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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4961
DO MESTRE ESCOLA À PROFESSORA NORMALISTA: A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PIAUIENSE, EM FONTES LITERARIAS (1890 – 1945)
Marta Susany Moura Carvalho1
Maria do Amparo Borges Ferro2
Amada de Cássia Campos Reis3
A educação piauiense contada na literatura
A pesquisa em história da educação tem passado por um processo de renovação nos
últimos tempos, permitindo a ampliação dos objetos e fontes. Diante de novos objetos, surge
a necessidade de novas fontes de pesquisas para suplementar os documentos oficiais. É,
portanto, com base nesta perspectiva que o interesse pela literatura como fonte de pesquisa
para a história da educação, tem crescido nos últimos tempos, pois, as fontes literárias nos
permitem conhecer um mundo diferente daquele retratado em outras formas de textos
escritos.
A partir das fontes literárias é possível reconstruir fatos e acontecimentos educativos
singulares do passado que nem sempre podem ser revelado pelas fontes oficiais. Deste modo
a literatura pode fornecer a história uma representação do vivido pela humanidade, em um
determinado tempo e espaço, assim percebemos que a literatura como fonte de pesquisa
poderá enriquecer os estudos historiográficos, fornecendo informações sobre as práticas
educativas.
Neste trabalho foi realizado um estudo de cunho historiográfico, através da pesquisa
bibliográfica, aplicando-se a metodologia de análise de conteúdo, visando analisar em fontes
literárias, o ensino primário piauiense, mas particularmente a atuação do mestre escola e da
professora normalista, no período de 1890 – 1945, e na discussão da pesquisa apresentam-se
1 Licenciada em Pedagogia e Mestranda em Educação pela UFPI. E-Mail: <[email protected]>. 2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora adjunta da Universidade Federal do Piauí no
Departamento de Fundamentos da Educação da UFPI, Campus Ministro Petrônio Portela. E-Mail: <[email protected]>.
3 Mestra em Educação pela Universidade Federal do Piauí. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí Professora Assistente no Centro de Educação Aberta e à Distância da Universidade Federal do Piauí. E-Mail: <[email protected]>.
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os relatos encontrados da prática do mestre escola em meio ao processo de oficialização do
ensino.
O embasamento teórico-metodológico dessa pesquisa enquadra-se na corrente
historiográfica da Nova História Cultural, e tem como aporte teórico os seguintes autores
Brito (1996); Burke (1992); Carvalho (1998); Costa (2006); Félix (1998); Ferro (1996); Ferro
(2010); Galvão e Lopes (2010); Norma (2004); Queiroz (2015); Reis (2009).
Quanto à periodização escolhida, este estudo está inserido no recorte temporal que
corresponde ao final do período Imperial (1890) a meados do período Republicano (1945),
pois no primeiro, havia a predominância de professores Mestre Escola, e o segundo foi
caracterizado pela presença marcante dos professores normalistas.
O trabalho está dividido em três partes, a primeira trata sobre o uso da literatura como
fonte de pesquisa para a história da educação, a partir dos estudos de história e memória. Na
segunda, discute-se a situação da educação primária piauiense no período de transição
império e república e a formação da professora normalista. E na terceira parte, apresenta-se a
análise da obra “Velhas escolas-grandes mestres” de Antônio Pereira Sampaio (1996),
realizada pela autora Vieira (2008), sobre as práticas de mestre escolas no sertão do Piauí.
Com esse estudo tem-se uma breve visualização do processo histórico da formação do
professor no Piauí. E a partir dele percebe-se que a formação e atuação dos mestres escola e
professores normalistas tem suas especificidades, caracterizando-os e diferenciando-os em
suas vivências escolares. Esperamos com esse trabalho contribuir com os estudos históricos
do ensino primário piauiense e quiçá com outros estudos em âmbito nacional.
