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Economia Agraria - Joelson Carvalho

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Muitos são os temas contemporâneos abordados na Economia Agrária, masé preciso ter em mente que tais questões sempre estiveram presentes na história do pensamento econômico, especialmente no que se refere à terrae à riqueza gerada por ela. Entender este processo histórico é condição fundamental para que possamos compreender o atual estágio do desenvolvimento capitalista no campo e suas inter-relações com a economia de modo geral.

Citation preview

  • Joelson Gonalves de CarvalhoVolume nico

    Economia Agrria

    Apoio:

  • C331

    Carvalho, Joelson Gonalves de.Economia Agrria. volume nico / Joelson Gonalves de Carvalho.

    Rio de Janeiro: Fundao CECiERJ, 2015.246 p.; il. 19 x 26,5 cm

    iSBN: 978-85-458-0010-1

    i. Economia agrria. ii. Agricultura. iii. Campesinato. iV. Poltica agrcola. V. Movimentos sociais. VI. Conflitos sociais. VII. Agronegcio. i. Ttulo.

    CDD:338.0981

    Referncias bibliogrficas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.Texto revisado segundo o novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

    Copyright 2015, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.

    Material Didtico

    Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua da Ajuda, 5 Centro Rio de Janeiro, RJ CEP 20040-000

    Tel.: (21) 2333-1112 Fax: (21) 2333-1116

    PresidenteCarlos Eduardo Bielschowsky

    Vice-presidenteMasako Oya Masuda

    Coordenao do Curso de AdministraoUFRRJ - Silvestre Prado

    UERJ - Luiz da Costa Laurencel

    ELABORAO DE CONTEDOJoelson Gonalves de Carvalho

    DIREO DE DESIGN INSTRUCIONALCristine Costa Barreto

    COORDENAO DE DESIGN INSTRUCIONALBruno Jos PeixotoFlvia Busnardo da Cunha Paulo Vasques de Miranda

    DESIGN INSTRUCIONALAnna Maria OsborneJos MeyohasKarin GonalvesMarcelo Franco LustosaPaulo Csar Alves

    COORDENAO DE PRODUOFbio Rapello Alencar

    ASSISTENTE DE PRODUOBianca Giacomelli

    REVISO LINGUSTICA E TIPOGRFICAAlexandre AlvesElaine BaymaMaria Elisa Silveira

    PROGRAMAO VISUALAlexandre dOliveiraCamille Moraes

    Cristina PortellaFilipe DutraLarissa AverbugMaria Fernanda de NovaesRonaldo Florio d'Aguiar

    ILUSTRAOClara GomesSami Souza

    CAPAClara Gomes

    PRODUO GRFICAPatrcia EstevesUlisses Schnaider

  • Governo do Estado do Rio de Janeiro

    Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia

    Governador

    Gustavo Tutuca

    Luiz Fernando de Souza Pezo

    Universidades Consorciadas

    UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIROReitor: Silvrio de Paiva Freitas

    UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Vieiralves de Castro

    UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Luiz Pedro San Gil Jutuca

    UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitora: Ana Maria Dantas Soares

    UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Carlos Levi

    UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles

    CEFET/RJ - CENTRO FEDERAL DE EDUCAO TECNOLGICA CELSO SUCkOw DA FONSECADiretor-geral: Carlos Henrique Figueiredo Alves

    IFF - INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAO, CINCIA E TECNOLOGIA FLUMINENSEReitor: Luiz Augusto Caldas Pereira

  • Aula 1 A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico .................................................................... 7 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 2 O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas ...........................................23 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 3 O fim do campesinato? Que campesinato? .....................................39 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 4 A economia, o territrio e a agricultura no Brasil primrio exportador ........................................................................51 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 5 As vises clssicas sobre a questo agrria nacional ......................73 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 6 A lgica produtivista da ditadura militar: da modernizao conservadora formao dos complexos agroindustriais ...............91 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 7 Dcada perdida: a poltica agrcola e a questo agrria em um contexto de recesso econmica ..................................... 105 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 8 Comportamento agrcola a partir da dcada de 1990: neoliberalismo ............................................................................. 119 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 9 Agronegcio e a agricultura familiar no Brasil: conceitos bsicos e debates controversos .................................. 135 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 10 Notas sobre a agricultura familiar no Brasil .............................. 147 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 11 Notas sobre o uso e a ocupao do solo no Brasil .................... 161 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 12 Movimentos e conflitos sociais no Brasil: passado e presente ................................................................... 173 Joelson Gonalves de Carvalho

    Economia AgrriaVolume nico

    SUMRIO

  • Aula 13 Reforma agrria: instrumentos, argumentos e controvrsias .... 189 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 14 Assentamentos rurais: lcus de trabalho e vida......................... 201 Joelson Gonalves de Carvalho

    Aula 15 A economia e a questo agrria: do que tratamos e do que no tratamos .............................................................. 223 Joelson Gonalves de Carvalho

    Referncias............................................................................................. 235

  • objet

    ivos Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:

    identificar os tipos de classes existentes na economia, segundo a teoria fisiocrata e sua base antimercantilista;

    distinguir as principais diferenas apresentadas pelos clssicos na anlise da importncia da agricultura para o desenvolvimento econmico;

    estabelecer o papel da terra no desenvolvimento econmico.

    1Meta da aula

    Descrever como evoluram, na histria do pensamento econmico, as anlises do papel da terra

    e da agricultura no desenvolvimento da economia.

    A agricultura e a questo agrria na histria do

    pensamento econmicoJoelson Gonalves de Carvalho A

    ULA

    1

    2

    3

  • Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico

    CEDERJ8

    Muitos so os temas contemporneos abordados na Economia Agrria, mas

    preciso ter em mente que tais questes sempre estiveram presentes na

    histria do pensamento econmico, especialmente no que se refere terra

    e riqueza gerada por ela.

    Entender este processo histrico condio fundamental para que possamos

    compreender o atual estgio do desenvolvimento capitalista no campo e suas

    inter-relaes com a economia de modo geral.

    NOSSO OBJETO DE ESTUDO: A ECONOMIA AGRRIA

    Poderamos comear dizendo que a Economia Agrria a parte dos

    estudos econmicos destinada compreenso das relaes de produo,

    consumo e distribuio do mundo rural, agrcola ou agrrio. Contudo,

    mesmo no estando totalmente errada, seria uma forma muito resumida

    de apresentar a disciplina que vamos estudar, pois essa definio acaba

    por no deixar claro o carter humano e socialmente aplicado das cha-

    madas Cincias Econmicas.

    Antes de abordarmos a economia agrria propriamente dita

    preciso relembrar o conceito mais geral de Economia, muitas vezes apre-

    sentada como a cincia que estuda a interao entre uma oferta limitada

    e uma demanda ilimitada, grosseiramente apelidada de Lei da Escassez.

    Devemos entender a Economia como uma cincia humana social-

    mente aplicada que se preocupa com as relaes sociais de produo.

    Dito isso, fica claro, portanto, que, para se entender a Economia Agrria

    necessrio explicitar as aes e relaes no apenas dos homens com

    a natureza, mas tambm deles com eles mesmos, o que ficar mais claro

    na medida em que formos avanando em nosso estudo.

    Mas o que Economia Agrria?

    Correndo o risco de ser bastante generalista, podemos definir Eco-

    nomia Agrria como a parte da Economia que se preocupa em entender

    a produo, distribuio e o consumo de produtos agropecurios e as

    relaes sociais presentes neste processo.

    Economia Agrria ou Agrcola?

    INTRODUO

  • CEDERJ 9

    AU

    LA 1

    No podemos nos confundir quanto a isto: a Economia Agrcola

    tem um foco mais especfico voltado produo propriamente dita,

    tentando responder a questes, como: O que produzir? Onde produzir?

    Quanto produzir? J a Economia Agrria abre o leque de perguntas, inse-

    rindo questes como: Quem produz? Quem consome? Como est orga-

    nizada a produo? Quais as relaes de trabalho presentes no campo?

    Em sntese, em Economia Agrcola, podemos dizer que a terra

    um fator de produo que, somada ao capital e ao trabalho, gera

    mercadorias para satisfazer as necessidades humanas. Mas, dentre as

    preocupaes da Economia Agrria, a terra no apenas um fator de

    produo, tambm um lcus de produo e reproduo social, isto

    , local onde se produzem mercadorias, vive-se, trabalha-se, onde as

    pessoas relacionam-se, moram, criam seus filhos e criam tambm uma

    identidade comum, compartilhada entre seus pares.

    Quem so essas pessoas que vivem, trabalham e criam seus filhos

    na terra? Essa pergunta pode parecer simples, mas no . Ser um cam-

    pons, agricultor, empresrio rural, fazendeiro, trabalhador sem terra,

    meeiro, sitiante, colono...? Muitos so os debates e controvrsias em

    torno dos que vivem e trabalham no mundo rural, debates estes que

    transcendem a Economia Agrria.

    As aes e relaes sociais de produo que se estabelecem no

    mundo rural no so exclusividade da economia. Outras cincias tam-

    bm tm esta preocupao, resultando da o termo Questo Agrria,

    muito pesquisada em todo o conjunto de cincias humanas, da terra e

    sociais aplicadas.

    Convencionou-se chamar de questo agrria o conjunto dos pro-

    blemas relativos produo e reproduo social no campo dentro do

    capitalismo. Nunca demais reforar que o capitalismo desenvolve-se

    historicamente como um modo de produo desigual e contraditrio.

    A penetrao do capitalismo no campo no poderia se dar em outros

    termos; portanto, o desenvolvimento capitalista da agropecuria e das

    relaes sociais de produo que permeiam o mundo rural tambm

    caracterizado pelo processo desigual e contraditrio do capitalismo.

    Buscar entender melhor estas questes ser nossa tarefa nesta

    disciplina.

  • Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico

    CEDERJ10

    A fISIOCRACIA E A TERRA ENqUANTO NICA fONTE DE GERAO DE RIqUEzA

    Antes mesmo de existir uma teoria sistematizada que pudesse ser

    chamada de Economia, um grupo de pensadores franceses, aproxima-

    damente na dcada de 1750, construiu uma teoria antimercantilista,

    focada na importncia da produo, a fisiocracia, tendo como base de

    sua argumentao a ideia de que apenas a terra (ou a natureza) seria

    capaz de produzir riqueza.

