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Nº 8 Outubro/2001 Revista para a formação de professores de educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental Produção de texto na educação infantil Especial: trabalho com artes visuais Alimentação, um cuidado essencial

Especial Sobre Artes

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  • N 8 Outubro/2001 Revista para a formao de professores de educao infantil e sries iniciais do ensino fundamental

    Produo de texto na educao infantil

    Especial: trabalho comartes visuais

    Alimentao, umcuidado essencial

  • Conselho editorial

    Aparecida Bento

    Helosa Dantas

    Isabel Galvo

    Lino de Macedo

    Marta Gil

    Monique Deheinzelin

    Regina Scarpa Leite

    Rosa Iavelberg

    Telma Weisz

    Coordenao GeralSilvia Pereira de Carvalho

    Coordenao de edioSilvana Augusto

    Projeto grfico e diagramaoAzul Publicidade

    Reviso de textoAndria Gomes

    Jornalista ResponsvelAna Maria Sanchez

    Tiragem 2000 exemplares

    avisa l Revista para a formao de professores de educao infantil e sriesiniciais do ensino fundamental. Publicao trimestral do Instituto Avisa-lAno II no8 outubro de 2001

    O INSTITUTO Avisa l umaorganizao no-governamental, herdeirado currculo, conhecimento e experinciadesenvolvidos pelo Crecheplan desde1986. Durante esses anos ampliou seucampo de ao e centrou os esforosprincipalmente na formao continuadade professores, formadores e outrosprofissionais que trabalham na educaoinfantil e sries iniciais do ensinofundamental.

    MissoMelhorar a qualidade da educao pormeio do desenvolvimento profissional epessoal de educadores e dofortalecimento do potencial educativodas escolas e centros educacionais.

    ObjetivosContribuir para a qualificao e odesenvolvimento de competncias doseducadores que atuam em instituieseducacionais voltadas para oatendimento de crianas de baixa renda.Oferecer suporte tcnico paraorganizaes no-governamentais,agncias governamentais e escolas deeducao infantil e ensino fundamental.Agir como um centro de produo deinformaes e conhecimentos paraeducao por meio de site na Internete da produo de vdeos de formao,informaes e publicaes.Contribuir para a formulao eimplementao de polticas pblicas queresultem em uma educao de maiorqualidade.

    Instituto Avisa L

    Diretoria

    Marly de Souza Gouvea Maria Helena B. C. da Rocha Maria Luiza Ferreira

    Conselheiros

    Monique DeheinzelinSnia H. Dria LondonTelma Weisz Nair BasbaumClice Capelossi HaddadIrene Franciscato

    Coordenao Executiva

    Silvia Pereira de Carvalho

    Coordenao de projetos

    Cisele OrtizCoordenao dos Formadores

    Regina Scarpa Leite

    Equipe de Formadores

    Adriana KlisysAna Benedita G. BrentanoBeatriz Bontempi GouveiaCllia CortezDbora RanaDenise NaliniEdi FonsecaElza Corsi de OliveiraHelosa A. PachecoLuciana Q. HubnerMarcia SbrissaMaria Priscila B. MonteiroMaria Virgnia GastaldiSilvana AugustoSimone de Alcntara Pinto

    Apoio Administrativo

    Andria dos Santos VianaJoselita Dias Santos ReisIone Alves de Campos

    creche

    2

    4 Jeitos de cuidar Comidas da Alma A alimentao como cuidadoessencial Entrevista com Elza Corsi

    9 Especial Artes Visuais10 Tempo didtico 1Entre o acaso e a intenoComo conciliar atividadesdirigidas pelo professor e aspropostas pelas crianas

    Sumario

    Comidas da Alma

    pg. 4

  • 3Esta edio da revista dedicada a

    diferentes tipos de alimentos. Comeamos

    falando de comida propriamente dita. De

    pratos que nos remetem infncia, daque-

    las comidas que nutrem no s fisicamente,

    mas tambm do alento e trazem uma com-

    pensao afetiva: as comidas da alma. Usan-

    do o recurso da leitura de uma crnica, co-

    zinheiras de creches so levadas a lembrar e

    resgatar seus pratos preferidos, aqueles que

    fazem recordar uma ateno especial, indi-

    vidualizada, to em falta nos dias de hoje.

    Em seguida, damos destaque especial ao

    que sustenta, estimula e fomenta a criao da

    criana em artes visuais. No h nada mais e-

    mocionante do que observar uma criana pe-

    quena empenhada em produzir um desenho,

    uma pintura.A sensao de quem assiste que

    h uma completa comunho entre os mate-

    riais, os suportes e a criana, e ficamos com a

    impresso de que qualquer interveno do a-

    dulto dispensvel. Porm, isso no verdade.

    H muito o que fazer para colaborar com o

    percurso criador de quem se inicia nos segre-

    dos da produo artstica. Dedicamos a esse as-

    sunto vrios artigos, que foram reunidos em um

    encarte especial.

    Seguindo essa linha, trazemos mais sustento

    para o trabalho didtico. Contrariando o mito de

    que no se pode dar receitas aos professores,

    publicamos uma bem-humorada produo de

    texto com as crianas. O projeto revisita, de for-

    ma prazerosa e competente, o tradicional traba-

    lho com profisses.Vale a pena conferir!

    Terminamos com uma pequena crnica que

    fala tambm de alimento. Daquele que passamos a

    absorver quando temos acesso ao universo dos

    livros, quando ganhamos intimidade com a palavra

    escrita. Portanto, uma edio com muita sustana.

    Bom proveito!

    Silvia Pereira de CarvalhoInstituto Avisa l

    editorial

    18 Conhecendo a CrianaEu sou assimLinguagem escrita e artes visuaisnum projeto de auto-retratos

    20 Reflexes do formador 1Cadernos de desenhoComo os cadernos podem apoiar apesquisa e o planejamento doprofessor Ana B. Guedes Brentano

    23 SustanaInos Corradin, o artista que escreves crianas Maria Helena da Silva

    26 Reflexes do formador 2Para alm do desenho livreQuando a interferncia grficaajuda a criana na hora dedesenhar Ana Cristina Romani

    32 Tempo didtico 2 Finalmente uma receita Passo a passo da professora rumo produo de texto informativo porcrianas de 5 anos.Denise Milan Tonello

    38 Dicas de leitura Indicaes de boa literatura porjovens leitores

    40 Parablicas Cartas do leitor, sites deeducao, sugestes deexposies etc.

    42 Dia-a-dia da profisso Um mundo na pgina de um livro A entrada no mundoletrado Cisele Ortiz

    umareceita

    Finalmente

    pg. 32

    pg. 26

    livre

    Para alemdo desenho

  • ara Elza Corsi,

    biloga, nutri-

    cionista, amante da

    boa cozinha e dedi-

    cada formadora, os

    cozinheiros, nas ins-

    tituies de educa-

    o, fazem muito

    mais do apenas pre-

    parar alimentos: es-

    ses profissionais esto

    ligados aos papis que a alimentao exer-

    ce nas relaes humanas, pois certo que

    a alimentao serve para nutrir mas tam-

    bm para intermediar relaes, tranqilizar,

    festejar, celebrar, acolher etc..

    Contudo, muitos dos profissionais

    que lidam com a alimentao no tm

    conscincia de seu papel. Por isso, im-

    portante que o processo de formao

    garanta a construo de uma identidade

    profissional que amplie e fortalea sua

    atuao. Para tanto, Elza utiliza diversas

    estratgias. Uma delas a apresentao

    de crnicas sobre o assunto, como as de

    Nina Horta, autora de Comida de Alma,

    que est no livro No Sopa. Na en-

    trevista a seguir, Elza nos fala das rela-

    es entre cultura, alimentao e educa-

    o e de como utiliza o texto de Nina

    no trabalho de formao de cozinheiros

    de educao infantil, em especial nos en-

    contros com a equipe da Gota de Leite.

    4

    Jeitos de cuidar

    Comida

    Uma tradio de cuidados por meio da alimentao

    de almaSopas, chs, mingaus e outros que tais. Mais que alimentos, essas delicadas delcias so um

    verdadeiro banquete para a alma nos momentos de tristeza, saudade ou at mesmo de dor decotovelo. Isso o que pensa a cronista e gourmet Nina Horta em seu livro No Sopa.Inspirados pela autora a equipe de operacionais da creche e pr-escola Gota de Leite,em Santos, SP, resgatou suas prprias comidas da alma para editar um pequeno livro.

    Para falar sobre o assunto avisa l convidou a nutricionista Elza Corsi1,que orientou o grupo

    PMineira de origem, Nina Horta che-

    gou a So Paulo aos cinco anos e poraqui ficou. Formou-se em pedagogia, masdedicou grande parte de sua carreira aestudar a arte culinria. O bom humor, aperspiccia e a inteligncia com que Ni-na escrevia as crnicas para o jornal Fo-lha de So Paulo conquistaram os leitorescuriosos e amantes da culinria, sempredispostos a folhear uma pgina a maispara encontrar as delcias do sabor, damemria, da arte e da histria. Onde es-to as receitas de antanho, repetidas numsem-fim, perpetuadas atravs dos temposcomo histrias infantis em que no se podemudar uma vrgula? Onde aquele compro-misso com o passado? A paz de criana dor-mindo, o conforto do conhecido, do madu-

    ro?, diz ela ao de-fender o bom livrode receitas tradici-onais. Certamentepodemos encontrarisso e muito maisnas pginas de seulivro No Sopa, daeditora Cia. das Letras. Entremeadas deboa prosa, encontram-se receitas tradi-cionais, inventadas, copiadas ou ofereci-das pelas leitoras e colaboradoras daboa mesa. Procurada pela avisa l, Ninamostrou-se satisfeita com a repercussode seu trabalho nas creches e diz estaranimada e inspirada para escrever umnovo livro. Ns, leitores fiis, aguarda-mos ansiosos!

    Quem Nina Horta a escritora que regala o paladar

    1 Nutricionista, biloga e formadora do Instituto Avisa l, trabalha com profissionais da rea da sade e gerenciamento em creches e centros de juventude.

  • avisa l: Como voc v o papel da

    alimentao na vida das pessoas?

    Elza: A alimentao muito im-

    portante para o ser humano. Comer

    uma ao presente em toda sua vida, li-

    teralmente, do nascimento at a morte.

    Existe a funo de nutrir o corpo, pro-

    priamente falando, para que se garanta a

    sobrevivncia, mas no s isso. Muitas

    vezes nos alimentamos para nos rela-

    cionarmos com as pessoas. Pensamos

    num jantar para os amigos, numa ceia

    para a famlia. Quando arrumamos um

    namorado novo, por exemplo, a primei-

    ra coisa que pensamos :de que prato

    que ele gosta ou a que restaurante

    vou lev-lo, que h uma comida boa? A

    comida traz consigo um sentido de

    aproximao, abre espao para conver-

    sar mais tranqilamente, para mostrar

    afetividade, compartilhar.

    avisa l:E a comida da alma,o que ?

