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Estilos da Clínica, 2003, Vol. VIII, n o 15, 12-33 12 Dossiê ENTRANDO NA LINGUAGEM Telma Corrêa da Nóbrega Queiroz Psiquiatra, psicanalista, doutora em Psicologia pela Universidade de Paris XIII, professora de Psicologia Médica da UFPB, membro do Fórum Psicanalítico de João Pessoa e do Grupo Psicanálise e Pediatria de Recife e João Pessoa. A linguagem sobrevém da necessidade de conservar o objeto além da satisfa- ção da necessidade, sendo, portanto, resultado da ati- vidade pulsional. Nesse processo, o objeto da pul- são invocante e o da pul- são alimentar se substitu- em um ao outro. A articu- lação da psicolingüística com a psicanálise ajuda a compreender melhor como isso acontece na me- dida em que uma observa os comportamentos e a ou- tra supõe desejos subja- centes a esses comporta- mentos, revelando que to- dos os comportamentos do bebê são o reflexo de sua atividade pulsional e de sua entrada progressiva na linguagem. A palavra faz com que os objetos per- durem e que possam ser reconhecidos. Pulsão; seio; voz; desejo; psicolingüística; palavra ENTERING IN THE LANGUAGE Language arises from the need to maintain the object beyond necessity, thus being consequence of drive activity. In this pro- cess, the object of the invoking drive and the nourishing drive replaces one another. The arti- culation of psycholinguistics with psychoanalysis helps to understand how this takes pla- ce, since the first observes beha- viors and the latter supposes underlying desires to these beha- viors, unveiling that all the baby’s behavior is reflection of its drive activity and of its gradual ingress into language. The word allows objects to last and to be recognized. Drive; breast; voice; desi- re; psycholinguistics; word Q uando Lacan nos diz no Seminário II (1954-5) que todos os objetos não são infinitamente duráveis, que eles podem desaparecer, e que é a no- meação que faz com que perdurem e possam ser reconhecidos, ele nos mostra assim que a linguagem sobrevém da necessidade de conservar o objeto além da satisfação da necessidade, pois de outra maneira ele desapareceria para sempre. Procurar o objeto da falta e tentar restaurar a perda original é a pró- pria atividade da pulsão, e é essa atividade que está na origem da linguagem. A construção da pulsão já é em si uma construção de linguagem – eu-sujeito/ verbo/objeto-mundo externo –, os tempos verbais que exprimem sua atividade conjugam-se sob a for- ma direta ou reflexiva, a pulsão nos introduz não somente às palavras, mas também à gramática. A palavra, portanto, não é mais que uma atividade da pulsão oral, assim como a sucção, a mordida e a deglutição, pois a pulsão oral tem a particularidade de reunir no mesmo órgão, na mesma fonte que é a boca, duas funções diferentes, a função alimentar e a palavra.

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Estilos da Clínica, 2003, Vol. VIII, no 15, 12-3312

Dossiê

ENTRANDO NALINGUAGEM

Telma Corrêa da Nóbrega Queiroz

Psiquiatra, psicanalista, doutora em Psicologia pelaUniversidade de Paris XIII, professora de PsicologiaMédica da UFPB, membro do Fórum Psicanalítico de

João Pessoa e do Grupo Psicanálise e Pediatria deRecife e João Pessoa.

A linguagem sobrevém danecessidade de conservaro objeto além da satisfa-ção da necessidade, sendo,portanto, resultado da ati-vidade pulsional. Nesseprocesso, o objeto da pul-são invocante e o da pul-são alimentar se substitu-em um ao outro. A articu-lação da psicolingüísticacom a psicanálise ajuda acompreender melhorcomo isso acontece na me-dida em que uma observaos comportamentos e a ou-tra supõe desejos subja-centes a esses comporta-mentos, revelando que to-dos os comportamentosdo bebê são o reflexo desua atividade pulsional ede sua entrada progressivana linguagem. A palavra fazcom que os objetos per-durem e que possam serreconhecidos.Pulsão; seio; voz; desejo;psicolingüística; palavra

ENTERING IN THELANGUAGELanguage arises from the needto maintain the object beyondnecessity, thus being consequenceof drive activity. In this pro-cess, the object of the invokingdrive and the nourishing drivereplaces one another. The arti-culation of psycholinguisticswith psychoanalysis helps tounderstand how this takes pla-ce, since the first observes beha-viors and the latter supposesunderlying desires to these beha-viors, unveiling that all thebaby’s behavior is reflection ofits drive activity and of itsgradual ingress into language.The word allows objects to lastand to be recognized.Drive; breast; voice; desi-re; psycholinguistics;word

Q uando Lacan nos diz no Seminário II(1954-5) que todos os objetos não são infinitamenteduráveis, que eles podem desaparecer, e que é a no-meação que faz com que perdurem e possam serreconhecidos, ele nos mostra assim que a linguagemsobrevém da necessidade de conservar o objeto alémda satisfação da necessidade, pois de outra maneiraele desapareceria para sempre. Procurar o objetoda falta e tentar restaurar a perda original é a pró-pria atividade da pulsão, e é essa atividade que estána origem da linguagem. A construção da pulsão jáé em si uma construção de linguagem – eu-sujeito/verbo/objeto-mundo externo –, os tempos verbaisque exprimem sua atividade conjugam-se sob a for-ma direta ou reflexiva, a pulsão nos introduz nãosomente às palavras, mas também à gramática. Apalavra, portanto, não é mais que uma atividade dapulsão oral, assim como a sucção, a mordida e adeglutição, pois a pulsão oral tem a particularidadede reunir no mesmo órgão, na mesma fonte que é aboca, duas funções diferentes, a função alimentar ea palavra.

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A pulsão constrói-se em cima da função orgânica. Mas desdeo início as necessidades e as funções são regidas pelo significante. Ademanda do Outro direciona progressivamente a libido da cri-ança para as zonas erógenas, a boca sendo a primeira delas, a quepredomina durante o primeiro ano de vida. O corpo e suas fun-ções são progressivamente aspirados e subordinados à demandado Outro, o Outro que é também o lugar do significante.

Como se manifesta a pulsão? A pulsão manifesta-se por umatensão que surge da descontinuidade inaugurada pelo nascimento.Essa tensão aparece, sobretudo, no funcionamento dos orifícios,lugares erógenos que fazem com que o essencial do investimentodirija-se para a relação oral, ou seja, para a relação ao seio. Freud(1905) chamou esse primeiro momento de fase oral.

