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Ensaios Ceticos - Bertrand Russel.pdf

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Aimer et penser: cest la veritable vie des esprits.1 VOLTAIRE 1 Amar e pensar: eis a verdadeira vida das almas. (N.E.)PREFCIOJohn Gray1 Bertrand Russell sempre se considerou um ctico. Ao mesmo tempo, nunca duvidou que a vidahumana pudesse ser transformada com o uso da razo. Os dois pontos de vista no coexistemcomfacilidade.Entreosantigosgregos,oceticismofoiumcaminhoparaatranqilidadeinterna, no um programa de mudana social. No incio da era moderna, Montaigne ressuscitouo ceticismo para justificar seu afastamento da vida pblica. Para Russell esse distanciamentoeraimpensvel.DescendentedeumanobrefamliaWhig2seuav,olordeJohnRussell,introduziu o Grande Ato da Reforma que colocou a Inglaterra no caminho da democracia, em1832,tambmeranetodeJohnStuartMill.Areformaestavaemseusangue.Ento,eranaturalquetentassemostrarparasieparaosoutrosqueoceticismoeacrenanapossibilidadedeprogressonoprecisavamestaremdesacordo.Oresultadoestevolume,umacoletneadealgunsdosmaisbonitoseinteressantesensaiosescritosdalnguainglesa,nos quais tenta mostrar que a dvida ctica pode mudar o mundo.EmEnsaioscticos,Russellargumentaquedevemosestarpreparadosparareconheceraincerteza de nossas crenas. Quando especialistas em determinado campo no concordam, nosdiz ele, a opinio contrria no est certa; quando no esto de acordo, nenhuma opinio estcerta; e quando dizem que as bases so insuficientes para qualquer opinio assertiva, melhorsuspender o julgamento. Essas mximas so excelentes, porm o hbito da reserva intelectualqueelaspersonificamestlongedapaixodemonstradaporRussellnoseupapeldereformador.Umcticoemsuateoriadoconhecimento,eletinhaumaabordagemingnuaecrduladasquesteshumanas.Quandoseusinstintosreformistassurgiram,eleabraouasesperanaspolticasconvencionaiseosesquemasdesuapocacomfervormissionriorigoroso.IssoestbemilustradoemsuascorrespondnciascomJosephConradaocontrriodeRussell, um verdadeiro ctico. Em 1922, Bertrand Russell enviou a Conrad uma cpia de seulivro,TheProblemofChina(OproblemadaChina).Comomuitosoutrospases,aChinaentrounocaosapsaPrimeiraGuerraMundial.Comaemergnciadodesastre,Russelladvertiu,haviaapenasumanicaesperanaparaaChinaeparaorestodomundo.Asoluo dos problemas da humanidade estava no socialismo internacional. Conrad recusou-sea aceitar. O socialismo internacional, como escreveu para Russell, o tipo de doutrina qualno posso acrescentar qualquer espcie de significado definido. Prosseguiu:Afinal um sistema, nem muito recndito nem muito persuasivo(...) O nico remdio paraoschineses,eorestante,amudananocorao;mas,seexaminarmosahistriadosltimosmilanos,nohmuitasrazesparaesperarporisso,mesmoqueohomemtenhaaprendido a voar uma grande melhora, sem dvida, mas sem grandes mudanas. Ele novoa como uma guia; mas como um besouro. E voc deve ter observado quo feio, ridculoe tolo o vo de um besouro.RussellamavaConrad.Edescreveuseuprimeiroencontrocomoumaexperinciasemprecedentes(...)tointensaquantooamorapaixonado,eaomesmotempocompleta.SuaadmiraoporConraderaprofundaeduradoura;onomequedeuaseufilhoonobrehistoriadoreliberaldemocrataConradRussellfoiemsuahomenagem.EmsuaAutobiografia,RussellescreveuqueoscomentriosdeConradmostraramumasabedoriamaisprofundadoquedemonstreiemminhasesperanas,umtantoartificiais,deumasadamais feliz para a China. Porm, no conseguia aceitar o ceticismo de Conrad em relao spossibilidades do progresso.A tenso na perspectiva de Russell se aprofunda. Ao contrrio de muitos racionalistas, nemsempre via a cincia com reverncia e sem crticas. Como ctico da tradio de David Hume,ele sabia que a cincia dependia da induo de acreditar que, como o mundo regulado porcausa e efeito, o futuro ser como o passado. Como escreve no encantador ensaio A cincia supersticiosa?: Os grandes escndalosna filosofiadacinciadesdeapocadeHumetmsido causalidade e induo. Todos ns acreditamos em ambos, mas Hume deixou transparecerquenossacrenaumafcegaparaaqualnosepodeatribuirqualquerfundamentoracional.ParaRussell,comoparaHume,acreditaremcausaeefeitoumacrscimodecostumeehbitoanimais,pormsemosquaisnohporquetentarformularteoriascientficas.Oquestionamentocientficodependedacrenanacausalidade,quenopodesobreviver anlise racional. Em resumo, a cincia depende da f.A viso de Russell da cincia estava cercada por um conflito no resolvido. Em seu papelde reformista racional, via a cincia como a principal esperana da humanidade. A cincia eraa encarnao da racionalidade na prtica, e a propagao do ponto de vista cientfico tornariaa humanidademaisrazovel.Comofilsofoctico,Russellsabiaqueacincianopoderiatornar a humanidade mais racional, pois a prpria cincia produto de crenas irracionais.Deacordocomessapremissa,Russelldevetervistoacinciaemtermosestritamenteinstrumentaisepragmticos,comoumaferramentapelaqualossereshumanosexerceriamopoder sobre o mundo. Se no a via dessa maneira, era em parte porque sabia que muitos dosfinsparaosquaisacinciaerautilizadaeramprovavelmentedanosos.Grandepartedessesensaiosfoiescritanosanos1920,quandoaguerraestavasendofomentadanaEuropaenasia.Russellsabiaqueacinciaseriausadaparadesenvolvernovasarmasdedestruio.Insistia, para se assegurar, que isso no era inevitvel; a humanidade poderia escolher usar opoderdacinciacomfins benignos.Entretanto, no acreditava, claro,que a razo pudessedistinguir entre os bons e maus objetivos. Havia sido um ctico moral desde quando decidiraabandonar a crena de G.E. Moorenasqualidadesticasobjetivas,ereiteraaconvicodeHume,emdiversaspartesdestelivro,dequeosobjetivosdavidanopodemserdeterminados pela razo.Noensaio-chave,Podeohomemserracional?,invocaapsicanlisecomoummeioderesolver os conflitos humanos. Por estarmos cientes de nossos desejos inconscientes, segundoele, podemos ver com mais clareza como realmente somos, e desse modo por intermdio deumprocessoqueelenoexplicapassaraviveremmaiorharmoniaunscomosoutros.Escreve: Combinado a um treinamento do ponto de vista cientfico, esse mtodo poderia, seensinado de forma mais ampla, capacitar as pessoas a serem infinitamente mais racionais doquesohojearespeitodetodasassuascrenasobjetivas,esobreospossveisefeitosdequalqueraoproposta.Continua:E,seoshomensnodiscordassemsobretaisassuntos,muitoprovavelmenteconsiderariamasdiscordnciasremanescentespassveisdeajustesamigveis.AconfianadeRussellnosefeitospacificadoresdapsicanliseaomesmotempocomoventeecmica.Namedidaemqueumacincia,apsicanlisesimilaraqualqueroutro ramo do conhecimento. Pode ser utilizada com fins benficos ou prejudiciais. Os tiranospodem valer-se de uma melhor compreenso dos desejos humanos inconscientes para reforarseupoder,eosfomentadoresdaguerra,paraincitaroconflito.Osnazistasrejeitaramapsicanlise,pormutilizaramumentendimentorudimentardomecanismopsicanalticodeprojeoparaatingirosjudeuseoutrasminorias.Acinciadamentepodeserusadaparadesenvolver uma tecnologia da represso. Russell sabia disso, mas preferia no insistir nesseaspecto, por ele mostrar, de forma bastante clara, a debilidade de suas esperanas.Emsuascelebradasmemrias,MyEarlyBeliefs,MaynardKeynesdizqueRusselltinhaduascrenasabsurdamenteincompatveis:porumlado,acreditavaquetodososproblemasdomundooriginavam-sedomodopreponderadamenteirracionaldeosnegcioshumanosseremconduzidos;eporoutro,queasoluoerasimples,vistoquebastariatermosumcomportamento racional. Esta uma observao precisa, mas no creio que chegue ao cernedoquehdeerradocomoracionalismodeRussell.Adificuldadenoestemeletersuperestimadoograuderacionalidadedossereshumanos.Massim,segundoele,naimpotncia da razo.Conrad,nacartaemquecomentaolivrodeRussellsobreaChina,escreveu:nuncafuicapazdeleremlivroalgum,ououvirnaspalavrasdenenhumhomem,algosuficientementeconvincenteparacolocar-me,porummomentosequer,contrameusentimentoprofundodefatalidadequegovernaomundohabitadopelohomem.AadmiraoapaixonadadeRussellporConradpodetertidovriasfontes.Comcerteza,umafoiasuspeitadequeofatalismocticodeConraderaumacontribuiomaisverdadeiraparaavidahumanadoquesuaprpriacrenaproblemticanarazoenacincia.Comoumreformador,acreditavaquearazopoderiasalvaromundo.ComocticoseguidordeHume,sabiaquearazopoderiaapenasserescravadaspaixes.Ensaioscticosfoiescritoemdefesadadvidaracional.Atualmente, possvel l-lo como profisso de f, o testamento da cruzada de um racionalistaque duvidou do poder da razo. 1Escritorefilsofo,autordeAl-Qaedaeoquesignificasermoderno,Falsoamanhecereosequvocosdocapitalismoglobal, Isaiah Berlin, entre outros. (N.E.)2 Faco poltica que originou o Partido Liberal. (N.E.)1INTRODUO: O VALOR DOGostaria de propor para apreciao favorvel do leitor uma doutrina que pode, temo, parecerbastanteparadoxalesubversiva.Adoutrina,nessecaso,aseguinte:nodesejvelacreditar em uma proposio quando no existe nenhum fundamento para sup-la verdadeira.Devo,claro,admitirqueseessaopiniosetornassecomumtransformariacompletamentenossavidasocialenossosistemapoltico;umavezqueambossonomomentoirrepreensveis, esse fato poderia exercer presso contra eles. Estou, tambm, ciente (o que maisgrave)dequetenderiamadiminuirosganhosdosfuturlogos,corretoresdeapostas,bispos,entreoutros,quevivemdasesperanasirracionaisdaquelesquenadafizeramparamerecersorteaquiouemoutromundo.Sustento,apesardessasgravesproposies,quepossvel elaborar um argumento de meu paradoxo, e tentarei apresent-lo.Em primeiro lugar, gostaria de me defender da idia de ser considerado um extremista. SouumWhig,comamorbritnicopelocompromissoepelamoderao.Conta-seumahistriasobre Pirro de lida, fundador do pirronismo, antiga designao do ceticismo. Ele sustentavaque nunca sabemos o suficiente para estarmos certos se um curso de uma ao mais sbio doque outro. Na juventude, em uma tarde, durante um passeio, viu seu professor de filosofia (dequem absorveraseusprincpios)comacabea presaem um buraco,incapaz desair. Depoisdecontempl-loporalgumtempo,prosseguiu,argumentandoquenohaviafundamentosuficienteparapensarquefariaalgodebomaoretirarovelhohomemdoburaco.Outros,menos cticos, o salvaram, e acusaram Pirro de no ter corao. O professor, no entanto, fiel aseusprincpios,louvou-oporsuacoerncia.Noadvogoumceticismohericocomoesse.Estou preparado para admitir as crenas triviais do senso comum, na prtica, se no na teoria.Estou, tambm, preparado para admitir qualquer resultado bem estabelecido pela cincia nocomoverdadeiro,comcerteza,mascomoprovvelobastanteparaproporcionarumabasepara a ao racional. Se for anunciada a ocorrncia de um eclipse da lua em determinado dia,acho que vale a pena observar se est acontecendo. Pirro pensaria o contrrio. Nesse sentido,pode-se dizer que defendo uma posio intermediria.Existemassuntossobreosquaishconcordnciaentreospesquisadores;asdatasdoseclipsespodemservirdeilustrao.Existemoutrosassuntossobreosquaisosespecialistasdiscordam. Mesmo quando todos os especialistas concordam, tambm podem estar enganados.H vinte anos, a viso de Einstein da magnitude da deflexo da luz pela gravitao teria sidorejeitadaportodososespecialistas,eaindaassimprovouestarcerta.Masaopiniodosespecialistas, quando unnime, deve ser aceita pelos leigos como tendo maior probabilidadede estar certa do que a opinio contrria. O ceticismo que advogo corresponde apenas a: (1)quando os especialistas