    Lembremos que o mercantilismo

    h e g e m o n i z o u a prtica poltica e econmica das potncias europeias at o sculo

    XVIII. As principais caractersticas do mercantilismo eram:

    a) balana comercial favorvel, ou seja, exportar mais e importar menos, gerando supervit;

    b) um Estado protecionista, de modo a garantir este supervit, valendo-se para isso inclusive dos pactos coloniais;

    c) a ideia metalista que baseava a riqueza de uma nao pela quantidade de metais preciosos que

    ela possua, especialmente ouro e prata.

    ?he g e m o n i z o u

    Diz respeito domi-nao poltica e eco-nmica de um povo sobre o outro.

    Para a economia fisiocrata, s a agricultura gerava produto lqui-

    do um excedente em relao aos custos agrcolas , o qual, transferido

    aos proprietrios fundirios na forma de renda da terra, seria a causa

    ou o motor do desenvolvimento de uma nao.

    Em sntese, para os fisiocratas, como Franois Quesnay (1694-

    1774), seu principal expoente, existiam na economia trs classes bem

    distintas. O quadro a seguir apresenta a caracterizao delas nas palavras

    do prprio autor.

  • CEDERJ 11

    AU

    LA 1

    Fonte: Quesnay (1996, p. 211).

    figura 1.1: Franois Quesnay.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fran% C3%A7ois_Quesnay.jpg

    A classe produtiva

    a que faz renascer, pelo cultivo do territrio, as riquezas anuais da nao, efetua os adiantamen-tos das despesas com os trabalhos da agricultura

    e paga anualmente as rendas dos proprietrios de terras. Englobam-se no mbito dessa classe todos os trabalhos e despesas feitas na agricultura, at a venda dos produtos em primeira mo; por ven-da conhece-se o valor da reproduo anual das

    riquezas da nao.

    A classe dos proprietrios

    Compreende o soberano, os possuidores de terras e os dizimeiros. Essa classe subsiste pela renda

    ou produto lquido do cultivo da terra, que lhe pago anualmente pela classe produtiva, depois

    que esta descontou, da reproduo que faz renas-cer cada ano, as riquezas necessrias ao reembol-so de seus adiantamentos anuais e manuteno

    de suas riquezas de explorao.

    A classe estril

    formada por todos os cidados ocupados em outros servios e trabalhos que no a agricultura e cujas despesas so pagas pela classe produtiva e pela classe dos proprietrios, os quais, por sua

    vez, tiram rendas da classe produtiva.

    quadro 1.1: Trs classes na economia, segundo Quesnay

  • Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico

    CEDERJ12

    Desta diviso entre classes e das transaes comerciais e finan-

    ceiras estabelecidas entre elas, Quesnay criou o Tableau conomique

    (do francs, quadro econmico). O tableau foi uma tentativa fisiocrata

    de demonstrar como o produto lquido gerado na agricultura se movi-

    mentava em toda a economia na forma de pagamentos de compras

    estabelecidas no circuito econmico.

    Abaixo temos uma das ilustraes feitas pelo prprio Quesnay

    (1996, p. 21) para demonstrar sua argumentao:

    Figura 1.2: Tableau conomique frmula do quadro econmico.

    Fonte: QuEsnAy, 1996, p. 21)

    A tentativa de explicar a maior ou menor riqueza de uma nao

    a partir do seu desenvolvimento agrcola tem seus mritos, e um destes

    o fato de a anlise estar pautada na observao emprica da realidade, o

    que propiciou um conjunto de polticas econmicas que tinha a produo

    agrcola como eixo central.

  • CEDERJ 13

    AU

    LA 1

    Outro mrito a considerar o contedo antimercantilista, que,

    alm de questionar a ideia de riqueza diretamente relacionada quanti-

    dade de metais preciosos de uma nao, tambm representou uma dura

    crtica ao intervencionismo do Estado na economia, apresentando a

    poltica do laissez-faire, isto , expresso poltica para um mercado que

    funciona livre e sem interferncia, algo muito propalado at os dias atuais.

    Vimos que para os fisiocratas as trs classes que existem na economia tm papis muito bem definidos. Faa um pequeno texto sintetizando estes papis.

    Resposta ComentadaPara esta atividade, o poder de entendimento e sntese fundamental. A primeira

    classe a considerada produtiva, ou seja, aquela que trabalha na terra e respon-

    svel pela riqueza do pas, gerada pela venda dos produtos produzidos por ela s

    demais classes. A classe dos proprietrios vive do aluguel de suas terras, ou renda

    da terra. Todo o resto da economia representado, segundo a fisiocracia, pela

    classe estril, que produz todas as outras mercadorias e servios da economia.

    Atividade 111

  • Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico

    CEDERJ14

    Por que os fisiocratas eram considerados antimercantilistas?

    Resposta ComentadaComece sua resposta lembrando que os fisiocratas foram pioneiros na defesa

    do liberalismo econmico e que os mercantilistas defendiam a interveno do

    Estado para o desenvolvimento dos interesses mercantis da nao. Dito isso, uma

    resposta padro poderia ser: Os mercantilistas se valiam da ao do Estado para

    favorecer os interesses dos exportadores e gerar uma balana comercial favorvel,

    valendo-se tambm de fortes restries importao, contrariando o principio

    fisiocrata do Laissez-faire ou, em outras palavras, mercado livre.

    Atividade 2

    DAvID RICARDO E A RENDA DA TERRA

    Em sentido oposto ao da fisiocracia, para David Ricardo (1772-

    1823) um dos principais representantes do liberalismo econmico

    o foco central da economia, em termos gerais, estava na eficincia

    da agricultura e no modo como esta eficincia condicionava salrios e

    insumos industriais.

    Podemos considerar a formalizao terica de Ricardo bem mais

    elaborada e consistente que a dos fisiocratas e, de Thomas Malthus (seu

    contemporneo que estudaremos a seguir). Ricardo conseguiu, sua

    poca, identificar contradies do sistema econmico que, exacerbadas ,

    levariam a uma crise profunda e generalizada; por isso ficou conhecido

    como um economista pessimista.

    Para o autor, o deslocamento da produo agrcola para terrenos

    de menor fertilidade e mais distantes dos centros de consumo geraria um

    aumento nos custos de produo e um aumento do preo dos alimentos, o

    ex a c e r b a d a s

    tornar mais intenso.

    1

  • CEDERJ 15

    AU

    LA 1

    que, por consequncia, provocaria a necessidade de aumentar os salrios

    dos trabalhadores para que estes conseguissem adquirir o necessrio para

    a sobrevivncia. Diante disto, Ricardo vai concluir que, com o aumento

    dos custos de produo e tambm o aumento dos salrios, o resultado

    seria uma compresso da taxa de lucro dos capitalistas, que devido

    concorrncia no poderiam aumentar na mesma proporo os preos

    dos seus produtos.

    figura 1.3: David Ricardo.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:David_ricardo.jpg

    No pensamento ricardiano, o produto da terra era a principal ques-

    to da Economia Poltica. Nas palavras do prprio Ricardo (1996, p. 19):

    O produto da terra tudo que se obtm de sua superfcie pela

    aplicao combinada de trabalho, maquinaria e capital divide-se

    entre trs classes da sociedade, a saber: o proprietrio da terra,

    o dono do capital necessrio para seu cultivo e os trabalhadores

    cujos esforos so empregados no seu cultivo.

    Outro avano que podemos elencar em relao ao pensamento

    fisiocrata a separao entre trabalhadores e donos do capital e tambm

    a identificao mais precisa dos ganhos das classes sociais do sistema

    capitalista. Veja a seguir como Ricardo identificou essas classes:

  • Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico

    CEDERJ16

    1) Os donos da terra, que recebem renda por sua condio de

    proprietrios fundirios;

    2) Os capitalistas, que tm o capital necessrio ao cultivo da terra,

    recebendo lucros; e

    3) Os trabalhadores, que, empregados no cultivo da terra, recebem

    salrios por servios prestados.

    As propores do produto total da terra destinadas a cada uma das

    classes (proprietrio de terra, dono do capital e trabalhadores, designadas

    sob os nomes da renda, lucro e salrio), eram essencialmente diferentes,

    dependendo principalmente da fertilidade do solo, da acumulao de

    capital e de populao e, entre outros, dos instrumentos empregados

    na agricultura.

    Pense no modelo de Ricardo e reflita sobre esta frase: quem

    determina o preo dos produtos agrcolas a terra de menor fertilidade

    e, portanto, com maior custo.

    Se partirmos da ideia de que as primeiras terras (Terra 1, depois

    Terra 2, depois Terra 3 etc.) sejam mais frteis e mais bem localizadas

    como queria Ricardo, fica fcil entender por que, para o autor, existia

    uma Lei de Rendimentos Decrescentes na agricultura que se estenderia

    por toda a economia, gerando uma queda na taxa de lucros dos capi-

    talistas e, por fim, a crise. Quanto mais se avana nas terras de menor

    fertilidade por conta do crescimento econmico, aumento da populao,

    entre outras variveis, mais o custo aumenta.

    A Lei de Rendimentos Decres-

    centes define que quanto mais se aumenta a quantidade de um fator varivel

    (mantendo-se fixos os demais fatores e a quanti-dade), a produo aumenta a taxas crescentes. E aps

    determinado ponto, com o aumento da utilizao do fator varivel, a produo decresce. O exemplo mais ilustrativo o caso do cultivo de determinada quantidade de terra. Dois trabalhadores rurais em 10 hectares produzem mais que um, trs produzem ainda mais; contudo, se colocar-

    mos 100 trabalhadores ningum produzir nada por falta de espao. A quantidade de trabalhadores

    aumentou, mas o tamanho da terra ficou fixo, com os mesmos 10 hectares.

    ?

  • CEDERJ 17

    AU

    LA 1

    Na verdade, o que acontece que os produtores capitalistas

    acabam, por fora da concorrncia, tendo margens de lucros prximas.

    Quem acaba por se apropriar do valor a mais gerado pela diferena entre

    as diferenas de fertilidade o dono da terra, ou, em termos atuais, o

    latifundirio. Em outras palavras: quanto maior o crescimento econmi-

    co, mais terras menos frteis so demandadas e, devido produtividade

    decrescente da agricultura, menores so as parcelas de lucros em detri-

    mento do aumento da renda apropriada pelos donos da terra.

    Como j explicado nas pginas anteriores, para Ricardo existem

    trs classes econmicas: o trabalhador, o capitalista e o proprietrio. Ou

    seja, o proprietrio da terra, que vive da renda da terra, no o mesmo

    que cultiva a terra e vive de salrios, nem o mesmo que emprega seus

    recursos financeiros (investimento) para o cultivo dela.

    Por fim, lembremos que Ricardo um dos principais represen-

    tantes do liberalismo econmico; portanto, sua argumentao tambm

    colide com as restries s importaes de trigo que vigoravam na poca,

    conhecidas como Corn Laws.

