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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA INFANCIA E JUVENTUDE DO IPIRANGA EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO FORO REGIONAL DO IPIRANGA – São Paulo-SP. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO , por sua representante legal, a 3º Promotora de Justiça Cível do Ipiranga, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 5º , “caput”, 23, II, 127, “caput” e 196, todos da Constituição Federal, nos arts. 1º, 5º, 7º, 8º, 98, inciso II, 100, inciso VI, 129, incisos I e II, 148, inciso IV; e 201, inciso VIII e 213, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente, aart.º 2º do Código Civil, art.º 4º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e Lei Federal nº 10.216/01, propor a presente AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER em face de(o) ESTADO DE SÃO PAULO, representado pelo Procurador Geral do Estado, com endereço na Rua Pamplona, nº 227, Jardim Paulista, nesta cidade, e MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, representado pelo Procurador Geral do Município, com endereço na Rua Maria Paula, nº, 270, Centro, nesta cidade

excelentíssima senhora doutora juíza de direito da vara da infância

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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA INFANCIA E JUVENTUDE DO IPIRANGA

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO FORO REGIONAL DO IPIRANGA – São Paulo-SP.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua representante legal, a 3º Promotora de Justiça Cível do Ipiranga, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 5º , “caput”, 23, II, 127, “caput” e 196, todos da Constituição Federal, nos arts. 1º, 5º, 7º, 8º, 98, inciso II, 100, inciso VI, 129, incisos I e II, 148, inciso IV; e 201, inciso VIII e 213, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente, aart.º 2º do Código Civil, art.º 4º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e Lei Federal nº 10.216/01, propor a presente

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER

em face de(o)

ESTADO DE SÃO PAULO, representado pelo Procurador Geral do Estado,

com endereço na Rua Pamplona, nº 227, Jardim Paulista, nesta cidade,e

MUNICÍPIO DE SÃO PAULO,representado pelo Procurador Geral do Município,

com endereço na Rua Maria Paula, nº, 270, Centro, nesta cidadee

,filha de e , brasileira, nascida em 12 de novembro de 1976, no município de São Paulo-SP, R.G. nº (SSP-SP), residente na Rua , nº , Bairro , nesta cidade,

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para defesa dos interesses do

NASCITURO

que está sendo gerado pela requerida

pelos motivos de fato e de direito que passa a expor.

I - DOS FATOS

Consta do processo nº 0004569-63.13, que tramita por esse Juízo da Infância e Juventude do Ipiranga, que é usuária de drogas e está na gestação do sétimo filho, posto que já é mãe de (22 anos), (18 anos), (12 anos), (11 anos), (10 anos) e (recém nascido).

, e , no processo nº 010.06.108785-6, que também tramitou por esse r. Juízo da Infância e Juventude do Ipiranga, foram afastados do convívio dos genitores, quando, em 24/08/2007, por meio de busca e apreensão, foram acolhidos no “Abrigo “, uma vez que eram vítimas de maus tratos, encontrando-se em situação de risco.

, na época recém-nascido, em 29/04/2010, foi adotado e , e foram colocados em família substituta, quando, em 06/04/2010, por meio da guarda por tempo indeterminado, foram entregues aos tios paternos e .

Desde o início do acompanhamento familiar por esta r. Vara da Infância e Juventude do Ipiranga, em novembro de 2006, a requerida já fazia uso de entorpecentes e o passar do tempo tem agravado essa situação, posto que não está conseguindo se afastar do vício, não aderindo ao tratamento proposto pelo CAPS-AD.

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A situação culmina em sua gravidade, posto que está grávida de 05 (cinco) meses e informou que continua fazendo uso de “crack” diariamente, além de não estar fazendo o pré-natal junto à Unidade Básica de Saúde de referência do seu domicílio.

Ademais, consta que o genitor dos filhos da requerida , além de usuário de drogas, é também alcoolista e agressivo, chegando a agredi-la fisicamente, tal qual o faz com a filha menor , que está sendo alvo da medida de proteção nº 0004569-63.13 em trâmite por este r. Juízo.

No relatório do CRAS de Vila Prudente, datado de junho de 2013, apresentado nos autos nº 0004569-63.13, consta que a própria solicitou internação para si e para a filha , sendo essa medida de proteção indicada pela Coordenadora do CRAS, uma vez que o tratamento ambulatorial não contou com a adesão da requerida.

É evidente a negligência de com a própria integridade física e saúde, o que tem desencadeado uma série de irresponsabilidade no desempenho do papel materno, tanto que os filhos ou acabaram se envolvendo com drogas, como é o caso de e , este acusado de tráfico e ameaçado de morte por traficantes, ou foram colocados em família substituta por adoção ou guarda.

A irresponsabilidade materna da requerida culmina, recentemente, com a manutenção diária do uso de crack, mesmo estando no quinto mês de gestação, sem realizar o pré-natal e sendo alvo de agressões físicas perpetradas pelo companheiro.

Logo, se conclui que a gravidez atual de não está ocorrendo em condições apropriadas para o sadio desenvolvimento do nascituro, colocando a saúde deste em alto risco, de modo que é na defesa dele que se propõe a presente ação, visando ao acolhimento compulsório da requerida para fins de garantir-lhe o atendimento necessário durante o período de gestação para proteção do bebê que está gestando, obrigando-a a fazer o pré-natal que assegure o desenvolvimento sadio do feto, além da elaboração de um Plano de Atendimento para o período pós-parto, com foco no tratamento à drogadição, caso seja do interesse dela, na tentativa de lhe devolver condições para exercer, com responsabilidade, as funções maternas.

II – DOS EFEITOS DANOSOS DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE 1 1 Ana Cecília P. Roselli MARQUES, Marcelo RIBEIRO, Ronaldo R. LARANJEIRA, Nathalia Carvalho de ANDRADE, “Abuso e dependência: crack”, Associação Brasileira de Psiquiatria, Revista da Associação Médica Brasileira, volume 58, nº 02, São Paulo, março/abril 2012, em http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302012000200008 .

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A Associação Brasileira de Psiquiatria publicou em 2012 um artigo apontando os efeitos nocivos que o crack e a cocaína geram ao organismo humano, destacando os efeitos dessas substâncias entorpecentes no recém nascido gestado de mãe usuária e no desenvolvimento neuropsicomotor da criança.

Abaixo, transcrevo um trecho desse artigo para fundamentar o objeto desta ação:

GRAUS DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.

B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.

C: Relatos de casos (estudos não controlados).

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVO

Atualizar sobre as especificidades na detecção precoce e na abordagem do usuário de crack.

