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Entrevista Sally Price

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Sally Price

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Page 1: Entrevista Sally Price

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

httpwwwifchunicampbrproa

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Entrevista com Sally Price

por Ilana Seltzer Goldstein1

Sally Price eacute conhecida no Brasil sobretudo pelo livro Primitive Art in Civilized

Places (1989) ndash traduzido para o francecircs inglecircs alematildeo italiano holandecircs e tambeacutem

para o portuguecircs Trata-se de um estudo antropoloacutegico pioneiro acerca dos museus e

do mercado de arte que a partir da anaacutelise de depoimentos de acadecircmicosmarchands e curadores discute a internacionalizaccedilatildeo da arte ldquoprimitivardquo mostrando

que os autores indiacutegenas de obras comercializadas e expostas em museus e galerias

ocidentais acabam sendo invisibilizados ou estereotipados

No entanto no posfaacutecio a uma nova ediccedilatildeo de Primitive Art in Civilized Places

escrito em 2001 Price parece mais otimista Argumenta que nas uacuteltimas duas

deacutecadas as criaccedilotildees artiacutesticas vecircm sendo cada vez mais analisadas de modo social e

culturalmente contextualizado e a partir de uma perspectiva menos etnocecircntrica Do

ponto de vista acadecircmico a autora observa hoje uma melhor integraccedilatildeo entre

abordagens antropoloacutegicas histoacutericas e museoloacutegicas e tambeacutem uma maior

problematizaccedilatildeo dos modos de colecionar exibir e classificar os objetos artiacutesticos

A Proa conversou com Sally Price entre outros assuntos sobre o anonimato

que costuma pairar sobre as artes natildeo-ocidentais sobre a criaccedilatildeo do Museacutee du Quai

Branly em Paris e sobre sua longa parceria com seu marido Richard Price Apesar de

curta a entrevista levanta questotildees instigantes sobre as relaccedilotildees entre arte

Antropologia e praacuteticas museoloacutegicas Serve como um aperitivo para a vasta obra

dessa antropoacuteloga que aleacutem do pensamento agudo brinda o leitor com um estilo

prazeroso e bem humorado quase literaacuterio (Talvez o prazer que chega aos leitoresesteja relacionado de alguma maneira agrave linda vista da varanda da residecircncia do casal

Price na Martinica onde os dois passam metade do ano escrevendo)

Antes de passar a palavra agrave entrevistada poreacutem cabe apresentar brevemente

sua trajetoacuteria intelectual Sally Price eacute graduada em Letras Francesas pela Universidade

de Harvard (1965) e doutora em Antropologia Social pela Universidade Johns Hopkins

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a trabalhar ativamente no campo anos antes de comeccedilar minha poacutes-graduaccedilatildeo em

Antropologia Quanto a meu interesse pela Antropologia da arte foi despertado

durante o primeiro ano (de vaacuterios) em que eu e Richard moramos com os maroon4

Saramaka no Suriname Eles foram as primeiras pessoas com quem fiz trabalho de

campo que realmente se preocupavam com a dimensatildeo esteacutetica da vida ndash tanto naproduccedilatildeo de belas esculturas de madeira de cabaccedilas entalhadas e incriacuteveis tecidos

com retalhos como tambeacutem na forma de cultivar a horta de arroz ou na opccedilatildeo por

comprar latas de esmalte importado por exemplo Natildeo vejo como se interessar pela

cultura Saramaka sem estar muito interessado em arte

PROA Vocecirc e seu marido Richard Price trabalham juntos em numerosos

projetos inclusive escrevendo a quatro matildeos Existe uma divisatildeo clara de

papeacuteis Como lidam com a separaccedilatildeo entre vida pessoal e cooperaccedilatildeo

intelectual

SALLY PRICE Natildeo lidamos Tudo acontece junto Ao longo dos anos noacutes

desenvolvemos estilos de escrita ligeiramente diferentes o que faz com que nossos

livros de autoria individual sejam um pouco distintos mas quando escrevemos a

quatro matildeos a diferenccedila tende a desaparecer Algumas vezes cada um de noacutes faz o

primeiro rascunho de uma parte do livro as partes entatildeo satildeo trocadas para serem

reescritas Outras vezes noacutes conversamos sobre certa passagem tatildeo detalhadamente

que ao inseri-la no computador jaacute se trata de uma co-autoria Uma das colaboraccedilotildees

mais prazerosas que tivemos foi um romance sobre falsificaccedilatildeo de arte chamadoEnigma Variations (Harvard University Press 1995) Esse livro tem algumas partes que

satildeo ldquopuramente Richardrdquo e outras que satildeo ldquopuramente Sallyrdquo mas acho que somos os

uacutenicos que podem dizer qual a diferenccedila

PROA Um outro livro escrito a quatro matildeos Maroon Arts Cultural Vitality in

the African Diaspora (Boston Beacon Press 1999) discute as expressotildees

artiacutesticas de um grupo de descendentes de escravos de origem africana que

conseguiram se livrar do trabalho nas fazendas no seacuteculo XVIII eestabeleceram comunidades independentes em meio agrave floresta tropical do

Suriname e da Guiana Francesa A partir da anaacutelise de praacuteticas artiacutesticas

desse grupo vocecircs argumentam que ideacuteias esteacuteticas pan-africanas persistem

mescladas poreacutem a inovaccedilotildees relacionadas a transformaccedilotildees sociais

poliacuteticas e culturais Uma das coisas que chama a atenccedilatildeo no livro eacute que

mesmo frente agraves muitas adversidades descritas (guerra civil economia em

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

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crise drogas accedilatildeo de mineradoras) os Maroon ainda se preocupem com a

destreza artiacutestica

SALLY PRICE As pessoas natildeo perdem sua cultura apenas porque passam por

momentos difiacuteceis Pense nas descriccedilotildees que temos do sofrimento dos africanos

durante os horrores da Middle Passage [travessia do Atlacircntico pelos navios negreiros]e de que natildeo obstante chegando agraves Ameacutericas eles faziam aquilo que um escritor do

seacuteculo XVIII descreveu assim ldquoos escravos satildeo levados para o conveacutes e seus

cabelos satildeo aparados em diferentes formatos de estrelas meias-luas etc ndash o que eles

geralmente fazem uns para os outros (sem dispor de lacircminas) com a ajuda de uma

garrafa quebrada e sem sabatildeordquo [STEDMAN apud MINTZ e PRICE O Nascimento da

cultura Afro-americana Pallas Editora 1992 p 72] Suponho que casos parecidos

possam ser encontrados nos campos a ceacuteu aberto onde viacutetimas do recente terremoto

no Haiti natildeo tecircm sequer o que comer As pessoas satildeo surpreendentemente flexiacuteveis

frente agrave adversidade Foi por exemplo no periacuteodo em que seus povoados estavam

sendo bombardeados durante a guerra civil que as mulheres maroon Saramaka

desenvolveram novos ornamentos a partir de cabaccedilas abertas

Figura 1 Ornamentos feitos com cabaccedilas abertas Peccedilas esculpidas por Yowensia Ngwete daaldeia Saramaka de Soola em 2002 Foto de Sally Price

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados (Rio de Janeiro Editora da UFRJ

2000) lanccedila matildeo de autores e conceitos de diferentes campos acadecircmicos

tais como a Sociologia a Etnologia e a Histoacuteria da arte e ao mesmo tempo

menciona haver certa resistecircncia contra a arte na Antropologia Vocecirc continua

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praticando essa abordagem interdisciplinar Acha que hoje os antropoacutelogos

estatildeo mais abertos a discutir questotildees artiacutesticas

SALLY PRICE O ambiente para a colaboraccedilatildeo interdisciplinar entre historiadores da

arte e antropoacutelogos estaacute definitivamente melhorando Mas ao inveacutes de lhe dar uma

resposta curta (e portanto inadequada) vou lhe enviar um breve ensaio que escrevicomo posfaacutecio para a segunda ediccedilatildeo inglesa de Primitive Art in Civilized Places

(disponiacutevel no site da Proa) Essa seria uma resposta melhor do que qualquer outra

coisa que eu poderia dizer no contexto dessa entrevista5

PROA No primeiro capiacutetulo de Arte Primitiva em Centros Civilizados satildeo

elencados diversos sentidos e definiccedilotildees para a ldquoarte primitivardquo No Brasil

essa categoria jaacute abarcou coisas muito diferentes tais como pinturas

rupestres preacute-histoacutericas telas naiumlf artesanato popular trabalhos assinados

por pacientes psiquiaacutetricos e finalmente as artes indiacutegenas De que forma

especiacutefica vocecirc usa essa expressatildeo controversa

SALLY PRICE Essa eacute uma expressatildeo espinhosa com um passado ignoacutebil Eu a uso

para me referir natildeo a qualquer tradiccedilatildeo artiacutestica mas antes a um olhar etnocecircntrico

distintivamente ocidental Afinal de contas quando as pessoas falam de ldquoarte

primitivardquo estatildeo falando de tradiccedilotildees artiacutesticas que natildeo tecircm absolutamente nada em

comum ndash nem do ponto de vista geograacutefico simboacutelico e histoacuterico nem em termos da

estrutura social ou das crenccedilas religiosa dos artistas Tudo o que as diversas

manifestaccedilotildees chamadas de ldquoarte primitivardquo realmente tecircm em comum eacute que satildeoencaixadas pelo Ocidente em uma espeacutecie de estereoacutetipo simplificador do Outro

exoacutetico

PROA Sua obra mais recente Paris Primitive Jacques Chiracrsquos Museum on

the Quai Branly (Chicago University of Chicago Press 2007) lida com as

controveacutersias em torno desse museu parisiense dedicado agraves artes dos Outros

mostrando que ele foi de fato um projeto pessoal de dois Jacques o ex-

presidente Jacques Chirac e seu amigo o negociante de arte ldquoprimitivardquoJacques Kerchache O livro sugere que houve desentendimentos em muitos

niacuteveis durante o processo de planejamento e montagem da instituiccedilatildeo ndash o

debate sobre oferecer ou natildeo informaccedilotildees etnoloacutegicas junto aos artefatos

expostos eacute apenas um exemplo Como vocecirc teve acesso agraves informaccedilotildees

Esteve envolvida no processo

SALLY PRICE Eu iniciei a pesquisa em casa na Martinica quando a ideacuteia de um novo

