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FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO MESTRADO EM EDUCAO
SHEILA TELLI FABRET
EM TORNO DA IDENTIDADE DO EDUCADOR LINGSTICO: ASPECTOS DE SUA AUTO-ESTIMA, SUAS
CONCEPES E SIGNIFICADO SOCIAL DE SEU TRABALHO
Porto Alegre 2007
SHEILA TELLI FABRET
EM TORNO DA IDENTIDADE DO EDUCADOR LINGSTICO:
ASPECTOS DE SUA AUTO-ESTIMA, SUAS
CONCEPES E SIGNIFICADO SOCIAL DE SEU TRABALHO
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, pelo Programa de Ps-Graduao em Educao, da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr.Juan Jos Mourio Mosquera
Porto Alegre
2007
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
F123t Fabret, Sheila Telli Em torno da identidade do educador lingstico:
aspectos de sua auto-estima, suas concepes e significado social de seu trabalho / Sheila Telli Fabret. Porto Alegre, 2007.
179 f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de
Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao, PUCRS, 2007.
Orientador: Prof. Dr. Juan Jos Mourio Mosquera.
1. Educao lingstica em lngua estrangeira.
2. Letramento. 3. Auto-imagem e auto-estima. 4. Autonomia docente. I. Mourio Mosquera, Juan Jos. II. Ttulo.
CDD 371.104 460.07
Bibliotecria Responsvel
Isabel Merlo Crespo CRB 10/1201
SHEILA TELLI FABRET
EM TORNO DA IDENTIDADE DO EDUCADOR LINGSTICO:
ASPECTOS DE SUA AUTO-ESTIMA, SUAS
CONCEPES E SIGNIFICADO SOCIAL DE SEU TRABALHO
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, pelo Programa de Ps-Graduao em Educao, da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em ___ de _______________ de ______
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Juan Jos Mourio Mosquera
_________________________________________ Prof. Dr. Claus Dieter Stobus
_________________________________________ Prof.. Dr. Pedro de Moraes Garcez
minha filha Ana Paula e ao meu marido Paulo Roberto
AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS
Ao final de mais esta etapa do meu desenvolvimento profissional, olho para dentro de mim e gosto do que vejo: gosto de ver a pessoa na qual estou me transformando,
por causa de todos e de cada um vocs. Todos tm seu lugar em meu corao e o meu eterno agradecimento.
minha pequena e eterna famlia, minha pequena e eterna famlia, minha pequena e eterna famlia, minha pequena e eterna famlia, razo maior de minha existncia e felicidaderazo maior de minha existncia e felicidaderazo maior de minha existncia e felicidaderazo maior de minha existncia e felicidade:
meu marido Paulo Roberto, amor antigo, presena constante, e a minha filha, to intensamente amorosa e amada.
Pacientes e incentivadores.
minha grande minha grande minha grande minha grande famliafamliafamliafamlia: minha me, meu pai, meus irmos e suas famlias;
vov Iara, presena intensa e constante minha querida sobrinha Denise e minha sempre amiga Lourdes.
minha famlia ampliada: minha famlia ampliada: minha famlia ampliada: minha famlia ampliada:
Ao meu querido orientador, Prof. Dr. Mourio Mosquera, um verdadeiro educador: meu modelo de desenvolvimento pessoal e profissional,
por me ensinar a vir-a-ser uma pessoa e uma professora melhor.
Ao meu querido co-orientador, Prof. Dr. Claus Dieter Stobus, co-orientando meu ser & estar feliz na profisso, na vida.
Ao prof. Dr. Pedro Moraes Garcez, sempre acolhedor, paciente
e generoso, mostrando-me um verdadeiro sentido e o significado em ser professora de lnguas estrangeiras.
A todos meus professores e professoras, pela ateno que me dedicaram:
Ao professor Aureliano Hernandez, pela alegria de ensinar; s queridas professoras Jussara Binz, e Margarete Schlatter,
exemplos de educadores, para sempre em mim;
Aos meus novos amigos de mestradoAos meus novos amigos de mestradoAos meus novos amigos de mestradoAos meus novos amigos de mestrado que de diferentes maneiras vivenciaram comigo esta etapa:
Denise Antunes, Jussara Bernardi e Jaqueline Maissiat, minhas amigas e orientadoras virtuais intensamente presentes;
Denise Goulart, feliz descoberta, companheira constante, amizade solidificada; Anah Azevedo,minha amiga de mestrado
Aos meAos meAos meAos meus antigos e para sempre amigos:us antigos e para sempre amigos:us antigos e para sempre amigos:us antigos e para sempre amigos: Gilda Tomaz, to longe e to presente, sempre;
Ana Cristina, Wander e Carlo, pela presena intensa, e carinho imenso, um grande presente; Bia, Joo, Pedro Henrique e Jlia, pelo companheirismo afetuoso.
Dbora Souza, pela certeza da compreenso;
Aos professores e professoras que participaram da minha pesquisa, Aos professores e professoras que participaram da minha pesquisa, Aos professores e professoras que participaram da minha pesquisa, Aos professores e professoras que participaram da minha pesquisa, com quem tive a alegria de conviver,
pela amizade, disponibilidade e contribuies. Em especial, aos colegas Robertson, Tnia, Labriza, Gizele,
Marilaine, Jussara. pelo carinho e amizade. A todos que aqui no nomeei e estiveram presentes nesta caminhada.
CNPQ, pelo apoio financeiro, imprescindvel neste estudo.
RESUMO
Este estudo teve por objetivo principal conhecer e compreender os sentimentos de
auto-imagem e auto-estima e as concepes dos professores de espanhol sobre o trabalho e a
contribuio social do educador lingstico em lngua estrangeira, com vistas a um
redimensionamento da identidade profissional deste professor. A ancoragem terica desta
pesquisa centrou-se em trs eixos: estudos terico-bibliogrficos sobre a auto-imagem e a
auto-estima docentes; estudos sobre os modelos de identidade docente; e estudos sobre a
educao lingstica em lngua estrangeira. Os dados desta investigao quanti-qualitativa
foram coletados em trs fases, iniciando pela aplicao do Questionrio de auto-imagem e de
auto-estima (STOBUS, 1983), seguido do questionrio de perguntas abertas e de entrevistas
semi-estruturadas. A anlise dos dados coletados est fundamentada em anlise de contedo
de Bardin (2004), complementados por Moraes (2006). Os resultados foram organizados em
seis categorias: 1. A concepo de educao lingstica em lngua estrangeira, evidenciando
as concepes dos professores de lngua espanhola acerca de seu trabalho, categoria analisada
em duas subcategorias: o ensino de cultura e a formao para a cidadania. 2. O papel do
educador lingstico, que trata das concepes dos professores sobre os propsitos de sua
prxis. 3. As dificuldades enfrentadas pelo educador lingstico, que discorre sobre as
dificuldades enfrentadas nos complexos contextos atuais. 4. As satisfaes da prtica da
educao lingstica, que evidencia os sentimentos e as vivncias de realizao, analisada a
partir de duas subcategorias: o sucesso no processo de ensino e aprendizagem e, o
reconhecimento do trabalho docente. 5. A contribuio social do educador lingstico, que
revela as concepes dos professores sobre as contribuies de seu trabalho na vida do aluno
e nas sociedades contemporneas. 6. A auto-imagem e a auto-estima, que analisa e
problematiza os nveis de auto-imagem e auto-estima dos professores participantes. Os
estudos realizados evidenciam que um redimensionamento da identidade do professor de
lnguas estrangeiras, o educador lingstico, fundamentado na autonomia e configurado em
prticas de letramento pode potencializar significativamente o sucesso no processo de ensino
e aprendizagem de lnguas estrangeiras, restituindo lngua estrangeira o lugar que lhe
corresponde na escola pblica regular. Alm disso, acrescenta sentido e significado a prtica
profissional, contribuindo na manuteno e desenvolvimento saudvel da auto-estima,
ajudando o professor a auto-realizar-se no processo pedaggico.
Palavras-chave: educao lingstica em lngua estrangeira; letramento; auto-imagem e auto-
estima; autonomia docente.
ABSTRACT
The objective of this study was to know and understand the feeling/perception of
selfimage, self-esteem and the opinions of the spanish teachers; the work and the social
contribution of the educator regarding foreign language, and be aimed at reconsidering his
professional identity. The theoretical anchorage of this research was based on three axes:
Theoretical and bibliographic studies about self-image and self-esteem teaching, studies about
patterns of identity teaching and, studies about linguistics education in foreign language.The
quantitative and qualitative data of this investigation were collected in three phases starting by
the application of the self-image and self-esteem questionnaire (STOBUS, 1983) followed
by the open-questions and semi-structured interviews questionnaire.The data analyzed were
based on Bardins (2004) analysis content, and complemented by Moraes (2006). The results
were analyzed in six categories: 1. The conception of the linguistic education in foreign
languages that points out the conceptions of the educators in foreign language concerning
their jobs, analyzed in two subcategories: Culture teaching and citizenships education. 2. The
role of the linguistic educator, that deals with the conceptions of the educators and about the
reason of their praxis. 3. The difficulties faced by the linguistic educator, that recites the
difficulties faced in the nowadays complex contexts. 4. The satisfaction of the linguistic
education practice, which points out the feelings and experiences of fulfillment, analyzed
from the point of view of two subcategories: The success of the teaching and learning process
and, the gratitude of being educator. 5. The social contribution of the linguistic educator,
which unveils the conceptions of the educators, about their contributions of their jobs in the
students life and contemporary society. 1. The self-image and self-esteem that analyses and
ponder the levels of self-image and self-esteem of the educators. Studies carried out, shown
that an revaluation of the foreign languages teachers role, the linguistic educator anchored to
autonomy and in the practice of literacy, can improve significantly the process of teaching and
learning foreign languages, rescuing the place that the foreign language deserves in the public
schools. Besides that, this revaluation adds sense and meanings to the professional practice,
contributing to the maintenance and healthy developing of the self-esteem, supporting the
educator for the self-fulfillment in the pedagogic process.