    Elza: a comida que a gente no

    precisa mastigar muito, que escorrega

    pela garganta, segundo a Nina Horta.

    mida, quentinha, gostosa. Pode ser um

    ch com canela, uma sopinha de po

    com leite morno. uma comida que

    no foi obrigatoriamente feita para ali-

    mentar o corpo mas sim a alma, para a-

    mainar a tristeza, a dor de cotovelo, pa-

    ra consolar, apaziguar. a comida do

    consolo que precisamos quando camos

    e machucamos o joelho ou quando o

    namorado foi embora. O livro No

    Sopa da Nina Horta traz al-

    gumas receitas da alma que

    ela resgata da infncia, aquelas

    que nos relacionam com nos-

    sas histrias e nos remetem

    memria de algum momento

    em que fomos cuidados por al-

    gum que nos preparou um ali-

    mento especial.

    avisa l: A gente pede ou

    ganha a comida da alma?

    Elza: No comeo a gente

    ganha de um adulto mais expe-

    riente que sabe cuidar, percebe

    nossas necessidades e vem con-

    solar. Depois que a gente desco-

    bre o que , rapidamente apren-

    de a pedir. Eu, por exemplo, sem-

    pre fui cercada por mulheres que

    sabiam fazer comidas da alma.

    Minha av acordava bem cedinho, cinco

    horas da manh, na fazenda, e ia para o

    curral buscar leite. Os netos dormiam

    num quarto que dava para o curral. Ela

    corria para l com um monte de copos

    e uma bandeja, tirava um monte de leite

    da vaca, com aquela espuma branqui-

    nha, voltava com os copos cheios e ba-

    tia na janela.A gente levantava da cama

    e bebia o leite morninho, ali mesmo na

    janela. Depois voltava para a cama. Uma

    tia fazia fios de ovos. Cortava papel-

    manteiga e fazia bolinhos com os fios de

    ovos, como se fossem balas, e a gente

    ganhava no fim da tarde. A outra av

    servia uma sopinha

    pela manh: pegava

    uma cumbuquinha, pu-

    nha leite, po e canela.

    Era dada na cama, bem

    quentinha, no inverno.

    Era muito bom. Por is-

    so, claro, a gente

    aprendia a pedir.

    avisa l: Como voc

    usa o texto de Nina

    Horta na formao

    das cozinheiras?

    Elza: A crnica Comida de Alma

    um belssimo gancho para comear a

    construir a identidade profissional, para

    trabalhar com a esttica e criao de

    receitas. Eu leio para as cozinheiras.

    impressionante a identificao que elas

    demonstram. Rapidamente comeam a

    falar de suas memrias de infncia, his-

    trias s vezes tristes, outras divertidas,

    recursos e artimanhas que utilizavam,

    quando crianas, para receber ateno

    e carinho. Depois de ler e conversar so-

    bre a crnica de Nina Horta eu convido

    as cozinheiras a escrever suas receitas

    da alma. Em geral elas se tornam orgu-

    lhosas de seu trabalho, porque com-

    preendem que cozinhar em uma insti-

    tuio de educao no s fazer co-

    mida. Sabem que tm um papel educa-

    cional na formao das crianas que se

    alimentam por suas mos no mnimo

    trs vezes por dia. Passam a perceber as

    crianas, a olhar para elas. Desenvolvem

    uma atitude mais carinhosa e se permi-

    tem fazer coisas que antes no faziam.

    Num dia de chuva, por exemplo, podem

    fazer bolinhos de chuva, para agradar.

    Quando algum est mais manhoso, po-

    dem dispor de um tempo para fazer um

    5

    Bart

    olom

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    .

    Livro Mesa com Renoir. Salamandra

  • 6Escrever re-ceitas da alma,acompanhadasde suas histrias,foi a tarefa queElza deixou para aequipe operacio-nal da Gota de

    Leite. Parecia interessante, porm nadafcil. Sabemos da dificuldade que muitaspessoas encontram ao lidar com a lnguaescrita, sobretudo no caso de profissio-nais que, por diversos motivos, no tive-ram durante os anos de escolaridadeum contato mais ntimo com a leitura ea escrita. A dificuldade de se expressar

    por escrito muitas vezes envergonha eimpede que as pessoas registrem esocializem suas idias. Mas, em Santos,isso no foi empecilho. A exemplo deDora representada pela atriz FernandaMontenegro no filme Central do Brasil,de Walter Salles , que se punha dia-riamente a escrever as cartas ditadaspelos nordestinos que mandavam not-cias aos familiares distantes, La, da e-quipe operacional da creche, se ps aregistrar as histrias que ouvia de suascompanheiras de trabalho nos corre-dores da Gota de Leite. Elogiada por unse criticada por outros, ela se explica:esto dizendo que eu que escrevi o

    livro, mas no foi, no! Eu s ouvi as his-trias. Eu ia perguntando e depois es-crevia tudo. Melhorava um pouco paraescrever. Mas as histrias foram elas queme contaram. Graas escuta atentade La e o registro, Ruth Maria, Domin-gas, Maremy, Maria, Maria do Carmo, Ma-ria Jos dos Santos e Maria Jos Arrudapuderam transmitir suas tradies, le-vando adiante um conhecimento queservir no s s crianas e ao seu gru-po de trabalho, como tambm s cozi-nheiras de oito creches que tambm po-dero, depois desta agradvel leitura,descobrir as memrias e os cuidadosque esto por trs das comidas da alma.

    Central do Brasil na cozinha: alternativaspara enfrentar a dificuldade de escrever

    chazinho, sabendo que no vai alimentar o corpo e sim

    levar carinho e ateno, um jeito de cuidar.

    avisa l: Como surgiu Receitas da Alma em

    Santos?

    Elza: Na Gota de Leite, as cozinheiras e as faxinei-

    ras esto h dois anos vivendo um intenso processo de

    formao profissional.A equipe faz reunies de planeja-

    mento de suas aes e encontros mensais para discutir

    e aprender mais sobre as especificidades de seu traba-

    lho. O grupo leu a crnica Comidas da Alma, de Nina

    Horta, e durante alguns meses, com o apoio da diretora

    Marlene Remio e de uma atenta escriba (veja box), as

    pessoas levantaram as comidas que marcaram suas his-

    trias, trazendo tona lembranas de cuidados essen-

    ciais infncia.Ao final elas publicaram um livro, depois

    doado a oito instituies de educao da cidade que

    compareceram ao seminrio organizado na creche. O

    livro dedicado a todas as pessoas que trazem no corao

    receitas para praticar o amor, dizem as autoras logo nas

    primeiras pginas. E ainda: so receitas elaboradas com

    dedicao ... trazem histrias de pessoas especiais, trans-

    mitidas a voc para que consigamos compartilhar a sen-

    sao de estar alimentando no s o corpo, mas tambm

    a alma. Quando fizermos algumas das receitas contidas

    nesse livro, saberemos que se trata de muito mais que

    uma simples refeio.

    Jeitos de cuidar

    La Medeiros da Silva

  • confortamVeja, a seguir, a crnica de Nina Horta e algumas das receitas

    de infncia das cozinheiras da creche pr-escola Gota de Leite

    Receitas que

    Comida de Alma

    Comida de alma aquela que consola, que escorre garganta

    abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora de dor, de

    depresso, de tristeza pequena. No , com certeza, um lei-

    to pururuca, nem um menu nouvelle seguida risca. D se-

    gurana, enche o estmago, conforta a alma, lembra a infn-

    cia e o costume. a canja de me judia, panacia sagrada a

    resolver os problemas de nusea existencial. O caldo de ga-

    linha gelatinoso, tomado s colheradas. O leite quente com

    canela, o arroz-doce, os ovos nevados, a banana cozida na

    casca, as gelatinas, o pudim de leite.

    Nora Ephron, autora de A difcil arte de amar, com o ca-

    samento acabado, grvida, enjoada, trada, vota pelo consolo

    da batata: Nada como ir para a cama com um bom pur

    quando se est deprimido. Nada como ir para a cama com

    um prato fundo de pur de batata j saturado de manteiga a

    garfada.

    Comida de alma tem de ser neutra. Sorvete comida de

    alma? No .Tem um pique gelado que a tristeza no suporta.

    A temperatura deve estar entre ambiente e morna. Choco-

    late vale? No, nem pensar. sexy, sedutor, pressupe prazer

    e culpa.

    Tudo tem de ser especial na comida de alma.A tia Lonie

    de Proust comia seus ovos com creme em pratos rasos, com

    desenhos e legendas. Punha os culos e decifrava contente:

    Ali Bab e os quarenta ladres, ou Aladim e a lmpada ma-

    ravilhosa.

    O mingau de aveia ou fub pode ser em prato fundo, o

    quadrado de manteiga se derretendo por cima. O leite em boa

    caneca grossa, o ch em xcara inglesa florida, e, para casos ex-

    tremos, a mamadeira, claro.A comida, de preferncia, deve ser

    bebida aos goles ou tomada de colher. A faca quase sempre

    suprflua.

    Um livro portugus trata do assunto, mostrando que a

    preocupao com comidas de alma vem de longe. O cozinheiro

    indispensvel (Porto, 1844), que traz um subttulo enigmtico:

    Guia prtico indispensvel dos enfermos pobres, dos doentes ricos e

    dos convalescentes remediados. D receitas como o caldo confor-

    tativo, uma papinha pastosa, de se comer com lgrimas nos olhos.

    No Sopa, Nina Horta, Ed. Cia. das Letras.

    7

  • 8Mingau de Canela

    Quando eu estava meio adoentada ou um pouco triste,

    minha me fazia esse mingau. Eu me lembro que gostava tanto

    porque ela levava na cama e se preocupava perguntando se eu

    estava melhor, se queria mais. s vezes eu pedia que ela fizesse,

    mas no era a mesma coisa se eu no estivesse doente.

    Ingredientes:1 copo de leite

    1 colher de maisena

    canela

    acar a gosto

    Modo de preparar:Engrossar no fogo, retirar, colocar no prato fundo e salpicar

    canela.

    (Marlene Remio)

    Salada de batatas com ovos

    Quando criana, lembro que minha me tinha uma criao

    de galinhas e cada filho cuidava de uma em especial.

    Quando a galinha botava os ovos era uma briga, porque eu

    queria comer o ovo da minha galinha.

    A minha irm mais velha, que tomava conta de mim e dos

    meus irmos, preparava uma salada de ovos, que era a

    minha favorita. Ento, quando eu chegava do colgio, ia

    correndo ver se tinha a salada com ovos da minha galinha.

    Ingredientes:Batatas

    ovos

    sal

    Modo de preparar:Depois de cozidas, picar as batatas e misturar os ovos

    tambm cozidos e picados.Temperar com sal.

    (Ruth Maria da Silva Santos)

    Capim Cidrao

    Eu me chamo Maria Jos Arruda.Tenho 60

    anos.

    Quando nasci, j vim carregando comigo

    sofrimento.Tivemos dificuldades financeiras,

    ramos oito irmos.

    Naquela poca, ns vivamos resfriados,

    ento mame comeou a fazer esse ch, que

    por sinal uma delcia.

    Hoje em dia, quando meus filhos e netos

    ficam resfriados, eu logo vou dando a eles o

    que eu aprendi com mame.Todas as vezes

    eu lembro da minha infncia, dos meus

    irmos e da minha me, principalmente. Na

    poca de chuva ela tambm dava esse ch

    para ns, para prevenir doenas.

    Pois essa uma lembrana que jamais se

    apagar em minha mente.

    Ingredientes:6 folhas de Capim Cidro

    1 copo de gua

    1 gema

    Acar a gosto

    Modo de preparar:Lave bem as folhas. Depois, coloque-as em

    uma leiteira com 1 copo de gua. Leve ao

    fogo para ferver. Depois de fervido, bata a

    gema do ovo, coloque no ch ainda quente e

    mexa para fazer a mistura. s beber.

