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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA FEDERAL DA 9ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE – CAICÓ/RN
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, pela 3ª Promotoria de Caicó, com fundamento nos preceitos insertos nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), e demais dispositivos legais aplicados à espécie, vem perante Vossa Excelência propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICACom pedido DE TUTELA ANTECIPADA
Em face da FUNDAÇÃO HOSPITALAR DR. CARLINDO DANTAS, entidade beneficente sem fins lucrativos, pessoa jurídica de direito privado, inscrito no CNPJ sob o nº 08.069.577/0001, mantenedora do Hospital do Seridó, localizado na Praça Dr. José Medeiros, 1.167, Bairro Paraíba, Caicó/RN, representada por sua Presidente, Sra. SXXXXXXXXX, e do MUNICÍPIO DE CAICÓ, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Av. Cel. Martiniano, 993, Centro, CEP: 59.300-000, Caicó/RN, inscrita no CNPJ sob o nº 08.096.570/0001-39, que tem como representante constitucional, o Sr. Prefeito XXXXXXXXXXXXXXXXXX, na pessoa de quem deverão ser realizadas todas as intimações, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:
I - DOS FATOS
A Fundação Hospitalar Dr. Carlindo Dantas, mantenedora do Hospital do
Seridó (Fundação Carlindo Dantas), vem sendo fiscalizada pelo Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da 3ª Promotoria de
Justiça de Caicó e, resultante desse mister, detectou-se recorrentes falhas
graves no atendimento à população, identificadas mediante a instauração de
alguns Inquéritos Civis Públicos, que levaram à morte gestantes e seus bebês,
como decorrência direta da má gestão no serviço hospitalar, evidenciada em
péssimas condições estruturais e sanitárias no referido hospital, além de não
conseguir gerir sua equipe de recursos humanos.
Com efeito, com uma frequência alarmante, o hospital Carlindo Dantas
vem tomando as manchetes da imprensa local, chocando a todos da região,
especialmente gestantes; esse hospital, referência no atendimento obstétrico
para Caicó e demais municípios da Região do Seridó (4ª região de saúde do
RN), apresenta-se como o único estabelecimento hospitalar do município que
presta assistência materno-infantil. Mas atende mal, muito mal.
As denúncias que chegam à Promotoria Estadual e à Procuradoria da
República, relatando problemas recorrentes do atendimento no Hospital do
Seridó, especialmente quanto à assistência médica e de enfermagem, são
contínuas.
Da análise das informações colhidas nos autos dos procedimentos em
trâmite para investigação dessas denúncias, foi possível compilar inúmeros
fatos que demonstram a fragilidade do serviço prestado por essa unidade
hospitalar, que já perdura há anos, com danos irreparáveis a população
seridoense, pois tem resultado em mortes de gestantes e neonatos, sem que
os dirigentes da Fundação Carlindo Dantas esbocem qualquer reação gerencial
minimamente capaz de reverter tão grave realidade.
Nesse sentido, seguem relatos resumidos das informações relevantes
encontradas nos procedimentos ministeriais instaurados na 3ª Promotoria de
Justiça de Caicó, que configuram o fundamento fático para a presente ação:
I.1) IC n° 06.2013.00003537-2 — Procedimento instaurado com o intuito
de fiscalizar as condições de funcionamento das unidades básicas de saúde do
município, no qual busca-se verificar quais as carências no atendimento
primário e de pré-natal às gestantes.
Tal procedimento ministerial conta com várias inspeções às unidades de
saúde do município, das quais uma se destaca, tendo sido realizada no
Hospital do Seridó (Documento nº 01), em data de 23 e 24 de maio de 2013,
elencando-se as seguintes não conformidades: 1.1) necessidade de
regularização dos plantões pediátricos na urgência e emergência, uma vez que
nos finais de semana os médicos pediatras respondiam apenas pelos recém-
nascidos dos partos ocorridos naquele período, ficando desassistidas as outras
crianças com patologias diversas; 1.2) dificuldades de acesso a leitos para
pacientes de alto risco e UTI's; 1.3) inexistência de aparelho básico de
ultrassonografia, sendo encontrados, apenas, aparelhos obsoletos como
berços aquecidos sem uso; 1.4) unidade hospitalar necessitando de pintura,
retirada de algumas infiltrações e instalação de ar-condicionado nas
enfermarias.
Além disso, no relatório de inspeção em unidades básicas de saúde do
município (Documento nº 02), chama atenção as reclamações das gestantes
recebidas pela UBS Ana de Antão, quanto ao MEDO comum da hora do parto,
por ser de conhecimento geral, segundo elas, a precariedade do atendimento
no Hospital do Seridó, sendo historiado por muitas o atendimento insatisfatório,
bem como o fato destas parturientes serem vítimas de atitudes grosseiras por
parte dos profissionais que atendem no hospital.
Cumpre ressaltar, ainda, a afirmação dada pela enfermeira da unidade,
segundo a qual apesar das limitações das UBS e de alguns pré-natais realizados no município, é convicta em dizer que as causas da mortalidade materna e infantil em Caicó são decorrentes da má estrutura do Hospital do Seridó e do mau atendimento na hora do parto (Documento
nº 02).
I.2) IC nº 06.2012.00003680-1 - investiga a falta de realização de pré-
natal em Caicó, traz relatórios de vistorias realizadas no Hospital do Seridó,
realizadas pela FUNPEC-UFRN e pelo CREMERN, ambos apontando
irregularidades de estrutura física e deficiência de equipamentos e recursos
humanos no hospital (Documentos nº 04 e 05).
I.3) IC nº 06.2014.00002662-2 - cujo objeto é a investigação de falhas
no atendimento realizado à gestante XXXXXXXXXX, que veio a óbito no dia 08
de setembro de 2013, 11 (onze) dias após a realização de um parto fórceps no
Hospital do Seridó.
Conforme o termo de declarações da mãe da gestante (Documento nº
06) historiou-se que a gestação da Sra. XXX era de alto risco e teve o
acompanhamento de uma médica obstétrica, tendo seu parto sido realizado na
fundação hospitalar ora demandada no dia 28 de setembro de 2013.
Dentre as alegações contidas no termo de declarações, tem-se que a
Sra. XXXXXXXXXX, na data do seu parto, mesmo apresentando 4 (quatro)
centímetros de dilatação do colo do útero e forte sangramento, não fora
internada imediatamente, tendo o profissional médico a encaminhado para
casa; porém voltou, a meia-noite do mesmo dia, à unidade, sentindo fortes
dores, quando, só então, foi providenciado seu internamento.
Foi realizado na paciente um parto fórceps e não foi informado a sua
família. Dois dias após, a paciente recebeu alta, porém voltou a sentir fortes
dores, o que foi diagnosticado como uma infecção urinária, vindo a óbito, tendo
como causa uma septicemia. No termo de declaração destaca-se que o
atendimento médico não foi rápido, e houve demora no diagnóstico por
problemas na assistência recebida pela paciente.
A causa da morte pode sugerir que a alta da paciente foi descabida e
que não foi dispensada a terapêutica adequada, desaguando em uma infecção
generalizada (septicemia).
Essa situação foi investigada pelo Conselho Municipal dos Direitos das
Mulheres, resultando em um relatório de visita elaborado pela Comissão de
Fiscalização e Denúncias, no qual há relatos da mãe da puérpera sobre
negligência médica e hospitalar no atendimento de sua filha (Documento nº
07).
I.4) PP nº 06.2014.0006508-1 - que tem por objeto a investigação do
óbito de mãe e nascituro no Hospital do Seridó, no dia 23 de setembro de
2014.
De acordo com as informações colhidas, a Sra. XXXXXXXX da Silva, 39
anos, natural do município de São Fernando, que estava no segundo trimestre
de sua gravidez, chegou ao Hospital do Seridó na madrugada do dia 23 de
setembro de 2014, sentindo fortes dores, mas foi avisada de que o médico de plantão estava dormindo, razão pela qual só seria atendida pelo obstetra quando amanhecesse o dia.