Key words: Linguistic education in foreign languages; literacy; self-image and self -esteem;
teachers autonomy.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo principal conocer y comprender los sentimientos de
autoimagen y de autoestima y las concepciones de los profesores de espaol sobre el trabajo y
la contribucin social del educador lingstico en lengua extranjera, con vistas a un
redimensionamiento de la identidad profesional de este profesor. El embasamiento terico de
esta investigacin se centr en tres ejes: estudios terico-bibliogrficos sobre autoimagen y
autoestima docente; estudios sobre los modelos de identidad docente; y estudios sobre la
educacin lingstica en lengua extranjera. Los datos cuantitativos y cualitativos de esta
investigacin fueron colectados en tres etapas; comenzando por la aplicacin de cuestionario
de autoimagen y autoestima (STOBUS, 1983), seguido del cuestionario de preguntas
abiertas y de entrevistas semiestructuradas. El anlisis de los datos colectados fue
fundamentado en anlisis de contenido de Bardin (2004), complementados por Moraes
(2006). Los resultados fueron organizados en seis categoras: 1. La concepcin de educacin
lingstica en lengua extranjera, que evidencia las concepciones de los profesores de lengua
espaola acerca de su trabajo, analizada en dos subcategoras: la enseanza de la cultura y la
formacin para la ciudadana. 2. El papel del educador lingstico, que trata de las
concepciones de los profesores sobre los propsitos de su praxis. 3. Las dificultades
enfrentadas por el educador lingstico, que discurre sobre las dificultades enfrentadas en los
complejos contextos actuales. 4. Las satisfacciones de la prctica de la educacin lingstica,
que evidencia los sentimientos y las vivencias de realizacin, analizada a partir de dos
subcategoras: el xito en el proceso de enseanza y aprendizaje, y el reconocimiento del
trabajo docente. 5. La contribucin social del educador lingstico, que revela las
concepciones de los profesores sobre las contribuciones de su trabajo en la vida del alumno y
en las sociedades contemporneas. 6. La autoimagen y autoestima, que analiza y problematiza
los niveles de autoimagen y autoestima de los profesores participantes. Los estudios
realizados evidenciaron que un redimensionamiento de la identidad del profesor de lenguas
extranjeras, el educador lingstico, fundamentado en la autonoma y configurado en prcticas
de letramiento, puede potenciar significativamente el xito en el proceso de enseanza y
aprendizaje de lenguas extranjeras, restituyendo a la lengua extranjera el lugar que le
corresponde en la escuela pblica regular. Adems de eso, ese redimensionamiento aade
sentido y significado a la prctica profesional, contribuyendo para la manutencin y el
desarrollo saludable de la autoestima, ayudando al profesor a auto-realizarse en el proceso
pedaggico.
Palabras-clave: educacin lingstica en lengua extranjera; letramiento; autoimagen y
autoestima, autonoma docente.
LISTA DE ABREVIATURAS
AI/AE: auto-imagem e auto-estima
LE: lngua estrangeira
- Educao lingstica em LE: educao lingstica em lngua estrangeira
- Ensino de LE ensino de lngua estrangeira
- Processo de ensino e aprendizagem de LE processo de ensino e aprendizagem de
lngua estrangeira
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 A Autonomia profissional no modelo do especialista tcnico ...................... 35 QUADRO 02 A Autonomia profissional no modelo do profissional reflexivo................... 40 QUADRO 03 A Autonomia profissional no modelo do intelectual crtico ......................... 43 QUADRO 04 A concepo ampliada da autonomia docente ............................................. 50 QUADRO 05 A Concepo dinmica da autonomia ......................................................... 52 QUADRO 06 Metodologia de Pesquisa .......................................................................... 112 QUADRO 07 Categorias e Subcategorias ....................................................................... 116
SUMRIO
LISTA DE ABREVIATURAS
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUO.......................................................................................................... 16
1.1 A ESCOLHA E A CONTEXTUALIZAO DO TEMA..................................... 16 1.2 ORGANIZAO DO TEXTO............................................................................. 19
2 REFERENCIAL TERICO ..................................................................................... 21
2.1 O PROFESSOR COMO PESSOA........................................................................ 21 2.2 A CONSTRUO DA IDENTIDADE DOCENTE ............................................. 24
2.2.1 O professor como especialista tcnico .............................................................. 32 2.2.2 O professor como profissional reflexivo............................................................ 35 2.2.3 O professor como intelectual crtico ................................................................. 40 2.2.4 A construo da autonomia do professor .......................................................... 43 2.2.5 A concepo dinmica da autonomia................................................................ 51
2.3 A AUTO-IMAGEM E A AUTO-ESTIMA DO PROFESSOR.............................. 52 2.3.1 O autoconhecimento ......................................................................................... 62
2.4 QUALIDADES E PERPECTIVAS DO PROFESSOR DE LNGUAS ESTRAGEIRAS .............................................................................................................. 64 2.5 A EDUCAO LINGSTICA EM LNGUA ESTRANGEIRA ........................ 66
2.5.1 A concepo de educao lingstica................................................................ 66 2.5.2 Letramento: a prtica potencializadora da educao lingstica em lngua
estrangeira ...................................................................................................... 68 2.5.3 O contexto da Educao Lingstica................................................................. 70
2.6 O EDUCADOR LINGSTICO .......................................................................... 73 2.7 FAZENDO EDUCAO LINGSTICA............................................................ 76
2.7.1 O educador lingstico no contexto de sua prtica............................................ 76 2.7.2 As implicaes da prtica da educao lingstica ........................................... 78 2.7.3 O educador lingstico como mediador sociocultural ....................................... 79 2.7.4 O planejamento e a prtica do educador lingstico ......................................... 81 2.7.5 A prtica da avaliao na educao lingstica ................................................ 84 2.7.6 As dificuldades enfrentadas pelo educador lingstico ...................................... 86 2.7.7 Consideraes gerais sobre a educao lingstica .......................................... 87
3 A INVESTIGAO................................................................................................... 89
3.1 OS OBJETIVOS DA PESQUISA......................................................................... 89 3.2 A REA TEMTICA.......................................................................................... 90 3.3 O PROBLEMA DE PESQUISA........................................................................... 90 3.4 AS QUESTES NORTEADORAS...................................................................... 91 3.5 A CARACTERIZAO DA PESQUISA ............................................................ 91 3.6 OS SUJEITOS DA PESQUISA............................................................................ 94 3.7 OS INSTRUMENTOS E PROCEDIMETOS DE COLETA DE DADOS ............. 95 3.8 OS PROCEDIMENTOS DA ANLISE DE DADOS .......................................... 97
3.8.1 Anlise Quantitativa dos Dados........................................................................ 99 3.8.2 Anlise Qualitativa dos Dados........................................................................ 113 3.8.2.1 A concepo de educao lingstica em lngua estrangeira .................... 116 3.8.2.2 O papel do educador lingstico .............................................................. 121 3.8.2.3 As dificuldades da prtica da educao lingstica .................................. 126 3.8.2.4 As satisfaes da prtica da educao lingstica..................................... 134 3.8.2.4.1 O sucesso no processo de ensino e aprendizagem de lngua espanhola 135 3.8.2.4.2 O reconhecimento do trabalho docente................................................ 136
3.8.2.5 As contribuies sociais do educador lingstico..................................... 137 3.8.2.6 A Auto-estima e auto-imagem................................................................. 138 3.8.2.7 Sntese da anlise da entrevista da professora STa em torno das
categorias da pesquisa ........................................................................... 147
4 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 150
REFERNCIAS............................................................................................................... 158
APNDICES .................................................................................................................... 162
ANEXOS .......................................................................................................................... 168
1 INTRODUO
1.1 A ESCOLHA E A CONTEXTUALIZAO DO TEMA
Em busca da inteireza ...
J no sou nenhuma garotinha e, apesar disso, me olho no espelho e gosto de ver a
pessoa na qual estou me transformando...
Graduar-se professor fcil! Ser professor que so elas! Foram, at esse
momento, duas licenciaturas e trs especializaes, todas voltadas aos conhecimentos
lingsticos especficos das lnguas inglesa e espanhola. No entanto, devo dizer que ainda no
me percebo inteiramente professora. A rotina de cumprir calendrios, usar religiosamente o
livro-texto, ensinar contedos inadequados para o contexto e avaliar matematicamente meus
alunos continua produzindo em mim um sentimento de vazio de desempenho actancial.
Teoricamente no me faltavam conhecimentos lingsticos, mas, apesar de tantos
estudos, nunca me senti segura e satisfeita com meu trabalho. Isso que j se vo l mais de
dezoito anos aprendendo a ser professora, ou seriam 43 anos?
Pensando melhor, ao voltar no tempo, percebo que seria injusto no reconhecer que
fui me tornando professora, j que os saberes docentes so adquiridos em tempos sociais
diferentes: tempo da infncia, da escola, da formao profissional, do ingresso na profisso,
do tempo de carreira... (TARDIF, 2002 p.104). Percebo-me, ento, uma eterna alfabetizanda
profissional.
Mas, interessantemente, mesmo desejando ser uma educadora, minha formao
continuada teve nfase no conhecimento tcnico. Um pouco por demanda de currculo, uma
vez que o mercado de trabalho exige fluncia total no idioma; mas, em grande parte, por
desconhecimento de causa. Durante a graduao e antes de meu ingresso nas especializaes
e no mestrado, eu no conseguia identificar, no me dava conta exatamente de que vazio eu
estava correndo atrs. At ento, eu desconhecia caminhos distintos dos j percorridos.
