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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5297 ESCRITAS FEMININAS: LITERATURA INFANTOJUVENIL E REPRESENTAÇÕES Priscila Kaufmann Corrêa 1 Maria do Carmo Martins 2 Apresentação Condessa de Ségur, Louis May Alcott e Maria Clarice Marinho Villac são escritoras que publicaram seus livros infantojuvenis entre os séculos XIX e XX, na França, Estados Unidos e Brasil, respectivamente. As trajetórias de vida destas escritoras apresentam características em comum. Membros da aristocracia social e intelectual ou burguesa, tiveram uma vida familiar intensa. Durante a infância aprenderam a ler e escrever e puderam aperfeiçoar estas habilidades e, na vida adulta, por meio de seus círculos de relações, conheceram editores que publicaram seus livros. Suas publicações continuam sendo relançadas, traduzidas e adaptadas. Os motivos para assegurar a longevidade destes discursos é a questão que norteia este trabalho. Tais discursos trazem à tona a relação entre o adulto e a criança, ou jovem, em diferentes instâncias, sejam elas a família, a religiosidade, ou a educação. Neste sentido, dois conceitos são importantes: o de instituição imaginária da sociedade, do filósofo Cornelius Castoriadis e o de representação, do historiador Roger Chartier. As instituições imaginárias da infância, família, educação e religiosidade, constituíram o contexto que estas mulheres vivenciaram. Tais instituições se manifestam dentro de uma rede simbólica, na qual se combinam um componente funcional e outro imaginário (CASTORIADIS, 1982, p. 159). Tais instituições compõem a subjetividade destas escritoras e apoiadas nela, tecem narrativas que trazem à tona representações, apresentando aspectos da rede simbólica das instituições e da sua própria condição nessas sociedades. 1 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Faculdade de Educação. Professora de Educação infantil na Prefeitura do Munícipio de São Paulo. E-Mail: <[email protected]>. 2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Professora colaboradora do Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, SP Brasil. Membro do grupo de pesquisa MEMÓRIA, vinculado a Faculdade de Educação da mesma universidade. E-Mail: <[email protected]>.

ESCRITAS FEMININAS: LITERATURA INFANTOJUVENIL E … · diamantífera e da exploração dos donos das lavras. Foi eleito em 1971 para ocupar a cadeira da Academia Brasileira de Letras,

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ISSN 2236-1855 5297

ESCRITAS FEMININAS: LITERATURA INFANTOJUVENIL E REPRESENTAÇÕES

Priscila Kaufmann Corrêa1

Maria do Carmo Martins2

Apresentação

Condessa de Ségur, Louis May Alcott e Maria Clarice Marinho Villac são escritoras que

publicaram seus livros infantojuvenis entre os séculos XIX e XX, na França, Estados Unidos e

Brasil, respectivamente. As trajetórias de vida destas escritoras apresentam características

em comum. Membros da aristocracia social e intelectual ou burguesa, tiveram uma vida

familiar intensa. Durante a infância aprenderam a ler e escrever e puderam aperfeiçoar estas

habilidades e, na vida adulta, por meio de seus círculos de relações, conheceram editores que

publicaram seus livros.

Suas publicações continuam sendo relançadas, traduzidas e adaptadas. Os motivos para

assegurar a longevidade destes discursos é a questão que norteia este trabalho. Tais discursos

trazem à tona a relação entre o adulto e a criança, ou jovem, em diferentes instâncias, sejam

elas a família, a religiosidade, ou a educação. Neste sentido, dois conceitos são importantes: o

de instituição imaginária da sociedade, do filósofo Cornelius Castoriadis e o de

representação, do historiador Roger Chartier.

As instituições imaginárias da infância, família, educação e religiosidade, constituíram

o contexto que estas mulheres vivenciaram. Tais instituições se manifestam dentro de uma

rede simbólica, na qual se combinam um componente funcional e outro imaginário

(CASTORIADIS, 1982, p. 159). Tais instituições compõem a subjetividade destas escritoras e

apoiadas nela, tecem narrativas que trazem à tona representações, apresentando aspectos da

rede simbólica das instituições e da sua própria condição nessas sociedades.

1 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Faculdade de Educação. Professora de Educação infantil na Prefeitura do Munícipio de São Paulo. E-Mail: <[email protected]>.

2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Professora colaboradora do Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, SP – Brasil. Membro do grupo de pesquisa MEMÓRIA, vinculado a Faculdade de Educação da mesma universidade. E-Mail: <[email protected]>.

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A representação visa atuar sobre a subjetividade do leitor para que ele aceite a

organização social e seus projetos. Há um jogo de forças em torno das representações que

devem ser aceitas, legitimadas ou descartadas. Nos livros, a representação está presente nos

discursos - que não traz diretamente as instituições imaginárias da infância, da família, da

religiosidade e da educação - mas apresenta símbolos e significações destas para que o leitor

as apreenda.