INTRODUÇÃO

A cocaína ressurgiu no Brasil nos últimos 20 anos1 (B). Desde então, novos padrões de consumo e apresentações da substância foram introduzidos2 (B). O consumo da cocaína atinge hoje todos os estratos sociais3 (B). A cocaína e o crack são consumidos por 0,3% da população mundial4 (D). A maior parte dos usuários concentra-se nas Américas (70%) e, na última década, o número vem aumentando5

(D). Entre os países emergentes, o Brasil é o maior mercado na América do Sul em números absolutos, com mais de 900.000 usuários, quase o triplo dos levantamentos anteriores6 (D).

Antes de 1989, os levantamentos epidemiológicos nacionais não detectavam a presença do crack. Em 1993, no entanto, o uso em vida atingiu 36% e, em 1997, 46%7 (A). No Brasil, cerca de 2% dos estudantes já usaram cocaína pelo menos

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uma vez na vida, e 0,2%, o crack8 (A). Entre as maiores cidades do estado de São Paulo, o uso na vida de cocaína atinge 2,1% da população, constituindo-se na terceira substância ilícita mais utilizada, atrás dos solventes (2,7%) e da maconha (6,6%), e o uso na vida de crack foi de 0,4%9 (A). O uso de crack vem-se iniciando em idades cada vez mais precoces, alastrando-se pelo país e por todas as classes sociais, com facilidade de acesso e quase sempre antecedido do consumo de álcool e/ou tabaco10-12 (A) 13,14(B).

Os dois levantamentos domiciliares nacionais, em 24 cidades com mais de 200.000 habitantes (2001 e 2005), realizados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), demonstraram que o consumo de crack dobrou e que a região sul foi a mais atingida, aumentando o uso na vida de 0,5% para 1,1%, seguida pela região sudeste, com 0,8%. Na região norte, observou-se o maior uso na vida de merla (1,0%), outra forma de cocaína fumada11 (A). Interfaces dos usuários de crack com outros comportamentos foram determinando mais complicações, como a associação à infecção pelo HIV, assim como com atos violentos e crime15,16 (B).

Os serviços ambulatoriais especializados para tratamento da dependência começaram a sentir o impacto do crescimento do consumo a partir do início dos anos 1990, quando, em alguns centros, a proporção de usuários de crack foi de 17% (1990) para 64% (1994)17 (B). Nas salas de emergência, a cocaína é responsável por 30%-40% das admissões relacionadas com drogas ilícitas, 10% entre todos os tipos de drogas e 0,5% das admissões totais18 (B). As complicações relacionadas com o consumo de cocaína capazes de levar o indivíduo à atenção médica são habitualmente agudas e individuais19 (B). Os usuários de cocaína e crack têm muita dificuldade na busca de tratamento especializado, pois não reconhecem o problema, enfrentam preconceito pela ilegalidade da droga ligada à criminalidade, o acesso ao tratamento é difícil e os serviços especializados não oferecem a intervenção ajustada às suas necessidades.

Tendo em vista o aumento de apreensões de cocaína no Brasil, assim como do número de usuários, esperase, também, um incremento na busca por tratamento. Diante das barreiras encontradas, como o acesso ao tratamento, o modelo terapêutico vigente, a falta de capacitação das equipes diante da nova onda de pacientes e suas complicações, a proposta dessa diretriz pode diminuir a distância entre as necessidades do indivíduo e os recursos oferecidos na atualidade.

8. QUAIS SÃO AS REPERCUSSÕES DO USO DE CRACK NA GRAVIDEZ E NO RECÉM-NASCIDO?

Alguns fenômenos relacionados com o uso de cocaína durante a gestação, tais como os efeitos da substância no desenvolvimento gestacional, tanto na mãe

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(placenta, infecções etc.) como no feto, assim como a presença da síndrome de abstinência logo após o nascimento, têm chamado a atenção dos pesquisadores e profissionais de saúde.

Sabe-se que a cocaína aumenta a replicação do HIV in vitro e que as células de usuários crônicos de cocaína favorecem tanto a replicação viral, quanto a entrada de infecções oportunistas, quando comparados aos não usuários. A transmissão perinatal pode ocorrer por três mecanismos:

1. Antes do nascimento, por infecção transplacentária.

2. Durante o trabalho de parto, pelo contato com os líquidos maternos.

3. Depois do nascimento, por meio do aleitamento materno.

A cocaína parece aumentar o risco de transmissão pelo menos nas duas primeiras formas, uma vez que aumenta a replicação viral e afeta o desenvolvimento imunológico fetal (D). Crianças nascidas de usuárias de crack apresentam maior exposição às infecções, com OR = 3,09 (IC 95% 1,76-5,45), incluindo hepatites, com OR = 13,46 (IC 95% 7,46-24,29); síndrome da imunodeficiência adquirida, com OR = 12,37 (IC 95% 2,20-69,51); e sífilis, com OR = 8,84 (IC 95% 3,74-20,88) (B).

Os resultados referentes ao impacto da exposição do feto à cocaína ainda são pouco consistentes (D). Não há evidência de uma síndrome teratogênica (D). Parece que o uso de crack na gestação não leva, invariavelmente, ao nascimento de neonatos com prejuízos graves, persistentes e incomuns - os crack babies (D).

A maior evidência de danos relacionados com a cocaína na gestação é o risco de nascimentos prematuros e o baixo peso ao nascer (B). Um estudo acompanhou usuárias de crack divididas em dois grupos: com e sem acompanhamento pré-natal. Com relação à média populacional, houve retardo do crescimento intrauterino e baixo peso ao nascer, independentemente da presença de prénatal (B). Nas crianças nascidas de usuárias de crack, há 19% de nascimentos de prematuros, menor peso (536 g), menor altura (2,6 cm) e menor circunferência da cabeça (1,5 cm) (B). Alterações do sistema nervoso central são observadas com maior frequência, como estar sempre alerta (OR = 7,78 IC 95% 1,72-35,06), sugar excessivo (OR = 3,58 IC 95% 1,63-7,88), instabilidade autonômica, como taquicardia, sudorese, pressão lábil, hipertermia (OR = 2,64 IC 95% 1,17-5,95), choro frequente (OR = 2,44 IC95% 1,06-5,66), nervosismo e/ou tremores (OR = 2,17 IC 95%1,44-3,29) e irritabilidade (OR = 1,81 IC 95% 1,18-2,80) (B).

Busca de alterações neurológicas no recém-nascido de gestantes usuárias

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demonstrou relação entre a intensidade do consumo de cocaína e a presença de alterações neurológicas, tais como anormalidades no tônus muscular e na postura (B), além de alterações significativas de comportamento até cinco anos de idade (B).

