13
ERROS DE MEDICAÇÃO: outros focos de reação ao problema Erros de Medicação 24 Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005 Pelo jornalista Aloísio Brandão, Editor desta revista Foto: Kiko Nascimento

ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

ERROS DEMEDICAÇÃO:

outros focos dereação ao problema

Err

os

de M

ed

icação

24

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

Pelo jornalista Aloísio Brandão,Editor desta revista

Fo

to: K

iko

Nascim

en

to

Page 2: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

Erro

s de M

ed

icação

25

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

m sua edição passada (número 49), aPHARMACIA BRASILEIRA iniciou uma sé-rie de reportagens sobre erros de me-

dicação. Polêmico, intricado, o qual muitospreferem tratar com sintomática indiferença,ou ver coberto de um silêncio pavoroso, oassunto, na abordagem deste número da re-vista, será analisado por três professores daUSP (Universidade de São Paulo) de RibeirãoPreto (SP) e, mais uma vez, à luz da compre-ensão multiprofissional e multidisciplinar. Porque USP de Ribeirão? Porque, ali, professorese acadêmicos criaram um núcleo para pesqui-sar o problema, que é uma das importantescausas de morte, no mundo. EntrevistamosAjith Sankarankutty, médico-cirurgião, espe-cialista em transplante de fígado e em Gas-troenterologia e professor do Departamentode Anatomia e Cirurgia da Faculdade de Me-dicina. Julieta Ueta é a outra entrevistada. Far-macêutica, professora de Tecnologia das Fer-mentações e de Práticas de Atenção Farma-cêutica na Faculdade de Ciências Farmacêuti-cas, ela e Ajith Sankarankutty criaram, den-tro da Faculdade de Medicina, um curso per-manente destinado a pesquisar o uso racio-nal de medicamentos com foco em erros demedicação. Outra excelência e figura centralno contexto das pesquisas brasileiras sobreo assunto é a enfermeira Sílvia Cassiani, pro-fessora titular da Escola de Enfermagem damesma Universidade, onde, também, chefia oDepartamento de Enfermagem Geral e Espe-cializada. Cassiani criou e lidera um grupo depesquisa voltado a estudar e a buscar respos-tas à questão. O seu grupo reúne pós-gradu-andos de todo o País, que terão a missão demultiplicar os conhecimentos juntos aos seuspares, nas universidades onde atuam. Os dois

grupos da USP (o de Ajith e Julieta, e o de Síl-via), embora cada um tenha o seu rumo pró-prio, cruzam, sempre que possível, os seuscaminhos, com o objetivo de enriquecer assuas pesquisas.Na edição anterior, a primeira abordagem so-bre o assunto trouxe entrevistas com o médi-co Francisco de Assis de Lima, professor e Co-ordenador da disciplina Estágio Supervisiona-do em Medicina Clínica do curso de Medicinada Universidade Federal do Rio Grande doNorte (UFRN), ministrada dentro do HospitalUniversitário Onofre Lopes, em Natal. Na Fa-culdade de Medicina, Francisco de Assis crioua matéria - hoje desativada - Erros de Prescri-ção, ministrada pelo farmacêutico e profes-sor Tarcísio Palhano, outro entrevistado. APHARMACIA BRASILEIRA falou, ainda, com otambém farmacêutico Mário Borges, uma re-ferência brasileira no assunto. Estudioso edetalhista, Borges elegeu os erros de medica-ção como tema do seu mestrado pela Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Todoeste material levantado pela revista tem porobjetivo trazer à luz um assunto pouco ouquase nada estudado e muito menos escrito,fato que gera uma aridez sobre o seu enten-dimento, o que, por conseguinte, dificulta oseu combate. A repercussão das primeiras ma-térias é enorme e já deixa consequências, den-tro e fora do meio acadêmico. Após lê-las, aChefe do Departamento de Medicina Clínicado curso de Medicina da UFRN, em Natal,Maria Fátima Azevedo, informou a TarcísioPalhano o seu desejo de criar uma disciplinaexclusivamente voltada a estudar e combateros erros de medicação. A disciplina, adiantouela, teria dois créditos (30 horas aula) e seriacomplementar.

E

Page 3: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

CO

M A

PA

LA

VR

A, O

MÉD

ICO

26

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / AJITH SANKARANKUTTY

PHARMACIA BRASILEIRA –Professor Ajith, o que o levou a seinteressar tanto pelo assunto er-ros de medicação?

Ajith Sankarankutty - Aofazer o curso “Uso Racional de Me-dicamentos”, proposto pela Orga-nização Mundial de Saúde e trazi-do para o Brasil pela Anvisa, per-cebi como nós somos suscetíveisa erros. O documento “To Err isHuman”, do Institute of Medicine, dosEstados Unidos, aborda este as-sunto.

PHARMACIA BRASILEIRA -Como a sua iniciativa é recebidapor professores, estudantes deMedicina e médicos do quadro daUSP?

É preciso prepararmecanismosde segurança

O médico Ajith Sankarankutty, professor do Departamentode Anatomia e Cirurgia da Faculdade de Medicina da

USP de Ribeirão Preto, ajudou a criar o curso UsoRacional de Medicamentos naquela Universidade,onde também se pesquisa erros de medicação.

Um esforço monumental de médicos e far-macêuticos está clareando a compreensão do in-tricado problema que são os erros de medicaçãoe levando a caminhos onde estão algumas res-postas à questão. O esforço resultou na criação,na Faculdade de Medicina da USP (Universidadede São Paulo) de Ribeirão Preto (SP) do curso UsoRacional de Medicamentos. Nele, vem se pesqui-sando intensamente os erros de medicação. Ocurso foi incorporado ao currículo médico, há trêsanos, e representa um avanço significativo comvistas ao enfrentamento do problema. No centrodessa cena, está o brilhante médico-cirurgião Aji-th Sankarankutty, professor do Departamento deAnatomia e Cirurgia da Faculdade de Medicina daUSP de Ribeirão Preto. Ele é um dos criadores, ao

lado da farmacêutica e professora Julieta Ueta, damesma Universidade, do curso permanente desti-nado a pesquisar o uso racional de medicamen-tos. Descendente de japoneses, Ajith tem douto-rado em Cirurgia, na mesma Faculdade onde ensi-na, e se especializou em cirurgia de transplantede fígado e em Gastroenterologia. Atuou no Cen-tro de Saúde-Escola da USP como um dos coor-denadores do Programa Saúde da Família (PSF).O Dr. Ajith é um entusiasta do curso sobre usoracional que ajudou a implantar na Faculdade deMedicina da USP. Espera que ele conquiste a ade-são de muitos, multiplique-se pelo País e comecea dar resultados, nos próximos cinco anos. O pro-fessor Ajith foi entrevistado pela revista PHARMA-CIA BRASILEIRA. Veja a entrevista.

Ajith Sankarankutty - To-dos que têm contato com o curso- os alunos, médicos assistentese professores - ficam sensibiliza-dos pelo assunto. Este esforçodeve ser continuado, para quepossamos obter resultados, nospróximos cinco ou seis anos,quando teremos um contingentemaior de pessoal da saúde treina-do sobre o uso racional de medi-camentos. Nesta Faculdade, oprofessor Eduardo Coelho iniciouos esforços de difundir este con-ceito. Nós juntamos esforços, aolongo dos anos.