As representações da infância, a família, a religiosidade e a educação tratam da relação

entre o adulto e a criança, ou o jovem, na qual o indivíduo mais experiente orienta e cuida do

indivíduo mais novo. Os livros das três escritoras destacam o papel da família no cuidado da

infância. A representação de família se entrelaça com as demais, definindo as escolhas com

relação à infância. Cabe à família decidir pela educação em casa ou na escola e orientar a

religiosidade.

Pensando nesse aspecto das representações, os livros escolhidos para esse trabalho são

os que compõem a “Trilogia de Fleurville” da Condessa de Ségur, que são os livros Les petites

Filles modéles (1858)3, Les malheurs de Sophie (1858)4 e Les vacances (1859)5. Os livros de

Louisa May Alcott são Little women (1868)6 e Good wives ou Little women Part 2 (1869)7.

Maria Clarice Marinho Villac completa o grupo com Cinco travessos: amiguinhos de Jesus

Hóstia (1937), Clarita da pá virada (1939) e Clarita no Colégio (1945).

As escritoras, em parceria com seus editores, elaboraram discursos com representações

que continuam sendo legitimadas. A importância da família em seu zelo pela infância é

destacada em seus livros, contrapondo com a violência e a agressividade. Os editores

esperam que tais discursos sejam apreendidos pelos leitores, inclusive no século XXI.

Esses discursos também estão presentes em adaptações, como aquelas publicadas pela

editora Edições de Ouro. No final da década de 1960 e início da década de 1970, a editora

contratou escritores brasileiros consagrados para criar novas versões de livros considerados

clássicos da literatura infantojuvenil. Os livros da Condessa de Ségur e de Louisa May Alcott

foram adaptados por Herberto Sales e sua versão também será estudada.

3 As meninas exemplares. 4 Os desastres de Sofia. 5 As férias. Os títulos estrangeiros serão utilizados para indicar as obras originais, enquanto os títulos em

português serão indicados para as adaptações. 6 Mulherzinhas. 7 Boas esposas.

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As escritoras

A Condessa de Ségur, Louisa May Alcott e Maria Clarice Marinho Villac viveram em

contextos distintos, que, contudo, apresentaram certa aproximação em sua forma de circular

na sociedade e tecer suas redes de relações. O contexto destas vivências era fortemente

ancorado em quatro instituições da sociedade que marcaram sua vida familiar, no âmbito

doméstico, e auxiliariam na construção dos discursos presentes em seus livros. São elas a

infância, a família, a religiosidade e a educação.

A Condessa de Ségur e Maria Clarice Marinho Villac tiveram uma infância pautada por

certo distanciamento dos pais, mas procuraram ser mães mais próximas de seus filhos,

acompanhando-os em suas atividades. Louisa May Alcott teve uma infância com a presença

constante dos pais, o que também se manteria na vida adulta. No caso das três escritoras, a

vivência na infância também era marcada por rotinas e com maior ou menor rigor dos pais

na orientação de seus filhos.

A configuração familiar era organizada pelo núcleo de mãe, pai e filhos, podendo os

pais estar mais distantes, em suas atividades da vida pública. A vida familiar também podia

ser ampliada pela presença dos avós, tios e primos, como no caso de Maria Clarice, que

conviveu por muitos anos com todos os parentes sob um mesmo teto. Nessa organização

também haviam regras, exigindo o respeito da criança para com o adulto, em uma relação

tênue que podia terminar com a desobediência da criança às regras dos adultos.

A religiosidade, por sua vez, se liga ao mundo espiritual, ao sagrado. Também composta

por rituais e regras, ela se liga à moralidade, indicando o caminho considerado adequado a

ser seguido. A Condessa de Ségur acompanhou a conversão de mãe, Catharine Rostopchine,

ao catolicismo, sendo que ela mesma abjurou do catolicismo ortodoxo para o catolicismo

romano. Na vida adulta ela se tornou uma católica fervorosa. Louisa May Alcott não era

adepta de nenhuma religião específica, mas conviveu com diversos pastores de diferentes

segmentos da igreja protestante. Leu A viagem do peregrino, leitura favorita de seu pai,

Amos Bronson Alcott, uma narrativa que leva à uma reflexão sobre o aperfeiçoamento

espiritual. Maria Clarice Marinho Villac se tornou católica a partir do momento em que

realiza a Primeira Comunhão no Colégio Progresso.

A educação, por fim, também estava presente na vida da criança, representada por pais,

preceptores, ou professores, que a orientam com regras e estabelecem rotinas de estudos,

alternadas com brincadeiras. A Condessa de Ségur e Louisa May Alcott tiveram sua rotina

educacional organizada na própria casa. Louisa May em alguns momentos frequentou uma

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escola, porém sem haver uma regularidade e sempre com atividades educativas, mesmo em

casa. Maria Clarice Marinho Villac estudou em diferentes espaços escolares, sendo a

experiência marcante a do Colégio Progresso Campineiro, um internato para meninas, nas

quais as jovens se formavam com direito a um diploma.

Esta vivência educacional se mostrou fundamental para que essas mulheres pudessem

se dedicar à escrita. A trajetória de escritora da Condessa de Ségur, por exemplo, iniciou-se

ao ser convidada pelo editor Louis Hachette para escrever livros infantojuvenis a serem

vendidos nas estações de trem. Já era avó quando começou sua rotina dedicada aos livros.

