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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE CAMPINA DAS MISSÕES, RS: “(...) essa grandeza d’alma que sobressai nos trabalhos e nos perigos, deve vir acompanhada da justiça. Se, em lugar de servir o bem comum é empregada para si próprio e suas vantagens particulares, longe de ser virtude, é vício, é truculência que sufoca todo o sentimento humanitário.” (Cícero) O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu órgão signatário, no uso de suas atribuições legais, notadamente as definidas no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988, no artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei n.º 8.625/93 e no artigo 17 da Lei n.º 8.429/92, com base no incluso Inquérito Civil n.º 04/2006, vem perante Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, em face de CLÓVIS LUIZ SCHEIN, brasileiro, casado, Vereador do Município de Cândido Godói/RS, filho de Leo Schein e de Maria Lucila Schein, natural de Porto Lucena/RS, portador da Cédula de Identidade n.º 1022148991 e do CPF n.º 384.777.690/87, nascido em 18/06/1963, residente e domiciliado na Rua Liberato Salzano, 253, telefones (55) 3548-1252 e (55) 91318758;

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA … · 8.625/93 e no artigo 17 da Lei n.º 8.429/92, ... AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, em face de

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE CAMPINA DAS MISSÕES, RS:

“(...) essa grandeza d’alma que sobressai nos trabalhos e

nos perigos, deve vir acompanhada da justiça. Se, em lugar

de servir o bem comum é empregada para si próprio e suas

vantagens particulares, longe de ser virtude, é vício, é

truculência que sufoca todo o sentimento humanitário.”

(Cícero)

O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu órgão signatário, no uso de suas atribuições legais, notadamente as definidas no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988, no artigo 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei n.º 8.625/93 e no artigo 17 da Lei n.º 8.429/92, com base no incluso Inquérito Civil n.º 04/2006, vem perante Vossa Excelência propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, em face de

CLÓVIS LUIZ SCHEIN, brasileiro, casado, Vereador do Município de Cândido Godói/RS, filho de Leo Schein e de Maria Lucila Schein, natural de Porto Lucena/RS, portador da Cédula de Identidade n.º 1022148991 e do CPF n.º 384.777.690/87, nascido em 18/06/1963, residente e domiciliado na Rua Liberato Salzano, 253, telefones (55) 3548-1252 e (55) 91318758;

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DIANE MARIA SCHEIN, brasileira, solteira, funcionária pública, portadora da Cédula de Identidade n.º 2058967866, nascida em 14/09/1977, natural de Cândido Godói/RS, filha de Valdemiro Jose Schein e de Ilda Bronilda Schein, residente e domiciliada na Rua Rui Barbosa, 161, em Cândido Godói, RS, e

VOS PROJETOS LEGISLATIVOS LTDA, sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com sede na Avenida Rio Grande do Sul, 2243, Centro, Medianeira, Paraná, formada pelos sócios VALMIR ODACIR DA SILVA, brasileiro, casado, empresário, portador da Cédula de Identidade n.º 5.022.404-0/SSP-PR e CPF n.º 930.776.969-91, e SANDRA MÁRCIA FRANÇOIS DA SILVA, brasileira, casada, autônoma, portadora da Cédula de Identidade n.º 5.630.573-4/SSP-PR e CPF n.º 930.779.479-00, em virtude dos seguintes fatos e fundamentos:

1. DA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisidicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. No cumprimento dessa destinação constitucional, uma das funções institucionais é a de promover medidas que visem a zelar pelo efetivo respeito aos princípios da administração pública e propor demandas que objetivem a responsabilização dos que deram causa a ato de improbidade administrativa. Para execução desse mister, o Ministério Público tem como instrumento processual a ação civil pública, como a ora ajuizada (art. 129, III, da Constituição Federal).

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2. DOS FATOS APURADOS NO INQUÉRITO CIVIL

Chegou ao conhecimento do Ministério Público, por intermédio de denúncia anônima e divulgação de imagens na RBS TV, a notícia de que vereadores do Rio Grande do Sul, dentre eles o vereador CLÓVIS LUIZ SCHEIN, e a Secretária Executiva da Câmara de Vereadores, DIANE MARIA SCHEIN, ambos de Cândido Godói, utilizaram-se de recursos públicos, a pretexto de freqüentarem curso na cidade de Foz do Iguaçu-PR, para em verdade fazerem turismo e compras no Paraguai, ou seja, desviando-se da finalidade de qualquer interesse público.