    (Maria Jos de Morais Arruda)

    Bibliografia:

    No Sopa.

    Nina Horta.

    Ed. Cia. das Letras.Tel.: (11) 3846-0801

    Ficha tcnica:

    Participaram do projeto proposto por Elza Corsi: Domingas V. de Andrade,

    Maremy Ortiz de O. Santos, Maria B. de Oliveira, Maria do Carmo de Jesus, Maria

    Jos dos Santos, Maria Jos Arruda e Ruth Maria da S. Santos, sob a coordenao

    de Marlene Remio.Valdila Alves M. Silva escreveu e preparou os originais

    editados e diagramados por Carla Luizato.

    Gota de Leite.Av. Conselheiro Nbias, 388, Encruzilhada, Santos, SP, 11045-000.

    Tel.: (13) 3234-5933. Site:www.gotadeleite.hpg.com.br

    E-mail: [email protected]

    Contatos com Elza: [email protected]

    Jeitos de cuidar

  • Artes Visuais

    Oficinas: o que o professor pode fazer para ajudar as

    crianas em seu percurso criador. Pg. 10

    Sugestes para montar um ateli: lista de materiais

    e dicas para aproveitar melhor os espaos. Pg. 16

    Auto Retrato Pg. 18

    Resgatando o uso do caderno de desenho. Pg. 20

    Quando uma interferncia grfica pode ajudar

    as crianas na hora de desenhar. Pg. 26

    E ainda

    Minipster de Inos Corradin, um pintor

    que est encantando as crianas. Pg. 25

    Da organizaao do espaoas intervenoes didaticas

    Avisa l Especial

  • Que a arte deve estar presente nos currculos escolares dado, e ningum discorda.O como, no entanto, est sujeito a diferentes interpretaes.Vemos hoje, no Brasil, pelo

    menos duas tendncias de ensino da arte que se apresentam quase sempre como opostas: oubem os educadores levam sala apenas atividades propostas por eles, ou bem apostam nas

    surpresas da criao espontnea das prprias crianas. Nesta matria, voc vai conhecer umaexperincia que pode ajudar a equilibrar as duas prticas.A introduo da oficina de percurso

    possibilita uma autoria infantil mais elaborada e autnomaValria Pimentel 1

    uando pensamos quais conte-

    dos as crianas podem aprender

    nos primeiros anos da educao infantil,

    logo lembramos da rea de artes vi-

    suais. Pintar, desenhar, colar, recortar,

    montar, modelar, ou a combinao de

    todos esses fazeres, so alguns dos pri-

    meiros procedimentos que os peque-

    nos experimentaro na escola.

    Ao realizar essas aes, eles se

    deparam com o que so capazes de

    produzir, surpreendendo-se e mara-

    vilhando-se com o processo e com

    o resultado de seus trabalhos, da

    mesma forma que se encantam

    com os jogos e as brincadeiras,

    pois essas atividades possuem as-

    pectos comuns que os seduz: o a-

    caso, o imprevisto, a surpresa.

    Enquanto crescem, vo sendo

    capazes de refletir sobre suas experi-

    ncias de produo e somam ao as-

    pecto da surpresa, do acaso e do impre-

    visto, a intencionalidade e o planejamen-

    to, conquistando autonomia de criao,

    um dos elementos fundamentais no de-

    senvolvimento do percurso criador.

    Apesar de os educadores compre-

    enderem como importante para a

    formao integral do aluno ele ser ca-

    paz de se comunicar e se expressar de

    maneira pessoal atravs da linguagem

    visual, muitos ainda se perguntam sobre

    quais aes didticas podem ser enca-

    minhadas para atingir este objetivo.

    O que normalmente encontramos

    no panorama do ensino das artes visu-

    ais nas escolas brasileiras so aes di-

    dticas opostas: atividades em que as

    questes artsticas so internas com

    problemas e solues que as prprias

    crianas descobrem e criam ou ativi-

    dades em que as questes artsticas

    partem de propostas externas, sempre

    com problemas colocados pelo pro-

    fessor. Podemos dizer que, ultimamen-

    te, h mesmo um predomnio deste

    segundo tipo de ao didtica.

    Usos e abusos das propostasfeitas pelo professor

    Muitas escolas no consideram a

    construo do percurso criador pes-

    soal como um dos objetivos centrais

    para a rea de artes visuais. Por isso a-

    brem mo do investimento nas ques-

    tes trazidas pelas crianas e encami-

    Tempo Didtico 1

    Entre o acasoe a intenao

    Como a criana pode conquistar autonomia para criar

    1 Coordenadora de artes da Escola Verde que Te Quero Verde So Vicente, SP.2 A autora coloca a palavra releitura entre aspas por acreditar que crianas de 2a srie no fazem releitura propriamente. Para saber mais, leia o artigo Cpia ou releitura

    como no levar gato por lebre, na revista Ptio, nmero 14, de Valria Pimentel e Marisa Szpigel.

    Q

    10

  • nham apenas as pro-

    postas externas.

    Algumas escolas priorizam o ensi-

    no de contedos da histria da arte, co-

    mo, por exemplo, a vida do artista e seu

    processo criador, ou mesmo a produ-

    o artstica em pocas e culturas dife-

    rentes. So bastante recorrentes as re-

    leituras2 de obras de artistas, propos-

    tas de interferncia grfica em que as

    crianas precisam continuar pedaos de

    obras de arte, enquanto estudam sobre

    os artistas, ou ento a produo de tin-

    tas naturais e seu uso, enquanto estu-

    dam a histria das tintas.

    Outras privilegiam o ensino de tc-

    nicas e procedimentos, encaminhando

    propostas sem contexto e totalmente

    isoladas, carentes de qualquer seqn-

    cia ou relao, como, por exemplo, pin-

    tar fazendo pintinhas com cotonete,

    pintar e dobrar a folha ao meio, dese-

    nhar com giz de cera cobrindo com

    nanquin preto para riscar por cima,

    montar uma imagem colando pedaci-

    nhos de papel, como se fosse um mo-

    saico etc.

    Sabemos que a criana aprende

    melhor os contedos das artes visuais

    quando tem questes, ou seja, proble-

    mas a resolver. No entanto, para desen-

    volver seu percurso criador, no basta

    que ela resolva apenas questes artsti-

    cas prticas nas atividades de produo.

    preciso tambm que se aproprie de

    conhecimentos proporcionados pelas

    reflexes que surgem a partir da obser-

    vao e apreciao de imagens que j

    produziu e sobre aquelas feitas por ou-

    tras crianas, artistas e povos de dife-

    rentes culturas. No entanto, todo o cui-

    dado pouco nessas prticas

    Uma boa questo vinculada a pro-

    postas externas a que possibilita res-

    postas diferentes. Por exemplo: na 2a s-

    rie da escola Verde que Te Quero Verde,

    a professora props a apreciao de al-

    gumas pinturas de Lasar Segall, para que

    os alunos comparassem suas cores e te-

    mas.Aps chegarem concluso de que

    todas eram muito tristes por causa dos

    temas e das cores empregadas, a pro-

    fessora encaminhou uma proposta de

    produo: pediu s crianas que fizessem

    uma pintura triste, usando tinta acrlica e

    canetinha quando necessrio. Para resol-

    ver essa questo tinham que pensar nas

    cores, nas suas combinaes e no tema

    que iriam representar.

    Deixar livre ou dirigiro trabalho de artes?Um falso dilema

    Encaminhar unicamente

    atividades a partir de propos-

    tas externas pode gerar um

    percurso criador dependente.

    Ao contrrio, propor apenas ati-

    vidades que possibilitem a elabo-

    rao de questes internas mui-

    tas vezes resulta num percurso

    criador de menor qualidade, com

    um repertrio mais limitado.

    A resoluo de problemas tra-

    zidos pelo professor, bem como de

    questes que as prprias crianas

    levantam, so atividades igualmente

    importantes e fundamentais para de-

    senvolver o percurso criador do alu-

    no e devem acontecer equilibrada-

    mente dentro da rotina escolar. No se

    pode esquecer que os contedos da

    histria da arte, de tcnicas e proce-

    dimentos, tm maior significado para os

    alunos quando possibilitam a ampliao

    do seu repertrio de questes

    artsticas internas, surgidas de seu pr-

    prio fazer, e tambm quando mobilizam

    seus conhecimentos prvios, constru-

    dos nos momentos de livre escolha,

    como vemos a seguir:

    Olvia, da 2a srie, fez a queda deum helicptero usando cinzas, azuise verdes, numa combinao de tonsplidos, para representar um tematriste, como fez Lasar Segall.

    11

  • Tempo Didtico 1

    Marina (esq.) e Arthur (abaixo), da 2a srie, escolheram um tema daatualidade que consideraram muitotriste, o atentando s Torres Gmeasnos EUA. Cuidaram para que combinao de cores criasse umaatmosfera aterradora.

    O desafio proposto s duplas Gabriel eBrbara (6 anos) e Gabriela e Ana Luiza(5 anos) foi conhecer mais sobremateriais, modalidades e procedimentos.Primeiro tiveram que desenhar, pintar erecortar, desmontando a imagem feita.Depois, colaram as partes em um outrosuporte, criando nova composio.O tema era livre.

    12

  • Arte na rotina da escola Verde

    Acreditamos que a conquista da au-

    tonomia de criao se d com o traba-

    lho conjunto desses dois tipos de aes

    didticas. Na Escola Verde que te Quero

    Verde as crianas, desde a educao in-

    fantil, aprendem artes visuais com esta

    proposta e, enquanto crescem, vo pro-

    gressivamente conseguindo relacionar

    os conhecimentos adquiridos a partir

    dos dois tipos de encaminhamento.

    Dessa forma, permitimos que o aluno

    se alimente simultaneamente dos desa-

    fios que o educador lhe encaminha e

    dos que ele prprio se prope a resol-

    ver.Transitando entre essas duas possi-

    bilidades, a criana relaciona o que ex-

    perimentou em ambas, conseguindo,

    muitas vezes, resolver questes exter-

    nas com solues encontradas a partir

    das questes internas e vice-versa. Isso

    torna o aprendizado da arte mais sli-

    do, j que possvel lanar mo de um

    mesmo conhecimento em contextos

    diferentes.

    Portanto, o planejamento e a pr-

    tica das aulas de artes visuais na rotina

    escolar devem contemplar tanto as ati-

    vidades que encaminham as questes

    externas, contidas nas propostas, quan-

    to as que encaminham as internas, que

    esto presentes nas oficinas de per-

    curso.

    Entendendo a Oficina

    A oficina de percurso uma ati-

    vidade que permite sempre a livre es-

    colha do aluno sobre o trabalho que ir

    fazer. Isso quer dizer que ele poder de-

    finir quais materiais ir usar, quanto

    tempo precisar para terminar seu tra-

    balho e se o far sozinho ou no.

    O nome oficina de percurso foi

    escolhido porque representa muito

    bem o que prope essa atividade: per-

    mitir que o aluno administre seu per-

    curso criador, percebendo no decorrer

    da escolaridade que uma produo sur-

    ge a partir das experincias de produ-

    o anteriores.

    Nessas oficinas ocorre uma diversi-

    dade e simultaneidade de questes bas-

    tante enriquecedoras. interessante

    perceber como as questes trazidas

    pelas crianas vo se transformando

    medida que ampliam seu conhecimento

    artstico. No incio da escolaridade elas

    se preocupam mais com a explorao e

    combinao de materiais. Mais tarde,

    pensam nas modalidades se questio-

    nam sobre se produziro pintura, dese-

    nho, colagem etc. e no tema que iro

    desenvolver.

