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Educação Revessa

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Page 1: Educação Revessa

João Henrique Bordin

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Educação Revessa

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João Henrique Bordin

Educação Revessa

Pelotas, 2010

Page 5: Educação Revessa

Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas

Reitor: Prof. Dr. Antonio Cesar Gonçalves Borges Vice-Reitor: Prof. Dr. Manoel Luiz Brenner de Moraes Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Prof. Dr. Luiz Ernani Gonçalves Ávila Pró-Reitora de Graduação: Prof. Dra. Eliana Póvoas Brito Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Prof. Dr. Manoel de Souza Maia Pró-Reitor Administrativo: Prof. Ms. Élio Paulo Zonta Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Admin. Tânia Marisa Rocha Bachilli Pró-Reitor de Recursos Humanos: Admin. Roberta Trierweiler Pró-Reitor de Infra-Estrutura: Mario Renato Cardoso Amaral Pró-Reitora de Assistência Estudantil: As. Social Carmen de Fátima de Mattos do Nascimento

CONSELHO EDITORIAL Profa. Dra. Carla Rodrigues Prof. Dr. Carlos Eduardo Wayne Nogueira Profa. Dra. Cristina Maria Rosa Prof. Dr. José Estevan Gaya Profa. Dra. Flavia Fontana Fernandes Prof. Dr. Luiz Alberto Brettas Profa. Dra. Francisca Ferreira Michelon Prof. Dr. Vitor Hugo Borba Manzke Profa. Dra. Luciane Prado Kantorski Prof. Dr. Volmar Geraldo da Silva Nunes Profa. Dra. Vera Lucia Bobrowsky Prof. Dr. William Silva Barros

Editora e Gráfica Universitária R Lobo da Costa, 447 – Pelotas, RS – CEP 96010-150 Fone/fax: (53) 3227 8411 E-mail: [email protected] Diretor: Carlos Gilberto Costa da Silva Gerência Operacional: João Henrique Bordin Secretaria: Isabel Susan Cochrane Designe: Karina Crochemore Pereira e Douglas Meireles Veiga

Seção Gráfica: Alexandre Passos Moreira, Arlete Xavier de Farias e João José Pinheiro Meireles.

Editoração Gráfica: João Francisco Ferreira Pinto Capa: Gilnei da Paz Tavares Revisão de texto: Anelise Heidrich Impresso no Brasil Edição: 2010 ISBN: 978-85-7192-708-7 Tiragem: 300 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação: Bibliotecária Daiane Schramm – CRB-10/1881

B238r Bordin, João Henrique

Educação Revessa. / João Henrique Bordin; prefácio de Avelino da Rosa Oliveira – Pelotas: Editora Universitária/UFPEL, 2010.

150p.

ISBN 978-85-7192-708-7

1. Educação. 2. Dialética Idealista. 3. Dialética Materialista. 4. Concepção Educacional Omnilateral. I. Título.

CDD 370

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Dedico este livro a todos os

que, de uma forma ou de outra,

estão preocupados com a educação,

especialmente aos que, mais do que preocupados,

estão com ela ocupados.

Agradeço aos que, sabendo ou sem saber,

contribuíram para a execução deste trabalho,

com especial dedicação à

Cláudia Beatriz Borges Bordin, esposa

e às filhas Francine Borges Bordin,

Karen Borges Bordin e

Rafaele Borges Bordin

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Page 8: Educação Revessa

Sumário

Prefácio .......................................................................................... 9

Introdução .................................................................................... 15

Reflexões Preliminares ................................................................ 19

Dialética Idealista ......................................................................... 25

Georg Wilhelm Friedrich Hegel ............................................... 25

Dialética Materialista ................................................................... 31

Karl Heinrich Marx .................................................................. 31

Semelhanças e diferenças entre Marx e Hegel ............................. 39

No que se assemelham ............................................................. 39

No que diferem ......................................................................... 41

Método Dialético de Marx ........................................................... 43

Dialética e Educação .................................................................... 55

Um Pouco de História .................................................................. 65

Comunidades tribais ................................................................. 67

Grécia ....................................................................................... 71

Roma ........................................................................................ 73

O Feudalismo ........................................................................... 76

Renascimento ........................................................................... 80

Page 9: Educação Revessa

Capitalismo .............................................................................. 85

Proletariado .............................................................................. 91

Nova Educação ........................................................................ 96

Concepção Educacional Omnilateral ......................................... 101

Adorno ................................................................................... 105

Freinet .................................................................................... 108

Gramsci .................................................................................. 110

Makarenko ............................................................................. 113

Pistrak ..................................................................................... 116

Snyders ................................................................................... 117

Suchodolski ............................................................................ 120

Educação Omnilateral ............................................................ 123

Disciplina na Educação .............................................................. 127

Referências bibliográficas ......................................................... 147

Page 10: Educação Revessa

9 Educação Revessa

Prefácio

os últimos anos, temos assistido a um colossal

esforço dos educadores. Somos

constantemente interpelados por uma sociedade que se move

em ritmo cada vez mais veloz e paradoxal. O acelerado

progresso econômico anda lado a lado com a injustiça na

distribuição de seus frutos, com os ataques ao meio ambiente,

que põem em risco a humanidade toda e com o descalabro da

miséria absoluta, que transforma imensos contingentes de

seres humanos em quase sub-raças. De um lado, a ciência

avança em vertiginosa velocidade e oferece respostas em

todas as frentes; de outro, os próprios avanços tecnológicos

daí decorrentes tornam ociosos milhões de trabalhadores. De

um lado, a comunicação vence as determinações de espaço e

reúne todos os povos; de outro, as guerras ainda impõem-se

como argumentos de força e aniquilam milhões de pessoas.

Em contexto tão conturbado e repleno de incertezas,

a educação contemporânea vem recebendo uma variadíssima

N

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10 João Henrique Bordin

quantidade de demandas sociais. Para o mercado, que cada

vez menos necessita de trabalhadores fixos, deseja-se educar

para a empregabilidade, buscando alunos capazes de adaptar-

se habilmente a diferentes tarefas, aptos a tomar decisões

frente a variados contextos e capazes de encontrar soluções

para quaisquer problemas. Mas busca-se também educar para

a desempregabilidade, formando espíritos empreendedores

que dispensem o salário regular e vão em busca de caminhos

próprios, que desonerem os empregadores. Para dar conta de

novas tecnologias, que proliferam em velocidade vertiginosa,

é necessário aprender a aprender, pois qualquer

conhecimento destina-se à obsolência e reclama sempre um

novo e rápido aprendizado, que tão logo começa já perdeu a

vigência. Para a sociedade, que assiste estarrecida a milhares

de erupções superficiais a denunciar a irracionalidade de suas

entranhas, são múltiplas as demandas a atender. Se a quebra

da repressão sexual faz-se acompanhar da morte transmitida

ou das vidas indesejadas: educação sexual. Se a indústria

automotiva insufla o consumo desenfreado de um novo

veículo a cada ano e se a mais elementar das leis físicas não

permite a circulação: educação para o trânsito. E se tantas

outras mazelas acumulam-se, tantos mais são os remédios

solicitados: educação para a paz, educação para os direitos

humanos, educação para a tolerância, educação para a

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11 Educação Revessa

sustentabilidade, educação para o consumo. Educação para

tudo. Educação para corrigir o incorrigível, para domar o

indomável, para aplacar o insaciável. Educação para nada.

Pois o livro de João Bordin não entra nesta corrente,

resiste ao fluxo, não o aceita como curso natural. Só mesmo

uma Educação Revessa pode afrontar a lógica onímoda do

sistema. Mas o que há de revolucionário na Educação

Revessa não é propor qualquer outro princípio, estranho,

como articulador de uma nova síntese social. O inesperado e

desconcertante para o modelo social que se orgulha de ter

universalizado a liberdade é exigir que ela mesma, a

liberdade, em sua plenitude, seja tomada a sério como

horizonte da sociabilidade. Não mais a liberdade apenas de

comércio, de mercado. Não a liberdade unideterminada, de

seres humanos unilaterais. A liberdade que João Bordin

advoga é aquela de seres humanos onilaterais. É o horizonte

da emancipação humana.

A Educação Revessa, portanto, é um exercício de

liberdade: afronta a tirania escravizante da liberdade

mutilada, concedida unicamente dentro dos limites do

cálculo, e orienta-se pela liberdade que, ultrapassados os

simples remendos ao status quo vigente, pode andar em

direção ao ainda não existente. Reafirmar a liberdade, porém

Page 13: Educação Revessa

12 João Henrique Bordin

não mais comprometida com a lógica do capital, é propor um

movimento tal como o da luva, que tirada ao revesso de uma

mão, encaixa-se perfeitamente na outra.

É com base neste projeto socioantropológico

fecundo que João Bordin anuncia seu rumo. “Liberdade não

consiste em se livrar de todas as contingências que afligem a

vida em determinada situação pessoal, no grupo de amigos,

ou sistema social, tampouco é fazer tudo o que se quer, como

se quer e onde se quer. Liberdade é saber posicionar-se frente

às intempéries da vida e responder de forma coerente às

investidas que tendem a manobrar o caráter e deformar a

personalidade. A disciplina, a priori, com suas regras e

normas, ensina e conduz no caminho da liberdade. Liberdade

pressupõe a disciplina formadora do caráter e da

personalidade autêntica e consciente. Disciplina deve ser o

horizonte no qual se espelha todo o modo de ser e de viver

em liberdade. Não há liberdade sem disciplina.” (pg.145)

E se vierem os cépticos e os desiludidos a perguntar

de onde tiro a convicção de que não estamos condenados ao

eterno retorno do mesmo, não apelarei às demonstrações

históricas, sequer farei recordar os argumentos racionais, que

já são conhecidos à farta e, por isto mesmo, rebatidos.

Page 14: Educação Revessa

13 Educação Revessa

Deixar-me-ei guiar unicamente pela sensibilidade e cantarei

os versos do poeta Vladímir Maiakóvski.

Tu não vês nada?

Franzes os olhos? Queres ver?

Teus olhinhos — como duas fendas

abre-os!

Olha,

em meus grandes olhos

abertos como o pórtico duma catedral.

Homens!

Amados e não amados,

conhecidos e desconhecidos,

desfilai por este pórtico num vasto

cortejo!

O homem

livre —

de que vos falo —

virá,

acreditai,

acreditai-me!

Avelino da Rosa Oliveira

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14 Educação Revessa

Page 16: Educação Revessa

15 Educação Revessa

Introdução

século vinte e um

está sendo marcado

por um extraordinário avanço

tecnológico, especialmente dos

eletroeletrônicos, em que a

computação consegue adicionar milhares de informações, com

inúmeras funções, em apenas um microchip. Avanço bem-vindo,

que ajuda muitos, aproxima outros e integra cada vez mais o

mundo globalizado. No entanto, há uma disparidade com relação a

outras áreas do desenvolvimento e do conhecimento humano.

Uma dessas áreas, que é tema deste trabalho, é a educação, que,

em alguns aspectos, ainda está no início do século vinte, enquanto

a tecnologia se avizinha a um futuro distante.

Na tentativa de aproximação da educação ao modo

contemporâneo, futurista e tecnológico, em que é projetada a nova

maneira de ser do homem, faltam recursos à razão para engendrar

O

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16 João Henrique Bordin

uma maneira de equalizar o que seria novo no processo de educar.

Este ato educativo inovador deve ter a mesma aceitação nas

crianças e jovens, quanto o é a tecnologia.

Não sabemos o que diria Marx a respeito da educação no

mundo de hoje, tão diferente do seu tempo, mas na certa iria além

de uma educação elementar e de o manejo das ferramentas de

trabalho. Os pós-marxistas avançaram muito nesse sentido e em

certo período até parecia que a educação tomaria as rédeas de um

ensino igual para todos, em todas as sociedades. Entretanto, de um

tempo para cá, por volta das décadas de oitenta e noventa, do

século passado e início deste, houve um desvirtuamento no que

tange à formação disciplinar em sala de aula. Como resultado, o

que se vê dia a dia, no geral das escolas deste País, é um ensinar

nem muito preocupado com o conteúdo transmitido e bem menos

com o educar para a formação do cidadão.

Na intencionalidade de fomentar a reflexão neste campo,

apresentamos de início, o que vem a ser dialética no contexto

histórico, como surgiu e para o que serviu. Hegel nos ensina a

usá-la idealisticamente e Marx a nível real material. Tanto Hegel

como Marx nos fornecem elementos para um aprofundamento

reflexivo da razão e da práxis humana. No entanto, nos atemos

mais ao método dialético marxista, pois nos faz ver além do

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17 Educação Revessa

estabelecido e programado mundo contemporâneo e perceber a

possibilidade de sua superação.

Concordando com Marx de que o materialismo dialético

considera o pensamento e a matéria como elementos de uma

mesma natureza, abordamos a educação dialética com o intuito de

perceber as amarras que fazem o sistema educacional ser mais

ideológico do que filosófico. O estudo da história da educação nos

revela como aconteceu, em cada época, o processo mantenedor,

ou de mudança, dos valores e da cultura de cada povo. Também

nos situa, contemporaneamente, como vivendo um momento de

transição, em que está em nossas mãos a possibilidade de

implementar o novo – uma nova forma do homem ser no mundo.

O novo é viabilizado pela educação omnilateral, como

nova maneira do homem pensar e se posicionar frente ao sistema

do capital e rever o atual quadro de desigualdades sociais. A

educação omnilateral marxista é a possibilidade que o homem tem

de dar início à construção da nova sociedade.

Por fim, e para dar sustentabilidade a toda essa nova

maneira de conceber o mundo, precisamos rever a forma com que

é abordado o tema da disciplina na sala de aula. Sem disciplina

não há liberdade. Atrelada à disciplina está a autoridade do

professor - sem ela a escola desautoriza a família e desaparece o

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18 João Henrique Bordin

respeito pelo outro. É a consciência coletiva, já conhecida, porém

esquecida, que precisa ser fomentada para que a educação seja um

instrumento que auxilie a sociedade a mudar.

Page 20: Educação Revessa

19 Educação Revessa

Reflexões Preliminares

propósito desta pesquisa, no campo da educação,

não é a pretensa ideia de apontar erros, indicar

acertos e nem criar uma teoria nova. Apenas parte do

entendimento que a educação pode ser o norte, ou a possibilidade

de ser o caminho de superação das desigualdades sociais,

cristalizadas e pacientemente aceitas por todos aqueles que vivem

e sobrevivem do Capitalismo. De início, para ter arrimo científico-

filosófico, estabelece relação com uma teoria que dê suporte à

fomentação de uma discussão e que seja uma alternativa de

prática libertadora.

Com esta intenção, percebemos tal possibilidade, que

também pede ser encontrada em outros pensadores, no sistema

filosófico de Karl Marx, pois, através dele e de seu método,

muitos pretenderam e ainda são motivados a procurar uma saída

para a dominação do capital. Marx, sem dúvidas, mantém relação

com as questões contemporâneas, visto que “a fecundidade da

O

Page 21: Educação Revessa

20 João Henrique Bordin

teoria marxista reside nela instigar o pensamento presente,

dirigindo-o à busca de alternativas de práxis transformadoras em

todos os campos da vida”1. Para compreender melhor a dialética

marxista será necessário um breve estudo da dialética hegeliana.

Partindo do preceito da filosofia de Friedrich Hegel e

admitido na filosofia de Karl Marx, que partilham o princípio de

que toda coisa tem dois níveis de realidade, o da essência e o das

manifestações. Que a essência determina sua manifestação por

contradições que se exteriorizam e se manifestam de forma

diferente do que é. Que a dialética, como ciência, descobre porque

ao se exteriorizar se inverte numa contraposição de identidade e

diferença fundamental. Este trabalho pretende colaborar na

reflexão sobre a educação em sua essência e em sua manifestação

por dupla contradição, a do indivíduo e a do social.

Para a colocação deste problema faz-se necessário

adentrar na mente humana para detectar os mecanismos pelos

quais a educação forma o pensamento e a maneira como ele se

exterioriza com suas contradições na sociedade vigente. A

dialética ajuda na percepção dos mecanismos do pensamento,

torna explícita a manifestação das contradições e conduz a mente

na compreensão de como a educação ajuda no processo de

1 - Oliveira, Avelino da Rosa. Marx e a Liberdade. Porto Alegre: EDIPUCRS, (Coleção

Filosófica; 62), 1997. P.180

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21 Educação Revessa

emancipação. Partimos da premissa de Karl Marx, colocada como

um “proceder por análise e síntese, propondo um método de

pesquisa e um método de exposição”2. Convêm inicialmente

mostrar o significado de análise, síntese, método, pesquisa,

exposição e dialética, termos que fazem parte e sustentam o

método dialético.

Para começar vamos a um dicionário, qualquer

dicionário, e vemos que a palavra “análise” aparece como a

decomposição de um todo nos seus componentes, ou o exame,

estudo, pesquisa, investigação, ou classificação desse todo. O

termo “síntese”, entre outras definições, é a reunião dos elementos

simples para formar o composto, que parte do princípio e chegam

às consequências, é a organização mental de um sistema, resenha,

ou resumo. O “método” é significado como a maneira de ordenar

a ação segundo certos princípios na investigação, no estudo, na

persecução de quaisquer objetivos. Um modo de agir com

disciplina, técnica e organização. A expressão “pesquisa” se refere

à busca, à indagação e à investigação. O vocábulo “exposição” é a

exibição pública de algo ou alguém, uma declaração,

manifestação, narrativa, ou revelação. A dicção “dialética” é

especificada como a arte do diálogo e da discussão. O diálogo e a

2 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.17

Page 23: Educação Revessa

22 João Henrique Bordin

discussão subentendem ideias divergentes. O diálogo é a forma de

expressão da linguagem em sua concretude.

Diante desses significados podemos aprioristicamente

conceituar a “Educação Dialética” como o método de ordenar a

ação, principiada pela análise, e através

da pesquisa investigar e reunir, na

síntese, os elementos mais simples da

educação, para, na exposição, revelar a

sua forma em si, ou a totalidade com

todas suas contradições.

Essa é a definição dos dicionários, onde podemos notar

que as palavras análise e pesquisa se assemelham e são ordenadas

pelo método, a síntese aparece na exposição e a dialética exerce a

função de ser mediadora e fomentadora das discussões de todo o

processo. Na verdade, é a dialética que faz a ligação e a

intermediação de toda a metodologia através das contradições que

se apresentam na explanação do sistema analisado. Mas para ter

uma maior compreensão desses termos, precisamos entender a

dialética de Hegel e como Marx passou a utilizá-la na luta do

proletariado para tentar superar o sistema do capital.

A palavra dialética já era usada na Grécia Antiga como

um modo específico de argumentação. Formada por dois termos

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23 Educação Revessa

“dia”, que expressa a ideia de dualismo, de troca; e “lektikós”, que

quer dizer “capaz de falar”. Significa duas opiniões divergentes e

pode ser entendida como a arte do diálogo e da discussão. Para

Platão, era um método de ascender ao inteligível e para Aristóteles

apenas auxiliar da filosofia3. Neste estado, de auxiliar da filosofia,

permaneceu até a época moderna, perdendo seu poder

argumentativo. Hegel é que a retoma e a coloca no centro da

filosofia.

Para uma melhor compreensão do termo dialética,

começamos expondo o conceito hegeliano. Em seguida faremos

uma explanação de como Marx o utiliza no sistema do capital e

tentar estabelecer a relação entre os dois sistemas dialéticos para

ver que colaboração um e outro oferecem à Educação Dialética,

para depois aprofundar esta a partir da metodologia marxista.

É possível estabelecer uma “Educação Dialética” no atual

sistema do capital? Qual a relação e as consequências de uma

“Educação Dialética” com o indivíduo, com a sociedade e com o

sistema capitalista? Pode alguém que passa pelo processo de

“Educação Dialética” se submeter ao capital? Essa submissão,

depois de passar pela “Educação Dialética”, pode revolucionar a

sociedade? Na hora do “vamos ver”, a sobrevivência fala mais

alto e anula esse processo educacional, ou não?

3 - Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007, p. 291

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24 João Henrique Bordin

Essas e outras indagações despontam na mente durante o

processo de pesquisa e as respostas não cabem ser explanadas

neste trabalho, embora diversas pistas possam aparecer.

Entretanto, o processo prático da “Educação Dialética”, com a

constatação das contradições e de sua possível superação, pode

dar margem a tais respostas e veracidade a todo o processo.

Portanto, iniciamos aprofundando a dialética em Hegel e em

Marx.

Page 26: Educação Revessa

25 Educação Revessa

Dialética Idealista

Georg Wilhelm Friedrich Hegel

O mais importante filósofo do

idealismo alemão pós-kantiano e um

dos que mais influenciaram o

pensamento de sua época e o

desenvolvimento posterior da filosofia.

