104
Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO ESCOLAR: NARRATIVAS E SIGNIFICADOS EM ADOLESCENTES E PRÉ-ADOLESCENTES Porto, 2006

Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Elisabete Maria da Silva Ferreira

BULLYING EM CONTEXTO ESCOLAR: NARRATIVAS E SIGNIFICADOS EM

ADOLESCENTES E PRÉ-ADOLESCENTES

Porto, 2006

Page 2: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO
Page 3: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Elisabete Maria da Silva Ferreira

BULLYING EM CONTEXTO ESCOLAR: NARRATIVAS E SIGNIFICADOS EM

ADOLESCENTES E PRÉ-ADOLESCENTES

Monografia apresentada à Universidade Fernando Pessoa

como parte dos requisitos para a obtenção do grau de

licenciatura em Psicologia Clínica, sob orientação da

Mestre Carla Fonte, docente na Universidade Fernando

Pessoa.

Page 4: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Pouco importam os objectivos relacionados.

Devo aprender, primeiro que tudo,

a ler as ligações.

A. de Saint-Exupery

Page 5: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Agradecimentos

Concluído este trabalho existe todo um conjunto de pessoas, que de forma mais directa ou

indirecta, permitiram a concretização deste etapa. Expresso os meus agradecimentos,

nomeadamente:

À Drª Carla Fonte pela orientação e acompanhamento neste última fase da minha

licenciatura.

À Dr.ª Vera Santos pela ajuda e pela aprendizagem proporcionada aquando da realização

do estágio.

À escola de Apúlia pela disponibilidade para desenvolver este estudo e igualmente à

directora de turma destes alunos, pela sua disponibilidade e interesse pelo estudo

desenvolvido.

Á minha família, que me apoio e ajudou. Ao Zé pela alegria que trouxe à minha vida e

pelo rebento do nosso amor.

À Dr.ª Ana Maria pelos seus comentários e ideias para futuros trabalhos.

Às minhas amigas que tiveram um papel importante nesta caminhada, por todos os

momentos bons e a ajuda nos momentos menos bons, o meu muito obrigado.

E a todos quantos, de alguma forma, permitiram que culminasse esta fase da minha vida.

A todos em geral e a cada um em particular.. o meu muito obrigado.

Page 6: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

RESUMO

Na presente investigação debruçamo-nos sobre um tema que tem vindo a ser alvo de

atenção em meio escolar: o bullying. Apresenta-se como um tema actual e sobre o qual é

necessário aprofundar o conhecimento científico. Desenvolvemos assim uma investigação de

carácter qualitativo, com o principal objectivo de entender os significados partilhados por

estes alunos, face a episódios de vitimação e agressão. Utilizamos para conseguir este

objectivo a entrevista semi-estruturada, uma vez que pretendíamos explorar, sempre que

possível, as respostas dadas às perguntas que eram formuladas e que fossem importantes para

a compreensão desta problemática. O presente estudo foi realizado com os alunos, do 3º ciclo

(7º ano de escolaridade), de uma escola EB 2,3 da zona norte de Portugal. Para análise dos

resultados tivemos como base a grounded analysis, uma vez que esta orientação permite

mergulhar nos dados e traçar uma linha orientadora em termos de significados. Conseguimos

reunir seis significados partilhados por estes jovens e que são a aprendizagem – de

comportamentos e reacções; atribuição – da forma como reagem às situações; estratégias –

utilizadas para resolver os problemas com que se deparam; competências – a nível de

soluções apresentadas para situações do contexto escolar; ambivalência – manifestada

relativamente aos pais e aos próprios colegas e, por fim, a desilusão – expressa relativamente

à escola e às pessoas que a compõe. Em conclusão, estes resultados mostram que os alunos

partilham significados idênticos. No final deste trabalho, com base nos dados recolhidos são

discutidas algumas implicações para a prática.

Page 7: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

ÍNDICE

Introdução Geral 12

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO I – A AGRESSIVIDADE

1.1. Conceito de agressividade 16

1.2. Teorias explicativas da agressividade 18

1.2.1. Teoria catártica da agressão 18

1.2.2. Teoria etológica 19

1.2.3. Teoria etológica da frustração-agressão 20

1.2.4. Teoria da aprendizagem social 21

1.2.5. Teoria sócio-cognitiva de K. Dodge 22

1.3. Possíveis factores explicativos da agressividade 24

1.3.1. A família 24

a) Práticas parentais 26

b) Relacionamento entre os irmãos 28

1.3.2. O grupo de pares 29

CAPÍTULO II – BULLYING

2.1. Bullying 32

2.1.1. Definição 32

2.2. Vítimas e agressores 34

2.2.1. Caracterização das vítimas 35

2.2.2. Caracterização dos agressores 36

2.3. Efeito do bullying para as vítimas 37

2.4. Efeito do bullying para os agressores 38

2.5. Bullying na escola 38

2.5.1. Bullying e o recreio 39

2.5.2. Bullying e a indisciplina 40

CAPÍTULO III – BULLYING – UMA VISÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

3.1. Estudos efectuados no contexto português 42

3.2. Estudos internacionais 46

CAPÍTULO IV – NARRATIVAS E SIGNIFICADOS

4.1. A narrativa 49

Page 8: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

4.1.1. A emergência da narrativa 49

4.1.2. A narrativa como tradutora de significados 52

4.1.3. A narrativa e os adolescentes 53

PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO

CAPÍTULO V – METODOLOGIA

5.1. A escolha da metodologia qualitativa 58

5.2. A orientação pela Grounded Analysis 59

5.3. Objectivos 60

5.4. Método 61

5.4.1. Participantes 61

5.4.2. Material 63

5.4.3. Procedimentos 65

CAPÍTULO VI – RESULTADOS

6.1. Apresentação dos resultados 70

6.1.1. Dados biográficos 70

6.1.2. Discurso do grupo dos agressores 73

6.1.3. Discurso do grupo das vítimas 78

6.2. Interpretação e discussão dos resultados 82

CONCLUSÃO GERAL 93

BIBLIOGRAFIA 99

Anexo A – Características relevantes das vítimas (adaptado de Olweus,

1993). 106

Anexo B – Características relevantes dos agressores (adaptado de

Olweus, 1993). 110

Anexo C – Guião de entrevista 113

Anexo D – História de uma vítima 115

Anexo E – registo de comportamentos não verbais 117

Anexo F – Protocolo de investigação 119

Anexo G – Declaração de autorização 125

Anexo H – Programa de desenvolvimento narrativo em adolescentes 127

Anexo I – Proposta de intervenção 130

Page 9: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

ÍNDICE DE QUADROS Quadro1. Caracterização breve da amostra 63

Quadro2. Síntese das categorias e subcategorias do discurso dos

agressores 77

Quadro3. Síntese das categorias e subcategorias do discurso das vítimas 81

Page 10: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1. Categorias do discurso do grupo global (vítimas e agressores). 83

Page 11: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Page 12: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

12

INTRODUÇÃO GERAL (…) sem as peripécias, sem as demoras da viagem,

não se chega a parte alguma.

David Mourão-Ferreira (1980)

O bullying é um fenómeno que desperta a atenção, não só da comunidade científica e

pedagógica, mas também da sociedade em geral. Muitos têm sido os alertas emitidos pela

televisão e pelos jornais nos últimos tempos, relatando os casos que ocorrem e chamando a

atenção para este problema sério.

Olweus, em 1979, nos países nórdicos, foi o primeiro autor que se iniciou no estudo do

bullying de forma mais sistemática. Nos anos 80 começou a implementar esforços para

estudar melhor esta problemática. Durante algum tempo, estes trabalhos de investigação,

permitiram definir o problema e começar a traçar linhas de orientação e intervenção.

Hoje em dia esta problemática produz vários estudos, em áreas diferentes, mas

complementares, como por exemplo, organização dinâmica da Personalidade (Olweus, 1993,

1999); avaliação de sintomas depressivos (Neary & Joseph, 1994; Roland, 2000); a relação

das atitudes parentais e das práticas disciplinares com a história de vinculação das vítimas e

agressores (Troy & Sroufe, 1987; Boweus, Smith & Binney, 1992; Smith & Binney, 1994).

Ao falar desta problemática associamos por vezes, algumas acções, a perturbações

disruptivas do comportamento que aparecem na primeira e na segunda infância e

adolescência. Geralmente estas perturbações podem designar-se por perturbações disruptivas

e auto-agressivas do comportamento (Fauman, 2002).

Uma perturbação de comportamento nestas idades tem como principais características o

facto de implicar violações repetidas dos direitos pessoais e regras sociais, incluindo

comportamentos violentos e não-violentos (Popper, Gammom, West & Bailey, 2006). Estes

comportamentos implicam o desrespeito por pessoas e propriedades. Assim, segundo Popper

et al (2006) os critérios de diagnóstico podem incluir infracções como a mentira frequente,

vadiagem, vandalismo, fugas da escola ou de casa, roubo de carros, incêndios.

Algumas das acções, perpetradas por alunos que são vítimas e pelos que são agressores,

quando não acompanhados, poderem mais tarde evoluir para uma perturbação anti-social.

Contudo não existe ainda uma linearidade quanto a esta correspondência.

Page 13: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

13

Como referido anteriormente, a investigação nesta área tem sofrido fortes progressos, na

medida em que são várias as publicações editadas. Apesar disso uma grande parte versa

apenas os intervenientes (vítimas e agressores) identificando sinais e sintomas.

O nosso objectivo, com este trabalho é o de perceber os significados que são construídos

pelos alunos relativamente à experiência vivida (vitimação e agressão). Para tal utilizamos

uma metodologia de carácter qualitativo, apoiada numa entrevista semi-estruturada, a fim de

alcançar o proposto.

Assim, dividimos o presente trabalho em duas partes. A primeira parte refere-se a uma

breve revisão da literatura existente, onde destacamos os aspectos que consideramos centrais

para a compreensão desta problemática. A segunda parte remete-nos para o estudo empírico

onde descrevemos a metodologia utilizada, bem como, os resultados obtidos com esta

investigação.

Relativamente à primeira parte, no capítulo um, fazemos uma pequena referência ao

conceito de agressividade e descrevemos em traços gerais as linhas orientadoras das teorias

mais significativas nesta área. Paralelamente existem outros factores que podem concorrer

para explicar a crescente agressividade nas crianças e adolescentes. Neste contexto falamos da

família, onde fazemos uma descrição da sua evolução em termos de conceito e características,

focando igualmente as práticas parentais e o relacionamento entre os irmãos. Neste capítulo

referimo-nos ainda ao grupo de pares, uma vez que desempenham um papel importante no

desenvolvimento e integração social dos jovens.

No capítulo dois, fazemos referência ao bullying. Começamos por expor as dificuldades

de uma tradução na língua portuguesa para esta terminologia. Percorremos ainda algumas das

definições que existem na literatura para esta problemática. A par disto falamos dos

intervenientes – vítimas e agressores – fazendo a sua caracterização física e psicológica e

remetemos, ainda, para os efeitos a curto e a longo prazo. Como esta problemática se

desenvolve na escola, falamos deste espaço, dos locais onde geralmente ocorre a maior parte

dos episódios e, por último, tentamos clarificar os conceitos de bullying e indisciplina.

O capítulo três é dedicado aos estudos efectuados, tanto a nível nacional como

internacional. Pretendemos desta forma dar uma perspectiva geral sobre o que foi feito no

início e o que é feito agora, a nível de investigação. Convém referir, que os estudos

Page 14: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

14

apresentados aqui têm como referência um questionário criado por Olweus, em 1989, e

adaptado em diversos países, incluindo Portugal.

O capítulo quatro é dedicado à compreensão da narrativa e dos significados. Começamos

com uma pequena abordagem sobre a narrativa, onde falamos também sobre a importância da

linguagem como aspecto central na construção de conhecimento. Destacamos a narrativa

como fonte de construção activa de significados e concluímos com a exposição da narrativa

nas crianças e adolescentes. Incluímos ainda um estudo efectuado e que teve como objectivo

avaliar as narrativas construídas pelas vítimas e agressores.

No capítulo cinco, incluído na segunda parte, começamos por fazer referência à escolha da

metodologia qualitativa para levar a cabo esta recolha de dados. Prosseguimos com uma

abordagem à grounded analysis como quadro de referência para a análise dos dados.

Apresentamos, de seguida, os objectivos, da presente investigação, bem como, o processo de

selecção dos participantes, uma vez que estes são os grandes tradutores da realidade que

pretendemos conhecer. Focamos ainda o material utilizado para levar a cabo esta recolha – a

entrevista semi-estruturada. Destacamos, também, os procedimentos seguidos para chegar a

este local e a esta população.

Posteriormente, no capítulo seis, primeiramente apresentamos os dados biográficos dos

participantes. Em seguida centramos a nossa análise no discurso de cada grupo, onde

descrevemos as categorias e subcategorias mais significativas. Finalizamos este capítulo, com

a interpretação dos resultados obtidos para o grupo global e a discussão dos mesmos tendo em

conta a recolha bibliográfica efectuada.

Este trabalho desfecha com uma conclusão geral sobre o que foi desenvolvido e as

limitações encontradas. Apontamos ainda algumas pistas para a intervenção, baseando-nos em

programas recolhidos na literatura – um só vocacionado para os intervenientes, em que se

aposta no desenvolvimento das suas narrativas e a consciencialização das mesmas, e outro,

mais amplo, que envolve a escola, família, funcionários e a restante comunidade de forma a

articular diferentes esforços.

Page 15: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

15

Page 16: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

16

CAPÍTULO I – A AGRESSIVIDADE O único ponto sobre o qual, à primeira vista,

estamos todos de acordo é que nem todos

estamos de acordo

Savater (2001)

A agressividade não é um fenómeno novo. Contudo uma definição universal ainda é um

verdadeiro desafio, uma vez que, as diferentes teorias tentam explicar os comportamentos

tendo como base diferentes pressupostos. Ao expor as que consideramos mais adequadas,

tentamos sempre que possível fazer o paralelismo com a infância, a nível dos estudos que

foram realizados, orientados com base nessa teoria.

Contudo, a agressividade não deve ser explicada num vácuo e como tal existem

influências, nomeadamente, a família e o grupo de pares. Relativamente à família referimos as

suas funções e, focamos ainda as práticas parentais e de que forma contribuem para a relação

com os outros, isto é, como é que o afecto e a atenção dos pais podem ser um factor

importante para a compreensão dos futuros relacionamentos entre pares e não só.

Além da família fazemos referência aos irmãos, dado que pertencem a um contexto

protegido, onde aprendem a relacionar-se com os outros.

Os pares surgem como um marco na vida dos jovens, uma vez que são eles a ponte entre a

família e o resto da sociedade. É neste contexto que muitas das aprendizagens feitas

anteriormente são traduzidas.

1.1. Conceito de agressividade

Ao percorrer a literatura para definir agressividade, nem sempre há consenso, dado que

“este conceito surge como simples e complexo” (Costa & Vale, 1998, p.14). Esta dificuldade

tem surgido na medida em que alguns estudos apenas têm em conta as manifestações

comportamentais, esquecendo factores intrínsecos à própria agressão. “Devemos ter em conta

que não podemos falar propriamente de “conduta agressiva”, como se de uma única forma de

conduta se tratasse, pois existem diferentes formas de agressão” (Ramirez, 2001, p. 9).

Inicialmente, segundo Szelbracikowski & Dessen (2005), Dollard et al, em 1939,

propuseram uma definição de agressão em que se referiam a esta como qualquer sequência de

Page 17: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

17

comportamento que tem como principal objectivo causar dano aquele cujo comportamento é

dirigido.

Schaffer (1996) refere que a agressão pode assumir várias formas, nomeadamente, pode

ser física ou verbal, perpetrada em grupo ou individualmente, dirigida para um alvo específico

ou efectuada de forma indiscriminada, acompanhada de fortes emoções ou executada

friamente.

Assim, “uma primeira aproximação ao termo permite-nos definir a agressão como

qualquer forma de conduta que pretende ferir alguém, física ou psicologicamente”

(Berkowitz,1993, citado por Ramirez, 2001,p.3).

A par destes formatos, sobressai ainda o facto da agressão, poder tomar duas formas que

se designam por agressão impulsiva e agressão instrumental (Berkomitz, 1993, Caprara et al,

1996, citado por Gerring & Zimbardo, 2005). A primeira refere-se ao facto de ser gerada

pelas situações e ser impulsionada pelas emoções, isto é, as pessoas respondem com atitudes

agressivas no momento. A segunda refere-se ao facto de ser direccionada para os objectos e

ter uma base cognitiva, ou seja, há o desenvolvimento de atitudes agressivas, reflectidas e

premeditadas com vista à obtenção de fins específicos.

Segundo Pery, Pery & Boldizer (1990, citado por Costa & Vale, 1998) a agressividade

pode ser entendida como um comportamento destinado a magoar outra pessoa. Contudo, para

Plomin, Nitx & Rowe (1990, citado por Costa & Vale, 1988) a agressividade tem um carácter

complexo e como tal deve ser tida em consideração, por um lado, a agressividade física e a

verbal e, por outro, a agressividade instrumental e a fúria. Salientam também a importância do

contexto, na medida em que a agressividade em relação à família pode ser diferente do

comportamento agressivo em relação aos pares ou adultos fora da família.

Ramirez (2001) sintetiza bem a problemática quanto a uma definição “universal” de

agressividade. Assim, refere que definir o comportamento agressivo não é uma tarefa simples,

pois este ponto pode ser entendido de formas muito diversas. Tão pouco a sua finalidade é

unívoca, já que, embora a característica mais saliente seja o desejo de ferir, por vezes, o

motivo pode ser o desejo de sobressair, de exercer controlo e domínio e, até, de ensinar ao

outro o que é ou não permitido.

Page 18: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

18

As definições são, em geral baseadas nas consequências do comportamento agressivo, no

julgamento social e na estrutura multifactorial desta variável, embora algumas delas levem em

conta os factores motivacionais (Szelbracikowski & Dessen, 2005).

1.2. Teorias explicativas da agressividade

As teorias que tentam traçar linhas explicativas da agressividade podem, segundo Ramirez

(2001) dividir-se em dois grupos distintos: teorias activas e teorias reactivas.

Por activas entende-se, todas as que propõem que a origem da agressão se situa nos

impulsos internos do indivíduo. Incluem teorias que vão desde a psicanalítica até à etológica.

Paralelamente, as teorias reactivas, propõem que a origem da agressão se situa no meio

ambiente que rodeia o indivíduo. Referem-se à agressão como uma reacção de emergência

aos acontecimentos ambientais ou relativamente à sociedade no seu conjunto, sem rejeitar

completamente, uma interacção com fontes internas de agressividade.

De seguida, abordaremos cada uma das teorias mais significativas para a compreensão da

agressão, referindo-nos aos seus pressupostos básicos e fazendo um paralelismo, sempre que

possível com a infância.

1.2.1. Teoria catártica da agressão

Segundo Freud (1930, citado por Schaffer, 1996) a agressão deriva do instinto de morte,

que se refere a uma tendência inata para a destruição. Esta tendência pode direccionar-se ou

para o exterior (tendo como alvo outros indivíduos ou propriedades) ou para o interior

(podendo levar à auto-mutilação ou suicídio).

Ainda segundo o mesmo autor, a agressão neste modelo funciona segundo o modelo

hidráulico, isto é, a energia é acumulada até atingir um nível em que deve ser descarregada. A

forma de se libertar essa energia dá-se ou por processos socialmente aceites (actividades

desportivas, pintura) ou por processos socialmente reprovados (violência).

Freud (1920–1939, citado por Martín, 1993) faz referência à pulsão de morte ou Thanatos

em que descreve a faceta mais evidente desta pulsão como sendo a morte e a destruição. A

agressão é vista como uma disposição pulsional originária e autónoma. A agressão contra

Page 19: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

19

outras pessoas pode ser entendida como um meio para não a dirigir contra si próprio, mas

conseguindo assim receber “violência” através das acções que intenta contra os outros.

Segundo Bertão (2004), a agressão seria a expressão de uma pulsão de morte (Thanatos),

que estaria presente na mente a par de uma pulsão de vida (Eros), e seria da intrincação ou

desintrincação das pulsões que nasceriam os actos violentos.

Klein (s/d, citado por Marcelli, 2005) refere que quaisquer que sejam as condições de

educação da criança, ainda que sejam muito boas, não existem crianças sem fantasias

agressivas e fantasmas agressivos e destruidores. Em contrapartida regista-se frequentemente

uma oposição entre fantasias agressivas e fantasmas agressivos e destruidores. Quando esses

fantasmas se revelam demasiado invasores, a criança não consegue exprimir fantasias

agressivas e apresenta, muitas vezes, um aspecto inibido e angustiado, que alterna

eventualmente com comportamentos de passagem ao acto brusco.

Winnicott (1984-1995, citado por Bertão, 2004) diz-nos que, o que logo será um

comportamento agressivo não passa, portanto, no início, de um simples impulso que leva a

um movimento e aos primeiros passos de uma exploração. A agressão está sempre ligada,

desta maneira, ao estabelecimento de uma distinção entre o que é e o que não é o eu.

1.2.2. Teoria etológica

O etólogo estuda o indivíduo (humano ou animal) o mais possível no seu meio natural e

nas suas interacções com outros indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes. Tenta

ainda compreender a agressividade, não se contentando em defini-la segundo a sua acção

predadora, mas incluindo também o factor da intencionalidade (Marcelli, 2005).

O grande impulsionador desta teoria foi Lorenz (1966, citado por Gerrig & Zimbardo,

2005) que documentou uma série de actividades agressivas observadas no reino animal. Esta

teoria defende que “os padrões de conduta de ataque e defesa, ameaça e medo, constituíam

um sistema de hostilidade destinado à defesa pessoal, do seu território e dos direitos pessoais”

(Pereira, 2002, p. 9). Ou seja, a agressão é considerada em termos instintivos e desempenha

um papel importante na sobrevivência das espécies.

Lorenz (1966, citado por Schaffer, 1996) refere ainda que os seres humanos estão dotados

de uma necessidade de luta básica dirigida contra os outros membros da espécie. Esta

Page 20: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

20

necessidade exprime-se geralmente de forma ritualizada e pode ser iniciada por certos

estímulos libertadores muito específicos.

A observação de crianças tendo em conta os pressupostos da teoria etológica, realizada por

Montagner et al (1978, citado por Marcelli, 2005), leva à descrição de sequências de

comportamento, umas destinadas a um apaziguamento (sorriso, toque no ombro, carícias),

outras a ruptura na relação, recusa ou mesmo à agressão (gritos agudos, abertura súbita da

boca).

O mesmo autor refere que havia uma evolução das relações entre sequências de

apaziguamento e sequência agressiva entre os 2 anos e os 4-5 anos, em que se ajusta pouco a

pouco uma tipologia para cada criança (líder, dominante, agressiva) e que parece estar em

correlação directa com os modos de interacção familiar, em especial, maternos.

1.2.3. Hipótese da frustração-agressão

Os estudos clássicos da Universidade de Yale, com Dollard, Miller et al (1938)

assinalaram a conduta agressiva como uma das consequências mais importantes da frustração.

A agressão é assim considerada como um resultado inevitável de uma situação que causou

frustração. Este estado de frustração tem como efeito o aparecimento de um processo de

cólera no indivíduo que alcança um determinado grau e que pode produzir algum tipo de

agressão – verbal ou directa (Ramirez, 2001).

Inicialmente esta teoria ao ser formulada teve em consideração que a frustração leva

sempre à agressão de algum tipo, ou seja, a agressão era sempre o resultado de alguma

frustração (Dollard et al, 1939, citado por Feldman, 2001). Contudo formulações mais

recentes sugerem que a frustração produz ira, que leva a uma prontidão para agir

agressivamente. Se a agressão real ocorre, ou não, depende da presença de pistas agressivas,

isto é, estímulos que foram associados no passado à agressão real ou à violência e que irão

desencadear novamente a agressão (Berkowitz, 1984, citado por Feldman, 2001).

Berkowitz (1962, citado por Vala & Monteiro, 2000) introduz alterações ao modelo

proposto inicialmente e que são, a importância da conotação violenta dos sinais presentes na

situação em que a agressão se desencadeia e a importância do carácter subjectivo da

frustração. Tratou-se assim de mostrar que a presença de sinais agressivos é importante no

Page 21: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

21

desencadeamento de comportamentos hostis em relação aos outros, porque eles próprios

foram anteriormente associados à agressão no contexto cultural envolvente.

A partir da hipótese relativa à agressão, que dizia que a frustração acontece em situações

nas quais se impede que as pessoas atinjam os seus objectivos e onde seguidamente a essa

frustração há maior probabilidade de agressão, foi levado a cabo um estudo com crianças

onde se verificava essa mesma frustração e a consequente agressão. Assim, as crianças que se

sentiam frustradas, na expectativa de brincar com brinquedos atractivos, reagiam de forma

mais agressiva em relação a esses brinquedos, quando tinham oportunidade de brincar com os

mesmos (Barker et al, 1941, citado por Gerrig & Zimbardo, 2005).

1.2.4. Teoria da aprendizagem social

Segundo Bandura (1987) a maior parte da aprendizagem humana consiste numa

aprendizagem por observação. Esta aprendizagem resulta da observação do comportamento

de outra pessoa, que se designa de modelo. Estes modelos têm a capacidade de estimular os

observadores a reproduzir o seu comportamento. Este mesmo processo é utilizado aquando da

reprodução de um comportamento negativo.