    Ao observarmos, por exemplo, um

    momento de oficina de percurso da

    1a srie dessa escola, comum ver as

    crianas propondo-se a produzir

    trabalhos abstratos nas moda-

    lidades que conhecem, combinan-

    do ou no os materiais disponveis

    no ateli. Isso acontece porque

    nessa srie as crianas aprendem

    sobre arte abstrata e figurativa por

    meio de propostas que o pro-

    fessor leva: atividades de

    apreciao e produo.

    Os problemas que as

    crianas se colocam vo fi-

    cando mais complexos

    medida que persistem tra-

    balhando. No Grupo 2 (3

    a 4 anos), por exemplo,

    encontramos uma criana

    que se props a fazer dois

    trabalhos bem diferentes

    numa mesma oficina. Em um

    ela colou palitos em todo o

    suporte, experimentando as

    possibilidades da fita crepe e

    da cola ao mesmo tempo.

    No outro, explorou e com-

    binou materiais em dife-

    rentes modalidades.

    Filipe, da 1a srie: encontra fita crepe no lugar de sempre.

    Lucas, da 1a srie, escolhendo sucatapara iniciar um trabalho.

    13

    Foto

    s:Va

    lria

    Pim

    ente

    l

  • Na

    2a srie, um

    grupo de meninas tinha

    uma questo: fazer uma base

    ecolgica.Para resolv-la elas usaram duas

    aulas de artes.Na primeira, foram em bus-

    ca dos materiais que acharam mais ade-

    quados para realizar a sua idia: usaram

    sucata de isopor para a base, argila para o

    tronco das rvores e papel celofane para

    as copas, pedindo ajuda da professora

    para fixar as copas. O trabalho teve de

    secar de uma aula para outra.

    Na segunda aula, quando se depara-

    ram com o resultado final,no ficaram sa-

    tisfeitas e partiram para mais um desafio:

    melhorar o trabalho.Depois de muito ti,

    ti, ti chegaram a uma soluo: trocar os

    materiais do suporte e da copa (que nada

    tinham de ecolgicos) por papel mach.

    Neste novo desafio, experimentaram

    misturar o papel mach com tinta, a-

    prendendo assim mais sobre os materiais.

    Oficinas como esta tanto quanto

    os projetos ou seqncias didticas

    encaminhados atravs das propostas

    exigem um planejamento complexo

    que deve seguir orientaes didticas

    especficas, que por sua vez do pa-

    rmetros para organizar tempo, espao

    e materiais e garantem boas inter-

    venes do professor. Para quem quiser

    se aventurar neste tipo de ao did-

    tica, damos, a seguir, algumas das orien-

    taes construdas na escola Verde ao

    longo dos anos.

    Tempo Didtico 1

    Na mesma oficina Francisco, de 3 anos,fez dois trabalhos explorando materiais e

    combinando desenho e colagem em um deles.

    Olvia, Sabrina, Camila e Luciana usaram duasaulas de oficina para realizar esse trabalho.

    14

  • Orientaes didticas para asoficinas

    Antes de iniciar a oficina o professor deve

    apresentar esta atividade para os alunos e conver-

    sar sobre as regras para usar e cuidar dos mate-

    riais. medida que as crianas vo crescendo, as

    regras devem ser construdas por todos, edu-

    cador e alunos.

    Durante a oficina cabe ao professor estimular

    a pesquisa e a investigao das vrias linguagens e

    materiais, sempre respeitando as escolhas dos

    alunos e a diferena entre as produes, favore-

    cendo a troca de informaes entre os colegas

    sobre as experincias artsticas.

    Para garantir o percurso convm que a pro-

    fessora guarde os trabalhos no terminados para

    que as crianas continuem a faz-los na prxima

    oficina. Os materiais no podem faltar. A docu-

    mentao de produes bidimensionais pode ser

    feita em pastas, que a prpria professora monta

    com papel craft, grampeador e fita crepe. J as

    produes tridimensionais exigem mais espao, o

    que normalmente falta nas escolas. Portanto, ao fi-

    nalizar e apreciar esses trabalhos, as crianas po-

    dem lev-los para casa.

    Oferta e organizao de materiais

    Para iniciar pela primeira vez uma oficina

    de percurso com as crianas, a professora

    pode oferecer como escolha apenas os ma-

    teriais secos e os suportes. Nas oficinas se-

    guintes acrescentar materiais prprios

    para a colagem, por exemplo. Depois, in-

    teressante introduzir os materiais aquo-

    sos e, por fim, as sucatas e os materiais

    para modelar.Oferecer os materiais nes-

    ta ordem normalmente deixa os alunos

    mais seguros para fazer escolhas, j que

    vo ampliando gradualmente as possi-

    bilidades de utilizao dos materiais.

    Isso no quer dizer que, necessaria-

    mente, uma oficina deva acontecer

    sempre assim.

    A introduo deste ou daquele

    material para crianas de diferentes

    faixas etrias depende das condi-

    es materiais e dos recursos hu-

    manos disponveis, nmero de

    alunos por turma etc. Esta an-

    lise de condies depende da

    avaliao do educador.

    Giovana (7 anos), estudando sobre arteabstrata, recebeu a proposta detransformar uma parte de seu desenhofigurativo numa imagem abstrata. NaOficina de Percurso faz tambm umtrabalho com seu amigo Thoms.

    15

  • Organizao do espao fsico

    Considerar e planejar o lugar onde

    vai ocorrer uma atividade fundamen-

    tal para que ela funcione bem.A oficina

    pode acontecer num ateli ou na pr-

    pria sala de aula.

    Por tratar-se de uma atividade que

    no centralizada no professor, a orga-

    nizao dos materiais deve assegurar ao

    aluno independncia e autogerencia-

    mento do prprio trabalho.

    Os materiais precisam estar sepa-

    rados por tipos: materiais aquosos e

    tintas juntos, papis e papelo no mes-

    mo espao, cola, tesouras, fita crepe e

    durex organizados de maneira que fi-

    quem prximos e assim por diante. O

    mesmo deve ser feito com as sucatas.

    Dependendo da idade, os alunos podem

    ajudar na organizao. interessante

    que os materiais permaneam sempre

    no mesmo lugar, para assegurar a loco-

    moo dos alunos no espao e o plane-

    jamento do que iro fazer.

    Organizao do tempo

    A criana poder

    fazer vrios trabalhos

    numa mesma oficina

    ou, se preciso, usar v-

    rias oficinas para fazer

    um mesmo trabalho. O

    tempo de durao da

    oficina varia conforme

    a idade das crianas e

    seu envolvimento. Uma

    oficina para crianas de

    2 anos costuma durar

    20 minutos, para os 6

    anos, at 1 hora. Na educao infantil

    interessante propor de uma a duas

    oficinas por semana; j no ensino fun-

    damental, no mnimo duas por ms, in-

    tercalando com momentos para desen-

    volver propostas trazidas pelo profes-

    sor. Essa organizao deve ser flexvel e

    se adaptar a cada realidade. Importan-

    te reservar um tempo no final da ofi-

    cina para que os alunos arrumem e lim-

    pem todos os materiais e o espao on-

    de trabalharam.

    Apreciao das produes daoficina

    A sala de aula ou ateli deve ter um

    espao reservado para expor imagens

    produzidas por adultos ou crianas. Ima-

    gens artsticas livros de arte, catlogos

    de exposio, revistas tambm devem

    ficar disposio das crianas, pois

    observar bons modelos amplia a possi-

    bilidade de criao de novas imagens.As

    crianas costumam apenas olh-las ou

    us-las como inspirao para fazer seus

    Numa oficina, os materiais ficam dis-posio das crianas para que possamfazer suas escolhas. A lista abaixo trazboas sugestes para quem quer mon-tar ou reorganizar o espao de ateli,seja numa sala reservada s para isso,seja num canto da sala de aula.

    Materiais secos: giz de cera,

    canetinhas, lpis, giz de lousa, carvo

    para churrasco. Caso seja possvel, tente

    conseguir giz pastel oleoso e carvo

    para desenho.

    Papis variados (chamamos os

    papis de suportes): estes devem ser

    oferecidos aos alunos sempre cortados

    em formas e tamanhos diferentes: papel

    sulfite, jornal, revista, cartolina, papel

    espelho, laminado,

    seda, celofane, color

    set, camura, cre-

    pom, craft e outros como, por exemplo,

    saco de papel. possvel aumentar o ta-

    manho dos suportes colando um papel

    no outro.

    Materiais para colar, juntar e

    recortar: cola branca, cola de farinha

    (caseira), fita crepe, durex, tesouras, fios,

    barbante, grampeador, furador, estilete

    para a professora usar e objetos varia-

    dos para serem colados (palitos, teci-

    dos, tampinhas, areia, papis j picados,

    papelo, macarro, l, algodo, sementes,

    folhas, gravetos etc.)

    Materiais aquosos: tinta de p

    xadrez juntar o p xadrez, que se com-

    pra em casa de construo, com gua e co-

    la branca , tinta de terra igual ao p

    xadrez , pintura a dedo, tinta com pa-

    pel crepom colocar o papel crepom na

    gua ou no lcool, o efeito parecido com

    a anilina , guache, plasticor e tinta de

    anilina.

    Instrumentos para usar com os

    materiais aquosos: pincis e broxinhas

    de tamanhos variados, rolinhos de pin-

    tura de parede, esponja, escova de dente,

    paninhos para limpeza e potes para gua

    (alm do prprio dedo, naturalmente).

    Sucata (lixo limpo): garrafas pls-

    ticas, tampinhas, latas, embalagens (pe-

    quenas e grandes) de plstico, papel,

    papelo, isopor, tocos de madeira etc.

    Material para modelar: argila ou

    papel mach (papel picado misturado

    com gua e cola branca ou de farinha).

    Sugestes de materiais

    Tempo Didtico 1

    Espao organizado dentro da sala, pronto para receber as crianas do Grupo 4 (5 a 6 anos).

    16

  • trabalhos, observando-as para reprodu-

    zi-las ou transform-las.

    Cabe ao professor promover a

    apreciao dos trabalhos das crianas,

    organizando o espao para que todas

    vejam o que foi produzido.

    importante fazer apreciao dos

    trabalhos das crianas, mesmo que ain-

    da no estejam terminados, inclusive

    para discutir como termin-los. No

    necessrio repetir o procedimento em

    todas as oficinas, evitando que a ativi-

    dade se torne burocrtica e perca o sig-

    nificado.A apreciao pode ser feita no

    comeo ou final da oficina, sempre indi-

    cando o processo dos alunos: como re-

    alizou o trabalho, que materiais usou, o

    que pretende fazer na prxima etapa. O

    professor tambm pode propor aos a-

    lunos que relacionem seus prprios

    trabalhos com os de outros produto-

    res, artistas ou no.