Nasceu em Estugarda (Alemanha) no

ano de 1770. Em 1790 obteve o grau

de Magister Philosophiae no seminário

Teológico de Tübingen, onde estudou

com o poeta Friedrich Hölderlin e o

filósofo Schelling. Os três estiveram

atentos ao desenvolvimento da Revolução Francesa e colaboraram em uma

crítica idealista de Kant. Em 1795 publicou “A Vida de Jesus” e em 1805 é

nomeado por Goeth para ser professor extraordinário em Jena e ensina que só

o todo é verdadeiro e o todo é identidade entre pensamento e ser. Em 1806

publica a “Fenomenologia do Espírito. Em 1811 casa-se com Marie Von

Tucher e em 1816 é nomeado para a Cátedra de Filosofia da Universidade de

Heigelberg. Em 1817 publica a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas” e em

1818 torna-se Catedrático de Filosofia na Universidade de Berlim. Em 1821

são publicados os “Princípios da Filosofia do Direito” e em 14 de novembro

de 1831, acometido de cólera, morre na cidade de Berlim, na Alemanha.

Hegel construiu um dos maiores sistemas filosóficos de todos os tempos e

pode ser considerado o último grande sistema da tradição clássica. (Os

Pensadores, Hegel, São Paulo; Nova Cultura, 1999)

Page 27: Educação Revessa

26 João Henrique Bordin

ara explicar a inversão da essência das coisas ao se

exteriorizar em suas manifestações, Hegel parte da

mente, da categoria mais simples e abstrata, o ser puro, e apreende

a contradição dos fenômenos como unidade da essência, na ideia,

como a “existência de uma estrutura universal da totalidade do

ser”4. Para isso, retoma a dialética, que até então era apenas

auxiliar, e a faz o centro da filosofia. “Hegel chega ao real, ao

concreto, partindo do abstrato: a razão domina o mundo e tem por

função a unificação, a conciliação, a manutenção da ordem do

todo. Essa razão é dialética, isto é, procede por unidade e oposição

de contrários”5.

Para chegar à essência é necessário conhecer o modo de

ser de cada coisa. Por exemplo, para conhecer uma pessoa é

necessário abarcar em toda sua história de vida, do nascimento até

sua idade atual. Só o todo é real, é verdadeiro e é identidade entre

o pensamento e o ser. É a totalidade da razão, um sistema

ontológico fechado no qual a história se modela sobre o processo

metafísico do ser e determina que o racional é real e o real é

racional.

Para Hegel, a natureza e o espírito, que formam o todo,

são contraditórios. A dialética é o movimento pelo qual o espírito,

4 - Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 70 5 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.18

P

Page 28: Educação Revessa

27 Educação Revessa

a razão e o divino se realizam através da história em três fases: a

afirmação, ou a tese, ou posição; a negação, ou antítese; e a

negação da negação, ou a síntese. A antítese é a contraposição da

afirmação e a síntese é a superação da contradição, negar e

conservar. O idealismo hegeliano considera a história como a

realização do pensamento humano, visto que a dialética é o motor

do pensamento e da própria história.

Na lógica as “determinações da reflexão” partem da

contraposição da identidade e diferença absolutas, distintas e

diversas uma da outra na pura identidade consigo mesma. “Esse

processo dialético pode ser percebido quando se pensa no ser

humano: a criança pode ser vista sob a perspectiva da tese; o

adolescente seria então a antítese e o adulto representaria a

síntese. Nesse exemplo é fácil perceber que o adolescente, além

de ser diferente da criança, nega-a, pois não quer mais fazer

muitas das coisas que uma criança faz, procurando distanciar-se

do que era e cria uma nova identidade. Isso mostra uma antítese

que não se encerra nesse ponto. O adulto vem contradizer

novamente, negando o que era como adolescente: uma dupla

negação. Mas o adulto não apenas nega novamente, pois apesar

de, em certo sentido, ser diferente da criança e do adolescente,

reconcilia e mantém algo ao mesmo tempo em que deixa de lado

Page 29: Educação Revessa

28 João Henrique Bordin

outras coisas”6. Essa reconciliação, negação da negação, negar

conservando, é a síntese que reconcilia as contradições.

A dialética começa com a diversidade, onde existe

alteridade e movimento de uma coisa a outra. A negação recíproca

das coisas as define; algo é por não ser o que não é; uma cadeira é

uma cadeira porque não é uma mesa, e vale o contrário; afirmação

e negação. Na oposição cada coisa tem em si o positivo e o

negativo, que se diferenciam; e cada um, como um todo, abarca

contraditoriamente a sua negação; afirmar negando-se. O trabalho

é o conceito chave para compreender essa superação dialética.

Hegel usou a palavra alemã “aufheben”, um verbo que significa

“suspender”7, em três significados: primeiro é anular, negar,

cancelar; segundo é suspender e manter algo erguido; e terceiro é

promover a passagem de algo a um nível superior. No entanto são,

para Hegel, usados ao mesmo tempo, por exemplo, na fabricação

de uma cadeira a matéria-prima é negada e ao mesmo tempo

conservada para assumir uma forma nova. A unidade viva, o

trabalhador, é a compreensão da determinação positiva e ao

mesmo tempo negativa. O fundamento é contraditório e no

conflito criativo, do positivo e negativo, “funda”, a partir de si,

outra coisa, e se “afunda” na contradição, não se anula, o faz para

6 - Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007, p. 295 e 296 7 - Konder, Leandro. O que é Dialética. Editora brasiliense. Rio de Janeiro. P. 28

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29 Educação Revessa

superar e repor continuamente a contradição enquanto força

criadora.

Esse movimento pode ser compreendido através do

exemplo de uma flor: “o botão é, numa planta, a negação

determinada da semente, e a flor a negação determinada do botão

(...) nosso conceito vê que a semente é potencialmente botão e que

o botão é potencialmente flor”8. Portanto, conceito em Hegel é a

possibilidade máxima de realização de algo. “O conceito

adequado revela não a natureza de um objeto (...) nos diz o que a

coisa é em si mesma”9. O conceito mostra o “em si” de algo no

processo concreto da realidade que se dá de forma histórica. Por

exemplo, o conceito de semente é sua potencialidade de se tornar

árvore.

O positivo e negativo são totalidades excludentes, um

inclui o outro; se um exclui o outro exclui a si próprio. Hegel

eleva a substância real a sujeito através da reflexão, do dobrar-se

sobre si. Mistifica a dialética colocando a superestrutura das

representações mentais como produtoras das bases materiais da

sociedade. Ao pensar o real descobre a mútua determinação de

identidade e diferença, mas mistifica o real ao estabelecer que a

identidade predomina para compor o mundo do uno em sua

8 - Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 70 9 - Idem. P. 71

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30 João Henrique Bordin

diversidade e conflitos só aparentes. “A dialética é um processo

num mundo onde o modo de existência dos homens e das coisas é

engendrado por relações contraditórias; assim, cada conteúdo

particular só se expande ao mudar-se no seu oposto”10

, cada coisa

possui determinadas qualidades que as distingue das outras e são

sua contradição. Por exemplo, dizer que uma cadeira é azul

significa que ela é algo que não é ela mesma, a qualidade azul.

Dizer que determinada pessoa é alta, ou gorda, estas qualidades

são contraditórias com o ser que é ela mesma e isso poderia causar

desunião no meio social. Por isso, o Estado é a totalidade dialética

que dá coesão à sociedade civil, em suas múltiplas carências

individuais e numa unidade política. “O indivíduo só poder ser

livre como um ser político”11

e algumas mentes mais evoluídas

reúnem essa vontade geral, que é o resultado e não a origem do

estado, para que a grande maioria possa seguir. O mundo constitui

um todo e a verdade é reconstruir esse todo.

10 - Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 73 11 - Idem. P. 88

Page 32: Educação Revessa

31 Educação Revessa

Dialética Materialista

Karl Heinrich Marx

Marx nasceu em Trier (Trevès, em

Frances), em 1818, na Renânia, então

província da Prússia, limite com a

França, hoje sul da Alemanha. De

origem judaica, era filho do brilhante

jurista Hirschel, que chegou a ser

conselheiro da justiça, que em 1824

converteu a família ao Cristianismo e

adotou o nome Heinrich, mais

germânico. O pai faleceu quando tinha

vinte anos e dele recebeu vigorosa

formação, pois cresceu enquanto se estruturava a indústria fabril e no entorno

da qual surgiam as duas classes sociais que seriam o centro de sua obra, o

proletariado e a burguesia. A essas circunstâncias sociais, se vinculam as

ideias do iluminismo francês, do qual o pai era adepto. Em 1835, com 17

anos, Marx termina o ensino secundário e vai para a Universidade de Bonn,

onde inicia o curso de Direito, mas não o termina; e em 1837 vai para a

Universidade de Berlim, onde se encanta pela filosofia de Hegel, que tudo

explica a partir de uma ideia, de um princípio único. Estudou Hegel como

ninguém, encontrando em seu sistema não só a explicação lógica e abstrata

das coisas, mas a maneira de analisar a sua produção. O sistema hegeliano

abrange e explica tudo a partir da liberdade. Só não foi hegeliano de maneira

estrita, pelo seu espírito inquieto e inclinado às ideias anticonservadoras.

Marx formou-se em Jena, cidade da Turíbia, em 1841, com a tese de

Page 33: Educação Revessa

32 João Henrique Bordin

doutorado, “Diferenças entre as Filosofias da Natureza de Demócrito e

Epicuro”. Nessa tese, Marx demonstra sua identificação com o método

empregado pelos atomistas, que é o mesmo que Hegel usa em seu sistema

filosófico. “Tudo é manifestação da liberdade”. Em 1844 escreve “Sobre a

Crítica da Filosofia do Direito” de Hegel, em 1847 escreve “A Miséria da

Filosofia”, em 1852 “O Brunário de Luís Bonaparte”, em 1859 “Sobre a

Crítica da Economia Política”, e em 1867 o primeiro volume de “O Capital”.

Os volumes II e III de “O Capital” foram publicados em 1885 e em 1894,

por Engels, após a morte de Marx em 1883. Juntamente com Engels publica,

em1845, “A Sagrada Família”, entre 1845 e 1846 “A Ideologia Alemã” e em

1848 “O Manifesto Comunista” (O Capital. tradução de Regis Barbosa e

Flávio R. Kothe e apresentação de Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São

Paulo: Nova Cultura, 1996).

mesmo princípio defendido por Hegel, de que

toda coisa tem dois níveis de realidade, o da

essência e o das manifestações, Marx admite. No entanto, traz

essa dialética para o mundo material e afirma que apenas certos

tipos de relações sociais historicamente constituídas são

contraditórios; em geral o das sociedades de classe e em particular

a sociedade capitalista. A partir do capital, Marx analisa a

realidade concreta, pois este influencia “todas as relações

humanas, desde as mais insignificantes até as mais complexas do

modo de ser das pessoas”12

. Parte do princípio de que o

conhecimento já está presente na realidade e cabe ao pensamento

apreendê-lo enquanto síntese de múltiplas determinações

contraditórias. Com o materialismo histórico se apreende as

12 - Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007. P. 300

O

Page 34: Educação Revessa

33 Educação Revessa

contradições do real concreto e resgata o crítico da dialética de

Hegel.

A unidade do Estado só acontece no plano jurídico, como

um todo identitário, em que todos são iguais perante a lei, mas

repousa e se determina numa desigualdade social entre

proprietários e trabalhadores livres, juridicamente iguais. É

ilusório pensar que só exista igualdade e liberdade e negar a

desigualdade. “A dialética, em Marx, é vista a partir do capital

que é responsável pela existência da contradição da sociedade de

classes: uma que detém o capital (burguesia) e a outra que não

detém (proletariado)”13

.

O Capitalismo se assenta na ideia de que tudo vira

mercadoria com valor abstrato, na ideia da mais-valia, ou seja: o

“valor do que o trabalhador produz menos o valor do seu próprio

trabalho”14

. A abstração acontece pelo fato do capital se

fundamentar em convenções: “uma cédula de papel-moeda, só por

convenção, é assumida como valendo 100 reais”.15

É conveniente

que haja igualdade jurídica dos vendedores e compradores na

circulação de mercadorias em contraposição à desigualdade social

13 - Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007. P. 302 14 - Mais-Valia em: Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o

dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999 15 - Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007. P. 301

Page 35: Educação Revessa

34 João Henrique Bordin

entre trabalhadores e capitalistas na produção. O que importa é a

igualdade jurídica sustentada pelo Estado.

As diferenças profundas compõem o todo e se

determinam na identidade externa. Pensar é transformar o real,

descobrir o princípio de suas diferenças e encontrar sua solução. A

análise dialética constitui e transforma o objeto, o social,

desmascarando seu fetiche, suas contradições e seus movimentos.

O capital é a totalidade e a mercadoria geral (trabalho) sua

oposição. “O mundo das mercadorias é um mundo falsificado e

mistificado, e a análise crítica dele deve começar por acompanhar

as abstrações que o constituem, devendo, pois, partir dessas

relações abstratas para atingir o seu conteúdo real”16

. Enquanto

totalidade o capital inclui seu oposto, o trabalho vivo (o

trabalhador); e enquanto momento corporificado nos meios de

produção ele o exclui, para que não faça parte da mercadoria

produzida.

O trabalho, não capital, não objetivado, negativamente

apreendido, excluído das riquezas objetivas, do não valor, não

como objeto, mas como atividade, é fonte de vida do valor. O

trabalho e capital condicionam-se mutuamente; o trabalho não

objetivado vivo é o oposto do capital como existência oposta e por

outro lado pressupõe o capital. Os meios de produção, trabalho

16 - Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 286

Page 36: Educação Revessa

35 Educação Revessa

morto, são vivificados pelo trabalho vivo. O capital e trabalho

morto se apresentam como totalidade e se opõem ao trabalho vivo.

O capital inclui em si a força de trabalho como momento

variável para se valorizar e se definir como capital e a exclui

enquanto possível totalidade, que poderia deixar de produzir para

ele e com isso deixaria de ser capital. Excluir seu oposto implica

excluir-se a si mesmo, negar a si próprio, contradizer-se. É o

“caráter negativo da realidade”17

que despertou tanto Marx como

Hegel. Na contradição, o capital enquanto totalidade inclui o

trabalho e simultaneamente o exclui de si. Substancialmente,

enquanto valor, o capital é constituído pelo trabalho, que

formalmente o subordina e o define como pobreza absoluta,

despojado dos meios de produção e sendo mera parte integrante

do todo.

A contradição unilateral do capital nunca se resolve de

modo pleno, visto que o aspecto positivo está inserido no

negativo, não há solução idealista, só crítica e revolucionária. O

capital não é a substância real. A força de trabalho, fonte efetiva

do valor, é que deveria ser elevada à substância, a sujeito, e para

isso precisa se apropriar dos meios de produção. O capital se

apresenta como sujeito, vampirescamente roubando a vitalidade

criadora da força de trabalho.

17 - Marcuse, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1978. P. 285

Page 37: Educação Revessa

36 João Henrique Bordin

Há uma inversão do movimento dialético; a força de

trabalho é negatividade referida a si, na relação de trabalho vivo,

com o objeto criado que não lhe pertence mais. Retorna, assim, o

trabalho de mãos vazias e resulta na sua exclusão da riqueza

objetiva e o impede de passar o sujeito, para conferir essa posição

ao capital. Marx “aponta que a negação da negação, o estágio

final, acontecerá desde que a totalidade do estado negativo vigente

seja anulado”18

. A contradição profunda não se resolve porque

consiste em uma torção, em que a subjetividade é um poder alheio

à substância.

A dialética de Hegel estaria de cabeça para baixo ou

como uma luva, que ao ser tirada da mão fica do avesso. Assim,

vê o pensamento como o que concebe o real e a contradição está

na mente; a identidade seria o que está do lado de dentro da luva

determinado pelo que está do lado de fora. Marx coloca a dialética

de Hegel de cabeça para cima, corrige o viés idealista e apresenta

corretamente a vida material como produto das representações

mentais; a contradição está no material.

“A análise que Marx faz não é do ser em geral, ou das

coisas em geral, mas das relações produtivas, responsáveis por

conduzir a sociedade ao estado em que se encontra”19

. Na análise,

18 - Raízes Jurídicas – Curitiba, v.3, n.1, jan/jun. 2007. P. 305 19 - Idem. P. 303

Page 38: Educação Revessa

37 Educação Revessa

leva em conta as condições materiais, concretas, econômicas e

sociais que conduzem a humanidade a uma sociedade de classes

marcada por conflitos. Descobriu que a luva está do avesso e a

identidade está no lado de fora da luva, que precisa ser desvirada

para que o real apareça, e é determinada pelo que está do lado de

dentro.

Page 39: Educação Revessa

38 João Henrique Bordin

Page 40: Educação Revessa

39 Educação Revessa

Semelhanças e diferenças entre Marx

e Hegel

No que se assemelham

sistema filosófico de Marx recebeu grande

influência do pensamento de Hegel, pois se sentiu

muito atraído pelo método de explicação da totalidade. Foi

colocado, no início deste trabalho, que Hegel e Marx concordam

com o princípio de que toda coisa tem dois níveis de realidade, o

da essência e o da sua manifestação por contradições, e que a

dialética descobre porque que ao se exteriorizar a essência se

inverte numa contraposição de identidade e diferença

fundamental. A concordância também se dá no caráter histórico

em que para conhecer algo é necessário compreender o processo

pelo qual esse algo ocorre e como é transformado pelo

movimento. “Ambos sustentam a tese de que o movimento se dá

O

Page 41: Educação Revessa

40 João Henrique Bordin

pela oposição dos contrários, isto é, pela contradição”20

. Outro

ponto de convergência está na análise da realidade, em que são

despertados pelo caráter negativo. Percebem, assim, que só

abarcando todas as contradições de algo é possível compreendê-lo

na sua essência. Para ambos a verdade das coisas só é encontrada

na solução de sua contradição, que está oculta no conflito e não

naquilo que se apresenta, ou na sua negação.

O trabalho é outro ponto que ambos utilizam para

explicar a transformação do real, apesar de ser de ângulos

diferentes. A dialética, para ambos, começa com a diversidade,

com a análise das contradições e segue uma metodologia rigorosa,

para abarcar todas as determinações e chegar à totalidade. Hegel

sustenta a existência de um conceito, ou princípio, como sendo o

máximo que alguém pode atingir; aquela possibilidade oculta que

será alcançada com a solução das contradições. Marx se

assemelha, ao entender que a história efetiva da humanidade

começará quando o capital for superado e o comunismo

instaurado, acabando assim com os conflitos. Por último, podemos

dizer que ambos, de uma forma ou de outra, pretenderam

contribuir concretamente para a transformação do mundo e que a

dialética ajuda o homem a chegar ao conceito, ou a alcançar a

verdade.

20 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.20

Page 42: Educação Revessa

41 Educação Revessa

No que diferem

ma primeira diferença fundamental que

encontramos de Hegel para Marx é com relação à

explicação da realidade. A percepção dialética hegeliana acredita

poder explicar toda a realidade, a partir do ser puro. A visão

marxista diz respeito apenas à realidade concreta, ou seja, ao

capital, visto que este influencia todas as relações humanas. Hegel

parte da mente, da categoria mais simples e abstrata, o ser puro.

Marx parte do capital, do concreto, da sociedade e todas as

relações humanas, traz a dialética para o real. Quanto à análise,

em Hegel temos a ontológica, em que considera o ser de uma

forma geral; e Marx leva em conta apenas as condições que

levaram a sociedade ao atual estado. O movimento histórico, em

Hegel, é percebido como um todo; e em Marx a preocupação

histórica é centrada em sua época, especialmente na luta de

classes, com a intenção de mostrar quais acontecimentos levaram

a tal momento. O movimento, pela oposição dos contrários, em

Hegel se localiza na idéia; enquanto “Marx a localiza no seio da

própria coisa, de todas as coisas, e em íntima interação com

elas”21

.

21 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.20

U

Page 43: Educação Revessa

42 João Henrique Bordin

Com relação à negatividade, em Hegel é vista como algo

natural, de tudo aquilo compreendido pela contradição da

realidade. No entanto, Marx atribui um aspecto negativo à

contradição da realidade, ao ser imposta pelo capital, e só com sua

superação a humanidade poderá viver sua história verdadeira. Para

Hegel a dialética é um movimento lógico do real apresentado na

tese, antítese e síntese, sendo que neste último estágio acontecerá

a reconciliação, rejeita e aceita partes dos estágios anteriores e

ainda este pode se apresentar como uma nova tese. Por outro lado,

aceitando esse esquema lógico, Marx não pensa em reconciliação,

mas que a negação da negação, último estágio, é a anulação da

totalidade do estado negativo vigente, a eliminação do capital, e

conduzirá a humanidade ao comunismo onde não haverá mais

conflito. Portanto, a dialética não mais se manifestará. Hegel

acredita que o estado é a totalidade dialética que mantém unida

politicamente a sociedade em suas carências individuais. Marx

esclarece que a unidade acontece só juridicamente e que a

sociedade repousa na desigualdade social.

