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Muitos são os temas contemporâneos abordados na Economia Agrária, masé preciso ter em mente que tais questões sempre estiveram presentes na história do pensamento econômico, especialmente no que se refere à terrae à riqueza gerada por ela. Entender este processo histórico é condição fundamental para que possamos compreender o atual estágio do desenvolvimento capitalista no campo e suas inter-relações com a economia de modo geral.
Citation preview
Joelson Gonalves de CarvalhoVolume nico
Economia Agrria
Apoio:
C331
Carvalho, Joelson Gonalves de.Economia Agrria. volume nico / Joelson Gonalves de Carvalho.
Rio de Janeiro: Fundao CECiERJ, 2015.246 p.; il. 19 x 26,5 cm
iSBN: 978-85-458-0010-1
i. Economia agrria. ii. Agricultura. iii. Campesinato. iV. Poltica agrcola. V. Movimentos sociais. VI. Conflitos sociais. VII. Agronegcio. i. Ttulo.
CDD:338.0981
Referncias bibliogrficas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.Texto revisado segundo o novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.
Copyright 2015, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj
Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.
Material Didtico
Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua da Ajuda, 5 Centro Rio de Janeiro, RJ CEP 20040-000
Tel.: (21) 2333-1112 Fax: (21) 2333-1116
PresidenteCarlos Eduardo Bielschowsky
Vice-presidenteMasako Oya Masuda
Coordenao do Curso de AdministraoUFRRJ - Silvestre Prado
UERJ - Luiz da Costa Laurencel
ELABORAO DE CONTEDOJoelson Gonalves de Carvalho
DIREO DE DESIGN INSTRUCIONALCristine Costa Barreto
COORDENAO DE DESIGN INSTRUCIONALBruno Jos PeixotoFlvia Busnardo da Cunha Paulo Vasques de Miranda
DESIGN INSTRUCIONALAnna Maria OsborneJos MeyohasKarin GonalvesMarcelo Franco LustosaPaulo Csar Alves
COORDENAO DE PRODUOFbio Rapello Alencar
ASSISTENTE DE PRODUOBianca Giacomelli
REVISO LINGUSTICA E TIPOGRFICAAlexandre AlvesElaine BaymaMaria Elisa Silveira
PROGRAMAO VISUALAlexandre dOliveiraCamille Moraes
Cristina PortellaFilipe DutraLarissa AverbugMaria Fernanda de NovaesRonaldo Florio d'Aguiar
ILUSTRAOClara GomesSami Souza
CAPAClara Gomes
PRODUO GRFICAPatrcia EstevesUlisses Schnaider
Governo do Estado do Rio de Janeiro
Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia
Governador
Gustavo Tutuca
Luiz Fernando de Souza Pezo
Universidades Consorciadas
UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIROReitor: Silvrio de Paiva Freitas
UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Vieiralves de Castro
UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Luiz Pedro San Gil Jutuca
UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitora: Ana Maria Dantas Soares
UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Carlos Levi
UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles
CEFET/RJ - CENTRO FEDERAL DE EDUCAO TECNOLGICA CELSO SUCkOw DA FONSECADiretor-geral: Carlos Henrique Figueiredo Alves
IFF - INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAO, CINCIA E TECNOLOGIA FLUMINENSEReitor: Luiz Augusto Caldas Pereira
Aula 1 A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico .................................................................... 7 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 2 O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas ...........................................23 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 3 O fim do campesinato? Que campesinato? .....................................39 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 4 A economia, o territrio e a agricultura no Brasil primrio exportador ........................................................................51 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 5 As vises clssicas sobre a questo agrria nacional ......................73 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 6 A lgica produtivista da ditadura militar: da modernizao conservadora formao dos complexos agroindustriais ...............91 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 7 Dcada perdida: a poltica agrcola e a questo agrria em um contexto de recesso econmica ..................................... 105 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 8 Comportamento agrcola a partir da dcada de 1990: neoliberalismo ............................................................................. 119 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 9 Agronegcio e a agricultura familiar no Brasil: conceitos bsicos e debates controversos .................................. 135 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 10 Notas sobre a agricultura familiar no Brasil .............................. 147 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 11 Notas sobre o uso e a ocupao do solo no Brasil .................... 161 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 12 Movimentos e conflitos sociais no Brasil: passado e presente ................................................................... 173 Joelson Gonalves de Carvalho
Economia AgrriaVolume nico
SUMRIO
Aula 13 Reforma agrria: instrumentos, argumentos e controvrsias .... 189 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 14 Assentamentos rurais: lcus de trabalho e vida......................... 201 Joelson Gonalves de Carvalho
Aula 15 A economia e a questo agrria: do que tratamos e do que no tratamos .............................................................. 223 Joelson Gonalves de Carvalho
Referncias............................................................................................. 235
objet
ivos Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:
identificar os tipos de classes existentes na economia, segundo a teoria fisiocrata e sua base antimercantilista;
distinguir as principais diferenas apresentadas pelos clssicos na anlise da importncia da agricultura para o desenvolvimento econmico;
estabelecer o papel da terra no desenvolvimento econmico.
1Meta da aula
Descrever como evoluram, na histria do pensamento econmico, as anlises do papel da terra
e da agricultura no desenvolvimento da economia.
A agricultura e a questo agrria na histria do
pensamento econmicoJoelson Gonalves de Carvalho A
ULA
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2
3
Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico
CEDERJ8
Muitos so os temas contemporneos abordados na Economia Agrria, mas
preciso ter em mente que tais questes sempre estiveram presentes na
histria do pensamento econmico, especialmente no que se refere terra
e riqueza gerada por ela.
Entender este processo histrico condio fundamental para que possamos
compreender o atual estgio do desenvolvimento capitalista no campo e suas
inter-relaes com a economia de modo geral.
NOSSO OBJETO DE ESTUDO: A ECONOMIA AGRRIA
Poderamos comear dizendo que a Economia Agrria a parte dos
estudos econmicos destinada compreenso das relaes de produo,
consumo e distribuio do mundo rural, agrcola ou agrrio. Contudo,
mesmo no estando totalmente errada, seria uma forma muito resumida
de apresentar a disciplina que vamos estudar, pois essa definio acaba
por no deixar claro o carter humano e socialmente aplicado das cha-
madas Cincias Econmicas.
Antes de abordarmos a economia agrria propriamente dita
preciso relembrar o conceito mais geral de Economia, muitas vezes apre-
sentada como a cincia que estuda a interao entre uma oferta limitada
e uma demanda ilimitada, grosseiramente apelidada de Lei da Escassez.
Devemos entender a Economia como uma cincia humana social-
mente aplicada que se preocupa com as relaes sociais de produo.
Dito isso, fica claro, portanto, que, para se entender a Economia Agrria
necessrio explicitar as aes e relaes no apenas dos homens com
a natureza, mas tambm deles com eles mesmos, o que ficar mais claro
na medida em que formos avanando em nosso estudo.
Mas o que Economia Agrria?
Correndo o risco de ser bastante generalista, podemos definir Eco-
nomia Agrria como a parte da Economia que se preocupa em entender
a produo, distribuio e o consumo de produtos agropecurios e as
relaes sociais presentes neste processo.
Economia Agrria ou Agrcola?
INTRODUO
CEDERJ 9
AU
LA 1
No podemos nos confundir quanto a isto: a Economia Agrcola
tem um foco mais especfico voltado produo propriamente dita,
tentando responder a questes, como: O que produzir? Onde produzir?
Quanto produzir? J a Economia Agrria abre o leque de perguntas, inse-
rindo questes como: Quem produz? Quem consome? Como est orga-
nizada a produo? Quais as relaes de trabalho presentes no campo?
Em sntese, em Economia Agrcola, podemos dizer que a terra
um fator de produo que, somada ao capital e ao trabalho, gera
mercadorias para satisfazer as necessidades humanas. Mas, dentre as
preocupaes da Economia Agrria, a terra no apenas um fator de
produo, tambm um lcus de produo e reproduo social, isto
, local onde se produzem mercadorias, vive-se, trabalha-se, onde as
pessoas relacionam-se, moram, criam seus filhos e criam tambm uma
identidade comum, compartilhada entre seus pares.
Quem so essas pessoas que vivem, trabalham e criam seus filhos
na terra? Essa pergunta pode parecer simples, mas no . Ser um cam-
pons, agricultor, empresrio rural, fazendeiro, trabalhador sem terra,
meeiro, sitiante, colono...? Muitos so os debates e controvrsias em
torno dos que vivem e trabalham no mundo rural, debates estes que
transcendem a Economia Agrria.
As aes e relaes sociais de produo que se estabelecem no
mundo rural no so exclusividade da economia. Outras cincias tam-
bm tm esta preocupao, resultando da o termo Questo Agrria,
muito pesquisada em todo o conjunto de cincias humanas, da terra e
sociais aplicadas.
Convencionou-se chamar de questo agrria o conjunto dos pro-
blemas relativos produo e reproduo social no campo dentro do
capitalismo. Nunca demais reforar que o capitalismo desenvolve-se
historicamente como um modo de produo desigual e contraditrio.
A penetrao do capitalismo no campo no poderia se dar em outros
termos; portanto, o desenvolvimento capitalista da agropecuria e das
relaes sociais de produo que permeiam o mundo rural tambm
caracterizado pelo processo desigual e contraditrio do capitalismo.
Buscar entender melhor estas questes ser nossa tarefa nesta
disciplina.
Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico
CEDERJ10
A fISIOCRACIA E A TERRA ENqUANTO NICA fONTE DE GERAO DE RIqUEzA
Antes mesmo de existir uma teoria sistematizada que pudesse ser
chamada de Economia, um grupo de pensadores franceses, aproxima-
damente na dcada de 1750, construiu uma teoria antimercantilista,
focada na importncia da produo, a fisiocracia, tendo como base de
sua argumentao a ideia de que apenas a terra (ou a natureza) seria
capaz de produzir riqueza.