Louisa May Alcott, por sua vez, trabalhou como costureira, governanta, professora e como

escritora por meio da indicação de amigos e familiares. Maria Clarice Marinho Villac gostava

de contar suas vivências infantis para seus filhos e sobrinhos. Esses sugeriram que escrevesse

estas histórias para publicar.

A organização social vivenciada pela Condessa de Ségur, Louisa May Alcott e Maria

Clarice Marinho Villac se configurava de diferentes maneiras, porém as instituições

imaginárias da infância, da família, da educação e da religiosidade estavam (e ainda estão)

presentes em todas elas, com diferentes redes simbólicas e significações. Essas redes

simbólicas e significações apresentam algumas semelhanças, mesmo em contextos distintos.

O filósofo Cornelius Castoriadis (1982, p. 179) sinaliza que é a partir da experiência

social, seja do âmbito público, seja do âmbito doméstico, são criadas significações baseadas

no imaginário. Tal imaginário se entrecruza com o simbólico e com o econômico-funcional

para constituir a instituição imaginária da sociedade. Essa instituição não existe

concretamente no nível racional, porém está presente no imaginário social e auxilia na

prática e no fazer da sociedade e na organização do próprio comportamento humano

(Ibidem, p. 171). A instituição imaginária da sociedade pode contribuir tanto para a alienação,

quanto para a criação na história. Assim, ela se insere na organização da sociedade de formas

diversas, atuando na ação dos indivíduos em diferentes níveis.

As próprias escritoras não desafiaram a instituição imaginária da sociedade de suas

épocas, uma vez que elas compunham seu próprio contexto, porém, em sua trajetória de vida

souberam se adaptar e resistir a algumas de suas imposições. Eventualmente suas

representações podem sugerir outras maneiras de construir as relações entre estas

instituições, porém, em geral as obras reforçam as representações de um determinado grupo

social, isto é, a aristocracia, a burguesia e a elite patriarcal.

As escritoras, em suas vivências, perceberam a disputa em torno da instituição da

infância pela família, pela religiosidade e pela educação e, de certa forma, trazem esta disputa

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em seus livros por meio das representações. Porém as narrativas vão além dessas disputas,

pois apresentam as maneiras consideradas adequadas para lidar com a infância e como esta

deve se portar perante os adultos. Não se trata de manuais de civilidade, mas de histórias que

aparentemente se mostram inocentes e sem maiores pretensões e que, no entanto, auxiliam a

construir um projeto maior de relação com a infância, que inclui a família, a religiosidade e a

educação, no seu alinhamento e nos conflitos entre si.

Nesse primeiro momento serão analisadas as obras adaptadas por Herberto Sales para

realizar uma comparação com as versões na língua original.

As adaptações de Herberto Sales pela Edições de Ouro

Os livros da Condessa de Ségur e de Louisa May Alcott foram adaptados pela Edições

de Ouro por volta das décadas de 1960 e 1970. Naquele momento, a editora apostava em

clássicos da literatura infantil e juvenil traduzidos e adaptados por escritores brasileiros

consagrados8.

Herberto Sales9 consagrou-se com seu livro O cascalho, que trata da mineração

diamantífera e da exploração dos donos das lavras. Foi eleito em 1971 para ocupar a cadeira

da Academia Brasileira de Letras, época em que os livros estavam sendo vendidos pela

Edições de Ouro. Ele foi o escritor escolhido para adaptar os livros da Condessa de Ségur e de

Louisa May Alcott.

A editora lançou, entre o final da década de 1960 e início da década de 1970, quatro

coleções diferentes, porém contendo as mesmas adaptações. A primeira delas se chama

"Coleção Calouro", a outra "Coleção Baleia Bacana", a "Coleção até 12 anos” e a quarta é a

"Coleção Elefante". Todas as coleções são feitas em brochura e possuem ilustrações na capa e

em seu interior.

A “Trilogia de Fleurville” foi publicada nas coleções Calouro, Baleia Bacana, Até 12 anos

e Elefante, enquanto As filhas do Dr. March foi lançada na Coleção Calouro e Elefante. A

Edições de Ouro cria simultaneamente diferentes coleções para atrair vários leitores, entre

crianças, jovens e professores, que poderiam indicar os livros para a leitura na escola. Se no

8 Além dos livros da Condessa de Ségur e Louisa May Alcott, havia livros de Lewis Carroll, Johanna Spyri, Daniel Defoe, Otfried Preussler, Frances H. Burnett, Astrid Lindgren, entre outros. Escritores brasileiros compuseram textos para as coleções e os adaptaram, como Orígenes Lessa, Carlos Heitor Cony, Ganymedes José, Virgínia Lefèvre, Fernando Sabino, Stella Leonardos e Herberto Sales.

9 Herberto de Azevedo Sales nasceu em Andaraí, na Bahia, e ocupou a cadeira 3 da Academia Brasileira de Letras de 1971 a 1999 e recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria romance em 1977, com O Fruto do Vosso Ventre. Foi convidado pela Editora Tecnoprint quando já se consolidava no mercado editorial com a publicação de romances para adultos.