Nesse momento, a permanência da presença humana e a cons-tância do rosto são de uma importância fundamental para o surgi-mento da representação e do pensamento, sem o que a criançajamais poderia falar. O ritmo da amamentação introduz a criançana ausência e na falta, ritmo que é também o jogo de presença/ausência, que por sua vez faz sobrevir a representação. A criançacomeça a falar procurando reproduzir esse ritmo. Essa capacidadede reproduzir estruturas rítmicas seria, aliás, condição prévia para aentrada na linguagem, pois o bebê se introduz primeiro na música,no ritmo, na freqüência e na melodia da palavra antes de chegar aosentido.

Freud (1895) descreveu o processo de entrada na linguagem eno simbólico, no Projeto de psicologia para neurólogos, partindo da cons-trução de um aparelho muito complicado, o aparelho psíquico,que é montado em cima do conceito de pulsão, sendo a primeirainscrição fundadora determinada pela primeira experiência de sa-tisfação no seio.

Por que a atividade pulsional procura conservar o objeto alémda satisfação da necessidade? Freud nos diz, em O mal-estar na civi-lização (1929), que é a felicidade e a harmonia que os homens pro-curam, porque alguma coisa lhes falta que os impede de seremfelizes. A felicidade seria em princípio reencontrar o objeto quepreencheria a falta, o que constitui ao mesmo tempo um paradoxo,pois não mais sentir a falta seria a morte, nada mais teríamos aprocurar, nada mais se produziria. A felicidade e a harmonia sãoapenas um mito, jamais encontramos o objeto que preenche a falta.Somos assim condenados a procurar objetos substitutivos que nuncanos satisfazem inteiramente, e, entre esses objetos, nos confronta-mos com os fonemas e as palavras que nos permitem investir omundo. As palavras, a fala, são uma maneira encontrada pelos ho-mens de fazerem perdurar o objeto perdido além de sua ausência,

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as palavras substituem o seio quando este se perde. Melanie Klein(1952) nos diz que o fato de falar e também o de andar e o de ficarem pé são maneiras de os homens ultrapassarem a posição depres-siva e compensarem a perda do objeto, tão difícil de suportar.

Mas as palavras só preenchem essa função quando reenviam auma experiência sensorial que foi acompanhada por palavras. É oque nos diz Françoise Dolto em seu livro A imagem inconsciente docorpo (1984). As palavras com as quais pensamos e falamos, as pa-lavras que estão na origem de nossa linguagem são as palavras queacompanharam as imagens do corpo no contato com outrem,palavras que simbolizam, portanto, uma experiência sensorial, oque nos faz compreender como as palavras fazem durar a presen-ça do Outro em sua ausência. Para Gérard Pommier (1998), é aaspiração pela ausência de ser que impele o sujeito a querer falar, ajubilar e a gozar de sua palavra. O sujeito procura encontrar seu sergraças ao amor, graças à presença do Outro, e a palavra serve paraisso, para procurar o Outro, para fazer voltar o Outro ausente. É aausência de ser que faz com que os homens queiram conservar osobjetos além da necessidade, e é isso que constitui a atividade pul-sional.

Enfim, podemos dizer que os homens procuram suprir a au-sência de ser pelo amor do Outro, que o amor é idealmente o quepoderia trazer-lhes a felicidade, e que a linguagem seria apenas umamaneira de pedir o amor do Outro e de procurar a felicidade, umamaneira também de fazer durar a presença do outro e de substituiro primeiro objeto da experiência de satisfação, o seio, o objeto danostalgia, que traria de novo o sentimento oceânico. A linguagem jáé em si mesma demanda de amor e presentificação do Outro, sãoas palavras que nos permitem suportar a perda, é com palavrasque a criança preenche a boca esvaziada do seio.

Embora a pulsão coabite com a função desde o início, vamos,no entanto, para guardar a clareza de nossa exposição, passar dafunção à pulsão, e da pulsão à linguagem. Como a amamentação, alinguagem é também uma atividade que só surge na intersubjetivi-dade, e nesse processo um e outro dos parceiros implicados seconfundem, se põem um no lugar do outro, se transitivam, se reú-nem e se separam.

Mas uma criança só pode falar se ela está mergulhada numbanho de linguagem desde a vida intra-uterina. A criança estádesde as origens, mergulhada no grande Outro, ela é aspiradapelo Outro, lugar da linguagem e lugar do simbólico, ela é aspira-da por esse meio Outro que está presente, sobretudo, nos momen-tos de cuidados, nos momentos de amamentação. Outro que numprimeiro tempo é a mãe, o leite, o seio, de quem a criança é total-

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mente dependente para sua sobre-vivência. Essa dependência do Ou-tro devido à prematuração do nas-cimento própria do ser humano,Freud chamou Hilflosigkeit (1925-6),o desamparo, o que em termos la-canianos podemos exprimir comofalta a ser.

O meio sonoro intra-uterino éconstituído por ruídos biológicosfetais e maternos, mas também pornumerosos ruídos externos que che-gam até o feto, entre os quais, as vo-zes. Desde antes do nascimento emesmo depois, a voz é de uma im-portância fundamental na construçãodo sujeito. Ela é o objeto da pulsãoinvocante, é incorporada da mesmamaneira que o alimento, a voz tam-bém desencadeia movimentos desucção. A pulsão invocante, diz Alain-Didier Weill (1998), é o que impele ocorpo a se arrancar de sua materiali-dade pesante e que nos põe em mo-vimento para um ponto terceiro,para o grande Outro, em direção àentrada na linguagem e à submissãoàs leis da fala.

A voz é suporte da diferença,pois, nos diz Denis Vasse (1977), nelase encontra a marca particular dosujeito. Mas a voz é também o su-porte da palavra que parte de umsujeito se dirigindo para o Outro eda demanda que ela transmite. É avoz da mãe ou do pai, que profere onome próprio, e é também pela vozque o sujeito é referido ao desejo doOutro. Segundo Françoise Dolto(1984), o recém-nascido só se podedesenvolver num corpo se ele está emrelação com uma voz de homem ede mulher, quer dizer, é preciso quehaja uma outra voz associada com a

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voz de sua mãe. O pai é aquele quebarra a mãe, que encarna a lei da proi-bição do incesto e que exerce umpoder dinamizante sobre ela.