esto de acordo, a opinio contrria no pode ser tida como certa; (2)quandonoestodeacordo,nenhumaopiniopodeserconsideradacorretaporumno-especialista;e(3)quandotodosafirmamquenoexistembasessuficientesparaaexistnciade uma opinio positiva, o homem comum faria melhor se suspendesse seu julgamento.Essasproposiespodemparecermoderadas;noentanto,seaceitas,revolucionariamdemodo absoluto a vida humana.As opinies pelas quais as pessoas esto dispostas a lutar e seguir pertencem todas a umadas trs classes que esse ceticismo condena. Quando existem fundamentos racionais para umaopinio,aspessoascontentam-seemapresent-loseesperarqueatuem.Nessescasos,aspessoas no sustentam suas opinies de forma apaixonada; o fazem com calma, e expem suasrazes com tranqilidade. As opinies mantidas de forma passional so sempre aquelas paraas quais no existem bons fundamentos; na verdade, a paixo a medida da falta de convicoracionaldeseudefensor.Opiniessobrepolticaereligiosoquasesempredefendidasdeformaapaixonada.ComexceodaChina,umhomemconsideradoumapobrecriaturaamenosquepossuaopiniesfortessobretaisassuntos;aspessoasdetestamoscticosmuitomaisdoquedetestamosadvogadosapaixonadoscomopinieshostisssuasprprias.Acredita-se que as reivindicaes da vida prtica demandem opinies sobre essas questes, eque,senostornssemosmaisracionais,aexistnciasocialseriaimpossvel.Pensoocontrrio, e tentarei deixar claro por que tenho essa crena.Tomemos a questo do desemprego aps 1920. Alguns alegavam que era conseqncia dainiqidadedossindicatos;outros,queeradevidoconfusonocontinente.Umterceiropartido,emboraadmitissequeessascausastinhaminfluncia,atribuagrandepartedosproblemas polticado BankofEnglanddetentaraumentarovalordalibraesterlina.Entreestesltimos,soulevadoacrer,estavaamaioriadosespecialistas,masningummais.Ospolticosnoachamatraenteopontodevistaquenosepresteaodiscursopartidrio,eosmortaiscomunspreferemasperspectivasqueatribuammsortesmaquinaesdeseusinimigos. Como conseqncia, as pessoas lutam a favor e contra medidas bastante relevantes,enquantoospoucoscomopinioracionalnosoouvidosporquenocontribuemparaoestmulodepaixesalheias.Afimdeconverterpessoas,teriasidonecessriopersuadiropovodequeoBankofEnglandcruel.ParamudaraopiniodoPartidoTrabalhista,teriasidonecessriomostrarqueosdiretoresdoBankofEnglandsohostisaossindicatos;paraconverterobispodeLondres,teriasidonecessriomostrarquesoimorais.Oprximopasso teria sido demonstrar que suas vises sobre a moeda esto equivocadas.Vejamosoutroexemplo.Diz-se,comfreqncia,queosocialismocontrrionaturezahumana, e essa afirmao negada pelos socialistas com o mesmo calor com que o fazem seusoponentes.Ofalecidodr.Rivers,cujamortenofoilamentadaosuficiente,discutiuessaquesto em uma conferncia na University College, publicada no livro intitulado Psychologyand Politics. Essa a nica discusso que conheo sobre esse tpico que se pode chamar decientfica. Apresenta determinados dados antropolgicos que mostram que o socialismo no contrrionaturezahumananaMelansia;mostra,ento,quedesconhecemosseanaturezahumanaamesmanaMelansiaenaEuropa;econcluiqueanicaformadeconstatarseosocialismocontrrionaturezahumanaeuropiaseriaexperiment-lo.interessantequecombasenessaconclusoelepretendessesetornarcandidatodoPartidoTrabalhista.Mas,comcerteza,noteriaacrescentadonadaaoardorepaixonosquaisascontrovrsiaspolticas esto, de modo geral, envolvidas.Arriscar-me-eiagoraemumtpicoqueaspessoasachamaindamaisdifcildetratardeforma no apaixonada, ou seja: costumes matrimoniais. A maioria da populao de cada pasestconvencidade quetodososhbitosmatrimoniaisdiferentesdosseussoimorais, e queaqueles que combatem esse ponto de vista o fazem apenas para justificar suas prprias vidasdesregradas.Nandia,onovocasamentodevivasvisto,tradicionalmente,comoalgohorrvel demais para ser pensado. Nos pases catlicos, o divrcio considerado como algobastantevil,mas algumas falhas nafidelidadeconjugalsotoleradas,aomenosnoshomens.Na Amrica, o divrcio fcil, porm as relaes extraconjugais so condenadas com a maiorseveridade. Os seguidores de Maom acreditam na poligamia, que achamos degradante. Todasessasdiferentesopiniessomantidascomextremaveemncia,eperseguiesmuitocruissoinfligidasquelesqueasdesrespeitam.Contudo,ningum,emnenhumdosdiversospases,tentamostrarqueocostumedeseuprpriopascontribuimaisparaafelicidadehumana do que o hbito dos outros.Quandoabrimosqualquertratadocientficosobreoassunto,assimcomo(porexemplo)History of Human Marriage (Histria do casamento),deWestermarck,nosdeparamoscomumaatmosferaextraordinariamentediferentedopreconceitopopular.Encontramosaexistnciadetodasortedecostume,muitosdosquaisachamosrepugnantesparaanaturezahumana.Acreditamoscompreenderapoligamiacomoumcostumeinfligidosmulheresporhomens opressores. Mas o que dizer do costume tibetano, segundo o qual cada mulher possuivriosmaridos?Noentanto,osviajantesgarantemqueavidafamiliarnoTibetetoharmoniosaquantonaEuropa.Umpoucodessaleituradevelogoreduzirqualquerpessoaingnuaaototalceticismo,poisnoparecehaverdadosquepossibilitemafirmarqueumhbitomatrimonialmelhoroupiordoqueoutro.Quasetodosenvolvemcrueldadeeintolernciacontraaquelesqueofendemocdigolocal,masnopossuemnadamaisemcomum.Parecequeopecadogeogrfico.Apartirdestapremissa,hapenasumpequenopassoparaaconclusodequeanoodepecadoilusria,equeacrueldadehabitualmente praticada na sua punio desnecessria. Esta concluso no nada bem vindaparamuitos,poisaaplicaodacrueldadecomumaboaconscinciaumdeleiteparaosmoralistas. Eis por que inventaram o inferno.Onacionalismo,semdvida,umexemploextremodecrenafervorosasobreassuntosduvidosos.Creioquepodeserditocomseguranaquequalquerhistoriadorcientfico,aoescreveragoraahistriadaPrimeiraGuerra,estprestesafazerdeclaraesque,sefeitasdurante a guerra, o teriam exposto priso em cada um dos pases em luta em ambos os lados.Mais uma vez, com exceo da China, no h um pas onde o povo tolere a verdade sobre simesmo;nostemposdepaz,averdadeapenaspensadadeformadoentia,pormemtemposdeguerravistacomocriminosa.Sistemasopostoscomcrenasviolentassoconstrudos,cujafalsidadeevidentepelofatodequeosquenelesacreditamcompartilhamomesmopreconceitonacional.Masacredita-sequeaplicararazoaessessistemasdecrenatoperversoquantoanteseraoempregodarazoadogmasreligiosos.Quandoaspessoassoinquiridassobreomotivopeloqualnessasquestesoceticismoconsideradomalfico,anica resposta que os mitos ajudam a vencer guerras, de modo que uma nao racional seriaexterminada se no reagisse. A viso de que h algo vergonhoso em salvar a pele de algumpor calnia indiscriminada contra estrangeiros, tanto quanto eu saiba, no encontrou at agoranenhumsuporteentreprofissionaismoralistasforadaseitaquaker.Casosesugiraqueumanao racional encontraria meios de se manter longe de todas as guerras, a resposta em geraluma simples crtica.Qual seria o efeito da disseminao do ceticismo racional? Os eventos humanos nascem depaixes,quegeramsistemasconcomitantesdemitos.Ospsicanalistasestudaramasmanifestaesindividuaisdesseprocessoemlunticos,confirmadosenoconfirmados.UmhomemquesofreualgumahumilhaoinventaumateoriadequeoreidaInglaterra,edesenvolve todos os tipos de explicaes engenhosas por no ser tratado com o respeitoquesuaaltaposioexige.Nessecaso,seusvizinhosnosimpatizamcomsuailusoeentooencarceram.Masse,emvezdeafirmarapenassuaprpriagrandeza,eleasseverasseagrandezadesuanao,suaclasseoucredo,eleganhariaumamultidodeadeptos,esetornariaumlderpolticooureligioso,mesmose,paraoestrangeiroimparcial,suasvisesparecessemtoabsurdascomoasencontradasnoshospcios.Dessaforma,cresceumainsanidadecoletivaquesegueleisbastantesimilaressdainsanidadeindividual.Todossabemos que perigoso argumentar com o luntico que acredita ser o rei da Inglaterra, mas seele for isolado, pode ser subjugado. Quando toda uma nao compartilha uma iluso, sua raiva do mesmo tipo da de um indivduo luntico se suas pretenses forem questionadas, mas nadaseno a guerra pode for-la a se submeter razo.Os psiclogos discordam bastante sobre a questo da contribuio dos fatores intelectuaisnocomportamentohumano.Existemduasquestesbemdistintas:(1)Oquantoascrenasatuamcomocausasdasaes?(2)Oquantoascrenasresultamdeevidncialgicaadequada, ou so capazes de derivar delas? Em ambas as questes, os psiclogos concordamematribuirumespaobemmenoraosfatoresintelectuaisdoqueumhomemcomum,pormnessaconcordnciageralhlugarparadiferenasconsiderveisdegradao.Tomemosasduas questes sucessivamente.(1) O quanto as crenas atuam como causas da ao? No discutiremos de forma terica aquesto, mas observaremos um dia rotineiro na vida de um homem comum. Ele comea por selevantar pela manh, talvez por fora do hbito, sem a interveno de qualquer crena. Tomaseucaf,pegaotrem,lojornalevaiparaotrabalho,tudoporforadohbito.Houveumtemponopassadoquandoeleformouesseshbitos,enaescolhadotrabalho,pelomenos,acrenateveumaparticipao.Eletalvezacreditasse,nessapoca,queotrabalhooferecidoera to bom quanto se poderia esperar. Para a maioria dos homens, a crena desempenha umpapel na escolha original da carreira e, por conseguinte, todas as implicaes dessa escolha.Noescritrio,seeleforumsubordinado,podecontinuaraagirapenasporcostume,semvontade ativa e sem a interveno explcita de um credo. Pode-se pensar que, se acrescentarpilhasdenmeros,elecrnasregrasaritmticasqueemprega.Masissotambmseriaumerro;essasregrassoapenashbitos do corpo,comosoosdeumjogadordetnis.Foramadquiridosnajuventude,enodacrenaintelectualdequecorrespondiamverdade,masparaagradaraoprofessor,assimcomoumcachorroaprendeasentarnaspatastraseiraseapedir comida. No digo que toda educao seja desse tipo, porm a bsica, com certeza.Se,entretanto,nossoamigoforumsciooudiretor,podesersolicitado,duranteodia,atomardecisespolticasdifceis.Nessasdecisesprovvelqueacrenatenhaumaparticipao. Ele acredita que algumas coisas melhoraro e outras ficaro piores, que fulano um homem honesto e o outro est beira da falncia. Age sob essas crenas. justamente poragir sob crenas e no por mero hbito que considerado um homem mais importante do queumsimplesfuncionrio,ecapazdeganharmuitomaisdinheirodesdequesuascrenassejam verdadeiras.Na sua vida domstica haver a mesma proporo de ocasies provocadas pelas crenas.Emcircunstnciascomuns,seucomportamentoparacomsuamulherefilhosserdominadopelo hbito, ou pelo instinto modificado pelo hbito. Em situaes mais importantes quandopropuser casamento, escolher uma escola para o filho, ou encontrar motivos para suspeitar dafidelidadedesuamulhernopoderserconduzidoapenaspelohbito.Aoproporcasamento, ele pode ser guiado por mero instinto, ou influenciado pela crena de que a mulherrica.Seforconduzidopeloinstinto,semdvidaacreditaqueamulherpossuitodasasvirtudes, e isso pode lhe parecer ser a causa de sua ao, porm, na verdade, outro efeito doinstinto que, sozinho, suficiente para contribuir para essa ao. Ao escolher uma escola paraofilho,talvezeleprocedadeformabastantesemelhantesdifceistomadasdedecisonosnegcios;aquiacredita,emgeral,desempenharumpapelimportante.Setiverevidnciasindicandoquesuamulherfoiinfiel,seucomportamentotalvezsejapuramenteinstintivo,porm o instinto foi acionado por uma crena, que a primeira causa de tudo o que se segue.Assim,emboraasconvicesprofundasnosejamresponsveisdiretaspormaisdoqueuma pequena parte de nossas aes, aquelas pelas quais o so esto entre as mais importantes,edeterminam,emgrandeparte,aestruturageraldenossasvidas.Emespecial,nossasaespolticas e religiosas esto associadas a crenas.