    Intervenes do professor

    O papel do professor de extrema

    importncia em todos os momentos da

    oficina. Ele no pra de avaliar, para

    saber intervir quando necessrio, orien-

    tando seus alunos sobre como agir, dan-

    do idias e ajuda. Como esta uma ati-

    vidade em que cada criana escolhe o

    que fazer, a professora precisa aqui,mais

    do que nunca, desenvolver um olhar

    atento para o grupo e ao mesmo tem-

    po para o que cada criana est reali-

    zando: que materiais escolhe e combina,

    como faz, por que e para qu faz, em

    quanto tempo faz e com quem faz. De-

    senvolvendo o olhar sobre a produo

    dos alunos , a professora saber como

    intervir. Um exemplo: a professora

    observa que um aluno nunca desenvol-

    ve trabalhos sozinho, ento deve pro-

    por, em algum momento, que ele expe-

    rimente faz-lo.Vale lembrar que, como

    as intervenes didticas acontecem

    para favorecer avanos no processo de

    criao dos alunos, preciso olhar e in-

    tervir durante o processo e no apenas

    nos resultados finais.

    Ficha tcnica:

    Valria Pimentel, alm de orientar o trabalho com artes na escola Verde, tambm

    desenvolve oficinas e propostas no ateli [email protected]

    Escola Verde que Te Quero Verde, Rua Pero Correia, 533, Itarar, So Vicente, SP,

    11320-140,Tel.: (13) 3468-9370. www.verde.com.br

    Apreciao dos trabalhos: momento para trocar informaes e descobertas.

    Giovana,Thoms e Rafael decididos a pintar.

    17

  • Conhecendo a Criana

    Eu sou assimComo as crianas elaboram seus auto-retratos

    18

  • Dica deleitura

    No livro Espelho deArtista, de Katia Canton,voc vai encontrar vriostipos de auto-represen-tao, desde as marcasde mos deixadas nas pa-redes das cavernas, napr histria, at os auto-retratos contemporneos. uma fonte interessantepara quem quiser pensar em projetos parecidoscom o da professora Eliane.

    Espelho de Artista. Katia Canton. Ed. Cosac &Naify.Tel.: (11) 255-8808

    Estamos nesse grupo e precisamos nos conhecer melhor, o que dizem ascrianas de uma creche em So Paulo ao apresentar os auto-retratos da turma.Observar imagens, conhecer procedimentos e formas diversas de expressar-se

    foram algumas das oportunidades oferecidas ao grupo nas propostas levadas pelaprofessora. O resultado salta aos olhos: imagens belssimas que recheiam as pginas

    seguintes. Conhea essas crianas por meio de suas letras, traos e coresEliane Feitosa1

    ntes de pedir para a criana

    fazer seu auto-retrato, o que

    no nada simples, tento deix-la

    familiarizar-se com o tema. Conversa-

    mos sobre o que um auto-retrato,

    observamos vrios exemplos de artis-

    tas, em diferentes linguagens. Tambm

    observamos o rosto do amigo para ana-

    lisar como so os olhos, o nariz, a boca

    etc. Peo tambm para que se olhe no

    espelho, e s ento deixo-a produzir

    seu retrato segundo os critrios que ela

    definir.

    As crianas so to precisas que

    deixam em evidncia, em suas produ-

    es, os detalhes dos olhos, como os c-

    lios, e as curvas do formato

    da boca. Detalhes que, talvez,

    no constariam em suas pro-

    dues se no tivessem todo

    esse processo de preparao.

    Algumas dessas produ-

    es ilustram a capa desta

    edio. So resultado de eta-

    pas finais, mas antes as crianas

    tambm experimentaram ou-

    tros materiais, como carvo e

    giz pastel, por exemplo. Para os

    leitores que apreciam o fazer

    das crianas, compartilho os

    auto-retratos que ilustram essas

    pginas.

    A

    Alm da preparao da imagem, a pro-fessora tambm criou oportunidades paraque as crianas pudessem ampliar o prprioconceito de auto-retrato. Ela props quecada uma discutisse e escrevesse itens deuma lista de suas preferncias:que time torce,de que comida mais gosta, do que brinca maisetc. Pensar sobre essas respostas levou cadauma a falar sobre si e a conhecer mais sobreas outras crianas do grupo, trazendo tonaelementos que podiam compor a construode uma imagem que as representasse bem, in-cluindo as particularidades.

    Essa escrita pde ser aproveitada emoutros momentos, a fim de que o grupo pu-desse aprender mais sobre a lngua por-tuguesa. Dando oportunidades para queescrevessem de prprio punho, segundosuas hipteses, apresentassem suas pro-dues e discutissem sobre elas, Elianepermitiu s crianas conhecer mais sobreoutro modo de representao, a escrita.

    Situaes de escrita num projeto de artes

    Creche Amuno. Rua Aparecida Ivone Munhoz,

    91, Jd. Novo Osasco, Osasco, SP, 06142-050.

    Tel.: (11) 3609-1091. E-mail:

    [email protected]

    Ficha tcnica:

    1 Eliane Feitosa educadora da creche Amuno.

    19

  • urante muito tempo de minha vida escolar,

    tive como companheiro meu caderno de

    desenho. Confesso que no tinha tanta paixo por

    ele pois desenhar o que envolvia perspectiva,

    sombreado, luminosidade etc. me parecia uma

    tarefa bastante difcil. Mas eu precisava dar conta da

    tarefa, que valia nota. Como a professora era muito

    severa ao avaliar, eu procurava sempre fazer tal e

    qual ela pedia, no como eu gostaria ou quisesse.

    Muitas vezes, Irm Alice a professora do

    colgio de freiras se dispunha a me ajudar

    equivocadamente. Ora pegava na minha mo, ora

    se prontificava a fazer o acabamento, dando um

    toque de artista que meus desenhos careciam. Eu

    invejava quem o tinha. Invejava, por exemplo, a

    capacidade de uma amiga que deslizava o lpis

    no2 com muita perfeio. Recordo hoje com

    saudades desses cadernos. Pena que no

    guardei nenhum: com certeza faria hoje obser-

    vaes que na poca, por no dispor de um

    olhar para minha prpria trajetria de dese-

    nho, no pude fazer.

    Quando meus filhos foram para a escola,

    o caderno de desenho j no era mais usado.

    Reflexes do formador 1

    D

    Cadernosde Desenho

    Tradicionalmente o caderno de desenho era usado paraaprender geometria ou para copiar imagens, nem sempre de boaqualidade. Hoje, ele est de volta com novos usos e significados:

    para a criana, pode ser um recurso que ajuda a perceber asmudanas de seus traados. Para o educador, pode ser um objeto

    de pesquisa que apia o planejamento de seu trabalho. Saiba maissobre o uso do caderno de desenho nas pginas seguintes

    Ana B. Guedes Brentano1

    1 Formadora do Instituto Avisa l e do MEC.

    Gabriel, 6 anos, passa vriosdias tentando chegar figurade um barquinho com abandeira do Brasil.Aqui vemosquatro etapas de sua pesquisa,partindo de uma forma simplesat chegar concepo de cu,mar e, finalmente, a um barcocom a vela-bandeira brasileirahasteada.

    1

    2

    3

    4

    Um dirio do percurso criador das crianas

    20

  • Eles desenhavam em folhas soltas, guar-

    dadas em pastas, de forma que era pos-

    svel acompanhar a evoluo e a con-

    tinuidade de seus traados. Como eles

    desenhavam muito em casa, tive acesso

    a esse percurso de criao.

    Hoje os cadernos de desenho vol-

    taram, com uma inteno que no exis-

    tia no meu tempo: a de possibilitar

    criana se apropriar de seu percurso

    como desenhista. Eles passam a ter um

    carter de dirio, onde o aluno define o

    que desenhar e como desenhar, permi-

    tindo a expresso da individualidade.A

    criana convocada pelo caderno a ver

    e rever seus desenhos. Muitas vezes, j

    com um olhar mais apurado, ela se v

    tentada a completar alguma coisa que

    faltou, a colorir ou a desenhar nova-

    mente um antigo tema. Mais que isso,

    ao percorrer cada pgina de seu cader-

    no, ela poder perceber a mudana de

    seus traados: como fazia antes e como

    faz agora. Neste sentido, o caderno de

    desenho passa a ser um instrumento

    de pesquisa.

    Caderno de desenho comoapoio para o professor

    O educador tambm pode utilizar

    o caderno como apoio ao planejamento

    do trabalho. Para tanto, importante

    que ele tenha uma pauta que o auxilie a

    observar alguns aspectos como:a ao expressiva: como a criana secoloca frente tarefa? Demonstrainteresse, indiferena, soltura?

    o uso de material: mistura cores, variao uso dos riscantes, apresenta dificul-dade no controle dos pincis?

    objetos de pesquisa: desenha semprea mesma coisa ou varia os temas nassuas representaes?

    Mrcia, professora da turma de 3 a

    4 anos da creche So Rafael, por exem-

    plo, utilizou o caderno para estudar o

    percurso do grafismo infantil. Diz ela:

    por meio do caderno eu pude visualizar

    quais interferncias eu podia oferecer du-

    rante esse perodo, acrescentando desafios

    s diferentes propostas.

    2

    Barcos no so o nicotema de interesse deGabriel.Aqui, seusesforos para estruturar afigura humana, entre abrile agosto.

    3

    1

    Ilustrao de conto defadas sugerida pelascenas do Gato de Botas.

    tambm possvel pesquisar novos

    interesses que esto brotando no grupo

    e que podem gerar diferentes projetos.

    Esses so alguns exemplos que po-

    dem ajudar o educador na tarefa de

    pesquisar e avaliar a aprendizagem de

    seus alunos, abrindo espao para plane-

    jar intervenes necessrias, capazes de

    instigar novas aprendizagens para as cri-

    anas. Tudo para manter vivo o praze-

    roso e constante convite ao desenho.

    21

  • Direto da prticaA professora conta como o caderno de desenho entrou em sua sala

    No comeo do ano tivemos a

    idia de usar o caderno de desenho.

    Pedi que os pais trouxessem de casa

    um caderno com pginas brancas para

    seus filhos e esperei at que todas as

    crianas tivessem o seu. Ento deixei

    que elas colocassem etiquetas com

    seus nomes. Ofereci momentos para

    que fizessem seus desenhos, a princ-

    pio livres, at acharmos um objetivo.

    Foi ento que a Ana, formadora de

    nossa equipe, pediu que eu deixasse o

    caderno num canto da sala para que

    as crianas desenhassem quando

    quisessem. Em apenas um dia as

    crianas desenharam o caderno

    quase todo. Ento dei tambm

    folhas de sulfite: quando termina-

    vam suas produes, guardavam

    dentro de uma pasta.

    Achei mais interessante traba-

    lhar com caderno de desenho por-

    que assim pude observar como as cri-

    anas foram evoluindo. Eu no tinha

    uma seqncia de propostas para o ca-

    derno, mas olhando-o agora, diante

    dos registros de uma semana, pude ver

    como as produes mudaram: dese-

    nhos mais detalhados, coloridos, com

    temas diversificados. s vezes eu per-

    guntava se queriam mudar algo. Geral-

    mente no queriam,de tanto que apre-

    ciavam os trabalhos.At mesmo as cri-

    anas que no comeo tinham dificul-

    dades j conseguiam fazer um desenho

    melhor. Ao fim da atividade elas guar-

    davam o material com mais autono-

    mia, dizendo sempre:esse meu, dei-

    xa que eu guardo.

    Acho que as crianas tero uma

    boa recordao quando sarem daqui,

    levando embora seus cadernos com

    tantos desenhos. Maria Aparecida dos Santos,

    Mo Cooperadora.

    Bibliografia:

    Arte na sala de aula. Escola da Vila.

    Ed.Artmed.Tel.: (11) 3062-9544.

