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ESTUDO DE CASO Competitividade e rede de relações no território citrícola brasileiro: a concentração agroindustrial e o poder de negociação como elementos definidores Luiz Fernando Paulillo

ESTUDO DE CASO Competitividade e rede de relações no ... · representação deste território na produção total de laranja do país tem crescido. Segundo o FIBGE (Fundação do

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ESTUDO DE CASO

Competitividade e rede de relações no território citrícola brasileiro: a concentração agroindustrial e o poder de negociação como elementos definidores

Luiz Fernando Paulillo

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INDICE 1. Introdução ....................................................................................................................... 3 2. A citricultura no Brasil: regionalização e agroindustrialização................................. 4 3. Elementos definidores da crise citrícola brasileira.................................................... 17 3.1 A perda dos recursos financeiros e organizacionais dos citricultores no Brasil e a redução do poder de negociação de seus atores coletivos........................ 18 3.2 A estratégia de verticalização para trás da indústria citrícola processadora...................................................................................................................... 24 3.3 A terceirização agroindustrial e a redução dos direitos trabalhistas no território citrícola................................................................................... 26 4. Considerações Finais .................................................................................................... 30 4.1 Recomendações: por uma política pública citrícola no Brasil................................ 31 5. Bibliografia.................................................................................................................... 34 6. Anexo 1…………………………………………………………………………………40

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Luiz Fernando Paulillo1 1. Introdução O complexo agroindustrial citrícola brasileiro está localizado no cinturão da laranja, um território que abrange quatro microrregiões e dois estados – Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto (pertencentes ao estado de São Paulo) e o Triângulo Mineiro (pertencente ao estado de Minas Gerais). Desde a sua constituição, nos anos 60, o complexo citrícola apresentou forte concentração industrial, seja no processamento agroindustrial seja na indústria pesada específica para a citricultura. Este perfil oligopolista é um dos principais elementos definidores da competitividade da indústria cítrica brasileira no mundo e do processo excludente que os produtores de laranja brasileiros atravessam. Com a crescente concentração industrial, que chegou ao ápice em 1985 quando as quatro maiores empresas de suco possuíram cerca de 90% do processamento, a estabilidade das negociações entre produtores de laranja e empresas esmagadoras começou a ser abalada. Entre 1985 e 1990, as relações ainda foram estáveis, porque a instituição de um contrato padronizado de comercialização das caixas de laranja (40,8 Kg) facilitava as negociações. Entretanto, a manutenção da concentração industrial das grandes empresas (as 5 C’s - Citrosuco, Cutrale, Citrovita, Cargill e Coinbra) favoreceu o estabelecimento de estratégias empresarias que visaram a queda do poder de barganha dos citricultores frente a indústria. Este trabalho mostra que a efetivação das estratégias industriais resultou na brutal elevação do poder de negociação das empresas esmagadoras frente os citricultores no complexo citrícola brasileiro. Esse processo será explicado considerando o complexo agroindustrial citrícola uma rede de poder. A partir do início dos anos 80, com a crise fiscal do Estado e o crescimento dos atores privados na realização da política agroindustrial citrícola brasileira, consolidou-se uma rede de relações estratégicas neste complexo regionalizado. Isto é, o novo ambiente institucional e o crescente poder de negociação dos atores individuais e coletivos, seja da indústria seja da citricultura, permitiu o estabelecimento de um mecanismo de governança localizado, com especificidades institucionais. O trabalho mostra que, entre 1985 e 1991, as relações dos atores citrícolas se estabeleceram em torno de um contrato padronizado de compra e venda de laranja (matéria-prima industrial). Posteriormente, de 1991 em diante, a relação contratual padronizada entrou em crise e o mecanismo de governança se modificou lentamente, já que os contratos foram se tornando individuais. A mudança contratual é o primeiro reflexo desse processo de reestruturação institucional que o território citrícola atravessa, porque a alteração do mecanismo de governança justifica-se pelo aumento do poder de negociação da indústria frente à citricultura. Esse aumento do poder de negociação industrial justifica a crescente competitividade das grandes empresas brasileiras de suco concentrado no mercado internacional e o aumento do processo excludente no campo. Tal processo será mostrado a partir dos recursos financeiros, organizacionais e de informação. Veremos que a verticalização da produção de laranja pela indústria, através da compra de terras e plantio próprio, a redução de seus custos de transação, o controle de estoques elevados de suco concentrado e o achatamento que tudo isso provoca no

1 Doutor em Economia – Instituto de Economia da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas/Brasil). Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos – (UFSCar – São Paulo/Brasil).

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preço da caixa de laranja (40,8 Kg) do citricultor favoreceram a capacidade industrial de negociação no território citrícola brasileiro e a manutenção de vantagens competitivas no comércio internacional. Enfim, a indústria busca no território citrícola brasileiro a competitividade que o fluxo internacional de suco concentrado de laranja exige. Entretanto, esses recursos financeiros, organizacionais e de informação da indústria cresceram porque o poder de representação e de aglutinação do ator coletivo industrial (ABECitrus) se elevou. A unificação dos interesses industriais em torno de uma única associação profissional foi determinante. Principalmente porque a heterogeneidade de interesses da citricultura se manteve nos anos 90, com a atuação de três associações de interesses dos produtores de laranja, o que contribui para a dispersão estratégica do campo. Assim, a ação coletiva tornou-se fundamental para a busca dos recursos de poder da indústria cítrica e para a queda da capacidade de negociação dos produtores de laranja brasileiros. Assim, o principal objetivo do trabalho é o de mostrar que uma da principais conseqüências da reestruturação da rede de poder territorial citrícola no Brasil foi o crescimento das vantagens competitivas de suas grandes empresas processadoras no mercado internacional da commodity suco concentrado de laranja. E de que a nova configuração do processo concorrencial citrícola mundial, que será determinada pela comercialização de um novo produto (o suco de laranja pasteurizado), será caracterizada por novas vantagens competitivas dos grandes grupos econômicos brasileiros, principalmente o grupo Fischer (Citrosuco) e o Cutrale, já que os recursos de poder, em nível local, favorecem a competitividade em nível global. 2. A citricultura no Brasil: regionalização e agroindustrialização A citricultura foi um dos segmentos agropecuários que se integraram mais rapidamente na nova dinâmica agrícola brasileira (Kageyama et al, 1987). Ela se converteu em condição de acumulação da indústria de bens de capital a partir do final dos anos 60, através do intenso processo de regulação do Estado na agropecuária nacional. Foi no interior do Estado de São Paulo que a citricultura se modernizou para expandir a conexão com a indústria processadora de suco concentrado congelado, já que ambas tinham o mercado internacional como horizonte de acumulação. Assim, a integração entre a indústria e a citricultura ocorreu diante de dois importantes processos: o de industrialização da agricultura e o de agroindustrialização. Com a internalização do setor produtor de bens de capital para a agricultura no país e o crescimento da indústria de processamento de suco concentrado, a forma industrial de produzir predominou nos pomares do estado de São Paulo e os capitais industrial e financeiro passaram a determinar a dinâmica do complexo agroindustrial citrícola brasileiro, já localizado no interior paulista e totalmente voltado para o mercado internacional. Este complexo agroindustrial sempre se orientou para o fluxo tecnológico e produtivo da commodity suco concentrado congelado de laranja. Este se caracteriza pela complementaridade dinâmica dos segmentos industriais, agrícola e de serviços. Todas as inter-relações (linkage) são intensas, desde a indústria de bens de capital citrícola até o mercado final. A figura 4 ilustra o complexo citrícola e o fluxo tecnológico e produtivo que o caracteriza.

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- transporte- projeto e estimativa

de safra- apoio*

- mão-de-obra- transporte

- apoio*

laranja "in natura"

embalagem e

classificação

sucoração

interno externo

- processo- apoio*

*

ligações específicasligações não-específicas

manutenção, fiscalização, limpezacontábil, riscos, etc. .

insumos

política agrícolasegmentação rural

política industrial

insumospolítica agroindustrial

outros **segmentação de mercado

política agroindustrial

segmentação de mercadomercado financeiro

outros**

outros**

mercado financeirosegmentação de mercado

outros**

** armazenagem, comercialização, eletrificação inspeção, etc. .

macro-fatores econômicos

SERVIÇOS

SERVIÇOS

SERVIÇOS

óleo / essências D'limoneno

Agroindústria

Mercado Final

Agricultura

D1

,

Figura 1 Fluxo tecnológico e produtivo do complexo agroindustrial citrícola brasileiro Fonte: Elaboração do autor A estratégia da indústria pesada citrícola se orientou pela localização. As principais empresas instalaram-se no cinturão da laranja paulista, formado pelas macrorregiões de Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. As principais empresas de bens de produção citrícola no território são: FMC do Brasil Indústria de Comércio Ltda., Gumaco Equipamentos Ltda., Westafalia Separator do Brasil Ltda., Cocco Máquinas e Equipamentos S/A, Organização Industrial Centenário Ltda., SASIB S/A, Sociedade Industrial de Máquinas Alimentícias Ltda., Alfa Laval Equipamentos Ltda., ASVOTEC Termoindustrial Ltda. e APV do Brasil Indústria e Comércio Ltda. (Paulillo, 1994).

Bens de Capital

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Essa estratégia industrial foi motivada pelo volume crescente de produção de laranja no interior paulista e pela proximidade regional das grandes empresas de processamento. Desde os anos 60, a representação deste território na produção total de laranja do país tem crescido. Segundo o FIBGE (Fundação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Estado de São Paulo respondeu por cerca de 67% do total de laranja colhida no Brasil no ano de 1975, 81% em 1985, 82,24% em 1995 e 85,13% em 1998. A tabela 1 apresenta a participação dos estados brasileiros produtores de laranja nos últimos anos. Tabela 1 Evolução da produção de laranja no Brasil, 1995-99* Estado 1996 1997 1998 1999 Tonelada % Tonelada % Tonelada % Tonelada % São Paulo 14.557.938 82,02 15.465.44

0 82,72 15.064.460 83,07 16.478.00

0 85,13

Sergipe 680.682 3,83 709.855 3,80 760.150 4,19 509.000 2,63 Bahia 644.502 3,63 730.903 3,91 680.701 3,75 571.000 2,95 Minas 574.127 3,23 496.745 2,66 480.340 2,65 459.000 2,37 R. G. do Sul 344.855 1,94 360.967 1,93 348.111 1,92 361.000 1,87 Outros 948.603 5,35 932.783 4,98 800.464 4,42 978.000 5,05 Brasil 17.750.707 100,0

0 18.696.693

100,00

18.134.226 100,00 19.356.400

100,00

Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE) * Utilizada a conversão de 1 fruto igual a 163 gramas A produção de laranja do Estado de São Paulo está totalmente concentrada no cinturão citrícola, um território composto pelas macrorregiões de Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Sorocaba. A tabela 2 indica a representação produtiva deste território no Estado de São Paulo durante o período de constituição e consolidação do complexo agroindustrial citrícola. Pode-se notar que, ao longo dos anos, o cinturão responde por quase a totalidade da produção paulista de laranja. Tabela 2 Participação do cinturão citrícola no número total de pés (mil pés) e produção de laranja (mil caixas de 40,8 Kg) no estado de São Paulo - 1970/71 a 1996/97

Campinas

% Ribeirão

Preto % S. J. Rio Preto % Sorocaba Total %

Ano Pés Produção

Pés Produção

Pés Produção Pés Produção Pés Produção

70/71 32,95 38,26 43,64 40,87 14,89 10,65 --- --- 91,48 89,78 75/76 28,11 25,30 47,44 50,70 17,74 15,46 --- --- 93,29 91,46 80/81 25,79 26,59 44,36 39,04 25,08 28,72 --- --- 95,23 94,44 85/86 22,91 25,65 44,34 41,25 28,77 27,83 --- --- 96,02 94,73 90/91 23,28 27,48 40,35 38,06 30,24 30,36 --- --- 93,87 95,90 96/97 23,65 25,14 43,55 41,27 21,50 21,65 6,81 6,36 95,51 94,42 Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) A macrorregião de Sorocaba somente foi incluída no cinturão citrícola a partir de 1993/94, quando o grupo Votorantim passou a atuar neste complexo agroindustrial e sua rede de poder estendeu-se para uma nova macrorregião paulista. O mesmo ocorreu com o Triângulo Mineiro, que nos anos 90 passou a ser focado estrategicamente pela ABECITRUS (Associação Brasileira dos Exportadores de Citrus), apesar de sua baixa participação na produção total do território. As estimativas atuais da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo apontam para cerca de 381 milhões de caixas de laranja (40,8 Kg) colhidas na safra paulista de 1999/2000, enquanto o

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Triângulo Mineiro deverá colher apenas 7 milhões de caixas, o que representa apenas 1,8% do total produzido por todas estas macrorregiões somadas. Como vimos, a produção de laranja do cinturão ao longo das décadas oscilou entre 89% e 96% do total produzido no Estado de São Paulo. A macrorregião de Ribeirão Preto prossegue com a maior participação relativa do Estado de São Paulo, seja em produção de laranja (cerca de 41,3% do total em 1996/97) seja em número de pés de laranja (cerca de 43,5% do total em 1996/97). O predomínio da região Ribeirão Preto também é comprovado quando se toma o número de unidades industriais de processamento de suco aí localizadas na safra 1996/97: de um total de 16 empresas atuando no Estado de São Paulo, 11 estavam na macrorregião de Ribeirão Preto, gerando uma receita líquida de R$ 1,308 milhões, o que corresponde a cerca de 92% da receita líquida total da indústria processadora citrícola paulista (cerca de R$ 1,416 milhões) em 1996 (Belik, Bollinger e Graziano da Silva, 1999). Ao longo das décadas de formação do território citrícola, o volume crescente de produção de laranja e a existência de uma infra-estrutura tecnológica e industrial facilitaram a intensificação da circulação econômica nas cidades citrícolas e seus entornos, permitindo a constituição de uma estrutura específica de poder, a partir da constante troca de bens e serviços entre seus atores produtivos e o fenômeno da comutação no mercado de trabalho. A figura 2 ilustra as localizações das empresas processadoras de suco concentrado de laranja, o que fornece a primeira indicação da extensão territorial da rede de poder citrícola no país.