(2)Abordoagoraanossasegundaquesto,queporsimesmodupla:(a)Oquanto,defato,estoascrenasbaseadasemevidncias?(b)Oquantopossveloudesejvelqueestejam?(a)Ascrenasestobemmenosbaseadasemevidnciasdoqueoscrdulossupem.Vejamos o tipo de ao mais prximo do racional: o investimento de dinheiro por um cidadorico.Vocperceber,comfreqncia,quesuaviso(digamos)sobreaquestodaaltaouquedadofrancofrancsdependedesuassimpatiaspolticase,contudo,essassimpatiassotoarraigadasqueeleestpreparadoaarriscarseudinheiro.Nasfalncias,quasesempreparecequealgumfatorsentimentalfoiacausaoriginaldaruna.Asopiniespolticasdificilmentesobaseadasemevidncias,excetonocasodeservidorespblicos,queestoproibidosdeexpress-las.Existem,semdvida,excees.Nacontrovrsiadareformatarifria, que comeou h 25 anos, a maioria dos fabricantes apoiou o lado que aumentaria suaprpriareceita,mostrandoquesuasopiniesestavamnaverdadefundamentadasemevidncias,pormenosquesuasdeclaraeslevassemaessasuposio.Temosaquiumacomplicao. Os freudianos nos acostumaram a racionalizar, ou seja, o processo de inventaroquenospareceserabaseracionalparaumadecisoouopinioque,defato,bastanteirracional.Masexiste,emespecialnospasesdelnguainglesa,umprocessocontrrioquepode ser chamado de irracionalidade. Um homem astuto resumir, de forma mais ou menossubconsciente,osprseoscontrasdeumaquestodeumpontodevistaegosta.(Asconsideraes altrustas quase nunca pesam no subconsciente, a no ser quando os filhos estoenvolvidos.)Parachegaraumadecisoegostasaudvelcomaajudadoinconsciente,umhomem inventa, ou adota de outros, um conjunto de frases bem pomposas para mostrar comoest buscando o bem pblico custa do imenso sacrifcio pessoal. Quem acreditar que essasfrases exprimem suas verdadeiras razes deve imaginar que o bem no resultar de sua ao.Nesse caso, um homem parece menos racional do que ; o que ainda mais curioso: sua parteirracionalconsciente;eaparteracional,inconsciente.Esseotraodenossocarterquetornou ingleses e americanos to bem-sucedidos.A astcia, quando genuna, pertence mais parte inconsciente do que parte consciente denossa natureza. Ela , suponho, a principal qualidade necessria para o sucesso nos negcios.Do ponto de vista moral, uma qualidade insignificante, pois sempre egosta; no entanto, suficienteparamanteroshomenslongedospiorescrimes.Seosalemesativessem,noteriamadotadoumafortecampanhasubmarina.Seosfrancesesapossussem,noteriamsecomportado como o fizeram em Ruhr. Se Napoleo a tivesse, no teria recomeado uma guerraaps o Tratado de Amiens. uma regra geral que pode ser estabelecida e para a qual existempoucas excees: quando as pessoas esto equivocadas sobre o que seu prprio interesse, ocaminhoqueacreditamserprudentemaisperigosoparaosoutrosdoqueopercursorealmenteinteligente.Portanto,tudooquelevaaspessoasajulgaremmelhorseusprpriosinteressesbenfico.Existeminmerosexemplosdehomensfazendofortunaporque,embasesmorais,fizeramalgoqueacreditavamsercontrrioaseusprpriosinteresses.Porexemplo, entre os primeiros quakers, vrios lojistas adotaram a prtica de no pedir mais porsuas mercadorias do que estavam decididos a aceitar, em vez de barganhar com cada cliente,como todos faziam. Eles adotaram essa prtica porque consideravam uma mentira pedir maisdoquepoderiamreceber.Masaconveninciaparaosclienteseratograndequetodosvinham para suas lojas e eles ficaram ricos. (Esqueci onde li isso, porm se minha memria til foi em alguma fonte confivel.) A mesma poltica poderia ter sido adotada por esperteza,mas na verdade ningum era astuto o bastante. Nosso inconsciente mais malevolente do quepareceser;poressemotivo,aspessoasqueagemtotalmentedeacordocomseusinteressesso as que, de maneira deliberada, com fundamentos morais, fazem o que acreditam ser contraseu interesse. Em seguida, esto as pessoas que tentam pensar de forma racional e conscienteem relao a seu prprio interesse, eliminando, o mximo possvel, a influncia da paixo. Emterceirolugar,vmaspessoasquepossuemespertezainstintiva.Porfim,aquelascujamalevolnciaultrapassaaastcia,levando-asabuscararunadosoutrospormeiosqueconduzemsuaprpriaruna.Estaltimacategoriainclui90porcentodapopulaodaEuropa.Possoterfeito,dealgumaforma,umadigressodomeutpico,maseranecessriodistinguirarazoinconsciente,chamadadeastcia,davariedadeconsciente.Osmtodoscomuns de educao quase no tm efeito sobre o inconsciente, de modo que a esperteza nopodeserensinadapornossatcnicaatual.Amoralidade,excetoaqueconsisteemmerohbito,tambmparecedesqualificadaparaserensinadapelosmtodosatuais;dequalquerforma, jamais observei qualquer efeito benfico naqueles expostos a estmulos freqentes. Poresse motivo, em nosso trabalho, hoje, qualquer melhora deliberada deve ser trazida por meiosintelectuais. No sabemos como ensinar as pessoas a serem astutas ou virtuosas, mas sabemos,com limitaes, como ensin-las a serem racionais: apenas necessrio reverter a prtica dasautoridades em educao em todos os detalhes. Podemos no futuro aprender a gerar virtude aomanipularglndulassemduto,eimpulsionaroudiminuirsuassecrees.Masnomomentomaisfcilcriarracionalidadedoquevirtudeentendendo-seporracionalidadeohbitocientfico da mente de prever os efeitos de nossas aes.(b)Issometrazquesto:oquantopodemoudevemasaeshumanasserirracionais?Tomemosprimeiroodevem.Existemlimitesbemdefinidos,paramim,dentrodosquaisaracionalidadeprecisaestarconfinada;algunsdosmaisimportantessegmentosdavidasoarruinadospelainvasodarazo.Leibniz,quandoestavamaisvelho,disseaumcorrespondente que apenas uma vez pedira uma mulher em casamento, quando tinha cinqentaanos.Felizmente,acrescentou,elapediuumtempoparapensar.Eissotambmmedeualgumtempoparaponderar,eretireiminhaoferta.Semdvidasuacondutafoibastanteracional, mas no posso dizer que a admiro.Shakespeare reuniu o luntico, o amante e o poeta, todos com imaginao substancial. Oproblema ficar com o amante e o poeta, sem o luntico. Darei um exemplo. Em 1919, vi Asmulheres de Tria encenada no Old Vic. Existe uma cena insuportavelmente pattica, na qualAstianaxcondenadomortepelosgregospormedodequesetorneumsegundoHeitor.Quase todos choravam no teatro e a platia achou a crueldade dos gregos, na pea, difcil deacreditar.Noentanto,essasmesmaspessoasquechoravamestavam,naquelemomento,praticando a mesma crueldade em uma escala que a imaginaodeEurpidesjamaispoderiacontemplar.Haviamacabadodevotar(amaioriadelas)emumgovernoqueprolongavaobloqueioAlemanhaapsoarmistcioeimpunhaobloqueioRssia.Sabia-sequeessesbloqueioscausariamamortedeumgrandenmerodecrianas,masdesejavamdiminuirapopulaodospasesinimigos:ascrianas,comoAstianax,poderiamcrescereimitarseuspais. O poeta Eurpides despertara o amante na imaginao da platia; mas o amante e o poetaforam esquecidos na porta do teatro, e o luntico (na forma de manaco homicida) controlavaas aes polticas desses homens e mulheres que se acreditavam bons e virtuosos. possvel preservar o amante e o poeta sem conservar o luntico? Em cada um de ns, ostrsexistememgrausvariados.Estariamelestoligadosquequandoumfossemantidosobcontrole os outros pereceriam? No acredito nisso. Creio que em cada um de ns existe umacerta energia que deve encontrar expresso em aes no inspiradas pela razo, mas que podeexprimir-senaarte,noamorapaixonado,ounodioapaixonado,deacordocomascircunstncias. A respeitabilidade, a regularidade e a rotina as disciplinas de ferro fundidona sociedade industrial moderna atrofiaram o impulso artstico e aprisionaram o amor de talformaqueelenopodemaissergeneroso,livreecriativo,massimsufocanteefurtivo.Ocontrolefoiaplicadoaquestesquedeveriamserlivres,enquantoainveja,acrueldadeeodiodisseminaram-seamplamentecomabnodequasetodososbispos.Nossosistemainstintivoconsistededuaspartesaquetendeaimpulsionarnossavidaeadenossadescendncia,eaquelapropensaaseoporsvidasdenossossupostosrivais.Aprimeiraincluiaalegriadeviver,oamor,eaarte,queso,dopontodevistapsicolgico,umaderivaodoamor.Asegundaincluicompetio,patriotismoeguerra.Amoralidadeconvencionalfaztudoparasuprimiraprimeiraeencorajarasegunda.Averdadeiramoralidadeprocederiaexatamenteaocontrrio.Nossasrelaescomaquelesqueamamospodemserentregues,comsegurana,aoinstinto;enossarelaocomaquelesqueodiamosdeveserpostasobodomniodarazo.Nomundomoderno,aquelesaquemefetivamenteodiamos so grupos distantes, em especial naes estrangeiras. Ns os concebemos de formaabstrataenosenganamosaocrerqueosatos,quesonaverdadeencarnaesdodio,sopraticadosporamorjustiaouporalgummotivonobre.Apenasumagrandedosedeceticismopoderasgarosvusqueescondemdensessaverdade.Tendoalcanadoisso,podemoscomearaconstruirumanovamoralidade,quenoestejabaseadanainvejaenarestrio,masnodesejodeumavidacompleta,eaperceberqueoutrossereshumanossouma ajuda e no um impedimento, depois que a loucura da inveja for curada. Isso no umaesperanautpica;foiemparterealizadanaInglaterraelisabetana.Poderiaseralcanadaamanh, se os homens aprendessem a perseguir sua prpria felicidade e no o infortnio dosoutros. Isso no uma moralidade austera impossvel; no entanto, sua adoo faria da terra umparaso.2SONHOS EIAinflunciadenossosdesejosemnossascrenasquestodeconhecimentoeobservaocomuns;contudo,anaturezadessainfluncia,demodogeral,malinterpretada.costumesupor que a maioria de nossas crenas origina-se de alguma base racional, e o desejo apenasumaforaperturbadoraocasional.Oexatoopostodissoestariamaisprximodaverdade:agrandemassadecrenaspelasquaissomosapoiadosemnossavidacotidianaapenasrepresenta o desejo, corrigido aqui e ali, em pontos isolados, pelo simples choque dos fatos.O homem , em seu cerne, um sonhador despertado algumas vezes por um momento atravs dealgumelementopeculiarmentedesagradveldomundoexterno,mascaindo,logo,maisumavez, na alegre sonolncia da imaginao. Freud demonstrou como nossos sonhos noturnos so,emgrandeparte,arepresentaodasatisfaodenossosdesejos;eledisse,comamesmaproporodeverdade,omesmosobreossonhosdiurnos;etalveztenhaincludoossonhosdiurnos que chamamos crenas.Existemtrsmeiospelosquaisessaorigemnoracionaldenossasconvicespodeserdemonstrada:aviadapsicanlise,que,comeandopelacompreensodoinsanoedahistrica,deixaclaro,deformagradual,quopouco,naessncia,essasvtimasdadoenadiferemdaspessoascomunssaudveis;depois,existeocaminhodosfilsofoscticos,quemostramcomo frgilaevidnciaracionalat para nossas crenasmaisvalorizadas;e, porfim, a via da observao comum dos homens. Proponho considerarmos apenas a ltima destastrs.Osmaisprimitivosselvagens,comosetornaramconhecidospelostrabalhosdeantroplogos, no esto tateando na ignorncia consciente por entre os fenmenos que sabemnocompreender.Aocontrrio,possueminmerascrenas,mantidascomfirmezaparacontrolartodasassuasaesmaisimportantes.Elesacreditamqueaocomeracarnedeumanimaloudeumguerreiropossveladquirirasvirtudesdavtimaquandoestavaviva.Muitoscremquepronunciaronomedeseuchefeumsacrilgioquepodetrazermorteinstantnea;chegamapontodealterartodasaspalavrasnasquaisasslabasdeseunomeocorrem; por exemplo, se tivssemos um rei chamado Caio, deveramos falar de um caiongocomo(diramos)Carlongo,esapucaioporsapucarlo3.tambmQuandoprogridemnaagricultura,eoclimatorna-seimportanteparaosuprimentodealimentos,acreditamquepequenos feitios ou acender pequenas fogueiras podero fazer chover ou o sol raiar. Cremque