A literatura como fonte de pesquisa para a história da educação
De maneira geral o campo da história tem passado por um processo de renovação nos
últimos tempos, permitindo a ampliação dos objetos e fontes. Segundo Burke (1992) com o
advento da nova história, esta passa a interessar-se por toda atividade humana. Partindo do
pressuposto de que tudo “tem um passado que pode em princípio ser reconstruído e
relacionado ao restante do passado” (p.11). Deste modo diversos objetos que anteriormente
não eram considerados na história tradicional passaram a ser pensados pela nova história,
que passa também, a preocupa-se cada vez mais “com as opiniões das pessoas comuns e com
sua experiência da mudança social” (p. 13), ou seja, a cultura popular vai ganhando destaque.
A pesquisa em história da educação também tem acompanhado esse movimento de
renovação. “Nos últimos anos, a historiografia educacional brasileira tem sido amplamente
reconfigurada por redefinições temáticas, conceituais e metodológicas que põem em questão
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a sua forma tradicional” (CARVALHO, 1998, p. 329). Neste sentido, para Galvão; Lopes
(2010) o próprio espaço da escola, bem como os objetos escolares, também os jornais,
revistas, diários, obras literárias, e a história oral, são exemplo dessas novas fontes para a
história da educação.
Embora seja consenso que trabalhar com fontes literárias é uma tarefa prazerosa, esse
tipo de pesquisa requer uma atenção especial, pois como nos diz Ferro (2010), “na realização
de um trabalho historiográfico, que se enraíze no campo da educação embasado em fontes
literárias, tem-se consciência de que é necessário um evidente rigor científico e
metodológico” (p. 25). Dessa maneira, devemos levar em consideração elementos como
forma e o conteúdo, mas também fazer a relação destes com outros elementos como a vida e
obra do autor, o leitor a que se destina, o tempo em que foi criada, e o seu contexto histórico-
cultural.
Entendemos que história e literatura são duas áreas próximas e que o diálogo entre
esses dois campos é frutífero para o enriquecimento dos estudos historiográfico. Como
nos explica Ferro (2010), “a relação entre o passado narrado e o presente da narrativa, é,
possivelmente, influenciado pelas percepções e vivências do narrador entre um fato e outro.
Há sempre a dúvida imposta pelo relativismo e pela visão perspectivista” (p. 15). Neste
sentido, Ferro, ao analisar o pensamento de Paul Ricouer, enfatiza que “a experiência vivida
como ambiente onde se inicia a relação significante do sujeito que narra, com o objeto da
narrativa, chama atenção para a situação de pré-existência do vivido em ralação ao que é
narrado” (p. 16). Ou seja, a narrativa é de certa forma influenciada pelas vivências do
narrador.
Portanto, conclui-se que a história pode está presente nas obras literárias, tendo em vista que partem de um real conhecido ou vivido pelo autor, e prestam-se ao estudo da História como documentos complementares aos fatos oficiais e a documentação empírica. E para melhor compreender a relação entre história e literatura buscou-se fazer uma breve discussão a respeito da relação história e literatura e ainda sobe estudos de história e memória.
Queiroz (2015) relaciona história e literatura do ponto de vista de um olhar sobre as
fontes, confirmando a presença das diferenças entre os dois tipos de fontes, as oficiais e os
textos literários, uma vez que segundo a autora
A História trata essencialmente do real, é um testemunho da sociedade, refere-se a uma trama complexa e efetiva de acontecimentos. A Literatura, para o que nos interessa, considera os possíveis da história, os possíveis até mesmo irrealizáveis, alude essencialmente ao virtual, ao potencial, a um repertório de possibilidades dadas pela história. (QUEIROZ, 2015, p.81)
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Esse novo olhar sobre as fontes e objetos literários foi alcançado como dito
anteriormente com o advento da corrente historiográfica “Nova História Cultural”, a qual
permitiu repensar a Literatura e propor relações entre História e Literatura.
As articulações entre História e Literatura, dizem respeito à vida cotidiana, relacionada
a vida social e expressa na obra literária. Ainda segundo, Queiroz (2015, p.82) o trabalho da
história e literatura exige entendimento de que: “A história ou contexto é maior que o
produto-objeto, maior que o produtor-sujeito e que esse social modela tanto o produto
quanto o produtor”. Por isso, se faz necessário o rigor analítico e ainda a compreensão de que
o “produto ficcional é dotado de sentido principalmente a partir da situação social do
produtor”.