Figura 2 Localização das empresas processadoras de suco concentrado no território citrícola* Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA)

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* Aquisições e associações: 1977 – Citral e Tropisuco pelo Grupo Citrosuco; 1983 - Citromojiana e Citrovale pelo grupo Cutrale; 1988 – Frutropic pelo Grupo Dreyfuss-Coinbra; 1993 - Frutesp pelo Grupo Dreyfuss-Coinbra; 1993; Montecitrus (um poll de produtores) se associa à Cambuhy. Os segmentos produtivos da indústria de bens de capital, de prestação de serviços e de produção de laranja se concentraram em torno das plantas industriais processadoras de suco concentrado. Isso foi determinante para a consolidação de uma rede de poder neste território, já que as associações de representação de interesses foram surgindo paulatinamente2. As associações que surgiram ao longo dos anos foram as seguintes: Associação Paulista dos Produtores de Citrus (ASSOCITRUS), Associação Brasileira das Empresas Processadoras de Sucos (ABRASSUCOS), Associação Nacional da Indústria Cítrica (ANIC), Associação Brasileira dos Exportadores de Citrus (ABECITRUS), Associação dos Citricultores do Estado de São Paulo (ACIESP) e Associação Brasileira dos Produtores de Citrus (ABRASCITRUS)3. O Estado exerceu papel fundamental neste processo, com a formação de uma arena regulatória específica no âmbito da Câmara de Comércio Exterior (CACEX), concedendo subsídios à produção de laranja, financiando a instalação de plantas industriais e difundindo a pesquisa agronômica. Além do mais, o governo federal passou a incentivar as exportações através da isenção de impostos e do controle da taxa de câmbio, com as minidesvalorizações. Acabou instituindo uma série de subsídios às exportações, tornando as empresas agroindustriais lucrativas4. O próprio Estado estimulou a conexão da citricultura com a indústria processadora de suco concentrado no cinturão paulista da laranja, já que o mercado internacional tornou-se a orientação estratégica única do complexo agroindustrial que se constituía. Isto é, tanto o Estado e suas agências públicas como os atores privados (indústrias de processamento, de bens de capital e citricultura) guiaram todos os seus empenhos para a expansão das vendas internacionais de suco concentrado congelado de laranja. Nas décadas de 60, 70 e 80, os Estados Unidos foram o maior demandante deste produto brasileiro. Nos anos 90 o comportamento consumidor do mercado internacional se alterou e a Comunidade Européia tornou-se a principal demandante do produto, como indica a tabela 3. 2 Segundo Paulillo (2000), a rede de poder é definida por relações de recursos de poder e arranjos institucionais ocorridos em nível meso e que visam a atender a interesses ou demandas comuns. Podem ser cooperativos (com parceria ou envolvimento espontâneo) ou impostos por algum agente fortalecido em termos econômicos e políticos (firmas, grupos empresariais de um oligopólio, associações de interesses etc.). 3 Convém destacar o Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (FUNDECITRUS), um orgão criado por citricultores e indústria com objetivos interprofissionais, isto é, atuar em benefício do complexo citrícola localizado no interior paulista. 4 Ainda nos anos 60, o empenho do Estado na redução da produção cafeeira, na diversificação agrícola e no crescimento da área plantada atuou positivamente para a expansão da citricultura paulista. Nesta década, o desempenho da demanda do café continuou sendo afetado por movimentos desfavoráveis dos preços internacionais e a manutenção dos desequilíbrios para com a oferta. Atrelado a isto, na mesma década, o governo implantou a política de erradicação do café, que vigorou até 1967. A estratégia governamental visava promover a valorização do produto, ao mesmo tempo que funcionaram os mecanismos anteriores de compra de excedentes. Essa política reduziu a produção cafeeira em cerca de 2,2 bilhões de pés durante os anos 60, caindo de 4,4 bilhões em 1960 para 2,2 bilhões em 1970 (Kageyama et. al., 1987). A política de erradicação do café promoveu a diversificação para culturas de grandes perspectivas no ramo agroindustrial. A laranja, junto à cana-de-açúcar e o algodão, sofreram os maiores estímulos de modernização.

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Tabela 3 Exportação de suco concentrado de laranja brasileiro (%) Ano USA Canadá Europa Japão Outros 1988/89 47,0 5,0 38,0 --- 10,0 1989/90 40,0 5,9 45,9 3,6 4,6 1990/91 32,1 6,4 50,8 5,4 5,3 1991/92 33,2 2,4 52,2 4,8 7,4 1992/93 28,6 2,5 58,1 5,0 5,8 1993/94 34,0 0,6 52,0 6,1 6,9 1994/95 20,9 0,2 61,6 9,2 8,1 1995/96 18,1 0,3 69,4 6,2 6,0 1996/97 16,7 0,3 69,3 10,9 2,8 1997/98 16,4 0,4 71,2 8,7 3,3 1998/99 18,5 0,6 69,0 8,5 3,4 1999/00 21,7 0,6 64,2 10,0 3,5 Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) Apesar da vocação externa do complexo citrícola brasileiro, os melhores preços pagos aos produtores de laranja não foram determinados unicamente pela ocorrência de geadas nos Estados Unidos, o maior competidor da produção citrícola nacional. As oscilações dos preços internacionais citrícolas é demasiadamente influenciado pelo estoque de suco e a disponibilidade de laranja no Brasil. Com o oligopsônio agroindustrial do complexo citrícola brasileiro, a indústria de suco (principalmente os 5 C’s – Cutrale, Citrosuco, Cargill, Coinbra e Citrovita) joga um importante papel no comércio internacional; e a inter-relação que adota com os produtores de laranja do cinturão é o ponto fundamental. Assim, a composição do preço internacional de suco concentrado também é dependente dos arranjos organizacionais do território citrícola brasileiro5. A tabela 4 apresenta os preços médios anuais, praticados na citricultura brasileira, e os preços médios anuais FOB/Santos, praticados na exportação de suco concentrado brasileiro (caixa de laranja de 40,8Kg) no período 1971/96. Nota-se que, no comportamento destes mercados, os melhores preços praticados para a citricultura brasileira não foram determinados pela ocorrência de geadas nos Estados Unidos, segundo maior produtor mundial de laranja e maior comprador do suco concentrado brasileiro até 1989, mas pelos acordos contratuais estabelecidos entre indústria e citricultura, a partir de 1985/86, quando se constituiu o contrato-padrão6.

5 Um bom exemplo é o da safra de 1999, em que a estratégia da indústria brasileira citrícola foi a de segurar a oferta de suco concentrado no mercado internacional. Para isso, evitou a compra da laranja dos produtores durante a safra, causando a perda de cerca de 50 milhões de caixas (40,8 kg). 6 Vêr Box sobre o contrato-padrão no anexo 1.

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Tabela 4 Preço pago ao produtor e preço médio FOB-Santos de exportação (US$/caixa de 40,8 kg) Ano

Valor médio recebido pelo produtor brasileiro

Preço de exportação FOB Santos US$/caixa***

Ano

Valor médio recebido pelo produtor brasileiro

Preço de exportação FOB Santos US$/caixa***

1971*

1,01 1,85 1984 2,10 6,01

1972 1,10 1,81 1985* 3,50 5,41 1973 1,48 2,16 1986* 1,84** 3,24 1974 0,85 1,90 1987 3,23 4,23 1975 1,00 1,80 1988 3,73 6,63 1976 0,85 1,90 1989* 3,54 5,36 1977*

2,00 3,90 1990 1,11 5,92

1978 1,72 3,74 1991 2,13 3,78 1979 1,70 3,58 1992 1,30 3,94 1980 1,65 3,24 1993 1,30 2,70 1981*

2,12 3,63 1994 1,30 3,30

1982*

1,27 3,80 1995 1,50 4,48

1983*

0,97 4,22 1996 1,80 4,56

Fonte: SECEX e IEA * Ocorrência de geadas nos EUA ** O baixo preço interno, contrariando as expectativas de elevação do preço internacional devido a ocorrência de geada neste ano, deve-se a alta disponibilidade de suco brasileiro, seguindo a estratégia da indústria de elevados estoques da commodity. *** Preço de exportação por tonelada transformado em caixa (40,8 kg) Obs: até 1990, a taxa de rendimento da fruta pré-estabelecida para processar 1 tonelada de suco a 65° brix é de 270 caixas/tonelada. A partir de 1991, é de 260 caixas/tonelada. Os bons preços praticados internamente para os produtores de laranja nos primeiros anos do contrato-padrão mostram o ambiente econômico e organizacional favorável que tomou o complexo agroindustrial citrícola no final da década de 80. Somente neste período é que se estabeleceu um campo de negociações na rede de poder citrícola brasileira em que tanto os citricultores como as empresas processadoras puderam ganhar; isto é, apresentaram uma relação de poder de soma positiva (não-zero). A realização deste tipo de acordo ou contrato que padronizou a interação estratégica citrícola e estabeleceu um preço de referência para a negociação entre as partes ou segmentos (indústria e citricultura) foi fundamental para a criação de um ambiente institucional estável neste complexo agroindustrial. Ainda mais quando este foi totalmente orientado para o fluxo internacional de uma commodity (o suco concentrado de laranja). Os baixos preços recebidos pelos citricultores nos anos da década de 90 deve-se principalmente ao desrespeito das partes (indústria e produtores de laranja) à instituição do contrato-padrão. A reputação dos atores coletivos da citricultura (Aciesp - Associação dos Citricultores do Estado de São Paulo e Associtrus – Associação Paulista de Citricultores), que negociaram o estabelecimento

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do contrato junto aos atores coletivos da indústria (basicamente a ABECitrus - Associação Brasileira do Exportadores de Sucos Cítricos) desde 1985, começou a cair, porque essas associações (Aciesp e Associtrus) perderam poder de aglutinar em torno de si um número de associados considerável e representativo. Assim, as empresas industriais e a ABECitrus não reconheciam mais a Aciesp e a Associtrus como negociadores legitimados pelos próprios citricultores e investiram na negociação individualizada com o objetivo de burlar o contrato, remunerando grandes produtores com melhores preços e médios e pequenos produtores com preços inferiores ao estipulado pelo contrato padronizado. Enfim, o contrato como instituição deste complexo agroindustrial começou a cair, o que se reflete no preço médio recebido pelo citricultor nos anos 90, bem inferior aos primeiros anos da fase do contrato. O complexo agroindustrial citrícola brasileiro sempre atrelou o seu crescimento ao fluxo internacional de suco concentrado e neste tem condicionado a sua estrutura de oportunidades. O mercado interno de laranja in natura sempre esteve relegado ao segundo plano por todos os segmentos deste complexo, inclusive a própria citricultura, que se dedicou ao cultivo de variedades de processamento de suco, como Hamlin, Natal, Pêra e Valência. Apesar dessa orientação obsessiva, a tabela 5 mostra que o mercado interno de laranja (fruta in natura) apresenta uma participação relevante na esfera do consumo citrícola, e que, nos últimos anos, tem crescido relativamente à participação do suco concentrado consumido no exterior. Tabela 5 Produção e destino de laranja no Estado de São Paulo (milhões de caixas de 40,8 kg), 1990-2000 Ano safra Produção Processamento Exportaçãode fruta Consumo

Interno Volume Volume Volume Volume 90/91 262,7 210,0 1,90 50,8 92/93 300,0 265,0 2,00 33,0 94/95 311,0 242,7 3,30 65,0 96/97 363,0 268,1 1,90 93,0 98/99 331,6 279,0 1,60 51,0 99/00 388,0 280,0 Nc 108,0

Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) Mas foram as sucessivas geadas nos pomares norte-americanos que estimularam a política governamental de exportação de processados de citros. Com as linhas de créditos especiais e a criação de organismos de pesquisas e estações experimentais no interior paulista, o parque industrial citrícola se formou em poucos anos. A justificativa inicial era a da criação de vantagens competitivas no cinturão porque haviam condições naturais favoráveis para os pomares, baixos custos de produção (especialmente de mão-de-obra), existência de um conjunto de propriedades tecnificadas e de produtores experientes, volume de produção de laranja considerável e a melhor capacidade logística e de comercialização do país, com as rodovias paulistas e o porto de Santos. Com a estrutura localizada de pesquisa e desenvolvimento em citros, a produção evoluiu com o advento de novas variedades e uniformidade, características importantes para a fabricação do suco concentrado. Todos os elementos importantes de pesquisa e desenvolvimento já estavam em formação desde os anos 50, com a similitude dos planos sobre a citricultura paulista dos sucessivos governos estaduais. Na verdade, a intervenção do governo paulista na esfera tecnológica do cinturão ocorreu desde 1928, quando no município de Limeira e Sorocaba foram criadas as primeiras

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Estações Experimentais de Citricultura, dirigidas pelo Instituto Agronômico de Campinas, da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo7. O movimento de expandir as pesquisas com o objetivo de fornecer novas variedades de laranja para a industrialização ganhou força na década de 60. O próprio governo paulista orientou a expansão das linhas de pesquisa para a descoberta de variedades de maior adaptabilidade na atividade de processamento. A formação de um centro tecnológico agroindustrial na macrorregião de Campinas foi importante para a formação do território citrícola8. A infra-estrutura específica para a citricultura em várias cidades do interior paulista também favoreceu a constituição de um complexo agroindustrial localizado. Nestes municípios, a presença de packing-houses, transporte adequado e a experiência dos produtores tradicionais vinculados a importadores de outros países foram fundamentais. Porque estes fatores reunidos engendravam na esfera da comercialização uma boa flexibilidade operacional9. Em suma, o parque tecnológico formado e a infra-estrutura específica de algumas cidades do interior paulista foram elementos constitutivos do território citrícola. O Estado integrou a citricultura à indústria, criando um mercado específico de insumos agrícolas e expandindo as divisas com a elevação da exportação de suco concentrado. A indústria tecnificou parcialmente a produção de sua matéria-prima e passou a utilizar as vantagens competitivas do território citrícola formado, usufruindo largamente dos benefícios advindos da política de incentivos à exportação (Sued, 1990). Assim, o interesse do Estado brasileiro de modernizar rapidamente a citricultura e orientá-la para o mercado internacional se realizou a partir de 1964. Os interesses industriais também se realizaram, com a elevação do volume de produção de matéria-prima (laranja), a ampliação da capacidade de processamento, o avanço da infra-estrutura local necessária e o crescimento do volume exportado de suco concentrado. Os citricultores integrados à dinâmica agroindustrial se mostraram satisfeitos com a concessão do crédito rural a juros negativos e a possibilidade de elevar a produção. Assim, a expansão das atividades produtivas e de serviços vinculadas ao complexo agroindustrial citrícola, localizado no interior do estado de São Paulo, é a primeira característica de consolidação do território ou cinturão da laranja, cuja formação ocorreu sob o estímulo e a coordenação do Estado. O avanço e a consolidação do complexo agroindustrial citrícola brasileiro ocorreram com o fortalecimento do mercado internacional de suco concentrado e sob intensa concentração industrial. Essa é uma característica estrutural importante e que pouco se alterou. Se tomarmos os dados referentes à concentração industrial no complexo citrícola, veremos que os quatro maiores

7 Na década de 50 montara-se um verdadeiro pacote tecnológico para a citricultura pelo Instituto Agronômico de Campinas, que possibilitou ao Brasil ganhar mercado externo para a fruta fresca e também dispor de fruta para implantação da agroindústria na década de 70 (Burquinst, 1994, p. 99). 8 ... havia sido criado no Instituto Agronômico de Campinas um departamento industrial voltado basicamente para o beneficiamento de produtos primários. Foi assim que nasceu o Centro Tropical de Pesquisas e Tecnologia de Alimentos, mais tarde batizado com o nome de Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL). A primeira planta piloto do ITAL, inaugurado no segundo semestre de 1963, foi justamente uma unidade de produção de suco concentrado de laranja, onde os técnicos brasileiros ‘abriram’ o pacote tecnológico da indústria cítrica (Tavares, 1996, p. 21). 9 O grande destaque de Bebedouro na produção citrícola, a partir da década de 50, atraem para a região importantes firmas de packing-houses, dirigidas por estes importantes produtores e exportadores, como a Goodwin-Cocozza de Alberto Cocozza, a Citrobrasil S/A de Van Parys e a Fischer S/A de Carl Fischer. Foi se formando então uma dinâmica que proporcionava um padrão de rendimentos atrativos, tanto para os citricultores quanto para as firmas exportadoras (Tavares, 1996, p. 18).

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grupos processadores (os 4 C’s) sempre responderam por mais de 70% da produção de suco concentrado. A tabela 6 apresenta estes dados ao longo das décadas de 70, 80 e 90. Tabela 6 Indicadores da concentração industrial citrícola no estado de São Paulo, 1970 a 1997 Indicadores 1970 1975 1980 1985 1990 1995 1998 2000 2 maiores empresas 63,15 51,50 59,96 63,17 61,53 50,52 40,90 42,60 4 maiores empresas 86,83 71,56 89,64 90,21 86,75 79,46 68,6 67,0 Empresas com 75% da Produção (n)

3 5 3 3 3 4 5 5

Índice de Herfindahl* 0,251 0,175 0,248 0,253 0,245 0,171 0,121 0,134 Total de Empresas 7 9 11 12 12 12 12 13 * O Índice de Herfindahl mede o grau de concentração industrial, variando de 0 a 1. Fonte: IEA, In: Kalatzis (1998, p. 26) Importa notar que o número de empresas atuantes no segmento processador praticamente dobrou, ao compararmos o ano de 1970 com o de 1997. No entanto, os 4 C’s (Citrosuco, Cutrale, Cargill e Coinbra) prosseguem dominando. Em primeiro lugar, pela ótica econômica, pode-se justificar tal domínio pelo nível tecnológico exigido para atuar neste segmento, e que supera a propriedade de um moderno sistema de produção contínua. Porque as condições necessárias de resfriamento e de transporte são estratégicas para a atuação em tal segmento. O aparato de resfriamento é importante porque as empresas trabalham com capacidade ociosa planejada e um elevado estoque de suco concentrado. Isso significa que as empresas processadoras trabalham com uma extrema segurança no mercado internacional e com elevado poder de negociação frente aos fornecedores (citricultores), o que lhes permite determinar o momento de compra da safra de laranja (pesquisa de campo). A concentração industrial também revela a existência de uma estrutura oligopsônica no complexo citrícola brasileiro. Por exemplo, na safra 1995/96, os 4 C’s foram responsáveis pela compra de 70% do total de laranja processada no país. Em segundo lugar, pela ótica política, a presença de poucas empresas e a intensa concentração industrial permitem que o segmento represente os seus interesses de forma homogênea por meio de sua única associação representante, a ABECITRUS. Esse fator é fundamental para compreender o intenso poder de negociação que a indústria apresenta neste território, e que será explorado ao longo da análise empírica do presente trabalho. A tabela 7 indica a participação individual dos 4 C’s na industrialização citrícola, revelando o intenso oligopólio que se estabeleceu ao longo das décadas. Tabela 7 Participação dos principais grupos na industrialização de suco no Estado de São Paulo (%)Grupos Empresariais

1970 1975 1980 1985 1990 1995 1998 2000

Citrosuco 39,47 23,41 24,80 33,37 33,40 27,07 19,40 20,00 Cutrale 23,68 28,09 35,16 29,80 28,13 23,44 21,50 22,60 Cargill 15,79 9,36 15,62 16,90 14,69 12,76 12,70 11,30 Coinbra-Frutesp 7,89 10,70 14,06 10,53 10,53 16,29 15,00 13,10 Outros 15,16 28,44 10,36 9,79 13,25 15,44 31,40 33,00 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Kalatzis (1998, p. 27)

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Vale notar que o processo de verticalização para trás das empresas processadoras acompanhou o quadro estrutural de concentração do segmento industrial de suco concentrado de laranja, principalmente a partir do final dos anos 80. À medida que a concentração industrial se modificou – a partir de 1995, com a passagem de 3 para 5 empresas no domínio de 75% da produção – as novas empresas dominadoras também implementaram pomares próprios em proporção significativa. A tabela 8 apresenta a estimativa do grau de verticalização para trás das grandes empresas de processamento citrícola para o ano de 1997. Tabela 8 Estimativa do grau de integração vertical das empresas – 1997/98 Empresa Grau de Integração* Citrosuco 30% Cutrale 30% a 40% Cargill 30% Coinbra-Frutesp 15% Citrovita 50% Royal Citrus 40% Nova América 25% * Percentual (%) de matéria-prima produzida nas fazendas da própria empresa Fontes: Siffert Filho (1993), Paulillo (1994), Mazzalli (1996) e Azevedo (1996), Kalatzis (1998, p. 24) O movimento estratégico de verticalização para trás da indústria processadora trouxe fortes impactos para os produtores de laranja, porque este movimento visou a elevação do poder de negociação da indústria perante a citricultura (Azevedo, 1996). Um dos resultados foi a ocorrência de uma alteração na estrutura fundiária no território citrícola, em que houve a elevação da participação dos imóveis rurais de médio e grande porte. Os dados da tabela 9 mostram a queda da pequena produção citrícola paulista a partir de 198510. Pode-se verificar a distribuição das propriedades com pés de laranja em produção no interior paulista segundo o tamanho de área11. Verifica-se que o número mais expressivo de propriedades é o de pequenas. No período que comporta a vigência do contrato-padrão (1985/94), o número de pequenas propriedades caiu de 18.215 para 17.869. Em 1985/86, os pequenos imóveis rurais respondiam por cerca de 75% da produção de laranja paulista, caindo para cerca de 66% em 1995/96. Tabela 9 Número de imóveis rurais com pés em produção no estado de São Paulo, segundo as categorias – 1980/81, 85/86, 95/96 Categoria de Imóveis Número de imóveis Rurais

com Pés em Produção

1980/81 % 1985/86 % 1995/96 % Pequenos 15.063 73,1 18.215 74,9 17.869 66,5 Médios 3.811 18,5 4.168 17,1 6.806 25,4 Grandes 1.627 7,9 1.710 7,1 1.943 7,2 Muito Grandes 98 0,5 207 0,9 194 0,9 Total 20.599 100,0% 24.300 100,0% 26.812 100,0 Fonte: IEA, In: Vieira (1998, p. 97)

10 Esta classificação da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo identifica as categorias de produtores por área de produção. Os dados foram levantados por Vieira (1998) na identificação da estrutura fundiária citrícola para o Estado de São Paulo. Importa ressaltar a inexistência de fontes de dados para estratos de produtores de laranja por tamanho da produção. Observa-se também que a secretaria agrícola estadual, através do Instituto de Economia Agrícola, deixou de realizar este tipo de levantamento a partir da safra 1996/97. 11 Os produtores estão classificados seguindo o critério de extensão de área ocupada. Os pequenos produtores apresentam área inferior a 50 hectares. Os médios produtores ocupam entre 50 a 200 hectares. Os grandes ocupam entre 200 ha a 1.000 ha e os muito grandes correspondem a uma área superior a 1.000 ha

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A categoria de médias propriedades demonstrou crescimento relativo acelerado após 1985, com o estabelecimento do contrato-padrão. Seus proprietários - de oferta mais elevada se comparado aos pequenos - chegaram a fechar contratos por dois a três anos, o que garantia o suprimento para a indústria e reduzia a incerteza agrícola. Nesse período, o contrato extensivo era bem disputado pelos produtores. Os pequenos, com baixa oferta de laranja, apresentaram dificuldades para a realização destes contratos (Vieira, 1998). Os dados percentuais mostram que os imóveis médios foram os que mais ganharam participação, passando de 17,1% em 1985/86 para 25,4% em 1995/96. As grandes propriedades cresceram no período do contrato-padrão, de 1.710 imóveis em 1985/86 (7,2% do total) para 1.943 em 1995/96 (7,2% do total). As pequenas sofreram a redução mais significativa. Apesar disso, continuaram sendo a maioria em termos de número de propriedades. A queda da pequena produção é mais significativa quando se adota o critério da participação percentual das categorias de propriedades citrícolas na produção estadual paulista, conforme indica a tabela 10. O desempenho das pequenas propriedades foi o pior, pois, durante o período de vigência do contrato, a sua participação na produção estadual de laranja caiu de 33,4% para 21,8%. Nota-se que a sua representação é reduzida continuamente ao longo do período 1980/95. Em 1980/81, os pequenos ainda representavam a maior parcela da produção (35,9%), o que não ocorre a partir da vigência do contrato padrão de comercialização da laranja. Tabela 10 Participação percentual das categorias de imóveis rurais na produção total do Estado de São Paulo – 1980/81, 1985/86, 1990/91 e 1995/96 Categoria de imóveis

1980/81 1985/86 1990/91 1995/96

Pequenos 35,9 33,4 26,0 21,8 Médios 27,3 23,4 29,4 30,8 Grandes 31,3 35,0 34,8 28,2 Muito Grandes 5,5 8,2 9,8 19,3 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: IEA, In: Vieira (1998, p. 107) A situação é inversa quando se verifica a evolução dos citricultores médios, que apresentaram crescimento considerável – de 23,4 % em 1985/86 para 30,8% em 1995/96 -, assim como os muito grandes, que apresentaram crescimento vertiginoso – de 8,2% em 1985/86 para 19,3%. Nesta categoria, estão os pomares próprios das empresas processadoras de suco, o que comprova o crescimento do processo de verticalização industrial para trás na fase de vigência do contrato-padrão. A evolução das propriedades rurais segundo a participação na produção total de laranja no estado de São Paulo pode ser mais bem visualizada agregando os dados de 1980/81, 85/86, 90/90 e 95/96. A figura 3 apresenta essa evolução, que mostra o decréscimo da participação dos pequenos imóveis rurais. Durante o período, nota-se que houve oscilações dos médios e grandes, mas os pequenos seguiram decrescendo.