Page 44: Educação Revessa

43 Educação Revessa

Método Dialético de Marx

omo foi colocado no início deste trabalho, Marx

parte da premissa do proceder por análise e síntese

e para isso propõe um método de pesquisa e um de exposição. A

pesquisa, que leva à análise, é lançar o olhar por entre as coisas

que me rodeiam, entre elas e as pessoas inseridas no sistema

capitalista, e perceber, pouco a pouco, a quantidade de

contradições existentes. Após essa percepção, faz-se a exposição

de todos os contrários e elabora-se a síntese, que remete

novamente a uma nova pesquisa, com um rigor mais apurado.

Para Marx a “pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria,

analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão

íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor

adequadamente o movimento real”22

. A síntese é a exposição da

pesquisa de forma detalhada e refletindo a totalidade

22 - Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de

Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, 1996. P.140

C

Page 45: Educação Revessa

44 João Henrique Bordin

Essa análise nos faz ver além do estabelecido e

programado mundo contemporâneo, não com a intenção de negar

e propor um novo sistema, mas sim desencadear a sua superação.

O método dialético de Marx “assume toda a realidade

contraditória e até vê no desenvolvimento das contradições, no

emergir do lado negativo, antagônico, a única via histórica de

solução”23

. A concepção de Marx é anti-ideológica, ele não aceita

retornar a uma solução ideal de equilíbrio anterior e nem eliminar

a atual sociedade industrial burguesa. A solução é sua superação,

através da exposição de suas contradições materiais.

“A dialética não é um movimento espiritual que se opera no interior do

entendimento humano. Existe uma determinação recíproca entre as ideias da

mente humana e as condições reais de sua existência: o essencial é que a

análise dialética compreenda a maneira pela qual se relacionam, encadeiam e

determinam reciprocamente as condições de existência social e as distintas

modalidades de consciência. Não se trata de conferir autonomia a uma ou

outra dimensão da realidade social. É evidente que as modalidades de

consciência fazem parte das condições de existência social” (Gadotti, Moacir:

Concepção Dialética da Educação, p.21).

A exposição dialética materialista é aplicada em toda

trajetória marxista, em especial na obra “O Capital”, quando essa

metodologia já está claramente dominada. A derivação dialética

opera com as contradições imanentes dos fenômenos, não suprime

a derivação dialética própria da lógica formal, baseada justamente

23 - Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez,

1991. P.114

Page 46: Educação Revessa

45 Educação Revessa

no princípio da não contradição. Marx não descansava enquanto

não se esgotassem todas as fontes informativas de que tinha

conhecimento. O fim último da investigação consiste em se

apropriar em detalhes da matéria investigada, analisar suas

diversas formas de desenvolvimento e descobrir suas verdades

internas. Neste caso a matéria investigada é o sistema educacional,

inserido no sistema capitalista. Somente depois seria possível a

sua reprodução real na prática no mundo do capital. Esta é a

construção “a priori” que Marx utiliza para analisar a estrutura

social do Capitalismo burguês. Seu método configura o “todo

artístico” ou a “totalidade orgânica”, o que pressupõe a aplicação

da lógica hegeliana.

A exposição não se orienta pela sucessão histórica, mas

por categorias abstratas e determinações preconcebidas. A

exposição historiográfica configura uma contraprova para tornar a

investigação inserida no real. Portanto, entre a lógica hegeliana e

o resumo histórico, que explica o acúmulo originário do capital,

há um entrelaçamento, cruzamento e circularidade que dão à

pesquisa maior clareza em sua exposição24

, pois o lógico é o fio

orientador da exposição e o histórico oferece a contraprova.

24 - Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de

Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, 1996. P.24 e 25

Page 47: Educação Revessa

46 João Henrique Bordin

Tal rigor, na exposição de Marx, se deve ao fato de sua

obra ter a finalidade de descobrir o desenvolvimento das leis

econômicas da sociedade burguesa, seu nascimento,

desenvolvimento e provável fim do modo de produção capitalista.

Para Marx só importava descobrir a lei dos fenômenos. Provar,

mediante escrupulosa pesquisa científica, a necessidade de

determinados ordenamentos das relações sociais e apontar, de

modo irrepreensível, os fatos que lhe servem de ponto de partida e

de apoio. O movimento social é um processo histórico-natural

dirigido por leis que determinam a vontade, a consciência e as

intenções dos indivíduos. A crítica limita-se a confrontar um fato

com o outro. A pesquisa, portanto, tem de captar detalhadamente a

matéria, avaliar as suas várias formas de evolução e rastrear sua

conexão intima25

. Só depois podemos expor adequadamente o

movimento real.

Marx atribui a dialética um “status” filosófico (o

materialismo dialético) e científico (o materialismo histórico)”26

,

substituindo assim o idealismo de Hegel, fechado no mundo das

ideias, por um realismo materialista, coloca-a na matéria. Marx,

no contexto materialista, considerava a matéria como a única

realidade e negava a existência da alma, de outra vida e de Deus.

25 - Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de

Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, 1996. P.138 a 140 26 - Idem. P.19

Page 48: Educação Revessa

47 Educação Revessa

A filosofia que apresentou era revolucionária ao demonstrar as

contradições internas da sociedade de classes e a exigência de sua

superação. “A dialética de Marx não é apenas um método para se

chegar à verdade, é uma concepção do homem, da sociedade e da

relação homem – mundo”27

. Essa concepção desfaz a ideia de que

só o pensamento, em suas abstrações, elabora o conhecimento.

Marx busca integrar o real ao pensamento, pois o conhecimento

não é mais do que a matéria, o real, transposto para a mente do

homem.

O modo de produção capitalista

“é o próprio homem que figura como ser

produzindo-se a si mesmo, pela sua

própria atividade, pelo modo de

produção da vida material. A condição

para que o homem se torne homem

(porque ele não é, ele se torna) é o trabalho, a construção da sua

história. A mediação entre ele e o mundo é a atividade material”28

.

Pela existência da matéria o homem nasce, cresce, se desenvolve e

morre, como qualquer outro ser vivo, mas é através do trabalhar a

matéria que se torna homem e constrói sua história.

27 - Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de

Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, 1996. P.138 a 140 28 - Idem. P.20

Page 49: Educação Revessa

48 João Henrique Bordin

Para Marx as leis do pensamento correspondem às leis da

realidade. A dialética, pensamento e realidade, a um só tempo, na

contradição da sociedade de classes, a partir do capital, estabelece

a existência de uma que detém o poder (burguesia) e de outra que

obedece (proletariado). A Revolução Industrial causou profundas

transformações em todos os níveis sociais e Marx vê esse

momento e assume uma “postura consciente da historicidade das

relações sociais e do seu reflexo na ideologia, é prontidão para

captar, no dado histórico, a tendência do movimento”29

. Mas não

se lamenta, não assume uma aceitação a-histórica e nem formula

uma realidade utópica, mas se empenha em elaborar um método

dialético para superar a situação de negação da subjetividade

humana no objeto produzido.

A matéria e seus conteúdos é que dita a dialética do

marxismo como momento contraditório de um movimento

histórico. Para Marx a dialética é ciência que mostra como as

contradições podem ser concretamente idênticas e passam uma

pela outra. Por isso, a razão deve considerá-las, não como mortas

ou imóveis, mas vivas, móveis e lutando uma contra a outra. Para

entender e superar as contradições Engels segue alguns princípios

da dialética, muito criticados pelos críticos marxistas, mas hoje

aceitos como ponto de partida para este estudo.

29 - Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez,

1991. P.123

Page 50: Educação Revessa

49 Educação Revessa

O primeiro princípio “da totalidade”, “lei da ação

recíproca e da conexão universal”, diz que tudo se relaciona. O

segundo princípio “do movimento”, “lei da transformação

universal e do desenvolvimento incessante”, diz que tudo se

transforma. O terceiro princípio “da mudança qualitativa”, “lei da

conversão da quantidade em qualidade e vice-versa”, diz que com

o acúmulo de elementos quantitativos produz-se o

qualitativamente novo. E princípio da contradição “dos

contrários”, “lei fundamental da dialética”, diz que os contrários

coexistem na realidade e um não pode existir sem o outro30

.

Portanto, a relação intrínseca das coisas, na totalidade,

desencadeia sua transformação contínua e no processo a

quantidade, em seu cruzamento e desdobramento, adquire novas

qualidades.

O método que Marx utiliza em suas pesquisas tem um

fundo atomista, quando expõe as coisas, o sistema, e vê qual a

relação, o que é a favor e o que é contra, etc., em todas as suas

partes. “Método” para Marx é, simultaneamente, a exposição da

totalidade do sistema em partes para através destas fazer a crítica.

Na obra “Para a Crítica da Economia Política”, procura analisar o

processo produtivo, dentro do sistema capitalista, em seu esquema

30 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.24 a 26

Page 51: Educação Revessa

50 João Henrique Bordin

e produção, distribuição, troca e consumo. A lógica da Economia

Política estabelece que na produção o homem, em seu estágio

primário, trabalha a natureza para retirar-lhe a sua subsistência. A

distribuição, de acordo com o modelo de produção, de

determinada sociedade, é dar a cada um o que lhe cabe, segundo a

posição social que ocupa. Da troca vem a satisfação das

necessidades individuais. O homem troca o que produziu, e lhe

coube na distribuição, pelas mercadorias que mais lhe satisfaz os

desejos. O consumo é o desfrutar do que se conseguiu no processo

de produção, distribuição e troca. O consumo, por sua vez, vai

determinar a nova produção e a isso Marx se opõe, pois pode

conduzir à supervalorização de determinada mercadoria, a qual

todos vão querer produzir, ocasionando escassez e desinteresse

para com os demais produtos.

Essa breve compreensão da Lógica da Economia Política

é necessária para poder entender a relação estabelecida entre o

sistema de produção capitalista, o trabalhador assalariado e o

produto do seu trabalho. Relação que gera uma mercadoria de

troca com valor sobre todas as demais mercadorias, o dinheiro, a

“forma equivalente geral é uma forma do valor em si”31

. É com

esta mercadoria, o dinheiro, e por ela, que todo o trabalhador se

submete ao sistema, vendendo sua mão de obra, para poder

31 - Marx, Karl - O Capital. Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe e Apresentação de

Jacob Gorender; Volume 1, Tomo I. São Paulo: Nova Cultura, 1996. P.195

Page 52: Educação Revessa

51 Educação Revessa

recebê-lo em troca. Com a mercadoria “dinheiro” o indivíduo

pode trocar (comprar) por outra que lhe convier, inclusive uma

boa educação. O método de Marx utiliza a dialética da contradição

das classes sociais a partir do capital, seu contraditório. O capital é

a tese, a situação, o proletariado sua antítese, sua negação e, na

síntese, negação da negação, o contraditório, o capital, é superado

e a sociedade vive uma nova ordem social.

Para melhor entender a Educação Dialética convém

esclarecer a diferença da concepção da educação metafísica e

dialética. Na concepção metafísica a educação se insere na

realidade daquilo que deve ser o indivíduo em sua essência e

concebe o “homem como um caso individual”32

. O homem realiza

a educação como um bem particular, através de seus esforços a

adquire como uma conquista pessoal. A concepção dialética da

educação opõe-se fundamentalmente à concepção metafísica.

Na concepção dialética da educação “a formação do

homem se dá pela elevação da consciência coletiva realizada

concretamente no processo de trabalho (interação) que cria o

próprio homem. A educação é o que se pode fazer do homem de

amanhã”33

. É dentro dessa concepção dialética que a pedagogia

deve elaborar seu método, a fim de, superando todas as

32 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.148 33 - Idem. P.149

Page 53: Educação Revessa

52 João Henrique Bordin

contradições, elevar a educação de um aspecto abstrato e irreal

para uma realidade concreta, real e verdadeira.

Esta nova educação, revolucionária, cria o homem de

amanhã, com a realização da consciência coletiva e uma interação

igualitária nas condições de trabalho e nas relações sociais. Marx,

ao se mostrar preocupado com a situação do trabalhador, sem

instrução no manejo dos instrumentos de trabalho, sugere um

ensino ao trabalhador. Afinal “trata-se de um trabalho produtivo,

prático de manejo dos instrumentos essenciais de todos os ofícios,

associado à teoria com o estudo dos princípios fundamentais das

ciências”34

. O trabalhador, assim, teria condições de produzir mais

e melhor e teria a possibilidade da formação de sua consciência.

A contradição, própria da dialética, sempre esteve

presente, mesmo que escondida, nos discursos filosóficos. A

matéria (mundo real, concepção dialética) e o espírito (mundo das

ideias, concepção metafísica) constituíram-se como contrários,

opostos, em que o espírito seria a fonte da verdade e a matéria a

sua anulação. “Enquanto Hegel localiza o movimento

contraditório na lógica, Marx a localiza no seio da própria coisa,

de todas as coisas, e em íntima integração com elas”35

. Não é uma

34 - Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez,

1991. P.125 35 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.20

Page 54: Educação Revessa

53 Educação Revessa

negação do espírito, o mundo das ideias, e afirmação ou elevação

da matéria como única que contém a verdade. É uma adequação

do pensamento e da matéria para a apreensão do conhecimento.

Trazer a Lógica para a coisa, a matéria, o mundo real, é

superar as suas contradições e colocá-las no mesmo mundo, em

que, pela sua íntima integração, se superam superando todos os

contraditórios de todas as coisas e, consequentemente, as

contradições do espírito em si e deste com o da matéria. O que

Marx mais criticava era a questão de como compreender o que é o

homem. Não é pela razão, nem por ser um animal político que o

homem expressa sua singularidade, mas por ser capaz de produzir

suas condições de existência, tanto material quanto ideal. Como o

homem é historicamente determinado pelas condições, se torna

responsável por todos os seus atos, pois ele é livre para escolher.

Por outro lado, o homem não é

só um ser material, portador do dom

espiritual, ele é, também, essencialmente

um ser social. A Educação Dialética é

social, científica... “voltada para a

construção do homem coletivo, voltada, portanto, para o futuro”36

.

Sendo dialética, a educação afronta a questão da própria formação

36 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.149

Page 55: Educação Revessa

54 João Henrique Bordin

do homem como tarefa social, com suas condições reais e

múltiplas determinações. Na confrontação, com o único fim de

superar os contrários e aperfeiçoar o social, estabelece a questão

central da educação que é “o homem enquanto ser político, a

libertação histórica, concreta, do homem contemporâneo”37

. Ser

político significa estar engajado no social, estar sendo o sujeito de

sua libertação histórica e das manobras do sistema vigente,

tornando-se, assim, indivíduo consciente de sua concretude e que

pode fazer a diferença em seu meio social.

Uma das conclusões da obra de Marx, com relação ao

sistema de trabalho, se encontra quando ele fala “de modificar o

mundo, isto é, de uma atividade na qual a sociedade humana está

fortemente empenhada e que representa de certa maneira todo o

processo da sua história: apropriar-se da natureza de modo

universal, consciente e voluntário, modificá-la e, ao modificar a

natureza e seu próprio comportamento em relação a ela, modificar

a si próprio como homem.”38

Trazendo isso para a educação, o

apropriar-se se apresenta como um ver o sistema com olhos

atentos e detectar, dialeticamente, os seus contraditórios na

tentativa de superá-los, superando-se, numa modificação do

homem e seu comportamento e do sistema social universal.

37 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.149 38 - Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez,

1991. P.126

Page 56: Educação Revessa

55 Educação Revessa

Dialética e Educação

“Educação Dialética” deve, em sua análise,

levar em conta toda a realidade, com sua

diversidade nas relações e condições sociais, em especial o modo

como se constitui a consciência do homem, cidadão do mundo.

Portanto, “o essencial é que a análise dialética compreenda a

maneira pela qual se relacionam, encadeiam e determinam

reciprocamente as condições de existência social e as distintas

modalidades de consciência”39

. É certo que as condições de

existência social determinam as modalidades de consciências. Um

indivíduo, por exemplo, que vive em uma cidade onde o respeito

pelo outro, o público, o que é privado, pelos idosos, mulheres,

crianças, etc., é considerado um dever supremo, onde todos têm as

mesmas condições de trabalho, estudo, lazer e atendimento à

saúde, tem um nível ou modalidade de consciência diferente

daquele que vive em uma cidade abandonada social e moralmente.

39 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.21

A

Page 57: Educação Revessa

56 João Henrique Bordin

Para Marx “o materialismo dialético não considera a

matéria e o pensamento como princípios isolados, sem ligações,

mas com aspectos de uma mesma natureza, que é indivisível e que

se exprime sob duas formas diferentes: uma material e outra ideal;

a vida social, una e indivisível, também se exprime sob duas

formas diferentes: uma material e outra ideal; eis como devemos

considerar o desenvolvimento da natureza e da vida social. O

materialismo dialético considera a forma das ideias tão concreta

quanto à forma da natureza”40

.

A “Educação Dialética” se vale dessa concepção e, como

o marxismo, “não separa em nenhum momento a teoria

(conhecimento) da prática (ação), e afirma que a teoria não é um

dogma, mas um guia para a ação. A prática é o critério de verdade

da teoria, pois o conhecimento parte da prática e a ela volta

dialeticamente”41

. Essa modalidade oferece um toque especial à

Educação e lhe oferece o movimento. O movimento adquirido

através da prática é experimentado e elaborado como

conhecimento prático, consequentemente, a prática é

aperfeiçoada.

A Educação, utilizando o “método dialético”, faz a

análise do sistema capitalista como uma “realidade objetiva,

40 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.22 41 - Idem. P.23

Page 58: Educação Revessa

57 Educação Revessa

analisa, metodicamente, os aspectos e os elementos contraditórios

dessa realidade (considerando, portanto, todas as noções

antagônicas então em curso, mas cujo teor ninguém ainda sabia

discernir)”42

. Depois de feita a distinção dos aspectos ou dos

elementos contraditórios, sem negligenciar as suas ligações, sem

esquecer que se trata de uma realidade, a Educação vai

reencontrar o sistema capitalista na sua unidade, isto é, no

conjunto do seu movimento. Essa nova visão, mais rica em

detalhes e conhecimentos, oferece, agora, a possibilidade de

aplicar, com mais rigor, o “método de pesquisa” e com mais

veracidade o “método de exposição”.

O método de pesquisa é esta

volta à realidade para a apropriação,

em pormenores, de todos os

elementos contraditórios da realidade.

É a “análise que colocará em evidência as relações internas, cada

elemento em si”43

. O método de exposição é a reconstituição desta

realidade em forma de síntese de todos seus fenômenos.

A realidade “revela-se gradativamente segundo as

peculiaridades próprias”44

. O atual sistema educacional da era

42 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.31 43 - Ibidem.

Page 59: Educação Revessa

58 João Henrique Bordin

tecnológica “tende a reunificar a ciência e o trabalho: apoiada na

cibernética e na automação, exige cada vez menos operários e

cada vez mais técnicos e pesquisadores de alto nível; exige, ao

mesmo tempo, conhecimentos específicos para cada uma das

estruturas – disciplinas, aparelhamento – e capacidade de integrar

mais estruturas ou de dominar as relações que as une”45

. Como

fica o ensino técnico para todos, se cada vez menos se precisa

deles? Ao se oferecer conhecimentos específicos apenas, não se

está esquecendo aqueles da formação própria do ser humano?

Essas e outras são as questões para as quais a educação precisa

encontrar respostas.

Essa maneira de analisar a realidade que Marx nos

oferece e que, pela “Educação Dialética”, aplica em todo seu

sistema, não pode ficar na fase de pesquisa e exposição. Para ser

verdadeiramente dialética a educação deve fomentar o surgimento

do novo. O método dialético foi utilizado por Marx para fazer a

análise e fornecer ao proletariado uma arma revolucionária contra

a burguesia. “O verdadeiro revolucionário é aquele que, como

dialético, cria as condições favoráveis ao advento do novo”46

. Por

44 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.31 45 - Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez,

1991. P.129 46 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.33

Page 60: Educação Revessa

59 Educação Revessa

isso, não podemos compreender o método dialético fora do

pensamento marxista.

Não queremos dizer com isto que devemos ser marxistas,

mas sim, como homens esclarecidos, assumir, através da prática

dialética na educação, a posição de filosofia da práxis. Que cada

educador realize “constantemente o reexame da teoria e a crítica

da prática”47

, em si mesmo e no educando. A educação que cada

educador recebeu e transmite ao educando deve ser “aberta,

inacabada, superando-se constantemente”48

. A superação da

educação acontece na contínua reciprocidade com a sua

realização.

