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Em Busca do Graal Sagrado EM BUSCA DO SANTO GRAAL INÚMEROS SÃO OS QUE PROCURAM O GRAAL NO MUNDO O GRAAL CÉLTICO E A SAGA DE ARTUR PRESENÇA DO GRAAL EM CADA UM PARSIFAL O CAMINHO DO PESQUISADOR OS CÁTAROS NO CAMINHO DO SANTO GRAAL ORIGEM E SIGNIFICADO DAS LENDAS DO GRAAL A VIAGEM DO ORIENTE AO OCIDENTE O LIVRO DOS REIS DA PÉRSIA ANTIGA KITESJ, SÍMBOLO DE UM COSMO INVIOLADO PentagramA Revista d o Lectorium Rosicrucianum edição especial

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Em Busca do Graal Sagrado

EM BUSCA DO

SANTO GRAAL

INÚMEROS SÃO OS QUE

PROCURAM O GRAAL

NO MUNDO

O GRAAL CÉLTICO E A

SAGA DE ARTUR

PRESENÇA DO GRAAL

EM CADA UM

PARSIFAL – O CAMINHO

DO PESQUISADOR

OS CÁTAROS NO

CAMINHO DO SANTO

GRAAL

ORIGEM E SIGNIFICADO

DAS LENDAS DO GRAAL

A VIAGEM DO ORIENTE

AO OCIDENTE

O LIVRO DOS REIS DA

PÉRSIA ANTIGA

KITESJ, SÍMBOLO DE UM

COSMO INVIOLADO

PentagramARevista do Lectorium Rosicrucianum edição especial

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ÍNDICE

02 EM BUSCA DO

SANTO GRAAL

03 INÚMEROS SÃO OS

QUE PROCURAM O GRAAL

NO MUNDO

06 O GRAAL CÉLTICO E A

SAGA DE ARTUR

11 PRESENÇA DO GRAAL

EM CADA UM

12 PARSIFAL – O CAMINHO

DO PESQUISADOR

18 OS CÁTAROS NO CAMINHO

DO SANTO GRAAL

24 ORIGEM E SIGNIFICADO

DAS LENDAS DO GRAAL

29 A VIAGEM DO ORIENTE

AO OCIDENTE

32 O LIVRO DOS REIS DA

PÉRSIA ANTIGA

39 KITESJ, SÍMBOLO DE UM

COSMO INVIOLADO

EDIÇÃO ESPECIAL

DIA PORTAS ABERTAS

CENTRO DE CONFERÊNCIAS

PEDRA ANGULAR, JARINU

24 DE OUTUBRO DE 2004

PENTAGRAMA

Tema deste número:

Em busca do Santo Graal

Muitos grupos orientados espiritualmente utilizam,

em seus emblemas, o símbolo do Graal. O Graal está

na moda. Ele é cada vez mais conhecido e procurado, da

mesma forma como na Idade Média. Suas lendas eram,

então, a forma pela qual uma mensagem secular

seria outra vez transmitida à humanidade.

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Em busca do Santo Graal

A busca do Graal é um tema sem-pre atual. É um símbolo universalda busca da verdade: a verdadeeterna que se apresenta quando oser humano alcança o limite de suaspossibilidades. Foi assim na IdadeMédia, e continua assim ainda hoje.Mas nesse meio tempo, a humani-dade – e cada indivíduo – evoluiu.Para o bem ou para o mal, para oalto, para uma elevação ao Espíritodivino, ou para baixo, descendosempre mais no abismo da matéria.

ada época recebe novas possibili-dades que lhe são específicas. Frontei-ras claras devem encerrar o passado. Enão teria nenhum sentido querer atra-vessar de novo essas fronteiras unica-mente para procurar, no passado, ele-mentos ainda hoje válidos. A verdadepermanece sempre a mesma, embora,a cada segundo, ela se apresente demodo novo, diferente. E o ser huma-no é, sempre de novo, convidado a co-laborar com esse processo de renova-ção, como participante consciente daCriação.

Assim também o Graal, em nossosdias, não é o mesmo Graal dos séculospassados. E futuramente ele tambémnão será o mesmo que é agora. Massua essência não muda e somente elapode auxiliar o pesquisador a dar maisum passo no seu caminho. Os contosdo Graal são uns mais lindos que osoutros, cativantes e simbolicamentepuros. Mas nenhum pode fazer o pes-quisador progredir se este não desco-brir e não compreender interiormentesua mensagem para realizá-la em suaprópria vida.

Por isso, este número sobre a buscado Santo Graal não é um relato histó-rico, mas, sim, o testemunho cons-ciente e autêntico do caminho que de-ve, de fato, ser seguido para a conquis-ta do Santo Graal, a taça que podetransmitir o Amor divino, transmuta-do em uma Força apropriada para in-dicar e iluminar o caminho de cadapesquisador.

Assim, aqueles que participaram daelaboração deste número não hauri-ram somente das riquezas do passado,mas voltaram-se principalmente parao futuro glorioso que se abre para ahumanidade nos tempos presentes.

Esperamos que estes textos, traba-lhados a partir das alocuções pronun-ciadas por ocasião do simpósio sobreo Graal, acontecido em 24 de maio de2001, no Centro de ConferênciasChristianopolis, em Birnbach, na Ale-manha, permitam ao leitor aprofundarsua compreensão sobre o mistério doGraal.

A Redação

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Inúmeros são os que procuram o Graalno mundo

As lendas bem conhecidas do Graalsó dão uma pequena idéia daimensa influência da mensagemque transmitiam. Elas apresenta-vam um caminho espiritual queconservou toda a sua importânciapara o homem de hoje. A fontedessa mensagem é a Gnosis, a ver-dade universal, percebida e trans-mitida sob a forma de uma vidaconcreta e regeneradora.

busca do Graal não é, portanto,uma ficção, e muito menos o relato deacontecimentos sobre os quais pode-mos discutir científica ou filosofica-mente. Trata-se de uma prática de vidaadotada de forma direta e radical pelopesquisador a caminho para a verdadevivente. Para conceber um pouco agrandiosidade desse impulso, aomesmo tempo secular e tão atual, estecaminho deve compreender a mensa-gem libertadora oculta em cada feitoheróico dos cavaleiros do passado.Esses acontecimentos apresentam doisaspectos, duas dimensões: por umlado, um aspecto humano transmitidopelas aventuras pitorescas dos cavalei-ros; por outro lado, a dimensão divinaalcançada após a execução desses atosheróicos. O aspecto humano aparecediretamente na luta contra o orgulho,a tolice e o escândalo da ignorânciacom referência à vida superior. Estessão os inimigos característicos daque-les que partem em busca interior doCastelo do Graal.

Parsifal consegue vencer seusadversários com o auxílio da forçainterior que lhe é sempre concedida.Mas, apesar de sua coragem e de sua

genialidade, ele ainda não pode encon-trar a Luz. Ele é levado pela inquietu-de e pela agitação provocadas por seudesejo do Graal. Mas sua vitória sobreo Cavaleiro Vermelho lhe dá o poderde penetrar no castelo do rei Artur.Podemos considerar o CavaleiroVermelho como a alma natural, intei-

O Graal, fonte de vida. O cervosimboliza a alma sedenta, os pavões,o homem dialéticoque a água Viva dessedenta. Baixorelevo de pedra,Itália, século IX ou Xd.C. Staatmuseum,Berlim.

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ramente devotada à vida terrestre.Para o pesquisador autêntico, ela é oprimeiro obstáculo a ser superado seele quer alcançar a vida superior daalma. Seu caráter e o meio no qual elevive, portanto sua herança sanguínea,são igualmente obstáculos a seremvencidos, o que implica num processode purificação da alma que se preparapara o encontro com o Espírito.

Herança coletiva da humanidade

Esse conflito interior acontece en-tre o consciente e o subconsciente. Osubconsciente contém, em si, as forçasque se desenvolveram quando ohomem se separou da ordem divinaoriginal. Essas antigas e poderosasconcentrações de força continuam aser mantidas. Elas formam a herançacoletiva da humanidade, toda a suahistória. Ao mesmo tempo, elas for-mam a herança individual das vidaspassadas de cada personalidade, assimcomo da estrutura da personalidadeatual. Esses são os inimigos e os obs-táculos que Parsifal deve vencer du-rante sua busca do Graal. Ele não sedeixa deter por essas forças. Ele possuia força interior sob a forma de umaespada que se torna cada vez maisforte e cortante à medida que ele pro-gride. Essa espada é uma arma espiri-tual, o auxílio indispensável paratodos aqueles que querem acertar suaconta com os demônios do mundosubterrâneo do subconsciente.

O Castelo do Graal não é, pois, parao pesquisador, alguma fortaleza em

ruína nos Pireneus. Essas testemunhasdo passado podem estimulá-lo forte-mente, mas essa não é a finalidade desua viagem. O Castelo do Graal edifi-cado pelo homem atual é um campoenergético regenerador, mantido poruma comunidade de almas que aspi-ram crescer e se elevar. Esse SantoGraal é constituído e sustentado porhomens que vivem sobre a terra, quedescobriram o Graal por meio de seucombate e purificação interiores. EsseGraal vivente contém a energia salva-dora do Cristo Cósmico e se derramasobre a humanidade. Quem entra emcontato com essa força recebê-la-ácom grande alegria e desejará dar teste-munho dela. Mas é preciso tambémassimilá-la. Essa é a espada com a qualParsifal combate, o gládio mencionadopor Jesus quando disse em Mat.10:34:Eu não vim trazer a paz, mas a espada.Essa espada tem o poder, a força, deseparar o puro do impuro.

O Parsifal moderno segue o cami-nho de sua libertação interior no seiode um grupo comparável à TávolaRedonda da corte do rei Artur. EssaTávola Redonda, essa comunidade depessoas com a mesma orientação, tema tarefa de se preparar para formaruma taça, um Graal, um vaso, umacratera, a fim de aí receber as forçasdivinas e de transmiti-las a todos osque o desejarem.

Purificação interior da alma

No mundo existem inumeráveisbuscadores do Graal. Em todos os

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domínios, todos os campos de pesqui-sa e em todos os níveis encontram-sepessoas com essa preocupação, cons-ciente ou não. Enquanto esse processose desenrola de forma inconsciente,eles contestam mutuamente suas des-cobertas e combatem em vão o Cava-leiro Vermelho. Mas assim que, comoParsifal, seu desejo interior os leva a sevoltarem para seu próximo, eles to-mam consciência de seu combate, oqual se transforma, então, numa puri-ficação e numa preparação interior daalma. E por suas palavras, escritos eações, eles testemunham do auxílio eda consolação que constantementesentem enquanto mantêm o Graal emmira. É que o Graal, que é a sua fina-lidade, já os sustenta e os alimenta hámuito tempo.

Enquanto a alma participa dasdores e lutas terrestres, é impossívelao buscador distinguir o Graal como aúnica finalidade da vida: seu podersensorial está danificado demais. Eisporque a antiga estrutura da alma deveser transformada em uma nova, capazde ser alimentada pela força regenera-dora e, com isso, reagir de maneiracorreta. Se for este o caso, o que pode-ria ainda prejudicá-la? A morte? Elavenceu todos os aspectos da morte – avida cotidiana inconsciente. Portanto,o Graal é o mistério da alma renovadaa caminho para a eternidade.

Eis uma das razões pelas quais osprocessos do Graal foram descritos,no passado, em linguagem simbólicatão colorida. Aqueles que fizeram essaexperiência o compreenderam. Para osoutros, eram as maravilhosas históriasque alimentavam seu desejo de umavida melhor, de uma vida superior.

Aqueles que buscam o Graal devempenetrar em seu foro interior. É lá quecomeça a viagem e em nenhum outrolugar. O ponto de partida é um grandedesejo de penetrar o mistério da trans-formação da alma. Porque a consola-ção que emana do Graal dá ao peregri-no a alegria de um saber autêntico,crescente, que é designado comoGnosis. Bem antes de poder ser umguardião do Graal, o buscador já estáligado a ele; ele experimenta e tambémsabe que sua busca seguirá um longocaminho, doloroso e, por momentos,precário.

O Graal, como mistério de inicia-ção, está agora tão vivo como na IdadeMédia, quando esse conhecimento,por volta do ano 1200, foi traduzidoem narrativas pitorescas. Algumasdelas são abordadas nesta Penta-grama. Na nossa época, esse mistérioé explicado de forma diferente porqueé pelo poder mental que a buscacomeça. Entretanto, o Graal só revelaseus segredos àqueles que estão pron-tos, de todo o seu coração, a suportaras conseqüências de seu encontro comessa força regeneradora. Quem querseguir o caminho sempre pode encon-trar o Graal. Este projeta suas raízesfora do tempo e, com uma paciênciainfinita, chama todas as almas e as levade volta à vida eterna.

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Artur retira aespada da pedra.Victoria & AlbertMuseum, Londres.

Os celtas estão na origem das len-das do Graal na Europa. Eles nãotinham uma verdadeira estruturaestatal, mas formavam uma socie-dade dirigida pelos druidas, quetransmitiam seu ensinamento aopovo sob a forma de contos ou decantos.

cidade de Carnutum (atualmenteChartres) é considerada como o maisimportante local de reunião dos drui-das. Na floresta circundante encontra-va-se uma gruta onde eles guardavama representação da Virgo paritura, avirgem parturiente. Lá eles aguarda-vam o nascimento daquele que «des-ceria no abismo para sair dele vence-dor». A Bretanha, a Irlanda, o País deGales e a Escócia conservam ainda nu-merosos traços dessa cultura religiosa.

A mitologia celta foi tema de umtexto intitulado Os Mabinogion. Tra-ta-se de uma espécie de Graal: um cal-deirão que servia de instrumento ini-

ciático. Na realidade, havia dois cal-deirões: o do renascimento e o doaperfeiçoamento. Dizia-se que o heróimorto em combate retornava à vidaimergindo no primeiro. O segundoestava cheio do alimento de que o he-rói renascido precisaria para progre-dir. Mas ele estava vazio para quemdele se aproximasse sem ter vivido deforma heróica.