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Figura 3 Evolução da participação das categorias de citricultores na produção citrícola em S.Paulo - 1980/95 Fonte: Vieira (1998, p. 101) Importa ressaltar a representação da pequena produção de laranja no quadro estrutural mais recente. A figura 4 utiliza os dados da participação percentual das propriedades na produção citrícola e no número de imóveis rurais produtores durante a safra 1995/96. Nota-se que, enquanto os pequenos citricultores são predominantes no número de imóveis, os produtores muito grandes são um número bem reduzido. No entanto, na produção de laranja são equivalentes

Figura 4 Participação das propriedades na produção total e número total de imóveis com produção de laranja no Estado de São Paulo – 1995/9612 Fonte: Elaboração do autor Pode-se também observar a queda da pequena produção a partir do desempenho dos novos pomares formados ao longo do período 1980/96. Verifica-se que a redução da participação das propriedades pequenas na produção estadual de laranja é também reflexo da redução que a categoria apresentou quanto ao plantio de novos pés. A tabela 11 apresenta o desempenho das categorias de citricultores segundo este critério.

12 O número médio de pés de laranja por hectare no Estado de São Paulo é 270, com adensamento médio dos pomares em 7 metros por 5.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

pequenos médios grandes >grandes

1980198519901995

%imóveis

66%

26%7% 1%

pequenos médios grandes >grandes

%produção

22%

31%28%

19%

pequenos médios grandes >grandes

%

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Tabela 11 Número de pés novos e participação das categorias de imóveis (%) no total de pés novos de laranja no Estado de São Paulo – 1980/95 Categoria de Imóveis

1980/81 N° pés novos

%

1990/91 N° pés novos

%

1995/96 N° pés novos

%

Pequenos 12.756.849 52,7 6.447.890 15,4 12.432.580 24,8 Médios 3.329.629 13,8 12.473.942 29,8 9.507.189 19,0 Grandes 6.909.401 28,6 16.720.680 39,9 18.502.635 37,0 Muito grandes 1.214.357 5,0 6.207.408 14,9 9.606.442 19,2 Total 24.210.236 100,0 41.949.923 100,0 50.048.852 100,0 Fonte: IEA, In: Vieira (1998, p. 112) Nota-se que ocorreram aumentos da participação das categorias de grandes e médios produtores no período, enquanto os pequenos apresentaram redução, se compararmos os anos extremos, de 52,7% em 1980/81 para 24,8% em 1995/96. Durante a vigência do contrato-padrão, a pequena produção apresentou um desempenho ínfimo, chegando a 6.447.890 pés novos em 1990/91 (15,4% do total de pés plantados). Já na fase de reestruturação agroindustrial (1995/96), verifica-se que os grandes e os muito grandes apresentaram desempenhos notáveis na renovação dos pomares. Isso porque os 9.606.442 de pés novos dos grandes citricultores respondem a apenas 0,9% de propriedades rurais e os 18.502.635 pés novos dos muito grandes correspondem a 7,2% das propriedades. Sendo que os 12.432.580 pés novos da pequena produção correspondem a 66,5% do total de propriedades citrícolas. A redução do plantio de pés novos das pequenas propriedades significa o crescimento de pomares velhos para essa categoria da produção de laranja ao longo do período. A tendência é a redução da produtividade e a exigência de tratos culturais intensos. Isso encarece a produção, onera o produtor, facilita a proliferação das doenças (principalmente o cancro cítrico e o amarelinho), eleva a incerteza e, de forma crescente, impede maiores investimentos na renovação de pomares, porque os gastos de manutenção se elevam. De forma contrária, as grandes e médias propriedades tendem a aumentar sua participação na produção porque apresentam quantidade mais elevada de pés novos. Com esse levantamento, de perspectiva estritamente econômica, pode-se compreender a existência de um processo excludente no segmento agrícola deste complexo agroindustrial. Este atinge preferencialmente a pequena produção de laranja, embora a queda do poder de negociação atinja toda a citricultura. Assim, não se pode garantir que a exclusão esteja ocorrendo somente na categoria da pequena produção. Segundo o FUNDECITRUS, 12 mil agricultores largaram a produção de laranja no Estado de São Paulo, de 29 mil em 1990 para 17 mil em 2000. Esse é o melhor indicador do intenso processo de exclusão que se gera na produção de laranja do território citrícola brasileiro. 3. Elementos definidores da crise da citricultura brasileira Neste cenário negativo para a citricultura brasileira, alguns aspectos podem ser destacados: a) a falta de recursos de poder e exclusão de produtores de laranja no cinturão; b) as perdas dos poderes de representação e de aglutinação das associações de interesses dos citricultores após o final do contrato-padrão; c) a mudança na estrutura fundiária da produção de laranja com o aumento dos imóveis rurais de médio e grande porte; d) o avanço da verticalização para trás das empresas processadoras de suco, reduzindo os custos de transação, elevando seu poder de negociação e intensificando a assimetria de poder entre indústria e produtores de laranja brasileiros; e) o avanço da terceirização agroindustrial, com o objetivo de reduzir os custos de

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produção na indústria e no campo, como uma tentativa de elevar os recursos de poder das empresas processadoras e dos citricultores. No caso dos produtores de laranja, a perda do poder negociação (função da capacidade de representação, de aglutinar associados, os recursos financeiro, organizacional e de informação necessários para prosseguir operando de maneira eficiente) de suas associações de representação de interesses frente à indústria foi o ponto fundamental, já a rede de relações estratégicas da citricultura se dá por meio das ações coletivas. Na esfera financeira, os custos se elevaram com o fim do contrato-padrão porque houve o repasse dos encargos da colheita e do transporte, que estavam sob a responsabilidade da indústria processadora. Isso criou um efeito em cascata que atingiu também os trabalhadores rurais, por meio da utilização das cooperativas de mão-de-obra nos pomares e a redução dos direitos trabalhistas. Ou seja, a redução dos recursos financeiros e organizacionais dos produtores de laranja também provoca a redução das condições de sobrevivência dos trabalhadores rurais do cinturão citrícola brasileiro. 3.1 A perda dos recursos financeiros e organizacionais dos citricultores no Brasil e a redução do poder de negociação de seus atores coletivos A citricultura brasileira apresenta recursos de poder (financeiros, organizacionais e de informação) escassos porque o seu complexo agroindustrial foi constituído sob o foco estratégico da demanda internacional de suco concentrado de laranja. Desde o processo de modernização, o Estado financiou a constituição do parque industrial cítrico no interior paulista e à expansão da produção agrícola de variedades próprias ao processamento. O vínculo imediato da expansão da produção de laranja nacional com o crescimento do mercado externo determinou que a indústria processadora fosse o agente detentor dos recursos de poder significativos, porque é a indústria que possui a conexão com os distribuidores internacionais13. A brutal assimetria de recursos de poder no território citrícola persiste desde a constituição de seu complexo agroindustrial. Só que a intensidade nunca foi a mesma. Nos anos 60 e 70, os produtores tinham as facilidades de financiamento para a realização de seu planejamento produtivo. Mesmo que a primeira orientação de escoamento da produção fosse a industrialização e o mercado internacional de suco concentrado, eles tinham o respaldo da política agrícola do governo federal e a retaguarda dos bancos estatais para as realizações dos investimentos. A regulação estatal ampliava os recursos dos produtores agrícolas com as linhas de crédito a juros negativos e a expansão do quadro de assistência técnica no território citrícola. Foi um fator de atenuação da grande assimetria de poder entre os citricultores e a indústria. A crise fiscal do Estado e a queda das linhas de crédito agrícola facilitado reduziram os recursos dos produtores de laranja na fase de auto-regulação citrícola (anos 80), após duas décadas (60 e 70) de forte regulação estatal (com créditos rurais a juros negativos e assistências técnica por parte das secretarias agrárias (principalmente a do estado de São Paulo). A assimetria se intensificou porque a indústria elevou a sua capacidade de articulação e de negociação nos primeiros anos da década. A partir de 1986, a instituição do contrato-padrão visava estabelecer certas regras de interação para reduzir o brutal diferencial de recursos de poder entre indústria e produtores de laranja. O objetivo foi o de estabilizar o ambiente institucional daquela rede agroindustrial territorial por intermédio de um mecanismo de governança específico, de auto- 13 No caso do mercado norte-americano, esta conexão se intensificou em 1998 com a fusão de empresas brasileiras (Cutrale, Citrosuco) com multinacionais (Coca-Cola) que operam nos Estados Unidos. Este movimento foi chamado pelo USDA (Departamento de Agricultura do Governo dos EUA) de conexão brasileira e representou cerca de 35% da capacidade de processamento de suco de laranja americano em 1999 (Oliveira, 1999).

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regulação. A estabilização institucional e o contrato padronizado marcaram a constituição de uma rede de poder bem integrada no cinturão da laranja. Assim, a estrutura de poder citrícola adquiriu conformação territorial. Essa rede política territorial caracterizou-se pelos seguintes elementos: a) exclusão de alguns grupos ou agentes; b) limitação dos participantes no processo decisório; c) interação freqüente dos membros incluídos sobre as matérias relacionadas com a emissão de políticas; d) avaliações e efeitos persistentes ao longo do tempo; e) apresentação de recursos pelos participantes do processo de interação estratégica, que os utilizam no processo; f) resultado de soma não zero (ambos ganham) e g) existência da possibilidade de domínio de um grupo ou segmento (Rhodes & Marsh, 1992, p. 251). No caso citrícola, durante a década de 90 houve a exclusão de 12 mil produtores de laranja do cinturão paulista, segundo os dados do FUNDECITRUS (Fundo de Defesa do Citricultor do Estado de São Paulo). Em 1991, ano em que o contrato-padrão começa a perder reputação e deixa de ser realmente utilizado pelos atores da indústria e do campo, existiam cerca de 29 mil citricultores no Estado de São Paulo. Em 2000 esse número caiu para 17 mil (entre pequenos, médios e grandes produtores). A exclusão de alguns grupos e a limitação dos participantes no processo decisório desta rede política começaram a ocorrer, no caso dos citricultores, dentro das próprias organizações que visaram representar os seus interesses. A representação dos produtores de laranja, desde a consolidaçãoda da rede política citrícola (no final dos anos 80), foi se reduzindo, porque milhares de produtores não estiveram articulados com as associações de interesses. A efetivação do contrato-padrão significou a ascensão de um mecanismo de governança privada, no qual as ações coletivas determinaram a ascensão de uma rede de poder mais integrada. Os interesses industrial e agrícola estavam representados pelas associações de produto. Os interesses das empresas processadoras estavam unificados na ANIC (Associação Nacional da Indústria Cítrica), enquanto os dos citricultores eram disputados pelas CT-FAESP (Comissão Técnica da Federação dos Agricultores do Estado de São Paulo) e a ASSOCITRUS (Associação dos Citricultores Brasileiros). A forma híbrida de representação dos interesses dos produtores foi o principal problema da citricultura no início do período de vigência do contrato-padrão. Além de que as duas associações apresentavam altos desafios: a FAESP apresentava o dilema interno de representar a agricultura de forma geral ou de privilegiar alguns setores, e a ASSOCITRUS procurava expandir a sua atuação em todo o território citrícola através da abertura das delegacias regionais, além de contar com a falta de união dos produtores e a reduzida capacidade financeira. A citricultura ficou enfraquecida no processo de interação estratégica desde o início do contrato-padrão, mesmo que nos primeiros anos tenha tido resultados positivos, como os melhores preços médios recebidos pela caixa de laranja da história da rede citrícola brasileira. A estrutura atomizada da produção ao longo do cinturão paulista e a falta de persistência da ASSOCITRUS com as delegacias regionais possibilitaram que centenas de produtores não participassem da aglutinação dos interesses da citricultura. Os delegados das cidades de elevado número de pequenos produtores - como Taquaritinga e Olímpia - tinham maior dificuldade de expandir o alcance da ASSOCITRUS que os delegados das cidades de elevado número de grandes produtores – como Matão e Araraquara. Cidades com o predomínio da grande produção apresentavam menos produtores e facilidades de aglutinação – Matão tinha cerca de 100 produtores –, enquanto cidades com o predomínio da pequena produção apresentavam mais produtores e dificuldades de aglutinação – Taquaritinga por exemplo, com cerca de 1.000 (pesquisa de campo).