quando um homem assassinado, seu sangue ou sua alma persegue o assassino at ele sevingar, porm pode ser enganado por um simples disfarce como uma pintura vermelha no rostooupondoluto4.Aprimeirapartedestacrenaoriginou-se,semdvida,entreaquelesquetemiam o assassinato, e a segunda, entre os que o haviam cometido.Tampouconossascrenasirracionaisestolimitadasaosselvagens.Agrandemaioriadaraa humana possui opinies religiosas diferentes das nossas, e, portanto, sem fundamento. Aspessoasinteressadasempoltica,comexceodospolticos,tmconvicesapaixonadassobreinmerasquestesquepodemparecernopassveisdedecisesracionaisaqualquerindivduonopreconceituoso.Trabalhadoresvoluntriosemumaeleiodisputadasempreacreditamqueseuladovencer,noimportaquerazopossaexistirparaesperaraderrota.Nohdvidadeque,nooutonode1914,aimensamaioriadanaoalemestavaabsolutamente certa da vitria da Alemanha. Nesse caso, o fato se imps e dissipou o sonho.Masse,dealgumaforma,todososhistoriadoresnoalemespudessemserimpedidosdeescreverduranteosprximosduzentosanos,osonhoseriarestaurado:osprimeirostriunfosseriam relembrados, ao passo que o desastre final seria esquecido.A cortesiaaprticadorespeitoscrenasdoshomensrelacionadas,emespecial,comseus prprios mritos ou os de seu grupo. Todo homem, onde quer que v, est acompanhadode uma nuvem de convices reconfortantes, que se move com ele como moscas em um dia devero.Algumasdessasconvicessopessoais:falamdesuasvirtudeseexcelncias,docarinhodosamigoserespeitodeseusconhecidos,dasperspectivasagradveisdesuacarreira,esuacrescenteenergiaapesardasadedelicada.Aseguirvmasconvicesdaexcelncia de sua famlia: como seu pai possui uma retido inflexvel, hoje rara, e criou seusfilhos com uma austeridade alm da encontrada entre os pais modernos; como seus filhos sobem-sucedidos nos jogos da escola, e sua filha no o tipo de garota que far um casamentoimprudente.Depoisestoascrenassobresuaclasse,que,segundosuaposio,amelhorsocialoumoralmente,ouamaisinteligente,dasclassesdacomunidadeemboratodosconcordem que o primeiro desses mritos mais desejvel do que o segundo, e o segundo doque o terceiro. Em relao sua nao, tambm, quase todos os homens compartilham ilusesreconfortantes.Asnaesestrangeiras,sintodiz-lo,agemsdeacordocomseusinteresses,disseosr.Podsnap,expressando,comessaspalavras,umdosmaisprofundossentimentosdocoraodohomem.Porfim,chegamossteoriasqueexaltamahumanidade,em geral, seja de forma absoluta ou comparadas criao bruta. Os homens tm almas, aopassoqueosanimaisno;oshomenssoanimaisracionais;qualqueraoespecialmentecruelouartificialchamadabrutaloubestial(emborataisaessejamnaverdadedistintivamente humanas)5; Deus fez o homem sua prpria imagem, e o bem-estar do homem a razo final do universo.Temos, assim, uma hierarquia de crenas reconfortantes: as que so privadas do indivduo,as que ele compartilha com sua famlia, as que so comuns sua classe ou nao, e por fim asquesoigualmentemaravilhosasparatodaahumanidade.Sedesejamosterumbomrelacionamento com os homens, devemos respeitar essas crenas; no podemos, portanto, falardeumhomemdiantedelecomofaramospelascostas.Adiferenaamplia-semedidaqueaumenta sua distncia de ns. Ao falar com um irmo, no precisamos de cortesia conscienteemrelaoaseuspais.Anecessidadedecortesiaatingeomximoaofalarmoscomestrangeiros,ecansativoapontodeserparalisanteparaosqueestoapenasacostumadoscom os compatriotas. Lembro-me de ter sugerido uma vez a um americano que nunca viajaraque talvez houvesse alguns pequenos pontos nos quais a constituio inglesa fosse melhor doque a dos Estados Unidos. Ele se sentiu instantaneamente tomado de crescente dio; e, jamaistendoouvidoantestalopinio,nopodiaimaginarquealgumamantivessecomseriedade.Fomos ambos descorteses, e o resultado foi desastroso.Masoresultadodofracassodacortesia,porpiorquetenhasidonocontextodaocasiosocial, admirvel do ponto de vista da construo de mitos. Existem duas formas nas quaisnossascrenasnaturaissocorrigidas:umaocontatocomofato,comoquandonosenganamos e confundimos um fungo venenoso com um cogumelo e sofremos em conseqnciadisso;eoutra,quandonossascrenasentramemconflito,nodeformadireta,comosfatosobjetivos, mas com crenas opostas de outros homens. Um homem acredita ser correto comerporco,masnocarnedevaca;outrocomecarnedevaca,pormnodeporco.Oresultadousualdessadiferenadeopiniotemsidooderramamentodesangue;masaospoucosestsurgindoumaopinioracionaldequetalveznenhumadelassejarealmentepecado.Amodstia,ocorrelativodacortesia,consisteempretendernopensarmelhorsobrensmesmos e nossos bens, menosprezando o homem com o qual estamos falando e seus pertences.ApenasnaChinaessaartecompreendidaemsuaplenitude.Soubeque,seperguntaraummandarimchinspelasadedesuamulherefilhos,eleresponder:aquelaprostitutacontemplativaesuacriaabjetaesto,comosuaMagnificnciasedignaserinformado,desfrutandodeperfeitasade6.Masessaelaboraodemandaumaexistnciadignaedisponibilidade de tempo; impossvel nos rpidos, porm importantes, contatos de negciosou poltica. As relaes com outros seres humanos dissipam, passo a passo, os mitos de todos,menos os dos mais bem-sucedidos. O conceito pessoal desfeito pelos irmos; o da famlia,peloscolegasdeescola;oconceitodeclasse,pelospolticos,eodenaoderrotadonaguerraounocomrcio.Masoconceitodohomempermanecee,nesseenfoque,noquedizrespeito ao efeito da relao social, a faculdade de construir mitos livre. Contra essa formade iluso, uma correo parcial pode ser encontrada na cincia; contudo, a correo s podeser parcial, pois sem alguma credibilidade a cincia desmoronaria e entraria em colapso.IIOssonhosdeumhomemoudeumgrupopodemsercmicos,masossonhoshumanoscoletivos,paransquenopodemosultrapassarocrculodahumanidade,sopatticos.Ouniversomuitovasto,comorevelaaastronomia.Nopodemosdizeroqueexistealmdoqueostelescpiosmostram.Massabemosquedeumaimensidoinimaginvel.Nomundovisvel,aViaLcteaumfragmentominsculo;e,nessefragmento,osistemasolarumapartculainfinitesimal,e,dessapartcula,nossoplanetaumpontomicroscpico.Nesseponto, pequenas massas impuras de carbono e gua, de estrutura complexa, com algumas raraspropriedades fsicas e qumicas, arrastam-se por alguns anos, at serem dissolvidas outra veznos elementos de que so compostas. Elas dividem seu tempo entre o trabalho designado paraadiar o momento de sua dissoluo e a luta frentica para acelerar o de outras do mesmo tipo.Asconvulsesnaturaisdestroemperiodicamentemilharesoumilhesdelas,eadoenadevasta, de modo prematuro, mais algumas. Esses eventos so considerados infortnios; masquandooshomensobtmxitoaoimporsemelhantedestruioporseusprpriosesforos,regozijam-se e agradecem a Deus. Na vida do sistema solar, o perodo no qual a existncia dohomemtersidofisicamentepossvelumaporominsculadotodo;masexistealgumarazoparaesperarquemesmoantesdesseperodoterminarohomemtenhapostofimsuaexistncia por seus prprios meios de aniquilao mtua. Assim a vida do homem vista defora.Mastalvisodavida,comosabemos,intolervel,edestruiriaaenergiainstintivapelaqual o homem persiste. A forma que encontraram para escapar dessa cruel perspectiva foi pormeiodareligioedafilosofia.Pormaisestranhoeindiferentequeomundoexternopossaparecer,somosassegurados,poraquelesquenosconsolam,dequeexisteharmoniasoboconflitoaparente.Todolongodesenvolvimentodanebulosaoriginallevar,supomos,ohomemaopicedoprocesso.Hamletumapeabastanteconhecida,noentanto,poucosleitores lembraro da fala do primeiro marinheiro, que consiste em quatro palavras: Deus oabenoe,senhor.Maspresumaumasociedadedehomenscujonicotrabalhonavidafossedesempenharessepapel;suponhaqueestivessemisoladosdocontatocomosHamlets,HorcioseatGuildensterns:elesnoinventariamsistemasdecrticaliterriasegundoosquaisasquatropalavrasdoprimeiromarinheirofossemoncleodetodaatrama?Nopuniriamcomignomniaouexilariamqualquerumdesuaespciequesugerissequeoutraspartestivessemtalvezigualimportncia?Eavidadahumanidadeassumeumaproporomenor do universo que a fala do primeiro marinheiro de Hamlet, mas no podemos ouvir portrs das cenas o resto da pea, e sabemos muito pouco sobre os personagens da trama.Quando refletimos sobre a humanidade, pensamos basicamente em ns mesmos como seusrepresentantes;portanto,temosapreoporelaeachamosimportantesuapreservao.Osr.Jones, um comerciante no-conformista, est certo de que merece a vida eterna, e o universoque lhe negar isso ser intoleravelmente perverso. No entanto, quando pensa no sr. Robinson,oconcorrenteanglicano,quemisturaareiaaoacarenegligenteparacomosdomingos,reflete que o universopode,semdvida,levaracaridadelongedemais.Paracompletarsuafelicidade,existeanecessidadedofogodoinfernoparaosr.Robinson;dessaforma,aimportnciacsmicadohomemestpreservada,pormadistinovitalentreamigoseinimigosnoestobliteradaporumabenevolnciauniversalfraca.Osr.Robinsontemomesmo ponto de vista com os papis invertidos, e resulta na felicidade geral.Nos dias anteriores a Coprnico, no havia necessidade de sutileza filosfica para manter avisoantropocntricadomundo.OcuvisivelmentegiravaemtornodaTerra,enaTerraohomem dominavatodososanimaisdocampo.Mas quando aTerra perdeu a posiocentral,tambmohomemfoidepostodesuaeminncia,etornou-senecessrioinventarametafsicaparacorrigirascruezasdacincia.Essatarefafoirealizadapeloschamadosidealistas,quesustentamqueomundodamatriaaparnciairreal,enquantoarealidadeMenteouEspritotranscendeamenteouespritodofilsofocomoeletranscendeohomemcomum.Alm de no haver lugar como a prpria casa, esses pensadores nos garantem que todo lugarassemelha-senossacasa.Damelhorformapossvel,ouseja,emtodasastarefasquecompartilhamoscomofilsofoemquesto,somosumcomouniverso.Hegelgarantequeouniverso parece o Estado prussiano de seus dias; seus seguidores ingleses o consideram maisanlogo democracia plutocrtica bicameral. As razes oferecidas para esses pontos de vistasocamufladascomcuidadoparaocultar,atdeseusautores,aconexocomosdesejoshumanos: derivam, nominalmente, de fontes ridas como a lgica e a anlise de proposies.Mas a influncia dos desejos conhecida pelas falcias perpetradas, que se inclinam todas emumadireo.Quandoumhomemacrescentaumacontribuio,temmaiorprobabilidadedecometerumerroaseufavordoqueemseudetrimento;e,quandoumhomemraciocina,estmaisaptoaincorreremfalciasafavordeseusdesejosdoquedefrustr-los.Assim,noestudo dos pensadores abstratos so seus erros que do a chave de sua personalidade.Muitospodemcontestarque,mesmoqueossistemasinventadospeloshomensnosejamverdadeiros,soinofensivosereconfortantes,enodevemserperturbados.Porm,naverdade,nosoinofensivos,eoconfortoquetrazemcompradocomcarinhopelainfelicidade previsvel que leva os homens a tolerar. O mal da vida surge em parte de causasnaturais,eempartepelahostilidadedohomememrelaoaoutroshomens.Nostemposantigos, a competio e a guerra eram necessrias para garantir alimentos, que podiam apenasserobtidospelosvencedores.Atualmente,graasaodomniodasforasdanaturezaqueacinciacomeouater,haveriamaisconfortoefelicidadeparatodossenosdedicssemosconquista da natureza e no um do outro. A representao da natureza como amiga, e algumasvezes at como aliada em nossas lutas com outros homens, obscurece a verdadeira posio dohomem no mundo, e desvia suas energias da busca do poder cientfico, que a nica luta quepode trazer bem-estar contnuo raa humana.Alm de todos os argumentos utilitrios, a busca da felicidade com base em crenas falsasno nem muito nobre nem muito gloriosa. H uma completa felicidade na firme percepo denosso verdadeiro lugar no mundo, e um drama mais vvido do que qualquer um possvel paraaquelesqueseescondemportrsdascortinasfechadasdomito.Existemmaresperigososno mundo do pensamento, que podem apenas ser navegados por aqueles que desejam encararsuaprpriaimpotnciafsica.E,sobretudo,existealibertaodatiraniadoMedo,quedestrialuzdodiaemantmoshomenshumilhadosecruis.Nenhumhomemestlivredomedosenoousaverqualseulugarnomundo;nenhumhomempodeatingiragrandezadeque capaz at que tenha se permitido ver sua pequenez. 