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FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO SHEILA TELLI FABRET EM TORNO DA IDENTIDADE DO EDUCADOR LINGÜÍSTICO: ASPECTOS DE SUA AUTO-ESTIMA, SUAS CONCEPÇÕES E SIGNIFICADO SOCIAL DE SEU TRABALHO Porto Alegre 2007

Em Torno Da Identidade Do Educador Linguistico

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  • FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO MESTRADO EM EDUCAO

    SHEILA TELLI FABRET

    EM TORNO DA IDENTIDADE DO EDUCADOR LINGSTICO: ASPECTOS DE SUA AUTO-ESTIMA, SUAS

    CONCEPES E SIGNIFICADO SOCIAL DE SEU TRABALHO

    Porto Alegre 2007

  • SHEILA TELLI FABRET

    EM TORNO DA IDENTIDADE DO EDUCADOR LINGSTICO:

    ASPECTOS DE SUA AUTO-ESTIMA, SUAS

    CONCEPES E SIGNIFICADO SOCIAL DE SEU TRABALHO

    Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, pelo Programa de Ps-Graduao em Educao, da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Orientador: Prof. Dr.Juan Jos Mourio Mosquera

    Porto Alegre

    2007

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    F123t Fabret, Sheila Telli Em torno da identidade do educador lingstico:

    aspectos de sua auto-estima, suas concepes e significado social de seu trabalho / Sheila Telli Fabret. Porto Alegre, 2007.

    179 f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de

    Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao, PUCRS, 2007.

    Orientador: Prof. Dr. Juan Jos Mourio Mosquera.

    1. Educao lingstica em lngua estrangeira.

    2. Letramento. 3. Auto-imagem e auto-estima. 4. Autonomia docente. I. Mourio Mosquera, Juan Jos. II. Ttulo.

    CDD 371.104 460.07

    Bibliotecria Responsvel

    Isabel Merlo Crespo CRB 10/1201

  • SHEILA TELLI FABRET

    EM TORNO DA IDENTIDADE DO EDUCADOR LINGSTICO:

    ASPECTOS DE SUA AUTO-ESTIMA, SUAS

    CONCEPES E SIGNIFICADO SOCIAL DE SEU TRABALHO

    Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, pelo Programa de Ps-Graduao em Educao, da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Aprovada em ___ de _______________ de ______

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Juan Jos Mourio Mosquera

    _________________________________________ Prof. Dr. Claus Dieter Stobus

    _________________________________________ Prof.. Dr. Pedro de Moraes Garcez

  • minha filha Ana Paula e ao meu marido Paulo Roberto

  • AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS

    Ao final de mais esta etapa do meu desenvolvimento profissional, olho para dentro de mim e gosto do que vejo: gosto de ver a pessoa na qual estou me transformando,

    por causa de todos e de cada um vocs. Todos tm seu lugar em meu corao e o meu eterno agradecimento.

    minha pequena e eterna famlia, minha pequena e eterna famlia, minha pequena e eterna famlia, minha pequena e eterna famlia, razo maior de minha existncia e felicidaderazo maior de minha existncia e felicidaderazo maior de minha existncia e felicidaderazo maior de minha existncia e felicidade:

    meu marido Paulo Roberto, amor antigo, presena constante, e a minha filha, to intensamente amorosa e amada.

    Pacientes e incentivadores.

    minha grande minha grande minha grande minha grande famliafamliafamliafamlia: minha me, meu pai, meus irmos e suas famlias;

    vov Iara, presena intensa e constante minha querida sobrinha Denise e minha sempre amiga Lourdes.

    minha famlia ampliada: minha famlia ampliada: minha famlia ampliada: minha famlia ampliada:

    Ao meu querido orientador, Prof. Dr. Mourio Mosquera, um verdadeiro educador: meu modelo de desenvolvimento pessoal e profissional,

    por me ensinar a vir-a-ser uma pessoa e uma professora melhor.

    Ao meu querido co-orientador, Prof. Dr. Claus Dieter Stobus, co-orientando meu ser & estar feliz na profisso, na vida.

    Ao prof. Dr. Pedro Moraes Garcez, sempre acolhedor, paciente

    e generoso, mostrando-me um verdadeiro sentido e o significado em ser professora de lnguas estrangeiras.

    A todos meus professores e professoras, pela ateno que me dedicaram:

    Ao professor Aureliano Hernandez, pela alegria de ensinar; s queridas professoras Jussara Binz, e Margarete Schlatter,

    exemplos de educadores, para sempre em mim;

    Aos meus novos amigos de mestradoAos meus novos amigos de mestradoAos meus novos amigos de mestradoAos meus novos amigos de mestrado que de diferentes maneiras vivenciaram comigo esta etapa:

    Denise Antunes, Jussara Bernardi e Jaqueline Maissiat, minhas amigas e orientadoras virtuais intensamente presentes;

    Denise Goulart, feliz descoberta, companheira constante, amizade solidificada; Anah Azevedo,minha amiga de mestrado

  • Aos meAos meAos meAos meus antigos e para sempre amigos:us antigos e para sempre amigos:us antigos e para sempre amigos:us antigos e para sempre amigos: Gilda Tomaz, to longe e to presente, sempre;

    Ana Cristina, Wander e Carlo, pela presena intensa, e carinho imenso, um grande presente; Bia, Joo, Pedro Henrique e Jlia, pelo companheirismo afetuoso.

    Dbora Souza, pela certeza da compreenso;

    Aos professores e professoras que participaram da minha pesquisa, Aos professores e professoras que participaram da minha pesquisa, Aos professores e professoras que participaram da minha pesquisa, Aos professores e professoras que participaram da minha pesquisa, com quem tive a alegria de conviver,

    pela amizade, disponibilidade e contribuies. Em especial, aos colegas Robertson, Tnia, Labriza, Gizele,

    Marilaine, Jussara. pelo carinho e amizade. A todos que aqui no nomeei e estiveram presentes nesta caminhada.

    CNPQ, pelo apoio financeiro, imprescindvel neste estudo.

  • RESUMO

    Este estudo teve por objetivo principal conhecer e compreender os sentimentos de

    auto-imagem e auto-estima e as concepes dos professores de espanhol sobre o trabalho e a

    contribuio social do educador lingstico em lngua estrangeira, com vistas a um

    redimensionamento da identidade profissional deste professor. A ancoragem terica desta

    pesquisa centrou-se em trs eixos: estudos terico-bibliogrficos sobre a auto-imagem e a

    auto-estima docentes; estudos sobre os modelos de identidade docente; e estudos sobre a

    educao lingstica em lngua estrangeira. Os dados desta investigao quanti-qualitativa

    foram coletados em trs fases, iniciando pela aplicao do Questionrio de auto-imagem e de

    auto-estima (STOBUS, 1983), seguido do questionrio de perguntas abertas e de entrevistas

    semi-estruturadas. A anlise dos dados coletados est fundamentada em anlise de contedo

    de Bardin (2004), complementados por Moraes (2006). Os resultados foram organizados em

    seis categorias: 1. A concepo de educao lingstica em lngua estrangeira, evidenciando

    as concepes dos professores de lngua espanhola acerca de seu trabalho, categoria analisada

    em duas subcategorias: o ensino de cultura e a formao para a cidadania. 2. O papel do

    educador lingstico, que trata das concepes dos professores sobre os propsitos de sua

    prxis. 3. As dificuldades enfrentadas pelo educador lingstico, que discorre sobre as

    dificuldades enfrentadas nos complexos contextos atuais. 4. As satisfaes da prtica da

    educao lingstica, que evidencia os sentimentos e as vivncias de realizao, analisada a

    partir de duas subcategorias: o sucesso no processo de ensino e aprendizagem e, o

    reconhecimento do trabalho docente. 5. A contribuio social do educador lingstico, que

    revela as concepes dos professores sobre as contribuies de seu trabalho na vida do aluno

    e nas sociedades contemporneas. 6. A auto-imagem e a auto-estima, que analisa e

    problematiza os nveis de auto-imagem e auto-estima dos professores participantes. Os

    estudos realizados evidenciam que um redimensionamento da identidade do professor de

  • lnguas estrangeiras, o educador lingstico, fundamentado na autonomia e configurado em

    prticas de letramento pode potencializar significativamente o sucesso no processo de ensino

    e aprendizagem de lnguas estrangeiras, restituindo lngua estrangeira o lugar que lhe

    corresponde na escola pblica regular. Alm disso, acrescenta sentido e significado a prtica

    profissional, contribuindo na manuteno e desenvolvimento saudvel da auto-estima,

    ajudando o professor a auto-realizar-se no processo pedaggico.

    Palavras-chave: educao lingstica em lngua estrangeira; letramento; auto-imagem e auto-

    estima; autonomia docente.

  • ABSTRACT

    The objective of this study was to know and understand the feeling/perception of

    selfimage, self-esteem and the opinions of the spanish teachers; the work and the social

    contribution of the educator regarding foreign language, and be aimed at reconsidering his

    professional identity. The theoretical anchorage of this research was based on three axes:

    Theoretical and bibliographic studies about self-image and self-esteem teaching, studies about

    patterns of identity teaching and, studies about linguistics education in foreign language.The

    quantitative and qualitative data of this investigation were collected in three phases starting by

    the application of the self-image and self-esteem questionnaire (STOBUS, 1983) followed

    by the open-questions and semi-structured interviews questionnaire.The data analyzed were

    based on Bardins (2004) analysis content, and complemented by Moraes (2006). The results

    were analyzed in six categories: 1. The conception of the linguistic education in foreign

    languages that points out the conceptions of the educators in foreign language concerning

    their jobs, analyzed in two subcategories: Culture teaching and citizenships education. 2. The

    role of the linguistic educator, that deals with the conceptions of the educators and about the

    reason of their praxis. 3. The difficulties faced by the linguistic educator, that recites the

    difficulties faced in the nowadays complex contexts. 4. The satisfaction of the linguistic

    education practice, which points out the feelings and experiences of fulfillment, analyzed

    from the point of view of two subcategories: The success of the teaching and learning process

    and, the gratitude of being educator. 5. The social contribution of the linguistic educator,

    which unveils the conceptions of the educators, about their contributions of their jobs in the

    students life and contemporary society. 1. The self-image and self-esteem that analyses and

    ponder the levels of self-image and self-esteem of the educators. Studies carried out, shown

    that an revaluation of the foreign languages teachers role, the linguistic educator anchored to

    autonomy and in the practice of literacy, can improve significantly the process of teaching and

  • learning foreign languages, rescuing the place that the foreign language deserves in the public

    schools. Besides that, this revaluation adds sense and meanings to the professional practice,

    contributing to the maintenance and healthy developing of the self-esteem, supporting the

    educator for the self-fulfillment in the pedagogic process.