Lembremos que o mercantilismo
h e g e m o n i z o u a prtica poltica e econmica das potncias europeias at o sculo
XVIII. As principais caractersticas do mercantilismo eram:
a) balana comercial favorvel, ou seja, exportar mais e importar menos, gerando supervit;
b) um Estado protecionista, de modo a garantir este supervit, valendo-se para isso inclusive dos pactos coloniais;
c) a ideia metalista que baseava a riqueza de uma nao pela quantidade de metais preciosos que
ela possua, especialmente ouro e prata.
?he g e m o n i z o u
Diz respeito domi-nao poltica e eco-nmica de um povo sobre o outro.
Para a economia fisiocrata, s a agricultura gerava produto lqui-
do um excedente em relao aos custos agrcolas , o qual, transferido
aos proprietrios fundirios na forma de renda da terra, seria a causa
ou o motor do desenvolvimento de uma nao.
Em sntese, para os fisiocratas, como Franois Quesnay (1694-
1774), seu principal expoente, existiam na economia trs classes bem
distintas. O quadro a seguir apresenta a caracterizao delas nas palavras
do prprio autor.
CEDERJ 11
AU
LA 1
Fonte: Quesnay (1996, p. 211).
figura 1.1: Franois Quesnay.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fran% C3%A7ois_Quesnay.jpg
A classe produtiva
a que faz renascer, pelo cultivo do territrio, as riquezas anuais da nao, efetua os adiantamen-tos das despesas com os trabalhos da agricultura
e paga anualmente as rendas dos proprietrios de terras. Englobam-se no mbito dessa classe todos os trabalhos e despesas feitas na agricultura, at a venda dos produtos em primeira mo; por ven-da conhece-se o valor da reproduo anual das
riquezas da nao.
A classe dos proprietrios
Compreende o soberano, os possuidores de terras e os dizimeiros. Essa classe subsiste pela renda
ou produto lquido do cultivo da terra, que lhe pago anualmente pela classe produtiva, depois
que esta descontou, da reproduo que faz renas-cer cada ano, as riquezas necessrias ao reembol-so de seus adiantamentos anuais e manuteno
de suas riquezas de explorao.
A classe estril
formada por todos os cidados ocupados em outros servios e trabalhos que no a agricultura e cujas despesas so pagas pela classe produtiva e pela classe dos proprietrios, os quais, por sua
vez, tiram rendas da classe produtiva.
quadro 1.1: Trs classes na economia, segundo Quesnay
Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico
CEDERJ12
Desta diviso entre classes e das transaes comerciais e finan-
ceiras estabelecidas entre elas, Quesnay criou o Tableau conomique
(do francs, quadro econmico). O tableau foi uma tentativa fisiocrata
de demonstrar como o produto lquido gerado na agricultura se movi-
mentava em toda a economia na forma de pagamentos de compras
estabelecidas no circuito econmico.
Abaixo temos uma das ilustraes feitas pelo prprio Quesnay
(1996, p. 21) para demonstrar sua argumentao:
Figura 1.2: Tableau conomique frmula do quadro econmico.
Fonte: QuEsnAy, 1996, p. 21)
A tentativa de explicar a maior ou menor riqueza de uma nao
a partir do seu desenvolvimento agrcola tem seus mritos, e um destes
o fato de a anlise estar pautada na observao emprica da realidade, o
que propiciou um conjunto de polticas econmicas que tinha a produo
agrcola como eixo central.
CEDERJ 13
AU
LA 1
Outro mrito a considerar o contedo antimercantilista, que,
alm de questionar a ideia de riqueza diretamente relacionada quanti-
dade de metais preciosos de uma nao, tambm representou uma dura
crtica ao intervencionismo do Estado na economia, apresentando a
poltica do laissez-faire, isto , expresso poltica para um mercado que
funciona livre e sem interferncia, algo muito propalado at os dias atuais.
Vimos que para os fisiocratas as trs classes que existem na economia tm papis muito bem definidos. Faa um pequeno texto sintetizando estes papis.
Resposta ComentadaPara esta atividade, o poder de entendimento e sntese fundamental. A primeira
classe a considerada produtiva, ou seja, aquela que trabalha na terra e respon-
svel pela riqueza do pas, gerada pela venda dos produtos produzidos por ela s
demais classes. A classe dos proprietrios vive do aluguel de suas terras, ou renda
da terra. Todo o resto da economia representado, segundo a fisiocracia, pela
classe estril, que produz todas as outras mercadorias e servios da economia.
Atividade 111
Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico
CEDERJ14
Por que os fisiocratas eram considerados antimercantilistas?
Resposta ComentadaComece sua resposta lembrando que os fisiocratas foram pioneiros na defesa
do liberalismo econmico e que os mercantilistas defendiam a interveno do
Estado para o desenvolvimento dos interesses mercantis da nao. Dito isso, uma
resposta padro poderia ser: Os mercantilistas se valiam da ao do Estado para
favorecer os interesses dos exportadores e gerar uma balana comercial favorvel,
valendo-se tambm de fortes restries importao, contrariando o principio
fisiocrata do Laissez-faire ou, em outras palavras, mercado livre.
Atividade 2
DAvID RICARDO E A RENDA DA TERRA
Em sentido oposto ao da fisiocracia, para David Ricardo (1772-
1823) um dos principais representantes do liberalismo econmico
o foco central da economia, em termos gerais, estava na eficincia
da agricultura e no modo como esta eficincia condicionava salrios e
insumos industriais.
Podemos considerar a formalizao terica de Ricardo bem mais
elaborada e consistente que a dos fisiocratas e, de Thomas Malthus (seu
contemporneo que estudaremos a seguir). Ricardo conseguiu, sua
poca, identificar contradies do sistema econmico que, exacerbadas ,
levariam a uma crise profunda e generalizada; por isso ficou conhecido
como um economista pessimista.
Para o autor, o deslocamento da produo agrcola para terrenos
de menor fertilidade e mais distantes dos centros de consumo geraria um
aumento nos custos de produo e um aumento do preo dos alimentos, o
ex a c e r b a d a s
tornar mais intenso.
1
CEDERJ 15
AU
LA 1
que, por consequncia, provocaria a necessidade de aumentar os salrios
dos trabalhadores para que estes conseguissem adquirir o necessrio para
a sobrevivncia. Diante disto, Ricardo vai concluir que, com o aumento
dos custos de produo e tambm o aumento dos salrios, o resultado
seria uma compresso da taxa de lucro dos capitalistas, que devido
concorrncia no poderiam aumentar na mesma proporo os preos
dos seus produtos.
figura 1.3: David Ricardo.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:David_ricardo.jpg
No pensamento ricardiano, o produto da terra era a principal ques-
to da Economia Poltica. Nas palavras do prprio Ricardo (1996, p. 19):
O produto da terra tudo que se obtm de sua superfcie pela
aplicao combinada de trabalho, maquinaria e capital divide-se
entre trs classes da sociedade, a saber: o proprietrio da terra,
o dono do capital necessrio para seu cultivo e os trabalhadores
cujos esforos so empregados no seu cultivo.
Outro avano que podemos elencar em relao ao pensamento
fisiocrata a separao entre trabalhadores e donos do capital e tambm
a identificao mais precisa dos ganhos das classes sociais do sistema
capitalista. Veja a seguir como Ricardo identificou essas classes:
Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico
CEDERJ16
1) Os donos da terra, que recebem renda por sua condio de
proprietrios fundirios;
2) Os capitalistas, que tm o capital necessrio ao cultivo da terra,
recebendo lucros; e
3) Os trabalhadores, que, empregados no cultivo da terra, recebem
salrios por servios prestados.
As propores do produto total da terra destinadas a cada uma das
classes (proprietrio de terra, dono do capital e trabalhadores, designadas
sob os nomes da renda, lucro e salrio), eram essencialmente diferentes,
dependendo principalmente da fertilidade do solo, da acumulao de
capital e de populao e, entre outros, dos instrumentos empregados
na agricultura.
Pense no modelo de Ricardo e reflita sobre esta frase: quem
determina o preo dos produtos agrcolas a terra de menor fertilidade
e, portanto, com maior custo.
Se partirmos da ideia de que as primeiras terras (Terra 1, depois
Terra 2, depois Terra 3 etc.) sejam mais frteis e mais bem localizadas
como queria Ricardo, fica fcil entender por que, para o autor, existia
uma Lei de Rendimentos Decrescentes na agricultura que se estenderia
por toda a economia, gerando uma queda na taxa de lucros dos capi-
talistas e, por fim, a crise. Quanto mais se avana nas terras de menor
fertilidade por conta do crescimento econmico, aumento da populao,
entre outras variveis, mais o custo aumenta.
A Lei de Rendimentos Decres-
centes define que quanto mais se aumenta a quantidade de um fator varivel
(mantendo-se fixos os demais fatores e a quanti-dade), a produo aumenta a taxas crescentes. E aps
determinado ponto, com o aumento da utilizao do fator varivel, a produo decresce. O exemplo mais ilustrativo o caso do cultivo de determinada quantidade de terra. Dois trabalhadores rurais em 10 hectares produzem mais que um, trs produzem ainda mais; contudo, se colocar-
mos 100 trabalhadores ningum produzir nada por falta de espao. A quantidade de trabalhadores
aumentou, mas o tamanho da terra ficou fixo, com os mesmos 10 hectares.
?
CEDERJ 17
AU
LA 1
Na verdade, o que acontece que os produtores capitalistas
acabam, por fora da concorrncia, tendo margens de lucros prximas.
Quem acaba por se apropriar do valor a mais gerado pela diferena entre
as diferenas de fertilidade o dono da terra, ou, em termos atuais, o
latifundirio. Em outras palavras: quanto maior o crescimento econmi-
co, mais terras menos frteis so demandadas e, devido produtividade
decrescente da agricultura, menores so as parcelas de lucros em detri-
mento do aumento da renda apropriada pelos donos da terra.
Como j explicado nas pginas anteriores, para Ricardo existem
trs classes econmicas: o trabalhador, o capitalista e o proprietrio. Ou
seja, o proprietrio da terra, que vive da renda da terra, no o mesmo
que cultiva a terra e vive de salrios, nem o mesmo que emprega seus
recursos financeiros (investimento) para o cultivo dela.