PHARMACIA BRASILEIRA -Por que se comete tantos erros demedicação?

Ajith Sankarankutty - Poruma série de fatores. Citarei dois.Primeiro: não se conhecia a di-mensão do problema e, portanto,não havia esforços sistematizadospara controlar estes eventos. Se-gundo: considerava-se que os er-ros ocorriam, por causa de profis-sionais mal preparados, quando,na verdade, o sistema de saúdedeveria preparar mecanismos desegurança, como ocorre em ou-tros setores, a exemplo da avia-ção. A possibilidade de errar é ine-rente ao ser humano e devemosnos cercar de mecanismos paraminimizar esta possibilidade.

PHARMACIA BRASILEIRA - Oque é preciso ser feito para se

Médico e professor da Faculdade de Medicinada USP de Ribeirão Preto, Ajith Sankarankuty,ajudou a criar o curso Uso Racional deMedicamentos, naquela Universidade

Page 4: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

“Considerava-seque os erros ocorriam,

por causa de profissionaismal preparados, quando, naverdade, o sistema de saúde

deveria preparar mecanismosde segurança, como ocorre

em outros setores, aexemplo da aviação”.

“Pensávamos queensinando Farmacologia,

Patologia e Medicina Interna,o aluno automaticamente

estaria preparado para fazeruma receita adequada. Pelos

dados da própria OMS,vimos que isso não

é verdade”.

CO

M A

PA

LA

VR

A, O

MÉD

ICO

27

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / AJITH SANKARANKUTTY

corrigir essas fa-lhas? De onde e dequem deve partir asolução?

Ajith Sanka-rankutty - Pensoque todos devemparticipar do esforço. Para queisso ocorra, primeiramente, deve-mos tentar criar ambiente de tra-balho em equipe, desde os médi-cos, farmacêuticos, enfermeiros,administração do hospital, até opaciente e seus familiares. Em ou-tras palavras, deve-se divulgar es-tes conceitos e envolver toda asociedade. Isto inclui o contro-le sobre a propaganda de medi-camentos, a legislação sobre avenda de medicamentos sem re-ceita etc.

PHARMACIA BRASILEIRA -Que avaliação o senhor faz doensino de prescrição na gradua-ção de Medicina? Os currículosabordam o problema dos erros?

Ajith Sankarankutty -Como em outros aspectos da vida,nós estamos sempre aprendendoe aprimorando. Pensávamos queensinando Farmacologia, Pato-logia e Medicina Interna, o alu-no automaticamente estariapreparado para fazer uma recei-ta adequada. Pelos dados daprópria OMS, vimos que isso nãoé verdade. Até 50% das receitasdos médicos recém-formados sãopreenchidas, de forma errada.

Agora, os próximos passosestão sendo dados. Na Faculdadede Medicina de Ribeirão Preto daUniversidade de São Paulo (USP),há três anos, o curso sobre o usoracional de medicamentos estáincorporado ao currículo médico,com a participação de docentesde diversas áreas da Medicina e daFarmácia.

PHARMACIA BRASILEIRA -Dr. Ajith, as novas tecnologias eum novo pensar sobre o medica-mento e as terapêuticas medica-mentosas estão colocando, nomercado, uma geração de medi-

camentos moder-nos, como os cha-mados “inteligen-tes”. Não há, ainda,sobre muitos delesuma experiência clí-nica quanto ao seuuso, exatamente

pelo seu pouco tempo de existên-cia. Como os médicos, farmacêu-ticos e enfermeiros devem lidarcom essa realidade?

Ajith Sankarankutty - Todaessa tecnologia é bem vinda, des-de que comprovada sua efetivida-de. Mas, sempre, teremos o fatorhumano neste contexto e, nesteaspecto, sempre, precisaremos deprofissionais treinados para seadequarem à realidade vigente, epreparados para trabalhar emequipe.

PHARMACIA BRASILEIRA -Que filosofia e que comportamen-to devem nortear médicos, farma-

cêuticos e enfermeiros, entenden-do-os como profissionais de umamesma equipe, em se tratando deerros de medicação?

Ajith Sankarankutty - Otrabalho em equipe deve nortearo comportamento. Sei que é ex-tremamente difícil, mas acho queé o que vai dar melhores resulta-dos, a longo prazo.

PHARMACIA BRASILEIRA - Apressa, a inimiga da perfeição, éum fato desencadeador de errosde medicação? Há como evitá-la,ou é possível agir com pressa, semcometer erros? A Universidade fazalguma abordagem sobre o pro-blema da pressa?

Ajith Sankarankutty - Con-cordo com a colocação. Por isso,acho que toda a sociedade deveparticipar da resolução do proble-ma, desde administradores, ges-tores do sistema de saúde, até apopulação. O uso dos sistemas desaúde deve ser orientado pela ne-cessidade do paciente. Um siste-ma de regulação, conforme o queé proposto pelo Ministério daSaúde, e o que está sendo pro-posto para o Município pela Se-cretaria Municipal de Saúde deRibeirão Preto, ajudará muito nes-te aspecto.

PHARMÁCIA BRASILEIRA - Oque cabe ao paciente nesse con-texto dos erros? Ele tem algo afazer para se prevenir?

Ajith Sankarankutty - Sim,o paciente é o maior interessado.Ele deve evitar a automedicação,a utilização desnecessária e exces-siva de medicamentos. Quandoreceber uma receita, deve procu-rar entender o que está escrito ecobrar que seja legível.

PHARMACIA BRASILEIRA - Aprofessora Julieta Ueta, lamen-tando muito, entende que é im-possível se evitar completamen-te os erros de medicação. Issonão é desolador?

Ajith Sankarankutty – Não,porque existe muito o que podeser feito para minimizar os efeitosfinais.

Page 5: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

FA

RM

ACÊUTIC

A

28

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / JULIETA UETA

Julieta Ueta, farmacêutica e professora daFaculdade de Ciências Farmacêuticas da USPde Ribeirão Preto: “Acusação de uma pessoaque cometeu um erro não leva à redução domesmo, mas estimula o sentimento de culpa ea repetição do mesmo tipo de erro”.

“Erra-se, mesmoquando se conheceo medicamento”

O ponto essencial das estratégias para a reduçãode erros e a adoção da segurança na utilização

de medicamentos é a mudança de cultura.

Incluir a farmacêutica Julieta Ueta nas discus-sões sobre erros de medicação é como pôr verga-lhão e cimento, na medida certa, na massa para aconstrução de um prédio. Sem a sua participação,qualquer debate sobre o assunto fica empobrecido.Descendente de japoneses, formada em Farmáciapela USP (Universidade de São Paulo), ela fez dou-torado em Bioquímica na mesma Universidade e ru-mou para os Estados Unidos, onde pós-doutorou-se em Bioquímica de Microorganismos, no NIH (Na-tional Institute of Health), sediado em Bethesda,no Estado de Maryland. É professora de Tecnologiadas Fermentações e de Práticas de Atenção Farma-cêutica, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas daUSP de Ribeirão Preto (SP). Passou a se interessarpor erros de medicação, em 2001, quando foi tra-balhar como docente, no Centro de Saúde-Escolada Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão. Ali,integrou uma equipe do PSF (Programa Saúde daFamília), onde conheceu, na prática, a enormidadedo problema. “No PSF, tive o contato direto com odia-a-dia da medicação”, explica a professora. In-quieta, sempre sorridente, Ueta juntou-se a AjithSankarankutty, médico-cirurgião e professor do De-partamento de Anatomia e Cirurgia da Faculdade deMedicina, e a Sílvia Cassiani, enfermeira, professora

PHARMACIA BRASILEIRA –Por que se deve investir maciça-mente na investigação sobre errosde medicação?