Conforme depoimentos do marido da Sra. XXXXX e de sua
acompanhante, esta teria recebido atendimento médico apenas após as 6
(seis) horas da manhã, momento em que deu à luz, tendo seu bebê nascido no
banheiro da enfermaria do Hospital do Seridó, numa das idas da gestante ao
cômodo, sem qualquer assistência de médico ou enfermeira (Documentos nº
08 e nº 09).
Após o nascimento é que a enfermeira dirigiu-se ao banheiro e ali
mesmo cortou o cordão umbilical e envolveu a criança em um saco de pano.
Embora apresentando forte hemorragia, não houve avaliação médica, segundo
as declarações. Em função do sangramento, foi transferida para o Hospital
Regional do Seridó, mas já teria sido encaminhada morta.
I.5) PP nº 06.2015.00000604-1 - investiga morte de parturiente e bebê,
ocorridas no Hospital Regional do Seridó, em 26 de janeiro de 2015.
De acordo com denúncia realizada pelo Presidente do Conselho
Municipal de Saúde de Caicó, no dia 26 de janeiro de 2015, a gestante XXXXX
XXX fora levada ao Hospital Regional do Seridó, uma vez que apresentava
quadro de parada cardiorrespiratória (Documento nº 10).
Ao chegar ao nosocômio, já em choque, fora tentada sua transferência
para o Hospital do Seridó, a fim de que fosse realizada uma cesária de
urgência para salvar a vida do bebê. Todavia, o Hospital do Seridó negou, por
duas vezes, o recebimento da gestante, sob alegação de que não tinha
condições de recebê-la, diante da gravidade de seu estado, devendo o
encaminhamento ser feito para Natal, conforme consta no relatório sobre o
óbito elaborado pelo Comitê de Mortalidade Materna Regional (Documento nº
12), bem como foi confirmado pelas declarações do médico plantonista do
Hospital Regional do Seridó que fez o primeiro atendimento da gestante
(Documento nº 11).
Afora esses fatos narrados, a equipe de Auditoria da Secretaria Estadual
de Saúde do Rio Grande do Norte realizou auditoria no referido hospital e, a
partir desse trabalho, elaborou relatório no qual constam diversas
irregularidades encontradas no Hospital do Seridó, tais como (Documento nº
15): inconsistências no faturamento para cobranças SUS referente aos
atendimentos de urgência (Constatação nº: 286314); distorções entre o serviço
de fisioterapia efetivamente prestado e aquele faturado (Constatação nº
286962); a mesma equipe multidisciplinar de saúde presta atendimento aos
usuários SUS e aos portadores de planos de Saúde, mas é remunerada com
recursos públicos (Constatação nº 286974); identificou que vários
equipamentos que guarnecem o estabelecimento de saúde são de propriedade
do município de Caicó e da Secretaria Estadual de Saúde (Constatação nº
288483).
Tais dados só comprovam a falta de gestão da Fundação Carlindo
Dantas no Hospital do Seridó, com a incapacidade de iniciativa de seus
dirigentes em sanar as graves falhas da unidade, seja em seus aspectos
estruturais, seja na gestão de sua equipe de recursos humanos, que não
recebem qualquer tipo de supervisão: risco alto para os usuários, na medida
em que não podem optar por outro serviço, já que este é a única referência
hospitalar materno-infantil, para uma população de 13 municípios (Jucurutu,
Jardim de Piranhas, Jardim do Seridó, Ouro Branco, São Fernando, São João
do Sabugi, São José do Seridó, Serra Negra do Norte, Timbaúba dos Dantas,
Cruzeta, Ipueira e Equador), além de Caicó.
Ademais, salta aos olhos dos relatórios de visitas de inspeção feitos pela
FUNPEC e CREMERN (Documentos nºs 04 e 05), que a Direção da Fundação
não assegura investimentos mínimos para sua manutenção básica, nem a
equipe de servidores possui qualquer supervisão, treinamento, capacitação, em
prol da melhoria de suas rotinas de trabalho, vejamos: 1) não seguem um
protocolo de atendimento às gestantes, uma vez que o primeiro atendimento
recebido ao chegarem a urgência é feito por uma enfermeira ou parteira, sem
uma avaliação médica prévia que defina qual a assistência mais adequada ao
caso; 2) é recorrente que os profissionais médicos se recusem a atender às
parturientes que aportam no serviço; as pacientes têm contraído infecções
após procedimentos realizados no hospital; os equipamentos são obsoletos e
alguns não funcionam, como a ultrassonografia, cujo serviço é cadastrado no
CNES (Documento nº 13), mas não é prestado e as pacientes acabam
recorrendo a serviços particulares; 3) a estrutura das enfermarias não está em
consonância com a legislação sanitária.
Essa realidade é tão negativamente impactante na Região do Seridó,
que a sociedade civil organizou-se em um movimento “Em Luta pelo Hospital
da Mulher”, a fim de reivindicar que o Hospital do Seridó torne-se público e
organize-se para ser Centro de Referência da saúde da mulher. Nesse intento,
o movimento, em 06 de abril de 2015, encaminhou ofício (Documento nº 19) à
Promotora Coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias da Saúde do
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte – CAOP Saúde, no qual
relatam que:As mulheres seridoenses, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), não contam com um ambiente hospitalar e clínico que lhes ofereçam um atendimento adequado, digno e humanizado, sendo vítimas constantes de sofrimento físico, psíquico e, o mais grave, mortes de parturientes e, por vezes, dos recém-nascidos. Ademais, os que sobrevivem muitas vezes ficam com sequelas decorrentes do parto realizado em condições precárias.
Como se vê, são tantas as irregularidades no âmbito de um serviço de
saúde que é essencialíssimo para gestante seridoense, que apenas uma
intervenção na própria gestão do hospital, se mostra como única medida à
altura da defesa da dignidade e da vida de mães e neonatos.
II - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA APRECIAR A CAUSA E DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO
A Constituição Federal, em seu art. 129, ao tratar das funções
institucionais do Ministério Público, dispõe no inciso II, que a ele cabe zelar
pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos constitucionalmente
assegurados, devendo nesse intento promover as medidas necessárias à sua
garantia.
A saúde é compreendida como um direito social alçado a categoria de
direito fundamental, além de ser reconhecida pelo artigo 196 da Constituição
Federal como de relevância pública, encaixando-se dentre os direitos que
demandam a atuação protetiva do Parquet. Isso porque, por se tratar de defesa
do direito à saúde, implica, em última análise, em um pressuposto inarredável
do direito fundamental à própria vida, bem máximo e primeiro do indivíduo.
Prosseguindo, o inciso III do artigo 129 indica um dos
instrumentos hábeis a essa garantia, determinando que o Ministério Público é
parte legítima para promover o inquérito civil e a ação civil pública para
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Reforçando essa atribuição ministerial, a Lei Federal nº 7.437/85, que
disciplina a ação civil pública e foi recepcionada pela Lex Mater de 1988,
também prevê o Ministério Público como parte legítima para a proposição da
Ação Civil Pública, para a tutela dos bens e interesses listados em seu artigo
1º.
Ademais, essa mesma atribuição é consagrada no inciso IV, do art. 25,
da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), ao impor a
incumbência de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a
proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, turístico e
paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis
e homogêneos.
Ora, se a Lei Maior preceitua que “a saúde é direito de todos e dever do
Estado” (art. 196), qualificando as ações e serviços de saúde como “de
relevância pública,” cujo efetivo respeito cabe ao Ministério Público velar, não
se tem como negar a pertinência da legitimidade ativa do Parquet nesta ação,
mormente quando a defesa de tal ordem de interesses seja inerente a toda
uma coletividade regional, como no caso vertente.
Assegurar saúde no Brasil, desde o final da década de 80 significa falar
no SUS - Sistema Único de Saúde que, por sua vez, se ramifica em várias
linhas de assistência, sendo que a presente ação se debruça sobre uma das
mais importantes delas, a materno-infantil, pois trata dos cuidados primários
com a mãe e o bebê. Trata-se de assegurar dignidade no momento do
nascimento.