Há poucos estudos que detectaram diferenças entre os filhos de mães usuárias e não usuárias de crack, tanto no tocante às complicações ao nascimento (B) quanto no desenvolvimento (C). Não há convincentes relações entre uso de cocaína/crack no período pré-natal e alterações tóxicas no desenvolvimento infantil, observando que as variáveis socioambientais e psicossociais da gestante - poliuso de drogas, escolaridade, estado nutricional da gestante etc. - têm papel determinante para a ocorrência dos prejuízos físicos e comportamentais observados (A) (B). As condições socioambientais e psicossociais da mãe também pareceram exercer influência sobre a gestação e o feto, juntamente com o consumo de cocaína (B). Crianças nascidas de mães usuárias de crack são menos amamentadas, com OR = 0,26 (IC 95% 0,15-0,44), utilizam mais serviços de proteção infantil, com OR = 48,92 (IC 95% 28,77-83,20) e, frequentemente, não são criadas pela mãe biológica, com OR = 18,70 (IC 95% 10,53-33,20) (B).

A síndrome de abstinência de cocaína neonatal é caracterizada pela presença de irritabilidade, hipertonicidade, tremores, alterações do humor e impossibilidade de consolo (C). Sintomas de abstinência parecem não ser tão frequentes entre os filhos de usuárias cocaína (B). Um estudo com gestantes usuárias de cocaína e crack realizou dosagem urinária em todos os recém-nascidos e observou o seguinte: (1) neonatos cujas mães utilizaram cocaína pela última vez há sete dias ou mais provavelmente apresentaram sintomas de abstinência in utero, sem repercussão após o parto; (2) já aqueles positivos para a substância por um dia ou menos também não apresentaram sintomas de abstinência; (3) por fim, os positivos para cocaína entre o segundo e o sexto dia de nascimento apresentaram maior incidência de sintomas de abstinência neonatais, os quais estariam condicionados ao consumo de cocaína pela mãe no período imediato ao parto (C).

RECOMENDAÇÃO

O uso de crack na gravidez leva a retardo do crescimento intrauterino e baixo peso ao nascer (B), aumenta o risco de parto prematuro (B) e expõe a criança a infecções como hepatite, síndrome da imunodeficiência adquirida e sífilis (B).

Síndrome de abstinência de cocaína neonatal está relacionada com o consumo de cocaína pela mãe no período imediato ao parto (C), não é frequente (B) e se caracteriza por irritabilidade, hipertonicidade, tremores, alteração de humor e

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impossibilidade de consolo (C).

Crianças nascidas de mães usuárias de crack estão sempre alertas, apresentam sugar excessivo, instabilidade autonômica, choro frequente, tremores e irritabilidade (B). Apresentam, também, anormalidades no tônus muscular e na postura (B), além de alterações de comportamento até o período pré-escolar (B).

9. FILHOS DE USUÁRIOS DE CRACK APRESENTAM PREJUÍZOS NO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR E COGNITIVO?

A evidência disponível sobre a relação entre a exposição à cocaína/crack durante a gestação e a presença de prejuízos no desenvolvimento neuropsicomotor ainda é inconsistente e controversa.

A evolução de filhos de usuárias de cocaína do nascimento aos sete anos de idade demonstra maior incidência de baixo peso ao nascer, crianças com duas vezes mais chances de estarem abaixo da estatura-média para sua idade (B). Crianças de 10 anos expostas ao consumo de crack no primeiro trimestre da gestação, comparadas a controles de mesma idade, nunca expostos à droga, apresentam crescimento mais lento durante toda a infância, sugerindo que a exposição à cocaína intraútero tenha um efeito de longo alcance (B). Porém, alguns estudos não encontraram qualquer relação entre o consumo de cocaína e alterações do desenvolvimento (A).

Parece haver alguma relação entre o uso de cocaína durante a gestação e prejuízos do funcionamento cognitivo e comportamental (A) (B), com probabilidade de déficit cognitivo com OR = 1,98 (IC 95% 1,21-3,24, com p = 0,006), sem alterações motoras. O potencial de reversibilidade de tais alterações ainda é pouco conhecido132 (B). Crianças expostas possuem menos habilidades de linguagem do que as não expostas, diferença significativa que se manteve estável ao longo dos três primeiros anos de vida (A). Estudo da mesma natureza não encontrou qualquer relação (A), portanto, ainda há controvérsias sobre esse assunto.

A interação entre a exposição intraútero à cocaína e a qualidade do ambiente da gestante foi acompanhada por quatro anos em recém-nascidos expostos e não expostos à substância durante a gestação, não sendo encontrada diferença nos índices gerais de inteligência e desempenho cognitivo entre os grupos, mas o grupo de expostos apresentou mais prejuízos cognitivos pontuais (desempenho verbal, atenção e teste de QI/aritmética, aquisição de novos conhecimentos) (A). Apesar disso, a influência de fatores ambientais nunca pode ser desconsiderada, pois o mesmo estudo comparou os filhos de mães usuárias encaminhados para lares adotivos bem estruturados com aqueles criados pelos pais biológicos usuários e não

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usuários, encontrando melhor desempenho escolar entre as primeiras.

RECOMENDAÇÃO

Os filhos de usuários de crack apresentam redução no desenvolvimento ponderoestatural (B), mas ainda há controvérsia sobre prejuízos no desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo pois há estudos que não encontraram nenhuma relação (A), enquanto outros demonstraram prejuízos cognitivos e comportamentais, mas não motor (A).

III - DO DIREITO

Diz o art. 2º, do Código Civil que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, o qual pode ser definido como “o ser já concebido, mas não nascido, ainda no ventre materno”2.

No dizer de Sílvio de Salvo Venosa3, o nascituro “é aquele que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando-se de uma prole eventual”.

“Antes do nascimento a posição do nascituro não é, de modo

algum, a de um titular de direitos subjetivos; é uma situação de mera proteção jurídica, proteção que as normas dão, não exclusivamente às pessoas, mas até às coisas inanimadas. Muitas vezes serão encontradas normas jurídicas que protegem um monumento, que protegem um determinado lugar. Estas normas não estão reconhecendo nesses seres inanimados uma personalidade, mas considerando bens que interessam ser guardados de uma certa forma, elas os cercam de proteção e é o que acontece com o nascituro. Ele é protegido, mas não lhe confere nenhum direito subjetivo”4.

2 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade MACIEL (Coord.), “Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos teóricos e práticos”, 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2013, p. 78.

3 “Direito Civil – Parte Geral”, 12ª edição, volume 1, São Paulo, Editora Atlas, 2012, p. 141.

4 San Tiago DANTAS, “Direito Civil – Parte Geral, 12ª edição, São Paulo, Editora Atlas S.A., 2012, p. 141.

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Esse entendimento funda-se na Teoria Natalista adotada pelo Código Civil de 2002, que considera que o nascituro tem expectativa de direitos e não propriamente direitos subjetivos, os quais somente irá adquirir se nascer com vida, ao adquirir a personalidade jurídica.