O Caldeirão de Ceridwen

Ceridwen era a deusa-mãe celta. Elapossuía um caldeirão no qual prepara-va uma beberagem que poderia pro-vocar renascimento ou metamorfose.Um jovem que bebesse uma gota des-ta beberagem conheceria todos os se-gredos e renasceria, após uma série demetamorfoses, sob a forma do GrandeDruida e Bardo Taliesin – a princípio,na qualidade de aluno de Merlin; emseguida, ele mesmo seria chamado deMerlin. Taliesin significa fronte irra-diante. O caldeirão e a taça são símbo-los femininos e representam o princí-pio receptor; a lança e a espada sãosímbolos da força masculina.

As cruzes solares celtas

A cruz celta combina aspectos docristianismo oriental e da sabedoriadruídica ocidental. Não é somente umsímbolo do corpo físico, mas tambémdo encontro entre matéria e Espírito.Freqüentemente, encontra-se, no meiodessa cruz, uma roda solar ou a repre-

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O Graal céltico e a saga de Artur

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sentação de um movimento rotativosimbolizado por três sinais semelhan-tes ligados uns aos outros por um cen-tro comum. A cruz é também o sím-bolo do homem em pé, os braços es-tendidos e os pés firmes no chão. Nocruzamento das duas hastes, o sol en-globa a cabeça e o coração, imagem dohomem regenerado pelo Espírito divi-no. A ligação da corrente oriental e datradição druídica gerou o cristianismocelta e os contos da Távola Redondado rei Artur.

Merlin era o grande iniciado nosMistérios druídicos, e, assim sendo,possuía o dom de profecia. E, uma vezque, segundo a lenda, ele tinha acessoa todas as esferas de vida, criou condi-ções para que Artur viesse ao mundoem Tintagel, um castelo que ficava nacosta da Cornualha, no sudoeste da

Inglaterra. Merlin havia feito um acor-do com o rei Uther Pendragon: levariao jovem príncipe para educá-lo emlugar seguro. Quando Uther Pendra-gon morreu, houve uma controvérsiasobre sua descendência, pois ninguémsabia que ele tinha um filho. Na noitede Natal apareceu, na praça do merca-do, uma pedra na qual estava cravadauma espada. Uma inscrição em letrasde fogo indicava que aquele que pu-desse retirar a espada da pedra tornar-se-ia o rei da Inglaterra. Muitos cava-leiros tentaram em vão, e, finalmente,foi o jovem Artur quem conseguiu re-tirar a espada, sem dificuldade. Dessaforma, ele provou sua linhagem e suavocação.

Segundo a lenda, Merlin, que o ha-via assim entronizado, tornou-se seuconselheiro, e juntos estabeleceram

Galaad se junta àTávola Redonda eocupa o lugar vazio.Itália, por volta de1390.

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paz e prosperidade no país. Então, oGraal foi introduzido na Inglaterra e oRei pescador deu instruções a Merlinpara que instituísse uma Távola Re-donda. Uther Pendragon lhe pedirapara transmitir essa herança ao seufilho Artur, que estaria apto a realizaressa tarefa. Ele criaria uma nova fra-ternidade na qual se reuniriam todosos que combatessem o mal com suaspalavras e seus atos. Merlin deu a Ar-tur a espada mágica Excalibur tendoem vista a boa causa. O portador dessaespada – oferecida pela Dama do Lago– era invencível.

Ao lado de um rei vencedor o povodesejava também uma rainha. Essamulher, Guinevere, trouxe infelicida-de para a fraternidade dos nobres ca-valeiros, por causa dos problemas quesurgiram devido a suas relações comLancelot, o melhor amigo do rei. Ar-tur não reagiu nem com ciúmes, nemcom ódio ou cólera, mas sim comcompreensão. Ele também teve difi-culdades com seu filho adulterinochamado Mordred, que se tornou seupior inimigo. Uma de suas meio-ir-

mãs, a fada Morgana, tentou aniquilara Távola Redonda, mas esbarrou naelevada ética dos cavaleiros e, princi-palmente, com Galaad, que não se dei-xou influenciar.

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O Caldeirão de Gundestrup,recoberto deprata. Dinamarca,século I ou II a.C.National Museum,Copenhague.

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«É preciso que vás embora»

Quando Merlin levou Galaad à Tá-vola Redonda, este tomou lugar, semdificuldade, na décima terceira cadei-ra, a cadeira perigosa, e seu nome apa-receu em letras luminosas sobre o es-paldar. Era o cavaleiro que todos espe-ravam há muito tempo. No mesmoinstante, alguns anjos trouxeram oGraal, que ofereceu deliciosos manja-res a cada um deles. Os cavaleiros fica-ram tão tocados que decidiram partirem busca do Graal, que desapareceude suas vistas. Somente o rei Arturpermaneceu em Camelot. Comoadeus, o cavaleiro Gawain disse a Ga-laad: É preciso que vás embora, poisnão és dos nossos. Merlin também nãoos acompanhou, pois ele havia termi-nado sua tarefa e retirou-se da TávolaRedonda.

Em seguida, o rei Artur teve de lu-tar contra seu próprio filho. Na véspe-ra do combate, seus conselheiros, quehaviam consultado os astros, disse-ram-lhe que não saísse de sua tenda no

dia seguinte. À noite, o rei sonhou queestava acorrentado à roda do destino,que a deusa da Fortuna girava. Na pri-meira volta da roda, ele encontrou-seno alto, como rei; na volta seguinte, naparte de baixo da roda, ele tinha setornado um mendigo. Então, compre-endeu a lei inflexível da reencarnação.Ele percorreu sua vida num relance edescobriu a relatividade dos desejosde bondade e de perfeição terrestres.

No dia seguinte, depois de ter ad-quirido esta compreensão, ele foi lutarcontra seu filho. Os dois infligiramferimentos mortais um ao outro.Mordred morreu e Artur pediu a seuamigo que o levasse até um lago vizi-nho. Lá ele devolveu Excalibur à Da-ma do Lago. Depois, uma nave comnove mulheres levou o rei à ilha decristal, Avalon, para cuidar dele e pre-pará-lo para seu retorno, quando fos-se a hora. Artur é o rei! Agora e parasempre!

A busca do Graal continuou, em-bora numerosos cavaleiros tenhamperdido a vida ou se perdido. No en-tanto, três cavaleiros encontraram o

Galaad encontra o Graal.Tapeçariade Burne-Jones,executada porWilliam Morris,Birmingham CityMuseum & ArtGallery.

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Cálice Sagrado: Bohor, Parsifal e Ga-laad. Mas apenas um pôde aproximar-se dele. E a lenda relata: Depois disso,o Graal desapareceu do mundo.

A Távola Redonda continuaatual

Quem não se senteria tocado pelanobreza, valentia e tragédia dessa ma-ravilhosa história? «Eram heróis, Ar-tur, Lancelot, Parsifal e Galaad. E es-tão vivos ainda hoje!» Há séculos ohomem é criado com a idéia de que overdadeiro herói é um personagem ex-terior a ele mesmo, de modo que, de-pois de uma história tão bonita, ele re-torna tranqüilamente à mediocridadede sua vida cotidiana: comer, beber,dormir, e talvez, durante as férias, visi-tar Tintagel, para ver se ainda existealguma coisa por lá...

E a mensagem do Graal em tudoisso? Apesar de tudo, ela ressoa em ca-

da passagem da nobre lenda. É a pró-pria história da vida. Todos os aconte-cimentos dessa lenda representam abusca dos ideais, assim como os esfor-ços, os desalentos, as descobertas e asdecepções da vida. O que buscamosem nossos dias com nossas máquinasultra-rápidas, nossos aparelhos sofis-ticados e os produtos sintéticos? Sãoempreitadas muito parecidas com asdos cavaleiros que estavam em buscado Graal. Alguns querem alcançar umideal elevado e ajudar o próximo; ou-tros querem conseguir um domínioabsoluto sobre a natureza ou sobre ospovos. Assim, cada um traz, em simesmo, os diferentes aspectos da bus-ca: em cada um se esconde o rei Artur.

Um bom rei não é um tirano, po-rém assume conscientemente a res-ponsabilidade de todas as vidas con-fiadas à sua direção. Portanto, ele nãose aproveita de seus súditos para al-cançar seus próprios objetivos; ele nãoos explora. Na qualidade de verdadei-ro cavaleiro, ele não luta em interessepróprio. Mas será que ainda existemcavaleiros como esses?

Quem ainda pode ouvir a voz inte-rior, sua consciência, por ela será ins-pirado a seguir o caminho correto. Noentanto, para ouvi-la, é preciso calmae silêncio interiores. Ora, é escutandoessa voz que o cavaleiro andante podedescobrir e ver claramente qual é averdadeira finalidade de sua vida e,por fim, alcançá-la.

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A busca do Graal. Esboço deWalter Map,Bridgeman ArtLibrary, Londres

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Presença do Graal em cada um*

Certamente conheceis a lenda doSanto Graal. Esta antiga lendaconta que o Graal é a taça utiliza-da por Jesus, o Senhor, por ocasiãoda Santa Ceia. Diz a lenda que ne-la José de Arimatéia recolheu osangue do crucificado e, em segui-da, tomou o Graal sob sua pro-teção. Mais tarde, seus sucessorestransportaram o Graal para oOcidente, onde se encontra, até opresente momento, guardado emlocal oculto.

sta lenda, que é profanada de todasas maneiras possíveis pelos místicospara especulações emocionais, e queserviu de tema, na Idade Média, paradiversas obras poéticas por parte dosimitadores místicos, em sua simplici-dade nos dá plenamente os valoresgnósticos de que necessitamos paracompreender o que é o Graal, comodeverá ser edificado ou onde podere-mos encontrá-lo.

Para penetrar neste mistério, cha-mamos primeiramente vossa atençãopara tudo o que já foi considerado nanarrativa do Evangelho sobre o enviode Pedro e João para a preparação daSanta Ceia. É o próprio aluno quemterá de preparar o Graal para que elepossa, em seguida, ser utilizado porJesus, o Senhor.

Anatomicamente, a taça do Graal éindicada pelos três círculos plexiais jámencionados: o da laringe, o dos pul-mões e o do coração. A parte superiorda taça sagrada corresponde ao sis-tema da laringe; a haste da taça decristal está erigida nos pulmões e abase fica na cavidade cardíaca. A pos-sibilidade para a confecção dessa taçanupcial encontra-se, portanto, pre-sente em todos os seres humanos.

* A Gnosis Universal, Jan van Rijckenborghe Catharose de Petri, Lectorium Rosicru-cianum, São Paulo, 1985.

E

Armado com oescudo da Fé eacompanhado pelaspombas do EspíritoSanto, um cavaleiroparte para lutarcontra o mal.Summa de vitiis,Peraldus, 1240,British Library,Londres.

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A Idade Média foi uma época emque houve grande angústia naEuropa. A Igreja procurava asse-gurar suas posições na sociedade. Aliberdade de expressão desapare-ceu, a vida espiritual enfraqueceue depois se extinguiu. O Ocidentepôs-se em marcha contra o Islã.Mas a civilização do Oriente Mé-dio conheceu um desenvolvimentomuito maior do que o Ocidente, eos cruzados levaram um novoimpulso cultural para casa.

Inquisição empreendeu a erradi-cação de toda renovação de vida espi-ritual no seio dos dogmas já estabele-cidos. Um renascimento espiritualbuscou, pois, seus próprios caminhospara expressar-se e comunicar-se. Ahistória de Parsifal e de sua busca doGraal, tal como relatada, por exem-plo, por Chrétien de Troyes eWolfram von Eschenbach, é uma ilus-tração disso. São, à primeira vista,romances de aventuras que evocam oheroísmo, a fé, a coragem e os amoresdos cavaleiros. Eles descrevem a bele-za e a virtude das damas amadas e asprovas que os cavaleiros devemsuportar por elas.

Podemos também encontrar nelesum caminho de iniciação, velado, na-turalmente, mas perfeitamente deci-frável com o auxílio de certas chaves.Foi assim que, sob imagens ricas e fa-bulosas, os bogomilos, os templáriose os cátaros ocultaram sua viventesabedoria antiga e conseguiram legá-la à posteridade.

Embora Wolfram von Eschenbach,reconheça ter-se servido do romance

inacabado de Chrétien de Troyes,afirma tê-lo haurido de uma outrafonte. Ele dá como referência o magoKyot, um iniciado que havia desco-berto a lenda do Graal num velho ma-nuscrito, em Toledo. Esse manuscritoera obra do filósofo oriental Flegeta-nis que havia lido nos astros algunsdados relativos ao Graal. «Uma mul-tidão de anjos o trouxe para a terra,depois voou para as estrelas...» Kyotprocurou saber onde se encontravaessa preciosa dádiva do céu e isso olevou à linhagem dos Anschauwe (vi-sionários). Não se tratava de uma di-nastia existente, mas de uma raça deseres enobrecidos pela contemplaçãoespiritual.

Wolfram von Eschenbach deu ou-tra razão de não ter sido ele a origemda lenda do Graal. Ele afirmava nãoser um erudito, mas um cavaleiro quenão sabia ler nem escrever. Certa-mente não devemos considerar tal de-claração literalmente; mas isso mostrabem que se tratava de um homemmodesto, que pensava que sua imagi-nação, embora grande, era insuficien-te para descrever o bem supremo.Com efeito, ele descreveu, usando umambiente da época, como a alma queaspira a Deus acaba fundindo-se comas forças espirituais do Graal, apóssubmeter-se a muitas provas e purifi-cações. No presente, esse caminho étão significativo como o foi outrora;entretanto, ele se adapta às possibili-dades e às limitações da humanidadeatual. Interpretado de forma adequa-da e positiva, esse caminho simbólicoé capaz de esclarecer os desenvolvi-mentos e processos da própria vidado leitor.