A linha assistencial destacada está disciplinada no âmbito do SUS por
um conjunto de Portarias expedidas pelo Ministério da Saúde, sobressaindo-se
a Portaria GM/MS nº 1.459, de 24 de junho de 2011, a qual institui no âmbito do
Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha.
A Rede Cegonha é uma ação sanitária importantíssima, que foi
desenvolvida para dar uma resposta à OMS/ONU, em função dos Objetivos do
Milênio, metas mundiais voltadas para promover a melhoria e qualidade de vida
dos povos, em um total de oito, sendo duas delas na área de saúde: melhorar o
cuidado materno-infantil e reduzir a mortalidade materna, nos quais o Brasil
possui índices negativos - vide recente informe do CAOP Saúde (Documento nº
14), destinada a promover toda uma reestruturação da rede de saúde voltada
às atenções pré-natal, obstétrica, puerperal e neonatal no território brasileiro,
especialmente regiões nordeste e norte.
De acordo com o artigo 9º da portaria:
Art. 9°. Para operacionalização da Rede Cegonha cabe:I - à União, por intermédio do Ministério da Saúde: apoio à implementação, financiamento, nos termos descritos nesta Portaria, monitoramento e avaliação da Rede Cegonha em todo território nacional;
Já segundo o artigo 10, o financiamento do programa será dividido entre
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cabendo à União destinar
recursos às ações listadas nos incisos desse mesmo artigo:
Art. 10. A Rede Cegonha será financiada com recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cabendo à União, por meio do Ministério da Saúde, o aporte dos seguintes recursos, conforme memória de cálculo no Anexo II: [...]II -Financiamento do componente PARTO E NASCIMENTO:a) recursos para a construção, ampliação e reforma de Centros de Parto Normal, Casas de Gestante, Bebê e Puérpera, e recursos para reformas voltadas para a adequação da ambiência em serviços que realizam partos, de acordo com os parâmetros estabelecidos na RDC nº 36 da ANVISA, devendo estes recursos ser repassados de acordo com as normas do Sistema de Contratos e Convênios/SICONV/MS e do Sistema de Gestão Financeira e de Convênios/ GESCON/MS.b) recursos para a compra de equipamentos e materiais para Casas de Gestante, Bebê e Puérpera, Centros de Parto Normal, e ampliação de leitos de UTI neonatal e UTI adulto, devendo estes recursos serem repassados fundo a fundo.c) 100% (cem por cento) do custeio para Centros de Parto Normal, mediante repasse fundo a fundo, de recursos que serão incorporados aos tetos financeiros dos estados, municípios e Distrito Federal, devendo estes recursos serem repassados aos serviços na forma de incentivo, de acordo com o cumprimento de metas.d) 100% (cem por cento) do custeio para Casas de Gestante, Bebê e Puérpera, mediante repasse fundo a fundo, de recursos que serão incorporados aos tetos financeiros dos estados, municípios e Distrito Federal, devendo estes recursos serem repassados aos serviços na forma de incentivo, de acordo com o cumprimento de metas.e) 100% (cem por cento) de custeio do Leito Canguru, mediante
repasse fundo a fundo, de recursos que serão incorporados aos tetos financeiros dos estados, municípios e Distrito Federal, devendo estes recursos serem repassados aos serviços na forma de incentivo, de acordo com o cumprimento de metas.f) 80% (oitenta por cento) de custeio para ampliação e qualificação dos leitos (UTI adulto e neonatal, e UCI neonatal), mediante repasse fundo a fundo, de recursos que serão incorporados aos tetos financeiros dos estados, municípios e Distrito Federal, devendo estes recursos ser repassados aos serviços na forma de incentivo, de acordo com o cumprimento de metas.g) 80% (oitenta por cento) de custeio para ampliação e qualificação dos leitos para Gestantes de Alto Risco/GAR, mediante repasse fundo a fundo, de recursos que serão incorporados aos tetos financeiros dos estados, municípios e Distrito Federal, devendo estes recursos ser repassados aos serviços na forma de incentivo , de acordo com o cumprimento de metas. [...]
Disso se extrai que além de referir-se esta ação à implementação e
concretização de uma política pública capitaneada pelo Ministério da Saúde – a
Rede Cegonha, se volta também para a busca da correta aplicação de
recursos federais a serem recebidos pelos serviços de obstetrícia do SUS,
sendo a Fundação Dr. Carlindo Dantas um deles, para estruturação da atenção
obstétrica em todo o país.
Tais circunstâncias jurídico-legais específicas (metas dos Objetivos do
Milênio e Rede Cegonha, como política pública de saúde prioritária do
Ministério da Saúde) fazem com que a competência para a apreciação e
julgamento da presente ação civil pública seja atraída para a Justiça Federal,
dado o patente interesse da União/Ministério da Saúde na causa.
Ademais, ante a fundamentalidade dos interesses violados, em flagrante
contraposição a proteção especial que é dada à maternidade e à infância pela
Carta Política de 1988, a atuação conjunta do Ministério Público Estadual e
Federal se impõe, considerando o indissolúvel compromisso de ambas as
instituições com a defesa dos direitos básicos das pessoas, vem se firmando
como órgãos essenciais para tal mister.
III - DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO DE CAICÓ
No que toca à saúde, mais precisamente em relação à competência
administrativa, entendida esta na tarefa de fazer concretizar o comando
constitucional que trata o tema como direito social, o artigo 196 da CF
determina que a sua efetivação é dever do Estado:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Para regulamentar os aspectos relacionados a ela, foi instituída a Lei
8.080/90, chamada de Lei Orgânica da Saúde, a qual no seu artigo 7º,
determina a descentralização dos serviços de saúde, priorizando a sua
municipalização:Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; (…)
Essa Lei Federal trouxe elementos norteadores para a garantia de
acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, tendo como base a
descentralização da prestação dos serviços de forma integral e hierarquizada, possibilitando o atendimento ao cidadão no local mais próximo de sua residência.
Nesse esteio, assim dispõe a Lei 8.080/90 no que diz respeito às
competências municipais:
Art. 18. À direção municipal do Sistema Único de Saúde - SUS compete:I – planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde; [...]V – dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde; […]
A Política Nacional de Saúde do Brasil, dessa forma, está centrada na
municipalização da saúde, em que todos os municípios brasileiros são os
responsáveis diretos por essa assistência para sua população residente, com
apoio técnico e financeiro dos Estados e da União.
Em consonância com esse eixo estruturante do SUS, a Portaria GM/MS
nº 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006, lançou o Pacto pela Saúde 2006 –
Consolidação do SUS -, e aprovou as Diretrizes Operacionais do referido
Pacto, quanto às responsabilidades gerais da gestão do SUS, determinou que
“todo município é responsável pela integralidade da atenção à saúde da
sua população, exercendo essa responsabilidade de forma solidária com o
estado e a união; [...]”.
Com efeito, o município é erigido à condição de ente executor da política
de saúde por excelência, adequando as diretrizes gerais do SUS às suas
peculiaridades, com vistas a dar resolutividade às demandas de saúde que
existem em sua circunscrição territorial.
Também o legislador constitucional permitiu à iniciativa privada integrar o
Sistema Único de Saúde de forma complementar, por meio de convênios ou
contratos com o poder público e submetendo-se aos preceitos do SUS. Esse é
o espaço em que a Fundação Carlindo Dantas atua.
Porém, essa permissividade constitucional, regulamentada por lei, não
significa que o município possa desincumbir-se totalmente do encargo de
prestar ações e serviços de saúde, especialmente em linhas de cuidado
prioritárias, como vem ocorrendo com a assistência ao parto no município de
Caicó, uma vez que a Fundação Hospitalar Dr. Carlindo Dantas, entidade
privada, é o único serviço hospitalar materno infantil da cidade.
Com isso, resta patente a legitimidade do município de Caicó em figurar
no polo passivo desta demanda, pois não lhe é conferido o direito em se
manter afastado da séria problemática aqui tratada, ante as responsabilidades
que lhe são exigidas, no que se refere a oferta de saúde para sua população,
pela própria Constituição Federal.