Para Félix (1998, p. 33) o sentido da história está em “olhar pra trás, ir em busca da
apreensão do tempo, com as vivencias do presente e poder tomar conhecimento de que o
passado se recria pela memória, única forma de retê-lo, de apreendê-lo”. Assim, para a autora
“a função da história estaria no compromisso com o presente” (p. 33). Neste sentido, a
“memória é um dos suportes essenciais para o encontra-se dos sujeitos coletivos, isto é, para
as definições dos laços de identidade” (FÉLIX, 1998, p. 36).
É, portanto, com base nesta perspectiva que o interesse pela literatura como fonte de
pesquisa para a história da educação, tem crescido nos últimos tempos, pois, as fontes
literárias nos permitem conhecer um mundo diferente daquele retratado em outras formas
de textos escritos. A partir das fontes literárias é possível reconstruir fatos e acontecimentos
educativos singulares do passado que nem sempre podem ser revelado pelas fontes oficiais.
Deste modo a literatura pode fornecer a história uma representação do vivido pela
humanidade, em um determinado tempo e espaço.
Dessa forma, percebe-se que a pesquisa histórica se faz a partir de “instrumentos
intelectivos (mentais-conceituais) e materiais (“documentos” e técnicas: recursos e
instrumentos) que nos permitam definir caminhos, trajetórias, nos quais possamos
harmonizar teoria-método e conceito na aplicação ao empírico” (FÉLIX, 1988, p. 73).
Contudo, a autora lembra ainda da importância da flexibilidade nos procedimentos
metodológicos, pois o processo metodológico não é imutável tendo em vista que o mesmo
pode ser alterado no decorrer da pesquisa.
Contudo “é necessário ter também uma postura crítica diante dos documentos,
examinando suas condições de produção porque nenhum documento é inocente, e sim
resultante de situações especificas, próprias que cabe ao pesquisador desvendar” (FÉLIX,
1998. p. 89). É neste sentido, que pretendemos desenvolver nosso estudo com obras
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literárias, buscando desvendar as informações que estão subjacentes nos textos,analisando-
os e relacionando-os, como outros documentos e com o contexto geral ao qual estão
inseridos.
Portanto, o caminho metodológico de uma pesquisa de natureza histórico-bibliográfica,
deve ser consciente de que “existem princípios básico de metodologia científica e de
metodologia histórica que devem ser objeto de reflexão e de escolha do historiador, jamais,
regras fixas ou universais” (FÉLIX, 1998, p. 71). Essa metodologia nos permite conhecer
acontecimentos singulares que ocorreram em um determinado tempo e espaço e que a partir
das reminiscências dos autores, foram narrados em suas obras.
A educação primária piauiense no período de transição Império e República e a formação da professora normalista
Fazendo uma breve discussão da educação primária piauiense no período de transição
Império e República, observa-se que a ação dos mestres-escola, em que a educação dos filhos
era mantida pelos fazendeiros, permanece no período republicano concomitantemente ao
ensino público, principalmente nos anos iniciais do período Republicano.
De acordo com Reis (2009), no período Imperial, algumas famílias pagavam um
professor particular para ensinar seus filhos a aprenderem os primeiros ensinamentos da
leitura, escrita e números. Essa iniciativa privada tornava-se prática comum na educação
piauiense daquele período. Lembramos que esta prática era comum desde o período
regencial quando “as aulas do ensino primário e secundário eram ministradas na residência
dos professores ou em prédios alugados pelo governo” (COSTA FILHO, 2006, p. 109).
Ainda segundo Reis (2009), a presença do mestre-escola foi sendo reduzida a partir do
momento que começa haver uma organização do ensino público e com a criação de mais
escolas de ensino gratuito, mas, essa prática de ensino permanece ainda por um longo tempo
no sertão piauiense, até meados do século XX. Até quando se instituiu o atendimento da
educação primária pública efetivamente, como surgimento dos Grupos Escolares, os quais
faziam parte do projeto republicano de organização e expansão da educação.