A concepção da educação dialética parte do princípio da

igualdade de condições que as crianças normais têm em sua mente

de aprender todas as formas de conhecimento. A “Educação

Dialética”, acreditando que “o desenvolvimento humano se dá

pela interação de determinantes internos e externos, negando a

existência de uma natureza a priori da criança, que não seja a

genérica natureza humana, suscetível de todos os

desenvolvimentos”49

, faz a análise dessa estrutura, tanto dos

47 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.37 48 - Idem. P.38 49 - Idem. P.150

Page 61: Educação Revessa

60 João Henrique Bordin

determinantes internos quanto externos, não para eliminá-los, mas

para compreender e estar consciente de seu funcionamento.

Com o método de pesquisa a educação se apropria de

toda a realidade, sem deixar de considerar “os elementos internos,

as contradições no interior do indivíduo e da própria instituição

educacional”50

. Desse modo pode, com o método de exposição,

revelar desde os anseios, indagações e conflitos do indivíduo, até

as mais profundas falhas do sistema educacional. Com essa

exposição volta à realidade do indivíduo e do sistema, com um

amplo arsenal educativo, capaz de restabelecer a educação como

meio de levar o homem a se tornar o sujeito da ação

transformadora.

A “Educação Dialética” está inserida num meio social

dividido em um lado conservador que, a qualquer custo, pretende

manter a ordem estabelecida, e uma emergente potência de uma

classe que encontra na escola a possibilidade de um instrumento

de luta para poder vencer os obstáculos impostos.

Para Marx “o esforço pedagógico em direção à

constituição de uma educação do trabalho e dos trabalhadores é

parte do processo complexo de questionamento e luta contra a

50 - Gadotti, Moacir – Concepção Dialética da Educação – um estudo introdutório. 2ª Ed.

São Paulo: Cortez, 1983. P.150

Page 62: Educação Revessa

61 Educação Revessa

organização imposta pela burguesia à sociedade”51

. Com relação à

imposição, atualmente nos referimos ao Capitalismo, que não

mudou em nada, ou melhor, o lado dominante aperfeiçoou a

forma de impor suas normas. O Capitalismo continua com o

objetivo de treinar as crianças, da classe trabalhadora, para o

serviço manual e para que no futuro possam exercer seu lugar

aonde o sistema necessitar.

Nesse processo a “escola participa da reprodução das

forças de trabalho; ela é posta a serviço dos interesses do

capital”52

. A educação, nas últimas décadas, avançou muito, mas

ainda não conseguiu se desvencilhar das amarras dos interesses do

sistema e obter sua liberdade e independência. Sabemos que para

isso precisaria abrir mão dos recursos do Estado, o que seria um

caos, já que esse só financia porque ajuda a manter sua ideologia.

Mas, mesmo dentro do sistema, através da dialética, a educação

aos poucos pode levar o indivíduo a se libertar das amarras do

sistema e, quando a direção do Estado tiver influência nessa

educação, o sistema do capital poderá iniciar a superação.

A educação para ser verdadeiramente dialética precisa

adequar pedagogia, educando e educador na realidade social atual,

tendo em mente a formação do homem novo. O método de Marx,

51 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.16 52 - Ibidem

Page 63: Educação Revessa

62 João Henrique Bordin

aplicado hoje, é descobrir “a contradição entre o elevado nível

tecnológico exigido ao moderno produtor, bem como na condição

social e, assim, detectar as exigências da formação técnica,

cultural e social a serem satisfeitas”53

.

Com a “Educação Dialética” é possível fazer essa análise

no sistema educacional, detectando a existência de um alto nível

de ensino para uns e para a maioria, que são as escolas primárias,

com um ensino precário. Através de tal constatação a educação

analisa as contradições e encaminha sua superação. Por

conseguinte estabelece qual formação técnica deve ser aplicada

em determinada região e qual educação precisa ser universal,

igual em todas as sociedades, lembrando que a contradição é o

princípio fundamental da dialética.

A aplicação prática da dialética na educação pode, nos

parece, seguir o caminho traçado por Marx na obra “Para Uma

Crítica da Economia Política”, no capítulo terceiro “O Método da

Economia Política” e transcrevê-lo para a Educação. Para isso

precisamos estabelecer claramente a divisão dos nossos estudos de

maneira a não deixar nada no esquecimento. Como a Educação

não é algo abstrato, fora da realidade, ou separado dela, nossa

análise deve situá-la na sociedade contemporânea. Com isso a

53 - Manacorda, Mário Alighiero – Marx e a Pedagogia Moderna – São Paulo: Cortez,

1991. P.129

Page 64: Educação Revessa

63 Educação Revessa

pesquisa inclui as contradições da Educação e todos os seus

esquemas internos e externos, e as contradições do Sistema

Capitalista com sua complexa superestrutura e variações de

sociedade em sociedade.

O primeiro passo é determinar as abstrações gerais mais

ou menos válidas, tanto para a Educação como para o

Capitalismo, e detectar a principal contradição, ou seja, a

existência de ricos e de pobres. Um segundo passo é analisar as

categorias que constituem a estrutura, interna e externa, do

sistema educacional e do sistema capitalista sobre as quais

repousam todos os seus membros. Nesta etapa da pesquisa faz-se

o levantamento das contradições, desde a precariedade das

escolas, das moradias e da infraestrutura social, contrapondo ao

desleixo do sistema capitalista, até a formação do método

pedagógico ditado por esse sistema, em si mesmo contraditório, e

passando pelos salários, condições de atuação do professor e

aprendizagem do aluno, etc. A terceira etapa é uma síntese da

relação do sistema educacional e do Capitalismo, sob forma de

Estado, considerada a relação entre os dois. A aplicação dos

impostos, ou não, a capacidade do educando, a qualidade dos

alunos, o abandono escolar, etc. Numa quarta etapa, a Educação e

o Capitalismo são comparados a nível internacional, já que

estamos num mundo globalizado, verificando os intercâmbios.

Page 65: Educação Revessa

64 João Henrique Bordin

Para finalizar, juntamente com o mercado mundial, a pesquisa

analisa a Educação e o Capitalismo em suas crises mundiais.

Toda esta pesquisa e explanação da contraditoriedade

social e educacional precisam acompanhar todo o processo de

aprendizagem do indivíduo, pois, assim, o acúmulo quantitativo

de conhecimentos, acompanhado dialeticamente do

amadurecimento qualitativo, levará à formação do homem

consciente, sujeito de sua história e em busca do novo.

Page 66: Educação Revessa

65 Educação Revessa

Um Pouco de História

educação por si só já é dialética, pois se situa no

limiar da diversidade social, cultural e ideológica,

de um determinado grupo, em determinado lugar. A educação

ajuda a sustentar uma sociedade, a explicar sua cultura e a

defender a ideologia dominante. Por outro lado, pode a educação

questionar as culturas, pôr em conflitos os modos de vida social e

desestruturar as ideologias. Portanto, cabe-nos perguntar: que tipo

de educação queremos? E mais profundamente: o que entendemos

por educação? O que é educação? Queremos a educação que

mantém as coisas como estão; que não gosta de mudanças e tem

medo do novo; ou a que tudo questiona e tem a visão do novo

como possibilidade de ser realizado? Por educação entendemos

apenas a forma de transmitir conhecimento, ou a maneira do

homem se portar como presença no meio social? Educação é a

forma com que alguns modelam o comportamento e o agir da

A

Page 67: Educação Revessa

66 João Henrique Bordin

maioria a seu gosto, ou é o modo como o homem assume sua

postura de ser cidadão no mundo.

Já expusemos e ficou clara a questão da dialética. Em

Hegel vimos como funciona a dialética idealista e em Marx como

é aplicada para explicar o funcionamento do capital. Ambas

sustentam que a dialética atua com as contradições, seja ela para

explicar a totalidade do ser, como fez Hegel, ou para discernir o

funcionamento social, econômico e político da atualidade. Assim,

o enfoque da dialética na educação é a contradição, tanto a nível

estrutural como na sua aplicabilidade social.

Na educação, entendida como o caminho mais seguro

para superar as desigualdades sociais, precisamos, em primeiro

lugar, descobrir qual a contradição que está na sua estrutura e que

mantém estreito o horizonte da mente humana. Após esta

descoberta, a análise se estende às contradições em todo o sistema

educacional, desde os conhecimentos repassados, passando pela

autoridade do professor na sala de aula, pelas perspectivas dos

alunos, até os objetivos da educação.

Para a proposição da “Educação Dialética” faz-se

necessário analisar a história da humanidade e perceber como a

educação mudou no decorrer do tempo e a que ou a quem serviu.

Não vamos aqui fazer uma descrição pormenorizada das

Page 68: Educação Revessa

67 Educação Revessa

civilizações, mas brevemente traçar um perfil histórico do homem

nas sociedades em sua ação de transmitir ou modificar culturas e

perceber como foram surgindo as grandes contradições.

Comunidades tribais

omeçamos bem lá no princípio com as

comunidades tribais. Elas surgiram como

aglomerações de famílias com o objetivo primeiro de garantir sua

sobrevivência.

Nessa ocasião, as

crianças aprendiam

imitando os gestos

dos adultos, nas

atividades diárias e

nos rituais místicos.

“Nas comunidades

primitivas, as mulheres estavam em pé de igualdade com os

homens e o mesmo acontecia com as crianças... A sua educação

não estava confiada a ninguém em especial, e sim à vigilância

difusa do ambiente”54

. É a influência natural que vai moldando o

54 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.18

C

Page 69: Educação Revessa

68 João Henrique Bordin

indivíduo e sua maneira de pensar conforme as necessidades

particulares do grupo. As atividades eram executadas em

conjunto, ninguém podia ficar de fora sem se abster da repartição

dos víveres. “A execução de determinada tarefa, em que um

membro da comunidade não podia realizar, deu lugar a um

precoce começo de divisão do trabalho de acordo com as

diferenças existentes entre sexo”55

. Aparecem, assim, as primeiras

desigualdades tribais sem que, com isso, houvesse submetimento

por parte da mulher.

Com o passar do tempo, em que “o dever ser, no qual

está a raiz do fato educativo, lhes era sugerido pelo meio social

desde o momento do nascimento”56

, foram acontecendo mudanças

e começaram a aparecer diferenças entre os membros da

comunidade tribal. “Qualquer desigualdade de inteligência, de

habilidade ou de caráter, poderia servir de base para uma

diferença que, com o tempo, poderia engendrar um

submetimento”57

. Assim com o crescimento da comunidade, surge

a necessidade de um líder e “a direção do trabalho se separa do

55 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.18 56 - Idem. P.20 e 21 57 - Idem. P.24

Page 70: Educação Revessa

69 Educação Revessa

próprio trabalho, ao mesmo tempo em que as forças materiais se

separam das físicas”58

.

Na sociedade em formação, a educação se sistematiza, se

organiza, se torna violenta e surge no momento em que perde seu

primitivo caráter homogêneo e integral. O rito tribal de oferendas

aos deuses e de uma relação natural, aos poucos, é substituído por

uma crença em deuses dominadores e crentes submissos.

Começam as diferenças entre os membros privilegiados e o povo.

Com uma educação imposta, os nobres se encarregam de difundir

e reforçar seus privilégios.

Com o surgimento das primeiras cidades e consequente

divisão entre cidade e campo, houve a necessidade de uma

educação mais elaborada. O primeiro registro histórico nos vem

da península itálica. “Os jovens eram forçados a viver no campo

com os pastores, dividindo com eles seu árduo labor e, através

desse método, desenvolviam as habilidades que eram

fundamentais para as atividades básicas de sua vida: a agricultura,

a caça, a pesca e o pastoreio”59

. Assim, o homem ia se

fortificando, aumentando a produção e as cidades iam crescendo.

A autoridade paterna subjugava a mulher e os filhos e os sábios se

58 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P. 24 59 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.13

Page 71: Educação Revessa

70 João Henrique Bordin

separavam cada vez mais dos trabalhadores, justificados por uma

religião e educação secreta. Mas faltava “uma instituição que não

só defendesse a nova forma primitiva de adquirir riquezas, em

oposição às tradicionais comunidades da tribo, como também que

legitimasse e perpetuasse a nascente divisão em classes e o direito

de a classe proprietária explorar e dominar os que nada possuíam.

E essa instituição surgiu: O Estado”60

, que aparece para amenizar

as emergentes contradições nas desigualdades sociais, ou seja, uns

que detêm o poder e a riqueza e a maioria que obedece e vive na

miséria.

Com o surgimento do Estado vieram suas leis e preceitos

como sendo de inspiração divina. A religião foi o meio adequado

e necessário para apaziguar os ânimos do povo que por ventura se

exaltasse. Para assegurar lealdade dos súditos, a educação imposta

pelas classes proprietárias devia “cumprir três finalidades

essenciais: 1ª- destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga;

2ª- consolidar e ampliar a sua própria situação de classe

dominante; 3ª- prevenir uma possível rebelião das classes

dominadas”61

. Assim germina e se consolida o comando de uma

classe em detrimento das demais e vai passando de sociedade em

sociedade até culminar na atualidade da dominação capitalista.

60 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.32 61 - Idem. P.36

Page 72: Educação Revessa

71 Educação Revessa

Grécia

sociedade grega se destaca das demais, entre

outras coisas, pelas artes e pela filosofia. A Grécia

pode ser considerada o berço da pedagogia, a “Paidéia” –

paidagogo – aquele que conduz a criança. No entanto a classe

dominante, classe da

beleza, do poder e do

saber, precisava manter

este status e para isso

criou seus exércitos

com o próprio povo.

Transformou assim a

“sua organização social

num acampamento militar e fez com que a sua educação

estimulasse as virtudes guerreiras”62

. Através da disciplina, pela

prática da ginástica austeramente controlada, mantinha

superioridade militar sobre a classe subalterna e as demais cidades

da região. Até os sete anos a criança vivia com os pais, após o

Estado se apoderava dela e até os quarenta e cinco anos pertencia

ao exército. Depois, até os sessenta, era posto na reserva, mas,

como não sabia fazer outra coisa, a ele pertencia à vida toda63

.

62 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.40 63 - Idem. P.41

A

Page 73: Educação Revessa

72 João Henrique Bordin

Os filósofos, que também pertenciam à classe dominante,

exerciam grande influência e explicavam porque as coisas

funcionavam daquela maneira. “Platão estabeleceu o princípio da

divisão do trabalho... mostrando que o homem não poderia ser

eficiente no atendimento de suas necessidades se dispensasse seus

esforços em atividades tão diferentes como cozinhar, costurar suas

roupas e trabalhar a terra. Por essa razão, ele deveria concentrar-se

naquelas atividades para as quais mostrasse mais talento, em

benefício da comunidade”64

. O saber estava destinado apenas para

a classe dominante e Platão “reservou o estudo da dialética para

um pequeno número de jovens selecionados que seriam

preparados para serem os futuros

magistrados”65

. Os magistrados teriam a

missão de instruir o “Estado” no saber e

no conhecimento, e conformar a classe

subalterna de sua situação predestinada.

É a filosofia a serviço da ideologia na

justificativa dos contrários.

Aristóteles reforça a ideia da superioridade de alguns,

afirmando que “a escravidão estava na natureza das coisas”66

. O

64- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.14 65 - Idem. P15 66- Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.59

Page 74: Educação Revessa

73 Educação Revessa

homem já nascia com a condição de ser livre, aristocrata, escravo,

camponês, etc. Por isso cada um devia se conformar com sua

situação, pois “as classes industriais são incapazes de virtudes e de

poder político”67

. Ainda afirmava que a visão do divino estava

reservada para muito poucos. Nesta justificativa do

funcionamento do sistema fez sua profecia involuntária. “Quando

os teares funcionarem sozinhos e as cítaras tocarem por si

mesmas, então já não necessitaremos de escravos, nem de patrões

de escravos”68

. Essa é a visão grega do mundo justificada por seus

filósofos, com a garantia de dar sustentabilidade ao poder

dominante.

Roma

sociedade romana, como todas as demais, também

estava baseada na escravidão. “Grandes

proprietários, os patrícios, monopolizavam o poder, a expensas

dos pequenos proprietários, os plebeus, que, apesar de livres,

estavam excluídos dos postos dirigentes”69

. Como os plebeus,

insistentemente, reivindicavam seu posto no poder, os patrícios

67 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.59 68 - Ibidem. 69 - Idem. P.61

A

Page 75: Educação Revessa

74 João Henrique Bordin

“lhes deram, no ano 287 AC, a igualdade política”70

. A junção

tornou Roma superior às demais nações e em pouco tempo

conquistou toda a região.

Como na Grécia havia os magistrados para instruir o

povo e formar a classe dominante, em Roma havia o orador. “O

orador, diz Quintiliano, é o verdadeiro político, o homem nascido

para a administração dos assuntos públicos e privados, capaz de

reger um estado com os seus conselhos, de estabelecê-lo mediante

leis e de reformá-lo pela justiça... o homem de bem”71

. O homem

de bem, na concepção romana, é aquele que pela educação

desenvolveu as qualidades necessárias para cuidar dos interesses

da classe dominante contra as ameaças dos motins da população.

A educação no império romano, de maneira geral, passou

por três fases. A latina original, de natureza patriarcal, onde os

ensinamentos e a tradição era passada no berço da família. Depois

veio a influência do helenismo, que, com a dominação de Roma à

Grécia, se espalhou por toda a região e era muito criticada pelos

defensores da tradição. Por fim, a cultura helênica e a romana se

fundem e os valores gregos ficam nitidamente na supremacia.

Com a fusão, desde o século IV AC, a educação sofrera uma

reforma por ser insuficiente o estilo ministrado aos nobres até

70 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.61 71 - Idem. P.63

Page 76: Educação Revessa

75 Educação Revessa

então. Nessa época surgiram “os ludimagister, para a educação

primária, os gramáticos, para a média, e os retores, para a

superior”72

. A educação primária era destinada as grandes massas,

com o intuito de apaziguar seus espíritos. Eram escolas

rudimentares, com uns bancos e uma cadeira para o mestre,

poucos recursos, esferas e alguns mapas e cubos. A situação dos

gramáticos e retores, que

eram dirigidas aos nobres,

estavam subsidiadas de

todas as formas de

aprendizagem e muitos

recursos73

. Aqui nota-se o

surgimento da contradição da educação institucional, com um tipo

de ensino para os nobres e outro para os plebeus.

A religião não podia ficar de fora do sistema de educação

romana. Usando a forma universal, é a vontade dos deuses, o

corpo de professores, como um regimento que defende os

interesses do Estado, e caminha com ele aos mesmos passos, usa

esse método para legitimar o poder dominante. A escravidão e a

submissão do povo são tão bem aceitas, no meio, que a única

esperança que lhe resta é a boa vida após a morte. “Em uma

72 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.67 73 - Idem. P.67 a 80

Page 77: Educação Revessa

76 João Henrique Bordin

comédia de Plutarco, chamada Os Cativos... um escravo

encarregado de vigiar os outros escravos dirige as seguintes

palavras:... Desde que esta é a vontade dos deuses... um amo

jamais se equivoca, até o mal que nos faz deve ser olhado como

um bem”74

. Um escravo cuidando do outro escravo, parece

comédia, mas era o cúmulo do domínio de um estado e uma

religião que encasulava a mente do homem e o fazia acreditar que

os deuses lhe traçaram essa vida.

O Feudalismo

pós essa fase greco-romana, a educação entra

numa fase mórbida na história da humanidade.

Com uma superestrutura religiosa, o Feudalismo se perpetua

durante séculos. Só por volta de 1450 alguns corajosos se

aventuram a contradizer esse sistema e, em muitos casos,

acabaram nas mãos da inquisição. Na “Idade Média, o Feudalismo

conhecia três variedades sociais: os bellatores, ou guerreiros, os

oradores, ou religiosos, e os laboratores, ou trabalhadores”75

. Cada

uma dessas classes sociais deveria agir sensatamente dentro de sua

74 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.80 e 81 75 - Idem. P.86

A

Page 78: Educação Revessa

77 Educação Revessa

situação e pela piedade divina um trabalhador, por exemplo,

poderia passar para outra, se assim Deus o quisesse.

A superestrutura religiosa feudal, como todas as

anteriores, só que com

mais veemência, domina o

espírito humano. “O

Cristianismo canaliza para

um mundo extraterreno as

suas inquietações e as

suas esperanças. Enquanto

o escravo e o servo sofriam sob os seus senhores, o Cristianismo

proclamava que eles eram iguais diante de Deus. Descoberta

maravilhosa que respeitava o status quo terreno, enquanto não

chegava o momento de alterá-lo, mas no céu”76

. A ganância da

Igreja era tanta que, para evitar que sua riqueza acumulada

passasse a herdeiros particulares - filhos dos padres e bispos que

casavam e formavam nova família, longe da igreja - impôs o

celibato a todo o clero.