A grande mudana em minha formao profissional, e satisfao pessoal, ocorreu
mesmo j pelos idos da segunda especializao e durante a segunda graduao. Foi nesse
momento que passei a ter aulas com um professor reconhecidamente educador. Lembro-me
de sua prtica mansa e segura de quem sabia ser professor. Pelas mos desse verdadeiro
educador, prof. Dr. Juan Jos Mourio Mosquera, ingressei no Mestrado em Educao. E,
17
atravs de suas palavras, fortaleceu-se em mim a convico de que ser professor educar para
a totalidade e, principalmente, educar-se a si mesmo. Acima de tudo, com meu orientador
aprendi a sempre querer aprender a vir-a-ser uma pessoa melhor e uma professora-cidad.
A ele devo essa minha busca pelo desenvolvimento pessoal e profissional.
Ao descobrir que esse vazio de desempenho actancial era um sentimento comum a
outros professores e estava intimamente ligado aos temas que meu co-orientador, professor
Dr. Claus Dieter Stobus, nos desafiava a investigar, o mal-estar e o estresse docente e a
pouca presena da afetividade na escola, percebi que seria possvel valer-me desses
conhecimentos para pensar, investigar e escrever sobre o tema.
A perspectiva de investigao somou-se provocadora e apaixonante proposta de
educao lingstica em lngua estrangeira, formulada por meu orientador, Prof. Dr. Pedro
Moraes Garcez, na especializao em ensino e aprendizagem de lnguas estrangeiras. Em seus
questionamentos, vislumbrei a possibilidade de atribuir sentido e significado ao ensino da
lngua espanhola no contexto da escola pblica.
De posse dessas provocaes, desenhou-se a possibilidade da investigao. Todo o
resto continuava sendo questionamentos. Aprofundou-se em mim o desejo de compreender o
vazio de desempenho actancial. Que fao com tantos conhecimentos lingsticos? Como
dar um sentido minha profisso, e significado ao meu trabalho de educadora em lnguas
estrangeiras?
C estou eu, agora sim, satisfeita. No mestrado em educao estou retomando
antigos questionamentos, tais como:
Que tipo de professor eu queria ser?
Em que tipo de professora fui (trans)formada na licenciatura?
Somam-se a esses questionamentos outros, propostos por Garcez (2005), que
despertaram em mim um novo olhar sobre a identidade do professor de lnguas estrangeiras
atuante em sala de aula na escola pblica regular.
Que professor sou eu? Que professor eu quero ser?
- o tcnico de idiomas?
- o ensinante-lecionador ?
- ou o educador lingstico?
Que tipo de alunos deveramos formar nas sociedades complexas contemporneas?
Essas so questes fundamentais ao ensino de lngua estrangeira, s quais acrescento
meu questionamento pessoal mais recente:
18
Qual a minha contribuio social, como professora de lnguas estrangeiras, na vida
dos alunos e na sociedade? Como ser uma professora-cidad?
Esses questionamentos pessoais, aparentemente simples, na verdade parecem exigir
uma clara definio da contribuio social do trabalho docente nas sociedades
contemporneas. Essas provocaes permeiam a crise de identidade profissional vivida por
alguns dos professores de lnguas estrangeiras da escola pblica regular.
Hall (2000, p.10) registra a crise de identidade como perda de um sentido de si
estvel; o deslocamento a descentrao dos indivduos tanto do seu lugar no mundo social
e cultural, quanto de si mesmos. O que pode sugerir uma possvel causa do crescente mal-
estar docente, relacionado ao vazio de desempenho actancial.
Acredito que tais questionamentos j me oportunizaram uma certeza: a de que quero
ser educadora em lnguas estrangeiras, mas Estas perguntas cujas respostas no so nada
evidentes, parecem indicar uma relao problemtica entre os professores e os saberes
(TARDIF, 2002, p.32).
Hoje compreendo melhor essa minha insaciedade. Neste momento, busco um sentido
para tantos conhecimentos lingsticos e um significado para minha profisso. Trabalho com
minhas possibilidades e assumo meu trabalho como um projeto traado desde a infncia e que
para sempre h de significar um vir-a-ser.
Um projeto construdo durante minha atuao em sala de aula, alimentado pela
criao, transformao, crescimento e atitude investigativa diria e impulsionado por uma
pitada de ousadia em direo reconstruo constante um projeto em busca de algum que
sou, mas ainda no completamente. Para isso, conto com minha educao continuada, com o
apoio dos meus professores que me acompanham e orientam.
Mas, afinal, ser que eu j sei ser professora?
Como ser uma educadora em lngua estrangeira? Uma educadora-cidad?
Tardif (2002) orienta que utilizemos os nossos referenciais espao-temporais que
consideramos vlidos, para alicerarmos a legitimidade das certezas experenciais que
reivindicamos.
Percebo-me em pleno processo de crescimento profissional, assumindo convices
ainda que em constante transformao, formalizando reflexes de minha prtica,
aprofundando estudos sobre o desenvolvimento pessoal, a identidade profissional e a
educao lingstica em lngua estrangeira. Com isso, busco construir uma identidade de
profissional comprometida com o desenvolvimento social e cultural de meu aluno, atravs da
promoo de sua independncia intelectual e de sua capacidade de tomar iniciativa, de ajuizar
19
criticamente e comprometer-se socialmente, permitindo que ele conhea a si mesmo e ao
outro e d um significado sua vida, tambm atravs de conhecimentos em lngua
estrangeira.
Afinal, Os que escolhemos o Magistrio e estamos nele, temos de ser dialeticamente
realistas-comprometidos e futuristas-esperanosos (MOSQUERA 2000, p. 145). E para
isso,
valorizar o trabalho docente pelo saber e pela competncia. Lutar por relevncia social: conscincia do real poder do professor, como cidado e profissional; estudo do poder do conhecimento e da mediao. Considerar a Escola como foco irradiador de educao poltica na comunidade, contribuindo para uma substancial diferena entre o humano potencial e o humano possvel e impossvel (idem, p. 146).
1.2 ORGANIZAO DO TEXTO
A ancoragem terica desta pesquisa centra-se em trs eixos:
a) Estudos sobre a constituio da identidade profissional dos professores, aqueles
fundamentados em Mosquera, Nvoa, Tardiff, Contreras, configurado nas sees: O
professor como pessoa e A construo da identidade docente.
b) Estudos da auto-imagem e da auto-estima docentes, alicerados em Polaino-
Lorente, Mosquera e Stobus, e do desenvolvimento humano, e problematizados por Maslow
e Mosquera. Seo de titulo A Auto-imagem e auto-estima do professor.
c) Estudos especficos sobre o ensino de lnguas estrangeiras, configurados nas
sees Qualidades e perspectivas do professor de lnguas estrangeira, fundamentados em
Mosquera; A educao lingstica em lngua estrangeira, O Educador lingstico e Fazendo
Educao lingstica, alicerados nos trabalhos de Kleimann, Signorini, Garcez e Schlatter.
Somam-se a estes os estudos bibliogrficos desenvolvidos por esta pesquisadora, para
monografia de concluso do Curso de Especializao em ensino e aprendizagem de lnguas
estrangeiras, esta intitulada O Beab do educador lingstico: a contribuio social do
professor de lnguas estrangeiras no contexto da escola pblica regular,. Este trabalho
discorre sobre os fundamentos prticos da atuao do professor de lnguas estrangeiras no
contexto da escola pblica regular (ver anexo). O objetivo nesta etapa fornecer uma base
terica slida para a sustentao e desenvolvimento desta pesquisa.
20
O presente estudo apresenta-se, portanto, em quatro captulos organizados da
seguinte forma:
O captulo 1, Introduo, apresenta as consideraes introdutrias, enfocando
aspectos relacionados escolha e contextualizao temtica, e aspectos relativos
construo e organizao desta dissertao.
O captulo 2, Referencial terico, relata o caminho de construo das bases tericas
bibliogrficas que fundamentam o estudo realizado, iniciando pelas descries dos modelos
tericos de identidade docente seguido do estudo do desenvolvimento pessoal, atravs da
conceituao de auto-imagem e auto-estima, e dos estudos sobre o letramento e a educao
lingstica em lngua estrangeira.
O captulo 3, intitulado A investigao, apresenta as consideraes relacionadas
escolha da abordagem metodolgica e desvela o trabalho de anlise e interpretao de dados
quanto s conceituaes e vivncias dos professores que ensinam espanhol como LE.
Por ltimo, sob o ttulo de Consideraes Finais, so apresentadas as consideraes
resultantes das primeiras aproximaes proposta temtica da educao lingstica em lngua
estrangeira. Referncias bibliogrficas, apndices e anexos concluem este estudo.
importante salientar que, ao longo do estudo, sentimos a necessidade de buscar
alguns tericos complementares que ampliassem as colocaes do referencial terico inicial.
Desse modo, este trabalho no se trata de um estudo alicerado rigorosamente nos referenciais
j citados, seno que, durante a construo dos referenciais foram surgindo novas
contribuies tericas.
2 REFERENCIAL TERICO
2.1 O PROFESSOR COMO PESSOA
No prefcio da obra Psicodinmica do Aprender, de 1977, Mosquera j enfatizava a
importncia de estudos do processo de ensino e aprendizagem no contexto de sala de aula,
mas tambm de estudos da relevncia do que se aprende e a utilidade dessas aprendizagens
para uma vida humana. Fundamentados nas teorias deste autor e para melhor compreenso
das propostas deste estudo consideramos fundamental registrar que o pressuposto de
Mosquera e Stobus de que impossvel separar nossa vida afetiva da nossa vida intelectual
e de nossas manifestaes afetivas (2006b, p. 94) fundamenta e permeia todas as reflexes e
anlises elaboradas.
Questionamentos relacionados a tal pressuposto so retomados no momento em que
buscamos compreender novas possibilidades de desempenho docente no processo ensino-
aprendizagem de lnguas estrangeiras, em que acreditamos envolver a amplitude de
desenvolvimento profissional, porm, ao mesmo tempo, de desenvolvimento pessoal.