    Key words: Linguistic education in foreign languages; literacy; self-image and self -esteem;

    teachers autonomy.

  • RESUMEN

    Este estudio tuvo como objetivo principal conocer y comprender los sentimientos de

    autoimagen y de autoestima y las concepciones de los profesores de espaol sobre el trabajo y

    la contribucin social del educador lingstico en lengua extranjera, con vistas a un

    redimensionamiento de la identidad profesional de este profesor. El embasamiento terico de

    esta investigacin se centr en tres ejes: estudios terico-bibliogrficos sobre autoimagen y

    autoestima docente; estudios sobre los modelos de identidad docente; y estudios sobre la

    educacin lingstica en lengua extranjera. Los datos cuantitativos y cualitativos de esta

    investigacin fueron colectados en tres etapas; comenzando por la aplicacin de cuestionario

    de autoimagen y autoestima (STOBUS, 1983), seguido del cuestionario de preguntas

    abiertas y de entrevistas semiestructuradas. El anlisis de los datos colectados fue

    fundamentado en anlisis de contenido de Bardin (2004), complementados por Moraes

    (2006). Los resultados fueron organizados en seis categoras: 1. La concepcin de educacin

    lingstica en lengua extranjera, que evidencia las concepciones de los profesores de lengua

    espaola acerca de su trabajo, analizada en dos subcategoras: la enseanza de la cultura y la

    formacin para la ciudadana. 2. El papel del educador lingstico, que trata de las

    concepciones de los profesores sobre los propsitos de su praxis. 3. Las dificultades

    enfrentadas por el educador lingstico, que discurre sobre las dificultades enfrentadas en los

    complejos contextos actuales. 4. Las satisfacciones de la prctica de la educacin lingstica,

    que evidencia los sentimientos y las vivencias de realizacin, analizada a partir de dos

    subcategoras: el xito en el proceso de enseanza y aprendizaje, y el reconocimiento del

    trabajo docente. 5. La contribucin social del educador lingstico, que revela las

    concepciones de los profesores sobre las contribuciones de su trabajo en la vida del alumno y

    en las sociedades contemporneas. 6. La autoimagen y autoestima, que analiza y problematiza

    los niveles de autoimagen y autoestima de los profesores participantes. Los estudios

  • realizados evidenciaron que un redimensionamiento de la identidad del profesor de lenguas

    extranjeras, el educador lingstico, fundamentado en la autonoma y configurado en prcticas

    de letramiento, puede potenciar significativamente el xito en el proceso de enseanza y

    aprendizaje de lenguas extranjeras, restituyendo a la lengua extranjera el lugar que le

    corresponde en la escuela pblica regular. Adems de eso, ese redimensionamiento aade

    sentido y significado a la prctica profesional, contribuyendo para la manutencin y el

    desarrollo saludable de la autoestima, ayudando al profesor a auto-realizarse en el proceso

    pedaggico.

    Palabras-clave: educacin lingstica en lengua extranjera; letramiento; autoimagen y

    autoestima, autonoma docente.

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    AI/AE: auto-imagem e auto-estima

    LE: lngua estrangeira

    - Educao lingstica em LE: educao lingstica em lngua estrangeira

    - Ensino de LE ensino de lngua estrangeira

    - Processo de ensino e aprendizagem de LE processo de ensino e aprendizagem de

    lngua estrangeira

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 01 A Autonomia profissional no modelo do especialista tcnico ...................... 35 QUADRO 02 A Autonomia profissional no modelo do profissional reflexivo................... 40 QUADRO 03 A Autonomia profissional no modelo do intelectual crtico ......................... 43 QUADRO 04 A concepo ampliada da autonomia docente ............................................. 50 QUADRO 05 A Concepo dinmica da autonomia ......................................................... 52 QUADRO 06 Metodologia de Pesquisa .......................................................................... 112 QUADRO 07 Categorias e Subcategorias ....................................................................... 116

  • SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS

    LISTA DE QUADROS

    1 INTRODUO.......................................................................................................... 16

    1.1 A ESCOLHA E A CONTEXTUALIZAO DO TEMA..................................... 16 1.2 ORGANIZAO DO TEXTO............................................................................. 19

    2 REFERENCIAL TERICO ..................................................................................... 21

    2.1 O PROFESSOR COMO PESSOA........................................................................ 21 2.2 A CONSTRUO DA IDENTIDADE DOCENTE ............................................. 24

    2.2.1 O professor como especialista tcnico .............................................................. 32 2.2.2 O professor como profissional reflexivo............................................................ 35 2.2.3 O professor como intelectual crtico ................................................................. 40 2.2.4 A construo da autonomia do professor .......................................................... 43 2.2.5 A concepo dinmica da autonomia................................................................ 51

    2.3 A AUTO-IMAGEM E A AUTO-ESTIMA DO PROFESSOR.............................. 52 2.3.1 O autoconhecimento ......................................................................................... 62

    2.4 QUALIDADES E PERPECTIVAS DO PROFESSOR DE LNGUAS ESTRAGEIRAS .............................................................................................................. 64 2.5 A EDUCAO LINGSTICA EM LNGUA ESTRANGEIRA ........................ 66

    2.5.1 A concepo de educao lingstica................................................................ 66 2.5.2 Letramento: a prtica potencializadora da educao lingstica em lngua

    estrangeira ...................................................................................................... 68 2.5.3 O contexto da Educao Lingstica................................................................. 70

    2.6 O EDUCADOR LINGSTICO .......................................................................... 73 2.7 FAZENDO EDUCAO LINGSTICA............................................................ 76

    2.7.1 O educador lingstico no contexto de sua prtica............................................ 76 2.7.2 As implicaes da prtica da educao lingstica ........................................... 78 2.7.3 O educador lingstico como mediador sociocultural ....................................... 79 2.7.4 O planejamento e a prtica do educador lingstico ......................................... 81 2.7.5 A prtica da avaliao na educao lingstica ................................................ 84 2.7.6 As dificuldades enfrentadas pelo educador lingstico ...................................... 86 2.7.7 Consideraes gerais sobre a educao lingstica .......................................... 87

  • 3 A INVESTIGAO................................................................................................... 89

    3.1 OS OBJETIVOS DA PESQUISA......................................................................... 89 3.2 A REA TEMTICA.......................................................................................... 90 3.3 O PROBLEMA DE PESQUISA........................................................................... 90 3.4 AS QUESTES NORTEADORAS...................................................................... 91 3.5 A CARACTERIZAO DA PESQUISA ............................................................ 91 3.6 OS SUJEITOS DA PESQUISA............................................................................ 94 3.7 OS INSTRUMENTOS E PROCEDIMETOS DE COLETA DE DADOS ............. 95 3.8 OS PROCEDIMENTOS DA ANLISE DE DADOS .......................................... 97

    3.8.1 Anlise Quantitativa dos Dados........................................................................ 99 3.8.2 Anlise Qualitativa dos Dados........................................................................ 113 3.8.2.1 A concepo de educao lingstica em lngua estrangeira .................... 116 3.8.2.2 O papel do educador lingstico .............................................................. 121 3.8.2.3 As dificuldades da prtica da educao lingstica .................................. 126 3.8.2.4 As satisfaes da prtica da educao lingstica..................................... 134 3.8.2.4.1 O sucesso no processo de ensino e aprendizagem de lngua espanhola 135 3.8.2.4.2 O reconhecimento do trabalho docente................................................ 136

    3.8.2.5 As contribuies sociais do educador lingstico..................................... 137 3.8.2.6 A Auto-estima e auto-imagem................................................................. 138 3.8.2.7 Sntese da anlise da entrevista da professora STa em torno das

    categorias da pesquisa ........................................................................... 147

    4 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 150

    REFERNCIAS............................................................................................................... 158

    APNDICES .................................................................................................................... 162

    ANEXOS .......................................................................................................................... 168

  • 1 INTRODUO

    1.1 A ESCOLHA E A CONTEXTUALIZAO DO TEMA

    Em busca da inteireza ...

    J no sou nenhuma garotinha e, apesar disso, me olho no espelho e gosto de ver a

    pessoa na qual estou me transformando...

    Graduar-se professor fcil! Ser professor que so elas! Foram, at esse

    momento, duas licenciaturas e trs especializaes, todas voltadas aos conhecimentos

    lingsticos especficos das lnguas inglesa e espanhola. No entanto, devo dizer que ainda no

    me percebo inteiramente professora. A rotina de cumprir calendrios, usar religiosamente o

    livro-texto, ensinar contedos inadequados para o contexto e avaliar matematicamente meus

    alunos continua produzindo em mim um sentimento de vazio de desempenho actancial.

    Teoricamente no me faltavam conhecimentos lingsticos, mas, apesar de tantos

    estudos, nunca me senti segura e satisfeita com meu trabalho. Isso que j se vo l mais de

    dezoito anos aprendendo a ser professora, ou seriam 43 anos?

    Pensando melhor, ao voltar no tempo, percebo que seria injusto no reconhecer que

    fui me tornando professora, j que os saberes docentes so adquiridos em tempos sociais

    diferentes: tempo da infncia, da escola, da formao profissional, do ingresso na profisso,

    do tempo de carreira... (TARDIF, 2002 p.104). Percebo-me, ento, uma eterna alfabetizanda

    profissional.

    Mas, interessantemente, mesmo desejando ser uma educadora, minha formao

    continuada teve nfase no conhecimento tcnico. Um pouco por demanda de currculo, uma

    vez que o mercado de trabalho exige fluncia total no idioma; mas, em grande parte, por

    desconhecimento de causa. Durante a graduao e antes de meu ingresso nas especializaes

    e no mestrado, eu no conseguia identificar, no me dava conta exatamente de que vazio eu

    estava correndo atrs. At ento, eu desconhecia caminhos distintos dos j percorridos.