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Parsifal – o caminho do pesquisador

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O tolo ingênuo iluminado pelacompaixão

Wolfram von Eschenbach descreveo caminho seguido por um homemque, partindo de sua condição terrena,retorna para sua origem divina. Adão,em sua presunção, deixou de obedecera Deus. Desde então, a obediência é aúnica exigência que Deus impôs ao serhumano para que ele possa ter acessoà imortalidade. Assim, desde a geraçãode Adão, nós só conhecemos aflição oualegria, é dessa maneira que o ascetaTrevrizent descreveu a existência hu-mana. A alegria, porque Deus jamaisabandona suas criaturas; a aflição,porque nós carregamos o fardo dopecado de Adão. Amfortas, o ho-mem divino original, jaz mortalmente

doente, na cidadela do Graal, ondeaguarda sua libertação. Cada filho dohomem esconde em si um Amfortas, ea cidadela do Graal, que o envolve, é osímbolo do microcosmo. Ora, se opesquisador tem em si alguma remi-niscência – isto é, a lembrança da con-dição do homem antes de sua sujeiçãoà vida e à morte – essa lembrança ointerpela; ele pode, então, tornar-seconsciente do caminho a percorrerpara encontrar o estado original e seuverdadeiro lugar na Criação.

Segundo uma certa profecia, so-mente um tolo ingênuo, iluminadopela compaixão, libertará o doente in-curável. Sua herança interior colocaParsifal no caminho. Seu pai, um va-lente cavaleiro, acumulou todas as ex-periências da vida terrena e sua mãepersonifica os sofrimentos da alma.

Artur e os cavaleiros partemem busca do Graal.Manuscrito francês,século XIII.

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Como missão, ela tem de dar a umacriança a oportunidade de reencontraro caminho do Graal, para que assimseja revelado o caminho da libertaçãoa todos os seres humanos. Em Parsifaltrabalham, portanto, a herança coleti-va das experiências da humanidade (opai), e o pressentimento de sua voca-ção divina (a mãe). Sua aparência detolo representa a percepção pura eingênua da alma: a educação de suamãe só se dirigia à sua alma. Mas essetraço particular, no sentido exclusiva-mente literal, o faz cometer erros,além de provocar sofrimentos. Parsi-fal deve, portanto, aprender a distin-guir entre comportamento terreno easpiração espiritual. Uma bela e en-cantadora mulher pode ser considera-da como a encarnação de uma almapura, mas também como um ser hu-mano.

O caminho do meio

A caminho, Parsifal cruza várias ve-zes com Sigune, que personifica a vozda reminiscência. Ela o chama por seunome e lhe revela sua origem: Parsifal,esse é o teu nome. Ele significa: passarpelo centro. Seu caminho para o co-nhecimento da verdade passa tambémpelas profundezas da natureza terre-na. Mas ele ainda não encontra suamissão interior e aspira sempre à cava-laria exterior, simbolizada, em suaforma mais nobre, pela Távola Re-donda do rei Artur. Esse grupo de ca-valeiros alcançou tudo o que é possí-vel na natureza terrena.

Os cavaleiros, os reis, as damas eoutros personagens que Parsifal en-contra em sua busca podem ser vistoscomo representações de seus senti-mentos, idéias e desejos. Ele sempre sevê face a face com obstáculos que deveenfrentar e resolver em si mesmo. As-sim, ele liberta Kondwiramur dasmãos de seus inimigos e a desposa.Trata-se da união duradoura com

aquela que o «conduz ao amor», a no-va alma! Impulsionado pelo desejooriginal (que Eschenbach representapelo amor de sua mãe) e guiado inte-riormente por Kondwiramur, Parsifalpõe-se a caminho para a cidadela doGraal. Ainda muito influenciado pelaslições de Gurnemanz, ele não compre-ende o que se espera dele no Castelodo Graal. Ele não sabe fazer ao rei apergunta salvadora.

Suas vitórias não o aproximam do Graal

A espada de Amfortas lhe será maistarde de grande auxílio para separar oque é terreno do que é divino. Eleaprende a reconhecer suas faltas e arepará-las. A maldição de Kundry ofaz tomar consciência de sua negligên-cia em relação à sua elevada missão eele já não deseja mais nada a não serencontrar o Graal e unir-se a Kondwi-ramur, a nova alma.

Na qualidade de cavaleiro em bus-ca do Graal, Parsifal envolve-se emincontáveis combates. Van Eschenba-ch utiliza o personagem do cavaleiroGawain para representar suas nume-rosas aventuras. A princípio, elecombate as alucinações do espíritohumano. Porém, embora ele registrenumerosos sucessos, essas vitóriasnão o aproximam da meta porqueainda são, em sua maioria, expressãode sua vontade terrena. Elas são, noentanto, o ponto de partida necessá-rio para poder encontrar a SantaCidadela.

Desencorajado, desesperado, com ocoração cheio de rancor por Deus, elevagueia pelos caminhos. Sofre por nãopoder encontrar a taça maravilhosa.Mas, em sua extrema solidão e impo-tência, o auxílio de Deus chega nova-mente até ele. Um cavaleiro cinzentovem ao seu encontro, caminhandodescalço na neve, com sua mulher eseus filhos. Esse cavaleiro lhe diz que

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num dia como aquele, Sexta-feira San-ta, é permitido esperar a graça deDeus. Refletindo sobre essas palavras,Parsifal afrouxa as rédeas de seu cava-lo e este o leva até o eremita Trevri-zent que lhe dá um novo significadoda Sexta-feira Santa: é o dia no qual setem o poder de amar a Divindade! En-tão, Parsifal percebe que, para com-preender o sacrifício da Sexta-feiraSanta, deve entregar a Deus sua vonta-de pessoal: Senhor, que Tua vontadeseja feita! Esta é a expressão do verda-deiro amor. No mesmo instante, asforças divinas vêm tocá-lo para suaconsolação e libertação. A partir dessemomento, ele trava vitoriosamenteseus últimos combates. Com a espadado Cavaleiro Vermelho ele põe em or-dem seus conflitos exteriores. Coma espada de Amfortas elevence seu adversáriointerior, Gramoflanz,que simboliza a lutapelo poder terreno;Gawain, a luta pelasantidade terrena;e Feirefis, a lutapelo conhecimen-to e sabedoria ter-renos. A pele deFeirefis é manchadade branco e pretoporque ele acumuloutodas as riquezas e conhe-cimentos deste mundo: tantoos bons quanto os maus.

«Ninguém pode ir à procura do Graal se não for conhecidono céu»

Os três conflitos da fase final apre-sentam uma certa semelhança com astrês tentações de Jesus no deserto. Noentanto, as forças enganadoras destemundo não podem ser eliminadas: épreciso vencê-las para que possa haveruma reconciliação. Vitorioso por trêsvezes, Parsifal é purificado, isto é, ele

já não combate com o seu eu nem pro-cura libertar-se dele. Ele compreendeuo quanto os homens se encontramafastados de Deus, de quem ele mes-mo havia se apartado. Isso despertouo anseio por encontrá-Lo. Seu desejode salvação e de regeneração o faz en-tregar-se à vontade divina. Por issoTrevrizent disse: Ninguém pode ir àprocura do Graal se não for conhecidono céu e chamado por seu nome.

Só então conflitos interiores são ul-trapassados e o mensageiro dos deusesindica o caminho do Castelo do Graal.É lá, no microcosmo, que se dá o en-contro consciente com Amfortas. So-mente então Parsifal, com um verda-deiro amor e uma profunda compai-xão, faz a pergunta libertadora: Meu

tio, qual é o vosso tormento? É apergunta que cada um deve

se fazer algum dia. E aresposta – a cura do

microcosmo sofre-dor – se realizaráem si e nos ou-tros. Uma parteda missão deParsifal era con-duzir um irmão

ao Castelo doGraal. Ele esco-

lheu Feirefis que,após seu batismo, é

encarregado de levar oGraal à humanidade para li-

bertá-la do sofrimento.Parsifal torna-se o rei do Graal,

com Kondwiramur ao seu lado: aunião do coração purificado com anova compreensão. Lohengrin seráseu filho, o Novo Homem que apare-ce para salvar o mundo.

O templo do Graal no centro do zodíaco. LarsIvar Ringbom,Estocolmo, 1951.

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ara alguns, o misterioso Graal era uma pedra celeste que sóirradiava sua força vital se alguém dela se aproximasse.Estava sob a guarda e proteção do rei Amfortas, anciãodoente que vivia numa cidadela de difícil acesso. Sua curadependia unicamente de um cavaleiro capaz de dar teste-munho de uma vida pura e nobre e encontrar o Castelo.

Este deveria então fazer ao rei uma pergunta precisa para resolver o enigma deseu mal.

Parsifal aspirava a essa cavalaria e a conseguiu. Seus pais eram de sangue real.Seu pai, Gamuret van Anschauwe, tinha sido um cavaleiro combativo e sua mãe,Herzeloide, uma rainha da linhagem do Graal. Gamuret morreu por ocasião deuma campanha, antes do nascimento de Parsifal. Herzeloide retirou-se com seufilho para uma floresta a fim de preservá-lo de um encontro com cavaleiroserrantes, e evitar-lhe, assim, aflições, doença e morte. Mas Parsifal percebeu, umdia, um grupo de cavaleiros e, muito impressionado, fez voto de tornar-se umcavaleiro também. Ele quis dirigir-se ao castelo do rei Artur onde, como lhe con-taram os cavaleiros, ele receberia a armadura de cavaleiro.

Herzeloide não o deixou partir de boa vontade. Ela lhe confeccionou um trajeridículo com a esperança de que zombariam dele e que, desencorajado, elevoltaria. Ela também lhe deu alguns conselhos e, após despedir-se de seu filho,sentiu o coração despedaçado. Entretanto, Parsifal partiu feliz e não tardou aalcançar o castelo do cavaleiro Gurnemanz. Este lhe ensinou a manejar a espa-da e a lança, e, principalmente, as regras a serem observadas para tornar-se umautêntico cavaleiro. Liasse, a filha de Gurnemanz, contou-lhe que sua prima, arainha Kondwiramur, estava sendo assediada por um rei que desejava esposá-laa força. Parsifal partiu imediatamente à procura desse agressor. Encontrou-o,derrotou-o e tomou Kondwiramur por esposa.

Mas, logo ele a deixou para visitar sua mãe. Percorrendo o caminho, elechegou à beira de um lago, que ficava numa região deserta. Um pescador rica-mente vestido indicou-lhe a direção de um castelo onde ele foi recebido muitocortesmente. Durante o excelente jantar, ele sentou-se ao lado de um pescador,dono do lugar, que parecia sofrer de um mal sério. Uma lança e uma taça, comespantoso poder de ação, tinham-lhe feito um ferimento sangrento. Ele ofereceua Parsifal uma espada preciosa com um rubi incrustado no punho. Parsifal,atônito, nada perguntou. Na manhã seguinte, ele encontrou o castelo deserto e,despeitado, pôs-se a caminho.

No caminho, encontrou sua prima Sigune que lhe fez saber que ele vinha doCastelo do Graal. Surpreso, ele compreendeu que deveria ter feito a pergunta aorei sofredor para livrá-lo de seu mal. Decidiu, então, remediar essa falta e, apósuma viagem movimentada, encontrou-se no campo do rei Arthur. Ele foi aco-

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lhido na Távola Redonda dos cavaleiros e Kundry, a mensageira do Graal,apareceu. Ela o censurou pela sua atitude no Castelo do Graal. O jovem cava-leiro, sentindo-se desonrado, retirou-se do mundo para procurar a CidadelaSanta e reparar seu erro. Mas seus esforços foram em vão e sua viagem duroulongos anos. Embora saísse sempre vencedor dos torneios, ele estava continua-mente revoltado, oprimido por Deus e pelo seu destino.

No mais profundo de seu desespero, Parsifal, em sua armadura, mantinha-sesobre um magnífico cavalo que havia tomado de um cavaleiro do Graal, quetinha sido vencido. Ele deixou o animal seguir seu próprio caminho e chegou àcabana do eremita Trevrizent, irmão de sua mãe e do velho rei Amfortas.Trevrizent havia sido um cavaleiro coberto de glória, mas quando Amfortasrecebeu seu ferimento incurável, ele abandonou a antiga cavalaria. Se o rei doGraal ainda estava vivo, era pela graça do Graal, que lhe transmitia sem cessaruma nova força vital.

Parsifal permaneceu quatorze dias na sóbria morada do eremita, onde rece-beu esclarecimentos a respeito da maravilhosa taça e de tudo que acontecia aoredor dela. Ele encontrou a fé em Deus e esforçou-se para amenizar as dores quehavia causado por ignorância. Wolfram von Eschenbach escreveu:

«Nesses lugares, seu hospedeiro o libertou de seus pecados e o aconselhou avoltar para a cavalaria.» Então, ele trava seus três combates mais difíceis. Noúltimo, a luta foi tão dura que ele quebrou sua espada contra o elmo de seuadversário, um cavaleiro tão invencível quanto ele. Face a face, eles se reco-nheceram: ambos são filhos de Gamuret! O filho mais velho, Feirefis, adoradorde Júpiter e de Juno, um dos homens mais ricos da terra e possuidor de váriosreinos, tem a pele manchada de preto e branco.

Os irmãos são recebidos na Távola Redonda de Artur como os mais ilustrescavaleiros. Depois Kundry anuncia que Parsifal é eleito rei do Graal, e que elepode escolher um companheiro para auxiliá-lo. Parsifal escolhe Feirefis e todos ostrês se dirigem ao Castelo do Graal. Lá, inteiramente concentrado noGraal, Parsifal faz a pergunta: «Meu tio, qual é o vosso tormento? Oque vos faz enfraquecer?» Então, Amfortas recobra rapidamente a saúde eParsifal torna-se o novo rei. A rainha Kondwiramur é convidada ao Castelo eParsifal vê seus dois filhos gêmeos Kardeiss e Lohengrin. Este último será seusucessor.