    As Corn Laws surgiram na Inglaterra como uma forma de diminuir a concorrncia do comrcio de trigo ou milho da Frana e outros pases. se quiser saber mais detalhes sobre esse assunto, acesse o link:http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2002/07/22/000.htm.

    Esta uma simplificao muito limitada do modelo de evoluo

    da renda fundiria de David Ricardo. Ela deixa claro que, para Ricardo,

    existia um limite ao crescimento econmico que seria dado pelos prprios

    limites da terra e dos recursos naturais, pois a continuidade do processo

    de produo e desenvolvimento nacional e o consequente aumento da

    populao, impelem o cultivo de terras cada vez menos frteis, com

    custos crescentes ou rendimentos decrescentes.

  • Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico

    CEDERJ18

    Com base no que voc aprendeu at agora, trace um paralelo das diferenas principais entre o pensamento de Ricardo e dos fisiocratas, no que se refere ao papel da terra no crescimento econmico.

    Resposta ComentadaRicardo tem uma teoria bem mais elaborada que a de seus antecessores, a

    comear por identificar nas classes que compem a economia o trabalhador e

    tambm a parte da renda de que cada classe se apropria, isto , salrios aos

    trabalhadores, renda da terra aos proprietrios e lucros aos capitalistas. Outra mar-

    cante diferena que, para os fisiocratas, a natureza ou a terra a principal fonte

    de riqueza, sem necessariamente apresentar limites estruturais de estagnao. J

    em Ricardo a eficincia na produo agrcola que cumpre importante papel no

    crescimento; contudo, o necessrio uso de terras cada vez menos frteis tende

    a aumentar os custos e reduzir os lucros no apenas da agricultura, mas em

    toda a economia, criando limites ao crescimento econmico.

    Atividade 3

    MAlThUS, SUpERpOpUlAO E A CRISE DE AlIMENTOS

    Contemporneo de David Ricardo, Thomas Malthus (1776-1834)

    foi o autor de umas das teorias mais popularizadas e conhecidas at hoje

    pelo senso comum: a teoria populacional ou teoria da superpopulao.

    Obervando o crescimento populacional dos Estados Unidos, Malthus

    concluiu que a cada 25 anos a populao dobrava, ao passo que a pro-

    duo de alimentos na Gr-Bretanha cresceria a uma taxa bem menor

    no mesmo perodo. Segundo Malthus (1996, p. 246):

    Ento, adotando meus postulados como certos, afirmo que o

    poder de crescimento da populao indefinidamente maior do

    que o poder que tem a terra de produzir meios de subsistncia

    para o homem. A populao, quando no controlada, cresce numa

    progresso geomtrica. Os meios de subsistncia crescem apenas

    numa progresso aritmtica.

    2

  • CEDERJ 19

    AU

    LA 1

    figura 1.4: Thomas Malthus.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Thomas_Malthus.jpg

    O contexto de sua anlise o decorrente da Revoluo Industrial.

    Influenciado por este contexto, marcado pelo crescimento da pobreza, de

    pestes e morte, o economista e demgrafo ingls concluiu que a populao

    estava crescendo em progresso geomtrica, entretanto, a produo de ali-

    mentos crescia em progresso aritmtica, isto , a produo de alimentos no

    acompanhava o crescimento da populao, o que geraria aumento da pobreza

    e da mortandade. Podemos supor ento que, em um dado espao de tempo,

    para Malthus, o crescimento da populao superaria em muito o crescimento

    da produo de alimentos. Podemos ilustrar isto no grfico abaixo:

    figura 1.5: Grfico de teoria de Malthus sobre o supercrescimento populacional.

  • Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico

    CEDERJ20

    Mesmo com estatsticas comprovadamente falhas, Malthus tem

    seus mritos ao deixar claro que, para os pensadores liberais, a pobreza

    de responsabilidade dos pobres. Na apresentao que Sandroni (1999,

    p. 363) faz de Malthus, o autor destaca que A nica forma de evitar

    essas catstrofes seria negar toda e qualquer assistncia s populaes

    pobres e aconselhar-lhes a abstinncia sexual, com o fim de diminuir a

    natalidade. Infelizmente, essa uma viso ainda corriqueira nos dias

    atuais. Quantas vezes j lemos ou ouvimos algum dizer que o desem-

    prego culpa da preguia do desempregado, ou que a pobreza est na

    alma do pobre, ou ainda que polticas sociais compensatrias, como por

    exemplo, o bolsa-famlia, estimulam os pobres a ter mais filhos? Vale a

    pena pensar sobre isso!

    Voltando ao nosso assunto central, na viso malthusiana, com o

    crescimento populacional a quantidade de trabalhadores querendo tra-

    balhar seria maior que a quantidade de emprego oferecida no mercado.

    Em linguagem econmica: a oferta de trabalho maior que a demanda

    por trabalhadores. Com este desequilbrio, os salrios naturalmente

    cairiam e cabia aos trabalhadores entenderem e aceitarem tal situao.

    Para piorar o contexto, com a populao crescendo mais que a

    produo de alimentos, o preo da comida subiria. Em outras palavras:

    salrios caindo e preo dos alimentos subindo, resultando em pobreza,

    fome e morte, tendo esta um papel especial para reequilibrar tempora-

    riamente a situao.

    Muitas foram as mudanas ocorridas com a Revoluo Industrial,

    tais como produo em massa, barateamento dos produtos e estmulo

    ao consumo, xodo rural e produo agrcola direcionada indstria.

    Outras tantas mudanas, nos sculos seguintes, no que se refere a adu-

    bos, fertilizantes e maquinrios, alteraram radicalmente a produo e as

    formas de trabalho na agricultura. Essas mudanas foram determinadas

    e determinantes para que o capitalismo penetrasse no campo, com signi-

    ficativo aumento da produo e da produtividade e drsticas alteraes

    nas relaes de trabalho, tanto no espao urbano quanto no rural.

    Muitas das teses sobre o papel da terra e da agricultura para o

    desenvolvimento do capitalismo que vigoravam at esse perodo caram em

    descrdito ou desuso, outras se fortaleceram; dentre elas destaca-se a de que

    a agricultura passa a ter um papel subordinado grande indstria, impactan-

    do na existncia dos camponeses, tema que estudaremos na prxima aula.

  • CEDERJ 21

    AU

    LA 1

    Voc acredita que podemos responsabilizar os pobres por sua prpria pobreza, como queria Malthus?

    Resposta ComentadaObviamente, tal pergunta tem uma margem muito grande para possveis respostas

    de diversas formas, entretanto acreditamos ser um equvoco culpar os pobres por

    sua condio de misria. Os limites estruturais que o prprio capitalismo impe

    a uma apropriao de riqueza mais igualitria deixam claras as dificuldades em

    eliminar a pobreza como um todo. Aqui a capacidade de argumentao e susten-

    tao de sua resposta mais importante do que uma resposta propriamente dita.

    Atividade 4

    A partir da leitura feita at aqui, o que podemos dizer sobre o papel da terra no desen-volvimento econmico para os autores estudados?

    Resposta ComentadaA terra vista pelos fisiocratas era a varivel mais importante para o desenvolvimento de

    uma nao. Isto se justifica quando contextualizamos os autores em seu tempo histrico.

    Com o desenvolvimento do prprio capitalismo, o modo de ver a importncia da terra

    passou a estar conectado com os demais setores da economia. Entretanto, ainda ana-

    lisando as contribuies que vimos at agora, o mundo ainda no conhecia tratores,

    insumos qumicos e equipamentos modernos e por isso a fertilidade decrescente do

    solo ou um desequilbrio entre a populao e a quantidade de alimentos passou a

    ser uma temtica recorrente e preocupante desses pensadores.

    Atividade Final

    2

    3

  • Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico

    CEDERJ22

    INfORMAO SOBRE A pRXIMA AUlA

    na prxima aula, daremos continuidade ao estudo da importncia da

    agricultura para o desenvolvimento capitalista, mas sob outra vertente: a

    de Marx e dos marxistas. Este debate muito importante no apenas por

    seu peso histrico como por sua influncia nas interpretaes da questo

    agrria nacional desenvolvidas por grandes intelectuais brasileiros.

    uma das primeiras formalizaes tericas de relevncia sobre o papel

    da terra e da agricultura na riqueza de um pas pode ser encontrada na

    escola fisiocrata. Em grande medida, no pensamento dos economistas

    da escola fisiocrata era o excedente agrcola que gerava a riqueza e

    possibilitava a conduo das outras atividades econmicas (consideradas

    atividades estreis) de outros setores no agrcolas. David Ricardo, contrrio

    a esta viso, considerou que o uso cada vez mais necessrio de terras menos

    frteis determinaria custos maiores e lucros menores, o que resultaria em

    crise na economia. Por fim, Malthus, to pessimista quanto Ricardo, previu

    que o crescimento da populao superaria o da produo de alimentos,

    resultando tambm em crise, fome e morte.

    R E S U M O

  • objet

    ivos Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:

    identificar as principais contribuies de Marx e dos autores marxistas sobre a penetrao do capitalismo na agricultura e suas consequncias.

    apresentar a ideia de economia camponesa como uma estrutura econmica no capitalista.

    compreender o debate marxista sobre o fim ou no do campesinato no desenvolvimento do capitalismo.

    2O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistasJoelson Gonalves de Carvalho AULA1

    2

    3

    Meta da aula

    Apresentar as anlises marxistas sobre a questo agrria e suas teses, que variaram entre pregar

    o fim do campesinato at sua anlise como uma estrutura no capitalista.

  • Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas

    CEDERJ24

    Nesta aula, apresentaremos um importante debate, protagonizado por Marx

    e os marxistas de maior destaque no que tange questo agrria. Este debate

    foi fundamental para que os problemas decorrentes da patente penetrao

    do capitalismo no campo fossem enfrentados e ganhassem um corpo terico

    que passou a ser denominado de questo agrria.

    As diversas anlises inseridas neste debate contriburam de modo muito signi-

    ficativo para a compreenso das contradies inerentes ao prprio capitalismo

    de maneira mais geral e, de modo mais especfico, como estas contradies

    manifestam-se no campo.

    MARX E O pApEl SUBORDINADO DA AGRICUlTURA

    No fcil apresentar o pensamento de Karl Marx (1818-1883)

    em poucas linhas, mas em um esforo de sntese vamos partir do mundo

    de ampla concorrncia, desenhado por David Ricardo, com dois prota-

    gonistas: os capitalistas (aqueles que so donos dos meios de produo)

    e os trabalhadores (que tm apenas a fora de trabalho para vender).