Ademais, também lhe é vedado permitir que os serviços de saúde
ofertados em seu território, se deem em condições tão precárias, pondo em
sério risco a integridade dos usuários que lá são atendidos, como se evidencia
no caso concreto, o qual tem ocasionado o maior de todos os danos: a própria
aniquilação dos direitos de gestantes e bebês, com os vários eventos mortes lá
ocorridos.
Por fim, embora se denomine de direito privado, a Fundação Carlindo
Dantas somente existe em função de receber recursos financeiros,
profissionais (cessão informal de servidores da Secretaria Estadual de Saúde e
da Prefeitura de Caicó), além de equipamentos. Motivos suficientes para a
presença do ente municipal no polo passivo desta demanda.
IV – DO DIREITO QUE SE BUSCA TUTELAR
O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988,
configura direito fundamental de segunda dimensão, delineado nos artigos 196
a 200. Essa categoria de direitos, também chamados de direitos sociais, são
caracterizados pela possibilidade de se exigir uma prestação positiva contra o
Estado voltado a sua concretização, o que implica o dever constitucional da
Administração Pública de dar as condições para que a sociedade tenha
direitos, como à saúde, garantidos.
Visando concretizar esses mandamentos constitucionais, o legislador
estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde, por meio da
Lei Orgânica da Saúde, a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.
Ela estabelece, em seu art. 2º, que a saúde é um direito fundamental do
ser humano, devendo o Poder Público prover as condições indispensáveis ao
seu pleno exercício, assegurando acesso universal e igualitário às ações e aos
serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Bem como incumbe ao
município, em seu artigo 18, a competência para executar, diretamente, as
ações e serviços de saúde de acordo com as políticas nacionais sanitárias.
Essa execução deve ocorrer observando-se os princípios
expressamente previstos na Lei do SUS, no seu artigo 7º, com destaque para a
universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência; integralidade e igualdade da assistência à saúde.
Além do que essa execução deve observar o princípio da eficiência na
administração pública, segundo exige-se do gestor público, muito além de
apenas assegurar a prestação do serviço público essencial, ela deve se dar de
forma adequada e satisfatória.
De outro lado, a Constituição também faz menção expressa, em
diferentes momentos, a proteção à maternidade e à infância, do que se infere a
especial atenção que o gestor público precisa imprimir às linhas de cuidado
voltadas à assistência materno-infantil. É o que afirmam o texto dos seus
artigos 6º e 201, inciso II:Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime
geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: […] II - proteção à maternidade, especialmente à gestante.
Para se alcançar essa proteção especial, a União, pelo Ministério da
Saúde, desenvolveu Programa Federal específico, a Rede Cegonha, idealizada
visando à prevenção dos riscos que possam advir da gestação tanto para a
mãe quanto para o neonato, buscando a humanização do pré-natal, parto e
puerpério, os quais devem receber assistência prioritária, como forma de
reduzir as altas taxas de mortalidade materna e fetal no país como um todo e,
especialmente, nas regiões norte/nordeste.
Diante disso, quando o Estado omite-se em prover os serviços pelos
quais é responsável, ou realiza a sua prestação de maneira deficitária, pode-se
recorrer ao Judiciário visando à efetivação do direito metaindividual à saúde,
sem que haja uma intromissão indevida de um poder estatal em outro.
Conforme afirma Alvaro Luis de A. S. Ciarlini1, ao citar Fábio Konder
Comparato, ao Judiciário não se atribui o poder constitucional de criar políticas
públicas, mas de impor a execução daquelas já criadas pela legislação. E
conclui2:Desse modo, é imperioso concordar com Andreas KRELL quando afirma que o Judiciário deve aceitar essa feição mais ativa de seu agir, controlando e exigindo o cumprimento do dever do Estado de intervir ativamente na esfera social. Um Judiciário intervencionista que assuma suas responsabilidades legais, controlando a falta de qualidade das prestações dos serviços básicos à vida social, exigindo a implementação de políticas sociais eficientes, o que, embora demande uma crescente criatividade do julgador, não o torna um legislador.
Assim, o intento desta ação não é a intromissão do Poder Judiciário na
criação de políticas públicas que são de competência do Poder Executivo, uma
vez que elas já foram criadas e regulamentadas pelo Ministério da Saúde; mas
sim, impor a correção de omissões por parte do município de Caicó e coibir a
má gestão perpetrada pela Fundação Carlindo Dantas, que culminaram em
graves danos à saúde de toda população da Região do Seridó, exigindo-se do
primeiro a prestação eficiente de serviços públicos de saúde e, desta, que
estanque a profusão de danos irreparáveis e de difícil reparação às gestantes e
1 CIALIRNI, Alvaro Luis de A. S. Direito à Saúde: paradigmas procedimentais e substanciais da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 103.
2 CIALIRNI, Alvaro Luis de A. S. Direito à Saúde: paradigmas procedimentais e substanciais da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 104.
neonatos seridoenses, assegurando com qualidade a concretização de
essencialíssimo direito social, corolário do direito à vida.
IV.1 – OS OBJETIVOS DO MILÊNIO, OS PRECEITOS DA REDE CEGONHA E A NECESSÁRIA REESTRUTURAÇÃO DA ATENÇÃO MATERNO-INFANTIL
EM CAICÓ
Em setembro de 2000, líderes de 189 países se reuniram na sede da
Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, para adotar a
Declaração do Milênio das Nações Unidas.
Dessa Declaração foram extraídos os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODMs), os quais sintetizam os maiores desafios enfrentados pela
humanidade e estabelecem metas civilizatórias para os países: diminuírem a
pobreza, em todas as suas dimensões; e garantir os direitos humanos
fundamentais das pessoas, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, como o acesso à educação, saúde e segurança.
Dentre os ODMs, que totalizam oito, estão: reduzir a mortalidade infantil, o qual tem como meta reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a
mortalidade de crianças menores de 5 anos; e melhorar a saúde das gestantes, que tem como meta reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a
taxa de mortalidade materna.
Ao adotar a Declaração do Milênio das Nações Unidas, os Estados-
membros da ONU comprometeram-se a uma parceria global para alcançar
esses objetivos em todo o mundo. Esse compromisso envolve países
desenvolvidos e em desenvolvimento.
O Brasil, enquanto signatário da Declaração do Milênio da ONU, precisa
trabalhar para que as metas sejam atingidas em seu território. Como uma das
medidas para alcançá-las, instituiu, através da Portaria GM/MS nº 1.459/2011,
a Rede Cegonha, já fortemente citada, voltada a assegurar a melhoria no
acesso, na cobertura e na qualidade do acompanhamento materno-infantil, e
operacionalizada pelo SUS.
Nessa linha, a instituição da referida estratégia tem o objetivo de
assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o
direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento
saudáveis, em consonância com o artigo 1º da portaria:
Art. 1° A Rede Cegonha, instituída no âmbito do Sistema Único de Saúde, consiste numa rede de cuidados que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis, denominada Rede Cegonha.
Essa Portaria determina também, em seu artigo 4º, que a rede
assistencial deve ser organizada de modo que se tenha garantido o provimento contínuo de ações de atenção à saúde materna e infantil para
a população de determinado território, observando-se as seguintes diretrizes:
I - garantia do acolhimento com avaliação e classificação de risco e vulnerabilidade, ampliação do acesso e melhoria da qualidade do pré-natal;II - garantia de vinculação da gestante à unidade de referência e ao transporte seguro;III - garantia das boas práticas e segurança na atenção ao parto e nascimento;IV - garantia da atenção à saúde das crianças de zero a vinte e quatro meses com qualidade e resolutividade; eV - garantia de acesso às ações do planejamento reprodutivo.
A concretização do programa faz-se por meio da adesão de municípios,
que a partir da correta alimentação dos sistemas informacionais do Ministério
da Saúde, habilitam-se para receber recursos federais voltados às ações
específicas do programa, de acordo com cada um dos componentes em que
ele se subdivide: Pré-Natal; Parto e Nascimento; Puerpério e Atenção Integral à
Saúde da Criança; Sistema Logístico: Transporte Sanitário e Regulação.