Uma grande festa é ofertada e o Graal é introduzido por uma rainha virgem,Repanse de Joye, irmã de Amfortas. Pratos e taças são preenchidos pelo milagrosocálice e distribuídos em círculo. Feirefis enamora-se pela portadora do Graal,embora não pudesse ainda perceber o cálice. Um amor desconhecido e irresistí-vel o força a separar-se de seus deuses e de sua mulher e a fazer-se batizar. Depoisdisso, ele também pode ver o Graal e desposa Repanse de Joye.

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O aparecimento dos cátaros nasregiões mediterrâneas coincide como apogeu das lendas do Graal naEuropa. Na corte dos nobres, ostrovadores contavam a epopéia doGraal e interpretavam cantos mís-ticos que falavam do Amor divino.Os cátaros não se contentaram empermanecer como espectadores des-se fenômeno. Eles buscaram oGraal dedicando-se, diariamente,à pureza e à coragem.

m 950 d.C., os bogomilos vindos daBulgária trouxeram ao Ocidente oautêntico ensinamento gnóstico e cris-tão de Mani. Após o ano 1000, os cáta-ros retomaram a chama do ensina-mento cristão da libertação e, numcurto espaço de tempo, desenvolveu-se um grande movimento que influen-ciou todo o Ocidente. No fim do sé-culo XII, quase toda a Europa conhe-cia a mensagem do Graal. Mas foi so-mente no final do século XIII que asmudanças se manifestaram. E a crate-ra preenchida pelas forças do Espírito –segundo a expressão de Hermes Tris-megisto – surgiu na Europa para pro-digalizar às almas amadurecidas oAmor divino libertador.

O centro do movimento cátaro en-contrava-se na Occitânia, no sul daFrança. Lá floresceu uma cultura ex-cepcionalmente rica. Foi principal-mente no Languedoc que se cantou oamor cortês e se propagou a puramensagem cristã dos cátaros. Atual-mente o caminho do Santo Graal con-duz igualmente o pesquisador para oSabartez e, mais especialmente, para ovale do Ariège. Nos brasões do Sabar-

tez estão inscritas as palavras: Sa-bartez, custos summorum, Sabartez,guardião do altíssimo, sendo que o al-tíssimo é simbolizado por um SantoGraal alado, que se situa no centro deum sol radiante.

O Sabartez, que tem Tarascon co-mo cidade principal, encontra-se noencantador vale do Ariège e se estendeaté as terras mais elevadas do vale dorio Sem. Toda essa região formava ocondado de Foix. Sobre um rochedocom altura de uma centena de metros,na própria cidade de Foix, encontra-seainda o majestoso castelo dos condesde Foix, protetores dos cátaros. NaIdade Média, esse castelo era muitoconsiderado por causa dos trovadoresque costumavam ser para lá convida-dos, tais como Chrétien de Troyes,Bertrand de Born e Wolfram vonEschenbach.

Refúgio do amor espiritual

No vale do Ariège encontra-se tam-bém todo um sistema de grutas que seestende por quilômetros através damontanha. Era nessas grutas, às vezespequenas, outras vezes com altas abó-badas, que os cátaros podiam abrigar-se. Mas, bem antes deles, outros ha-viam encontrado proteção e salvaçãonessas vastas grutas com suas nascen-tes quentes e atmosfera tão peculiar,verdadeiros refúgios para aqueles quedesejavam praticar livremente sua reli-gião. Graças aos desenhos encontra-dos nas paredes, sabemos que essa re-gião foi habitada há 12.000 anos. Ascolinas e cavernas do Sabartez foram

Os cátaros no caminho do Santo Graal

E

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utilizadas pelos celtas e pelos druidascomo lugares de culto. Lá encontra-mos traços dos maniqueus, dos pauli-cianos e dos priscilianos, predecesso-res dos cátaros; aos poucos, forma-ram-se grupos que se diziam ligados àGnosis e às suas correntes de sabedo-ria.

A palavra cátaro vem do grego ka-tharoi que significa puro. Os cátarosdiziam-se simplesmente cristãos e opovo os chamava de bons omes e bo-nas femnas. Mas, entre si, eles se no-meavam amici Dei ou amicz de Dieuou ainda crezens. O termo cátaro foiutilizado pela primeira vez nos mea-dos do século XII por um grupo de

heréticos de Colônia1. Mais tarde, otermo foi empregado principalmentenos escritos oficiais. Foi a Igreja queos denominou de albigenses, dandoesse nome a todos os grupos pretensa-mente hereges da Occitânia. Essa de-nominação nada tem a ver com a cida-de de Albi, no sul da França. Ela foiutilizada pela Igreja e pelos francesesdo norte para designar os hereges quenão eram valdenses e que habitavamno sul da França. Na Inglaterra os he-réticos também eram denominados dealbigenses.

Tornar-se cátaro não era algo reali-zado de qualquer maneira, fazendo-sebatizar, por exemplo, ou passando por

Um trovador do Codex Manesse.Universidade deHeidelberg.

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uma prova de admissão na comunida-de religiosa. Uma das exigências erauma longa preparação na prática devida cristã, a exemplo de Jesus. Os cá-taros diziam que um serviço formal,com rituais falsificados e degradados,não é capaz de libertar a alma de suaprisão. Para que essa libertação acon-teça, é preciso que o mistério de ini-ciação crística do Santo Graal seja re-velado graças a um comportamentocoerente e integralmente cristão.

O muro simbólico e a porta mística

Se observarmos um candidato queaspira por esse caminho, poderemosperceber com que seriedade e abnega-ção os cátaros se consagravam ao pro-cesso de transformação interior. Ocandidato que havia tomado sua deci-são renunciava à vida social comum,ao casamento, aos bens terrenos e àingestão de carne e de vinho. Ele sededicava à endura, um processo vo-luntário de neutralização de tudo oque liga à vida terrestre, para permitirque a alma despertasse e crescesse. Es-se tempo de preparação durava algunsanos e ocorria nas grutas de Ussat-Ornolac, no vale do Ariège. Algumasgrutas tinham a função de templos,outras de habitações. A entrada dessashabitações era, às vezes, fechada porum muro e uma porta. Essas spoulgas(grutas) eram de difícil acesso.

Até o século XIII, essas grutas esta-vam situadas sobre as margens de umgrande lago que se estendia até Taras-con. O candidato que se decidisse aseguir o caminho do Santo Graal de-via, primeiramente, atravessar um mu-

ro simbólico. Assim ele se despedia domundo terrestre e obtinha acesso aomundo dos que buscam o Espírito deDeus. Com o auxílio de outros ir-mãos, ele percorria esse caminho pas-so a passo. Os diferentes estágios erampercorridos graças a um programadiário de jejum, de trabalho e deaprendizagem, em absoluto silêncio.Dessa forma eram-lhe ensinadas a sa-bedoria dos astros (astrosofia), a me-dicina e, principalmente, os mistériosque acompanhavam as diferentes eta-pas de seu desenvolvimento interior.

Para os cátaros, o caminho do SantoGraal implicava em conhecimentos li-bertadores e serviços aos outros. Pou-co antes de o candidato ser iniciadoem sua missão, ele deveria sofrer umamorte mística simbólica, após umperíodo de quarenta dias de jejum. Eleprecisava passar três dias deitado nu-ma sepultura, na gruta denominadaKepler, para morrer para a naturezaterrestre. Desse modo, sua alma podiaalcançar a libertação e, pela imitaçãode Jesus, pronunciar o consummatumest: tudo está consumado.

O mistério do Graal está estreita-mente ligado à morte da natureza ter-restre. Naturalmente, poderíamos to-mar como epitáfio a inscrição gravadana taça do Graal que chama o candi-dato a unir-se à Fraternidade. Mas aendura não tem, efetivamente, nada aver com a morte do corpo físico oucom qualquer espécie de tortura ousuplício. Na realidade, a endura era –e continua sendo – um processo querompe todos os laços que mantém aconsciência presa ao passado. Nesseprocesso, o velho eu entrega-se às for-ças crísticas renovadoras para que aalma possa renascer.

Após ter passado três dias na gruta

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de Kepler, o candidato era despertadopelo irmão que o acompanhava, e saíada tumba. Ele agora podia receber oconsolamentum, o sacramento da con-solação. Sua alma purificada estava li-gada ao Espírito de Deus. Esse gran-de acontecimento passava-se na grutade Bethléem (Belém). O candidato en-trava nessa gruta, que era consideradaum templo, pela porta mística. Lá, en-contrava-se um altar, uma pedra degranito coberta por uma toalha delinho branco, sobre a qual havia umaBíblia aberta na página do Evangelhode João. Num nicho da parede estavacolocada a taça do Graal, encobertapor uma cortina. O símbolo do penta-grama, gravado na rocha, era, assimcomo o altar, de origem druídica. Parareceber o consolamentum, o candidatodevia colocar-se no pentagrama. Coma cabeça erguida e com os braços epernas afastados, ele formava, assim,uma estrela de cinco pontas.

No momento dessa iniciação, o nas-cimento do Cristo tornava-se umaexperiência física. Antonin Gadal, Pa-triarca dos cátaros e guardião de seutesouro, escreveu: Nada poderia fazerestremecer ou desviar do bom caminhoo homem que renascia em Bethléem.Ninguém no mundo poderia vencer aForça misteriosa que ele representava!

Quando o candidato havia cumpri-do o caminho iniciático e se tornadoperfeito, ele saía do santuário pela por-ta mística, celebrava um ritual e dava a sua benção aos companheiros. De-pois disso, ele percorria o célebre ca-minho dos cátaros, que existe aindaem nossos dias: da Montanha Sagradaele se dirigia a Montségur, onde osperfeitos se reuniam antes de cami-nhar pelo mundo para levar a Luz aosseus semelhantes.

a herança dos cátaros continua atual

Montségur tem a forma de um na-vio e está situado no cume de um ro-chedo. Esse castelo foi construídonum lugar onde se elevava, há muitotempo, um templo dedicado ao sol, eno qual as pessoas da época se ligavamaos mistérios de Zoroastro. Na capelahá uma abertura pela qual, no dia deSão João, 24 de junho, às onze horas,um raio de sol penetra e ilumina osímbolo do Logos solar na paredeoposta (Essa data corresponde aosolstício do verão no hemisférionorte).

Quando, em 1244, o exército da In-quisição forçou os que estavam refu-giados no castelo a capitularem, os cá-taros tiveram ainda um prazo para ter-minar sua tarefa espiritual. Na vésperade subir para a fogueira, todos os quequeriam defender sua fé receberam,das mãos do grão-mestre BertrandMarti, o consolamentum, para quesuas almas se unissem ao Espírito deDeus. O misterioso tesouro dos cáta-ros foi ocultado nas grutas do vale doAriège. No dia 16 de maio desse ano,duzentos e cinco homens e mulhereslançaram-se voluntariamente nas cha-mas da fogueira. Conta a lenda que,enquanto caminhavam em direção àfogueira, de mãos dadas e cantando,um trovador que se encontrava entre amultidão disse: Após 700 anos o lou-reiro reflorirá sobre as cinzas dos már-tires.

Em 1944 o patriarca da Fraternida-de dos cátaros, Antonin Gadal, subiucom sete testemunhas até a montanhade Montségur e cumpriu a profecia dotrovador. Assim, verifica-se mais uma

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vez, que os buscadores da Luz sagra-da que representa o Santo Graal po-dem ser perseguidos, martirizados emortos, mas que a própria Luz jamaispode ser destruída e retorna sempreao lugar de onde ela já surgiu.

Em Albi, os perseguidores dos cáta-ros construíram uma catedral fortifi-cada para mostrar que eles eram osvencedores. A catedral ainda existe edomina a cidade. Assim, fecha-se umadas mais negras páginas da história daIgreja Católica dita «cristã». O amordo Graal, que tudo perdoa, e a não-combatividade absoluta dos cátaros,que dele decorre, colocaram um fim aesses acontecimentos. Desde então,um acontecimento tão maravilhosoquanto inesperado aconteceu em Albi,provocando um retorno espiritual quedeu um novo impulso à libertação es-piritual da humanidade.

Supressão do personagem histórico de Cristo

Não longe de Albi, em 1167, Nice-tas, patriarca búlgaro, havia dado àFraternidade Cátara a missão de fazerconhecer e espalhar pela Europa osmistérios da iniciação crística. Erapreciso libertar a humanidade do per-sonagem histórico de Cristo e dosdogmas a isso inerentes, pois são essasrepresentações que sempre a impedemde ter acesso às possibilidades liberta-doras que a Força crística cósmicapropicia: o Graal, preenchido pelaLuz que é capaz de expulsar todas astrevas das almas humanas. A pessoaque adquire essa compreensão desco-bre em si uma chaga incurável e isto aimpulsiona a procurar a verdade uni-

versal. Ela não cessará de aspirar pelorenascimento de sua alma e já não daráouvidos aos cantos de seu eu, que sódeseja garantir a segurança e o poderde seu próprio mundinho. A humani-dade deve aprender novamente a fazeressa oferenda que representa o amorao próximo e a viver do santo e mara-vilhoso alimento dispensado peloGraal.

Em 1954, no roseiral de Albi, ao la-do da catedral-fortaleza do tempo daInquisição, a Luz universal transmitiuà Jovem Fraternidade Gnóstica daRosacruz Áurea, representada por Janvan Rijckenborgh e Catharose de Pe-tri, a missão de terminar a obra come-çada pelos cátaros, de completar suaexpansão e de estendê-la sobre o mun-do inteiro. Em seguida, Jan van Ri-ckenborgh, Grão-Mestre da Escola daRosacruz Áurea, recebeu das mãos dosenhor Gadal o selo de Grão-Mestre –o mesmo selo que o patriarca búlgaroNicetas havia dado à Fraternidade doscátaros, no século XII.

É para tornar essa ligação espiritualvisível na matéria que foi erigido, em 5de maio de 1957, em Ussat-les-Bains,no vale do Ariège, um monumentoque recebeu o nome de Galaad. Essenome aparece com freqüência nas len-das do Graal. Traduzido literalmenteele significa: «O Monte do Testemu-nho». Sobre o quadrado do monu-mento está apoiada a pedra do altarsobre a qual o Perfeito celebrava seuprimeiro ritual após sua iniciação nagruta de Belém. Essa pedra foi ofere-cida, como relíquia, pelo último pa-triarca dos cátaros à Jovem Fraterni-dade Gnóstica. Este monumento sim-boliza os esforços contínuos para li-bertar a humanidade da sua prisãoreligiosa, esforços empreendidos pela

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Aliança da Luz: Graal, Cátaros e Cruzcom Rosas.