O art. 5º da Constituição Federal, em seu “caput”, garante a inviolabilidade da vida como direito fundamental, de modo que, seguindo os ensinamentos de ROLF MADALENO5, “enquanto a personalidade jurídica da pessoa humana tem início com o nascimento com vida, esta condição não exclui o nascituro da proteção dos direitos inerentes à sua personalidade, como o direito de nascer; de não ser ferido fisicamente, preservada, portanto, sua integridade física; a não ser manipulado ou perturbado geneticamente; a ser bem tratado; e receber os cuidados próprios de sua condição”.

“O nascituro é destinatário dos direitos de personalidade, como o direito à paternidade, direito à identidade, direito à indenização por morte do pai que não conheceu, direito a alimento para uma adequada assistência pré-natal, direito à imagem, direito à honra, detendo capacidade de direito, mas não de exercício de direito, cujos interesses do nascituro serão representados pelos pais ou por um curador”6.

Por outro lado, há quem defenda que a despeito da redação do art. 2º do Código Civil, a Teria Concepcionista é a que foi recepcionada pelo sistema jurídico construído pela Constituição Federal de 1988, fundado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Segundo essa teoria, a personalidade jurídica do nascituro existe desde a concepção, condicionando-se a aquisição dos direitos patrimoniais ao nascimento com vida. A explicação baseia-se no art. 4º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos7, da qual o Brasil é signatário, que, tratando do direito à vida, dispõe que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vidar arbitrariamente”.

5 “Da posse em nome do nascituro”, em Revista Brasileira de Direito de Família e Sucessões, nº 07/07, apud James Eduardo OLIVEIRA, “Código Civil Anotado e Comentado”, 2ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2010, p. 03.

6 Idem, “Da posse em nome do nascituro”, p. 03 - destaquei.

7 Ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 678, de 06/11/1992 - destaquei.

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A explicação também se fundamenta no fato da parte final do art. 2º do Código Civil apontar que o nascituro tem direitos assegurados e direitos só podem ser titularizados por quem detém personalidade. Isto porque ainda que sejam direitos condicionados ao nascimento com vida, são direitos, e, portanto, seus titulares têm personalidade civil. Além disso, por conta da Emenda Constitucional n. 45, tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos - como a mencionada Convenção Americana de Direitos Humanos8 - aprovados por 3/5 dos votos dos membros do Congresso Nacional, em dois turnos, são equivalentes às emendas constitucionais, de forma que a vida deve ser protegida desde a concepção. Por fim, é a corrente que se coaduna e encontra fundamento de validade na Lei Maior9.

A análise sistemática do Código Civil e do ordenamento jurídico brasileiro referenda a conclusão apontada no parágrafo anterior, no sentido de que o nascituro, desde a concepção, é, sim, titular de direitos subjetivos, em especial, o direito à vida, cuja inviolabilidade é garantida no art. 5º, “caput”, da Constituição Federal.

Nesse sentido, podemos citar alguns dispositivos legais no Código Civil que consideram o nascituro como sujeito de direitos: art. 542 que fala da possibilidade de doação ao nascituro se aceita pelo representante legal; art. 1609, parágrafo único, que prevê a possibilidade de se reconhecer o nascituro como filho; art. 1779, que determina a nomeação de curador ao nascituro, caso o pai faleça e a mãe não esteja no exercício do poder familiar; art. 1799, inciso I, que prevê a possibilidade dos nascituros serem herdeiros testamentários.

Diante disto, pode-se concluir que o nascimento não é condição para que a personalidade exista, mas para que se consolide10.

“Assegurar direitos desde o surgimento da vida intrauterina pressupõe concluir pela proteção primordial do direito à vida do não nascido, já que este é pressuposto para a existência e gozo dos demais direitos a serem usufruídos. Dessa maneira, posicionou-se o ordenamento jurídico, ao proibir qualquer prática

8 Referência à Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

9 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade MACIEL (Coord.), “Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos teóricos e práticos”, 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2013, p. 79.

10 Francisco AMARAL, “Direito Civil – Introdução”, 5ª edição, Editora Renovar, p. 223.

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atentatória contra a vida do nascituro, criminalizando o aborto, independente do estágio de desenvolvimento em que ele se encontre e também resguardando o respeito a sua integridade física e moral”11.

Ademais, convém ressaltar que o princípio que fundamenta os direitos das crianças e dos adolescentes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, é o da proteção integral (art. 1º), que prevê o atendimento de todas as necessidades de um ser humano para o pleno desenvolvimento de sua personalidade12, logo, não há como conceber a proteção de direitos pós nascimento, desconsiderando o momento da concepção, da vida intrauterina.

Aliás, diz o art. 7º, do Estatuto da Criança e do Adolescente que “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

Ora, seria absurdo supor que a legislação pátria protege a vida e a saúde dos nascidos vivos sem considerar a proteção deles no momento anterior ao nascimento com vida, ou seja, quando ainda estão sendo gerados, no momento em que se encontram no ventre materno. Para que a criança e o adolescente possam A garantia da saúde e da vida intrauterina dependerá da efetivação do direito previsto no art. 7º do ECA, pois para se tornar criança e adolescente é preciso nascer com vida e para ser criança e adolescentes saudáveis um dos pressupostos é que o desenvolvimento no ventre materno seja livre de riscos.

Daí a razão pela qual o art. 8º do ECA assegura à gestante o atendimento pré e perinatal.

“O monitoramento da saúde da gestante e do feto durante a gestação é imprescindível para assegurar a saúde pós-parto. É sabido que a desnutrição ou carência alimentar durante a fase gestacional pode comprometer a boa formação da criança, o mesmo se podendo falar sobre o consumo de álcool, cigarro e entorpecentes. O acompanhamento médico diagnosticará os casos que deverão ser encaminhados a programa de saúde nutricional ou a atendimento para

11 Rodolfo PAMPLONA FILHO e Ana Thereza Meirelles ARAÚJO, “Tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal”, em Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, nº 18/41, apud James Eduardo OLIVEIRA, “Código Civil Anotado e Comentado”, 2ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2010, p. 04.

12 Roberto João ELIAS, “Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente”, 4ª edição, São Paulo, 2010, p. 12.

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drogaditos. Havendo recusa da gestante em se submeter a qualquer medida necessária para assegurar vida e saúde do feto, direitos indisponíveis, o médico comunicará o fato ao Conselho Tutelar para providências”13.

Sem garantir o direito à vida ao nascituro, nenhum

outro direito poderá ele exercitar, já que com a vida, ele consolidará a personalidade jurídica e com ela o exercício de todos os direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro.