3OtrocadilhousadonooriginalcomonomedoreiJohncomaspalavrasjonquil(junquilho)edungeon(calabouo)nasquais h a substituio de John por George, como segue: george-quil e dun-george. (N.T.)4 Ver o captulo The Mark of Caim no Folk-lore in the Old Testament, de Frazer. (N.A.)5 Compare com O estranho misterioso de Mark Twain. (N.A.)6 Isso foi escrito antes de minha ida China. No seria verdadeiro na China que visitei (em 1920). (N.A.)3A CINCIA SUPERSTICIOSA?A vida moderna est construda sobre a cincia em dois aspectos. Por um lado, dependemos,todos,dasinvenesedescobertascientficasparanossasubsistnciadiriaeparanossosconfortosediverses.Poroutro,certoshbitosdamente,ligadosperspectivacientfica,disseminaram-se de forma gradual nos ltimos trs sculos, por intermdio de poucos homensgeniais,paragrandessetoresdapopulao.Essasduasoperaesdacinciaestounidasquando consideramos perodos de tempo suficientemente longos, porm ambas podem existirumasemaoutraporvriossculos.AtofimdosculoXVIII,ohbitocientficodamentenoafetavamuitoavidacotidiana,poisnohavialevadosgrandesinvenesquerevolucionaram a tcnica industrial. Por sua vez, o modo de vida produzido pela cincia podeser assumido por populaes que tenham apenas certos rudimentos prticos de conhecimentocientfico; tais populaes podem fabricar e utilizar mquinas inventadas em outro lugar, e atmesmofazerpequenasmelhoriasnelas.Seaintelignciacoletivadahumanidadesedegenerasse, o tipo de tcnica e a vida cotidiana que a cincia produziu sobreviveria apesardisso,bemprovvel,pormuitasgeraes.Masnosobreviveriaparasempre,pois,sesofresse um srio desequilbrio em virtude um cataclismo, no poderia ser reconstrudo.A perspectiva cientfica, portanto, uma questo importante para a humanidade, para o bemouparaomal.Masessaperspectivadupla,comoaperspectivaartstica.Ocriadoreoapreciadorsopessoasdiferentesedemandamhbitosmentaisbemdiversos.Ocriadorcientfico,comoqualqueroutro,estaptoaserinspiradoporpaixesparaasquaisdexpressointelectualequivalenteaumafnodemonstrvel,semaqualprovavelmenteconseguiriamuitopouco.Oapreciadornoprecisadessetipodef;podeverascoisasdeforma proporcional e fazer as reservas necessrias, e ver o criador como uma pessoa rude ebrbara,comparadoasimesmo.medidaqueacivilizaosedifundeesetornamaistradicional,existeumatendnciadoshbitosdamentedoapreciadordeconquistarosquepodemsercriadores,eoresultadoacivilizaoemquestotornar-sebizantinaeretrospectiva. Algo dessa ordem parece estar comeando a acontecer na cincia. A f simplesque mantinha os pioneiros est desintegrando-se no centro. As naes distantes, como as dosrussos, dos japoneses e dos jovens chineses, ainda do as boas-vindas cincia com o fervordo sculo XVII; assim como o faz grande parte das populaes das naes ocidentais. Mas oaltoclerocomeaadesinteressar-sepelaadoraoqualestoficialmentededicado.Odevoto e jovem Lutero reverenciava um papa que fosse um livre-pensador, que permitisse queboisfossemsacrificadosaJpiternoCapitlioparapromoversuarecuperaodadoena.Ento,nosdiasdehoje,osqueestolongedoscentrosdeculturapossuemumarevernciapela cincia que seus profetas no mais sentem. O materialismo cientfico dos bolcheviques,comooinciodoprotestantismoalemo,umatentativadepreservaraantigadevoonaformaemquetantoamigosquantoinimigosacreditamsernova.MassuacrenafebrilnainspiraoverbaldeNewtonapenasacelerouapropagaodoceticismocientficoentreoutroscientistasburguesesdoOcidente.Acincia,comoatividadereconhecidaeencorajadapeloEstado,tornou-sepoliticamenteconservadora,excetoonde,comonoTennessee, o Estado permaneceu pr-cientfico. Atualmente, a ffundamentaldamaioriadoshomensdacinciaresidenaimportnciadepreservarostatusquo.Emconseqncia,pretendem reivindicar para a cincia nada mais do que lhe devido e conceder grande partedas reivindicaes a outras foras conservadoras, como a religio.Depararam-se, contudo, com uma grande dificuldade. Enquanto os homens da cincia so,na maior parte, conservadores, a cincia ainda o principal agente das mudanas rpidas nomundo. As emoes suscitadas pela mudana na sia, frica e entre as populaes industriaisdaEuropasoquasesempredesagradveisparaosconservadores.Porisso,surgeumahesitaosobrequalvalordacinciacontribuiuparaoceticismodoaltoclero.Sefossenico,poderianoserimportante.Masreforadoporautnticasdificuldadesintelectuaisque,sefosseminsuperveis,provavelmentelevariamaofimdaeradadescobertacientfica.Nodigoqueissoacontecerdeformasbita.ARssiaeasiapodemcontinuarpormaisum sculo a manter a f cientfica que o Ocidente est perdendo. Mais cedo ou mais tarde, seosargumentoslgicoscontraessafforemirrefutveis,convencerooshomensque,porqualquerrazo,possamestarnomomentodesgastados;e,umavezconvencidos,acharoimpossvelrecapturaraantigaefelizconfiana.Osargumentoscontraocredocientficomerecem, portanto, ser examinados com todo cuidado.Quandofaloemcredocientfico,noestoumencionandoapenasoqueestlogicamenteimplicado na viso, em geral, de que a cincia verdadeira; falo de algo mais entusistico emenos racional ou seja, o sistema de crenas e emoes que levam o homem a se tornar umgrande descobridor cientfico. A questo : podem essas crenas e emoes sobreviver entrehomensquepossuempoderesintelectuaissemosquaisadescobertacientficaseriaimpossvel?Dois novos livros bastante interessantes nos ajudaro a perceber a naturezadoproblema.Oslivrosso:MetaphysicalFoundationsofModernScience(Asbasesmetafsicasdacincia moderna)[1924],deBurtt, e ScienceandtheModernWorld(Acinciaeomundomoderno),deWhitehead(1926).Cadaumdelescriticaosistemadeidiasqueomundomoderno deve a Coprnico, Kepler, Galileu e Newton o primeiro, quase em sua totalidadedo ponto de vista histrico; o ltimo, tanto histrico quanto lgico. O livro do dr. Whitehead maisimportante,poisnoapenascrtico,masconstrutivo,eprocurafornecerbasesintelectuaissatisfatriasparaacincianofuturoquecorrespondam,aomesmotempo,emocionalmente,saspiraesextracientficasdahumanidade.Nopossoaceitarosargumentoslgicosapresentadospelodr.Whiteheadafavordoquepodeserchamadodeaparteagradveldesuateoria:aomesmotempoemqueadmitoanecessidadedeumareconstruo intelectual de conceitos cientficos, sou favorvel ao ponto de vista de que novosconceitosserotodesagradveisparanossasemoesnointelectuaisquantoosantigos,esero, assim, aceitos apenas pelos que tm uma tendncia emocional forte a favor da cincia.Mas vejamos qual o argumento.Existe,paracomear,oaspectohistrico.Noexisteumacinciaviva,dizodr.Whitehead, a no ser que haja uma convico instintiva muito difundida na existncia de umaordem dascoisas e,emespecial,deuma ordem daNatureza.Acinciapoderiaapenastersidocriadapeloshomensquejpossussemessacrenae,portanto,asfontesoriginaisdecrena devem ter sido pr-cientficas. Outros elementos tambm contriburam para construir amentalidade complexa necessria ao surgimento da cincia. A perspectiva da vida na Grcia,sustenta ele, era predominantemente dramtica e, assim, tendia a enfatizar mais o fim do que ocomeo: isso era uma desvantagem do ponto de vista cientfico. Em contrapartida, a tragdiagrega contribuiu para a idia de Destino, o que facilitou a viso de que os eventos tornam-senecessriospelasleisnaturais.ODestinonatragdiagregaconverte-senaordemdaNaturezanopensamentomoderno.Opontodevistadodeterminismofoireforadopelaleiromana. O governo romano, ao contrrio do despotismo oriental, agiu (pelo menos na teoria)deformanoarbitrria,massegundoregraspreviamenteestabelecidas.Domesmomodo,ocristianismo concebeu Deus atuando de acordo com leis, embora houvesse leis que o prprioDeuscriara.Tudoissofacilitouosurgimentodaconcepodeleinatural,umingredienteessencial na mentalidade cientfica.As crenas no cientficas que inspiraram o trabalho dos pioneiros dos sculos XVI e XVIIsoapresentadasdeformaadmirvelpelodr.Burtt,comaajudademuitasfontesoriginaispouco conhecidas. Parece, por exemplo, que a inspirao de Kepler deve-se, em parte, a umaespcie de adorao zoroastriana do Sol que adotou em um perodo crtico de sua juventude.Foi basicamente por motivaes como a deificao do Sol e sua correta posio no centro douniversoqueKepler,nosanosdeseufervoradolescenteeimaginaoentusiasmada,foiinduzido a aceitar o novo sistema. Ao longo da Renascena, existiu uma certa hostilidade aocristianismo, com base, sobretudo, na admirao pela Antigidade pag; no ousava exprimir-se de forma aberta como regra, mas levou, por exemplo, ao renascimento da astrologia, que aIgrejacondenavaporenvolverodeterminismofsico.Arevoltacontraocristianismoestavaassociadasuperstioquasetantoquantocinciaealgumasvezes,comonocasodeKepler, unio ntima de ambas.No entanto, existe outro ingrediente, igualmente essencial, porm ausente na Idade Mdia, eincomumnaAntigidadeouseja,uminteresseemfatosduradouroseinexorveis.Acuriosidade sobre os fatos encontrada nos indivduos antes da Renascena por exemplo, oimperadorFredericoIIeRogerBacon;masduranteoperodorenascentistatornou-se,derepente,comumentreaspessoasinteligentes.EmMontaigne,encontramosaausnciadeinteressepelaleinatural;porconseguinte,Montaignenoeraumhomemdacincia.Umamisturapeculiardeinteressesgeraiseparticularesestenvolvidanabuscadacincia;eoparticularestudadonaesperanadequepossalanarluzsobreogeral.NaIdadeMdia,acreditava-seque,emtese,oparticularpoderiaserdeduzidodosprincpiosgerais;naRenascena,essesprincpiosgeraiscaramemdescrdito,eapaixopelaAntigidadehistricaprovocouumforteinteressepelasocorrnciasparticulares.Esseinteresse,atuandonas mentes treinadas pelas tradies grega, romana e escolstica, produziu, afinal, a atmosferamental que tornou possvel um Kepler e um Galileu.Masnaturalquealgodessaatmosferacircundeseutrabalhoetenhachegadocomelesatseussucessoresnosdiasdehoje.AcincianuncaperdeusuaorigemnarevoluohistricadofimdaRenascena.Permaneceupredominantemente um movimento anti-racionalista baseado em uma f ingnua. O raciocniorequeridofoitomadodeemprstimodamatemtica,umarelquiasobreviventedoracionalismogrego,seguidodomtododedutivo.Acinciarepudiaafilosofia.Emoutraspalavras, jamais se preocupou em justificar sua f ou explicarseusignificado,epermaneceugentilmente indiferente refutao feita por Hume.A cincia pode sobreviver quando a separamos das supersties que nutrem os primrdiosdesuainfncia?Aindiferenadacinciafilosofiatemsidomotivo,claro,deseuimpressionante sucesso; aumentou a sensao de poder do homem, e tem sido agradvel, comoumtodo,adespeitodosconflitosocasionaiscomaortodoxiateolgica.Masemtemposbastante recentes, a cincia tem sido conduzida, por seus prprios problemas, a se interessarpelafilosofia.Issoespecialmenteverdadeironateoriadarelatividade,comsuafusodoespaoedotempoemumanicaordemdeeventosespao-tempo.Entretanto,tambmverdadeparaateoriadosquanta,comsuaaparentenecessidadedemovimentodescontnuo.Alm disso, em outra esfera, a