Por fim, lembremos que Ricardo um dos principais represen-
tantes do liberalismo econmico; portanto, sua argumentao tambm
colide com as restries s importaes de trigo que vigoravam na poca,
conhecidas como Corn Laws.
As Corn Laws surgiram na Inglaterra como uma forma de diminuir a concorrncia do comrcio de trigo ou milho da Frana e outros pases. se quiser saber mais detalhes sobre esse assunto, acesse o link:http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2002/07/22/000.htm.
Esta uma simplificao muito limitada do modelo de evoluo
da renda fundiria de David Ricardo. Ela deixa claro que, para Ricardo,
existia um limite ao crescimento econmico que seria dado pelos prprios
limites da terra e dos recursos naturais, pois a continuidade do processo
de produo e desenvolvimento nacional e o consequente aumento da
populao, impelem o cultivo de terras cada vez menos frteis, com
custos crescentes ou rendimentos decrescentes.
Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico
CEDERJ18
Com base no que voc aprendeu at agora, trace um paralelo das diferenas principais entre o pensamento de Ricardo e dos fisiocratas, no que se refere ao papel da terra no crescimento econmico.
Resposta ComentadaRicardo tem uma teoria bem mais elaborada que a de seus antecessores, a
comear por identificar nas classes que compem a economia o trabalhador e
tambm a parte da renda de que cada classe se apropria, isto , salrios aos
trabalhadores, renda da terra aos proprietrios e lucros aos capitalistas. Outra mar-
cante diferena que, para os fisiocratas, a natureza ou a terra a principal fonte
de riqueza, sem necessariamente apresentar limites estruturais de estagnao. J
em Ricardo a eficincia na produo agrcola que cumpre importante papel no
crescimento; contudo, o necessrio uso de terras cada vez menos frteis tende
a aumentar os custos e reduzir os lucros no apenas da agricultura, mas em
toda a economia, criando limites ao crescimento econmico.
Atividade 3
MAlThUS, SUpERpOpUlAO E A CRISE DE AlIMENTOS
Contemporneo de David Ricardo, Thomas Malthus (1776-1834)
foi o autor de umas das teorias mais popularizadas e conhecidas at hoje
pelo senso comum: a teoria populacional ou teoria da superpopulao.
Obervando o crescimento populacional dos Estados Unidos, Malthus
concluiu que a cada 25 anos a populao dobrava, ao passo que a pro-
duo de alimentos na Gr-Bretanha cresceria a uma taxa bem menor
no mesmo perodo. Segundo Malthus (1996, p. 246):
Ento, adotando meus postulados como certos, afirmo que o
poder de crescimento da populao indefinidamente maior do
que o poder que tem a terra de produzir meios de subsistncia
para o homem. A populao, quando no controlada, cresce numa
progresso geomtrica. Os meios de subsistncia crescem apenas
numa progresso aritmtica.
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CEDERJ 19
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LA 1
figura 1.4: Thomas Malthus.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Thomas_Malthus.jpg
O contexto de sua anlise o decorrente da Revoluo Industrial.
Influenciado por este contexto, marcado pelo crescimento da pobreza, de
pestes e morte, o economista e demgrafo ingls concluiu que a populao
estava crescendo em progresso geomtrica, entretanto, a produo de ali-
mentos crescia em progresso aritmtica, isto , a produo de alimentos no
acompanhava o crescimento da populao, o que geraria aumento da pobreza
e da mortandade. Podemos supor ento que, em um dado espao de tempo,
para Malthus, o crescimento da populao superaria em muito o crescimento
da produo de alimentos. Podemos ilustrar isto no grfico abaixo:
figura 1.5: Grfico de teoria de Malthus sobre o supercrescimento populacional.
Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico
CEDERJ20
Mesmo com estatsticas comprovadamente falhas, Malthus tem
seus mritos ao deixar claro que, para os pensadores liberais, a pobreza
de responsabilidade dos pobres. Na apresentao que Sandroni (1999,
p. 363) faz de Malthus, o autor destaca que A nica forma de evitar
essas catstrofes seria negar toda e qualquer assistncia s populaes
pobres e aconselhar-lhes a abstinncia sexual, com o fim de diminuir a
natalidade. Infelizmente, essa uma viso ainda corriqueira nos dias
atuais. Quantas vezes j lemos ou ouvimos algum dizer que o desem-
prego culpa da preguia do desempregado, ou que a pobreza est na
alma do pobre, ou ainda que polticas sociais compensatrias, como por
exemplo, o bolsa-famlia, estimulam os pobres a ter mais filhos? Vale a
pena pensar sobre isso!
Voltando ao nosso assunto central, na viso malthusiana, com o
crescimento populacional a quantidade de trabalhadores querendo tra-
balhar seria maior que a quantidade de emprego oferecida no mercado.
Em linguagem econmica: a oferta de trabalho maior que a demanda
por trabalhadores. Com este desequilbrio, os salrios naturalmente
cairiam e cabia aos trabalhadores entenderem e aceitarem tal situao.
Para piorar o contexto, com a populao crescendo mais que a
produo de alimentos, o preo da comida subiria. Em outras palavras:
salrios caindo e preo dos alimentos subindo, resultando em pobreza,
fome e morte, tendo esta um papel especial para reequilibrar tempora-
riamente a situao.
Muitas foram as mudanas ocorridas com a Revoluo Industrial,
tais como produo em massa, barateamento dos produtos e estmulo
ao consumo, xodo rural e produo agrcola direcionada indstria.
Outras tantas mudanas, nos sculos seguintes, no que se refere a adu-
bos, fertilizantes e maquinrios, alteraram radicalmente a produo e as
formas de trabalho na agricultura. Essas mudanas foram determinadas
e determinantes para que o capitalismo penetrasse no campo, com signi-
ficativo aumento da produo e da produtividade e drsticas alteraes
nas relaes de trabalho, tanto no espao urbano quanto no rural.
Muitas das teses sobre o papel da terra e da agricultura para o
desenvolvimento do capitalismo que vigoravam at esse perodo caram em
descrdito ou desuso, outras se fortaleceram; dentre elas destaca-se a de que
a agricultura passa a ter um papel subordinado grande indstria, impactan-
do na existncia dos camponeses, tema que estudaremos na prxima aula.
CEDERJ 21
AU
LA 1
Voc acredita que podemos responsabilizar os pobres por sua prpria pobreza, como queria Malthus?
Resposta ComentadaObviamente, tal pergunta tem uma margem muito grande para possveis respostas
de diversas formas, entretanto acreditamos ser um equvoco culpar os pobres por
sua condio de misria. Os limites estruturais que o prprio capitalismo impe
a uma apropriao de riqueza mais igualitria deixam claras as dificuldades em
eliminar a pobreza como um todo. Aqui a capacidade de argumentao e susten-
tao de sua resposta mais importante do que uma resposta propriamente dita.
Atividade 4
A partir da leitura feita at aqui, o que podemos dizer sobre o papel da terra no desen-volvimento econmico para os autores estudados?
Resposta ComentadaA terra vista pelos fisiocratas era a varivel mais importante para o desenvolvimento de
uma nao. Isto se justifica quando contextualizamos os autores em seu tempo histrico.
Com o desenvolvimento do prprio capitalismo, o modo de ver a importncia da terra
passou a estar conectado com os demais setores da economia. Entretanto, ainda ana-
lisando as contribuies que vimos at agora, o mundo ainda no conhecia tratores,
insumos qumicos e equipamentos modernos e por isso a fertilidade decrescente do
solo ou um desequilbrio entre a populao e a quantidade de alimentos passou a
ser uma temtica recorrente e preocupante desses pensadores.
Atividade Final
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Economia Agrria | A agricultura e a questo agrria na histria do pensamento econmico
CEDERJ22
INfORMAO SOBRE A pRXIMA AUlA
na prxima aula, daremos continuidade ao estudo da importncia da
agricultura para o desenvolvimento capitalista, mas sob outra vertente: a
de Marx e dos marxistas. Este debate muito importante no apenas por
seu peso histrico como por sua influncia nas interpretaes da questo
agrria nacional desenvolvidas por grandes intelectuais brasileiros.
uma das primeiras formalizaes tericas de relevncia sobre o papel
da terra e da agricultura na riqueza de um pas pode ser encontrada na
escola fisiocrata. Em grande medida, no pensamento dos economistas
da escola fisiocrata era o excedente agrcola que gerava a riqueza e
possibilitava a conduo das outras atividades econmicas (consideradas
atividades estreis) de outros setores no agrcolas. David Ricardo, contrrio
a esta viso, considerou que o uso cada vez mais necessrio de terras menos
frteis determinaria custos maiores e lucros menores, o que resultaria em
crise na economia. Por fim, Malthus, to pessimista quanto Ricardo, previu
que o crescimento da populao superaria o da produo de alimentos,
resultando tambm em crise, fome e morte.
R E S U M O
objet
ivos Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:
identificar as principais contribuies de Marx e dos autores marxistas sobre a penetrao do capitalismo na agricultura e suas consequncias.
apresentar a ideia de economia camponesa como uma estrutura econmica no capitalista.
compreender o debate marxista sobre o fim ou no do campesinato no desenvolvimento do capitalismo.
2O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistasJoelson Gonalves de Carvalho AULA1
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3
Meta da aula
Apresentar as anlises marxistas sobre a questo agrria e suas teses, que variaram entre pregar
o fim do campesinato at sua anlise como uma estrutura no capitalista.
Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas
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Nesta aula, apresentaremos um importante debate, protagonizado por Marx
e os marxistas de maior destaque no que tange questo agrria. Este debate
foi fundamental para que os problemas decorrentes da patente penetrao
do capitalismo no campo fossem enfrentados e ganhassem um corpo terico
que passou a ser denominado de questo agrria.
As diversas anlises inseridas neste debate contriburam de modo muito signi-
ficativo para a compreenso das contradies inerentes ao prprio capitalismo
de maneira mais geral e, de modo mais especfico, como estas contradies
manifestam-se no campo.
MARX E O pApEl SUBORDINADO DA AGRICUlTURA
No fcil apresentar o pensamento de Karl Marx (1818-1883)
em poucas linhas, mas em um esforo de sntese vamos partir do mundo
de ampla concorrncia, desenhado por David Ricardo, com dois prota-
gonistas: os capitalistas (aqueles que so donos dos meios de produo)
e os trabalhadores (que tm apenas a fora de trabalho para vender).