Julieta Ueta - O relatório doInstitute of Medicine, dos EstadosUnidos, publicado, em 1999, cau-sou furor, ao relatar que a mortali-dade causada pelos medicamen-

e Diretora da Escola de Enfermagem, ambas da USPde Ribeirão, e criaram um núcleo de pesquisa emerros de medicação e estratégias para a utilizaçãoracional de medicamentos. Do grupo, fazem parteacadêmicos dos três cursos, como também mestran-dos, doutorandos e pós-doutorandos. O grupo atua,fundamentalmente, na prática – no Centro de Saú-de-Escola e no Hospital das Clínicas, ambos de Ri-beirão e pertencentes à Faculdade de Medicina. Tal-vez, ainda seja pouco. Julieta Ueta gostaria de ver aassistência farmacêutica como uma Cadeira sedi-mentada dento de sua Faculdade, com acadêmicose professores teorizando-a e praticando-a, corriquei-ramente, nessas unidades de saúde, e se envolven-do com as discussões sobre a questão. Erros demedicação acontecem, mesmo quando quem estálidando com os medicamentos são profissionaisqualificados e conhecedores dos produtos. Estudi-osos, no mundo inteiro, têm se debruçado sobre oproblema, procurando entender como ele aconteceonde nunca deveria acontecer. Todo esforço paracombatê-lo é válido. Afinal, os erros de medicaçãoestão entre as principais causas de morte. A revistaPHARMACIA BRASILEIRA entrevistou a professoraJulieta Ueta. Ela fala da necessidade de se investirno estudo dos erros de medicação, no papel dosórgãos de saúde e das universidades, nas causas,efeitos e estratégias para se combater o problema eno papel do farmacêutico nesse contexto, entreoutras questões. Veja a entrevista.

tos, seja por erros, seja por reaçõesadversas, está entre as dez causasprincipais de morte. Dados de ou-tros países, como o Canadá e In-glaterra, têm confirmado a dimen-são do problema e a OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS) já elabo-rou documentos referentes ao pro-blema dos eventos adversos cau-

sados pelos medicamentos. NoBrasil, não se sabe o que aconte-ce. Portanto, precisamos descobrire desenvolver mecanismos parareduzi-los.

PHARMACIA BRASILEIRA – Asenhora sustenta que erros de me-dicação são um problema de saú-de pública, pelo tanto que eles

Page 6: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

“O relatório doInstitute of Medicine, dos

Estados Unidos, publicado, em1999, causou furor, ao relatar

que a mortalidade causada pelosmedicamentos, seja por erros,

seja por reações adversas,está entre as dez causas

principais de morte”.

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

FA

RM

ACÊUTIC

A

29

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / JULIETA UETA

ocorrem e pela abrangência comque eles atingem a população. Achaque os órgãos de saúde estão aten-tos ao problema e fazendo o quedeve ser feito para resolve-lo?

Julieta Ueta - Os órgãos desaúde nacionais e internacionaisestão se mobilizando, no sentido dealertar os profissionais de saúdequanto aos erros. Esta mobilizaçãodeve ser mais intensa, mas são asinstituições, uma a uma, que têmque desenvolver e implantar suasestratégias para discutir e resolvera questão, com o compromisso as-sumido por todos, principalmente,pelos líderes das instituições.

PHARMACIA BRASILEIRA – Oque causa erros de medicação? Odesconhecimento sobre o medica-mento é o principal motivo?

Julieta Ueta - Embora o des-conhecimento sobre o medica-mento seja um motivo importantequando falamos de erros, mesmoquando se conhecem os medica-mentos, cometem-se erros. Errosde comunicação escrita ou verbal,como a prescrição manual, ordensverbais ou erros de cálculo, comquantidades a mais ou a menos donecessário. Afinal de contas, erraré humano e, embora humanos nãogostem de errar e nem de admitirque erraram, erramos.

Devido à grandeza e à com-plexidade do assunto, aos interes-ses da indústria farmacêutica, etc.,aqueles que lidam com os medica-mentos, sejam prescritores, farma-cêuticos clínicos, dispensadores,administradores, precisam conhe-

cê-los. Cabe ao farmacêutico zelarpela qualidade, custos e resultadosterapêuticos dos medicamentos.

PHARMACIA BRASILEIRA –Que estratégias devem ser adota-das para solucionar o problema?

Julieta Ueta - Estudiosostêm se debruçado sobre o proble-ma, procurando entender como oserros acontecem onde nunca de-veriam acontecer. No prefácio dolivro de Michael Cohen, “Erros deMedicação”, está dito que a cora-gem de alguns que decidiram enu-merá-los, classificá-los, em lugar deignorá-los, ou de punir indivíduos,tem possibilitado entender as cau-sas dos erros para se desenvolverestratégias com abordagem sobreos sistemas.

Para o ambiente hospitalar,foram desenvolvidas estratégias decurto, médio e longo prazos: ado-ção de sistemas de distribuição demedicamentos por dose unitária,incluindo as preparações endove-nosas na farmácia, procedimentosespeciais com eletrólitos, como KCle medicamentos de alto risco, trei-namento permanente das equipes,educação dos pacientes, presençaconstante de farmacêuticos, siste-mas informatizados de prescriçãocom suporte à decisão clínica e deavaliação da prescrição pela farmá-cia, sistema de rastreamento demedicamentos e pacientes por có-digo de barras.

Em ambiente ambulatorial,podem, também, ser adotados sis-temas de informatização. O pontoessencial das estratégias para a re-dução de erros e a adoção da se-gurança na utilização de medica-mentos é a mudança de cultura.

PHARMACIA BRASILEIRA - AUniversidade deve ter que papelnesse contexto da busca de respos-tas ao problema dos erros de me-dicação, já que é um centro de pes-quisa, de ensino e de assistência?

Julileta Ueta – A Universida-de tem muito o que fazer, como: a)fortalecer no processo de formaçãodos profissionais de saúde o com-promisso com a ética, com a edu-cação sólida e permanente; inves-tir no ensino de disciplinas volta-

das à prescrição e à terapêutica me-dicamentosa, ausentes na maioriadas estruturas curriculares dos cur-sos de Medicina, Odontologia, Far-mácia, etc. b) Realizar pesquisassobre o tema, em ambientes hos-pitalares e ambulatoriais, para sediagnosticar como, quando, onde,por que os erros e problemas commedicamentos ocorrem, e proporsoluções, visando ao compromissocom a segurança. C) Introdução decultura de segurança dos pacientes,nos locais onde há inserção multi-profissional da Universidade emassistência à saúde nos diversosníveis de atenção (hospitais e uni-dades de ensino e saúde do SUS),com treinamento dos acadêmicospara trabalhos em equipes de ma-neira integrada e contínua.

