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noite sempre foi associada à idéia de descanso. No entanto, para mui- tos animais o anoitecer significa o despertar, e é exatamente na es- curidão que eles surgem. Morcegos, ratos, baratas, corujas e vaga-lumes, entre outro s tipos de animais noturnos, embora freqüentemente p rovoquem reações de nojo ou medo, há também quem ame os bichinhos que pairam na escuridão. Alguns dos mais populares da madrugada podem ser encontrados facilmente no telhado de casa, nos bueiros, nas árv o res ou em qualquer lugar bem perto de nós. Os parentes do Drácula Famosos por serem os únicos mamíferos voadores, os morcegos são motivo de medo ou incômodo para quase todas as pessoas. Em muitas culturas, como entre os aborígenes australianos, são tidos como símbolo da fertilidade. Há quem afirme que eles descendem de ratos velhos, que se transformam de maneira similar à observada em borboletas. Os nomes vulgares dados pela popu- lação a esses bichos noturnos já se associam erroneamente aos ratos: em espanhol, sua denomi- nação murciélagos – onde mur significa “rato”, e ciélagos, “cego”–, em francês chauve-souris (“rato careca”) e, em alemão, fledermaus (“rato voador”). Não é rara a associação de morcegos com os vampiros (mortos-vivos), mas, na verdade, estes animais ajudam na reprodução de mais de 500 espécies de plantas, visitando as flores e trans- portando seu pólen, num processo similar ao dos beija-flores durante o dia. Cerca de dois terços das plantas com flores das florestas tropicais do mundo são polinizadas por eles. Para se movimentar à noite, eles se utilizam da ecolocalização, processo que consiste na emissão de sons de alta freqüência, inaudíveis para o homem, que ao esbarrarem em algum objeto, retornam sob a forma de eco. Por outro lado, os chamados morcegos vampiros realmente existem. Longe da má reputação do conde Drácula, esses animais são grandes parceiros da natureza, e apenas 3 das 987 espécies conheci- das se alimentam de sangue de animais. Mesmo assim, o sangue humano não faz parte da sua lista de preferências. O morcego somente atacaria os homens se não existirem bois, cavalos, aves e cachorros em uma determinada região. Considerar os morcegos feios não parece ser uma razão válida para justificar a aversão a esses ani- mais, visto que a maioria das pessoas não con- segue visualizá-los com detalhes, limitando-se ape- ISABELLE SALEME, JÚLIA RUBINO, MANUELLA MENEZES E PILAR MORETZSOHN Os donos da noite Boas Noites 57 Bichos noturnos provocam reações adversas nas pessoas Desmodus rotundos m o rcego do tipo vampiro (hematófa- go) – se alimenta de sangue

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noite sempre foi associada à idéiade descanso. No entanto, para mui-tos animais o anoitecer significa od e s p e rt a r, e é exatamente na es-curidão que eles surgem. Morc e g o s ,

ratos, baratas, corujas e vaga-lumes, entre outro stipos de animais noturnos, embora fre q ü e n t e m e n t ep rovoquem reações de nojo ou medo, há tambémquem ame os bichinhos que pairam na escuridão.Alguns dos mais populares da madrugada podemser encontrados facilmente no telhado de casa, nosb u e i ros, nas árv o res ou em qualquer lugar bemp e rto de nós.

Os parentes do DráculaFamosos por serem os únicos mamífero s

voadores, os morcegos são motivo de medo ouincômodo para quase todas as pessoas. Em muitasculturas, como entre os aborígenes australianos,são tidos como símbolo da fertilidade. Há quemafirme que eles descendem de ratos velhos, que setransformam de maneira similar à observada emborboletas. Os nomes vulgares dados pela popu-lação a esses bichos noturnos já se associamerroneamente aos ratos: em espanhol, sua denomi-nação murciélagos – onde mur significa “rato”, eciélagos, “cego”–, em francês chauve-souris (“ratocareca”) e, em alemão, fledermaus (“rato voador”).

Não é rara a associação de morcegos com osvampiros (mortos-vivos), mas, na verdade, estesanimais ajudam na reprodução de mais de 500espécies de plantas, visitando as flores e trans-portando seu pólen, num processo similar ao dosbeija-flores durante o dia. Cerca de dois terços dasplantas com flores das florestas tropicais do mundosão polinizadas por eles. Para se movimentar ànoite, eles se utilizam da ecolocalização, processo

que consiste na emissão de sons de alta freqüência,inaudíveis para o homem, que ao esbarrarem emalgum objeto, retornam sob a forma de eco.

Por outro lado, os chamados morcegos vampirosrealmente existem. Longe da má reputação doconde Drácula, esses animais são grandes parceirosda natureza, e apenas 3 das 987 espécies conheci-das se alimentam de sangue de animais. Mesmoassim, o sangue humano não faz parte da sua listade preferências. O morcego somente atacaria oshomens se não existirem bois, cavalos, aves ecachorros em uma determinada região.