Partindo do entendimento de que pretendemos redimensionar a identidade
profissional e o modelo de atuao do professor de lnguas estrangeiras no contexto da escola
pblica regular, percebemos que o papel social docente est diretamente relacionado
construo pessoal e percepo do que o indivduo acredita que a sociedade espera dele.
Portanto, antes de conhecer de que modo a sociedade e a educao elaboram as identidades
profissionais docentes nas sociedades complexas contemporneas, torna-se fundamental a
compreenso dos conceitos de auto-imagem e de auto-estima, pressupostos eminentemente
sociais, que influenciam diretamente a formao da identidade docente, na qualidade da
atuao e da efetiva contribuio social desse profissional.
Com isso, enfatizamos de modo especial, neste estudo, a leitura e a ressignificao
individual da identidade docente, mantendo-nos no contexto da linha de pesquisa elegida
(Desenvolvimento da Pessoa, Sade e Educao) e refletindo a partir de pressupostos e
conceitos que norteiam esta escolha.
Sob essa perspectiva de trabalho, Fanfani, (2006 p.135) comenta:
22
En las condiciones actuales el oficio tiende a construirse cada vez ms a travs de la experiencia y no consiste tanto en ejercer un rol o una funcin preestablecida (incluso reglamentada), sino que usando la imaginacin y los recursos disponibles. La personalidad como totalidad se convierte en una competencia para construir su funcin. En este sentido puede decirse []. El xito o fracaso de su funcin tiende a verse como producto de una personalidad.1
Com isso, queremos dizer que, ainda que tenhamos como certo e que utilizemos toda
uma sustentao terica oriunda de concepes e consideraes polticas e sociolgicas
inerentes identidade e profissionalizao do trabalho docente, nossa reflexo se restringe
ao mbito de ressignificao da identidade profissional a partir da mobilizao pessoal do
professor, como uma elaborao da forma de ser e uma forma de estar na profisso de
educador lingstico em lngua estrangeira.
Mosquera reitera constantemente em suas obras que se graduar professor uma das
etapas importantes da vida da pessoa, mas que se faz necessrio transcend-la, ampli-la, de
tal modo que essa conquista envolva tambm um empenho em ser professor. Isso se realizaria
atravs da busca constante e transformadora da identidade profissional por meio do processo
de educao continuada e na interao com a comunidade educativa.
Dessa forma, potencializando o desempenho profissional, contribuiramos
significativamente para o enriquecimento da auto-imagem e da auto-estima (e vice-versa).
Conseqentemente, possibilitaramos uma caminhada progressiva auto-realizao
profissional. Mosquera estabelece que a vida de todo ser humano e de todo contexto social
pode ser considerada tanto uma realizao quanto uma experimentao inter-relacional
(1977, p. 27) e que a experincia humana se baseia na aprendizagem e nas transaes
interpessoais que levamos a efeito com os outros seres humanos atravs dos quadros de nosso
comportamento e dos comportamentos dos outros.
Todas as construes humanas e tambm a construo da identidade profissional
envolvem um olhar para dentro de si mesmo e um olhar para o outro, tendo em conta a
interao social, o meio-ambiente e a sociedade.
Acreditamos que a identidade profissional do professor de lnguas estrangeiras, no
contexto do ensino pblico, precisa passar por um momento de redimensionamento uma vez
que sua construo de sujeito historicamente situado atual no corresponde s exigncias das
populaes envolvidas e no atende s demandas sociais. Portanto, repensar tal identidade a
1 Traduo: Nas condies atuais, o trabalho tende a construir-se cada vez mais atravs da experincia e no consiste tanto em exercer um papel ou uma funo pr-estabelecida (inclusive regulamentada), seno que usando a imaginao e os recursos disponveis. A personalidade como totalidade se converte numa competncia para construir sua funo. Neste sentido pode-se dizer []. O xito ou o fracasso de sua funo tende a ver-se como produto de uma personalidade.
23
partir do desenvolvimento pessoal e de sua significao social, da reviso constante de antigos
conceitos e da reafirmao de prticas consagradas, da reflexo dialtica, teoria e prtica so
adequaes que podem contribuir significativamente para o enfrentamento do insucesso do
ensino de lnguas estrangeiras. Alm disso, levaro a uma melhor atuao em sala de aula,
bem como satisfao pessoal do profissional e valorizao da profisso.
Essa ressignificao perpassa por uma reflexo a respeito da auto-imagem e a auto-
estima docente, sobre os modelos de professores e por um especial aprofundamento sobre a
recente proposta de educao lingstica em lngua estrangeira. Essa dimenso de identidade
profissional comea a despontar no sul do Brasil atravs de movimentos articulados pelos
trabalhos de Garcez e Schlatter.
Neste estudo assumimos o conceito da Educao Lingstica em Lngua Estrangeira
como educao que prepara os cidados para uma participao plena, para o trnsito nas
sociedades complexas contemporneas: uma educao lingstica entendida como
socializao do cidado plenamente letrado, para enfrentamento com a diversidade
(GARCEZ, 2006).
Entendemos que a ressignificao deva partir do prprio profissional como ator e
autor. Uma reconstruo,
atravs do significado conferido atividade docente no seu cotidiano, com base em seus valores, seu modo de situar-se no mundo, sua histria de vida, suas representaes, seus saberes, suas angstias e seus anseios, no sentido de que tem em sua vida o ser professor. Assim com baseado na sua rede de relao com outros professores, outras escolas, sindicatos e outros agrupamentos (PIMENTA, 2003 p. 175).
Como Tardif (2002) percebemos que o professor uma pessoa que age em funo de
intenes ou de razes das quais ele est consciente e que pode justificar. Ele sabe o que faz
e por que o faz, tem conscincia profissional. Atravs dessa conscincia, pode postular
discursivamente por que e como age (capacidade de julgamento e de argumentao). Esse
professor , enfim, o profissional que sabe por que est ensinando e o que est ensinando.
Ele sabe pensar e associar o ensino ao contexto comunitrio, o que implica seu constante
processo de atualizao.
importante que o professor de lnguas estrangeiras seja, tambm, mais participante.
Isso deve ser obtido atravs de uma relao menos temerosa e individualista em seu contexto,
buscando uma evoluo de suas prticas pedaggicas, propondo e atuando com iniciativas que
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contribuam verdadeiramente para o desenvolvimento de seus alunos, atuando como mediador
e intrprete ativo das culturas, dos valores e do saber em transformao.
Portanto, prope-se, nesta fundamentao terica, tecer reflexes em torno do
desenvolvimento da auto-imagem e da auto-estima, de atualizaes da identidade profissional
que caminhem em direo a uma identidade de educador lingstico. Tal identidade deve ser
concebida como a do professor comprometido com a formao de cidados capazes,
profissional e intelectualmente, desvelando a real contribuio social dos professores de
lngua estrangeira nas complexas sociedades atuais.
A partir dessas consideraes, este estudo assume uma viso holstica e humanista do
desenvolvimento e da educao. reiterado continuamente que fazem parte desses processos,
e que so indissociveis e inter-relacionados, os conceitos de auto-imagem, auto-estima,
autoconhecimento, autonomia, desenvolvimento e realizao pessoal e profissional, e outros a
eles subjacentes. Para efeito de melhor compreenso deste estudo, concepes so separadas,
conceituadas e, inclusive, acompanhadas de snteses, quadros e resumos.
2.2 A CONSTRUO DA IDENTIDADE DOCENTE
Esta seo prope reflexes sobre a construo da identidade docente. Em primeiro
lugar, apresentamos a partir dos estudos de Mosquera, importantes colocaes sobre a
formao da personalidade, seguidas de alguns posicionamentos de Esteve e de Nvoa sobre a
identidade docente. Na seqncia, apresentamos os modelos de identidade docente propostos
por Tardif e Contreras, sendo os modelos fundamentados na construo da autonomia
docente, deste ltimo autor, mais detalhadamente explorados por serem os que mais bem
contribuem para compor as reflexes propostas neste estudo. Finalmente, analisamos a
concepo dinmica da autonomia docente proposta por Contreras.
Recordamos que este estudo no abarca diretamente reflexes sobre os complexos e
polmicos processos poltico-sociais de construo da identidade docente coletiva ou da
profissionalizao desse ofcio, seno que se limita ao mbito de desenvolvimento pessoal e
construo individual da identidade profissional, na busca da possibilidade de realizao
pessoal e profissional. Ainda assim, necessariamente esto implicadas referncias a conceitos
polticos e sociolgicos sobre o tema.
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Acreditamos que o educador precisa, efetivamente, conhecer, assumir e atualizar
constantemente sua identidade, seu papel profissional em sua comunidade de atuao,
garantindo seu funcionamento equilibrado como pessoa na sociedade. Ao assumir uma
identidade de acordo com si mesmo, fruto de sua autonomia e autoconhecimento e da auto-
imagem e auto-estima positivas, o professor poder se aproximar da auto-realizao e da
satisfao de ensinar. Essa aproximao d-se atravs do esforo de integrao das diferentes
dimenses de sua personalidade, das capacidades e potencialidades prprias ao contexto,
promovendo a satisfao na realizao de seu trabalho.
Buscamos, nesta seo em especial, um entendimento das caractersticas do trabalho
de ensinar e das qualidades da prtica docente da profissionalidade dos professores , ou
seja, buscamos pensar a profisso do professor de lnguas estrangeiras. Acreditamos que, a
partir destas reflexes, seja possvel identificar uma identidade do profissional de lnguas
estrangeiras mais prxima nossa concepo de educador lingstico.
Torna-se necessrio registrar que, embora consideremos fundamentais os estudos
sobre reestruturao dos quadros de carreira e melhoria das condies de trabalho e de
salrios, no nos ateremos aqui a tais aspectos. Dedicar-nos-emos a estudar mais
detalhadamente o trabalho e as peculiaridades pertinentes atuao de professores e s suas
relaes com o educador em lnguas estrangeiras. Acreditamos serem essas as questes que
devem ser desenvolvidas com vistas atualizao e transformao da prtica, como tambm
ao reconhecimento da contribuio social do educador.