Marx coloca-nos a pensar: como haveria lucro, se todas as mercadorias
fossem vendidas a um preo honesto e justo?
figura 2.1: Karl Marx.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Marx1867.jpg
Sua obra ensina-nos que o lucro ser extrado da mercadoria
fora de trabalho, uma vez que o trabalhador recebe apenas o neces-
srio para sua subsistncia, mas produz, com seu trabalho, mais valor
INTRODUO
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AU
LA 2
do que recebe. Ou seja, o trabalhador recebe menos do que produz e a
diferena entre esses valores conhecida como mais-valia fica com o
capitalista, na forma de lucros. Em outras palavras, o lucro tem origem
no trabalho no pago, denominado mais-valia.
Em termos atuais, poderamos dizer que, se os salrios fossem
justos, no haveria lucro; portanto, o trabalhador sempre recebe menos
do que gera ao patro.
A mais-valia consiste no valor do trabalho no pago
ao trabalhador, isto , na explorao exercida pelos capitalistas sobre seus assa-
lariados. Marx, assim como Adam smith e David Ricardo, considerava que o valor de toda mercadoria
determinado pela quantidade de trabalho socialmen-te necessrio para produzi-la. sendo a fora de trabalho
uma mercadoria cujo valor determinado pelos meios de vida necessrios subsistncia do trabalhador (alimentos, roupas, moradia, transporte etc.), se este trabalhar alm de um determinado nmero de horas, estar produzin-do no apenas o valor correspondente ao de sua fora
de trabalho (que lhe pago pelo capitalista na forma de salrio), mas tambm um valor a mais,
um valor excedente sem contrapartida, denominado por Marx de mais-valia
(sAnDROnI, p. 363).
?Voltando ao raciocnio inicial, a competio entre os capitalistas
faz necessrio que eles expandam suas atividades econmicas para se
destacarem em relao aos seus concorrentes.
Para Ricardo, como vimos na aula anterior, os salrios tenderiam a
subir e os lucros tenderiam a cair, mas na anlise de Marx no. Para esse
autor, os capitalistas passam a introduzir, no processo de concorrncia,
mquinas e equipamentos que, por sua vez, reduzem a utilizao de mo
de obra, gerando desemprego e um e x r c i t o i n d u s t r i a l d e r e s e rva ,
que tende a forar os salrios a nveis muito baixos.
ex r c i t o i n d u s t r i a l d e r e s e rva
uma expresso empregada por Karl Marx para designar o conjunto dos tra-balhadores desem-
pregados em decor-rncia do emprego de novas mquinas
e equipamentos, de jovens que no
encontram trabalho ou ainda de traba-lhadores agrcolas
expulsos do campo pela mecanizao da
agricultura.
Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas
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O problema que, se todos os capitalistas agirem assim, eles iro
reduzir a quantidade de trabalhadores em suas firmas, reduzindo sua
fonte do lucro que o trabalho no pago e consequentemente geran-
do crises do sistema capitalista, crises estas que podem ser seguidas por
perodos de crescimento, pois as firmas que entram em falncia colocam
disposio mquinas e equipamentos baratos alm de mais desempre-
gados que pressionam os salrios ao mnimo necessrio subsistncia.
Mas o processo recomea e as prximas crises sempre so mais
profundas que as ltimas, devido ao processo constante de concentrao
do capital, que consiste na compra de empresas menores por empresas
maiores. Entretanto, todo este processo no se d revelia do campo e
das atividades rurais, pelo contrrio.
Na medida em que o desenvolvimento da indstria cria demanda
de produtos especficos, como a l, por exemplo, isso impacta diretamen-
te no modo de produo campons, que agora tem mais mercado para
seu produto. Ao mesmo tempo, para ofertar l com preo baixo que a
indstria queira pagar, o campons ter de aumentar sua produtividade,
incrementando, por exemplo, os cuidados com as pastagens, trocando
adubo orgnico (fezes de animais) por fertilizantes qumicos.
O aumento da produtividade buscado pelo campons para que
ele consiga ofertar sua matria-prima com um menor preo, mais atrativo
indstria, contudo, neste processo seu custo tende a aumentar.
No final, para conseguir ter uma produo adequada aos interesses
da indstria, o campons ter de se especializar cada vez mais em uma
nica produo (no caso, ovelhas para a produo de l) e vai acabar
deixando de produzir, inclusive, gneros alimentcios que antes ocupa-
vam parte de sua terra e de seu dia de trabalho, tendo de os adquirir
no mercado.
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Se observarmos esta pequena histria, percebemos que o campons
que antes era autossuficiente, produzindo para si e sua famlia agora
vende um produto indstria para, em seguida, com o dinheiro recebido,
comprar outros produtos tambm da indstria.
Aos poucos, o campons foi deixando de ser autnomo. Muitos
no conseguiram se adequar s novas tcnicas e acabaram sendo expulsos
do campo, partindo para as cidades em busca de emprego na condio
de proletrios. No final, a grande propriedade que conseguiu assimilar
novas tcnicas e acompanhou o desenvolvimento da indstria foi a que
se sobressaiu e que hoje tem sua produo subordinada aos interesses
do capital industrial.
A partir da patente penetrao do capitalismo no campo, com
significativo aumento da produo e da produtividade e de drsticas
alteraes nas relaes de trabalho, tanto no espao urbano quanto no
rural, Karl Marx vai concluir que, ao contrrio do que os fisiocratas e
Ricardo supunham, a agricultura passa a ter um papel subordinado
grande indstria. Para Marx:
Na esfera da agricultura, a grande indstria atua de modo mais
revolucionrio medida que aniquila o baluarte da velha socie-
dade, o campons, substituindo-o pelo trabalhador assalariado
(1996, p. 132, grifos nossos).
A A I I A IAntes a agricultura era autossuficiente.
O que era produzido era consumido i n l o c o
pela famlia ou era usado para garantir
a nova produo (agrcola ou pecuria).
Com a constituio do capitalismo, a agricul-tura passa a produzir
gneros agrcolas, espe-cialmente alimentcios,
para o mercado.
Com a consolidao do ca-pitalismo industrial, a agri-cultura passou a ser uma
ilha de produo. Primeiro tem que comprar insumos e ferramentas da indstria e depois vender a produo
para a mesma.
figura 2.2: O processo de penetrao do capitalismo no campo
in l o c o
uma expresso em latim que designa
no local.
Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas
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Com certeza, Marx um autor bastante controverso e, mesmo no
tendo tratado sistematicamente o tema da terra, a influncia de sua obra
foi maior do que a de muitos trabalhos completos sobre o tema e pode
ser notada especialmente nas obras de Lnin, Kautsky e Chayanov. Esse
debate, com seus diversos vieses, contribuiu para o avano dos estudos
agrrios, especialmente por reconhecerem a conflitualidade, enquanto
conceito importante para entender os determinantes estruturais da ques-
to agrria no capitalismo.
Antes de analisarmos as principais contribuies dos autores dessa
vertente terica, bom explicar o arcabouo ideolgico por trs de suas
contribuies. A renda da terra passou a ser discutida por tericos mar-
xistas, associada ao processo de diferenciao e de recriao do campe-
sinato decorrentes do desenvolvimento do capitalismo no campo. Neste
sentido, destacaram-se os trabalhos de Kautsky (1986), Lnin (1985) e
Chayanov (1981). Estes autores so socialistas, mas os dois primeiros
acreditavam que o socialismo surgiria enquanto uma fase posterior do
capitalismo e que seria mais forte quanto mais desenvolvidas estivessem
as foras capitalistas, o ltimo acreditava em uma economia camponesa
no capitalista, como veremos mais adiante.
Por isso, estes autores e diversos outros de orientao marxista
pregam o fim do campesinato como condio essencial para o pleno
desenvolvimento das foras capitalistas no campo e, por consequncia,
na sociedade. Deste modo, com o pleno desenvolvimento das foras
capitalistas operando, haveria espao para a transio da sociedade
capitalista para uma sociedade socialista.
lNIN E O pROCESSO DE DIfERENCIAO DO CAMpESINATO
Vladimir Lnin (1870-1924) foi o principal lder da Revoluo
Russa, influente pensador e autor de importantes obras sobre o desenvol-
vimento capitalista e suas contradies. Destaca-se, especificamente para
nosso tema, a obra O desenvolvimento do capitalismo na Rssia, escrita
originalmente em 1899, na qual o autor marxista e revolucionrio
explica como o capitalismo, enquanto fase transitria para o socialismo,
mudaria as relaes sociais at ento presentes na agricultura. Lnin
via que a evoluo do capitalismo no campo acelerava e aprofundava
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as contradies na comunidade camponesa, destruindo-a, liberando,
portanto, os camponeses (agora desempregados) para a formao do
proletariado urbano.
figura 2.3: Vladimir Lnin.Fonte: http://commons.wikime-dia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_183-71043-0003,_Wladi-mir_Iljitsch_Lenin.jpg
Este processo, denominado pelo autor como diferenciao do
campesinato, consistia em uma ao do capitalismo que buscava criar
seu prprio mercado onde antes ainda no havia penetrado. De modo
esquemtico, seria assim o processo gradual de diferenciao do cam-
pesinato no capitalismo:
Os camponeses ricos caracterizados como aqueles que empre-
gam a fora de trabalho de camponeses pobres e que poderiam
se tornar capitalistas;
Os camponeses mdios caracterizados como aqueles que podem
ou no empregar a fora de trabalho dos camponeses pobres,
possuindo retorno suficiente para manter os seus estabelecimentos
e atender s demandas de suas famlias;
Os camponeses pobres caracterizados como aqueles que so
impelidos a vender sua fora de trabalho a outros camponeses e
tendem a ser desintegrados e a se transformarem em proletariado.
Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas
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bom saber que a Rssia em que Lnin escreve um pas com
significativos resqucios feudais e com uma indstria muito incipiente.