O Hospital do Seridó inclui-se no componente parto e nascimento que,
de acordo com o artigo 7º da Portaria 1459/2011, deve se desenvolver nos
seguintes termos:Art. 7° Cada componente compreende uma série de ações de atenção à saúde, nos seguintes termos: […]II - Componente PARTO E NASCIMENTO:a) suficiência de leitos obstétricos e neonatais (UTI, UCI e Canguru) de acordo com as necessidades regionais;b) ambiência das maternidades orientadas pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36/2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);c) práticas de atenção à saúde baseada em evidências científicas, nos termos do documento da Organização Mundial da Saúde, de 1996: "Boas práticas de atenção ao parto e ao nascimento";
d) garantia de acompanhante durante o acolhimento e o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato;e) realização de acolhimento com classificação de risco nos serviços de atenção obstétrica e neonatal;f) estímulo à implementação de equipes horizontais do cuidado nos serviços de atenção obstétrica e neonatal; eg) estímulo à implementação de Colegiado Gestor nas maternidades e outros dispositivos de co-gestão tratados na Política Nacional de Humanização.
As práticas assistenciais na Fundação Carlindo Dantas são o oposto
dessas diretrizes: os depoimentos, consoante termos acostados a inicial,
revelam ausência de avaliação médica quando da chegada das gestantes à
urgência do hospital, sendo recebidas por enfermeiras ou parteiras; negativa de
atendimento médico por encontrar-se dormindo o médico plantonista; falta de
assistência nos leitos de urgência, chegando uma paciente, com hemorragia, a
ter seu bebê dentro do banheiro, sem nenhum profissional para dar suporte;
dentre outras situações.
Isso, somado às deficiências estruturais e de equipamentos, bem como
à insuficiência de profissionais indispensáveis ao atendimento obstétrico,
detectadas nos relatórios de inspeção que instruem esta inicial, só demonstram
incapacidade de gestão por parte dos dirigentes da Fundação e total
desrespeito aos preceitos listados, mormente ao concernente à ambiência do
hospital e à adoção de práticas seguras na atenção ao parto e nascimento.
Não obstante isso, o Hospital do Seridó é referência obstétrica não só
para Caicó, mas para toda a 4ª Região de Saúde do Rio Grande do Norte, nos
casos de parto de risco habitual.
É o que consta no Plano Municipal da Rede Cegonha (Documento nº
03):[…] ainda não existe vinculação efetiva da mesma (gestante) ao seu local de parto, isso decorre principalmente pelo fato do município não possuir este serviço, sendo as gestantes atendidas em uma Unidade Hospitalar Filantrópica, a Fundação Hospitalar Carlindo Dantas, que oferece atendimento de risco habitual. Somado a isso, o município de Caicó é referência para municípios circunvizinhos […].
Potencial perigo para as gestantes seridoenses!!Assim, só existem disponíveis para toda a região os leitos obstétricos
desse estabelecimento, os quais totalizam 24 leitos, sendo 17 desses
destinados ao SUS, e os demais (07) ao atendimento privado, número esse
insuficiente, uma vez que seriam necessários 33,6 leitos3 SUS para atender o
contingente populacional da 4ª Região de Saúde do RN, ferindo, com isso, o
art. 7º, I, a, da Portaria da Rede Cegonha.
Insiste-se em afirmar que os vícios na prestação do serviço de saúde
hospitalar não são pontuais, mas recorrentes, visto que as denúncias chegam à
Promotoria Estadual de Caicó já há alguns anos, noticiando mortes que
aconteceram, pelo menos, desde o ano de 2011 até o ano corrente, com o
último registro em fevereiro de 2015. Com isso, vai de encontro aos objetivos
do milênio que se voltam a redução da mortalidade infantil e melhoria da saúde
da gestante.
Embora tenham sido empreendidas várias atuações pelo Parquet
Estadual na tentativa de resolução dessa calamitosa situação tanto
extrajudicial, quanto judicialmente, com o ajuizamento de duas Ações Civis
Públicas - uma referente a declaração da natureza pública da Fundação, não
obstante ela se intitule privada (Processo nº 0001669-30.2012.8.20.0101 – 1ª
Vara Cível de Caicó), e uma outra pleiteando a abertura de uma UTI neonatal
no hospital para a qual já existem os equipamentos (Processo nº 0002255-
04.2011.8.20.0101) -, o município e a gestão fundacional se mantiveram inertes
e os problemas relatados continuam assolando a população seridoense.
IV.2 – DOS RECURSOS PÚBLICOS DOS TRÊS ENTES PARA ASSITÊNCIA AO PARTO EM CAICÓ
Conforme consulta online aos Bancos de Dados do Ministério da Saúde
(Documento nº 22), é inconteste que o Município de Caicó aderiu e produziu o
seu respectivo plano municipal de execução do Programa Rede Cegonha, bem
como recebe regularmente recursos federais para sua implementação e
continuidade.
Exemplo disso são os recursos do Bloco de Financiamento da Média e
alta Complexidade (MAC), os quais são transferidos diretamente do Fundo
Nacional de Saúde para os fundos estaduais e municipais, conforme o
parágrafo 2º, artigo 13, da Portaria nº 204/2007, editada pelo Ministério da
Saúde, para regulamentar o financiamento e a transferência de recursos
3 Dado extraído do Plano Municipal de Caicó para Rede Cegonha (Documento nº 3).
federais para as ações e serviços de saúde.
Uma das destinações dos recursos desse bloco é para a
contratualização com hospitais filantrópicos, de acordo com o parágrafo 1º
desse mesmo artigo:
§ 1º Os incentivos do Componente Limite Financeiro MAC incluem aqueles atualmente designados:I - Centro de Especialidades Odontológicas - CEO;II - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU;III - Centro de Referência em Saúde do Trabalhador;IV - Adesão à Contratualização dos Hospitais de Ensino, dos Hospitais de Pequeno Porte e dos Hospitais Filantrópicos;V - Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa Universitária em Saúde – FIDEPS;VII - Programa de Incentivo de Assistência à População Indígena – IAPI;VII - Incentivo de Integração do SUS – INTEGRASUS; eVIII - outros que venham a ser instituídos por meio de ato normativo.
Tendo em vista que a natureza dada ao Hospital do Seridó é de entidade
filantrópica, pode-se concluir que o seu trabalho no âmbito do SUS é financiado
pelo bloco MAC, através do qual Caicó recebe do Ministério da Saúde,
mensalmente, em seu fundo de saúde, em média, o valor de R$ 554.917,534
(Documento nº 22).
Especificamente quanto aos recursos da Rede Cegonha, o município
ainda não os tem recebido, quanto ao componente parto e nascimento, em
virtude da falta de aprovação do Plano Regional da Rede Cegonha da 4ª
Região, em que está inserido Caicó, enquanto outras regiões do estado já
tiveram os seus planos aprovados e tem regular recebimento dos recursos.
Essa não aprovação, consoante informação obtida junto à SESAP/RN
(Documento nº 23), dá-se em função de indefinições dentro da 4ª região no que
pertine às referências assistenciais para o atendimento das gestantes de alto
risco, recaindo forçosamente sobre o Hospital do Seridó, pois, como já
explicitado, essa é a única maternidade obstétrica regional e, conclui-se que a
inconsistência dos seus serviços tem impedido avanços quanto à assistência
materno-infantil regional.
Nossa conclusão esta amparada também, no fato que os recursos da
Rede Cegonha referentes à atenção básica, destinados ao pré-natal e exames,
já estão sendo recebidos por Caicó (Documentos nº 22 e 23), demonstrando
que o problema maior realmente encontra-se na atenção obstétrica ofertada no 4 Valor extraído de consulta realizada no site do Ministério da Saúde.
município.