Afinal, “salvaguardar interesses do nascituro, sem lhe conferir personalidade, é limitar sua tutela aos direitos de ordem patrimonial, sem lhe assegurar durante sua vida intrauterina a gama de direitos formadora dos direitos da personalidade que hoje refletem a dignidade preconizada na Carta Constitucional”, conforme Andréa Rodrigues Amin14 que, citando Cristiano Chaves de Farias, aponta que “o valor da pessoa humana, que reveste todo o ordenamento brasileiro, é estendido a todos os seres humanos, sejam nascidos ou estando em desenvolvimento no útero materno. Perceber essa assertiva significa, em plano principal, respeitar o ser humano em toda a sua plenitude....15.

É por isso que a Lei nº 11.804, de 05/11/2008, garantindo o direito à vida e à saúde do nascituro, prevê a possibilidade da genitora acionar o suposto pai biológico do bebê que está gestando para garantir-lhe os chamados alimentos gravídicos, que, nos termos do art. 2º, compreendem “os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. 

No caso em exame, como dito no item “I acima, a requerida é usuária regular de crack, afirmando que o faz diariamente no momento atual, mesmo estando grávida de 05 (cinco) meses, além de não fazer o pré-natal, a fim de assegurar a devida atenção à saúde ao feto que se desenvolve em seu ventre.

13 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade MACIEL (Coord.), “Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos teóricos e práticos”, 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2013, p. 80.

14 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade MACIEL (Coord.), “Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos teóricos e práticos”, 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2013, p. 78.

15 “Direito Civil – Teoria geral”, p. 18, apud, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade MACIEL (Coord.), “Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos teóricos e práticos” , 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2013, p. 78.

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É inegável e notório os efeitos devastadores que a substância entorpecente gera no organismo de todo o ser humano já nascido e desenvolvido, imagine o estrago que ela causa num ser que está em plena formação como o nascituro. Para tanto, basta uma lida no “item II acima para que se possa ter uma noção dos prejuízos que o feto de mãe usuária de drogas sofre durante o período intrauterino e o que carregará consigo após o nascimento, se conseguir sobreviver ao parto.

Logo, fica evidente que se a lei põe a salvo os direitos do nascituro e considera a inviolabilidade da vida como direito fundamental constitucionalmente garantido, a gestante que está colocando em risco o desenvolvimento sadio do feto, usando diariamente substâncias entorpecentes e não realizando o pré-natal, está violando a expectativa do direito à vida e, diga-se, vida com saúde, desse ser que está em seu ventre em plena formação.

Qualquer ação ou omissão que porventura venha a ferir, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, é passível de banimento, na forma da determinação expressamente contida no art. 5° do ECA. De igual sorte, os responsáveis também estão sujeitos à aplicação de medidas protetivas (art. 129 do ECA).

Necessário ressalvar que , como mãe, tem papel essencial e indispensável para a garantia da saúde plena do filho que está gerando. Isso significa que para que seja garantido o direito fundamental do nascituro de ter uma condição digna e saudável para o seu adequado desenvolvimento, faz-se necessário o acolhimento de sua genitora, buscando-se, dessa forma, afastar o nascituro da situação de risco em que se encontra atualmente, com uma genitora usuária de drogas e que não está fazendo o pré-natal.

Se o ordenamento pátrio dispõe dos necessários instrumentos para a proteção do patrimônio do nascituro – tal qual seu direito de receber doações e direito de alimentos – é incontestável que ele também desfrute da proteção legal à sua saúde e dignidade, os quais implicam no desenvolvimento de uma gestação livre da interferência das drogas.

Afinal, “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” (art. 22 do ECA).

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Desta forma, impõe-se a intervenção do Ministério Público na defesa do nascituro da requerida , visando à aplicação da medida prevista no art. 129, incisos I e II, do ECA, consubstanciada na sua inclusão em programa oficial ou comunitário de proteção à família e de auxílio, orientação e tratamento a toxicômanos.

É nesse sentido que se ajuíza a presente ação buscando a inserção da requerida em programa de acolhimento que lhe propicie condições para uma gestação saudável, protegendo-se, assim, o desenvolvimento sadio do feto que está em seu ventre e, se ela o desejar, após o nascimento do bebê, a continuidade do tratamento para drogadição, a fim de possibilitar-lhe o exercício responsável das funções maternas.

IV – DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE E DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 148, inciso IV, estabeleceu a competência do Juízo da Infância e Juventude para julgamento das ações fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente.

Por outro lado, a Constituição Federal previu dentre as atribuições do Ministério Público a defesa dos direitos individuais indisponíveis (art. 127, “caput”), dentre os quais estão o direito à vida e à saúde, que, como dito no “item III” acima, são garantidos não só aos nascidos vivos, mas àqueles que estão em plena formação no ventre materno, a fim de que possam nascer com vida e se tornarem crianças e adolescentes saudáveis.

Para viabilizar a proteção integral dos destinatários dos direitos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o legislador ordinário atribuiu ao Ministério Público a legitimidade para zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e aos adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis, tais como a propositura de ação civil de iniciativa pública na defesa de direito individual indisponível (artigo 201, V e 212, do ECA), dentre os quais ganham especial relevo o acesso ao serviço de assistência social visando à proteção da maternidade e às ações e serviços de saúde (art. 208, incisos VI e VII, do ECA).

Fica, assim, evidente que para a defesa do nascituro que se vê em risco na fase de desenvolvimento intrauterino, diante do uso diário e

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contínuo de substâncias entorpecentes pela mãe, ao Ministério Público cabe a sua defesa, a fim de garantir-lhe o direito à vida e vida com saúde.

“Com base na regra constante do inciso VIII do art. 201, o promotor de justiça da infância e juventude têm aberto à sua frente um leque incontável de possibilidades para agir na defesa da garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. Pode mover qualquer tipo de ação para proteção de qualquer direito ou garantia que esteja sendo desrespeitado, bem como promover medidas extrajudiciais”16.

Aliás, considerando que no caso em exame os interesses da genitora, ora requerida, conflitam-se com os do bebê que está gerando, podemos, até pensar na aplicação, por analogia, do disposto no art. 9º, inciso I, do CPC, sendo o Ministério Público o “curador” do nascituro para defesa de seus direitos à vida e à saúde.

V – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO E DO MUNICÍPIO e DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE AMBOS

Diz o art. 227, “caput”, da Constituição Federal ser dever da família e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à vida, à saúde e à dignidade, bem como à convivência familiar, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A leitura do “item II” desta inicial revela a negligência, a crueldade e a violência da requerida em relação ao filho que está sendo gerado em seu ventre, considerando o uso diário de crack e a falta do pré-natal. Por certo, se nenhuma providência for tomada na defesa desse nascituro, como já amplamente dito no curso desta inicial, as consequências para a vida e para a saúde dessa futura criança, serão enormes.