A voz mostra-nos ainda que osujeito ultrapassa seus limites corpo-rais, ela funciona de certa maneiracomo os tentáculos de um polvo queavançam no espaço e tocam no cor-po do outro em todos os seus pon-tos, ela indica a presença à distância.Podemos compará-la com a lamínu-la, o órgão da libido, ela é mesmoconstituinte desse órgão assim comoo seio, o que mostra que o verdadei-ro limite do ser do organismo vaibem mais longe do que o corpo. Damesma maneira que o seio, a voz éectopia de um indivíduo sobre ou-tro, portanto, também se presta aocorte. Ela tem, aliás, o mesmo podererotizante.

A tensão pulsional, a fome, fazreproduzir no imaginário do bebê,as imagens dos encontros preceden-tes com a lembrança dos sons dessesencontros. A voz da mãe é, portan-to, reproduzida na simultaneidade daimagem. Uma das percepções, entrea simultaneidade, uma cor, um somque se repete, a imitação de um mo-vimento, a alucinação de um odor,uma palavra que acompanha a ima-gem do corpo restabelece imaginari-amente o cenário do encontro como objeto primordial que está ausente.Uma palavra pode assim reativar otraço mnésico inconsciente inscrito noaparelho psíquico e reproduzir ima-ginariamente a experiência de satisfa-ção não somente do seio, mas tam-bém da voz, do olhar e do cheiro.Pela introdução do imaginário, a lem-brança da experiência passada toma

corpo. Esse imaginário é, de saída,marcado pelo simbólico, pois a re-produção compreende as imagenssonoras das palavras. É a própria voz,ou as imagens sonoras reproduzidasque vão permitir à criança esperar omomento da satisfação e renunciarao objeto, o que, por sua vez, o leva-rá a fazer lalações, a pensar e a falar.Por seus sons, ela acredita ouvir no-vamente sua mãe, ela a vê em ima-gens, reproduzindo ativamente assima experiência de satisfação.

Na voz que fala podemos dis-tinguir o som e o sentido. O som é amelodia com o ritmo, é a música dalinguagem. Mas a emissão da palavrae dos sons acompanha-se, além dis-so, de gestos não somente na pessoaque fala, mas provoca também mo-vimentos no corpo daquele que es-cuta, da mesma maneira que a pró-pria música. Tanto para o feto, quan-to para o bebê, a voz constitui umestímulo pulsional, que tem um efei-to diretamente no corpo, produzin-do variações dos ritmos fisiológicos,modificações da tensão muscular,atividades motoras, notadamente ati-vidade de sucção, elevação do tônuse aumento da vigilância, nisso em quese vê como a voz toca diretamente ocorpo. Ninguém ignora, aliás, os efei-tos da palavra e dos sons no corpodos adultos e das crianças. Foi pro-curando ouvir novamente a voz dooutro em sua ausência que o ser hu-mano inventou os instrumentos mu-sicais, assim como os meios de co-municação à distância. Sabe-se que amúsica produz modificações dina-mogênicas no corpo, modificaçõesque são devidas à cadência, ao ritmoe à melodia. A música é, sobretudo,

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o resultado do esforço para reproduzir a voz humana, a voz dooutro, a voz da mãe, que era escutada na simultaneidade do seio.Seus efeitos no corpo do próprio adulto são conhecidos há muitotempo e constituem o fundamento das terapias musicais. Ela agesobre o sistema nervoso e muscular, com elevação ou diminuiçãodo tônus, produção de energia motora ou abaixamento de tensão,conforme o tipo de música.

De um ponto de vista anátomo-fisiológico, as duas atividadesdo ouvido explicam a intimidade do som com os gestos, os movi-mentos e o ritmo. A primeira é a atividade vestibular, que asseguraa estática e a cinética, assim como a posição relativa de cada um dosmembros; a outra, é a atividade coclear, que diferencia os sons emsuas alturas tonais, suas qualidades espectrais, em suma, suas com-posições freqüenciais. É a cóclea que percebe os sons, enquanto ovestíbulo retifica a posição, determinando a verticalidade do con-junto do corpo. Considera-se que a música prepara de certa formao corpo e o sistema nervoso para a linguagem, e é a linguagem queo esculpe pela construção da imagem inconsciente do corpo. E, seessa música vem da voz que fala nos momentos de cuidados, elatransmite, além disso, o desejo e a demanda do Outro, o que fazcom que, mais tarde, a música sozinha possa trazer a nostalgia queé não somente do seio e da voz, mas, sobretudo, do desejo e doencontro com o Outro. A emoção musical seria assim, de certamaneira, reatualização da emoção sexual dos encontros primordi-ais recalcados, trazendo à memória outras representações que viri-am se superpor à da voz da mãe, percebida no passado na simulta-neidade do seio e de seus substitutos sucessivos, ao mesmo tempoem que a emoção sentida corporalmente naquele momento. Se “amúsica, essa infortunada, constrangida a se desenvolver no tempo”(Freud, 1910, p. 21; nossa tradução), como a descreve Leonardoda Vinci (citado por J.-B. Pontalis no prefácio de Un souvenir d’enfancede Léonard de Vinci), nos introduz à sucessividade, a reação corporalé entretanto simultânea ao som. Ela provoca, por exemplo, simul-taneamente um gesto, um movimento, a alteração de um ritmocorporal, ou um passo de dança, como nos lembra Alain-DidierWeill (1998). A harmonia, por outro lado, ou seja, a maneira pelaqual os sons combinam-se em acordes, nos reenvia à simultaneida-de. A melodia e o ritmo, em seu desenrolar no tempo, nos introdu-zem à sucessividade, embora não ainda ao sentido, pois não é pre-ciso esperar a última palavra para compreender, o efeito é simultâ-neo. A música é a única linguagem, nos diz Alain-Didier Weill (1998),que permite o encontro imediato, absoluto.

Essa primeira etapa na construção da subjetividade lembra-nos o cinema mudo, que, com efeito, não era inteiramente mudo,

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era cinema musical, pois o filme erasempre acompanhado por uma mú-sica que sugeria o sentido dos movi-mentos que se desenrolavam na tela,a música era assim puro significante,que podia se prender aos significa-dos de cada um. As músicas queacompanhavam as cenas sugeriamdiálogos, perseguições, com acelera-ção ou lentificação dos movimentos,gravidade ou acuidade dos sons,agressividade ou doçura da interpre-tação, deixando perceber as intenções,a alegria, a tristeza, o amor, o ódio, oterror, o suspense, as interrogações,as surpresas, dos personagens de umfilme. A linguagem musical continua,aliás, a ter um papel muito impor-tante nos filmes falantes.