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museu estava apenas comeccedilando a ser discutida Eu nunca teria podido desenvolver

um projeto desses sem a internet e os serviccedilos de longa distacircncia da biblioteca de

minha universidade ndash como o empreacutestimo Inter-Library ou o acesso eletrocircnico a

jornais e perioacutedicos Aleacutem disso amigos e colegas na Franccedila que sabiam que eu

estava trabalhando nesse projeto enviavam-me clippings assim que apareciammateacuterias na imprensa Na primavera de 2003 eu fui professora-visitante na Sorbonne

o que me permitiu fazer contatos importantes e ter uma ideacuteia mais precisa de para

onde as coisas estavam caminhando Agora foi soacute em 2005 que eu comecei a pesquisa

intensa no proacuteprio local Durante uma estadia prolongada em Paris entrevistei tanto o

staff do museu em construccedilatildeo (e sou muito grata a todos que generosamente me

concederam seu tempo) quanto observadores externos muitos dos quais haviam

participado do processo mas haviam-no abandonado devido agrave frustraccedilatildeo pelo rumo

que ele estava tomando Essas pessoas estavam aacutevidas por me contar que tipos de

problemas tinham encontrado

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados criticava o fato de as peccedilas natildeo-

ocidentais serem frequentemente expostas em museus e galerias sem

indicaccedilatildeo do nome de seus autores nem de suas datas e locais precisos de

origem O Museacutee du Quai Branly resolveu o problema do anonimato

SALLY PRICE Resolveu mas de uma forma natildeo tatildeo consistente quanto eu gostaria

Dou exemplos disso em Paris Primitive como a exposiccedilatildeo de dois trabalhos

impressionantes tomados pelos franceses no momento da conquista do palaacutecio real deAbomey em 1893 as estaacutetuas do rei Glele como ldquorei leatildeordquo e do rei Gbehanzin como

ldquorei tubaratildeordquo feitas pelo famoso artista daomeano Sosa Adede Quando o museu foi

aberto o uacutenico nome associado agraves estaacutetuas era o do militar conquistador francecircs

ldquoGeneral Doddsrdquo Mas houve melhorias nesse sentido percebi numa visita recente ao

Quai Branly que o nome de Sosa Adede agora foi adicionado agrave legenda do museu

Natildeo sei se minha criacutetica provocou a mudanccedila

PROA A abertura do museu parisiense teve influecircncia sobre o mercado dearte

SALLY PRICE As pessoas que tecircm familiaridade com o mercado (preccedilos de venda em

leilotildees etc) afirmam que ela causou uma seacuteria inflaccedilatildeo Haacute o caso de uma estaacutetua

que no momento da abertura das galerias permanentes do Museacutee Branly foi vendida

por quatro milhotildees de Euros

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PROA Vocecirc escreveu que o Branly tem uma ldquotendecircncia geral a privilegiar a

harmonia em detrimento da criacutetica social e dos interesses de grupos eacutetnicos

particularesrdquo Essa tendecircncia conciliatoacuteria estaacute relacionada ao modo

universalista (e algumas vezes homogeneizante) com que a Franccedila lida com a

diversidade culturalSALLY PRICE Eu natildeo chamaria de ldquoconciliatoacuteriardquo A abordagem francesa particular da

diversidade cultural (sua famosa ldquolaiumlciteacuterdquo 6) e o esforccedilo da Franccedila em promover uma

maior apreciaccedilatildeo da diferenccedila cultural ndash que levou agrave criaccedilatildeo do Museacutee du Quai Branly

ndash formam um par estranho Trabalham em direccedilotildees opostas uma almejando promover

a assimilaccedilatildeo cultural e outro visando a celebrar as diferenccedilas entre as culturas Eu

tentei cotejar esses dois vetores em Paris Primitive observando o tratamento das

minorias eacuteticas na Franccedila fora do contexto do Museu como tambeacutem dentro dele

PROA Paris Primitive eacute muito bem escrito e muito agradaacutevel de ler Mas notei

uma estrateacutegia didaacutetica que natildeo eacute muito comum nos livros de Antropologia

haacute vaacuterias pequenos boxes ao longo das paacuteginas explicando fatos termos ou

perfis biograacuteficos para leitores natildeo iniciados Vocecirc escolheu comunicar-se

com um puacuteblico mais amplo

SP O termo em inglecircs para esses boxes eacute sidebars A primeira vez que lembro de tecirc-

los visto foi em um livro de Lucy Lippard de 1990 Mixed Blessings New Art in a

Multicultural America Desde entatildeo Richard Price e eu as temos usado em vaacuterioslivros Elas satildeo boas porque nos permitem a inclusatildeo de informaccedilotildees que natildeo se

encaixam facilmente no texto principal E natildeo tecircm a formalidade acadecircmica das notas

de rodapeacute

PROA Esse livro tem muitos pontos em comum com outro de Benoit de

LEstoile Le Gout des autres (resenhado na primeira ediccedilatildeo da revista Proa)

Isso eacute um acaso ou vocecircs dois trocaram informaccedilotildees

SALLY PRICE Em 2007 eu dei uma conferecircncia no Museacutee du Quai Branly no acircmbito

de um grande coloacutequio internacional para comemorar o primeiro aniversaacuterio da

instituiccedilatildeo Minha fala continha uma citaccedilatildeo de um artigo do Benoit de LEstoile

Posteriormente ele veio ateacute mim e agradeceu dizendo que natildeo fora convidado para

falar no coloacutequio mas que minha fala havia servido para fazer com que sua voz fosse

ouvida Entatildeo agora mantemos contato mas isso tudo aconteceu depois que meu

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livro jaacute estava finalizado A propoacutesito minha conferecircncia estaacute disponiacutevel on-line em

httpactesbranlyrevuesorg352

PROA Vocecirc estaacute sabendo de um projeto alematildeo para construir um

equivalente ao Branly em BerlimSALLY PRICE Sim Os organizadores desse projeto me convidaram para participar de

um seminaacuterio puacuteblico a respeito em 2008 com a ideacuteia de que como eles colocaram

eu poderia ajudar a ldquopoupaacute-los de alguns dos piores errosrdquo que de outro modo eles

poderiam cometer ao mover objetos etnograacuteficos para um novo lugar Seraacute

interessante ver o que eles concebem 7

PROA Em seu site consta que sua aacuterea de interesse cobre toda a

Afroameacuterica de Toronto ao Brasil Vocecirc jaacute esteve no Brasil

SALLY PRICE Richard e eu jaacute estivemos no Brasil vaacuterias vezes A mais recente foi no

ano passado para o simpoacutesio internacional ldquoTerritoacuterios Sensiacuteveis diferenccedila agecircncia e

transgressatildeordquo no Museu Nacional do Rio de Janeiro Tivemos cada um duas outras

estadias com apoio da Fullbright ndash foram quatro meses em Salvador e seis semanas no

Rio de Janeiro que nos deram a oportunidade de conhecer estudantes e colegas e

viajar para conferecircncias em uma dezena de universidades brasileiras do Maranhatildeo a

Porto Alegre Apoacutes 2011 estaremos aposentados de nossos postos de professor nos

Estados Unidos e entatildeo esperamos ter mais tempo livre para outras visitas ao Brasil

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

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Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

ddmmaaaa

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

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a trabalhar ativamente no campo anos antes de comeccedilar minha poacutes-graduaccedilatildeo em

Antropologia Quanto a meu interesse pela Antropologia da arte foi despertado

durante o primeiro ano (de vaacuterios) em que eu e Richard moramos com os maroon4

Saramaka no Suriname Eles foram as primeiras pessoas com quem fiz trabalho de

campo que realmente se preocupavam com a dimensatildeo esteacutetica da vida ndash tanto naproduccedilatildeo de belas esculturas de madeira de cabaccedilas entalhadas e incriacuteveis tecidos

com retalhos como tambeacutem na forma de cultivar a horta de arroz ou na opccedilatildeo por

comprar latas de esmalte importado por exemplo Natildeo vejo como se interessar pela

cultura Saramaka sem estar muito interessado em arte

PROA Vocecirc e seu marido Richard Price trabalham juntos em numerosos

projetos inclusive escrevendo a quatro matildeos Existe uma divisatildeo clara de

papeacuteis Como lidam com a separaccedilatildeo entre vida pessoal e cooperaccedilatildeo

intelectual

SALLY PRICE Natildeo lidamos Tudo acontece junto Ao longo dos anos noacutes

desenvolvemos estilos de escrita ligeiramente diferentes o que faz com que nossos

livros de autoria individual sejam um pouco distintos mas quando escrevemos a

quatro matildeos a diferenccedila tende a desaparecer Algumas vezes cada um de noacutes faz o

primeiro rascunho de uma parte do livro as partes entatildeo satildeo trocadas para serem

reescritas Outras vezes noacutes conversamos sobre certa passagem tatildeo detalhadamente

que ao inseri-la no computador jaacute se trata de uma co-autoria Uma das colaboraccedilotildees

mais prazerosas que tivemos foi um romance sobre falsificaccedilatildeo de arte chamadoEnigma Variations (Harvard University Press 1995) Esse livro tem algumas partes que

satildeo ldquopuramente Richardrdquo e outras que satildeo ldquopuramente Sallyrdquo mas acho que somos os

uacutenicos que podem dizer qual a diferenccedila

PROA Um outro livro escrito a quatro matildeos Maroon Arts Cultural Vitality in

the African Diaspora (Boston Beacon Press 1999) discute as expressotildees

artiacutesticas de um grupo de descendentes de escravos de origem africana que

conseguiram se livrar do trabalho nas fazendas no seacuteculo XVIII eestabeleceram comunidades independentes em meio agrave floresta tropical do

Suriname e da Guiana Francesa A partir da anaacutelise de praacuteticas artiacutesticas

desse grupo vocecircs argumentam que ideacuteias esteacuteticas pan-africanas persistem

mescladas poreacutem a inovaccedilotildees relacionadas a transformaccedilotildees sociais

poliacuteticas e culturais Uma das coisas que chama a atenccedilatildeo no livro eacute que

mesmo frente agraves muitas adversidades descritas (guerra civil economia em

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crise drogas accedilatildeo de mineradoras) os Maroon ainda se preocupem com a

destreza artiacutestica

SALLY PRICE As pessoas natildeo perdem sua cultura apenas porque passam por

momentos difiacuteceis Pense nas descriccedilotildees que temos do sofrimento dos africanos

durante os horrores da Middle Passage [travessia do Atlacircntico pelos navios negreiros]e de que natildeo obstante chegando agraves Ameacutericas eles faziam aquilo que um escritor do

seacuteculo XVIII descreveu assim ldquoos escravos satildeo levados para o conveacutes e seus

cabelos satildeo aparados em diferentes formatos de estrelas meias-luas etc ndash o que eles

geralmente fazem uns para os outros (sem dispor de lacircminas) com a ajuda de uma

garrafa quebrada e sem sabatildeordquo [STEDMAN apud MINTZ e PRICE O Nascimento da

cultura Afro-americana Pallas Editora 1992 p 72] Suponho que casos parecidos

possam ser encontrados nos campos a ceacuteu aberto onde viacutetimas do recente terremoto

no Haiti natildeo tecircm sequer o que comer As pessoas satildeo surpreendentemente flexiacuteveis

frente agrave adversidade Foi por exemplo no periacuteodo em que seus povoados estavam

sendo bombardeados durante a guerra civil que as mulheres maroon Saramaka

desenvolveram novos ornamentos a partir de cabaccedilas abertas

Figura 1 Ornamentos feitos com cabaccedilas abertas Peccedilas esculpidas por Yowensia Ngwete daaldeia Saramaka de Soola em 2002 Foto de Sally Price

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados (Rio de Janeiro Editora da UFRJ

