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Ensinar Filosofia Jack MacIntosh Universidade de Calgary, Canadá Os professores ensinam duas coisas: os resultados da investigação e como obter mais resultados. Os professores de filosofia querem descobrir e transmitir verdades filosóficas e, mais importante ainda, querem transmitir a aptidão para obter resultados e para os distinguir de coisas parecidas como o absurdo e a falsidade. Daqui resultam dois quase paradoxos. Os resultados filosóficos são importantes, e os filosóficos geralmente têm perspectivas firmes e, esperam eles, bem pensadas sobre questões filosóficas. Mas eles querem que os estudantes adquiram a aptidão para formar opiniões justificadas por si próprios, ainda que o custo disto seja o disparate ocasional. Assim, os bons filósofos não se importam geralmente que os estudantes rejeitem as suas opiniões; na verdade, recebem isso braços abertos, desde que a discordância esteja bem fundamentada. Como todos os bons professores sabem, esta característica do processo pedagógico provoca muito nervosismo em alguns estudantes. Efectivamente, como todos os bons estudantes sabem, provoca também muito nervosismo em certos professores. O segundo semi-paradoxo diz respeito à tensão entre o que é ensinado e o modo como é ensinado. Os filósofos sublinham a persuasão racional, o discurso racional e o exame racional . Como disse Robert Boyle, «A filosofia, quando merece esse nome, não é senão Razão, aperfeiçoada pelo Estudo, pela Aprendizagem e pelo uso das coisas». Contudo, o modo como se transmite a importância da persuasão racional pode ter pouco a ver com a persuasão racional. Humor, ironia, analogia, tom, estrutura das frases, alusão, argumentos ad hominem e argumentos de autoridade, o entusiasmo e a confiança visível do professor, o grau de auto-motivação exigida ao estudante, e uma quantidade de outros factores, incluindo até a própria ordem em que se apresentam perspectivas opostas — tudo isto afecta a probabilidade de o estudante aceitar ou até compreender os aspectos apresentados. Até factores alheios ao intelectual, como a luz que há na sala ou a existência de correntes de ar, afectam a absorção e a aceitação. Pregar a primazia da razão envolve uma quantidade de métodos não racionais. Platão pensava que a filosofia só podia ser ensinada de alma a alma, e os encontros em pequenos grupos fornecem a melhor maneira de transmitir o que há de emocionante na prática filosófica e as aptidões necessárias para ela. Num tal contexto o estudante pode testar ideias em direcção à verdade, que serão então objecto de escrutínio construtivo pormenorizado por si próprio, pelos seus professores e pelos seus colegas. Contudo, as realidades do ensino tornam isto muitas vezes terrivelmente utópico. É difícil a uma alma falar com outra quando as almas estão amontoadas em grupos de 300. O que um político chamou «investimento negativo» nos fundos para o ensino, e a consequente deterioração do

Ensinar Filosofia

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Como ensinar filosofia

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Ensinar FilosofiaJack MacIntosh Universidade de Calgary, Canad

Os professores ensinam duas coisas: os resultados da investigao e como obter mais resultados. Os professores de filosofia querem descobrir e transmitir verdades filosficas e, mais importante ainda, querem transmitir a aptido para obter resultados e para os distinguir de coisas parecidas como o absurdo e a falsidade. Daqui resultam dois quase paradoxos. Os resultados filosficos so importantes, e os filosficos geralmente tm perspectivas firmes e, esperam eles, bem pensadas sobre questes filosficas. Mas eles querem que os estudantes adquiram a aptido para formar opinies justificadas por si prprios, ainda que o custo disto seja o disparate ocasional. Assim, os bons filsofos no se importam geralmente que os estudantes rejeitem as suas opinies; na verdade, recebem isso braos abertos, desde que a discordncia esteja bem fundamentada. Como todos os bons professores sabem, esta caracterstica do processo pedaggico provoca muito nervosismo em alguns estudantes. Efectivamente, como todos os bons estudantes sabem, provoca tambm muito nervosismo em certos professores.O segundo semi-paradoxo diz respeito tenso entre o que ensinado e o modo como ensinado. Os filsofos sublinham a persuaso racional, o discurso racional e o exame racional. Como disse Robert Boyle, A filosofia, quando merece esse nome, no seno Razo, aperfeioada pelo Estudo, pela Aprendizagem e pelo uso das coisas. Contudo, o modo como se transmite a importncia da persuaso racional pode ter pouco a ver com a persuaso racional. Humor, ironia, analogia, tom, estrutura das frases, aluso, argumentos ad hominem e argumentos de autoridade, o entusiasmo e a confiana visvel do professor, o grau de auto-motivao exigida ao estudante, e uma quantidade de outros factores, incluindo at a prpria ordem em que se apresentam perspectivas opostas tudo isto afecta a probabilidade de o estudante aceitar ou at compreender os aspectos apresentados. At factores alheios ao intelectual, como a luz que h na sala ou a existncia de correntes de ar, afectam a absoro e a aceitao. Pregar a primazia da razo envolve uma quantidade de mtodos no racionais. Plato pensava que a filosofia s podia ser ensinada de alma a alma, e os encontros em pequenos grupos fornecem a melhor maneira de transmitir o que h de emocionante na prtica filosfica e as aptides necessrias para ela. Num tal contexto o estudante pode testar ideias em direco verdade, que sero ento objecto de escrutnio construtivo pormenorizado por si prprio, pelos seus professores e pelos seus colegas. Contudo, as realidades do ensino tornam isto muitas vezes terrivelmente utpico. difcil a uma alma falar com outra quando as almas esto amontoadas em grupos de 300. O que um poltico chamou investimento negativo nos fundos para o ensino, e a consequente deteriorao do processo educativo, asseguram que o ideal platnico raramente se realize antes de se chegar aos estudos ps-graduados. (Discusses pormenorizadas respeitantes ao ensino no mundo real so oferecidas trimestralmente na revista Teaching Philosophy. Tambm interessante a Thinking, uma revista que se ocupa da filosofia para crianas.)Plato pensava tambm que os estudantes precisam de uma rigorosa formao de fundo para a filosofia: algo que os sistemas educativos contemporneos tm dificuldade em fornecer. Muitos estudantes universitrios do primeiro ano no chegam sequer a saber os nomes de Arquimedes ou Newton. Contudo, estas lacunas podem ser preenchidas, e muitas universidades oferecem cursos introdutrios gerais para tentar fazer precisamente isso. Mais pernicioso quando se inculca deliberadamente o irracionalismo. Sem saber como reagir ao multiculturalismo, muitos professores e demasiados acadmicos recuam para o relativismo, que eles confundem com tolerncia. As escolas produzem agora uma multido de averrostas que no se importam de dizer na nossa cara Bem, verdade para ti, mas no para mim. Assim, alm dos preconceitos religiosos, polticos e morais mais ou menos habituais inspirados pelo meio familiar, o ensino contemporneo acrescenta outro preconceito, o relativismo moral e epistemolgico, impresso nas escolas e reforado por vrias disciplinas no filosficas preconceitos que o filsofo em aco chamado a remover antes de o verdadeiro ensino poder comear.

Bibliografia H. P. Grice, Reply to Richards, in Richard E. Grandy and Richard Warner (orgs.), Philosophical Grounds of Rationality (Oxford, 1986). David Stove, The Plato Cult and Other Philosophical Follies (Oxford, 1991)