A música da fala da mãe, da pa-lavra da mãe, com suas inflexões, suasentonações, suas modulações varia-das, seus silêncios, suas escansões eseus ritmos, constitui o que se chamaa prosódia. A mãe tem uma maneiraparticular de falar à criança, uma pro-sódia particular que se convencionouchamar o “manhês”, na ausência doque a criança corre o risco de ficaraquém de todo discurso. É como sea ausência dessa prosódia implicasseque não haveria endereçamento paraa criança, que ela não seria reconheci-da como sujeito de desejo. Além dis-so, em sua maneira de falar, como amúsica do cinema mudo, a mãe podetransmitir suas emoções, seu ardor,seu tédio, sua alegria, sua angústia, ma-nifestações que, para um outro adul-to, podem ser mascaradas pelo jogodas significações, pelo fato de que avoz é tomada na linguagem, mas quesão, assim mesmo, absorvidas pelobebê, pelo lactente. Pela sua maneira

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de falar, nos diz Alain-Didier Weill, a mãe transmite seus dilemas ea solução que dá a esses dilemas. Se, por acaso, a mãe está deprimi-da, a musicalidade de sua palavra sofre, sua cadeia sonora torna-semonótona, sem entonação, sem melodia, o que pode ter efeitosdesestruturantes no feto e no bebê. Segundo Marie-Christine Laz-nik (1998), a prosódia materna lembra o chiste, ou seja, tem umaestrutura interrogativa que é ao mesmo tempo manifestação desurpresa, reenviando a uma terceira pessoa. Através dessa estruturaprosódica, a mãe transmitiria sua falta à criança. A ausência dessaestrutura prosódica na palavra dela estaria na origem do autismo.

O som da voz da mãe, portanto, faz o bebê entrar em resso-nância com ela, suscita a troca, o encontro, o diálogo e a comunica-ção. A voz da mãe transmite uma palavra que introduz a criançapouco a pouco no mundo simbólico, no jogo de substituições edas nomeações: dedo, chupeta, brinquedo, mamadeira, alimento,palavra. Dolto (1984) nos diz que os sons emitidos pela mãe, che-gando aos ouvidos da criança, estabelecem zonas erógenas, ao mes-mo tempo em que as palavras tomam corpo. Corpo que é antesde tudo seu próprio corpo acoplado, num primeiro tempo aocorpo materno. É assim que as funções do corpo são pouco apouco aspiradas pelo significante. Essa substituição da mãe poroutros objetos institui na criança a capacidade de metaforização,metáfora que é antes de tudo a do laço com o corpo de sua mãe.As palavras só tomam sentido ao tomarem corpo, metabolizadasnessa relação entre mãe e filho, o que nos mostra como as duasfunções da boca, a de comer e a de falar, se telescopam. Como oobjeto da pulsão alimentar, o seio, e o da pulsão invocante, a voz,são intercambiáveis. A voz materna e o seio são incorporados nasucção não-nutritiva, assim como o leite na sucção nutritiva. Wallon(1983) nos diz que as primeiras excitações exteroceptivas capazesde suscitar na criança reações significativas parecem ser excitaçõesauditivas, e ele cita a senhora Ch. Bülher, que, nos anos 30, já tinhaconstatado que a voz humana era ligada à vontade de mamar.

Do lado da criança, nos diz Denis Vasse (1977), a voz sobre-vém quando o umbigo se fecha, com o grito, primeiro som profe-rido pela voz do bebê, grito que é uma reação de angústia às per-turbações da economia libidinal, grito que corta o silêncio, mas quese torna, segundo Freud (1895), o precursor da linguagem. Depoisdesse primeiro grito, que acompanha a entrada em jogo da respira-ção, é também pelo grito que o bebê vai procurar acalmar suatensão, o que a mãe vai interpretar como demanda, como apelo aoOutro, introduzindo dessa maneira a criança na comunicação signi-ficante. A linguagem sobrevém, portanto, para o bebê, desse inves-timento como sentido para a mãe, pelo fato de que ela vem, ela lhe

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traz o seio quando ele grita ou chora. O próprio fato de trazer oseio, em si, já dá sentido aos gritos e ao choro. Em seguida, qual-quer som da criança a mãe vai interpretar como apelo, como de-manda e vai significá-lo à criança. Se essa interpretação falta, o gritonão pode se transformar em palavra, ele pode se manter purogrito, ou ser interpretado simplesmente como manifestação de hos-tilidade. Outras manifestações no recém-nascido fora o grito, taiscomo certas expressões mímicas, o sorriso, estirar a língua para oadulto, seriam também troca significante desde uma idade muitoprecoce. Segundo Dolto (1984), o desejo de comunicação sutil(não alimentar) precede a necessidade de comunicação substancial(pelo alimento). Mas é pelo grito e pelos sons que sobrevêm comas modificações corporais que podemos ver de maneira clara comoo bebê entra na linguagem. Essas modificações corporais trazidaspela necessidade são tomadas pelo Outro como mensagens. Pelapalavra do Outro o bebê recebe suas mensagens de volta, o queimplica ser reconhecido como sujeito de desejo. Por seus gritos,seus choros, seus sons reconhecidos como demanda de amor peloOutro, a criança procura preencher sua falta a ser, primeiro na rela-ção com o seio e, quando este vem a faltar, por intermediário dapalavra.

A entrada da criança na linguagem pode ser mais bem com-preendida se fizermos uma articulação entre a psicanálise, que pro-cura supor desejos subjacentes aos comportamentos, e a psicolin-güística, que descreve comportamentos de linguagem a partir daobservação. Os dois campos são complementares, e essa articula-ção vem nos mostrar como o comportamento do bebê não émais que o reflexo de sua atividade mental e de sua entrada grada-tiva na linguagem.