2000) lanccedila matildeo de autores e conceitos de diferentes campos acadecircmicos

tais como a Sociologia a Etnologia e a Histoacuteria da arte e ao mesmo tempo

menciona haver certa resistecircncia contra a arte na Antropologia Vocecirc continua

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praticando essa abordagem interdisciplinar Acha que hoje os antropoacutelogos

estatildeo mais abertos a discutir questotildees artiacutesticas

SALLY PRICE O ambiente para a colaboraccedilatildeo interdisciplinar entre historiadores da

arte e antropoacutelogos estaacute definitivamente melhorando Mas ao inveacutes de lhe dar uma

resposta curta (e portanto inadequada) vou lhe enviar um breve ensaio que escrevicomo posfaacutecio para a segunda ediccedilatildeo inglesa de Primitive Art in Civilized Places

(disponiacutevel no site da Proa) Essa seria uma resposta melhor do que qualquer outra

coisa que eu poderia dizer no contexto dessa entrevista5

PROA No primeiro capiacutetulo de Arte Primitiva em Centros Civilizados satildeo

elencados diversos sentidos e definiccedilotildees para a ldquoarte primitivardquo No Brasil

essa categoria jaacute abarcou coisas muito diferentes tais como pinturas

rupestres preacute-histoacutericas telas naiumlf artesanato popular trabalhos assinados

por pacientes psiquiaacutetricos e finalmente as artes indiacutegenas De que forma

especiacutefica vocecirc usa essa expressatildeo controversa

SALLY PRICE Essa eacute uma expressatildeo espinhosa com um passado ignoacutebil Eu a uso

para me referir natildeo a qualquer tradiccedilatildeo artiacutestica mas antes a um olhar etnocecircntrico

distintivamente ocidental Afinal de contas quando as pessoas falam de ldquoarte

primitivardquo estatildeo falando de tradiccedilotildees artiacutesticas que natildeo tecircm absolutamente nada em

comum ndash nem do ponto de vista geograacutefico simboacutelico e histoacuterico nem em termos da

estrutura social ou das crenccedilas religiosa dos artistas Tudo o que as diversas

manifestaccedilotildees chamadas de ldquoarte primitivardquo realmente tecircm em comum eacute que satildeoencaixadas pelo Ocidente em uma espeacutecie de estereoacutetipo simplificador do Outro

exoacutetico

PROA Sua obra mais recente Paris Primitive Jacques Chiracrsquos Museum on

the Quai Branly (Chicago University of Chicago Press 2007) lida com as

controveacutersias em torno desse museu parisiense dedicado agraves artes dos Outros

mostrando que ele foi de fato um projeto pessoal de dois Jacques o ex-

presidente Jacques Chirac e seu amigo o negociante de arte ldquoprimitivardquoJacques Kerchache O livro sugere que houve desentendimentos em muitos

niacuteveis durante o processo de planejamento e montagem da instituiccedilatildeo ndash o

debate sobre oferecer ou natildeo informaccedilotildees etnoloacutegicas junto aos artefatos

expostos eacute apenas um exemplo Como vocecirc teve acesso agraves informaccedilotildees

Esteve envolvida no processo

SALLY PRICE Eu iniciei a pesquisa em casa na Martinica quando a ideacuteia de um novo

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

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museu estava apenas comeccedilando a ser discutida Eu nunca teria podido desenvolver

um projeto desses sem a internet e os serviccedilos de longa distacircncia da biblioteca de

minha universidade ndash como o empreacutestimo Inter-Library ou o acesso eletrocircnico a

jornais e perioacutedicos Aleacutem disso amigos e colegas na Franccedila que sabiam que eu

estava trabalhando nesse projeto enviavam-me clippings assim que apareciammateacuterias na imprensa Na primavera de 2003 eu fui professora-visitante na Sorbonne

o que me permitiu fazer contatos importantes e ter uma ideacuteia mais precisa de para

onde as coisas estavam caminhando Agora foi soacute em 2005 que eu comecei a pesquisa

intensa no proacuteprio local Durante uma estadia prolongada em Paris entrevistei tanto o

staff do museu em construccedilatildeo (e sou muito grata a todos que generosamente me

concederam seu tempo) quanto observadores externos muitos dos quais haviam

participado do processo mas haviam-no abandonado devido agrave frustraccedilatildeo pelo rumo

que ele estava tomando Essas pessoas estavam aacutevidas por me contar que tipos de

problemas tinham encontrado

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados criticava o fato de as peccedilas natildeo-

ocidentais serem frequentemente expostas em museus e galerias sem

indicaccedilatildeo do nome de seus autores nem de suas datas e locais precisos de

origem O Museacutee du Quai Branly resolveu o problema do anonimato

SALLY PRICE Resolveu mas de uma forma natildeo tatildeo consistente quanto eu gostaria

Dou exemplos disso em Paris Primitive como a exposiccedilatildeo de dois trabalhos

impressionantes tomados pelos franceses no momento da conquista do palaacutecio real deAbomey em 1893 as estaacutetuas do rei Glele como ldquorei leatildeordquo e do rei Gbehanzin como

ldquorei tubaratildeordquo feitas pelo famoso artista daomeano Sosa Adede Quando o museu foi

aberto o uacutenico nome associado agraves estaacutetuas era o do militar conquistador francecircs

ldquoGeneral Doddsrdquo Mas houve melhorias nesse sentido percebi numa visita recente ao

Quai Branly que o nome de Sosa Adede agora foi adicionado agrave legenda do museu

Natildeo sei se minha criacutetica provocou a mudanccedila

PROA A abertura do museu parisiense teve influecircncia sobre o mercado dearte

SALLY PRICE As pessoas que tecircm familiaridade com o mercado (preccedilos de venda em

leilotildees etc) afirmam que ela causou uma seacuteria inflaccedilatildeo Haacute o caso de uma estaacutetua

que no momento da abertura das galerias permanentes do Museacutee Branly foi vendida

por quatro milhotildees de Euros

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PROA Vocecirc escreveu que o Branly tem uma ldquotendecircncia geral a privilegiar a

harmonia em detrimento da criacutetica social e dos interesses de grupos eacutetnicos

particularesrdquo Essa tendecircncia conciliatoacuteria estaacute relacionada ao modo

universalista (e algumas vezes homogeneizante) com que a Franccedila lida com a

diversidade culturalSALLY PRICE Eu natildeo chamaria de ldquoconciliatoacuteriardquo A abordagem francesa particular da

diversidade cultural (sua famosa ldquolaiumlciteacuterdquo 6) e o esforccedilo da Franccedila em promover uma

maior apreciaccedilatildeo da diferenccedila cultural ndash que levou agrave criaccedilatildeo do Museacutee du Quai Branly

ndash formam um par estranho Trabalham em direccedilotildees opostas uma almejando promover

a assimilaccedilatildeo cultural e outro visando a celebrar as diferenccedilas entre as culturas Eu

tentei cotejar esses dois vetores em Paris Primitive observando o tratamento das

minorias eacuteticas na Franccedila fora do contexto do Museu como tambeacutem dentro dele

PROA Paris Primitive eacute muito bem escrito e muito agradaacutevel de ler Mas notei

uma estrateacutegia didaacutetica que natildeo eacute muito comum nos livros de Antropologia

haacute vaacuterias pequenos boxes ao longo das paacuteginas explicando fatos termos ou

perfis biograacuteficos para leitores natildeo iniciados Vocecirc escolheu comunicar-se

com um puacuteblico mais amplo

SP O termo em inglecircs para esses boxes eacute sidebars A primeira vez que lembro de tecirc-

los visto foi em um livro de Lucy Lippard de 1990 Mixed Blessings New Art in a

Multicultural America Desde entatildeo Richard Price e eu as temos usado em vaacuterioslivros Elas satildeo boas porque nos permitem a inclusatildeo de informaccedilotildees que natildeo se

encaixam facilmente no texto principal E natildeo tecircm a formalidade acadecircmica das notas

de rodapeacute

PROA Esse livro tem muitos pontos em comum com outro de Benoit de

LEstoile Le Gout des autres (resenhado na primeira ediccedilatildeo da revista Proa)

Isso eacute um acaso ou vocecircs dois trocaram informaccedilotildees

SALLY PRICE Em 2007 eu dei uma conferecircncia no Museacutee du Quai Branly no acircmbito

de um grande coloacutequio internacional para comemorar o primeiro aniversaacuterio da

instituiccedilatildeo Minha fala continha uma citaccedilatildeo de um artigo do Benoit de LEstoile

Posteriormente ele veio ateacute mim e agradeceu dizendo que natildeo fora convidado para

falar no coloacutequio mas que minha fala havia servido para fazer com que sua voz fosse

ouvida Entatildeo agora mantemos contato mas isso tudo aconteceu depois que meu

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livro jaacute estava finalizado A propoacutesito minha conferecircncia estaacute disponiacutevel on-line em

httpactesbranlyrevuesorg352

PROA Vocecirc estaacute sabendo de um projeto alematildeo para construir um

equivalente ao Branly em BerlimSALLY PRICE Sim Os organizadores desse projeto me convidaram para participar de

um seminaacuterio puacuteblico a respeito em 2008 com a ideacuteia de que como eles colocaram

eu poderia ajudar a ldquopoupaacute-los de alguns dos piores errosrdquo que de outro modo eles

poderiam cometer ao mover objetos etnograacuteficos para um novo lugar Seraacute

interessante ver o que eles concebem 7

PROA Em seu site consta que sua aacuterea de interesse cobre toda a

Afroameacuterica de Toronto ao Brasil Vocecirc jaacute esteve no Brasil

SALLY PRICE Richard e eu jaacute estivemos no Brasil vaacuterias vezes A mais recente foi no

ano passado para o simpoacutesio internacional ldquoTerritoacuterios Sensiacuteveis diferenccedila agecircncia e

transgressatildeordquo no Museu Nacional do Rio de Janeiro Tivemos cada um duas outras

estadias com apoio da Fullbright ndash foram quatro meses em Salvador e seis semanas no

Rio de Janeiro que nos deram a oportunidade de conhecer estudantes e colegas e

viajar para conferecircncias em uma dezena de universidades brasileiras do Maranhatildeo a

Porto Alegre Apoacutes 2011 estaremos aposentados de nossos postos de professor nos

Estados Unidos e entatildeo esperamos ter mais tempo livre para outras visitas ao Brasil

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Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

ddmmaaaa

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

Page 3: Entrevista Sally Price

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a trabalhar ativamente no campo anos antes de comeccedilar minha poacutes-graduaccedilatildeo em

Antropologia Quanto a meu interesse pela Antropologia da arte foi despertado

durante o primeiro ano (de vaacuterios) em que eu e Richard moramos com os maroon4