Por outro lado, não podemos conceber que, uma vez conhecida essa situação atual da requerida usuária de crack e gestante, nada seja feito em proteção do ser que está em seu ventre e não pode contar com a mãe para protegê-lo.

16 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade MACIEL (Coord.), “Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos teóricos e práticos”, 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2013, p. 521.

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O Poder Público, aqui representado pelos requeridos ESTADO e MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, nos termos do art. 227, § 1º, da Constituição Federal, têm o dever de promoverem programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, de modo que, repito, a vida e a saúde do nascituro também estão garantidas por esse preceito constitucional, até porque essa garantia é pressuposto para que a criança e o adolescente existam.

Ademais, a Constituição Federal, em seu art. 23, determina ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cuidar da saúde e assistência pública, ...” (inciso II - grifos nossos), ou seja, “... a prestação de serviço por uma entidade não exclui igual competência de outra – até porque aqui se está no campo da competência-dever, porque se trata de cumprir a função pública de prestação de serviços à população..”17. Trata-se, assim, de obrigação solidária entre os entes da federação, de modo que para os fins desta ação ESTADO e MUNICÍPIO são chamados a responder pela proteção do nascituro que está se desenvolvendo no ventre da requerida , que expõe o filho a risco, na medida em que é usuária contumaz de crack.

A Constituição Federal, além de cometer aos Municípios o dever de “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população” (artigo 30, VII), estabeleceu como diretriz organizacional dos serviços da rede de saúde a descentralização (artigo 198, I), regramento esse repetido pela Lei nº 8.080/90 (artigo 7º, IX).

Para dar efetividade a tal diretriz, o legislador infraconstitucional houve por bem enfatizar a atribuição de serviços para os Municípios (artigo 7º, IX, a, da Lei nº 8.080/90), que ficaram incumbido, por meio da Secretaria de Saúde ou órgão equivalente (artigo 9º, III, da Lei nº 8.080/90), de “planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde” (artigo 18, I, do mesmo Diploma), bem como de “dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde” (artigo 18, V, do mesmo Diploma).

Nos termos da normativa acima indicada cabe, precipuamente ao Município a instalação dos Centros de Atenção Psicossocial para cuidar de usuários de álcool e drogas (CAPS-AD).

 Tal consideração decorre da hierarquização dos serviços e

ações previstos para o SUS-Sistema Único de Saúde, e assim se justifica a partir da 17 José Afonso da SILVA, “Comentário Contextual à Constituição”, 5ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2008, p. 273.

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necessidade do planejamento administrativo e a definição de atribuições, que somente se pode ter a partir dos valores insertos na ideia da territorialização.

 Ocorre que também o Estado deve ser responsável pelo

estabelecimento do sistema de saúde mental e pela implementação das condições para o tratamento dos comprometimentos associados ao uso de álcool e outras drogas.

 Repise-se que a responsabilidade em relação à saúde e

assistência é comum aos três entes da federação (art. 23,II, CF), cuja previsão orientou, inclusive, a questão da competência legislativa concorrente (art. 24, XII , CF), no que não diverge a Constituição paulista.

 Nem se olvide, ainda, que a questão da corresponsabilização

decorre da norma constitucional, que erige o dever do Estado com a promoção do acesso à saúde (art. 196 da CF) como competência material comum dos entes da federação (art. 23, II, CF).

 Inclusive no que pertine à assistência terapêutica, a Lei nº

8.080/90 exige que o Estado concorra para a promoção de políticas de saúde em conjunto com os poderes locais, especialmente quando se trate de serviços de média e alta complexidade (art. 17, III e IX).

A responsabilidade solidária decorre também do fato de que a direção do SUS, nos termos do art. 9º, inciso II, da Lei nº 8080/90, é exercida pela Secretaria de Estado de Saúde, no caso representada pela Diretoria Regional de Saúde – DRS – que deve manter ações para integração, financiamento, coordenação e mesmo suplementação e participação no planejamento das ações.

Acresça-se nesse tópico, ainda, que os Poderes Públicos locais não têm se omitido de maneira total, mas lhes faltam o suporte e a interação para a implementação e execução das ações que exigem especialidade e integração, cujos recursos somente, cujos recursos devem ser oferecidos pelo nível estadual, pois especialmente por meio da articulação dos serviços complementares é que se pode atender as necessidades específicas.

O parágrafo único do artigo 15 da Lei Complementar Estadual

nº 791/95 atribuiu ao Estado a tarefa de executar, supletivamente, serviços e ações de saúde nos Municípios, no limite das deficiências locais e de comum acordo com a direção local do SUS.

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Induvidoso, pois, que compete aos Estados e aos Municípios prestarem assistência de saúde à população, até porque, segundo o art. 196 da Constituição Federal, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação.”

A Lei nº 8.080/90, nesse compasso, dispôs que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (artigo 2º).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, no Capítulo II que trata das medidas específicas de proteção, aponta como um dos princípios que regem a aplicação destas, obrigatoriedade da intervenção das autoridades competentes tão logo a situação de perigo seja conhecida (art. 100, parágrafo único, inciso VI – intervenção precoce – grifos nossos).

O ECA também reitera o dever do ESTADO para com os direitos à vida e à saúde – dentre outros – das crianças e dos adolescentes, com absoluta prioridade (art. 4º), ou seja, estabelecendo “primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infantojuvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi realizada por meio do legislador constituinte18”(art. 227 da Constituição Federal).

O art. 208 do ECA garantiu a oferta regular de serviço de assistência social visando à proteção da família e da maternidade, bem como o acesso às ações e serviços de saúde (incisos VI e VII), prevendo ações judiciais na defesa desses direitos à criança e ao adolescente, estendidos ao nascituro que os precede.

Não se pode deixar de citar, também, a Lei Federal nº 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais19 e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Isto porque, como 18 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade MACIEL (Coord.), “Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos teóricos e práticos”, 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2013, p. 60.

19 “Baseado na Organização Mundial de Saúde – OMS - ONU, entendem-se como Transtornos Mentais e Comportamentais as condições caracterizadas por alterações mórbidas do modo de pensar e/ou do humor (emoções), e/ou por alterações mórbidas do comportamento associadas a angústia expressiva e/ou

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dito, a requerida é usuária de crack e a respeito dos efeitos que essa substância entorpecente gera no cérebro, convém fazer a seguinte citação:

“A tendência do usuário é aumentar a dose da droga na tentativa de sentir efeitos intensos. Porém essas quantidades maiores acabam por levar o usuário a comportamento violento, irritabilidade, tremores e atitudes bizarras devido ao aparecimento de paranoia (chamada entre eles de “noia”). Esse efeito provoca um grande medo nos craqueiros, que passam a vigiar olocal onde usam a droga e a ter uma grande desconfiança uns nos outros, o que acaba levando-os a situações extremas de agressividade. Eventualmente, podem ter alucinações e delírios. A esse conjunto de sintomas dá-se o nome de “psicose cocaínica”20.