As escolas, no sistema feudal, estavam centradas nos

monastérios e divididas em duas categorias. Uma para instruir os

religiosos e se baseava no estudo da Bíblia, em algumas obras

76 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.87

Page 79: Educação Revessa

78 João Henrique Bordin

literárias e na aprendizagem da língua oficial da Igreja, o latim. A

outra era dirigida a manobrar a população. A “finalidade dessa

escola não era instruir a plebe, mas familiarizar as massas

campesinas com as doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantê-

las dóceis e conformadas”77

. Com a instituição do celibato

surgiram as escolas externas, isto é, situadas fora dos muros dos

conventos, mas com domínio destes, e se destinavam ao clérigo

secular e a alguns nobres que queriam estudar sem pretender usar

o hábito. Com esse esquema educacional, semelhante ao das

escolas romanas, o Estado, aliado à Igreja, pretendeu justificar o

ter e o poder de alguns em detrimento da grande maioria.

O conhecimento saindo dos Conventos passa a fomentar

novas maneiras de se ver o mundo. Por exemplo, podemos citar

Rebelais (1495-1553) que “introduz em sua proposta pedagógica a

importância do conhecimento das coisas e da natureza através da

observação direta”78

. De outro lado temos Montaigne (1533-

1592), dizendo que “na aprendizagem (em grande parte baseada

no interesse em conhecer a natureza e incluindo a prática de

exercícios físicos), era necessário não sobrecarregar a criança com

excesso de informações. Ele preferia uma cabeça bem feita a uma

77 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.91 78- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.24

Page 80: Educação Revessa

79 Educação Revessa

cabeça muito cheia”79

. Também temos o revolucionário padre

Tomaso Campanella (1568-1639), com sua obra Cittá Del Solle

(Cidade do Sol). A sua forma pedagógica parte do princípio da

defesa da “emulação, a competição e a rivalidade entre grupos e

indivíduos como um elemento de motivação na prática

educacional... Defende a coeducação e rejeita a discriminação

entre os seres, atribuindo alto valor à educação científica, numa

era de domínio do obscurantismo clerical”80

. Com essas ideias o

padre Campanella sofre duras perseguições da inquisição. Na

mesma linha revolucionária aparece Thomas Morus, com a obra

“A Utopia”, e Francis Bacon, com a obra “Nova Atlântida”.

Já há alguns séculos existiam as

Escolas Catedráticas em que o centro

das suas preocupações pedagógicas era,

sem dúvida, a teologia. Amar e venerar a

Deus eram a suprema aspiração do

sábio. No século XI essas escolas

germinaram e surgiram as universidades,

como cobrança da burguesia nascente

que reivindicara sua parte na educação. “A fundação das

universidades permitiu que a burguesia participasse de muitas das

79 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.23 80 - Idem. P.21

Page 81: Educação Revessa

80 João Henrique Bordin

vantagens da nobreza e do clero que até então lhe tinha sido

negadas”81

. Começa então a diminuir o poder da superestrutura do

sistema feudal. Nos meados do século XIII, “os magistrados das

cidades começaram a exigir escolas primárias, que as cidades

custeavam e administravam. Tratava-se de uma iniciativa que se

dirigia diretamente contra o controle mantido pela Igreja”82

.

Começa o declínio do Feudalismo e surgimento da

burguesia, que a princípio se mostra dócil, humana e capaz de

superar as contradições sociais. “Se para o Feudalismo a virtude

dominante era a submissão, para a burguesia mercantil do

renascimento passa a ser a individualidade triunfante, a afirmação

da própria personalidade... O renascimento se propôs a formar

homens de negócio que também fossem cidadãos cultos e

diplomatas hábeis”83

.

Renascimento

movimento renascentista inicia na Idade Média, se

consolida a partir do século XIV, e lança as bases

da burguesia moderna. O Renascimento pretendia um retorno à

81 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.101 82 - Idem. P.104 83 - Idem. P.110

O

Page 82: Educação Revessa

81 Educação Revessa

antiguidade clássica, com a retomada do pensamento greco-

romano em sua origem, não o interpretado e adaptado.

Humanismo e reforma é o que pretendia o Renascimento. Surgia

uma nova maneira de encarar a religião, com a derrocada da

concepção teocêntrica do universo. A reforma protestante,

movimento que valorizava a individualidade, se opôs às normas

da Igreja. É certo que Martinho Lutero “foi o primeiro a afirmar

que a instrução constituía uma fonte de riquezas e de poder para a

burguesia, também não é menos certo que ele nem de longe

pensou em estender esses benefícios às massas populares”84

.

A ciência, abandonando o método especulativo, volta-se

para a investigação da natureza e adota o método da

experimentação. Nessa época Galileu (1564-1642) descobre os

satélites de Júpiter e Harvey e prova, afirmando a descoberta de

Copérnico, que a terra gira em torno do sol. Bacon (1561-1626)

afirma que a realidade muda com o tempo e o poder aumenta com

o conhecimento. Descarte (1596-1650) ensinava que só colocando

a evidência em dúvida e pela análise e síntese chega-se à verdade

eterna – penso, logo existo. Pascal (1623-1662) diz que a

experimentação era o único critério seguro no campo científico.

84 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.120

Page 83: Educação Revessa

82 João Henrique Bordin

A filosofia e a ciência refletiam as profundas

modificações que a economia ia introduzindo na estrutura social,

preocupadas com as consequências para o ser humano. Enquanto

isso nas escolas da burguesia continuava-se ensinando a ciência

dos antigos, quer dizer, uma anatomia sem dissecações e uma

física sem experimentos. A indústria e o comércio se desenvolvem

a largos passos e quando a máquina de fiar substitui o fuso, o tear

mecânico o manual, a produção deixou de ser uma série de atos

individuais, para se converter numa série de atos coletivos85

, como

predisse Aristóteles.

No século XVII “a incorporação da Geografia, da

Aritmética, da História e do Direito Civil à educação do jovem

gentlemen indicava que a nobreza havia mudado completamente

de orientação”86

. A indústria e o comércio haviam diminuído a

distância entre o burguês e o nobre e necessitavam de novos

métodos na educação. A liberdade do comércio trouxe, como

consequência, a liberdade de crenças e ideias. Com isso

desestabiliza a nobreza, e a burguesia começa a introduzir seus

novos comandos.

Em toda a história podemos observar que “cada vez que

num regime social se vislumbra a possibilidade iminente de uma

85 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P126 86 - Idem. P.129

Page 84: Educação Revessa

83 Educação Revessa

derrocada, surge sempre, como um sintoma infalível, a

necessidade de um retorno à natureza”87

. Quando o mundo antigo

desabou, os Estóicos pregavam a urgência de uma vida mais

simples. O Renascimento, fim do Feudalismo, proclama a volta ao

antigo, ao paganismo da carne e da

beleza. Agora, com a queda da

monarquia, Rousseau (1712-1773)

escreve o Evangelho da Natureza, no

qual explica o surgimento, com mais

vigor, do individualismo dos sofistas, dos

estóicos, a volta ao antigo dos

renascentistas88

.

No combate às contradições instauradas pela sociedade

feudal, Rousseau foi um grande pedagogo da educação

tradicional. Ao lado de Rabelais e Montaigne, foi um crítico do

Feudalismo e também da sociedade civil burguesa em

desenvolvimento. No Contrato Social deixa claro que não pode

existir liberdade sem igualdade. “Para ele igualdade não era

apenas necessária, mas essencial a uma sociedade justa e moral. A

desigualdade era intrinsecamente imoral”89

. A informação e a

87 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.130 88 - Ibidem. 89- Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.31

Page 85: Educação Revessa

84 João Henrique Bordin

politização do povo eram essenciais para que fosse capaz de

expressar a vontade geral. Na vontade geral cada indivíduo

renuncia parte da liberdade natural e a soma, de todas essas partes

de liberdade individual, abdicadas, constitui uma força maior.

A força maior do povo acontece na soberania da sua

reunião em assembleia. O povo sempre detém em suas mãos o

poder real para manter ou transformar as instituições sociais. Essa

concepção de Rousseau é de uma educação revolucionária com

plena participação política. Na discussão político-pedagógica

mostra ser possível uma verdadeira síntese entre duas correntes

opostas, através de sua superação verdadeira. Nessa contribuição

as correntes opostas são trocadas e se fundem reciprocamente. A

superação dialética implica numa ultrapassagem, num ir além, que

só se dá pela incorporação do que se supera. A educação

tradicional de Rousseau está centrada na ideia de um mundo

corrompido e a nova educação deseja, ao contrário, confiar no

mundo e no homem. O homem não pode pensar-se a si mesmo

como um ser isolado, essa autossuficiência hipotética se equipara

a um mineral. Por fim, podemos dizer que Rousseau pretendia um

ensino de experiência. É tirando vantagens das oportunidades, que

se lhe apresentam no presente, que a criança se prepara para o

futuro, mas o faz vivendo essas experiências como sua própria

vida, não apenas para capacitar-se a viver num futuro distante e

Page 86: Educação Revessa

85 Educação Revessa

imaginário. Isso implica em que a educação é vida hoje para o

educando, não apenas preparação para uma vida futura90

.

Capitalismo

epois de tantos séculos de sujeição feudal, a

burguesia afirmava os direitos do indivíduo.

Direito à liberdade absoluta para contratar, comercializar, crer,

viajar e pensar. É justo reconhecermos que a burguesia comandou

o assalto ao mundo feudal e à monarquia absoluta com tanto

brilho e entusiasmo que, por um momento, ela assumiu, diante da

nobreza, o papel de defensora

dos direitos gerais da

sociedade91

. Essa manobra

política da burguesia

culminou com a Revolução

Francesa, no século XIX, e

consequentemente com a Revolução Industrial. O novo regime

investe pesado para manter sua hegemonia. “Formar indivíduos

aptos à competição do mercado foi o ideal da burguesia

90 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P33 a 46 91 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.130

D

Page 87: Educação Revessa

86 João Henrique Bordin

triunfante”92

, com o objetivo único de formar trabalhadores para

suas fábricas. Assim, com esse ideal a burguesia pretendeu, e

consegue até hoje, esconder a grande contradição do capital, ou

seja, a existência de ricos e pobres. Não que ninguém veja a

existência de ricos e pobres, muito pelo contrário, mas não sabem

o porquê da necessidade de sua existência.

A burguesia pensa em seus próprios interesses. Para isso

afirmava que “os filhos das classes superiores devem e podem

começar bem cedo a se instruírem e, como devem ir mais longe do

que os outros, estão obrigados a estudar mais... as crianças

plebeias necessitam de menos instrução do que as outras e devem

dedicar metade do seu tempo aos trabalhos manuais”93

. A

educação superior mantinha sua independência, mas o ensino

primário era dirigido e vigiado pelo Estado. Assim, a burguesia se

apoderava da máquina administrativa.

Nesta época, século XVIII, meados do século XIX, a

burguesia se dá conta de que a liberdade religiosa concedida ao

povo e que a ajudou a derrubar a monarquia poderia se levantar

contra ela própria e a derrubar. Voltaire, pedagogo burguês, certa

noite discutindo religião com amigos, interrompe a reunião para

impedir que os criados escutem, com medo de represália durante a

92 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.135 93 - Idem. P.137

Page 88: Educação Revessa

87 Educação Revessa

noite. Ele afirmava que “era necessário impedir, mediante a

religião e a ignorância, a ascensão das massas”94

. A burguesia não

tolerava a Igreja, mas ao mesmo tempo precisava dos seus

serviços. Então a fez sua sócia, pagando-lhe um alto custo para

que lhe servisse de um “poderoso instrumento para inculcar nas

massas operárias a sagrada virtude de se deixar tosquiar sem

protesto”95

.

Com o aumento e modernização da indústria torna-se

necessário instruir os trabalhadores com uma educação elementar,

para que possam satisfazer o seu padrão de vida e saber que a livre

concorrência exige uma modificação constante das técnicas de

produção e uma necessidade permanente de invenções.

Começaram a surgir as escolas politécnicas. Uma educação

primária para as massas e uma educação superior para os técnicos.

Reservava, todavia, para os seus filhos outra forma de educação –

o ensino médio – em que a ciência ocupava um lugar discreto, em

que o saber continuava livresco e bastante divorciado da vida

real96

. A burguesia e sua indústria instalam um novo sistema de

exploração, o Capitalismo. “O triunfo do Capitalismo sobre o

Feudalismo, apenas significou realmente triunfo do método de

94 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.145 95 - Idem. P.154 96 - Idem. P.146

Page 89: Educação Revessa

88 João Henrique Bordin

exploração burguesa sobre o de exploração feudal”97

. A educação

também deveria estar de acordo com esse novo sistema para

garantir seu progresso. A burguesia sabia bem que uma educação

adequada deveria dispor das Ciências Naturais, da História, da

Matemática, da Economia, da Estatística, da Filosofia, da

Arqueologia, etc. As humanidades e as letras “são o próprio

homem, eliminá-las da educação é como que eliminar o homem

do próprio homem”98

. Isso gerou um conflito entre seus temores e

os seus interesses, que solucionou “dosando com parcimônia o

ensino primário e impregnando-o de um cerrado espírito de classe,

como para não comprometer, com o pretexto das luzes, a

exploração do operário, que constituía a própria base da sua

existência”99

.

Por outro lado, enquanto o Capitalismo insurge e se

instaura, começa a se formar uma nova corrente de pensadores

socialistas, preocupados com os rumos tomados pelo novo mundo

materialista. Suas reflexões não se dão numa tentativa de voltar a

um passado distante ou a uma volta à natureza, mas, de uma

forma ou de outra, apontam para uma tentativa de superar,

avançar ou inovar o frio e calculista método de produção do novo

sistema. No que se refere à educação, o objetivo é tirar da inércia

97 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.148 98 - Idem. P.149 99 - Idem. P.150

Page 90: Educação Revessa

89 Educação Revessa

o ensino dirigido às massas. Dentre eles destacamos Charles

Fourier (1772-1837), que tinha um ideal socialista fundido a uma

concepção utópica e visionária da

transformação social e a defesa do

absolutismo político. Fourier “acreditava

que a miséria da humanidade resulta da

supressão das paixões humanas”100

. A

felicidade se alcança na forma natural de

expressão dos sentimentos. Propôs “um

sistema educacional com um elevado respeito pela liberdade das

pessoas, no qual a educação para o trabalho recebeu grande

ênfase, como pareceria natural. Conhecendo-se seus pontos de

vista mais gerais sobre a sociedade”101

alcançaria a convivência

pacífica de todos os membros da comunidade.

Outro precursor do socialismo,

Saint Simon (1760-1825), refletia uma

maneira de superar a decadente sociedade

medieval. “Estava interessado em

oferecer à sociedade em crise os meios

para que se organizasse segundo o que

considerava uma forma nova e superior.

100 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.61 101 - Idem. P.70

Page 91: Educação Revessa

90 João Henrique Bordin

Tal ordem nova deveria se basear no mais elevado princípio – o

da indústria”102

. Essa forma industrial, proposta por Simon, não é

a mesma da burguesia. Para ele, o Estado, segundo o princípio

industrial, deveria ter em mente sempre o social. “Acreditava na

organização racional e na planificação, encontrou o conceito

fundamental de toda sua teoria na indústria. Seu sistema mantinha

o interesse individual e os privilégios da riqueza, com a condição

de que fossem aplicados à indústria”103

, que daria suporte para a

organização da sociedade. Para Simon a educação estava em

“segundo nível de governo, enquanto a direção da produção

estava no mais alto nível da administração”104

. Quando toda a

sociedade participar ativamente do sistema industrial poderá

chegar a um nível educacional mais elevado.

Robert Owen (1771-1858),

também precursor do socialismo,

acreditava no cooperativismo industrial,

“nega a ideia generalizada de que o

homem constrói seu próprio caráter.

Segundo ele, o caráter dos seres humanos

é moldado pelas circunstâncias nas quais

102 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.74 103 - Idem. P.75 104 - Idem. P.77

Page 92: Educação Revessa

91 Educação Revessa

nasce e no meio em que vive e trabalha”105

. Nesse sentido, a

cooperativa de trabalhadores melhoraria as condições de vida do

operário, método que aplicou nas indústrias New Lamarck, que

comprou com sócios em 1799 e deu grande resultado. O

“humanismo se expressa através do respeito pelo que a criança

tem de natural e pela renúncia a qualquer manipulação de sua

vontade através do esforço, externo e artificial, a diferentes

comportamentos e ações, porque seria injusto e prejudicial fazê-

lo”106

. A liberdade natural da pessoa precisa ser respeitada como

sagrada. A realidade escolar, em sua unidade, faz parte da

realidade social. Para isso “o ambiente escolar deveria ser

encorajador, receptivo e nunca repressivo”107

. A criança, com

isso, respeitada em sua individualidade, cresceria com um

entendimento maior do seu papel na sociedade e na indústria.

Proletariado

m 1830, com

as promessas

de igualdade de direito dos

indivíduos para comercializar, crer, viajar e pensar, satisfazendo

105 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.84 106 - Idem. P.88 107 - Idem. P.90

E

Page 93: Educação Revessa

92 João Henrique Bordin

assim seus interesses, a burguesia conquistou o apoio do

proletariado. No entanto, alguns anos mais tarde, o proletariado

cobra o cumprimento dessas promessas. A burguesia, que havia se

separado da Igreja, porque esta manipulava as massas, viu-se

obrigada a reatar com ela para, em conjunto, manterem seus

privilégios. Assim “a burguesia e a Igreja se estornam

mutuamente muitas vezes, mas como tem um inimigo comum

pela frente seria insensato que elas se separassem demasiado uma

da outra”108

. O proletariado, que agora é inimigo, novamente é

manipulado pela educação que recebe e pela religião que o rodeia.

Entretanto, a liberdade já havia sido decretada e muitos

pensadores conseguiram ir além das manobras do capitalismo

burguês e pensar um novo sistema. Vitor Considerant (1808-1893)

foi um desses pensadores e levantou

questionamentos sobre a educação

burguesa. Entre elas “se incluíram a

crítica à educação sob o capitalismo, ao

elitismo, à reprodução educacional dos

padrões da sociedade maior, à educação

como instrumento de hegemonia

ideológica, à educação como repressão e ao caráter

discriminatório de uma educação popularesca e instrumental para

108 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.155

Page 94: Educação Revessa

93 Educação Revessa

a classe trabalhadora”109

. No capitalismo os filhos dos

trabalhadores tendem a assumir posições ocupacionais similares a

de seus pais, pela falta de incentivo material para a sua

sobrevivência antes de sua educação. Considerant afirmava que é

necessário o “estabelecimento de um nível de vida aceitável,

incluindo o direito de todos a um trabalho digno e adequadamente

remunerado”110

, para que a proposta da “Nova Educação” se torne

realidade. Na “Nova Educação sob-harmonia, defende a

participação do próprio estudante na organização e administração

efetiva do sistema educacional”111

. O aluno, razão de ser da

escola, junto com o professor, estabelece o tipo de ensino

desejado para aquela ocasião.

No estado burguês “a escola primária está orientada de

tal modo que afastam do proletário os poucos filhos de operário

que a frequentam. Mediante um ensino habilmente dirigido e

continuado, ela os leva a compreender a sua superioridade em

relação aos seus pais e faz com que se esqueçam ou se

envergonhem da sua origem modesta. Formar uma aristocracia

operária arrivista e dedicada é uma das intenções mais claras do

109 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.99 110 - Idem. P.101 111 - Idem. P.102

Page 95: Educação Revessa

94 João Henrique Bordin

ensino popular dentro da burguesia”112

. É um ensino selvagem de

negação das origens e formação de seres alienados. Para tentar

superar essa forma educacional, Marx e Engels, no século XIX,

elaboram a teoria marxista. “O

marxismo em si mesmo é, não uma

ciência contemplativa, mas a

análise científica da realidade e, ao

mesmo tempo, o guia para a ação política transformadora dessa

realidade”113

. O marxismo, “no processo histórico de

autocompreensão, do autoconhecimento do homem e da

humanidade”114

, é uma tentativa de expor o capital como conceito

explicativo da sociedade burguesa e a existência de sua

contradição, ricos e pobres.