Referindo-se docncia, Mosquera explica que na profisso docente no tem
havido, como em outras profisses, uma autonomia, identidade e tica, que a caracterizam e
lhe propiciem um sentido profundo e vlido (1989, p.7).
Identifica-se, neste autor, referncia importncia do conhecimento dos modelos de
atuao e linhas de comportamento, bem como do desenvolvimento da autonomia, quando
recomenda que os professores, quando possuem uma conscincia clara de seu desempenho
(comportamento profissional), sabem que no podem, de maneira alguma, estruturar o ensino
que no esteja intimamente ligado a interesses da sociedade e da sua pessoa (1977, p.100).
Alinhamo-nos com Mosquera no sentido de que as caracterizaes dos modelos
estudados no devam ter intenes prescritivas, nem configurem atuaes estticas ou finais.
A identidade do profissional envolve atualizaes e transformaes; requalificaes
constantes para acompanhar as profundas e constantes transformaes das complexas
sociedades contemporneas.
Ao referir-se ao processo de construo da identidade, Mosquera (1977) postula:
26
o processo de formao de identidade est sempre em constante mudana e desenvolvimento, desde os primeiros dias de vida, at que decline o poder de recproca afirmao do homem. No podemos criar uma imagem ideal do homem ele o que no momento histrico em que vive (p. 54).
Importantes contribuies sobre a construo da identidade docente, so descritas
pelo autor e contribuem para esta reflexo. De forma sintetizada so:
- a pessoa se identifica atravs de modelos (famlia, amigos, cultura, valores,
ambiente);
- a identidade o reflexo do meio ambiente;
- a reflexo feita em todos os momentos da vida;
- na maior parte das vezes, a identificao inconsciente;
- para existir identidade humana, necessria a convivncia humana;
- a identidade est em constante mudana;
- a estabilidade do comportamento depende da coerncia interna do indivduo.
importante ter em conta tambm, segundo Mosquera (1977, p.54), que a formao
da identidade implica simultnea reflexo e observao. Esse processo se d em todos os
nveis do funcionamento mental (consciente, subconsciente e inconsciente), atravs dos quais
a pessoa julga a si mesma luz do que percebe como sendo o modo como os outros a julgam.
No podemos separar o crescimento pessoal de mudana social, nem podemos separar a
crise de identidade pessoal das crises histricas e contemporneas. Ambas esto intimamente
relacionadas.
Esteve (2006), em seu artigo intitulado Identidad y desafos de la condicin
docente, ao analisar as principais mudanas que afetam a identidade profissional docente,
sinaliza um autntico aumento de responsabilidades e tarefas que no mais se reduzem ao
mbito do conhecimento especfico, sugerindo que todo o trabalho da educao deve ser feito
na escola. O autor comenta: El desconcierto, la falta de formacin para afrontar los nuevos
retos y el intento de mantener rutinas ancestrales que ya no tienen sentido, lleva a muchos
profesores a hacer mal su trabajo []2(p.34).
Mas, em especial, referindo-nos ao contexto-ensino de lngua estrangeira na escola
pblica regular, encontramos em Esteve (p. 54) que a escolarizao supe cada vez mais la
2 Traduo: A desorientao, a falta de formao para enfrentar os novos desafios e a tentativa de manter rotinas ancestrais que j no tm sentido, leva muitos professores a fazerem mal seu trabalho.
27
incorporacin a nuestras aulas de alumnos com sensibilidades culturales e lingsticas muy
diversas y com uma educacin familiar de base que h fomentado valores muy distintos desde
diferentes subculturas3.
Essas colocaes, trazidas ao contexto de escola pblica, nos remetem s
dificuldades dos professores alocados em comunidades escolares onde as diferenas
econmicas, sociais e culturais so mais intensas, como na escola pblica, onde a diversidade
exige que os professores contextualizem e diversifiquem suas prticas.
Na opinio do Esteve (2003), as mudanas do contexto social influenciaram
fortemente o papel a ser desempenhado pelo professor no processo de ensino, mas sem que a
maioria deles soubesse como se adaptar e sem que as instituies formativas desenhassem
estratgias de adaptao nos programas de formao docente. Como conseqncia, o
resultado mais patente o desconcerto dos professores sobre o sentido e o alcance de seu
trabalho.
Cada vez mais, em especial no contexto da escola pblica, o professor atua em
comunidades e em salas de aula em que coexistem diferentes modelos de socializao,
exigindo que ele pense e explicite seus valores e objetivos educativos. Mais adiante veremos
que Contreras tambm comenta essas dificuldades e que, em parte, a sua proposta de
desenvolvimento da autonomia docente contempla uma importante reflexo sobre essas
exigncias e suas possibilidades de desenvolvimento.
Nvoa (1995, p.35), em seu artigo Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem s,
tambm registra um conceito de identidade profissional que se aproxima ao de um processo
constante na busca de uma nova maneira de pensar os professores e sua profisso. Segundo
ele, a identidade profissional no um dado adquirido, no uma propriedade, no um
produto. A identidade um lugar de lutas e conflitos, um espao de construo de maneiras
de ser e estar na profisso (1995, p. 35).
O autor acredita que o processo identitrio do professor passa pela capacidade de
exercer com autonomia a atividade, pelo sentimento de controle sobre seu trabalho. A maneira
como cada professor ensina est diretamente relacionada imagem que o docente tem de sua
profisso.
Segundo o mesmo autor, esse processo envolve trs atitudes fundamentais do
professor, que ele chama de triplo AAA do processo identitrio: Adeso, Ao e
3 Traduo: A incorporao a nossas aulas de alunos com sensibilidades culturais e lingsticas muito diversificadas e com uma educao familiar de base que fomentou valores muito distintos a partir de diferentes subculturas.
28
Autoconscincia (1995, p. 34). Adeso porque ser professor implica a adeso a princpios e a
valores, adeso a projetos e, principalmente, a atitudes de crenas sobre as capacidades do
aprendente. Ao, entendida como a escolha das prticas pedaggicas, devendo ser
consideradas as questes de foro profissional, mas tambm questes de foro pessoal, como se
sentir bem ensinando e aprendendo. Por fim, a autoconscincia, uma vez que tudo se decide
no processo de reflexo que o profissional realiza sobre sua ao, o trabalho de pensar o
trabalho. Nvoa enfatiza que mudana e inovao pedaggica esto intimamente
dependentes do pensamento reflexivo.
Para Tardif (2002, p.39), o professor ideal o profissional capaz de dominar, integrar
e mobilizar os saberes docentes, enquanto condies para sua prtica. Deve conhecer sua
matria, sua disciplina e seu programa, alm de possuir certos conhecimentos relativos s
cincias da educao e pedagogia e desenvolver um saber prtico baseado em sua experincia
cotidiana com os alunos.
Este autor distingue trs modelos da identidade de professores: o tecnlogo do
ensino, o prtico reflexivo e o ator social:
O modelo do tecnlogo do ensino caracterizado pelo professor que possui
competncias de perito no planejamento do ensino e apresenta atividade baseada em um
repertrio de conhecimentos formalizados, oriundos de pesquisa cientfica. o profissional
que emprega os recursos da pesquisa para implantar um ensino estratgico, baseado em um
conhecimento elevado da cognio dos alunos. Sua ao fundamentada nos meios e
estratgias, buscando desempenho e eficcia no alcance dos objetivos escolares.
O modelo do prtico reflexivo est associado imagem do professor experiente e
utiliza um modelo deliberativo e reflexivo. Sua ao est caracterizada pela escolha de meios
e pela resoluo eficiente dos problemas, envolvendo uma deliberao em relao aos fins e
uma reflexo sobre a construo da atividade profissional em contexto. Esse profissional
utiliza a intuio, faz uso da capacidade de adaptar-se e de lidar com situaes
indeterminadas, flutuantes e contingentes, concebendo solues originais.
O modelo do ator social representado pelo professor intelectual engajado, agente
de mudanas e portador de valores emancipadores em relao s diversas lgicas de poder
que estruturam o espao social e o espao escolar.
Com algumas semelhanas, mas de maneira bastante mais complexa e detalhada,
Contreras tambm apresenta trs modelos de professores. O autor, porm, avana em sua
proposta, compondo o professor autnomo. Por isso, mais especificamente nos estudos de
Contreras, atravs de sua anlise aprofundada das identidades docentes, com vistas ao
29
desenvolvimento da autonomia, que vislumbramos avanos mais significativos para o
redimensionamento da identidade do professor de lnguas estrangeiras.
Para uma melhor compreenso da anlise dos modelos de professores desenvolvidos
por Contreras (2002), a partir das qualidades do trabalho educativo, fundamental o
entendimento de concepes, freqentes no discurso do autor.
O autor utiliza o termo profissionalidade para se referir ao que de positivo tem a
idia do profissional no contexto das funes inerentes ao trabalho da docncia. Ou seja,
atitudes em relao prtica profissional docente, o grau de conhecimento e habilidades que
carregam. Ao conjunto de habilidades, conhecimentos, atitudes e valores que constituem a
prtica de ser professor, esta adotada como qualidade educativa do trabalho docente.
Nas palavras do autor (2002, p. 74) profissionalidade refere-se s
Qualidades da prtica profissional dos professores, em funo do que requer o trabalho educativo, significando a descrio do desempenho do trabalho de ensinar bem como a expresso dos valores e pretenses a qual se deseja alcanar e desenvolver na profisso docente.
Contreras distingue trs diferentes modelos de professores, a saber: o especialista
tcnico, o profissional reflexivo e o intelectual crtico, cujas concepes esto fundamentadas,
combinadas e justificadas a partir de trs dimenses da profissionalidade: a obrigao moral;
o compromisso com a comunidade; e a competncia profissional. Essas dimenses so
consideradas pelo autor como iniludveis no desenvolvimento da prtica educativa, aspectos-
chave da prtica de ensinar.