A agressão é vista, segundo Bandura (1973, citado por Schaffer, 1996) como sendo

semelhante a outro tipo de comportamento social, na medida em que é adquirida através da

aprendizagem directa ou da observação. Ao dar ênfase à aprendizagem observacional, refere

que quando as crianças vêem um comportamento agressivo nos outros, principalmente em

indivíduos que elas admiram e quando verificam que esses comportamentos produzem

resultados “positivos” tendem a imitá-los e a adoptar um comportamento agressivo, em

circunstâncias semelhantes.

A este respeito Bandura (1987) refere que observando a los demás formamos las reglas de

conducta, y esta información codificada sirve en ocasiones futuras de guía para la acción.

Dado que, antes de desarrollar cualquier conducta, las personas pueden aprender de forma

aproximada lo que deben hacer a través del modelado, les resulta posible ahorrarse los

costos y el sufrimiento que ocasionan los esfuerzos erróneos (p. 68).

Patterson et al (1967, citado por Gerring & Zimbardo, 2005) observaram crianças na

creche, tentando identificar as vítimas, os agressores e as consequências para cada um deles.

Constataram que as acções agressivas ocorriam várias vezes por dia e que os actos agressivos

Page 22: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

22

observados eram seguidos de consequências positivas para o agressor, isto é, a vítima ou

desistia ou se afastava. Assim, a cada vitória o agressor aumentava a probabilidade de repetir

o ataque. Os mesmos autores referem que os pais de crianças agressivas tendem a reforçar

frequentemente os comportamentos agressivos dos seus filhos. Este reforço consistia em

prestar mais atenção, rir da situação ou assinalando aprovação quando têm atitudes agressivas.

Estudos mais recentes concluem que as crianças que exibem elevados níveis de

agressividade declarada têm tipicamente pais que utilizam a punição física. Os pais de

crianças agressivas tendem a utilizar a punição, mais do que a recompensa, para influenciar o

comportamento geral da criança (Sprinthall & Sprinthall, 1993). Alguns teóricos da

aprendizagem social enfatizam que no acto de castigar os filhos, os pais podem

inadvertidamente ensiná-los a comportarem-se de maneira agressiva (Gerring & Zimbardo,

2005).

1.2.5. Teoria sócio-cognitiva de K. Dodge

A teoria de Bandura, sobre a aprendizagem social da agressão, anteriormente referida foi o

mote para a emergência de diversas teorias, nos anos 80 e 90. Os avanços possibilitaram o

surgimento da teoria do processamento de informação social, com a fusão das teorias da

aprendizagem social e das teorias cognitivas da agressão (Szelbracikowski & Dessen, 2005).

Uma dessas teorias é a que apresentamos de seguida.

Dodge (1986) ao enfatizar uma abordagem cognitiva à análise da agressão fê-lo na

tentativa de compreender o processamento de informação e a selecção de reacções. O

principal objectivo foi verificar se era a situação em si ou a interpretação que o indivíduo faz

da situação que provocavam o comportamento agressivo (Schaffer, 1996).

Esta necessidade parte do facto de, diferentes indivíduos poderem percepcionar o mesmo

estímulo de forma hostil ou benigna, isto é, os rapazes geralmente agressivos tendencialmente

atribuíam intenções hostis a outra criança que, por exemplo, atira os brinquedos para o chão,

enquanto que, os rapazes não agressivos, por outro lado, vêm este acontecimento como

acidental (Schaffer, 1996).

Esta forma de reacção tem que ver com as próprias estruturas internas de compreensão, ou

seja, as estruturas internas que contêm as representações mentais. Estas representações

derivam das memórias armazenadas baseadas nas experiências passadas, onde as pessoas

Page 23: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

23

representam, categorizam e interpretam continuamente os acontecimentos sociais (Burks,

Laird, Dodge, Petit & Bates, 1999).

O processo pelo qual se desenvolvem estas estruturas, pode ser mais complicado, do que a

simples exposição à violência. Este processo pode ser moderado pela forma como a criança

processa as experiências agressivas, incluindo os processos cognitivos associados e que são

armazenados na memória formando as estruturas de conhecimento hostis. Por exemplo,

crianças que assistem e interpretam agressões precocemente, experienciam uma hostilidade

que influenciará e se desenvolverá numa estrutura de conhecimento hostil. Uma vez

adquirida, esta estrutura de conhecimento hostil, aumenta a probabilidade da criança exibir

problemas de externalização. Não obstante, crianças que não prestam atenção às agressões

interpretam-nas de maneira não hostil, o que pode levar ao desenvolvimento de uma estrutura

de conhecimento não hostil (Burks et al, 1999).

Dodge para explicar esta situação expõe um modelo de processamento de informação em

que existem cinco etapas que ocorrem muito rapidamente e muitas vezes a um nível

inconsciente (Dodge, 1986, citado por Dodge & Coie, 1987).

O processo pelo qual o indivíduo responde de forma agressiva numa situação social

envolve uma série de passos, que vão desde a aquisição e armazenamento até à recuperação

de informações (Szelbracikowski & Dessen, 2005).

Deste modo, Dodge refere, como primeira etapa a codificação (Schaffer, 1996). Assim, o

processamento de informação social incluiu a interpretação das intenções dos outros

justamente através da produção, avaliação e selecção do comportamento (Crick & Dodge,

1994; Dodge, 1986, citado por Burks et al, 1999) resultando na escolha da resposta (Burks et

al, 1999).

A seguir à codificação, apresenta-se a interpretação, isto é, a forma como as crianças

interpretam uma situação. Como referido anteriormente, as crianças com intenções hostis

terão mais probabilidades de a interpretar de forma hostil, enquanto que as não agressivas

vêm as coisas de forma diferente (Dodge, 1986, citado por Dodge & Coie, 1987).

A procura de reacção é a etapa seguinte. Esta implica que a criança produza possíveis

reacções ao que viu, à luz da sua interpretação do evento. Após ter havido uma codificação da

informação e interpretação da mesma, a procura de reacção dará lugar a uma decisão, isto é, a

criança pode gerar uma quantidade de possíveis reacções. Deverá então determinar qual a

Page 24: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

24

mais adequada e quanto mais apto estiver para considerar as possíveis consequências de cada

uma, mais informado estará da escolha feita (Dodge, 1986, citado por Schaffer, 1996).

A última etapa é o desempenho da reacção. Esta implica que a reacção escolhida, seja

executada e mais uma vez haverá diferenças individuais (Dodge, 1986, citado por Dodge &

Coie, 1987).

Assim, a resposta agressiva não depende só das experiências vividas, mas também das

capacidades biológicas que são representadas na memória. O indivíduo agressivo está mais

atento aos sinais sociais e interpreta-os como hostis, apresentando um leque reduzido de

respostas alternativas para situações específicas. Responde de forma mais impulsiva que a

maioria das outras pessoas, bem como, tende a dar mais valor às respostas agressivas (Coie &

Dodge, 1998; Tremblay, 2000 citado por Szelbracikowski & Dessen, 2005).

Burks et al (1999) realizaram um estudo sobre as estruturas e o processamento da

informação social em crianças com comportamento agressivo e chegaram à seguinte

conclusão: crianças que indicam estruturas de conhecimento mais hostis têm maior

probabilidade de processar informação social de uma maneira hostil e ainda, as que têm

estruturas de conhecimento mais hostis (como também as que processam a informação social

de uma maneira hostil) têm maior probabilidade de externalizar os problemas.

1.3. Possíveis factores explicativos da agressividade

1.3.1. A família

Ao referir a família como um elemento que pode estar envolvida na adaptação do jovem

no contexto sócio-cultural, devemos ter presente quais as suas influências e de que forma esta

é constituída.

Assim, o grupo familiar não se identifica unicamente através de laços biológicos ou legais,

mas antes como um conjunto de indivíduos que desenvolvem entre si, de forma sistemática e

organizada, interacções particulares que lhe conferem individualidade grupal e autonomia

(Relvas, 2003). Ao contribuir para esta união a família está a ajudar os elementos que a

constituem a, por um lado, permitir o seu crescimento, individualização, possibilitar a criação

de um significado e a presença de um sentimento de pertença, e por outro lado, facilitam a

integração dos seus elementos no contexto sócio-cultural.

Page 25: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

25

A família determina as primeiras relações sociais, assim como os contextos onde ocorre a

maior parte das aprendizagens iniciais que são efectuadas acerca das pessoas, situações e

capacidades individuais. Estas aquisições exercem uma grande influência na personalidade

(Sprinthall & Collins, 1999). Esta (a família) torna-se, sem dúvida, importante para que os

conhecimentos que a criança vai adquirindo, possam ser ou não reproduzidos num outro

contexto e contribuiu ainda para a estruturação da personalidade e equilíbrio emocional.

Os padrões de interacção pais-filhos proporcionam modelos de actuação para a maneira

como as pessoas devem interagir umas com as outras que são transportadas para as

interacções entre os pares (Collins & Laursen; Rubin et al, 1999, citado por Cole & Cole,

2004). E ainda, como sugere Porot (s/d), a experiência familiar facilita à criança a

aprendizagem da sua profissão de homem. Quem diz aprendizagem, diz experiências,

tentativas, insucessos, desastres, recomeços.

Contudo, com a crescente transformação social e consequentemente familiar, nem sempre

os seus constituintes podem dispor de “tempo” para fomentar estas aprendizagens. Ramos

(1990, citado por Silva, 2004) refere que, as migrações para a cidade, conduziram a rupturas

tanto culturais como familiares, fazendo com que algumas famílias se sentissem isoladas e

desenraizadas. A família alargada tornou-se nuclear, deixando a mãe, por exemplo, de contar

com a ajuda psicológica e física dos restantes familiares e vizinhos nos cuidados e nas tarefas

domésticas.

Desta transformação resulta a redução do grupo familiar, em termos numéricos. A mulher

passou a exercer também actividades fora do lar. Desta forma, os filhos são atraídos para fora

de casa devido ou não, a um problema de espaço ou pela diversidade dos programas a eles

dedicados (Silva, 2004).

Esta crescente (re)adaptação leva por vezes à falta de disponibilidade para atender os

filhos devido às tarefas domésticas, à telenovela, ao futebol ou ao telejornal, que não se pode

perder e que cortam os poucos períodos de diálogo possíveis, gerando indisponibilidade para

uma troca de afecto, de carinho ou de preocupações (Pereira, 2002). Crescem assim, os

problemas sociais, principalmente relacionados com a infância abandonada e delinquente

(Silva, 2004).

O comportamento de uma criança é afectado pelo comportamento parental, mas também o

afecta (Schaffer, 2004). As interacções familiares permitem verificar que as brincadeiras entre

Page 26: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

26

pais e filhos são contextos onde as crianças aprendem a descodificar os sinais sociais e

afectivos, a interpretar o impacto das suas manifestações de afecto, a regular a intensidade e a

duração das interacções (Almeida, 2000).

a) Práticas parentais

A família tem um papel importante no desenvolvimento de todos os elementos que a

compõe, especialmente nas crianças. A forma como os pais se relacionam com os filhos, para

além da transmissão de afecto, partilham igualmente valores e atitudes que influenciam o

comportamento das crianças e dos jovens. Esta transmissão pode assumir diferentes

características.

Assim, a educação pode assumir características “autoritárias, democráticas ou

permissivas” (Pereira, 2002, p.12). As práticas que os pais utilizam com os filhos podem ter

consequências a nível da relação consigo e com os outros.

Os pais cujo estilo de educação assenta numa prática mais autoritária tendem a ter padrões

mais inflexíveis e desencorajam a expressão de discordância por parte dos filhos. Os pais que

adoptam um estilo mais permissivo dão aos filhos pouca orientação. Contudo esta orientação

também pode ser inconstante, embora carinhosos exigem pouco dos filhos. Os pais que têm

um estilo mais democrático tendem a estabelecer limites para os filhos e à medida que as

crianças crescem, tentam utilizar a razão e explicar as coisas que vão acontecendo.

Estabelecem ainda objectivos claros e encorajam a independência das crianças. (Baumrind,

1971, citado por Feldman, 2001).

Ainda segundo a autora anteriormente citada, estes estilos de educação têm impacto em

termos de desenvolvimento social para a criança. Assim os filhos de pais autoritários são

normalmente pouco sociáveis, pouco amigáveis e relativamente retraídos. Os filhos de pais

permissivos tendem a ser imaturos, apresentam humor inconstante e pouco auto-controlo. Por

último, os filhos de pais democráticos estabelecem boas relações sociais, são auto-confiantes,

independentes e colaborantes.

Damon (1988, citado por Sprinthall & Sprinthall, 1993) refere, relativamente aos estilos

adoptados pelos pais (autoritário e permissivo), que os pais autoritários não impõem limites à

criança com regularidade, de forma a orientá-la, mas impõem-nos em resposta aos seus

próprios sentimentos e disposições. Ou seja, as oportunidades de exploração são restringidas

Page 27: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

27

uma vez que as crianças têm medo das consequências. Por outro lado, os pais permissivos, ao

não imporem limites razoáveis ou ao serem impostos, protegem a criança das consequências

dos seus comportamentos inadequados.

Porot (s/d) explana que, uma protecção excessiva, destinada a evitar todas as dificuldades

durante a infância, pode ser tão prejudicial como uma ausência total de direcção.

Putallaz (1987) defende que as atitudes parentais são mecanismos importantes para a

transmissão das disposições afectivas porque induzem uma resposta que tanto pode ser

positiva, como defensiva e rejeitante, e que mais tarde, se generalizará à interacção com os

pares.

Dishion (1990, citado por Cole & Cole, 2004) refere que os meninos expostos a

experiências familiares mais coercivas em casa eram aqueles com maior probabilidade de

serem rejeitados pelos colegas de escola.

As interacções familiares criam oportunidades para a aprendizagem de competências

sociais e comportamentos que são mais tarde reproduzidos na interacção com os pares

(Almeida, 2000).

Existem alguns autores que para além das práticas parentais, fazem também ligação entre

o facto de se ser vítima ou agressor com a qualidade das interacções familiares, isto é, o papel

da qualidade da vinculação entre a mãe e a criança e as consequências na sua competência

social. “Os estudos de Harlow sugeriam importantes ligações entre o comportamento social

(nomeadamente, da agressão e inibição) com os pares e a qualidade do vínculo com a figura

materna” (Almeida, 2000, p.153).

Nas brincadeiras que estabelecem com os filhos, tanto os pais como as mães usam

estratégias diferentes, isto é, as mães passam mais tempo a conversar com os seus filhos,

enquanto que os pais usam mais a brincadeira física, especialmente com os meninos (Kail,

2004).

Os teóricos da vinculação são unânimes em considerar que os primeiros afectos

partilhados equipam a criança com um reportório de comportamentos e crenças, os quais

detêm um papel precursor na constituição dos sistemas cognitivos, motivacionais e

emocionais. Este reportório comportamental é “activado” nos primeiros contactos sociais ou

em situações novas que constituem algum desafio para a criança (Almeida, 2000).

Page 28: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

28

Os estudos recentes referem que as características da qualidade da vinculação entre mãe e

a criança se fazem sentir nas interacções das crianças com os pares (Montagner, 1993).

O padrão comportamental agressivo do adolescente parece associado a uma relação

materna pouco carinhosa, caracterizada pelo afecto negativo e pela hostilidade evidenciada

pela mãe nos primeiros anos de vida. Alternativamente, o comportamento inibido parece

associado à super-protecção materna, sendo esta proximidade explicada em função da

vulnerabilidade e sensibilidade da criança observada pela mãe (Almeida, 2000).

Deste modo, os modelos formados inicialmente podem generalizar-se para outras pessoas

e para outras relações: as crianças que se vêem como dignas de amor vão esperar interacções

positivas com os outros, enquanto as que se vêem como rejeitadas abordarão provavelmente

qualquer nova relação com expectativas negativas (Schaffer, 2004).

Em suma, paralelamente à qualidade da vinculação, as práticas parentais educativas e o

ambiente familiar estão associados ao desenvolvimento da competência social da criança

(Almeida, 2000).

b) Relacionamento entre os irmãos

Os irmãos desempenham um papel muito importante, na medida em que funcionam como

um local protegido para a criança aprender a relacionar-se com os outros e a resolver os

conflitos emergentes. “As relações entre irmãos são um laboratório para se aprender a

resolver conflitos” (Papalia, Olds & Feldman, 2001, p. 482).

“A qualidade do relacionamento das crianças mais novas com os seus irmãos e irmãs é

frequentemente transportada para as relações com outras crianças” (Abramovitch et al, 1986

citado por Papalia, Olds & Feldman, 2001, p.385). A forma que a criança encontrar para

resolver esses problemas emergentes, vai ser a mesma que vai reproduzir num outro contexto.

Se com os irmãos tiver um relacionamento mais difícil, o mesmo vai ser vivido junto de

outras crianças. Pelo contrário, se for uma criança mais fácil de lidar, o seu relacionamento

será também mais amistoso.

Assim, as interacções entre irmãos parecem constituir fontes de experiência indispensáveis

para a compreensão das necessidades dos outros, da tomada de papel afectivo e para a

compreensão das regras sociais (Almeida, 2000).

Page 29: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

29

Quando os filhos têm zangas entre si, os pais devem intervir, uma vez que resolvem a

discussão entre as crianças, mas também porque mostram que há formas mais adequadas de

negociar. Mais tarde, as crianças muitas das vezes tentam implementar essas técnicas em vez

de discutir com os irmãos ou com os colegas (Kail, 2004).

Num estudo realizado por Vandell & Mueller (1980) em que observaram várias crianças,

concluíram que as “crianças com irmãos mais velhos interagiam e mostravam-se mais

sensíveis na interacção com os pares” (Almeida, 2000, p.19).

1.3.2. O grupo de pares

Os estudos sugerem uma multiplicidade de formas através das quais se podem manifestar

a influência das relações pais-filhos na relação com os pares. De modo geral, é tacitamente

aceite que a qualidade das relações familiares é um factor determinante das diferenças

observadas no comportamento social da criança (Almeida, 2000).

À medida que as crianças crescem formam uma rede cada vez mais diversificada de

relações interpessoais. Destas, os laços formados com pessoas da mesma idade desempenham

um papel muito significativo na vida das crianças (Schaffer, 2004).

Uma das funções mais importantes do grupo de pares é ser uma fonte de informação sobre

o mundo externo à família. O grupo de pares proporciona aos adolescentes um “espelho” dos

seus comportamentos (Santrock, 2004). Ou seja, é com o grupo de iguais que passam a maior

parte do tempo e consolidam muitas das aprendizagens efectuadas no contexto familiar.

No grupo de pares, as crianças aprendem a formular e defender as suas opiniões, a ter em

conta a perspectiva dos outros, a negociar soluções para os problemas e a desenvolver

comportamentos que sejam aceitáveis pelos demais (Santrock, 2004). As relações entre pares

podem ter uma influência digna de atenção em formas de conduta e pensamento (Schaffer,

2004).

As crianças começam desde muito cedo a viver em sociedade e como tal a estabelecer

relações com os outros. “As relações entre pares caracterizam-se como relações horizontais ou

simétricas, nas quais se enfatizam as dimensões da igualdade, reciprocidade e informalidade”

(Hartup, 1991, 1992, citado por Almeida, 2000). A este conceito podemos, ainda acrescentar

que, estas relações se caracterizam, pelo facto de serem relações entre iguais, onde são

Page 30: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

30

aprendidas competências, tais como, cooperação e competição (Hartup, 1989, citado por

Schaffer, 2004).

As experiências da criança com os seus pares têm implicações no seu auto-conceito e,

portanto, nas características de personalidade que ela desenvolve (Schaffer, 2004).

A posição que a criança ocupa no grupo é um indicador do seu ajustamento social

(Almeida, 2000). É o estatuto que a criança ocupa no seio do grupo que poderá mostrar que

tipo de interacção existe entre ela e os restantes membros do grupo.

Alguns autores utilizam várias técnicas para avaliar o estatuto social da criança dentro do

grupo, de entre as quais, as técnicas sociométrias surgem como as mais usadas. Existem

vários tipos de estatutos sociométricos atribuídos às crianças, tais como, popular, rejeitada,

negligenciada, controversa e mediana (Schaffer, 2004). Vamos apenas deter-nos nos três

primeiros, dado que são os que têm maior interesse.

As crianças populares são descritas como, colaborantes, gostando de ajudar, amigas dos

seus colegas, obedientes às regras, em particular às regras estabelecidas nas interacções entre

pares (Almeida, 2000). As crianças rejeitadas não são amadas porque frequentemente são

turbulentas e agressivas e nas aproximações aos outros encontram, por isso, resistência

(Schaffer, 2004). Geralmente estas reagem de forma conflituosa e têm maior dificuldade em

controlar os afectos, desistem e cessam a interacção no jogo mais rapidamente (Almeida,

2000).

As crianças negligenciadas tendem a ser socialmente inadaptadas, sendo tímidas e não

assertivas, brincam normalmente sozinhas e na orla de grandes grupos (Schaffer, 2004).

Desta forma, Bee (1996) refere que o ingrediente crucial, todavia, não é a aparência da

criança, mas sim a forma como ela se comporta. Ou seja, mais do que parecer, o julgamento

que os outros fazem da criança, baseia-se nas atitudes que esta tem para com os outros.

As crianças populares comportam-se de maneira positiva, apoiada, não punitiva e não

agressiva em relação a quase todas as outras crianças. Elas explicam as coisas e levam em

consideração os desejos dos companheiros (Bee, 1996).

As crianças negligenciadas não se associam ao comportamento desviante, mas sim a

níveis inferiores de envolvimento social activo e tal acontece com mais frequência nos grupos

Page 31: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

31

de crianças mais familiares, do que, em grupos de crianças previamente desconhecidas

(Almeida, 2000).

As crianças rejeitadas envolvem-se mais em simulações agressivas, indicando que são

provavelmente estas crianças que têm um comportamento de provocação e/ou que mais vezes

reagem à provocação dos outros, uma vez que estas brincadeiras são frequentemente mal

interpretadas e origem de conflitos (Almeida, 2000). Acrescenta ainda que há um risco de

estas crianças começarem por juntar-se a outras, igualmente rejeitadas, com poucas

competências sociais e condutas anti-sociais.

Assim, a qualidade das relações entre pares não só reflecte o ajustamento social actual,

como pode ser considerada como um indicador das crianças em risco de poderem vir a ter

dificuldades de ajustamento na adolescência e na idade adulta (Almeida, 2000).

Em suma, as teorias expostas inicialmente são importantes não só, para a compreensão da

agressividade, mas podem funcionar como a base para uma melhor compreensão da

problemática em estudo.

De todas as teorias expressas, as que abrangem mais aspectos sociais e interaccionais são

as que fazem mais sentido no estudo desta problemática. Contudo as outras não são

descuradas, uma vez que podem mostrar outras pistas de investigação.

Aliado a este facto não devemos esquecer outras influências, nomeadamente a família, que

sofreu grande evolução em termos de características e de conceito. Esta evolução apresenta

aspectos positivos, mas também há que ter em conta que, por vezes, a qualidade das

interacções produzidas pode ser afectada e traduzida na relação com os outros.

Por fim falamos também do grupo de pares, uma vez que a sua influência é marcante. Este

sistema é ainda mais importante, na medida que as competências sociais, muitas vezes são

aqui desenvolvidas e podem reproduzir-se noutros contextos. Além disto, o estatuto da

criança dentro do grupo pode ser um indicador da sua relação com os outros, bem como, pode

estar associado à problemática que descrevemos no capítulo seguinte.

Page 32: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

32

CAPÍTULO II – BULLYING Quanto maior for o nosso nível de conhecimento,

mais eficazes seremos no mundo material.

Lama & Cutler (2001)

Bullying é um conceito que na língua portuguesa ainda não apresenta uma tradução

consensual e como tal continua a usar-se o termo em inglês. Alguns autores tentam aproxima-

lo do termo vitimação, contudo sem consenso. Ao longo deste trabalho optamos por usar a

terminologia em inglês, uma vez que abarca várias características. Sobre o facto de não haver

tradução consensual, dedicamos alguns parágrafos no início desta abordagem.

O bullying desperta cada vez mais a atenção dos principais intervenientes na escola –

professores, pais, técnicos sociais, auxiliares de educação. A fim de entendermos as suas

principais características começamos com uma breve definição do conceito. A par desta

definição surge, naturalmente a necessidade de caracterizar as vítimas e os agressores, tanto a

nível físico, como psicológico.

Como a maior parte das situações que envolvem reacções emocionais fortes, esta também

apresenta consequências, que podem ser mais visíveis e imediatas ou mais a longo prazo. É

importante termos a noção das consequências para ser mais fácil traçar linhas de intervenção

adequadas a cada caso – vítimas e agressores.

Além desta caracterização damos destaque também à escola, uma vez que é neste espaço

que ocorrem estas situações de agressão e vitimação. Reportamo-nos aos locais na escola em

que é mais frequente ocorrer este tipo de agressões e falamos um pouco sobre a indisciplina,

dado que muitas vezes é confundida com o bullying.