Saramaka no Suriname Eles foram as primeiras pessoas com quem fiz trabalho de

campo que realmente se preocupavam com a dimensatildeo esteacutetica da vida ndash tanto naproduccedilatildeo de belas esculturas de madeira de cabaccedilas entalhadas e incriacuteveis tecidos

com retalhos como tambeacutem na forma de cultivar a horta de arroz ou na opccedilatildeo por

comprar latas de esmalte importado por exemplo Natildeo vejo como se interessar pela

cultura Saramaka sem estar muito interessado em arte

PROA Vocecirc e seu marido Richard Price trabalham juntos em numerosos

projetos inclusive escrevendo a quatro matildeos Existe uma divisatildeo clara de

papeacuteis Como lidam com a separaccedilatildeo entre vida pessoal e cooperaccedilatildeo

intelectual

SALLY PRICE Natildeo lidamos Tudo acontece junto Ao longo dos anos noacutes

desenvolvemos estilos de escrita ligeiramente diferentes o que faz com que nossos

livros de autoria individual sejam um pouco distintos mas quando escrevemos a

quatro matildeos a diferenccedila tende a desaparecer Algumas vezes cada um de noacutes faz o

primeiro rascunho de uma parte do livro as partes entatildeo satildeo trocadas para serem

reescritas Outras vezes noacutes conversamos sobre certa passagem tatildeo detalhadamente

que ao inseri-la no computador jaacute se trata de uma co-autoria Uma das colaboraccedilotildees

mais prazerosas que tivemos foi um romance sobre falsificaccedilatildeo de arte chamadoEnigma Variations (Harvard University Press 1995) Esse livro tem algumas partes que

satildeo ldquopuramente Richardrdquo e outras que satildeo ldquopuramente Sallyrdquo mas acho que somos os

uacutenicos que podem dizer qual a diferenccedila

PROA Um outro livro escrito a quatro matildeos Maroon Arts Cultural Vitality in

the African Diaspora (Boston Beacon Press 1999) discute as expressotildees

artiacutesticas de um grupo de descendentes de escravos de origem africana que

conseguiram se livrar do trabalho nas fazendas no seacuteculo XVIII eestabeleceram comunidades independentes em meio agrave floresta tropical do

Suriname e da Guiana Francesa A partir da anaacutelise de praacuteticas artiacutesticas

desse grupo vocecircs argumentam que ideacuteias esteacuteticas pan-africanas persistem

mescladas poreacutem a inovaccedilotildees relacionadas a transformaccedilotildees sociais

poliacuteticas e culturais Uma das coisas que chama a atenccedilatildeo no livro eacute que

mesmo frente agraves muitas adversidades descritas (guerra civil economia em

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crise drogas accedilatildeo de mineradoras) os Maroon ainda se preocupem com a

destreza artiacutestica

SALLY PRICE As pessoas natildeo perdem sua cultura apenas porque passam por

momentos difiacuteceis Pense nas descriccedilotildees que temos do sofrimento dos africanos

durante os horrores da Middle Passage [travessia do Atlacircntico pelos navios negreiros]e de que natildeo obstante chegando agraves Ameacutericas eles faziam aquilo que um escritor do

seacuteculo XVIII descreveu assim ldquoos escravos satildeo levados para o conveacutes e seus

cabelos satildeo aparados em diferentes formatos de estrelas meias-luas etc ndash o que eles

geralmente fazem uns para os outros (sem dispor de lacircminas) com a ajuda de uma

garrafa quebrada e sem sabatildeordquo [STEDMAN apud MINTZ e PRICE O Nascimento da

cultura Afro-americana Pallas Editora 1992 p 72] Suponho que casos parecidos

possam ser encontrados nos campos a ceacuteu aberto onde viacutetimas do recente terremoto

no Haiti natildeo tecircm sequer o que comer As pessoas satildeo surpreendentemente flexiacuteveis

frente agrave adversidade Foi por exemplo no periacuteodo em que seus povoados estavam

sendo bombardeados durante a guerra civil que as mulheres maroon Saramaka

desenvolveram novos ornamentos a partir de cabaccedilas abertas

Figura 1 Ornamentos feitos com cabaccedilas abertas Peccedilas esculpidas por Yowensia Ngwete daaldeia Saramaka de Soola em 2002 Foto de Sally Price

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados (Rio de Janeiro Editora da UFRJ

2000) lanccedila matildeo de autores e conceitos de diferentes campos acadecircmicos

tais como a Sociologia a Etnologia e a Histoacuteria da arte e ao mesmo tempo

menciona haver certa resistecircncia contra a arte na Antropologia Vocecirc continua

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praticando essa abordagem interdisciplinar Acha que hoje os antropoacutelogos

estatildeo mais abertos a discutir questotildees artiacutesticas

SALLY PRICE O ambiente para a colaboraccedilatildeo interdisciplinar entre historiadores da

arte e antropoacutelogos estaacute definitivamente melhorando Mas ao inveacutes de lhe dar uma

resposta curta (e portanto inadequada) vou lhe enviar um breve ensaio que escrevicomo posfaacutecio para a segunda ediccedilatildeo inglesa de Primitive Art in Civilized Places

(disponiacutevel no site da Proa) Essa seria uma resposta melhor do que qualquer outra

coisa que eu poderia dizer no contexto dessa entrevista5

PROA No primeiro capiacutetulo de Arte Primitiva em Centros Civilizados satildeo

elencados diversos sentidos e definiccedilotildees para a ldquoarte primitivardquo No Brasil

essa categoria jaacute abarcou coisas muito diferentes tais como pinturas

rupestres preacute-histoacutericas telas naiumlf artesanato popular trabalhos assinados

por pacientes psiquiaacutetricos e finalmente as artes indiacutegenas De que forma

especiacutefica vocecirc usa essa expressatildeo controversa

SALLY PRICE Essa eacute uma expressatildeo espinhosa com um passado ignoacutebil Eu a uso

para me referir natildeo a qualquer tradiccedilatildeo artiacutestica mas antes a um olhar etnocecircntrico

distintivamente ocidental Afinal de contas quando as pessoas falam de ldquoarte

primitivardquo estatildeo falando de tradiccedilotildees artiacutesticas que natildeo tecircm absolutamente nada em

comum ndash nem do ponto de vista geograacutefico simboacutelico e histoacuterico nem em termos da

estrutura social ou das crenccedilas religiosa dos artistas Tudo o que as diversas

manifestaccedilotildees chamadas de ldquoarte primitivardquo realmente tecircm em comum eacute que satildeoencaixadas pelo Ocidente em uma espeacutecie de estereoacutetipo simplificador do Outro

exoacutetico

PROA Sua obra mais recente Paris Primitive Jacques Chiracrsquos Museum on

the Quai Branly (Chicago University of Chicago Press 2007) lida com as

controveacutersias em torno desse museu parisiense dedicado agraves artes dos Outros

mostrando que ele foi de fato um projeto pessoal de dois Jacques o ex-

presidente Jacques Chirac e seu amigo o negociante de arte ldquoprimitivardquoJacques Kerchache O livro sugere que houve desentendimentos em muitos

niacuteveis durante o processo de planejamento e montagem da instituiccedilatildeo ndash o

debate sobre oferecer ou natildeo informaccedilotildees etnoloacutegicas junto aos artefatos

expostos eacute apenas um exemplo Como vocecirc teve acesso agraves informaccedilotildees

Esteve envolvida no processo

SALLY PRICE Eu iniciei a pesquisa em casa na Martinica quando a ideacuteia de um novo

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museu estava apenas comeccedilando a ser discutida Eu nunca teria podido desenvolver

um projeto desses sem a internet e os serviccedilos de longa distacircncia da biblioteca de

minha universidade ndash como o empreacutestimo Inter-Library ou o acesso eletrocircnico a

jornais e perioacutedicos Aleacutem disso amigos e colegas na Franccedila que sabiam que eu

estava trabalhando nesse projeto enviavam-me clippings assim que apareciammateacuterias na imprensa Na primavera de 2003 eu fui professora-visitante na Sorbonne

o que me permitiu fazer contatos importantes e ter uma ideacuteia mais precisa de para

onde as coisas estavam caminhando Agora foi soacute em 2005 que eu comecei a pesquisa

intensa no proacuteprio local Durante uma estadia prolongada em Paris entrevistei tanto o

staff do museu em construccedilatildeo (e sou muito grata a todos que generosamente me

concederam seu tempo) quanto observadores externos muitos dos quais haviam

participado do processo mas haviam-no abandonado devido agrave frustraccedilatildeo pelo rumo

que ele estava tomando Essas pessoas estavam aacutevidas por me contar que tipos de

problemas tinham encontrado

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados criticava o fato de as peccedilas natildeo-

ocidentais serem frequentemente expostas em museus e galerias sem

indicaccedilatildeo do nome de seus autores nem de suas datas e locais precisos de

origem O Museacutee du Quai Branly resolveu o problema do anonimato

SALLY PRICE Resolveu mas de uma forma natildeo tatildeo consistente quanto eu gostaria

Dou exemplos disso em Paris Primitive como a exposiccedilatildeo de dois trabalhos

impressionantes tomados pelos franceses no momento da conquista do palaacutecio real deAbomey em 1893 as estaacutetuas do rei Glele como ldquorei leatildeordquo e do rei Gbehanzin como

ldquorei tubaratildeordquo feitas pelo famoso artista daomeano Sosa Adede Quando o museu foi

aberto o uacutenico nome associado agraves estaacutetuas era o do militar conquistador francecircs

ldquoGeneral Doddsrdquo Mas houve melhorias nesse sentido percebi numa visita recente ao

Quai Branly que o nome de Sosa Adede agora foi adicionado agrave legenda do museu

Natildeo sei se minha criacutetica provocou a mudanccedila

PROA A abertura do museu parisiense teve influecircncia sobre o mercado dearte

SALLY PRICE As pessoas que tecircm familiaridade com o mercado (preccedilos de venda em

leilotildees etc) afirmam que ela causou uma seacuteria inflaccedilatildeo Haacute o caso de uma estaacutetua

que no momento da abertura das galerias permanentes do Museacutee Branly foi vendida

por quatro milhotildees de Euros

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PROA Vocecirc escreveu que o Branly tem uma ldquotendecircncia geral a privilegiar a

harmonia em detrimento da criacutetica social e dos interesses de grupos eacutetnicos

particularesrdquo Essa tendecircncia conciliatoacuteria estaacute relacionada ao modo

universalista (e algumas vezes homogeneizante) com que a Franccedila lida com a

diversidade culturalSALLY PRICE Eu natildeo chamaria de ldquoconciliatoacuteriardquo A abordagem francesa particular da

diversidade cultural (sua famosa ldquolaiumlciteacuterdquo 6) e o esforccedilo da Franccedila em promover uma

maior apreciaccedilatildeo da diferenccedila cultural ndash que levou agrave criaccedilatildeo do Museacutee du Quai Branly

ndash formam um par estranho Trabalham em direccedilotildees opostas uma almejando promover

a assimilaccedilatildeo cultural e outro visando a celebrar as diferenccedilas entre as culturas Eu

tentei cotejar esses dois vetores em Paris Primitive observando o tratamento das

minorias eacuteticas na Franccedila fora do contexto do Museu como tambeacutem dentro dele