Considerar os morcegos feios não parece ser umarazão válida para justificar a aversão a esses ani-mais, visto que a maioria das pessoas não con-segue visualizá-los com detalhes, limitando-se ape-

ISABELLE SALEME, JÚLIA RUBINO, MANUELLA MENEZES E PILAR MORETZSOHN

Os donos da n o i t e

Boas Noites 57

Bichos noturnos provocam reações adversas nas pessoas

Desmodus ro t u n d o s m o rcego do tipo vampiro (hematófa-go) – se alimenta de sangue

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nas a uma silhueta em movimento durante o perío-do noturno. E sendo mamíferos, são homotérmicos,isto é, têm a temperatura elevada, variando de 31a 40° C, e não frios como sugere o parentesco comDrácula. Porém, eles não são animais inofensivos:jamais toque um morcego com as mãos desprotegi-das, pois receber uma dolorosa mordida será quaseque inevitável.

Para a estudante Letícia Eismann, os bichosnoturnos e peçonhentos não são tão assustadores:“Eles que deveriam ter medo de mim. Cada animalnoturno tem sua forma, uma peculiaridade en-graçada, seu jeito de se virar na natureza. Achobem legal e não nojento. Sei que eles são noturnosporque atacam e porque é melhor caçar à noite,mas isso não é assustador. Já cansei de dormir comum morcego no meu quarto.”

Quando os ratos saem...Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),

para cada humano há cerca de 20 ratos. Bem adap-tados à maneira de viver do homem, os ro e d o res sere p roduzem rapidamente. Com ape-nas seis a sete meses de vida, porexemplo, um casal de ratos já pro-duziu uma média de 40 novos indiví-d u o s .

Odiados por muitas pessoas, essesro e d o res movem-se ao escure c e r,usando seus longos e sensitivosbigodes e pêlos do corpo para guiar-se. Sozinhos, conseguem danificar es-truturas e instalações elétricas e causar incêndios,além de transmitir doenças através da sua urina.

Donos de apurado paladar, os ratos são capazesde comer membros de sua própria espécie mortosou doentes. Cautelosos e astutos, carregam seu ali-mento para lugares escondidos se não puderem

consumi-lo rapidamente, memorizam caminhosespecíficos e usam a mesma rota habitualmente.Eles conseguem entrar em orifícios que medem ape-nas uma quarta parte do seu tamanho. Ratos,ratazanas e camundongos adaptaram-se muitobem à maneira de viver do homem, tornando-seuma praga de grande relevância.

Os olhos da noiteSair durante a noite e dormir o dia inteiro. Rotina

diferente? Não para as corujas. Quando entardece,elas saem à caça. Tudo o que se move e faz barulhochama sua atenção. Atacam outros pássaro s ,gafanhotos, grilos, ratos, camundongos. Tendo ascores de sua plumagem como aliadas, as corujas seconfundem com os troncos das árvores. Assim,

podem dormir sossegadas, invi-síveis para os outros pássaros,que a atacariam imediatamentese a vissem.

Ao contrário do que se pensa, acoruja não é cega durante o dia.Tem visão diurna igual a dos ou-tros pássaros. Sua pupila se dila-ta para armazenar ao máximo aluz durante o dia e enxergar me-

lhor durante a noite. Seu ouvido interno permite alocalização de uma presa que faça um leve ruídono solo, mesmo a vários metros de distância. Oaparelho auditivo da coruja forma uma espécie derefletor sonoro, que amplia o volume do som e otransmite ao ouvido, facilitando, assim, a localiza-

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Segundo a OMS, para cada humanohá cerca de 20 ratos

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ção da presa. Seu vôo é extremamente silencioso,para melhor surpreender a vítima, e sua cabeçapode girar até 270 graus.Mesmo tendo tempera-mento tímido quando em cativeiro, ela é conside-rada por muitos uma ave de mau agouro, por serconsiderada o pássaro das bruxas. Na antigüidade,entretanto, os gregos cultuavam a coruja como aave da sabedoria.

Uma luz na escuridãoPirilampo, vaga-fogo, mosca-de-fogo... embora

tenha tantos nomes exóticos, o vaga-lume, como émais conhecido, é um inseto que voa de noite peloscampos, banhados, várzeas e emite uma luz fosfore s-cente da parte de trás do seu corpo. Porém, nem todasas espécies são assim. Algumas, ao longo daevolução, incorporaram a emissão de luz porque elafacilita a comunicação sexual e a defesa. Os vaga-lumes que não a emitem geralmente desenvolvematividades diurnas.