2.1. Bullying

2.1.1. Definição

Na literatura científica internacional, este fenómeno é geralmente identificado por

bullying. Contudo, na Noruega, Dinamarca, assim como na Suécia e na Finlândia, o termo

bullying ou bully/victim foi identificado inicialmente como mobbing. Na Itália foi utilizado o

termo prepotência e em Espanha intimidación, maltrato e violencia (Pereira, 2002).

Page 33: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

33

Na língua portuguesa o fenómeno ainda não tem uma tradução consensual (continuando a

usar-se o termo anglo-saxónico), uma vez que seria necessário um significado que abarcasse,

por um lado, os atributos de personalidade dos sujeitos que são associados aos incidentes

agressivos e por outro, as características que os comportamentos desses mesmos sujeitos

assumem (Pereira, 2002).

Um exemplo desta dificuldade é referido por Sebastião, Alves & Campos (2003) em que

nos diz o seguinte “em Portugal, a tradução para o conceito de bullying proposta por Almeida,

aproxima-se das expressões “abusar de colegas”, “vitimizar”, “intimidar” e “violência na

escola”. Na comunicação que apresentou no colóquio da AFIRSE, Marchand procurou

analisar e discutir o conceito de bullying, entendendo-o como coação. Pereira, Neto e outros,

no mesmo encontro, apresentaram o conceito de bullying como agressão sistemática e

intencional entre pares” (p. 45).

A dificuldade notada na tradução abrangente do conceito pode dever-se aos seguintes

aspectos, “Os diversos autores, de modo a investigar este problema [bullying] têm

operacionalizado este conceito nem sempre do mesmo modo. Isto é, em relação aos

comportamentos abrangidos, uns só se referem à violência física e outros referem-se à física,

verbal e à psicológica.” (Carvalhosa, Lima & Matos, 2001, p.524).

Contudo de forma a entender o significado subjacente ao conceito de bullying passamos a

referir algumas das definições existentes na literatura.

Para Pereira (2002), bullying designa-se pela intencionalidade de magoar alguém, que é

vítima e alvo do acto agressivo, enquanto os agressores manifestam tendência a desencadear,

iniciar, agravar e a perpetuar situações em que as vítimas estão numa posição indefesa.

Craig & Harel (2002) designam bullying como involves negative physical or verbal action

that has hostile intent, causes distress to the victims, is repeated over time and involves a

power differential between bullies and their victims (p. 133). Esta definição comporta em si

alguns dos conceitos a serem explorados – repetição da acção agressiva, a diferença de poder

que existe na relação de ambos e a acção directa ou indirecta do comportamento agressivo.

Segundo Olweus (1993), bullying define-se como sendo, de uma maneira geral, relativo a

um aluno que é vitimizado (ou bullied) quando ele ou ela está exposto(a) repetidamente a

acções negativas por parte de um ou mais outros alunos. Relativamente a acções negativas, o

Page 34: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

34

autor remete para o facto de alguém intencionalmente infligir ou tentar infligir dano ou

incomodar o outro.

Ramirez (2001) designa bullying como uma forma de conduta agressiva, intencional e

prejudicial, cujos protagonistas são jovens. São episódios que têm uma duração de semanas,

meses ou mesmo anos.

Carvalhosa, Lima & Matos (2001) referem-se ao bullying como um comportamento que

tem como objectivo provocar mal-estar e ganhar controlo sobre outra pessoa; que não ocorre

ocasionalmente ou isoladamente, mas que passa a ser crónico e regular e no qual os

agressores vêem as vítimas como alvos fáceis.

2.2. Vítimas e agressores

O fenómeno do bullying não é algo que ocorra por si só, isto é, são necessários pelo menos

dois intervenientes – vítima e agressor. Ao longo da definição de bullying já falamos um

pouco destes dois “intervenientes”.

Costa & Vale (1998) referem que os rapazes envolvem-se com mais frequência em

condutas violentas do que as raparigas, isto porque existem expectativas sociais de

comportamento mais agressivo relativamente aos rapazes do que às raparigas.

Os rapazes estão mais expostos ao fenómeno do bullying do que as raparigas (Olweus,

1993). Refere ainda que, as raparigas estão mais expostas ao bullying indirecto e os rapazes ao

bullying directo. Por bullying directo entende-se as agressões físicas, que incluem bater,

empurrar. O bullying indirecto refere-se às ofensas de carácter verbal, como, insultar, lançar

boatos e que levam a um isolamento social.

Smith, Talamelli, Cowie, Naylor & Chauhan (2004) referem-se ao bullying como tendo

manifestações físicas, verbais ou psicológicas (levantar rumores, exclusão social). E ainda,

que os rapazes, com mais frequência, utilizam a violência física e as raparigas usam mais a

forma psicológica de violência.

Page 35: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

35

2.2.1. Caracterização das vítimas

Olweus (1993) refere-se às vítimas como sendo mais ansiosas e inseguras que os outros

alunos em geral, reagindo mais facilmente com choro. Dividiu-as, ainda, em vítimas passivas

ou submissas e vítimas provocadoras. As primeiras caracterizam-se como inseguras, ansiosas

e com uma visão negativa acerca de si. As segundas caracterizam-se por uma mescla de

padrões de reacção ansiosos e agressivos, apresentando problemas de concentração, elevada

irritação e alguns comportamentos “hiperactivos”. O autor propõe uma “grelha” onde refere

as características típicas relativas a este grupo (Anexo - A).

Craig & Harel (2002) referem-se às vítimas como tendo menos poder que o agressor, que

pode ser maior, mais forte ou mais velho.

Stephenson & Smith (1989, citado por Pereira, 2002) verificaram, nos seus trabalhos, que

as vítimas são na sua maioria rapazes, são ansiosos, apresentam falta de auto-confiança e são

menos populares que os agressores.

Ramirez (2001) caracteriza as vítimas como tendo idade mais baixa do que os agressores,

na sua maioria são rapazes e apresentam algum handicap (motivo pelo qual muitas vezes são

gozadas). O autor refere ainda algumas características a nível de personalidade e clima sócio-

familiar. Assim, em termos de personalidade refere que apresentam pouca assertividade, são

tímidos e têm elevada ansiedade. A sua auto-estima é frágil e são vistos como pouco sinceros,

isto é, tendem a considerar-se melhores do que na realidade o são. No que diz respeito, ao

clima sócio-familiar apresentam relações em que se sentem sobre-protegidos e com pouca

independência a nível familiar.

Hodges & Perry (1999, citado por Santrock, 2004) caracterizam as vítimas como sendo, os

alunos que interiorizam mais os problemas, são mais retraídos ou ansiosos, fisicamente mais

fracos e ainda rejeitados pelos companheiros.

Carvalhosa, Lima & Matos (2001) com base na revisão da literatura definem a vítima

como, alguém com quem [os agressores] frequentemente implicam, batem ou arreliam ou

ainda que fazem outras coisas desagradáveis sem uma boa razão. Acrescentam ainda que são

mais deprimidos que os outros alunos, têm menos amigos, bem como dificuldades em fazê-

los.

A par destas caracterizações existem estudos que relacionam as características supra

citadas, com algumas características familiares. Assim, as vítimas tendem a ter pais que se

Page 36: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

36

intrometem demasiado nas suas vidas, sendo igualmente exigentes e insensíveis com os filhos

(Ladd & Kochenderfer, s/d, citado por Santrock, 2004).

2.2.2. Caracterização dos agressores

Relativamente aos agressores estes foram caracterizados por Olweus (1993) como fortes e

que precisam de dominar os outros. Apresentam pouca empatia pelas vítimas e têm uma visão

positiva acerca deles próprios. Relativamente aos agressores, o autor também apresenta uma

caracterização típica. (Anexo -B).

Ramirez (2001) caracteriza-os como tendo idade superior ao grupo das vítimas,

frequentemente repetem o ano lectivo, apresentam um rendimento escolar baixo e têm

dificuldades em seguir o ritmo de aprendizagem. Os agressores são geralmente rapazes, dado

que têm tendência a usar mais a agressividade. Costumam ser ainda os mais fortes da turma,

sendo-lhes atribuída mesmo superioridade dentro do grupo. A nível de personalidade

destacam-se por um elevado nível de agressividade e de ansiedade, acatando mal as normas,

manifestando alta assertividade que, por vezes, é traduzida em atitudes de desafio.

Exteriorizam uma auto-estima ligeiramente alta, revelam um auto-controlo escasso nas

relações sociais podendo dar lugar a manifestações de conduta agressiva, teimosia e

indisciplina.

Carvalhosa, Lima & Matos (2001) apresentam também, através da revisão da literatura, as

características dos agressores. Assim, os agressores sentem-se infelizes na escola, têm atitudes

positivas para com a violência, ou seja, é através dela que conseguem a atenção dos outros.

Têm ainda poucos amigos e alguma dificuldade em fazer amizades. As autoras referem ainda

que estes alunos pertencem a famílias que são caracterizadas como tendo pouco calor/carinho

ou afecto e onde existe uma maior distância emocional entre os membros da família.

Concomitantemente, os agressores apresentam tendências agressivas devido à vida

familiar, isto é, os pais fomentam mais a hostilidade do que o afecto, levando a um padrão

familiar de permissividade. Geralmente, os rapazes muito agressivos têm mães

frequentemente hostis e sem controlo sobre os filhos, o que leva a uma inadequada supervisão

por parte dos pais (Olweus, 1978, 1987; Junger, 1990, citado por Pereira, 2002).

Page 37: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

37

2.3. Efeitos do bullying para as vítimas

Ao falar dos efeitos, deveremos ter presente, que estes podem ter duas traduções. Por um

lado, temos os efeitos imediatos e por outro, os efeitos a longo prazo. Ambos deixam marcas

na vítima.

Limber (1997, citado por Santrock, 2004) refere que a curto prazo as vítimas apresentam-

se deprimidas, perdem mesmo o interesse pelos estudos e muitas vezes começam a faltar à

escola. Boulton & Smith (1994, citado por Pereira, 2002) referem que as vítimas tendem a ter

uma fraca auto-estima.

Pereira (2002) refere que as vítimas experienciam com mais frequência pouca aceitação,

rejeição activa e são menos escolhidas como melhores amigos, apresentam fracas

competências sociais tais como cooperação, partilha e a capacidade de ajudar os outros.

A longo prazo, Craig & Harel (2002) chamam a atenção para o facto de estas crianças na

idade adulta ao terem filhos, estes serão igualmente vítimas.

Num estudo efectuado por Olweus (1993, citado por Pereira, 2002), o autor sintetiza as

principais características das vítimas. Assim, existe uma falta de continuidade no estatuto da

vítima, isto é, se for incluída noutra escola ou noutro grupo pode não ser necessariamente

vítima novamente; existe uma relação entre as tendências depressivas na idade adulta e o

facto de se ter sido vítima na infância; apresentam uma auto-estima que pode ser caracterizada

como fraca ou baixa e à medida que crescem, a probabilidade de serem vítimas decresce.

Smith & Madsen (1996, citado por Pereira, 2002) referem como consequência mais severa

do bullying o suicídio, podendo este ser o resultado directo ou indirecto da vitimação a que a

criança é sujeita.

“As vítimas, muitas vezes, têm menos oportunidades do que as outras crianças de

aprenderem competências sociais, o que se vai reflectir na vida adulta, nomeadamente através

da insegurança que revelam nas relações com os outros” (Pereira, 2001, p.21). Ou seja, estas

crianças aquando da sua vida adulta apresentam mais dificuldades de estabelecer relações

com os outros indivíduos, seja a nível pessoal, como profissional e até mesmo social.

Estas situações [bullying] estão associadas a uma série de comportamentos ou atitudes que

se vão agravando e mantendo por toda a vida e que arrastam consigo consequências negativas,

na maior parte dos casos de alguma gravidade, que estarão sempre presentes, influenciando

Page 38: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

38

todas as decisões, imagens, atitudes, comportamentos que a pessoa constrói em relação a si,

aos outros, ao mundo e até à própria vida (Pereira, 2002).

2.4. Efeitos do bullying para os agressores

Relativamente aos agressores a literatura aponta para as consequências a longo prazo.

Contudo, no imediato estas crianças “encontram-se em geral aterrorizadas e vulneráveis,

atoladas num destrutivo ciclo de abuso, pelo que (…) a criança deve ser ajudada a descobrir

outras maneiras de enfrentar as suas dificuldades” (Mallon, 2001, p.178). Ou seja, a

dificuldade que apresenta em relacionar-se com os pares, de uma outra forma que não seja

através do exercício de violência para com eles.

Pereira (2002) sintetiza as principais consequências para os agressores e que são, crença

na força como forma de resolução de problemas; dificuldade em respeitar a lei e os problemas

que daí advém; dificuldades na inserção social; problema de relacionamento afectivo e social;

incapacidade ou dificuldade de auto-controlo e comportamentos anti-sociais.

Graig & Harel (2002) referem que os agressores podem apresentar comportamentos anti-

sociais na idade adulta, bem como estarem envolvidos em actos de criminalidade. Podem,

ainda, apresentar dificuldades em ter um emprego estável e em manter as relações afectivas

duradouras.

Olweus (1993) refere que os agressores aprendem a recorrer à violência para atingir os

seus fins. Verifica-se que se trata de uma aprendizagem perigosa, uma vez que, uma grande

percentagem de adultos julgados e sujeitos a penas, reportam a crianças agressoras durante o

seu percurso escolar.

Carvalhosa, Lima & Matos (2001) referem-se ao facto dos agressores se envolverem em

mais comportamentos de risco para a saúde, como beber, fumar ou uso de drogas e

apresentam maior risco de se envolverem, mais tarde, em comportamentos violentos ou

delinquentes.

2.5. Bullying na escola

Os alunos passam a maior parte do tempo na escola. “A escola é a instituição mais

marcante da vida da maioria das crianças e jovens” (Ribeiro dos Santos, 2004, p. 166).

Page 39: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

39

A escola pode ser definida como uma instituição social, uma unidade funcional vivencial,

uma estrutura, uma organização, um sistema complexo de comportamentos relacionais. Um

sistema de normas e obrigações, de circuitos de circulação de informação, hierarquias e

relações de força, com um tempo, um território, uma história (Ribeiro dos Santos, 2004).

A escola tem assim um papel de normalização dos comportamentos dos alunos mas

também deve dar oportunidade a cada um de crescer de forma individualizada (Pereira, 2001).

Ou seja, apesar de ter de ensinar os alunos cumprindo os programas propostos, deve também

possuir um espaço onde esses mesmos alunos possam expressar livremente o seu “eu”.

Muitas vezes as crianças têm um espaço [o recreio] onde podem, nos intervalos, expandir

a sua liberdade. Contudo, neste local “a supervisão é inexistente ou reduzida e também porque

são espaços vazios que oferecem poucas oportunidades de jogo espontâneo ou jogo mais

organizado” (Pereira, 2001, p. 29).

2.5.1. Bullying e o recreio

A escola é um lugar no qual o jovem passa a maior parte do seu tempo. Como tal, muitas

das actividades que desenvolve e das interacções são apreendidas aí. Pellegrini & Smith

(1993) referem que os recreios são alvo de atenção por parte dos investigadores, na medida

em que, o comportamento da criança no recreio é geralmente um predictor positivo do

desenvolvimento social e cognitivo nas crianças e em particular dos rapazes.

O recreio assume-se, pois, como um dos focos principais de interacção da criança com os

seus pares. Para uma grande parte das crianças é no recreio que passam os melhores

momentos do dia (Pereira, 2002). A partir da leitura dos estudos de vários autores, a autora

anteriormente citada, refere que é, contudo, nos recreios que ocorrem mais práticas de

agressão e vitimação.

No recreio assiste-se a uma pequena micro-sociedade, em que os melhores aspectos e os

piores do comportamento humano são encontrados. A partir do estudo de diagnóstico

efectuado por Pereira (2002) é atribuído ao recreio um valor elevado em termos de local

“preferido” para perpetrar a agressão. A seguir a este encontra-se a sala de aula, dado que

torna-se “fácil” arreliar os colegas enquanto o professor está a escrever no quadro ou a dar

atenção a um aluno; o corredor, dado que é fácil, no meio da confusão da saída ou entrada

para a sala de aula, o agressor poder magoar a sua vítima; a cantina e ainda outros locais.

Page 40: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

40

Estes locais podem ser os espaços na escola que não são tão vigiados e em que é mais fácil

levar a cabo uma acção negativa.

2.5.2. Bullying e a indisciplina

Ao ser referida a palavra bullying, muitas vezes associamos ao conceito de indisciplina.

De forma a poder clarificar este ponto, desenvolvemos algumas definições acerca da

indisciplina e da sua tradução a nível escolar.

O conceito de indisciplina está implicitamente ligado com o conceito de disciplina e que

tem a sua origem na relação pedagógica (Silva, Nossa & Silvério, 2000).

A indisciplina aparece como um conceito de grande amplitude, integrando “todos os

comportamentos e atitudes que os alunos apresentam como perturbadoras e inviabilizadoras

do trabalho que o professor pretende realizar” (Jesus, 2001, citado por Ferreira, 2002, p.103).

Ou seja, os comportamentos que são levados a cabo pelos alunos e que impedem ou

dificultam a aprendizagem.

A indisciplina escolar não pode ser vista como existindo em si mesma, como uma

qualidade inerente ao próprio comportamento, mas tem antes que ser analisada e

compreendida no contexto da relação pedagógica em que a situação emerge (Carita &

Fernandes, 1997).

O professor passa então a desempenhar um papel muito importante. A função do professor

é simultaneamente técnica e relacional: deve conceber as situações de aprendizagem, observar

os comportamentos de cada aluno perante uma determinada tarefa e ajustar-se às necessidades

de cada um. Só um compromisso simultâneo do professor e do aluno permite o êxito (Postic,

1991, citado por Ferreira, 2002).

Um outro aspecto importante e que deve ser tido em conta é o de que o aumento da

indisciplina não é alheio ao facto de ter havido um prolongamento da escolaridade

obrigatória. Este prolongamento leva à presença conjunta de jovens com expectativas,

interesses, saberes e culturas diferentes, partilhando um espaço comum que dá o mesmo a

todos, da mesma forma, impondo aos alunos a necessidade de pensarem na escola durante

anos, independentemente do significado que esta tem para eles (Bertão, 2004).

Page 41: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

41

Como síntese, apresentamos uma reflexão de Amado (2001) em que nos fala sobre três

níveis de indisciplina e que vai de encontro com o título deste ponto do presente trabalho.

Assim, designa o 1º nível como sendo “desvio às regras da produção”, ou seja, abarca aqueles

incidentes a que é imputado o carácter “disruptivo”, em virtude da perturbação que causam ao

“bom funcionamento” da aula. No 2º nível coloca a tónica nos “conflitos inter-pares”, ou seja,

abrange os incidentes que traduzem, essencialmente, as dificuldades de relacionamento entre

os alunos da turma e não só, podendo traduzir-se, também em fenómeno de violência e

bullying. Por último, no 3º nível encontramos os “conflitos da relação professor – aluno”, isto

é, são compostos por comportamentos que, de algum modo, põem em causa a autoridade e o

estatuto do professor, abrangendo também a violência e o vandalismo contra a propriedade da

escola.

Tendo presente os aspectos referidos anteriormente – o contexto onde emerge, os

intervenientes, os efeitos – e a definição de bullying – intervenientes e intencionalidade da

acção, podemos constatar que, a indisciplina tem que ver com a relação professor / aluno e

geralmente manifesta-se no contexto de sala de aula, enquanto que o bullying implica uma

relação, entre alunos de idades próximas, e que têm atitudes agressivas (directas ou indirectas)

de forma, geralmente, unilateral.

Em conclusão, ao longo deste capítulo tentamos dar uma visão acerca da problemática em

questão, abarcando desde a sua definição até aos intervenientes e as consequências das acções

sofridas e perpetradas.

Ao falarmos dos intervenientes, a literatura refere-se mais às consequências ligadas à

vítima. Contudo não devemos descurar que qualquer um dos intervenientes necessita de

atenção e orientação, dado que apresentam sérias dificuldades em relacionar-se com os outros

de uma forma saudável.

Dado que estes comportamentos têm a sua maior tradução na escola, não pudemos deixar

de falar deste espaço e da forma como por vezes o aluno é tido como mais um, sendo

esquecida a sua individualidade.

No final deste capítulo fazemos referência ao facto de, por vezes, haver uma confusão

entre indisciplina e bullying. Tentamos dar uma definição da primeira e mostrar de que forma

se diferenciam, tendo em conta as diferentes relações existentes.

Page 42: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

42

CAPÍTULO III – BULLYING – UMA VISÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

O conhecimento que conduz à resolução de um problema

tem de compreender que existem muitos níveis diferentes.

Lama & Cutler (2001)

Ao introduzir este ponto foi nosso objectivo dar a conhecer um pouco dos estudos que têm

sido desenvolvidos, tanto a nível nacional como a nível internacional. Dos estudos que

referimos a nível nacional, tentamos fazer quase que o percurso inicial de pesquisa acerca do

tema, ou seja, os primeiros efectuados, ainda sem a designação bullying e prolongamos, este

ponto, com outros estudos realizados mais recentemente, de forma, já direccionada para esta

problemática.

A nível internacional, aproveitamos a extensa revisão bibliográfica efectuada por Pereira

(2002), para compreender um pouco o que foi feito nos outros países. Apresentamos ainda um

estudo levado a cabo a nível europeu, recentemente.

Convém salientar que todos os estudos referidos anteriormente foram realizados com

questionários ou de self-report ou com o questionário (original e/ou adaptado) de Olweus

(1989). Dado que este último é o mais utilizado quando se investiga esta problemática em

contexto escolar.

3.1. Estudos efectuados no contexto português

Um dos primeiros estudos em contexto Português que faz referência a comportamentos

anti-sociais é o de Fonseca (1992). Com uma amostra de 911 alunos, os quais estavam

divididos em 892 crianças “normais” e em 19 crianças delinquentes, tentou verificar a

incidência dos comportamentos anti-sociais no ensino básico e secundário, em Coimbra.

Convém salientar que, o primeiro grupo de crianças era do ensino normal e o segundo grupo

dum centro de observação anexo ao Tribunal de Menores. Este estudo foi realizado com um

questionário de self-report adaptado de Loeber et al (1989). O autor verificou que, o grupo de

delinquentes apresenta um índice mais elevado de comportamentos anti-sociais do que o

grupo de crianças não delinquentes. Estes comportamentos eram mais frequentes nos rapazes

do que nas raparigas. Os comportamentos anti-sociais mais comuns eram: bater nos colegas

Page 43: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

43

ou irmãos, copiar nos testes, efectuar diversos roubos em casa, entrar em zonas proibidas,

faltar à escola, beber álcool, tratar mal outras pessoas e causar danos materiais na escola.

Em 1994, Pereira, Almeida & Valente (citado por Pereira, 2002) efectuaram um estudo

piloto com cerca de 160 crianças, verificando-se que o bullying em Portugal era um problema

sério e que se justificava um estudo mais alargado.

Fonseca, Simões, Rebelo, Ferreira & Cardoso (1995) levaram a cabo uma investigação

para analisar a prevalência e as características do comportamento anti-social no ensino básico

(escolas públicas), na zona de Coimbra. A amostra era constituída por 1586 alunos, dos 2º, 4º

e 6º anos de escolaridade. O instrumento utilizado foi o questionário de self-report de Loeber

et al (1989). Os resultados deste estudo apontaram para o facto dos rapazes terem resultados

significativamente mais elevados do que as raparigas em 23 dos 41 itens de comportamento

anti-social. Apontam, ainda para, o facto de, os rapazes apresentarem mais comportamentos

anti-sociais do que as raparigas; os alunos mais velhos revelarem mais comportamentos anti-

sociais que os mais novos e o mesmo acontecendo com os alunos de níveis escolares mais

avançados em relação aos dos primeiros anos.

Pereira, Almeida, Valente & Mendonça (1996) realizaram um estudo com 6200 alunos, de

18 escolas públicas do 1º e 2º ciclos do ensino básico, onde tentaram entender melhor este

fenómeno. Estas escolas pertenciam aos concelhos de Braga e Guimarães. Para esta recolha

de dados foi utilizado um questionário adaptado de Olweus, que englobava 32 questões

distribuídas por vários blocos, por exemplo, dados pessoais e sociais; aceitação social versus

isolamento; relativo à vitimação; outro relativo à agressão; e ainda sobre os recreios. Os

resultados obtidos neste estudo traduzem-se da seguinte forma: 22% é o número de vítimas

para cada um dos ciclos estudados. A percentagem de agressores foi de 20% para o 1º ciclo e

15% para o 2º ciclo. O local onde se observou maior frequência de agressões foi no recreio

referido por 78% dos alunos inquiridos.

Pereira, Mendonça, Neto, Almeida, Valente & Smith (1996, citado por Pereira, 2002)

promoveram uma investigação, onde tentaram perceber se o bullying é mais frequente e

assume características próprias em dois pontos diferentes do país – Lisboa e o Norte (Braga e

Guimarães). Esta necessidade surge na medida em que como são cidades com traços distintos

e com influências populacionais diferentes, poderia de alguma forma ter traduções diferentes.

Os resultados deste estudo referem que a percentagem de vítimas no norte e sul, não obtêm

Page 44: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

44

diferenças significativas. O mesmo acontece com os resultados respeitantes aos agressores.

Assim, segundo os autores, a crença de que o bullying é um problema mais grave em Lisboa

do que no Norte, não apresenta qualquer fundamento científico.