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século XIX crianças e jovens passaram a ser encarados como um público consumidor que

poderia ser entretido, na segunda metade do século XX, esse público frequentador da escola

poderia aprender com os livros. O aspecto educativo fica mais evidente nas coleções da

Edições de Ouro.

Os livros das Edições de Ouro possuem semelhanças com as obras originais, contudo

há também diferenças nas relações entre as representações. As adaptações da editora

brasileira trazem uma representação de família que cuida e orienta a infância para que elas

saibam portar-se em diferentes situações. Inicialmente, a formação da infância dá-se no

espaço doméstico, porém há uma expectativa de que as crianças e, futuramente, o adulto,

saibam portar-se e respeitar as regras do âmbito social. Como Noguera-Ramirez (2011, p.

156) sinaliza: “o homem natural não é da mesma natureza que o homem social, pois a

sociedade instalou uma espécie de segunda natureza, e que não é possível voltar ao estado

primitivo”.

Assim, há um disciplinamento por meio da orientação dos adultos, mas também há a

liberdade e a inventividade das crianças, que experimentam e testam diferentes

possibilidades, mesmo sem a autorização de seus pais, como acontece com Sofia nas

adaptações da Condessa de Ségur. Por outro lado, o cuidado da família March, na adaptação

da obra de Louisa May Alcott, caminha no sentido de fazer conhecer, havendo espaço para

novas tentativas, através das quais as jovens aprendem. A família dá a elas liberdade para

frequentar as casas do vizinho e de amigas abastadas, disponibilizam livros, partituras e

outros elementos da produção humana para formar jovens que conhecem os cuidados da

casa e que possuem erudição.

Essa formação familiar é valorizada e difundida no Brasil, trazendo uma família

nuclear, formada por mãe, pai e filhos e em que a mãe possui um papel preponderante na

organização doméstica e na formação dos filhos e filhas. Em Sofia, a desastrada, a família de

Sofia é constituída pela mãe e pelo pai da menina, com a presença do primo Paulo. Em As

meninas exemplares, a mãe de Camila e Madalena vive juntamente com Margarida e sua

mãe, às quais se une Sofia, que vivia com sua madrasta. As férias apresenta as famílias dos

primos de Camila e Madalena e, ao longo da narrativa, o pai de Margarida e Paulo, primo de

Sofia, aparecem na narrativa. No livro As filhas do Dr. March, a família é constituída pela

mãe, o pai, que está na guerra, e as quatro irmãs. Essas organizações familiares são idênticas

às obras originais.

A protagonista das adaptações de Condessa de Ségur é Sofia e nas de Louisa May Alcott

é Josefina. Cada uma delas sabe como se portar e sabe quando realiza algum erro e têm muita

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dificuldade em evitá-los. Sofia provou das frutas cristalizadas “[...] e tantas dentadinhas deu,

repetindo-as sempre, que quase não deixou mais nenhuma fruta cristalizada. Aí ela ficou

apavorada” (trad. SALES, 1970, pp. 90-91).

Josefina, por sua vez, apresenta muitos comportamentos considerados masculinizados,

como assobiar e correr. Em certo momento, Lourenço aposta corrida com ela: “a tentação era

irresistível e Josefina, sentindo, ao mesmo, necessidade de esquecer um momento

desagradável, sem se preocupar com o vento, que lhe arrancou o chapéu e despenteou-lhe os

cabelos” (trad. SALES, 1969, p. 82). O comportamento feminino é ressaltado ao longo da

obra e sinalizado com ideal para a protagonista e para as leitoras.

As adaptações de Herberto Sales reforçam o que é esperado do comportamento de uma

criança e especialmente de uma menina. Ela precisa ser dócil, obediente e contida, sabendo

circular em diferentes espaços sem chamar a atenção além de estabelecer diálogos

agradáveis.

A relação entre a infância e a família também pauta-se pela representação da

religiosidade. Nas adaptações das Edições de Ouro, a representação de religiosidade é mais

sutil, trazendo à tona a moralidade, uma vez que se dirige especialmente às meninas e jovens.

A criança precisa saber governar-se, comportar-se e, principalmente, conter-se. A menina, a

jovem, não pode se deixar levar livremente por quaisquer caminhos, tais aspectos também

estão presentes nas adaptações de Herberto Sales.

Quando, portanto, observamos as representações de família, de religiosidade e de

infância nas adaptações de Sales para a Edições de Ouro até aqui citadas, percebemos muitas

alterações no texto, que correspondem a alguma atualização deles em relação à cultura da

época em que foram publicados mas, também, que permitem a existência de discursos

dirigidos a um público amplo de leitores.

Nessas obras, muitos dos traços da aristocracia são dirimidos ou diminuídos, porém

ampliam-se os traços de uma comunidade burguesa que mantém as instituições da família,

da infância e da religiosidade adaptadas à nova época e suas novas formas de organização da

vida cotidiana. Tal imaginário do que é considerado desejável para a formação social difunde-

se por meio dessas representações, trazidas pelos personagens e suas ações, ao leitor.