A partir das pesquisas psicolingüísticas, sabemos que o fetoouve desde os 3 meses, que ele ouve as vozes do pai e da mãe,fazendo desde cedo a distinção entre voz feminina e voz masculi-na, entre som grave e som agudo, e que ele é capaz de discriminarcertas seqüências sonoras. Além disso, ele parece ter uma memóriaque conserva o traço de certos estímulos além do nascimento, comomostraram algumas experiências feitas com canções desde os 5meses de gravidez. Parece ainda que ele reconhece quando nosdirigimos a ele, o que Marie-Claire Busnel (1998) explica pelo fatode que a mãe fica mais emocionada, e sua prosódia é diferente dequando se dirige a outra pessoa. Todas essas capacidades se com-plexificam com o nascimento. Muito cedo o lactente mostra umapreferência pela voz materna e mesmo pela língua materna. A vozda mãe, por sua repetição, vem marcar o ouvido do bebê compalavras, frases, canções, cujo sentido o bebê não compreende da

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mesma maneira que o adulto. Sua compreensão é primeiramente,se seguimos Dolto, a da imagem do corpo oral. Graças à repeti-ção, progressivamente, a sensação auditiva referida à cadeia de sig-nificantes, que é antes de tudo percepção de um som, torna-se emseguida a percepção de um discurso, ou seja, a voz prende-se naalucinação e depois na representação, ao mesmo tempo em que odiscurso da criança estrutura-se progressivamente desde o grito àslalações, ao balbucio, às palavras e às frases. No seminário sobre Arelação de objeto (1956-7), Lacan afirma que a criança entende muitomais a estrutura da palavra do adulto, antes de perceber o sentido,e que isso seria uma primeira forma de supereu. Essa percepçãoda estrutura antes da percepção do sentido é bem confirmada pelaobservação dos psicolingüistas, como veremos em seguida.

A mensagem sonora da mãe é, num primeiro tempo, um enig-ma para o bebê. Ele pergunta-se o que é que ela quer dele, eleprocura identificar-se a uma demanda que não sabe bem o que é,isso é o “che vuoi”, o bebê procura identificar o que falta à sua mãe.O enigma é a primeira forma de demanda. Se inicialmente a rea-ção da criança é simultânea à voz da mãe, aos poucos, não serámais simultânea. Ela vai procurar ocupar os intervalos do discursodela, vai tentar preencher seu vazio. Essa questão, o que é que a mãedeseja, ele vai se pôr, entretanto, durante muito tempo. É o que vaise manifestar nos porquês intermináveis da criança. O che vuoi trans-forma-se mais tarde em “que lugar e que importância tenho parameus pais”. Procurando identificar o que falta à mãe, a criançasupõe que o que ela deseja é o falo e procura, então, identificar-se aseu falo.

É em torno dos 2 meses, que o bebê começa a sair de suapassividade, de sua reação corporal simultânea à voz da mãe ecomeça a fazer sons mais aperfeiçoados que o grito, do tipo voca-lizações e jogos vocais, tais como as lalações e o gorjear, procuran-do alucinar a voz da mãe quando esta se afasta. Esses sons são,primeiramente, pura música, pura melodia, puro jogo de gozo,que a criança pode produzir também em resposta à demanda damãe. Quando está sozinha em seu berço, ela presentifica a mãecom esses sons, acreditando repetir fonemas que ouviu dela. Dolto(1984) afirma que é tão precoce esse desejo de ouvir de novo avoz da mãe, que muito rapidamente a criança torna-se incapaz depronunciar os fonemas que não pertencem a sua língua materna –efeito da dominância do princípio do prazer –, quando podia noinício pronunciar os fonemas de todas as línguas. Lacan nos fala dopuro jogo da palavra no lugar do Outro no seminário sobre Aangústia (1962-3), quando evoca o monólogo hipnopômpico dolactente, dizendo que, embora toda função de comunicação esteja

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excluída, as conseqüências desse jogosão a constituição da voz e do sujei-to. Lacan põe a voz em relação como vazio do Outro e o desejo doOutro, relação que se faz no modeloda anátomo-fisiologia do aparelhoauditivo, ou seja, o órgão da audiçãoé um vazio cuja estrutura determinaos sons que nele ressoam vindos doexterior. A voz ressoa não no vaziodo caracol, mas no vazio do Outro,e ela só pode ressoar se toma corpona relação entre a mãe e a criança.

Vemos assim que a voz, a pala-vra, a língua são também instrumen-tos de gozo, e que isso é particular-mente visível durante o primeiro ano.O ser humano desde sempre se en-tretém com a língua e com a voz,assim como com o seio, uma relaçãode natureza erótica, a voz e a línguapodem ser objetos ora de amor, orade ódio, ora objetos de gozo. Assimacontece na fase do gorjear, das lala-ções e depois do balbucio, é o regis-tro do Eu prazer. Somente depois apalavra adquire valor utilitário paracomunicar mensagens. Num primei-ro momento, a linguagem é purogozo, pura música, essa que o bebêescuta de sua mãe, assim como seujogo com as sonoridades, que se tor-nará em seguida jogo com o sentido,sempre em obediência ao princípiode prazer. Podemos observar a so-brevivência desse jogo com os sonsno adulto, nas vocalizações, no cantosem palavras, ou na dessemantizaçãoda palavra, como acontece particu-larmente na ópera e na música líricaem geral, em que o som é puro pra-zer, jogo de vertigem, jogo de gozo,dominância absoluta do princípio deprazer. Talvez possamos dizer a mes-

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ma coisa da fuga de idéias do maníaco. A música pura é anterior aosentido, ela está fora da história, reenvia às origens e, portanto, aosmitos das origens. Não é por nada que Freud põe em relação mú-sica e mitos endopsíquicos na Carta 78 a Fliess (1897).

Essa estrutura que, segundo Lacan, a criança percebe na sono-ridade da voz da mãe, Alain-Didier Weill (1998) nos diz que nãopode ser outra senão a estrutura musical, a estrutura harmônicacom uma chave, uma tonalidade dominante, uma tônica e um rit-mo, mas articulada também à estrutura fonemática de uma línguaparticular, a língua materna. Por essa estrutura, a emissão dos sonssegue certas leis, as leis da harmonia, as leis da língua, o que faz comque eles não possam ser ditos de qualquer jeito, nem em qualquerordem. Ao mesmo tempo, na maneira como se combinam – porexemplo, que tipo de acorde se constrói na combinação da voz damãe com a voz do pai, consonante, dissonante, ou não há acordepossível? – e se seguem com sua melodia, seu ritmo e suas modu-lações, se é também por assonâncias, consonâncias ou dissonâncias,nós vimos que a mãe transmite seus conflitos e seus dilemas, assimcomo a solução que dá a esses dilemas.

