguagem o sujeito age sobre o ouvinte constituindo relaes e vnculos, a aula passa a ter um

    carter educacional diferenciado, pois os falantes se tornam sujeitos e como se sabe que

    papel da escola contribuir com a formao destes sujeitos, precisa-se mudar a forma de

    ensinar para conquistar uma viso geral do mundo.

    Suassuna (2003, p.60) confirma isto ao declarar que transformar nossos modos de

    ensinar implica, alm da busca terica, redefinir um conjunto de valores que englobam no s

    a questo da educao, mas nossa forma de pensar o mundo em geral. Entretanto, o que se

  • 40

    encontra nas escolas em relao ao ensino dos gneros, uma realidade muito diferente, pois

    geralmente a preocupao est na supervalorizao que dada ao estudo das tipologias

    textuais, transparecendo que h uma dicotomia entre gneros e tipos, desconhecendo que eles

    so complementares e que no h como dicotomiz-los, j que so formas constitutivas do

    texto.

    J para Santos (2006, p.19-20), a nfase e preocupao estavam sobre a apresentao

    de tipologias textuais e uma das questes que se colocava eram quais textos priorizar na

    escola. Isto , o ensino tinha como foco as sequncias/tipos textuais classificados como

    narrao, descrio, dissertao, os quais contribuem muito para a formulao de regras fixas,

    mas impedem a apropriao do gnero trabalhado em sala e a percepo de seus usos e

    funcionalidade.

    Alm disso, Bazerman (2006, p.30) ainda previne quanto aos considerados gneros

    escolares, que atuam na sala de aula, afirmando:

    [...] os gneros que atuam na sala de aula so mais do que uma repetio ritual de proposies padronizadas. Se eles falham em ser mais do que isso,

    porque ns esvaziamos de tal forma o sentido da atividade de sala de aula,

    que as produes genricas se tornam meros exerccios formais. Cabe a ns,

    professores, ativarmos o dinamismo da sala de aula de forma a manter vivos, nas aes significativas de comunicao escolar, os gneros, em situaes

    sociais que eles consideram significativas, ou explorando o desejo dos

    alunos de se envolverem em situaes discursivas novas e particulares, ou ainda tornando vital para o interesse dos alunos o terreno discursivo que

    queremos convid-los a explorar.

    Outra situao aquela em que h supervalorizao na caracterizao dos gneros,

    cujo estudo facilita a interpretao ou identificao, mas limita a viso totalizada desta

    ferramenta, por enxerg-la de forma atemporalizada e igual para todos os observadores,

    ignorando o papel dos indivduos no uso e na construo de sentido (BAZERMAN, 2009,

    p.31):

    Somos tentados a ver os gneros apenas como uma coleo desses elementos

    caractersticos porque os gneros so reconhecidos por suas caractersticas

    distintivas que parecem nos dizer muito sobre sua funo. Somos, ento, tentados a analisar os gneros selecionando essas caractersticas regulares

    que percebemos e descrevendo a razo para tais caractersticas, com base no

    nosso conhecimento de mundo (BAZERMAN, 2009, p.38).

    Por isso, torna-se de suma importncia que o educador selecione estratgias didticas

    para trabalhar com esta ferramenta, para desenvolver habilidades retricas e criatividade no

    aluno, situacionalizando atividades comunicativas que tornem os estudantes capazes de

  • 41

    reconhecer a esfera ou habitat lingustico12

    em que deve usar o gnero com propriedade.

    Bazerman ainda aconselha que:

    [...] no deveramos ser displicentes na escolha dos gneros escritos que os

    nossos alunos vo produzir. Nem deveramos manter essas escolhas invisveis aos alunos, como se toda produo escrita exigisse as mesmas

    posies, comprometimentos e metas; como se todos textos compartilhassem

    das mesmas formas e caractersticas; como se todo letramento fosse igual (2006, p.24).

    E esta prtica pedaggica da nfase sobre as tipologias textuais e a supervalorizao

    da caracterizao dos gneros no est apoiada na nova perspectiva interativa de ensino, que

    enxerga a linguagem como uma atividade e no como simples expresso do pensamento ou

    simples instrumento. Isto significa que se deve ter cautela quanto ao trabalho com os gneros

    em sala de aula, pois sendo considerados uma ferramenta didtica no ensino da linguagem, as

    aulas de lngua materna precisam perder a caracterstica de modelo acabado, parecendo

    engessar todo processo de ensino e aprendizagem, uma vez que este instrumento de ensino

    possibilita interao significativa com o texto.