Segundo Mendes:
As atividades de ensino primário no Piauí durante praticamente toda a primeira república, até o advento da construção dos grupos escolares na década de vinte, eram desenvolvidos nas residências dos professores, sejam eles professores públicos custeados pelo Estado ou particulares, mantidos pelas mensalidades dos alunos. O certo é que não havia muita diferença quanto às instalações prediais e aos métodos de ensino (MENDES, 2012, p. 135).
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Como mostra o trabalho da autora Maria do Amparo Borges Ferro, em sua obra
“Educação e Sociedade no Piauí Republicano” sobre os anos iniciais desse regime no Piauí.
[...] pelo distanciamento geográfico e com as dificuldades de comunicação da época, ao que tudo indica, aconteceu semelhante o que ocorreu na capital do país, em que, após a proclamação, o povo saiu às ruas, aparentemente sem entender bem o que tinha acontecido, nem como e sem prever quais os desdobramentos que daí adviriam. (FERRO, 1996, p.79).
De acordo com a autora essa mudança no regime político no Piauí não alterou muito o
conteúdo educacional, embora tenham ocorrido esforços legais no sentido de mudar o perfil
da educação naquele momento. Segundo Ferro (1996, p.87) “a Primeira República a nível
nacional teve a educação caracterizada por reformas consecutivas e desconexas”, e no Piauí
também ocorria reformas como a Reforma de Antonino Freire. Percebe-se que existiam
obstáculos para implementação de reformas na área educacional tal qual a descontinuidade
das ações políticas e ainda a desvalorização salarial do magistério. Outro fator problemático
era a falta de acomodação para o funcionamento das escolas,portanto, as reformas foram
motivadas pela legislação, que previa a construção de prédios para funcionarem escolas
estaduais.
Com a expansão do número de escolas, foram construídas escolas em Teresina, Picos,
Campo Maior, Piripiri, Amarante, Miguel Alves, Barras, Porto Alegre, Piracuruca, Pedro II,
Parnaíba, Oeiras, Bom Jesus, Castelo, São Raimundo e Palmeirais. Além da criação da Escola
Normal Oficial em 1910, que era apontada como a grande solução para o problema educativo,
através da formação de mão-de-obra especializada. Ferro (1996, p.104.105) acredita ser tal
expansão “reflexo da ideologia reinante do otimismo pedagógico e do entusiasmo pela
educação”.
A partir da transformação de escolas reunidas em grupos escolares, ocorre um processo
de consolidação do modelo educacional no Piauí, os prédios dessas instituições tornaram-se
“símbolos de modernidade e autênticos templos do saber e do progresso” (REIS, 2009,
p.208). Ainda sobre o período republicano, Mendes (2012, p. 170), relata o grande déficit
escolar em vários municípios do Piauí, bem como a lenta iniciativa pública na resolução desse
problema, o qual foi tentado superar a partir de ações particulares.
Em relação às escolas estaduais, estas recebiam poucos recursos, sem falar do baixo
salário dos professores e ainda precária conservação das estruturas físicas dos prédios
escolares como explicado pelo professor Martins Napoleão, diretor geral de Ensino do Piauí:
Verdade é, sem dúvida, que aquelas condições especiais derivaram sempre, ora do limitado horizonte visual dos seus administradores; ora da pobreza,
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sovinice ou indiferença do tesouro, contrárias ao espírito de iniciativa de alguns dirigentes; ora, da própria limitação intencional dos serviços, dados entre rebarbas de outros empregos, a cidadãos sem vilegiatura de professores. Sobre isso, o descritério partidarista, fábrica de escolas e prêmios de eleitores, com docente saliciados a grau de parentes. (MENDES, 2012, p. 172 apud Almanaque da Parnaíba, 1934, p. 57).
A citação mostra as condições em que se encontrava a educação estadual, situação na
qual o professor não tinha muito apoio do Estado e mantinha por conta própria o local, para
exercer o magistério do jeito que podia.