PROA Paris Primitive eacute muito bem escrito e muito agradaacutevel de ler Mas notei

uma estrateacutegia didaacutetica que natildeo eacute muito comum nos livros de Antropologia

haacute vaacuterias pequenos boxes ao longo das paacuteginas explicando fatos termos ou

perfis biograacuteficos para leitores natildeo iniciados Vocecirc escolheu comunicar-se

com um puacuteblico mais amplo

SP O termo em inglecircs para esses boxes eacute sidebars A primeira vez que lembro de tecirc-

los visto foi em um livro de Lucy Lippard de 1990 Mixed Blessings New Art in a

Multicultural America Desde entatildeo Richard Price e eu as temos usado em vaacuterioslivros Elas satildeo boas porque nos permitem a inclusatildeo de informaccedilotildees que natildeo se

encaixam facilmente no texto principal E natildeo tecircm a formalidade acadecircmica das notas

de rodapeacute

PROA Esse livro tem muitos pontos em comum com outro de Benoit de

LEstoile Le Gout des autres (resenhado na primeira ediccedilatildeo da revista Proa)

Isso eacute um acaso ou vocecircs dois trocaram informaccedilotildees

SALLY PRICE Em 2007 eu dei uma conferecircncia no Museacutee du Quai Branly no acircmbito

de um grande coloacutequio internacional para comemorar o primeiro aniversaacuterio da

instituiccedilatildeo Minha fala continha uma citaccedilatildeo de um artigo do Benoit de LEstoile

Posteriormente ele veio ateacute mim e agradeceu dizendo que natildeo fora convidado para

falar no coloacutequio mas que minha fala havia servido para fazer com que sua voz fosse

ouvida Entatildeo agora mantemos contato mas isso tudo aconteceu depois que meu

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livro jaacute estava finalizado A propoacutesito minha conferecircncia estaacute disponiacutevel on-line em

httpactesbranlyrevuesorg352

PROA Vocecirc estaacute sabendo de um projeto alematildeo para construir um

equivalente ao Branly em BerlimSALLY PRICE Sim Os organizadores desse projeto me convidaram para participar de

um seminaacuterio puacuteblico a respeito em 2008 com a ideacuteia de que como eles colocaram

eu poderia ajudar a ldquopoupaacute-los de alguns dos piores errosrdquo que de outro modo eles

poderiam cometer ao mover objetos etnograacuteficos para um novo lugar Seraacute

interessante ver o que eles concebem 7

PROA Em seu site consta que sua aacuterea de interesse cobre toda a

Afroameacuterica de Toronto ao Brasil Vocecirc jaacute esteve no Brasil

SALLY PRICE Richard e eu jaacute estivemos no Brasil vaacuterias vezes A mais recente foi no

ano passado para o simpoacutesio internacional ldquoTerritoacuterios Sensiacuteveis diferenccedila agecircncia e

transgressatildeordquo no Museu Nacional do Rio de Janeiro Tivemos cada um duas outras

estadias com apoio da Fullbright ndash foram quatro meses em Salvador e seis semanas no

Rio de Janeiro que nos deram a oportunidade de conhecer estudantes e colegas e

viajar para conferecircncias em uma dezena de universidades brasileiras do Maranhatildeo a

Porto Alegre Apoacutes 2011 estaremos aposentados de nossos postos de professor nos

Estados Unidos e entatildeo esperamos ter mais tempo livre para outras visitas ao Brasil

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

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Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

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crise drogas accedilatildeo de mineradoras) os Maroon ainda se preocupem com a

destreza artiacutestica

SALLY PRICE As pessoas natildeo perdem sua cultura apenas porque passam por

momentos difiacuteceis Pense nas descriccedilotildees que temos do sofrimento dos africanos

durante os horrores da Middle Passage [travessia do Atlacircntico pelos navios negreiros]e de que natildeo obstante chegando agraves Ameacutericas eles faziam aquilo que um escritor do

seacuteculo XVIII descreveu assim ldquoos escravos satildeo levados para o conveacutes e seus

cabelos satildeo aparados em diferentes formatos de estrelas meias-luas etc ndash o que eles

geralmente fazem uns para os outros (sem dispor de lacircminas) com a ajuda de uma

garrafa quebrada e sem sabatildeordquo [STEDMAN apud MINTZ e PRICE O Nascimento da

cultura Afro-americana Pallas Editora 1992 p 72] Suponho que casos parecidos

possam ser encontrados nos campos a ceacuteu aberto onde viacutetimas do recente terremoto

no Haiti natildeo tecircm sequer o que comer As pessoas satildeo surpreendentemente flexiacuteveis

frente agrave adversidade Foi por exemplo no periacuteodo em que seus povoados estavam

sendo bombardeados durante a guerra civil que as mulheres maroon Saramaka

desenvolveram novos ornamentos a partir de cabaccedilas abertas

Figura 1 Ornamentos feitos com cabaccedilas abertas Peccedilas esculpidas por Yowensia Ngwete daaldeia Saramaka de Soola em 2002 Foto de Sally Price

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados (Rio de Janeiro Editora da UFRJ

2000) lanccedila matildeo de autores e conceitos de diferentes campos acadecircmicos

tais como a Sociologia a Etnologia e a Histoacuteria da arte e ao mesmo tempo

menciona haver certa resistecircncia contra a arte na Antropologia Vocecirc continua

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praticando essa abordagem interdisciplinar Acha que hoje os antropoacutelogos

estatildeo mais abertos a discutir questotildees artiacutesticas

SALLY PRICE O ambiente para a colaboraccedilatildeo interdisciplinar entre historiadores da

arte e antropoacutelogos estaacute definitivamente melhorando Mas ao inveacutes de lhe dar uma

resposta curta (e portanto inadequada) vou lhe enviar um breve ensaio que escrevicomo posfaacutecio para a segunda ediccedilatildeo inglesa de Primitive Art in Civilized Places

(disponiacutevel no site da Proa) Essa seria uma resposta melhor do que qualquer outra

coisa que eu poderia dizer no contexto dessa entrevista5

PROA No primeiro capiacutetulo de Arte Primitiva em Centros Civilizados satildeo

elencados diversos sentidos e definiccedilotildees para a ldquoarte primitivardquo No Brasil

essa categoria jaacute abarcou coisas muito diferentes tais como pinturas

rupestres preacute-histoacutericas telas naiumlf artesanato popular trabalhos assinados

por pacientes psiquiaacutetricos e finalmente as artes indiacutegenas De que forma

especiacutefica vocecirc usa essa expressatildeo controversa

SALLY PRICE Essa eacute uma expressatildeo espinhosa com um passado ignoacutebil Eu a uso

para me referir natildeo a qualquer tradiccedilatildeo artiacutestica mas antes a um olhar etnocecircntrico

distintivamente ocidental Afinal de contas quando as pessoas falam de ldquoarte

primitivardquo estatildeo falando de tradiccedilotildees artiacutesticas que natildeo tecircm absolutamente nada em

comum ndash nem do ponto de vista geograacutefico simboacutelico e histoacuterico nem em termos da

estrutura social ou das crenccedilas religiosa dos artistas Tudo o que as diversas

manifestaccedilotildees chamadas de ldquoarte primitivardquo realmente tecircm em comum eacute que satildeoencaixadas pelo Ocidente em uma espeacutecie de estereoacutetipo simplificador do Outro

exoacutetico

PROA Sua obra mais recente Paris Primitive Jacques Chiracrsquos Museum on

the Quai Branly (Chicago University of Chicago Press 2007) lida com as

controveacutersias em torno desse museu parisiense dedicado agraves artes dos Outros

mostrando que ele foi de fato um projeto pessoal de dois Jacques o ex-

presidente Jacques Chirac e seu amigo o negociante de arte ldquoprimitivardquoJacques Kerchache O livro sugere que houve desentendimentos em muitos

niacuteveis durante o processo de planejamento e montagem da instituiccedilatildeo ndash o

debate sobre oferecer ou natildeo informaccedilotildees etnoloacutegicas junto aos artefatos

expostos eacute apenas um exemplo Como vocecirc teve acesso agraves informaccedilotildees

Esteve envolvida no processo

SALLY PRICE Eu iniciei a pesquisa em casa na Martinica quando a ideacuteia de um novo

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museu estava apenas comeccedilando a ser discutida Eu nunca teria podido desenvolver

um projeto desses sem a internet e os serviccedilos de longa distacircncia da biblioteca de

minha universidade ndash como o empreacutestimo Inter-Library ou o acesso eletrocircnico a

jornais e perioacutedicos Aleacutem disso amigos e colegas na Franccedila que sabiam que eu

estava trabalhando nesse projeto enviavam-me clippings assim que apareciammateacuterias na imprensa Na primavera de 2003 eu fui professora-visitante na Sorbonne

o que me permitiu fazer contatos importantes e ter uma ideacuteia mais precisa de para

onde as coisas estavam caminhando Agora foi soacute em 2005 que eu comecei a pesquisa

intensa no proacuteprio local Durante uma estadia prolongada em Paris entrevistei tanto o

staff do museu em construccedilatildeo (e sou muito grata a todos que generosamente me

concederam seu tempo) quanto observadores externos muitos dos quais haviam

participado do processo mas haviam-no abandonado devido agrave frustraccedilatildeo pelo rumo

que ele estava tomando Essas pessoas estavam aacutevidas por me contar que tipos de

problemas tinham encontrado

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados criticava o fato de as peccedilas natildeo-

ocidentais serem frequentemente expostas em museus e galerias sem

indicaccedilatildeo do nome de seus autores nem de suas datas e locais precisos de

origem O Museacutee du Quai Branly resolveu o problema do anonimato

SALLY PRICE Resolveu mas de uma forma natildeo tatildeo consistente quanto eu gostaria

Dou exemplos disso em Paris Primitive como a exposiccedilatildeo de dois trabalhos

impressionantes tomados pelos franceses no momento da conquista do palaacutecio real deAbomey em 1893 as estaacutetuas do rei Glele como ldquorei leatildeordquo e do rei Gbehanzin como

ldquorei tubaratildeordquo feitas pelo famoso artista daomeano Sosa Adede Quando o museu foi

aberto o uacutenico nome associado agraves estaacutetuas era o do militar conquistador francecircs

ldquoGeneral Doddsrdquo Mas houve melhorias nesse sentido percebi numa visita recente ao

Quai Branly que o nome de Sosa Adede agora foi adicionado agrave legenda do museu

Natildeo sei se minha criacutetica provocou a mudanccedila

PROA A abertura do museu parisiense teve influecircncia sobre o mercado dearte

SALLY PRICE As pessoas que tecircm familiaridade com o mercado (preccedilos de venda em

leilotildees etc) afirmam que ela causou uma seacuteria inflaccedilatildeo Haacute o caso de uma estaacutetua

que no momento da abertura das galerias permanentes do Museacutee Branly foi vendida

por quatro milhotildees de Euros

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PROA Vocecirc escreveu que o Branly tem uma ldquotendecircncia geral a privilegiar a

harmonia em detrimento da criacutetica social e dos interesses de grupos eacutetnicos

particularesrdquo Essa tendecircncia conciliatoacuteria estaacute relacionada ao modo

universalista (e algumas vezes homogeneizante) com que a Franccedila lida com a

diversidade culturalSALLY PRICE Eu natildeo chamaria de ldquoconciliatoacuteriardquo A abordagem francesa particular da

diversidade cultural (sua famosa ldquolaiumlciteacuterdquo 6) e o esforccedilo da Franccedila em promover uma

maior apreciaccedilatildeo da diferenccedila cultural ndash que levou agrave criaccedilatildeo do Museacutee du Quai Branly

ndash formam um par estranho Trabalham em direccedilotildees opostas uma almejando promover

a assimilaccedilatildeo cultural e outro visando a celebrar as diferenccedilas entre as culturas Eu

tentei cotejar esses dois vetores em Paris Primitive observando o tratamento das

minorias eacuteticas na Franccedila fora do contexto do Museu como tambeacutem dentro dele