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Com a heterogeneidade de interesses dos produtores de laranja e a dispersão territorial da citricultura, a rede política citrícola evoluiu em torno do contrato-padrão. Em 1986, a CT citricultura da FAESP procurou amenizar esses problemas estratégicos com a flexibilização de sua atuação, ao dividir o seu conselho com membros da ASSOCITRUS e firmar um acordo de participação em conjunto para todas as questões do processo de interação da comunidade política citrícola. Mas os problemas anteriores estavam enraizados na estrutura de cada associação: a FAESP não resolveu o seu dilema, porque a posição conservadora de uma parcela de seus integrantes exigia a representação geral para os agricultores, e a ASSOCITRUS não conseguiu reverter o problema da estrutura atomizada dos produtores com as delegacias regionais e os representantes municipais. O resultado foi o aumento da fragmentação da representação a partir de 1988, com o surgimento de uma nova associação, motivado pelo descontentamento de uma boa parte dos citricultores. O surgimento da ACIESP (Associação dos Citricultores do Estado de São Paulo) visava a representação dos pequenos produtores e ampliou a estrutura híbrida de representação da citricultura. FAESP, ASSOCITRUS e ACIESP atuaram e dificultaram a existência de uma linguagem comum para os citricultores e seus interesses naquela rede de poder territorial. O descompasso somente se elevou. Isso prosseguiu ao longo dos anos 90, portanto mesmo depois do final do contrato-padrão e do fim da estabilidade institucional - já que os citricultores e as empresas de suco pouco acordavam a respeito dos preços das caixas de laranja (40,8 Kg). O descompasso se elevou porque as associações apresentaram individualmente excelentes propostas e iniciativas para a elevação dos recursos de poder dos citricultores e melhora da distribuição de seus interesses. Mas o conflito pela hegemonia da representação coletiva na citricultura sempre promoveu o retrocesso de seu poderio estrutural, com as manutenções da heterogeneidade de interesses e da dispersão dos produtores no território. Um bom exemplo foi a tentativa da ACIESP de elaborar a Lei Orgânica dos municípios citrícolas. A própria associação encaminhou os ofícios às 112 câmaras municipais, sugerindo aos respectivos vereadores alguns tópicos específicos para os citricultores. O objetivo era a regulamentação das atividades da citricultura. O conflito com a ASSOCITRUS não permitiu que tal iniciativa lograsse maiores resultados, porque uma iniciativa dessa necessita de enorme poder de representação dos agentes coletivos interessados. A falta de articulação entre ACIESP e ASSOCITRUS evitou o poder de representação elevado da citricultura para pressionar as câmaras municipais e o objetivo estratégico da ACIESP não foi alcançado. Em outros momentos de aproximação das associações de interesses dos citricultores no período, como na negociação em conjunto dos preços das caixas de laranja em 1991, a preocupação da FAESP em manter-se de alguma forma na comunidade política citrícola evitou a ligação14.

14 Em muitas ocasiões o discurso da CT citricultura da FAESP era o de justamente aproximar as duas associações para evitar a redução do poder de representação dos citricultores na rede de poder, como ocorreu em 1992. No entanto, a falta de identidade entre FAESP e associações de produto foram mantidas.

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Nesses movimentos ocorridos ao longo do período de vigência do contrato-padrão, as associações foram perdendo reputação junto aos citricultores e, posteriormente, junto à indústria15. Já os interesses industriais prosseguiram unificados, porque o número de empresas processadoras sempre foi reduzido, devido à concentração industrial elevada. O único instante de conflito de interesses entre as empresas ocorreu em 1988, quando a Cutrale abandonou a ANIC e fundou a ABECITRUS. Isso durou muito pouco, tanto que no início dos anos 90 os interesses industriais se fundiram novamente, desta vez em torno da ABECITRUS. A fragmentação da representação coletiva dos citricultores significou a redução da distribuição de seus interesses, seja pela indústria, seu principal interlocutor na fase do contrato-padrão, seja pelas agências públicas do Estado. Isso prosseguiu nos anos 90, quando a estabilidade institucional da rede de poder citrícola se rompeu. Atualmente, a própria Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo questiona a representação da ASSOCITRUS na câmara setorial de frutas. Os próprios integrantes da Secretaria alegam que as informações não chegam aos produtores atuantes ao longo do território citrícola. No lançamento de uma campanha para a padronização da laranja, da qual a ASSOCITRUS participou, não houve a transmissão da informação para os citricultores (pesquisa de campo)16. A queda dos poderes de aglutinação (capacidade de reunir o maior número possível de citricultores) e de representação (legitimidade para representar os produtores de laranja nos arranjos ou fóruns institucionais) das associações dos produtores de laranja é um elemento emblemático da crise institucional do território citrícola brasileiro. Com a falta de reputação perante os produtores e a duvidosa representação entre os atores públicos e privados, as associações dos produtores enfrentam uma crise de identidade considerável. Isso colabora com a manutenção da debilidade estrutural da citricultura, o que caracteriza a brutal assimetria de poder entre indústria e produtores. O resultado de soma não zero – característico de uma rede política estável, em que todos os seus participantes ganham – ocorreu somente nos primeiros anos do contrato padronizado. No caso dos produtores de laranja, milhares não participaram deste resultado positivo porque os seus interesses não estavam articulados nas associações. E as próprias empresas processadoras colaboraram na redução da capacidade de articulação das associações da citricultura, porque começaram a quebrar o contrato-padrão e, consequentemente, a abalar a capacidade de inserção dessas associações, já que o contrato era o resultado do mecanismo de ação coletiva no auge da auto-regulação17. Isso significa que o consenso em torno da instituição do contrato-padrão deixou

15 ... falta profissionalismo para o associativismo na citricultura. Isso teve muita importância para a queda dos poderes de aglutinação das associações nos últimos 5 anos. Veja o caso da ABECITRUS – associação que representa a indústria -; colocou uma equipe de profissionais, o presidente não é industrial, mas é um profissional na administração de uma associação de interesse. Para melhorar a representação é simples: basta assegurar 0,01 centavo de reais por caixa negociada, mas a indústria não está fazendo mais isso ... (entrevista de um citricultor tradicional – pesquisa de campo); ... no passado o recolhimento existiu (1988 e 1989), mas a indústria parou com isso. No complexo da cana-de-açúcar não ocorreu isso. As associações canavieiras são fortes porque o desconto já está no recibo de pagamento do produtor. No caso da laranja até o recolhimento para o Fundecitrus é facultativo, só que muitos produtores não sabem disso. Nos Estados Unidos o recolhimento é compulsório e repassado para o Flórida Citrus Group .. (entrevista de um dirigente sindical do cinturão citrícola – pesquisa de campo). 16 ... nós da Secretaria vimos como é difícil levar essa idéia para o citricultor, a desorganização da citricultura é um

problema sério (entrevista de um técnico da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo – pesquisa de campo).

17 ... o contrato não funcionava para todos os produtores, funcionava para um grupo de produtores. Outros vendiam com um preço melhor que o do contrato. A indústria conduzia a negociação a partir do preço determinado pelo contrato, uma espécie de ‘média’ de preços para ela estabelecer uma estratégia de compra de laranja (entrevista do presidente de um sindicato de produtores rurais do cinturão citrícola - pesquisa de campo).

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de existir em poucos anos, e que as ações oportunistas de algumas empresas processadoras não puderam ser coibidas. A quebra informal do contrato-padrão por algumas empresas foi decisivo para a exclusão de muitos citricultores nos anos 90. Esse movimento estratégico é que motivou as associações representantes da citricultura, a partir da ASSOCITRUS, a abrir um processo no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) contra as empresas por abuso do poder econômico. O contrato já estava sendo quebrado por algumas empresas, motivando a retirada de produtores e a redução da reputação das associações perante os seus integrantes18. Com a queda oficial do contrato-padrão, em 1995, os poderes de negociação das associações da citricultura foram decrescendo. A capacidade de inserção, a legitimidade, a reputação e as habilidades de articulação foram reduzidas porque o contrato era a instituição política que legitimava o associativismo na comunidade territorial citrícola. A ocorrência dos acordos individuais de preços entre empresas e citricultores intensificou a decadência das associações. A nova redução da participação dos produtores de laranja nestas associações afetou intensamente seus poderes de aglutinação e de representação19. No segmento industrial, a extinção do contrato padronizado não promoveu mudanças nos recursos de poder (financeiros, organizacionais e de informação) das empresas de suco, porque elas continuaram sendo o elo de conexão da citricultura com a demanda internacional de suco concentrado, através do processamento, da distribuição e de alguns serviços. Assim, elas continuaram estabelecendo os preços das caixas de laranja a cada safra porque tiveram recursos de poder e interesses unificados e bem representados. A extinção do contrato também determinou que os custos de colheita e transporte, sob a responsabilidade da indústria, fossem assumidos pelos citricultores. A elevação do custo de produção do citricultor, com os acréscimos da colheita e do transporte, intensificou os maus tratos culturais, permitindo a propagação das doenças como o amarelinho e o cancro cítrico20. Isso gerou um constrangimento estrutural em todo o território citrícola brasileiro, já que as doenças foram responsáveis pela erradicação de 18 milhões de pés de laranja no estado de São Paulo no período 1996/99, que deixaram de produzir 45 milhões de caixas (40,8Kg) (Oliveira, 1999). Com o processo de quebra contratual, avançou também a estratégia de verticalização para trás da indústria de processamento, visando elevar o seu poder de negociação com os citricultores e reduzir seus custos de transação, através da queda da demanda empresarial de matéria-prima (laranja). Esses fatores combinados acentuaram o movimento excludente no território citrícola.

18 Em muitas ocasiões os sindicatos reuniam cerca de 1.000 produtores na sua sede. Decidiam em não vender a produção por determinado preço. Mas as empresas enviavam os seus funcionários e agentes para conversar diretamente com cada produtor, na sua fazenda, e barganhavam com algumas dezenas de grandes propriedades, jogando uma preço mais elevado. E o produtor aceitava e caía no jogo da indústria, atraído pelo preço arranjado individualmente ... (entrevista de um dirigente sindical – pesquisa de campo). 19 Na pesquisa de campo realizada com 79 produtores de laranja do cinturão, 73% afirmaram que não participam de

nenhuma associação atualmente. A justificativa principal é a falta de interesse pessoal. Somente 30% gostariam do surgimento de uma nova associação. Na avaliação da capacidade de representação das associações, apenas 14% consideraram boa. Os demais apontaram para regular (23%) ou ruim (45%), e 18% não responderam.

20 Os citricultores entrevistados atribuíram grau de importância para cinco quesitos responsáveis pelo reduzido tratamento do pomar. São eles: 1) aumento do custo de produção; 2) falta de planejamento; 3) alto preço de máquinas; 4) baixos preços da caixa de laranja e 5) falta de crédito. O quesito 1 (aumento do custo de produção) foi o mais apontado, com larga diferença para com os demais (em anexo).

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A descrição da estrutura fundiária do cinturão citrícola brasileiro, realizada anteriomente, mostrou a redução do número de pequenas propriedades de laranja e o crescimento em termos absolutos e relativos do número de médias e grandes propriedades. Pelas tabelas 9 e 10, vimos que no período de vigência do contrato-padrão (1985/94) o número de pequenas propriedades caiu de 18.215 para 17.869. Em 1985, os pequenos imóveis rurais respondiam por cerca de 75% da produção de laranja no Estado de São Paulo, caindo para cerca de 66% em 1995. Os imóveis médios foram os que mais ganharam participação, passando de 17,1% em 1985/85 para 25,4% em 1995/96. As grandes propriedades cresceram em termos absolutos neste período, de 1.710 imóveis em 1985/86 (7,2% do total) para 1.943 em 1995/96 (7,2%). Neste quadro excludente, principalmente para a pequena produção de laranja, a principal justificativa é a da falta de recursos de financeiros e organizacionais para este tipo de citricultor21. Mesmo com o contrato padronizado e a vigência de uma rede de poder mais estável, os grandes e os médios produtores foram beneficiados. A primeira explicação é a de que o contrato consolidou um ambiente institucional que exigia interlocutores com capacidade de articulação. O surgimento das associações de interesses dos citricultores justifica este movimento, porque somente a elevação do grau de organização coletiva e de envolvimento dos agentes no processo decisório é que poderia compensar a escassez de recursos econômicos e tecnológicos dos citricultores. A capacidade de articulação e de informação de produtores médios e grandes nas associações favoreceu as propriedades de maior tamanho. Os pequenos citricultores apresentaram reduzida participação nas associações, ficando totalmente distantes do arranjo institucional. Assim, com recursos de poder inexistentes e reduzida capacidade de articulação, os pequenos produtores pouco participaram do associativismo na citricultura. Seus interesses não estavam representados no processo de negociação da rede política territorial citrícola. O baixo volume de produção de laranja de muitas propriedades exige um grau de organização considerável, principalmente na negociação com a indústria de suco. As grandes reivindicações das associações de interesses dos citricultores eram as das grandes e médias propriedades. O resultado foi a exclusão de milhares de pequenas propriedades de laranja no cinturão citrícola brasileiro. Em suma, a vigência do contrato consolidou a representação coletiva e legitimou as associações. Como conseqüência, favoreceu os produtores conscientes deste tipo de ação, inseridos principalmente nas categorias das médias e grandes propriedades de laranja. As associações articularam as trocas de recursos de poder, as demandas de interesses e a montagem da estrutura de oportunidades. Como foi visto, apenas a tentativa da ACIESP favoreceu a organização da pequena produção. No entanto, ela fracassou porque o grau de envolvimento do pequeno produtor foi baixo, e os recursos financeiros escassos desses produtores dificultaram os pagamentos das mensalidades das associações representantes. Além de que a incapacidade do associativismo de melhorar a estrutura débil da citricultura (com heterogeneidade de interesses e de tipos, dispersão no território e elevado número de agentes) afetou sobremaneira os pequenos produtores. 21 O que também colaborou foi a redução dos recursos creditícios para a modernização dos pomares. Dos 79 citricultores entrevistados, 60% afirmaram que não realizaram financiamentos nos últimos três anos. Na fase atual, os produtores que recorrem ao crédito bancário utilizam somente os financiamentos de custeio. Os juros vinculados a qualquer financiamento para o investimento na propriedade são elevados para a sobrevivência produtiva destes citricultores. Além desses créditos para agricultura (a juros fixos de 9,5% ao ano), há a linha de crédito do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), disponível para produtores com até quatro módulos rurais, a juros um pouco inferiores (6% ao ano, mais 50% da Taxa de Juros a Longo Prazo). No entanto, a falta de informação na citricultura é imensa: na pesquisa de campo realizada, dos 79 citricultores entrevistados, 66% afirmaram não conhecer o PRONAF.