A luz é produzida pelo org a n i s-mo do inseto com uma reação bio-química que libera muita energ i a .O processo, chamado de “oxi-dação biológica”, permite que ae n e rgia química seja convert i d aem energia luminosa sem a pro-dução de calor, por isso é chama-da de luz fria. Os lampejos equiv-alem ao início do namoro: sãocódigos para atrair o sexo oposto, mas também

podem ser usados para atrair a caça. Só o macho é quem brilha. A fêmea conserva-se

escondida no mato, entre as touceiras de capim. Éraro vê-la e quando isso acontece, é porque está embusca de comida. E se emite luz, coisa que rara-mente faz, esta é fraca. Durante o dia, ambosescondem-se nas ervas, para de noite ele sair a pas-seio, e alegrar com a sua luz os campos cobertospela escuridão da noite. O curioso é que o vaga-lume tem a faculdade de poder aumentar, diminuire, até mesmo, apagar de todo a sua luz fosfores-cente.

É no cerrado onde a concentração de pirilamposé maior. Fazendo com que a paisagem fique comchamativos pontos luminosos, são observados prin-cipalmente no período de outubro a abril, emnoites quentes e úmidas, como se fossem uma sériede árvores de natal. Um problema que ameaça osvaga-lumes é a iluminação artificial, que, por sermais forte, anula sua emissão de luz, podendointerferir diretamente no processo de reprodução daespécie (em risco de extinção).

La cucarachaHá cerca de cinco

mil espécies de ba-ratas, e menos de 1%são consideradas pra-ga. A maioria vivenas regiões tropicais,o que não as impedede viver em todos oslugares do mundo, in-cluindo o Pólo Norte eo Pólo Sul. Em lugares muito frios, entretanto, elas

s o b revivem junto aos homens.Alguns fósseis mostram que asbaratas existem há mais de 300milhões de anos e são muitosemelhantes às espécies atuais.Usam as antenas como nariz evivem em buracos e fendas. Pas-sam 75% do seu tempo des-cansando. Estes insetos são basi-camente noturnos. As poucasbaratas que são vistas durante o

dia podem significar uma grande infestação. Elas

Boas Noites 59

Karina Miragai tem pânico de qualquer tipo de inseto

Na antiguidade, osgregos cultuavam a

coruja como a ave dasabedoria

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comem à noite e algumas têmatração por bebida alcoólica, par-ticularmente cerveja. Podem trazerdoenças, ao contaminar os alimen-tos. A cabeça da barata contémuma pequena parte do cérebro dis-tribuído por todo o corpo de talforma que, ao perder a cabeça, elapode permanecer viva até morrer deinanição ou de sede em uma se-mana.

Eles não estão sozinhos...Dentre os bichos noturnos, não podemos excluir

também os felinos, a jibóia, a centopéia, o escor-pião e o gambá. Até o próprio coelho e a maioriados roedores dos tipos chinchilla, hamsters e koalas

têm hábitos noturnos. Na verdade, muitos animaisdesenvolvem esse hábito instintivamente, princi-palmente se são caçadores carnívoros, ao contráriodos vegetarianos, que precisam da luz do dia paraselecionar melhor as plantas.

E há ainda alguns animais que tinham hábitosd i u rnos e que se tornaram noturnos em virtude daintensa perseguição movida pelo homem. Para op rofessor Adelmar Coimbra-Filho, da AcademiaBrasileira de Letras, a maioria dos felinos enquadra-se nesta situação. “A onça pintada, por exemplo, éuma espécie diurna, que passa a ser noturna nasregiões onde é perseguida”. Ele ainda afirma que osanimais noturnos possuem um aparelho ópticoespecializado, com a presença apenas de bas-tonetes, um elemento da retina do globo ocular quea p roveita ao máximo as menores quantidades deluz. Além disso, existem também os primatas quesaem na escuridão. A exclusividade do macaco danoite ser o único símio noturno faz com que elepossa se banquetear, já que é um grande consumi-dor de insetos e filhotes de passarinhos. Para garan-tir o sucesso de sua sobrevivência, esta espécie tem

uma visão noturna perf e i t a . “ Ànoite o espetáculo é essencial-mente acústico”, já dizia o falecidoo rnitólogo Helmut Sick, que aindacostumava dizer que era pre c i s ohabituar o ouvido para distinguir,com relativa clareza, as difere n t e ssinfonias noturn a s .

“A noite é dos insetos e dosinvertebrados de um modo geral”diz o professor Coimbra-Filho, re-ferindo-se aos vaga-lumes, mari-

posas, escorpiões, aranhas, lagartixas, libélulas,morcegos e uma infinidade de seres menos con-hecidos que dividem o espaço e servem de alimen-to para aves, mamíferos anfíbios e répteis, tambémaventureiros da escuridão.

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Alguns fósseismostram que as

baratas existem hámais de 300 milhões

de anos

• casas (forros, sótãos e porões)

• construções abandonadas

• torres e forros de Igrejas

• cavernas e grutas

• pontes

• copas e folhagens de árvores

• fossos de elevadores

• estábulos

• cachoeiras

Principais abrigos de morcegos:

Letícia Eismann aprecia e respeita os bichos noturnos