Este quadro propiciou o surgimento de muitos ativistas polticos, com os
quais Lnin vai debater, que acreditavam que ali poderia nascer um pas
comunista sem necessariamente passar pela fase do capitalismo, como
queria Marx, tese esta denominada socialismo agrrio.
O feudalismo entendido como uma organizao social e econ-
mica tpica da Idade Mdia europeia, caracteri-zada pelo sistema de grandes propriedades territoriais isoladas (feudos) pertencentes nobreza e ao clero e trabalhadas pelos servos da gleba, numa economia de subsistncia (sAnDROnI, 1999, p. 237). A Rssia foi o
ltimo pas do mundo a sair do feudalismo, com a servido sendo extinta apenas em 1861.
?Este pensamento influenciou muitos militantes, membros da
elite urbana, conhecidos como narodniks ou populistas russos. Para os
populistas, a baixa produo e a quase autossuficincia do campesinato
russo colocariam em risco o pleno desenvolvimento do capitalismo na
Rssia, pela ausncia de mercado interno para produtos industrializados.
O crescimento do capitalismo industrial na Rssia, para os populistas,
seria artificial e problemtico na medida em que desarticularia a economia
camponesa, limitando ainda mais o pequeno mercado interno (NETTO,
1985). Esta tese estava equivocada na medida em que Lnin
demonstra que a runa dos camponeses no implica a liquidao
do mercado interno para o capitalismo ao contrrio, uma
consequncia necessria do processo de emergncia e evoluo do
capitalismo que promove a industrializao e que acelera e apro-
funda os antagonismos que, j existentes no bojo da comunidade
camponesa, desintegram o campesinato e liberam massas para a
formao do proletariado (NETTO, p. XV).
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Observamos que, para Lnin, a desintegrao do campesinato era
certa e ocorreria na medida em que parte dos camponeses se transforma-
ria em patres e parte em operrios agrcolas. Lnin, obviamente, estava
ciente dos males que o desenvolvimento do capitalismo poderia gerar,
como o aumento da concentrao da riqueza e consequente aumento
da pobreza. Contudo, pelo seu vis marxista, estava convencido de que
para a melhor transio possvel para o socialismo, a Rssia deveria ter
uma agricultura mais eficiente, com maior produtividade, o que, pela
marcante presena de relaes feudais, no era possvel, argumento este
compartilhado, com algumas especificidades, pelo colega alemo Kautsky.
KAUTSKy E A TESE DE RECRIAO DO CAMpESINATO
Karl Kautsky (1854-1938) foi um dos principais tericos mar-
xistas da Alemanha e teve forte influncia na poltica de seu pas. Sua
principal obra foi A questo agrria, escrita em 1899, trabalho no qual
ratifica que o desaparecimento do campesinato uma condio para a
implantao do socialismo, alm de ser a primeira obra sistemtica sobre
como o capitalismo penetra na agricultura.
figura 2.4: Karl Kautsky.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Karl_Kautsky_01.jpg
O autor estudou o desenvolvimento do capitalismo no campo
em um perodo marcado pela crescente industrializao e fez questo
de deixar claro que o grande estabelecimento agropecurio tem supe-
Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas
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rioridade em relao ao pequeno no que tange produtividade. bom
ter em mente que, ao contrrio de Lnin, Kautsky est escrevendo em
um pas que apresenta elevado grau de industrializao e com intensas
relaes entre os meios urbano e rural.
As necessidades da sociedade e as condies impostas por essa
mesma sociedade orientam o desenvolvimento no sentido da evoluo
para o grande estabelecimento social cuja forma suprema rene em uma
entidade firme e nica a agricultura e a indstria. Em resumo, a tese
central de Kautsky a de que o desenvolvimento da agricultura segue
o caminho da indstria.
Obviamente, isto um processo e, partindo de uma anlise mar-
xista, o autor vai verificar que, na medida em que o capital apodera-se
da agricultura, ele tambm a revoluciona, tornando insustentveis as
velhas e arcaicas formas de produo, favorecendo, em ltima instncia,
o grande estabelecimento agrcola.
Dentro desse contexto, o autor vai apresentar os grandes esta-
belecimentos rurais como superiores em relao aos pequenos, mas
vai destacar as mazelas do latifndio privado, tais como concentrao
fundiria, proletarizao, expropriao e submisso do campons. Pode-
mos deduzir ento que, para o autor, o estgio final deveria ser o grande
estabelecimento agropecurio socialista (GIRARDI, 2008).
Mas, para Kautsky, o desaparecimento do campesinato no
algo natural, pois o processo de subordinao ao capitalismo gera um
intenso processo de desintegrao, mas no seu desaparecimento, pois
ele recriado. De modo contraditrio, ao mesmo tempo que o avano
do capitalismo destri a organizao camponesa, acaba apresentando a
necessidade de recri-la seja via arrendamento, venda ou outras formas
pois a expulso dos camponeses acaba expulsando tambm a mo de
obra de pobres que, mesmo com alguma terra, tinham de vender sua
fora de trabalho para sustentar sua famlia.
Para Kautsky, o capitalismo no promete o fim do grande estabe-
lecimento (pelo contrrio), mas tambm no promete o fim do pequeno.
Este argumento do autor extremamente interessante, pois ajuda a
entender a convivncia no mundo rural de duas formas de produo: a
capitalista e a camponesa.
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Uma passagem de Kautsky nos ajuda a entender a dramaticidade
do dilema do campons vivendo neste processo de constante fragmen-
tao: As boas colheitas que deveriam ser comemoradas somente pela
sua produtividade biolgica mais gros agora podem ser sinais de
preo baixo, uma contradio da nova fase industrial do capitalismo
(KAUTSKY, 1986, p. 41).
O campons, nessa obra, definido como o trabalhador que vende
produtos agrcolas, mas no emprega mo de obra assalariada, a no
ser em pequeno nmero. Ele um trabalhador que no vive da renda
que traz sua propriedade, vive do seu trabalho. Este argumento final
viver do trabalho ser o ponto central de outro importante autor que
veremos a seguir, Alexander Chayanov.
Quais as similitudes e diferenas nas contribuies dos autores at agora apre-sentados no que tange penetrao do capitalismo na agricultura?
Reposta ComentadaDevemos observar que, mesmo no tendo tratado sistematicamente a questo
agrria, Marx conclui que, no pleno desenvolvimento das foras capitalistas,
a agricultura passaria de um estgio de autossuficincia para um estgio de
completa subordinao em relao indstria e consequente transformao
do campons em proletariado. Lnin concorda categoricamente com esta obser-
vao apresentando o processo de diferenciao do campesinato em patro ou
empregado. J Kautsky apresenta a ideia de que vai existir um contnuo processo
de recriao do pequeno estabelecimento agropecurio, mas que caberia ao
Estado socialista o papel de caminhar para o grande e mais eficiente
estabelecimento agropecurio.
Atividade 11
Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas
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ChAyANOv E O EqUIlBRIO ENTRE CONSUMO E TRABAlhO
Em sentido oposto lgica do desaparecimento do campesinato,
Alexander Chayanov (1888-1939(?)) props uma nova forma de ver a
agricultura camponesa. Chayanov era um intelectual empirista e dirigiu
a cadeira de Economia Agrcola na Unio Sovitica at 1930, tendo
contribudo com a publicao de mais de 4 mil volumes de trabalhos
sobre a agricultura camponesa sovitica.
Chayanov elaborou uma teoria que servia bem realidade russa.
Importante dizer que a realidade russa estudada por Chayanov no tinha a
propriedade privada como elemento estruturante, pelo contrrio, cada famlia
recebia um pedao de terra da comuna para seu uso. Em caso de desmem-
bramento familiar, como o casamento do filho, nada mudava o tamanho da
terra trabalhada, pois o novo casal solicitava comuna seu pedao de terra.
Em seu texto Sobre a teoria dos sistemas econmicos no capita-
listas, Chayanov explica que todos os fenmenos econmicos estavam
exclusivamente sendo pensados em termos capitalistas, o que relegava
insignificncia os tipos de economia no capitalistas, tais como a economia
camponesa. Para ele, o modo de produo capitalista predominante, mas
no o nico. A economia camponesa deveria ser tratada como um sistema
econmico prprio no capitalista, com anlises e parmetros diferentes
dos habituais. Um exemplo para facilitar o entendimento: para Chayanov
era inconcebvel estimar lucro em um sistema campons, uma vez que a
quantidade de trabalho se dava em funo do consumo das famlias e no
da quantidade de lucro esperada.
Para justificar suas concepes distintas dos principais tericos da
poca, Chayanov caracteriza o campons como um sujeito que cria sua prpria
existncia a partir do equilbrio entre o trabalho e o consumo na medida
certa para satisfazer as necessidades da famlia. Nas palavras do prprio autor:
Quando a terra insuficiente e se converte em um fator mnimo,
o volume da atividade agrcola para todos os elementos da uni-
dade de explorao se reduz proporcionalmente em grau varivel,
porm inexoravelmente. Mas a mo de obra da famlia que explora
a unidade, ao no encontrar emprego na explorao, se volta [...]
para atividades artesanais, comerciais e outra atividades no agr-
colas para alcanar o equilbrio econmico com as necessidades
da famlia (CHAYANOV, 1974, p. 101).
CEDERJ 35
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LA 2
O campesinato no simplesmente uma forma ocasional, tran-
sitria, fadada ao desaparecimento, mas, ao contrrio, trata-se de um
sistema econmico sobre cuja existncia possvel encontrar as leis de
sua prpria reproduo e desenvolvimento. Em outras palavras o cam-
pons flexvel e pode contar com o trabalho acessrio, isto , quando
precisar de dinheiro pode vender sua fora de trabalho, sem com isso
deixar de ser campons. Por isso, sobrevive e se reproduz.