fisiologia e a bioqumica esto fazendo avanos na psicologiaque ameaam a filosofia em um ponto vital; o behaviorismo do dr. Watson a ponta de lanadesseataque,que,enquantoenvolveoopostoaorespeitopelatradiofilosfica,noobstante, repousa necessariamente sobre uma nova filosofia prpria. Por tais razes, a cinciaeafilosofianopodemmaispreservarumaneutralidadearmada,masdevemseramigasouinimigas.Nopodemseramigas,seroamigasseacinciapassarnoexamequeafilosofiadeve estabelecer como suas premissas. Caso no possam ser amigas, destruiro uma a outra;no mais possvel que apenas uma domine o campo do conhecimento.Dr.Whiteheadfazduasproposiescomvistasaumajustificativafilosficadacincia.Porumlado,eleapresentadeterminadasconcepesnovas,pormeiodasquaisafsicadarelatividadeedosquantapodeserconstrudademodomaisintelectualmentesatisfatriodoquequalqueroutraresultantedecorreesfeitasaospoucosantigaconcepodamatriaslida.Essapartedotrabalho,emboraaindanodesenvolvidatotalmente,comoesperamos,estconcebidademodoamplonacincia,ecapazdeserjustificadapelosmtodosusuaisquenoslevamapreferirumainterpretaotericadeumconjuntodefatosaoutra.umadificuldadetcnica,enofalareimaissobreisso.Dopontodevistaatual,oaspectoimportantedotrabalhododr.Whiteheadsuapartemaisfilosfica.Elenoapenasnosofereceumacinciamaisapurada,masuma filosofia quetorna essa cincia racional,emumsentidonoqualacinciatradicionalnotemsidoracionaldesdeapocadeHume.Essafilosofia , em grande parte, bastante semelhante de Bergson. A dificuldade que sinto aqui a de at que ponto os novos conceitos do dr. Whitehead podem ser incorporados em frmulascapazesdeseremsubmetidasatestescientficosoulgicoscomuns,umavezqueelesnoparecemenvolversuafilosofia;suafilosofia,portanto,deveseraceitaporseusmritosintrnsecos. No devemos aceit-la apenas com base em qie, uma vez verdadeira, ela justificaacincia,poisopontoemquestoseacinciapodeserjustificada.Devemosexaminardiretamente se nos parece ser verdade de fato; e aqui nos encontramos circundados por todasas antigas perplexidades.Observarei apenas um ponto, mas que crucial. Bergson, como todos sabem, considera opassadocomoexistentenamemria,etambmsustentaquenadarealmenteesquecido;nesses pontos pareceria que o dr. Whitehead concorda com ele. Isso cabe muito bem ao modopoticodefalar,pormnopode(eudeveriaterpensado)seraceitocomoummodocientificamenteacuradodeassinalarosfatos.Casorelembrealgunseventosdopassadodigamos, minha chegada China uma mera figura de linguagem dizer que estou chegando Chinaoutravez.Determinadaspalavrasouimagensocorremquandoaslembro,eestorelacionadasaoqueestourelembrando,tantoporcausalidadequantoporcertasimilaridade,comfreqnciapoucomaisdoqueumasimilaridadedeestruturalgica.Oproblemacientficodarelaodalembranacomoeventopassadopermaneceintacto,mesmosepreferirmosdizerqueessalembranaconsistenasobrevivnciadeumeventodopassado.Porque,sedizemosisso,devemos,entretanto,admitirqueoeventomudounointervalo,eteremos de nos confrontar com o problema cientfico de encontrar as leis segundo as quais elemudou.Chamardelembranaumnovoacontecimentoouoantigoeventobastantealterado,no faz diferena para o problema cientfico.Os grandes escndalos na filosofia da cincia desde a poca de Hume tm sido causalidadeeinduo.Todosnsacreditamosemambos,pormHumedeixoutransparecerquenossacrena uma f cega qual no se pode atribuir qualquer fundamento racional. Dr. WhiteheadacreditaquesuafilosofiaofereceumarespostaparaHume.Kantfezomesmo.Sinto-meincapaz de aceitar ambas as respostas. No entanto, assim como todas as demais pessoas, nopossodeixardeacreditarquedeveexistirumaresposta.Essasituaoprofundamenteinsatisfatria,eaumentacadavezmaismedidaqueacinciamistura-semaiscomafilosofia.Devemosesperarqueumarespostasejaencontrada;porm,sinto-meincapazdeacreditar que isso j tenha ocorrido.Acincia,comoexistehoje,emparteagradveleempartedesagradvel.agradvelpelopoderquenosddemanipularnossoambiente,eparaumapequena,masimportante,minoriaprazerosaporqueproporcionasatisfaesintelectuais.Eladesagradvel,vistoque, por mais que procuremos disfarar o fato, assume um determinismo que envolve, em tese,opoderdepreverasaeshumanas;emrelaoaisso,parecediminuiropoderhumano.Naturalmente,aspessoasdesejammanteroaspectoagradveldacinciasemoaspectonegativo; mas at o momento as tentativas de fazer isso fracassaram. Se enfatizarmos o fato deque nossa crena na causalidade e na induo irracional, devemos inferir que no sabemosseacinciaverdadeira,equeelapode,aqualquermomento,cessardenosdarcontrolesobre o ambiente em benefcio daquilo que gostamos. Essa alternativa, entretanto, puramenteterica; no uma alternativa que um homem moderno possa adotar na prtica. Se, por outrolado,admitimosasreivindicaesdomtodocientfico,nopodemosevitaraconclusodequeacausalidadeeainduosoaplicveissvontadeshumanastantoquantoaqualqueroutracoisa.TudooqueaconteceuduranteosculoXXnafsica,fisiologiaepsicologiarefora esta concluso. O resultado parece ser que, embora a justificativa racional da cinciaseja teoricamente inadequada, no existe mtodo de garantir o que agradvel na cincia semoquedesagradvel.Podemosfazerisso,claro,aonosrecusarmosaenfrentarasituaolgica;mas,seassimfor,temosdeacabarcomoimpulsodadescobertacientficanafonte,queodesejodecompreenderomundo.Devemosesperarqueofuturoofereaalgumasoluo satisfatria para esse problema intrincado.4PODE O HOMEM SER RACIONAL?Tenho o hbito de me considerar um racionalista; e um racionalista, suponho, deve ser algumquedesejaqueoshomenssejamracionais.Masnosdiasdehojearacionalidaderecebeumuitos golpes duros e, por isso, difcil saber o que entendemos por racionalidade, ou, casosaibamos,sealgoqueossereshumanospossamalcanar.Aquestodadefiniodaracionalidadepossuidoislados,otericoeprtico:oqueumaopinioracional?Oqueuma conduta racional? O pragmatismo enfatiza a opinio irracional, e a psicanlise enfatiza acondutairracional.Amboslevaramaspessoasaperceberquenoexisteumidealderacionalidadecomoqualaopinioeacondutapossamestaremconformidadedeformavantajosa. A conseqncia parece ser que, se eu e voc tivermos opinies diferentes, intilapelarparaoargumento,oubuscaraarbitragemdeumaterceirapessoaimparcial;nohnada que possamos disputar pelos mtodos da retrica, da propaganda ou da guerra, segundo ograudenossasforasfinanceirasemilitares.Acreditoqueessaperspectivasejabastanteperigosa e, a longo prazo, fatal para a civilizao. Portanto, preciso esforar-me para mostrarque o ideal de racionalidade permanece inclume s idias que primeiro pensamos lhe seremfatais e que mantm toda a importncia que se acreditou anteriormente para ter como um guiapara o pensamento e a vida.Comearei analisando a racionalidade na opinio: devo defini-la apenas como o hbito deconsiderartodaevidnciarelevanteparachegar-seaumacrena.Quandoacertezaforinatingvel, um homem racional dar mais peso opinio mais provvel, e reter em sua menteasoutrasquepossuamumaprobabilidadeconsidervel,comohiptesesqueevidnciassubseqentespossamviramostrarpreferveis.Isso,claro,pressupequepossvelemmuitos casos analisar fatos e probabilidades por um mtodo objetivo isto , um mtodo quelevarduaspessoasmeticulosasaomesmoresultado.Issocomfreqnciaquestionado.Muitosdizemqueanicafunodointelectofacilitarasatisfaodosdesejosenecessidadesdoindivduo.OPlebsText-BooksCommittee,emseuOutlineofPsychology(Esboosobrepsicologia)(p.68),diz:Ointelectoacimadetudouminstrumentodeparcialidade.Suafunogarantirqueasaesbenficasparaoindivduoouaespciesejam realizadas, e que as aes menos benficas sejam inibidas (grifado no original).Mas os mesmos autores, nesse livro (p.123), declaram, mais uma vez em itlico: A f dosmarxistasdifereprofundamentedafreligiosa;altimabaseia-seapenasnodesejoenatradio;aprimeiraestfundamentadanaanlisecientficadarealidadeobjetiva.Issopareceinconsistentecomoquedizemsobreointelecto,amenosque,naverdade,queiramsugerir que no foi o intelecto que os levou a adotar a f marxista. De qualquer forma, comoadmitemqueaanlisecientficadarealidadeobjetivapossvel,devemadmitirquepossvel ter opinies que sejam racionais em um sentido objetivo.Outros autores eruditos que defendem um ponto de vista irracional, tais como os filsofospragmticos,nosoinfluenciadoscomtantafacilidade.Elesafirmamquenoexistefatoobjetivo com o qual nossas opinies devam estar em conformidade se forem verdadeiras. Asopinies,paraeles,soapenasarmasnalutapelaexistncia,easqueajudamumhomemasobreviverdevemserchamadasverdadeiras.EssaconcepoprevalecianoJapodosculo VI d.C., quando o budismo chegou a esse pas. O governo, em dvida sobre a verdadeda nova religio, ordenou a um dos membros da corte a adot-la de modo experimental; se eleprosperassemaisdoqueosoutros,areligiodeveriaseradotadauniversalmente.Esseomtodo(commodificaesparaseadaptaraostemposmodernos)queospragmticosadvogamemrelaoatodasascontrovrsiasreligiosas;e,noentanto,noouviissodeningumquetenhaanunciadosuaconversoparaafjudaica,emboraparealevarprosperidade mais rpido do que qualquer outra.Apesar da definio de verdade do pragmtico, ele sempre tem, todavia, na vida comum,um padro bem diferente para as questes menos refinadas que surgem nos assuntos prticos.Umpragmticonojrideumcasodeassassinatopesaraevidnciaexatamentedamesmaformaquequalqueroutrohomemfaria,masseadotasseocritrioqueprofessadeveriaconsiderarquem,napopulao,seriamaisvantajosoenforcar.Essehomemseria,pordefinio, culpado de assassinato, pois a crena na sua culpa seria mais til e, portanto, maisverdadeira,queacrenanaculpadequalqueroutro.Temoqueessepragmatismoprticoocorraalgumasvezes;soubedealgumastramasparaculparinocentes,naAmricaenaRssia, que correspondem a essa descrio. Mas nesses casos todos os esforos possveis sofeitos para encobri-las, e se falharem ocorre um escndalo. Esse esforo de ocultao mostraque mesmo a polcia acredita na verdade objetiva no caso do julgamento de um crime. essetipodeverdadeobjetivaumfatobastantemundanoelugar-comumquebuscadanacincia. Tambm o tipo procurado na religio, desde que as pessoas esperem encontr-la. Squando as pessoas tiverem perdido a esperana de provar que a religio verdadeira em umsentidodireto,elascomearoatrabalharparaprovarqueverdadeiraemalgumnovosentido. possvel estabelecer, de forma ampla, que o irracionalismo, ou seja, a descrena nofato objetivo, surja quase sempre do desejo de afirmar algo para o qual no h evidncia, oudenegaralgumacoisaparaaqualexistemevidnciasmuitoboas.Masacrenaemfatosobjetivos sempre persiste em relao a questes prticas particulares, tais como investimentosou contratao de funcionrios. E, se o fato puder ser o teste da verdade de nossas crenas emqualquer lugar, deve ser o teste em todos os lugares, levando ao agnosticismoondequerqueno se possa aplic-lo.Asconsideraesacimaso,bvio,bastanteinadequadasparaotema.Aquestodaobjetividade do fato tem sido dificultada pelo obscurecimento dos filsofos, com quem tentolidar de uma maneira mais completa em outro lugar. At o presente devo admitir que existemfatos, que alguns deles podem ser conhecidos, e a respeito de outros um grau de probabilidadepode ser verificado em relao aos que podem ser conhecidos. Nossas crenas so, contudo,quase sempre contrrias ao fato; mesmo quando apenas o sustentamos com a evidncia de que provvel, pode ser que devamos mant-lo como improvvel pela mesma evidncia. A