Noutro pórtico, além dos recursos federais, o hospital recebe apoio
financeiro do Estado, por meio da SESAP, tal como revela o Relatório de
Auditoria (Documento nº 15). Com efeito, a Fundação recebeu em cessão, de
modo informal e, portanto, irregular, médicos, não só do Estado, mas também
do município de Caicó, bem como o Estado tem destinado recursos financeiros
para guarnecer o hospital de equipamentos, como é o caso dos aparelhos para
equipar uma UTI Neonatal, os quais encontram-se encaixotados e sem
utilização, com riscos de deteriorarem. Mais uma grave ineficiência aqui!
Esses equipamentos, inclusive, foram adquiridos e enviados em função
do Pacto pela Redução da Mortalidade Infantil (Política anterior a Rede
Cegonha), através do qual o Rio Grande do Norte recebeu do Ministério da
Saúde, no ano de 2009, incentivos para implantação de UTI Neonatal em
municípios prioritários, como é considerado Caicó por apresentar alto índice de
óbito infantil.
E, ainda, segundo informações obtidas junto à SESAP/RN (Documento
nº 20), o abastecimento de gases medicinais do Hospital do Seridó é custeado
pelo Estado por meio do Contrato de nº 163/2010 (Documento nº 21),
celebrado entre a Secretaria e a empresa Linde Gases Ltda., o qual é feito em
3 (três) modalidades: fornecimento de gases medicinais, locação de cilindros e
tanques de criogênio, e manutenção preventiva e corretiva.
Não se pode esquecer também que municípios de pequeno porte
pactuam com municípios melhor estruturados para que disponibilizem serviços
à sua população por meio de sistemas de referência e contra referência,
mediante a transferência de recursos entre os municípios pactuados, através
da movimentação dos valores disponibilizados nos fundos de saúde.
O município de Caicó pactuou, como executor de partos, com 13
municípios do estado (conforme extrato do Sistema de Informação da
Programação Pactuada e Integrada – Documento 16), o que quer dizer que se
comprometeu, e recebe recursos desses municípios encaminhadores para
garantir a atenção obstétrica às gestantes de todos eles, totalizando uma
média de 935 partos por ano, entre clínicos e cirúrgicos, sem contar as
parturientes de Caicó.
Diante desse quadro, mostra-se incontroverso que é necessária uma
providência urgente para que esse contexto problemático seja em breve termo
pelo menos minimizado, evitando-se que outras vidas de mães e crianças
sejam perdidas por puro descaso, negligencia e omissão estatal.
Não resta, assim, ao MPF em associação com o MPE, alternativa, a não
ser judicializar a problemática, abordando seu aspecto central, visando resolvê-
la em sua raiz: afastar a ineficiente gestão do serviço hospitalar, com a
imediata assunção da gestão do serviço pelo município, que passará a
absorver a responsabilidade sanitária pelo atendimento materno-infantil por
completo, assegurando mais eficiência na gestão e mais investimentos com
recursos próprios, e não apenas os oriundos dos fundos públicos de saúde e
da parceria com a Secretaria Estadual de Saúde.
IV.3– DA NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO JUDICIAL E DA ASSUNÇÃO DO SERVIÇO PELO MUNICÍPIO
Quando a Constituição Federal afirma que a saúde é direito de todos e
dever do Estado (art. 196), sendo de relevância pública as ações e serviços de
saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle (art. 197), ela determina que, como
regra, a titularidade desses serviços, pela sua essencialidade, é do Poder
Público.
Contudo, a própria Carta Política também permitiu que a oferta direta de
saúde pudesse ser feita também pela iniciativa privada, mas apenas em
complementação ao SUS, como descrito no seu art. 199, § 1º: “As instituições
privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de
saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins
lucrativos”.
Assim, observa-se que há permissividade constitucional para que a
iniciativa privada execute ações e serviços de saúde, mas, para isso, precisa
submeter-se aos regramentos estabelecidos pela legislação sanitária, como
determina o artigo 26, § 2º, da Lei nº 8.080/90: “Os serviços contratados
submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e
financeiro do contrato”.
Trazendo esse contexto para a realidade de Caicó, tem-se que o
Hospital do Seridó atua na região não apenas complementando o SUS
municipal, mas efetivamente apresentando-se como o único serviço materno-
infantil, situação por si só eivada do vício da inconstitucionalidade.
De acordo com a Auditoria realizada pela SESAP no estabelecimento,
existe um Termo de Convênio entre a Fundação e a Secretaria Municipal de
Saúde de Caicó, celebrado em 02 de fevereiro de 2013. E conforme leciona
Maria Sylvia Zanella Di Pietro5:
[…] no convênio, se o conveniado recebe determinado valor, este fica vinculado à utilização prevista no ajuste; assim, se um particular recebe verbas do poder público em decorrência de convênio, esse valor não perde a natureza de dinheiro público, só podendo ser utilizado para os fins previsto no convênio; […].”
Não obstante essas circunstâncias, a Fundação Hospitalar Dr. Carlindo
Dantas não tem conseguido cumprir a contento os serviços para os quais se
conveniou ao SUS, com sérias deficiências constatadas em suas atividades de
prestação de serviço na área de saúde, o que tem culminado na mais grave
das consequências que é a morte de mães e crianças, nada obstante receba
recursos dos três entes federativos: município, estado do RN e da União.
Esse quadro de descumprimento contratual, associado a
responsabilidade do município em disponibilizar a integralidade da atenção à
saúde aos seus munícipes, requer uma medida eficaz e rápida, que pode ser
traduzida na intervenção no estabelecimento por ordem judicial, e sua imediata
assunção direta pelo ente municipal, conforme aresto transcrito abaixo:
(DECISÃO DO 2º JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DE NITERÓI - PROCESSO
2005.5152004117-0):
“[...] a saúde é serviço público titularizado pelo Estado; porém, por expressa previsão constitucional (art. 199. CF/88) pode ser prestado, independente de concessão ou permissão (delegação), por iniciativa privada, a qual poderá facultativamente participar de forma complementar do sistema único de saúde (art. 199, §1º, CF/88) e se assim não o desejar, esse aspecto não exclui a Instituição Privada a sujeição dos princípios gerais inerentes aos serviços públicos, ou seja, tal atividade embora prestada por particular não está excluída da intervenção estatal justamente por se qualificar como serviço público. Concluindo, os serviços de saúde não estão na reserva absoluta da
5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 353.
iniciativa privada.”
Corroborando a possibilidade de intervenção judicial e posterior
assunção do serviço pelo município, temos em apoio a tese aqui defendida, as
determinações da Lei Federal nº 8.666/90, que em seu artigo 116 afirma que as
suas disposições aplicam-se aos convênios, acordos, ajustes e outros
instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.
Com isso, vislumbra-se a incidência, ao convênio aqui tratado, do
disposto no art. 58, inciso V, da mesma lei, quando dispõe que:
Art. 58 O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:[…] V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.
Complementando essa prerrogativa pública, o artigo 80 ainda da Lei de
Licitações, em seus incisos, lista alternativas à administração para que um
serviço, diante de falhas no cumprimento do contrato, não paralise. In verbis:
Art. 80. A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as seguintes consequências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei:I - assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração;II - ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, na forma do inciso V do art. 58 desta Lei; […]
Nas lições de Maria Sylvia6:
[…] “o artigo 80 da Lei nº 8.666/93 prevê, ainda, como cláusula exorbitante, determinadas prerrogativas que têm por objeto assegurar a continuidade da execução do contrato, sempre que a sua paralisação possa ocasionar prejuízo ao interesse público e, principalmente, ao andamento de serviço público essencial; trata-se, neste último caso, de aplicação do princípio da continuidade do serviço público.”
Na Lei Federal nº 8.080/90 – a Lei Orgânica da Saúde - também há a
previsão de requisição dos bens e serviços privados de saúde em situações
excepcionais, consoante se transcreve a seguir:
6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 287.
Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:
XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização; [...]
Como amplamente já se demonstrou, é público e notório a existência de
um verdadeiro temor da população com o atendimento prestado pela Fundação
Carlindo Dantas, dada a precariedade na sua prestação, os riscos de danos de
difícil reparação ou irreparáveis se renovam a cada dia, já que o serviço
funciona de maneira ininterrupta, 24 horas por dia.