Logo, a Lei nº 10.216/01 é perfeitamente aplicável ao caso em exame e o seu art. 3º determina ser “responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais”.

Não se pode deixar de apontar, também, que a Lei nº 10.216/01 permite a internação compulsória, ou seja, a determinada pela Justiça, conforme art. 6º, parágrafo único, inciso III.

Por tais razões, não resta dúvida, de que o ESTADO DE SÃO PAULO e o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO devem ser compelidos a garantir o integral e interdisciplinar tratamento à saúde à requerida em estabelecimento adequado, garantindo o seu afastamento das drogas e o pré-natal, a fim de possibilitar o desenvolvimento sadio do nascituro que encontra-se em seu ventre.

Ou seja, atendo-se ao disposto no art. 7º do ECA, forçoso reconhecer que “há o direito a um nascimento sadio, bem como ao ato de se deterioração do funcionamento psíquico global. Os Transtornos Mentais e Comportamentais não constituem apenas variações dentro da escala do "normal", sendo antes, fenômenos claramente anormais ou patológicos” (Ballone G.J. – “O que é transtorno mental”, in “Psiqweb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2008).

20 Brasil, Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogias e CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, “Livreto Informativo sobre Drogas Psicotrópicas”, 5ª edição, 5ª reimpressão, Brasília-DF, 2013, p. 38.

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desenvolver em condições dignas. Para isso, contudo, não basta o referido preceito. É preciso vontade política e alocação de recursos necessários à área das saúde, que devem ser adequadamente utilizados”21.

No caso em tela, os documentos anexos demonstram que a rede de proteção social formada pelos CRAS, CREAS, CAPS, Unidade Básica de Saúde, não conseguiu desviar a requerida do consumo diário de crack, bem como levá-la à realização do pré-natal em proteção ao ser que está gerando.

Desta forma, mostra-se imprescindível que os Poderes Públicos, aqui representados pelos ESTADO e MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, encontrem uma forma de proteger o nascituro da requerida, por ter ele o direito à vida e à saúde garantidos pela legislação brasileira e, para tanto, deverão ofertar acolhimento seguro à ela e ao bebê que está gerando, no qual ela receba toda a assistência pré-natal e fique livre do uso das drogas, garantindo o desenvolvimento sadio do bebê e um parto seguro.

Também para garantia do direito previsto no art. 19 do ECA, ou seja , do direito do nascituro, ao nascer com vida, ser criado e educado no seio de sua família de origem, devem o ESTADO e o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO ser compelidos a elaborarem um Plano de Atendimento à requerida para que, após o parto, tenha ela condições de permanecer longe das drogas, a fim de exercer, com responsabilidade, suas funções maternas para com o ser que está gerando.

VI - DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Impõe-se, no caso presente, com fulcro no art. 213, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como nos arts. 273 e 461, § 3º, ambos do Código de Processo Civil, a concessão da tutela antecipada nos seguintes termos:

1) determinando-se a busca e apreensão da requerida , a fim de que, nos termos do art. 6º, “caput”, seja ela imediatamente encaminhada a um órgão de saúde para avaliação da necessidade de 21 Roberto João ELIAS, “Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente”, 4ª edição, São Paulo, 2010, p. 20.

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internação compulsória em local apropriado que conte com “hospital de retaguarda” por conta das intercorrências da gravidez, possibilitando, nesse momento inicial do tratamento, a estabilização do seu quadro de saúde e o desenvolvimento livre de riscos ao nascituro que se encontra em seu ventre.

2) caso a avaliação psiquiátrica referida no parágrafo anterior, aponte a necessidade de internação compulsória em local adequado, seja a requerida imediatamente para ele encaminhada, onde deverá permanecer, pelo prazo necessário à alta médica, a fim de que fique afastada das drogas, recebendo atendimento integral e interdisciplinar para a estabilização do seu quadro de saúde durante o período de internação, com uso de todas as medidas coercitivas necessárias e aptas a conseguir o adimplemento por ela das obrigações, que serão oportunamente impostas pelos profissionais que a atenderem, bem como por esse Juízo da Infância e Juventude.

Nessa hipótese, deverá a requerida se submeter às avaliações, intervenções e tratamentos determinados pelo serviço de saúde, de acordo com o período, forma e frequência necessários à garantia de seus direitos e dos direitos do nascituro.

3) na hipótese”2” acima, no prazo máximo de 30 (trinta) dias da concessão da tutela antecipada, seja apresentado ao Juízo “Projeto Terapêutico Individualizado” por equipe multidisciplinar em relação às diversas necessidades que a situação exige, oferecendo condições técnicas para a eficiência do tratamento ambulatorial posterior à eventual internação compulsória, bem como as demais intervenções necessárias para a superação completa do quadro de droga, até oportuna reavaliação do caso por equipe técnica de Saúde Mental do Estado e/ou Município, a qual deverá elaborar relatório clínico circunstanciado, motivado e conclusivo pela continuidade da internação ou viabilidade da desinternação, após o que será judicialmente avaliada a possibilidade da liberação ou permanência da requerida e, se já nascido, de seu(sua) filho(a), sendo vedada a desinternação sem a prévia autorização judicial.

No referido “Projeto Terapêutico Individualizado”, deverão ser previstas ações para o período pós desinternação, quando o tratamento ambulatorial deverá se dar em equipamento técnico especializado na área de saúde (CAPS-AD, por exemplo), que deverá trabalhar em conjunto com os demais órgãos integrantes da rede de proteção social (CREAS, Unidades Básicas de Saúde etc.), garantindo-se todas as medidas coercitivas necessárias e aptas a conseguir o

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adimplemento das obrigações que serão oportunamente estabelecidas pela rede de proteção social e por esse r. Juízo.

4) caso a avaliação psiquiátrica não tenha prescrito a internação compulsória , nos termos do art. 6º, da Lei Federal nº 10.216/01 , seja a requerida, logo após a avaliação médica, acolhida em instituição que garanta, durante a gestação e ao menos até o parto, o seu afastamento do uso das drogas e o atendimento integral e interdisciplinar à saúde, a fim de possibilitar o desenvolvimento sadio e livre de riscos ao nascituro que está em seu ventre.