A partir dessa notícia de possível desvio de dinheiro

público por parte dos requeridos, em proveito próprio, mediante a justificativa de participarem de um curso de aperfeiçoamento promovido pela empresa VOS PROJETOS E TREINAMENTOS, o Ministério Público instaurou o Inquérito Civil n.º 04/2006 para apurar as “denúncias”. Foram tomadas as declarações dos requeridos e de testemunhas, realizadas várias diligências e requisitados inúmeros documentos, com o escopo de se esclarecerem os fatos, dada a sua gravidade, bem como a repercussão (negativa) no âmbito nacional, a exigir apuração por parte do Ministério Público.

Antes, porém, de tocar o cerne da questão, mister transcrever trecho do artigo intitulado “Em tempo real”, publicado no dia 1º de fevereiro de 2006, no Jornal Zero Hora, onde o jornalista GIOVANE GRIZZOTTI esclarece como se deram as filmagens, cujas fitas instruem o presente expediente:

“Acompanhar a farra dos vereadores com o nosso dinheiro foi como participar de um filme sem cortes. É a vida como ela é. A corrupção em tempo real. Iniciei minha carreira denunciando a farra dos políticos de Capão da Canoa com esse tipo de congresso. Estimulado pelas notícias sobre gastos excessivos com diárias, pensei: por que não conferir de perto que viagens são essas?

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Confissões, facilidades para captar as imagens, flagrantes, nada foi fruto do acaso ou de horas de vigilância. Para ganhar a confiança dos vereadores, tive de me fazer passar por um deles. Falei que era parlamentar em Barros Cassal. Para captar as imagens, utilizei dois equipamentos: uma câmera pequena, daquelas domésticas, e outra escondida. Em determinados momentos, houve uma certa desconfiança. - Por que ele filma tanto? – perguntou o vereador de Nonoai Júlio Cézar da Rocha Duda, em Foz do Iguaçu. Ele próprio emendou a resposta: - Vai ver que ele é o Lasier Martins ou o Paulo Sant’Ana! No hotel onde era realizado um dos cursos em Foz do Iguaçu, outro susto: um funcionário da empresa organizadora, momentos antes de entregar o diploma que eu acabara de comprar, desconfiou da câmera escondida. Na dúvida, entregou o certificado.”

Lamentavelmente é a corrupção em tempo real. Adentramos, pois, nos fatos de improbidade.

2.1 DO “CURSO” OCORRIDO EM FOZ DO IGUAÇU ENTRE 24 E 27 DE JANEIRO DE 2006

Compulsando os autos do expediente investigatório, extrai-se que os requeridos DIANE e CLÓVIS, juntamente com outros vereadores de Cândido Godói (Elmiro Mittelstadt, Valdir Theisen, Ciro Addeum Wobeto e Sereley Jobim) e de São Paulo das Missões (Vilmar Olmiro Renner e Oswaldo Grutzmann), sob o pretexto de participarem de um curso de aperfeiçoamento intitulado “Aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal e Transição de Mandato”, lançado pela empresa antes referida para ocorrer entre os dias 24 e 27 de janeiro de 2006, no Hotel Foz Presidente, em Foz do Iguaçu/PR, deslocaram-se a esta Cidade no dia 24 de janeiro de 2006, nos seguintes automóveis: um VECTRA, placas BVA-4555, de propriedade do demandado CLÓVIS, e um SCÉNIC RENAULT, placas JTK-7298, de propriedade da demandada DIANE. Ambos foram a Foz do Iguaçu utilizando a malha viária argentina, sendo que o primeiro saiu do

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Brasil pelo Porto Internacional de Porto Xavier, enquanto a segunda pelo Porto do município de Porto Mauá.

E aqui a primeira inverdade contada pelos requeridos DIANE e CLÓVIS na tentativa de preservarem as 05 (cinco) diárias que auferiram em razão da participação no “Curso”: disseram ter saído de Cândido Godói em direção a Foz do Iguaçu no dia 23-01-06, quando, em verdade, partiram àquela cidade apenas no dia 24-01-2006, ganhando assim uma diária a mais em razão da viagem. Mas a demonstração de que o real interesse dos demandados não era efetivamente angariarem conhecimentos para aplicação e que o “curso” em destaque em nada atendeu ao interesse público, constituindo-se em verdadeira farra com o dinheiro do povo, ainda está por ser descrita.