As crianças percebem essa estrutura porque são capazes deregistrar as freqüências desde a vida intra-uterina. Essa aptidão pre-coce nos bebês, que faz com que possam discriminar os sons daslínguas faladas, é chamada pelos psicolingüistas de percepção cate-gorial. Eles são sensíveis às variações de duração, de altura e deintensidade que organizam a cadeia falada em unidades prosódicase em unidades funcionais recorrentes, como frases e sintagmas, oque faz com que memorizem a organização melódica da palavraainda na vida fetal. É assim que um bebê de 4 meses e meio conse-gue detectar as fronteiras de frases em todas as línguas, porque ésensível às diferentes tonalidades, às modulações, à repetição dascadências e dos ritmos. Ele perde rapidamente essa capacidade e sóretém em seguida os índices que são pertinentes à sua língua. Entre4 e 6 meses ele elimina do tratamento os índices que não são perti-nentes a um grupamento funcional de sua língua, como a frase, porexemplo, e só retém os índices que são úteis para os grupamentosfuncionais de sua língua. É por essa aptidão, em que a palavra nãoé tomada como uma onda contínua, que o bebê reconhece pro-gressivamente as pausas, as paradas e os grupamentos que marcamo fim das frases, o fim dos sintagmas e a diferença entre as pala-vras, em todas as línguas.

O caminho para o sentido é que, quando a criança produzum som, a mãe, assim como faz com o grito, investe-o desentido, investe-o falicamente, ela ouve mais que o som, elainterpreta-o e responde a ele. Sua capacidade de ilusão anteci-

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patória a faz supor seu filho sujeito bem antes que ele fale,bem antes da divisão subjetiva. Isso faz com que fale no lugarda criança, dando sentido a seus comportamentos, enunciandoo desejo dela em seu lugar, caracterizando o que Winnicottchamou de preocupação materna primária (1956). É assim quea voz prende-se na alucinação e em seguida na representação.Pelas lalações, os bebês tentam reenviar à mãe a organizaçãomelódica que percebem nela. Logo reproduzem os diálogossozinhos e pouco a pouco se tornam interlocutores, dialogan-do com ela, quando se situam então como ativos no diálogo.É isso que os psicolingüistas chamaram de “protoconversa-ções”, turn talking, que se observam entre 2 e 3 meses. As pro-toconversações são atividades rítmicas partilhadas, descritascomo a troca de expressões entre a mãe e a criança, do rosto,da voz, do olhar e dos movimentos, trocas que ocorrem numcerto ritmo. A criança dá a impressão de compreender muitobem o que a mãe diz e age como se assim fosse. Ela faz muitoesforço para se exprimir, com movimentos da língua e da bocaprocurando pronunciar as sílabas com movimentos sincroni-zados à palavra do outro. É como se todo o corpo do bebêentrasse na linguagem, no ritmo da palavra do adulto, tudo setorna sincronizado entre ele e o Outro, e todos os seus movi-mentos exprimem sua atividade emocional interior que estáem relação com a emoção do Outro. A criança responde àfrase da mãe com sons que se assemelham à melodia de suafrase, de maneira rítmica, adaptando-se ao ritmo e à freqüên-cia da mãe ou do pai, revelando assim uma espécie de divisãoprimitiva entre demanda e resposta à demanda, divisão estaanterior à Spaltung. Ao mesmo tempo, ela revela assim umacerta capacidade de espera da satisfação. Essa entrada no rit-mo do adulto vê-se não somente no nível da linguagem. Po-der-se-ia talvez dizer que a entrada no ritmo da linguagem é oreflexo do ritmo de amamentação e de presença-ausência. Oritmo da criança harmoniza-se com o ritmo do adulto e como ritmo do meio que a cerca, essa organização invadindo decerta maneira toda a vida do bebê. O fato é que em torno dos3 meses, as mães referem freqüentemente que só então come-çam a poder dormir um pouco mais à noite e a terem peque-nos momentos para elas.

Esse comportamento também é nítido quando se vê o bebêparticipar das canções cantadas pela mãe. Os movimentos de seucorpo são tomados pela canção e entram em sincronia com asestruturas rítmicas da palavra cantada pelo adulto. Os gestos dacriança revelam os movimentos da voz da mãe. A mesma coisa

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passa-se nas protoconversações, tudo é tomado na linguagem, to-das as formas de expressão, quer sejam os sons ou os movimentosdo corpo. O que se pode observar nas protoconversações é que areação à voz não é mais simultânea. Aqui a criança espera o silêncioda mãe para responder e faz silêncio em seguida para deixar a mãese manifestar, o que nos mostra de maneira clara como ela é aspi-rada pelo Outro, como ela é tomada na linguagem desde seus pri-meiros dias, como seu corpo é tomado na demanda do Outro ecomo ela começa a fazer sons no silêncio do Outro em sua ten-dência a preencher seu vazio.

O balbucio que é um início de pronunciação de sílabas tendoformas de sílabas da língua adulta, instala-se no final do turn talking.Vimos que em torno de 4 a 6 meses a criança perde a capacidadede perceber os grupamentos funcionais que não pertencem à sualíngua, excluindo do simbólico o que vem se constituir no Real.Entre 6 e 8 meses surge uma linguagem modulada que não segueainda as regras gramaticais, as palavras não são ainda reconhecíveis,mas a criança torna-se capaz de manipular pessoas à distância, poisa mãe reconhece em seus sons a intenção do desejo. Por seus sons,ela pode fazer voltar o outro quando tem vontade. Isso aconteceao mesmo tempo em que a criança começa a brincar de deixar cairos objetos, o que nos leva a concluir que ela utiliza a linguagemnesse momento como o fort-da, como um jogo com o qual mani-pula as pessoas como brinquedos, afastando-as e fazendo-as vol-tar. Aos 7-8 meses elas conseguem distinguir uma palavra, mas semcompreendê-las, discriminando as formas verbais recorrentes napalavra que ouve. É nesse momento que começa a reconhecer demaneira prevalente seu nome.

O balbucio é ainda gozo, mas já gozo vocálico consonânticoformando as primeiras sílabas oposicionais, sem ser ainda designa-ção de alguma coisa. A designação das coisas sobrevém depois,com o julgamento de existência e a fase do espelho, momento emque as palavras são postas em relação com as coisas, com os obje-tos. No balbucio há introdução da consoante, que corta a continui-dade das vogais, articulando-as e fazendo sobrevir a silabizaçãodupla, papai, mamãe, cocô, e finalmente a nomeação dos outrosobjetos. Dolto (1984) nos diz que é o duplo ritmo, o fato de que acriança duplica-se quando a mãe está presente, e desduplica-se quan-do ela se vai, que explica essa silabização dupla das primeiras pala-vras que a criança pronuncia. As primeiras palavras são repetitivasde duas sílabas, correspondentes ao sentimento de existir da crian-ça, conjuntamente com sua mãe, desdobramento de suas sensa-ções. Isso corresponde também ao ritmo de dois tempos que pre-domina nessa época, o ritmo da presença/ausência e do sentimen-