Nessa época surgiram outros

pensadores, que conceberam a educação

como forma de superação de um ensino

classista. O poeta cubano, escritor,

jornalista e educador, José Marti (1853-

1895), “acreditava profundamente no poder

112 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.156 113 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.116 114 - Idem. P.116

Page 96: Educação Revessa

95 Educação Revessa

e na importância da educação”115

, não das classes mais pobres,

mas que todos fossem bem educados, com as mesmas condições e

possibilidades. A ideia central do seu pensamento educacional

consiste em uma educação para a vida, uma educação inovadora e

ativa. A nação mais feliz é aquela cujos filhos têm a melhor

educação e para todos. Todo o homem tem o direito de ser

educado e obrigação para educar os outros. José Marti defendia

uma educação leiga, não religiosa, devido a sua necessidade de

honestidade116

. Outro pensamento, nessa linha educacional, vem

de Lenin (1870-1924), no qual sua preocupação era de um

processo de politização para atingir um maior nível de consciência

política. Lenin “reintroduz a abordagem dialética do próprio

Marx, na qual são os próprios indivíduos que, através de sua

prática (sua atividade produtiva), não apenas mudam o mundo,

mas também atingem uma maior compreensão deles e nesse

processo mudam a si próprios também”117

. É uma ideia de

educação socialista, com possibilidade de aplicação no

capitalismo, para tentar superá-lo.

115 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 1 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.144 116 - Idem. P.150 117 - Idem. P.169

Page 97: Educação Revessa

96 João Henrique Bordin

Nova Educação

or volta de 1900, surgem duas correntes do

movimento pedagógico da “Nova Educação” – a

metodológica e a doutrinária. Na corrente metodológica, com suas

raízes no marxismo, aparece o respeito pela atividade livre e

espontânea da criança. A nova didática consiste principalmente

em substituir o trabalho escolar individual pelo trabalho coletivo.

A corrente doutrinária aceita os mesmos postulados

metodológicos. No entanto, para respeitar o que a criança tem de

mais íntimo, afirma que é necessário o Estado obter autonomia do

ensino. A escola aparece como negação de todo o partido e de

toda a seita, bem como das igrejas e seus dogmas, porque a escola

é a vida do espírito e o espírito vive na plenitude de sua liberdade.

A escola deve ser o órgão do espírito humano no qual esse

expressa o seu conteúdo atual118

. Nessa

linha José Ortega Y Gasset (1883-1955

afirma que “se educação é a transformação

de uma realidade, de acordo com certa ideia

melhor que possuímos, e se a educação só

pode ser de caráter social, resultará que a

pedagogia é a ciência de transformar sociedades”119

. Até então a

118 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.167 e 168 119 - Idem. P.168

P

Page 98: Educação Revessa

97 Educação Revessa

educação era o processo no qual a classe dominante prepara na

mentalidade e conduta da criança as condições fundamentais de

sua própria existência.

Após a Revolução Socialista e implantação do primeiro

governo em 1917, na Rússia, um grupo de pedagogos, entre eles

Pistrak (1888-1940), elaborou a proposta pedagógica

revolucionária conhecida como a “Escola do Trabalho”. Pistrak

afirmava que não pode haver neutralidade na educação, “Se se

pensa que a educação não é política e, baseando-se nessa

premissa, não se age politicamente como educador, essa inação

tem o mesmo significado da ação conservadora... Se não se age

para mudar a realidade social, então se a está mantendo,

justificando e legitimando”120

. O educador deve reeducar-se ou ser

reeducado para, só após, criar seu próprio método. Para Pistrak, a

educação é uma tarefa coletiva, envolvendo os professores que

entendem seu papel político na construção da nova sociedade,

participação na qualidade de analistas críticos do que se está

processando, mediante a incorporação e desenvolvimento de um

referencial teórico, pedagógico e social, que dará sentido a suas

ações. Tanto o professor como o aluno e a sociedade deve ter em

mente que a educação sempre satisfaz as necessidades de um

120 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 2 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.21

Page 99: Educação Revessa

98 João Henrique Bordin

determinado regime, e se não o faz é eliminada121

. Um educador

deve sempre pensar que “o que realmente importa não é a

quantidade, mas a qualidade de conhecimento que permitiria ao

estudante possuir um controle sólido dos métodos científicos

fundamentais para elaborar as manifestações da vida”122

, afirma

Pistrak.

Durante a primeira guerra mundial, Antônio Gramsci

(1891-1937), líder revolucionário socialista, na Itália, concebe o

homem como “sujeito da história e que, como tal, tem a iniciativa

revolucionária, a iniciativa da ação transformadora... Os

intelectuais têm a missão de organizar a cultura e de tornar

possível o acesso das massas a essa vontade coletiva – consciência

de classe – que é fundamental como instrumento da ação

realmente voltada para a transformação social... a escola é o

instrumento para elaborar os intelectuais em diversos níveis”123

.

Sua educação alternativa supera o humanismo tradicional para

fundar as bases do “Novo Humanismo”. O humanismo tradicional

era um instrumento de alienação, o novo “é capaz de preservar o

121 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 2 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.24 a 26 122 - Idem. P.59 123 - Idem. P.80 e 81

Page 100: Educação Revessa

99 Educação Revessa

alto valor do homem como sujeito da história e centro das

preocupações sociais”124

.

O proletariado, nesse sistema capitalista, de divisão das forças

intelectuais e forças físicas, se torna assim o instrumento de

superação da sociedade classista. Na autêntica escola proletária as

fábricas adquirem o ritmo da escola e “a teoria aviva a cada

instante a marcha da prática e a prática se ilumina sem cessar com

a teoria”125

. No sistema capitalista burguês de divisão da

sociedade em classes, com predominância de uma em detrimento

das outras, o instrumento capaz de se opor é a educação.

“Enquanto a sociedade dividida em classes não desaparecer, a

escola continuará sendo uma simples engrenagem dentro do

sistema geral de exploração e o corpo de mestres e de professores

continuará sendo um regimento, que, como os outros, defende os

interesses do Estado”126

. A educação tem a possibilidade de ser

um instrumento revolucionário, de superação de um sistema que

nega a humanidade do homem para tornar este sujeito o construtor

de sua própria história.

A “Educação Dialética”, ao perceber a contradição nela

contida e a contradição do capital, através da análise e exposição

124 - Rossi, Wagner Gonçalves – Pedagogia do Trabalho 2 – Raízes da Educação no

Socialismo. São Paulo: Moraes, 1981. P.82 125 - Ponce, Aníbal – Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo

Pereira; 11 ed. São Paulo: Cortez, 1991. P.174 126 - Idem. P.182

Page 101: Educação Revessa

100 João Henrique Bordin

de todas as contradições da sociedade, pode se tornar um

instrumento nas mãos do povo para superar o atual sistema. O

novo, que surge desse processo, é o revolucionário homem novo,

social, verdadeiro, livre e sujeito consciente de sua ação.

Page 102: Educação Revessa

101 Educação Revessa

Concepção Educacional Omnilateral

ma sociedade como a nossa, eminentemente

capitalista e hierarquicamente dividida em classes,

desde a dominante até a mais popular, trabalhadores ou

desempregados, estabelece a concorrência, muitas vezes desleal,

que reproduz e concretiza a desigualdade em todos os níveis de

todos os setores sociais. A escola, sendo uma parte dessa

sociedade e a serviço da ideologia dominante, não foge à regra.

No entanto, partindo da concepção educacional marxista que tem

como horizonte as relações socioeconômicas, mostra que é

possível reverter o processo, diminuindo as diferenças sociais, a

partir de uma educação que contemple o homem em sua totalidade

e omnilateralidade e que atenda aos interesses do povo como um

todo, dos pais, dos alunos, dando preferência à classe

trabalhadora, mas estendida a todas as classes, ou seja, uma

educação revolucionária.

U

Page 103: Educação Revessa

102 João Henrique Bordin

A história nos mostra que, em cada época, surgiram

diferentes maneiras de abordar o tema da educação. Muitos

pensadores desenvolveram sua visão educacional a partir de sua

visão de mundo e do modo como concebiam o homem em sua

conduta social. Assim, neste capítulo, abordaremos, brevemente, a

concepção educacional marxista, já que a teoria de Marx foi

escolhida para dar suporte a nossa reflexão. Na sequência,

seguindo nesta linha, aprofundamos a compreensão com alguns

educadores que buscaram essa direção, uns declaradamente e

outros que, embora omitindo, desenvolvem o mesmo caminho, ou

seja, uma educação para além do horizonte do capital, com

atenção às necessidades individuais e sociais de cada um e

estendida a todos.

Conforme os primeiros capítulos deste livro, ao estudar o

filósofo alemão Karl Heinrich Marx (1818-1883), na tentativa de

entender o mecanismo de estruturação do capital, de início

percebemos sua atração pela filosofia de Georg Wilhelm Friedrich

Hegel (1770-1831), por encontrar nela um princípio único que

tudo explica a partir do conceito de liberdade. Somos todos

historicamente livres. Estudando a filosofia hegeliana como

ninguém, Marx fez a crítica da sociedade alemã, mas percebeu

que o Capitalismo não se explica com o sistema filosófico de

Hegel. Assim se propõe a produzir uma teoria crítica do capital e

Page 104: Educação Revessa

103 Educação Revessa

da sociedade moderna que fosse um instrumento nas mãos do

proletariado para a revolução social.

“O Capital” é a mais importante obra de Marx e

verdadeiro método dialético, pois simultaneamente faz a

explanação do sistema e através dela realiza a sua crítica. Sua

metodologia inicia com a pesquisa que “(...) tem de captar

detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de

evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído

esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento

real”127

. Dessa forma tem-se uma visão adequada da realidade do

capital e a possibilidade de superar sua fria existência ou

conscientemente aceitá-lo. Um processo educativo só se define

com a compreensão de toda a estrutura da sociedade.

O pensamento marxista pressupõe, antes de qualquer

coisa, a convicção de que tudo se encontra em permanente

conexão material e universal e, em tal condição, a filosofia social

de Marx nos indica como deve ser a educação socialista. Marx

afirma que “por um lado, é necessário modificar as condições

sociais para criar um novo sistema de ensino; por outro, falta um

sistema de ensino novo para poder modificar as condições

sociais”128

. A educação deve ser uma ferramenta de aglutinação

127

- Marx, Karl H. O Capital. São Paulo. Nova Cultura. 1996. P.140 128 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006. P.107

Page 105: Educação Revessa

104 João Henrique Bordin

social e escolar para emancipar o homem em sua

omnilateralidade, articulando o trabalho manual e intelectual em

todos os sentidos e com a consciência de que a história está em

constante movimento e nos encaminha a superar o capital.

A educação envolve a totalidade intelectual, física,

corpórea e sensível com a finalidade da emancipação humana,

ligando as partes ao todo e sua compreensão simultânea e

recíproca. Assim, o princípio de uma teoria educacional marxista

comporta um ensino omnilateral que leve o indivíduo

multifacetado à humanização tendo no horizonte a totalidade. Esse

fundamento educacional marxista pode, hoje, ser aplicado na

reformulação do sistema educacional, tendo em vista amenizar as

desigualdades sociais e tornar o Capitalismo mais humano.

Na linha marxista de pensar a educação encontramos

vários autores, como Adorno, Freinet, Gramsci, Makarenko,

Pistrak, Snyders e Suchodolski, que acreditando numa sociedade

“(...) onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe

aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é

a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer

hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde,

pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a

meu bel prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador,

Page 106: Educação Revessa

105 Educação Revessa

pescador ou crítico”129

, e preocupados com a situação do povo de

suas épocas, desenvolveram, a partir da concepção educacional de

Marx, como poderia ser uma escola, uma sociedade e seus

indivíduos se o ensino tomasse por base a formação em sua

omnilateralidade e em sua totalidade.

Adorno

alemão Theodor Wiesengrund

Ludwig Adorno (1903-1969),

com sua obra “Educação e Emancipação”,

afirma que é necessária uma educação que

evite a barbárie e simultaneamente busque a

emancipação humana. A questão da barbárie é

identificada por Adorno a partir do nazismo que banalizou a

violência física forçando as pessoas a se identificarem com ela.

Com o fim da grande guerra, a barbárie passou a se revestir da

autoridade, com seus poderes estabelecidos, para “(...) praticarem-

se precisamente atos que anunciam, conforme sua própria

configuração, a deformidade, o impulso destrutivo e a essência

129 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006. P.25

O

Page 107: Educação Revessa

106 João Henrique Bordin

mutiladora da maioria das pessoas”130

e o papel da educação é

precisamente evitar a proliferação dos atos bárbaros. Atos que

num primeiro momento parecem inocentes, mas que aos poucos

desencadeiam um relacionamento antipático e que podem

culminar na barbárie. Um exemplo destes atos é o costume que os

alunos têm de se acotovelarem ou se soquearem e para Adorno é

necessário “(...) desacostumar as pessoas de se darem

cotoveladas”131

e se soquearem por ser uma expressão bárbara.

A barbárie, hoje, muitas vezes inicia com a mania que os

alunos têm de se atribuírem apelidos, quase sempre pejorativos.

Para superar essa barbárie Adorno concebe uma educação que

ajude o indivíduo a pensar com a própria cabeça - para isso a

família e a escola devem andar juntas e levar o aluno a formar sua

maioridade ou sua emancipação. Essa autonomia só é alcançada

através do “esclarecimento”, tema que retoma de Kant e que

sempre é atual, pois é devido à “(...) falta de decisão e de coragem

de servir-se do entendimento, sem a orientação de outrem”132

, que

o indivíduo permanece alienado e o “esclarecimento é à saída dos

homens de sua autoinculpável menoridade”133

. Isto pressupõe que

130

- Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.159 131

- Idem. P.162 132

- Idem. P.169 133

- Ibidem.

Page 108: Educação Revessa

107 Educação Revessa

o indivíduo tenha vontade própria e coragem para fazer uso do

próprio entendimento.

Para Adorno, a maioridade começa a ser alcançada

quando a identidade é descoberta e isso acontece no encontro com

a autoridade na qual a criança se identifica, a princípio, e na

sequência do processo de maturidade ocorre o rompimento com a

mesma. A criança necessita do pai. Portanto, uma autoridade se

apropria dela e a interioriza, mas ao descobrir, “(...) por um

processo sempre muito doloroso e marcante, que o pai, a figura

paterna, não corresponde ao eu ideal que aprendeu dele, liberta-se

assim do mesmo e torna-se, precisamente por essa via, pessoa

emancipada”134

(Adorno, 1995, p.177). Nesse sentido a escola,

que não pode ser concebida sem professores e muito menos sem

sua autoridade, “(...) mas que, por sua vez, o professor precisa ter

clareza quanto a que sua tarefa principal consiste em se tornar

supérfluo”135

. Essa posição do professor faz com que o aluno sinta

o apoio autoritário e ao mesmo tempo a necessidade de se

emancipar, pensar com a própria cabeça.

Adorno afirma que a ”(...) emancipação precisa ser

acompanhada por certa firmeza e unidade do eu”136

, para que

134 - Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.162 135

- Idem. P.177 136 - Idem. P.180

Page 109: Educação Revessa

108 João Henrique Bordin

possa formar uma representação sólida de sua personalidade e da

própria profissão. Por isso “(...) a única concretização efetiva da

emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas

nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja

uma educação para a contradição e para a resistência”137

, a

começar pela formação da consciência do aluno, da situação real

da sociedade em que vive e de todas suas manobras para

acostumá-lo em sua precária situação.

Freinet

francês Célestin Freinet (1896-1966), em sua obra

“Para uma Escola do Povo”, questiona a escola da

época, que até então tinha sido mais ou menos

perfeita na “(...) adaptação do indivíduo ao

âmbito estreito de seu novo destino

econômico”138

, mas que já está ultrapassada.

Alguns do povo tomam consciência da

necessidade de uma mudança. No livro, afirma que no século XX

a criança necessita de “(...) uma educação que corresponda às

necessidades individuais, sociais, intelectuais, técnicas e morais

da vida do povo na era da eletricidade, da aviação, do cinema, do

137 - Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.183 138 - Freinet, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996. P.02

O

Page 110: Educação Revessa

109 Educação Revessa

rádio, do jornal, da imprensa, do telefone, num mundo que

esperamos não tardará a ser o do socialismo triunfante”139

. Como

o mundo está em constante mudança, e no Capitalismo a

tecnologia avança dia a dia, a educação necessita a todo o

momento se atualizar e renovar seus conceitos, para não ficar

aquém das necessidades que vão surgindo. Assim, o professor

saberá encaminhar o aluno na busca de respostas para suas atuais

indagações.

Para Freinet a educação não pode ser apenas uma “(...)

instrução suficiente para enfrentar os exames, ocupar cargos

cobiçados, ingressar em determinada escola ou em determinada

administração”140

, como a maioria dos pais desejam para seus

filhos, fazendo com que eles se esforcem para atingir o objetivo.

Para isso a escola de amanhã, como costumava designar o novo

modelo de educação pretendido, precisa estar “(...) centrada na

criança enquanto membro da comunidade”141

, essas deveriam

satisfazer, reciprocamente, suas necessidades e possibilitar “(...) à

criança alcançar, com uma pujança máxima, seu destino de

homem”142

. Isso requer mais que centrar a atenção na matéria a

ser ensinada e estabelecer o que é essencial e necessário para o

139

- Freinet, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996. P.07 140 - Idem. P.08 141 - Idem. P.09 142

- Ibidem

Page 111: Educação Revessa

110 João Henrique Bordin

desenvolvimento manual e intelectual e atender às necessidades

individuais e da comunidade.

Na escola de amanhã “o trabalho será o grande princípio,

o motor e a filosofia da pedagogia popular (...)”143

, dizia Freinet,

uma nova maneira de se ver o mundo e a relação com ele, de

maneira que o respeito pelo outro transpareça na escola, no

trabalho e na sociedade, fazendo com que um indivíduo e sua

comunidade estejam em constante sintonia. Para isso colocará

toda a formação da criança em uma disciplina que será “(...) a

expressão natural e a resultante da organização funcional da

atividade e da vida da comunidade escolar”144

. Com uma

formação assim, a criança poderá reconstruir um mundo melhor

do que aquele que deixamos ruir, pensava Freinet, e que pelo

convencimento de um processo eficiente e com entusiasmo a

escola se adaptará ao novo mundo que há de surgir.

Gramsci

italiano Antônio Gramsci (1891-

1937), fundador do Partido

Comunista italiano e antifascista, tinha como

143 - Freinet, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996. P.11 144 - Idem. P.12

O

Page 112: Educação Revessa

111 Educação Revessa

preocupação uma educação capaz de desenvolver intelectuais

trabalhadores, através de uma “(...) escola única de cultura geral,

humanista, formativa, que equilibre de modo justo o

desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente

(tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das

capacidades de trabalho intelectual”145

. É a necessidade de criar

uma cultura do trabalhador que faça parte da vontade das massas.

O povo intelectualizado tem condições de decidir os rumos que

sua vida, sua comunidade e seu País devem seguir.

Para Gramsci todos os homens são intelectuais e

racionais, mas nem todos exercem esse papel. Intelectual não é só

o letrado, mas os diretores e organizadores na construção da

sociedade. Assim, “(...) a escola unitária significa o início de

novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não

apenas na escola, mas em toda a vida social”146

e que desmistifica

os intelectuais tradicionais, aqueles que se veem como uma classe

à parte da sociedade, para, junto com os intelectuais orgânicos,

grupo de pensadores produzidos por cada classe social, articular o

senso comum e a filosofia propriamente dita, a cultura de massa e

a erudita. Dessa forma as ideias hegemônicas a prevalecer não

145 - Gramsci, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo.

Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006. P.33 146

- Idem. P.40

Page 113: Educação Revessa

112 João Henrique Bordin

seriam as de um grupo social dominante, mas do conjunto das

classes sociais.

Os intelectuais fazem o trabalho da hegemonia e ao

mesmo tempo são hegemonizados pelas ideias hegemônicas. Ao

incorporem uma ideia hegemônica a defendem, mesmo sem ter

consciência disto e o que dizem não é verdade deles, mas de ideias

já disseminadas, estabelecidas e que se tornaram senso comum e

atribuíram hegemonia a todo um grupo social. Isso requer a

criação de uma nova camada de intelectuais, com a consciência de

que “(...) existem graus diversos de atividade especificamente

intelectual (...) não se pode separar o homo faber do homo

sapiens”147

. Ou, todo o homem que exerce uma atividade

intelectual, de qualquer grau, precisa saber expressar sua

intelectualidade na realidade e através do fazer, da prática, renovar

e justificar o saber, a teoria.

Em Gramsci a educação assume o papel de devolver ao

povo a intelectualidade e a cultura que a todos pertence. Para ele,

“(...) todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma

atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, um artista,

um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo,

possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim

147

- Gramsci, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo.

Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006. P.52-53

Page 114: Educação Revessa

113 Educação Revessa

para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é,

para suscitar novas maneiras de pensar”148

. Todo o povo pode

colaborar na formação, manutenção e/ou modificação das ideias

hegemônicas.

Makarenko

ucraniano Anton Semionovich Makarenko (1888-

1939) organiza a escola como

coletividade tendo em vista a felicidade da

criança e a expressão de seus sentimentos,

sempre com rigidez e disciplina formadora da

personalidade, com uma clara responsabilidade

de seus direitos e deveres no convívio social.