    Ressalta-se, ento, amparados em Bazerman (2006, p.18-19), que a viso interacional

    de gnero pode ampliar e qualificar a didtica do professor, anulando a prtica de tornar o

    aluno mero copista, memorizador ou, na melhor das hipteses, imitador dos melhores

    trabalhos de escritores, como impedindo-os de se tornarem estudantes agentes que usem a

    escrita com uma viso social, reconhecendo os gneros como formas de vida e de ao,

    tornando-se comunicadores atentos e poderosos dentro dos mundos do discurso.Ele ainda

    enfatiza que,

    Atravs de uma estimativa das necessidades e possibilidades e objetivos de

    cada circunstncia particular, eu posiciono a disciplina de forma diferente,

    desempenhando o meu ensino em diferentes gneros, trazendo gneros diversos para a apreciao do aluno e apresentando atravs de gneros

    avaliativos; diferenciando oportunidades e desafios comunicativos para que

    os alunos percebam suas presenas no frum da sala de aula (BAZERMAN,

    2006, p.58).

    Entende-se que, para efetivar um ensino sistemtico sobre os gneros textuais, o

    educador precisa ter clareza de que os textos se materializam nos gneros e que a efetivao

    deste ensino no pode ser vista como uma pedagogia formal, preocupada apenas com formas

    12 Grifo no original. Este termo foi usado pelo autor BAZERMAN, Charles. Gnero, agncia e escrita.

    Judith Chambliss Hoffnagel, Angela Paiva Dionsio (organizadoras). So Paulo: Cortez, 2006, pg.31.

  • 42

    lingusticas, tornando-se abstrata, separada de seus usos, em vez de ser a proviso de

    ferramentas teis para a vida que os estudantes podem adquirir para seus propsitos pessoais.

    Como lembra Bazerman (2006, p. 09), os alunos so pessoas comuns que passam

    pelas escolas para adquirir sucesso na vida e os educadores de letramento podem possibilitar

    esse crescimento, contribuindo, assim, com a sociedade e desenvolvimento de seus membros.

    Baseado no entendimento de que letramento no s ler e escrever, mas exercer as

    prticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive, conjugadas com as

    prticas sociais de interao oral (SOARES, 1999, p.3), subentende-se, ento, que se precisa

    considerar o ensino dos gneros a partir de situaes didticas que possibilitem os mais

    diversos usos e funes, ou seja, considerem-se as condies de produo para diferentes

    interlocutores, isto , condies para o letramento (BAGNO, 2002, p.52-57).

    Partindo desta colocao, compreende-se que o gnero no pode ser ensinado

    divorciado da ao e das situaes, pois as aes, intenes e situaes esto sempre em

    processo de mudana e da mesma forma a teoria de gnero (BAZERMAN, 2006, p. 10).

    Schneuwly e Dolz (2004, p.27) defendem a ideia dos gneros serem enxergados como

    instrumento de comunicao que se concretizam atravs de textos em situaes claras. De

    acordo com Marcuschi (2008, p.212), ao se falar sobre o ensino desta ferramenta didtica

    deve-se comear de uma situao real para identificar a atividade a ser desenvolvida e depois

    iniciar a comunicao.

    O mesmo defendido por Schneuwly e Dolz (2004, p.172) quando declararam que

    na tica do ensino, os gneros constituem um ponto de referncia concreto para os alunos,

    mas para que isto ocorra, faz-se necessrio que o agente aja linguisticamente (falando ou

    escrevendo), numa situao definida por uma finalidade, num lugar social e com destinatrios

    especficos (p.171).

    Na sociedade atual, as instituies de ensino precisam rever suas prticas para encarar

    o grande desafio que, segundo Pimenta (2005, p.12), educar as crianas e os jovens,

    propiciando-lhes um desenvolvimento humano, cultural, cientfico e tecnolgico, de modo

    que adquiram condies para enfrentar as exigncias do mundo contemporneo.

    Assim, no se pode olhar indiferente para o ensino da lngua materna, pois

    necessrio que o aluno se sinta protagonista neste cenrio da contemporaneidade e, como

    disse Riolf (2008, p.07), o professor deve perceber de que forma as transformaes sociais se

    refletem no ensino da Lngua Portuguesa.