Carvalhosa, Lima & Matos (2001) expõe as linhas de uma investigação onde pretendem

caracterizar e diferenciar os jovens com diferentes tipos de envolvimento no bullying.

Participaram 6903 alunos de 191 escolas nacionais, sorteadas a partir de uma lista nacional. A

média de idades variava entre 11, 13 e 16 anos, para anos de escolaridade de 6º, 8º e 10º,

respectivamente. Para levarem a cabo a recolha de informação utilizaram um questionário

“Comportamento e Saúde em jovens em idade escolar” adaptado do estudo europeu de 1998,

Health Behaviour of School-aged Children. Os resultados deste estudo indicaram que 21%

dos jovens foram vitimados “alguma vez ou mais” e 10% provocaram os colegas. Refere

ainda que os alunos mais novos são mais frequentemente vítimas do que os mais velhos.

Comprovaram ainda muitas das características associadas às vítimas e aos agressores que são

mencionadas na literatura, como por exemplo, os agressores são do grupo de alunos mais

velhos, envolvem-se mais em comportamentos desviantes ligados ao tabaco, álcool e droga e

têm uma atitude desfavorável face à escola. As vítimas, por exemplo, têm piores relações com

os pares, têm mais sintomas de depressão e são geralmente do grupo de alunos mais novos.

Pires (2001) conduziu um estudo com 440 alunos (de duas escolas públicas de Lisboa) do

2º ciclo (238 rapazes e 202 raparigas), com idades entre os 9 e os 16 anos, tendo a grande

maioria entre 10 e 12 anos. O instrumento utilizado foi o questionário de Olweus (1989,

adaptado por Pereira & Almeida, 1994). Os resultados apurados foram os seguintes, a maioria

das vítimas opta por não denunciar as agressões aos professores; os agressores são

maioritariamente do sexo masculino; os motivos para justificar as agressões são na sua

maioria “porque me irritam muito”; o turno da tarde é, para muitos alunos, o momento onde

ocorrem mais agressões e referem os pátios do recreio como o local onde acontecem a maior

parte das agressões, seguido dos corredores.

Ainda relacionado com o contexto português existem algumas investigações levadas a

cabo pelo Centro de Formação de Professores (CEFOPE) da Universidade do Minho (em

1995), em que através da utilização do questionário de Olweus (1989, adaptado por Pereira &

Almeida, em 1994), tentam verificar a frequência de bullying nas escolas da região norte.

Apenas nos vamos reportar a três desses estudo e que se referem, um a alunos do 5º e 6º ano

de escolaridade, outro a alunos do 3º ciclo e, por último, a alunos do 11º ano de escolaridade.

Page 45: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

45

Deste modo, Silva, E. (1995) no estudo efectuado com alunos do 5º e 6º ano de

escolaridade, com idades entre os 10 e os 13 anos, numa amostra total de 191 alunos,

verificou que, os rapazes agridem os outros mais frequentemente que as raparigas, as

raparigas são mais propensas a queixarem-se, tanto aos professores, como aos pais quando

são vítimas de uma agressão. Este ponto é explicado como sendo uma estratégia que utilizam

para fazer ver ao agressor que estão protegidas de qualquer tipo de agressão. Verificou ainda

que, os rapazes sofrem mais que as raparigas, de agressão física. Outro aspecto importante foi

que tantos os rapazes como as raparigas usam a agressão verbal directa (chamar nomes) com

bastante frequência. Uma última característica verificada foi que, é no recreio, onde

geralmente ocorre a maior parte das agressões.

Silva, C. (1995) numa amostra com 467 alunos, do 3º ciclo do ensino básico, tentou

verificar se havia diferenças entre alunos do meio rural e do meio urbano. Assim seleccionou

250 alunos do meio urbano e 217 alunos do meio rural. Ambos os grupos com idades entre os

12 e os 18 anos. Os resultados apurados apontam para uma percentagem de vítimas e

agressores mais elevada no meio rural do que no meio urbano, o que é explicado por uma

menor preocupação na educação familiar para a ética, a compreensão e a tolerância na

resolução de problemas. Os agressores mais frequentes são do sexo masculino quer no meio

urbano, quer no meio rural. Verificou uma certa tendência para os mais velhos agredirem os

mais novos, com especial incidência nos rapazes. Assim no meio urbano, as raparigas foram

mais insultadas, sofreram mais ameaças e provocações, contaram mais histórias insultuosas

acerca delas e foram mais marginalizadas. Os rapazes sofreram mais agressões físicas do que

as raparigas. No meio rural, as raparigas sofreram mais provocações, mais roubos, foram mais

marginalizadas e relataram ter sido mais vítimas, por outras formas de agressão, do que os

rapazes. Os rapazes, por seu turno, sofreram mais insultos, mais agressões físicas, ameaças e

contaram mais histórias insultuosas acerca deles. Conclui com o facto de o recreio ser o local

eleito para as agressões, independentemente do meio (rural ou urbano).

Soares (1995) no estudo efectuado com uma amostra de 121 alunos do 11º ano de

escolaridade, com idades compreendidas entre os 16 e os 19 anos, verificou que a vitimação e

a agressão é mais acentuada nos rapazes; as raparigas referem que são mais vitimadas pelos

rapazes; a vitimação por agressão directa é mais acentuada nos rapazes do que nas raparigas;

tanto os rapazes como as raparigas localizam, predominantemente, os agressores nas suas

Page 46: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

46

turmas e os locais da escola onde ocorrem mais situações de vitimação e agressão são os

recreios, as salas de aula e os corredores.

3.2. Estudos internacionais

Os primeiros estudos internacionais que dão destaque a este fenómeno foram conduzidos

por Olweus (1978, citado por Pereira, 2002). Este estudo insere-se numa investigação

longitudinal que compreendia uma amostra de 900 rapazes seguidos até aos 23 anos, na

Suécia. Foram usados diferentes métodos para a recolha de dados desde a avaliação de pares

(peer-rating), questionários (self-report), testes projectivos e entrevistas às famílias.

Verificou-se que os agressores mais activos eram do 6º e 9º anos de escolaridade e que se

envolveram mais do que os outros rapazes em comportamentos criminais na vida adulta.

Olweus (1989, citado por Pereira, 2002) num trabalho de avaliação quantitativa dos casos

de intimidação, em grupos escolares, na Noruega, verificou que 15% dos estudantes se tinham

envolvido em incidentes de agressão / vitimização.

Garcia & Perez (1989, citado por Pereira, 2002) num estudo efectuado em 10 escolas,

espanholas, com crianças entre os 8-12 anos referem que 17% tinham sido agredidos /

intimidadas e que perto de um quinto da população escolar se tinha envolvido em incidentes

de bullying.

O’Moore & Hillery (1989, citado por Pereira, 2002) a partir de uma amostra de crianças

dos 7 aos 13 anos (n = 800), em Dublin, refere que cerca de 10% das crianças reportou ter

sido envolvida em práticas de bullying persistente, como agressor ou vítima, uma vez por

semana ou mais frequentemente. Foram vítimas frequentemente 8% e agressores 2,5%.

Boulton & Underwood (1992, citado por Pereira, 2002) realizaram um estudo, no Reino

Unido, com alunos de 8-9 anos e 11-12 anos. Cerca de 21% das crianças referiam ter sido

vítimas e 17% terem agredido os colegas, algumas vezes ou frequentemente. O bullying foi

mais prevalente entre os rapazes do que entre as raparigas e nas crianças mais novas do que

no grupo das mais velhas. As duas formas de agressão mais reportadas foram “chatear” e

bater ou pontapear. As crianças vítimas são mais frequentemente infelizes e ficam sós na

escola.

Page 47: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

47

Lagerspetz & Bjorkqvist (1992, citado por Pereira, 2002) numa investigação, levado a

cabo na Finlândia, sobre a prevalência e desenvolvimento da agressão indirecta e estratégias

usadas pelos dois sexos nos grupos, observaram que dos 8-9 aos 18-19 anos, num total de 604

indivíduos, foram referidas formas directas de comportamentos agonísticos (tais como gritar,

berrar, bater, empurrar) e indirectas (levantar falsos rumores acerca de uma pessoa, fazer

amizade com alguém por desforra, por vingança). Os rapazes tendem a usar mais a agressão

directa do que as raparigas enquanto as raparigas usam significativamente mais a agressão

indirecta.

Ortega (1994, citado por Pereira, 2002) conduziu um estudo com 284 sujeitos (de escolas

espanholas) do 6º, 7º e 8º ano de escolaridade (12-14 anos), verificou que 27% dos alunos

foram vítimas com frequência e 22% agrediam. As formas de agressão mais usadas no sentido

decrescente foram: “insultos”, “bocas”, “roubos” e “ameaças”. Relativamente aos agressores,

estes são sobretudo um ou vários rapazes (72%). Relativamente aos locais, os mais

mencionados são a sala de aula e os recreios.

Cowie (1997, citado por Pereira, 2002) procurou sintetizar aspectos relevantes do bullying

em quatro países europeus: Espanha, Itália, Portugal e Reino Unido. Os resultados

fundamentais deste estudo apontam para uma variação na incidência do bullying entre os

países estudados; a mudança das atitudes face ao bullying com a idade das crianças; as

diferenças a nível do género na empatia das vítimas e na prontidão a fazer alguma coisa para

prevenir o bullying; a possibilidade das crianças beneficiarem de ajuda dos pares, mas

necessitarem de serem treinadas e encorajadas e o facto da maior parte das crianças não

gostarem das situações ligadas ao bullying, mas serem incapazes de intervir. Apontam ainda

para a promoção de valores democráticos na escola como sendo, a chave da luta contra o

bullying.

Slee (1998) levou a cabo um estudo, na Austrália, com uma amostra de 936 crianças – 434

raparigas e 512 rapazes – com uma média de idades de 10,8 anos. Através do preenchimento

de um questionário de self-report, tinha como objectivo verificar se as crianças haviam sido

vítimas de bullying e, ainda, se estas eram ajudadas ou não pelos colegas. Os resultados

obtidos relatam que 17, 7% dos alunos apenas teve uma situação de vitimação; mais rapazes –

18,6% – do que raparigas -16,6% – relatam experiências “graves” de bullying. Neste mesmo

estudo, verificou-se que 43% dos rapazes e 44% das raparigas referem que às vezes tentam

impedir as situações de violência que ocorrem entre os alunos.

Page 48: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

48

Bullying, physical fighting and victimizacion é um dos capítulos inserido no estudo Health

Behaviour in School-aged Children (HBSC) study:international report from the 2001/2002

survey, promovido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Este estudo compreendeu

162.306 jovens de três idades sequenciais – 11, 13 e 15 anos, de 35 países e regiões. Craig &

Harel sintetizam os resultados deste estudo. Assim, 35% dos jovens afirmam que estiveram

envolvidos em actos de bullying para com os outros nos meses anteriores. As percentagens

variam entre os 30% para os 11 anos; 38% para os 13 anos e 36% para os 15 anos.

Verificaram ainda que tinha uma maior incidência aos 13 anos e que era mais frequente nos

rapazes que nas raparigas.

Concluindo, neste capítulo, apresentamos os estudos que foram efectuados tanto em

Portugal, como em vários outros países.

Optamos por apresentar neste ponto os estudos efectuados com o questionário de Olweus,

uma vez que foi o pioneiro neste tipo de investigação e ainda porque é o questionário

desenvolvido mais utilizado no estudo desta problemática.

Este ponto serve para termos a noção, das prevalências encontradas para cada um dos

grupos intervenientes. Os números traduzidos são importantes para assimilar esta realidade.

Ao mergulhar no terreno, não o deveremos fazer sem ter a noção dos dados traduzidos pelos

estudos quantitativos, uma vez que são estes que nos apontam também possíveis formas de

melhorar os dados que queremos recolher.

Contudo não descuramos dos estudos que se referem às narrativas em vítimas e

agressores. Mas é no ponto seguinte que fazemos referência ao mesmo.

Page 49: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

49

CAPÍTULO IV – NARRATIVAS E SIGNIFICADOS O amor exprime-se pela carícia, tal

como o pensamento pela linguagem.

Jean-Paul Sartre

Ao longo deste capítulo vamos traçar algumas linhas de compreensão sobre a narrativa.

Fazemos uma pequena referência à narrativa, incluindo uma abordagem à linguagem.

Ao ter um papel importante no acesso à realidade dos indivíduos, não devemos esquecer

que a narrativa tem uma natureza eminentemente significadora e como tal tentamos traçar

algumas linhas para uma melhor compreensão deste ponto.

De forma a entendermos as narrativas desenvolvidas pelas crianças e adolescentes,

apresentamos algumas pistas para reflexão, bem como alguns estudos. Fazemos referência a

um estudo que envolve vítimas e agressores, tentando compreender as estratégias narrativas

utilizadas por cada um, na interpretação de interacções sociais.

4.1. A narrativa

4.1.1. A emergência da narrativa

O paradigma positivista deu lugar, durante a última metade deste século XX, a uma

grande variedade de propostas alternativas, denominadas de hermenêutica, psicologia

narrativa, psicologia pós-moderna, pós-racionalismo, pós-fundacionalismo, construtivismo e

construcionismo social, entre outras (Botella, 2001). Há uma rejeição da ideia de que pode

existir uma verdade última, bem como a recusa da ideia de que o mundo pode ser apreendido

em função de grandes teorias ou metanarrativas, salientando a existência de uma

multiplicidade de perspectivas e formas de vida (Gergen, 1994, citado por Quartilho, 2001).

A procura de objectividade “dá lugar”, por parte da Psicologia, a um conhecimento mais

centrado no mundo subjectivo do indivíduo. As atenções dadas ao mundo da experiência

subjectiva onde tentam compreendê-la tal como ela é, como é vivida pelas pessoas, contraria

as teses objectivistas segundo as quais o mundo é composto por factos, acessíveis a um relato

fiel das suas propriedades (Quartilho, 2001).

Page 50: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

50

Ao ser promovida esta mudança, “o indivíduo deixa de ser considerado um mero

processador de informação para passar a ser visto como um construtor activo de significados”

(Fonte, 2003, p.42).

Deste modo, a realidade é encarada como algo que só fará sentido depois de ser construída

pelo próprio sujeito (Fonte, 2003). Os indivíduos de todas as idades e culturas têm utilizado

histórias ou narrativas (mito, folclore, contos de fadas, lendas, óperas, filmes, biografias,

romances, peças de televisão, etc.) para atribuir significado ao seu ambiente e às suas próprias

vidas (Hermans, 2001). A este propósito M. Gonçalves & Henriques (2000) referem que a

forma como damos sentido ao mundo e a nós próprios faz-se a partir da construção e

desconstrução de histórias.

O conhecimento passa a ser visto não como único, mas como o reflexo das realidades que

o indivíduo vive e nas quais se move. Guidano (1991) sintetiza da seguinte forma “nós

vivemos numa pluralidade de mundos e realidades possíveis criados pelas nossas próprias

distinções perceptivas. Há tantos domínios de existência quantos os tipos de distinção

construídas pelos observador” (p.4).

A forma que temos de aceder a estas realidades é através da linguagem. “ A linguagem

passa a ser assumida não como um reflexo de uma realidade psicológica que lhe pré-existe,

mas como o próprio fenómeno psicológico” (Gonçalves, 1997, p.260). Assim, a linguagem

posiciona-se como um processo central para a construção do conhecimento, considerando-se

os processos psicológicos como processos discursivos (M. Gonçalves, 2003, citado por

Machado, Gonçalves, P. Machado, Henriques, Brandão & Roma-Torres, 2005).

A linguagem assume-se como um elemento central na construção de conhecimento (Harré

& Gillet, 1994, citado por Gonçalves, 2002). O carácter significador da linguagem é

resultante do modo como as palavras se vão relacionando umas com as outras no

estabelecimento de uma matriz narrativa (Gonçalves, 2002).

Assim, atribuir um significado à experiência comporta um processo de “construção”, ou

seja, constitui-la através da linguagem, tornando-a inteligível para o próprio e para os outros.

A atribuição de significados à experiência depende dos actos interpretativos (Botella, 2001).

Ainda segundo o mesmo autor, a linguagem é uma forma de acção mediante a qual criamos e

experienciamos o significado social.

Page 51: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

51

A linguagem nunca é meramente descritiva, não tentando somente dizer às pessoas como

as coisas são. Ela vai tentando “mover” as pessoas (Cruz, 1996). Construímos o

conhecimento e significado através da acção pró-activa da nossa linguagem, é ela que

exprime e potencia o que experienciamos, mas é também a linguagem que dá ao

experienciado um significado partilhado intersubjectivamente (Gonçalves, 2002).

Na sequência da emergência da linguagem como aspecto central da construção do

conhecimento, uma grande variedade de autores têm vindo a sugerir a ideia de narrativa

(Howard, 1991, citado por Fonte, 2003). Desta forma torna-se premente entender o que os

diferentes autores entendem por narrativa.

Polkinghorne (1988) define narrativa como uma estrutura de significação que organiza os

acontecimentos e a acção humana numa totalidade, deste modo, atribuindo significado às

acções e aos acontecimentos individuais de acordo com o seu efeito na totalidade.

Sarbin (1986, citado por Fonte, 2003) define narrativa como sendo, a forma de organizar

episódios, relatos de acções. É uma realização que junta factos reais e de ficção onde o tempo

e o espaço são incorporados.

Gonçalves (2002) refere que as narrativas possuem um princípio, um meio e um fim, e que

o movimento através destes momentos define os diferentes ritmos narrativos que o sujeito

utiliza para organizar a sua experiência.

Bruner (1990, citado por Gonçalves, 2002) define narrativa chamando a atenção não só

para a sua natureza mas, sobretudo, para a sua função. Centra a atenção em quatro elementos

fundamentais da narrativa: a noção de sequencialidade, a comunicação de subjectividade, a

originalidade e ambiguidade. Assim, as narrativas podem ser vistas como o modo como os

indivíduos comunicam a sua experiência subjectiva, organizando-a temporalmente,

permitindo à pessoa lidar com situações de originalidade e ambiguidade.

“A forma como damos sentido ao mundo e a nós próprios processa-se a partir da

composição narrativa” (Sarbin, 1986, citado por Matos & M. Gonçalves, 1999, p.166). Ou

seja, as histórias reconhecem tanto a percepção da realidade como o poder da imaginação.

Considerando que as histórias combinam o factual e a ficção, a narrativa emerge a partir de

diálogos reais e imaginários (Hermans, 2001).

A narrativa deve existir por analogia com a experiência, combinando um espaço, tempo e

cultura ligados de forma coerente por múltiplos significados (Gonçalves, 2002). A este

Page 52: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

52

respeito, Hermans (2001) acrescenta que, as histórias implicam sempre uma organização

temporal dos acontecimentos e uma estrutura de enredo que relacione significativamente o

passado, o presente e o futuro. Desta forma há uma organização esperada para uma narrativa

que deve ter princípio, meio e fim, sendo causal e temporalmente sequencializada (Cruz,

1996).

A nossa identidade pessoal, a coerência narrativa da nossa vida, está largamente

dependente da construção de significados (Gonçalves, 1997). É neste entendimento do que é o

significado e o que ele representa que centramos o próximo ponto.

4.1.2. A narrativa como tradutora de significados

A entrada do ser humano na ordem dos significados faz-se por via da narrativa e não por

via paradigmática (Alves, 1993).

A narrativa surge como metáfora para a noção de organização cognitiva, para a construção

de processos de significação permitindo que os indivíduos atribuam significado à experiência

e organizem os significados plurais da sua existência (Gonçalves, 1995, 1996, 1997,1998,

1999, 2000, citado por Machado et al, 2005).

A narrativa tem uma natureza inerentemente significadora. Cumpre, através da sua

natureza de organização temporal, espacial e “gestáltica” a função de permitir a organização

da diversidade de experiência num mundo de sentidos. Organizar narrativamente a

experiência é sobretudo dar-lhe um sentido (Gonçalves, 2002).

Os significados não fazem parte dos objectos, uma vez que o mundo e os objectos são

indeterminados, ou seja, as pessoas participam activamente na construção de significados

quando interpretam os seus mundos (Quartilho, 2001).

Uma das características fundamentais de qualquer indivíduo é a sua permanente procura e

construção de significado pessoal (Guidano, 1987, 1991; Rosen, 1996, citado por Machado et

al, 2005). Esta construção individual implica uma relação e interacção social, traduzidas num

dado contexto e numa determinada cultura.

A este respeito, Shotter (1993, citado por Gonçalves, 2002) diz-nos que as narrativas só

têm existência num processo interpessoal de construção discursiva e como tal, são

inseparáveis do contexto cultural onde se situam. Toda a narrativa, como todo o

Page 53: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

53

conhecimento, é localizada culturalmente. Por conseguinte, uma narrativa representa a

“experiência” com a função de a explicar a nós mesmos e aos outros e acaba por reflectir a

inseparabilidade do que somos, sentimos e pensamos (Cruz, 1996).

A natureza narrativa da organização do conhecimento permite que o indivíduo não só

encontre a sua realidade, mas também que a invente a todo o momento, dando assim um

sentido pró-activo. Ou seja, as narrativas não relatam realidades mas são as próprias narrativas

que as criam, daí que produzir uma narrativa seja transformar uma realidade (Gonçalves,

2002).

Assim, o significado narrativo não se constitui como algo eterno e permanente, mas pelo

contrário, está sempre a ser transformado na contínua actividade de construção sobre a nossa

experiência (Fernandes, 2001, citado Fonte, 2003). As histórias que contamos são construídas

para dar significado à nossa experiência (Fonte, 2003).

O indivíduo tem assim, a partir da experiência, uma oportunidade de construir do seu

significado. “O processo narrativo subjacente à construção de significados dá liberdade ao

indivíduo para que construa significado acerca de si próprio, dos outros e do mundo através

do acto de narrar” (Machado et al, 2005, p.2). Assim, o significado resulta da configuração da

sequencialidade dos acontecimentos num todo que os une (Alves, 1993).

A linguagem e o pensamento interligam-se, não interessando tanto “saber o que é que

determina o quê”, mas como se processam os discursos em contextos de interacção social

com pessoas que, ainda que falem a mesma língua, nem sempre comunicam (Cruz, 1996).

“Numa palavra, a linguagem surge como mediador intra e interpessoal permitindo a

construção compartilhada de significados” (Gonçalves, 2002, p.41).

No capítulo seguinte, vamos expor alguns estudos que se referem ao desenvolvimento

narrativa em crianças e adolescentes.

4.1.3. A narrativa e os adolescentes

A atenção dada às histórias das pessoas significa que se procura compreender os

significados das suas acções (Alves, 1993). Ao darmos essa atenção às histórias criadas e

partilhadas pelas crianças e pelos adolescentes estamos a entrar no seu mundo e a tentar

compreender as atitudes e os seus comportamentos.

Page 54: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

54

Esta compreensão passa pelo entendimento do mundo que as rodeia e de si próprias. Ao

contar histórias a criança desenvolve um sentido de autoria que muda e se expande à medida

que as experiências de vida se tornam variadas. Criam as suas histórias ao recordar a

experiência vivida, ao construir e desconstruir acontecimentos diários. As narrativas

permitem-lhe construir um fio temporal para a natureza caótica dos acontecimentos que

vivem. Através do acto de narrar a criança cumpre uma função de socialização e de

transmissão de conhecimento sócio-cultural (Rocha, 2005).

Segundo, Mackeough & Genereux (2003) durante a adolescência há alterações narrativas

quer a nível do desenvolvimento da competência estrutural, quer ao nível do conteúdo do

pensamento narrativo.

Habermas & Paha (2001) levaram a cabo um estudo sobre o desenvolvimento da

coerência das narrativas de vida numa amostra de adolescentes com 12, 15 e 18 anos de idade.

Os resultados obtidos mostram um aumento na coerência global das narrativas de vida ao

longo da adolescência, isto é, há um aumento da extensão temporal de relatos causais de

ligação, para ligações causais entre acontecimentos e mudança pessoal, para comparações

passado-presente e para separações relativas a interpretações.

Ao analisar as narrativas de crianças e adolescentes dos 4 aos 18 anos, Mackeough (1992,

1997, citado por Rocha, 2005) identificou três grandes estádios desenvolvimentais da

compreensão narrativa. Assim, as crianças até aos 4 anos manifestam um conhecimento

acção-acontecimento da experiência humana em termos de acontecimentos físicos e de

estados físicos ligados numa sequência simples. As narrativas das crianças dos 6 aos 10 anos,

começam a reflectir uma compreensão intencional da acção humana relativamente a

sentimentos, pensamentos e objectivos imediatos. As crianças a partir dos 12 anos

demonstram uma compreensão interpretativa das acções humanas, considerando os estados

intencionais como objectos que são explicados em termos de história pessoal e/ou traços ou

estados psicológicos de longa duração.

Paralelamente às diferenças encontradas nas diversas faixas etárias, Mackeough &

Genereux (2003) referem que o género é um potencial diferenciador na construção narrativa.

As raparigas desenvolvem um maior sentido de ligação com os outros o que resulta numa

orientação relacional social forte enquanto que os rapazes desenvolvem um maior sentido de

individuação e uma forte orientação de posição social. Os pais tendem a recontar histórias

Page 55: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

55

acerca de acontecimentos passados a crianças do sexo masculino e feminino em estilos

diferentes (Fivush, 1994, citado por Rocha, 2005).