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3.2 A estratégia de verticalização para trás da indústria citrícola processadora A constituição de uma comunidade política no território citrícola ocorreu sob extrema concentração industrial. Como foi apontado, esta característica estrutural não desapareceu com a sua extinção. Após a queda do contrato-padrão, o poder de concentração das quatro maiores empresas permaneceu significativa – 79,46% em 1995 e 73,41% em 1997 (Kalatzis, 1998, p.71). O oligopólio industrial inalterado estimulou o crescimento do processo de verticalização para trás nos anos 90. Os recursos de poder elevados permitiram a elevação das estratégias de dominação industrial no cinturão citrícola. As principais empresas processadoras de suco concentrado apresentaram rápido crescimento vertical através da introdução de novos pomares próprios. Vimos na tabela 7 que os grandes grupos processadores (que atualmente são os 5 C’s, já que a Citrovita adquiriu a Cambuhy e entrou fortemente neste conjunto oligopolista) determinaram que a estratégia de montagem de pomares próprios fosse compor o quadro comum da organização industrial citrícola. A tabela 9 revelou o grau de integração destas empresas no ano de 1997: Citrosuco com 30% da laranja processada provinda de pomares próprios, Cutrale com 30% ou 40%, Citrovita com 50%, Cargill com 30% e Coinbra com 15%. A partir do procedimento estratégico das duas maiores, Citrosuco e Cutrale, as demais empresas buscaram na verticalização um fator determinante da vantagem competitiva e da elevação de seus recursos de poder. Em primeiro lugar, porque prepondera na cultura concorrencial do segmento processador22; em segundo lugar, porque busca a elevação do poder de barganha no processo de negociação das caixas de laranja junto aos citricultores (Azevedo, 1996). A justificativa da indústria processadora para a verticalização foi a de que a concorrência entre as empresas (tradicionais e novas) promoveria a elevação dos preços das caixas de laranja. Com isso alegaram o efeito em cascata sobre o preço final do suco. Para evitá-lo, as empresas plantariam em seus pomares próprios. Diante do argumento industrial, os pomares próprios foram crescendo nos anos 90 porque as novas empresas que entravam poderiam forçar a uma irregularidade do fornecimento de laranja. A posição das empresas concentradoras foi a de assegurar suas fontes de suprimento, com a produção própria de matéria-prima. Isso garantiria parte do fornecimento de laranja, evitando as incertezas e mudanças inesperadas na quantidade de suco produzida e na parcela do mercado pertencente a cada empresa (Menezes, 1993, p. 43). A redução de custos foi alegada pelo conjunto das empresas processadoras como a responsável do crescimento estratégico da verticalização para trás. Com a queda das cotações do suco no mercado internacional e a conseqüente queda dos rendimentos das empresas, a redução dos custos seria uma necessidade para a manutenção da competitividade industrial citrícola. Ou seja, se a matéria-prima (laranja) é a responsável por cerca de 60% do custo industrial citrícola, a necessidade de baixá-lo foi transferida para o preço da caixa de laranja (Vieira, 1998). A justificativa empresarial para a aceleração do movimento estratégico da verticalização vigorou durante a fase de vigência do contrato-padrão. A literatura especializada também apontava a 22 ... a integração vertical das formas estabelecidas, além de constituir uma barreira a novos entrantes, implica também em um dilema para os candidatos ingressarem em um determinado setor. Se as firmas ingressantes não forem integradas verticalmente, enfrentarão um risco extra em função da incerteza no mercado spot. Por outro lado, a entrada de empresas integradas verticalmente exigirá uma elevação no custo do capital aplicado, aumentando assim, o risco em relação à taxa de retorno esperada. A tendência do setor citrícola com projetos de plantios próprios por parte não só das empresas líderes, mas também das novas ingressantes, representa um elemento estratégico competitivo e um obstáculo à potenciais entrantes. Neste sentido, o controle da oferta da matéria-prima propicia uma posição dominante na indústria e reforça as barreiras à entrada, uma vez que poderá assegurar vantagens absoluta de custos não só ante as novas entrantes, como a competidores já existentes ... (Kalatzis, 1998, p. 96).

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redução de custos e a eficiência empresarial como os indicadores relevantes (Menezes, 1993; Neves, 1996). No entanto, as empresas processadoras visaram a elevação do poder de barganha (Azevedo, 1996), ao possuir pomares próprios e garantir maiores vantagens no processo de negociação com os produtores de laranja, já que passaram a adquirir menor quantidade de matéria-prima. Essas vantagens resultam na elevação dos recursos de poder industrial e este seria o real motivo da aceleração da montagem dos pomares próprios das empresas de processamento. Assim, a elevação do poder de barganha industrial significa que os benefícios da integração vertical parcial não se restringem ao diferencial de custos, mas estendem-se aos ganhos que as empresas obtêm na negociação com os produtores de laranja do cinturão (Azevedo, 1996). A questão preponderante é a da elevação do poder de dominação industrial no território citrícola, porque a elevação da barganha é uma forma de dominação. O foco estratégico da indústria foi a elevação de seus recursos de poder, e o crescimento da verticalização para trás criou uma nova estrutura de oportunidades no cinturão, que deixa reduzido espaço para os citricultores. A verticalização para trás determina a expansão das oportunidades estratégicas das empresas de processamento. No processo de negociação das caixas de laranja para o processamento, quem determina o preço é a indústria; os citricultores lutam entre si para a realização da melhor venda. Deste modo, as ações individuais dos citricultores estiveram enfraquecidas, assim como a ação coletiva – por meio das associações -, além de que os recursos de poder são ínfimos frente ao capital industrial23. Em suma, a estratégia de verticalização para trás da indústria processadora de suco é um dos aspectos da combinação estrutural excludente do território citrícola, que tende a permanecer. As respostas das operações dos pomares próprios foram muito rápidas, tanto no fluxo tecnológico como no de recursos de poder. Em três ou quatro anos, esses pomares, possuidores de tratos culturais modernos, responderam com uma produção eficiente. A resposta estratégica foi a de elevação do poder de barganha industrial, porque garantiu uma parcela do fornecimento de matéria-prima para o processamento, ampliando a capacidade de negociação das empresas perante os citricultores. A estratégia bem sucedida de verticalização industrial reduziu as habilidades dos citricultores e de suas associações no processo de negociação, principalmente no período em que os contratos são realizados individualmente. O quadro excludente se agrava principalmente para os pequenos produtores, possuidores de menor oferta do produto, baixa capacidade associativa e poder de

23 Um bom exemplo é o do atraso de compra industrial da matéria-prima (laranja) no ano-safra de 1999/2000. No período de maio a agosto, tradicional para as vendas dos frutos, a indústria atrasou a compra. Dois fatores são determinantes para compreender a posição estratégica industrial. O primeiro é a existência dos pomares próprios, que garante uma parcela considerável do fornecimento. O segundo é o estoque de suco concentrado das empresas que, em conjunto, equivale a cerca de 80% do ano- safra de laranja (pesquisa de campo). Como foi descrito no capítulo 1, este é um recurso de poder muito importante, porque reduz o risco empresarial anual e eleva ainda mais o seu poder de negociação. Apesar de os pomares já estarem prontos para a colheita desta safra de laranja (1999/2000), estimada em 388 milhões de caixas de 40,8kg, as indústrias processadoras ainda não definiram o preço a ser pago pela fruta ... Alguns citricultores fecharam, no ano passado, contratos de entrega da laranja, com preço fixado em dólar, para esta safra Em alguns contratos, a indústria assumiu o compromisso de pagar US$ 3,00, em média, pela caixa de 40,8 Kg mais o frete de transporte da fruta até a fábrica. Só que elas estão liberando o citricultor para vender a fruta no mercado interno, quebrando o contrato (Oliveira, 1999). (Grifo nosso).

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barganha nulo. No entanto, a heterogeneidade de interesses e a dispersão territorial alcança a citricultura em geral. Em suma, a capacidade de negociação do produtor de laranja foi muito abalada24. Assim, a verticalização industrial é um dos aspectos que determinam a combinação particular do território citrícola. Neste caso, o caráter excludente é justificado pelo controle industrial do fornecimento da matéria-prima (laranja), pelos elevados estoques industriais de suco concentrado e pelo poder de dominação do capital industrial e financeiro no fluxo e no fixo citrícola. 3.3 A terceirização agroindustrial e a redução dos direitos trabalhistas no território citrícola Vimos que a estrutura de oportunidades que se formou com o fim do contrato-padrão é excludente. Isso permitiu que estratégias de terceirização, tipicamente industrial, alcançassem os pomares paulistas rapidamente. A partir de 1995, os produtores adotaram a prestação de serviços para as atividades de colheita, consequentemente, a utilização de cooperativas de mão-de-obra rural foi intensa. No primeiro ano da terceirização nos pomares do território, as principais cidades citrícolas - como Araraquara, Bebedouro e Matão - já apresentavam três ou quatro cooperativas constituídas. A nova ordem da racionalização no campo tinha a sua justificativa: a quebra do contrato padrão promoveu o repasse dos custos da colheita e do transporte para os citricultores. O repasse foi considerado demasiado oneroso pelos produtores e um vetor de exclusão a curtíssimo prazo para boa parte da citricultura. A estratégia da terceirização no campo começou na indústria processadora, que articulou a nova tendência mundial das plantas industriais aos seus interesses e aos dos citricultores. Os citricultores desejavam prosseguir na atividade e à indústria jamais interessou uma exclusão elevada de produtores. As empresas processadoras organizaram este processo por meio de suas próprias administrações, estimulando a contratação da mão-de-obra nos pomares com o estabelecimento de pessoas de confiança na gerência de algumas cooperativas. O objetivo básico foi o da redução dos custos na fase da colheita e não o do estabelecimento dos preceitos básicos do cooperativismo, como a reciprocidade e a igualdade entre as pessoas, caracterizado pela troca de informações entre os cooperados, direitos de votar e ser votado, decisão sobre contratos e acordos etc.. Esses elementos cooperativos jamais foram encontrados nestas organizações. Pelo contrário, a definição de que a sociedade cooperativa tenha por fim o benefício dos associados quer pela parceria e reciprocidade, quer pelos ganhos de salários ou facilidades de empréstimos não se enquadrou em nenhum instante (Ferreira, 1993). A adoção das cooperativas de mão-de-obra rural nos pomares do território citrícola e a terceirização de determinadas atividades industriais seguiram o empenho estratégico de redução de custos das empresas processadoras e dos produtores de laranja. Tratou-se da terceirização como um processo similar ao dos países desenvolvidos, tomou-se a palavra terceirização como se fosse outsourcing, mas este movimento estratégico não correspondeu exatamente a uma relação de parceria. Porque a cooperação e a informação simétrica entre as partes envolvidas não

24 E isso promove um processo excludente, como sugere Vieira (1998); ... se o poder de barganha dos produtores for

tão baixo que se torne difícil obter preços compensatórios, este processo pode induzir a saída de muitos produtores do setor, provocando uma seleção de fornecedores. E se, por outro lado, a indústria continuar tomando o espaço na produção agrícola, poderá ocorrer uma concentração da produção, com possíveis mudanças na estrutura fundiária, tendendo a concentrar a produção em grandes propriedades (p. 173).