PHARMACIA BRASILEIRA -No livro “A segurança dos pacien-tes na utilização da medicação”, daEditora Arte Médica (SP), de suaautoria em parceria com a enfer-meira Sílvia Cassiani, a senhora afir-ma que levantar o dedo para acu-sar o profissional da saúde (médi-co, farmacêutico e enfermeiro) quecometeu o erro não é a melhor es-tratégia para se combater o proble-ma. Por que? E qual é a estratégiacorreta?

Julieta Ueta - Os estudosmostraram que a acusação de umapessoa que cometeu o erro nãoleva à redução dos erros, mas esti-mula o sentimento de culpa, a re-petição do mesmo tipo de erro e aomissão dos relatos, dificultandoa procura de soluções.

PHARMACIA BRASILEIRA - Na

“Embora odesconhecimento

sobre o medicamento sejaum motivo importante quando

falamos de erros, mesmoquando se conhecem

os medicamentos,cometem-se erros”.

Page 7: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

FA

RM

ACÊUTIC

A

30

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / JULIETA UETA

medicação, segundo asenhora, erra-se muitona comunicação. Quaissão os erros mais co-muns nesse item? Háquem afirme que essetipo de erro está aumen-tando. Por que? Os pro-fissionais estão saindomenos preparados dasuniversidades? A pressaé uma aliada do erro?

Julieta Ueta - Osprocedimentos e sistemas empre-gados possibilitam a ocorrência deerros de comunicação. Um casoclássico é a prescrição manual, quepode ser modificada para prescri-ção informatizada. A organizaçãodo serviço e a pressa podem seraliados do erro, sim.

PHARMACIA BRASILEIRA - Oque um farmacêutico que atuanuma farmácia comunitária podefazer, para prevenir e evitar errosde medicação?

Julieta Ueta - Exercer práti-cas de atenção farmacêutica. Naatenção farmacêutica, estabelece-se uma comunicação efetiva, umseguimento contínuo do indivíduoe assume-se responsabilidade so-bre o seu tratamento medicamen-toso, identificando-se e solucio-nando-se problemas com os me-dicamentos.

PHARMACIA BRASILEIRA - Asenhora e os seus pares (farmacêu-ticos, médicos, enfermeiros e aca-dêmicos de Medicina, Farmácia eEnfermagem da USP - campus deRibeirão Preto), atuam no postomédico municipal de Cássia dosCoqueiros, Município próximo aRibeirão, graças a um convênio fir-mado entre a Prefeitura e a Univer-sidade. Ali, os senhores estão apli-cando os conhecimentos sobre ocombate aos erros de medicaçãoadvindos das pesquisas que vêmrealizando. Fale dessa experiência.Houve uma redução nos índices deerros, no posto médico, depois daação dos senhores?

Julieta Ueta - Não temos osdados para definirmos valores ab-solutos de redução de erros, masa contratação de farmacêuticos, a

organização da assis-tência farmacêutica, aelaboração de lista pa-dronizada de medica-mentos e a garantia deacesso a produtos se-guros e eficazes, o ge-renciamento de medi-das terapêuticas dosindivíduos, de maneiracolaborativa com omédico, o treinamentoe o acompanhamento

dos alunos e residentes de Medici-na para a utilização racional de me-dicamentos, a prescrição informa-tizada, etc. são ingredientes que re-sultam na prevenção e na diminui-ção de erros.

PHARMACIA BRASILEIRA -Por que se evita tanto falar em errode medicação? Por que o assuntoé tão delicado e por que se jogaum caminhão de silêncio, quandose constata que houve um erro?

Julieta Ueta - Como dito an-teriormente, a cultura punitiva,com foco no indivíduo, é o fatorprincipal para se manter no silên-cio o erro, reduzindo as chances deprevenção. O erro é pago com cas-tigo, um preço alto demais. Mas ostempos vêm mudando e, há de seconvir, já até falamos em erros e jáos admitimos.

PHARMACIA BRASILEIRA - Eo paciente? Onde ele fica em meioa tudo isso? O paciente é a partemais frágil neste contexto? O queele pode e deve fazer para se pre-venir? Ou todos estão sujeitos asofrer um erro?

Julieta Ueta - É o pacientefragilizado pela condição clínicaque - gosto sempre de lembrar quepode ser qualquer um de nós: eu,você, alguém querido, de sua famí-lia - vai sofrer conseqüências dautilização adequada ou não dosmedicamentos. Recomenda-seeducar, orientar, informar o pacien-te ou responsável para que, demaneira co-responsável, possa pre-venir a ocorrência de erros. Errosnão podem ser entendidos comouma mera e dolorosa fatalidade,provocada pelo destino.

PHARMACIA BRASILEIRA - É

impossível evitar os erros de medi-cação?

Julieta Ueta - Sempre é pos-sível evitar. Mas nunca é possívelevitar todos. Erro zero pode seruma meta...

PHARMACIA BRASILEIRA - Ocombate aos erros de medicaçãoainda vai virar uma especialidadefarmacêutica?

Julieta Ueta - Acredito quea cultura de segurança do pacien-te deverá se tornar uma “especiali-dade” na área da saúde, um setorda instituição, relacionado à quali-dade. Na área clínica, as estratégi-as de prevenção e redução podemser discutidas por membros da Co-missão de Controle de InfecçãoHospitalar, de Farmácia e Terapêu-tica e outras que envolvam a utili-zação de medicamentos.

PHARMACIA BRASILEIRA - OBrasil está muito atrasado nas pes-quisas e ações sobre esse problema?

Julieta Ueta – Esperança,sempre! É preciso urgência para sefazer um diagnóstico do que acon-tece, no Brasil, onde medicamen-tos são vendidos sem receita mé-dica, indiscriminadamente; onde asformações técnica e humana dosprofissionais da saúde não têm ofoco na segurança; onde sistemase processos relacionados aos me-dicamentos apresentam defasagemtecnológica. É preciso urgênciapara se discutir e difundir a mudan-ça de cultura, implementar estra-tégias já consagradas e relativa-mente simples e de baixo custo.

“Os estudosmostraram que a

acusação de uma pessoaque cometeu o erro não leva à

redução nos erros, mas estimula osentimento de culpa, a repetição do

mesmo tipo de erro e a omissãodos relatos, dificultando a

procura de soluções”.

Page 8: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

EN

FER

MEIR

A

31

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / SÍLVIA CASSIANI

A enfermeira e professora da Escola deEnfermagem da USP de Ribeirão Preto,Sílvia Cassiani, criou e coordena, nessaUniversidade, um grupo multiprofissionalque reúne pós-graduandos e pesquisadoresde todo o País, para investigar erros demedicação

Enfermeiros:

a última barreira

Uma das maiores referências em erros de medicação,a enfermeira Sílvia Cassiani, professora titular da Escola deEnfermagem da USP de Ribeirão Preto, aborda o problema,

comentando as suas causas e as alternativas para combatê-lo.

Cassiani diz que erros de medicação não são um assuntodelicado, se bem abordado. “E é o que me parece que esse

material da revista PHARMACIA BRASILEIRA propõe”, salienta.