Descoberta de uma nova dimensão

Indubitavelmente, a gruta de Beléme a catedral de Lombrives, por exem-plo, ainda são, atualmente, lugares es-peciais onde a atmosfera de pureza in-terior e de disponibilidade a serviçodo próximo é sempre perceptível. ACatedral de Lombrives tem cerca deoitenta metros de altura. Era lá que oscátaros celebravam seus serviços. Em1328 – oitenta e quatro anos após aqueda de Montségur – essa gruta foifechada para o mundo exterior e as510 pessoas que aí permanecerammorreram de fome. Seus restos foramencontrados bem mais tarde.

Talvez a mensagem do Graal sejatransmitida oculta sob imagens pito-rescas, mas não é um conto de fadas.Trata-se de uma realidade vivente e vi-brante, mesmo para nossa época. En-tretanto, não podemos descobrir essarealidade pela exaltação ou investigan-do o passado. Para ter acesso a essa di-mensão, é preciso seguir concreta-mente o processo da endura, isto é, oabandono dos desejos terrestres e aaspiração à união com o Espírito deDeus, a Gnosis Universal.

Segundo a lei hermética O que estáembaixo é como o que está em cima, oGraal tem um aspecto macrocósmico,um aspecto cósmico e um aspectomicrocósmico. Seu aspecto macro-cósmico é a manifestação universal;seu aspecto cósmico abrange a Terracomo morada da humanidade e seuaspecto microcósmico tem relação

com a presença da taça do Graal nopróprio homem. Cada um deve reali-zar esse milagre: reencontrar interior-mente essa taça, purificá-la e prepará-la, para nela receber a força santifica-dora do Espírito!

Eis a razão pela qual a imagem doGraal vivente toca profundamente aconsciência humana: ela reanima a al-ma adormecida e prisioneira da maté-ria. A lembrança dessa realidade, queum dia existiu e que é continuamenteapresentada à humanidade, impulsio-na os seres humanos a buscar Deus.Para a eterna pergunta: Quereis rece-ber o Graal? só podemos dar a eternaresposta: Só há uma única condição:desejá-lo santa e profundamente!

1 Sermones contra catharos, Eckbert vanSchönau, 1163.

2 No caminho do Santo Graal, A. Gadal,Lectorium Rosicrucianum, São Paulo, 1983

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Montsalvat, o castelo do Graal.Era lá que se encontrava, segundoas lendas, a ordem dos cavaleirosguardiães do Graal. Assim como orei Artur com seus cavaleiros, elestambém formavam uma TávolaRedonda. Quando eles se reuniame o Graal era apresentado, eles re-cebiam um alimento miraculoso, ea simples visão do Graal lhes con-cedia a juventude eterna.

egundo as lendas, o Graal é a taça daqual Cristo bebeu na Santa Ceia. Joséde Arimatéia, de posse dessa taça, terianela recolhido o sangue do Redentor.A Taça miraculosa do Santo Graal éum símbolo que pode ser encontradono mundo inteiro. Na Idade Média,na Europa, existiam versões dessaslendas nas tradições de muitos países.Diferentes religiões representam o sole a lua como cálices preenchidos dealimento divino. Os heróis, em re-compensa por suas nobres proezas,tinham o direito de haurir dele novasforças. A filosofia grega fala de uma«cratera» onde o deus supremo mistu-ra as matérias da criação com a luz dosol. Essa taça era estendida às almasrecentemente criadas para que elas daítirassem a sabedoria.

Num mistério de iniciação grega érelatada uma festa mística que seassemelha muito com a refeição doscavaleiros do Graal. De um recipien-te sagrado, o kernos, os participantesrecebem uma bebida que lhes dáacesso a um mundo superior. Umaimagem semelhante aparece igual-mente nas tradições celtas: trata-se deum caldeirão cujo conteúdo pode

suscitar um renascimento espiritual.Em algumas lendas, uma pedra pre-ciosa, ou pérola, substitui o símboloda taça sagrada.

A maior parte das lendas indica queessa taça está guardada num temploou castelo, especialmente construídopara a ocasião. Por exemplo, um tem-plo alto e redondo dotado de umacúpula dourada, onde pedras precio-sas representam um firmamento comum sol de ouro e uma lua de prata des-crevendo sua órbita. Segundo algunspesquisadores, um templo desse tipodevia existir na Pérsia, sobre a monta-nha sagrada de Shiz. Nesse santuário,o mais importante da Pérsia, ardia ofogo sagrado. Esse teria sido o lugarde nascimento de Zoroastro. As len-das budistas do Japão descrevem omonte Meru, a montanha mística quetambém nos faz lembrar o templo doGraal. Buda está sentado no cume, ro-deado por seus bodisatvas, e, ao redordeles, circulam o sol e a lua.

O nível mais elevado que a almapode alcançar

Todas essas lendas testemunhamque o encontro com os valores espiri-tuais do Graal modifica fundamental-mente a vida. Para desvendar um pou-co esses mistérios, os rosacruzes au-tênticos podem dar orientação, poisseus mistérios estão em relação diretacom os do Graal. Eles partem do prin-cípio de que não há somente um mun-do visível e tangível, mas também ummundo superior não perceptível pelossentidos. O mundo visível com todos

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Origem e significado das lendas do Graal

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os seus aspectos, inclusive o homem,nasce, atinge o ápice do seu desenvol-vimento e depois desaparece. Cadaum pode constatar, por sua própriaexperiência, que este mundo não co-nhece a perfeição. Entretanto, ele ésustentado e mantido por um mundoimperecível, eterno. Segundo a sabe-doria original, os habitantes dessemundo superior são perfeitos e, porisso, imortais.

Colocamos, agora, a pergunta cru-cial – e é aí que verificamos os misté-rios do Graal – existe uma passagementre o mundo eterno perfeito e omundo imortal imperfeito? Haveráuma esfera, um espaço, uma dimensãoonde a eternidade e o tempo se encon-

tram e se unem? Estritamente falando,não. O que acontece é que existemdois campos de vida fundamental-mente separados.

Entretanto, existe um domínio detransição no qual os dois mundos po-dem cooperar durante um certo tem-po. Esse lugar se revela num movi-mento periódico de ir e vir.

Seres perfeitos do campo de vidaeterno ligam-se, de forma rítmica, aoshabitantes do campo de vida perecívela fim de elevá-los ao plano de vidasuperior. Esse processo é representadopelo símbolo da cruz. A eternidade, otraço vertical, desce ao mundo perecí-vel, o traço horizontal, e penetra nomundo mortal. Assim é a crucificação:

Os doze irmãos. KnihaVáclava z Jihlavy,Tchecoslováquia.

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o mundo perfeito se oferece ao mun-do imperfeito ligando-se a ele.

Eles mostravam o caminho vivendo-o para dar o exemplo

Os grandes sábios, como Buda, Zo-roastro e Jesus, estabeleceram umaponte entre esses dois mundos, refor-çaram-no e explicaram-no, colocan-do-se, assim, a serviço da humanidade.Dessa forma, eles fizeram o sacrifíciode seu sangue puro. Eles mostraram ocaminho através da vivência, para daro exemplo. Eles abriram a porta entreos dois mundos. Assim, a ponte espi-ritual que eles edificaram é sempreconservada por aqueles que seguemseu exemplo em palavra e por seusatos puros.

Uma tal ponte é um milagre. Asmúltiplas lendas representam essaligação temporária e sutil, realizadapelo Graal, entre a eternidade e otempo: a taça ou a cratera. Trata-se deum espaço, de um campo de vida pro-tegido, como uma terceira natureza,no qual a alma que busca pode apren-der a encontrar seu caminho atravésdo mundo dos opostos, a fim de des-cobrir a eternidade.

As diferentes lendas descrevem co-mo os cavaleiros do Graal vão execu-tar suas proezas. Essas narrações sãosempre tão atuais hoje quanto o foramhá muitos séculos atrás. Entretanto, ohomem moderno simplesmente nãopercebe o mundo perfeito, a meta desua viagem final. Seus sentidos não lhepermitem. Ele percebe que deve haveroutra coisa, mas não tem, a esse res-peito, uma imagem clara. Isso o preo-cupa e o impulsiona a procurar. Ele seperguntará por que vive, para que ser-

ve a vida e por que tanta gente, inclu-sive ele, tem de sofrer, sem esperança.

Com sinceridade, ele começa a pro-curar, como Parsifal; e um cavaleirodo Graal não deixará de cruzar seu ca-minho. Quem parte em busca doGraal talvez já tenha estado em conta-to com ele, mesmo que inconsciente-mente.

O domínio de transição

À noite, durante o sono, pode acon-tecer aquilo que é impossível aconte-cer durante o dia: uma parte da perso-nalidade se separa do corpo e vai paraos domínios invisíveis que correspon-dem à vida interior. Se estivermos ani-mados por um grande desejo, aindaque inconsciente e sem orientaçãoprecisa, de compreender o sentido davida, os aspectos superiores de nossaalma se dirigirão, à noite, para os do-mínios correspondentes. Então, a al-ma que busca tem a possibilidade dese encontrar num lugar de transiçãoentre os dois mundos. Lá, ela é tocadapela pura energia do Graal. Isso acon-tece durante a fase sem sonhos do so-no profundo, quando a consciênciaestá desconectada e, por isso, já nãoconstitui um obstáculo. É o que acon-tece a Parsifal quando ele entra pelaprimeira vez no Castelo do Graal semcompreender o que está acontecendoali. Ele partiu tão ignorante comoquando ele aí havia chegado; faltava-lhe ainda levar uma vida de austerida-de antes de começar uma busca cons-ciente e encontrar o caminho.

O caminho que a Rosacruz Áureamostra visa despertar no pesquisadoruma nova alma livre e ligá-la ao Espí-rito Divino. Em outras palavras, a Ro-

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sacruz Áurea abre para o pesquisadorincondicional – Parsifal – o caminhoque conduz ao Castelo do Graal, ocampo de vida original da alma. É ocaminho que todas as lendas do Graaldescrevem, embora o conteúdo e aforma não sejam sempre semelhantes.Freqüentemente são apresentadas so-mente algumas fases da evolução deParsifal. Assim, o texto Perceval dopoeta francês Chrétien de Troyes (sé-culo XII), por exemplo, é fragmentá-rio. Nele não é relatado que Percevalretorna conscientemente ao castelo doGraal.

O Parzival do poeta alemão Wol-fram von Eschenbach (cerca de 1170-1220) descreve o caminho por inteiro;ele mostra de uma maneira velada que,para isso, necessita-se de uma novaconsciência, e para começar é precisodescobrir a fonte interior oculta. Por-tanto, cada um tem a possibilidade dereceber e de utilizar uma força interiormuito especial. Essa força de origemcósmica é também denominada san-gue divino. Aquele que consegue en-contrar e receber essa energia é funda-mentalmente transformado e postoem condição de receber diretamente asabedoria divina. O mistério do Graalnão é, pois, um processo exterior, masse passa no mais elevado nível que aalma pode alcançar.

A esse propósito, a saga do rei Ar-tur é mais clara. Trata-se aqui de Ga-laad, o cavaleiro irrepreensível. ComParsifal e um outro cavaleiro da Tá-vola Redonda, ele se põe a caminho,em busca do Graal sagrado. Ao seaproximarem do castelo, eles perce-bem uma luz que não vem do sol. Emseguida, Galaad torna-se rei do Graal:ele representa o homem perfeito e anova consciência da alma despertada.Ele é, portanto, o símbolo do aspecto

desconhecido do ser humano: a cons-ciência latente de sua verdadeira natu-reza que aspira ao mais elevado poder,ao Bem supremo. Assim que essaconsciência ressurge, o caminho seabre à percepção lúcida do Graal.

A muralha de sua própria impotência

No homem dormita, portanto, umaspecto desconhecido: o aspecto doGraal. Despertar esse elemento é, se-gundo a Rosacruz Áurea, a verdadeirafinalidade da vida sobre a terra. É sa-bido que a humanidade se choca, nosdias atuais, contra a grande muralhade sua impotência; chegou o momen-to de desvendar novamente o segredodo Graal, pois ele contém a solução detodos os problemas.

As lendas do Graal apareceram to-das ao mesmo tempo, por volta do sé-culo XII, tanto na Europa Ocidental eOriental como na Pérsia. Teria sidoum acaso? Os servidores do Graal vi-ram surgir uma época na qual a maiorparte dos seres humanos restabelece-ria a ligação interior com o mundo su-perior. Se não fosse assim, esta desapa-receria completamente, pois a influên-cia da ciência e da técnica faria evoluiruma mentalidade que fecharia aos se-res humanos o mundo da Alma-Es-pírito. Talvez seja uma das razões doressurgimento das lendas do Graal na-quela época. Seu misticismo e seu ro-mantismo misterioso deviam conti-nuar a interpelar os corações nos sécu-los vindouros. Quando a alma cai emuma grande angústia, essas alegoriasde profundo significado poderiam lheservir de guia. Em nossa época turbu-lenta e incerta, esses antigos contos

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emocionantes mostram que o cami-nho interior, velho como o mundo,continua praticável: o pesquisador dehoje, como os cavaleiros da TávolaRedonda, tem sempre a possibilidadede fazer parte do mundo superior.

Em diversos episódios, trata-se deduas Távolas Redondas: a dos cavalei-ros do Graal e a do rei Artur. Istomostra que a unidade do mundo supe-rior, simbolizada pela Távola Redon-da dos cavaleiros do Graal, deve serrealizada no mundo inferior: a TávolaRedonda do Rei Artur. Os candidatosque se preparam para ir ao encontroda Taça sagrada precisam, aos poucos,se purificar interiormente e se libertarde todas as influências que os retêm navida inferior. No decorrer desse pro-cesso, eles vão progressivamente jun-tar-se à Távola Redonda superior, deconformidade com as palavras deCristo: O Pai e eu somos um, e vóssereis unos comigo. Nesse caminho, aSanta Ceia oferece um alimento que jánão é simbólico, mas direto e concre-to. Cada membro do grupo assimila asenergias divinas concentradas na me-dida em que está preparado e podesuportar.