    Aprendiz da arte, trilhas do sensvel

    olhar-pensante. Miriam Celeste

    Martins. Espao Pedaggico.

    Tel.: (11) 5505-1135

    Ficha tcnica:

    A anlise dos cadernos de desenho foi uma das

    estratgias formativas propostas por Ana B. Guedes

    Brentano, como parte de seu projeto de formao nas

    creches da Mo Cooperadora Obras Sociais e Educacionais e Creche

    Maria Natividade Machado. Participaram dessa experincia Mrcia Helena

    da Silveira, professora da turma de 3 a 4 anos, e Maria Aparecida dos

    Santos, professora do pr.

    Mo Cooperadora Obras Sociais e Educacionais: Rua Prof. Francisco

    Marques de Oliveira Junior, 151, Jd.Trs Coraes, Santo Amaro, 04855-

    340.Tel.: (11) 5933-3982, fax: 5528-5738, [email protected]

    Creche Maria Natividade Machado Sociedade Beneficente So

    Camilo: Rua Ernesta Fracarolli,50, Jd. So Rafael, 04860-060,

    Tel.: (11) 5972-5120

    Apoio:

    Reflexes do formador 1

    22

  • Uma carta para Inos CorradinO artista que no pra de pintar

    Aproximar crianas da produo dos artistas j uma prtica bastante comum naeducao. Nomes como Picasso, Mir,Volpi e Tarsila so freqentemente explorados e trazemum fato em comum: todos produziram num tempo passado. Ser que as produes artsticas

    so mais consideradas depois que seu autor morre? E as obras de arte produzidas por artistasvivos? Essas preocupaes das educadoras levaram crianas de 4 a 5 anos a conhecerem Inos

    Corradin, artista que trabalha nos dias de hoje.Denise Nalini e Maria Helena da Silva

    or que importante que a cri-

    ana entre em contato com as

    obras dos artistas? Essa a pergunta de

    muitos educadores. Para responder, po-

    demos recorrer a uma comparao: va-

    mos pensar em situaes de leitura.

    Ningum duvida que, para uma criana

    se tornar uma leitora interessada e po-

    der escrever textos com qualidade, ela

    precisa conhecer diversos textos. O

    mesmo acontece com a capacidade de

    representar por meio de linguagens

    plsticas: para construir modos diferen-

    tes de pintar, desenhar, esculpir, mode-

    lar, pensar e fazer em arte, a criana

    precisa entrar em contato com a diver-

    sidade de produes artsticas. O re-

    pertrio de imagens , para a criana,

    uma fonte de referncia muito impor-

    tante. Ao conversarmos sobre o modo

    como determinado artista fez seu tra-

    balho, ao experimentarmos seus proce-

    dimentos, damos s crianas mais uma

    oportunidade de alimentar um repert-

    rio interno que ser fonte inspiradora

    para novas pesquisas sobre desenho,

    pintura, escultura etc.

    Muitos educadores, reconhecendo

    essa necessidade, tratam de apresentar

    s crianas alguns dos nomes mais fa-

    mosos do mundo da arte: Mir, Picasso,

    Tarsila, Volpi, entre outros. Essas pro-

    postas ficam, muitas vezes, restritas

    observao e ao conhecimento da arte

    constituda como tal, reconhecida pelos

    crticos e pela histria da arte.Tal inicia-

    tiva, quase sempre, leva a trabalhar com

    artistas que j morreram. Mas ser que

    a pintura, por exemplo, s vira obra de

    arte depois que seu autor morre? E to-

    da a produo de arte e da pesquisa em

    atelis que acontecem hoje? Essa produ-

    o tambm deve estar no horizonte da

    criana para que possa ampliar o con-

    ceito de arte e reconhec-la como uma

    manifestao presente no seu tempo,

    que continua a movimentar-se e no est

    apenas nos museus e nas pginas dos li-

    vros. No contato com o artista, pode-

    mos ouvir e ver sua prpria anlise do

    que faz, seus problemas, suas solues.

    Essa reflexo levou Ana Benedita

    Guedes Brentano, formadora do Ins-

    tituto Avisa l, e Maria Helena da Silva,

    professora da creche Mo Cooperado-

    ra, a procurarem outras referncias

    possveis e interessantes para as crian-

    as. Foi assim que encontraram Inos

    Corradin. A seguir, a professora Maria

    Helena nos conta como promoveu esse

    encontro:

    Para apresentar Inos Corradin s

    Vivo e atuante, Inos Corradin nasceuna Itlia em 14 de novembro de 1929, epor l iniciou seus estudos de pintura comgrandes mestres italianos.Aos 21 anos mu-dou-se para o Brasil e instalou-se em Jun-dia, So Paulo, tendo, logo cedo, integradoo grupo de pintores cooperados de diver-sas regies. Em 1953 sua carreira deu umimportante salto com a viagem Bahia: seuobjetivo era apresentar sua obra,TrinidadeLeal, mas sua estada por l acabou lhe ren-dendo muitos outros frutos. Manteve con-tato com msicos e artistas plsticos atu-antes na poca, um grupo do qual faziamparte Mario Cravo Jr.,Rubens Valentin,Agui-naldo dos Santos, Carib, Dorival Caimmy,Jenner Augusto,Wilson Rocha e Mirabeau.

    No ano seguinte, recebeu uma pro-

    posta que abriu novasportas para seu trabalho:foi convidado para fazerparte do grupo que con-cebeu a cenografia parao Bal do IV Centenriode So Paulo. Depois de anos de trabalhocomo cengrafo, Inos mudou-se paraIbina, no interior de So Paulo, onde re-tomou a pintura. Casou-se, teve trs filhose continua trabalhando at hoje. Suas obrasesto espalhadas pelo mundo todo, fazen-do parte de colees particulares na Itlia, Frana, Holanda, Blgica, Alemanha,Sua, Israel e ustria, onde esteve recen-temente, como contou para as crianas dacreche da entidade Social Mo Coope-radora.

    Inos Corradin o artistaque responde s crianas

    P

    Sustana

    23

  • crianas, levamos para a sala do grupo

    algumas de suas imagens, em xerox

    colorido, e as distribumos entre elas.

    Que feio ! disse Regiane, uma

    das crianas da turma, estranhando a

    reproduo de O Equilibrista Olha!

    Ele tem um passarinho no p!

    Eu tambm posso pr um passa-

    rinho no meu p disse Larissa.

    Voc no pode, o passarinho voa!

    retrucou Alessandro, provocando a

    turma, que se ps a imitar o equilibrista

    andando com um p s.

    Mas o que a turma gostou mesmo,

    foi de Flores com Fundo de Mar.

    Como ele pintou no fundo do

    mar? quis saber Raquel.

    J vi um homem dentro de uma

    caixa no mar. O Inos deve ter feito o

    mesmo disse Gabriel.As crianas de-

    senvolveram tanta intimidade que o

    chamavam de Inos.

    Depois de algum tempo aprecian-

    do e pintando sob a inspirao de suas

    obras, resolvemos escrever uma carta

    ao artista contando que j o conheca-

    mos e que gostvamos de sua pintura.

    As crianas ditavam o que queriam es-

    crever na carta e eu ia colocando na

    lousa.Terminada a escrita, passamos a

    limpo numa folha de papel e pedimos

    a um funcionrio da creche

    que digitasse no computa-

    dor. Lemos o texto uma ltima

    vez para que o grupo revisasse.Assina-

    mos a carta e junto enviamos duas fo-

    tos da turma e duas das pinturas feitas

    pelas crianas naquele ms.

    No espervamos que ele pudesse

    de fato responder, pensvamos que de-

    veria ser muito ocupado. Mas foi uma

    surpresa geral quando o carteiro veio

    creche trazendo o envelope. Estava es-

    crito no lugar do remetente: Inos Corra-

    din. Levamos a carta para a sala de aula e

    a lemos para as crianas (veja box).

    Animados com o resultado de

    nosso trabalho, organizamos, no final do

    semestre, uma exposio com todas as

    pinturas das crianas. E ficou muito

    bonita! Obrigada, Inos Corradin!

    Bibliografia:

    Brazilian Art Book. G&A editorial.

    Tel.: (11) 3811-9550

    Ficha tcnica:

    As reprodues de Inos Corradin foram levadas pela formadora

    Ana B. Guedes Brentano, do Instituto Avisa l, como parte do projeto

    de formao que desenvolve na creche da Mo Cooperadora, Obras

    Sociais e Educacionais. Maria Helena da Silva a professora do jardim, responsvel

    pelo trabalho da turma desde a escrita da carta at a exposio final, contando com

    o apoio da coordenadora pedaggica Mnica G.Alves.

    Mo Cooperadora Obras Sociais e Educacionais: Rua Prof. Francisco Marques

    de Oliveira Junior, 151, Jd,Trs Coraes, Santo Amaro, 04855-340

    Tel.: (11) 5933-3982, fax 5528-5738, [email protected]

    No respondi antes a gratificante carta que vocs me mandaram e que me entusiasmou

    muito porque estava viajando no exterior com uma exposio (Vou novamente, agora, dia 31

    de agosto, numa exposio na ustria).Agradeo infinitamente e me sinto orgulhoso que

    vocs gostem da minha pintura. Quando voltar de viagem me porei de novo em contato com

    vocs e quem sabe, ns nos conhecemos pessoalmente. Darei para vocs bastante material

    sobre a minha carreira artstica. Prometo tambm um quadro para a escola logo depois que

    voltar, em outubro. Bons estudos e grandes beijos a todos vocs junto com as professoras.

    Do amigo

    Inos Corradin

    Ps. Parabns para Larissa por seu belo quadrinho

    Flores com Fundo de Mar e para Regiane por seu

    Equilibrista.

    Beijos

    Inos Corradin

    Queridos meninos e queridas Mnica e professoras,

    Sustana

    24

    Apoio:

  • 25

  • iscutir questes relativas a nos-

    so trabalho uma das melho-

    res formas de aprender mais sobre o

    fazer pedaggico.Aqui, no Centro de

    Educao Infantil Adolfo Lutz, costu-

    mamos nos reunir, professores e

    equipe tcnica, para discutir as-

    pectos do trabalho, a partir de de-

    mandas que detectamos no grupo.

    Um exemplo recente G,

    uma das professoras que levantou

    uma questo interessante: comen-

    tou sobre crianas que j so artis-

    tas desde pequenas, e que dese-

    nham muito bem.

    Disse que no po-

    demos considerar

    os trabalhos

    que as cri-

    anas fazem

    como obras

    de arte, pois

    o artista estuda

    para se aperfei-

    oar no que faz. No

    me convenci completa-

    mente. Mais tarde, pen-

    sando nisso, conversei

    com Adriana Klisys2, que nos d super-

    viso. Retomei a questo: crianas so

    artistas? E ela respondeu-me: No exa-

    tamente. Da mesma forma que no di-

    zemos que a criana escritora, no sentido

    profissional do termo, tambm no di-

    zemos que artista. Mas a criana um

    pouco artista de certa maneira. O artista

    no s estuda, como tambm cria novas

    formas, novos jeitos de olhar para a reali-

    dade, transformando-a em sua prtica. Ele

    cria uma proposio potica: seu trabalho

    tem intencionalidade, pesquisa conceitual e

    procedimental, busca um aprimoramento

    constante. Penso que podemos dizer que

    a criana tem intencionalidade e pesquisa

    procedimentos, entretanto o produto do

    que faz no tem status de produo ar-

    tstica, tal como entendemos a arte em

    nossa sociedade, embora possamos con-

    siderar que existem produes de crian-

    as superiores a de muitos que se dizem

    artistas.