    A grande mudana em minha formao profissional, e satisfao pessoal, ocorreu

    mesmo j pelos idos da segunda especializao e durante a segunda graduao. Foi nesse

    momento que passei a ter aulas com um professor reconhecidamente educador. Lembro-me

    de sua prtica mansa e segura de quem sabia ser professor. Pelas mos desse verdadeiro

    educador, prof. Dr. Juan Jos Mourio Mosquera, ingressei no Mestrado em Educao. E,

  • 17

    atravs de suas palavras, fortaleceu-se em mim a convico de que ser professor educar para

    a totalidade e, principalmente, educar-se a si mesmo. Acima de tudo, com meu orientador

    aprendi a sempre querer aprender a vir-a-ser uma pessoa melhor e uma professora-cidad.

    A ele devo essa minha busca pelo desenvolvimento pessoal e profissional.

    Ao descobrir que esse vazio de desempenho actancial era um sentimento comum a

    outros professores e estava intimamente ligado aos temas que meu co-orientador, professor

    Dr. Claus Dieter Stobus, nos desafiava a investigar, o mal-estar e o estresse docente e a

    pouca presena da afetividade na escola, percebi que seria possvel valer-me desses

    conhecimentos para pensar, investigar e escrever sobre o tema.

    A perspectiva de investigao somou-se provocadora e apaixonante proposta de

    educao lingstica em lngua estrangeira, formulada por meu orientador, Prof. Dr. Pedro

    Moraes Garcez, na especializao em ensino e aprendizagem de lnguas estrangeiras. Em seus

    questionamentos, vislumbrei a possibilidade de atribuir sentido e significado ao ensino da

    lngua espanhola no contexto da escola pblica.

    De posse dessas provocaes, desenhou-se a possibilidade da investigao. Todo o

    resto continuava sendo questionamentos. Aprofundou-se em mim o desejo de compreender o

    vazio de desempenho actancial. Que fao com tantos conhecimentos lingsticos? Como

    dar um sentido minha profisso, e significado ao meu trabalho de educadora em lnguas

    estrangeiras?

    C estou eu, agora sim, satisfeita. No mestrado em educao estou retomando

    antigos questionamentos, tais como:

    Que tipo de professor eu queria ser?

    Em que tipo de professora fui (trans)formada na licenciatura?

    Somam-se a esses questionamentos outros, propostos por Garcez (2005), que

    despertaram em mim um novo olhar sobre a identidade do professor de lnguas estrangeiras

    atuante em sala de aula na escola pblica regular.

    Que professor sou eu? Que professor eu quero ser?

    - o tcnico de idiomas?

    - o ensinante-lecionador ?

    - ou o educador lingstico?

    Que tipo de alunos deveramos formar nas sociedades complexas contemporneas?

    Essas so questes fundamentais ao ensino de lngua estrangeira, s quais acrescento

    meu questionamento pessoal mais recente:

  • 18

    Qual a minha contribuio social, como professora de lnguas estrangeiras, na vida

    dos alunos e na sociedade? Como ser uma professora-cidad?

    Esses questionamentos pessoais, aparentemente simples, na verdade parecem exigir

    uma clara definio da contribuio social do trabalho docente nas sociedades

    contemporneas. Essas provocaes permeiam a crise de identidade profissional vivida por

    alguns dos professores de lnguas estrangeiras da escola pblica regular.

    Hall (2000, p.10) registra a crise de identidade como perda de um sentido de si

    estvel; o deslocamento a descentrao dos indivduos tanto do seu lugar no mundo social

    e cultural, quanto de si mesmos. O que pode sugerir uma possvel causa do crescente mal-

    estar docente, relacionado ao vazio de desempenho actancial.

    Acredito que tais questionamentos j me oportunizaram uma certeza: a de que quero

    ser educadora em lnguas estrangeiras, mas Estas perguntas cujas respostas no so nada

    evidentes, parecem indicar uma relao problemtica entre os professores e os saberes

    (TARDIF, 2002, p.32).

    Hoje compreendo melhor essa minha insaciedade. Neste momento, busco um sentido

    para tantos conhecimentos lingsticos e um significado para minha profisso. Trabalho com

    minhas possibilidades e assumo meu trabalho como um projeto traado desde a infncia e que

    para sempre h de significar um vir-a-ser.

    Um projeto construdo durante minha atuao em sala de aula, alimentado pela

    criao, transformao, crescimento e atitude investigativa diria e impulsionado por uma

    pitada de ousadia em direo reconstruo constante um projeto em busca de algum que

    sou, mas ainda no completamente. Para isso, conto com minha educao continuada, com o

    apoio dos meus professores que me acompanham e orientam.

    Mas, afinal, ser que eu j sei ser professora?

    Como ser uma educadora em lngua estrangeira? Uma educadora-cidad?

    Tardif (2002) orienta que utilizemos os nossos referenciais espao-temporais que

    consideramos vlidos, para alicerarmos a legitimidade das certezas experenciais que

    reivindicamos.

    Percebo-me em pleno processo de crescimento profissional, assumindo convices

    ainda que em constante transformao, formalizando reflexes de minha prtica,

    aprofundando estudos sobre o desenvolvimento pessoal, a identidade profissional e a

    educao lingstica em lngua estrangeira. Com isso, busco construir uma identidade de

    profissional comprometida com o desenvolvimento social e cultural de meu aluno, atravs da

    promoo de sua independncia intelectual e de sua capacidade de tomar iniciativa, de ajuizar

  • 19

    criticamente e comprometer-se socialmente, permitindo que ele conhea a si mesmo e ao

    outro e d um significado sua vida, tambm atravs de conhecimentos em lngua

    estrangeira.

    Afinal, Os que escolhemos o Magistrio e estamos nele, temos de ser dialeticamente

    realistas-comprometidos e futuristas-esperanosos (MOSQUERA 2000, p. 145). E para

    isso,

    valorizar o trabalho docente pelo saber e pela competncia. Lutar por relevncia social: conscincia do real poder do professor, como cidado e profissional; estudo do poder do conhecimento e da mediao. Considerar a Escola como foco irradiador de educao poltica na comunidade, contribuindo para uma substancial diferena entre o humano potencial e o humano possvel e impossvel (idem, p. 146).

    1.2 ORGANIZAO DO TEXTO

    A ancoragem terica desta pesquisa centra-se em trs eixos:

    a) Estudos sobre a constituio da identidade profissional dos professores, aqueles

    fundamentados em Mosquera, Nvoa, Tardiff, Contreras, configurado nas sees: O

    professor como pessoa e A construo da identidade docente.

    b) Estudos da auto-imagem e da auto-estima docentes, alicerados em Polaino-

    Lorente, Mosquera e Stobus, e do desenvolvimento humano, e problematizados por Maslow

    e Mosquera. Seo de titulo A Auto-imagem e auto-estima do professor.

    c) Estudos especficos sobre o ensino de lnguas estrangeiras, configurados nas

    sees Qualidades e perspectivas do professor de lnguas estrangeira, fundamentados em

    Mosquera; A educao lingstica em lngua estrangeira, O Educador lingstico e Fazendo

    Educao lingstica, alicerados nos trabalhos de Kleimann, Signorini, Garcez e Schlatter.

    Somam-se a estes os estudos bibliogrficos desenvolvidos por esta pesquisadora, para

    monografia de concluso do Curso de Especializao em ensino e aprendizagem de lnguas

    estrangeiras, esta intitulada O Beab do educador lingstico: a contribuio social do

    professor de lnguas estrangeiras no contexto da escola pblica regular,. Este trabalho

    discorre sobre os fundamentos prticos da atuao do professor de lnguas estrangeiras no

    contexto da escola pblica regular (ver anexo). O objetivo nesta etapa fornecer uma base

    terica slida para a sustentao e desenvolvimento desta pesquisa.

  • 20

    O presente estudo apresenta-se, portanto, em quatro captulos organizados da

    seguinte forma:

    O captulo 1, Introduo, apresenta as consideraes introdutrias, enfocando

    aspectos relacionados escolha e contextualizao temtica, e aspectos relativos

    construo e organizao desta dissertao.

    O captulo 2, Referencial terico, relata o caminho de construo das bases tericas

    bibliogrficas que fundamentam o estudo realizado, iniciando pelas descries dos modelos

    tericos de identidade docente seguido do estudo do desenvolvimento pessoal, atravs da

    conceituao de auto-imagem e auto-estima, e dos estudos sobre o letramento e a educao

    lingstica em lngua estrangeira.

    O captulo 3, intitulado A investigao, apresenta as consideraes relacionadas

    escolha da abordagem metodolgica e desvela o trabalho de anlise e interpretao de dados

    quanto s conceituaes e vivncias dos professores que ensinam espanhol como LE.

    Por ltimo, sob o ttulo de Consideraes Finais, so apresentadas as consideraes

    resultantes das primeiras aproximaes proposta temtica da educao lingstica em lngua

    estrangeira. Referncias bibliogrficas, apndices e anexos concluem este estudo.

    importante salientar que, ao longo do estudo, sentimos a necessidade de buscar

    alguns tericos complementares que ampliassem as colocaes do referencial terico inicial.

    Desse modo, este trabalho no se trata de um estudo alicerado rigorosamente nos referenciais

    j citados, seno que, durante a construo dos referenciais foram surgindo novas

    contribuies tericas.

  • 2 REFERENCIAL TERICO

    2.1 O PROFESSOR COMO PESSOA

    No prefcio da obra Psicodinmica do Aprender, de 1977, Mosquera j enfatizava a

    importncia de estudos do processo de ensino e aprendizagem no contexto de sala de aula,

    mas tambm de estudos da relevncia do que se aprende e a utilidade dessas aprendizagens

    para uma vida humana. Fundamentados nas teorias deste autor e para melhor compreenso

    das propostas deste estudo consideramos fundamental registrar que o pressuposto de

    Mosquera e Stobus de que impossvel separar nossa vida afetiva da nossa vida intelectual

    e de nossas manifestaes afetivas (2006b, p. 94) fundamenta e permeia todas as reflexes e

    anlises elaboradas.

    Questionamentos relacionados a tal pressuposto so retomados no momento em que

    buscamos compreender novas possibilidades de desempenho docente no processo ensino-

    aprendizagem de lnguas estrangeiras, em que acreditamos envolver a amplitude de

    desenvolvimento profissional, porm, ao mesmo tempo, de desenvolvimento pessoal.