A enfermeira Sílvia De Bortoli Cassiani, ouapenas Sílvia Cassiani, é, hoje, uma das maiores, senão a maior referência nacional em erros de medica-ção. E não por acaso. O mergulho fundo que vemfazendo sobre o assunto, além de torná-la uma au-toridade respeitada sobre o mesmo, tem gerado con-seqüências importantes para a busca de um enten-dimento do problema em sua inteireza e para o seucombate. Sílvia Cassiani, doutora em Enfermagempela USP (Universidade de São Paulo), é professoratitular da mesma Universidade (da Escola de Enfer-magem da USP de Ribeirão Preto), onde, também,chefia o Departamento de Enfermagem Geral e Es-pecializada. É consultora ad-hoc da Fapesp (Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo),do CNPq (Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico) e da CAPES (Coordenaçãode Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)/MEC (Ministério da Educação). Destaque para o se-guinte fato: na USP, Cassiani criou a pós-graduaçãoem erros de medicação, o que atraiu profissionais,principalmente enfermeiros e farmacêuticos, de vá-rios Estados. Com esse pessoal, a Dra. Sílvia criou elidera um grupo coeso e disposto a pesquisar o as-

sunto com a complexidade que ele merece. O gruporeúne, em sua maioria, professores universitários.Muitos atuam, da iniciação científica até o pós-dou-torado. Fazem parte dessa célula colaboradores que,em seus próprios Estados, pesquisam erros de me-dicação, seguindo orientações da enfermeira, queaposta no fato de todos os seus liderados tornarem-se multiplicadores. Autora de 56 artigos publicadosem periódicos especializados e de 97 trabalhos emanais de eventos, Sílvia Cassiani escreveu, ainda,quatro livros. “As instituições que apresentam os ín-dices mais elevados de erros são aquelas que estãoinvestigando o problema e, por isso, os relatóriossão estimulados. Dizer que em determinada institui-ção não há erros de medicação é mostrar que pro-vavelmente esses erros estão ocorrendo, mas nãoestão sendo notificados, o que é negativo, tanto sobo ponto de vista dos pacientes, que não estão sen-do informados, como do ponto de vista administra-tivo, que desconhece a realidade da instituição”, dizela na entrevista. Fala, ainda, das ações dos enfer-meiros e dos farmacêuticos, como também do papeldo paciente. “Ele é parte do sistema e não um recipi-ente passivo dele”, explica. Veja a entrevista.

PHARMACIA BRASILEIRA -Como a senhora avalia o ensinode administração de medicamen-tos, nos cursos de Enfermagem,no Brasil? O que o ensino podeter a ver com o problema dos er-ros de medicação?

Sílvia Cassiani - O ensino deadministração de medicamentos,nos cursos de Enfermagem, no Bra-

sil, acompanha as ações de enfer-magem, nesse âmbito, nas institui-ções de saúde. Assim, há a ques-tão do ensino dos procedimentostécnicos, como as vias de adminis-tração, aliados aos aspectos farma-cológicos. Os erros de medicaçãosão, também, abordados, princi-palmente, porque a equipe de en-fermagem – auxiliares, técnicos de

enfermagem e enfermeiros – estána ponta final do sistema e é, comfreqüência, sobre esses profissio-nais que recai o ônus dos erros.

Além destes aspectos, tem selevantado várias questões sobre alegibilidade das prescrições médi-cas, a distribuição de medicamen-tos e sua relação com a adminis-tração dos medicamentos, no al-

Page 9: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

“Se há umsistema mal planejado,

mal organizado de açõesdirigidas à segurança do paciente,a ocorrência de erros é facilitada.

A premissa é a de que os sereshumanos falham e, portanto, os

erros são esperados, mesmonas melhores organizações.

Erros são conseqüênciase não causas”,

“O enfermeiro que temboa liderança, bem preparado,

atualizado e atento aos aspectosrelacionados à terapêutica

medicamentosa em um sistemaorganizado e que busca corrigiras falhas, pode ser uma barreira

importante contra os errosde medicação”.

cance do princípio dos certos: medi-camento certo, dose certa, horá-rio certo e paciente certo.

O ensino tem relação com aproblemática dos erros, principal-mente, quanto às deficiências queos enfermeiros apontam no conhe-cimento relativo à Farmacologia.Estudo realizado por Telles Filho,em 2001, sob nossa orientação,identificou que os mecanismos deação dos medicamentos foi a res-posta mais freqüente dos enfermei-ros, quando questionados sobresuas necessidades educacionais.

Assim, o enfermeiro que temboa liderança, bem preparado, atu-alizado e atento aos aspectos re-lacionados à terapêutica medica-mentosa em um sistema organiza-do e buscando corrigir as falhas,pode ser uma barreira importantecontra os erros de medicação.

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

FA

RM

ACÊUTIC

A

32

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / SÍLVIA CASSIANI

PHARMACIA BRASILEIRA - Asenhora coordena um grupo, den-tro da USP de Ribeirão Preto, doqual fazem parte enfermeiros e far-macêuticos e que tem se dedicadoà pesquisa da segurança de paci-entes na terapêutica medicamen-tosa, com foco na prevenção e naocorrência de erros de medica-ção. O grupo conclui que os er-ros não estão necessariamen-te relacionados aos profissio-nais de saúde, mas à estrutu-ra e ao sistema que os envol-vem e que os induzem a errar.Então, por que a estrutura e osistema erram tanto?

Sílvia Cassiani - Não sãoa estrutura e o sistema que erram.O que ocorre é que, se há um sis-tema mal planejado, mal organiza-do de ações dirigidas à segurançado paciente, a ocorrência de errosé facilitada. A premissa é a de queos seres humanos falham e, portan-

to, os erros são esperados, mes-mo nas melhores organiza-

ções. Erros são conseqüên-cias e não causas. LucianLeape, um dos pesquisa-dores pioneiros e expoen-tes nesse tema, afirmaque, embora não possa-mos mudar a condiçãohumana, podemos mudaras condições nas quais os

seres humanos trabalham.PHARMACIA BRASILEIRA -

Como corrigir os erros?Sílvia Cassiani - A idéia cen-

tral é criar defesas ou barreiras nosistema. Sistema é contextualiza-do como um grupo de elementosinterdependentes, interagindo paraobter um propósito comum. Oselementos podem ser humanos enão humanos (equipamentos, tec-nologias etc). Para explicar o quesignificam essas defesas, JamesReason utiliza um modelo, deno-minado de queijo suíço.

As barreiras, defesas ou sal-vaguardas ocupam uma posiçãochave nessa abordagem. Essas de-fesas ou barreiras podem ser hard,como barreiras físicas, alarmes,chaves, equipamentos de proteçãoindividual e instrumentos ou mol-des – soft, como legislação, regras,protocolos, treinamento, supervi-são, controle administrativo etc.

No mundo ideal, cada barreira se-ria intacta. No mundo real, elas separecem com fatias de queijo suí-ço, com vários buracos, entendidoscomo dificuldades, falhas etc.

Os buracos ou falhas nessasbarreiras de defesa estão continu-adamente se abrindo, estreitando-se e mudando sua localização. En-tretanto, a presença dessas falhasem uma barreira não causa normal-mente um resultado ruim. O resul-tado ruim ocorre, quando os bura-cos entendidos como falhas, emmuitas placas, se alinham, momen-taneamente, permitindo ou opor-tunizando a trajetória do acidente,

Grupo da enfermeira e professora Sílvia Cassiani, na USP. Da esquerda para a direita: Sílvia Cassiani, Divaldo LyraJúnior, farmacêutico e pós-doutorando da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP/USP); Simone Opitz,enfermeira, doutoranda da EERP/USP e professora da Universidade Federal do Acre; Ana Elisa Bauer daSilva, enfermeira, doutoranda da EERP/USP e professora da Universidade Federal de Goiás; AdrianneMancuso, enfermeira, mestranda da EERP/USP e professora da Universidade de Cuiabá; Thalyta Cardoso,enfermeira, mestranda da EERP/USP; Daniela Odnick, estudante de Enfermagem, aluna de iniciação científicada EERP/USP; e Nathália Lambertini, estudante de Farmácia, aluna de iniciação científica da EERP/USP.