A resistncia s ideias e ao trabalho de Chayanov foi dura. O
prprio Josef Stalin (1879-1953) pronunciou-se, em discurso em 1929,
colocando-se contra a teoria do equilbrio e da estabilidade da pequena
economia camponesa. Nas palavras do lder sovitico: A nica coisa
que no se compreende o porqu dessa teoria anticientfica dos econo-
mistas soviticos do tipo de Chayanov circular livremente em nossa
imprensa (STALIN, 1981, p. 172).
figura 2.5: Josef stalin.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portrait_of_stalin_in_1936.gif
Em 1930, em meio intensa perseguio stalinista, conhecida
historicamente como Grande Expurgo, Chayanov e outros importantes
cientistas agrrios foram acusados de organizar um partido campons
contrarrevolucionrio que, conforme se l em Abramovay (2007,
p. 64), foram os bodes expiatrios para explicar a grande escassez de
alimentos, especialmente de carne. Depois de deportado, no se soube
com exatido a data de sua morte (fato que explica o ponto de interro-
gao entre parnteses no incio deste tpico).
Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas
CEDERJ36
O Grande Expurgo o termo histrico
que personifica a violenta perseguio de stalin a seus opositores polticos. segundo dados
oficiais do governo russo, durante o governo de stalin, foram aproximadamente 3 milhes de vtimas. Destas, pelo menos 800 mil foram acusadas de se oporem ao
governo russo e, em seguida, executadas. Estudos independentes estimam que este nmero
seja bem maior.
?Explique o que Chayanov queria dizer com sistema econmico no capitalista.
Resposta ComentadaPara Chayanov, era equivocado pensar a economia camponesa como capitalista,
porque na prtica o campons no se preocupava com o lucro. Ele possua seu
trabalho e sua famlia e tinha seu consumo familiar. Quanto maior fosse a neces-
sidade de consumo, mais o campons trabalharia; mas, ao contrrio, quanto
menor fosse a necessidade de consumo menos o campons se sujeitaria
a trabalhar.
Atividade 22
CEDERJ 37
AU
LA 2
Podemos afirmar que a penetrao do capitalismo no campo eliminou a economia cam-ponesa ou os pequenos estabelecimentos agropecurios?
Resposta ComentadaSe observarmos o mundo atual, isso no se faz verdadeiro. Contrariando as previses
de seu desaparecimento, ainda existem e so significativos os estabelecimentos agro-
pecurios onde o trabalho familiar predominante estes so hoje em dia comumente
conhecidos como agricultura familiar. Com base nos argumentos apresentados na
aula, pode-se perceber que houve, sim, um processo de subordinao da indstria
sobre a agricultura camponesa; contudo, inequvoco que esta ainda sobrevive e,
em alguns pases, pode ser bastante produtiva, como nos pases avanados.
Atividade Final
Podemos concluir, bem verdade, que as contribuies dos autores
listados nesta aula so insuficientes para se entender as especificidades
do caso brasileiro. Segundo Abramovay (2007, p. 31), a ampliao do
trabalho assalariado no campo como consequncia do desenvolvimento
capitalista encontra pouco respaldo emprico, como queria Lnin. Por
outro lado, a inferioridade econmica da agricultura de base familiar,
como queira Kautsky, tambm no se confirma, especialmente nos
pases avanados. J a herana do pensamento de Chayanov bastante
significativa: por um lado, ele foi fundamental para que entendssemos
que a renda familiar de um campons um todo indivisvel, diferente
de estruturas capitalistas; por outro lado, foi tambm fundamental sua
explicao sobre a autoexplorao que o campons exerce em busca de
um equilbrio entre consumo e trabalho. Estes pontos nos ajudaro a
entender, nas prximas aulas, a sobrevivncia de camponeses to desva-
lidos de estrutura e polticas pblicas como os brasileiros.
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Economia Agrria | O papel da agricultura e o fim (ou no) do campesinato: contribuies de Marx e dos marxistas
CEDERJ38
INfORMAES SOBRE A pRXIMA AUlA
Mas o que campons ou campesinato?
nas pginas anteriores foram apresentadas algumas noes preliminares
de como os autores caracterizavam ou at mesmo definiam campons.
Contudo, nem de longe existe consenso sobre o que vem a ser esta categoria,
nem mesmo se ela existe ou no de fato ou se vai desaparecer com o avano
pleno do capitalismo no campo. Este ser o tema de nossa prxima aula.
Lnin faz uma anlise das classes sociais no campo, valendo-se como critrio
principal da compra ou da venda da fora de trabalho, o que ele chamou
de diferenciao do campesinato no capitalismo.
Kautsky chamou a ateno para a superioridade dos grandes estabelecimentos
agrcolas em relao aos pequenos e, juntamente com Lnin, acreditava que
o fim do campesinato era condio para o surgimento de uma estrutura
mais produtiva e eficiente no campo e isto, por sua vez, era fundamental
para a transio para o socialismo.
Para Chayanov, a economia camponesa no desapareceria e nem poderia
ser pensada com os mtodos que estudam o capitalismo, pois ela era uma
estrutura no capitalista que fazia no um clculo de lucro e, sim, de
trabalho necessrio para o consumo familiar.
R E S U M O
objet
ivos Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:
identificar as dificuldades em definir campons de modo esttico;
caracterizar a viso marxista de desaparecimento do campesinato;
reconhecer os camponeses brasileiros em sua multiplicidade de formas.
3Meta da aula
Descrever o processo pelo qual haveria o desaparecimento do campons, questionado
sobre sua validade.
O fim do campesinato? Que campesinato?
Joelson Gonalves de Carvalho AULA
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Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?
CEDERJ40
Na esfera da agricultura, a grande indstria atua de modo mais revolucio-
nrio, medida que aniquila o b a l u a rt e da velha sociedade, o campons,
substituindo-o pelo trabalhador assalariado.
Com esta passagem, Marx (1996, p. 132) estabelece um rico e controverso
debate sobre o fim ou no do campesinato com o avano do capitalismo.
Curiosamente, o debate sobre o que seria um campons veio depois e, por
incrvel que parea, ainda est presente e fundamental , nos estudos
atuais que tratam da questo agrria.
Esta citao de Marx estava presente em nossa ltima aula e foi usada para
apresentarmos como o autor descreveu o processo de subordinao da agri-
cultura indstria. Agora esta mesma passagem vai nos ajudar a entender
como Marx descreveu o modo cruel de expropriao camponesa, ocorrida na
Inglaterra. Mas, antes, fundamental apresentar as dificuldades conceituais
do que vem a ser campons ou campesinato.
CAMpESINATO E CAMpONS: AS DIfICUlDADES CONCEITUAIS
Podemos comear esta aula definindo campesinato. Segundo o
Novssimo Dicionrio de Economia, campesinato :
O conjunto dos grupos sociais de base familiar que, em grau
diverso de autonomia, dedica-se a atividades agrcolas em
g l e b a s determinadas. Em termos gerais, caracteriza-se por pro-
duzir baseando-se no trabalho da famlia, empregando eventu-
almente mo de obra assalariada; por possuir a propriedade dos
instrumentos de trabalho (enxadas, arados, animais de trao etc.);
por ter autonomia total ou parcial na gesto da propriedade; por
ser dono de parte ou da totalidade da produo (SANDRONI,
1999, p. 76).
Com a definio apresentada acima, poderamos fazer um grande
nmero de questionamentos, tais como: Qual o tamanho das glebas
determinadas? O que considerado para a contratao de mo de obra?
Modernas mquinas tambm no so instrumentos de trabalho? O que
difere a autonomia parcial da total? Estas perguntas j nos do conta
da complexidade do que vem a ser um campons.
INTRODUO
ba l u a rt e
um termo polissmico, isto , possui vrios significados. Neste contexto, baluarte significa base, sustentculo.
gl e b a s
So pores de terra destinadas ao trabalho agrcola.
CEDERJ 41
Au
LA 3
Poderamos, inclusive, fazer muitas outras questes a este respeito.
Entretanto, o que precisamos ter em mente que, para este conceito,
talvez a subjetividade e sensibilidade na anlise sejam mais elucidativas
que a objetividade de um conceito pronto.
Em outras palavras, necessrio ter precauo nas definies de
categorias muito complexas, como o caso de campesinato. Campons
s pode ser definido em termos dinmicos, ou seja, campons aquele
que faz e no aquele que tem ou que . Como diria Teodor Shanin (2008),
professor da Universidade de Moscou e um dos mais renomados estu-
diosos do tema: campons , antes de tudo, um modo de vida.
figura 3.1: O que determina a condio de campons seu modo de vida. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Belize_farming_gm.jpg
Se aceitarmos que campons um modo ou jeito de viver, pode-
mos entender as dificuldades conceituais inerentes a esta categoria, pois
o jeito de viver dos russos totalmente distinto do jeito de viver dos
camponeses mexicanos, que, por sua vez, tambm muito distinto do
jeito de viver dos camponeses brasileiros. No prprio Brasil, observamos
grandes diferenas: a vida camponesa de um nordestino se parece muito
pouco com a vida camponesa de um gacho, por exemplo.
O campesinato j foi a base de todo o sistema social, antes de o
capitalismo se consolidar como modo social de produo. Como vimos
Ger
ry M
anas
ca
Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?
CEDERJ42
na aula anterior, existem teorias que acreditam que a penetrao do
capitalismo no campo acabaria com o campons e seu modo de vida.
Mas em sentido contrrio ao destas teorias, existem evidncias reais de
que o campons no apenas est atualmente presente em nossa sociedade
como tambm sua presena no apenas residual.
bem verdade que, quando estudamos a consolidao do capita-
lismo em seu pas originrio a Inglaterra , temos que assumir que ali
os camponeses foram expropriados quase que por completo. Analisando
a Inglaterra a partir do sculo XIV, Marx vai descrever minuciosamente
o processo de expropriao da base fundiria dos camponeses. Baseado
em seu texto, vamos trilhar o caminho que o autor percorreu. Sendo
assim, a prxima seo uma sntese das pginas 342 a 355 do volume II
de O Capital.
Por que definir campons algo to complexo?
Resposta ComentadaFalamos que campons um conceito dinmico, pois o campons fruto de seu
tempo e das relaes sociais que estabelece. Ou seja, os camponeses ingleses
do sculo XV eram distintos dos camponeses ingleses do sculo XIX. Ainda no
mesmo raciocnio, cultura, organizao social, hbitos alimentares e tipos de cultivo
do campons russo de hoje em quase nada se assemelham ao atual campons
brasileiro. Portanto, bastante difcil definir um campons. Contudo, podemos
dizer algo em comum destes camponeses: todos tm na economia e no trabalho
familiar um ponto em comum.