A Edições de Ouro optou por não esmiuçar o espaço escolar, uma vez que também não

estava presente de maneira muito enfática nos livros originais. Assim, a publicação enfatiza a

relevância da escola, mas traz à tona outras representações que são igualmente significativas

na formação da infância. Vê-se ali a relação com a família que espera que a criança se governe

e encontra maneiras diversas de discipliná-la, seja por meio de conselhos, exemplos e até

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mesmo por castigos, físicos ou não. A representação de religiosidade está pouco presente ao

longo das adaptações e se mistura com a formação moral por meio do modelo fornecido pelos

pais e outros familiares. Resta à infância acatar as regras, interiorizando-as, ou,

simplesmente, conquistar a liberdade de buscar outras vivências, descobrindo sozinha como

circular no mundo e lidar com suas dificuldades. No caso das meninas, a circulação é mais

restrita, como as obras originais e as adaptações as apresentam. Meninas e jovens não podem

sair de casa sem o acompanhamento dos pais ou sem seu consentimento.

A educação doméstica é valorizada no interior das narrativas, inclusive nas adaptações

e é esse espaço privado, ou a formação escolar, que acaba orientando a formação para o

mundo público. Se cabe à família decidir o tipo de formação da infância, apenas

determinados valores serão aceitos para sua educação e instrução. Essas diferenças serão

esmiuçadas nas publicadas na língua original.

A representação de família na relação com a infância nas obras originais

A representação da família nos livros das três escritoras traz uma visão aristocrática,

burguesa ou patriarcal na relação com a infância. Apesar de apresentar organizações

familiares diferentes, há aspectos em comum no que se refere à relação com a infância. O

pesquisador Carlos Ernesto Noguera-Ramírez sinaliza que a partir dos séculos XVIII e XIX os

governos passaram a se dedicar às famílias por ela ser um instrumento privilegiado para o

governamento. Elisabeth Badinter também aponta como o número de publicações destinadas

às mães para que cuidassem de seus filhos aumentou após 1760 (1985, p. 145). Foram criadas

campanhas sobre a mortalidade, o matrimônio, as vacinações, a higiene pessoal, entre outras,

para assegurar que o modelo burguês fosse difundido e se consolidasse entre os diferentes

grupos sociais.

As famílias nas publicações da Condessa de Ségur são diversas. Em Les malheurs de

Sophie, ela é constituída pelo pai e pela mãe de Sophie e pela babá e pelo primo Paul. Em Les

petites filles modèles há a mãe de Camille e Madeleine, as meninas exemplares, a quem se

unem Marguerite e sua mãe e a babá. Sophie reaparece neste livro com a madrasta, mas

acaba ficando sob os cuidados da mãe de Camille e Madaleine. Já em Les vacances há a

família das quatro meninas e as duas mães, ambas viúvas, além dos pais de Léon e Jean e os

pais de Jacques, os primos de Camille e Madaleine. Trata-se de famílias aristocráticas, que

podem assegurar uma vida cômoda para a infância.

Little women apresenta uma família composta por quatro irmãs, sua mãe e sua babá de

característica mais próxima da organização burguesa. O pai está distante, como capelão da

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Guerra Civil, retornando ao final da primeira parte do livro. Na segunda parte do livro, três

irmãs acabam se casando e construindo sua própria família a partir dos ensinamentos de

seus pais, especialmente de sua mãe.

Maria Clarice Marinho Villac apresenta uma família mais próxima da organização

patriarcal em Clarita da pá virada, com seus avós maternos, seus pais, tios e muitos

empregados. Estes últimos constituem parte da família, pois estão presentes nas atividades

dos demais membros e interferem em seus afazeres. Em Os cinco travessos: amiguinhos de

Jesus Hóstia a escritora apresenta uma família de uma mãe viúva e seus cinco filhos em suas

vivências no interior de casa.

Nos livros das três escritoras há protagonistas femininas: Sophie, nos livros da

Condessa de Ségur, Josephine nos de Louisa May Alcott e Clarita nos de Maria Clarice

Marinho Villac. A questão do comportamento, a maneira de se governar está sempre sendo

colocada em xeque em todas narrativas. É esperado que saiba se portar e há as figuras

adultas que oferecem conselhos e orientações. Contudo, como foi assinalado anteriormente,

existem camadas de representação, que, ao mesmo tempo que trazem como certos grupos

sociais lidam com a infância há outras maneiras de lidar com ela que também são

apresentadas nas obras, como contraponto a uma representação tida como ideal.

Cada narrativa expõe as dificuldades de cada uma das protagonistas de conseguir se

conter. A três escritoras trazem crianças e jovens que precisam rever sua maneira de se

comportar, buscando o caminho da bondade. Em todos os livros, as personagens realizam

um esforço para seguirem aquilo que os adultos aconselham. A exigência de se governar está

presente em todas as obras.