    Partindo do entendimento de que pretendemos redimensionar a identidade

    profissional e o modelo de atuao do professor de lnguas estrangeiras no contexto da escola

    pblica regular, percebemos que o papel social docente est diretamente relacionado

    construo pessoal e percepo do que o indivduo acredita que a sociedade espera dele.

    Portanto, antes de conhecer de que modo a sociedade e a educao elaboram as identidades

    profissionais docentes nas sociedades complexas contemporneas, torna-se fundamental a

    compreenso dos conceitos de auto-imagem e de auto-estima, pressupostos eminentemente

    sociais, que influenciam diretamente a formao da identidade docente, na qualidade da

    atuao e da efetiva contribuio social desse profissional.

    Com isso, enfatizamos de modo especial, neste estudo, a leitura e a ressignificao

    individual da identidade docente, mantendo-nos no contexto da linha de pesquisa elegida

    (Desenvolvimento da Pessoa, Sade e Educao) e refletindo a partir de pressupostos e

    conceitos que norteiam esta escolha.

    Sob essa perspectiva de trabalho, Fanfani, (2006 p.135) comenta:

  • 22

    En las condiciones actuales el oficio tiende a construirse cada vez ms a travs de la experiencia y no consiste tanto en ejercer un rol o una funcin preestablecida (incluso reglamentada), sino que usando la imaginacin y los recursos disponibles. La personalidad como totalidad se convierte en una competencia para construir su funcin. En este sentido puede decirse []. El xito o fracaso de su funcin tiende a verse como producto de una personalidad.1

    Com isso, queremos dizer que, ainda que tenhamos como certo e que utilizemos toda

    uma sustentao terica oriunda de concepes e consideraes polticas e sociolgicas

    inerentes identidade e profissionalizao do trabalho docente, nossa reflexo se restringe

    ao mbito de ressignificao da identidade profissional a partir da mobilizao pessoal do

    professor, como uma elaborao da forma de ser e uma forma de estar na profisso de

    educador lingstico em lngua estrangeira.

    Mosquera reitera constantemente em suas obras que se graduar professor uma das

    etapas importantes da vida da pessoa, mas que se faz necessrio transcend-la, ampli-la, de

    tal modo que essa conquista envolva tambm um empenho em ser professor. Isso se realizaria

    atravs da busca constante e transformadora da identidade profissional por meio do processo

    de educao continuada e na interao com a comunidade educativa.

    Dessa forma, potencializando o desempenho profissional, contribuiramos

    significativamente para o enriquecimento da auto-imagem e da auto-estima (e vice-versa).

    Conseqentemente, possibilitaramos uma caminhada progressiva auto-realizao

    profissional. Mosquera estabelece que a vida de todo ser humano e de todo contexto social

    pode ser considerada tanto uma realizao quanto uma experimentao inter-relacional

    (1977, p. 27) e que a experincia humana se baseia na aprendizagem e nas transaes

    interpessoais que levamos a efeito com os outros seres humanos atravs dos quadros de nosso

    comportamento e dos comportamentos dos outros.

    Todas as construes humanas e tambm a construo da identidade profissional

    envolvem um olhar para dentro de si mesmo e um olhar para o outro, tendo em conta a

    interao social, o meio-ambiente e a sociedade.

    Acreditamos que a identidade profissional do professor de lnguas estrangeiras, no

    contexto do ensino pblico, precisa passar por um momento de redimensionamento uma vez

    que sua construo de sujeito historicamente situado atual no corresponde s exigncias das

    populaes envolvidas e no atende s demandas sociais. Portanto, repensar tal identidade a

    1 Traduo: Nas condies atuais, o trabalho tende a construir-se cada vez mais atravs da experincia e no consiste tanto em exercer um papel ou uma funo pr-estabelecida (inclusive regulamentada), seno que usando a imaginao e os recursos disponveis. A personalidade como totalidade se converte numa competncia para construir sua funo. Neste sentido pode-se dizer []. O xito ou o fracasso de sua funo tende a ver-se como produto de uma personalidade.

  • 23

    partir do desenvolvimento pessoal e de sua significao social, da reviso constante de antigos

    conceitos e da reafirmao de prticas consagradas, da reflexo dialtica, teoria e prtica so

    adequaes que podem contribuir significativamente para o enfrentamento do insucesso do

    ensino de lnguas estrangeiras. Alm disso, levaro a uma melhor atuao em sala de aula,

    bem como satisfao pessoal do profissional e valorizao da profisso.

    Essa ressignificao perpassa por uma reflexo a respeito da auto-imagem e a auto-

    estima docente, sobre os modelos de professores e por um especial aprofundamento sobre a

    recente proposta de educao lingstica em lngua estrangeira. Essa dimenso de identidade

    profissional comea a despontar no sul do Brasil atravs de movimentos articulados pelos

    trabalhos de Garcez e Schlatter.

    Neste estudo assumimos o conceito da Educao Lingstica em Lngua Estrangeira

    como educao que prepara os cidados para uma participao plena, para o trnsito nas

    sociedades complexas contemporneas: uma educao lingstica entendida como

    socializao do cidado plenamente letrado, para enfrentamento com a diversidade

    (GARCEZ, 2006).

    Entendemos que a ressignificao deva partir do prprio profissional como ator e

    autor. Uma reconstruo,

    atravs do significado conferido atividade docente no seu cotidiano, com base em seus valores, seu modo de situar-se no mundo, sua histria de vida, suas representaes, seus saberes, suas angstias e seus anseios, no sentido de que tem em sua vida o ser professor. Assim com baseado na sua rede de relao com outros professores, outras escolas, sindicatos e outros agrupamentos (PIMENTA, 2003 p. 175).

    Como Tardif (2002) percebemos que o professor uma pessoa que age em funo de

    intenes ou de razes das quais ele est consciente e que pode justificar. Ele sabe o que faz

    e por que o faz, tem conscincia profissional. Atravs dessa conscincia, pode postular

    discursivamente por que e como age (capacidade de julgamento e de argumentao). Esse

    professor , enfim, o profissional que sabe por que est ensinando e o que est ensinando.

    Ele sabe pensar e associar o ensino ao contexto comunitrio, o que implica seu constante

    processo de atualizao.

    importante que o professor de lnguas estrangeiras seja, tambm, mais participante.

    Isso deve ser obtido atravs de uma relao menos temerosa e individualista em seu contexto,

    buscando uma evoluo de suas prticas pedaggicas, propondo e atuando com iniciativas que

  • 24

    contribuam verdadeiramente para o desenvolvimento de seus alunos, atuando como mediador

    e intrprete ativo das culturas, dos valores e do saber em transformao.

    Portanto, prope-se, nesta fundamentao terica, tecer reflexes em torno do

    desenvolvimento da auto-imagem e da auto-estima, de atualizaes da identidade profissional

    que caminhem em direo a uma identidade de educador lingstico. Tal identidade deve ser

    concebida como a do professor comprometido com a formao de cidados capazes,

    profissional e intelectualmente, desvelando a real contribuio social dos professores de

    lngua estrangeira nas complexas sociedades atuais.

    A partir dessas consideraes, este estudo assume uma viso holstica e humanista do

    desenvolvimento e da educao. reiterado continuamente que fazem parte desses processos,

    e que so indissociveis e inter-relacionados, os conceitos de auto-imagem, auto-estima,

    autoconhecimento, autonomia, desenvolvimento e realizao pessoal e profissional, e outros a

    eles subjacentes. Para efeito de melhor compreenso deste estudo, concepes so separadas,

    conceituadas e, inclusive, acompanhadas de snteses, quadros e resumos.

    2.2 A CONSTRUO DA IDENTIDADE DOCENTE

    Esta seo prope reflexes sobre a construo da identidade docente. Em primeiro

    lugar, apresentamos a partir dos estudos de Mosquera, importantes colocaes sobre a

    formao da personalidade, seguidas de alguns posicionamentos de Esteve e de Nvoa sobre a

    identidade docente. Na seqncia, apresentamos os modelos de identidade docente propostos

    por Tardif e Contreras, sendo os modelos fundamentados na construo da autonomia

    docente, deste ltimo autor, mais detalhadamente explorados por serem os que mais bem

    contribuem para compor as reflexes propostas neste estudo. Finalmente, analisamos a

    concepo dinmica da autonomia docente proposta por Contreras.

    Recordamos que este estudo no abarca diretamente reflexes sobre os complexos e

    polmicos processos poltico-sociais de construo da identidade docente coletiva ou da

    profissionalizao desse ofcio, seno que se limita ao mbito de desenvolvimento pessoal e

    construo individual da identidade profissional, na busca da possibilidade de realizao

    pessoal e profissional. Ainda assim, necessariamente esto implicadas referncias a conceitos

    polticos e sociolgicos sobre o tema.

  • 25

    Acreditamos que o educador precisa, efetivamente, conhecer, assumir e atualizar

    constantemente sua identidade, seu papel profissional em sua comunidade de atuao,

    garantindo seu funcionamento equilibrado como pessoa na sociedade. Ao assumir uma

    identidade de acordo com si mesmo, fruto de sua autonomia e autoconhecimento e da auto-

    imagem e auto-estima positivas, o professor poder se aproximar da auto-realizao e da

    satisfao de ensinar. Essa aproximao d-se atravs do esforo de integrao das diferentes

    dimenses de sua personalidade, das capacidades e potencialidades prprias ao contexto,

    promovendo a satisfao na realizao de seu trabalho.

    Buscamos, nesta seo em especial, um entendimento das caractersticas do trabalho

    de ensinar e das qualidades da prtica docente da profissionalidade dos professores , ou

    seja, buscamos pensar a profisso do professor de lnguas estrangeiras. Acreditamos que, a

    partir destas reflexes, seja possvel identificar uma identidade do profissional de lnguas

    estrangeiras mais prxima nossa concepo de educador lingstico.

    Torna-se necessrio registrar que, embora consideremos fundamentais os estudos

    sobre reestruturao dos quadros de carreira e melhoria das condies de trabalho e de

    salrios, no nos ateremos aqui a tais aspectos. Dedicar-nos-emos a estudar mais

    detalhadamente o trabalho e as peculiaridades pertinentes atuao de professores e s suas

    relaes com o educador em lnguas estrangeiras. Acreditamos serem essas as questes que

    devem ser desenvolvidas com vistas atualizao e transformao da prtica, como tambm

    ao reconhecimento da contribuio social do educador.