partetericadaracionalidade,ento,consistirembasearnossascrenasnoqueconcerneobjetividadedasevidnciasmaisdoqueaosdesejos,preconceitosoutradies.Deacordocom o assunto em questo, um homem racional ser o mesmo que um jurista ou um cientista.Hquempensequeapsicanlisedemonstrouaimpossibilidadedesermosracionaisemnossas crenas ao apontar a estranha e quase luntica origem das convices alimentadas pormuitas pessoas. Tenho um respeito muito grande pela psicanlise, creio que pode ser bastantetil. Mas a mente comum perdeu de vista, de algum modo, o objetivo que inspirou em especialFreud e seus seguidores. Seu mtodo basicamente teraputico, uma forma de cura da histeriaedevriostiposdeinsanidade.Duranteaguerra,apsicanliseprovouser,delonge,otratamento mais potente para as neuroses de guerra. Instinct and the Unconscious,deRiver,fundamentadoamplamentenaexperinciadepacientescomdistrbiops-traumtico(shell-shock),nosforneceumabelaanlisedosefeitosmrbidosdomedoquandonopossvelentregar-se a ele de forma direta. Esses efeitos, claro, so em grande parte no intelectuais;incluemvriostiposdeparalisias,etodasasespciesdedoenasfsicasaparentes.Nomomento,noestamospreocupadoscomeles;onossotemasoasinsanidadesintelectuais.Achamosquemuitasdasilusesdoslunticosresultamdasobstruesinstintivas,eapenaspodem ser curadas por meios mentais isto , fazendo com que o paciente traga mente fatosqueestavamreprimidosnamemria.Essetipodetratamento,eaperspectivaqueoinspira,pressupeumidealdesanidade,doqualpartiuopaciente,eparaoqualdeveretornaraotornar conscientes todos os fatos relevantes, inclusive aqueles que mais deseja esquecer. Issoexatamenteoopostodaindolenteaquiescncianairracionalidadequealgumasvezesincitadaporaquelesquesabemapenasqueapsicanlisedemonstrouaimportnciadascrenas irracionais, e esquecem ou ignoram que seu propsito diminuir essa importncia porummtododefinidodetratamentomdico.Ummtodobastantesemelhantepodecurarasirracionalidadesdaquelesquenosoreconhecidamentelunticos,casosesubmetamaotratamento por um praticante livre de suas iluses. Entretanto, presidentes, ministros e pessoaseminentes raramente preenchem essa condio e, portanto, no se curam.At aqui temos considerado apenas o lado terico da racionalidade. O lado prtico, para oqualdevemosagoravoltarnossaateno,maisdifcil.Asdiferenasdeopinionasquestesprticassurgemdeduasfontes:primeiro,dasdiferenasentreosdesejosdoscompetidores;segundo,dasdiferenasemsuasestimativasdosmeiosderealizarseusdesejos.Asdiferenasdosegundotiposorealmentetericas,eprticasapenasporderivao.Porexemplo,algumasautoridadessustentamquenossaprimeiralinhadedefesadeveconsistiremnaviosdeguerra;outras,deaeronaves.Noexiste,aqui,diferenaemrelaoaofimproposto,asaber,adefesanacional,masapenasemrelaoaosmeios.Oargumentopode,assim,serconduzidodemodopuramentecientfico,poisadiscordncia,causa da disputa, somente em relao aos fatos presentes ou futuros, certos ou provveis. Atodosessescasosseaplicaotipoderacionalidadequechameideterica,apesardoenvolvimento da questo prtica.Existe,contudo,emmuitoscasosqueparecemestarincludosnessegrupo,umacomplicaobastanteimportantenaprtica.Umhomemquedesejaagirdedeterminadamaneira estar convencido de que por atuar assim alcanar um fim considerado bom, mesmoquando,senotivessetaldesejo,novisserazoparaessacrena.Eelejulgardeformabemdiferenteaobjetividadeeasprobabilidadesdaqueumhomemcomdesejoscontrriosjulgaria. Os jogadores, como todos sabem, so cheios de crenas irracionais em sistemas quedevemlev-losaganharalongoprazo.Aspessoasqueseinteressamporpolticaestoconvencidasdequeoslderesdeseupartidojamaisseroculpadosdetruquesdesonestoscomo os praticados por polticos da oposio. Homens que gostam de administraopensamquebenficoparaapopulaosertratadacomoumrebanhodecarneiros;homensquegostamdefumaralegamqueacalmaosnervos,ehomensquegostamdelcooldizemqueestimula a inteligncia. O vis produzido por tais causas falsifica os julgamentos dos homensem relao aos fatos de uma maneira difcil de evitar. Mesmo um artigo cientfico conhecidosobre os efeitos do lcool no sistema nervoso revelar, em geral, por evidncia interna, se oautor era ou no abstmio; em ambos os casos, ele tem uma tendncia a ver os fatos de modo ajustificar sua prpria prtica. Na poltica e na religio essas consideraes tornam-se bastanteimportantes. A maioria dos homens pensa que ao moldar as opinies polticas age pelo desejodo bem pblico; mas nove entre dez homens polticos podem ser previsveis pela forma comoganhamavida.Issolevoualgumaspessoasaafirmar,emuitasoutrasaacreditar,naprtica,que em tais assuntos impossvel ser objetivo, e que no h mtodo possvel seno uma lutapela supremacia entre as classes com tendncias opostas. apenas nesses assuntos, entretanto, que a psicanlise til, em especial, porque permiteao homem tornar-se ciente de uma tendncia at agora inconsciente. Fornece-nos uma tcnicapara nos vermos como os outros nos vem, e uma razo para supormos que essa viso de nsmesmos menos injusta do que estamos inclinados a pensar. Combinado a um treinamento dopontodevistacientfico,essemtodopoderia,seensinadodeformaampla,permitirspessoassereminfinitamentemaisracionaisdoquesohojearespeitodetodasassuascrenas objetivas e sobre os possveis efeitos de qualquer ao proposta. E se os homens nodiscordassemsobretaisassuntos,asdiscordnciasremanescentesseriamquasecomcertezapassveis de ajustes amigveis.Noentanto,permaneceumresduoquenopodesertratadopormtodospuramenteintelectuais. Definitivamente, os desejos de um homem no se harmonizam completamente comos de outro. Dois concorrentes na bolsa de valores podem estar plenamente de acordo sobrequalseriaoefeitodessaoudaquelaao,masissonoproduziriaaharmoniaprtica,poiscada um deseja ficar rico s expensas do outro. Contudo, mesmo aqui a racionalidade capazdeprevenirgrandepartedodanoquedeoutraformaocorreria.Chamamosumhomemdeirracional quando ele age de forma passional, quando ele, ao querer se vingar, faz mais mal asidoqueaooutro.Eleirracionalporqueseesquecedeque,parasatisfazerodesejoqueacabadesentircommaisintensidadenomomento,frustraoutrosdesejosquealongoprazoso mais importantes para si. Se os homens fossem racionais, eles optariam por um ponto devista mais correto sobre seus prprios interesses do que o fazem agora; e se todos os homensagissem no interesse prprio mais esclarecido, o mundo seria um paraso em comparao aoque . Eu no sustento que no haja nada melhor do que o interesse prprio como motivaoda ao; mas afirmo que o interesse prprio, como o altrusmo, melhor quando esclarecidodoquequandonoo.Emumacomunidadeordenada,bastanteraroointeressedeumhomem fazer qualquer coisa que seja muito danosa para os outros. Quanto menos racional umhomem,commenosfreqnciaperceberqueoquefereosoutrostambmofere,poisavontade cheia de dio ou inveja o cega. Portanto, embora no pretenda que o esclarecimentododesejoprpriosejaamoralidademxima,sustentoque,casosetornassecomum,converteria o mundo em um lugar incomensuravelmente melhor do que .Na prtica, a racionalidade pode ser definida como o hbito de relembrar todos os nossosdesejosrelevantes,enoapenasosqueparecemmaisfortesnomomento.Comoaracionalidade na opinio, uma questo de grau. A racionalidade total sem dvida um idealinatingvel,mas,desdequecontinuemosaclassificaralgunshomensdelunticos,ficaclaroque achamos alguns homens mais racionais do que outros. Acredito que todo progresso slidono mundo consiste no aumento da racionalidade, tanto prtica quanto terica. Preconizar umamoralidadealtrusticaparece-meumtantointil,porqueapelariasparaaquelesquejtivessem desejos altrustas. Mas apelar para a racionalidade de alguma forma diferente, umavez que a racionalidade nos ajuda a realizar nossos prprios desejos como um todo, quaisquerque sejam. Um homem racional na proporo em que sua inteligncia informa e controla seusdesejos.Creioque ocontroledenossas aespor nossainteligncia,emltimaanlise,omais importante e o que faria com que a vida social continuasse a ser possvel medida que acincia aumentasse os meios nossa disposio para nos ferirmos uns aos outros. A educao,a imprensa,apolticaeareligioemumaexpresso,todasasgrandesforasdomundoesto,nomomento,doladodairracionalidade;estonasmosdehomensqueadulamoreiDemosparadesencaminh-lo.Oremdionoestemnenhumcataclismoherico,masnosesforosindividuaisemdireoaumavisomaisseequilibradadenossasrelaescomnossosvizinhosecom omundo.nainteligncia,cadavezmaisdisseminada,quedevemosbuscar a soluo das doenas de que nosso mundo sofre.5A FILOSOFIA NO SCULO XXDesdeofimdaIdadeMdia,aimportnciasocialepolticadafilosofiatemdiminudodeforma constante. William de Ockham, um dos maiores filsofos medievais, foi contratado pelociser para escrever panfletos contra o papa; naquela poca, muitas questes cruciais estavamvinculadas disputa nas escolas filosficas. Os avanos da filosofia no sculo XVII estavammais ou menos conectados oposio poltica Igreja Catlica; Malebranche, verdade, erapadre, mas os padres no tinham permisso para aceitar sua filosofia. Os discpulos de Locke,naFranadosculoXVIII,eosbenthamitas,naInglaterradosculoXIX,eram,emgrandeparte, radicais extremos em poltica, e criaram o ponto de vista liberal burgus moderno. Masacorrelaoentreasopiniespolticasefilosficasreduz-semedidaqueprogredimos.HumeeraumTorynapoltica,emborafosseumradicalextremonafilosofia.ApenasnaRssia, que permaneceu na Idade Mdia at a revoluo, sobreviveu a clara conexo existenteentreapolticaeafilosofia.Osbolcheviquessomaterialistas,enquantoosbrancossoidealistas.NoTibeteaconexoaindamaisprxima;osegundofuncionrionoescalodoEstadochamadodemetafsico-chefe.Afilosofia,emoutroslugares,nomaistidaemto alta estima.A filosofia acadmica, em todo o sculo XX, est dividida principalmente em trs grupos.O primeiro consiste dos adeptos da filosofia alem clssica, de modo geral, Kant,e algumasvezesHegel.OsegundoestformadopelospragmticoseporBergson.Oterceiroconstitudo por aqueles que se vinculam s cincias, acreditando que a filosofia no possui umtraopeculiardeverdadeenenhummtodoparticulardeatingi-la;esseshomens,porconvenincia, podem ser chamados de realistas, embora na verdade existam muitos entre elesparaosquaisessenomenosejaaplicveldemodoestrito.Adistinoentreasdiferentesescolasnodefinida,eosindivduospertencememparteaumadelaseemparteaoutra.William James pode ser visto como o fundador tanto do realismo quanto do pragmatismo.Oslivrosrecentesdodr.Whiteheadempregamosmtodosdosrealistasnadefesadeumametafsicamaisoumenosbergsoniana.Muitosfilsofos,nosemapresentarrazessuficientes,vemasdoutrinasdeEinsteincomoinspiradorasdasbasescientficasparaascrenasdeKantnasubjetividadedotempoedoespao.Asdiferenas,defato,soentomenosclarasdoqueasdistinesnalgica.Noobstante,asdistinesnalgicasoteispara oferecer uma estrutura para a classificao das opinies.Oidealismoalemo,emtodoosculoXX,estevenadefensiva.Osnovoslivros,reconhecidosnosporprofessoresmastambmporoutraspessoascomoimportantes,representavam escolas mais novas, e uma pessoa que as tenha julgado por resenhas de livrospoderia imaginar que essas escolas tivessem agora o controle do pensamento filosfico. Mas,naverdade,amaioriadosprofessoresdefilosofianaAlemanha,FranaeGr-Bretanhatalvez no na Amrica ainda aderem tradio clssica. com certeza muito mais fcil paraum jovem chegar a um posto se pertencer a essa corrente do que se no o fizer. Seus