Segundo Brito (1996, p. 96), “a estrutura organizacional do ensino primário manteve-se
praticamente inalterada com as mudanças que o país atravessou, decorrentes da Constituição
de 1934 e da Constituição de 1937 (Estado Novo)”. Esta última atribui ao Governo Federal
poderes para baixar normas por meio de Decretos-Lei, em todos os níveis de ensino,
incluindo o ensino primário e normal que antes era de responsabilidade exclusiva dos
Estados.
Ocorre, neste período, uma expansão na rede escolar primária no estado do Piauí,
colocando-o em destaque nacional. Devido aumento das despesas, o estado recorreu aos
municípios, para que os mesmos contribuíssem financeiramente, firmando um convênio com
estes, definindo responsabilidades para ambas as partes. O convênio foi firmado pelo então
interventor Leônidas de Castro Melo e pelos representantes dos diversos municípios, em
novembro de 1943, e vigorou até o ano de 1946.
Percebe-se que há um movimento intenso que visava à renovação do ensino, e este
passa a substituir o velho modelo educacional, no qual estava incluso o papel do Mestre
escola o qual participou do processo de formação primária das crianças e jovens desde o
período colonial. Dessa forma essa figura ia perdendo o lugar para o novo modelo de
formação, oficial, representado pelas professoras normalistas. Estas, ao contrário dos
mestres-escola, faziam parte das inovações sócio-educacionais presentes no imaginário
republicano e das intenções de autoridades daquele período.
A criação da Escola Normal em Teresina foi autorizada pela “Resolução Provincial nº
565 de 5 de agosto de 1864, tendo sua instalação ocorrido a 3 de fevereiro de 1865 e seu
regulamento aprovado em 6 de setembro do mesmo ano” (NORMA, 2004, p.60). Segundo a
autora, nos primórdios de sua existência, ou seja, no período de 1864 a 1908 a Escola Normal
era vista como instituição responsável pela salvação da instrução primária no Piauí. Porém,
as primeiras experiências aconteceram com constantes aberturas e fechamentos, como por
exemplo, sua extinção após a reabertura do Liceu, que se encontrava desativado desde 1861
pelo “[...] Art. 5º da Resolução nº 599 de 09 de outubro de 1867 [...]” nesse momento a escola
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normal foi colocada como anexo ao Liceu e assim permaneceu até o ano de 1874 quando foi
novamente extinto pela “[...] Resolução nº 858 de 11 de julho daquele ano [...]”. A terceira
tentativa de implantação da Escola Normal teresinense ocorreu em 1882 com a “[...]
Resolução nº 1.062 de 15 de julho daquele ano” (NORMA, 2004, p.61-62-63). Foi instalada
no mesmo prédio do Liceu, porém autônoma com professores destinados exclusivamente à
formação docente.
Norma (2004) justifica o fracasso da tentativa de funcionamento do curso normal a
falta de atenção merecida, uma vez que tinha um caráter propedêutico, e ainda questões
administrativas e desinteresse da clientela.
A desorganização e o baixo nível dos exames escolares levaram o Presidente da Província Emigdio Adolfo Victorio da Costa (1883 – 1884) a solicitar uma reformulação do curso, sugerindo o acréscimo de disciplinas e do tempo de estudo. A modificação não trouxe resultado positivo à escola, pelo contrário, descaracterizou-a como instituição, contribuindo para a perda de sua autonomia e retorno ao esquema de curso normal anexo ao Liceu a partir de 1886. (NORMA, 2004, p.64).
Segundo Brito (1996), a Resolução nº. 13 de 31 de julho de 1890 que aprova um novo
regulamento para o ensino primário e secundário, a qual visava alcançar mudanças, tais
como, classificaras escolas primárias em três categorias ou níveis elementar, complementar e
superior; estabelecer um currículo diferenciado para cada categoria de escola; proibição do
ensino através do método Lancaster; adotar uma metodologia que desenvolvesse as matérias
gradualmente, obedecendo a uma seqüência lógica dos assuntos, iniciando, sempre, do
concreto para o abstrato; evitar o uso de premiações; extinguir os castigos físicos, salvo os de
ordem social.