    Referindo-se docncia, Mosquera explica que na profisso docente no tem

    havido, como em outras profisses, uma autonomia, identidade e tica, que a caracterizam e

    lhe propiciem um sentido profundo e vlido (1989, p.7).

    Identifica-se, neste autor, referncia importncia do conhecimento dos modelos de

    atuao e linhas de comportamento, bem como do desenvolvimento da autonomia, quando

    recomenda que os professores, quando possuem uma conscincia clara de seu desempenho

    (comportamento profissional), sabem que no podem, de maneira alguma, estruturar o ensino

    que no esteja intimamente ligado a interesses da sociedade e da sua pessoa (1977, p.100).

    Alinhamo-nos com Mosquera no sentido de que as caracterizaes dos modelos

    estudados no devam ter intenes prescritivas, nem configurem atuaes estticas ou finais.

    A identidade do profissional envolve atualizaes e transformaes; requalificaes

    constantes para acompanhar as profundas e constantes transformaes das complexas

    sociedades contemporneas.

    Ao referir-se ao processo de construo da identidade, Mosquera (1977) postula:

  • 26

    o processo de formao de identidade est sempre em constante mudana e desenvolvimento, desde os primeiros dias de vida, at que decline o poder de recproca afirmao do homem. No podemos criar uma imagem ideal do homem ele o que no momento histrico em que vive (p. 54).

    Importantes contribuies sobre a construo da identidade docente, so descritas

    pelo autor e contribuem para esta reflexo. De forma sintetizada so:

    - a pessoa se identifica atravs de modelos (famlia, amigos, cultura, valores,

    ambiente);

    - a identidade o reflexo do meio ambiente;

    - a reflexo feita em todos os momentos da vida;

    - na maior parte das vezes, a identificao inconsciente;

    - para existir identidade humana, necessria a convivncia humana;

    - a identidade est em constante mudana;

    - a estabilidade do comportamento depende da coerncia interna do indivduo.

    importante ter em conta tambm, segundo Mosquera (1977, p.54), que a formao

    da identidade implica simultnea reflexo e observao. Esse processo se d em todos os

    nveis do funcionamento mental (consciente, subconsciente e inconsciente), atravs dos quais

    a pessoa julga a si mesma luz do que percebe como sendo o modo como os outros a julgam.

    No podemos separar o crescimento pessoal de mudana social, nem podemos separar a

    crise de identidade pessoal das crises histricas e contemporneas. Ambas esto intimamente

    relacionadas.

    Esteve (2006), em seu artigo intitulado Identidad y desafos de la condicin

    docente, ao analisar as principais mudanas que afetam a identidade profissional docente,

    sinaliza um autntico aumento de responsabilidades e tarefas que no mais se reduzem ao

    mbito do conhecimento especfico, sugerindo que todo o trabalho da educao deve ser feito

    na escola. O autor comenta: El desconcierto, la falta de formacin para afrontar los nuevos

    retos y el intento de mantener rutinas ancestrales que ya no tienen sentido, lleva a muchos

    profesores a hacer mal su trabajo []2(p.34).

    Mas, em especial, referindo-nos ao contexto-ensino de lngua estrangeira na escola

    pblica regular, encontramos em Esteve (p. 54) que a escolarizao supe cada vez mais la

    2 Traduo: A desorientao, a falta de formao para enfrentar os novos desafios e a tentativa de manter rotinas ancestrais que j no tm sentido, leva muitos professores a fazerem mal seu trabalho.

  • 27

    incorporacin a nuestras aulas de alumnos com sensibilidades culturales e lingsticas muy

    diversas y com uma educacin familiar de base que h fomentado valores muy distintos desde

    diferentes subculturas3.

    Essas colocaes, trazidas ao contexto de escola pblica, nos remetem s

    dificuldades dos professores alocados em comunidades escolares onde as diferenas

    econmicas, sociais e culturais so mais intensas, como na escola pblica, onde a diversidade

    exige que os professores contextualizem e diversifiquem suas prticas.

    Na opinio do Esteve (2003), as mudanas do contexto social influenciaram

    fortemente o papel a ser desempenhado pelo professor no processo de ensino, mas sem que a

    maioria deles soubesse como se adaptar e sem que as instituies formativas desenhassem

    estratgias de adaptao nos programas de formao docente. Como conseqncia, o

    resultado mais patente o desconcerto dos professores sobre o sentido e o alcance de seu

    trabalho.

    Cada vez mais, em especial no contexto da escola pblica, o professor atua em

    comunidades e em salas de aula em que coexistem diferentes modelos de socializao,

    exigindo que ele pense e explicite seus valores e objetivos educativos. Mais adiante veremos

    que Contreras tambm comenta essas dificuldades e que, em parte, a sua proposta de

    desenvolvimento da autonomia docente contempla uma importante reflexo sobre essas

    exigncias e suas possibilidades de desenvolvimento.

    Nvoa (1995, p.35), em seu artigo Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem s,

    tambm registra um conceito de identidade profissional que se aproxima ao de um processo

    constante na busca de uma nova maneira de pensar os professores e sua profisso. Segundo

    ele, a identidade profissional no um dado adquirido, no uma propriedade, no um

    produto. A identidade um lugar de lutas e conflitos, um espao de construo de maneiras

    de ser e estar na profisso (1995, p. 35).

    O autor acredita que o processo identitrio do professor passa pela capacidade de

    exercer com autonomia a atividade, pelo sentimento de controle sobre seu trabalho. A maneira

    como cada professor ensina est diretamente relacionada imagem que o docente tem de sua

    profisso.

    Segundo o mesmo autor, esse processo envolve trs atitudes fundamentais do

    professor, que ele chama de triplo AAA do processo identitrio: Adeso, Ao e

    3 Traduo: A incorporao a nossas aulas de alunos com sensibilidades culturais e lingsticas muito diversificadas e com uma educao familiar de base que fomentou valores muito distintos a partir de diferentes subculturas.

  • 28

    Autoconscincia (1995, p. 34). Adeso porque ser professor implica a adeso a princpios e a

    valores, adeso a projetos e, principalmente, a atitudes de crenas sobre as capacidades do

    aprendente. Ao, entendida como a escolha das prticas pedaggicas, devendo ser

    consideradas as questes de foro profissional, mas tambm questes de foro pessoal, como se

    sentir bem ensinando e aprendendo. Por fim, a autoconscincia, uma vez que tudo se decide

    no processo de reflexo que o profissional realiza sobre sua ao, o trabalho de pensar o

    trabalho. Nvoa enfatiza que mudana e inovao pedaggica esto intimamente

    dependentes do pensamento reflexivo.

    Para Tardif (2002, p.39), o professor ideal o profissional capaz de dominar, integrar

    e mobilizar os saberes docentes, enquanto condies para sua prtica. Deve conhecer sua

    matria, sua disciplina e seu programa, alm de possuir certos conhecimentos relativos s

    cincias da educao e pedagogia e desenvolver um saber prtico baseado em sua experincia

    cotidiana com os alunos.

    Este autor distingue trs modelos da identidade de professores: o tecnlogo do

    ensino, o prtico reflexivo e o ator social:

    O modelo do tecnlogo do ensino caracterizado pelo professor que possui

    competncias de perito no planejamento do ensino e apresenta atividade baseada em um

    repertrio de conhecimentos formalizados, oriundos de pesquisa cientfica. o profissional

    que emprega os recursos da pesquisa para implantar um ensino estratgico, baseado em um

    conhecimento elevado da cognio dos alunos. Sua ao fundamentada nos meios e

    estratgias, buscando desempenho e eficcia no alcance dos objetivos escolares.

    O modelo do prtico reflexivo est associado imagem do professor experiente e

    utiliza um modelo deliberativo e reflexivo. Sua ao est caracterizada pela escolha de meios

    e pela resoluo eficiente dos problemas, envolvendo uma deliberao em relao aos fins e

    uma reflexo sobre a construo da atividade profissional em contexto. Esse profissional

    utiliza a intuio, faz uso da capacidade de adaptar-se e de lidar com situaes

    indeterminadas, flutuantes e contingentes, concebendo solues originais.

    O modelo do ator social representado pelo professor intelectual engajado, agente

    de mudanas e portador de valores emancipadores em relao s diversas lgicas de poder

    que estruturam o espao social e o espao escolar.

    Com algumas semelhanas, mas de maneira bastante mais complexa e detalhada,

    Contreras tambm apresenta trs modelos de professores. O autor, porm, avana em sua

    proposta, compondo o professor autnomo. Por isso, mais especificamente nos estudos de

    Contreras, atravs de sua anlise aprofundada das identidades docentes, com vistas ao

  • 29

    desenvolvimento da autonomia, que vislumbramos avanos mais significativos para o

    redimensionamento da identidade do professor de lnguas estrangeiras.

    Para uma melhor compreenso da anlise dos modelos de professores desenvolvidos

    por Contreras (2002), a partir das qualidades do trabalho educativo, fundamental o

    entendimento de concepes, freqentes no discurso do autor.

    O autor utiliza o termo profissionalidade para se referir ao que de positivo tem a

    idia do profissional no contexto das funes inerentes ao trabalho da docncia. Ou seja,

    atitudes em relao prtica profissional docente, o grau de conhecimento e habilidades que

    carregam. Ao conjunto de habilidades, conhecimentos, atitudes e valores que constituem a

    prtica de ser professor, esta adotada como qualidade educativa do trabalho docente.

    Nas palavras do autor (2002, p. 74) profissionalidade refere-se s

    Qualidades da prtica profissional dos professores, em funo do que requer o trabalho educativo, significando a descrio do desempenho do trabalho de ensinar bem como a expresso dos valores e pretenses a qual se deseja alcanar e desenvolver na profisso docente.

    Contreras distingue trs diferentes modelos de professores, a saber: o especialista

    tcnico, o profissional reflexivo e o intelectual crtico, cujas concepes esto fundamentadas,

    combinadas e justificadas a partir de trs dimenses da profissionalidade: a obrigao moral;

    o compromisso com a comunidade; e a competncia profissional. Essas dimenses so

    consideradas pelo autor como iniludveis no desenvolvimento da prtica educativa, aspectos-

    chave da prtica de ensinar.