Por primeiro, basta analisar os certificados de freqüência dos participantes do curso, os quais atestam a realização do evento a partir, inclusive, do dia 24.01.2006, com a carga de 17 horas/aula, o que é falso. Os depoimentos colhidos no decorrer do expediente demonstraram que o dia 24/01 foi destinado unicamente às inscrições, enquanto o dia 27 de janeiro foi destinado à entrega de certificados. Aí a primeira visualização da falta de seriedade na administração e condução do “curso”.

Além disso, os horários do curso nos dias 25/01 e

26/01 (únicos dias em que houve efetivamente palestras) eram reduzidíssimos, apenas das 9h às 13h – ainda com intervalo para lanche - proporcionando aos vereadores e servidores de Câmaras participantes, em verdade, a realização de turismo com o dinheiro público, a exemplo da visitação às belezas naturais de Foz do Iguaçu/PR, ou a realização de compras em Ciudad Del Este, no Paraguai. Em outras palavras, o curso em tela serviu como justificativa ou engodo criado para que os inscritos pudessem usufruir as benesses do local à custa dos tributos pagos pelo contribuinte.

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Neste sentido, o claro depoimento do Vereador de Cândido Godói ELMIRO MITTELSTADT:

(...) Diz que esse curso realizado em foz do Iguaçu na verdade era uma forma de permitir que os vereadores pudessem passear às custas do dinheiro público (...) No último curso de Foz do Iguaçu, a bem da verdade, o declarante foi para ver o que acontecia nestes cursos organizados pela empresa VOS, sendo que o declarante achou um verdadeiro absurdo ter tão poucas palestras e tanto tempo livre para passeios

E, em outra ocasião, complementou:

Que DIANE veio com o carro abarrotado de compras no Paraguai, sendo que VALDIR THEISEn também veio cheio de produtos paraguaios. Que DIANE e CLÓVIS pagaram R$ 200,00 para VALDIR trazer produtos do Paraguai para eles, sendo que soube que VALDIR THEISEN trouxe produtos para eles. Não sabe dizer se DIANE ou CLÓVIS vendem os produtos que trazem do Paraguai. Diz que o carro de CLÓVIS veio cheio de CD’s, “onde tinha para enfiar ele botou”. (...) diz que palestras só ocorreram na quarta e na quinta-feira, sendo que sexta-feira de manhã foi reservado só para pegar o certificado

Ainda, analisando-se as declarações dos vereadores que participaram do evento, resta evidente, para se falar o mínimo, a total falta de comprometimento dos organizadores do curso com a aprendizagem dos participantes, tanto que estes, perguntados quais foram os temas abordados, sequer souberam decliná-los.

Não bastasse tudo isso, como revelou o repórter da

RBS TV, jornalista GIOVANI ANTÔNIO GRIZOTTI, era possível adquirir o certificado de participação no referido evento sem assistir a uma só palestra, a fim de que os inscritos pudessem “legitimar” o recebimento das diárias.

Constou na matéria veiculada no Jornal Nacional do dia 31-01-2006 (DVD anexo):

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Fátima Bernardes: O Jornal Nacional vai convidá-lo agora para uma viagem a um dos lugares mais bonitos do Brasil, mas vai ser uma experiência revoltante. William Bonner: E não há nada de errado com o destino, um ponto turístico espetacular. O problema dessa viagem são as pessoas que nós vamos acompanhar no passeio. Fátima Bernardes: E dependendo de onde você mora, o dinheiro que vai pagar a diversão dessa gente vai sair do seu bolso. (...) Repórter Jonas Campos: E para mostrar como é simples para um vereador forjar a presença, nosso repórter negocia com uma das organizadoras do evento a compra de um certificado. O diploma atesta que ele freqüentou todas as palestras. A funcionária oferece um desconto de R$ 100,00 e o preço fica em R$ 200,00. Diane Schein (funcionária que vendeu os certificados): Eu vou te inscrever desde o primeiro dia, né? Prá não ter problema prá ti lá na tua cidade. E mesmo o recibo, eu acho que a gente faz no valor integral, né? Prá não te complicar. Repórter Jonas Campos: No dia seguinte voltamos para

buscar o diploma e assinar as listas de presenças.”