A obrigao moral se d porque o ensino supe um compromisso de carter moral
para quem o realiza. Esse compromisso ou obrigao moral confere atividade do ensino um
carter que se situa acima de qualquer obrigao contratual que possa ser estabelecida na
definio de emprego. A educao incorpora a noo de pessoa humana livre, o que ,
simultaneamente, uma conquista a que se aspira e um status moral sob o qual se realiza a
prtica educativa, implicando o comprometimento do profissional com o desenvolvimento de
seus alunos como pessoas. Segundo o autor (2002, p.77), o aspecto moral est ligado
dimenso emocional, presente em toda relao educativa.
Na verdade, sentir-se compromissado ou obrigado moralmente reflete este aspecto emocional na vivncia das vinculaes com o que se considera valioso. Alm disso, a conscincia moral sobre o trabalho implica a autonomia como valor profissional uma vez que, a partir da assuno autnoma de valores educativos e de sua forma de realiz-los na prtica pode-se entender a obrigao moral.
30
O compromisso com prticas ticas envolve juzos profissionais contnuos e
contextualizados, que por sua vez podem ser modificados e atualizados circunstancialmente,
dando lugar melhoria contnua da prtica.
O compromisso com a comunidade d-se em razo de as prticas ticas e de a
moralidade serem fenmenos sociais, frutos da vida em comunidade. So eles fenmenos
compartilhados e, somente em contextos sociais a obrigao tica poder alcanar sua
dimenso adequada.
A partir do entendimento de educao como um assunto com clara dimenso social e
poltica e da compreenso de que a prtica escolar desempenha um importante papel na
educao das pessoas, influenciando em suas vidas futuras, a promoo de prticas de claro
significado social devem estar implicadas. O compromisso com a comunidade vincula-se a
prticas que efetivamente reflitam e atendam as necessidades da comunidade em que a escola
est inserida.
A competncia profissional a dimenso que se refere a competncias profissionais
complexas, que transcendem o sentido puramente tcnico do recurso didtico atravs da
combinao de habilidades, princpios e conscincia do sentido e das conseqncias das
prticas pedaggicas, fruto de reelaboraes constantes.
Contreras (2002, p.85) esclarece ainda que:
Tambm faz parte das competncias profissionais o modo em que se criam e se sustentam vnculos com as pessoas, em que a cumplicidade, o afeto e a sensibilidade se integram e se desenvolvem nas formas de viver a profisso, de tal modo que compreenso e implicao se vinculem. A intuio, a improvisao e a orientao entre os sentimentos prprios e alheios so tambm parte das competncias complexas requeridas pela profissionalidade didtica, tanto dentro como fora da sala de aula.
Vale mencionar que tais dimenses vo ao encontro das colocaes de Mosquera e
Stobus (2006), anteriormente descritas, as quais partem do postulado fundamental, assumido
neste estudo, de que impossvel separar, na prtica docente, o aspecto profissional dos
aspectos emocional e afetivo. Portanto, tais dimenses podem se configurar na necessidade do
desenvolvimento de competncias complexas, muito alm de ensinadas ou prescritas.
Cada um dos modelos de Contreras revela trs concepes distintas de prtica
docente a partir de diferentes possibilidades de significado da autonomia, sendo esta
entendida e justificada a partir das combinaes das trs qualidades da profissionalidade,
anteriormente conceituadas: a obrigao moral, o compromisso com a comunidade e a
competncia profissional.
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Com relao ao entendimento do conceito de autonomia, o qual ser aprofundado ao
longo deste captulo, importante ter claro, neste momento, que se trata da chave para a
compreenso de um problema especfico do trabalho educativo. Portanto, caracterstica
principal na possibilidade de desenvolvimento das qualidades essenciais da prtica
educativa (2002, p. 89). Falamos, portanto, de uma concepo ampliada de autonomia.
Contreras ainda alerta que cada modelo tambm entende de modo diferente aspectos
como de onde os valores educativos e os compromissos morais procedem; a relao existente
entre a prtica pedaggica e suas finalidades; as vinculaes entre a prtica e a exigncia e
condies de seu contexto moral; as competncias que a prtica exige.
Alm disso, so estabelecidas exigncias tambm diferentes sobre quais deveriam ser
os mbitos de deciso e responsabilidade dos professores, entre outros. Portanto, em cada uma
das concepes, identificamos uma verso prpria de autonomia profissional resultante da
forma que se tenham solucionado as relaes entre prtica, finalidades, exigncias e
condies de contexto.
O autor sinaliza que cada uma das concepes apresenta vantagens e inconvenientes
na concepo de autonomia de professores que, ao longo de suas transformaes, devem ser
lidas como uma busca progressiva de superar os limites das concepes precedentes. Trata-se
de diferentes formas de compreender e situar-se em relao profisso de professor,
diferentes exigncias de competncias prticas que, conseqentemente, estabelecem
diferentes exigncias sobre os mbitos de deciso e responsabilidade dos professores.
O aspecto-chave da autonomia, segundo o autor, a obrigao moral em conjuno
com o imediatismo e a complexidade do contexto de sala de aula. O professor obrigado a
assumir por si s um compromisso pessoal com os casos concretos e a atuar em funo de
suas prprias interpretaes, convices e capacidades. Isso indica a necessidade e a
inevitabilidade do juzo moral autnomo. Somente o juzo do professor pode resolver seus
dilemas e contradies nos momentos de decises, quando est obrigado a decidir por si
mesmo.
Porm, Contreras deixa claro que esse reconhecimento no pode ser associado a
competncias de exclusividade profissional ou territrio privado dos professores. A
autonomia, como os valores morais em geral, no uma capacidade individual, no um
estado ou atributo das pessoas, mas um exerccio, uma qualidade de vida; uma qualidade
circunstancial.
32
2.2.1 O professor como especialista tcnico
A idia bsica do modelo de racionalidade tcnica a de que a prtica profissional
consiste na soluo instrumental de problemas mediante a aplicao de um conhecimento
terico e tcnico, previamente disponvel, que procede da pesquisa cientfica. Ou seja, supe a
aplicao de tcnicas e procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os
efeitos ou resultados desejados. Alm disso, aborda a soluo de problemas a partir de meios
tcnicos baseados no conhecimento especializado.
Em outras palavras, a prtica profissional definida pela disponibilidade de uma
cincia aplicada que permita o desenvolvimento de procedimentos tcnicos para anlise e
diagnstico dos problemas, tratamento e soluo. A aplicao inteligente desse conhecimento
na busca de uma soluo satisfatria.
Neste modelo, a concepo de conhecimento do professor est relacionada ao
domnio tcnico na soluo de problemas, ou seja, baseado no conhecimento do procedimento
adequado de ensino e na sua aplicao inteligente. O conhecimento pedaggico disponvel
domina a prtica. O profissional dedica-se aplicao e no produo de conhecimentos
pedaggicos.
Sendo assim, a concepo de percia tcnica est baseada no conhecimento de
metodologias de ensino, domnio de procedimentos de gesto, funcionamento de grupo em
sala de aula e no manejo de tcnicas de avaliao da aprendizagem.
A partir de tais concepes, os docentes so especialistas - experts na aplicao de
tcnicas -, mas no dispem, em princpio, das habilidades para elaborao dessas tcnicas.
Tal posio, segundo Contreras, supe uma dependncia e subordinao dos professores a um
conhecimento prvio e s finalidades elaboradas por pesquisadores. Em outras palavras,
assumir o modelo de racionalidade tcnica significa assumir uma concepo produtiva do
ensino, isto , entender o ensino e o currculo como atividade dirigida para alcanar resultados
ou produtos pr-determinados (CONTRERAS, 2002, p. 96).
Contreras alerta, porm, o pressuposto de que a ao docente consiste na aplicao
de decises tcnicas, supostamente ao reconhecer um problema e tendo antecipadamente
definidos os resultados esperados, a soluo reside simplesmente na seleo do melhor
tratamento adaptado e aplicado. Tal procedimento subentende que o professor atua aplicando
solues disponveis a problemas j formulados, escolhendo as tcnicas que melhor se
adequarem ao problema e aos objetivos previstos.
33
Considerando que os problemas, em sua maioria, so multifatoriais, contextualizados
e singulares, e que nem sempre se resolvem atravs de um repertrio tcnico de solues ou
tratamentos, muitas vezes os professores precisam recorrer a habilidades no-reconhecidas
pela racionalidade tcnica.
Nessa situao, segundo o autor, a tendncia que tais profissionais resistam ao
tratamento desse tipo de problemas, por consider-los fora de sua ao educativa, e,
conseqentemente, limitem sua atuao. Ao evitar o enfrentamento do conflito social sobre os
fins do ensino e as conseqncias sociais da aprendizagem realizada em sala de aula, no
reconhecendo a complexidade, a instabilidade e a incerteza, os profissionais no desenvolvem
uma viso global do seu contexto de atuao.
O ponto de vista desse profissional, portanto, carece de flexibilidade e sensibilidade
de adaptao de seus conhecimentos s caractersticas contextuais. Ele tanto influenciado
pelas perspectivas dos outros que esto implicados no processo de ensino, como tambm
prejudicado pela dificuldade de auto-avaliao de seus prprios pr-conceitos. Sob esse ponto
de vista de expert, embasado na autoridade de sua posio de domnio, assume uma atitude
profissional de prtica inquestionvel, deciso unilateral e imposio.
O resultado uma prtica no-criativa, dirigida reproduo dos objetivos que
guiam o trabalho e a uma autonomia enganosa. Deliberao e juzo so reduzidos a uma ao
minimizada de um conjunto de habilidade e regras a serem seguidas. Em outras palavras, o
profissional concebe, aprende e aceita as situaes de ensino como fixas e estveis, assumindo
os objetivos educacionais no senso comum, manipulado na cultura profissional e admitindo o
seu papel profissional de expert. Portanto, aplica unilateralmente e autonomamente suas
decises como especialista.