    A obrigao moral se d porque o ensino supe um compromisso de carter moral

    para quem o realiza. Esse compromisso ou obrigao moral confere atividade do ensino um

    carter que se situa acima de qualquer obrigao contratual que possa ser estabelecida na

    definio de emprego. A educao incorpora a noo de pessoa humana livre, o que ,

    simultaneamente, uma conquista a que se aspira e um status moral sob o qual se realiza a

    prtica educativa, implicando o comprometimento do profissional com o desenvolvimento de

    seus alunos como pessoas. Segundo o autor (2002, p.77), o aspecto moral est ligado

    dimenso emocional, presente em toda relao educativa.

    Na verdade, sentir-se compromissado ou obrigado moralmente reflete este aspecto emocional na vivncia das vinculaes com o que se considera valioso. Alm disso, a conscincia moral sobre o trabalho implica a autonomia como valor profissional uma vez que, a partir da assuno autnoma de valores educativos e de sua forma de realiz-los na prtica pode-se entender a obrigao moral.

  • 30

    O compromisso com prticas ticas envolve juzos profissionais contnuos e

    contextualizados, que por sua vez podem ser modificados e atualizados circunstancialmente,

    dando lugar melhoria contnua da prtica.

    O compromisso com a comunidade d-se em razo de as prticas ticas e de a

    moralidade serem fenmenos sociais, frutos da vida em comunidade. So eles fenmenos

    compartilhados e, somente em contextos sociais a obrigao tica poder alcanar sua

    dimenso adequada.

    A partir do entendimento de educao como um assunto com clara dimenso social e

    poltica e da compreenso de que a prtica escolar desempenha um importante papel na

    educao das pessoas, influenciando em suas vidas futuras, a promoo de prticas de claro

    significado social devem estar implicadas. O compromisso com a comunidade vincula-se a

    prticas que efetivamente reflitam e atendam as necessidades da comunidade em que a escola

    est inserida.

    A competncia profissional a dimenso que se refere a competncias profissionais

    complexas, que transcendem o sentido puramente tcnico do recurso didtico atravs da

    combinao de habilidades, princpios e conscincia do sentido e das conseqncias das

    prticas pedaggicas, fruto de reelaboraes constantes.

    Contreras (2002, p.85) esclarece ainda que:

    Tambm faz parte das competncias profissionais o modo em que se criam e se sustentam vnculos com as pessoas, em que a cumplicidade, o afeto e a sensibilidade se integram e se desenvolvem nas formas de viver a profisso, de tal modo que compreenso e implicao se vinculem. A intuio, a improvisao e a orientao entre os sentimentos prprios e alheios so tambm parte das competncias complexas requeridas pela profissionalidade didtica, tanto dentro como fora da sala de aula.

    Vale mencionar que tais dimenses vo ao encontro das colocaes de Mosquera e

    Stobus (2006), anteriormente descritas, as quais partem do postulado fundamental, assumido

    neste estudo, de que impossvel separar, na prtica docente, o aspecto profissional dos

    aspectos emocional e afetivo. Portanto, tais dimenses podem se configurar na necessidade do

    desenvolvimento de competncias complexas, muito alm de ensinadas ou prescritas.

    Cada um dos modelos de Contreras revela trs concepes distintas de prtica

    docente a partir de diferentes possibilidades de significado da autonomia, sendo esta

    entendida e justificada a partir das combinaes das trs qualidades da profissionalidade,

    anteriormente conceituadas: a obrigao moral, o compromisso com a comunidade e a

    competncia profissional.

  • 31

    Com relao ao entendimento do conceito de autonomia, o qual ser aprofundado ao

    longo deste captulo, importante ter claro, neste momento, que se trata da chave para a

    compreenso de um problema especfico do trabalho educativo. Portanto, caracterstica

    principal na possibilidade de desenvolvimento das qualidades essenciais da prtica

    educativa (2002, p. 89). Falamos, portanto, de uma concepo ampliada de autonomia.

    Contreras ainda alerta que cada modelo tambm entende de modo diferente aspectos

    como de onde os valores educativos e os compromissos morais procedem; a relao existente

    entre a prtica pedaggica e suas finalidades; as vinculaes entre a prtica e a exigncia e

    condies de seu contexto moral; as competncias que a prtica exige.

    Alm disso, so estabelecidas exigncias tambm diferentes sobre quais deveriam ser

    os mbitos de deciso e responsabilidade dos professores, entre outros. Portanto, em cada uma

    das concepes, identificamos uma verso prpria de autonomia profissional resultante da

    forma que se tenham solucionado as relaes entre prtica, finalidades, exigncias e

    condies de contexto.

    O autor sinaliza que cada uma das concepes apresenta vantagens e inconvenientes

    na concepo de autonomia de professores que, ao longo de suas transformaes, devem ser

    lidas como uma busca progressiva de superar os limites das concepes precedentes. Trata-se

    de diferentes formas de compreender e situar-se em relao profisso de professor,

    diferentes exigncias de competncias prticas que, conseqentemente, estabelecem

    diferentes exigncias sobre os mbitos de deciso e responsabilidade dos professores.

    O aspecto-chave da autonomia, segundo o autor, a obrigao moral em conjuno

    com o imediatismo e a complexidade do contexto de sala de aula. O professor obrigado a

    assumir por si s um compromisso pessoal com os casos concretos e a atuar em funo de

    suas prprias interpretaes, convices e capacidades. Isso indica a necessidade e a

    inevitabilidade do juzo moral autnomo. Somente o juzo do professor pode resolver seus

    dilemas e contradies nos momentos de decises, quando est obrigado a decidir por si

    mesmo.

    Porm, Contreras deixa claro que esse reconhecimento no pode ser associado a

    competncias de exclusividade profissional ou territrio privado dos professores. A

    autonomia, como os valores morais em geral, no uma capacidade individual, no um

    estado ou atributo das pessoas, mas um exerccio, uma qualidade de vida; uma qualidade

    circunstancial.

  • 32

    2.2.1 O professor como especialista tcnico

    A idia bsica do modelo de racionalidade tcnica a de que a prtica profissional

    consiste na soluo instrumental de problemas mediante a aplicao de um conhecimento

    terico e tcnico, previamente disponvel, que procede da pesquisa cientfica. Ou seja, supe a

    aplicao de tcnicas e procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os

    efeitos ou resultados desejados. Alm disso, aborda a soluo de problemas a partir de meios

    tcnicos baseados no conhecimento especializado.

    Em outras palavras, a prtica profissional definida pela disponibilidade de uma

    cincia aplicada que permita o desenvolvimento de procedimentos tcnicos para anlise e

    diagnstico dos problemas, tratamento e soluo. A aplicao inteligente desse conhecimento

    na busca de uma soluo satisfatria.

    Neste modelo, a concepo de conhecimento do professor est relacionada ao

    domnio tcnico na soluo de problemas, ou seja, baseado no conhecimento do procedimento

    adequado de ensino e na sua aplicao inteligente. O conhecimento pedaggico disponvel

    domina a prtica. O profissional dedica-se aplicao e no produo de conhecimentos

    pedaggicos.

    Sendo assim, a concepo de percia tcnica est baseada no conhecimento de

    metodologias de ensino, domnio de procedimentos de gesto, funcionamento de grupo em

    sala de aula e no manejo de tcnicas de avaliao da aprendizagem.

    A partir de tais concepes, os docentes so especialistas - experts na aplicao de

    tcnicas -, mas no dispem, em princpio, das habilidades para elaborao dessas tcnicas.

    Tal posio, segundo Contreras, supe uma dependncia e subordinao dos professores a um

    conhecimento prvio e s finalidades elaboradas por pesquisadores. Em outras palavras,

    assumir o modelo de racionalidade tcnica significa assumir uma concepo produtiva do

    ensino, isto , entender o ensino e o currculo como atividade dirigida para alcanar resultados

    ou produtos pr-determinados (CONTRERAS, 2002, p. 96).

    Contreras alerta, porm, o pressuposto de que a ao docente consiste na aplicao

    de decises tcnicas, supostamente ao reconhecer um problema e tendo antecipadamente

    definidos os resultados esperados, a soluo reside simplesmente na seleo do melhor

    tratamento adaptado e aplicado. Tal procedimento subentende que o professor atua aplicando

    solues disponveis a problemas j formulados, escolhendo as tcnicas que melhor se

    adequarem ao problema e aos objetivos previstos.

  • 33

    Considerando que os problemas, em sua maioria, so multifatoriais, contextualizados

    e singulares, e que nem sempre se resolvem atravs de um repertrio tcnico de solues ou

    tratamentos, muitas vezes os professores precisam recorrer a habilidades no-reconhecidas

    pela racionalidade tcnica.

    Nessa situao, segundo o autor, a tendncia que tais profissionais resistam ao

    tratamento desse tipo de problemas, por consider-los fora de sua ao educativa, e,

    conseqentemente, limitem sua atuao. Ao evitar o enfrentamento do conflito social sobre os

    fins do ensino e as conseqncias sociais da aprendizagem realizada em sala de aula, no

    reconhecendo a complexidade, a instabilidade e a incerteza, os profissionais no desenvolvem

    uma viso global do seu contexto de atuao.

    O ponto de vista desse profissional, portanto, carece de flexibilidade e sensibilidade

    de adaptao de seus conhecimentos s caractersticas contextuais. Ele tanto influenciado

    pelas perspectivas dos outros que esto implicados no processo de ensino, como tambm

    prejudicado pela dificuldade de auto-avaliao de seus prprios pr-conceitos. Sob esse ponto

    de vista de expert, embasado na autoridade de sua posio de domnio, assume uma atitude

    profissional de prtica inquestionvel, deciso unilateral e imposio.

    O resultado uma prtica no-criativa, dirigida reproduo dos objetivos que

    guiam o trabalho e a uma autonomia enganosa. Deliberao e juzo so reduzidos a uma ao

    minimizada de um conjunto de habilidade e regras a serem seguidas. Em outras palavras, o

    profissional concebe, aprende e aceita as situaes de ensino como fixas e estveis, assumindo

    os objetivos educacionais no senso comum, manipulado na cultura profissional e admitindo o

    seu papel profissional de expert. Portanto, aplica unilateralmente e autonomamente suas

    decises como especialista.