O processo de criação de histórias significativas pode ser um meio importante que os pais

usam para transmitir valores relativos ao género sexual aos seus filhos. Assim, há uma maior

tendência por parte das mães a enquadrar emocionalmente as suas narrativas para as filhas, do

que para os filhos, bem como, os pais a não apresentar um enquadramento emocional nas suas

histórias para os filhos (Chance & Fiese, 1999, citado por Rocha, 2005).

A par destes estudos que se referem à narrativa e à forma como vai evoluindo na criança e

nos adolescentes, existem outros que se centram na temática da agressão entre os alunos.

Smorti & Ciucci (2000, citado por Almeida & Del Barrio, 2002) apresentam um estudo

sobre agressores e vítimas, onde avaliam as estratégias narrativas que os estes usam na

interpretação das interacções sociais. Os autores combinam sistematicamente o tipo de

comportamento social (prossocial, agressivo e neutro) e um acontecimento discrepante, que

introduz uma incongruência na história. A hipótese que os autores colocam é de que as

estratégias que agressores e vítimas utilizam para interpretar a incongruência social são

distintas levando a supor que, embora partilhem a mesma experiência desenvolvem

estratégias de meios e fins diferentes.

Os resultados mostram que as estratégias narrativas de agressores e vítimas diferenciam-se

no modo como os dois grupos interpretam os diferentes tipos de incongruência, sendo nas

histórias regressivas (cenário prossocial – acontecimento agressivo) que estas diferenças são

mais nítidas. Os agressores exaltam a internalidade dos motivos para a acção (a estratégia

enaltece os estados mentais do protagonista, isto é, os antecedentes são estabelecidos pelo

protagonista), sem recorrer a acusações ou explicando o acto agressivo em função de uma

intenção hostil por parte do companheiro. As vítimas utilizam estratégias mais centradas na

acção, que procuram explicar com base em antecedentes contextuais (Smorti & Ciucci, 2000,

citado por Almeida & Del Barrio, 2002).

Assim, ambas as estratégias tendem a convergir para uma função auto-protectora. Para os

agressores assegurando um papel activo que não é influenciado por circunstâncias externas,

mas depende de estados mentais internos. Para as vítimas, a estratégia utilizada permite-lhe

manter a noção que as respostas são determinadas pela situação e condicionalismos que não

são controláveis (Smorti & Ciucci, 2000, citado por Almeida & Del Barrio, 2002).

Page 56: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

56

A adolescência condensa em si um momento óptimo de construção narrativa. O

adolescente é confrontado com diversas tarefas de integração pessoal e social, interna e

externa, que fazem dele um analisador do processo de construção narrativa. Esta faixa etária

simboliza o movimento de mudança caracterizador das atitudes narrativas. Num mundo de

que nos apropriamos construindo-o discursivamente, é através das histórias que criamos que

damos significado aos acontecimentos e as acções que realizamos (Rocha, 2005).

Em suma, a narrativa torna-se cada vez mais importante para aceder ao mundo dos

diferentes sujeitos. A forma como construímos as histórias e o significado que lhe é atribuído

é fulcral para os indivíduos. É o significado que o indivíduo lhe atribuiu, que lhe confere um

entendimento consigo próprio, bem como com os outros que o rodeiam.

O acesso às narrativas dá-se por intermédio da linguagem. É esta que permite o acesso a

múltiplas imagens da realidade. Ao termos a noção de como são construídas as histórias dos

jovens, temos a noção dos significados e histórias que são importantes para si, nesta etapa do

seu desenvolvimento.

A par destas temáticas, referimo-nos ainda aos estudos efectuados tendo em conta o

desenvolvimento da narrativa nas crianças e jovens. Incluímos ainda um estudo efectuado

com vítimas e agressões, de forma a compreender melhor a junção de narrativa e vítimas e

agressores, uma vez que é sobre este grupo que versamos o nosso trabalho.

Page 57: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

57

Page 58: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

58

CAPÍTULO V – METODOLOGIA Qualquer investigação efectuada junto de seres humanos

levanta questões morais e éticas. A própria escolha do

tipo de investigação determina directamente a

natureza dos problemas que se podem colocar.

Fortin (1999)

Iniciamos, este capítulo, com a explicação acerca da escolha da metodologia qualitativa.

Fazemos referência à orientação pela grounded analysis e a forma como foi escolhido o

método utilizado.

Apresentamos ainda os objectivos que pretendemos alcançar com esta investigação. A par

destes objectivos apresentamos a forma como construímos a nossa amostra. Descrevemos

igualmente os procedimentos seguidos, tanto no acesso à escola, como no processo de análise

das entrevistas e posterior codificação.

5.1. A escolha da metodologia qualitativa

Os métodos qualitativos e quantitativos diferem em muitas áreas, mas noutras são

complementares (Newman, 1997). Ou seja, cada método oferece-nos uma determinada forma

de conhecimento (Fonte, 2005).

As metodologias qualitativas colocam o seu enfoque na procura de respostas a perguntas,

que realçam como a experiência social é criada e qual o seu significado. Contrariamente,

estudos quantitativos enfatizam a medição e análise de relações causais entre as variáveis e

não os processos (Denzin & Lincoln, 2000). As metodologias qualitativas constituem, assim,

uma ferramenta imprescindível para o trabalho no domínio da significação da experiência

humana (Fonte, 2005).

A metodologia qualitativa enfatiza a importância do contexto social como forma de

entender o mundo (Newman, 1997). Segundo Lindlof (1995, citado por Sani, R. Gonçalves &

Keating, s/d) a metodologia qualitativa permite compreender em profundidade a experiência

humana subjectiva, preservando a forma e o conteúdo dessa experiência e analisando as suas

qualidades.

Page 59: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

59

A investigação qualitativa assume o significado proposto por Strauss & Corbin (1990) –

um tipo de investigação que produz resultados não atingíveis através de procedimentos ou

outros meios de quantificação, mas derivados dos dados recolhidos por um procedimento

interpretativo que constituiu um processo de análise não matemática (Fonte, 2005).

Assim, a investigação qualitativa é particularmente importante para o estudo das relações

sociais, dada a pluralidade dos universos de vida (Flick, 2005). Os objectos de estudo não são

reduzidos a variáveis, são analisados na complexidade do contexto (Quartilho, 2001).

Ao optarmos por uma metodologia de carácter qualitativo estamos a tentar despir-nos dos

números existentes sobre os agressores e as vítimas e a tentar penetrar um pouco no mundo

destes jovens. Mais do que saber que acções perpetram ou são perpetradas, interessa entender

o significado que estas acções têm para si e como são vistos pelos outros.

Desta forma, pretendemos ter uma visão acerca da violência entre os jovens, a nível

escolar, bem como entender que tipo de relação existe entre a família, os demais colegas da

escola e a forma como se vêm a si próprios.

5.2. A Orientação pela Grounded Analysis

A investigação qualitativa vai-se afirmando no campo das Ciências Sociais e da

Psicologia. Apresenta uma grande variedade de métodos, cada um dos quais parte de

premissas diferentes e prossegue diferentes objectivos. Cada um deles tem por base uma ideia

específica do seu objecto. Mas, os métodos qualitativos não podem ser encarados como

independentes do processo de investigação e da questão a estudar (Flick, 2005).

Neste contexto, a grounded analysis é uma das metodologias que mais vem interessando

os investigadores (Fernandes, 2001, citado por Fonte, 2003).

Os métodos usados ao nível da gronded theory traduzem-se num conjunto de estratégias

indutivas e análise de dados (Sani, R. Gonçalves & Keating, s/d). Segundo, Strauss & Corbin

(1990, citado por Newman, 1997) a grounded theory pode ser definida como “um método de

pesquisa qualitativo que usa um conjunto de procedimentos sistemáticos para desenvolver e

induzir uma teoria sobre um determinado fenómeno” (p.334).

De acordo com esta perspectiva, o investigador não inicia o seu projecto baseado numa

teoria pré-existente, mas procura que esta venha a emergir dos dados, de forma a melhor

Page 60: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

60

traduzir a realidade sobre a qual se debruçou (Strauss & Corbin, 1998, citado por Sani, R.

Gonçalves & Keating, s/d).

Assim, temos uma metodologia geral para desenvolver teoria, que está enraizada nos

dados sistematicamente recolhidos e analisados. A teoria evolui durante a própria

investigação e isso ocorre através da relação dinâmica e contínua entre análise e recolha de

dados (Strauss & Corbin, 1994, citado por Fonte, 2005). Ou seja, compreender como as

pessoas constroem a sua experiência através das suas acções, intenções, crenças e sentimentos

(Charmaz, 1995, citado por Sani, R. Gonçalves & Keating, s/d).

De uma forma simples poderemos sintetizar como sendo um modelo de pesquisa flexível,

que é levado a cabo em contextos quotidianos e tem como meta “aceder” ao conhecimento

dos mundos simbólicos e realidades sociais dos participantes (Pidgeon, 1996a).

5.3. Objectivos

Em Psicologia é possível exercitar formas de investigação em “contextos de descoberta”,

formular perguntas (mais do que dar respostas), ou até mesmo conceber a vida quotidiana

como habitat privilegiado de “aprendizagens” úteis à Psicologia Clínica (Cruz, 1996).

Ao traçar as metas para o presente trabalho o nosso interesse prende-se com o entender o

que sentem estes alunos que, durante os anos escolares, são vítimas ou agridem os outros.

Assim, o nosso objectivo geral é o de perceber os significados que são construídos pelos

alunos relativamente à experiência vivida (vitimação e agressão). Estas experiências

comportam tanto as agressões físicas, como as agressões verbais.

Quanto aos objectivos específicos:

1. A nível mais específico, junto destes alunos pretendemos aceder aos significados

construídos nas relações em que se movimentam, nomeadamente:

1.1. A nível familiar, isto é, como é que estes alunos percepcionam a relação que

têm com os pais, irmãos e restantes familiares;

1.2. No relacionamento entre os pares, isto é, que significados constroem da

relação com os colegas da escola;

Page 61: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

61

1.3. Na própria escola, isto é, que tipo de significados têm relativamente à escola,

aos professores e aos restantes intervenientes na escola.

2. A nível pessoal, isto é, como é que estes alunos se vêem a si mesmos e como

representam os seus comportamentos.

3. Pretendemos igualmente, mergulhar nos significados que são associados a estas

experiências e traduzi-los em dados comuns aos dois grupos, de forma a ter um discurso a

nível do grupo global.

5.4. Método

5.4.1. Participantes

Numa investigação qualitativa, a questão da amostra não se coloca a priori, uma vez que

os indivíduos não são escolhidos em função da importância numérica da categoria que

representam, mas antes devido ao seu conhecimento que podem traduzir (Ruquoy, 1995,

citado por Sani, R. Gonçalves & Keating, s/d).

Desta forma, não se pretende que a amostra seja representativa de uma população, mas

sim da experiência ou conhecimento a que o estudo procura aceder (Morse, 1994, citado por

Fonte, 2003).

Glasser e Strauss (1967, citado por Fonte, 2003) designaram este método alternativo de

amostragem de “amostragem teórica”. O princípio fundamental da amostragem teórica é

seleccionar casos ou grupos de casos, com base em critérios concretos relacionados com o

assunto, em vez de utilizar critérios metodologicamente abstractos (Flick, 2005).

Assim a amostragem prossegue, de acordo com a relevância dos casos, e não pela sua

representatividade (Flick, 2005). Numa primeira fase, os participantes escolhidos deverão ser

aquilo que Morse (1994, citado por Fonte, 2003) designa de “peritos experienciais” no

fenómeno, ou seja, os que possuem um conhecimento particular sobre o fenómeno em estudo

e que podem transmitir informação acerca do que pretendemos aprofundar. No nosso estudo,

estes peritos são os intervenientes directos no fenómeno de bullying, ou seja, as vítimas e os

agressores.

Para acedermos aos intervenientes neste fenómeno, optamos por recolher os dados

pretendidos junto dos alunos de uma escola da região norte de Portugal. Esta escola foi a

Page 62: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

62

mesma onde foi realizado o estágio da investigadora e a que reunia melhores condições para

levar a cabo a presente investigação.

Apenas como referência, esta escola está situada na zona Norte, mais concretamente no

litoral Norte. Caracteriza-se economicamente pela predominância de agricultura de

subsistência, pela actividade piscatória costeira artesanal, por actividades ligadas ao turismo e

também pela existência de pequenas indústrias, sobretudo do ramo têxtil. As famílias de onde

provêm os alunos apresentam um “estatuto literário” abaixo da média, mas não é significativa

a taxa de analfabetismo. Por parte desta comunidade, salienta-se o facto das expectativas

relativamente à escola serem baixas.

A segunda fase da “amostragem teórica”, consiste na identificação da variabilidade, isto é,

na selecção deliberada de participantes que nos permitem aceder à heterogeneidade da

experiência investigada (Rennie, Philips & Quartaro, 1998, citado por Fonte, 2003). Os

autores sugerem duas estratégias: a selecção de grupos contrastantes e a procura activa de

casos negativos. (Fonte, 2003). A selecção de grupos contrastantes refere-se à introdução de

um ou mais grupos de comparação, divergentes em relação ao primeiro identificado. A

selecção de casos negativos pretende incluir a análise de indivíduos que contrariam os

padrões emergentes dos dados (Fonte, 2005). Neste estudo, optamos apenas por deter a nossa

análise nos dois grupos que baseiam o estudo – vítimas e agressores – uma vez que

pretendíamos estudar apenas alguns alunos daquela escola.

Pretendíamos que os jovens que fossem seleccionados constituíssem uma representação da

realidade que se vive na escola, em termos de violência entre os alunos.

Deste modo, foi constituído um grupo de 10 estudantes de ambos os sexos, com idades

compreendias entre 12 e os 16 anos e que está dividida em 5 alunos vítimas de agressão e 5

alunos agressores (ver quadro 1).

Page 63: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

63

Quadro 1. Caracterização breve da amostra

Sexo

Alunos da

amostra M F Idade

Papel do

adolescente

ou pré-

adolescente

Tipo de

violência

exercida

Tipo de

violência

sofrida

E1 X 14 Agressora Verbal e

física

E2 X 12 Agressor Física Física

E3 X 13 Agressor Física

E4 X 12 Agressor Física Verbal

E5 X 14 Agressor Física

E6 X 12 Vítima Verbal

E7 X 16 Vítima Física

E8 X 12 Vítima Verbal

E9 X 12 Vítima Verbal

E10 X 12 Vítima Física e

verbal

Por vítimas, vamos usar como base o facto de o aluno/a ser alvo de agressão física ou

verbal de forma esporádica ou continuada. Por agressão física, entende-se, bater, empurrar. E

por agressão verbal, o facto de chamar nomes ou insultar. Para os agressores, consideramos o

facto de agredir os outros alunos de forma intencional, através de acções e/ou palavras.

Nestes casos não descuramos a hipótese de dentro do grupo das vítimas poderem ser

incluídas vítimas com comportamentos provocadores, bem como, dentro do grupo dos

agressores por vezes ocorrerem episódios de vitimação por parte de outros colegas.

Ao constituir esta amostra tentamos, o mais possível, ter uma visão representativa da

problemática em investigação.

5.4.2. Material

A entrevista é uma técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe

formula perguntas, com o objectivo de obtenção dos dados à investigação (Gil, 1989). Esta

torna-se assim uma forma de interacção social.

Page 64: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

64

Para esta recolha de dados optamos por uma entrevista semi-estruturada. Este tipo de

entrevista tem a vantagem de permitir obter o ponto de vista do sujeito, que é mais facilmente

expresso nesta técnica do que numa entrevista estruturada ou num questionário (Kohli, 1978,

citado por Flick, 2005). Há nesta, um espaço para o desenvolvimento de uma relação de

confiança com o jovem e as questões surgem numa sequência livre de ser alterada, o que é

importante dada a necessidade de adaptarmos a entrevista ao nível de compreensão e

articulação dos alunos (Sani, R. Gonçalves & Keating, s/d).

Para estruturar a entrevista como técnica de recolha de dados, baseamo-nos nos trabalhos

realizados por alguns autores, nomeadamente Pereira; Almeida; Carvalhosa, Lima & Matos e,

ainda, no questionário sobre bullying, adaptado para a população portuguesa por Pereira &

Almeida (1994).

Deste modo elaboramos um guião de entrevista com os pontos que pretendíamos abordar,

mas o modo e o momento em que as questões eram formuladas dependia do decorrer das

entrevistas (Anexo - C). Desta forma, o guião de entrevista é concebido para apoiar o “fio da

narrativa” do próprio entrevistado (Flick, 2005).

Os temas que nos propusemos explorar junto destes alunos abrangiam várias áreas, tais

como,

Relacionamento com a família (irmãos, pais);

Relacionamento com os colegas na escola na primária e actualmente;

Os episódios de vitimação (vividos no presente ou no passado);

Episódios de agressão aos colegas (vividos no presente ou no passado);

Estratégias de coping para resolução dos problemas;

Modelagem parental ou outra;

Percepção do próprio acerca de si e da escola.

Estes temas serviram de base à entrevista. Contudo sentimos necessidade de introduzir

perguntas hipotéticas e que tinham como objectivo levar a que os alunos pudessem dar uma

resposta “mais livre” a um problema real. Assim permitimos “às crianças mais crescidas a

liberdade de se esquivarem a procurar a resposta “certa”” (Groue & Walsh, 2003, p. 142).

Page 65: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

65

Estas perguntas foram baseadas em histórias relacionadas, uma com a agressão entre os

alunos e outra, que dizia respeito à história de uma vítima (Anexo - D).

Além, das entrevistas sentimos necessidade de fazer uma folha de registo de

comportamentos não verbais (Anexo - E). Tal como partilhado por Triviños (1987) “as

informações que se recolhem, geralmente, são interpretadas e isto pode originar a exigência

de novas buscas de dados. Esta circunstância apresenta-se porque o pesquisador não inicia o

seu trabalho orientado por hipóteses levantadas à priori cuidando de todas as alternativas

possíveis” (p.131). Assim, esta ficha pretendia registar os comportamentos manifestados

durante a entrevista. Além destes, procedemos também ao registo da interacção entre os

alunos durante o recreio, uma vez que estes comportamentos complementavam algumas das

respostas, tornando assim enriquecedor o entendimento de algumas atitudes explícitas e

implícitas dos mesmos.

5.4.3. Procedimentos

Para ter acesso à escola e aos alunos pretendidos realizamos diferentes etapas. “A questão

do acesso ao campo do estudo é mais importante na investigação qualitativa que na

quantitativa. O contacto que os investigadores nela procuram é mais próximo ou mais

intenso” (Flick, 2005, p.55).

A primeira etapa efectuada para proceder à recolha de dados para a investigação foi a de

telefonar para a escola seleccionada (nomeadamente falar com o presidente do conselho

executivo) e certificarmo-nos que poderíamos efectuar aí a recolha de dados. Posto isto, foi-

nos pedido um protocolo onde estivessem as actividades e a forma como iam ser

desenvolvidas (Anexo - F). Após esta entrega, o protocolo foi a conselho pedagógico para ser

aprovado. Quando tivemos acesso ao mesmo, devidamente assinado, foi-nos dada autorização

para entrar em contacto com a directora de turma e proceder ás diligências necessárias para

dar início à recolha de dados.

Para a constituição da nossa amostra, baseamo-nos primeiramente, nas informações

recolhidas em contexto de estágio (ano lectivo 2004/2005), aquando da nossa intervenção, a

pedido de uma directora de turma, devido aos frequentes casos observados de agressividade

entre os alunos. Posto isto, através da directora de turma actual, tentamos ver qual a sua

posição e se acrescentava algum aluno que tivesse um comportamento mais agressivo ou que

Page 66: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

66

fosse demasiado passivo. Isto porque, a directora de turma representa o professor que

acompanha, apoia e coordena os processos de aprendizagem, de maturação, de orientação e de

comunicação entre professores, alunos e pais (Marques, 2002). Assim, à amostra inicialmente

construída foram retirados alguns alunos e acrescentados outros.

Após esta etapa, falamos com todos os alunos da turma. De forma a evitar que os alunos

se considerassem excluídos, uma vez que era vontade manifesta de todos participarem,

resolvemos ao falar com os mesmos, que tinha havido uma selecção aleatória e que só alguns

iriam participar neste estudo. Após esta explicação e clarificação dos objectivos, procedemos

à entrega de uma autorização para ser assinada pelas três partes (investigadora, pais do

aluno/a e o/a aluno/a) a fim dos encarregados de educação autorizarem a recolha de dados e o

seu registo em áudio (Anexo - G).

Iniciamos as entrevistas apenas quando a directora de turma tinha recolhido as

autorizações dos alunos que constituíam a amostra. Estas foram realizadas numa sala

disponibilizada pelo conselho executivo da escola.

Deste modo foi-nos facilitado o acesso aos alunos, com o consentimento também dos

professores. Este consentimento foi pedido de forma informal, uma vez que os alunos foram

dispensados de aulas em que o conteúdo programático assim o permitia, tais como, Formação

Cívica, Área de Projecto, Educação Moral e Religiosa Católica, Educação Visual e Educação

Tecnológica. Esta foi a solução encontrada, uma vez que o horário desta turma estava bastante

preenchido e não havia outras alternativas.

Todas as entrevistas foram conduzidas pela mesma investigadora e no início da entrevista

foram novamente clarificados os objectivos do estudo, com todos os participantes. A duração

das entrevistas variou entre trinta minutos e sessenta minutos e todas foram gravadas em

cassete áudio.

Ao concluirmos a fase de realização das entrevistas, procedemos à transcrição integral de

todo o conteúdo revelado por cada participante. Os tempos relativos a interrupções de

discurso não foram registados (tais como, tossir, rir, entre outros).

A partir do momento em que as entrevistas tinham sido transcritas e todas relidas (e

ouvidas novamente) de forma a verificar se os dados estavam correctos, iniciamos a primeira

fase do processo de codificação.

Page 67: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

67

Por codificação entendemos como sendo, um processo que parte dos dados para conduzir

à elaboração de teorias, através de um processo de abstracção. Assim, são atribuídos ao

material empírico, conceitos e códigos, formulados, primeiro, o mais próximo possível do

texto e em seguida de forma cada vez mais abstracta (Flick, 2005).

Antes de descrevermos a forma como chegamos às diversas categorias encontradas ao

longo dos dados recolhidos, convém salientar que esta análise foi efectuada com base na

estratégia de codificação de dados pormenorizada por Fonte (2005) e que descreve as

seguintes etapas:

Selecção do material relevante para a análise – após a leitura das entrevistas e de onde

são retiradas as ideias principais.

Categorização descritiva – categorização das unidades de análise que podem ser ideias

ou frases retiradas das entrevistas.

Elaboração de memorandos – refere que são ideias construídas aquando da construção

das categorias e que podem ter pistas importantes para relacionar com outros aspectos.

Categorização conceptual – esta fase abrange várias categorias conceptuais.

Categorização central – são categorias mais gerais que incluem diversas categorias

conceptuais.

Hierarquia de categorias – há uma graduação de categorias que abarca inter-relações

entre diversas categorias conceptuais e categorias centrais.

Clarificação estrutural – há uma integração das categorias que só tenham sido

expressas por um entrevistado noutras categorias mais frequentemente referidas pelos

sujeitos, com significado idêntico.

Construção do discurso do grupo – há a primeira explanação do discurso do grupo em

estudo.

A partir das primeiras leituras efectuada às entrevistas, começamos a esboçar a primeira

abordagem às ideias mais importantes. Estas ideias foram surgindo da leitura e resumo, dos

temas mais importantes, das entrevistas. Assim, as primeiras categorias emergentes dos dados

são de natureza descritiva, muito próximas da linguagem usada pelos sujeitos (Rennie, Philips

& Quartaro, 1988, citado por Fonte, 2005).

Page 68: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

68

Estas primeiras ideias, baseadas nas frases ou ideias mais significativas dos adolescentes e

pré-adolescentes, tendo em conta o tema investigado, foram o ponto de partida para a

emergência de conceitos mais abstractos e interligados. Nesta primeira fase obtivemos cento e

sessenta e oito frases ou ideias que, de alguma forma, poderiam ser orientadoras na procura de

significados subjacentes à experiência do agressor ou da vítima.

As relações e categorias consideradas essenciais são verificadas repetidamente em

confronto com os textos e com os dados (Flick, 2005).

Após este passo procedemos à leitura do material que tínhamos resumido e tentamos ver

possíveis relações entre frases ou ideias de forma a iniciar o processo de agrupamento das

categorias. Ou seja, cada categoria descritiva está inserida em várias categorias conceptuais.

Estas consistem em categorias de nível mais abstracto e compreendem diferentes categorias

descritivas (Fonte, 2005).

As categorias centrais que foram emergindo tiveram como base as categorias descritivas

anteriormente encontradas. Desta forma tentamos ver quais as categorias que melhor se

adequavam aos dois grupos que tínhamos em estudo – vítimas e agressores. Deste

agrupamento e refinamento surgiram cinco categorias centrais – auto-descrição, família,

grupo de pares, escola e comportamentos não verbais. Cada uma destas categorias tinha

incluída várias subcategorias.

A partir daqui demos início à análise do discurso, primeiro em cada grupo e depois

relativamente ao grupo global, isto é, os significados partilhados pelas vítimas e agressores.