Para esse profissional, a concepo das finalidades do ensino e dos objetivos
educacionais so entendidos como produtos previamente definidos, e no como valores a
serem construdos na ao educativa. Tais produtos so reduzidos ao valor instrumental,
desconsiderando a qualidade moral e educativa da ao, ou seja, no so objetivos de
reflexo, anlise e escolha profissional, pois esto pr-estabelecidos.
Assim sendo, a competncia profissional e a funo do docente tcnico se restringem
aplicao dos mtodos e da conquista dos objetivos. A profissionalidade se identifica com
eficcia e eficincia na aplicao dos mtodos e conquista de objetivos, e o exerccio
profissional se reduz ao cumprimento eficaz sem questionamentos.
O compromisso com a comunidade substitudo pela racionalidade tcnica, e as
polticas pblicas so assumidas como razes cientficas ou tcnicas. Os docentes
34
despolitizam suas prticas, dedicando-se difuso de novas iniciativas curriculares, ao
desenvolvimento de discursos e processos de racionalizao e de materiais curriculares.
A obrigao moral entendida como o alcance dos objetivos pr-fixados, atravs do
no-reconhecimento da complexidade dos problemas e desafios e suas implicaes
educacionais. Ou seja, no se assume compromisso pessoal, dedica-se to-somente
aplicao de conhecimentos pedaggicos de carter tcnico.
Enfim, o professor como profissional tcnico no encontra lugar em sua prxis para
uma resposta entre as exigncias administrativas, os interesses da comunidade e as
necessidades dos alunos.
Contreras aponta que tal prtica profissional no capaz de resolver problemas que
no possam ser interpretados como processo de deciso e atuao regulado atravs de um
conjunto de premissas, regras definidas e tcnicas. Portanto, no permite entender e
solucionar as situaes problemticas e freqentes da prtica cotidiana que envolve
imprevistos, incertezas, dilemas e situaes de conflito que demandam capacidades humanas
de deliberao, reflexo e conscincia.
Finalmente, segundo o autor,
ao assumir a legitimao tcnica de seu trabalho, embora suponha uma reao de defesa diante de responsabilidades excessivas, significa abandonar as preocupaes de sentido pelo que fazem, e pela funo do ensino, concentrando-se nas exigncias tcnicas do trabalho de sala de aula. No colocam em questo as bases sobre as quais se sustenta seu ensino (2002, p. 152).
De forma sucinta, a autonomia no modelo de atuao do especialista tcnico pode ser
caracterizada como um profissional que:
- enfatiza e valoriza a qualificao tcnica, encoberto pela aparncia de maior
qualificao profissional, podendo revelar-se um profissional descomprometido
com a funo social de seu trabalho.
- legitima suas decises a partir de seu conhecimento e habilidades tcnicas,
excluindo a participao dos outros setores sociais.
- neutraliza as questes de obrigao moral, transformadas em questes tcnicas
especializadas.
- transforma a autonomia na capacidade individual que o professor possui e em
seu privilgio de tomar decises a partir da definio unilateral dos valores e
interesses definidos pelo grupo profissional, aos quais deve responder a prtica
educativa.
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- sua autonomia sugere uma imagem de status pessoal do profissional
independente, de resistncia s influncias, associada imagem de uma relao
social de isolamento. O professor capaz de resolver e decidir atuaes
profissionais.
- o critrio profissional criado e decidido margem das pessoas no-
profissionais com as quais trabalha, a quem aplica a deciso posteriormente.
Baseado, portanto, na separao, na hierarquia e na imposio.
QUADRO 01 A Autonomia profissional no modelo do especialista tcnico
1. Especialista Tcnico: desenvolve uma prtica profissional baseada na aplicao de tcnicas derivadas de um conhecimento especializado, concebidas sob a perspectiva da racionalidade tcnica.
Obrigao moral
Rejeio de problemas normativos. Os fins e valores passam a ser resultados estveis e bem definidos os quais se esperam alcanar.
Compromisso com a comunidade
Despolitizao da prtica. Aceitao das metas do sistema e preocupao pela eficcia e eficincia em seu xito.
Dimenses da Profissio- nalidade do Professor
Competncia profissional
Domnio tcnico dos mtodos para alcanar os resultados previstos.
Concepo da Autonomia Profissional
Autonomia como status ou como atributo. Autoridade unilateral do especialista. No-ingerncia. Autonomia ilusria: dependncia de diretrizes tcnicas, insensibilidade para os dilemas, incapacidade de respostas criativas diante das incertezas.
Fonte: Contreras, 2000, p. 192
2.2.2 O professor como profissional reflexivo
Para Contreras, o resgate da base reflexiva na atuao profissional, com o objetivo de
entender a forma como realmente se abordam as situaes problemticas na prtica, a idia
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principal dessa concepo de atuao profissional: a capacidade de deliberao, reflexo e de
conscincia, ou seja, uma prtica reflexiva.
A proposta tenta dar conta da forma pela qual os profissionais enfrentam as situaes
conflitantes que no se resolvem por meio de repertrios tcnicos: solucionar situaes
incertas, instveis e singulares nas quais existem conflitos de valor a partir de atividades de
reflexo, com caractersticas prprias prtica profissional. A prtica do profissional
reflexivo, fundamentada na concepo de Schn, uma prtica consciente e deliberativa,
guiada pela busca da coerncia pessoal entre as atuaes e as convices (CONTRERAS,
2002, p.134).
O modelo do profissional reflexivo elaborado por Contreras concebido,
principalmente, a partir da releitura das descries das prticas profissionais reais observadas
e apresentadas por Schn, da viso dos professores como pesquisadores de Stenhouse e a da
perspectiva da viso aristotlica da racionalidade prtica em oposio racionalidade tcnica.
Segundo ele, Schn estabelece que a prtica profissional, na grande maioria das
vezes, no se encontra submetida lgica da aplicao de tcnicas e estratgias resultantes da
pesquisa. Ela se transforma, em si mesma, em um processo de explorao, em um dilogo
com a situao guiado pela reflexo.
Os conceitos de Schn de conhecimento na ao apontam que o conhecimento no
se aplica ao, mas est tacitamente personificado nela. J o conceito de reflexo na ao,
concebido como ocasies em que pensamos sobre o que fazemos, ou inclusive pensamos
enquanto estamos fazendo algo (2002, p.107), retomado por Contreras para permitir
entender e analisar a ao que se realiza e sua conseqente reconduo adequada.
Atravs dessas atividades e em funo de sua semelhana com casos anteriores, o
profissional desenvolve seu repertrio de expectativas, imagens e tcnicas que lhe servem de
base para as suas decises, aprendendo o que buscar e como responder ao que encontra. Essa
experincia a que alimenta seu conhecimento na prtica, tornando-o, atravs de estabilidade
e repetio, cada vez mais tcito e espontneo.
Porm, medida que o profissional se depara com situaes de conflito inditas e
que, para solucion-las, seu conhecimento acumulado e tcito se mostra insuficiente,
necessrio refletir sobre novas perspectivas de entender os problemas, maneiras no previstas
em seu conhecimento anterior.
Os processos podem ser de reflexo na ao imediatos ou mais prolongados,
transformando o profissional em pesquisador no contexto da prtica. Nessas ocasies, o
professor constri uma nova maneira de observar o problema de modo a lhe permitir atender
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as peculiaridades e decidir sobre o problema em sua singularidade. Assim sendo, a prtica
em si um modo de pesquisar, de experimentar com a situao para elaborar novas
compreenses adequadas ao caso, ao mesmo tempo em que se d a transformao da
situao (CONTRERAS, 2002, p. 111).
Contreras (p.109) aponta que o processo de reflexo em questo no visa somente
resoluo de problemas de acordo com determinados fins, mas tambm reflexo sobre quais
devem ser os fins, ou seja, qual o seu significado concreto em situaes complexas e
conflituosas. Isso realizado atravs da anlise das normas e critrios implcitos de avaliao
empregados ou da forma com que se entende e constri o papel profissional dentro do
contexto de atuao profissional.
Nesses casos, torna-se evidente que a prtica profissional reflexiva est guiada por
valores profissionais que cobram autntico significado, no como objetivos finais que devam
ser conseguidos como produto da ao, mas como critrios normativos que devam estar
presentes e ser realizados no prprio desempenho profissional.
A metfora do professor como artista tambm retomada por Contreras (2002,
p.112), interpretando-a como a possibilidade da atuao artstica ser entendida como prtica
humana, produto da meditao, da bagagem pessoal, da experimentao com as situaes da
reflexo na prtica, da inteno que se expressa como qualidades que guiam a busca e no
como resultados antecipados.
A viso do professor como artista expressa a qualidade da busca de realizao de
valores, experimentando-os na prtica, tomando conscincia de seus significados quando tenta
agir de acordo com eles. Entretanto, importante registrar que o autor sinaliza que Schn
no define uma concepo em relao ao papel ou funo que o artista deve desempenhar,
enquanto tal, no contexto social no qual desenvolve sua arte (2002, p. 148).
Contreras tambm destaca as semelhanas entre as concepes de Schn do
professor reflexivo e as idias de Stenhouse do professor como pesquisador, uma vez que
ambos se posicionam como opositores ao modelo da racionalidade tcnica. Segundo ele,
Schn se ope ao modelo de professor com especialista tcnico, enquanto que Stenhouse
aparece como opositor crtico ao modelo de objetivos de currculo, que reduz a conscincia
profissional dos professores e sua conseqente possibilidade de pretenso educativa. Nesse
caso, o autor apia os profissionais que experimentam situaes de ensino para busca de
processos com maior valor educativo, fazendo uso de autonomia de julgamento sustentada
pela pesquisa e orientada para o aperfeioamento de sua arte, na singularidade de cada caso
que enfrenta.