PROA Paris Primitive eacute muito bem escrito e muito agradaacutevel de ler Mas notei

uma estrateacutegia didaacutetica que natildeo eacute muito comum nos livros de Antropologia

haacute vaacuterias pequenos boxes ao longo das paacuteginas explicando fatos termos ou

perfis biograacuteficos para leitores natildeo iniciados Vocecirc escolheu comunicar-se

com um puacuteblico mais amplo

SP O termo em inglecircs para esses boxes eacute sidebars A primeira vez que lembro de tecirc-

los visto foi em um livro de Lucy Lippard de 1990 Mixed Blessings New Art in a

Multicultural America Desde entatildeo Richard Price e eu as temos usado em vaacuterioslivros Elas satildeo boas porque nos permitem a inclusatildeo de informaccedilotildees que natildeo se

encaixam facilmente no texto principal E natildeo tecircm a formalidade acadecircmica das notas

de rodapeacute

PROA Esse livro tem muitos pontos em comum com outro de Benoit de

LEstoile Le Gout des autres (resenhado na primeira ediccedilatildeo da revista Proa)

Isso eacute um acaso ou vocecircs dois trocaram informaccedilotildees

SALLY PRICE Em 2007 eu dei uma conferecircncia no Museacutee du Quai Branly no acircmbito

de um grande coloacutequio internacional para comemorar o primeiro aniversaacuterio da

instituiccedilatildeo Minha fala continha uma citaccedilatildeo de um artigo do Benoit de LEstoile

Posteriormente ele veio ateacute mim e agradeceu dizendo que natildeo fora convidado para

falar no coloacutequio mas que minha fala havia servido para fazer com que sua voz fosse

ouvida Entatildeo agora mantemos contato mas isso tudo aconteceu depois que meu

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livro jaacute estava finalizado A propoacutesito minha conferecircncia estaacute disponiacutevel on-line em

httpactesbranlyrevuesorg352

PROA Vocecirc estaacute sabendo de um projeto alematildeo para construir um

equivalente ao Branly em BerlimSALLY PRICE Sim Os organizadores desse projeto me convidaram para participar de

um seminaacuterio puacuteblico a respeito em 2008 com a ideacuteia de que como eles colocaram

eu poderia ajudar a ldquopoupaacute-los de alguns dos piores errosrdquo que de outro modo eles

poderiam cometer ao mover objetos etnograacuteficos para um novo lugar Seraacute

interessante ver o que eles concebem 7

PROA Em seu site consta que sua aacuterea de interesse cobre toda a

Afroameacuterica de Toronto ao Brasil Vocecirc jaacute esteve no Brasil

SALLY PRICE Richard e eu jaacute estivemos no Brasil vaacuterias vezes A mais recente foi no

ano passado para o simpoacutesio internacional ldquoTerritoacuterios Sensiacuteveis diferenccedila agecircncia e

transgressatildeordquo no Museu Nacional do Rio de Janeiro Tivemos cada um duas outras

estadias com apoio da Fullbright ndash foram quatro meses em Salvador e seis semanas no

Rio de Janeiro que nos deram a oportunidade de conhecer estudantes e colegas e

viajar para conferecircncias em uma dezena de universidades brasileiras do Maranhatildeo a

Porto Alegre Apoacutes 2011 estaremos aposentados de nossos postos de professor nos

Estados Unidos e entatildeo esperamos ter mais tempo livre para outras visitas ao Brasil

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Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

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praticando essa abordagem interdisciplinar Acha que hoje os antropoacutelogos

estatildeo mais abertos a discutir questotildees artiacutesticas

SALLY PRICE O ambiente para a colaboraccedilatildeo interdisciplinar entre historiadores da

arte e antropoacutelogos estaacute definitivamente melhorando Mas ao inveacutes de lhe dar uma

resposta curta (e portanto inadequada) vou lhe enviar um breve ensaio que escrevicomo posfaacutecio para a segunda ediccedilatildeo inglesa de Primitive Art in Civilized Places

(disponiacutevel no site da Proa) Essa seria uma resposta melhor do que qualquer outra

coisa que eu poderia dizer no contexto dessa entrevista5

PROA No primeiro capiacutetulo de Arte Primitiva em Centros Civilizados satildeo

elencados diversos sentidos e definiccedilotildees para a ldquoarte primitivardquo No Brasil

essa categoria jaacute abarcou coisas muito diferentes tais como pinturas

rupestres preacute-histoacutericas telas naiumlf artesanato popular trabalhos assinados

por pacientes psiquiaacutetricos e finalmente as artes indiacutegenas De que forma

especiacutefica vocecirc usa essa expressatildeo controversa

SALLY PRICE Essa eacute uma expressatildeo espinhosa com um passado ignoacutebil Eu a uso

para me referir natildeo a qualquer tradiccedilatildeo artiacutestica mas antes a um olhar etnocecircntrico

distintivamente ocidental Afinal de contas quando as pessoas falam de ldquoarte

primitivardquo estatildeo falando de tradiccedilotildees artiacutesticas que natildeo tecircm absolutamente nada em

comum ndash nem do ponto de vista geograacutefico simboacutelico e histoacuterico nem em termos da

estrutura social ou das crenccedilas religiosa dos artistas Tudo o que as diversas

manifestaccedilotildees chamadas de ldquoarte primitivardquo realmente tecircm em comum eacute que satildeoencaixadas pelo Ocidente em uma espeacutecie de estereoacutetipo simplificador do Outro

exoacutetico

PROA Sua obra mais recente Paris Primitive Jacques Chiracrsquos Museum on

the Quai Branly (Chicago University of Chicago Press 2007) lida com as

controveacutersias em torno desse museu parisiense dedicado agraves artes dos Outros

mostrando que ele foi de fato um projeto pessoal de dois Jacques o ex-

presidente Jacques Chirac e seu amigo o negociante de arte ldquoprimitivardquoJacques Kerchache O livro sugere que houve desentendimentos em muitos

niacuteveis durante o processo de planejamento e montagem da instituiccedilatildeo ndash o

debate sobre oferecer ou natildeo informaccedilotildees etnoloacutegicas junto aos artefatos

expostos eacute apenas um exemplo Como vocecirc teve acesso agraves informaccedilotildees

Esteve envolvida no processo

SALLY PRICE Eu iniciei a pesquisa em casa na Martinica quando a ideacuteia de um novo

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museu estava apenas comeccedilando a ser discutida Eu nunca teria podido desenvolver

um projeto desses sem a internet e os serviccedilos de longa distacircncia da biblioteca de

minha universidade ndash como o empreacutestimo Inter-Library ou o acesso eletrocircnico a

jornais e perioacutedicos Aleacutem disso amigos e colegas na Franccedila que sabiam que eu

estava trabalhando nesse projeto enviavam-me clippings assim que apareciammateacuterias na imprensa Na primavera de 2003 eu fui professora-visitante na Sorbonne

o que me permitiu fazer contatos importantes e ter uma ideacuteia mais precisa de para

onde as coisas estavam caminhando Agora foi soacute em 2005 que eu comecei a pesquisa

intensa no proacuteprio local Durante uma estadia prolongada em Paris entrevistei tanto o

staff do museu em construccedilatildeo (e sou muito grata a todos que generosamente me

concederam seu tempo) quanto observadores externos muitos dos quais haviam

participado do processo mas haviam-no abandonado devido agrave frustraccedilatildeo pelo rumo

que ele estava tomando Essas pessoas estavam aacutevidas por me contar que tipos de

problemas tinham encontrado

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados criticava o fato de as peccedilas natildeo-

ocidentais serem frequentemente expostas em museus e galerias sem

indicaccedilatildeo do nome de seus autores nem de suas datas e locais precisos de

origem O Museacutee du Quai Branly resolveu o problema do anonimato

SALLY PRICE Resolveu mas de uma forma natildeo tatildeo consistente quanto eu gostaria

Dou exemplos disso em Paris Primitive como a exposiccedilatildeo de dois trabalhos

impressionantes tomados pelos franceses no momento da conquista do palaacutecio real deAbomey em 1893 as estaacutetuas do rei Glele como ldquorei leatildeordquo e do rei Gbehanzin como

ldquorei tubaratildeordquo feitas pelo famoso artista daomeano Sosa Adede Quando o museu foi

aberto o uacutenico nome associado agraves estaacutetuas era o do militar conquistador francecircs

ldquoGeneral Doddsrdquo Mas houve melhorias nesse sentido percebi numa visita recente ao

Quai Branly que o nome de Sosa Adede agora foi adicionado agrave legenda do museu

Natildeo sei se minha criacutetica provocou a mudanccedila

PROA A abertura do museu parisiense teve influecircncia sobre o mercado dearte

SALLY PRICE As pessoas que tecircm familiaridade com o mercado (preccedilos de venda em

leilotildees etc) afirmam que ela causou uma seacuteria inflaccedilatildeo Haacute o caso de uma estaacutetua

que no momento da abertura das galerias permanentes do Museacutee Branly foi vendida

por quatro milhotildees de Euros

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PROA Vocecirc escreveu que o Branly tem uma ldquotendecircncia geral a privilegiar a

harmonia em detrimento da criacutetica social e dos interesses de grupos eacutetnicos

particularesrdquo Essa tendecircncia conciliatoacuteria estaacute relacionada ao modo

universalista (e algumas vezes homogeneizante) com que a Franccedila lida com a

diversidade culturalSALLY PRICE Eu natildeo chamaria de ldquoconciliatoacuteriardquo A abordagem francesa particular da

diversidade cultural (sua famosa ldquolaiumlciteacuterdquo 6) e o esforccedilo da Franccedila em promover uma

maior apreciaccedilatildeo da diferenccedila cultural ndash que levou agrave criaccedilatildeo do Museacutee du Quai Branly

ndash formam um par estranho Trabalham em direccedilotildees opostas uma almejando promover

a assimilaccedilatildeo cultural e outro visando a celebrar as diferenccedilas entre as culturas Eu

tentei cotejar esses dois vetores em Paris Primitive observando o tratamento das

minorias eacuteticas na Franccedila fora do contexto do Museu como tambeacutem dentro dele