5) a fixação de multa cominatória no valor de R$ 100,00 (cem reais) por dia de descumprimento de quaisquer das obrigações pontuadas neste item “VI”, a ser recolhida no Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, tal qual autorizam os arts. 213, § 2º e 214, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o art. 461, § 3º, do CPC.

Estão perfeitamente caracterizados os pressupostos para a concessão da tutela antecipada, quais sejam: a verossimilhança das afirmações iniciais e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, “caput” e inciso I, do Código de Processo Civil).

A verossimilhança das afirmações iniciais caracteriza-se pela comprovação de gritante ameaça aos direitos fundamentais do nascituro de , visto que se encontra em situação de risco pela drogadição de sua genitora e falta de assistência pré-natal.

Não há como negar, de outra parte, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Para tanto, reporto-me, novamente, ao “item II” desta inicial, demonstrando os efeitos devastadores que a substância entorpecente gera no feto e, por conseguinte, na criança após o nascimento, influenciando negativamente o seu desenvolvimento biopsicossocial.

Sem dúvida, não é razoável exigir-se que, constatado o comportamento negligente e irresponsável de , fique o nascituro exposto a perigo até o provimento jurisdicional definitivo.

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A não concessão da tutela antecipada poderá desencadear danos de difícil reparação, posto que se perpetuará a situação de ausência de condições de que o nascituro necessita para seu regular, sadio e digno desenvolvimento intrauterino.

Imprescindível, portanto, a concessão da antecipação da tutela, nos moldes acima apontados.

VII - DOS PEDIDOS

Diante do exposto, o Ministério Público requer:

1) A concessão integral da tutela antecipada, nos exatos termos apontados no item VI desta inicial, com fundamento no art. 213, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como nos arts. 273 e 461, § 3º, ambos do Código de Processo Civil,.

2) A citação pessoal da requerida , bem como do Estado de São Paulo, na pessoa do Procurador Geral de Estado, e do Município de São Paulo, na pessoa do Procurador Geral do Município, para, querendo, no prazo de legal (observado o disposto no artigo 188, do Código de Processo Civil em relação ao Estado de São Paulo), apresentem contestação.

3) Seja esse Juízo da Infância e Juventude comunicado pelo ESTADO e/ou MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, no prazo máximo de 05 (cinco) dias da ciência da tutela antecipada, se deferida, a respeito do local para onde a requerida foi encaminhada, a fim de possibilitar a avaliação dos serviços que serão a ela disponibilidades, verificando se, de fato, ela receberá atendimento integral e interdisciplinar de saúde durante o período de internação, mantendo-se afastada das drogas e tendo garantido o pré-natal e, se o caso, o peri-natal.

4) Seja, ao final, julgado procedente o pedido inicial, nos seguintes termos:

A) mantendo-se, com base no art. 129, incisos I e II, do ECA, a tutela antecipada nos moldes acima propugnados.

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B) a condenação da requerida nos termos da inicial, a fim de se submeter às avaliações, intervenções e tratamentos determinados pelo serviço de atendimento à saúde, de acordo com o período, forma e frequência necessários à garantia de seus direitos, bem como dos direitos do nascituro alvo da proteção desta ação;

C) a condenação do ESTADO DE SÃO PAULO e do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO a:

c.1) garantirem a internação compulsória da requerida em local adequado ao tratamento de saúde, contando com “hospital de retaguarda”, se prescrita por médico que a avaliou, onde deverá permanecer, pelo prazo necessário à alta médica, a fim de que fique afastada das drogas, recebendo atendimento integral e interdisciplinar à saúde durante o período de internação, com uso de todas as medidas coercitivas necessárias e aptas a conseguir o adimplemento por ela das obrigações, que serão oportunamente impostas pelos profissionais que a atenderem, bem como por esse Juízo da Infância e Juventude;

c.2) garantirem a permanência da requerida em instituição adequada, ainda que não de saúde, na qual receba, durante a gestação e ao menos até o parto, atendimento integral e interdisciplinar à saúde, permanecendo afastada do uso das drogas, nas hipóteses da internação compulsória não ter sido prescrita nos termos do art. 6º, da Lei Federal nº 10.216/01 ou, caso tenha sido prescrita, a gestante tenha tido alta médica antes do parto;

c.3) na hipótese do item “VI – 4” não ter sido deferido em sede de tutela antecipada, elaborarem, no prazo máximo de 30 (trinta) dias da prolação da sentença, “Projeto Terapêutico Individualizado” por equipe multidisciplinar em relação às diversas necessidades que a situação exige, oferecendo condições técnicas para a eficiência do tratamento ambulatorial posterior à internação compulsória, bem como as demais intervenções necessárias para a superação completa do quadro de droga, até oportuna reavaliação do caso por equipe técnica de Saúde Mental do Estado e/ou Município, a qual deverá elaborar relatório clínico circunstanciado, motivado e conclusivo pela continuidade da internação ou viabilidade da desinternação, após o que será judicialmente avaliada a possibilidade da liberação ou permanência da requerida e, se já nascido(a), de seu(sua) filho(a), no “hospital de retaguarda”, sendo vedada a alta hospitalar sem a prévia autorização judicial.

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No referido “Projeto Terapêutico Individualizado”, deverão ser previstas ações para o período pós desinternação, quando o tratamento ambulatorial deverá se dar em equipamento técnico especializado na área de saúde (CAPS-AD, por exemplo), que deverá trabalhar em conjunto com os demais órgãos integrantes da rede de proteção social (CREAS, Unidades Básicas de Saúde etc.), garantindo-se todas as medidas coercitivas necessárias e aptas a conseguir o adimplemento das obrigações que serão oportunamente estabelecidas pela rede de proteção social e por esse r. Juízo.

c.4) a fixação de multa cominatória no valor de R$ 100,00 (cem reais) por dia de descumprimento de quaisquer das obrigações pontuadas neste item “VII - 4-C”, a ser recolhida no Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, tal qual autorizam os arts. 213, § 2º e 214, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o art. 461, § 3º, do CPC.

Protesta-se por provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em Direito, sem exceção, especialmente a oitiva de testemunhas, juntada de documentos novos, perícias, constatações, requisições, depoimento pessoal dos requeridos e outras diligências que se mostrarem necessárias à completa elucidação dos fatos.

Por fim, pleiteiam-se os benefícios do art. 172, do Código de Processo Civil para as diligências do Oficial de Justiça.

Dá-se à causa, para todos os fins, o valor de R$ 100,00 (cem reais), observando-se o disposto no art. 141, § 2º, do ECA.

São Paulo, 22 de julho de 2013.

Maria Izabel do Amaral Sampaio Castro3ª Promotora de Justiça do Ipiranga - São Paulo - SP (Infância e Juventude)

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Bianca Yuri Ishizaki Hirata Analista do Ministério Público