    Marx coloca-nos a pensar: como haveria lucro, se todas as mercadorias

    fossem vendidas a um preo honesto e justo?

    figura 2.1: Karl Marx.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Marx1867.jpg

    Sua obra ensina-nos que o lucro ser extrado da mercadoria

    fora de trabalho, uma vez que o trabalhador recebe apenas o neces-

    srio para sua subsistncia, mas produz, com seu trabalho, mais valor

    INTRODUO

  • CEDERJ 25

    AU

    LA 2

    do que recebe. Ou seja, o trabalhador recebe menos do que produz e a

    diferena entre esses valores conhecida como mais-valia fica com o

    capitalista, na forma de lucros. Em outras palavras, o lucro tem origem

    no trabalho no pago, denominado mais-valia.

    Em termos atuais, poderamos dizer que, se os salrios fossem

    justos, no haveria lucro; portanto, o trabalhador sempre recebe menos

    do que gera ao patro.

    A mais-valia consiste no valor do trabalho no pago

    ao trabalhador, isto , na explorao exercida pelos capitalistas sobre seus assa-

    lariados. Marx, assim como Adam smith e David Ricardo, considerava que o valor de toda mercadoria

    determinado pela quantidade de trabalho socialmen-te necessrio para produzi-la. sendo a fora de trabalho

    uma mercadoria cujo valor determinado pelos meios de vida necessrios subsistncia do trabalhador (alimentos, roupas, moradia, transporte etc.), se este trabalhar alm de um determinado nmero de horas, estar produzin-do no apenas o valor correspondente ao de sua fora

    de trabalho (que lhe pago pelo capitalista na forma de salrio), mas tambm um valor a mais,

    um valor excedente sem contrapartida, denominado por Marx de mais-valia

    (sAnDROnI, p. 363).

    ?Voltando ao raciocnio inicial, a competio entre os capitalistas

    faz necessrio que eles expandam suas atividades econmicas para se

    destacarem em relao aos seus concorrentes.

    Para Ricardo, como vimos na aula anterior, os salrios tenderiam a

    subir e os lucros tenderiam a cair, mas na anlise de Marx no. Para esse

    autor, os capitalistas passam a introduzir, no processo de concorrncia,

    mquinas e equipamentos que, por sua vez, reduzem a utilizao de mo

    de obra, gerando desemprego e um e x r c i t o i n d u s t r i a l d e r e s e rva ,

    que tende a forar os salrios a nveis muito baixos.

    ex r c i t o i n d u s t r i a l d e r e s e rva

    uma expresso empregada por Karl Marx para designar o conjunto dos tra-balhadores desem-

    pregados em decor-rncia do emprego de novas mquinas

    e equipamentos, de jovens que no

    encontram trabalho ou ainda de traba-lhadores agrcolas

    expulsos do campo pela mecanizao da

    agricultura.

  • Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas

    CEDERJ26

    O problema que, se todos os capitalistas agirem assim, eles iro

    reduzir a quantidade de trabalhadores em suas firmas, reduzindo sua

    fonte do lucro que o trabalho no pago e consequentemente geran-

    do crises do sistema capitalista, crises estas que podem ser seguidas por

    perodos de crescimento, pois as firmas que entram em falncia colocam

    disposio mquinas e equipamentos baratos alm de mais desempre-

    gados que pressionam os salrios ao mnimo necessrio subsistncia.

    Mas o processo recomea e as prximas crises sempre so mais

    profundas que as ltimas, devido ao processo constante de concentrao

    do capital, que consiste na compra de empresas menores por empresas

    maiores. Entretanto, todo este processo no se d revelia do campo e

    das atividades rurais, pelo contrrio.

    Na medida em que o desenvolvimento da indstria cria demanda

    de produtos especficos, como a l, por exemplo, isso impacta diretamen-

    te no modo de produo campons, que agora tem mais mercado para

    seu produto. Ao mesmo tempo, para ofertar l com preo baixo que a

    indstria queira pagar, o campons ter de aumentar sua produtividade,

    incrementando, por exemplo, os cuidados com as pastagens, trocando

    adubo orgnico (fezes de animais) por fertilizantes qumicos.

    O aumento da produtividade buscado pelo campons para que

    ele consiga ofertar sua matria-prima com um menor preo, mais atrativo

    indstria, contudo, neste processo seu custo tende a aumentar.

    No final, para conseguir ter uma produo adequada aos interesses

    da indstria, o campons ter de se especializar cada vez mais em uma

    nica produo (no caso, ovelhas para a produo de l) e vai acabar

    deixando de produzir, inclusive, gneros alimentcios que antes ocupa-

    vam parte de sua terra e de seu dia de trabalho, tendo de os adquirir

    no mercado.

  • CEDERJ 27

    AU

    LA 2

    Se observarmos esta pequena histria, percebemos que o campons

    que antes era autossuficiente, produzindo para si e sua famlia agora

    vende um produto indstria para, em seguida, com o dinheiro recebido,

    comprar outros produtos tambm da indstria.

    Aos poucos, o campons foi deixando de ser autnomo. Muitos

    no conseguiram se adequar s novas tcnicas e acabaram sendo expulsos

    do campo, partindo para as cidades em busca de emprego na condio

    de proletrios. No final, a grande propriedade que conseguiu assimilar

    novas tcnicas e acompanhou o desenvolvimento da indstria foi a que

    se sobressaiu e que hoje tem sua produo subordinada aos interesses

    do capital industrial.

    A partir da patente penetrao do capitalismo no campo, com

    significativo aumento da produo e da produtividade e de drsticas

    alteraes nas relaes de trabalho, tanto no espao urbano quanto no

    rural, Karl Marx vai concluir que, ao contrrio do que os fisiocratas e

    Ricardo supunham, a agricultura passa a ter um papel subordinado

    grande indstria. Para Marx:

    Na esfera da agricultura, a grande indstria atua de modo mais

    revolucionrio medida que aniquila o baluarte da velha socie-

    dade, o campons, substituindo-o pelo trabalhador assalariado

    (1996, p. 132, grifos nossos).

    A A I I A IAntes a agricultura era autossuficiente.

    O que era produzido era consumido i n l o c o

    pela famlia ou era usado para garantir

    a nova produo (agrcola ou pecuria).

    Com a constituio do capitalismo, a agricul-tura passa a produzir

    gneros agrcolas, espe-cialmente alimentcios,

    para o mercado.

    Com a consolidao do ca-pitalismo industrial, a agri-cultura passou a ser uma

    ilha de produo. Primeiro tem que comprar insumos e ferramentas da indstria e depois vender a produo

    para a mesma.

    figura 2.2: O processo de penetrao do capitalismo no campo

    in l o c o

    uma expresso em latim que designa

    no local.

  • Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas

    CEDERJ28

    Com certeza, Marx um autor bastante controverso e, mesmo no

    tendo tratado sistematicamente o tema da terra, a influncia de sua obra

    foi maior do que a de muitos trabalhos completos sobre o tema e pode

    ser notada especialmente nas obras de Lnin, Kautsky e Chayanov. Esse

    debate, com seus diversos vieses, contribuiu para o avano dos estudos

    agrrios, especialmente por reconhecerem a conflitualidade, enquanto

    conceito importante para entender os determinantes estruturais da ques-

    to agrria no capitalismo.

    Antes de analisarmos as principais contribuies dos autores dessa

    vertente terica, bom explicar o arcabouo ideolgico por trs de suas

    contribuies. A renda da terra passou a ser discutida por tericos mar-

    xistas, associada ao processo de diferenciao e de recriao do campe-

    sinato decorrentes do desenvolvimento do capitalismo no campo. Neste

    sentido, destacaram-se os trabalhos de Kautsky (1986), Lnin (1985) e

    Chayanov (1981). Estes autores so socialistas, mas os dois primeiros

    acreditavam que o socialismo surgiria enquanto uma fase posterior do

    capitalismo e que seria mais forte quanto mais desenvolvidas estivessem

    as foras capitalistas, o ltimo acreditava em uma economia camponesa

    no capitalista, como veremos mais adiante.

    Por isso, estes autores e diversos outros de orientao marxista

    pregam o fim do campesinato como condio essencial para o pleno

    desenvolvimento das foras capitalistas no campo e, por consequncia,

    na sociedade. Deste modo, com o pleno desenvolvimento das foras

    capitalistas operando, haveria espao para a transio da sociedade

    capitalista para uma sociedade socialista.

    lNIN E O pROCESSO DE DIfERENCIAO DO CAMpESINATO

    Vladimir Lnin (1870-1924) foi o principal lder da Revoluo

    Russa, influente pensador e autor de importantes obras sobre o desenvol-

    vimento capitalista e suas contradies. Destaca-se, especificamente para

    nosso tema, a obra O desenvolvimento do capitalismo na Rssia, escrita

    originalmente em 1899, na qual o autor marxista e revolucionrio

    explica como o capitalismo, enquanto fase transitria para o socialismo,

    mudaria as relaes sociais at ento presentes na agricultura. Lnin

    via que a evoluo do capitalismo no campo acelerava e aprofundava

  • CEDERJ 29

    AU

    LA 2

    as contradies na comunidade camponesa, destruindo-a, liberando,

    portanto, os camponeses (agora desempregados) para a formao do

    proletariado urbano.

    figura 2.3: Vladimir Lnin.Fonte: http://commons.wikime-dia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_183-71043-0003,_Wladi-mir_Iljitsch_Lenin.jpg

    Este processo, denominado pelo autor como diferenciao do

    campesinato, consistia em uma ao do capitalismo que buscava criar

    seu prprio mercado onde antes ainda no havia penetrado. De modo

    esquemtico, seria assim o processo gradual de diferenciao do cam-

    pesinato no capitalismo:

    Os camponeses ricos caracterizados como aqueles que empre-

    gam a fora de trabalho de camponeses pobres e que poderiam

    se tornar capitalistas;

    Os camponeses mdios caracterizados como aqueles que podem

    ou no empregar a fora de trabalho dos camponeses pobres,

    possuindo retorno suficiente para manter os seus estabelecimentos

    e atender s demandas de suas famlias;

    Os camponeses pobres caracterizados como aqueles que so

    impelidos a vender sua fora de trabalho a outros camponeses e

    tendem a ser desintegrados e a se transformarem em proletariado.

  • Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas

    CEDERJ30

    bom saber que a Rssia em que Lnin escreve um pas com

    significativos resqucios feudais e com uma indstria muito incipiente.