PROA Paris Primitive eacute muito bem escrito e muito agradaacutevel de ler Mas notei

uma estrateacutegia didaacutetica que natildeo eacute muito comum nos livros de Antropologia

haacute vaacuterias pequenos boxes ao longo das paacuteginas explicando fatos termos ou

perfis biograacuteficos para leitores natildeo iniciados Vocecirc escolheu comunicar-se

com um puacuteblico mais amplo

SP O termo em inglecircs para esses boxes eacute sidebars A primeira vez que lembro de tecirc-

los visto foi em um livro de Lucy Lippard de 1990 Mixed Blessings New Art in a

Multicultural America Desde entatildeo Richard Price e eu as temos usado em vaacuterioslivros Elas satildeo boas porque nos permitem a inclusatildeo de informaccedilotildees que natildeo se

encaixam facilmente no texto principal E natildeo tecircm a formalidade acadecircmica das notas

de rodapeacute

PROA Esse livro tem muitos pontos em comum com outro de Benoit de

LEstoile Le Gout des autres (resenhado na primeira ediccedilatildeo da revista Proa)

Isso eacute um acaso ou vocecircs dois trocaram informaccedilotildees

SALLY PRICE Em 2007 eu dei uma conferecircncia no Museacutee du Quai Branly no acircmbito

de um grande coloacutequio internacional para comemorar o primeiro aniversaacuterio da

instituiccedilatildeo Minha fala continha uma citaccedilatildeo de um artigo do Benoit de LEstoile

Posteriormente ele veio ateacute mim e agradeceu dizendo que natildeo fora convidado para

falar no coloacutequio mas que minha fala havia servido para fazer com que sua voz fosse

ouvida Entatildeo agora mantemos contato mas isso tudo aconteceu depois que meu

7212019 Entrevista Sally Price

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

httpwwwifchunicampbrproa

983096

livro jaacute estava finalizado A propoacutesito minha conferecircncia estaacute disponiacutevel on-line em

httpactesbranlyrevuesorg352

PROA Vocecirc estaacute sabendo de um projeto alematildeo para construir um

equivalente ao Branly em BerlimSALLY PRICE Sim Os organizadores desse projeto me convidaram para participar de

um seminaacuterio puacuteblico a respeito em 2008 com a ideacuteia de que como eles colocaram

eu poderia ajudar a ldquopoupaacute-los de alguns dos piores errosrdquo que de outro modo eles

poderiam cometer ao mover objetos etnograacuteficos para um novo lugar Seraacute

interessante ver o que eles concebem 7

PROA Em seu site consta que sua aacuterea de interesse cobre toda a

Afroameacuterica de Toronto ao Brasil Vocecirc jaacute esteve no Brasil

SALLY PRICE Richard e eu jaacute estivemos no Brasil vaacuterias vezes A mais recente foi no

ano passado para o simpoacutesio internacional ldquoTerritoacuterios Sensiacuteveis diferenccedila agecircncia e

transgressatildeordquo no Museu Nacional do Rio de Janeiro Tivemos cada um duas outras

estadias com apoio da Fullbright ndash foram quatro meses em Salvador e seis semanas no

Rio de Janeiro que nos deram a oportunidade de conhecer estudantes e colegas e

viajar para conferecircncias em uma dezena de universidades brasileiras do Maranhatildeo a

Porto Alegre Apoacutes 2011 estaremos aposentados de nossos postos de professor nos

Estados Unidos e entatildeo esperamos ter mais tempo livre para outras visitas ao Brasil

7212019 Entrevista Sally Price

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

httpwwwifchunicampbrproa

983097

Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

ddmmaaaa

7212019 Entrevista Sally Price

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

httpwwwifchunicampbrproa

983089983088

Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

Page 6: Entrevista Sally Price

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museu estava apenas comeccedilando a ser discutida Eu nunca teria podido desenvolver

um projeto desses sem a internet e os serviccedilos de longa distacircncia da biblioteca de

minha universidade ndash como o empreacutestimo Inter-Library ou o acesso eletrocircnico a

jornais e perioacutedicos Aleacutem disso amigos e colegas na Franccedila que sabiam que eu

estava trabalhando nesse projeto enviavam-me clippings assim que apareciammateacuterias na imprensa Na primavera de 2003 eu fui professora-visitante na Sorbonne

o que me permitiu fazer contatos importantes e ter uma ideacuteia mais precisa de para

onde as coisas estavam caminhando Agora foi soacute em 2005 que eu comecei a pesquisa

intensa no proacuteprio local Durante uma estadia prolongada em Paris entrevistei tanto o

staff do museu em construccedilatildeo (e sou muito grata a todos que generosamente me

concederam seu tempo) quanto observadores externos muitos dos quais haviam

participado do processo mas haviam-no abandonado devido agrave frustraccedilatildeo pelo rumo

que ele estava tomando Essas pessoas estavam aacutevidas por me contar que tipos de

problemas tinham encontrado

PROA Arte Primitiva em Centros Civilizados criticava o fato de as peccedilas natildeo-

ocidentais serem frequentemente expostas em museus e galerias sem

indicaccedilatildeo do nome de seus autores nem de suas datas e locais precisos de

origem O Museacutee du Quai Branly resolveu o problema do anonimato

SALLY PRICE Resolveu mas de uma forma natildeo tatildeo consistente quanto eu gostaria

Dou exemplos disso em Paris Primitive como a exposiccedilatildeo de dois trabalhos

impressionantes tomados pelos franceses no momento da conquista do palaacutecio real deAbomey em 1893 as estaacutetuas do rei Glele como ldquorei leatildeordquo e do rei Gbehanzin como

ldquorei tubaratildeordquo feitas pelo famoso artista daomeano Sosa Adede Quando o museu foi

aberto o uacutenico nome associado agraves estaacutetuas era o do militar conquistador francecircs

ldquoGeneral Doddsrdquo Mas houve melhorias nesse sentido percebi numa visita recente ao

Quai Branly que o nome de Sosa Adede agora foi adicionado agrave legenda do museu

Natildeo sei se minha criacutetica provocou a mudanccedila

PROA A abertura do museu parisiense teve influecircncia sobre o mercado dearte

SALLY PRICE As pessoas que tecircm familiaridade com o mercado (preccedilos de venda em

leilotildees etc) afirmam que ela causou uma seacuteria inflaccedilatildeo Haacute o caso de uma estaacutetua

que no momento da abertura das galerias permanentes do Museacutee Branly foi vendida

por quatro milhotildees de Euros

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PROA Vocecirc escreveu que o Branly tem uma ldquotendecircncia geral a privilegiar a

harmonia em detrimento da criacutetica social e dos interesses de grupos eacutetnicos

particularesrdquo Essa tendecircncia conciliatoacuteria estaacute relacionada ao modo

universalista (e algumas vezes homogeneizante) com que a Franccedila lida com a

diversidade culturalSALLY PRICE Eu natildeo chamaria de ldquoconciliatoacuteriardquo A abordagem francesa particular da

diversidade cultural (sua famosa ldquolaiumlciteacuterdquo 6) e o esforccedilo da Franccedila em promover uma

maior apreciaccedilatildeo da diferenccedila cultural ndash que levou agrave criaccedilatildeo do Museacutee du Quai Branly

ndash formam um par estranho Trabalham em direccedilotildees opostas uma almejando promover

a assimilaccedilatildeo cultural e outro visando a celebrar as diferenccedilas entre as culturas Eu

tentei cotejar esses dois vetores em Paris Primitive observando o tratamento das

minorias eacuteticas na Franccedila fora do contexto do Museu como tambeacutem dentro dele

PROA Paris Primitive eacute muito bem escrito e muito agradaacutevel de ler Mas notei

uma estrateacutegia didaacutetica que natildeo eacute muito comum nos livros de Antropologia

haacute vaacuterias pequenos boxes ao longo das paacuteginas explicando fatos termos ou

perfis biograacuteficos para leitores natildeo iniciados Vocecirc escolheu comunicar-se

com um puacuteblico mais amplo

SP O termo em inglecircs para esses boxes eacute sidebars A primeira vez que lembro de tecirc-

los visto foi em um livro de Lucy Lippard de 1990 Mixed Blessings New Art in a

Multicultural America Desde entatildeo Richard Price e eu as temos usado em vaacuterioslivros Elas satildeo boas porque nos permitem a inclusatildeo de informaccedilotildees que natildeo se

encaixam facilmente no texto principal E natildeo tecircm a formalidade acadecircmica das notas

de rodapeacute

PROA Esse livro tem muitos pontos em comum com outro de Benoit de

LEstoile Le Gout des autres (resenhado na primeira ediccedilatildeo da revista Proa)

Isso eacute um acaso ou vocecircs dois trocaram informaccedilotildees

SALLY PRICE Em 2007 eu dei uma conferecircncia no Museacutee du Quai Branly no acircmbito

de um grande coloacutequio internacional para comemorar o primeiro aniversaacuterio da

instituiccedilatildeo Minha fala continha uma citaccedilatildeo de um artigo do Benoit de LEstoile

Posteriormente ele veio ateacute mim e agradeceu dizendo que natildeo fora convidado para

falar no coloacutequio mas que minha fala havia servido para fazer com que sua voz fosse

ouvida Entatildeo agora mantemos contato mas isso tudo aconteceu depois que meu

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livro jaacute estava finalizado A propoacutesito minha conferecircncia estaacute disponiacutevel on-line em

httpactesbranlyrevuesorg352

PROA Vocecirc estaacute sabendo de um projeto alematildeo para construir um

equivalente ao Branly em BerlimSALLY PRICE Sim Os organizadores desse projeto me convidaram para participar de

um seminaacuterio puacuteblico a respeito em 2008 com a ideacuteia de que como eles colocaram

eu poderia ajudar a ldquopoupaacute-los de alguns dos piores errosrdquo que de outro modo eles

poderiam cometer ao mover objetos etnograacuteficos para um novo lugar Seraacute

interessante ver o que eles concebem 7

PROA Em seu site consta que sua aacuterea de interesse cobre toda a

Afroameacuterica de Toronto ao Brasil Vocecirc jaacute esteve no Brasil

SALLY PRICE Richard e eu jaacute estivemos no Brasil vaacuterias vezes A mais recente foi no

ano passado para o simpoacutesio internacional ldquoTerritoacuterios Sensiacuteveis diferenccedila agecircncia e

transgressatildeordquo no Museu Nacional do Rio de Janeiro Tivemos cada um duas outras

estadias com apoio da Fullbright ndash foram quatro meses em Salvador e seis semanas no

Rio de Janeiro que nos deram a oportunidade de conhecer estudantes e colegas e

viajar para conferecircncias em uma dezena de universidades brasileiras do Maranhatildeo a

Porto Alegre Apoacutes 2011 estaremos aposentados de nossos postos de professor nos

Estados Unidos e entatildeo esperamos ter mais tempo livre para outras visitas ao Brasil

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Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