    Ento, se a criana no artista

    mas est em formao, convm que o

    professor alimente seu processo, fa-

    zendo propostas que a levem a dese-

    nhar melhor.

    A problematizao dasintervenes

    Planejar boas situaes de aprendi-

    zagem a partir da atividade de desenho

    no simples. Exige do professor a an-

    lise das produes das crianas e aten-

    o a seus processos de criao. Pensei,

    principalmente, na questo que a G,

    professora da turma de 2 a 3 anos,

    trouxe para a superviso. Ela contava

    sobre sua experincia com a interfe-

    rncia grfica (veja box) que props s

    crianas:

    Para alem do Reflexes do formador 2

    desenho livreQuando a interferncia ajuda as crianas

    1 Psicloga e coordenadora pedaggica do Centro de Educao Infantil Adolfo Lutz.2 Formadora do Instituto Avisa l.

    Interferncia toda ao do pro-

    fessor capaz de modificar o percurso cria-

    dor da criana. Quando bem pensada po-

    de ajud-la a avanar em algum aspecto

    de sua produo. possvel interferir de

    diversas formas.

    A interferncia grfica, como as apre-

    sentadas por Ana Cristina, um tipo de

    proposta que traz alguma marca no su-

    porte oferecido s crianas. Pode ser re-

    cortes de imagens revistas, figuras reti-

    radas de catlogos de arte, jornal etc.

    ou mesmo xerox, linhas, pontos, curvas,

    algo que convide a criana a procurar

    uma soluo para continuar desenhando.

    O que uma interferncia

    D

    Desenhar no uma atividade inata, mas aprendida.As crianas pequenas podeminiciar uma formao artstica desde que encontrem um professor que alimente seus

    processos. Para que ele possa fazer propostas significativas e tomar decises adequadas aoque pretende ensinar, precisa conhecer o percurso criador das crianas e regular as

    interferncias de acordo com as reais possibilidades de aprendizagemAna Christina Romani 1

    26

  • Tive o maior trabalho de separar fi-

    guras de revistas, escolhi uns carros gran-

    des, colei metade da folha de sulfite, e as

    crianas s rabiscavam em cima.

    Quando ela me disse isso, fiquei

    pensando: ser que ela esperava que as

    crianas dessa idade fizessem o restan-

    te do carro? Percebi, ento, que talvez

    houvesse alguns mal-entendidos sobre

    como trabalhar com interferncias.

    Quando interferimos, devemos saber

    qual o nosso objetivo, nossa inteno,

    para que tenhamos condies de ela-

    borar propostas mais adequadas ao

    que as crianas podem aprender. Mas

    ser que todos sabem quando a inter-

    ferncia grfica ajuda?

    Pensando nisso, organizei um en-

    contro de formao e selecionei algu-

    mas estratgias para levantar a questo

    com todo o grupo.

    A tematizao da produode desenhos

    Inicialmente propus a leitura de um

    texto selecionado por mim, que falava

    sobre possibilidades de trabalho com

    interferncias. Levei, ento, alguns e-

    xemplos de interferncia e pedi ao gru-

    po que as avaliasse, apontando as dife-

    renas entre elas. Tambm preparei al-

    gumas folhas de sulfite com interfern-

    cias grficas3, algumas boas, outras no,

    para que as professoras desenhassem a

    partir dali. Primeiro trabalharam com

    suportes e figuras inadequados pro-

    posta que eu tinha. Todas reclamaram

    do material:

    Assim no d, no tem espao para

    fazer nada! disse uma delas.

    O que voc quer que eu desenhe

    aqui? No tem um papel maior? pediu

    a outra.

    Ento, em meio a isso tudo, uma das

    professoras lembrou que as crianas fa-

    ziam aquilo e no reclamavam de nada.

    Aproveitei para perguntar se elas acha-

    vam que as crianas ficavam satisfeitas

    com suas produes. Uma delas disse

    que achava que no, mas tambm no ti-

    nham como reclamar, pois recebiam a-

    quela nica proposta. E ainda:

    A gente nem pensava se era uma

    proposta boa, que ajudava no desenvolvi-

    mento do desenho.

    Depois dessa discusso, passei as

    folhas com interferncias melhores. Es-

    sa proposta foi melhor avaliada, porque

    tinha gravuras mais definidas, mais espa-

    o, oferecendo mais oportunidades de

    criao, como vemos a seguir. Conclu-

    mos que preciso pensar em boas in-

    terferncias, seno vamos continuar

    nos frustrando com os resultados.

    Quando a interferncia pode ajudar

    Partimos para a anlise da questo

    dos desenhos feitos pelas crianas. Per-

    guntei se era possvel propor, para to-

    das as idades, interferncias como aque-

    las que tnhamos visto h pouco. Salete

    e Seb (educadoras) disseram que no,

    pois as crianas s riscam o papel. A

    Ftima, professora do grupo de crianas

    de 2 a 3 anos, achava que era possvel.

    Ento ela e sua companheira de sala,

    Irene, apresentaram as propostas com

    interferncia grfica que haviam feito

    para sua turma. Elas colaram um trin-

    gulo na folha e, antes de entreg-la s

    crianas, fizeram com a classe uma

    apreciao do calendrio do Volpi. As

    professoras esperavam que elas comple-

    tassem os desenhos geomtricamente,

    mas no foi isso que produziram, como

    vemos nos exemplos da pgina seguinte.

    Propus, a partir da, a anlise do

    grafismo. Li o texto Fases evolutivas do

    desenho infantil, do volume I do livro Pro-

    fessor da pr-escola e passei cpia para

    todas as professoras. Pedi que obser-

    vassem os exemplos do texto e compa-

    rassem com o resultado da interfern-

    cia inspirada em Volpi. Perguntei se aqui-

    lo tinha alterado a produo das crian-

    as. Ser que elas de fato utilizaram a

    interferncia para fazer o desenho?

    Tambm possvel interferir quanto

    ao suporte, definindo a superfcie, bi ou

    tridimensional, que ser trabalhada pela

    criana. possvel variar tanto o forma-

    to quanto o tamanho, bem como a es-

    pessura e a textura, levando a criana a

    mudar estratgias e a buscar caminhos

    diferentes para adequar-se condio

    imposta pelo suporte.

    Por fim, o professor tambm po-

    de interferir quanto aos meios que

    vai oferecer, variando tipos de lpis,

    giz e outros riscantes que exigem da

    criana tratamento e procedimen-

    tos bem diferentes. 3 A edio no 6 de avisa l trouxe exemplos desse tipo de interferncia.

    27

  • 28

    Algumas disseram que no, porque a

    maioria s fez rabiscos. Outras acharam

    que as crianas utilizaram a interfern-

    cia colocada no papel, mas no como as

    professoras esperavam.

    Passamos ento a analisar a fase em

    que cada desenho estava. Usei a seguinte

    estratgia: mostrei os 20 traos bsicos,

    segundo a autora Rhoda Kellogg (veja

    box), e pedi que avaliassem os desenhos

    das crianas trazidos por elas,procurando

    identificar ali os que j faziam. Ento reto-

    mei a pergunta:para qual grupo, baseado

    no que disseram, poderamos trabalhar a

    expectativa de completar o desenho

    dessa forma, geometricamente? As pro-

    fessoras perceberam que as crianas de 1

    a 3 anos no conseguem atender a este

    tipo de proposta.

    Conclumos que a interferncia aju-

    da a criana a desenhar melhor, mas

    preciso adequar a proposta ao tipo de

    trabalho grfico em que ela vem se em-

    penhando. Oferecer uma folha com me-

    tade da figura de um carro ou de um

    rosto, por exemplo, esperando que cri-

    anas to pequenas possam complet-

    lo, no parece uma boa proposta, pois

    coloca um nvel de desafio que fica fora

    da real possibilidade da turma.

    Por fim, disse que havia muitas pos-

    sibilidades de interferir nas produes

    infantis: podamos propor interferncias

    quanto forma, ocupao do espao,

    aos tipos de trao, ao colorido, intensi-

    dade, suavidade, maneira de utilizar o

    material etc.Tudo vale a pena e pode ser

    interessante desde que o professor saiba

    com clareza as razes que esto por trs

    de suas propostas. Para quem quiser a-

    preciar e discutir, apresentamos a seguir

    uma pequena galeria. (pgs. 30 e 31)

    Reflexes do formador 2

    As crianas de 2 a 3 anos, nesses exemplosno atendem expectativa da professora de completar as figuras geometricamente;no entanto, elas interferem nas imagenscomo podem.

    Crianas que j figuram enfrentam outro tipo de desafio nas propostas, como estas que sugerem a continuidade da imagem.

  • Durante as dcadas de 60 e 70, o

    desenho infantil foi tema de muitas pes-

    quisas. Entre os estudiosos, destacamos

    Rhoda Kellogg, que analisou desenhos

    de crianas de diferentes idades, em

    vrios lugares do mundo. Rhoda des-

    cobriu traos bsicos, formas de ocu-

    pao do espao e jeitos de combinar

    presentes em muitas das produes,

    mostrando que h uma certa regulari-

    dade e uma tipologia de elementos bsi-

    cos em qualquer tentativa de represen-

    tao simblica, seja infantil ou adulta.

    Segundo sua pesquisa estes so os tra-

    os bsicos:

    Bibliografia

    Analisis de la expression plstica del

    preescolar. Rhoda Kellogg. Ed. Cincel.

    (esgotada, encontra-se apenas em

    bibliotecas).

    Professor da Pr-Escola. Monique

    Deheinzelin e Zlia Cavalcanti.

    Ministrio da Educao Fundao

    Roberto Marinho.

    1. Ponto2. Linha vertical simples3. Linha horizontal simples4. Linha diagonal simples5. Linha curva simples6. Linha vertical mltipla7. Linha horizontal mltipla8. Linha diagonal mltipla9. Linha curva mltipla10. Linha errante aberta11. Linha errante envolvente12. Linha ziguezague ondulada13. Linha com um s lao14. Linha com vrios laos15. Linha espiral16. Crculo sobreposto de linha mltipla17. Crculo com uma circunferncia de linha mltipla18. Linha circular estendida19. Crculo cortado20. Crculo imperfeito

    Conhecer os rabiscos que as crianas fazem, bem como os percur-

    sos individuais de cada uma, ajuda o professor a compreender o traba-

    lho das crianas, podendo tomar decises que impliquem num avano

    das aprendizagens de sua turma.

    Traos bsicos dos desenhos infantis

    Julia, 5 anos

    29

  • 30

    Reflexes do formador 2

    Galeria

    Ana Luiza, por sua vez, noutilizou a imagem, como um parde olhos, e sim botes queenfeitam a roupa de suamenininha, parecendo um cinto.

    A imagem dos olhos de um felino sugeriu aRodrigo um enorme inseto, parecido com ospersonagens de fico das histrias em quadrinho.

  • 31

    Leonardo, da EscolaLogos, tem apenas 3anos mas j trabalha apartir de interferncias.Lucila, sua professora,colou um obstculo nocentro de uma folha decartolina de 50cm x 33cm. Estainterferncia levouLeonardo a expandirseu gesto para ocupartodo o espao, comovemos nessa garatuja.

    E, finalmente, a partir da imagem do vaso,vemos Lucas brincar com o equilbrio,continuando uma imagem alongada,acompanhando o sentido do papel, que elefez questo de utilizar em toda sua longitude.