E para ficar ainda mais nítida que a verdadeira

“intenção” dos organizadores do curso era apenas receber o valor das inscrições e viabilizar aos vereadores/servidores participantes o recebimento de diárias, sem qualquer comprometimento com o evento em si, veja-se o que disse o jornalista referido ao Ministério Público (fls. 865/846):

“Diane ficava sentada ao lado da sala onde ocorria o curso e era responsável por atender os vereadores, juntamente com outra pessoa que dizia ser proveniente de Cândido Godoy. O depoente confirma ter conversado com Diane e com a pessoa referida para obtenção do certificado do curso tendo entregue quantia em dinheiro para a primeira, tendo então obtido o certificado (...) o depoente refere que não assistiu nenhuma aula. 4) a própria Diane deliberou sobre a inscrição do depoente, bem como sobre o desconto do preço do curso, pelo que se recorda o depoente, de R$ 300,00 ela reduziu para R$ 200,00. Diane, inclusive, forneceu ao depoente as listas de presença para que assinasse, de forma antecipada e sem assistir as aulas. (...) Não havia nenhum controle de freqüência no evento. As listas podiam ser assinadas de forma antecipada, como feito pelo depoente, bem como por outros vereadores, com que o depoente conversou” (grifamos).

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Pois bem. O depoimento é de uma clareza solar e daí

exsurgem, no mínimo, mais duas impropriedades: uma, a falsidade na colheita das assinaturas nas listas de presenças; duas, em função de cobrança a menor daquela apresentada à Câmara de Vereadores, conclui-se que, ou os vereadores perceberam a diferença de volta, ou houve indevida apropriação pelos organizadores do curso.

Ademais, o Inquérito Civil demonstrou, até fartar, o entrelaçamento dos requeridos DIANE e CLÓVIS com a empresa VOS (como será pormenorizado adiante) e a própria organização dos cursos, tendo a primeira, inclusive, poderes para deliberar sobre o valor a ser pago pelos participantes do evento, como exposto.

Logo, tanto DIANE como CLÓVIS tinham, desde o

princípio, conhecimento de como o evento transcorreria e, por isso, sequer podem alegar boa-fé ao participarem do curso que foi o verdadeiro retrato da pouca-vergonha, ou, como intitulou a imprensa, uma verdadeira “Farra dos Vereadores”. Aí está a indignação da opinião pública, concretizada na presente demanda.

Quanto à empresa “VOS PROJETOS E TREINAMENTOS”, que em verdade está registrada na Junta Comercial do Paraná como VOS PROJETOS LEGISLATIVOS (fl. 625/626) – cuja sede, curiosamente, está instalada no prédio da Câmara de Vereadores de Medianeira/PR – concorreu para a prática de ato de improbidade, ao emitir certificados, sem qualquer controle efetivo de participação dos inscritos em um curso de aperfeiçoamento, cuja inscrição era de R$ 300,00 (trezentos reais), servindo como fachada para a prática de turismo com o valor das diárias percebidas pelos vereadores que foram até Foz do Iguaçu e também os requeridos DIANE e CLÓVIS. Digno de nota, também, o fato de que tal empresa não tem entre seus objetivos a prestação de serviços de treinamentos, como se percebe no contrato social das fls. 625/626.

Parece evidente, pois, que houve violação do conteúdo

finalístico/ideológico da lei, haja vista o desvirtuamento em torno do desiderato

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das viagens para aquisição de conhecimentos e do pagamento de diárias. Embora a conduta praticada pelos demandados CLÓVIS e DIANE apresente aparência de legalidade, busca mascarar a ocorrência do desvio de poder, ao se valerem da justificativa de suposta participação em um curso de aperfeiçoamento, para ganharem um “extra” e fazerem compras no Paraguai, com o valor das diárias pagas pelo Município de Cândido Godói/RS.

No tocante ao aspecto formal da despesa, José Olavo

do Nascimento, na obra “A Despesa Pública”, p. 149, indica: “A Despesa, para ser legítima e válida, há que ser efetuada em conformidade com o Direito (princípio da legalidade), com a moral da instituição (princípio da moralidade) e com o interesse público (princípio da finalidade).” Percebe-se, no caso, nítida ruptura a esses princípios e aos princípios da boa-fé, da confiança e da juridicidade, os quais regem a atuação e os deveres dos agentes públicos, notadamente em face das expectativas sociais da comunidade de Cândido Godói/RS, a qual, ao menos em relação ao demandado CLÓVIS, conferiu, através do exercício democrático do sufrágio, a possibilidade dele atuar em defesa dos interesses sociais.