    Deve-se analisar se realmente est havendo contribuio na formao deste aluno

    durante as aulas, j que, segundo ela, as aes mediadas pela palavra esto perdendo espao

  • 43

    para as aes mediadas pelo movimento, pois o movimento sobrepe ao uso da palavra e isto

    pode provocar investigaes sobre a relao do jovem aluno com a palavra (p.08). A autora

    reitera isto ao declarar que

    Nosso desafio maior, portanto, consiste em criar um modo de ensinar a

    Lngua Portuguesa ao aluno que j no reconhece facilmente a utilidade do bom uso da linguagem. No se trata, aqui, de estabelecer a norma padro

    como uso correto da linguagem, mas de fazer o aluno ter uma elaborao

    mais trabalhada da Lngua Portuguesa (2008, p.09)

    Ainda refletindo sobre isto, reconhece-se que, para haver mudana neste cenrio

    educacional, torna-se imprescindvel contar com os professores, pois de acordo com Pimenta

    (2005, p.12), eles contribuem com seus saberes, seus valores, suas experincias nessa

    complexa tarefa de melhorar a qualidade do trabalho escolar:

    Ao confrontar suas aes cotidianas com as produes tericas, necessrio

    rever as prticas e as teorias que as informam, pesquisar a prtica e produzir

    novos conhecimentos para a teoria e a prtica de ensinar. Assim, as transformaes das prticas docentes s se efetivaro se o professor ampliar

    sua conscincia sobre a prpria prtica, a de sala de aula e a da escola como

    um todo, o que pressupe os conhecimentos tericos e crticos sobre a realidade (p. 13).

    Como afirma

    Em outras palavras, entende-se que as mudanas nas prticas pedaggicas podem

    ocorrer se o professor obtiver conscincia crtica de suas aes metodolgicas e, em se

    tratando das aulas de Lngua Portuguesa, estas precisam ganhar sentido para os alunos.

    Suassuna (2006, p.15-25), apresenta em seu primeiro captulo do livro Ensaios de pedagogia

    da Lngua Portuguesa, questes que consolidam o imaginrio do aluno e do professor em

    torno do que seja a aula de Portugus, no ensino fundamental, evidenciando a necessidade

    de provocar uma dinamizao transformadora nas aulas.

    Quanto aos contedos lingusticos to supervalorizados nas atividades, estes precisam

    ganhar significado nas prticas de linguagem, ou seja, o aluno precisa perceber, enquanto

    falante, no uso da linguagem, a aplicao do que se estuda em sala de aula estabelecendo

    relao entre teoria e prtica. Conforme Geraldi (2003, p.120), exercendo a linguagem que o

    aluno se preparar para deduzir ele mesmo a teoria de suas leis.

    Riolf (2008, p.30) destaca que est na hora do professor de Lngua Materna parar de

    limitar a capacidade do aluno, quando apenas se verifica se ele localizou no texto os

    contedos explcitos sem recorrer materialidade lingustico-discursiva. Para Geraldi

  • 44

    O aluno, acostumado, desde as primeiras ocupaes srias da vida, a

    salmodiar, na escola, enunciados que no percebe, a repetir passivamente

    juzos alheios, a apreciar, numa linguagem que no entende, assuntos estranhos a sua observao pessoal; educado, em suma, na prtica incessante

    de copiar, conservar, e combinar palavras, com absoluto desprezo do seu

    sentido, inteira ignorncia da sua origem, total indiferena aos seus

    fundamentos reais, o cidado encarna em si uma segunda natureza, assinalada por hbitos de impostura, de cegueira, de superficialidade. (2003,

    p.120).

    Percebe-se, ento, que h muitos problemas nas aulas da Lngua Materna. Suassuna

    (2006, p.28) caracteriza estes problemas em diferentes instncias, objetivando comprovar que

    no houve alterao neste ensino, apesar de j ter quase quatro dcadas que a lingustica foi

    introduzida nos cursos de magistrio e, com ela, um novo tratamento metodolgico da

    linguagem.