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PROA Vocecirc escreveu que o Branly tem uma ldquotendecircncia geral a privilegiar a

harmonia em detrimento da criacutetica social e dos interesses de grupos eacutetnicos

particularesrdquo Essa tendecircncia conciliatoacuteria estaacute relacionada ao modo

universalista (e algumas vezes homogeneizante) com que a Franccedila lida com a

diversidade culturalSALLY PRICE Eu natildeo chamaria de ldquoconciliatoacuteriardquo A abordagem francesa particular da

diversidade cultural (sua famosa ldquolaiumlciteacuterdquo 6) e o esforccedilo da Franccedila em promover uma

maior apreciaccedilatildeo da diferenccedila cultural ndash que levou agrave criaccedilatildeo do Museacutee du Quai Branly

ndash formam um par estranho Trabalham em direccedilotildees opostas uma almejando promover

a assimilaccedilatildeo cultural e outro visando a celebrar as diferenccedilas entre as culturas Eu

tentei cotejar esses dois vetores em Paris Primitive observando o tratamento das

minorias eacuteticas na Franccedila fora do contexto do Museu como tambeacutem dentro dele

PROA Paris Primitive eacute muito bem escrito e muito agradaacutevel de ler Mas notei

uma estrateacutegia didaacutetica que natildeo eacute muito comum nos livros de Antropologia

haacute vaacuterias pequenos boxes ao longo das paacuteginas explicando fatos termos ou

perfis biograacuteficos para leitores natildeo iniciados Vocecirc escolheu comunicar-se

com um puacuteblico mais amplo

SP O termo em inglecircs para esses boxes eacute sidebars A primeira vez que lembro de tecirc-

los visto foi em um livro de Lucy Lippard de 1990 Mixed Blessings New Art in a

Multicultural America Desde entatildeo Richard Price e eu as temos usado em vaacuterioslivros Elas satildeo boas porque nos permitem a inclusatildeo de informaccedilotildees que natildeo se

encaixam facilmente no texto principal E natildeo tecircm a formalidade acadecircmica das notas

de rodapeacute

PROA Esse livro tem muitos pontos em comum com outro de Benoit de

LEstoile Le Gout des autres (resenhado na primeira ediccedilatildeo da revista Proa)

Isso eacute um acaso ou vocecircs dois trocaram informaccedilotildees

SALLY PRICE Em 2007 eu dei uma conferecircncia no Museacutee du Quai Branly no acircmbito

de um grande coloacutequio internacional para comemorar o primeiro aniversaacuterio da

instituiccedilatildeo Minha fala continha uma citaccedilatildeo de um artigo do Benoit de LEstoile

Posteriormente ele veio ateacute mim e agradeceu dizendo que natildeo fora convidado para

falar no coloacutequio mas que minha fala havia servido para fazer com que sua voz fosse

ouvida Entatildeo agora mantemos contato mas isso tudo aconteceu depois que meu

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livro jaacute estava finalizado A propoacutesito minha conferecircncia estaacute disponiacutevel on-line em

httpactesbranlyrevuesorg352

PROA Vocecirc estaacute sabendo de um projeto alematildeo para construir um

equivalente ao Branly em BerlimSALLY PRICE Sim Os organizadores desse projeto me convidaram para participar de

um seminaacuterio puacuteblico a respeito em 2008 com a ideacuteia de que como eles colocaram

eu poderia ajudar a ldquopoupaacute-los de alguns dos piores errosrdquo que de outro modo eles

poderiam cometer ao mover objetos etnograacuteficos para um novo lugar Seraacute

interessante ver o que eles concebem 7

PROA Em seu site consta que sua aacuterea de interesse cobre toda a

Afroameacuterica de Toronto ao Brasil Vocecirc jaacute esteve no Brasil

SALLY PRICE Richard e eu jaacute estivemos no Brasil vaacuterias vezes A mais recente foi no

ano passado para o simpoacutesio internacional ldquoTerritoacuterios Sensiacuteveis diferenccedila agecircncia e

transgressatildeordquo no Museu Nacional do Rio de Janeiro Tivemos cada um duas outras

estadias com apoio da Fullbright ndash foram quatro meses em Salvador e seis semanas no

Rio de Janeiro que nos deram a oportunidade de conhecer estudantes e colegas e

viajar para conferecircncias em uma dezena de universidades brasileiras do Maranhatildeo a

Porto Alegre Apoacutes 2011 estaremos aposentados de nossos postos de professor nos

Estados Unidos e entatildeo esperamos ter mais tempo livre para outras visitas ao Brasil

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Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

ddmmaaaa

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

httpwwwifchunicampbrproa

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

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livro jaacute estava finalizado A propoacutesito minha conferecircncia estaacute disponiacutevel on-line em

httpactesbranlyrevuesorg352

PROA Vocecirc estaacute sabendo de um projeto alematildeo para construir um

equivalente ao Branly em BerlimSALLY PRICE Sim Os organizadores desse projeto me convidaram para participar de

um seminaacuterio puacuteblico a respeito em 2008 com a ideacuteia de que como eles colocaram

eu poderia ajudar a ldquopoupaacute-los de alguns dos piores errosrdquo que de outro modo eles

poderiam cometer ao mover objetos etnograacuteficos para um novo lugar Seraacute

interessante ver o que eles concebem 7

PROA Em seu site consta que sua aacuterea de interesse cobre toda a

Afroameacuterica de Toronto ao Brasil Vocecirc jaacute esteve no Brasil

SALLY PRICE Richard e eu jaacute estivemos no Brasil vaacuterias vezes A mais recente foi no

ano passado para o simpoacutesio internacional ldquoTerritoacuterios Sensiacuteveis diferenccedila agecircncia e

transgressatildeordquo no Museu Nacional do Rio de Janeiro Tivemos cada um duas outras

estadias com apoio da Fullbright ndash foram quatro meses em Salvador e seis semanas no

Rio de Janeiro que nos deram a oportunidade de conhecer estudantes e colegas e

viajar para conferecircncias em uma dezena de universidades brasileiras do Maranhatildeo a

Porto Alegre Apoacutes 2011 estaremos aposentados de nossos postos de professor nos

Estados Unidos e entatildeo esperamos ter mais tempo livre para outras visitas ao Brasil

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Entrevista com Sally Price por Ilana Seltzer Goldstein Traduccedilatildeo de Guilherme Cardoso e Alessandra SimoniRevista Proa ndeg02 vol01 2010

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Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

ddmmaaaa

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httpwwwifchunicampbrproa

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

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Como citar esse texto

GOLDSTEIN I S Entrevista com Sally Price Traduccedilatildeo de Alessandra Traldi Simoni e

Guilherme Ramos Cardoso IN Proa ndash Revista de Antropologia e Arte [on-line] Ano

02 vol01 n 02 nov 2010 Disponiacutevel

em httpwwwifchunicampbrproaEntrevistasIIentrevistasallypricehtml acesso em

ddmmaaaa

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

7 Nota da entrevistadora Sally Price enviou por e-mail agrave Proa a carta-convite

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

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Notas

1 Entrevista realizada por e-mail em janeiro de 2010

2 O casal Price possui um site bastante completo que fornece informaccedilotildees

biograacuteficas e acadecircmicas mais detalhadas e disponibiliza tambeacutem textos paradownload httpwwwrichandsallynet

3 Nota da entrevistadora Sally Price refere-se aqui ao livro Equatoriapublicado por ela e por Richard Price (Routledge Nova York 1992) Convidados aparticipar na criaccedilatildeo de um novo museu etnoloacutegico nas Guianas os autoresregistraram nesse livro todo o processo de coleta que empreenderam As paacuteginas dolado direito do livro trazem informaccedilotildees e tambeacutem desenhos de Sally Price relativos agraveviagem jaacute as paacuteginas do lado esquerdo contecircm citaccedilotildees e contribuiccedilotildees de outrossujeitos sobre o assunto meacutedicos turistas escritores outros antropoacutelogos etcDurante o bem humorado relato de viagem surgem reflexotildees sobre o colecionismosobre a exibiccedilatildeo de outras culturas e sobre o proacuteprio papel da antropologia

4 Nota dos tradutores Optamos por manter aqui a palavra no original eminglecircs ao inveacutes de traduzi-lo pelo seu equivalente aproximado em portuguecircsquilombola para evitar que experiecircncias histoacutericas diferentes se confundissem NoSuriname maroon se refere aos descendentes de fugitivos de escravos africanos

5 Nota da entrevistadora nesse ensaio Sally Price argumenta que nas uacuteltimasduas deacutecadas a Histoacuteria da arte vem deixando se ser vista como o estudo de formaspuras e apoliacuteticas o que permite que novas manifestaccedilotildees adentrem um territoacuteriotradicionalmente ocupado pela arte erudita legiacutetima Surge de um lado o interessepela coacutepia pelas falsificaccedilotildees e apropriaccedilotildees de outro cresce a ecircnfase no tracircnsito deideacuteias esteacuteticas e estilos artiacutesticos entre as culturas e estratos sociais Se antes sebuscava abstrair ldquoestilos culturaisrdquo das influecircncias externas para chegar a uma espeacuteciede essecircncia artiacutestica de cada povo ou grupo social hoje a arena global eacute levada emconta e incorporada na anaacutelise de expressotildees culturais particulares Entretanto restamdesafios a enfrentar principalmente no campo da criacutetica de acordo com Price umacoisa eacute poder acessar nos museus ou comprar em uma galeria peccedilas africanas ouaboriacutegines Outra bem diferente eacute poder dizer algo sobre elas do ponto de vistaiconograacutefico esteacutetico histoacuterico etc levando em conta o ponto de vista dos proacutepriosartistas Enfim para Price o discurso sobre arte ainda eacute bem menos flexiacutevel etranscultural do que sua exposiccedilatildeo e circulaccedilatildeo

6 Nota da entrevistadora a palavra laiumlciteacute foi deixada em sua forma originalporque tem uma carga semacircntica muito particular na liacutengua francesa Trata-se doprinciacutepio de que deve haver clara separaccedilatildeo entre a esfera puacuteblica e a esfera religiosaA primeira lei tratando da mateacuteria de 1880 proiacutebe o uso de siacutembolos religiosos nas

instituiccedilotildees de ensino Embora o atual presidente Nicolas Sarkozy tenha interesse emrever o conceito (alegando que o paiacutes deve assumir suas raiacutezes catoacutelicas) o conceitotem tamanha importacircncia na Franccedila que aparece no Artigo 1 de sua Constituiccedilatildeo Noentanto a ecircnfase na Repuacuteblica laica ndash ligada ao desejo de colocar a Repuacuteblica emprimeiro lugar acima das particularidades culturais e individuais ndash daacute margemalgumas vezes a decisotildees e medidas que soam xenoacutefobas e autoritaacuterias aos olhos deoutras naccedilotildees ndash como a proibiccedilatildeo do uso do veacuteu pelas mulheres islacircmicas

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo

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que recebeu para o seminaacuterio mencionado nessa resposta O documento explica queseraacute construiacutedo no centro da capital alematilde um edifiacutecio que incorporaraacute as fachadas doantigo palaacutecio Hohenzollern e que abrigaraacute o Humboldt Forum destinado a sediarexposiccedilotildees debates a partir da coleccedilatildeo do Museu Etnoloacutegico de Dahlem Suainauguraccedilatildeo estaacute prevista para 2013 e o seminaacuterio realizado entre 10 a 12 de abril de

2008 para o qual Sally Price foi convidada teve como objetivo debater de que forma ecom quais recursos expositivos os objetos devem ser apresentados na nova instituiccedilatildeo