Do mesmo modo que clarificamos a forma como foram construídas as categorias,

sentimos necessidade de referir como fomos construindo esse mesmo conhecimento.

Contudo, não obstante a aceitação da relatividade do conhecimento há uma preocupação

com a validade dessas mesmas interpretações (Sani, R. Gonçalves & Keating, s/d). Desta

forma baseamo-nos em alguns procedimentos qualitativos, para que, apesar de não ser

possível uma perfeita replicabilidade dos dados recolhidos, podermos através da triangulação

clarificar o significado dos dados obtidos. Este procedimento pode compreender diferentes

métodos, grupos de estudo, enquadramento de espaço e de tempo, e diferentes perspectivas

teóricas, no tratamento de um fenómeno (Flick, 2005).

Desta forma, iniciamos o uso desta estratégia, primeiro a nível dos dados e posteriormente

a nível metodológico (inter-método). Isto é, tentamos obter os dados recolhidos utilizando

Page 69: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

69

fontes distintas (entrevista e observação em contexto de recreio) realizadas em momentos

distintos e ainda junto da directora de turma destes alunos. Utilizamos a recolha de dados com

a entrevista semi-estruturada e também com o registo de comportamentos numa grelha de

observação.

Assim, a triangulação pode ser um processo de enraizar melhor o conhecimento obtido

com os métodos qualitativos. Enraizar não significa, aqui, testar resultados, mas ampliar e

complementar sistematicamente as possibilidades de produção do conhecimento (Flick,

2005).

Em suma, neste capítulo, detemo-nos nas razões da escolha duma metodologia mais

qualitativa, dado que, a consideramos adequada aos objectivos que tínhamos traçado.

Encontramos na entrevista, mais propriamente na entrevista semi-estruturada, o instrumento

adequado e que com base nas leituras efectuadas, construímo-la para recolher os dados junto

destes alunos.

Fazemos igualmente uma descrição dos participantes e da forma como acedemos à nossa

amostra, bem como os procedimentos usados até chegar junto destes alunos e, posteriormente,

aquando da transcrição das entrevistas e categorização das mesmas.

Page 70: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

70

CAPÍTULO VI – RESULTADOS A prática científica partilha com a arte a necessidade de escolha.

O objecto de estudo resulta de uma opção, assim como a sua

perspectiva de abordagem. Como construção que é,

implica uma estrutura arquitectónica e uma forma.

Esteves (1996)

Neste capítulo expomos a construção das categorias e das hierarquias retiradas do discurso

dos dois grupos em estudo – vítimas e agressores.

Posteriormente detemo-nos nos resultados obtidos, tanto para um grupo, como para outro

e procedemos à integração dos resultados dos dois grupos, de forma a encontrar significados

partilhados por estes alunos. Isto é, iniciamos a nossa pesquisa com uma vertente mais

descritiva e posteriormente passamos para uma estruturação de forma a emergir dos dados um

modelo.

6.1. Apresentação dos resultados

Ao iniciarmos a recolha de dados junto dos alunos seleccionados incluímos no início

algumas questões que serviram para conhecer melhor algumas das características sócio-

demográficas desta população. Assim, passamos a descrever em traços gerais cada um dos

alunos.

6.1.1. Dados biográficos

E1 – é uma aluna do sexo feminino, que tem um irmão. Reside com os pais e com o

irmão. Os pais andaram na escola até ao quarto ano e neste momento o pai é reformado e a

mãe é empregada têxtil. É uma aluna que é alta, magra e que fala muito alto, aquando da

entrevista e mesmo na interacção com os outros. Reside num local com vizinhos, com os

quais se dá bem e costuma inclusive sair. Agride frequentemente os colegas de forma verbal,

mas por vezes também outras raparigas através de agressões físicas e verbais.

E2 – é um aluno do sexo masculino, que não tem irmãos. Reside apenas com os pais. A

mãe andou na escola até ao 12º ano e o pai até ao 7º ano. Ambos são vendedores ambulantes.

É um aluno de estatura média, magro e com um tom de voz que oscila, por vezes entre o

Page 71: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

71

baixo e outras vezes o muito alto. Apresenta ainda alguma nasalização de certas palavras.

Reside num local onde os vizinhos são quase todos da turma actual, mas apenas brinca com

um vizinho. Os episódios de agressão perpetrados surgem quase sempre no seguimento de

uma agressão verbal. É um aluno que por vezes é vítima de outros colegas, nomeadamente

quando está sozinho.

E3 – é um aluno do sexo masculino, que tem dois irmãos. Reside com os irmãos e os pais.

A mãe andou na escola até ao quarto ano e o pai até ao terceiro ano. A mãe é vendedora de

peixe e o pai trabalha nas linhas de comboio. É um aluno que tem um tom de voz forte e por

vezes agressivo. É alto, forte em termos físicos e com um olhar, por vezes desafiador. Reside

num local onde os vizinhos têm muitos conflitos, que são visíveis por todos. Envolve-se

frequentemente em episódios de agressão aos outros, umas vezes de forma verbal e outras de

forma física.

E4 – é um aluno do sexo masculino, que tem um irmão. A mãe neste momento está

grávida e ainda não sabe o sexo do bebé. Reside com o irmão e com os pais. A mãe andou na

escola até ao 12º ano e o pai até ao 6º ano. A mãe não trabalha e o pai é vendedor de peixe e

fruta. É um aluno alto, forte fisicamente e tom de voz forte. Reside num local onde tem vários

vizinhos, com os quais participa em várias brincadeiras, principalmente as que se relacionam

com o assustar os outros. Envolve-se frequentemente em agressões aos outros. A maior parte

das vezes, estas ocorrem quando estão em grupo.

E5 – é um aluno do sexo masculino, que tem três irmãos. Reside com os pais e os irmãos.

A mãe andou na escola até ao 6º ano e o pai até ao 5º ano. O pai trabalha na construção civil e

a mãe é auxiliar de acção médica. É alto, magro, com um tom de voz que oscila entre o

agressivo e o meigo. Apesar de ter vizinhos no local onde mora, não costuma passar muito

tempo com eles. Gosta de passar o fim-de-semana no Porto com os outros familiares e

amigos. Tem relatos de agressão aos outros, contudo alguns não são perpetrados dado que não

tem companhia.

E6 – é uma aluna do sexo feminino, que tem dois irmãos. A mãe andou na escola até ao 6º

ano e é empregada têxtil. O pai andou até ao quarto ano e é construtor civil. É baixa, magra e

muito espontânea a nível de gestos. Tem vizinhos no local onde mora e que são na sua

maioria familiares por parte da mãe. Apresenta relatos de situações em que foi vítima, umas

vezes de insultos, mas outras vezes de agressão física.

Page 72: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

72

E7 – é um aluno do sexo masculino, que tem quatro irmãos. Reside com os pais e uma

irmã. O pai andou na escola até ao 5º ano e trabalha na construção civil. A mãe andou na

escola até ao quarto ano e trabalha como jardineira na junta de freguesia. É um aluno alto,

ruivo e muito tímido. No local onde reside não se dá bem com os vizinhos, dado que os

apelida como muito “queixinhas”. Relata episódios em que foi vítima de agressão verbal por

parte dos colegas mais velhos.

E8 – é uma aluna do sexo feminino, que tem um irmão. Reside com os pais e o irmão. A

mãe andou na escola até ao quarto ano e está desempregada. O pai andou até ao 6º ano e

trabalha em limpezas. Tem poucos vizinhos no local onde mora e não tem por hábito

relacionar-se muito com os mesmos. É uma aluna baixa, magra, muito tímida e com

problemas a nível dos dentes (muito salientes). Os episódios relatados pela aluna referem-se a

episódios de agressão verbal, perpetrados pelos colegas da escola e da turma, no recreio, mas

por vezes também na sala.

E9 – é uma aluna do sexo feminino, que tem quatro irmãos. Reside com os pais e os

irmãos. A mãe andou na escola até ao 12º ano e é doméstica, o pai andou até ao 6º ano e é

afinador de máquinas. No local onde reside quase todos os vizinhos fazem parte da família. É

alta, magra e com alguma descoordenação dos gestos ao falar. Narra episódios em que foi

vítima de agressão verbal, mas também de outros colegas que passaram pela mesma situação.

E10 – é um aluno do sexo masculino, que tem uma irmã. A mãe andou na escola até

metade do 5º ano e é empregada têxtil, o pai até ao 6º ano e trabalha na construção civil (no

estrangeiro). Reside com a mãe e a irmã. Tem vizinhos com os quais, por vezes, brinca. É

baixo, magro, com óculos e muito irrequieto com as mãos. É um aluno que se identifica com

uma história criada sobre uma vítima. Relata episódios de vitimação que lhe acontecem

frequentemente.

As entrevistas realizadas aos alunos acima descritos resultaram em categorias e

subcategorias que podem ajudar a compreender melhor os significados subjacentes às

experiências vividas pelos mesmos.

Assim, dividimos os alunos em dois grupos – um que engloba as vítimas e outro que

engloba os agressores. Para cada grupo constituímos categorias que podem ajudar a

compreender os significados desta experiência, bem como subcategorias.

Page 73: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

73

6.1.2. Discurso do grupo dos agressores

No discurso desenvolvido pelo grupo, designado de agressores, foram identificadas as

seguintes categorias:

A) Auto-descrição – onde incluímos apenas a sua descrição / auto-imagem. Isto é,

tentamos ver de que forma o/a aluno/a se vê a si mesmo/a e/ou descrevia.

B) Família – encontram-se as relações existentes na família. Focamos as seguintes

subcategorias: a) ausência afectiva; b) relação com os irmãos; c) modelagem parental (em

termos de comportamentos de agressão e também de resolução de problemas).

C) Grupo de pares – onde fazemos referência à relação com os amigos, na escola.

Encontramos as seguintes subcategorias: a) apoio dos amigos; b) aprovação social; c)

aprendizagem relacional.

D) Escola – foram identificadas as seguintes subcategorias, de forma a entender as

relações existentes na escola: a) locais que os alunos mais gostam e menos gostam; b) locais

de ocorrência das agressões; c) sentimentos face à escola; d) resolução de problemas e)

professores; f) caracterização das vítimas; g) sentimentos face aos episódios de agressão; h)

episódios vividos e perpetrados.

E) Comportamentos não verbais – onde fazemos referência aos comportamentos que estes

alunos têm para com os outros e que designamos por comportamentos provocadores.

Após esta exposição das categorias mais marcantes, vamos apresentar os dados recolhidos

para cada uma delas, apresentando alguns exemplos, usando as palavras produzidas pelos

mesmos, sem alterações, a nível gramatical.

A) Auto-descrição

Relativamente à descrição que os alunos fazem de si próprios, estes apresentam muitas

dificuldades em falar de forma espontânea de si. O silêncio no início desta resposta foi

comum a este grupo. Quando começam a falar referem-se a qualidades que têm que ver com a

prática de actividades desportivas, [E4] – «…dizem que sei jogar futebol, jogar basquetebol»;

[E5] – «… sou bom a jogar futebol». Apesar desta dificuldade inicial, conseguem

posteriormente falar de outras características, como ser amigo – [E1] «sou amiga dos meus

amigos»; [E2] «sou amigo»; resmungão – [E4] «… às vezes resmungão»; [E2] «sou…não

Page 74: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

74

sei...às vezes resmungão»; teimoso – [E4] «…e sempre teimoso» e ainda nervoso – [E3]

«…eu sou muito nervoso»; [E5] «…sentia nervos». Manifestam ainda alguma impulsividade

em certas atitudes – [E3] «eu sou muito nervoso e se me chatearem, pronto»; [E4] «Começou

a pegar comigo e eu empurrei-o». Conseguem ainda falar de alguns aspectos que mudavam

em si próprios – [E3] «…mudava só o facto de ser nervoso»; [E1] «…em mim deixava de

falar tão alto, ser chata e ser tão rebelde».

B) Família

A família e as relações que a caracterizam também foram abordadas por este grupo. Por

vezes isto aconteceu de forma directa (perguntas formuladas) e outras através de situações

vividas e em que isso foi manifestado. Alguns destes alunos sentem alguma ausência afectiva

por parte dos pais, nomeadamente quando têm alguma situação que gostariam de partilhar –

[E4] «Quando recebo testes…»; [E3] «Preocupam-se comigo, quando podem». Todos

referem que os pais não falam (falaram) com eles sobre a infância – [E1] «Não, nunca falaram

sobre isso»; [E3] «Não, não me disseram nada». Outra característica que este grupo partilha,

há excepção de um elemento (E2), são os irmãos. A relação do aluno com os mesmos é por

vezes conflituosa – [E1] «…discutimos muitas vezes, às vezes não conseguimos conversar»;

[E4] «…anda sempre a chatear, é do piorio». Ainda relativamente à família observamos que

há situações que são alvo de aprendizagem por parte dos alunos. Assim temos a modelagem

parental em termos de resolução de problemas – [E1] «…algumas vezes aprendi com os meus

pais». Na ausência dos pais os amigos ocupam esse lugar – [E5] «…foi um colega meu que

me ensinou como fazer»; [E2] «…aprendi com o meu vizinho, que também é meu amigo».

Esta modelagem não se passa só em termos de resolução de problemas, por vezes, ocorre em

termos de comportamentos de agressão – [E5] «O meu pai quando andava na escola andava à

porrada todos os dias.»; [E1] «O meu pai era, estava sempre a chatear os professores, as

raparigas, ele e outro colega. A minha mãe dizia que às vezes chateava os colegas»; [E3] «O

meu tio roubava as carteiras das raparigas, roubava as coisas delas e deitava no caixote do

lixo. Batia nos outros cá fora».

Page 75: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

75

C) Grupo de pares

Os amigos também desempenham um papel importante, tanto a nível de aprendizagem,

como também de aprovação social. O apoio dos amigos é importante [E1] «…às vezes, eles

dizem para fazer mais.»; [E4] «…nós andamos sempre em grupo e fazemos as mesmas

coisas»; mostram uma necessidade de aprovação dos seus actos [E3] «Eu bati numa rapariga

que não gostava e eles ficaram todos contra mim, senti-me sozinho». Por vezes as suas acções

reflectem uma aprendizagem [E4] «…aprendi a reagir assim com eles»; [E5] «Quando estão

aqui de novo as crianças, os putos que vêm para o 5º ano, claro que isso influencia. Aprendem

com os mais velhos e depois é sempre assim»; [E3] «…aprendi com aqueles que andavam na

escola».

D) Escola

As relações desenvolvidas reflectem também o espaço onde ocorrem. A escola é esse

local. Desta forma verificamos quais os locais que os alunos mais gostam – [E5] «…gosto do

ringue»; [E4] «…gosto de estar à beira do ginásio, junto ao campo de futebol e junto aos

bancos»; e ainda os que gostam menos – [E5] «…de estar nas aulas»; [E2] «…ir para junto da

areia, junto aos pombos a atrás do pavilhão». A par destes locais há também aqueles que são

locais onde são perpetradas as acções – [E5] «…andei à porrada junto ao campo de

futebol…»; [E1] «…às vezes andamos à chapada, uns com os outros, quando estamos no

recreio a jogar». Aliado a este espaço (escola) existem sentimentos que são despertados ou

vividos pelos alunos face à escola – [E4] «…eu também não gosto de andar na escola»; [E5]

«É tudo raiva, só querem bater. Só andar à porrada», «…dantes éramos mais unidos». Estes

alunos apresentam estratégias de resolução de problemas, umas que são direccionadas para os

seus próprios comportamentos – [E3] «…tento acalmar, mas se me chatearem, olha parto para

cima deles»; [E1] «…tentei falar com ela naquele momento para resolver, primeiro segurei-

me. Mas depois não consegui»; [E5] «…primeiro claro que falo…». E outras que são

dirigidas para a resolução de problemas de vividos por outros alunos e que frequentam a

mesma escola – [E1] «…mudava as pessoas que são mais rebeldes»; [E2] «Saíam os colegas

que tratam mal as pessoas e só fazem asneiras»; [E3] «Ou eram expulsos ou levavam um

castigo». Alguns falam das relações que existem entre os alunos e os professores, reportando-

se a episódios da primária – [E4] «…não gostava da escola e dos professores também não

Page 76: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

76

porque só sabiam bater»; [E1] «os professores nessa altura davam-me atenção». E

actualmente – [E4] «…alguns são bons e outros nem por isso, porque são maus e começam

logo a ralhar»; [E5] «…os stores também dizem que vai ser diferente e depois não fazem

nada, é sempre assim».

Estes alunos fazem ainda uma descrição das vítimas – [E4] «…são tristes, andam

sozinhos»; [E5] «…são mais novos e mais fracos». Conseguem ainda referir-se aos

sentimentos que vivem aquando das situações de agressão – [E1] «Na hora fico bem, porque

descarrego a raiva, mas depois passando algum tempo, uma hora ou duas, sinto-me um

bocado mal, porque não deveria fazer isso, fiz mal»; [E3] «…sinto-me mal, começam a doer-

me as mãos e fico todo a tremer». Relatam ainda episódios em termos de agressão – [E1]

«…ele (aluno) andava atrás de mim a chatear a cabeça e eu andava, depois atrás dele a chateá-

lo e a bater-lhe»; [E5] «…estávamos a perder e começamos a discutir e depois começamos à

porrada»; [E3] «…eu bati numa rapariga porque não gostava dela». Neste grupo,

concomitantemente aos actos de agressão aos outros, ocorreram episódios de vitimação, uma

a nível físico – [E2] «…às vezes dão-me pontapés quando estou a jogar futebol ou na

animação a jogar pingue-pongue». E outra a nível verbal [E4] «…às vezes todos me gozam…

chamam-me nomes».

E) Comportamentos não verbais

Os comportamentos observados, nestes alunos referem-se a comportamentos em que a

maioria dos actos se direccionam para a provocação dos outros. Por provocar entende-se o

facto de pegar com os outros – [E4] provoca os colegas com o chamar nomes enquanto

passam no corredor; [E2] empurra os colegas que estão a entrar na sala de aula; [E2] passa

rasteiras aos que passam. Estes alunos também têm por hábito falar alto – [E3] fala muito alto,

tanto no corredor, como no recreio. A par destes comportamentos temos também o facto de

certas peças de vestuário serem comuns e características – [E5] chapéu sempre na cabeça;

[E3] e [E4] capuz do casaco sempre na cabeça.

Como forma de sintetizar as categorias e subcategorias encontradas, apresentamos o

seguinte quadro.

Page 77: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

77

Quadro2. Síntese das categorias e subcategorias do discurso dos agressores

Categorias Subcategorias Exemplo de discurso

Auto-descrição

Silêncio Qualidades ligadas a actividades desportivas Outras características Mudanças em si mesmos

Presente no início das respostas acerca de si próprios; [E4] – «…dizem que sei jogar futebol, jogar basquetebol»; [E1] «sou amiga dos meus amigos». [E3] «mudava só o facto de ser nervoso».

Família

Ausência afectiva Falta de diálogo sobre a infância Irmãos Modelagem parental Resolução de problemas Comportamentos de agressão

[E3] «Preocupam-se comigo, quando podem»; [E3] «não, não me disseram nada»; [E4] «anda sempre a chatear, é do piorio»; [E1] «…algumas vezes aprendi com os meus pais»; [E5] «O meu pai quando andava na escola andava à porrada todos os dias».

Grupo de Pares

O apoio dos amigos Necessidade de aprovação Aprendizagem

[E1] «…às vezes, eles dizem para fazer mais.»; [E3] «Eu bati numa rapariga que não gostava e eles ficaram todos contra mim, senti-me sozinho»; [E5] «Quando estão aqui de novo as crianças, os putos que vêm para o 5º ano, claro que isso influencia. Aprendem com os mais velhos e depois é sempre assim».

Escola

Locais frequentados Locais onde ocorrem as agressões Sentimentos face à escola Resolução de problemas Próprios Dos outros Professores Descrição das vítimas Sentimentos face à agressão Episódios em termos de agressão Episódios de vitimação

[E5] «…gosto do ringue»; [E2] «…ir para junto da areia, junto aos pombos a atrás do pavilhão»; [E5] «…andei à porrada junto ao campo de futebol…»; [E4] «…eu também não gosto de andar na escola»; [E3] «…tento acalmar, mas se me chatearem, olha parto para cima deles»; [E1] «…mudava as pessoas que são mais rebeldes»; [E5] «os stores também dizem que vai ser diferente e depois não fazem nada, é sempre assim»; [E4] «são tristes, andam sozinhos»; [E3] «…sinto-me mal, começam a doer-me as mãos e fico todo a tremer»; [E5] «…estávamos a perder e começamos a discutir e depois começamos à porrada»; [E2] «…às vezes dão-me pontapés quando estou a jogar futebol ou na animação a jogar pingue-pongue»; [E4] «…às vezes todos me gozam… chamam-me nomes».

Comportamentos não verbais

Provocação Peças de vestuário comuns

[E4] provoca os colegas com o chamar nomes enquanto passam no corredor; [E2] empurra os colegas que estão a entrar na sala de aula; [E5] chapéu sempre na cabeça; [E3] e [E4] capuz do casaco sempre na cabeça.

Page 78: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

78

6.1.3. Discurso do grupo das vítimas

Ao analisarmos o discurso produzido pelo grupo, designado de vítimas, encontramos as

seguintes categorias e subcategorias:

A) Auto-descrição – onde incluímos apenas a sua descrição / auto-imagem. Isto é, a forma

o/a aluno/a se vê a si mesmo/a e/ou descrevia.

B) Família – encontram-se as relações existentes na família. Focamos as seguintes

subcategorias: a) ausência afectiva; b) modelagem parental (em termos de comportamentos de

vitimação e também de resolução de problemas).

C) Grupo de pares – onde fazemos referência à relação com os amigos, na escola.

Encontramos as seguintes subcategorias: a) apoio dos amigos; b) aprendizagem relacional.

D) Escola – foram identificadas as seguintes subcategorias, de forma a entender as

relações existentes na escola: a) locais que os alunos mais gostam e menos gostam; b) locais

de ocorrência das vitimações; c) sentimentos face à escola (onde incluímos a forma como eles

vêm a escola); d) caracterização dos agressores; e) episódios vividos.

E) Comportamentos não verbais – onde fazemos referência aos comportamentos destes

alunos – silêncio manifestados durante as entrevistas; episódios em que ficaram sozinhos;

comportamentos provocadores.

Após esta exposição das categorias que foram emergindo, vamos expor os dados

recolhidos para cada uma delas. Utilizaremos igualmente as palavras produzidas pelos alunos,

sem levar a cabo grandes alterações, a nível gramatical.

A) Auto-descrição

Os alunos que constituem este grupo também tiveram, inicialmente, alguma dificuldade

em falar de si próprios, em termos de qualidades e defeitos. Referem, como qualidades, o

facto de serem amigos – [E6] «… sou amiga»; e sinceros – [E8] «… sou sincera». Em termos

de coisas menos boas referem-se ao facto de serem teimosos – [E7] «Sou teimoso…»,

resmungão – [E10] «…sou resmungão…», responder constantemente [E6] «…às vezes sou

muito respondona». Não obstante, há aspectos do comportamento e da aparência física que

mudavam se pudessem – [E8] «…mudava os dentes»; [E9] «…deixava de ser tão bruta. Não é

que ande para aí a bater, mas às vezes quando falo com os outros sou assim»; [E7] «…em

Page 79: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

79

mim mudava também o comportamento porque às vezes porto-me assim um bocado mal. Mas

não é dentro da sala, é fora».

B) Família

Ao observar a descrição que estes alunos fazem das relações existentes com a família,

notamos que existe alguma ausência de um dos progenitores – [E9] «A minha mãe está

sempre mais chegada a nós e o meu pai está mais distante»; por vezes a atenção dada é

flutuante – [E10] «…às vezes sim e às vezes não. Às vezes peço-lhes ajuda e eles nunca

ajudam»; [E8] «…o meu pai não tem muito tempo porque tem de ir trabalhar». Estas

situações concorrem com o facto de os progenitores serem fonte de aprendizagem e modelos

para estes alunos. Desta forma foi com eles que aprenderam a resolver os seus problemas –

[E7] «…aprendi com os meus pais, mas mais com a minha mãe»; [E10] «…com os meus pais

e a minha irmã». Na ausência dos pais os amigos desempenham essa função – [E6] «…foi

com a minha amiga a C.»; [E8] «…aprendi com a minha amiga que anda cá na escola». Há

situações vividas pelos pais, que neste momento também são vividas pelos alunos – [E10]

«…os colegas na escola batiam na minha mãe. E quando ela vinha pela bouça, eles vinham

atrás dela e empurravam-na contra as silvas. Se ela contasse à minha avó ainda levava por

cima».

Os pais nem sempre apresentam soluções quando deparados com as situações de

vitimação vividas pelos filhos – [E8] «Dizem para eu não ligar»; [E10] «…a minha mãe diz

para eu me defender sozinho, só que eu digo que não me sinto seguro para fazer isso. Às

vezes ela diz que vai tentar resolver e outras vezes não».

C) Grupo de pares

Os amigos nesta etapa são importantes. Eles são fonte de apoio e de aprendizagem em

termos de relação com os outros. [E6] «…falo sempre com a C. que é a minha melhor

amiga»; [E9] «Ele começou a gozar comigo e eu não gostei daquele ambiente. Então fui para

a biblioteca porque estavam lá as minhas amigas». Além do apoio também há a busca de

conselhos e consequentemente aprendizagem de soluções – [E6] «…ia falar com a C. que é a

minha melhor amiga e ela depois também falava com os outros amigos e tentávamos resolver

Page 80: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

80

o problema»; [E10] «…tenho um amigo desde que ando nesta escola. Ele às vezes ajuda-me

nos problemas».