Assim, constituiu uma pedagogia profundamente humana e

exigente, segundo o que afirma em seu livro Problemas da

Educação Escolar Soviética, “(...) pedir el máximo a cada persona,

pero también hacerle objeto del mayor respeto posible”149

. Exigir

de cada um o máximo possível, respeitando suas limitações e seus

sentimentos, sem que estes se sobressaiam ao coletivo, transforma

a personalidade do indivíduo, tornando-o um adulto mais

148 - Gramsci, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo.

Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006. P.53 149

- Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS, Editora

Progresso, s.d. P.10

O

Page 115: Educação Revessa

114 João Henrique Bordin

responsável e apto a enfrentar tudo o que vai contra seus

princípios socialistas.

Dessa forma, Makarenko consegue reestruturar a vida de

dezenas de jovens infratores, muitos órfãos, que mal sabiam ler e

escrever, num modo socialista de ver o mundo, onde o espírito de

grupo e o trabalho coletivo eram levados às consequências mais

radicais. Para ele a educação soviética “(...) debe ser organizada

sobre la base de crear coletividades unificadas, fuertes, influentes.

La escuela debe ser una coletividad única, en la que estén

organizados todos los processos educativos y en la que cada

miembro sienta su dependência de ella, sea fiel a los interesses de

ésta, defienda esos interesses y, en primer término, los

salvaguarde”150

. A unicidade escolar advém da união do seu grupo

de alunos, em que sendo bem organizados adquirem força e

influenciam todo o processo educativo. O fazer parte da educação

desenvolve a fidelidade entre alunos e professores, haja vista que

ambos, e em conjunto com a comunidade local, defendem os

mesmos interesses, fazendo com que se desencadeie uma luta

coletiva para manter o que a todos pertence.

Esse processo educacional não se limita à escola, mas

comporta toda a vida da coletividade local e familiar com reuniões

150

- Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS, Editora

Progresso, s.d. P.37

Page 116: Educação Revessa

115 Educação Revessa

constantes entre pais, alunos e professores, para juntos decidirem

os principais rumos a serem seguidos. Com esse modo de

organizar a educação, Makarenko disciplina não só os alunos, mas

toda a coletividade. Como ele mesmo afirma, “la disciplina en la

coletividad es la defesa completa, la seguridad plena de su

derecho, de las vias y possibilidades que precisamente existen

para cada indivíduo”151

. A preocupação de resguardar os direitos

individuais e coletivos dá respaldo para que a disciplina seja

aceita por todos, não uma disciplina de agressão corporal ou

moral, mas de fazer o infrator sentir, sendo colocado diante da

infração, que com essa atitude está contrariando toda a

coletividade. A coletividade resguarda os direitos de cada um e

“(...) la disciplina ensalza a la coletividad”152

- há uma

cumplicidade recíproca entre individual e coletivo que garante o

êxito do processo educacional socialista.

A educação para Makarenko é um processo coletivo que

deve abranger a totalidade individual e social para a formação

humana completa, seguindo as exigências e subordinação da

coletividade, mantendo-se fiel aos princípios da educação

marxista. Para Makarenko, como em Marx, a educação é uma

151 - Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS,

Editora Progresso, s.d. P.53 152

- Idem. P.60

Page 117: Educação Revessa

116 João Henrique Bordin

ferramenta que leva o indivíduo a seu desenvolvimento pleno,

com o objetivo de superar as desigualdades.

Pistrak

russo Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888-1940),

em sua obra “Fundamentos da Escola do

Trabalho”, apresenta como formação básica do cidadão “(...) a

soma de conhecimentos ou de hábitos e o grau de técnica

adaptados a uma determinada idade, que

conduzam direta e plenamente à compreensão

marxista da vida moderna”153

. Esse devia ser o

objetivo do ensino com atenção especial ao

trabalho social da escola, ou seja, formar

crianças para serem trabalhadores completos.

A escola do trabalho, apresentada por Pistrak, deve fazer

uso da ciência “(...) apenas como meio de conhecer e de

transformar a realidade de acordo com os objetivos gerais da

escola”154

, que ensina apenas o que pode ser útil mais tarde e

oferece ao aluno conhecimentos que não sejam esquecidos, mas

que cientificamente lhes sirvam em suas necessidades no trabalho

153

- Pistrak, M.M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo. Expressão Popular. 2003. P.117 154

- Idem.P.119

O

Page 118: Educação Revessa

117 Educação Revessa

e na vida social. Para isso, a escola deve ser organizada de

maneira que “(...) nenhuma disciplina escolar tem e pode ter uma

finalidade em si mesma (...) ”155

, cada disciplina tem uma parte da

verdade e só tem sentido sua existência no conjunto com as

demais e subordinadas aos objetivos gerais da escola.

Mais que programas de estudos, o ensino, para Pistrak, é

um “plano de vida escolar” que envolve todas as situações do dia

a dia e o sistema de complexos estabelece “(...) que cada

disciplina escolar analisa uma parte determinada de uma matéria

geral concreta, propondo-se, antes de tudo, a dar ao aluno o

domínio dos métodos experimentais próprios das ciências”156

-

assim o papel do complexo é treinar a criança no método

dialético. Para atingir seu objetivo, a compreensão marxista da

vida moderna, faz-se necessário que toda a vida escolar, todo o

trabalho e atividade das crianças, tenha uma concepção comum a

fim de atribuir unidade a toda a produção social.

Snyders

francês Georges Snyders

(1917-...), que nos mostra

155

- Pistrak, M.M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo. Expressão Popular. 2003. P.145 156

- Idem. P.153

O

Page 119: Educação Revessa

118 João Henrique Bordin

que é possível que haja alegria na escola e satisfação na

aprendizagem, apresenta em sua obra “Escola, classe e luta de

classes” o monopólio da classe dominante para que a escola lhe

sirva na manutenção do poder estabelecido. Assim, “(...) a escola

acaba por participar na manutenção das relações de classe; reflete

as divisões sociais existentes, tende a perpetuá-las, até a acentuá-

las; da mesma forma como tende a perpetuar o poder da classe

dominante”157

. Tal fato é percebido quando a escola tem uma

posição de domínio sobre os alunos, para perpetuar o poder da

classe dominante de certos docentes, ou quando deixa a educação

a Deus dará, dividindo os alunos e professores segundo interesses

pessoais e negligenciando o convívio social e a boa educação.

Para Snyders, a escola ao mesmo tempo em que mantém

a ideologia pode desestruturá-la, isso porque a própria classe

dominante necessita de “(...) uma qualificação capaz de responder

ao progresso técnico, à revolução técnica, às constantes

modificações técnicas”158

; nesse sentido ela pode ser

revolucionária visto que “(...) a cultura é um dos fatores que pode

impedir a escola de pender para as classes dominantes (...)”159

.

Cultura dispensada por pertencer à classe trabalhadora que está

relacionada com a verdade, e que com as reivindicações das

157

- Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981. P.101 158 - Idem. P.102 159

- Idem. P.103

Page 120: Educação Revessa

119 Educação Revessa

massas podem ajudar o professor a contestar a escola como

mantenedora do poder e imprimir-lhe um “(...) sentido

progressista (...)”160

, com a certeza de que o trabalhador estará

colocando seu filho numa escola por ele reivindicada, “(...)

realmente aberta a todos; a sensibilidade às injustiças da escola

agudiza-se paralelamente com a convicção de que é possível uma

outra sociedade”161

. É de suma importância que o social, como um

todo, participe do pleno desenvolvimento educacional,

respeitando as diferenças, mas na busca do bem comum. Os

professores, os alunos e os pais precisam dialogar a respeito do

que pensam da educação e juntos construírem um processo

educacional em vista do bem comum.

São as ideias progressistas, segundo Snyders, que

detectam que “a escola é simultaneamente reprodução das

estruturas existentes, correia de transmissão da ideologia oficial,

domesticação – mas também ameaça à ordem estabelecida e

possibilidade de libertação”162

, e que aos poucos, numa luta pela

igualdade social, diminuem as distâncias entre as classes, dentro

da própria escola, “(...) conquistando largas camadas da

população, em que as forças progressistas se vão afirmando e

impondo que a escola pode efetivamente renovar-se sem chocar a

160

- Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981. P.103 161 - Idem. P.104 162

- Idem. P.106

Page 121: Educação Revessa

120 João Henrique Bordin

imensa maioria dos pais”163

. Com isso a sociedade efetivamente

pode desenvolver-se formando indivíduos conscientes de suas

responsabilidades. Portanto, a escola só tem êxito em ser

revolucionária se realizar tarefas progressistas em união com os

alunos, os pais e que contemple as classes populares. A escola,

com sua pedagogia, “(...) só pode triunfar junto dos alunos do

povo e fazê-los triunfar se for capaz de comunicar uma alegria

atual àquilo que lhe ensina (...)”164

. Alegria que é prazer que o

aluno sente em participar, não só dos conhecimentos e

ensinamentos obtidos do professor, mas de toda a vida escolar que

deve ser um reflexo do social e este um reflexo da escola.

Suchodolski

polonês Bogdan Suchodolski (1907-1992) que em

sua obra “La Educación Humana del Hombre”

destaca a importância de Marx e Engels na nova

perspectiva de desenvolvimento social em que a

atividade humana deve descobrir, através da

análise científica, o melhor modo de

desenvolvimento social. Foi com eles, segundo

Suchodolski, que “(...) la educación se convierte en un elemento

163

- Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981. P.108 164

- Idem. P.395

O

Page 122: Educação Revessa

121 Educação Revessa

de orientación conciente de los indivíduos y de su preparación con

vistas a acometer las tareas que plantean las condiciones históricas

y sociales en un período determinado”165

, com isso questiona a

tarefa da educação em seu tempo e que também vale para a

análise educacional no tempo atual, visto que a sociedade em que

vivemos hoje só difere da sociedade do tempo de Marx e de

Suchodolski no que se refere ao avanço tecnológico, mas as

artimanhas do capital permanecem as mesmas.

A educação, para Suchodolski, deve emancipar o ser

humano a começar pelas relações de produção, relações sociais e

através da cultura. Tudo o que o homem produz, no trabalho ou

em seu tempo livre e a relação que mantém com esta produção,

sua cultura, o que apreende ou deixa de apreender na escola e fora

dela, as relações sociais, o convívio com os amigos, colegas de

trabalho, associações, etc., “(...) constituyen el fator dundamental

que forma su conciencia, su postura, sus conceptos y sus

experiências”166

. Uma educação, no estilo marxista, transforma

toda a sociedade, questiona suas relações, pois parte do princípio

de que a cultura não é privilégio de alguns para o dominio das

relações de trabalho e sociais. Com uma educação no estilo

marxista a cultura deixa de ser um complexo conteúdo espiritual

165 - Suchodolski, Bogdan. La educación humana del hombre. Barcelina. Laia, 1977. P. 75 166 - Idem. P.76

Page 123: Educação Revessa

122 João Henrique Bordin

de alguns escolhidos para se converter “(...) en una realidad

cotidiana relacionada con el trabajo y la actividad social de los

indivíduos”167

. A cultura existe e deve se expressar em todas as

relações da sociedade.

Para chegar a uma realidade social concreta no estilo

marxista, segundo Suchodolski, o homem deve superar-se

criativamente superando o desenvolvimento histórico e não

limitar-se a simples repetição dos fatos. Na época contemporânea,

os indivíduos e o mundo criado por eles enfrentam um problema

filosófico e que vem a ser o mesmo da educação. A saber: “?es

que y en qué sentido el hombre contemporâneo puede acceder a la

conciencia del pleno sentido y valor de la existência y de qué

manera há de integrarse en una actividad en la cual se encuentre a

si mismo y cómo y hasta qué punto sabrá estabalecer los contactos

sociales con la comunidad de los demás indivíduos?”168

. A

ascensão da consciência ao pleno sentido e valor da existência

está na relação concreta que o indivíduo mantém consigo mesmo,

com sua atividade e com o outro. São os três estágios da mesma

consciência, ou seja, a consciência subjetiva, objetiva e coletiva.

A resolução deste dilema, para Suchodolski, bem como

em Marx, só é possível com uma sociedade sem classes em que

167

- Suchodolski, Bogdan. La educación humana del hombre. Barcelina. Laia, 1977. P.82 168 - Idem. P.84

Page 124: Educação Revessa

123 Educação Revessa

nesta “(...) surgen las possibilidades de una vida en la que el

hombre real se convierta en un hombre verdadero, y el hombre

verdadero en un hombre real; entances surgen asimismos las

condiciones necessárias para educar a unos hombres plenos y

concretos, puesto que es posible liquidar y superar los factores que

constituyen la fuente de la esclavitud humana y es posible

asimismo solventar realmente los problemas de la liberdad

humana que hasta la fecha se han venido solucionado de un modo

mitológico”169

. Portanto, na atual sociedade capitalista dividida

em classes, em que uma domina as outras, a solução parece ser

impossível, pelo menos enquanto a educação estiver a serviço da

ideologia dominante, a menos que, dentro do próprio sistema do

capital, encontre o modo de superá-lo e talvez a solução seja a de

formar educadores mais que simples transmissores de

conhecimento.

Educação Omnilateral

om esta breve análise da educação em Adorno,

Freinet, Gramsci, Makarenko, Pistrak, Snyders e

Suchodolski, afunilam-se o entendimento na concepção

educacional marxista a partir do momento que todos prescrevem

169 - Suchodolski, Bogdan. La educación humana del hombre. Barcelina. Laia, 1977. P.90

C

Page 125: Educação Revessa

124 João Henrique Bordin

um ensino de união entre escola e sociedade, com articulação do

trabalho manual e intelectual, para formar a consciência de que a

história está em constante movimento e não podemos repetir fatos

históricos, mas sim superá-los, para diminuir as desigualdades

sociais e tornar o capital mais humano.

Adorno apresenta uma educação que evite a barbárie, ou

a não violência, e emancipe o homem, ao levá-lo a pensar com a

própria cabeça. Freinet uma educação centrada na criança

enquanto membro da comunidade. Gramsci uma escola que

concilie trabalho manual e intelectual. Makarenko uma educação

em vista da felicidade da criança com disciplina formadora da

personalidade. Pistrak uma educação que seja a soma de

conhecimentos, hábitos e técnicas que conduzam à compreensão

marxista da vida moderna. Snyders uma educação reivindicada

pelo trabalhador e que comunique alegria àquilo que ensina.

Suchodolski uma educação do estilo marxista, questionadora, com

base na cultura do povo e que ascenda a consciência ao pleno

sentido da existência. Todas essas maneiras diferentes de conceber

a educação sintetizam-se na educação omnilateral, que leve o

indivíduo multifacetado à humanização tendo no horizonte a

totalidade intelectual, física, corpórea e sensível, com a finalidade

de construir uma nova sociedade.

Page 126: Educação Revessa

125 Educação Revessa

A concepção de uma educação marxista omnilateral é a

chance que o homem tem de revolucionar a maneira de pensar e

de se posicionar frente ao sistema capitalista, possibilitando,

assim, reverter o quadro de desigualdades da atual sociedade. A

educação não faz a revolução, mas com certeza nenhuma

revolução acontece sem ela. O primeiro passo para garantir uma

mudança social e evitar o retorno ao momento histórico anterior é

fazer com que todo o povo esteja bem preparado intelectualmente,

com uma cultura por ele formada, seja consciente dos percalços

que virão e tenha sabedoria e entendimento para posicionar-se na

nova maneira de conceber o mundo.

Essa nova concepção do mundo é o de uma sociedade

sem classes, mas não se pode esperar esse momento acontecer,

visto que jamais acontecerá no atual sistema do capital. Mesmo

assim, aqui e agora é possível começar a revolução intelectual,

devolvendo ao povo o livre pensar e ajudando-o a organizar sua

cultura de forma que ele mesmo seja criador e construtor de sua

história. Para dar início a este processo é preciso que os docentes

que assim pensam se empenhem o máximo para, em sua escola,

começarem uma silenciosa revolução e de escola em escola

garantirem a mudança, primeiramente no sistema educacional e

depois certamente acontecerá, pacificamente, a revolução social.

Page 127: Educação Revessa

126 João Henrique Bordin

A educação marxista omnilateral é a possibilidade que o

homem tem de dar início à construção da nova sociedade onde,

como citado no início deste artigo, “(...) cada indivíduo pode

aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma

esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção

geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar

de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da

refeição, e tudo isso a meu bel prazer, sem por isso me tornar

exclusivamente caçador, pescador ou crítico”170

. Devemos

lembrar sempre que a educação deve ser uma ferramenta de união

entre escola e a comunidade, pois não é possível educar as

crianças com diferentes posições diante da realidade existente.

170 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006. P.25

Page 128: Educação Revessa

127 Educação Revessa

Disciplina na Educação

processo de construção deste trabalho inicia com a

colocação da teoria marxista, pois vimos nela,

especialmente na dialética, a possibilidade de encontrar suporte na

reflexão das contradições do Capitalismo, do sistema educacional

e na apresentação da educação omnilateral. Em seguida, passando

pela história, tivemos uma breve visão de como o ato de educar

foi se modificando de tempo em tempo. Tudo isso formou o

horizonte no qual engendramos a omnilateralidade como forma do

homem se desenvolver em sua totalidade. No entanto, para que

isso aconteça no atual sistema de ensino, constatamos a

necessidade da reflexão de um ponto crucial: a disciplina e rever a

questão da autoridade do professor.

A educação, segundo o dicionário da Língua Portuguesa

de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é o "Processo de

desenvolvimento da capacidade física, intelectual ou moral do ser

O

Page 129: Educação Revessa

128 João Henrique Bordin

humano”171

, visando a sua melhor integração individual e social.

Complementando podemos entender a educação como o modo de

formar a personalidade da criança e do ser humano em geral, bem

como sua conduta no meio social, tendo sua iniciação no interior

da família e sua continuidade na escola.

Analisando estas duas instituições, família e escola, que

formam a base da sociedade, percebemos o quanto são

contraditórias no trato dos temas que estão em pauta na mente das

crianças, jovens e adolescentes. A mídia - TV, rádio, internet,

jornais, revistas e todos os demais meios de comunicação social -

apresenta diariamente milhões de informações que precisam ser

digeridas de forma a esclarecer e enriquecer o crescimento pessoal

de cada um. No entanto, o que se constata é que nem a família e

nem a escola sabem oferecer uma posição correta ou adequada a

toda essa situação, pois não estão e nunca foram preparadas para

oferecer alguma solução. Os pais, não sabendo lidar com os

problemas dos filhos, vêm pedir ajuda à escola que também não

sabe oferecer um posicionamento adequado. A escola, por sua

vez, quando um aluno está com dificuldades na aprendizagem,

convoca a família para um auxílio. É a família repassando à escola

a educação que lhe cabe, e a escola empurrando à família o ensino

que lhe pertence.

171 - Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua

portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999 – Educação.

Page 130: Educação Revessa

129 Educação Revessa

Temos, por um lado, um sistema educacional

desatualizado para a geração atual e sem perspectivas para as

gerações das futuras sociedades. De outro lado temos uma geração

que só pensa no presente, e no prazer que dele pode usufruir, sem

a mínima preocupação em planejar seu futuro. E ainda temos uma

escola com professores despreparados e uma família com pais que

não sabem o que fazer. Este último ponto, a escola e a família, é o

que interessa neste capítulo, por entendermos que as duas

instituições, apoiadas por uma disciplina formadora do caráter e

da personalidade responsável, levam o indivíduo a valorizar o

“eu” em relação ao respeito pelo outro, objetivando a igualdade

social.

O respeito pelo outro é o ponto de partida na tentativa de

solucionar o problema aqui apresentado e entendemos que a

disciplina na educação, tanto em sala de aula como além dela, na

família e na comunidade em geral, pode ajudar a superar o atual

sistema de desigualdades sociais, no qual o sentido da existência e

a liberdade só existem atrelados ao consumismo. Entendemos que

a solução não está apenas atrelada a uma instituição ou em alguns

indivíduos iluminados. Esses têm o dever do envolvimento ativo

na sua execução, mas são especialmente a escola e a família, em

sintonia, que podem deflagrar o ponto inicial da superação desse

dilema social.

Page 131: Educação Revessa

130 João Henrique Bordin

Num primeiro olhar na situação das escolas constata-se a

falta de interesse tanto por parte dos alunos como dos professores.

Os alunos estão dispersos, em outro mundo; e o professor por sua

vez está noutro bem diferente - e ambos

não se encontram no mundo real. O

mundo do aluno gira em torno da

tecnologia que avança dia a dia. A TV e

toda a mídia criam a ilusão de que tudo

é fácil, basta apertar um botão, como no

videogame ou no controle remoto. O mundo do professor ainda é

muito antigo - com giz e apagador – e não desperta a atenção do

aluno. O professor não consegue o domínio da classe.