Page 10: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

“Enfermeiros efarmacêuticos interceptam

86% dos erros de medicaçãorelacionados a erros de prescrição,transcrição e dispensação, ao passoque apenas 2% são interceptadospelos pacientes, enquanto que não

há nenhuma rede de segurançapara as enfermeiras, quando

os medicamentos sãoadministrados aos

pacientes”.

“Dentro da criaçãode uma cultura de segurança,deve haver uma ampliação que

engaje os pacientes e seusfamiliares no processo de cuidado.Isso se inicia com o entendimento

de que o paciente é parte dosistema, e não um recipiente

passivo dele”.

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

EN

FER

MEIR

A

33

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / SÍLVIA CASSIANI

trazendo o dano ao contato comas vítimas.

Essas falhas, alinhadas mo-mentaneamente, são conheci-das por “janelas de oportuni-dades” e que, de certa forma,são raras, devido à multiplici-dade de defesas e à mobilida-de das falhas. Entretanto,ocorrem. E os erros de medi-camentos constituem exemplo.

Os buracos na defesa ocor-rem, devido às falhas ativas, quesão os erros e violações cometidaspor aqueles, em contato diretocom a interface do sistema, o serhumano. Constituem-se, no casodo sistema de saúde, os atos inse-guros ou os erros e violações co-metidas pelas pessoas que estãona ponta final do sistema (no nos-so caso, o sistema de medicação),em contato com o paciente e suasações e decisões podem resultarem falhas ativas. Tais atos insegu-ros têm probabilidade de causarum impacto direto na segurança dosistema. (Reason, 1997).

As condições latentes - sãorelacionadas à organização e estãonas instituições como “patógenosresidentes” - estão no organismo,ou seja, estão presentes no siste-ma, até que, combinadas com fa-lhas ativas e gatilhos, criam a opor-tunidade de um acidente. São osperigos resultantes de adiamentode ações técnicas e organizacionaise de decisões. Essas condiçõespodem predispor os indivíduos naponta final do sistema a falhar.

As condições latentes estãosempre presentes em sistemascomplexos e o que pode serfeito é torná-las visíveis aosque administram, a fim deque possam ser corrigidas.As falhas ativas e as condi-ções latentes podem estarpresentes, muito tempoantes, e, combinadas a cir-cunstâncias locais e a falhasativas, penetraram as muitasplacas de defesa do sistema.

A Austrália, em seu escri-tório de investigação da seguran-ça aérea, foi a primeira organizaçãoa usar o modelo de Reason para to-

dos os seus relatórios. Assim, aabordagem centrada no sistema, amais aceita nesse momento, con-centra-se nas condições sobre asquais os indivíduos trabalham e ten-tam construir defesas para evitar oserros e reduzir seus efeitos. Assim,se diz que os erros ocorrem, devi-do às falhas no sistema e que, parareduzi-los, a saída é observar e ana-lisar o sistema de medicação.

PHARMACIA BRASILEIRA - Ospacientes são a parte mais fracanesse contexto? Eles têm algo a fa-zer contra os erros de medicação?Se têm, por que já não o fazem?

Sílvia Cassiani - Pacientespodem ter um papel ativo em suaterapia medicamentosa e prevenirerros, somente questionando osprofissionais, fornecendo informa-ções a estes e, também, manten-do um registro de seus medicamen-

tos. Os profissionais têm um papelfundamental nesse processo, po-

dendo encorajar os pacientes ater um papel ativo nesse pro-cesso.Folheto produzido por Adri-ana Miasso, em sua disserta-ção de mestrado na Escola deEnfermagem de Ribeirão Pre-to, USP, é um exemplo de ati-

tude que pode colaborar nes-se papel do paciente, na medi-

da em que ela propõe que os pa-cientes podem questionar os pro-fissionais, orientando-os sobre aimportância de terem conhecimen-to sobre os medicamentos que re-cebem e que lhes são prescritos.

Dentro da criação de uma cul-tura de segurança, deve haver umaampliação que engaje os pacientese seus familiares no processo decuidado. Isso se inicia com o en-tendimento de que o paciente éparte do sistema e não um recipi-ente passivo dele. O conceito depaciente-parceiro dos profissionaisno seu tratamento é o que melhorindica o papel ativo esperado dospacientes e de seus familiares, mas,para isso, devem ser orientados,inclusive dessa expectativa.

PHARMACIA BRASILEIRA -Uma equipe multiprofissional bemliderada, reunindo gente qualifica-da e que conte com a estrutura e osistema necessários, é o grandeanteparo para se evitar erros?

Sílvia Cassiani - Sim, é cer-tamente uma barreira importante.O processo de administrar medica-mentos, nas instituições de saúde,é complexo, apresenta várias eta-

pas e processos, envolve profis-sionais de várias disciplinas,bem como o próprio pacien-te; necessita, ainda, de co-nhecimento sobre os medi-camentos, acesso, no mo-mento necessário, de infor-mações completas e exatassobre o paciente e uma sé-rie de decisões e ações inter-

relacionadas.Os profissionais envolvidos

são o médico, o farmacêutico, oauxiliar do farmacêutico, o enfer-meiro e o auxiliar ou técnico de en-

Page 11: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

“O que é precisoé o desenvolvimentoinstitucional de uma

‘cultura de segurança’ comoprioridade estratégica

organizacional, emvez de se manter acultura da culpa”.

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

FA

RM

ACÊUTIC

A

34

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / SÍLVIA CASSIANI

fermagem. Os auxiliares e técnicosde enfermagem estão na ponta fi-nal do sistema e são as ações des-tes profissionais que se traduzemconcretamente pela administraçãodo medicamento aos pacientes eobservação das reações adversasque podem ocorrer. Assim, é deresponsabilidade de todos atenta-rem para as estratégias que garan-tam a segurança dos pacientes.

PHARMACIA BRASILEIRA -Como o enfermeiro reage, diantede um erro que tem origem lá atrás(na prescrição ou na dispensação)?Que atitude ele deve tomar?

Sílvia Cassiani - Os errosocorrem em todas as fases do sis-tema de medicação. Segundo Lu-cian Leape, em artigo escrito, em1995, 39% dos erros ocorrem, du-rante a prescrição; 12%, na trans-crição; 11%, na dispensação; e38%, durante a administração. En-fermeiros e farmacêuticos intercep-tam 86% dos erros de medicaçãorelacionados a erros de prescrição,transcrição e dispensação, ao pas-so que apenas 2% são intercepta-dos pelos pacientes, enquanto quenão há nenhuma rede de seguran-ça para os enfermeiros, quando osmedicamentos são administradosaos pacientes.