Atividade 11
CEDERJ 43
Au
LA 3
O pROCESSO DE EXpROpRIAO CAMpONESA, DESCRITO pOR MARX
Em fins do sculo XIV, com o fim da servido inglesa, a maioria
da populao firmou-se como camponeses livres, economicamente aut-
nomos, com acesso s terras comunais, onde, entre outras atividades,
recolhiam lenha e pastavam os animais de sua propriedade. Tambm
havia, verdade, trabalhadores livres e assalariados no campo; contudo,
estes trabalhadores eram tambm camponeses, com tempo livre para
trabalhar em grandes propriedades. O sculo XV chega e com ele o
florescimento das cidades e tambm das bases do que viria a ser o modo
de produo capitalista.
No processo de desagregao do sistema feudal, com a sucesso de
geraes de senhores feudais, o dinheiro passou a ter mais importncia
que o nmero de sditos sob sua proteo, o que explica em parte a
violenta expulso de uma massa de camponeses, que passa a se dirigir
s cidades como proletrios livres.
A raiz desse xodo rural est na valorizao da l, com preos altos,
que atendiam ao mercado manufatureiro europeu em expanso. Nas pala-
vras do prprio Marx (1996, p. 343), a nova burguesia era uma filha de seu
tempo, para a qual o dinheiro era o poder dos poderes. Por isso, a transfor-
mao de terras de lavoura em pastagens de ovelhas tornou-se sua divisa.
figura 3.2: As pastagens de ovelhas obtiveram grande impulso na poca.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tasburgh%27s_ancient_earthworks_enclosure_-_now_sheep_pasture_-_geograph.org.uk_-_1355699.jpg?uselang=pt-br
Evel
yn s
imak
Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?
CEDERJ44
Os donos das terras, na tentativa de aumentar as pastagens e ace-
lerar o processo de expulso dos camponeses que ainda residiam em
suas vastas reas , passaram a demolir casas, igrejas e at vilas inteiras
instaladas em suas terras. A destruio foi tamanha que at o Rei Hen-
rique VII, em Decreto Real, no ano de 1489, teve de intervir, proibindo
a demolio de casas, com o argumento de que as massas populares, nas
cidades, estavam ficando incapazes de sustentar a si e suas famlias. Mesmo
com o apoio de Henrique VII, manifestado no Decreto Real, e das quei-
xas do povo, a expulso dos camponeses continuou de forma acelerada.
Gradativamente, com o avano do capitalismo no campo, a terra
deixava de ser um local de moradia das famlias camponesas, passando a
ser apenas um fator de produo de matria prima (a l), e o campons
expulso transformava-se em outro fator (trabalhador assalariado da
indstria). Como resultado desse longo processo, podemos observar que
os camponeses independentes, que foram bastante numerosos no final
do sculo XVII, tinham desaparecidos por volta de 1750.
Os proprietrios rurais (uma nova aristocracia fundiria que
surgia na mesma velocidade em que desapareciam os antigos senhores
feudais) estavam aliados ao recm-nascido sistema financeiro e tambm
aos grandes manufatureiros. Os capitalistas burgueses contriburam
sobremaneira com esse processo, uma vez que, dia a dia, a terra passava
a ter carter de mercadoria, usada duplamente: primeiro para expandir
as reas de explorao agrcola e, segundo, para multiplicar a oferta de
proletrios livres (e pobres) provenientes do campo.
Se, no sculo XV, o rei tentou impedir a demolio das casas
dos camponeses, no sculo XVIII, ao contrrio, o Estado contribuiu
para este violento processo de expulso. Segundo Marx (1996, p. 348),
O progresso do sculo XVIII consiste em a prpria lei se tornar agora
veculo do roubo das terras do povo, embora os grandes arrendatrios
empreguem paralelamente tambm seus pequenos e independentes mto-
dos privados. Em outras palavras, por decretos, os grandes propriet-
rios fundirios poderiam eles mesmos executar a expropriao do povo
de suas terras comunais para acelerar os seus c e r c a m e n t o s visando
produo agrcola em larga escala.
ce r c a m e n t o s
(do ingls enclousures) Fenmeno ocorrido na Inglaterra nos sculos XVII e XVIII, que consistiu na expulso dos servos camponeses de terras comunais para seu posterior arrendamento para pastagens de criao de ovelhas.
CEDERJ 45
Au
LA 3
No sculo XIX, a propriedade comunal, onde servos e pequenos
agricultores independentes produziam seus meios de subsistncia, j no
existia mais. Em vez disso, as grandes extenses de terras, nas mos de
uma pequena burguesia agrria, passaram a necessitar de cada vez menos
trabalhadores. Aumentou expressivamente o nmero de miserveis nas
cidades que, em busca de trabalho, chegavam a aceitar, na maioria das
vezes, valores to baixos por seus servios que eram suficientes apenas
para satisfazer suas necessidades vitais.
E assim o mosaico social composto por burguesia e proletariado
foi se moldando. Derivam da muitas das anlises que se baseiam na
polarizao social, ou seja, de um lado os donos dos meios de produo
(burgueses) e de outro aqueles que vendem sua fora de trabalho para
viver (proletrios). Estas interpretaes desconsideram, portanto, a
presena do modo de produo campons.
Vale a pena assistir Germinal. Este filme, baseado no romance de mesmo nome de mile Zola, passa-se na Frana do sculo XIX e mostra bem as condies de trabalho dos proletariados daquele perodo.Outro excelente filme Daens, um grito de justia. Ele ambien-tado no norte da Blgica do sculo XIX e mostra as condies deplorveis de trabalhadores da indstria de tecidos.
O que aconteceu com o campesinato ingls, na viso de Marx?
Resposta ComentadaPara Marx, houve um processo histrico de expulso do campons que traba-
lhava a terra comunal. A terra passou a ser utilizada como pasto para ovelhas,
por conta da produo de l, e os trabalhadores migraram para as cidades em
busca de trabalho nas fbricas, recebendo salrios baixos e trabalhando em
pssimas condies.
Atividade 22
Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?
CEDERJ46
CRIAO E RECRIAO CAMpONESA NO BRASIl
Por conta da grande importncia que o pensamento marxista tem
para o conjunto das cincias sociais, sua anlise do caso ingls acabou
sendo generalizado para outros pases. Muito por conta disso, comum
achar no pensamento econmico argumentos e anlises que tomam o
campesinato por residual ou que at mesmo desconheam sua presena e
importncia histrica, o que no Brasil muito frequente. Neste sentido,
o campesinato passou a ser entendido como:
uma categoria esquecida, [...] o sinnimo do atraso, da fragilidade
poltica e da dependncia; acrescia-se a essas fragilidades a noo
da ineficincia econmica, tcnica, resultante do seu tradiciona-
lismo e averso ao risco (WELCH, 2009, p. 23).
Por outro lado, existem tambm autores que tratam o desenvol-
vimento econmico da agricultura com toda a sua diversidade social
dentro de um grande guarda-chuva denominado agronegcio. Nesta
perspectiva, ignoram-se as diferenas sociais e econmicas dos atores
sociais, tais como agricultores pobres e suas famlias, face grande
empresa rural. Esta viso, como veremos em aulas posteriores, bastante
ideolgica e enviesada.
Entretanto, em sentido radicalmente oposto surgiu uma impor-
tante obra coletiva, denominada Histria Social do Campesinato no
Brasil um conjunto de dez volumes, elaborados por um grande nme-
ro de importantes pesquisadores do tema, com a inteno de colocar
disposio do grande pblico parte das lutas e resistncias, a diversidade
dessa categoria camponesa e, entre outras coisas, a trajetria histrica
do campesinato brasileiro.
Esta grande coletnea sobre o campesinato no Brasil alm de outras obras de igual importncia pode ser baixada gratuitamen-te no site do IICA (Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura) no endereo: http://www.iica.int/Esp/regiones/sur/brasil/Lists/Publicacoes/PublicacoesCompletas.aspx.O link para o primeiro volume da coletnea : http://www.iica.int/Esp/regiones/sur/brasil/Lists/Publicacoes/Attachments/71/Campone-ses%20Brasileiros%20vol%201%20nEAD.pdf.
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LA 3
A partir do que podemos apreender da leitura desta coletnea e de
outras obras de igual importncia sobre os camponeses, no caso brasi-
leiro, a situao e o reconhecimento da condio camponesa bastante
difcil desde sua formao.
Os primeiros camponeses no Brasil um conjunto composto de
portugueses pobres, indgenas e africanos fizeram parte da formao
social brasileira, mas com o processo de integrao da economia nacional
(tanto em termos internos quanto internacionais) e o incio do processo
de industrializao, as terras camponesas foram se reduzindo de modo
significativo. Os privilgios concedidos aos grandes latifundirios, que
sempre estiveram bem representados no Estado, ratificaram o latifndio
monocultor de produtos exportveis, o que, por seu turno, comprometeu
sistematicamente a produo e reproduo social camponesa no Brasil
(WELCH, 2009, p. 24).
MAS, EM TERMOS EMpRICOS, qUEM SO OS CAMpONESES BRASIlEIROS?
O campesinato entendido em termos mais gerais, como categoria
analtica e histrica, constitudos por poliprodutores, integrados ao
jogo de foras sociais do mundo contemporneo (WELCH, 2009, p. 9).
Mas, em termos especficos, quem so os camponeses do Brasil?
A diversidade da condio camponesa por ns considerada inclui
os proprietrios e os posseiros de terras pblicas e privadas; os
extrativistas que usufruem os recursos naturais, como povos das
florestas, agroextrativistas, ribeirinhos, pescadores artesanais
e catadores de caranguejos que agregam atividade agrcola,
castanheiros, quebradeiras de coco-babau, aaizeiros; os que
usufruem os fundos de pasto at os pequenos arrendatrios no
capitalistas, os parceiros, os foreiros e os que usufruem a terra
por cesso; quilombolas e parcelas dos povos indgenas que se
integram a mercados; os serranos, os caboclos e os colonos, assim
como os povos das fronteiras no sul do pas; os agricultores fami-
liares mais especializados, integrados aos modernos mercados, e
os novos poliprodutores resultantes dos assentamentos de reforma
agrria (WELCH, 2009, p. 11).