oponentestentarammostrarqueelacompartilhavaainiqidadealem,equedealgumaformaforaresponsvel pela invaso da Blgica7. Mas seus adeptos eram muito eminentes e respeitveisparaqueessalinhadeataquefossebem-sucedida.Doisdeles,mileBoutrouxeBernardBosanquet,foram,atamorte,osporta-vozesoficiaisdafilosofiafrancesaebritnica,respectivamente,emcongressosinternacionais.Areligioeoconservadorismoprocuraram,sobretudo,essaescolaparadefesacontraaheresiaearevoluo.Elestmaforaeafraqueza daqueles que so a favor do status quo: a fora que vem da tradio e a fraqueza dafalta de frescor no pensamento.Nomundodelnguainglesa,essaposiofoiassumidaapenaspoucoantesdoinciodosculoXX.Comeceiaestudarfilosofiaseriamenteem1893,oanoemquefoipublicadoAppearanceandReality,deBradley.Bradleyfoiumdosquelutaramparaobterodevidoreconhecimento da filosofia alem na Inglaterra, e sua atitude estava bem longe da de algumquedefendaumaortodoxiatradicional.Paramim,assimcomoparaamaioriademeuscontemporneos, sua Logic e seu Appearance and Reality tiveram um apelo profundo. Aindavejo esses livros com grande respeito, embora h muito tenha deixado de concordar com suasdoutrinas.O ponto de vista do hegelianismocaracteriza-sepelacrenadequeapenasalgicapodenosdizerobastantesobreomundoreal.Bradleypartilhadessacrena;eledefendequeomundo,comopareceser,autocontraditrio,e,portanto,ilusrio,enquantoomundoreal,visto que deve ser logicamente autoconsistente, com certeza ter determinadas caractersticassurpreendentes. No pode ser no espao e no tempo, no pode conter uma variedade de coisasinter-relacionadas,nopodeconteregosseparadosouatograudedivisoentresujeitoeobjetoqueestenvolvidonoconhecimento.Consiste,assim,emumabsolutonico,eternamentecomprometidocomalgomaisanlogoaosentimentodoqueaopensamentoouvontade.Nossomundosublunarumailusoeoquenelepareceacontecernaverdadenoimporta.Essadoutrinadevedestruiramoralidade,pormamoralidadetemperamentaledesafiaalgica.Oshegelianosadvogamcomoseuprincpiomoralbsicoquedevemosnoscomportar como se a filosofia hegeliana fosse verdadeira; mas no percebem que se fosse realnosso comportamento no importaria.Oataqueaessafilosofiaveiodeduasvertentes.Deumladoestavamoslgicos,queapontaram as falcias em Hegel, e argumentaram que relaes e pluralidade, espao e tempo,no so de fato autocontraditrios. Do outro, estavam os que no gostam da arregimentao eda ordem envolvidas em um mundo criado pela lgica; e os mais importantes entre eles foramWilliamJameseBergson.Asduaslinhasdeataquenoeramlogicamenteinconsistentes,excetoemalgumasdesuasmanifestaesacidentais,mastinhamcaractersticasdiversas,einspiravam-se em diferentes tipos de conhecimento. Alm disso, o apelo era bem distinto; o deuma era acadmico, e o da outra, humano. O apelo acadmico argumentou que o hegelianismoerafalso:oapelohumano,queeleeradesagradvel.Naturalmente,oltimotinhamaissucesso popular.Nomundodelnguainglesa,amaiorinfluncianasuperaodoidealismoalemofoiWilliam James no como se tornou conhecido, em Psychology, mas por meio das sries depequenos livros que foram publicados nos ltimos anos de sua vida e aps a sua morte. Em umartigopublicadoemMind(Mente),hmuitotempo,em1884,reeditadoemumvolumepstumo de Essays in Radical Empirism8, ele manifesta sua tendncia temperamental com umcharme extraordinrio:Como ns, na maioria, no somos cticos, podemos prosseguir e confessar com franquezaunsparaosoutrososmotivosdenossasvriascrenas.Euconfessoosmeuscomfranquezanopossosenopensarquenofundosodesorteesttica,enolgica.Ouniversocompletoparecesufocar-mecomsuainfalveleimpecvelinvasototal.Suanecessidade,sempossibilidades;suasrelaes,semsujeitos,mefazemsentircomosetivesseentradoemumcontratosemdireitosreservados,oumelhor,comosetivessedeviver em uma grande pousada beira-mar sem quarto privado no qual pudesse me refugiardasociedadelocal.Tenhoplenaconscincia,almdomais,dequeaantigadisputaentrepecadoresefariseustemalgoavercomaquesto.Comcerteza,segundomeuconhecimento pessoal, nem todos os hegelianos no so puritanos, porm sinto, de algumaforma, como se todos os puritanos tivessem de terminar, se desenvolvidos, por se tornaremhegelianos.Existeumahistriadedoispadreschamados,porengano,pararealizaromesmofuneral.UmchegouprimeiroenofoialmdeEusouaressurreioeavida,quandoooutroentrou.Eusouaressurreioeavida,gritouoltimo.Afilosofiacompleta,comoexisteatualmente,noslembraessepadre.Parecempordemaisjanotascom seus colarinhos brancos apertados e barbeados em excesso para falar sobre o vasto elento cosmos inconsciente, com seus terrveis abismos e mars desconhecidas.Creio que podemos apostar que nenhum ser humano, exceto WilliamJames,teriapensadoemcompararohegelianismoaumapousadanapraia.Em1884,esseartigonoteveefeito,poisohegelianismoaindaestavasendoatualizado,eosfilsofosnohaviamaprendidoaadmitirqueseustemperamentosnotinhamrelaocomsuasopinies.Em1912(adatadareedio),ocenriohaviamudadoemmuitoscasosentreoutros,ainflunciadeWilliamJamessobreseusalunos.Nopossodizerqueotenhaconhecido,senosuperficialmente,excetoporseusescritos,masmeparecequepossveldistinguirtrstendnciasemsuanatureza,etodascontribuemparaformarseupontodevista.Altima,pormamaisimportante de suas manifestaes filosficas, foi a influncia de sua educao em fisiologia emedicina, que lhe deu um vis cientfico e ligeiramente materialista comparado aos filsofospuramenteliterriosprovenientesdePlato,AristteleseHegel.EssatendnciadominaPsychology,salvoempoucaspassagenscruciais,taiscomoadiscussodaliberdadedavontade.Osegundoelementodesuacomposiofilosficafoiovismsticoereligiosoherdado do pai e compartilhado com o irmo. Isso inspirou A vontade de crer e o interesse napesquisa fsica. O terceiro foi uma tentativa, feita com toda a honestidade de uma conscinciadaNovaInglaterra,deexterminarasexignciasexcessivasnaturais,quetambmpartilhavacomoirmo,esubstitu-lasporumsentimentodemocrticolaWaltWhitman.Aimpertinnciavisvelnacitaoacima,emqueexpressaohorrordeumapousadasemquarto privado (que Whitman teria amado). O desejo de ser democrtico visvel na alegaode ser um pecador, no um fariseu. Com certeza, no era fariseu, mas, com toda probabilidade,cometera alguns pecados, como todos os mortais. Nesse ponto, faltou-lhe a modstia usual.Aspessoasmelhorcapacitadasdevem,emgeral,suaexcelnciacombinaodequalidadessupostamenteincompatveis,eesseeraocasodeJames,cujaimportnciaeramaiordoquepensavaamaioriadeseuscontemporneos.Eledefendiaopragmatismocomoummtododeapresentaresperanasreligiosascomohiptesescientficas,eadotouaconceporevolucionriadequenoexistealgocomoaconscincia,comoformadesuperaraoposioentrementeematriasemqueumadelaspredomine.Nessesdoissegmentos de sua filosofia ele tinha diferentes aliados: Schiller e Bergson esto relacionadosaoprimeiro,eosnovosrealistas,aoltimo.ApenasDewey,entreoshomensproeminentes,concordavacomeleemambasasquestes.Osdoissegmentostmdiferenteshistriaseafiliaes, e devem ser considerados separadamente.AvontadedecrerdeJamesde1897eseuPragmatismo,de1907.OHumanismdeSchiller e Studies in Logical Theory datam, ambos, de 1903. Ao longo dos primeiros anos dosculoXX,omundofilosficoestavaentusiasmadocomopragmatismo;entoBergsonapostoumaisalto,aoapelarparaosmesmosgostos.Ostrsfundadoresdopragmatismodiferembastanteinterse;podemosdistinguirJames,SchillereDeweycomoprotagonistas,respectivamente,religioso,literrioecientficopois,emboraJamestivessemuitasvertentes, foi principalmente a vertente religiosa que encontrou abertura no pragmatismo. Masignoremos essas diferenas e tentemos apresentar a doutrina como uma unidade.Abasedadoutrinaumdeterminadotipodeceticismo.Afilosofiatradicionalprofessousercapazdeprovarasdoutrinasfundamentaisdareligio;seusadversriosdeclararam-seaptosarefut-lasou,nomnimo,comoSpencer,demonstrarquenopodiamserprovadas.Parece, entretanto, que, se no poderiam ser provadas, tambm no poderiam ser contestadas.EissopareciaserocasodemuitasdoutrinasquehomenscomoSpencerpensavamserinabalveis: causalidade, o reinado da lei, o valor da confiabilidade da memria,avalidadeda induoeassimpordiante.Todasessasdoutrinas,dopontodevistapuramenteracional,deveriam ser abraadas com iseno de julgamento dos agnsticos, pois, at o ponto em quepodemos constatar, so radicalmente incapazes de provar ou contestar. James argumentou que,comohomensprticos,nopodemosmanteradvidasobreessasquestessequeremossobreviver.Devemospresumir,porexemplo,queotipodecomidaquenosalimentounopassado no nos envenenar no futuro. Algumas vezes nos enganamos, e morremos. O teste deumacrenanoaconformidadeaofato,porquenuncaconseguimosalcanarosfatosenvolvidos; o teste o sucesso em promover a vida e a realizao de nossos desejos. Dessepontodevista,comoJamestentoumostraremAsvariedadesdaexperinciareligiosa,ascrenas religiosas, com freqncia, passam no teste e so, portanto, chamadas verdadeiras.No em nenhum outro sentido sustenta ele que as teorias que tm mais crdito na cinciapodem ser chamadas verdadeiras: elas funcionam na prtica, e tudo que sabemos sobre oassunto.Hmuitoasercomentadoquantoaessaviso,daformacomofoiaplicadaahiptesesgeraisdacinciaedareligio.Dadaumadefiniocuidadosadoqueseentendeporfuncionar, e a condio de que os casos envolvidos so aqueles sobre os quais no sabemosrealmenteaverdade,nohnecessidadedecontestaradoutrinanesseponto.Tomemosexemplosmaismodestos,emqueaverdadeincontestvelnotodifcildeobter.Suponhamosque,aoverumraio,podemosesperarescutarumtrovo,oujulgarqueoraioestavalongedemaisparaqueotrovopudesseserouvidoou,ento,esqueceroassunto.Oltimo o caminho mais sensato, mas suponhamos que voc adote um dos outros dois. Quandoouvirotrovo,suacrenaserconfirmadaourefutada,noporqualquervantagemoudesvantagemquelhefoitrazida,maspelofato,asensaodeescutarotrovo.Ospragmticosprestamatenoemespecialacrenasquesoincapazesdeseremconfirmadasporquaisquerfatosqueaconteamemnossaexperincia.Grandepartedasnossascrenasdiriassobreassuntosmundanosporexemplo,queoendereodefulanotaletalpodeserconfirmadaemnossaexperincia,enessescasosocritriopragmticodesnecessrio.Emmuitoscasos,comoodotrovo,citadonoexemploacima,noseaplica,poisaverdadeira crena no possui vantagem prtica sobre a falsa, e nenhuma delas to vantajosacomopensarsobreoutracoisa.umdefeitocomumdosfilsofosapreciarmaisgrandesexemplos dos os que acontecem na nossa vida comum e cotidiana.Emboraopragmatismonocontenha,emltimaanlise,averdadefilosfica,temcertosmritosimportantes.Primeiro,percebequeaverdadequepodemosalcanarapenasaverdadehumana,falvelemutvelcomotudonohomem.Oqueestforadociclodasocorrnciashumanasnoverdadeiro,massimacontecimentosfactuais(dedeterminadostipos).Averdadeumapropriedadedascrenas,eascrenassoeventosfsicos.Almdisso, sua relao com os fatos no tem a simplicidade esquemtica que a lgica presume; terdemonstradoissoosegundomritodopragmatismo.Ascrenassovagasecomplexas,enoapontamparaumfatopreciso,masparadiversasregiesvagasdefatos.Ascrenas,portanto,aocontrriodasproposiesesquemticasdalgica,nosoopostosdefinidoscomo verdadeiro ou falso, mas so uma nvoa de verdade e falsidade; possuem tons variadosde cinza, nunca brancos ou pretos. As pessoas que falam com reverncia da Verdade fariammelhorsefalassemsobreFatoepercebessemqueasqualidadesdarevernciaquehomenageiam no so encontradas nos credos humanos. Existem vantagens prticas e tericasnesseaspecto,poisaspessoasperseguemumasasoutrasemvirtudedeacreditaremquecon