Com efeito, medida idêntica já foi adotada pela Justiça Federal, em
situação semelhante ocorrida no município de Mossoró, nos autos do Processo
Judicial de nº 0800637-65.2014.4.05.8401, no qual foi determinada intervenção
na Casa de Saúde Dix-sept Rosado (também serviço de maternidade prestador
SUS), obtendo-se resultados muito importantes para a saúde mossoroense,
quais sejam: a reabertura do serviço materno-infantil que lá já se encontrava
paralisado; a abertura, com equipamentos novos, de uma UTI neonatal; a
regularização do pagamento dos salários dos seus funcionários, o que estava
em atraso havia meses; dentre outras melhorias, que asseguraram
efetivamente, com amparo no Poder Judiciário, a continuidade de um serviço
público de saúde essencial.
As informações acima foram extraídas do relatório produzido pela Junta
Interventora que lá está atuando (Documento nº 17), dando conta de que,
diante desses avanços, que ainda incluem reformas realizadas para
reestruturação física do hospital, está sendo possível o resgate da credibilidade
da instituição materno-infantil junto a sociedade mossoroense. De acordo com
trecho que se transcreve:
Gostaríamos de salientar a Vossas Excelências, que além do pagamento dos funcionários em dia, realizamos o pagamento do 13º salário de todos os colaboradores, bem como de todas as parcelas de acordos trabalhistas que estavam atrasadas, fatos que, por si só já reforçam a restauração da credibilidade da APAMIM.
Os resultados positivos da intervenção em Mossoró são tão visíveis que
foram amplamente divulgados na imprensa local (Documento nº 18), o que
aponta para o reconhecimento geral dos benefícios trazidos por essa medida.
É o que se percebe dos recortes de notícias jornalísticas colacionados abaixo:
Blog Carlos Santos:BOAS NOTÍCIAS DA CASA DE SAÚDE DIX-SEPT ROSADO “Em 60 dias de intervenção, há retomada gradual de atendimentos na obstetrícia e saneamento de dívidas, além de reestruturação física”.
Blog Baraúna Notícia:A NOVA CASA DE SAÚDE DIX-SEPT ROSADO FUNCIONANDO COM AVANÇOS“A CSDR está sendo administrada pela junta administrativa comandada pelo juiz Orlan Donato desde outubro de 2014. Começou com 30 leitos. Em novembro, ampliou para 60. Em dezembro passou para 72 leitos. Atualmente faz mais de 350 partos por mês. [...]Em tese, a CSDR voltou a funcionar. Mas não é só. Com os recursos arrecadados em função dos atendimentos feitos pelo SUS, a CSDR vai abrir mais 30 leitos para funcionar o Programa Mãe Canguru. O local está sendo reformado, recebendo móveis e refrigeração adequada.[...]A gestão da Junta Administrativa designada pela Justiça Federal para administrar a CSDR, prova que é possível hospital funcionar só com recursos do SUS”.
Site da OAB/RN:OAB REALIZA VISITA DE INSPEÇÃO NA CASA DE SAÚDE DIXSEPT ROSADO“A unidade foi inspecionada na tarde de sexta-feira (30) e a situação verificada surpreendeu os membros da Ordem pela qualidade dos serviços que estão sendo prestados pela CSDR. Antes da intervenção, a unidade enfrentava sérias dificuldades, com salários atrasados e outros problemas de ordem administrativa”.
Assim, visando esses mesmos resultados positivos, através da presente,
os Ministérios Públicos Federal e Estadual pleiteiam uma intervenção judicial
no Hospital do Seridó em Caicó, com fins de salvaguardar a saúde materno-
infantil seridoense, que se encontra excessivamente fragilizada.
V- DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
Acerca da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pleiteada,
dispõe o artigo 273 do Código de Processo Civil:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
De acordo com o dispositivo acima, os pressupostos autorizadores para
concessão da tutela antecipatória compreendem a fumaça do bom direito e o
perigo da demora.
Em sede de ação civil pública, essa medida pode também ser adotada,
tendo por base o artigo 12 da Lei Federal nº 7.347/85, que autoriza a
concessão de medida liminar, nos seguintes termos: “poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a
agravo”.
De igual modo, mister que estejam presentes os requisitos do fumus
boni iuris, que vem a ser a plausibilidade do direito substancial invocado e do
periculum in mora, configurado em um dano potencial, um risco que corre o
processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em
caso de demora na sua apreciação.
O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado, está
aqui representado pela inobservância por parte dos réus das disposições
contidas na Constituição Federal, artigos 196 e seguintes, além das
determinações da Lei Federal nº 8.080/90, ao constatar-se a negligência da
Fundação na prestação do serviço hospitalar materno-infantil ao seu encargo,
associada a desídia do município réu, que quedou-se inerte, ao omitir-se em
adotar providências de retomada do serviço de forma autônoma, utilizando-se
de suas prerrogativas de ente público, para a defesa de usuários do SUS
caicoenses e seridoenses, especialmente no que se refere às gestantes e
neonatos.
Outrossim, resta ainda demonstrado o requisito processual, diante das
graves deficiências do serviço hospitalar materno-infantil no que concerne à
sua estrutura física, à ausência de recursos humanos suficientes e qualificados
para o atendimento, gerando falhas que vão desde a falta de acolhimento
correto da gestante na urgência à falta de assistência adequada no momento
do parto e pós-parto imediato.
De outro lado, o periculum in mora é patente, vez que existe a
potencialidade de novos danos emergirem sobre as parturientes que procuram
esse serviço, dia após dia, com probabilidade contínua e ininterrupta de outras
mortes de mães e bebês ocorrerem, se as falhas no atendimento no hospital
não forem, pelo menos, minimizadas: ou seja, a profusão de danos e/ou
mesmo o potencial lesivo do grave contexto fático apresentado e provado nos
autos, por vários relatórios de vistoria e termos de declarações de vítimas e/ou
seus parentes, se renova diariamente.
Como já anunciado linhas atrás, pedido praticamente idêntico foi
acolhido pelo Juízo da 8ª Vara Federal, ao apreciar requerimento judicial de
intervenção na Casa de Saúde de Dix-sept Rosado, em Mossoró, pleiteado
pelo Ministério Público Federal, em situação bastante semelhante a objeto
desta ação, consoante trecho que se transcreve (Processo nº 0800637-
65.2014.4.05.8401):
[…] este Juízo Federal Comum é competente para apreciar essas questões que suplantam a competência da Justiça do Trabalho, sobretudo a violação do direito à saúde e do direito à vida, cabendo-lhe, portanto, decretar a intervenção judicial a fim de dar prosseguimento aos trabalhos de reestruturação da APAMIM iniciados pela junta interventora, para que a entidade restabeleça os serviços de assistência médica à maternidade e à infância de forma satisfatória.Nesse contexto, considerando que a decretação da intervenção judicial destina-se, antes de mais nada, a dar prosseguimento aos serviços de administração da junta interventora constituída para delinear a real situação administrativa, financeira e patrimonial da entidade, e dada a ausência de informações essenciais para determinar a atuação do Município de Mossoró, ainda não é o caso de decretar a assunção direta deste réu sobre a APAMIM. […]Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE os pedidos de antecipação dos efeitos de tutela formulados pelo autor, e, com amparo no poder geral de cautela do juiz, e considerando, ainda, o disposto no art. 461 do CPC, DEFIRO o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, para DECRETAR a intervenção judicial da Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de Mossoró – APAMIM.