D) Escola

A escola é um local que marca a vida dos alunos, tanto de forma positiva como por vezes

negativamente. Estes alunos elegem [E6] «…gosto da sala de aula»; [E8] «Gosto da

mediateca, biblioteca», como os locais que gostam mais. Os locais que gostam menos

explicam o porquê – [E10] «…é da cantina porque eles atiram comida»; [E6] «…e gosto

menos de estar na animação, porque há muito barulho». Alguns locais na escola são ou estão

associados a acções de vitimação, assim temos – [E8] «…chamavam-me nomes na sala de

aula»; [E7] «…no corredor às vezes empurram-me»; [E8] «…no recreio também me

gozavam».

Os alunos têm uma imagem da escola, como negativa – [E10] «…não gosto desta escola,

porque os rapazes grandes armam-se. Só gostam de andar a fazer confusões e à porrada»; [E9]

«…acho que esta escola é muito rebelde»; [E7] «…cá dentro só se empurram uns aos outros».

Apesar desta imagem, apresentam aspectos do comportamento dos outros alunos que

poderiam ser diferentes – [E7] «…mudava o comportamento dos alunos, mas não sei como»;

[E10] «Fazia nesta escola a ser todos iguais, tirava os rebeldes e colocava colegas bons».

Os alunos falam das características dos agressores – [E8] «…são altos, magros e falam

muito alto»; [E6] «…às vezes são mais velhos e outras vezes são da mesma idade»; [E7]

«…são maus colegas».

Os episódios de vitimação são algo marcante nestes alunos. Alguns referem-se aquando do

ensino primário – [E9] «…quando andava lá, não gostava do recreio porque o C. não me

deixava em paz e andava sempre a bater-me»; mas a maioria referem-se à frequência da

escola actual – [E8] «…gozam-me e chamam-me nomes»; [E10] «…o A. ameaçou que me

batia até me matar. Até tinha pesadelos de noite»; [E6] «Chamavam-me nomes e batiam-me,

ralhavam comigo». Estes episódios despertavam nestes alunos – [E6] «…sentia-me triste…»;

[E10] «…com medo…»; [E7] «…diferente dos outros».

Page 81: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

81

E) Comportamentos não verbais

Durante as entrevistas foi notório a abundância de momentos em que o silêncio foi

utilizado para iniciar as respostas. Este silêncio estava presente em respostas que falavam

sobre si próprios, a forma como poderiam ser melhoradas as relações entre os alunos e noutras

em que havia uma necessidade de pensar em soluções para os problemas.

A par destes comportamentos relatam episódios em que ficaram sozinhos – [E10] «…às

vezes fico sozinho»; [E8] «…ando sozinha porque eles não queriam andar comigo»; [E10]

anda sozinho durante o recreio.

Concomitantemente a estes comportamentos, também há momentos em que apresentam

algumas atitudes que podem ser entendidas como provocadoras para com os outros – [E10]

pega num pau e tenta tocar nos outros como forma de chamar a atenção; [E6] por vezes fala

alto, no recreio. E ainda – [E7] «…às vezes meto-me com os colegas sem eles fazerem nada».

De forma a resumir os dados recolhidos neste grupo, apresentamos o seguinte quadro.

Quadro3. Síntese das categorias e subcategorias do discurso das vítimas

Categorias Subcategorias Exemplo de discurso

Auto-descrição Qualidades Coisas menos boas Aspectos que mudavam se pudessem

[E6] «… sou amiga»; [E7] «Sou teimoso…»; [E8] «…mudava os dentes».

Família

Ausência parental Modelagem parental Resolução de problemas Comportamentos de agressão Ausência de soluções

[E9] «A minha mãe está sempre mais chegada a nós e o meu pai está mais distante»; [E7] «…aprendi com os meus pais, mas mais com a minha mãe»; [E10] «…os colegas na escola batiam na minha mãe. E quando ela vinha pela bouça, eles vinham atrás dela e empurravam-na contra as silvas. Se ela contasse à minha avó ainda levava por cima»; [E8] «dizem para eu não ligar».

Grupo de

Pares

Apoio dos amigos Aprendizagem

[E6] «…falo sempre com a C. que é a minha melhor amiga»; [E10] «…tenho um amigo desde que ando nesta escola. Ele às vezes ajuda-me nos problemas».

Page 82: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

82

Escola Locais frequentados Locais onde ocorrem as vitimações Escola vista como negativa Comportamentos que melhoravam Características dos agressores Episódios em termos de vitimação Ensino primário Escola actual

[E8] «Gosto da mediateca, biblioteca»; [E6] «…e gosto menos de estar na animação, porque há muito barulho»; [E7] «…no corredor às vezes empurram-me»; [E9] «…acho que esta escola é muito rebelde»; [E10] «Fazia nesta escola a ser todos iguais, tirava os rebeldes e colocava colegas bons»; [E8] «…são altos, magros e falam muito alto»; [E9] «…quando andava lá, não gostava do recreio porque o C. não me deixava em paz e andava sempre a bater-me»; [E8] «gozam-me e chamam-me nomes».

Comportamentos

não verbais

Silêncio Episódios em que ficaram sozinhos Atitudes provocadoras

Respostas ligadas à auto-descrição, relacionamento entre os alunos e em que eram necessárias soluções para os problemas; [E10] «…às vezes fico sozinho»; [E7] «às vezes meto-me com os colegas sem eles fazerem nada».

Após esta exposição, em que mostramos quais as categorias e subcategorias, que foram

emergindo dos dados e o discurso que preenche as mesmas, vamos deter-nos no parágrafo

seguinte na sua interpretação e de que forma este discurso pode ter semelhanças e diferenças

entre os dois grupos (vítimas e agressores).

6.2. Interpretação e discussão dos resultados

Na fase anterior centramos a nossa atenção no discurso produzido pelos alunos. Tentamos

verificar quais as categorias que emergiam e que melhor traduziam a experiência vivida pelos

intervenientes.

A nossa análise vai deter-se agora na interpretação desses mesmos dados, verificando

quais, os constructos que emergem e que melhor traduzem esta realidade.

A interpretação dos dados é o cerne da investigação qualitativa. A interpretação de textos

pode visar dois objectivos opostos: um é revelar, desvendar ou contextualizar as afirmações

feitas no texto e o outro visa reduzir o material textual, parafraseando-o, resumindo-o ou

categorizando-o (Flick, 2005).

Assim, interpretar pode entender-se como o apelo ao discurso latente, não explicito, de

forma a fazer “emergir” dele vários sentidos, acolhendo assim o que é “desconhecido”, de

forma aberta ao que é inovador, ao conhecimento relativizado e perspectivado (Cruz, 1996).

Page 83: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

83

Após a condensação das primeiras categorias emergentes, surgem inevitavelmente

categorias mais abrangentes que tentam traduzir o conhecimento latente desta realidade. É

nesta análise do discurso dos dois grupos (vítimas e agressores) que encontramos pontos

comuns aos mesmos.

Estes pontos comuns traduzem-se em construtos que nos levam a um discurso do grupo

global.

Com base, nas categorias e subcategorias identificadas anteriormente e que são comuns

aos dois grupos apresentamos, na figura seguinte, os construtos que transmitem os

significados partilhados pelo grupo global.

Figura 1. Categorias do discurso do grupo global (vítimas e agressores)

Estes constructos que foram surgindo levam à formação de esquema teórico que nos

permite uma leitura desta realidade e observar os significados que são partilhados pelo grupo

global.

Ao abordar cada constructo vamos, além de explicar o seu significado, exemplificar com

algumas passagens proferidas pelos jovens e fazer uma pequena discussão com base na

revisão da literatura.

Page 84: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

84

A) Aprendizagem

Na nossa amostra, a aprendizagem está relacionada com o facto destes alunos efectuarem

aprendizagens junto dos pais, amigos e mesmo na própria escola.

Estas aprendizagens, por um lado, estão relacionadas com a resolução de problemas, em

que os amigos e os pais ocupam um lugar de destaque, e por outro, com os comportamentos

que são apreendidos nas reacções dos outros.

[E2] «Peço ajuda a um amigo».

[E7] «Aprendi com os meus pais, mas mais com a minha mãe».

[E4] «Via os outros a fazerem assim e agora também faço. Acho que aprendi aqui na

escola».

[E5] «Quando estão aqui de novo as crianças, os putos que vêm para o 5º ano, claro

que isso influencia. Aprendem com os mais velhos e depois é sempre assim».

Contudo não devemos descurar que alguns destes alunos tiveram pais que passaram por

episódios de vitimação e agressão. Embora, sejam vivências diferentes, estas influências

podem estar presentes em algumas formas de interacção que envolvem pais e filhos.

Este grupo de alunos partilha uma aprendizagem de reacções que pode ser coincidente

com os pressupostos da aprendizagem social, isto é, segundo Bandura (1987) alguns tipos de

comportamento são aprendidos através da observação de modelos. Estes modelos são

sobretudo os pais e os amigos. Podemos ainda acrescentar que em alguns destes alunos

poderá ter havido um desenvolvimento de estruturas internas hostis em que há representação

de acções de violência, isto é, segundo a teoria de Dodge (1986, citado por Dodge & Coie,

1987) estes alunos interpretam os sinais sociais como hostis e reagem de forma violenta, dado

que possuem escassas respostas alternativas. Esta situação acontece porque tiveram contacto

precoce com situações de violência.

Contudo, estes alunos movimentam-se também noutros contextos e que exercem também

influência nas suas respostas comportamentais. Desta forma temos a família que é vista como

fonte de aprendizagem. Segundo, Sprinthall & Collins (1999) a família desempenha um papel

muito importante a nível de aprendizagem social e relacional. É através das práticas parentais

que os mais novos vão aprender a relacionar-se uns com os outros, ou seja, a forma como os

pais lhes transmitem afecto e lhes ensinam a reagir vai ser crucial para futuras interacções

Page 85: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

85

(Putallaz, 1987). Para Almeida (2000) esta aprendizagem feita na família é posteriormente

transposta para as interacções com os outros, nomeadamente com os pares.

A aprendizagem neste grupo também se verifica ao nível de comportamentos de agressão

e vitimação, isto é, os filhos vivem situações já vividas pelos pais em idade escolar, o que

realça o facto de a família ser um foco importante em termos de aprendizagem e modelagem

comportamental (Sprinthall & Collins, 1999). Esta similaridade em termos comportamentais,

poderá indicar que houve uma continuidade em termos de estatuto de vítima, isto é, aconteceu

primeiro com os pais e agora acontece com os filhos (Craig & Harel, 2002).

B) Atribuição

Estes alunos atribuem, geralmente, as suas reacções aos outros. Estas reacções são

atribuídas ao facto de serem os outros a despertarem neles a forma como reagem. Há um locus

de controlo que consideram externo. Para os agressores são os outros que os enervam, ou seja,

atribuem as suas acções a situações externas (por exemplo, E3, E4).

Falam ainda do facto de não conseguirem controlar as suas acções, isto porque se

consideram muito nervosos e reagem por impulso.

[E1] «Os outros é que me chateiam. Eles estão sempre a chamar-me e eu às vezes não

consigo controlar-me».

Apesar deste descontrolo há por vezes tentativas de controlo dessas mesmas reacções.

[E4] «Depois são eles que dizem que quando estamos a jogar futebol contra outra

turma e é penalty e não é mesmo. Aí tento controlar-me para não dar para o torto».

Quando são alvo de agressões, as vítimas não sabem porque é que os outros os agridem.

[E6] «Chamavam-me nomes e batiam-me, ralhavam comigo, não sei porquê».

Contudo, alguns alunos vêm este comportamento como resultado de um conjunto de

variáveis que estão relacionadas e que potenciam uma agressão.

[E9] «Quando andam mais sozinhos e tristes ou assustados, os outros se tiverem

tendência para bater, claro que o vão fazer. Porque sabe que aquela pessoa tem medo e

não vai fazer nada».

Page 86: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

86

Neste contexto, as atribuições são feitas a algo que está fora do alcance dos alunos, isto é,

são as próprias situações ou as pessoas que levam a determinada reacção, seja em termos de

agressão ou de vitimação. No fundo, para estes alunos há quase que uma desresponsabilização

quanto às acções vividas ou perpetradas, isto é, eles não se sentem responsáveis pelo que lhes

acontece. São as próprias situações e as pessoas que as compõem que levam a que as coisas

aconteçam, ou seja, há um locus de controlo externo.

De acordo com os nossos dados estes alunos, segundo Ramirez (2001) apresentam um

auto-controlo escasso nas relações sociais, podendo mesmo manifestar alguma agressividade

e teimosia. O que é visível na forma como se relacionam com os outros, nomeadamente

quando referem que são nervosos e reagem por impulso. Partilham, ainda, uma das

conclusões do estudo conduzido por Pires (2001) onde refere que os motivos para justificar as

agressões se prendem com o facto de os outros alunos os irritarem muito.

Algumas destas crianças podem pertencer a grupos, onde de alguma forma, são rejeitadas,

e como tal envolvem-se frequentemente em comportamentos de provocação ou reagem de

forma agressiva perante as brincadeiras em que há uma interpretação ambígua (Almeida,

2000).

A par disto encontramos nos alunos que são vítimas, uma dificuldade em entender porque

é que os outros reagem assim. Partilhando a visão de Smorti & Ciucci (2000, citado por

Almeida & Del Barrio, 2002) a estratégia que utilizam permitem-lhes enquadrar aquela

situação em factores que não são controláveis e que derivam de estados mentais internos.

Os dados vão de encontro ao que refere Mackeough (1992, 1997, citado por Rocha, 2005),

a compreensão das suas acções pode ser explicada em termos de história pessoal e/ou traços

ou estados psicológicos de longa duração, isto é, estes alunos comportam-se assim porque faz

parte da sua maneira de ser.

Não obstante, apresentam ainda tentativas de controlar as suas reacções, o que pode

evidenciar que tentam descobrir outras formas de, enfrentar as suas dificuldades.

Page 87: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

87

C) Estratégias

As estratégias que estes alunos utilizam para responder às agressões podem traduzir-se em

evitamento e fuga. Muitas vezes estes alunos não conseguem ter uma atitude de reacção que

não seja, o não enfrentar a situação.

[E8] «Se eles me chatearem, eu às, vezes fujo deles».

[E10] «Fugia».

Outras vezes as reacções passam pelo facto de ficarem zangados ou optarem pelo choro,

como forma de enfrentarem as situações.

[E3] «Começava a chorar».

[E5] «Sei lá…chorava, depois sentia nervos e não sei quê».

Contudo, vêm os actos como socialmente inaceitáveis, isto é, os comportamentos

perpetrados são vistos como actos negativos.

[E2] «Os meus pais reagiam mal se soubessem que faço isso, porque não deveria estar

a fazer o que faço aos outros».

Os agressores utilizam estratégias mais centradas na acção, isto é, externalizando assim o

seu comportamento através da agressão. Enquanto que as vítimas usam a fuga e o evitamento

como forma de reagirem à situação que estão a viver naquele momento, levando a uma

internalização como forma de enfrentar a situação.

Apesar de se mostrarem fortes, alguns agressores utilizam o choro como forma de reagir

aos problemas. Contudo esta estratégia só é adoptada junto de familiares ou expressa quando

confrontadas com eventuais soluções para determinada situação.

De acordo com a literatura, as estratégias usadas pelos intervenientes podem ser o

resultado também de uma aprendizagem. Por um lado há nesta fase uma crescente

identificação com o grupo de pares, em que o papel desempenhado por estes é bastante

significativo. Isso está de acordo com o que defende Santrock (2004), isto é, o grupo de pares

funciona como um “espelho” dos comportamentos. Mas por outro lado, há também alguma

consciência relativamente aquela acção que não deveria ser feita. A escola aqui começa a

mostrar que, de alguma forma, pode desempenhar um papel crucial na normalização dos

Page 88: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

88

comportamentos dos alunos (Pereira, 2001), dado que é neste local que estes alunos passam

parte do seu tempo.

Contudo, mesmo os que agridem vivem em sofrimento. Estes adolescentes e pré-

adolescentes vivem de alguma forma com medo e envolvidos num ciclo de abusos por parte

de outros (Mallon, 2001). Precisam de ajuda para conseguirem visualizar soluções

alternativas para os seus comportamentos.

D) Competências

Nos nossos dados os alunos apresentam soluções para os problemas que os rodeiam. Umas

têm que ver com os comportamentos dos alunos que são vistos como problemáticos (por

exemplo, E1, E3, E7, E10) e outras que envolvem os seus próprios comportamentos (por

exemplo, E1, E3).

Contudo, as soluções apresentadas variam entre soluções “mágicas” em que os outros

eram retirados da escola e eram colocados aí alunos menos rebeldes (por exemplo, E1, E10),

sem que para isso houvesse uma sequencia lógica de passos a seguir, e soluções que já

englobam os recursos disponíveis e a realidade.

[E9] «Tipo publicar um cartaz a dizer que quem quiser falar com alguém que é

escolhido podia vir e ajudavam a resolver o problema».

Nos dados por nós recolhidos, a falta de competências sociais pode ter várias origens.

Estes alunos podem não ter tido a atenção necessária por parte da família, em alturas em que

ocorriam problemas. Esta falta de atenção pode traduzir-se na ausência de respostas para os

problemas que apresentavam. Geralmente, têm tendência a ter famílias em que os pais

fomentam mais a hostilidade do que o afecto (Olweus, 1978, 1987; Junger, 1990, citado por

Pereira, 2002).

Muitas vezes estes alunos podem não ter espaço dentro do contexto familiar para

aprender, através das brincadeiras na família, a descodificar os sinais sociais e afectivos, a

interpretar o impacto das suas manifestações e a regular a intensidade e a duração das mesmas

(Almeida, 2000). O que poderá levá-los a não desenvolverem competências adequadas para

resolverem problemas concretos e relacionados com o espaço onde mais tarde se

movimentam.

Page 89: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

89

E) Ambivalência

Na nossa amostra verificamos que os alunos são invadidos por sentimentos que envolvem

contradições. Aliado ao facto de sentirem que descarregam a sua raiva quando batem em

alguém (por exemplo, E1), por vezes, também sentem algum arrependimento.

[E1] «…passando algum tempo sinto-me um bocado mal».

[E5] «…às vezes quando bato, dá-me pena dele».

Estes sentimentos são também vividos junto dos amigos, isto é, muitas vezes sabem que

ao ter determinada acção ou reacção, esta pode influenciar a relação com os outros.

[E3] «Eu bati numa rapariga…e eles ficaram todos contra mim».

Contudo, não é só neste contexto que se manifesta esta ambivalência. Por vezes, é notória

nas tentativas de ajudar os outros. Estas tentativas nem sempre são bem sucedidas, uma vez

que os alunos sentem medo de vir a sofrer consequências.

[E9] «…correu bem daquela vez, mas poderia não ter corrido e podia ser pior».

[E7] «…apetece-me meter no meio deles e separá-los. Às vezes faço isso, outras vezes

não porque são mais fortes que eu».

Esta relação ambivalente também pode ser visível nas interacções (apenas expressas pelos

alunos) existentes entre os pais e os filhos, isto é, apesar de, por um lado lhes darem o que

eles precisam, por vezes, foi notório em algumas respostas que nem sempre estão presentes.

Esta ausência pode dever-se a vários factores, por exemplo, irmãos mais novos (por exemplo,

E3, E5, E7, E10), o facto de os pais trabalharem bastante (por exemplo, E4, E6) ou não haver

diálogo sobre aspectos da infância (por exemplo, E1, E8).

Neste ponto encontramos alunos que apesar de descarregarem a raiva que sentem no

momento, também se vêm envolvidos em sentimentos de “pena” para com as vítimas. Olweus

(1993) refere que estes alunos apresentam pouca empatia pelas vítimas. O que não é de todo

verificado, dado que sentem que fizeram mal em ter aquela atitude, mas ao mesmo tempo

sentem que têm que descarregar a raiva contida. Não há uma clara alusão ao facto de sentirem

pena das vítimas, mas há um certo arrependimento pela atitude.

Podemos tentar entender estas atitudes reportando-nos ao facto de, muitas vezes, ser com

os companheiros com quem se relacionam que há uma aprendizagem, de formas de atitude

Page 90: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

90

para lidar com os outros. Isto vai de encontro ao que defende Santrock (2004), ou seja, no

grupo de pares aprendem a formular e defender as suas opiniões, a ter em conta a perspectiva

dos outros, a negociar soluções para os problemas e a desenvolver comportamentos que sejam

aceitáveis pelos demais. Dependendo do grupo em que estão inseridos, estes alunos vão

desenvolver formas de actuação de acordo com as “normas” desse grupo.

Os alunos que tentam ajudar os outros sabem que muitas vezes as suas atitudes podem ter

consequências também para si. De acordo com um estudo conduzido por Slee (1998) muitos

dos alunos apenas às vezes tentam impedir as situações de violência que ocorrem entre

alunos. Igualmente, Cowie (1997, citado por Pereira, 2002) tinha verificado que a maior parte

das crianças não gostam das situações de bullying, mas sentem-se incapazes de intervir.

Os dados recolhidos revelam que, relativamente à família, esta funciona para estes alunos,

como contexto de dupla acção, isto é, por um lado é neste espaço que se sentem protegidos,

mas por outro, é também neste espaço que sentem que por vezes os seus problemas não são

tidos como importantes. Os padrões de interacção pais-filhos proporcionam modelos de

actuação para a maneira como as pessoas devem interagir umas com as outras (Collins &

Laursen; Ruben et al, 1999, citado por Cole & Cole, 2004). Contudo, com a crescente

transformação social e consequente familiar, nem sempre a família pode dispor de “tempo”

para fomentar estas aprendizagens.

F) Desilusão

Os alunos da nossa amostra caracterizam-se por uma grande desilusão face à escola, dado

que esta não lhes desperta grande interesse e consequentemente não gostam de andar na

escola (por exemplo, E4, E5).

Relativamente à escola estes alunos têm percursos em que a desilusão face à mesma,

começou logo na primária e se prolongou até à data (por exemplo, E4, E5). Esta desilusão é

traduzida no presente pelas atitudes que os professores têm para com eles, isto é, referem que

não é dada atenção aos problemas que apresentam e que a maior parte destes apenas sabe

ralhar.

[E4] «…alguns são bons, mas outros são maus porque começam só a ralhar».

Page 91: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

91

Acrescentam ainda que os professores não se importam com eles, no sentido de

cumprirem o que prometem fazer.

[E5] «…às vezes os stores dizem que vai diferente e depois não fazem nada».

Além dos professores também os funcionários são vistos como pessoas que por vezes

poderiam ter um comportamento mais pró-activo.

[E4] «…alguns funcionários poderiam ajudar mais os alunos».

Estes alunos partilham uma visão negativa da escola em termos de pessoas que a

compõem. Estas poderiam ser uma ajuda para os seus problemas, mas eles vêem-nas apenas

como não preocupadas com eles ou com os problemas que eles têm. Há quase que uma

continuidade (professores, funcionários) em termos de não preocupação face aos seus

problemas.

Neste ponto, a desilusão face à escola é bastante marcante. A escola funciona como um

espaço em que não há lugar para a individualidade de cada um. Ou seja, estes alunos sentem

que quando algo os preocupa, os professores nem sempre estão disponíveis para os atender e

entender. A escola passou a ser um espaço comum que dá o mesmo a todos, da mesma forma,

impondo aos alunos a necessidade de pensarem na escola durante anos, independentemente

do significado que esta tem para eles (Bertão, 2004).

Esta desilusão face à escola também é característica de vítimas e agressores. Por um lado

temos, os agressores que segundo Carvalhosa, Lima & Matos (2001) apresentam uma atitude

desfavorável face à escola. Por outro, temos as vítimas que têm dificuldade em estar/gostar da

escola pelo facto de ser aí que sofrem as acções de vitimação. Apresentam mesmo perda de

interesse pelos estudos (Limber, 1997, citado por Santrock, 2004) e pela escola.

Para estes alunos o papel do professor deveria prender-se também com uma parte mais

relacional, isto é, segundo o que defende Postic (1991, citado por Ferreira, 2002), a função do

professor é simultaneamente técnica e relacional: deve conceber as situações de

aprendizagens, observar os comportamentos de cada aluno perante uma determinada tarefa e

ajustar-se às necessidades de cada um.

Page 92: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

92

Concluindo, ao longo desta tradução dos dados obtidos pudemos constatar que existem

diferenças e semelhanças entre os dois grupos estudados. Mesmo assim podemos integrar

experiências e percorrer sentimentos comuns que estão associados. Apresentamos seis

constructos que emergem destes dados – aprendizagem; atribuições; estratégias;

competências; ambivalência; desilusão. Todos estes comportam em si traduções da realidade

vivida por estes alunos.

Ao apresentar estes constructos pretendemos mostrar como é que estes alunos vivem as

suas experiências e de que forma podem (e querem) ser ajudados a ultrapassar esta fase.

Page 93: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

93

CONCLUSÃO GERAL O fim de uma etapa é só o começo de outra. Os riscos

superados são a preparação necessária para

passar melhor pela próxima.