A forma de se governar coloca em questão a maneira de se comportar em sociedade. As

crianças nas publicações frequentam em grande parte o espaço doméstico, porém, quando

saem de casa, deve ser mostrado como se comportam. Esse aspecto é considerado crucial

para a vida adulta dos personagens e, em alguns momentos o comportamento fora de casa é

apresentado nos livros, dando indícios do que é esperado das protagonistas.

Em Clarita no colégio, a protagonista, ao sair de casa e frequentar o colégio, a criança

se adaptada às regras e leva tempo para se portar de maneira considerada adequada: "Sem

desanimar, porém, esforça-se para não incorrer mais nessas faltas, e pode recuperar o lugar

perdido." (VIOLETA MARIA, 1945, p. 196) A criança se mostra ciente de como deve se

comportar e realizar um esforço neste sentido.

Nos livros da Condessa de Ségur, Sophie encontra maior dificuldade de se portar fora

de casa. Ao visitar Camille, Madeleine, Marguerite e suas mãe, ela rouba duas peras do

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pomar (SÉGUR, 1858, p. 68). Contudo, a criança se arrepende da situação e reconhece que

não poderia agir daquela maneira.

Na primeira parte de Little women, em um jogo de críquete, um dos participantes

fingiu acertar o wicket10 e vencer o jogo e Josephine estava prestes a dirigir palavras duras

para ele: "Jo abriu os lábios para dizer algo grosseiro, mas se certificou a tempo, corou até

sua testa e ficou por um minuto, martelando um wicket com toda sua força [...]" (ALCOTT,

1880, p. 154) A jovem sabia que não poderia se portar da maneira como desejaria,

extravasando sua raiva sobre outro jovem. Apesar da raiva, soube se conter, uma maneira

indicada como desejável para uma jovem, que não pode extravasar seus sentimentos.

Contudo, não é apenas a maneira de se governar que está em xeque, as protagonistas

também precisam estar atentas ao aspecto moral e religioso de seu comportamento. Elas não

deveriam se desviar do caminho do bem e estar dispostas a certos sacrifícios.

A primeira parte de Little women acontece às vésperas do natal e as irmãs lamentam

não receberem presentes devido a sua pobreza. Contudo, é Elizabeth que lembra as demais

que elas possuem os pais e uma às outras (ALCOTT, 1880, p. 1). O aspecto espiritual deve

sobressair ao do consumo. A representação de família se apoia na de religiosidade e indica o

caminho da solidariedade e do desprendimento dos bens materiais para a formação do

caráter.

Outro aspecto é mostrado nas publicações da Condessa de Ségur, que trazem o que se

espera de comportamento de meninas e as maneiras como as personagens e, especialmente a

protagonista Sophie, precisam aprender a domar suas paixões e conter seus movimentos. Se

a menina se acha esperta por querer enganar sua mãe e dizer que foram ratos que comeram

as frutas confitadas, em Les malheurs de Sophie, ela percebe seu erro em um sonho durante a

noite. Havia um belo jardim repleto de flores e frutas, separado por uma grade, ao tentar

entrar no jardim, aparece um anjo que a alerta:

"Não entre, Sophie; não prove destas frutas que parecem boas, e que são amargas e venenosas [...]. Este é o jardim do mal. Deixe-me levá-la ao jardim do bem". (SÉGUR, 1858, p. 157)

Primeiramente Sophie não presta atenção às palavras do anjo, mas, ao adentrar no belo

jardim, ela logo percebe que nada era tão perfumado e apetitoso. Ela se lembra do anjo e o

encontra na fronteira do jardim, que a leva pelo caminho pedregoso: "Os primeiros passos

lhe pareceram difíceis, mas, quanto mais avançava, a estrada se tornou mais suave e o ar lhe

10 Wicket é um obstáculo composto por duas peças verticais de madeira que possuem uma peça horizontal que as segura e que podem ser derrubados com os tacos de críquete.

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pareceu fresco e agradável" (Ibidem, p. 159). Após o sonho a menina decide dizer à mãe que

comeu todas frutas confitadas.

A religiosidade, representada por um Deus onipresente, auxilia na orientação da

criança, que é ingênua e possui ideias que podem ser prejudiciais. A ideia de bem e o mal está

presente mais uma vez. A religiosidade impõe suas regras, indicando os caminhos

considerados bons para que a criança seja obediente. O sonho representa a crença na

recompensa de chegar a um jardim repleto de frutas e flores após uma dura caminhada.

A noção de sacrifício está presente em Cinco travessos: amiguinhos de Jesus Hóstia,

de Maria Clarice Marinho Villac. Este livro, indicado para a leitura por mães e por crianças,

traz a representação de religiosidade em todas as situações descritas no livro. A publicação

possui vários excertos da relação da mãe com seus cinco filhos, formando-os dentro dos

preceitos da religião católica. Ao longo da publicação fica evidente o papel materno na

formação dos filhos, especialmente no que se refere à moral.

A formação moral no interior do ambiente doméstico é assegurada em várias

atividades, inclusive a catequese realizada pela mãe, os exames de consciência e os sacrifícios.