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estiveram presentes. Adotando-se a definição de Faria (1994), a terceirização citrícola é emblemática no estilo de terceirização tupiniquim: No Brasil, há duas modalidades de terceirização. Uma vem dos países industrializados e integra uma estratégia relacional. Objetiva alcançar tanto elementos de produtividade quanto condições novas de competitividade. É a imposição das tecnologias gerenciais de qualidade. É o outsourcing total. A palavra de ordem é partnership (parceria) em todo o fluxo produtivo, nas relações para frente, com o mercado, para trás com os fornecedores e também com os empregados. O posicionamento comportamental adotado é o do ganha-ganha, pensa-se no longo-prazo. Objetiva essencialmente a plena satisfação do cliente, através da revolução da qualidade. (...) Uma outra modalidade mais geral e bem mais ao gosto do atraso empresarial brasileiro tem embutida uma estratégia de confronto, de enfrentamento e consiste em apenas reduzir custos. É o outsourcing tupiniquim no estilo e conceito de empresário fazendeiro. Esta modalidade de terceirização mantém o antagonismo com os empregados e com o movimento sindical. Impera a desconfiança generalizada - desconfia-se dos empregados, dos fornecedores e do mercado. É o posicionamento do ganha-perde. Objetiva-se obter lucros no curto-prazo - a redução de custos faz-se com a redução da mão-de-obra (Faria, 1994, p.43). Os citricultores estavam sufocados com os recursos ínfimos e os interesses mal distribuídos, e adotaram rapidamente a utilização das cooperativas de mão-de-obra rural. Não houve um planejamento estratégico de longo prazo. A terceirização nos pomares avançou no curtíssimo prazo como o único meio de os citricultores enfrentarem o repasse dos custos de transporte e colheita. Eles não visualizaram outra alternativa. Junte a isso a perda do poder de negociação do movimento sindical dos trabalhadores, potencializado com os movimentos migratórios, e o papel exercido pelas associações de interesses, a partir de junho de 1995, ao estimular os associados para o aproveitamento das cooperativas de mão-de-obra rural (Alves, Paulillo e Silva, 1996). As vantagens para os produtores de laranja vinculavam-se à redução dos custos da produção e eram as seguintes: a) não-existência de problemas trabalhistas nas épocas de safra; b) supressão de vínculo empregatício com o tomador de mão-de-obra; c) inexistência de fiscalização trabalhista; d) desobrigação das responsabilidades trabalhistas e sociais; e) maior tranqüilidade na execução de trabalhos agrícolas. Os trabalhadores deixaram de ter vínculo empregatício com o tomador de mão-de-obra e com a cooperativa, porque foram considerados, para efeitos legais, partes da entidade que os representa, com quotas partes de participação no capital. Ficaram livres de intermediários, tiveram maior mercado de trabalho e possibilidades de participação nos lucros da sociedade ao final do exercício. Considerando o parágrafo único ao artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que estabelece a inexistência de vínculo empregatício entre a sociedade cooperativa e seus cooperados, nem entre estes e a empresa tomadora de serviços, o Ministério da Justiça, através da portaria nº 925, de 28 de setembro de 1995, procurou amenizar a situação degradante do trabalhador cooperado. Para tal, impôs a necessidade da fiscalização do trabalho na empresa tomadora de serviços da sociedade cooperativa por meio de levantamento físico. O principal objetivo foi o de detectar a existência dos requisitos da relação de emprego entre a empresa tomadora e os cooperados (Paulillo e Alves, 1997). A fiscalização estabelecida trouxe algumas exigências: a) número mínimo de vinte associados; b) capital variável, representado por quotas-partes, para cada associado, inacessíveis a terceiros, estranhos à sociedade; c) limitação do número de quotas-partes para cada associado; d)

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singularidade de votos, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, exceção feita às de crédito, optar pelo critério de proporcionalidade; e) quórum para as assembléias, baseado no número de associados e não no capital; f) retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente, às operações realizadas pelo associado e g) prestação de assistência ao associado e fornecimento de serviços a terceiros atendendo a seus objetivos sociais. Essas resoluções não amenizaram o problema da presença das cooperativas de mão-de-obra nos pomares. Pelo contrário, potencializaram, porque a exigência do número mínimo de vinte associados concedeu a possibilidade de abertura de novas cooperativas para os intermediários da contratação de mão-de-obra no campo - os gatos. A proliferação das cooperativas nos municípios do território citrícola aniquilou totalmente o contrato de safrista. As cooperativas retiraram os direitos trabalhistas do trabalhador rural como férias, descanso semanal remunerado, descanso durante a jornada de trabalho, aviso prévio, fundo de garantia por tempo de serviço, aposentadoria, acidente de trabalho, etc. (Alves, Paulillo e Silva, 1996). A relação de trabalho que se estabeleceu entre trabalhador e tomadores de mão-de-obra rural foi particular deste território; entre empresas processadoras de suco, citricultores, suas associações de interesses e os colhedores de laranja. Do ponto de vista hierárquico, o trabalhador rural tornou-se subordinado ou empregado da indústria ou do produtor mas, do ponto de vista jurídico, os trabalhadores cooperados tornaram-se autônomos. Essa subordinação contribuiu para o êxito estratégico da terceirização dos pomares, de reduzir os encargos e fugir das responsabilidades sociais com os trabalhadores rurais. A forma com que as cooperativas de mão-de-obra rural se organizaram no cinturão citrícola brasileiro revela que a direção de sua implantação e conseqüente fortalecimento foi única: da indústria e dos produtores de laranja para os gatos25. A expansão desse modelo de contratação afetou a quantidade e a distribuição das cooperativas nos municípios citrícolas do cinturão, já que a partir de setembro de 1995 ocorreu uma proliferação de cooperativas que fugiram do controle industrial. Por exemplo, em Bebedouro as empresas de processamento estimularam o processo de implantação controlando três cooperativas mas, já no verão de 1996, verificou-se a presença de cerca de dez cooperativas fora do controle das firmas processadoras. Em Matão ocorreu o mesmo processo, envolvendo duas processadoras e uma dezena de cooperativas (pesquisa de campo). A explicação desse movimento foi o fortalecimento dos gatos, porque num sentido amplo a cooperativa de mão-de-obra foi a institucionalização dos gatos que, incomodados pelo controle industrial, aproveitaram-se da flexibilização da legislação trabalhista rural e passaram a constituir suas próprias cooperativas – ... meia dúzia de Gatos formam uma cooperativa de mão-de-obra rural (entrevista com dirigente sindical – pesquisa de campo). Isto é, as indústrias tomaram a iniciativa de implantar as cooperativas e, posteriormente, os gatos a aproveitaram, pois a indústria de suco utilizou os gatos de sua confiança e os profissionais de sua administração e do departamento jurídico para orientar os gerentes destas cooperativas. Isso criou uma subordinação direta dos gatos às indústrias que, dessa forma, passaram a buscar autonomia na constituição de suas cooperativas para atuar em outras culturas a longo prazo. No período 1996/1999, os trabalhadores não tiveram outra forma de adequação: tornar-se cooperado deixou de ser livre opção e transformou-se num ato compulsório. A falta de conhecimento e de informação dos trabalhadores rurais facilitaram a implantação da estratégia da terceirização nos pomares. Grande parte dos trabalhadores rurais aceitaram a idéia e facilitaram o

25 Essa é a designação popular utilizada para o empreiteiro de mão-de-obra agrícola no Brasil.

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avanço das cooperativas. Nos primeiros anos (1995 e 1996), tornar-se cooperado significava a liberdade de mudar de empreiteiro, de colher outros produtos e, depois, novamente colher laranja, de se empregar nas cidades do cinturão citrícola em serviços temporários, não ter vínculos com qualquer empresa para, enfim, obter maiores ganhos (Baptistella et. al., 1996, p. 6). No entanto, o vínculo do trabalhador rural com as cooperativas de mão-de-obra representou grandes perdas. A falta de conhecimento e da consciência coletiva dos trabalhadores rurais permitiu o avanço das cooperativas de mão-de-obra, a queda de seus direitos trabalhistas e a redução de suas condições de sobrevivência. A terceirização nos pomares do território citrícola foi uma estratégia que visou manter a estrutura de poder e a brutal diferença de oportunidades estratégicas entre indústria e produtores de laranja. Os citricultores seguiram a orientação da indústria processadora porque não apresentavam recursos de poder suficientes para demonstrar autonomia e capacidade de decisão. Um dos resultados foi a retirada dos direitos trabalhistas e a redução das condições de sobrevivência do trabalhador rural. Em suma, a terceirização agroindustrial citrícola teve um caráter excludente para o trabalhador rural no cinturão. Esses efeitos foram mantidos a médio prazo (2 ou 3 três anos) pois, a partir do final de 1997, as cooperativas de mão-de-obra rural passaram a ser combatidas. Primeiro, pelas ações reivindicativas de alguns sindicatos municipais de trabalhadores rurais junto ao poder público. Essas reivindicações basearam-se na diferença entre o que é efetivamente pago pelas cooperativas e o que os trabalhadores rurais receberiam com o antigo contrato de safra. Segundo, por intermédio das ações públicas impetradas pela Promotoria do Trabalho da 15a Região, que foram contrárias às cooperativas de mão-de-obra. O argumento da Promotoria foi o de que as cooperativas não cumpriram o requerimento básico da livre determinação dos próprios interessados (os trabalhadores rurais) e não atenderam à legislação cooperativa26. A persistência de algumas cooperativas de mão-de-obra rural no cinturão citrícola não significa a permanência desta forma de terceirização. Pelo contrário, elas estão cada vez mais enfraquecidas porque as ações públicas impetradas pela Promotoria do Trabalho da 15° Região têm sido vitoriosas. Assim, é possível apontar uma tendência de desaparecimento das cooperativas no cinturão citrícola brasileiro27. As ações judiciais abalaram a principal vantagem da terceirização nos pomares que é a inexistência do vínculo trabalhista e a redução dos custos de mão-de-obra. Assim, a forma de contratação por terceiros na citricultura deve sofrer uma retração considerável a médio prazo. Isso não significa que desapareceram totalmente. Mas o aparecimento de novas formas de organização dos citricultores para a realização da contratação de força de trabalho está ocorrendo. Os produtores de laranja do cinturão, expostos aos riscos das ações trabalhistas e de passivos trabalhistas que põem em perigo a propriedade da terra e a permanência na atividade, começaram a se articular no sentido de promover organizações localizadas. É a necessidade de constituição de condomínios de propriedades citrícolas para a contratação conjunta de trabalhadores. O objetivo é o da organização e constituição de uma figura jurídica nova, chamada condomínio rural de produtores. Essa figura jurídica contrata os trabalhadores para o condomínio, pelo contrato de safra ou contrato permanente de trabalho, e estes

26 No entanto, as cooperativas de mão-de-obra rural persistem. Basta que na sua implantação não haja indícios de intromissão patronal e elas podem continuar existindo, dado que a lei não foi modificada. Para que as cooperativas deixem de existir será necessário, portanto, mudança na lei e contra a mudança há inúmeras forças que se somam no Congresso. 27 Na pesquisa de campo realizada, 15% dos produtores entrevistados não utilizaram os serviços das cooperativas de mão-de-obra rural para a colheita da laranja na safra 1998/99.