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to diferente de suas sensações quan-do a criança está com ou sem a mãe.Dolto (1984) nos diz ainda que essaspalavras vocalizadas são talvez obje-tos transicionais sonoros, que a cri-ança guarda na memória, antes quese tornem verdadeiras palavras. La-can lembra-nos no seminário sobreA angústia (1962-3) que essas primei-ras palavras, papai e mamãe, são ar-ticuladas no nível labial, que os lábiossão a imagem do corte que induz ofantasma do seio como seccionado,o que lembra o corte instituído pelaarticulação significante. José Robertode Almeida Correia, em artigo inti-tulado “O tema do duplo pode es-clarecer sobre o autismo e a lingua-gem?,” observou que os autistas,quando começam a falar, não fazemessa silabização dupla como as ou-tras crianças, o que nos faz pensar queisso é também metáfora da aliena-ção no Outro, que não ocorre noautista. O autista é desmamado desaída, nos diz Marie-Christine Laz-nik, em seu livro Rumo à palavra, semjamais se alienar no Outro. Enfim,essa silabização dupla, e essa duplica-ção das sensações, podemos dizer queé também atividade negativante. Ati-vidade negativante, que, paradoxal-mente, podemos dizer positiva, na me-dida em que ao mesmo tempo emque corta, ela age no sentido de esta-belecer ligações, portanto, no sentidodas pulsões de vida. Mas a introdu-ção da consoante indica, além do mais,que alguma coisa começa a escapardo gozo vocálico. O corte introduzi-do pela consoante é em si mesmo umpasso para a separação, para o gozofálico, é nessa época que a criança co-meça a gostar de partilhar um objeto

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com os outros, um objeto torna-sesignificante dela diante dos outros, doqual ela começa a perceber o mesmosentido que as outras pessoas. Ela en-tra no pacto que constitui a nomea-ção, que faz com que dois sujeitos, aomesmo tempo, concordem em reco-nhecer o mesmo objeto. É a aberturapara a significação fálica. Lacan nosdiz no Seminário II (1954-5) que, se ossujeitos não se entendem sobre essereconhecimento, não há mundo quepossa se manter um instante.

Em torno de 9 meses, portanto,o bebê começa a se dar conta de queas palavras têm um sentido. Aos 10-12 meses, ele só discriminará os sonsque fazem sentido em sua própria lín-gua e começará a dizer suas primei-ras palavras. A escuta focaliza-se daípor diante não somente nas unida-des funcionais prosódicas e melódi-cas da língua, mas, sobretudo, na pro-cura de um sentido. O comporta-mento de apontar com o dedo quesobrevém nesse momento é bem in-dicativo da procura do sentido. Acriança parece pedir ora o próprioobjeto, ora perguntar o sentido des-se objeto, ela quer saber o que é cadaobjeto que vê. Se a mãe compreendeesse gesto apenas como pedido doobjeto, não compreendendo suaprocura de sentido, a criança correo risco de ter um atraso da lingua-gem. Essa apreensão do sentido é oque os psicolingüistas chamam a com-preensão simbólica, que se manifestano fato de que as crianças respon-dam ao adulto de maneira adequa-da. E, aí, a criança entra numa tem-poralidade diferente, pois é precisoesperar a última palavra da frase parapoder responder. É o efeito nachträgli-

ch. A criança entra na história, entrana narrativa, na diacronia propria-mente dita. Isso quer dizer tambémque começa a se submeter ao princí-pio da realidade. Estamos agora noregistro do Eu realidade, que, ao in-verso do Eu prazer, obedece às re-gras de ligações. Entre 18 e 20 me-ses, há um crescimento do vocabulá-rio, a criança começa a levar em con-ta as regras de pronúncia e os princí-pios gramaticais da língua, e começaa aplicar essas regras. Isso acontecesempre nessa dialética entre pulsão devida e pulsão de morte. Efeito da Be-jahung e do Eros, efeito das pulsõesde vida, que funcionam no sentidoda unificação e da articulação entreos elementos separados, para estabe-lecer uma relação entre eles. Efeitotambém da fase do espelho, com suatendência a ligar e a unir. Mas tam-bém efeito das pulsões de destruiçãoque introduzem o corte. Assim, afir-ma Jean-Jacques Rassial (em seminá-rio de DEA na Universidade de Pa-ris XIII, em 1998), o balbucio torna-se língua sob o efeito das leis de con-catenação e de reunião, ao mesmotempo em que há exclusão, Austos-sung, de algumas produções fonemá-ticas que não pertencem à línguamaterna, efeito da pulsão de destrui-ção. Esse autor considera que as pro-duções ecolálicas devem ser compre-endidas como produção fonemáticaforacluída, expulsa no Real. Esse tipode foraclusão efetua-se não somenteno psicótico, mas também no neu-rótico, que pode também expulsarsinais de percepção que não irão seconstituir em significantes. Em conse-qüência disso, o adulto terá dificulda-des em aprender uma língua estran-

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geira, pois, na língua estrangeira, deve reencontrar produções fo-nemáticas que estiveram à sua disposição na época do balbucio edas lalações, mas que foram expulsas como não pertencentes àlíngua materna. Essa foraclusão acontece porque a criança identifi-ca no nível da onda sonora produzida uma certa freqüência quenão é aquela que deseja ouvir, não é aquela que faz voltar sua mãe.

Quando a dimensão do sentido sobrevém é que houve a divi-são originária que faz advir o sujeito, a Spaltung entre discurso cons-ciente e discurso inconsciente. Essa divisão manifesta-se no discur-so em sujeito do enunciado e sujeito da enunciação. A criança sai dogozo incestuoso, do gozo proibido do seio e das lalações, paraentrar no gozo permitido, gozo fálico. Segundo Lacan (1948), so-mente um sujeito pode compreender um sentido, de maneira quetodo fenômeno de sentido implicaria um sujeito. Dolto (1984) afir-ma, por seu lado, que a compreensão de uma palavra é diferentesegundo a fase em que está. Por exemplo, se a criança está nomomento da imagem de base oral, ela só compreende as palavrasque concernem aos prazeres da boca e de corpo carregado. Acompreensão de uma palavra depende para ela ao mesmo tempodo esquema corporal de cada um e da constituição da imagem docorpo ligada às trocas vivas que acompanharam a aquisição dessapalavra. E, embora Dolto (1984) nos diga que a palavra tem umsentido simbólico em si mesmo, pois reúne além do espaço e dotempo seres humanos na comunicação, ela afirma que aquele quenão tem esquema corporal ou imagem do corpo correspondenteà palavra emitida ouve a palavra sem compreender o sentido, pornão ter uma relação corporal que permita. Lembramos que, paraadquirir sentido, as palavras devem tomar corpo e serem metabo-lizadas numa imagem do corpo relacional. Sem isso, a criança terádificuldade em compreender o sentido. As palavras tomam corpona fase do espelho, quando são associadas às coisas. Não nos po-demos impedir de lembrar aqui uma criança psicótica de 2 anos emeio que pronunciava somente duas ou três palavras, e a palavraque pronunciava mais freqüentemente era uma que tinha ouvidode um vendedor que passava diariamente diante de sua casa, dequem jamais tinha visto o rosto. Era, portanto, uma voz que vinhado além, sem nenhuma relação a um corpo, essa criança não po-dendo, evidentemente, compreender o sentido.