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s concepes de Stenhouse, Contreras interpreta:
O que os valores educativos significam algo aberto interpretao e ao julgamento na busca de situaes concretas. Representam uma aspirao ambiciosa, nunca plenamente realizada, que transforma o ensino em uma atividade que sempre pode ser melhorada. O que os valores significam na prtica e os seus possveis resultados no podem ser antecipados (2002, p. 116).
Portanto, para Contreras os valores educativos representam aspiraes e no
conquistas. Conseqentemente, a finalidade educativa no se resolve em objetivos que
expressam resultados, mas sim em finalidades enquanto critrios implcitos de valor e sua
traduo em princpios consistentes para a prtica que ajudem a dirigir os processos de ensino
em sala de aula.
Finalmente, Contreras tambm constri seu modelo de professor reflexivo na
concepo de racionalidade prtica aristotlica. Nela a deliberao prtica a disposio que
se desenvolve diante de problemas morais, de deciso sobre a forma de agir em relao ao que
bom para a vida humana, significando, na prtica, que os meios so escolhidos em funo
do seu valor em si mesmos. As prticas so dirigidas aos valores da prpria ao que se
considerem corretos para ela; para caracteriz-la e qualific-la. Em outras palavras, os valores
descrevem as caractersticas (ou princpios) por meio das quais a ao deve se guiar. Ou seja,
Da mesma forma que a atividade produtiva se guia pela tcnica e pelo conhecimento dado do qual se deriva, a ao que se dirige ao bem guiada pela prudncia (o julgamento prtico de deliberao ou fronesis), isto , pela atitude reflexiva e deliberativa em relao ao que bom para os seres humanos e como realiz-lo na prtica. Assim, racionalidade tcnica se ope, como a adequada para os assuntos humanos nos quais se busca o bem, a racionalidade prtica (CONTRERAS, 2002, p.124).
Portanto, a atuao mais bem adequada a cada caso no vem determinada pela posse
de tcnicas que se justificam porque do lugar a resultados que so diferentes da atuao do
docente. Ou seja, a boa atuao em si o que pretenderia a educao, porque ela que
realiza os valores de educao (ibidem).
importante, a essa altura, que se retome e tenha clara a concepo concreta do
profissional reflexivo, proposta por Schn e Stenhouse, na interpretao de Contreras (2002,
p.137). De modo sintetizado, temos:
1. Os professores reflexivos elaboram compreenses especficas dos casos
problemticos no prprio processo de atuao.
2. Trata-se de um processo que inclui:
a. deliberao sobre o sentido e valor educativo das situaes;
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b. meditao sobre as finalidades;
c. a realizao de aes prticas consistentes com a finalidade e valores educativos;
d. a valorizao argumentada de processos e conseqncias.
3. Chega-se, ento, ao desenvolvimento de qualidades profissionais que supem:
a. a construo de um conhecimento profissional especfico; e
b. a capacidade para desenvolver-se nessas situaes de conflito e incertezas que
consistem numa parte importante do exerccio de sua profisso.
4. Em termos aristotlicos, a perspectiva reflexiva aplicada aos docentes refere-se
capacidade de deliberao moral sobre o ensino, ou seja, busca de prticas concretas para
cada caso que sejam consistentes com as pretenses educacionais.
Contreras explica ainda que os profissionais realizam seu processo reflexivo sob
determinados referenciais relativamente estveis, assim identificados:
a. Linguagens, meios e repertrios, que usam para descrever a realidade e realizar
suas experincias.
b. Sistemas de apreciao ou valorizao, de que se valem para identificao de
situaes problemticas, para avaliao de suas indagaes e dilogos reflexivos.
c. Sistemas de compreenso geral, por meio dos quais do sentido aos fenmenos.
d. Definio de papis, pela qual suas tarefas so propostas e por meio da qual
fixam seu cenrio institucional. (p.138)
A partir do exposto, percebemos que Contreras constri a concepo de autonomia
do profissional reflexivo como forma de interveno concreta nos contextos da prtica. As
decises so produto de considerao da complexidade, ambigidade e conflituosidade das
situaes, quando so percebidas como um exerccio crtico de deliberao a partir de
diferentes pontos de vista.
Nesse contexto, a autonomia uma capacidade de construo permanente em uma
prtica de relaes, portanto se atualiza e se configura no mesmo intercmbio que a relao se
constitui. A autonomia no uma definio das caractersticas dos indivduos, mas a maneira
como estes se constituem pela forma de se relacionarem (p. 197). A autonomia entendida
como construo reflexiva num contexto de relao; atuao profissional baseada na
colaborao e entendimento. Essa situao demanda a construo de determinados contextos,
valores e prticas de colaborao.
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QUADRO 02 A Autonomia profissional no modelo do profissional reflexivo
2. Profissional Reflexivo
Obrigao moral
O ensino deve guiar-se pelos valores educativos pessoalmente assumidos. Define as qualidades morais da relao e da experincia educativa.
Compromisso com a comunidade
Negociao e equilbrio entre os diferentes interesses sociais, interpretando seu valor e mediando poltica e prtica entre eles.
Dimenses da Profissio- nalidade do Professor
Competncia profissional
Pesquisa/reflexo sobre a prtica. Deliberao na incerteza acerca da forma moral ou educativamente correta de agir em cada caso.
Concepo da Autonomia Profissional
Autonomia como responsabilidade moral individual, considerando os diferentes pontos de vista. Equilbrio entre a independncia de juzo e a responsabilidade social. Capacidade para resolver criativamente as situaes-problema para realizao prtica das pretenses educativas.
Fonte: Contreras, 2000, p.192.
2.2.3 O professor como intelectual crtico
Na percepo de Contreras, o modelo do professor reflexivo, cuja reflexo deixada a
seu prprio curso tende a no ir alm de sua prpria experincia, justifica a necessidade de
desenvolver uma reflexo crtica em mbito mais amplo.
A partir dessa limitao, o autor explica por que acredita que alguns estudiosos
sentiram a necessidade de dispor de uma anlise terica, uma teoria crtica que permitisse aos
professores perceberem qual a sua situao. Ele registra que nesse contexto comearam a
surgir novas propostas, e que foi Giroux (1983), baseado nas idias de Gramsci sobre o papel
dos intelectuais na produo e reproduo da vida social, quem melhor desenvolveu a idia
dos professores como profissionais intelectuais.
De uma forma sucinta, mas bastante pontual, o autor explica que, na concepo de
Giroux, o trabalho do professor um trabalho intelectual, em oposio s concepes
puramente tcnicas ou instrumentais. Ele prope a funo dos professores ocupados em uma
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prtica intelectual crtica, relacionada com os problemas e experincias da vida diria.
Entende que os professores devam desenvolver tambm as bases para a crtica e a
transformao das prticas sociais que se constituem ao redor da escola. Em outras palavras,
Contreras demonstra que a teoria de Giroux postula uma concepo de professores ligada
autoridade emancipadora, que por sua vez deva estar ligada s idias de liberdade, igualdade e
democracia.
A definio de professores como intelectuais, nesse contexto, envolve um
compromisso de
elaborar tanto a crtica das condies de trabalho quanto uma linguagem de possibilidades que se abram construo de uma sociedade mais democrtica e mais justa, educando seus alunos como cidados crticos e ativos, compromissados com uma vida individual e pblica digna de ser vivida, guiados pelos princpios de solidariedade e de esperana (CONTRERAS, 2002, p. 161).
No entanto, Contreras aponta que essa teoria tambm revela limites, entre eles a clara
posio que define a situao dos professores como intelectuais, mas no como professores
que esto presos aos limites de suas salas de aula poderiam chegar a construir semelhante
posio crtica em relao a sua posio (idem, p. 161). Ou seja, Giroux apresenta o
contedo de uma nova prtica profissional para os professores, mas no expressa as possveis
articulaes com experincia concreta desses profissionais.
Contreras alerta ainda que os processos de reflexo crtica e de emancipao podem
necessitar de influncias externas, em forma de teorias crticas ou em forma de ilustradores
que tragam o referido conhecimento. Essas influncias iriam colaborar para a reflexo dos
docentes, deixando transparecer que a emancipao dos professores depende de uma
autoridade (uma pessoa, uma teoria, etc.) que represente o contedo dos ideais de liberdade,
igualdade e democracia, e os modos de razo que no so formas de pensamento distorcidas.
Na viso do autor, esse suposto processo de emancipao corre o risco de se transformar em
um processo de unificao do pensamento e da prtica, mediante categorias fixas que
assumem o significado correto do projeto emancipador e os valores pelos quais se rege. Dessa
forma, podem encerrar vises dogmticas ou inteis, originando projetos e perspectivas que
pouco auxiliem no reconhecimento das dimenses da vida humana e profissional, que no se
deixem reduzir correo unificada e fixa de um contedo poltico.
Diante dos limites dessa teoria, Contreras orienta que a emancipao deveria
comear pela sensibilidade moral, pelo reconhecimento dos nossos prprios limites e da
parcialidade na forma de compreender os outros. Tal reconhecimento precisa ser buscado de
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forma auto-exigente e trabalhosa. Ele no espontneo, mas tambm no imposto ou
estabelecidos por verdades j libertadoras. No se trata, portanto, de uma autonomia auto-
suficiente, seno de uma aproximao da solidariedade.
O intelectual crtico, segundo Contreras, deveria construir sua autonomia na dialtica
entre as convices pedaggicas e as possibilidades de realiz-las, de transform-las nos eixos
reais do transcurso e das relaes de ensino. Para isso, deveria fazer uso de seu juzo
profissional deliberativo atravs da realizao de conversao reflexiva, do dilogo com as
pessoas com as quais trabalha, da reflexo e interpretao da comunidade escolar, dos
contextos sociais de sua atuao, tendo em mente suas convices, seus valores e funes
educativas, baseado na colaborao e entendimento, no na imposio.
Portanto, na concepo de Contreras, a autonomia profissional, como deliberao
reflexiva e como construo permanente, construda em um contexto de relaes, sob o
desejo de autono