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trabalhadores são alocados aos produtores de acordo com suas necessidades (plantio, tratos culturais e colheita). Cada produtor paga ao condomínio de acordo com os dias de trabalho e número de trabalhadores utilizados no mês, incluindo neste pagamento os encargos trabalhistas que os trabalhadores terão direito, de acordo com a legislação. Os problemas jurídicos colocados para as cooperativas de mão-de-obra impulsionam um movimento estratégico interessante dos produtores de laranja neste território. Este movimento é organizado e pode revelar um bom exemplo do que um condomínio rural localizado pode representar para agentes produtivos com recursos de poder escassos e interesses mal representados. No caso dos citricultores, além de retirar os riscos das ações e passivos trabalhistas que perturbam a propriedade da terra, esses condomínios podem orientar a formação de pool’s de venda da laranja, de planejamento em conjunto das respectivas culturas e da troca de informações para atuação na atividade em que estão inseridos28. Enfim, podem induzir à mobilização de fatores de ordem cultural no território citrícola, pautados na proximidade local, nas relações de parceria e na reciprocidade de interesses. Assim, o resultado do processo penoso da terceirização nos pomares pode representar, a partir de 1999, o começo da inserção de alguns fatores de mobilização social localizada no território citrícola, como a cooperação, a troca de informações, a realização de acordos e ações coordenadas facilitadas. Esse movimento pode estar começando na citricultura, que está subalterna e enfraquecida no processo de interação estratégica com a indústria. O surgimento de condomínios de propriedades citrícolas apresenta, de resultado imediato, a volta dos direitos trabalhistas nos pomares e a melhora das condições de sobrevivência dos trabalhadores rurais do território citrícola. Entretanto, poderá apresentar a longo prazo novas formas de inclusão para os produtores de laranja. 4. Considerações finais A combinação estrutural excludente do território citrícola se mantém porque a assimetria de poder entre indústria e citricultura é brutal. A manutenção da heterogeneidade de interesses e da dispersão estratégica das associações representantes da citricultura reduziu largamente a capacidade de negociação dos produtores de laranja. Ao mesmo tempo, a indústria unificou os seus interesses na ABECITRUS (Associação Brasileira dos Exportadores de Sucos Cítricos) e a concentração industrial facilitou este movimento estratégico. Isso significa que a discrepância dos poderes de negociação de indústria e citricultura atingiu o nível mais elevado da história de desenvolvimento deste território. Vimos os fatores relevantes que determinaram esse processo. Primeiro, a falta de recursos de poder dos produtores de laranja, como conseqüência da queda dos poderes de representação e de aglutinação de suas associações de representação e da estrutura agroindustrial oligopolista. Segundo, o avanço da estratégia de verticalização para trás da indústria processadora, que potencializou o poder de negociação industrial em detrimento do aumento da debilidade estrutural da citricultura. Terceiro, a ausência dos fatores de mobilização cultural no território, como a cooperação, ações coordenadas facilitadas, cumprimento de acordos, troca de informações 28 Dos 79 produtores entrevistados, 50% consideram vantajoso a participação em pool’s ou grupos de venda. A parceria entre os participantes foi o fator mais indicado para justificar o bom funcionamento dos pool’s. Ele foi citado por 55% dos entrevistados. O avanço dessas atividades pode levar à expansão dos “sem-fábrica” no complexo agroindustrial citrícola (Belik, 1999). Isto é, os produtores de laranja que não possuem planta processadora mas que, articulados em condomínios rurais e pool’s de produção, podem tercerizar o esmagamento dos frutos e buscar parcelas de demandas não atendidas. No território citrícola brasileiro o melhor exemplo é o do grupo Montecitrus, que tem terceirizado o esmagamento de sua produção na unidade industrial da Cambuhy, em Matão, já que essa unidade sempre trabalhou com elevada capacidade ociosa (pesquisa de campo).

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intensas etc., tão fundamentais em momentos de intensa reestruturação econômica e política. Quarto, o avanço da estratégia de terceirização nos pomares, como conseqüência da queda do poder de negociação da citricultura frente à indústria, e que provocou a redução das condições de sobrevivência do trabalhador rural, com as contratações sem vínculo trabalhista. Estes fatores mostram que a indústria de suco cítrico do Brasil construiu, nos anos 90, suas vantagens competitivas globais através da elevação de recursos de poder (financeiros, organizacionais e de informação) em nível local. A redução de seus custos de transação nas relações de compra e venda com os citricultores brasileiros e a elevação de seu poder de negociação na rede política territorial que se constituiu são os principais aspectos que justificam a construção da competitividade global em nível local. Neste caso, no território citrícola brasileiro (o interior do estado de São Paulo e uma pequena parte do triângulo mineiro, no estado de Minas Gerais). 4.1 Recomendações: por uma nova política pública citrícola no Brasil A delimitação territorial da rede agroindustrial citrícola brasileira pode oferecer novas oportunidades para a solução da crise organizacional atual. Uma nova coalizão localizada de atores públicos e privados pode proporcionar um mecanismo de governança capaz de reduzir a exclusão no cinturão da laranja. Nesse mecanismo é necessária a participação estatal, mais precisamente do governo do Estado de São Paulo, porque a assimetria de poder entre indústria e citricultura é brutal. A combinação das forças e dos interesses endógenos deste território somente elevaram o poderio industrial e a debilidade da citricultura, atingindo produtores de laranja e trabalhadores rurais. As participações dos organismos públicos estaduais e municipais podem contribuir para uma nova interação estratégica citrícola, em nível territorial, e iniciar um movimento de redução do perfil excludente do cinturão. Assim, pode-se apontar os principais elementos de uma política agroindustrial citrícola de caráter não excludente, a partir de uma nova coalizão de atores públicos e privados, localizados no cinturão da laranja. O principal objetivo desta política pública é o de instituir um espaço interprofissional citrícola29, no qual todos os participantes possam ganhar, remodelando a estrutura de oportunidades do território, facilitando o surgimento dos fatores de mobilização localizada e reduzindo a debilidade estrutural da citricultura. São metas que podem ser alcançadas no curto e no longo prazo. A mediação do governo estadual, através de suas agências regionais localizadas no cinturão citrícola brasileiro, e a instituição de uma organização interprofissional territorial são possíveis quando há um interesse geral reconhecido pelas partes envolvidas – produtores agrícolas, empresas processadoras, prestadores de serviços, associações de representação de interesses etc. (Moyano, 1997). No caso citrícola,

29 Ortega (1998, p. 16) define as interprofissões como a congregação das associações e dos interesses de um determinado complexo agroindustrial; (...) Na França, o termo “profession agricole” é utilizado para denominar o conjunto de sindicatos, cooperativas, caixas de crédito, câmaras agrárias e associações diversas que articularam os interesses gerais dos agricultores. Por extensão, termo que também se usa aqui, entende-se por “interprofession” as corporações que congregam as organizações dos produtores agrários e dos setores industriais de uma mesma cadeia produtiva, ou complexo agroindustrial.

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esse interesse geral é o da regulação e ampliação do mercado interno de laranja in natura; seja institucional, como hospitais, escolas, creches, penitenciárias etc., seja não-institucional30. Os interesses específicos da indústria (a elevação do fluxo internacional de suco concentrado) e da citricultura (a melhora do poder de negociação dos produtores) ajudam a sustentar esse interesse geral. Esse é um procedimento básico de política pública para, inicialmente, homogeneizar os interesses nos pomares e reduzir a dispersão dos produtores de laranja no território. Desse interesse emergente, é possível iniciar um processo de redução da condição excludente da citricultura, com a adoção de medidas tópicas para a melhoria de sua capacidade de negociação no fluxo agroindustrial de suco, no qual se destacam: a) estímulo e orientação do governo estadual (e suas agências) para a formação de grupos de venda; b) auxílio e orientação do poder público (estadual e municipal) para a instalação de condomínios rurais citrícolas; c) incentivos fiscais e de crédito para a formação de pool’s de produtores para operarem packing-house e pequenas processadoras; d) estabelecimento de um novo contrato padronizado de compra e venda de laranjas, a partir de novos critérios e sob a mediação do governo estadual e participação dos poderes executivo e legislativo dos municípios citrícolas, no âmbito de uma câmara territorial citrícola; e) criação de um programa de padronização de embalagens para a laranja in natura, f) criação de uma rede de informações aos produtores, g) de programas de melhoria dos tratos culturais, como o selo territorial do produto, e que facilitariam o escoamento de excedentes para o mercado institucional etc.. Além do mais, com a participação estatal, é possível adotar medidas de redução do desemprego para os trabalhadores rurais do cinturão. A formação de uma nova coalizão de atores é que pode permitir a construção de um espaço interprofissional citrícola. No curto prazo, a nova instituição pode apenas reduzir o perfil excludente do território citrícola, mas não eliminá-lo. Para a sua eliminação, é necessária a reestruturação das formas de inserção da citricultura no fluxo internacional de suco, o que não pode ser alcançado sem a alteração das regras de interação vigentes na rede de poder atual – como a negociação pautada em contratos individuais, a compra e venda da matéria-prima posta na fábrica, o modo de intervenção do Conselho de Defesa Econômica (CADE), a falta de limitação da produção de laranja nos pomares próprios das empresas processadoras e seu posterior esmagamento31 etc. Esses fatores devem ocupar o lançamento das medidas de política pública de longo prazo, objetivando reverter o caráter excludente no cinturão da laranja. Entretanto, para a formação de um espaço interprofissional citrícola é necessário reestruturar o mecanismo de governança territorial, através da vertebración da estrutura de representação de interesses, com a legitimação das atores coletivos em nível microrregional (como associações ou sindicatos com reputação) e a participação de organismos públicos regionais e municipais. É o que poderá promover a inserção dos fatores de mobilização social neste território. Esses fatores se originam da realização dos interesses econômicos, das decisões de índole política e da 30 O mercado não-institucional de laranja é relevante na esfera do consumo citrícola nacional. No caso do Estado de São Paulo, tem apresentado um desempenho crescente ao longo dos anos 90, passando de 13% do total de caixas de laranja (40,8 kg) destinadas ao consumo em 1994, para 31,2% em 1998 (Kalatzis, 1998, p. 106). O mercado institucional interno também é significativo, principalmente se tomarmos como base os anos de maior excedente de laranja no Estado de São Paulo (1998 e 1999). Neste anos o excedente foi de cerca de 40 milhões de caixas. Estimativa de Paulillo (2000, p. 159) aponta para consumo anual do mercado institucional interno do Estado de São Paulo (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos e educação especial; hospitais e presídios) em cerca de 33 milhões de caixas de laranja para fornecimento de suco fresco (ou seja, transformado na hora do consumo), considerando consumo individual de 3 copos de 300 ml/dia. 31 Em 30 de setembro de 1999 foi apresentado um Projeto de Lei na Câmara Legislativa do Estado de São Paulo que dispõe da obrigatoriedade de as empresas paulistas de suco de laranja adquirirem dos produtores agrícolas parte da matéria-prima utilizada no processamento citrícola. A Assembléia aprovou a obrigatoriedade de as empresas instaladas no território paulista adquirirem dos citricultores 80% das laranjas necessárias para a fabricação de suco. No entanto, o Projeto aguarda novas aprovações na esfera do poder executivo estadual.

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mobilização do capital cultural territorial, isto é, da capacidade e do conhecimento dos atores públicos e privados localizados no cinturão da laranja. Assim, as funções específicas e geral do espaço interprofissional citrícola se justificam porque elas formam o conjunto de oportunidades da nova localização, no qual os âmbitos local (o fixo citrícola, singular e específico) e global (o fluxo internacional citrícola, uno e abrangente) se articulam mutuamente.

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Anexo 1

Box sobre o contrato-padrão na rede agroindustrial citrícola brasileira O contrato-padrão atrelou os preços da caixa de laranja (PC) às cotações do suco no mercado internacional, expresso pela Bolsa de Nova Iorque (BNY). Os outros itens que estabeleciam o preço da caixa de laranja eram: Remuneração da Produção Industrial e de Comercialização (RPC - despesas internas e externas, como colheita, frete, custo de industrialização, tarifas portuárias, taxas alfandegárias etc.) e Taxa de Rendimento (TR) da fruta, que representa o número de caixas de laranja necessárias para a produção de uma tonelada de suco concentrado a 65 graus Brix, inicialmente fixada em 280 e reduzida até 260 caixas, por reivindicação dos citricultores devido à descoberta de erros nos 280 estabelecido anteriormente pela indústria.

PC= BNY – RPC/TR A apuração do preço final passava por várias etapas, de acordo com alguns critérios, e realizava-se da seguinte forma: Na venda da laranja, era negociado um preço provisório da caixa e estimada a produção do pomar, para que fosse feito o adiantamento, geralmente em várias parcelas, que iniciavam-se antes da colheita. Para estabelecer este preço provisório, havia um resultado de venda estimado, simulando-se o encerramento do ano exportação. O resultado de venda correspondia ao resultado da equação e as parcelas do adiantamento não excediam 70% deste valor estimado.

Quando encerrava-se o ano-exportação, em 30 de junho, era então calculada a média aritmética das cotações diárias na Bolsa de Nova Iorque durante aquele ano, que resultava no preço de venda do suco. Após a obtenção deste resultado, era então calculado o resultado da venda. Alguns dias depois do encerramento do ano-exportação, calculava-se o saldo final do preço, que consistia na diferença entre o resultado da venda e o preço provisório. O preço da caixa de laranja era igual as parcelas do preço provisório mais o saldo final do preço. Havia também a possibilidade de que o saldo final fosse negativo, ou seja, que o preço provisório fosse maior do que o resultado da venda. Quando isto acontecia, o produtor ficava em débito com a empresa compradora, devendo pagar em dinheiro corrigido ou, caso não fosse efetuado o pagamento, se comprometia em pagar com laranja na safra seguinte. Assim, o preço final da caixa só era definido quando se encerravam as vendas do suco, no final da safra, sendo que o pagamento da produção era feito uma parte antes e durante a colheita e outra parte quando se encerravam as vendas do suco no mercado internacional. O preço da caixa obtido a partir da equação representava uma referência para as negociações dos produtores com as indústrias, mas o preço final, pago à cada produtor, era fechado entre este e a indústria para a qual vendia sua produção, o que tornava possível a existência de variações nos preços efetivamente pagos aos produtores. Assim, embora a grande maioria dos produtores recebessem o mesmo valor pela caixa, eram privilegiados com negociações diferenciadas. O preço apurado pelas normas do contrato-padrão funcionava, portanto, como piso. O estabelecimento do preço da caixa recebido pelo produtor, da forma como foi descrita anteriormente, era adotado por todas as empresas, e significou um avanço nas relações entre indústria e citricultores no Brasil, pois reduziu os conflitos nos primeiros anos de vigência. (Vieira, 1998, p. 131-133)