Assim, o processo de mudança inte-rior tem início e o Graal se ergue ne-les; então, a Taça invisível do Espíritose manifesta no grupo de orientaçãoconvergente e se estabelece no meiodo mundo.

No Corpus Hermeticum (antigo es-crito iniciático egípcio) podemos ler:Ele fez descer uma grande cratera,preenchida por forças do Espírito eenviou um mensageiro para anunciaraos corações dos homens: mergulhainessa cratera, vós, almas que o podeis;

vós que aguardais, com fé e confiança,vos elevar até àquele que fez desceresse vaso; vós que sabeis para que fina-lidade fostes criados. Todos aquelesque deram ouvidos a essa advertênciae se purificaram imergindo-se nas for-ças do Espírito tiveram parte na Gno-sis, o vivente conhecimento de Deus, erecebendo o Espírito, tornaram-se ho-mens perfeitos.*

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* A Arquignosis Egípcia e o seu chamado noeterno presente, vol. 2, Jan van Rijckenborgh,Lectorium Rosicrucianum, São Paulo, 1986.

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A viagem do Oriente ao Ocidente

Uma das numerosas lendas doGraal relata como a taça misterio-sa chegou ao Ocidente. Bem antesdo nascimento de Merlin, a taça doGraal pertencia a um oriental denome José. Como ele obteve a taça,quem a havia feito, de onde vi-nham seus poderes milagrosos?Ninguém o sabia.

m certas ocasiões, José convocavasua família e seus amigos para umarefeição que era servida sobre umamesa de prata. Quando todos haviamtomado seus lugares, ele exibia oGraal e o colocava no centro da mesa,encoberto por uma nuvem luminosa.Em seguida, ele pedia a um velhopescador para descer ao rio e apanharum peixe de prata que nadava naságuas claras. O pescador estava habi-tuado a isso e cada vez ele voltavacom um grande peixe brilhante. Josélhe ordenava que o preparasse sobreum fogo de carvões ardentes. E quan-do o peixe ficava pronto, servia a pre-ciosa carne aos convidados, não im-portando qual fosse o número deles.Aqueles que haviam provado essemanjar milagroso sentiam-se, de re-pente, plenos de alegria, e tornavam-se suficientemente fortes para evitaro mal e fazer o bem. Terminada a re-feição, todos voltavam para seus la-res. E, embora essa cerimônia tivessesido repetida por centenas de anos se-guidos, e que muitos, graças a isso, ti-vessem tido uma vida feliz, somenteJosé e o velho pescador conheciam osegredo do Graal e do Peixe. Assim,eles estavam em condições de socor-rer a humanidade.

Mas naquela época não havia sógente boa. O país de José era gover-nado por um príncipe mau que, mui-tas vezes, já havia tentado furtar apreciosa taça. Entretanto, mesmoaprisionado, José nunca revelou o es-conderijo de seu tesouro. Ora, seusinimigos continuavam a procurá-la eameaçavam José, sua família e seusamigos; mas nada conseguiam.

«Tem confiança, toma a taça e parte.»

Um dia, quando José trabalhava emseu jardim, recebeu a visita de um serluminoso que lhe recomendou levar ataça para um país longínquo, paraalém do mar, ao Ocidente. José lheperguntou como faria isso. Eu nãopasso de um jardineiro e trabalho ha-bitualmente nos campos de trigo. Nãotenho nenhum barco e não conheçoninguém que saiba navegar. Entre-tanto, o personagem lhe disse pa-ra não ter medo. Tem confiança. Cha-ma tua família e teus amigos, pega amesa de prata, a taça, e parte! Eledesapareceu; José foi para casa e cha-mou o pescador. Pediu que ele reunis-se as pessoas para preparar essa gran-de viagem ao desconhecido e acompa-nhá-los.

Logo tudo ficou pronto e eles par-tiram: José, o pescador, os filhos eseus amigos. Eles levavam a mesa deprata e José carregava a taça do Graalnum pequeno cofre decorado comcentenas de pedras preciosas. Dias sepassaram e eles chegaram à beira domar. Este se estendia diante deles,

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azul e misteriosamente iluminado,aqui e ali, por luzes de cores rosa evioleta. Eles viram, no horizonte, nu-vens baixas que pareciam ilhas rodea-das pelo brilho dourado do sol poen-te. Deveriam ir até lá? Estariam asilhas do Ocidente sendo anunciadas aJosé? Entre os viajantes e as ilhas ha-via uma grande extensão de água comondas turbulentas. Para atravessá-lasseria preciso um barco, mas não havianenhum, nada com o que alguém pu-desse ousar fazer essa grande viagem.José mantinha-se à beira do mar, etodos aqueles que confiaram nele ointerrogavam com os olhos. Então,acima da água, soou uma voz que to-dos puderam ouvir: Toma tua vesti-menta branca, José, e estende-a sobrea água! José obedeceu. Tomou suavestimenta de linho branco e esten-deu-a sobre a superfície ondulantedas águas. E eis que a vestimenta to-mou a forma de um barco. Então, no-vamente, a voz ressoou como o chil-rear de um canto de pássaro ao anoi-tecer: Sobe a bordo, José, e que todoste sigam.

José pegou o pequeno cofre doGraal e, confiante, subiu a bordo. Avestimenta branca provou ser sufici-entemente forte para levá-lo e a em-barcação ficou tão imóvel como se es-tivesse presa por uma âncora. Os ou-tros o seguiram e depositaram a mesade prata no centro da embarcação.Quando todos tomaram seus lugaresà mesa, o barco, impulsionado poruma força misteriosa, começou a mo-ver-se e tomou rapidamente a direçãodo Ocidente.

O bastão se enraíza na terragelada

Logo o sol declinou, a lua subiu aocéu e o barco continuou seu cursomais rapidamente do que qualquer

outra embarcação. Entretanto, a luatambém se deitou; depois, atrás deles,o sol despontou novamente, e, nosraios de luz dourada que despertavampara a nova vida, José percebeu apraia de areia branca e os altos roche-dos do país do Ocidente. Ele os con-templou com admiração, mas, quan-do os viajantes aproximaram-se, des-cobriram que haviam trocado o calordo verão e árvores cheias de frutospor um país onde reinava o frio do in-verno e cujo solo estava coberto deneve. O gelo, que havia recoberto osrochedos durante a noite, brilhava; eos rios corriam sob uma dura crostagelada. O barco levou os viajantes pa-ra uma pequena baía, onde o vento donorte os apressou a procurar um abri-go. José foi o último a sair, e a vozmandou que ele recolhesse e usassenovamente sua vestimenta. Milagre!Ela estava seca, quente e confortável!

Os viajantes subiram uns atrás dosoutros: José com o pequeno cofre, opescador, os que carregavam a mesade prata e toda a comitiva. Eles galga-ram as alturas, desceram aos vales, de-pois chegaram num lugar mais aco-lhedor. José apoiou-se em seu bastãoe olhou se o lugar era convenientepara aí se fixar. Então, seu bastão co-meçou a vibrar e dele saíram brotos eramos cobertos de flores brancas: elese enraizou no solo gelado! A árvorecresceu rapidamente e tornou-se tãogrande que José pode facilmente ins-talar-se debaixo dela. Quando ele to-cou as flores, elas esparziram um per-fume maravilhoso.

José chamou o pescador e seusamigos e lhes pediu para colocarem amesa de prata sob a árvore. Todos seinstalaram ali. Então, o pescador en-controu um peixe de prata num ribei-rinho próximo, como se esse peixe oestivesse esperando há muito tempo.Ele o levou a José, que o preparou so-bre os carvões em brasa. O Graal foicolocado no meio da mesa, e todos se

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apressaram a tomar parte da refeiçãomágica, que lhes era familiar, sob a ár-vore florida. Essa foi a primeira refei-ção feita no país do Ocidente, en-quanto colinas e vales desapareciamsob uma espessa camada de neve.

A taça envolta por uma nuvemluminosa

Nesse momento, um ancião vestidocom um grande casaco os observava.Era um druida que apareceu por aca-so. Espantado, ele olhava esses ho-mens morenos, com suas vestimentasorientais coloridas, instalados ao re-dor de uma mesa de prata sob uma ár-vore florida. Mas era principalmente ataça envolta por uma nuvem lumino-sa que atraía sua atenção. Quandoeles terminaram de comer, um deleslevantou-se e, com grande cuidado,tomou a taça cintilante em suas mãos.Todos se levantaram, pegaram a mesade prata e continuaram seu caminhopela neve. O druida aproximou-se daárvore e tocou-a. A árvore era verda-deira, assim como as flores de odordelicado. Ele retornou para sua casa econtou a todas as pessoas o que haviavisto. Então, o rei do país do Oci-dente ofereceu a José e a seus amigosa terra onde a árvore se encontrava.Eles ali construíram uma capela e, du-rante muitos anos, puderam reunir-setranqüilamente ao redor da mesa deprata e permanecer no país, graças àinfluência protetora e salutar doGraal.

Jesus, pescador.Papiro copta,Staatliche Museen,Berlim. Pedratumular do séculoXIII. Museu deLerida, Espanha.

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O Irã, a antiga Pérsia, é, junto com os países árabes, há séculos, um im-portante centro do mundo islâmico. No Ocidente, esquecemos com fre-qüência que os diferentes países islâmicos têm raízes e tradições muito dis-tintas. Em nossos dias, o que se conhece sobre a mitologia da Pérsia é mui-to anterior ao início do Islã.

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O Livro dos Reis da Pérsia antiga

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pesquisa científica mostra que, noespaço e tempo, as tentativas que vi-sam tornar os homens conscientes deseu verdadeiro destino são universais.Encontramos testemunhos em pala-vras, escritos e símbolos sobre a terrainteira. É como um fio de ouro queliga entre si os pesquisadores de todasas raças, em todos os séculos.

Após o islã ter se tornado religiãode Estado, na Pérsia, correntes e mo-vimentos continuaram tentando fazerreviver a antiga herança espiritual doIrã. Eles procuraram a essência daqui-lo que se conservou e a adaptaram aoespírito do tempo. Assim, o fio de ou-ro foi novamente restabelecido e seudevido valor reiterado por toda parteonde isso se fez necessário.

No século XII, o sábio persa Shihabad-Din Yahya al-Suhrawardi (1154-1191) religou o ensinamento de Zoro-astro e as tradições do antigo Irã coma sabedoria hermética e o neoplatonis-mo grego. Ele hauriu dessas fontespara atualizar sua mensagem, pois es-sas duas correntes de sabedoria erammuito conhecidas e apreciadas no seutempo. Em um de seus relatos ele fazreviver, de certa forma, a imagem doGraal, uma clara e poderosa imagemque difunde a profunda verdade doensinamento espiritual libertador. Asfontes de seus dizeres sobre a ação doGraal estão ocultas na pré-história daPérsia.

A taça mágica com sete círculos

Todos os iranianos conhecem e ve-neram o Livro dos Reis, o Shah-na-meh, que foi composto no ano 1000d.C. pelo grande poeta Firdawsi ecompreende 50.000 versos. No Irã,ele é tão considerado quanto a Odis-séia de Homero ou A Divina Comé-dia de Dante no Ocidente. O Livrodos Reis é uma gigantesca epopéiasobre os tempos extremamente anti-

gos, quando os sábios príncipes con-duziram seus povos de forma justa elevaram sua civilização a um imensodesenvolvimento. Conta-se de Jam-shid, o mais importante rei, o quartodesse período, que seu trono flutua-va no ar e que ele possuía uma taçamágica com sete círculos. Na mitolo-gia da Pérsia, essa taça é conhecidacomo a Taça de Jamshid. Mais tarde,ela foi denominada a taça que refleteo universo. Entretanto, satisfeitodemais com suas obras, Jamshid caiusob o domínio do mal. Sobre a terra,eu só conheço a mim mesmo: o tronoreal jamais viu um homem tão famo-so como eu. Ele perdeu a razão e foidestronado por um jovem que estavasob as ordens do mal. Esse aconteci-mento marcou o começo da lutasempre atual entre o bem e o mal,simbolizada pelo combate do Irã e deTurã.

O rei Jamshid não é uma invençãode Firdawsi. Suas descrições do pas-sado iraniano e dos dezessete primei-ros reis têm por fundamento a obrado grande sábio Zoroastro (cerca de628-551 a.C.), que propagou, naPérsia, o ensinamento monoteísta deAhura Mazda e de seu adversárioAhriman. Jamshid é o antigo rei Yimadas tradições zoroástricas, queremontam à pré-história da Índia.

O reino de Yima é conhecido comoa Idade de Ouro, quando não havianem doença nem morte. Ele era umpríncipe justo e sábio, chamado de oBom Pastor. O número de imortaiscresceu tão depressa sob sua direção,que ele decidiu ampliar a Terra trêsvezes. Mas o demônio Mahrkuschaenviou um terrível maremoto seguidode verões tórridos que provocaramuma seca tão grande, que só AhuraMazda pôde impedir a exterminaçãodos seres humanos. Ele mandou Yimacavar uma morada subterrânea, ondetodos os homens e todos os animaisencontrariam um abrigo e onde have-ria fartura de água, árvores, flores efrutos.

A ilha celeste,atribuída a MirzaAli, Ca.1560.

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No fim da Idade de Ouro Yimatorna-se mortal

Diz-se que foi o orgulho de Yimaque provocou essa catástrofe. Ele teriase desviado de seu Criador e se encer-rado no erro. A Idade de Ouro termi-nou e Yima tornou-se mortal. Desdeque propagou suas falsas idéias, a Luzde Glória (Xvarnah) retirou-se. Segun-do os iranianos, todos os reis legítimospossuíam essa luz. Zoroastro disse:Ela ilumina cada céu que, do alto, res-plandece de luz e se estende acima e aoredor desta Terra, assim como um jar-dim criado no mundo espiritual irradiasua luz sobre as três partes da Terra.