O sacrifício, neste caso, é aquele em que o fiel deveria realizar algo que lhe custa para

alcançar uma graça. Nesta publicação as cinco crianças são levadas a fazer sacrifícios para

demonstrar sua fidelidade a Deus:

"Escute, meu filhinho, você vai fazer o sacrifício de comer [este creme], por amor de Jesus, para Êle conceder uma graça que Fulana precisa, ouviu?" - "Ah! não! não!" - Ah!, Luizinho, ela precisa tanto desta graça!" implora Mamãe. - "Tá bom, então eu faço!" e lá vai o Luizinho e come o creme. (MÃE BRASILEIRA, 1949, p. 44).

Em vários momentos as crianças são lembradas que é necessário realizar sacrifícios,

para serem oferecidos a Deus e Jesus, não somente para serem premiados, mas também de

abrirem mão de coisas das quais gostam. A religiosidade orienta as ações dos cinco filhos,

precisando eles mesmos estar atentos à sua conduta, sua forma de se governar. Nesse livro, o

governamento disciplinar está presente, sendo tecido com símbolos do catolicismo.

Ao analisar a representação de educação, por sua vez, o enfoque aqui será sobre

atividades de caráter escolar, mesmo que ocorram dentro de casa, tendo em vista a presença

da forma escolar nas obras. Uma rotina de estudos, de lições a serem realizadas todos os dias

em um espaço específico da casa, eventualmente com preceptores são indícios dessa forma

escolar nos lares das personagens. Não se pode afirmar que dentro de casa as crianças e

jovens tenham uma vivência escolar, mas há indícios de que determinados conhecimentos,

rotinas e, sobretudo, regras, são desejáveis para elas.

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Essa forma escolar é uma forma de socialização que em meio a resistências e

dificuldades, acaba se impondo a outras formas de socialização. Na relação com a família a

forma escolar se diferencia, pois "[...] o mestre não é mais um artesão "transmitindo" o saber-

fazer a um jovem" (VINCENT, LAHIRE, THIN, 2001, p. 13). O mestre ensina ao aluno, em

um espaço específico, permeado por regras tidas como impessoais, que definem os tempos e

as atividades a cada momento.

Em Les petites filles modèles, da Condessa de Ségur, estão presentes os elementos da

forma escolar. As quatro meninas tinham lições todos os dias. Até mesmo quando Sophie e

Marguerite retornaram de madrugada para casa, as crianças precisavam realizar suas lições à

tarde (SÉGUR, 1858, p. 220). As lições são intercaladas de momentos de recreação,

geralmente aproveitados no jardim, ou com leituras, como Robinson Suiço e Contos de

Grimm (Ibidem, p. 84). Não são dadas maiores informações sobre livros que as meninas

poderiam ler, porém sabe-se que têm acesso a livros e que seus dias de atividades possuem

momentos de descanso, em uma rotina similar à escola.

A publicação Clarita no colégio, de Maria Clarice Marinho Villac, traz o cotidiano de

Clarita nesta instituição escolar como interna. A criança logo se habitua à vida escolar e se

mostra amiga de todas. É no primeiro capítulo também que Clarita e sua irmã são

apresentadas à diretora, Dona Emília. A diretora esclarece sobre o sistema da escola, que visa

a formação do caráter, a consciência reta o aperfeiçoamento da personalidade das alunas

(VIOLETA MARIA, 1945, p. 12).

A rotina do colégio se baseia em regras que não deixa de ter um forte caráter moral. "Na

escola, não se obedece mais a uma pessoa, mas a regras supra-pessoais que impõem tanto aos

alunos, quanto os mestres." (VINCENT, LAHIRE, THIN, 2001, p. 32) Assim, Clarita não

obedece a diretora, mas cabe a ela, em alguns momentos, sinalizar que a menina cometeu

algumas faltas. A criança se habitua à rotina da escola e compreende suas regras, porém

acaba cometendo deslizes, como balançando no banco, ou correndo:

E Clarita sossega uma pouco... para de novo recomeçar. É que ela esquece, coitada! Questão de temperamento. Como tem gênio vivo, expansivo demais, transborda sem querer, sem refletir, e, quando viu, já fez, já tomou pito e já está de castigo. (VIOLETA MARIA, 1945, p. 60)

O narrador afirma que o comportamento de Clarita se deve ao gênio da menina. Como

Michelle Perrot (2009, p. 146) sinaliza: "No fundo de tudo isso encontra-se uma série de

representações: a de uma força a ser domada, a dureza da vida a ser aprendida." A menina

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possui um gênio, uma força, que precisa ser contida, o que é esperado dela, por meio da

intervenção dos adultos.

A insistência sobre o comportamento das protagonistas é bastante marcada em todas as

obras e apresentam como os adultos, familiares ou não, auxiliam as meninas e jovens a se

governar, orientando e mostrando como ser mais dóceis e contidas. Nesse percurso a família

se apoia sobre a religiosidade e na educação, indicar a melhor via. As representações são

construídas por aproximação aos temas, como camadas que vão se sobrepondo, reiterando

aquilo que seria desejável ou do que poderia ser deixado de lado. Tais representações

apontam para o que seria mais indicado para a infância, defendido por alguns grupos sociais,

como a aristocracia, a burguesia e a aristocracia patriarcal brasileira.