    Para esse profissional, a concepo das finalidades do ensino e dos objetivos

    educacionais so entendidos como produtos previamente definidos, e no como valores a

    serem construdos na ao educativa. Tais produtos so reduzidos ao valor instrumental,

    desconsiderando a qualidade moral e educativa da ao, ou seja, no so objetivos de

    reflexo, anlise e escolha profissional, pois esto pr-estabelecidos.

    Assim sendo, a competncia profissional e a funo do docente tcnico se restringem

    aplicao dos mtodos e da conquista dos objetivos. A profissionalidade se identifica com

    eficcia e eficincia na aplicao dos mtodos e conquista de objetivos, e o exerccio

    profissional se reduz ao cumprimento eficaz sem questionamentos.

    O compromisso com a comunidade substitudo pela racionalidade tcnica, e as

    polticas pblicas so assumidas como razes cientficas ou tcnicas. Os docentes

  • 34

    despolitizam suas prticas, dedicando-se difuso de novas iniciativas curriculares, ao

    desenvolvimento de discursos e processos de racionalizao e de materiais curriculares.

    A obrigao moral entendida como o alcance dos objetivos pr-fixados, atravs do

    no-reconhecimento da complexidade dos problemas e desafios e suas implicaes

    educacionais. Ou seja, no se assume compromisso pessoal, dedica-se to-somente

    aplicao de conhecimentos pedaggicos de carter tcnico.

    Enfim, o professor como profissional tcnico no encontra lugar em sua prxis para

    uma resposta entre as exigncias administrativas, os interesses da comunidade e as

    necessidades dos alunos.

    Contreras aponta que tal prtica profissional no capaz de resolver problemas que

    no possam ser interpretados como processo de deciso e atuao regulado atravs de um

    conjunto de premissas, regras definidas e tcnicas. Portanto, no permite entender e

    solucionar as situaes problemticas e freqentes da prtica cotidiana que envolve

    imprevistos, incertezas, dilemas e situaes de conflito que demandam capacidades humanas

    de deliberao, reflexo e conscincia.

    Finalmente, segundo o autor,

    ao assumir a legitimao tcnica de seu trabalho, embora suponha uma reao de defesa diante de responsabilidades excessivas, significa abandonar as preocupaes de sentido pelo que fazem, e pela funo do ensino, concentrando-se nas exigncias tcnicas do trabalho de sala de aula. No colocam em questo as bases sobre as quais se sustenta seu ensino (2002, p. 152).

    De forma sucinta, a autonomia no modelo de atuao do especialista tcnico pode ser

    caracterizada como um profissional que:

    - enfatiza e valoriza a qualificao tcnica, encoberto pela aparncia de maior

    qualificao profissional, podendo revelar-se um profissional descomprometido

    com a funo social de seu trabalho.

    - legitima suas decises a partir de seu conhecimento e habilidades tcnicas,

    excluindo a participao dos outros setores sociais.

    - neutraliza as questes de obrigao moral, transformadas em questes tcnicas

    especializadas.

    - transforma a autonomia na capacidade individual que o professor possui e em

    seu privilgio de tomar decises a partir da definio unilateral dos valores e

    interesses definidos pelo grupo profissional, aos quais deve responder a prtica

    educativa.

  • 35

    - sua autonomia sugere uma imagem de status pessoal do profissional

    independente, de resistncia s influncias, associada imagem de uma relao

    social de isolamento. O professor capaz de resolver e decidir atuaes

    profissionais.

    - o critrio profissional criado e decidido margem das pessoas no-

    profissionais com as quais trabalha, a quem aplica a deciso posteriormente.

    Baseado, portanto, na separao, na hierarquia e na imposio.

    QUADRO 01 A Autonomia profissional no modelo do especialista tcnico

    1. Especialista Tcnico: desenvolve uma prtica profissional baseada na aplicao de tcnicas derivadas de um conhecimento especializado, concebidas sob a perspectiva da racionalidade tcnica.

    Obrigao moral

    Rejeio de problemas normativos. Os fins e valores passam a ser resultados estveis e bem definidos os quais se esperam alcanar.

    Compromisso com a comunidade

    Despolitizao da prtica. Aceitao das metas do sistema e preocupao pela eficcia e eficincia em seu xito.

    Dimenses da Profissio- nalidade do Professor

    Competncia profissional

    Domnio tcnico dos mtodos para alcanar os resultados previstos.

    Concepo da Autonomia Profissional

    Autonomia como status ou como atributo. Autoridade unilateral do especialista. No-ingerncia. Autonomia ilusria: dependncia de diretrizes tcnicas, insensibilidade para os dilemas, incapacidade de respostas criativas diante das incertezas.

    Fonte: Contreras, 2000, p. 192

    2.2.2 O professor como profissional reflexivo

    Para Contreras, o resgate da base reflexiva na atuao profissional, com o objetivo de

    entender a forma como realmente se abordam as situaes problemticas na prtica, a idia

  • 36

    principal dessa concepo de atuao profissional: a capacidade de deliberao, reflexo e de

    conscincia, ou seja, uma prtica reflexiva.

    A proposta tenta dar conta da forma pela qual os profissionais enfrentam as situaes

    conflitantes que no se resolvem por meio de repertrios tcnicos: solucionar situaes

    incertas, instveis e singulares nas quais existem conflitos de valor a partir de atividades de

    reflexo, com caractersticas prprias prtica profissional. A prtica do profissional

    reflexivo, fundamentada na concepo de Schn, uma prtica consciente e deliberativa,

    guiada pela busca da coerncia pessoal entre as atuaes e as convices (CONTRERAS,

    2002, p.134).

    O modelo do profissional reflexivo elaborado por Contreras concebido,

    principalmente, a partir da releitura das descries das prticas profissionais reais observadas

    e apresentadas por Schn, da viso dos professores como pesquisadores de Stenhouse e a da

    perspectiva da viso aristotlica da racionalidade prtica em oposio racionalidade tcnica.

    Segundo ele, Schn estabelece que a prtica profissional, na grande maioria das

    vezes, no se encontra submetida lgica da aplicao de tcnicas e estratgias resultantes da

    pesquisa. Ela se transforma, em si mesma, em um processo de explorao, em um dilogo

    com a situao guiado pela reflexo.

    Os conceitos de Schn de conhecimento na ao apontam que o conhecimento no

    se aplica ao, mas est tacitamente personificado nela. J o conceito de reflexo na ao,

    concebido como ocasies em que pensamos sobre o que fazemos, ou inclusive pensamos

    enquanto estamos fazendo algo (2002, p.107), retomado por Contreras para permitir

    entender e analisar a ao que se realiza e sua conseqente reconduo adequada.

    Atravs dessas atividades e em funo de sua semelhana com casos anteriores, o

    profissional desenvolve seu repertrio de expectativas, imagens e tcnicas que lhe servem de

    base para as suas decises, aprendendo o que buscar e como responder ao que encontra. Essa

    experincia a que alimenta seu conhecimento na prtica, tornando-o, atravs de estabilidade

    e repetio, cada vez mais tcito e espontneo.

    Porm, medida que o profissional se depara com situaes de conflito inditas e

    que, para solucion-las, seu conhecimento acumulado e tcito se mostra insuficiente,

    necessrio refletir sobre novas perspectivas de entender os problemas, maneiras no previstas

    em seu conhecimento anterior.

    Os processos podem ser de reflexo na ao imediatos ou mais prolongados,

    transformando o profissional em pesquisador no contexto da prtica. Nessas ocasies, o

    professor constri uma nova maneira de observar o problema de modo a lhe permitir atender

  • 37

    as peculiaridades e decidir sobre o problema em sua singularidade. Assim sendo, a prtica

    em si um modo de pesquisar, de experimentar com a situao para elaborar novas

    compreenses adequadas ao caso, ao mesmo tempo em que se d a transformao da

    situao (CONTRERAS, 2002, p. 111).

    Contreras (p.109) aponta que o processo de reflexo em questo no visa somente

    resoluo de problemas de acordo com determinados fins, mas tambm reflexo sobre quais

    devem ser os fins, ou seja, qual o seu significado concreto em situaes complexas e

    conflituosas. Isso realizado atravs da anlise das normas e critrios implcitos de avaliao

    empregados ou da forma com que se entende e constri o papel profissional dentro do

    contexto de atuao profissional.

    Nesses casos, torna-se evidente que a prtica profissional reflexiva est guiada por

    valores profissionais que cobram autntico significado, no como objetivos finais que devam

    ser conseguidos como produto da ao, mas como critrios normativos que devam estar

    presentes e ser realizados no prprio desempenho profissional.

    A metfora do professor como artista tambm retomada por Contreras (2002,

    p.112), interpretando-a como a possibilidade da atuao artstica ser entendida como prtica

    humana, produto da meditao, da bagagem pessoal, da experimentao com as situaes da

    reflexo na prtica, da inteno que se expressa como qualidades que guiam a busca e no

    como resultados antecipados.

    A viso do professor como artista expressa a qualidade da busca de realizao de

    valores, experimentando-os na prtica, tomando conscincia de seus significados quando tenta

    agir de acordo com eles. Entretanto, importante registrar que o autor sinaliza que Schn

    no define uma concepo em relao ao papel ou funo que o artista deve desempenhar,

    enquanto tal, no contexto social no qual desenvolve sua arte (2002, p. 148).

    Contreras tambm destaca as semelhanas entre as concepes de Schn do

    professor reflexivo e as idias de Stenhouse do professor como pesquisador, uma vez que

    ambos se posicionam como opositores ao modelo da racionalidade tcnica. Segundo ele,

    Schn se ope ao modelo de professor com especialista tcnico, enquanto que Stenhouse

    aparece como opositor crtico ao modelo de objetivos de currculo, que reduz a conscincia

    profissional dos professores e sua conseqente possibilidade de pretenso educativa. Nesse

    caso, o autor apia os profissionais que experimentam situaes de ensino para busca de

    processos com maior valor educativo, fazendo uso de autonomia de julgamento sustentada

    pela pesquisa e orientada para o aperfeioamento de sua arte, na singularidade de cada caso

    que enfrenta.