Por outro lado, a família não tem colaborado. Seus filhos

vão para a escola sem limites e se o professor tenta impor alguma

ordem os pais lhe tiram a razão. É aluno rebelde e professor que

não sabe o que fazer, pois punição a direção, o Estado e os pais

não permitem. Na escola também se refletem as impunidades

sociais e com isso o jovem não vê perspectivas do porquê e para

que estudar. A impunidade, na sociedade em geral, soa como um

“pode fazer o que quiser que nada vai te acontecer”. Nesse

contexto o professor se desmotiva, não planeja direito suas aulas

e, devido a seu despreparo, postura e métodos inadequados à

Page 132: Educação Revessa

131 Educação Revessa

realidade atual, não encontra motivos para engendrar mudanças. É

claro que sempre há os que se importam.

No decorrer dos últimos trinta anos aconteceram muitas

investidas na tentativa de salvar um sistema que só se preocupa

com a transmissão de conhecimentos, que com certeza são muito

importantes, mas a educação perdeu no que tange à formação do

caráter e da personalidade do cidadão. Houve um grande avanço a

nível tecnológico e o corpo docente, em sua didática pedagógica,

não conseguiu acompanhar a evolução. Até então o esforço

educacional girou e gira em torno de manter todas as crianças na

escola e evitar que sejam repetentes, mediante a perda do

‘incentivo’ e visando a tirar o País do analfabetismo, para, diante

do mundo, mostrar que aqui todos sabem ler e escrever. Uma

medida que tem seu valor, a partir do momento que assegura

vagas para todos os alunos, esquecendo, no entanto, que

analfabeto não é aquele que não sabe ler, mas o que não quer ler.

O esforço não é nem um pouco árduo, já que com a criança na

sala de aula e o favorecimento de sua galga série após série, não

há muita exigência da escola.

No início do século XXI, devido a essa forma

educacional, as crianças vão à escola com um comportamento

perturbado, proveniente do interior das famílias. Famílias essas

que devido à falha na educação que receberam não souberam, ou

Page 133: Educação Revessa

132 João Henrique Bordin

não tiveram, como iniciar a educação dentro do lar. As crianças

vão à escola não para se educarem, mas porque lá tem outros

amiguinhos para fazer estripulia. As crianças vão à escola não

para aprenderem, mas para bater nos colegas e mostrar que podem

mais, pela força. As crianças não vão à escola para se prepararem

para o futuro, mas para se rebelar e provar que são “demais”. As

crianças não vão à escola para ouvirem o professor, mas para

escutar a turma gritando “bate, xinga, soqueia”... As crianças não

vão à escola porque querem, porque não é à escola que querem.

Não vão à escola porque gostam, porque não é da escola que

gostam. Ainda há os que vão à escola por causa da merenda, se

bem que esses, na maioria das vezes, são esforçados e não criam

problemas. Portanto, na escola as crianças não encontram o meio

adequado para redirecionarem sua maneira de ser e estar na

sociedade, tendo em vista a convivência harmoniosa.

A iniciativa para reverter a atual situação da educação

está na própria escola em sintonia com a família. A nosso ver,

para estabelecer uma educação que responda aos anseios dos

alunos, pais e professores, é necessária a implantação da disciplina

na sala de aula com total apoio da família, pois juntos precisam

encontrar a maneira de sua imposição. A família precisa devolver

ao professor a autoridade que lhe foi subtraída, fazendo com que

hoje se encontre impossibilitado de impor limites sob pena de ser

Page 134: Educação Revessa

133 Educação Revessa

processado. Não que a família tenha tirado a autoridade do

professor, mas ela tem o poder de devolvê-la. Tais limites advêm

de uma disciplina formadora do caráter, mediante o aluno assumir

suas responsabilidades, e só com a sintonia entre escola e família

alcançará esse objetivo, pois a escola com seus professores sem

autoridade desautoriza a família, desaparecendo o respeito pelo

outro.

Etimologicamente a palavra disciplina se assemelha a

discípulo, que quer dizer “aquele que segue” e deriva do termo

pupilo, do latim, que significa instruir, educar treinar, dando ideia

de modelagem total de caráter. Também é um dos nomes que se

pode dar a qualquer área de

conhecimento estudada e ministrada em

um ambiente escolar ou acadêmico. A

escola precisa de regras e normas para

um bom funcionamento, possibilitando

a perspectiva de construir juntos essas

mesmas regras para a perfeita interação

entre os diferentes elementos que nela

atuam, com a finalidade do convívio social. As regras determinam

os limites necessários para atingir a disciplina. A disciplina é um

hábito interno que facilita a cada pessoa o cumprimento de suas

obrigações, é um autodomínio, é a capacidade de utilizar a

Page 135: Educação Revessa

134 João Henrique Bordin

liberdade pessoal, isto é, a possibilidade de atuar livremente

superando os condicionamentos internos e externos que se

apresentam na vida cotidiana. A vida em sociedade pressupõe a

criação e o cumprimento de regras e preceitos capazes de nortear

as relações, possibilitar o diálogo, a cooperação e a troca entre

membros do grupo social. A escola, por sua vez, também precisa

de regras e normas estabelecidas para orientar o seu

funcionamento e a convivência entre os diferentes elementos que

nela atuam. Nesse sentido, as normas deixam de ser vistas apenas

como prescrições castradoras, e passam a ser compreendidas

como condição necessária ao convívio social172

.

Para abordar o tema da disciplina faz-se necessário

investigar as causas que fazem com que o aluno seja

indisciplinado. Não basta, e nem é objetivo do presente estudo,

aplicar punições ou impor limites através da coação. A disciplina

requerida é a que leve o aluno a um posicionamento responsável,

consciente e íntegro diante de si e do outro – o colega, o professor,

sua família e a comunidade – para formar sua personalidade

baseada no convívio social com direitos e deveres iguais para

todos. No dizer de Anton Semionovich Makarenko (1888-1939)

“(...) pedir el máximo a cada persona, pero también hacerle objeto

172 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Disciplina - Disciplina.

Page 136: Educação Revessa

135 Educação Revessa

del mayor respeto posible”173

, isto é, a exigência no cumprimento

do dever sempre deve vir acompanhada do respeito pelo outro,

condição para ser atendido em seus direitos. Na maioria dos casos

a indisciplina tem ligação com o descontentamento que o

indivíduo tem de si próprio e do outro, desaparecendo o respeito e

a valorização do eu e de tudo o que é público. As origens do

descontentamento nem sempre estão na escola. Algumas vezes

vêm da própria família, outras da comunidade onde vive e ainda

podem decorrer da desigualdade social que a criança percebe em

nível mais amplo, na sua cidade, por exemplo. Diante disso a

escola precisa estar apta para detectar a origem dos

descontentamentos e encaminhar uma solução. A escola e a

família precisam estar convencidas, por isso em sintonia, de que a

disciplina “(...) en la coletividad es la defesa completa, la

seguridad plena de su derecho, de las vias y possibilidades que

precisamente existen para cada indivíduo”174

e que suas regras são

essenciais para o desenvolvimento da estrutura mental das

crianças, dos jovens e dos adolescentes, e que isso passa por uma

revisão da autoridade do professor na sala de aula.

173 - Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS, Editora

Progresso, s.d. P.10 174 - Idem. P.53

Page 137: Educação Revessa

136 João Henrique Bordin

A disciplina, o ser discípulo, exige a imposição de

limites, não como um impedimento à ação do aluno, mas como

uma preparação para a verdadeira liberdade e valorização de sua

ação. Tomemos o exemplo da poda. O pessegueiro, a macieira, a

parreira e muitas outras árvores frutíferas, se deixadas crescer

conforme a natureza permite, produzem poucos frutos, de baixa

qualidade e com pouco sabor. O agricultor sabe que se quiser

colher bons e saborosos frutos precisa praticar a poda em seu

pomar. Ao cortar certos galhos infrutíferos, possibilita uma maior

colheita naqueles que produzem. A poda, a princípio dolorosa,

impede o desenvolvimento

exacerbado da planta e

direciona-a para um crescimento

adequado à produção de frutos,

que acompanhada de uma boa

adubação e cuidados especiais

deixa a árvore esparramar livremente seus galhos. Assim é a

disciplina formadora da personalidade responsável, limita a ação

do comportamento inadequado para tornar o indivíduo consciente

e integro na relação consigo mesmo e com o outro. Disciplinado,

o discípulo, podemos dizer que é aquele que pacificamente se

sujeita às normas estabelecidas, aos cortes necessários em sua

conduta para um maior e melhor crescimento. Indisciplinado é o

que se rebela, não se submete, questiona, cria rupturas e não

Page 138: Educação Revessa

137 Educação Revessa

permite deixar de lado hábitos impróprios para a interação grupal,

é o não discípulo. Na ótica do convívio social, familiar e bom

funcionamento da escola, a indisciplina é vista como um

desrespeito aos acordos já estabelecidos. A disciplina “(...) ensalza

a la coletividad”175

, portanto os limites não são apenas para o

próprio bem e sim para o perfeito equilíbrio entre os deveres e

direitos do eu e do outro.

A autoridade do professor precisa ser considerada como

fator decisivo na viabilização do processo disciplinar e educativo

dentro da sala de aula. Essa autoridade deve ser entendida não

como um autoritarismo, em que o professor manda e o aluno

obedece calado em sua classe, mas como um posicionamento

firme e decidido, no qual o aluno, num primeiro momento, se

espelhe e posteriormente o supere. A escola que não pode ser

concebida sem professores e muito menos sem sua autoridade nos

remete ao dizer de Theodor Wiesengrund Ludwig Adorno (1903-

1969) “(...) o professor precisa ter clareza quanto a que sua tarefa

principal consiste sem se tornar supérfluo”176

, esse

posicionamento faz com que o aluno sinta o apoio da autoridade e

ao mesmo tempo a necessidade de se emancipar, ou seja, pensar

com a própria cabeça ou alcançar sua autonomia.

175 - Makárenko, Antón S. Problemas de La Educacion Escolar Soviética. Moscú/URSS, Editora

Progresso, s.d. P.60 176 - Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.177

Page 139: Educação Revessa

138 João Henrique Bordin

Para fazer da disciplina um aspecto essencial do processo

educacional faz-se necessário, além da pedagogia, o uso da

psicologia, sociologia, antropologia e demais campos do

conhecimento humano, a fim de garantir que os limites aplicados,

na sintonia entre a escola e a família, levem o indivíduo a uma

formação plena de caráter e personalidade voltada para o bem

comum. Como aspecto essencial do processo educacional, a

disciplina tem dupla função na sala de aula e fora dela. De um

lado limita responsavelmente o aluno, dando-lhe mais liberdade

em sua condição discente. De outro devolve a autoridade do

professor, transformando-o de simples transmissor de

conhecimentos em educador.

Ao se estabelecer a disciplina na sala de aula como um

processo educativo, em sintonia com a família e com a restauração

da autoridade do professor, acreditamos ser possível dar início à

solução do dilema social no qual Marx afirma que “por um lado, é

necessário modificar as condições sociais para criar um novo

sistema de ensino; por outro, falta um sistema de ensino novo para

poder modificar as condições sociais”177

, e nessa resolução

afirmar a convicção de que tudo se encontra em permanente

conexão material e universal. Assim, a educação disciplinada se

torna uma ferramenta de aglutinação social, a começar pela

177 - Marx, Karl H. O Capital. São Paulo. Nova Cultura. 1996. P.107

Page 140: Educação Revessa

139 Educação Revessa

sintonia entre família e escola, se expandindo pelos demais níveis

da sociedade para emancipar o homem em sua omnilateralidade,

formando a consciência de que a história é um constante

movimento, tornando possível a superação do capital. A “(...)

emancipação precisa ser acompanhada por certa firmeza e unidade

do eu”178

e acredito que só é possível alcançar esta firmeza e

unidade do eu mediante a revisão da autoridade do professor e

uma disciplina formadora da personalidade. O professor precisa

ser mestre e o aluno discípulo. O verdadeiro mestre almeja ser

superado pelo seu discípulo. Essa superação se torna possível com

uma formação omnilateral.

Historicamente, e mais precisamente depois do

surgimento da concepção cristã do homem e da sociedade, esses

foram mantidos em uma noção de mundo cindida. O indivíduo

cindido entre o humano e o divino formou a base do sistema de

divisão do trabalho e sua organização social. A educação, no

sistema, atendia à ideologia dominante, determinando o que cabia

a cada classe social. Em tal contexto e na tentativa de manter a

integridade da pessoa, Marx e Engels esclarecem que “por

educação entendemos três coisas: 1) Educação intelectual; 2)

Educação corporal, tal como a que se consegue com os exercícios

da ginástica e militar; 3) Educação tecnológica, que recolhe os

178 - Adorno, Theodor W. L. Educação e Emancipação. São Paulo. Paz e Terra. 1995. P.180

Page 141: Educação Revessa

140 João Henrique Bordin

princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de

produção e, ao mesmo tempo, inicia as crianças e os adolescentes

no manejo de ferramentas elementares dos diversos ramos

industriais”179

. Esse é o ensino politécnico anunciado por Marx e

Engels e aqui denominado omnilateral por desenvolver uma

educação abrangente, ou seja, em todos os sentidos e proveniente

de todos os lados. A educação omnilateral é a possibilidade de o

homem chegar ao desenvolvimento da totalidade de suas

capacidades e usufruir, espiritual e materialmente, de toda a

produção social, conceber-se como sujeito da história, com

direitos e deveres e uma consciência crítica na relação com o

mundo.

A disciplina na escola, acompanhada da autoridade do

professor, em sintonia com a família, torna possível uma educação

que envolva a totalidade intelectual, física, corpórea e sensível

com a finalidade da emancipação do homem, pois não se trata

apenas de transmitir conhecimentos dentro da sala de aula, mas de

um processo educativo de ligação e interação das diversas partes

sociais, em especial entre família e escola, foco deste estudo. A

disciplina deve fazer parte do processo de uma educação, como no

dizer de Célestin Freinet (1896-1966), “(...) centrada na criança

179 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006. P.68

Page 142: Educação Revessa

141 Educação Revessa

enquanto membro da comunidade”180

, pois a formação do aluno

sempre tem um fim social. A recíproca colaboração, entre escola e

família, envolve o princípio de uma teoria educacional marxista

que comporta um ensino omnilateral que leve o indivíduo

multifacetado à humanização, tendo no horizonte a totalidade, e

pode ser aplicado na reformulação do sistema educacional tendo

em vista amenizar as desigualdades sociais e tornar o Capitalismo

mais humano. É uma educação altamente revolucionária, mas para

que sua concretização se torne possível é necessária a união entre

a escola e a família, numa recíproca colaboração, transformando a

escola no lugar de encontro entre pais, alunos e mestres, com a

finalidade de construir um processo educativo que desenvolva o

indivíduo na sala de aula reciprocamente com o desenvolvimento

em seu lar.

O lar é o primeiro mundo que a criança conhece, o lugar

onde seus sentidos principiam o descobrimento da vida. O lar

apresenta as primeiras contradições e

definições à criança. No lar a criança

conhece e sente o que é o amor, o

carinho, a amizade, o respeito e também

pode presenciar a existência do ódio. No

lar a criança aprende a dividir, a compartilhar. No lar a criança

180 - Freinet, Célestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo. Martins Fontes. 1996. P.180

Page 143: Educação Revessa

142 João Henrique Bordin

percebe que não estamos sós, que vivemos em sociedade e que o

outro, além de sua família, também pertence a um lar, diferente,

mas a um lar. No lar a criança inicia a construção de sua

personalidade. No lar o jovem tem acompanhamento e apoio em

suas decisões, recebe e aceita críticas que o ajudam a melhor

compreender o que pretende para sua vida. No lar o indivíduo tem

apoio nas fomentações de mudanças sociais e ajuda no

planejamento das táticas para sua concretização.

A sala de aula, por sua vez, é um universo onde circulam

os conhecimentos básicos e as grandes teorias do saber humano.

Ela é um conglomerado de contradições

e definições. É lá que se dá a

continuidade da formação da

personalidade do indivíduo. É lá que a

criança conhece e descobre os diversos

rumos que sua vida pode tomar. É lá que

o jovem define o seu futuro profissional. É lá que o homem

proclama sua liberdade desencadeando a libertação do outro. A

sala de aula é o lugar onde se fomenta a mudança social e se

planejam táticas para sua superação. Tanto na escola como no lar

a disciplina é imprescindível, pois sem ela o indivíduo cresce sem

limites, sem a valorização do eu e sem o respeito pelo outro.

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Para que o aluno, cidadão com múltiplas relações

socioeconômicas, possa realizar o que a escola, a família e ele

próprio se propuseram é necessária uma constante renovação em

todo o processo educativo. Antônio Gramsci (1891-1937) diz que

“(...) todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma

atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, um artista,

um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo,

possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim

para manter ou para modificar uma concepção do mundo; isto é,

para suscitar novas maneiras de pensar”181

. Portanto, as opiniões,

os questionamentos, os incentivos devem sempre estar em pauta

na união pais, alunos e professores, o que não é possível sem uma

disciplina formadora da personalidade responsável e de uma

consciência íntegra diante de si e do outro. Essa união é a base de

uma nova sociedade, o terreno fértil para engendrar as tarefas, no

dizer de Georges Snyders (1917-...), com um “(...) sentido

progressista (...)”182

, que possibilita a mudança do atual sistema e

o ponto de partida para desencadear uma educação revolucionária

que tem em seu bojo uma pedagogia inclusiva e extensiva,

assegurando aos pais que estarão colocando seus filhos numa

escola por eles reivindicada, “(...) realmente aberta a todos; à

181 - Gramsci, Antônio. Cadernos do Cárcere. Volume 2: Os intelectuais. O princípio educativo.

Jornalismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasiliense. 2006. P.53 182 - Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981.P.103

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sensibilidade às injustiças da escola agudiza-se paralelamente com

a convicção de que é possível uma outra sociedade”183

. Pedagogia

inclusiva porque objetiva a participação social, pais, alunos e

professores na elaboração de seu método e conteúdo a ser

transmitido. Extensiva, pois almeja não só a formação do aluno na

sala de aula, mas também dos demais membros da família, visto

haver uma grande disparidade entre o que os pais sabem e o que

na sala de aula se propõe a ensinar, proposição essa elaborada na

união escola e família.

A disciplina, o ser discípulo, viabiliza a concretização da

concepção marxista de uma educação omnilateral e é a

possibilidade que o homem tem de implantar a nova sociedade

“(...) onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe

aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva. É

a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer

hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde,

pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isso a

meu bel prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador,

pescador ou crítico”184

. Devemos lembrar sempre que a educação

deve ser uma ferramenta de união entre escola e a comunidade,

pois não é possível educar as crianças com diferentes posições

183- Snyders, Georges. Escola, classe e luta de classes. 2ª ed. Lisboa-Portugal. Moraes, 1981. P.104 184 - Marx e Engels - Textos sobre Educação e Ensino. 5ª Ed. São Paulo. Centauro, 2006. P.25

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diante da realidade existente. Urge a necessidade de formar a

consciência coletiva, com a convicção de que a liberdade só é

verdadeiramente um fato se acompanhada da disciplina e que a

escola torna isso viável se a educação for amparada pela

autoridade do professor. A educação, vista desse ângulo, não é

uma forma mágica de transformação do mundo, mas um

instrumento que auxilia a própria sociedade a mudar.

Liberdade não consiste em se livrar de

todas as contingências que afligem a vida em

determinada situação pessoal, no grupo de

amigos, ou sistema social, tampouco é fazer

tudo o que se quer, como se quer e onde se

quer. Liberdade é saber posicionar-se frente às

intempéries da vida e responder de forma coerente às investidas

que tendem a manobrar o caráter e deformar a personalidade. A

disciplina, a priori, com suas regras e normas, ensina e conduz no

caminho da liberdade. Liberdade pressupõe a disciplina formadora

do caráter e da personalidade autêntica e consciente. Disciplina

deve ser o horizonte no qual se espelha todo o modo de ser e de

viver em liberdade. Não há liberdade sem disciplina.

"Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem

ela tampouco a sociedade muda" (Paulo Freire).

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Disciplina

As ilustrações foram obtidas no Google/imagens.

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Liberdade não consiste em se livrar de todas as contingências que afligem a vida em determinada situação pessoal, no grupo de amigos, ou sistema social, tampouco é fazer tudo o que se quer, como se quer e onde se quer. Liberdade é saber posicionar-se frente às intempéries da vida e responder de forma coerente às investidas que tendem a manobrar o caráter e deformar a personalidade. A disciplina, a priori, com suas regras e normas, ensina e conduz no caminho da liberdade. Liberdade pressupõe a disciplina formadora do caráter e da personalidade autêntica e consciente. Disciplina deve ser o horizonte no qual se espelha todo o modo de ser e de viver em liberdade. Não há liberdade sem disciplina.

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