Assim, a equipe de enferma-gem intercepta um grande númerode erros advindos da prescriçãomédica e da distribuição de medi-camentos, diariamente, nas institui-ções de saúde, o que denominamosde erros potenciais, pois foram in-terceptados, antes de atingir ospacientes. Mas se constituíram er-ros e essas ocorrências devem sernotificadas à comissão de qualida-de ou outra responsável pela me-lhoria dos processos, com o intui-to de corrigir as falhas e não indicarculpados. Mas isso não ocorre.

PHARMACIA BRASILEIRA -Que erros mais comuns ocorrem naadministração de medicamentos?

Sílvia Cassiani - A adminis-tração de medicamentos a pacien-tes errados é o erro que mais co-mumente ocorre, devido, principal-mente, a falhas na identificaçãodos pacientes, que poderiam ser

minimizadas, simplesmente, como uso de pulseiras de identifica-ção. Além destes, os mais fre-qüentes são, também, a adminis-tração de medicamentos na via edose erradas, o não cumprimen-to do horário estabelecido naprescrição médica (erro de horá-rio) e pouco esclarecimento so-bre conservação, preparo e esta-bilidade dos medicamentos.

PHARMACIA BRASILEIRA - Aque a senhora atribui os erros demedicação?

Sílvia Cassiani - Em 1863,Florence Nightingale escreveu, emsuas Notes on Hospitals, “Primum nonnocere”, traduzidas como “Primeira-mente, não cause danos”, indican-do que a segurança de pacientes éparte integrante da profissão de En-fermagem, desde o início da Enfer-magem moderna (Pepper, 2004).

Todavia, infelizmente, errosna medicação ocorrem, não somen-te durante a administração do me-dicamento propriamente dita, masem todas as etapas do sistema demedicação. Os conceitos de errohumano, ainda do psicólogo inglêsJames Reason, explicam por que oserros ocorrem. Para esse autor, errohumano é uma falha nas ações pla-nejadas, com o objetivo de obteros fins desejados, sem que nenhumevento imprevisto tenha ocorrido.

O ser humano desempenhasuas ações em três níveis, segundoJeans Rasmussen, que investigou abase cognitiva do comportamentohumano subjacente aos erros:

• Nível de desempenho (ou,também, de comporta-mento), baseado nas habi-lidades. São as tarefas queexecutamos de rotina, pra-ticadas automaticamentee com verificações ocasi-onais de seu progresso.Refere-se às tarefas auto-máticas que requerematenção limitada ou ne-nhuma cognição, durantea execução. Deslizes sãofalhas baseadas nas habi-lidades.

• Nível de desempenho ba-seado nas normas, regras.Nesse nível, aplicamos asnormas memorizadas ouescritas. Nível de tomadade decisão que envolve aaplicação de regras ou es-quemas já existentes paralidar com situações famili-ares. Aplicando essa regra,nós operamos, associandoautomaticamente os sinaise sintomas do problema aalguma estrutura do co-nhecimento. Usamos pen-samento consciente paraverificar se a solução estáou não apropriada.

• Nível do desempenho ba-seado no conhecimento.Esse nível envolve a apli-cação consciente de co-nhecimento existente paralidar com novas situações.Os três níveis de desem-penho não são exclusivose coexistem, ao mesmotempo. Lapsos são as fa-lhas baseadas no conheci-mento.

Os erros, em cada um dostrês níveis de desempenho, variamno grau em que eles são configura-dos por fatores intrínsecos (viesescognitivos, limitações de atenção)e por fatores extrínsecos (caracte-rísticas estruturais da tarefa e osefeitos do contexto). Autores quelidam com esse tema, embora iden-tifiquem a importância dos fatoresintrínsecos, acreditam que fatoresextrínsecos, como políticas e dire-trizes da instituição, sobrecarga de

Page 12: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

“Além dos EUA,vários países, como Inglaterra,

Irlanda, Austrália, Canadá,Espanha, Nova Zelândia, Suéciae outros, também, têm olhadoatentamente essa questão, etomado iniciativas, como a

criação de institutos,associações e organizações

voltadas ao problema”.

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

EN

FER

MEIR

A

35

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / SÍLVIA CASSIANI

tarefas, desorganização da estrutu-ra, falta de cultura organizacionalvoltada para a segurança dos pa-cientes e outros, podem con-tribuir para a ocorrência doserros. Assim, a proposta étrabalhar, no sentido de me-lhorar os processos inter-nos e a estrutura, pois issotem um peso importantena ocorrência dos erros.

PHARMACIA BRASI-LEIRA - O que é feito, na ad-ministração de medicamen-tos, depois que os erros acon-tecem? A administração é a últi-ma barreira, a última resistência. Seela falhar...

Sílvia Cassiani – Para se ex-plicar que atitudes têm sido toma-das nas instituições, gostaria de,primeiramente, citar os trabalhosde Hudson (2003) e de vários ou-tros autores sobre como os mode-los de algumas industriais podemser aplicados à saúde, no que con-cerne, obviamente, à segurança.

E, dessas áreas, destacam-se,como exemplos de desenvolvimen-to dessa cultura de segurança, aaviação civil, as empresas de extra-ção de petróleo e de gás e as usi-nas nucleares. Essas organizaçõesempregaram técnicas da engenha-ria de fatores humanos.

Para isso, há um modelo deevolução da cultura de segurançanas organizações onde se distin-guem cinco tipos: patológica, rea-tiva, calculativa, proativa e genera-tiva. A organização com uma cul-tura patológica (1º nível) conside-ra a segurança como um problemados trabalhadores. A reativa éaquela que pensa seriamente nasações, após os acidentes. A calcu-lativa é aquela em que a segurançaé dirigida por administradores, commuita coleta de dados, e é impos-ta, ao invés de buscada pela forçade trabalho. Já a proativa, trabalhacom um desempenho aperfeiçoa-do; o “não esperado” é um desafioe o envolvimento da força de tra-balho vai até o mais alto nível. Agenerativa, por sua vez, é onde háparticipação de todos os níveis. Asegurança é parte do negócio.

Assim, as atitudes, após aocorrência dos erros, variam, con-forme o tipo de organização. Atu-almente, vemos, infelizmente, quea cultura patológica é a que fre-qüentemente impera, pois o pro-blema é do profissional. Ele é quemé responsabilizado e penalizado.

PHARMACIA BRASILEIRA - OBrasil precisa deitar, urgentemen-te, um novo olhar sobre o proble-ma dos erros de medicação, comvistas à sua prevenção? Noutraspalavras, não já passa da hora de oproblema ser encarado?

Sílvia Cassiani - O relatóriodo Instituto Americano de Medici-na, de 1999, repercutiu, nos Esta-dos Unidos, e teve destaque, namídia, levando a medidas governa-mentais pelo então Presidente Clin-ton, como a criação de um centrode melhoria da qualidade e seguran-ça do paciente e de fundos no valorde 20 milhões de dólares (aumentode 500%, após o relatório), para acondução de pesquisas na reduçãode erros médicos e para a moderni-zação dos sistemas de medicação,em hospitais da Veteran Administrati-on, criação de agências nacionais desegurança ao paciente, organizaçãode eventos e de institutos de segu-rança de pacientes, acreditação dehospitais e ações estratégicas devárias instituições de saúde daquelePaís, bem como a meta de reduziros erros evitáveis em 50%, em cincoanos, a partir de 2000, ou seja, até

2005. A Joint Comission on Accreditationof Healthcare Organization reorganizoue enfatizou as diretrizes no que se

referia ao uso de medicamentosparecidos no nome e no rótulo.Além dos EUA, vários países,como Inglaterra, Irlanda, Aus-trália, Canadá, Espanha, NovaZelândia, Suécia e outros, tam-bém, têm olhado atentamen-te essa questão, e tomado ini-ciativas, como a criação de ins-

titutos, associações e organiza-ções voltadas ao problema.