O autor afirma que, esperava-se que na República houvesse uma reestruturação
profunda da instrução pública, o que não ocorreu de fato. Apesar das reclamações feitas por
pessoas consideradas esclarecidas no assunto e que percebiam na qualificação dos
professores, dentre outras providências, uma das formas de melhorar a educação no Estado.
Todavia, as normas ou reformas que eram estabelecidas eram difíceis de serem executadas
“pois não encontravam ressonância no espírito de um professorado leigo e de poucas luzes,
sem conhecimento e formação para compreendê-la”. (BRITO, 1996, p.46)
Norma (XX) afirma que em 1909 a Escola Normal é recriada e em 1910, oficialmente
re-estabelecida em Teresina. A autora trata do segundo período da Escola Normal 1909 a
1946, e destaca que o currículo da Escola Normal nesse período comparado ao da década
anterior estava mais voltado para o exercício do magistério, com a metodologia a didática que
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incluía o Tirocínio, oferecendo melhor preparação para o trabalho docente, possibilitando às
normalistas praticarem a docência com mais experiência.
Observa-se que essas medidas foram inspiradas pela “escola nova” nas décadas de
1920, período em que havia preocupação em cria ações para renovar a metodologia do
ensino, com o intuito de rever as práticas pedagógicas até então utilizadas, nesse contexto a
professora normalista era escolhida para exercer esse novo papel, mesmo assim, devido às
circunstâncias sociais, permanecia a presença dos mestres escolas, principalmente no sertão
do Piauí.
Prática educativa do mestre escola: relatos literários
A obra literária, Velhas Escolas-Grandes Mestres de Antônio Sampaio Pereira (1996),
foi analisada Por Maria Alveni Barros Vieira, no livro podem ser vistas categoricamente as
formas alternativas de escolarização da criança mantida pelas famílias piauienses, com a
contratação de mestres-escolas. Sendo que foram analisadas pela autora as práticas
educativas dos mestres escola: Belarmino, conhecido como Bola-de-Ouro, Higino Gregório
dos Santos e João Alves.
O mestre Belarmino, era um mestre ambulante. E viajava constantemente para o
interior do Estado, fixando-se temporariamente por onde arranjasse alunos. Sobre suas
práticas destaca-se o planejamento do período que ia passar na localidade de acordo com o
que combinava com os pais das crianças. Acertava-se com eles a forma de pagamento,
incluindo um pedaço de roça a ser trabalhado pelos alunos nas tarefas de plantar, capinar e
colher.
O atendimento, desse tipo de exigência respaldava-se na importância, atribuída
naquele período ao mestre-escola:
Naquele tempo, um mestre era um verdadeiro achado e quem tivesse a sorte de ter um à mão, nunca ousava desgostá-lo, nem que fosse por força de um motivo forte. Ao mestre dava-se carta branca e, contrariá-lo com a supressão de tais prerrogativas, seria uma temeridade. (PEREIRA, 1996, P. 21).
A escola de mestre Belarmino, mesmo temporária, funcionava nas modalidades desde
externato, para os alunos da localidade onde se instalava, e como internato para os alunos
procedentes de localidades adjacentes. Por módicas mensalidades recebia esses alunos com
direito a comida e dormida, muitas vezes os pagamentos eram feitos com gêneros
alimentícios, além de animais de pequeno porte como galinhas, porcos e ovelhas.
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Aos alunos externos, o mestre assumia o compromisso de ensinar a ler, escrever e
contar. O treino da leitura era feito por meio de um volumoso pacote de cartas velhas.