Paulo Coelho

A adolescência tem despertado, nos últimos tempos o interesse de várias disciplinas que

tentam, a partir das ferramentas disponíveis, traçar linhas de orientação e intervenção.

A par deste interesse, tem surgido igualmente a necessidade de dar mais atenção aos

comportamentos que os jovens têm quando estão inseridos no espaço escolar. Neste espaço

por vezes ocorrem comportamentos de agressão (física ou verbal) que envolvem jovens de

idades próximas e em que há claramente uma diferença em termos de poder. A este

comportamento os autores, nacionais e internacionais, denominaram de bullying.

Ao darmos importância a um fenómeno devemos procurar ter a noção das teorias que

podem, de alguma forma, dar resposta, às dúvidas que vão surgindo e permitir compreender a

emergência de determinados comportamentos.

Contudo, não são só as teorias que explicam os comportamentos. Há todo um conjunto de

outros factores que permitem uma visão mais abrangente sobre o fenómeno. Neste campo não

descuramos a influência de outros significativos, tais como, a família, que é vista como o

grande “laboratório” em termos de aprendizagem relacional, os irmãos, que podem ser um

indicador da forma como será o relacionamento com os outros e do grupo de pares, dado que

é no seio deste que a criança e o adolescente aprendem a comportar-se de acordo com

determinadas normas do grupo.

Optamos ainda por promover uma definição de bullying, dando importância às

características dos dois grupos (vítimas e agressores) e apontando as consequências dos seus

comportamentos tanto a curto como a longo prazo. Fazemos referência ainda à escola e ao

facto de esta problemática ser, por vezes, confundida com a indisciplina. Não descuramos os

estudos que foram (são) efectuados neste contexto. Apresentamos, a nível nacional, quase que

o percurso inicial sobre esta temática. A sua maioria é realizada com um questionário de

Olweus.

Page 94: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

94

A partir deste ponto centramos a nossa atenção na narrativa e nos seus significados. Não

obstante, fazemos referência à narrativa e aos adolescentes e de que forma esta pode ser

organizadora do seu espaço e do seu mundo.

O estudo que desenvolvemos teve como base a metodologia qualitativa, em que tentamos

verificar quais os significados partilhados por estes alunos, face a si mesmos e em relação à

escola. Conseguimos reunir seis significados que podem traduzir a realidade vivida por estes

jovens – aprendizagem; atribuição; estratégias; competências; ambivalência; desilusão.

Desta forma, estes alunos aprendem a resolver os problemas com os pais e com os amigos.

Algumas destas aprendizagens são feitas de forma directa, isto é, vêem como fazem e repetem

mais tarde em situações de interacção com os outros. Há ainda uma modelagem parental em

termos de situações vividas e perpetradas.

Partilham uma desresponsabilização face às situações vividas, isto é, estes alunos não

sabem porque são agredidos. Por outro lado, atribuem às situações e às pessoas aquele seu

comportamento. Apresentam tentativas em que manifestam algum descontrolo em termos de

reacção e em que há por vezes tentativas de controlar essas mesmas reacções.

Os alunos centram as suas estratégias de resolução dos problemas, por um lado, no

evitamento e na fuga o que pode levar a uma internalização dos problemas, isto é, um

acumular de sentimentos e de frustrações. Este facto leva a que os alunos reflictam nas suas

acções falta de competências sociais para lidar com os comportamentos dos outros de forma

mais assertiva e, ainda, uma possível auto-estima fragilizada.

Contudo estes alunos também centram as suas acções na acção, o que leva a uma

externalização dos comportamentos. Aqui também manifestam uma falta de competências

sociais, uma vez que, interagem com os outros apenas de forma agressiva ou centrada na

acção. Não conseguem controlar as suas emoções por muito tempo, ou reagir de outra forma.

Por vezes há também uma tentativa de reacção diferente da que adoptam na maioria das

vezes. Centram-se no choro ou em ficarem zangados, contudo é uma situação que apenas

manifestam hipoteticamente ou em contexto mais protegido, talvez para protegerem a imagem

que têm de “maus”. Estes alunos sabem ainda que os comportamentos adoptados são

inaceitáveis socialmente, daí que não comentem com os pais o que se passa com eles, tanto na

escola, como com os professores.

Page 95: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

95

A falta de competências sociais também é notória quando apresentam soluções “mágicas”

para problemas que se relacionam tanto com a escola, como com os comportamentos dos

alunos que a compõe. Apesar disto há alunos que conseguem traçar alguns caminhos que

podem levar a soluções para os comportamentos dos alunos referenciados como

perturbadores. Provavelmente a não aposta, por parte da escola ou de outros significativos, em

trabalhos de cooperação e em equipa, pode estar por detrás desta lacuna a nível de

competências.

A ambivalência é também partilhada pelos alunos. Alguns sentem-na quando descarregam

a sua raiva no outro, mas sentem arrependimento depois de o fazer. Outros quando têm alguns

comportamentos de agressão, em que há uma necessidade de apoio dos outros, mas que por

vezes não ocorre. Esta relação dual também está presente no facto de tentarem ajudar os

outros, isto é, por um lado sabem que devem ajudar os que estão a sofrer algum tipo de

agressão, mas por outro têm medo das consequências que podem advir dessa situação.

Este sentimento é ainda vivido junto dos pais, no sentido em precisam de ajuda e apoio,

mas sabem que isso por vezes não é possível, por vários motivos, por exemplo, profissionais.

Estes alunos partilham ainda uma desilusão face à escola. Em alguns casos esta desilusão

prolonga-se desde a primária até à actualidade. Relativamente à escola actual sentem que os

professores não estão disponíveis para os ouvir ou ajudar quando precisam. Sentem que os

seus problemas não são tidos em consideração. Acrescentam ainda que os alunos que compõe

a escola são muito problemáticos e que se envolvem frequentemente em agressões. Referem

ainda que os funcionários não ajudam quando precisam.

Os dados recolhidos remetem-nos para uma realidade que é vivida e partilhada por estes

alunos. Quase todos os significados são partilhados pelos dois grupos. Contudo, o grupo dos

agressores apresenta uma desilusão mais marcada face à escola que o grupo das vítimas, o que

poderá de alguma forma estar relacionado com as expectativas face à escola ou mesmo

relacionado com episódios negativos (por parte dos professores) aquando da escola primária.

Ao recolhermos dados, principalmente junto dos alunos, que criam expectativas face à sua

participação num estudo destes, deveremos ter alguma ideia em termos de possível

intervenção, isto é, o que poderíamos fazer com estes alunos e com esta comunidade de forma

a melhorar a vida escolar.

Page 96: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

96

Estes resultados alertam para a necessidade de uma intervenção, onde sejam incluídos os

alunos, os professores e restante comunidade escolar, bem como os pais. A intervenção que

for desenhada deve ter em consideração que o psicólogo ao trabalhar numa escola exerce

várias funções, nomeadamente, avaliação e intervenção com crianças e jovens; colaboração na

organização de serviços de atendimento, onde são avaliadas se as necessidades da criança

estão ou não a ser atendidas e articulação entre os diferentes contextos educativos da criança.

Neste contexto torna-se fundamental recolher a anuência dos vários sistemas (família, escola e

os próprios alunos) que integram esta problemática.

Face ao exposto recolhemos na literatura alguns pontos comuns a programas de

intervenção. Apresentamos, por um lado, um programa que é direccionado para os jovens e

que reporta ao desenvolvimento psicológico do adolescente tendo como base um programa de

desenvolvimento narrativo (Anexo - H) e por outro lado, recolhemos as principais actividades

que podem ser desenvolvidas junto da escola, da família e da comunidade, aquando da

detecção de comportamentos deste género (Anexo - I).

O programa de desenvolvimento narrativo tem como objectivo levar a que estes alunos

possam tomar consciência das suas histórias e de que forma podem estar relacionadas com

outras áreas da sua vida. Relativamente ao programa que abrange a escola, os alunos e demais

intervenientes, este pode ser um ponto de partida para a criação na própria escola de uma

estratégia de acompanhamento e melhoramento da relação entre alunos, professores e

funcionários.

Este trabalho pode complementar os dados que são recolhidos aquando de uma

intervenção mais quantitativa. Podemos observar que estes alunos partilham sentimentos e

sofrimento face às acções que vivem neste contexto. Apesar de ser uma investigação com uma

amostra reduzida, poderá ser o ponto de partida para outras investigações e observações.

Contudo, face aos dados recolhidos haveria outras perguntas que necessitariam de ser

respondidas de forma a perceber mais aprofundadamente estes resultados. Estas perguntas

envolveriam, por um lado, a implicação dos pais na investigação, isto é, verificar que relação

existe entre estes alunos e os demais familiares, e por outro lado, envolver mais jovens

daquela escola ou de outras, de forma a verificar se estes significados poderiam ser

partilhados por outros jovens.

Page 97: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

Bullying em Contexto Escolar: Narrativas e Significados em Adolescentes e Pré-Adolescentes

97

Outro aspecto que poderia ser abordado era a relação com os professores e dos professores

para com estes alunos. Ou seja, permitir que estes pudessem dar a sua visão acerca desta

realidade e de que forma vêem estes alunos.

Poderíamos ainda ter recolhido estes dados através de um instrumento chamado Scan

Bullying, que tem como objectivo, através da apresentação de uma história ao longo de dez

cartões, verificar o carácter regular e a progressiva constrição que caracterizam o processo de

vitimação. A estes dez, juntam-se mais cinco que comportam em si diferentes fins alternativos

para a história. Esta sugestão é ainda mais pertinente na medida em que estes alunos, por

vezes, sentem dificuldade a responder a perguntas, mesmo sendo mais gerais. Contudo, é algo

a ponderar no futuro, dado que por agora, este ainda não está aferido para a população

portuguesa.

Seria igualmente interessante verificar qual o percurso escolar e/ou profissional escolhido

por estes alunos daqui a dois anos, uma vez que é nessa altura que têm que fazer opções a

nível escolar. E também, se ainda mantêm a mesma postura face aos outros e face à escola.

Page 98: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

99

BIBLIOGRAFIA

Almeida, A. & Del Barrio (2002). A vitimização entre companheiros em contexto escolar. In

Machado, C. & Gonçalves, R. (org.s), Violência e Vítimas de crimes – Crianças (pp.171-

197). Coimbra: Quarteto Editora.

Almeida, A. (2000). As relações entre pares em idade escolar. Braga: Centro de Estudos da

Criança – UM.

Alves, A. (1993). Organização cognitiva e narrativa protótipo em toxicodependentes – estudo

exploratório. Tese de Mestrado, não publicada, apresentada ao Instituto de Educação da

Universidade do Minho.

Amado, J. (2001). A prevenção da indisciplina na escola. In Pereira, B. & Pinto, A. (coord.s),

A escola e a criança em risco – intervir para prevenir (pp. 65-76). Porto: Edições Asa.

American Psychiatric Association (2002). DSM-IV-TR Manual de Diagnóstico e Estatística

das Perturbações Mentais (5ªed.). Lisboa: Climepsi Editores.

Bandura, A. (1987). Pensamiento y acción. Barcelona: Ediciones Martínez Roca.

Bardin, L. (2004). Análise de conteúdo (3ªed.). Lisboa: Edições 70.

Bee, H. (1996). A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas.

Bertão, A. (2004). Violência, agressividade e indisciplina em meio escolar: Perdidos em

busca do amor. Psychologica, 36, 149-162.

Botella, L. (2001). Diálogo, Relações e Mudança: uma aproximação discursiva à Psicoterapia

Construtivista. In Gonçalves, M. & Gonçalves, F. (coords.), Psicoterapia, discurso e

narrativa: a construção conversacional da mudança (pp.91-123). Coimbra: Quarteto

Editora.

Burks, V., Laird, R., Dodge, K., Petit, G. & Bates, J. (1999). Knowledge structures, social

information processing and children’s agressive behaviour. Social Development, 2, 220-

234.

Carita, A. & Fernandes, G. (1997). Indisciplina na sala de aula – como prevenir? Como

remediar?. Lisboa: Editorial Presença.

Carvalhosa, S., Lima, L. & Matos, M. (2001). Bullying – A provocação/vitimação entre pares

no contexto escolar português. Análise Psicológica, 4, 523-537.

Cole, M. & Cole, S. (2004). O desenvolvimento da criança e do adolescente. (4ªed.). São

Paulo: Artmed.

Page 99: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

100

Costa, M. & Vale, D. (1998). A violência nas escolas. Lisboa: Instituto de Inovação

Educacional.

Costa, M. (1995). A agressividade entre jovens na escola – “Bullying”. Braga: CEFOPE –

UM.

Craig, W. & Harel, Y. (2002). Bullying, physical fighting and victimization. In Currie, C.,

Roberts, C., Morgan, A., Smith, R., Settertobulte, W., Samdal, O. et al. (eds.).Young

people’s health in context. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) study:

international report from the 2001/2002 survey. Health Policy for Children and

Adolescents, 4, 133-144. Retirado em 2005-10-10 de

http://www.euro.who.int/eprise/main/who/informationsources/publications/catalogue/200

40518_1.

Cruz, J. (1996). Trajectórias criativas: o desenvolvimento humano na perspectiva da

Psicologia Narrativa. Tese de mestrado, não publicada, apresentada ao Instituto de

Estudos da Criança da Universidade de Minho.

Delval, J. (1996). El Desarrollo humano. Madrid: Siglo XXI Editores.

Denzin, N. & Lincoln, Y. (2000). Handbook of Qualitative Research. London: Sage editors.

Dessen, M. & Braz, M. (2005). A família e suas inter-relações com o desenvolvimento

humano. In Dessen, M. & Júnior, A. (Org.), A ciência do desenvolvimento Humano –

Tendências actuais e perspectivas futuras (pp. 113-131). Porto Alegre: Artmed.

Diaz, M. (1992). Psicología Social – Métodos y técnicas de investigación. Madrid: Eudema.

Dodge, K. & Coie, J. (1987). Social-Information-Processing factors in reactive and proactive

agression in children’s peer groups. Journal of Personality and Social Psychology, 6,

1146-1158.

Dodge, K., Lansford, J., Burks, V., Bates, J., Petit, G., Fontaine, R. et al (2003). Peer rejection

and social information-processing factors in the development of aggressive behaviour

problems in children. Child Development, 74, 374-393.

Fauman, M. (2002). Guia de estudo para o DSM-IV TR. Lisboa: Climepsi Editores.

Feldman, R. (2001). Compreender a Psicologia. Amadora: McGraw-Hill Portugal.

Ferreira, A. (2002). In-Disciplina: Estratégias de Intervenção. Psicologia Educação e Cultura,

1, 101-113.

Flick, U. (2005). Métodos Qualitativos na Investigação Científica. Lisboa: Monitor.

Fonseca, A. (1992). Comportamentos anti-sociais no ensino básico: resultados de um

questionário preenchido pelos próprios alunos (self-report). Revista Portuguesa de

Pedagogia, 2, 279-300.

Page 100: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

101

Fonseca, A., Simões, A., Rebelo, J., Ferreira, J. & Cardoso, F. (1995). Comportamentos anti-

sociais referidos pelos próprios alunos – novos dados para a população portuguesa do

ensino básico. Psychologica, 14, 39-57.

Fonte, C. (2005). Investigar narrativas e significados: a Grounded Analysis como metodologia

de referência. Revista da faculdade de ciências humanas e sociais da Universidade

Fernando Pessoa, 2, 290-297.

Fonte, C. (2003). Consumo de álcool e drogas ilícitas em estudantes da Universidade do

Minho: da estatística à construção narrativa de significados. Tese de Mestrado, não

publicada, apresentada à Universidade do Porto.

Gerring, R. & Zimbardo, P. (2005). A Psicologia e a vida. (16ª ed.). São Paulo: Artmed.

Gil, A.C. (1989). Métodos e técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Editora Atlas.

Gonçalves, M. & Henriques, M. (2000). Terapia Narrativa da Ansiedade. Coimbra: Quarteto

Editora.

Gonçalves, O. (1997). Cognição, Narrativa e Psicoterapia. Psicologia: Teoria, Investigação e

Prática, 1, 255-264.

Gonçalves, O. (2002). Viver Narrativamente: a Psicoterapia como adjectivação da

experiência. (2ª ed.) Coimbra: Quarteto Editora.

Groue, M. & Walsh, D. (2003). Investigação etnográfica com crianças – Teorias, Métodos e

Ética. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Guidano, V. (1991). The self in process. New York: The Guilford Press.

Habermas, T. & Paha, C. (2001). The development of coherence in adolescents – life

narratives. Narrative Inquiry, 20, 35-54.

Hartup, W. (1996). The company they keep: Friendships and their developmental

significance. Child Development, 67, 1-13.

Hermans, H. (2001). A pessoa como narrador motivado de histórias: Teorias da Valoração e o

Método de Auto-Confrontação. In Gonçalves, M & Gonçalves, F. (coords.), Psicoterapia,

discurso e narrativa: a construção conversacional da mudança (pp.157-206). Coimbra:

Quarteto Editora.

Kail, R. (2004). A criança. São Paulo: Pearson Education.

Machado, B., Gonçalves, O., Machado, P., Henriques, M., Brandão, I. & Roma-Torres, A.

(2005). Anorexia Nervosa e Construção de Significado: validação divergente de uma

narrativa protótipo. Revista de informação e divulgação científica do NDCA, 4, 2-12.

Retirado em 2005 – 10 – 19 de https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/3022.

Page 101: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

102

Mackeough, A & Genereux, R. (2003). Transformation in narrative thought during

adolescence: the structure and content of story compositions. Journal of educational

Psycology, 95, 537-552.

Mallon, B. (2001). Ajudar as crianças a ultrapassar as perdas. Porto: Âmbar.

Marcelli, D. (2005). Infância e psicopatologia. Lisboa: Climepsi Editores.

Marques, R. (2002). O director de turma e a relação educativa. Barcarena: Editorial Presença

Martín, J. (1993). Conflictividad y violencia en los centros escolares. Madrid: Siglo XXI de

España Editores.

Mary, T. (2004). Pesquisa Social – Questões, métodos e processos. (3ªed.). São Paulo:

Artmed.

Matos, M. & Gonçalves, M. (1999). Narrativas da violência conjugal: processo de construção

de identidade. In Soares, A., Araújo, S. & Caíres, S. (org.s), Avaliação Psicológica:

Formas e Contextos (pp.165 - 175). Braga: APPORT.

Montagner, H. (1993). A vinculação – A aurora da ternura. Lisboa: Instituto Piaget.

Newnam, W. (1997). Social Research Methods – qualitative and quantitative approaches.

Boston: Ally & Bacon.

Olweus, D. (1993). Bullying at school. Cambridge: Blackwell Publishers.

Papalia, D., Olds, S. & Feldman, R. (2001). O mundo da criança. Amadora: McGraw-Hill.

Pellegrini, A. & Smith, P. (1993). School recess: implications for education and development.

Review of Educational Reserch, 1, 51-67.

Pereira, B. (2002). Para uma escola sem violência – estudo e prevenção das práticas

agressivas entre crianças. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a

Ciência e a Tecnologia.

Pereira, B. (2001). A violência na escola – formas de prevenção. In Pereira, B. & Pinto, A.

(coords.), A escola e a criança em risco – intervir para prevenir (pp.17-47). Porto:

Edições Asa.

Pereira, B., Almeida, A., Vale, L. & Mendonça, D. (1996). O “Bullying” nas escolas

portuguesas: análise das variáveis fundamentais para a identificação do problema. In

Almeida, L., Silvério, J. & Araújo, S. (org.s), Actas do 2º congresso Galaico – Português

de Psicopedagogia (pp. 71-81). Braga: Universidade do Minho.

Pidgeon, N. (1996a). Grounded theory: theoretical background. In Richardson, J. (ed.),

Handbook of qualitative research methods for Psychology and the Social Sciences (pp.75-

85). Leicester: BPS Books.

Page 102: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

103

Pidgeon, N. (1996b). Grounded theory: practical implementation. In Richardson, J. (ed.),

Handbook of qualitative research methods for Psychology and the Social Sciences (pp.86-

101). Leicester: BPS Books.

Pinto, A. & Leal, T. (1991). Reflexões sobre o papel do Psicólogo Educacional. Psicologia,

VIII, 1, 25-31

Pires, M. (2001). Práticas de agressividade/Violência/Vitimação no contexto escolar. In

Pereira, B. & Pinto, A. (coords.), A escola e a criança em risco – intervir para prevenir

(pp. 203-223). Porto: Edições Asa.

Polkinghorne, D. P. (1988). Narrative psychology.New York: Suny Press.

Popper, C.; Gammon, G.; West, S. & Bailey, C. (2006). Transtornos Geralmente

Diagnosticados pela primeira vez na infância ou na adolescência. In Hales, R. &

Yudofsky, S. (org), Tratado de Psiquiatria Clínica (pp. 787-919). Porto Alegre: Artmed.

Porot. M. (s/d). A criança e as relações familiares. Porto: Rés-Editora.

Putallaz, M. (1987). Maternal behaviour and cildren’s sociometric status. Child Development,

58, 324-340.

Quartilho, M. (2001). Cultura, Medicina e Psiquiatria. Coimbra: Quarteto Editora.

Quintana, J. (1993). Pedagogía familiar. Madrid: Nancea Ediciones.

Ramirez, F. (2001). Condutas agressivas na idade escolar. Amadora: Editora McGraw-Hill.

Ray, G., Norman, M., Sandowski, C. & Cohen, R. (1999). The role of evaluator-victim

relationships in children’s evaluations of peer provocation. Social Development, 3, 380-

393.

Relvas, A. (2003). Por detrás do espelho – da teoria à terapia com a família. Coimbra:

Quarteto Editora.

Ribeiro dos Santos, M. (2004). Violência(s) na escola. Psychologica, 36, 163-174.

Rocha, C. (2005). O desenvolvimento narrativo na adolescência. Tese de Mestrado, não

publicada, apresentada ao Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.

Sani, A. (2004). O discurso de crianças expostas à violência interparental: estudo qualitativo.

Psychologica, 36, 109-130.

Sani, I., Gonçalves, R. & Keating, J. (s/d). As realidades experienciais de crianças vítimas e

testemunhas de violência – relatório de investigação. Braga: Centro de Estudos em

Educação e Psicologia – UM.

Santrock, J. (2004). Adolescencia. Madrid: McGraw-Hill.

Schaffer, H. (2004). Introdução à Psicologia da criança. Lisboa: Instituto Piaget.

Page 103: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

104

Schaffer, H. (1996). Desenvolvimento Social da Criança. Lisboa: Instituto Piaget.

Schwartz, D., Dodge, K., Petit, G. & Bates, J. (1997). The early socialization of aggressive

victims of bullying. Child Development, 4, 665-675.

Sebastião, J., Alves, M. & Campos, J. (2003). Violência na escola: das Políticas aos

quotidianos. Sociologia, Problemas e Práticas, 41, 37-62.

Silva, A. (2004). Desenvolvimento de competências nos adolescentes. Lisboa: Climepsi

Editores.

Silva, C. (1995). Bullying – A agressividade no 3º ciclo do ensino básico no meio urbano e

rural. Braga: CEFOPE – UM.

Silva, C., Nossa, P. & Silvério, J. (2000). Incidentes críticos na sala de aula – Análise

Comportamental Aplicada (ACA). Coimbra: Quarteto Editora.

Silva, E. (1995). Bullying – estudo comparativo das práticas agressivas entre rapazes e

raparigas do 2º ciclo. Braga: CEFOPE – UM.

Slee, P. (1998). Bullying amongst Australian primary school students. In Slee, P. & Rugby,

K. (org.), Children’s peer relations (pp. 205-213). New York: Routledge.

Smith, P., Talamelli, L., Cowie, H., Naylor, P. & Chauhan, P (2004). Profiles of non-victims,

escaped victims, continuing victims and new victims of school bullying. British Journal of

Educational Psychology, 74, 565-581.

Soares, N. (1995). Bullying – estudo da agressão e vitimação em alunos do 11º ano do ensino

secundário. Braga: CEFOPE – UM.

Sprinthall, N. & Collins, W. (1999). Psicologia do Adolescente – uma abordagem

desenvolvimentista. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Sprinthall, N. & Sprinthall, R. (1993). Psicologia educacional. Amadora: Editora McGraw-

Hill.

Stake, R. (1998). Investigación con estudio de casos. Madrid: Ediciones Morata.

Szelbracikowski, A. & Dessen, M. (2005). Compreendendo a agressão na perspectiva do

desenvolvimento humano. In Dessen, M. & Júnior, A. (Org.), A ciência do

desenvolvimento Humano – Tendências actuais e perspectivas futuras (pp. 231-247).

Porto Alegre: Artmed.

Tattum, D. & Lane, D. (1989). Bullying in schools. London: Tentham Books.

Triviños, A. (1987). Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais – A pesquisa qualitativa em

educação. São Paulo: Editora Atlas.

Page 104: Elisabete Maria da Silva Ferreira BULLYING EM CONTEXTO

105

Vala, J. & Monteiro, M. (2000). Psicologia Social. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Vitória, F. (1997). Desenvolvimento Psicológico do Adolescente em Contexto Escolar:

Apresentação do Programa de Desenvolvimento Narrativo. Psicopedagogia, Educação e

Cultura, 2, 267 - 278.