Em 2003, fiz, a título de curi-osidade, uma consulta à Base deDados Medline de artigos, sob apalavra-chave erros de medicação, eencontrei 733 artigos publicados,nos EUA; 75, no Reino Unido; 70artigos, no Canadá, 39, na Alema-nha; 36, na França e na Dinamarca;seis, no México; oito, no Brasil, enenhum, nos outros países daAmérica Latina.

Dois anos após, isso deve termodificado e, provavelmente, noBrasil, essa mudança foi maior, poistemos conhecimento de outros gru-pos, além do nosso, que, hoje, têmse debruçado sobre essa questão,com produções na área. Mas, atédois anos atrás, era, praticamente,somente o grupo de Ribeirão Pretoquem divulgava esse tema. A Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitáriatem zelado por esse aspecto, noPaís, e apresentado várias estraté-gias e ações ligadas às instituiçõesde saúde e aos profissionais.

PHARMACIA BRASILEIRA - Deonde deve partir uma reação, comvistas a solucionar o problema? Umesforço reunindo os setores públi-co e privado, as organizações desaúde e outras deve ser desenvol-vido, com urgência?

Sílvia Cassiani – Sim. Cer-tamente, pode haver ações coor-denadas pelos setores governa-mentais, ligadas à acreditação hos-pitalar e aos conselhos regionaisdos profissionais da saúde, lideran-do uma reação inicial, já que aspesquisas estão comprovando a si-tuação. A criação de um órgão go-vernamental ou não, relacionado àsegurança dos pacientes, em vári-

Page 13: ERROS DE MEDICAÇÃO - Conselho Federal de Farmácia · ou ver coberto de um silêncio pavoroso, o assunto, na abordagem deste número da re- ... na verdade, o sistema de saúde deveria

“Dizer que emdeterminada instituição não

há erros de medicação é mostrarque provavelmente esses erros estão

ocorrendo, mas não estão sendonotificados, o que é negativo, tantosob o ponto de vista dos pacientes,

que não estão sendo informados, comodo ponto de vista administrativo,

que desconhece a realidadeda instituição”.

“O assunto nãoé delicado, se bem abordado,e é o que me parece que esse

material da revista PHARMACIABRASILEIRA propõe. E o objetivo

de tratá-lo é o de melhorar osprocessos das instituições que

estão atentas para essa questão e,também, o de informar aospacientes da importância

de sua participação notratamento”.

CO

M A

PA

LA

VR

A, A

FA

RM

ACÊUTIC

A

36

Pharmacia Brasileira - Outubro/Novembro/Dezembro 2005

ENTREVISTA / SÍLVIA CASSIANI

os aspectos, não somente com res-peito à terapêutica medicamento-sa, pode ser um bom começo.

As políticas da AgênciaNacional de Vigilância Sanitá-ria podem ser mais conheci-das pelos profissionais emgeral e instituir, entre estes,a importância dos relatos,tirando a cultura da puniçãotão comum, substituindo-apor uma cultura organizaci-onal, que privilegie a segu-rança. A acreditação dos hos-pitais, tomando como base,além de outros aspectos, a segu-rança dos pacientes, pode se tor-nar um fato.

A criação de uma organizaçãonão-governamental é uma perspec-tiva futura que tenho. Quem sabe,novos pares irão aparecer, após aleitura deste material, e fortalecera idéia de uma organização lutan-do por essa questão. É meu sonho.

PHARMACIA BRASILEIRA -Como avalia a atuação dos órgãosde saúde no enfrentamento do pro-blema?

Sílvia Cassiani - A questãoe o assunto são novos, mesmomundialmente, mas o Brasil deveacompanhar uma tendência mun-dial e dar o destaque devido aotema.

PHARMACIA BRASILEIRA -Falta qualificação, conhecimentopara se enfrentar os erros de me-dicação?

Sílvia Cassiani – Não. O queé preciso é o desenvolvimento ins-titucional de uma “cultura de se-gurança” como prioridade estraté-gica organizacional, em vez de semanter a cultura da culpa. A ênfa-se na segurança irá modificar e pro-mover o avanço no enfrentamentoda questão.

PHARMACIA BRASILEIRA -Erros de medicação são um assun-to delicado. Por que? Falarmosdele, nesta série de entrevistas pu-blicada na PHARMACIA BRASILEI-RA, pode significar um sinal de mu-dança em busca de uma respostapara o problema?

Sílvia Cassiani - O assuntonão é delicado, se bem abordado,

e é o que me parece que esse ma-terial da revista PHARMACIA BRA-SILEIRA propõe. E o objetivo detratá-lo é o de melhorar os proces-sos das instituições que estãoatentas para essa questão e, tam-bém, o de informar aos pacientessobre a importância de sua partici-pação no tratamento.

As instituições que apresen-tam os índices mais elevados deerros são aquelas que estão inves-tigando o aspecto e, por isso, osrelatórios são estimulados. Dizerque em determinada instituiçãonão há erros de medicação é mos-trar que provavelmente esses errosestão ocorrendo, mas não estãosendo notificados, o que é negati-vo, tanto sob o ponto de vista dospacientes, que não estão sendo in-formados, como do ponto de vistaadministrativo, que desconhece arealidade da instituição.

PHARMACIA BRASILEI-RA - Fale do trabalho multi-disciplinar envolvendo omédico, o farmacêutico e oenfermeiro? A consciênciamultiprofissional ainda é tí-mida e mal construída?

Sílvia Cassiani -Como diz Padilha e Col(2002), a complexidade ine-rente ao processo de adminis-trar medicamentos exige que oerro de medicação seja visto comoum fenômeno multicausal, de abor-dagem multidisciplinar cujo enfre-

tamento envolve vários profissio-nais e, assim, cada um desses,

usando conhecimentos específi-cos, partilha da responsabilida-

de de prevenir erros, identifi-cando e corrigindo fatoresque contribuam para suaocorrência. Para isso, o tra-balho tem que ser colabo-rativo, centrado no pacien-te, em equipe e coeso.PHARMACIA BRASILEIRA -

Como o enfermeiro relacio-na-se com os médicos e o far-

macêutico?Sílvia Cassiani - O ambien-

te de trabalho e o trabalho do en-fermeiro têm se modificado, nasúltimas duas décadas. Hoje, te-mos pacientes hospitalizados emcondições mais graves do que nopassado recente, as hospitaliza-ções são mais curtas, o trabalhofoi redesenhado, há um númeromenor de enfermeiros, freqüenterotatividade de pacientes e pes-soal de enfermagem, longa jorna-da de trabalho, rápido aumentode novos conhecimentos e tecno-logias, interrupções e demandano tempo do enfermeiro. Trans-formar o ambiente de trabalhodos enfermeiros é essencial à se-gurança de pacientes. Para isso,será necessária a colaboração dosoutros profissionais da saúde, en-tre eles, e principalmente, do mé-dico e do farmacêutico.