Economia Agrria | O fim do campesinato? Que campesinato?
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Existem camponeses no Brasil? Quem so?
Resposta Comentada comum achar anlises do nosso desenvolvimento que consideram que no temos
mais camponeses, mas eles existem e tm importncia significativa para nossa
histria. Eles so os poliprodutores que comumente chamamos de posseiros, povos
das florestas, agroextrativistas, pescadores, ribeirinhos, pequenos arrendatrios no
capitalistas, quilombolas, assentados de reforma agrria, dentre outros agricultores
familiares mais especializados.
Atividade Final
3
Vimos uma infinidade de possibilidades do ser campons e, por
isso, comeamos a entender como difcil definir de forma objetiva
essa categoria. Mas, em que pese a multiplicidade de formas sociais que
podem ser identificadas como camponesas, importante termos claro
algum norte que nos ajude a qualificar o campons. Esse sentido pode ser
buscado na mo de obra familiar ou, nas palavras do professor Shanin,
na economia familiar: a economia familiar um elemento mais signi-
ficativo para compreendermos quem o campons do que um modelo
geral de campesinidade (2008, p. 34).
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LA 3
A busca pelo entendimento do que vem a ser campons ou campesinato
deve vir acompanhada das devidas digresses e anlises histricas para que
no incorramos no erro de tentar explicar uma categoria dinmica e mutvel
a partir de um olhar esttico. A elevada quantidade de formas sociais de
organizao que podem ser caracterizadas como camponesas aumenta a
complexidade para estudos do tema. neste sentido, campons deve ser
entendido como um modo de vida.
A descrio de Marx sobre o desaparecimento do campons acabou sendo
generalizada para alm da Inglaterra e do seu tempo histrico, contribuindo
para anlises que veem o modo de vida campons como algo residual ou
em extino. no Brasil, por exemplo, podemos perceber que, alm de
perene, o campesinato est presente de modo mltiplo, diverso, resiliente
e fortemente alicerado na economia familiar.
R E S U M O
INfORMAES SOBRE A pRXIMA AUlA
na prxima aula, nosso foco recai sobre a questo agrria e agrcola
no Brasil. Primeiro, vamos nos ater no papel das atividades agrcolas na
formao e integrao do territrio nacional e no modo de organizao
social que se conformou nesse processo.
objet
ivos Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:
avaliar as principais etapas da ocupao territorial brasileira, identificando os elementos estruturais de cada ciclo econmico;
descrever as principais interpretaes sobre o setor de subsistncia presentes no campo brasileiro;
descrever o processo de transio de uma economia agrrio-exportadora para uma economia industrial.
4Meta da aula
Apresentar uma anlise da formao e integrao do mercado interno nacional, destacando os
ciclos econmicos e os impactos sociais derivados da apropriao privada do territrio nacional.
A economia, o territrio e a agricultura no Brasil
primrio exportadorJoelson Gonalves de Carvalho A
ULA
1
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3
Economia Agrria | A economia, o territrio e a agricultura no Brasil primrio exportador
CEDERJ52
comum nas aulas de histria do Ensino Mdio o aluno aprender as dife-
renas bsicas de colonizao da Amrica. Nesta etapa, geralmente se diz
que, ao contrrio dos Estados Unidos, que tiveram uma colonizao de
povoamento, o Brasil teve uma colonizao de explorao. Esta primeira
explorao do territrio brasileiro marcou drasticamente a forma como se
organizou a economia, notadamente baseada no setor primrio, e como foi
se moldando um mosaico social baseado na desigualdade econmica, social
e territorial neste pas.
O debate sobre a questo agrria brasileira est intimamente ligado ao
processo histrico de colonizao do pas. A posse e o uso da terra sempre
foram um tema, alm de relevante, extremamente atual para entender o
subdesenvolvimento nacional desde nossa insero, mesmo como colnia,
no capitalismo internacional.
A forma de ocupao do territrio brasileiro foi explicitamente desigual e
antissocial e trouxe, por consequncia, como veremos nesta aula, intensas
migraes rurais e entre o rural e o urbano, com grandes deslocamentos de
trabalhadores pobres em busca de terra e trabalho.
O sistema de produo implantado no Brasil-Colnia, alicerado na mono-
cultura em grandes extenses de terras, com trabalho escravo e produo
destinada quase exclusivamente ao mercado internacional, adaptou-se con-
venientemente s novas terras, reduzindo custos e facilitando a colonizao,
em um sistema denominado plantation.
Nesta aula apresentaremos um conjunto de elementos da histria do Brasil;
contudo, no nosso objetivo o aprofundamento desses temas. Interessa-
-nos sim entender o processo de ocupao do territrio nacional, a fim de
verificar as relaes de causalidade entre a dinmica maior da economia e
as relaes sociais de produo estabelecidas no campo. Neste sentido,
importante que faamos uma recuperao da histria econmica do Brasil,
comeando pela chegada dos portugueses.
INTRODUO
CEDERJ 53
AU
LA 4
OS pRIMEIROS pASSOS DA OCUpAO TERRITORIAl NO BRASIl
No Brasil, ao contrrio da Amrica Espanhola, no se encontrou
ouro em um primeiro momento. Alis, nenhum metal ou outra merca-
doria economicamente interessante para gerar, nos primeiros anos de
explorao, um interesse maior de Portugal. A terra no era considerada
mercadoria, e por isso no tinha valor nenhum. Isso explica por que
Portugal no apresentou interesse maior nas trs primeiras dcadas aps
a sua chegada s novas terras.
Como a ocupao das terras era mais eficiente que os tratados
internacionais para garantir a posse das colnias no sculo XVI, a extra-
o do pau-brasil foi mais uma atividade para garantir a ocupao das
terras brasileiras do que uma atividade econmica propriamente dita.
A madeira era extrada para a produo de corante de cor avermelhada
que seria usado na tintura de tecidos e produo de tintas na Europa.
figura 4.1: Pintura feita no ano de 1519, retratando a explorao do pau-brasil.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:AtlasMiller_BnF_Brasilis_pau-brasil.jpg?uselang=pt-br
Segundo Kageyama (2008, p. 85), aps a rpida decadncia da
explorao do pau-brasil, teve incio a efetiva ocupao da colnia
com o cultivo de cana-de-acar e a diviso do territrio em capitanias
hereditrias, em um sistema organizado a partir da grande propriedade
monocultora com trabalho escravo.
Economia Agrria | A economia, o territrio e a agricultura no Brasil primrio exportador
CEDERJ54
As capitanias hereditrias eram, segundo sandroni (1999, p. 82),
grandes extenses de terras do Brasil colonial, doadas
explorao hereditria pela Coroa portuguesa. Dom
Joo III, rei de Portugal, implementou as capitanias
com a perspectiva de defender o territrio recm-
-descoberto e desenvolv-lo mediante a colonizao,
pois os custos eram muito elevados. A Coroa passou
ento a doar as capitanias (quinze ao todo) aos mem-
bros da corte, comerciantes ricos etc. As capitanias
eram regidas pela Carta de Doao, instrumento por
meio do qual se atribuam os direitos e deveres do
donatrio. A crise do sistema deu-se devido falta
de capital dos donatrios para desenvolver, povoar
e defender as capitanias e rebeldia dos colonos. O
sistema de capitanias hereditrias vigorou de 1534
at a poca pombalina (1750- 1777).
figura 4.2: A diviso das capitanias hereditrias no Brasil.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Capitanias.jpg?uselang=pt-br
CEDERJ 55
AU
LA 4
S com a introduo da cana que Portugal aumentou o interesse
nas terras da sua colnia americana. A cana-de-acar foi a primeira cul-
tura agrcola introduzida nas colnias sul-americanas e adaptou-se bem
s condies de solo e clima aqui presentes. Alm disso, um conjunto de
fatores pode ser elencado para o sucesso da produo de acar no Brasil:
A experincia e a tecnologia adquiridas na produo de cana
nas ilhas do Atlntico;
a organizao comercial, derivada da parceria com os holandeses
responsveis pela comercializao do acar brasileiro;
a elevada demanda internacional pelo acar brasileiro;
as boas condies de financiamento tambm decorrentes da
parceria dos capitais holandeses que financiaram a comerciali-
zao, produo e transporte da produo nacional;
a utilizao de mo de obra escrava, que tambm contribuiu
com a economia da metrpole, haja vista os lucros obtidos com
o trfico negreiro.
O sculo XVII foi um perodo de dificuldades. A primeira metade
foi caracterizada pela ocupao holandesa e, na segunda, o preo do a-
car caiu. A decadncia do acar est diretamente relacionada ocupao
holandesa no Brasil, durante o perodo de 1630 a 1650. Os holandeses
entraram em guerra com a Espanha durante os anos de 1580 a 1609 e,
com a absoro portuguesa pela coroa espanhola, os holandeses foram
impedidos de participar das atividades aucareiras.
Segundo Furtado (2005), esta ocupao permitiu aos holandeses
obter conhecimento dos aspectos tcnicos e organizacionais da produo
de acar, permitindo que montassem sua prpria produo no Caribe.
Com o aumento da oferta de acar holandesa, produzida no Caribe, o
volume de exportaes do Brasil caiu, caindo tambm os preos inter-
nacionais do produto, reduzindo, segundo Furtado, a renda real a um
quarto da renda durante os melhores perodos de produo.
A ocupao holandesa deu mais prejuzo a Portugal do que ao
Brasil. Parte da renda dos holandeses era retida no Brasil, o que ajudou
a desenvolver a vida urbana. S a partir de 1700, com a descoberta de
ouro, a economia voltaria atividade novamente.
Economia Agrria | A economia, o territrio e a agricultura no Brasil primrio exportador
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O CIClO DA MINERAO E A INCIpIENTE INTEGRAO DO MERCADO INTERNO
A busca de metais preciosos como ouro e prata foi o maior dos
objetivos que impulsionou Portugal e Espanha colonizao da Amrica;
contudo, ao contrrio da Espanha, Portugal no encontrou facilidades
nesta em