Dolto (1984) nos diz que a castração oral é decisiva para acompreensão das palavras, pois ela considera que é somente a par-tir dessa castração que a significação das palavras terá um outroalcance. Ela confirma assim mais uma vez como o corpo está emquestão no sentido das palavras e como a zona erógena proibida éo lugar em que o sentido deve advir. É finalmente pela castração

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oral que a criança entra definitivamen-te na significação fálica. Ela se intro-duz na relação com outras pessoas,daí por diante poderá aceitar a assis-tência de outras pessoas que não amãe, se naturalmente essas pessoasestiverem em boas relações com ela.

A angústia do oitavo mês des-crita por Spitz é compreendida tam-bém como atividade negativante dalinguagem contemporânea do des-mame, antes da pronunciação do nãona palavra. A criança diz não a umrosto diferente dos rostos que conhe-ce. É um não motor, ainda não ver-bal, pois ela dá as costas para o es-trangeiro e chora, mas se volta paraa pessoa que conhece. Negação e afir-mação, atividade de simbolização aomesmo tempo. O que angustia a cri-ança, nos diz Claude Trevarten (1998),não é o medo de ser comido ou deser morto pelo estranho, o que acriança sente como perigoso é jus-tamente o fato de não compreen-der o sentido da presença estrangei-ra. Para Françoise Dolto, a angústiado oitavo mês não é uma passagemfatal nem necessária, ela sobrevémnas crianças que não foram sufici-entemente carregadas em direção doque as atrai, e a quem o adulto nãomediatiza suficientemente no espa-ço os objetos que vê e que desejatocar. Isso daria à criança um senti-mento de impotência, pois ela nãoliga o estrangeiro às lembranças an-teriores. Se não pode ligar o estra-nho às lembranças anteriores, nãopoderá evidentemente compreendero sentido. De fato, tudo é outro, tudoé estrangeiro para o recém-nascido,nada tem sentido até que a mãe dêsentido com sua interpretação e com

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suas palavras, fazendo a ligação do novo com as experiênciaspassadas. É por isso que, quando a criança começa a falar, fala dolugar da mãe que antes falava em seu lugar, sua frase fala de seudesejo, mas como se fosse dito por um outro, pela mãe, o verbona terceira pessoa. É somente mais tarde, que se dá a inversãopronominal, e que a criança fala de si na primeira pessoa do ver-bo.

Depois do desmame, portanto, a boca esvaziada do seio dálugar a uma outra forma de comunicação. O prazer da boca des-loca-se progressivamente para a pronúncia das palavras e para oconhecimento de outros objetos que se constituem primeiramentecomo objetos mamãizados (objetos que são associados pela crian-ça à presença da mãe), as próprias palavras se constituem comoobjetos mamãizados. Dolto (1984) nos diz que a castração oral ésimbolígena, na medida em que a assimilação da língua materna sóse faz depois do desmame.

Essa linguagem de gozo, nos diz Lacan (1975) na “Conferên-cia de Genebra sobre o sintoma”, intervém sob a forma de alíngua,primeira marca do ser falante. Se a língua é condição do inconsci-ente, a alíngua é a língua particular e única para cada ser falante. Aalíngua sobrevém para o ser por meio de cortes, escansões, pontu-ações, que instauram para sempre o equívoco. A alíngua é a línguado inconsciente de cada um, ela estrutura o falasser, e constitui osubstrato em que o sujeito estrutura suas experiências. O falasserconstitui-se como marcado pelo significante e pela castração e,portanto, incapaz de dizer tudo.

Tomando a cadeia significante, podemos dizer que S1 aindanão é comunicação nem sentido. São as lalações, é o balbucio, éalíngua, puro gozo que se articula com o objeto voz. Esse gozo setornará sentido, jouis-sens, articulado com um outro significante, oS2, que desloca o gozo do puro som para o sentido, momento emque o simbólico advém pela metáfora paterna. Isso se dá por meioda negação, que transforma S1 em S2 para que haja acesso à cadeiasignificante consciente, pois para o inconsciente não há negação. AVerneinung implica desdobramento, implica negação. Se há foraclu-são do nome do pai, as pulsões ficam separadas, desarticuladas, anegação não pode se inscrever na linguagem, haverá portanto ca-rência de nexo, de ligações, o que se manifesta na proliferação ima-ginária do psicótico. Sua linguagem será difícil de ser entendidapelos outros. Para que a negação inscreva-se na linguagem, é preci-so que as palavras ditas pela mãe venham inibir a alucinação primi-tiva, tornando possível a atividade negativante.

Podemos ainda fazer observar que a articulação entre essesdois momentos, o primeiro momento, em que a linguagem não

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tem sentido, as palavras não têmnexo, nem ligação, e o segundo mo-mento, em que o sentido advém,as palavras ligam e articulam-se en-tre si, esse momento de virada édado pelo espelho, que, segundoLacan, é o que estrutura tudo o queexiste no homem de sem ligação,de fragmentado, de anárquico, e queestabelece a relação das palavrascom as percepções.

A nomeação dos objetos estru-tura a percepção e organiza as sensa-ções. No texto “Agressividade empsicanálise”, Lacan (1948) afirma queo narcisismo que advém pelo espe-lho revela o mais profundo sentimen-to das latências da semântica. Essavirada dá-se então a partir do reco-nhecimento do sujeito no espelho, eem toda percepção o homem se re-conhecerá sempre em um pontoqualquer ou em vários pontos. Pelanomeação dos objetos, o homem osfaz subsistir no tempo. Eles duramalém de seu desaparecimento no es-paço. O nome é o tempo do objeto,afirma ainda Lacan (1954-5) no Se-minário II.

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Aceito em janeiro/2003.Recebido em setembro/2002.