Essa decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, o qual manteve, nos mesmos termos, a intervenção na APAMIM, ao
julgar o agravo de instrumento sob o nº 0803890-44.2014.4.05.0000. Vejamos:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NOMEAÇÃO DE JUNTA INTERVENTORA. ENTIDADE PRIVADA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ. POSSIBILIDADE.1. A decisão agravada, cautelarmente, destituiu a administração da Associação de Assistência e Proteção à Maternidade e à Infância de Mossoró/RN, nomeando junta administrativa interventora para regularizar a prestação do serviços de saúde. Assim, detêm interesse recursal os agravantes, que foram afastados da administração da entidade. Preliminar de não conhecimento do recurso afastada.2. No caso, a nomeação, pelo juízo de 1º grau, da junta interventora a fim de reorganizar a gestão da Entidade/agravada para que retomasse a prestação do serviço público de saúde foi
decisão acertada. Grife-se que tal medida somente foi tomada após o exame das instalações físicas in loco pelo magistrado (inspeção judicial), ocasião na qual constatou que, de fato, os serviços estavam suspensos, e que as instalações ainda não se encontravam adequadas ao retorno das atividades, o que evidencia o lapso da administração destituída na gestão da unidade hospitalar. [...]
Dessarte, restando demonstrado que todos os requisitos legalmente
exigidos para o deferimento do pedido de tutela antecipada encontram-se
presentes, demonstrando-se urgente a necessidade de correção das falhas no
serviço hospitalar em Caicó, que ensejaram danos tão graves aos usuários
SUS, o Parquet requer, em sede de tutela antecipada:
Em face da Fundação Carlindo Dantas:
A decretação de intervenção judicial na Fundação Dr. Carlindo Dantas,
por um prazo de 180 dias, prorrogável por igual período, através da nomeação
de uma Junta Interventora, com três membros, sendo um servidor efetivo da
saúde estadual, lotado na 4ªURSAP e dois servidores efetivos municipais,
sendo um obrigatoriamente da área da saúde; retirando-se da administração
atual todos os seus poderes gerenciais, repassando-os para a Junta
Interventora, que terá como obrigações: 1. Promover a adoção de providências
para a reestruturação e readequação do atendimento médico-hospitalar na
unidade, assegurando a mais eficaz e adequada aplicação dos recursos
públicos sanitários que atualmente são canalizados para o serviço obstétrico,
enviando relatório circunstanciado ao Juízo a cada 30 dias das atividades de
gestão desenvolvidas; 2. Proceder levantamento da situação administrativa,
financeira e patrimonial da entidade, entregando relatório circunstanciado ao
Juízo no prazo de até 60 dias; 3. Permitir somente atendimentos SUS,
encerrando com a dupla porta (possibilidade de cobrar pelo atendimento) de
atendimentos públicos e privados atualmente existente no serviço;
Em face do município de Caicó:
1.Ofertar à Junta Interventora todas as informações necessárias,
inseridas nos bancos de dados do Ministério da Saúde e da Secretária
Municipal de Saúde de Caicó para o bom desempenho da equipe gestora; 2.
Assegurar recursos financeiros suficientes para a manutenção do serviço, bem
como recursos extras necessários (utilizando-se do remanejamentos de
dotações orçamentárias e recursos financeiros) para fazer frente a benfeitorias
necessárias na estrutura física do prédio, na equipe de recursos humanos, para
assegurar abastecimento adequado de medicamentos e insumos, aquisição de
materiais e equipamentos (especialmente para os casos de manutenção ou
conserto).
VI - DOS PEDIDOS FINAIS
Diante do exposto, o Ministério Público Estadual e Federal vem
requerer:
a) A confirmação da Tutela Antecipada nos mesmos termos; b) Que se determine a citação do Município de Caicó e da Fundação Hospitalar Dr. Carlindo Dantas, através de seus representantes legais, para responder a presente ação no prazo legal, sob pena de revelia;c) O afastamento por completo da Fundação Carlindo Dantas da gestão do Hospital do Seridó;d) A assunção direta e definitiva pelo município de Caicó dos serviços de assistência médico-hospitalar ofertados no Hospital do Seridó, obrigando-se o ente municipal a adotar todas as providências administrativas e orçamentário-financeiras cabíveis para inserir o serviço médico-hospitalar em sua rede municipal de saúde;d) A dispensa do pagamento de custas processuais, emolumentos e outros encargos, desde logo, em face do previsto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e do art. 87 da Lei nº 8.078/90;e) Por fim, sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos na Procuradoria da República em Caicó, situada no endereço declinado acima, com vista dos autos, em face do disposto no art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil.
Protesta provar o alegado por meio de prova testemunhal, pericial, documental e, inclusive, inspeção judicial, acompanhando a presente petição os documentos que se relacionam a seguir.
Dá-se à causa o valor de R$ XXXXXX (XXXX reais), para efeitos meramente fiscais.
Nestes termosPedimos deferimento.
Caicó/RN, 16 de abril de 2015.
José Alves Rezende NetoPromotor de Justiça
3ª Promotoria de Justiça de Caicó
Iara Maria Pinheiro de AlbuquerquePromotora de Justiça
Coordenadora do Caop Saúde
Bruno Jorge Rijo Lamenha LinsProcurador da República no Município
de Caicó
ROL DE DOCUMENTOS:
1. Relatório de visita aos estabelecimentos de saúde de Caicó realizada pelo Ministério Público Estadual;
2. Relatório de inspeção nas unidades de saúde de Caicó elaborado pelo Núcleo de Apoio Técnico Especializado do MPRN;
3. Plano Municipal de Caicó – Rede Cegonha 2013 – 2015;4. Relatório de Perícia Técnica no Hospital do Seridó realizada
FUNPEC/UFRN;5. Relatório de Fiscalização realizada no Hospital do Seridó pelo Conselho
Regional de Medicina do Rio Grande do Norte – CREMERN;6. Termo de declaração da Senhora Damiana da Silva Norberto, mãe da
parturiente XXXXXXXX;7. Relatório do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres sobre a
morte de XXXXXXXXXX;8. Termo de declaração do Senhor Edimar dos Santos Ribeiro, esposo da
parturiente XXXXXXXXX;9. Termo de declaração da Senhora XXXXXXXXXX, acompanhante da
parturiente XXXXXXXXXX;10.Termo de declaração do Senhor XXXXXXXXXXX sobre a morte da
gestante XXXXXXXXXX;11. Termo de declaração do médico XXXXXXXXXXX, que realizou o
atendimento da gestante XXXXX;12.Relatório do caso de óbito da gestante JXXXXXXX elaborado pelo
Comitê de Mortalidade Materna Regional;13.Ficha de cadastro do Hospital do Seridó/Fundação Dr. Carlindo Dantas
no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Misnistério da Saúde – CNES/MS;
14. Informativo Mensal nº 01/2015 do Centro de Apoio às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte;
15.Relatório da Auditoria nº 35 da Secretaria Estadual de Saúde do RN, realizada no Hospital do Seridó;
16.Extrato de consulta ao Sistema da Programação Pactuada Integrada (SISPPI) sobre o município de Caicó;
17.Relatório elaborado pela Junta Interventora em atuação na Casa de Saúde Dix-sept Rosado/APAMIM em Mossoró;
18.Notícias jornalísticas sobre a intervenção na Casa de Saúde Dix-sept Rosado/APAMIM em Mossoró;
19.Ofício nº 002 do movimento “Em Luta Pelo Hospital da Mulher” do Município de Caicó;
20.E-mail enviado pela COHUR/SESAP ao Caop Saúde sobre o fornecimento de gases medicinais;
21.Cópia de contrato celebrado entre SESAP-RN e a empresa Linde Gases Ltda;
22.Extrato de consulta ao site do Ministério da Saúde, do recebimento de recursos referente ao Bloco MAC de financiamento, nos anos de 2014 e 2015, por Caicó;
23.E-mail enviado pelo Saúde da Mulher RN sobre o Plano de Ação da Rede Cegonha da 4ª Região de Saúde.
ROL DE TESTEMUNHAS:
1 – Presidente do Conselho Municipal de Saúde de Caicó – Sr. JXXXXX, CPF nº XXXXXXXXX, brasileiro, casado, engenheiro agrônomo, RG nº XXXX, residente à rua José Humberto Leite, 126, Maynard – Conjunto IPE – CEP 59300-000 – Caicó – RN, telefone: (84) XXXXXX.
2 – Presidente do Comitê Estadual de Mortalidade Materna – Dra. XXXXXX.
3 – Coordenadora do Grupo Condutor Estadual da Rede Cegonha – Sra. XXXXX.