As reflexões acerca dos discursos dos textos podem abrir para outras possibilidades de

encarar essas narrativas, que chamam a atenção com seus formatos, ilustrações e textos

ágeis, que convidam o leitor. Aparentemente ingênuas e sem maiores pretensões, são textos

que permitem ser simplesmente aceitos ou trazem formas de resistências, inspiradas pelo

próprio comportamento das protagonistas. É com essas ideias que esse trabalho por ora se

encerra.

Algumas considerações finais

A Condessa de Ségur, Louisa May Alcott e Maria Clarice Marinho Villac são escritoras

que, como membros da aristocracia e da burguesia, tiveram a possibilidade de difundir seus

textos, que permanecem legitimados, até a contemporaneidade, em diferentes línguas. Este

estudo analisou as trajetórias de vida delas na relação com algumas de suas obras,

identificando uma sintonia entre vivências e livros, por meio da experiência educativa, que é

defendida ao longo dos livros. São textos literários com a intenção de instruir e educar,

mesclando narrativas de caráter recreativo, mas que buscam formar seus leitores em termos

morais e intelectuais.

Essa sintonia possibilita analisar suas trajetórias em conexão, isto é, as condições de

suas vivências, em determinados contextos, permitiram que publicassem seus textos. O

renome de suas famílias as auxiliou a se tornarem escritoras, porém suas obras superaram

sua própria condição familiar, alçando-as à fama. E essa fama continua se estendendo,

tornando seus textos “clássicos” e as representações continuam sendo legitimadas.

O aspecto educacional fica marcado em cada uma das publicações, sendo

constantemente reinventadas em termos de adaptações e de materialidade. As protagonistas

de cada livro mostram-se rebeldes e desobedientes e, por meio da aprendizagem, tornaram-

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se mais contidas e sábias para lidar com diferentes situações sociais. No tempo presente - em

que há uma escalada de movimentos mais tradicionais e conservadores - os discursos

continuam fazendo sentido, sendo facilmente aceitos e incorporados.

Nesse sentido, as diferentes leituras dos textos representam também a possibilidade de

resistir a esses discursos e buscar outras maneiras de circular e de lidar com a sociedade.

Castoriadis (1982, p. 161) lembra que o imaginário “[...] está na raiz tanto da alienação como

da criação da história”. Pensar os discursos das escritoras de maneira crítica e não alienada

permite definir novos rumos para a história e pensar outras maneiras de formar meninas. Os

próprios textos podem liberar o viés da resistência, da rebeldia, podendo as protagonistas ser

um exemplo a ser seguido, com sua liberdade e seu gênio.

Resta às leitoras, leitores e pesquisadores e pesquisadoras buscarem novas leitura e

afinar seus olhares sobre os textos dessas escritoras, mostrando novas possibilidades.

Fontes Impressas

ALCOTT, Louisa May. Little women: or Meg, Jo, Beth and Amy. Boston (EUA): Roberts Brothers, 1880, Disponível na Internet via WWW. URL: https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015004168533;view=1up;seq=9, acessado em 12 de dezembro de 2015; ______. Little women/ Good wives. Londres: Wordworth Editions, 2006; COMTESSE DE SÉGUR. Les malheurs de Sophie. Paris : Hachette, 1880, Disponível na Internet via WWW. URL: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6577498m/f7.image, acessado em 25 de novembro de 2015; ______. Les petites filles modèles. Hachette, 1858, Disponível na Internet via WWW. URL: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6513581s, acessado em 25 de novembro de 2015; ______. Les vacances. Hachette, 1861, Disponível na Internet via WWW. URL: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6577519b/f7.image, acessado em 25 de novembro de 2015; VIOLETA MARIA. (Maria Clarice Marinho Villac). Clarita da pá virada, São Paulo: "Revista dos Tribunais", 193911; VIOLETA MARIA. (Maria Clarice Marinho Villac). Clarita no Colégio, São Paulo: Cristo-Rei, 1945.

11 Obra encontrada na Biblioteca Municipal Hans Christian Andersen, em São Paulo (SP).

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Referências

CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro (RJ): Paz e Terra, 1982; CHARTIER, Roger. “Mundo como representação”. In: Estudos Avançados. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, vol. 5, no. 11, jan./ abr. 1991, pp. 173 – 191; ______. “Capítulo IV: Textos, impressos, leituras”. In: A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa (Portugal): DIFEL, 2002a; ______. À beira da falésia: entre incertezas e inquietude. Porto Alegre (RS): Editora Universidade. 2002b; NOGUERA-RAMÍREZ. Pedagogia e governamentalidade: ou da modernidade como uma sociedade educativa. Belo Horizonte (MG): Autêntica, 2011; PERROT, Michelle (org.). História da vida privada: Da Revolução Francesa à Primeira Guerra, São Paulo (SP): Companhia das Letras, 2009.