    Este quadro propiciou o surgimento de muitos ativistas polticos, com os

    quais Lnin vai debater, que acreditavam que ali poderia nascer um pas

    comunista sem necessariamente passar pela fase do capitalismo, como

    queria Marx, tese esta denominada socialismo agrrio.

    O feudalismo entendido como uma organizao social e econ-

    mica tpica da Idade Mdia europeia, caracteri-zada pelo sistema de grandes propriedades territoriais isoladas (feudos) pertencentes nobreza e ao clero e trabalhadas pelos servos da gleba, numa economia de subsistncia (sAnDROnI, 1999, p. 237). A Rssia foi o

    ltimo pas do mundo a sair do feudalismo, com a servido sendo extinta apenas em 1861.

    ?Este pensamento influenciou muitos militantes, membros da

    elite urbana, conhecidos como narodniks ou populistas russos. Para os

    populistas, a baixa produo e a quase autossuficincia do campesinato

    russo colocariam em risco o pleno desenvolvimento do capitalismo na

    Rssia, pela ausncia de mercado interno para produtos industrializados.

    O crescimento do capitalismo industrial na Rssia, para os populistas,

    seria artificial e problemtico na medida em que desarticularia a economia

    camponesa, limitando ainda mais o pequeno mercado interno (NETTO,

    1985). Esta tese estava equivocada na medida em que Lnin

    demonstra que a runa dos camponeses no implica a liquidao

    do mercado interno para o capitalismo ao contrrio, uma

    consequncia necessria do processo de emergncia e evoluo do

    capitalismo que promove a industrializao e que acelera e apro-

    funda os antagonismos que, j existentes no bojo da comunidade

    camponesa, desintegram o campesinato e liberam massas para a

    formao do proletariado (NETTO, p. XV).

  • CEDERJ 31

    AU

    LA 2

    Observamos que, para Lnin, a desintegrao do campesinato era

    certa e ocorreria na medida em que parte dos camponeses se transforma-

    ria em patres e parte em operrios agrcolas. Lnin, obviamente, estava

    ciente dos males que o desenvolvimento do capitalismo poderia gerar,

    como o aumento da concentrao da riqueza e consequente aumento

    da pobreza. Contudo, pelo seu vis marxista, estava convencido de que

    para a melhor transio possvel para o socialismo, a Rssia deveria ter

    uma agricultura mais eficiente, com maior produtividade, o que, pela

    marcante presena de relaes feudais, no era possvel, argumento este

    compartilhado, com algumas especificidades, pelo colega alemo Kautsky.

    KAUTSKy E A TESE DE RECRIAO DO CAMpESINATO

    Karl Kautsky (1854-1938) foi um dos principais tericos mar-

    xistas da Alemanha e teve forte influncia na poltica de seu pas. Sua

    principal obra foi A questo agrria, escrita em 1899, trabalho no qual

    ratifica que o desaparecimento do campesinato uma condio para a

    implantao do socialismo, alm de ser a primeira obra sistemtica sobre

    como o capitalismo penetra na agricultura.

    figura 2.4: Karl Kautsky.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Karl_Kautsky_01.jpg

    O autor estudou o desenvolvimento do capitalismo no campo

    em um perodo marcado pela crescente industrializao e fez questo

    de deixar claro que o grande estabelecimento agropecurio tem supe-

  • Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas

    CEDERJ32

    rioridade em relao ao pequeno no que tange produtividade. bom

    ter em mente que, ao contrrio de Lnin, Kautsky est escrevendo em

    um pas que apresenta elevado grau de industrializao e com intensas

    relaes entre os meios urbano e rural.

    As necessidades da sociedade e as condies impostas por essa

    mesma sociedade orientam o desenvolvimento no sentido da evoluo

    para o grande estabelecimento social cuja forma suprema rene em uma

    entidade firme e nica a agricultura e a indstria. Em resumo, a tese

    central de Kautsky a de que o desenvolvimento da agricultura segue

    o caminho da indstria.

    Obviamente, isto um processo e, partindo de uma anlise mar-

    xista, o autor vai verificar que, na medida em que o capital apodera-se

    da agricultura, ele tambm a revoluciona, tornando insustentveis as

    velhas e arcaicas formas de produo, favorecendo, em ltima instncia,

    o grande estabelecimento agrcola.

    Dentro desse contexto, o autor vai apresentar os grandes esta-

    belecimentos rurais como superiores em relao aos pequenos, mas

    vai destacar as mazelas do latifndio privado, tais como concentrao

    fundiria, proletarizao, expropriao e submisso do campons. Pode-

    mos deduzir ento que, para o autor, o estgio final deveria ser o grande

    estabelecimento agropecurio socialista (GIRARDI, 2008).

    Mas, para Kautsky, o desaparecimento do campesinato no

    algo natural, pois o processo de subordinao ao capitalismo gera um

    intenso processo de desintegrao, mas no seu desaparecimento, pois

    ele recriado. De modo contraditrio, ao mesmo tempo que o avano

    do capitalismo destri a organizao camponesa, acaba apresentando a

    necessidade de recri-la seja via arrendamento, venda ou outras formas

    pois a expulso dos camponeses acaba expulsando tambm a mo de

    obra de pobres que, mesmo com alguma terra, tinham de vender sua

    fora de trabalho para sustentar sua famlia.

    Para Kautsky, o capitalismo no promete o fim do grande estabe-

    lecimento (pelo contrrio), mas tambm no promete o fim do pequeno.

    Este argumento do autor extremamente interessante, pois ajuda a

    entender a convivncia no mundo rural de duas formas de produo: a

    capitalista e a camponesa.

  • CEDERJ 33

    AU

    LA 2

    Uma passagem de Kautsky nos ajuda a entender a dramaticidade

    do dilema do campons vivendo neste processo de constante fragmen-

    tao: As boas colheitas que deveriam ser comemoradas somente pela

    sua produtividade biolgica mais gros agora podem ser sinais de

    preo baixo, uma contradio da nova fase industrial do capitalismo

    (KAUTSKY, 1986, p. 41).

    O campons, nessa obra, definido como o trabalhador que vende

    produtos agrcolas, mas no emprega mo de obra assalariada, a no

    ser em pequeno nmero. Ele um trabalhador que no vive da renda

    que traz sua propriedade, vive do seu trabalho. Este argumento final

    viver do trabalho ser o ponto central de outro importante autor que

    veremos a seguir, Alexander Chayanov.

    Quais as similitudes e diferenas nas contribuies dos autores at agora apre-sentados no que tange penetrao do capitalismo na agricultura?

    Reposta ComentadaDevemos observar que, mesmo no tendo tratado sistematicamente a questo

    agrria, Marx conclui que, no pleno desenvolvimento das foras capitalistas,

    a agricultura passaria de um estgio de autossuficincia para um estgio de

    completa subordinao em relao indstria e consequente transformao

    do campons em proletariado. Lnin concorda categoricamente com esta obser-

    vao apresentando o processo de diferenciao do campesinato em patro ou

    empregado. J Kautsky apresenta a ideia de que vai existir um contnuo processo

    de recriao do pequeno estabelecimento agropecurio, mas que caberia ao

    Estado socialista o papel de caminhar para o grande e mais eficiente

    estabelecimento agropecurio.

    Atividade 11

  • Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas

    CEDERJ34

    ChAyANOv E O EqUIlBRIO ENTRE CONSUMO E TRABAlhO

    Em sentido oposto lgica do desaparecimento do campesinato,

    Alexander Chayanov (1888-1939(?)) props uma nova forma de ver a

    agricultura camponesa. Chayanov era um intelectual empirista e dirigiu

    a cadeira de Economia Agrcola na Unio Sovitica at 1930, tendo

    contribudo com a publicao de mais de 4 mil volumes de trabalhos

    sobre a agricultura camponesa sovitica.

    Chayanov elaborou uma teoria que servia bem realidade russa.

    Importante dizer que a realidade russa estudada por Chayanov no tinha a

    propriedade privada como elemento estruturante, pelo contrrio, cada famlia

    recebia um pedao de terra da comuna para seu uso. Em caso de desmem-

    bramento familiar, como o casamento do filho, nada mudava o tamanho da

    terra trabalhada, pois o novo casal solicitava comuna seu pedao de terra.

    Em seu texto Sobre a teoria dos sistemas econmicos no capita-

    listas, Chayanov explica que todos os fenmenos econmicos estavam

    exclusivamente sendo pensados em termos capitalistas, o que relegava

    insignificncia os tipos de economia no capitalistas, tais como a economia

    camponesa. Para ele, o modo de produo capitalista predominante, mas

    no o nico. A economia camponesa deveria ser tratada como um sistema

    econmico prprio no capitalista, com anlises e parmetros diferentes

    dos habituais. Um exemplo para facilitar o entendimento: para Chayanov

    era inconcebvel estimar lucro em um sistema campons, uma vez que a

    quantidade de trabalho se dava em funo do consumo das famlias e no

    da quantidade de lucro esperada.

    Para justificar suas concepes distintas dos principais tericos da

    poca, Chayanov caracteriza o campons como um sujeito que cria sua prpria

    existncia a partir do equilbrio entre o trabalho e o consumo na medida

    certa para satisfazer as necessidades da famlia. Nas palavras do prprio autor:

    Quando a terra insuficiente e se converte em um fator mnimo,

    o volume da atividade agrcola para todos os elementos da uni-

    dade de explorao se reduz proporcionalmente em grau varivel,

    porm inexoravelmente. Mas a mo de obra da famlia que explora

    a unidade, ao no encontrar emprego na explorao, se volta [...]

    para atividades artesanais, comerciais e outra atividades no agr-

    colas para alcanar o equilbrio econmico com as necessidades

    da famlia (CHAYANOV, 1974, p. 101).

  • CEDERJ 35

    AU

    LA 2

    O campesinato no simplesmente uma forma ocasional, tran-

    sitria, fadada ao desaparecimento, mas, ao contrrio, trata-se de um

    sistema econmico sobre cuja existncia possvel encontrar as leis de

    sua prpria reproduo e desenvolvimento. Em outras palavras o cam-

    pons flexvel e pode contar com o trabalho acessrio, isto , quando

    precisar de dinheiro pode vender sua fora de trabalho, sem com isso

    deixar de ser campons. Por isso, sobrevive e se reproduz.