  • 38

    s concepes de Stenhouse, Contreras interpreta:

    O que os valores educativos significam algo aberto interpretao e ao julgamento na busca de situaes concretas. Representam uma aspirao ambiciosa, nunca plenamente realizada, que transforma o ensino em uma atividade que sempre pode ser melhorada. O que os valores significam na prtica e os seus possveis resultados no podem ser antecipados (2002, p. 116).

    Portanto, para Contreras os valores educativos representam aspiraes e no

    conquistas. Conseqentemente, a finalidade educativa no se resolve em objetivos que

    expressam resultados, mas sim em finalidades enquanto critrios implcitos de valor e sua

    traduo em princpios consistentes para a prtica que ajudem a dirigir os processos de ensino

    em sala de aula.

    Finalmente, Contreras tambm constri seu modelo de professor reflexivo na

    concepo de racionalidade prtica aristotlica. Nela a deliberao prtica a disposio que

    se desenvolve diante de problemas morais, de deciso sobre a forma de agir em relao ao que

    bom para a vida humana, significando, na prtica, que os meios so escolhidos em funo

    do seu valor em si mesmos. As prticas so dirigidas aos valores da prpria ao que se

    considerem corretos para ela; para caracteriz-la e qualific-la. Em outras palavras, os valores

    descrevem as caractersticas (ou princpios) por meio das quais a ao deve se guiar. Ou seja,

    Da mesma forma que a atividade produtiva se guia pela tcnica e pelo conhecimento dado do qual se deriva, a ao que se dirige ao bem guiada pela prudncia (o julgamento prtico de deliberao ou fronesis), isto , pela atitude reflexiva e deliberativa em relao ao que bom para os seres humanos e como realiz-lo na prtica. Assim, racionalidade tcnica se ope, como a adequada para os assuntos humanos nos quais se busca o bem, a racionalidade prtica (CONTRERAS, 2002, p.124).

    Portanto, a atuao mais bem adequada a cada caso no vem determinada pela posse

    de tcnicas que se justificam porque do lugar a resultados que so diferentes da atuao do

    docente. Ou seja, a boa atuao em si o que pretenderia a educao, porque ela que

    realiza os valores de educao (ibidem).

    importante, a essa altura, que se retome e tenha clara a concepo concreta do

    profissional reflexivo, proposta por Schn e Stenhouse, na interpretao de Contreras (2002,

    p.137). De modo sintetizado, temos:

    1. Os professores reflexivos elaboram compreenses especficas dos casos

    problemticos no prprio processo de atuao.

    2. Trata-se de um processo que inclui:

    a. deliberao sobre o sentido e valor educativo das situaes;

  • 39

    b. meditao sobre as finalidades;

    c. a realizao de aes prticas consistentes com a finalidade e valores educativos;

    d. a valorizao argumentada de processos e conseqncias.

    3. Chega-se, ento, ao desenvolvimento de qualidades profissionais que supem:

    a. a construo de um conhecimento profissional especfico; e

    b. a capacidade para desenvolver-se nessas situaes de conflito e incertezas que

    consistem numa parte importante do exerccio de sua profisso.

    4. Em termos aristotlicos, a perspectiva reflexiva aplicada aos docentes refere-se

    capacidade de deliberao moral sobre o ensino, ou seja, busca de prticas concretas para

    cada caso que sejam consistentes com as pretenses educacionais.

    Contreras explica ainda que os profissionais realizam seu processo reflexivo sob

    determinados referenciais relativamente estveis, assim identificados:

    a. Linguagens, meios e repertrios, que usam para descrever a realidade e realizar

    suas experincias.

    b. Sistemas de apreciao ou valorizao, de que se valem para identificao de

    situaes problemticas, para avaliao de suas indagaes e dilogos reflexivos.

    c. Sistemas de compreenso geral, por meio dos quais do sentido aos fenmenos.

    d. Definio de papis, pela qual suas tarefas so propostas e por meio da qual

    fixam seu cenrio institucional. (p.138)

    A partir do exposto, percebemos que Contreras constri a concepo de autonomia

    do profissional reflexivo como forma de interveno concreta nos contextos da prtica. As

    decises so produto de considerao da complexidade, ambigidade e conflituosidade das

    situaes, quando so percebidas como um exerccio crtico de deliberao a partir de

    diferentes pontos de vista.

    Nesse contexto, a autonomia uma capacidade de construo permanente em uma

    prtica de relaes, portanto se atualiza e se configura no mesmo intercmbio que a relao se

    constitui. A autonomia no uma definio das caractersticas dos indivduos, mas a maneira

    como estes se constituem pela forma de se relacionarem (p. 197). A autonomia entendida

    como construo reflexiva num contexto de relao; atuao profissional baseada na

    colaborao e entendimento. Essa situao demanda a construo de determinados contextos,

    valores e prticas de colaborao.

  • 40

    QUADRO 02 A Autonomia profissional no modelo do profissional reflexivo

    2. Profissional Reflexivo

    Obrigao moral

    O ensino deve guiar-se pelos valores educativos pessoalmente assumidos. Define as qualidades morais da relao e da experincia educativa.

    Compromisso com a comunidade

    Negociao e equilbrio entre os diferentes interesses sociais, interpretando seu valor e mediando poltica e prtica entre eles.

    Dimenses da Profissio- nalidade do Professor

    Competncia profissional

    Pesquisa/reflexo sobre a prtica. Deliberao na incerteza acerca da forma moral ou educativamente correta de agir em cada caso.

    Concepo da Autonomia Profissional

    Autonomia como responsabilidade moral individual, considerando os diferentes pontos de vista. Equilbrio entre a independncia de juzo e a responsabilidade social. Capacidade para resolver criativamente as situaes-problema para realizao prtica das pretenses educativas.

    Fonte: Contreras, 2000, p.192.

    2.2.3 O professor como intelectual crtico

    Na percepo de Contreras, o modelo do professor reflexivo, cuja reflexo deixada a

    seu prprio curso tende a no ir alm de sua prpria experincia, justifica a necessidade de

    desenvolver uma reflexo crtica em mbito mais amplo.

    A partir dessa limitao, o autor explica por que acredita que alguns estudiosos

    sentiram a necessidade de dispor de uma anlise terica, uma teoria crtica que permitisse aos

    professores perceberem qual a sua situao. Ele registra que nesse contexto comearam a

    surgir novas propostas, e que foi Giroux (1983), baseado nas idias de Gramsci sobre o papel

    dos intelectuais na produo e reproduo da vida social, quem melhor desenvolveu a idia

    dos professores como profissionais intelectuais.

    De uma forma sucinta, mas bastante pontual, o autor explica que, na concepo de

    Giroux, o trabalho do professor um trabalho intelectual, em oposio s concepes

    puramente tcnicas ou instrumentais. Ele prope a funo dos professores ocupados em uma

  • 41

    prtica intelectual crtica, relacionada com os problemas e experincias da vida diria.

    Entende que os professores devam desenvolver tambm as bases para a crtica e a

    transformao das prticas sociais que se constituem ao redor da escola. Em outras palavras,

    Contreras demonstra que a teoria de Giroux postula uma concepo de professores ligada

    autoridade emancipadora, que por sua vez deva estar ligada s idias de liberdade, igualdade e

    democracia.

    A definio de professores como intelectuais, nesse contexto, envolve um

    compromisso de

    elaborar tanto a crtica das condies de trabalho quanto uma linguagem de possibilidades que se abram construo de uma sociedade mais democrtica e mais justa, educando seus alunos como cidados crticos e ativos, compromissados com uma vida individual e pblica digna de ser vivida, guiados pelos princpios de solidariedade e de esperana (CONTRERAS, 2002, p. 161).

    No entanto, Contreras aponta que essa teoria tambm revela limites, entre eles a clara

    posio que define a situao dos professores como intelectuais, mas no como professores

    que esto presos aos limites de suas salas de aula poderiam chegar a construir semelhante

    posio crtica em relao a sua posio (idem, p. 161). Ou seja, Giroux apresenta o

    contedo de uma nova prtica profissional para os professores, mas no expressa as possveis

    articulaes com experincia concreta desses profissionais.

    Contreras alerta ainda que os processos de reflexo crtica e de emancipao podem

    necessitar de influncias externas, em forma de teorias crticas ou em forma de ilustradores

    que tragam o referido conhecimento. Essas influncias iriam colaborar para a reflexo dos

    docentes, deixando transparecer que a emancipao dos professores depende de uma

    autoridade (uma pessoa, uma teoria, etc.) que represente o contedo dos ideais de liberdade,

    igualdade e democracia, e os modos de razo que no so formas de pensamento distorcidas.

    Na viso do autor, esse suposto processo de emancipao corre o risco de se transformar em

    um processo de unificao do pensamento e da prtica, mediante categorias fixas que

    assumem o significado correto do projeto emancipador e os valores pelos quais se rege. Dessa

    forma, podem encerrar vises dogmticas ou inteis, originando projetos e perspectivas que

    pouco auxiliem no reconhecimento das dimenses da vida humana e profissional, que no se

    deixem reduzir correo unificada e fixa de um contedo poltico.

    Diante dos limites dessa teoria, Contreras orienta que a emancipao deveria

    comear pela sensibilidade moral, pelo reconhecimento dos nossos prprios limites e da

    parcialidade na forma de compreender os outros. Tal reconhecimento precisa ser buscado de

  • 42

    forma auto-exigente e trabalhosa. Ele no espontneo, mas tambm no imposto ou

    estabelecidos por verdades j libertadoras. No se trata, portanto, de uma autonomia auto-

    suficiente, seno de uma aproximao da solidariedade.

    O intelectual crtico, segundo Contreras, deveria construir sua autonomia na dialtica

    entre as convices pedaggicas e as possibilidades de realiz-las, de transform-las nos eixos

    reais do transcurso e das relaes de ensino. Para isso, deveria fazer uso de seu juzo

    profissional deliberativo atravs da realizao de conversao reflexiva, do dilogo com as

    pessoas com as quais trabalha, da reflexo e interpretao da comunidade escolar, dos

    contextos sociais de sua atuao, tendo em mente suas convices, seus valores e funes

    educativas, baseado na colaborao e entendimento, no na imposio.

    Portanto, na concepo de Contreras, a autonomia profissional, como deliberao

    reflexiva e como construo permanente, construda em um contexto de relaes, sob o

    desejo de autono