    Daniel, diante de uma bela imagem arquitetnica,preocupou-se mais com a cor do que com a forma,tratando de combinar os tons dourado e prateadocom as tonalidades que a imagem trouxe.

  • H quem diga que, em matria de educao, no existem receitas. De fato, mais importantedo que o passo a passo, so as concepes de ensino e aprendizagem que esto por trs de

    cada passo, o grau de abertura que oferecem e, principalmente, o reconhecimento ao processodas crianas. Esses so ingredientes imprescindveis para se respeitar as condies de uma boa

    situao didtica. Como a que se ver a seguir, apresentada com graa, como uma boareceita, para desenvolver propostas de produo e reviso de texto com crianas de 5 anos

    Denise Milan Tonello1

    o colgio Nossa Senhora do

    Morumbi Mopyat, crianas de

    5 anos dedicaram parte de seu tempo

    pesquisa e escrita de uma enciclopdia

    das profisses, contando com verbetes

    explicativos de cada uma das profisses

    pesquisadas, como, por exemplo, a do

    padeiro. No incio, muitas crianas no

    sabiam ao certo o que de fato este

    profissional fazia:

    Padeiro que trabalha na padaria!

    disse Lus Felipe.

    Mas fazendo o qu? perguntei.

    Po, u! respondeu Gabriel

    Silveira.

    Mas ele dono da padaria, o

    padeiro... contou Camila.

    , para ser padeiro tem que ser o

    dono da padaria... confirmou Patrcia.

    O padeiro faz e vende o po!

    concluiu Andr Parise.

    No me preocupei com informa-

    es incorretas, do ponto de vista a-

    dulto. Sabemos, por exemplo, que o pa-

    deiro no o dono da padaria e nem

    vende, apenas faz o po. Mas, naquele

    momento, mais do que saber os fatos

    corretos, queramos que as crianas

    pesquisassem e descobrissem, a partir

    de seus questionamentos, as informa-

    es de que precisavam. Uma visita

    padaria e uma entrevista com um profis-

    sional garantiram as informaes neces-

    srias para melhorar os textos

    iniciais produzidos por elas.

    Pode parecer simples, mas, de

    fato, esta proposta muito ela-

    borada se considerarmos que

    as crianas precisam buscar in-

    formaes e transmiti-las fa-

    zendo uso da linguagem que se

    escreve, muito diferente da fa-

    lada no dia-a-dia.

    Para os leitores de avi-

    sa l, ofereo minha recei-

    ta, cheia de observaes,

    detalhes e com a vivaci-

    dade de uma experi-

    ncia bem-sucedida.

    Tempo Didtico 2

    Finalmente uma receita!

    32

    1 Professora de educao infantil do Colgio Nossa Senhora do Morumbi-Mopyat.

    N

  • Ingredientes:

    Um texto escrito sobre a profisso de padeiro a partir do

    conhecimento prvio das crianas.

    Programao de visita a uma padaria para a realizao de

    pesquisa de campo com o profissional a ser entrevistado, no

    caso o padeiro.

    Elaborao de perguntas, por parte das crianas, para

    conhecerem mais sobre a profisso.

    Uma entrevista propriamente dita, com direito a gravador, lpis, papel, perguntas na ponta da lngua e

    mquina fotogrfica.

    Produo de um novo texto a partir de todo o conhecimento adquirido.

    Alguns recursos de produo de imagens relacionados com os textos: desenhos de observao indireta,

    direta, de memria, com textura etc.

    Algumas leituras de textos que dem informaes passo a passo (como dobraduras em origami, confeco

    de algo relacionado com artesanato etc.) para que possam produzir legendas explicativas para as fotografias

    e mostrar cada etapa de como o padeiro faz o po.

    Tempo de preparo:

    Algumas semanas incrementadas de muita leitura, entrevistas e boa

    vontade para inmeras revises.

    Modo de fazer:

    1 Divida as crianas em grupos pequenos e pea que escrevam o que sabem sobre tal profisso. Escolha umacriana j alfabtica para ser a escriba e deixe que as demais do grupo tenham a funo de ditar. Desse

    modo, as crianas j alfabticas iro preocupar-se com o como escrever, enquanto as outras, produtoras

    do texto, iro preocupar-se com o contedo do mesmo.

    2 Pea s crianas que leiam ao grupo o que produziram. Reserve e deixe este texto descansar por algumtempo. Comece, ento, a preparar o recheio.

    3 Marque a visita a uma padaria prxima e informe ao grupo. Explique que o padeiro vai dar uma atenoespecial a todos, num momento de trabalho, e que, portanto, ser preciso preparar algumas perguntas para

    que no se corra o risco de ficar sem saber o que fazer.

    33

    Receita

  • A percepo da importncia de pla-

    nejar a entrevista muito importante

    para a qualidade da produo do texto

    e para a construo de uma postura de

    investigador. Antes de sair com as cri-

    anas para a padaria, eu retomei com o

    grupo o que sabiam at ento, registra-

    do nos primeiros textos, a fim de escla-

    recer a tarefa de cada um e decidir o

    que perguntaramos ao padeiro. As cri-

    anas elaboraram perguntas sobre as

    informaes que estavam gerando con-

    flitos no grupo justamente por no te-

    rem certeza do que o padeiro faz real-

    mente. Aps a retomada dos textos

    iniciais produzidos pelos grupos, as

    crianas concluram que estas deveriam

    ser as perguntas ao padeiro:

    Voc faz e vende o po ou s faz?

    Voc que faz o bolo na padaria ou

    existe outra pessoa?

    Como chama a profisso de quem faz

    o bolo?

    Como voc faz o po?

    Quanto tempo leva para fazer

    o po?

    Quantas vezes voc faz po num

    dia?

    Quantos pes saem numa fornada?

    O que mais voc faz na padaria sem

    ser po?

    4 Registre cada pergunta da entrevistanum papel e divida (em partes i-

    guais) o que cada criana ir pergun-

    tar. Como as crianas desde muito

    pequenas j percebem a funo da

    escrita, voc pode se deparar com

    sugestes como esta, da Maria Fer-

    nanda:

    Por que voc no escreve a pergunta

    de cada um no papel e deixa a gente es-

    tudar em casa?

    5 Leve o grupo de crianas interessado,lpis, papel, gravador e muita empol-

    gao. Chegue padaria e acrescente

    tudo isso, aos poucos, do contrrio

    voc corre o risco de as crianas fa-

    larem todas de uma vez e no conse-

    guirem ouvir o que est sendo res-

    pondido e explicado pelo profissional

    entrevistado.

    Em nossas visitas, as crianas se

    queixaram um pouco do calor dos for-

    nos da padaria, mas, aps a entrevista,

    pareciam estar comendo um po dife-

    rente, com outro sabor, uma vez que ti-

    veram a oportunidade de auxiliar no

    seu preparo.

    6 De volta classe, pegue o texto queestava reservado e releia-o para o

    grupo. hora de reche-lo! No mes-

    mo instante as crianas percebero

    que h informaes incorretas, como

    aconteceu em minha turma:

    Ah, ele no vende po disse An-

    dr Carvalho.

    Ele s trabalha fazendo o po!

    completou Maria Fernanda.

    E ento, ser a hora de escrever um

    novo texto, desta vez com a professora

    como escriba.

    7V retomando as perguntas que fo-ram feitas, para dar continuidade ao

    recheio do texto, como fizemos em

    grupo:

    Como se chama a profisso de

    quem faz o bolo? perguntei.

    Confeiteiro disse Juliana.

    melhor escrever no texto de outra

    profisso! concluiu Luiz Gustavo.

    Ele faz confeitos! completou

    Beatriz.

    E o que so confeitos? perguntei.

    bala, brigadeiro, docinho... enu-

    merou Brbara.

    E o confeiteiro tambm confeita e

    enfeita bolos! concluiu Patrcia.

    8 Para registrar corretamente passo-a-passo como se faz o po, pergunte ao

    grupo o que podemos fazer, que logo

    surgir uma sugesto como a do

    Lucas:

    Vamos ouvir o gravador, no foi pra

    isso que a gente gravou?

    9 Faa intervenes pontuais para queas crianas percebam a necessidade

    de explicar cada detalhe destes pro-

    cedimentos.

    Vocs j tinham visto algum colocar

    gelo numa massa de po? No melhor

    explicar para que serve? pontuei.

    Escreve que para a massa no

    ficar quente! disse Beatriz, ajudando a

    completar o texto:

    (...) O GELO NO DEIXA A

    MASSA FICAR QUENTE.

    DEPOIS ELE PE TODOS ESSES

    INGREDIENTES...

    Ateno: importante ressaltar

    constantemente para as crianas a preo-

    cupao com o leitor deste texto: pre-

    ciso que elas se faam compreender a-

    travs da escrita, pois no estaro pre-

    sentes, ao lado do leitor, para explicar

    melhor. Desse modo, portanto, estaro

    percebendo e fazendo uso de uma im-

    portante funo da escrita.

    10Voc ver que, no tempo em que fi-cou descansando, o texto cresceu

    muito. Continue anotando cada de-

    talhe, como fizemos:

    34

    Tempo Didtico 2

    Por que importanteplanejar com as crianas

  • OS INGREDIENTES VIRAM UMA

    MASSA E ESSA MASSA VAI PARA

    UMA OUTRA MQUINA: A CILIN-

    DREIRA. A CILINDREIRA ABRE A

    MASSA PARA DEIXAR BEM GRAN-

    DE E LISA li para o grupo.

    FUNCIONA QUE NEM O ROLO DE

    ABRIR MASSA QUE A NOSSA ME

    USA, S QUE BEM MAIS RPIDO

    PORQUE UMA MQUINA con-

    tribuiu Beatriz na tentativa de explicar

    melhor o que era a cilindreira.

    A MASSA VAI PARA A MESA DE

    MASSA PARA DESCANSAR, continu-

    ou Lo.

    E O PADEIRO COBRE PARA

    NO RESSECAR completou Cludia.

    Mas cobre a massa com o qu?

    Perguntei.

    Cobre com um plstico, completa

    que com um plstico! Gabriel Ghion.

    DEPOIS ELE CORTA A MASSA

    EM PEDAOS ditou Henrique.

    Mas pedaos bem iguais! advertiu

    Lus Felipe, propondo uma nova forma

    de escrever: (...) CORTA A MASSA EM

    PEDAOS BEM IGUAIS E JOGA NU-

    MA MQUINA QUE ENROLA OS

    PEZINHOS.

    E CADA PO FRANCS TEM

    QUE PESAR 50 GRAMAS. O PADEIRO

    CORTA A MASSA COM A MO E OS

    PEZINHOS SAEM DO MESMO TA-

    MANHO; TEM QUE TER MUITA PR-

    TICA concluiu Cludia, retomando no-

    vamente a fala do padeiro no gravador.

    11 Depois do texto pronto, passe para afase final da receita: increment-lo,

    confeit-lo, dar o acabamento. As cri-

    anas precisam agora revisar o texto

    que escreveram, tornando-o mais bo-

    nito, de acordo com as regras da lin-

    guagem que se escreve e elaborando

    questionamentos relacionados com a

    produo do mesmo (combinao de

    tempos verbais, pontuao, palavras

    repetidas etc.).Transcre-

    va o texto produzido an-

    teriormente para um

    cartaz grande ou uma

    transparncia e