    A resistncia s ideias e ao trabalho de Chayanov foi dura. O

    prprio Josef Stalin (1879-1953) pronunciou-se, em discurso em 1929,

    colocando-se contra a teoria do equilbrio e da estabilidade da pequena

    economia camponesa. Nas palavras do lder sovitico: A nica coisa

    que no se compreende o porqu dessa teoria anticientfica dos econo-

    mistas soviticos do tipo de Chayanov circular livremente em nossa

    imprensa (STALIN, 1981, p. 172).

    figura 2.5: Josef stalin.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portrait_of_stalin_in_1936.gif

    Em 1930, em meio intensa perseguio stalinista, conhecida

    historicamente como Grande Expurgo, Chayanov e outros importantes

    cientistas agrrios foram acusados de organizar um partido campons

    contrarrevolucionrio que, conforme se l em Abramovay (2007,

    p. 64), foram os bodes expiatrios para explicar a grande escassez de

    alimentos, especialmente de carne. Depois de deportado, no se soube

    com exatido a data de sua morte (fato que explica o ponto de interro-

    gao entre parnteses no incio deste tpico).

  • Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas

    CEDERJ36

    O Grande Expurgo o termo histrico

    que personifica a violenta perseguio de stalin a seus opositores polticos. segundo dados

    oficiais do governo russo, durante o governo de stalin, foram aproximadamente 3 milhes de vtimas. Destas, pelo menos 800 mil foram acusadas de se oporem ao

    governo russo e, em seguida, executadas. Estudos independentes estimam que este nmero

    seja bem maior.

    ?Explique o que Chayanov queria dizer com sistema econmico no capitalista.

    Resposta ComentadaPara Chayanov, era equivocado pensar a economia camponesa como capitalista,

    porque na prtica o campons no se preocupava com o lucro. Ele possua seu

    trabalho e sua famlia e tinha seu consumo familiar. Quanto maior fosse a neces-

    sidade de consumo, mais o campons trabalharia; mas, ao contrrio, quanto

    menor fosse a necessidade de consumo menos o campons se sujeitaria

    a trabalhar.

    Atividade 22

  • CEDERJ 37

    AU

    LA 2

    Podemos afirmar que a penetrao do capitalismo no campo eliminou a economia cam-ponesa ou os pequenos estabelecimentos agropecurios?

    Resposta ComentadaSe observarmos o mundo atual, isso no se faz verdadeiro. Contrariando as previses

    de seu desaparecimento, ainda existem e so significativos os estabelecimentos agro-

    pecurios onde o trabalho familiar predominante estes so hoje em dia comumente

    conhecidos como agricultura familiar. Com base nos argumentos apresentados na

    aula, pode-se perceber que houve, sim, um processo de subordinao da indstria

    sobre a agricultura camponesa; contudo, inequvoco que esta ainda sobrevive e,

    em alguns pases, pode ser bastante produtiva, como nos pases avanados.

    Atividade Final

    Podemos concluir, bem verdade, que as contribuies dos autores

    listados nesta aula so insuficientes para se entender as especificidades

    do caso brasileiro. Segundo Abramovay (2007, p. 31), a ampliao do

    trabalho assalariado no campo como consequncia do desenvolvimento

    capitalista encontra pouco respaldo emprico, como queria Lnin. Por

    outro lado, a inferioridade econmica da agricultura de base familiar,

    como queira Kautsky, tambm no se confirma, especialmente nos

    pases avanados. J a herana do pensamento de Chayanov bastante

    significativa: por um lado, ele foi fundamental para que entendssemos

    que a renda familiar de um campons um todo indivisvel, diferente

    de estruturas capitalistas; por outro lado, foi tambm fundamental sua

    explicao sobre a autoexplorao que o campons exerce em busca de

    um equilbrio entre consumo e trabalho. Estes pontos nos ajudaro a

    entender, nas prximas aulas, a sobrevivncia de camponeses to desva-

    lidos de estrutura e polticas pblicas como os brasileiros.

    3

  • Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas

    CEDERJ38

    INfORMAES SOBRE A pRXIMA AUlA

    Mas o que campons ou campesinato?

    nas pginas anteriores foram apresentadas algumas noes preliminares

    de como os autores caracterizavam ou at mesmo definiam campons.

    Contudo, nem de longe existe consenso sobre o que vem a ser esta categoria,

    nem mesmo se ela existe ou no de fato ou se vai desaparecer com o avano

    pleno do capitalismo no campo. Este ser o tema de nossa prxima aula.

    Lnin faz uma anlise das classes sociais no campo, valendo-se como critrio

    principal da compra ou da venda da fora de trabalho, o que ele chamou

    de diferenciao do campesinato no capitalismo.

    Kautsky chamou a ateno para a superioridade dos grandes estabelecimentos

    agrcolas em relao aos pequenos e, juntamente com Lnin, acreditava que

    o fim do campesinato era condio para o surgimento de uma estrutura

    mais produtiva e eficiente no campo e isto, por sua vez, era fundamental

    para a transio para o socialismo.

    Para Chayanov, a economia camponesa no desapareceria e nem poderia

    ser pensada com os mtodos que estudam o capitalismo, pois ela era uma

    estrutura no capitalista que fazia no um clculo de lucro e, sim, de

    trabalho necessrio para o consumo familiar.

    R E S U M O

  • objet

    ivos Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:

    identificar as dificuldades em definir campons de modo esttico;

    caracterizar a viso marxista de desaparecimento do campesinato;

    reconhecer os camponeses brasileiros em sua multiplicidade de formas.

    3Meta da aula

    Descrever o processo pelo qual haveria o desaparecimento do campons, questionado

    sobre sua validade.

    O fim do campesinato? Que campesinato?

    Joelson Gonalves de Carvalho AULA

    1

    2

    3

  • Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?

    CEDERJ40

    Na esfera da agricultura, a grande indstria atua de modo mais revolucio-

    nrio, medida que aniquila o b a l u a rt e da velha sociedade, o campons,

    substituindo-o pelo trabalhador assalariado.

    Com esta passagem, Marx (1996, p. 132) estabelece um rico e controverso

    debate sobre o fim ou no do campesinato com o avano do capitalismo.

    Curiosamente, o debate sobre o que seria um campons veio depois e, por

    incrvel que parea, ainda est presente e fundamental , nos estudos

    atuais que tratam da questo agrria.

    Esta citao de Marx estava presente em nossa ltima aula e foi usada para

    apresentarmos como o autor descreveu o processo de subordinao da agri-

    cultura indstria. Agora esta mesma passagem vai nos ajudar a entender

    como Marx descreveu o modo cruel de expropriao camponesa, ocorrida na

    Inglaterra. Mas, antes, fundamental apresentar as dificuldades conceituais

    do que vem a ser campons ou campesinato.

    CAMpESINATO E CAMpONS: AS DIfICUlDADES CONCEITUAIS

    Podemos comear esta aula definindo campesinato. Segundo o

    Novssimo Dicionrio de Economia, campesinato :

    O conjunto dos grupos sociais de base familiar que, em grau

    diverso de autonomia, dedica-se a atividades agrcolas em

    g l e b a s determinadas. Em termos gerais, caracteriza-se por pro-

    duzir baseando-se no trabalho da famlia, empregando eventu-

    almente mo de obra assalariada; por possuir a propriedade dos

    instrumentos de trabalho (enxadas, arados, animais de trao etc.);

    por ter autonomia total ou parcial na gesto da propriedade; por

    ser dono de parte ou da totalidade da produo (SANDRONI,

    1999, p. 76).

    Com a definio apresentada acima, poderamos fazer um grande

    nmero de questionamentos, tais como: Qual o tamanho das glebas

    determinadas? O que considerado para a contratao de mo de obra?

    Modernas mquinas tambm no so instrumentos de trabalho? O que

    difere a autonomia parcial da total? Estas perguntas j nos do conta

    da complexidade do que vem a ser um campons.

    INTRODUO

    ba l u a rt e

    um termo polissmico, isto , possui vrios significados. Neste contexto, baluarte significa base, sustentculo.

    gl e b a s

    So pores de terra destinadas ao trabalho agrcola.

  • CEDERJ 41

    Au

    LA 3

    Poderamos, inclusive, fazer muitas outras questes a este respeito.

    Entretanto, o que precisamos ter em mente que, para este conceito,

    talvez a subjetividade e sensibilidade na anlise sejam mais elucidativas

    que a objetividade de um conceito pronto.

    Em outras palavras, necessrio ter precauo nas definies de

    categorias muito complexas, como o caso de campesinato. Campons

    s pode ser definido em termos dinmicos, ou seja, campons aquele

    que faz e no aquele que tem ou que . Como diria Teodor Shanin (2008),

    professor da Universidade de Moscou e um dos mais renomados estu-

    diosos do tema: campons , antes de tudo, um modo de vida.

    figura 3.1: O que determina a condio de campons seu modo de vida. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Belize_farming_gm.jpg

    Se aceitarmos que campons um modo ou jeito de viver, pode-

    mos entender as dificuldades conceituais inerentes a esta categoria, pois

    o jeito de viver dos russos totalmente distinto do jeito de viver dos

    camponeses mexicanos, que, por sua vez, tambm muito distinto do

    jeito de viver dos camponeses brasileiros. No prprio Brasil, observamos

    grandes diferenas: a vida camponesa de um nordestino se parece muito

    pouco com a vida camponesa de um gacho, por exemplo.

    O campesinato j foi a base de todo o sistema social, antes de o

    capitalismo se consolidar como modo social de produo. Como vimos

    Ger

    ry M

    anas

    ca

  • Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?

    CEDERJ42

    na aula anterior, existem teorias que acreditam que a penetrao do

    capitalismo no campo acabaria com o campons e seu modo de vida.

    Mas em sentido contrrio ao destas teorias, existem evidncias reais de

    que o campons no apenas est atualmente presente em nossa sociedade

    como tambm sua presena no apenas residual.

    bem verdade que, quando estudamos a consolidao do capita-

    lismo em seu pas originrio a Inglaterra , temos que assumir que ali

    os camponeses foram expropriados quase que por completo. Analisando

    a Inglaterra a partir do sculo XIV, Marx vai descrever minuciosamente

    o processo de expropriao da base fundiria dos camponeses. Baseado

    em seu texto, vamos trilhar o caminho que o autor percorreu. Sendo

    assim, a prxima seo uma sntese das pginas 342 a 355 do volume II

    de O Capital.

    Por que definir campons algo to complexo?

    Resposta ComentadaFalamos que campons um conceito dinmico, pois o campons fruto de seu

    tempo e das relaes sociais que estabelece. Ou seja, os camponeses ingleses

    do sculo XV eram distintos dos camponeses ingleses do sculo XIX. Ainda no

    mesmo raciocnio, cultura, organizao social, hbitos alimentares e tipos de cultivo

    do campons russo de hoje em quase nada se assemelham ao atual campons

    brasileiro. Portanto, bastante difcil definir um campons. Contudo, podemos

    dizer algo em comum destes camponeses: todos tm na economia e no trabalho

    familiar um ponto em comum.