Enquanto material didático, as cartas eram organizadas em dois blocos classificados pelo
grau de dificuldade das leituras:
Manuscritos de letras legíveis, destinadas aos alunos que apresentavam lentidão na aquisição da leitura; Manuscritos “garranchentos”, cuja leitura apresentava um desafio a ser posto para os alunos mais adiantados. Aos alunos internos, além da leitura, escrita e as quatro espécies de contas, o Mestre deveria ensinar-lhes atividades úteis ao trabalho no campo, tais como, Fazer peias, cabrestes, abanos, cofos, esteiras, jacás, balaios, urupembas, quibanos e uma infinidade de outras pequenas utilidades domésticas, que um homem prático do interior, precisa saber, para usá-las, quando precisa. Além dessas pequenas coisas, ensinava ainda, mais por indústria e proveito próprio do que pelo gosto de transmitir o que sabia aos outros, a execução de muitos trabalhos pesados, inclusive tecer todo tipo de cerca, especialmente cerca de surrão, na qual passava quinau em muitos mestres cerqueiros. (PEREIRA, 1996, P.22)
Os discípulos mais aplicados eram iniciados, reservadamente, nas “ciências ocultas” da
benzedura contra quebranto, mal olhado, erizipela, na arte de atalhar fogo e sangue com reza.
Curar dor de dente e espinha caída. Sabedoria da medicina popular, que naquele período era
vista com superstição, como se aqueles que nela fossem iniciados mantivessem vínculos
fortes com o sobrenatural.
As avaliações realizavam-se na “roda do argumento” e como o costume do período ela
era mediada pelos castigos físicos. Mestre Belarmino, considerava formado nas primeiras
letras, o aluno que lesse com desembaraço todo o pacote de cartas. Encerrava suas atividades
sempre concedendo a um dois alunos, cartas de recomendações para que pudessem exercer o
ofício de mestre-escola.
Entre a primeira e a segunda década do século XX, trabalhou mestre Higino Gregório
dos Santos. Era considerado, para os padrões do período, um mestre de conhecimentos
avançados. Dedicava-se com afinco ao estudo das regras gramaticais, e suas aulas, eram
desenvolvidas com base nos conteúdos de um velho compêndio de ensinamentos do
vernáculo.
Seus conhecimentos em matemática ultrapassavam as quatro operações. Sabia regra de
três, juros simples e operava com partidas dobradas e escrituração mercantil. Esse último
campo, não era trabalhado, por não ter, naqueles lugares, onde aplicar tal conhecimento.
Era um estudioso da “ciência positivista”, o que no período significava ter
conhecimento acerca de alguns dos princípios teóricos de Augusto Comte, cujas idéias
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exprimem a confiança no conhecimento científico, considerado por ele como o único capaz de
desvendar as leis do universo.
Mestre Gregório, a exemplo do que costumava acontecer no período, formou seus
parentes dentro dessa visão positivista de educação e transmitiu a seu filho e,
posteriormente, ao neto, seus interesses pelo magistério, pelos cálculos e pela gramática.
Essa era uma prática comum no período e vinha desde os tempos imperiais. Dessa
forma também agia Mestre Higino que preparava seus filhos para trabalharem como
mestres-escolas utilizando o arsenal pedagógico comum aos discursos do período, colocando-
se em destaque aos demais mestres ambulantes a fim de fazerem-se notar. Seu neto terminou
por abraçar a cátedra pública, integrando o corpo docente assalariado pela municipalidade.
Se, em períodos anteriores, a clientela dos mestres-escola, poderia ser definida como
crianças filhas das famílias de posse do Piauí. Em fins da década de 1930, diminui a clientela
desse tipo de aluno, e os mestres vão abandonando os centros da cidade em direção aos
subúrbios.
Mestre João fazia parte dessa realidade. Já não possuía o prestígio dos seus
antecessores, tão pouco a clientela. Não conseguia reunir, a exemplo de mestre Belarmino, os
alunos no mesmo espaço e esse detalhe o obrigava a planejar os dias e horários de suas aulas
segundo as disponibilidades dos alunos.
No cenário em que o mestre escola conseguia seus poucos clientes, as crianças não
tinham o privilégio do ócio, mas participavam de todas as atividades desempenhadas pelos
adultos, fosse conduzindo os animais no transporte de alimentos, lenha e/ou água. Fosse
tangendo os bois para o pasto, o certo é que a utilização da mão – de – obra infantil nos
trabalhos da lavoura e da pecuária consistia numa prática comum na sociedade de então no
seio das famílias de poucos recursos. Como os alunos trabalhavam, ajudando os pais em
atividades domésticas e/ou comerciais, as aulas só poderiam acontecer nas suas horas de
descanso evitando, assim, o desperdício de tempo da meninada nas tarefas de casa.