Esses mitos dos tempos primitivosapresentam uma fase do desenvolvi-mento da humanidade quando os reissacerdotes ainda existiam. Nessa épo-ca, a humanidade era guiada por essesreis que possuíam a Taça de Jamshidou Luz de Glória. Eles estavam liga-dos ao Espírito de Deus e tinham portarefa proteger seu povo graças a umasociedade justa e ordenada, a fim deque ele pudesse desenvolver-se. Nãosão somente os mitos persas que falamdeste sacerdócio-real, mas também osmitos do Egito antigo.

Voltemos para Livro dos Reis, oShah-nameh. Nos contos e lendas daluta entre Irã e Turã aparece um ho-mem que tem um papel importante nabusca do Graal. Seu nome é KayKhosraw, o oitavo e último rei da di-nastia dos Kayanides. Sua vida mostramuita semelhança com a dos cavalei-ros das lendas do Graal conhecidas noOcidente.

Seu avô, o rei do Irã, não sabia oque fazia quando atacou o reino dosdemônios. Seus adversários o aprisio-naram e lhe vazaram os olhos. Graçasao herói Rustam, que afrontou seteperigos, o rei voltou finalmente aotrono do Irã. Seu filho retomou a lutacontra Turã mas, forçado pelas cir-cunstâncias, se entendeu com seu ini-migo, o rei de Turã, e esposou sua

filha, Farangis. Pouco depois, ele per-deu sua vida devido a traição. Farangisestava grávida e deu à luz, após a mor-te de seu esposo, um filho denomina-do Kay Khosraw.

Os reinos do bem e do mal são entrelaçados

As relações entre Irã e Turã mos-tram que, no tempo de Kay Khosraw– nos primeiros tempos da história doIrã – o reino do Bem e do Mal já esta-va em curso. O novo príncipe KayKhosraw é o protótipo dessa dualida-de. Seus avós foram, respectivamente,os reis de Irã e Turã.

Como nas lendas ocidentais sobre oGraal, fica claro que os guardiões dataça mágica a têm desmerecido muito.É preciso um ato enérgico para fazer aTaça de sete círculos de Jamshid, onde oUniverso se reflete, volte à Terra paralibertar a humanidade.

A juventude de Kay Khosraw separece com a de Parsifal. O pai de ca-da um deles é assassinado traiçoeira-mente. Os dois são filhos de princesase crescem ao lado de suas mães na soli-dão de uma floresta. Quando jovens,eles sentem atração pela cavalaria.Quando Kay Khosraw, pela primeiravez, encontra-se diante do rei de Turã,ele passa por um tolo e não fala desuas origens. Parsifal igualmente seconduz como um simplório, um pate-ta que nem mesmo sabe seu nome.

Kay Khosraw chega finalmente aoIrã, ao lado de seu avô, que o faz ime-diatamente rei. Ele jura vingar o assas-sinato de seu pai, e não mais ter des-canso antes de ter vencido o malvadorei de Turã.

Kay Khosraw, como Parsifal, temcomo objetivo restabelecer a justiçadivina original. É então que o Graalaparece de novo: um jovem iraniano éfeito prisioneiro em Turã. Para salvá-lo, no dia do Ano Novo na Pérsia,Kay Khosraw coloca uma vestimenta

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especial e cinge a coroa dos Kayani-des; depois, pega a taça mágica comsete círculos onde o Universo se refle-te e tenta descobrir o jovem num dossete mundos.

Logo se dá a luta decisiva entre Irãe Turã. Kay Khosraw vence o rei deTurã, que foge em seu cintilante palá-cio de Gangbehest. Após um longocerco, Kay Khosraw vence seu adver-sário. Então, começa um período ilu-minado de sessenta anos no Irã.

No final de sua vida terrestre, KayKhosraw, com oito cavaleiros, sobeuma alta montanha. Quando ele osadverte da chegada de uma tempestadede neve e aconselha a retornar, trêscavaleiros acatam seu conselho, mascinco deles continuam a acompanhá-loaté o momento em que eles chegam auma fonte. Lá, o rei se despede de seuscavaleiros, banha-se na Água da Vida edesaparece. Os cavaleiros o procuramainda durante muito tempo e acabamse perdendo na tempestade de neve.

O Graal e a Luz de Glória

A lenda persa da Taça com sete cír-culos que reflete o universo se parecemuito com as lendas do Graal. Estataça está ligada à Luz original que estáfora do alcance da consciência comum,que, aliás, é vigiada e combatida pelastrevas. No mesmo contexto, a tradiçãode Zoroastro fala sobre o «Xvarnah», aLuz da Glória que envolve a Terra econfere a realeza aos príncipes do Irã.Um hino zoroastriano relata como aLuz da Glória é transmitida, em segui-da, a oito reis. O último rei tem pornome Kavi Husravah, nome zoroas-triano de Kay Khosraw. Portanto,com Zoroastro igualmente aparecemos oito reis portadores de luz da dinas-tia dos Kayanides. O número oito –oito reis e oito cavaleiros que acompa-nham Kay Khosraw – faz pensar natradição ocidental segundo a qual oitodescendentes de José de Arimatéia

conservaram a taça na qual ele reco-lheu o sangue de Cristo.

Substituição do ser interior

Após esses exemplos de lendas rela-tivas ao Graal na antiga Pérsia, umaquestão apaixonante se impõe: paraonde foi uma tal herança? Onde pode-mos retomar o fio de ouro? Afinal,cada civilização tem sua própria línguae características particulares, de modoque os homens de cada época têmoutras tarefas e possibilidades paraalcançar a meta, seguindo um processode mudança interior. É interessantenotar que as lendas do Graal reapare-cem no século XII, não somente noOcidente, mas também na Pérsia.

No mundo árabe persa, Suhrawardiretoma os temas do Graal, sob o ângu-lo do zoroastrismo, das tradições daantiga Pérsia, do hermetismo e doselementos helenísticos. Para ele, im-porta menos uma filosofia ou uma teologia do que as experiências con-cretas do pesquisador da verdade.Após muitas provas, este último podedar uma vista d’olhos na Taça comsete círculos e assim ligar-se a umnovo e superior campo de vida. É porisso que ele não fala dos sacerdotes-reique intervieram como substitutos doCriador, mas de uma substituição doser interior em cada pessoa.

Na Pérsia de Suhrawardi existiamnumerosos símbolos que se referiamao País da Luz do Espírito divino,uma rica herança provinda do tempode Zoroastro. Mas a idéia do Reino deLuz amplamente difundida por Maniexercia ainda uma grande influência.Mais tarde, Mani foi considerado etratado pelo Islã como herético; entre-tanto, fragmentos de seu ensinamentoforam conservados em textos maistardios da mística e do gnosticismopersas. Em seus hinos e seus salmos,Mani descreveu o País da Luz deDeus, ao qual deve aspirar o homem

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Vitória sobre odragão, guardião dotesouro. Hamsah,Nisami, BritishMuseum, Londres.

mutável e cego. Esses textos de Maniprovêm das tradições da antiga sabe-doria persa; contudo, ele denominavaa si mesmo Apóstolo de Jesus Cristosegundo a vontade de Deus.

O Espírito da verdade veio e nosdesatou da ilusão do mundo.Ele nos entregou um espelho. Contemplando-o, vemos nele o Universo.Ele nos mostra que existem duas or-dens: a ordem da Luz e a ordem dastrevas.

A ordem da Luz penetra a ordem das trevas.Não obstante, a ordem das trevas estáseparada da Luz desde o começo...

A corrente da iluminação

No século XII, Suhrawardi hauriudessa fonte e instituiu o Ishraq, a Cor-rente da Iluminação, denominadatambém de A Radiação da Aurora. Eledeixou uma obra considerável. Parte

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em árabe, parte em persa, ele redigiuconsiderações teológicas e tambémnarrativas alegóricas e herméticas. Eleexplica, em trechos diferentes, a quaistradições espirituais ele se sente liga-do; e insiste sempre na importância,não dos conhecimentos, mas da expe-riência concreta: Quanto aos amigossobre o caminho, eles percebem, emsuas almas, luzes que os deixam numencantamento extraordinário, porqueessa luz não se encontra na vida terres-tre. Para o principiante, é uma luz fu-gaz como o raio; para o mais adianta-do, uma luz uniforme, e, para o ho-mem superior, uma luz celeste obscura.Quanto à luz obscura que leva à pe-quena morte, o sábio Platão, entre osgregos, foi o último que realmente aconheceu, assim como o Grande Espí-rito cujo nome foi conservado ao longoda história de Hermes.

Suhrawardi só consagrou algumaslinhas à taça, ou Graal. Ele parte doprincípio de que seus leitores conhe-cem bem a história do rei mítico KayKhosraw. O Graal, o espelho do uni-verso, pertencia a Kay Khosraw. Elepodia ler nesse espelho tudo o que qui-sesse, contemplar as coisas ocultas econhecer as coisas manifestadas. Diz-se que o Graal encontrava-se em umestojo de couro, de forma cônica e ata-do por dez tiras. Quando Kay Khos-raw quis, um dia, ver as coisas ocultas,ele confiou o estojo ao torneiro. Quan-do todas as tiras foram desatadas, oGraal ficou invisível. Porém, quandoo estojo, na oficina do torneiro, foi rea-marrado, o Graal tornou-se novamen-te visível.

O tema da taça, espelho do Univer-so, remonta a um passado muito lon-gínquo e era ainda conhecido no tem-po de Mani.

Portanto, para Suhrawardi, fica cla-ro que o Graal desce na natureza dohomem para libertá-lo dela. O imortaldesce no mortal. A natureza terrestreé o invólucro, o Graal está escondidodentro do estojo, voluntariamenteamarrado. No interior desse invólu-

cro, a nova alma precisa despertar parareceber o Espírito. Kay Khosraw jápossuía essa ligação, em princípio.Permanecendo em seu corpo, o Graalera visível, quer dizer, agia na nature-za terrestre. Assim que ele desfez osdez laços e voltou-se totalmente paraas coisas invisíveis, o Graal não foimais visível. Afinal, elevar-se no Es-pírito significa desligar-se da matéria.

E como o Graal é preenchidopelo Espírito?

Quando o sol encontrava-se noequinócio da primavera, segundoSuhrawardi, Kay Khosraw elevou oGraal para o sol. Imediatamente umapoderosa luz caiu sobre ele e todas aslinhas e representações do mundo nelese manifestaram. Ele conclui: Quandoeu ouvi o mestre descrever o Graal deJam, eu fui, eu mesmo, o Graal domundo, o espelho de Jam. No Graaldo mundo, o espelho, nós vimos, emlembrança, que cada Graal é uma cha-ma que nos faz morrer.

Repetidamente, Suhrawardi indicaque o eu da natureza deve morrer demodo que uma nova alma possa nas-cer. Sob a ação do Graal, o superiordeve substituir o inferior. Tal foi suamensagem aos homens de seu tempo:são nossos atos que nos transformam.

Seu ensinamento exerceu ainda umagrande influência muito tempo apóssua morte. Sua fraternidade tinha pornome Ishraqiyun, e também Khosra-wiyun, segundo o legendário KayKhosraw.

Essa comunidade perpetuou-seapós seu desaparecimento e encon-tramos traços dela até em nossos dias.

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Kitesj, símbolo de um cosmo inviolado

O Graal é o símbolo de uma reali-dade espiritual incompreensívelpara a consciência comum. Esta, sócom dificuldade pode tentar apro-ximar-se dele! Entretanto, emanadesse símbolo uma força criadora edinamizadora, uma força portado-ra de cura e de renovação. Alémdisso, essa força exerce sua açãosobre a consciência humana e sobreas atividades que dela decorrem; eela abre a porta a visões intuitivascapazes de esclarecer a consciênciacomum, chamada de normal.

uando se descreve o Graal, fala-sede taça ou vaso sagrado, de pedra pre-ciosa luminosa, de um fogo puro, deuma música celeste que invade todasas coisas, de uma força salvadora esantificadora que torna supérfluoqualquer outro alimento, de pura luzda sabedoria e também de uma cidadeoculta. A consciência terrestre estáimpossibilitada de dar a exata defini-ção de uma realidade espiritual deuma ordem elevada, de rotulá-la.Talvez seja por essa razão que o Graalé um conceito que, em toda parte,interpela o homem até o mais íntimodo coração.

Quando não é representado mate-rialmente, ele é considerado como umfogo, como uma energia espiritual –todas as lendas são unânimes – inaces-sível aos simples mortais, a menos queestes tenham se preparado especial-mente para a prova, seguindo umplano muito claro. Se não for este ocaso, eles seriam, então, simplesmenteconsumidos por essa energia muitoespecial e não-terrena.

O Graal cósmico é imperecível. Eleexerce sua influência de duas formas:às vezes, ele se manifesta por meio desímbolos, esboçando as linhas de for-ça com a qual sua energia é animada;outras vezes, por intermédio de suaação libertadora e regeneradora. Ossímbolos falam à consciência intuitivado homem receptivo e o impulsionama buscar e a agir de maneira lúcida einédita. Tal comportamento pode fa-zer nascer um novo tipo de homem, oqual confiará a conduta de sua vidacotidiana ao princípio interior imor-tal. Esse princípio é o fundamento daalma eterna. Graças a esse poder daalma, ele tem a capacidade de ir cons-cientemente ao encontro do Graal ede se colocar a seu serviço. Colocar-sea serviço do Graal significa, portanto:conhecer o plano de Deus para omundo e a humanidade e colaborarcom ele. Então a alma, uma vez puri-ficada, renovada, e com isso tornadaimortal, encontra seu lugar na grandee antiga Fraternidade do Graal, queabarca todo o universo.