Diante desse quadro, impõe-se a tomada de providências por parte das Instituições, notadamente o Ministério Público e o Poder Judiciário, razão pela qual é proposta a presente ação, visando à responsabilização dos demandados pela prática de atos de improbidade administrativa.

2.2 DA LIGAÇÃO DOS REQUERIDOS DIANE MARIA SCHEIN E CLÓVIS LUIZ SCHEIN COM A EMPRESA VOS e DA UTILIZAÇÃO DE BENS DA CÂMARA DE VEREADORES EM TRABALHO PARTICULAR

Compulsando-se os autos do Inquérito Civil n.º

04/2006, fica evidente a íntima (e censurável) ligação entre os requeridos DIANE

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SCHEIN e CLÓVIS LUIZ SCHEIN com a Empresa VOS, tanto que algumas testemunhas chegam a dizer que são “sócios ocultos” da empresa.

Quanto à requerida DIANE MARIA SCHEIN, é inafastável a assertiva de que ela trabalhava em prol da Empresa VOS desde o ano de 2003, fazendo das dependências do Poder Legislativo de Cândido Godói um prolongamento das operações da Empresa. Pois vejamos.

Dos 15 (quinze) cursos ofertados pela Empresa VOS -e dos quais participaram vereadores/servidora da Câmara de Cândido Godói - desde o mês de junho de 2003 até o mês de janeiro de 2006 -, em vários folderes dos eventos percebe-se que foram disponibilizados os telefones de n.º (55) 3548-1531 e (55) 3548-1607 para contatos dos interessados (fls. 94v, 118v, 155v, 158v, 162, 164, 382, 474,v, 541, dentre outros), surgindo o assombro quando verificamos que o primeiro é de propriedade da Câmara Municipal de Cândido Godói, e o segundo instalado na própria Câmara em nome da requerida DIANE MARIA SCHEIN (fls. 204 e 253 do Inquérito Civil).

E por que estes números, os quais supostamente deveriam servir para cumprir interesse público – não venha se alegar a

legitimidade de se instalar, em órgão público, telefone particular para

atender a fins particulares ou alheios ao serviço – constavam em folderes de promoção de eventos da Empresa VOS?

A resposta é clara: porque era DIANE MARIA SCHEIN (servidora da Câmara de Vereadores) a pessoa para quem os interessados deveriam telefonar a fim de solverem dúvidas quanto aos cursos lançados pela Empresa VOS, bastando consultar-se os folderes acostados aos autos para se chegar a tal conclusão (fls. fls. 94v, 118v, 155v, 158v, 162, 164, 382, 474,v, 541, dentre outros).

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Já em outros cursos organizados pela Empresa VOS, com participação clarividente da servidora DIANE MARIA SCHEIN, nos folderes constaram números de celulares desta (fls. 14, 15v, 76v, 118v, 120v, 124v, 154v, 158v, 162, 164v, 205v, 382, 413v, 432, 474v, 538v, 541), porém, novamente, diga-se que as ligações de interessados nos cursos para a requerida DIANE SCHEIN certamente ocorriam em horário de expediente.

Desta forma, o inquérito civil revelou o seguinte:

1. 15 (quinze) cursos foram promovidos pela Empresa VOS PROJETOS LEGISLATIVOS com participação de vereadores e/ou servidora da Câmara Municipal de Cândido Godói/RS desde o mês de junho de 2003;

2. Destes 15 (quinze) cursos, todos contaram com o nome da servidora DIANE MARIA SCHEIN nos folderes da Empresa VOS PROJETOS LEGISLATIVOS LTDA., como se fosse funcionária da empresa;

3. Todas as inscrições dos vereadores para os cursos promovidos pela mesma empresa foram efetuadas por DIANE MARIA SCHEIN, em nome da empresa (fls. 113, 117, 122, 123 125, 127, 150, 151, 153, 157, 160, 161,163, 262, 264, 266, dentre outros);

Assim, a conclusão inarredável a que se chega é a de que DIANE MARIA SCHEIN trabalhava em prol da Empresa VOS, como uma espécie de assessora/funcionária, durante seu horário de trabalho no Órgão legiferante, e ainda se valia da estrutura da Câmara de Vereadores para servir aos interesses da empresa privada.