Mestre João, um mestre de subúrbio das cidades. Mestre de alunos que precisavam
trabalhar e que contratavam seus serviços, para o período que melhor conviesse à rotina de
trabalhos das famílias. Mestre, que a exemplo da maioria dos mestres-escolas desse “fim de
safra”, exercia as atividades do magistério entre os meses de setembro, outubro e novembro,
período considerado de seca pelo sertanejo piauiense, momento em que as tarefas do campo
ficavam restritas ao preparo da terra para um novo ciclo de plantio da estação de chuvas.
Outro problema agravava a situação de mestre João que não conseguindo sobreviver a
expensas do que lhe rendia a cátedra, tentava conciliar sua andança em vários pontos da
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cidade onde tinha alunos, com o ofício de vender bananas. Todos os dias o Mestre passava
nas residências dos alunos para tomar as lições do dia anterior e para vender bananas.
Fora as bananas, a palmatória era o único material didático de que dispunha o mestre
João para ministrar suas aulas por onde alfabetizava os meninos, através do método de
soletramento, além de explicar, com esmero, os significados etimológicos das palavras
trabalhadas.
Ao ensinar a ler e escrever era acrescentado o ensino de rezas e orações. O aluno era
levado a aprender as orações de conhecimento comum dos católicos, mas, também, aquelas
que o Mestre improvisava em toda aula.
O encerramento das atividades escolares era marcado por uma cerimônia ritualística,
em que o professor colocava-se no centro da sala em que dava aulas aos meninos e de mãos
postas aguardava, com fronte erguida e semblante grave, que cada discípulo viesse
respeitosamente beijar a palmatória que o mestre sustentava entre as mãos.
Considerações Finais
Após a análise das obras percebe-se que existia uma ação dominante na sociedade
promovida pelos governantes que pretendiam fazer uma nova organização educacional, com
a oficialização da formação dos professores, rompendo com as velhas práticas do mestre
escola.
Contudo, as iniciativas foram mais de cunho legal do que real, pois as diversas reformas
estabelecidas pelas leis e decretos muitas vezes não saiam do papel. Dessa maneira, a ação
dos mestres escola permanecia por todo o Estado, principalmente nas zonas rurais onde
havia maior déficit de escolas oficiais.
Na obra Velhas Escolas Grandes Mestre de Antonio Sampaio, analisada por Vieira
(2016) mostra bem como se davam os métodos de ensino e quais os recursos didáticos por
eles utilizados. E, assim tem-se uma visão geral de como eram as práticas educativas desses
mestres-escolas, e as tentativas de mudanças destas para se adequar ao novo modelo de
ensino.
Segundo a própria Vieira (2016), esses mestres foram produtores de conhecimentos, de
saberes escolares e de metodologias e técnicas pedagógicas, elaboradas e reelaboradas a
partir não apenas de suas trajetórias intelectuais (formação, leituras, influências teóricas,
etc.), bem como de vivências e experiências do cotidiano e das práticas pedagógicas, do
ensino e da interação com os alunos de suas escolas.
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Embora, tenha prevalecido, como visto na análise, que os mestres-escolas eram
verdadeiros desasnadores de as crianças do sertão piauiense, ou seja, tinham uma
metodologia rígida, baseados na pedagogia tradicional.
E como afirma Pereira (1996), os mestres escolas foram os responsáveis pela
alfabetização das gerações passadas, verdadeiros pioneiros, transitavam de engenho em
engenho, de fazenda a fazenda, de casa em casa, oferecendo os préstimos da grande missão a
que se entregavam com o fervor de quem abraça por vocação um verdadeiro sacerdócio
(PEREIRA, 1996).
Referências
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VIEIRA. Maria Alveni Barros. A arte de desasnar crianças no sertão Piauí (1890 – 1930). VCBHE. UFS/UNIT. 2008. Disponível em>ww.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe5/pdf/381.pdf< Acesso em: 10.dez.2016.