    Atividade 11

  • CEDERJ 43

    Au

    LA 3

    O pROCESSO DE EXpROpRIAO CAMpONESA, DESCRITO pOR MARX

    Em fins do sculo XIV, com o fim da servido inglesa, a maioria

    da populao firmou-se como camponeses livres, economicamente aut-

    nomos, com acesso s terras comunais, onde, entre outras atividades,

    recolhiam lenha e pastavam os animais de sua propriedade. Tambm

    havia, verdade, trabalhadores livres e assalariados no campo; contudo,

    estes trabalhadores eram tambm camponeses, com tempo livre para

    trabalhar em grandes propriedades. O sculo XV chega e com ele o

    florescimento das cidades e tambm das bases do que viria a ser o modo

    de produo capitalista.

    No processo de desagregao do sistema feudal, com a sucesso de

    geraes de senhores feudais, o dinheiro passou a ter mais importncia

    que o nmero de sditos sob sua proteo, o que explica em parte a

    violenta expulso de uma massa de camponeses, que passa a se dirigir

    s cidades como proletrios livres.

    A raiz desse xodo rural est na valorizao da l, com preos altos,

    que atendiam ao mercado manufatureiro europeu em expanso. Nas pala-

    vras do prprio Marx (1996, p. 343), a nova burguesia era uma filha de seu

    tempo, para a qual o dinheiro era o poder dos poderes. Por isso, a transfor-

    mao de terras de lavoura em pastagens de ovelhas tornou-se sua divisa.

    figura 3.2: As pastagens de ovelhas obtiveram grande impulso na poca.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tasburgh%27s_ancient_earthworks_enclosure_-_now_sheep_pasture_-_geograph.org.uk_-_1355699.jpg?uselang=pt-br

    Evel

    yn s

    imak

  • Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?

    CEDERJ44

    Os donos das terras, na tentativa de aumentar as pastagens e ace-

    lerar o processo de expulso dos camponeses que ainda residiam em

    suas vastas reas , passaram a demolir casas, igrejas e at vilas inteiras

    instaladas em suas terras. A destruio foi tamanha que at o Rei Hen-

    rique VII, em Decreto Real, no ano de 1489, teve de intervir, proibindo

    a demolio de casas, com o argumento de que as massas populares, nas

    cidades, estavam ficando incapazes de sustentar a si e suas famlias. Mesmo

    com o apoio de Henrique VII, manifestado no Decreto Real, e das quei-

    xas do povo, a expulso dos camponeses continuou de forma acelerada.

    Gradativamente, com o avano do capitalismo no campo, a terra

    deixava de ser um local de moradia das famlias camponesas, passando a

    ser apenas um fator de produo de matria prima (a l), e o campons

    expulso transformava-se em outro fator (trabalhador assalariado da

    indstria). Como resultado desse longo processo, podemos observar que

    os camponeses independentes, que foram bastante numerosos no final

    do sculo XVII, tinham desaparecidos por volta de 1750.

    Os proprietrios rurais (uma nova aristocracia fundiria que

    surgia na mesma velocidade em que desapareciam os antigos senhores

    feudais) estavam aliados ao recm-nascido sistema financeiro e tambm

    aos grandes manufatureiros. Os capitalistas burgueses contriburam

    sobremaneira com esse processo, uma vez que, dia a dia, a terra passava

    a ter carter de mercadoria, usada duplamente: primeiro para expandir

    as reas de explorao agrcola e, segundo, para multiplicar a oferta de

    proletrios livres (e pobres) provenientes do campo.

    Se, no sculo XV, o rei tentou impedir a demolio das casas

    dos camponeses, no sculo XVIII, ao contrrio, o Estado contribuiu

    para este violento processo de expulso. Segundo Marx (1996, p. 348),

    O progresso do sculo XVIII consiste em a prpria lei se tornar agora

    veculo do roubo das terras do povo, embora os grandes arrendatrios

    empreguem paralelamente tambm seus pequenos e independentes mto-

    dos privados. Em outras palavras, por decretos, os grandes propriet-

    rios fundirios poderiam eles mesmos executar a expropriao do povo

    de suas terras comunais para acelerar os seus c e r c a m e n t o s visando

    produo agrcola em larga escala.

    ce r c a m e n t o s

    (do ingls enclousures) Fenmeno ocorrido na Inglaterra nos sculos XVII e XVIII, que consistiu na expulso dos servos camponeses de terras comunais para seu posterior arrendamento para pastagens de criao de ovelhas.

  • CEDERJ 45

    Au

    LA 3

    No sculo XIX, a propriedade comunal, onde servos e pequenos

    agricultores independentes produziam seus meios de subsistncia, j no

    existia mais. Em vez disso, as grandes extenses de terras, nas mos de

    uma pequena burguesia agrria, passaram a necessitar de cada vez menos

    trabalhadores. Aumentou expressivamente o nmero de miserveis nas

    cidades que, em busca de trabalho, chegavam a aceitar, na maioria das

    vezes, valores to baixos por seus servios que eram suficientes apenas

    para satisfazer suas necessidades vitais.

    E assim o mosaico social composto por burguesia e proletariado

    foi se moldando. Derivam da muitas das anlises que se baseiam na

    polarizao social, ou seja, de um lado os donos dos meios de produo

    (burgueses) e de outro aqueles que vendem sua fora de trabalho para

    viver (proletrios). Estas interpretaes desconsideram, portanto, a

    presena do modo de produo campons.

    Vale a pena assistir Germinal. Este filme, baseado no romance de mesmo nome de mile Zola, passa-se na Frana do sculo XIX e mostra bem as condies de trabalho dos proletariados daquele perodo.Outro excelente filme Daens, um grito de justia. Ele ambien-tado no norte da Blgica do sculo XIX e mostra as condies deplorveis de trabalhadores da indstria de tecidos.

    O que aconteceu com o campesinato ingls, na viso de Marx?

    Resposta ComentadaPara Marx, houve um processo histrico de expulso do campons que traba-

    lhava a terra comunal. A terra passou a ser utilizada como pasto para ovelhas,

    por conta da produo de l, e os trabalhadores migraram para as cidades em

    busca de trabalho nas fbricas, recebendo salrios baixos e trabalhando em

    pssimas condies.

    Atividade 22

  • Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?

    CEDERJ46

    CRIAO E RECRIAO CAMpONESA NO BRASIl

    Por conta da grande importncia que o pensamento marxista tem

    para o conjunto das cincias sociais, sua anlise do caso ingls acabou

    sendo generalizado para outros pases. Muito por conta disso, comum

    achar no pensamento econmico argumentos e anlises que tomam o

    campesinato por residual ou que at mesmo desconheam sua presena e

    importncia histrica, o que no Brasil muito frequente. Neste sentido,

    o campesinato passou a ser entendido como:

    uma categoria esquecida, [...] o sinnimo do atraso, da fragilidade

    poltica e da dependncia; acrescia-se a essas fragilidades a noo

    da ineficincia econmica, tcnica, resultante do seu tradiciona-

    lismo e averso ao risco (WELCH, 2009, p. 23).

    Por outro lado, existem tambm autores que tratam o desenvol-

    vimento econmico da agricultura com toda a sua diversidade social

    dentro de um grande guarda-chuva denominado agronegcio. Nesta

    perspectiva, ignoram-se as diferenas sociais e econmicas dos atores

    sociais, tais como agricultores pobres e suas famlias, face grande

    empresa rural. Esta viso, como veremos em aulas posteriores, bastante

    ideolgica e enviesada.

    Entretanto, em sentido radicalmente oposto surgiu uma impor-

    tante obra coletiva, denominada Histria Social do Campesinato no

    Brasil um conjunto de dez volumes, elaborados por um grande nme-

    ro de importantes pesquisadores do tema, com a inteno de colocar

    disposio do grande pblico parte das lutas e resistncias, a diversidade

    dessa categoria camponesa e, entre outras coisas, a trajetria histrica

    do campesinato brasileiro.

    Esta grande coletnea sobre o campesinato no Brasil alm de outras obras de igual importncia pode ser baixada gratuitamen-te no site do IICA (Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura) no endereo: http://www.iica.int/Esp/regiones/sur/brasil/Lists/Publicacoes/PublicacoesCompletas.aspx.O link para o primeiro volume da coletnea : http://www.iica.int/Esp/regiones/sur/brasil/Lists/Publicacoes/Attachments/71/Campone-ses%20Brasileiros%20vol%201%20nEAD.pdf.

  • CEDERJ 47

    Au

    LA 3

    A partir do que podemos apreender da leitura desta coletnea e de

    outras obras de igual importncia sobre os camponeses, no caso brasi-

    leiro, a situao e o reconhecimento da condio camponesa bastante

    difcil desde sua formao.

    Os primeiros camponeses no Brasil um conjunto composto de

    portugueses pobres, indgenas e africanos fizeram parte da formao

    social brasileira, mas com o processo de integrao da economia nacional

    (tanto em termos internos quanto internacionais) e o incio do processo

    de industrializao, as terras camponesas foram se reduzindo de modo

    significativo. Os privilgios concedidos aos grandes latifundirios, que

    sempre estiveram bem representados no Estado, ratificaram o latifndio

    monocultor de produtos exportveis, o que, por seu turno, comprometeu

    sistematicamente a produo e reproduo social camponesa no Brasil

    (WELCH, 2009, p. 24).

    MAS, EM TERMOS EMpRICOS, qUEM SO OS CAMpONESES BRASIlEIROS?

    O campesinato entendido em termos mais gerais, como categoria

    analtica e histrica, constitudos por poliprodutores, integrados ao

    jogo de foras sociais do mundo contemporneo (WELCH, 2009, p. 9).

    Mas, em termos especficos, quem so os camponeses do Brasil?

    A diversidade da condio camponesa por ns considerada inclui

    os proprietrios e os posseiros de terras pblicas e privadas; os

    extrativistas que usufruem os recursos naturais, como povos das

    florestas, agroextrativistas, ribeirinhos, pescadores artesanais

    e catadores de caranguejos que agregam atividade agrcola,

    castanheiros, quebradeiras de coco-babau, aaizeiros; os que

    usufruem os fundos de pasto at os pequenos arrendatrios no

    capitalistas, os parceiros, os foreiros e os que usufruem a terra

    por cesso; quilombolas e parcelas dos povos indgenas que se

    integram a mercados; os serranos, os caboclos e os colonos, assim

    como os povos das fronteiras no sul do pas; os agricultores fami-

    liares mais especializados, integrados aos modernos mercados, e

    os novos poliprodutores resultantes dos assentamentos de reforma

    agrria (WELCH, 2009, p. 11).

  • Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?

    CEDERJ48

    Existem camponeses no Brasil? Quem so?

    Resposta Comentada comum achar anlises do nosso desenvolvimento que consideram que no temos

    mais camponeses, mas eles existem e tm importncia significativa para nossa

    histria. Eles so os poliprodutores que comumente chamamos de posseiros, povos

    das florestas, agroextrativistas, pescadores, ribeirinhos, pequenos arrendatrios no

    capitalistas, quilombolas, assentados de reforma agrria, dentre outros agricultores

    familiares mais especializados.

    Atividade Final

    3

    Vimos uma infinidade de possibilidades do ser campons e, por

    isso, comeamos a entender como difcil definir de forma objetiva

    essa categoria. Mas, em que pese a multiplicidade de formas sociais que

    podem ser identificadas como camponesas, importante termos claro

    algum norte que nos ajude a qualificar o campons. Esse sentido pode ser

    buscado na mo de obra familiar ou, nas palavras do professor Shanin,

    na economia familiar: a economia familiar um elemento mais signi-

    ficativo para compreendermos quem o campons do que um modelo

    geral de campesinidade (2008, p. 34).

  • CEDERJ 49

    Au

    LA 3

    A busca pelo entendimento do que vem a ser campons ou campesinato

    deve vir acompanhada das devidas digresses e anlises histricas para que

    no incorramos no erro de tentar explicar uma categoria dinmica e mutvel

    a partir de um olhar esttico. A elevada quantidade de formas sociais de

    organizao que podem ser caracterizadas como camponesas aumenta a

    complexidade para estudos do tema. neste sentido, campons deve ser

    entendido como um modo de vida.

    A descrio de Marx sobre o desaparecimento do campons acabou sendo

    generalizada para alm da Inglaterra e do seu tempo histrico, contribuindo

    para anlises que veem o modo de vida campons como algo residual ou

    em extino. no Brasil, por exemplo, podemos perceber que, alm de

    perene, o campesinato est presente de modo mltiplo, diverso, resiliente

    e fortemente alicerado na economia familiar.

    R E S U M O

    INfORMAES SOBRE A pRXIMA AUlA

    na prxima aula, nosso foco recai sobre a questo agrria e agrcola

    no Brasil. Primeiro, vamos nos ater no papel das atividades agrcolas na

    formao e integrao do territrio nacional e no modo de organizao

    social que se conformou nesse processo.

  • objet

    ivos Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:

    avaliar as principais etapas da ocupao territorial brasileira, identificando os elementos estruturais de cada ciclo econmico;

    descrever as principais interpretaes sobre o setor de subsistncia presentes no campo brasileiro;

    descrever o processo de transio de uma economia agrrio-exportadora para uma economia industrial.

    4Meta da aula

    Apresentar uma anlise da formao e integrao do mercado interno nacional, destacando os

    ciclos econmicos e os impactos sociais derivados da apropriao privada do territrio nacional.

    A economia, o territrio e a agricultura no Brasil

    primrio exportadorJoelson Gonalves de Carvalho A

    ULA

    1

    2

    3

  • Economia Agrria | A economia, o territrio e a agricultura no Brasil primrio exportador

    CEDERJ52

    comum nas aulas de histria do Ensino Mdio o aluno aprender as dife-

    renas bsicas de colonizao da Amrica. Nesta etapa, geralmente se diz

    que, ao contrrio dos Estados Unidos, que tiveram uma colonizao de

    povoamento, o Brasil teve uma colonizao de explorao. Esta primeira

    explorao do territrio brasileiro marcou drasticamente a forma como se

    organizou a economia, notadamente baseada no setor primrio, e como foi

    se moldando um mosaico social baseado na desigualdade econmica, social

    e territorial neste pas.

    O debate sobre a questo agrria brasileira est intimamente ligado ao

    processo histrico de colonizao do pas. A posse e o uso da terra sempre

    foram um tema, alm de relevante, extremamente atual para entender o

    subdesenvolvimento nacional desde nossa insero, mesmo como colnia,

    no capitalismo internacional.

    A forma de ocupao do territrio brasileiro foi explicitamente desigual e

    antissocial e trouxe, por consequncia, como veremos nesta aula, intensas

    migraes rurais e entre o rural e o urbano, com grandes deslocamentos de

    trabalhadores pobres em busca de terra e trabalho.

    O sistema de produo implantado no Brasil-Colnia, alicerado na mono-

    cultura em grandes extenses de terras, com trabalho escravo e produo

    destinada quase exclusivamente ao mercado internacional, adaptou-se con-

    venientemente s novas terras, reduzindo custos e facilitando a colonizao,

    em um sistema denominado plantation.

    Nesta aula apresentaremos um conjunto de elementos da histria do Brasil;

    contudo, no nosso objetivo o aprofundamento desses temas. Interessa-

    -nos sim entender o processo de ocupao do territrio nacional, a fim de

    verificar as relaes de causalidade entre a dinmica maior da economia e

    as relaes sociais de produo estabelecidas no campo. Neste sentido,

    importante que faamos uma recuperao da histria econmica do Brasil,

    comeando pela chegada dos portugueses.

    INTRODUO

  • CEDERJ 53

    AU

    LA 4

    OS pRIMEIROS pASSOS DA OCUpAO TERRITORIAl NO BRASIl

    No Brasil, ao contrrio da Amrica Espanhola, no se encontrou

    ouro em um primeiro momento. Alis, nenhum metal ou outra merca-

    doria economicamente interessante para gerar, nos primeiros anos de

    explorao, um interesse maior de Portugal. A terra no era considerada

    mercadoria, e por isso no tinha valor nenhum. Isso explica por que

    Portugal no apresentou interesse maior nas trs primeiras dcadas aps

    a sua chegada s novas terras.

    Como a ocupao das terras era mais eficiente que os tratados

    internacionais para garantir a posse das colnias no sculo XVI, a extra-

    o do pau-brasil foi mais uma atividade para garantir a ocupao das

    terras brasileiras do que uma atividade econmica propriamente dita.

    A madeira era extrada para a produo de corante de cor avermelhada

    que seria usado na tintura de tecidos e produo de tintas na Europa.

    figura 4.1: Pintura feita no ano de 1519, retratando a explorao do pau-brasil.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:AtlasMiller_BnF_Brasilis_pau-brasil.jpg?uselang=pt-br

    Segundo Kageyama (2008, p. 85), aps a rpida decadncia da

    explorao do pau-brasil, teve incio a efetiva ocupao da colnia

    com o cultivo de cana-de-acar e a diviso do territrio em capitanias

    hereditrias, em um sistema organizado a partir da grande propriedade

    monocultora com trabalho escravo.

  • Economia Agrria | A economia, o territrio e a agricultura no Brasil primrio exportador

    CEDERJ54

    As capitanias hereditrias eram, segundo sandroni (1999, p. 82),

    grandes extenses de terras do Brasil colonial, doadas

    explorao hereditria pela Coroa portuguesa. Dom

    Joo III, rei de Portugal, implementou as capitanias

    com a perspectiva de defender o territrio recm-

    -descoberto e desenvolv-lo mediante a colonizao,

    pois os custos eram muito elevados. A Coroa passou

    ento a doar as capitanias (quinze ao todo) aos mem-

    bros da corte, comerciantes ricos etc. As capitanias

    eram regidas pela Carta de Doao, instrumento por

    meio do qual se atribuam os direitos e deveres do

    donatrio. A crise do sistema deu-se devido falta

    de capital dos donatrios para desenvolver, povoar

    e defender as capitanias e rebeldia dos colonos. O

    sistema de capitanias hereditrias vigorou de 1534

    at a poca pombalina (1750- 1777).

    figura 4.2: A diviso das capitanias hereditrias no Brasil.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Capitanias.jpg?uselang=pt-br

  • CEDERJ 55

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    LA 4

    S com a introduo da cana que Portugal aumentou o interesse

    nas terras da sua colnia americana. A cana-de-acar foi a primeira cul-

    tura agrcola introduzida nas colnias sul-americanas e adaptou-se bem

    s condies de solo e clima aqui presentes. Alm disso, um conjunto de

    fatores pode ser elencado para o sucesso da produo de acar no Brasil:

    A experincia e a tecnologia adquiridas na produo de cana

    nas ilhas do Atlntico;

    a organizao comercial, derivada da parceria com os holandeses

    responsveis pela comercializao do acar brasileiro;

    a elevada demanda internacional pelo acar brasileiro;

    as boas condies de financiamento tambm decorrentes da

    parceria dos capitais holandeses que financiaram a comerciali-

    zao, produo e transporte da produo nacional;

    a utilizao de mo de obra escrava, que tambm contribuiu

    com a economia da metrpole, haja vista os lucros obtidos com

    o trfico negreiro.

    O sculo XVII foi um perodo de dificuldades. A primeira metade

    foi caracterizada pela ocupao holandesa e, na segunda, o preo do a-

    car caiu. A decadncia do acar est diretamente relacionada ocupao

    holandesa no Brasil, durante o perodo de 1630 a 1650. Os holandeses

    entraram em guerra com a Espanha durante os anos de 1580 a 1609 e,

    com a absoro portuguesa pela coroa espanhola, os holandeses foram

    impedidos de participar das atividades aucareiras.

    Segundo Furtado (2005), esta ocupao permitiu aos holandeses

    obter conhecimento dos aspectos tcnicos e organizacionais da produo

    de acar, permitindo que montassem sua prpria produo no Caribe.

    Com o aumento da oferta de acar holandesa, produzida no Caribe, o

    volume de exportaes do Brasil caiu, caindo tambm os preos inter-

    nacionais do produto, reduzindo, segundo Furtado, a renda real a um

    quarto da renda durante os melhores perodos de produo.

    A ocupao holandesa deu mais prejuzo a Portugal do que ao

    Brasil. Parte da renda dos holandeses era retida no Brasil, o que ajudou

    a desenvolver a vida urbana. S a partir de 1700, com a descoberta de

    ouro, a economia voltaria atividade novamente.

  • Economia Agrria | A economia, o territrio e a agricultura no Brasil primrio exportador

    CEDERJ56

    O CIClO DA MINERAO E A INCIpIENTE INTEGRAO DO MERCADO INTERNO

    A busca de metais preciosos como ouro e prata foi o maior dos

    objetivos que impulsionou Portugal e Espanha colonizao da Amrica;

    contudo, ao contrrio da Espanha, Portugal no encontrou facilidades

    nesta em