    Para melhor explicar os problemas, Suassuna questiona primeiro o trabalho que

    desenvolvido na leitura, analisando o objetivo desta leitura e o mtodo como realizado,

    evidenciando que predomina uma viso utilitarista, pois ora ela usada para motivar a

    redao, ora para ampliar o vocabulrio, ora para expresso de valores morais,

    especificamente quando se trata de Literatura.

    No ensino da Gramtica, caracterizado pelo seu tom normativo e conceitual, pois

    no do conta da complexidade e variedade do portugus, tratando-o como um idioma

    homogneo, esttico e fechado (2006, p.29) que, segundo Neves (1991, p.41), no h espao

    para a reflexo sobre os procedimentos em uso, sobre o modo de relacionamento das unidades

    da lngua, sobre as relaes mtuas entre diferentes enunciados.

    No caso do vocabulrio, Suassuna (2006) mostra que o trabalho centrado na palavra,

    em particular no estudo de sinnimo e antnimo, com exerccios que se limitam a desenvolver

    substituies de palavras por outras equivalentes ou opostas, contrariando o princpio de que

    cada palavra tem um sentido de acordo com seu momento de interlocuo.

    No que tange ortografia, trabalha-se com exerccios enfadonhos, repetitivos e

    descontextualizados, preenchendo lacunas com letras, em palavras fora de contexto,

    completamente desvinculadas de seu significado e uso, transparecendo, assim, uma prtica

    estril e superficial.

    No que diz respeito oralidade, praticamente no tem espao, pois esta prtica

    explorada, na verdade, com oralizaes de jograis, recitaes de poesias, etc. (2006, p. 30-32),

    ou seja, no h entendimento do que seja trabalhar com a oralidade em sala de aula ou de

    como faz-lo com eficcia.

  • 45

    importante entender que os educadores precisam organizar o dia-a-dia de suas aulas

    transformando seu espao de trabalho num laboratrio, onde se aprende os efeitos de sentido

    das materialidades lingustico-discursivas (RIOLF, 2008, p.30-32), conduzindo o estudo da

    linguagem de forma que ela fique a servio do dizer e estas aulas se tornem momentos de

    produo simblica e constituio de subjetividades, concebendo a linguagem como forma de

    interao entre as pessoas (SUASSUNA, 2006, p.33).

    E, assim, anular qualquer possibilidade de ministrar aulas abstratamente, sem obrigar o

    aluno a decorar regras e mais regras que no fazem o menor sentido para eles, pois no

    conseguem aplicar em sua fala nada do que desenvolvem nos exerccios vazios e mecnicos.

    Isto significa que no h como ensinar a Lngua Materna sem usar os gneros textuais como

    ferramenta didtica, j que, atravs deles, o falante se comunica. Segundo DellIsola (2007,

    p.24),

    Os profissionais da linguagem precisam levar os alunos a compreender e

    procurar explicar como se manifestam os diferentes gneros textuais. A

    identidade, os relacionamentos e o conhecimento dos seres humanos so determinados pelos gneros textuais a que esto expostos, que produzem e

    consomem. O estudo dos gneros possibilita a explorao de algumas

    regularidades nas esferas sociais em que eles so utilizados. Por isso

    qualquer profissional da rea de ensino de lngua deveria levar em conta esse aspecto no trabalho com o aprendiz.

    Furlanetto (2007, p.149) tambm valida esta idia quando diz que no campo

    pedaggico, trabalhar com linguagem pressupe ateno constante e generosa aos processos

    de interpretao (leitura), de produo de textos, observando o papel do institucional, do

    poltico, do lingstico e do histrico.

    Nessa perspectiva, Suassuna (2006, p.34) esquematiza o procedimento de uma

    proposta de trabalho que dinamize as aulas e oportunize leituras mais elaboradas e

    diversificadas, no sentido de reorganizar/ampliar as representaes que os sujeitos constroem

    em torno do real, da seguinte forma:

    INTERAO

    PRODUO DE TEXTOS

    (ORAIS/ESCRITOS/VERBAIS/NO-VERBAIS)

  • 46

    REFLEXO METALINGUSTICA

    (GRAMTICA, REGRAS, CONCEITOS)

    NOVAS LEITURAS

    INTERAES

    Partindo desta ideia, compreende-se que necessria a insero da pragmtica no

    ensino da linguagem, subentendendo-se que pode haver uma grande quebra de modelos

    tericos da lingustica imanente, j que a pragmtica amplia a linguagem, enxergando-a no