Sobre essa base, o Graal não pode ser encontrado

Nessas condições, vemos claramen-te a razão pela qual reina, em todas aslendas do Graal, uma grande incertezasobre a natureza e a direção da busca.Onde é preciso procurar esse Graal? Equal é o momento propício para sepôr a caminho? A busca depende deum ponto de partida bem determina-do? No início, a busca só reflete nos-sas próprias idéias. Ora, sobre essa

Painel com a Visãode Kitesj sob aágua.T. Zubkova,1968.Têmpera ouro e laca sobrepapel machê.

Q

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base, o Graal não pode ser encontra-do, mesmo que nossa imaginaçãoalcance um alto grau de refinamento ede idealização. Não há, portanto, comque se espantar se tantos pesquisado-res e Prometeus assaltam o céu e ficamde mãos vazias, a despeito de seus no-bres e corajosos esforços. Somente épossível encontrar e conservar o Graalquando a conduta é plena de dignida-de e orientada para uma espécie de ca-valaria interior, quando tudo foi dei-xado para trás, quando cessa o pensar,sentir e agir de acordo com a consci-ência terrena, quando todos esses ele-mentos terrenos estão mortos e umlugar é preparado para a alma viventeeterna.

Existia na Rússia, na época medie-val, uma ordem cavalheiresca que as-pirava à honra e ao enobrecimento in-terior. Essa ordem queria servir aDeus, defender a pátria e socorrer ospobres, os doentes e os oprimidos.

Nas cortes principescas e mansões dosnobres, a filosofia, a astrologia, a al-quimia e a magia eram praticadas damesma forma que no resto da Europa.Nessa época, a Rússia encontrava-sesob a influência da cultura persa alta-mente elaborada, onde encontramosos mais antigos traços conhecidos daslendas do Graal.

Paralelamente a essa fraternidadecavalheiresca, a lenda de Kitesj teveum papel não secundário. O composi-tor russo Rimsky-Korsakof (1844-19-08) escreveu uma ópera intituladaSkazanije o nevidimom grade Kitesj ideve Fevronii (A cidade invisível deKitesj e a virgem Fevrônia). Essa ópe-ra descreve, de forma mais clara doque a das lendas do Graal da Europaocidental, a preparação necessária pa-ra ser admitido numa ordem cavalhei-resca.

A sabedoria da alma medieval

O autor do libreto, W.J.Belski, feza síntese de todas os conceitos quepovoam os mitos, contos e lendasrussas. Aqui, é a Saga da JovemFevrônia da cidade de Murom queocupa o lugar central. A Crônica deKitesj (1251) de Meledins sobre a edi-ficação da Pequena e da GrandeKitesj em três anos, sobre os 75 anosque duraram essas duas cidades, sobrea destruição da Pequena Kitesj, em1239, forneceu o quadro históricodessa saga. Em colaboração intensacom Rimsky-Korsakov, W.J.Belskifez-se intérprete da sabedoria popularda alma medieval.

Há pouca ação dramática nessaópera, o que permite aos artistas, se-gundo Belski, dar ênfase a todas asemoções. A música poética e lírica deRimsky-Korsakov torna vigorosos ossutis estados de alma – exatamentecomo na Flauta Mágica de Mozart –ela traduz claramente as três fases deevolução da consciência:

O CavaleiroBranco combateIvan. Gravurasobre madeira,Contos das florestas e estepes russas,Dr. BorisRapschinsky.

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• a compreensão concreta, que élimitada aos fenômenos terrestrescotidianos;

• a experiência intuitiva e mística daluz que não projeta sombra. Nocoração do ser que aceita conscien-temente a luz, exprime-se a fé au-têntica do cristianismo original. Éessa fé que confere a sabedoria;

• a consciência espiritual, tal como adespertada em Fevrônia, que, apóster ela suportado provas sobre-humanas, a conduz ao campo doprogresso espiritual.

Essa pureza interior espiritual colo-ca Fevrônia em ligação com a luz doGraal e com o domínio onde a Frater-nidade do Graal haure as forças quelhe permitem trabalhar no campo davida terrestre. Essa ligação é represen-tada, na ópera, pelos pássaros paradi-síacos Alkonost e Siren. Eles apare-cem cada vez que Fevrônia é submeti-da a uma prova que produz em suaconsciência uma experiência superior.

Representação da alma humanapurificada

A Pequena e a Grande Kitesj foramfundadas para serem as cidadelas da fécristã original. Seus habitantes pude-ram seguir, durante setenta e cincoanos, um caminho místico pessoal emproveito do crescimento de sua alma,a grande finalidade da vida humana.Na lenda de Kitesj, o príncipe dessacidade é dotado de uma profundaconsciência religiosa e mística que ofaz viver por antecipação seus ideaisem benefício de seu povo. Essa cons-ciência mística une todos os habitan-tes e os leva diretamente a desenvolveruma nova alma, a qual esclarece paraeles a verdadeira finalidade da vida.

A virgem Fevrônia vive solitárianuma floresta vasta e selvagem aolongo do rio Volga, diante da PequenaKitesj. Fevrônia é a representação da

alma natural pura que transmite suasabedoria. Ela trabalha com ervas te-rapêuticas e compartilha seu conheci-mento livremente com os homens e osanimais. Ela compreende intuitiva-mente os processos que se desenvol-vem nas plantas e no reino animal eprodigaliza aos seus semelhantes com-preensão, compaixão, assistência eamor auxiliador. Os seres vivos da flo-resta confiam nela. Ela vive em har-monia com eles, e compreende, res-peita e favorece os processos naturaisque englobam todas essas criaturas.

Assim, Fevrônia terminou uma faseimportante de seu desenvolvimento.Ela possui uma alma radiante, a luz dacompreensão intuitiva e a mais eleva-da forma de amor que o homem podealcançar. É a razão pela qual ela é pro-vada e levada a fazer experiências queum eu muito ligado à natureza nãopoderia suportar.

Vivificação dos poderes superiores latentes

As provas de Fevrônia começamcom um encontro com o príncipeVsevolod. Este se extraviou duranteuma caçada e vagueia pela floresta,ferido e cansado. É então que ele seapercebe de Fevrônia. Ela está cantan-do enquanto procura por plantas me-dicinais, e é acompanhada por pássa-ros, um urso e alguns cabritos. Opríncipe fica espantado e cai sob o en-canto desse quadro: uma criatura per-feita e plena de alma segundo as nor-mas terrestres, nesta floresta selva-gem!

Fevrônia olha para o príncipe com amaior calma e vê que ele sofre, vítimade seus conflitos interiores. Ela se per-gunta como um homem tão nobre, umpríncipe, pode querer caçar seus jo-vens irmãos, os animais, para matá-los. Fevrônia percebe que ele aindanão descobriu a luz que está nele. Opríncipe é crente, e nada mais. Ele ain-

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da necessita de ritos e de princípiosmorais para poder seguir seu caminho.Embora ele tenha uma grande fé, seupróprio núcleo espiritual ainda nãodespertou. É por isso que ele só ageconforme os preceitos apresentados àsua inteligência. A compreensão intui-tiva ainda lhe é desconhecida. Então,Fevrônia dirige-se a ele para descobrirse é possível vivificar seus podereslatentes.

Ela saúda Vsevolod com palavrassimples que abrem seu coração. Opríncipe pede-lhe pão, mel e água. Es-ses são os símbolos esotéricos do ali-mento espiritual.

Vida da força crística em cadaalma humana

O príncipe pensa que Fevrônia,com toda a sua simplicidade, é bemsuperior a qualquer mulher, mesmo amais culta, da Pequena Kitesj. Elaocupa seu lugar na criação de formatotalmente harmoniosa e colaboracom a natureza e suas criaturas portoda parte onde pode fazê-lo. É queCristo está em cada alma humana,compadece-se e participa da vida decada ser vivente. Fevrônia está emcondições de doar ao príncipe sofre-dor, Vsevolod, a luz que iluminará suaconsciência. Ele aceita seu auxílio comreconhecimento e aprende que nãodeve mais considerar os animais eoutras criaturas como presas, mas quedeve defendê-las e socorrê-las.

Assim que essa mudança interioracontece com o príncipe, Fevrôniapode aceitar seu pedido de casamento.Então, Vsevolod faz que sua noivadeixe o mundo que lhe é familiar e aleva para a vida desconhecida da cida-de e de seus habitantes. Fevrôniaobserva os cidadãos da Pequena Kitesjcom espanto e compaixão. A maneirapela qual essas pessoas passam seutempo lhe é totalmente estranha.

Quando estes percebem a luz que

emana de Fevrônia, eles passam a cha-má-la de A Virgem da Luz. Assim es-timada, ela se esforça para que enten-dam suas idéias sobre a vida e sobre averdadeira finalidade da existência.Ela os encoraja a buscarem a si mes-mos. Entretanto, apesar de sua humil-dade, sabedoria, discernimento, com-paixão, bondade, verdade e tolerância,apesar de sua alegria, força e retidão,poucos se interessam por ela.

Os habitantes da Pequena Kitesjcultuam principalmente a vida mate-rial, por isso demoram a compreender.Fevrônia vê claramente os limites des-sa vida superficial e percebe que os ha-bitantes da cidade simplesmente igno-ram seu amor e suas sábias palavras.

Aceitar a escravidão ou abjurar sua fé

Considerando que a mente e a con-duta deles estão fechadas a qualquertentativa de renovação, eles não con-seguiriam escapar de uma transforma-ção violenta. Os tártaros avançam pa-ra o Oeste e, na campanha devastado-ra que os faz atravessar a Rússia, dosul e do centro, aproximam-se da Pe-quena Kitesj. A Grande Kitesj deverásucumbir em seguida. Os habitantesda Pequena Kitesj estão agora diantede uma escolha decisiva: render-se aostártaros para tornar-se seus escravos eabjurar sua fé, ou permanecer fiéis aesta, morrendo em combate?

No decorrer dessa crise, muitos ci-dadãos da Pequena Kitesj percebem avoz interior que lhes diz para seguirsua intuição que os impulsiona a com-bater pela sua salvação e pela preser-vação da Grande Kitesj. Nesse meiotempo, o príncipe Vsevolod galopacom alguns cavaleiros para a GrandeKitesj a fim de buscar auxílio. Mas ostártaros surgem mais rápido do que oprevisto. No terrível combate, que sedesencadeia com violência, todos sãomortos, menos Fevrônia e um bêbado.

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Ninguém se mostrou disposto a aju-dar os tártaros e a lhes indicar o cami-nho secreto para a Grande Kitesj.

Entretanto, o bêbado, obscurecidopor sua vida de prazeres, ligado à vidamaterial e não sabendo mais o signifi-cado da alma e dos valores superiores,logo que cai nas mãos dos tártaros seprepara para guiá-los para a GrandeKitesj, a fim de salvar sua vida.

A bela Fevrônia faz parte dos des-pojos de guerra que cabem ao Khan,príncipe dos tártaros, e torna-se suaescrava. Cativa, assim como o bêbado,ela roga a seu companheiro que não secomporte como Judas, traindo o se-gredo do caminho para a GrandeKitesj. Ela se recolhe e ora pela salva-ção dos habitantes da Grande Kitesj:como eles se deixam guiar em sua vidacotidiana pela força da verdadeira fé,somente isso pode salvá-los.

O príncipe enfrenta pacificamente os tártaros

Os poderes e forças terrestres –simbolizados pelos tártaros – procu-ram ganhar Fevrônia para sua causa,mas ela permanece inatacável e inven-cível. Ela não teme a violência e só tempiedade de Khan, que está sedento pormortes e se afoga no álcool.

Então, segue-se uma série de acon-tecimentos dramáticos. O príncipeVsevolod, com um pequeno grupo decavaleiros, marcha contra os tártaros.Ele se arma com o elmo da esperança,o escudo da fé e a espada do Espírito.Esses atributos mostram claramenteque ele está em busca do Graal, e queluta contra tudo o que deseja retê-lo.Ele tornou-se um puro cavaleiro doGraal, pois a lenda relata que ele vai aoencontro dos tártaros com um espíri-to de ausência de luta.

Esses aspectos da lenda de Kitesj – eque se encontram em muitos outroscontos do Graal – mostram que se tra-ta aqui de processos interiores de pu-

rificação espiritual a que todo serhumano é convidado.

O príncipe Vsevolod e seus cavalei-ros penetram as fileiras dos tártaros eaí encontram a morte. Os habitantesda Grande Kitesj e seu rei Yuri supli-cam à Mãe celeste para envolvê-loscom forças puras e protegê-los. E omilagre acontece: a cidade é envolvidapor uma nuvem de fogo. Os pastoresque assistem a esse prodígio põem-sea cantar: Kitesj tornou-se a cabeça e ocoração do mundo. A cidade desapare-ce no mar de cristal, Swetli Jar, elevan-do-se ao céu. Na beira do mar, o exér-cito tártaro é tomado de indescritívelterror e foge para os bosques ao redor.

Fevrônia vê que a Grande Kitesj seeleva para uma dimensão superior. Osdois pássaros dos mistérios, agora vi-síveis, convidam-na a lançar-se na luzjunto com a cidade. Assim, ela alcan-çou sua finalidade: não existe maismorte para ela. Revestida de luz, ela éacolhida pelos cavaleiros do Graal;depois, vai ao encontro de Vsevolodque, após sua morte no campo debatalha, é ressuscitado e, como cava-leiro do Graal, é agora guiado para aGrande Meta. Finalmente, Vsevolod eFevrônia tornam-se rei e rainha doGraal da Grande Kitesj.

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Ninguém melhor do que Gadal, último patriarca cátaro, paranos guiar pelo mundo dos mistérios cátaros. Com firmeza, eleprivilegia o sutil e dá voz ao inefável.

A história é, na realidade, um rito de iniciação cátara. Em ondassuaves, ela ilumina cada página e nos invade com o silênciomágico das grutas do Ariège.

Nesse silêncio interior, ela pulsa verdades que somente o coraçãopode sondar, deixando-nos a um passo do Caminho do SantoGraal.

Se desejar trilhá-lo, dê o primeiro passo.

160 pgs.

ISBN: 85-88950-18-9

R$ 20,00