Neste ínterim, convém frisar que, por certo, a Empresa VOS tinha interesse suscetível de ser atingido por ação decorrente das atribuições de DIANE MARIA SCHEIN, já que esta, como secretária de fato da empresa e

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também secretária da Câmara, fazia a “propaganda” dos cursos e ainda promovia as inscrições dos vereadores da Casa Legislativa de Cândido Godói, além da entrega de certificados aos participantes dos cursos, assinando-os também quando necessário.

O montante amealhado pela Empresa VOS, somente através de inscrições efetuadas pela Secretária da Câmara DIANE MARIA SCHEIN para os cursos realizados pela empresa (com participantes de Cândido Godói), ultrapassa nove mil reais, sendo que tudo está aferido nos autos do Inquérito Civil n.º 04/2006, nas fls. 113, 117, 122, 123, 125, 127, 150, 151, 153, 157, 160, 161, 163, 262, 264, 266, 268, 270, 272, 274, 333, 345, 389, 407, 427, 409, 471, 512, 514, 523, 526, 530, 532, 534 e 545).

Constata-se que houve, efetivamente, desonestidade e deslealdade da servidora referida para com o serviço público. E isso desde o mês de junho de 2003 até o mês de janeiro de 2006! Assim, a servidora da Câmara Municipal de Cândido Godói passou longos dois anos e meio tirando dúvidas, promovendo inscrições de interessados, prestando informações no que dizia com os cursos realizados pela Empresa VOS PROJETOS LEGISLATIVOS, durante seu horário de expediente, soando desarrazoada a sua alegação de que nada ganhou pelos serviços prestados.

Todavia, ainda que se argumente que DIANE nada recebeu da requerida VOS (ou de seu sócio VALMIR) para auxiliá-la em seus diversos eventos – o que é risível -, o certo é que, ao menos no curso ocorrido em Foz do Iguaçu no mês de janeiro de 2006, ela recebeu do Ente Público diárias para freqüentar o curso e, durante este, trabalhou para a Empresa VOS. E aqui está o “enriquecimento ilícito” exigido pelo artigo 9º da Lei de Improbidade.

A respeito, inclusive o sócio-gerente da empresa, VALMIR ODACIR DA SILVA – embora alegue que não possui empregados – em

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relação ao curso acima referido, confirmou que contratou DIANE para trabalhar durante o evento (fl. 814).

Ainda, cabe referir que também o requerido CLÓVIS LUIZ SCHEIN tinha estrita ligação com a aludida empresa, tanto que, em depoimento ao Ministério Público, confirmou que “mantém uma espécie de ‘parceria’ com Valmir”.

Comprovando isso, em muitos folderes de eventos promovidos pela Empresa VOS, além do nome da requerida DIANE, verifica-se o nome do vereador CLÓVIS como pessoa a ser contatada para inscrição de eventuais interessados nos eventos promovidos pela demandada VOS (fl. 203). Além disso, o requerido CLÓVIS também assinava certificados emitidos pela Empresa (fls. 203 e outros) e, como ele mesmo confirmou, prestava esclarecimentos acerca dos seminários por ela promovidos.

Inclusive, em absoluta afronta ao Princípio da Imparcialidade, aventou o requerido CLÓVIS LUIZ SCHEIN, em seu depoimento prestado nos autos do Inquérito Civil, que ajudava a “divulgar” os eventos promovidos pela Empresa VOS PROJETOS LEGISLATIVOS LTDA., de propriedade do Sr. VALMIR ODACIR DA SILVA. Logo, CLÓVIS LUIZ SCHEIN era um promotor dos eventos da Empresa referida, não sendo de se estranhar a presença de vereadores de Cândido Godói em nada menos que 15 eventos realizados por esta empresa desde o mês de junho de 2003.

Tal entrelaçamento entre o requerido CLÓVIS e a Empresa VOS, que já vem de longa data, igualmente é verificado na matéria publicada no Jornal Diário Catarinense do dia 13/03/2004 (fl. 622), onde consta como um organizador do evento.

Em verdade, restou evidente que CLÓVIS, em total desrespeito aos princípios basilares da Administração Pública, também

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assessorava a Empresa VOS a organizar os “cursos” e, em especial, a captar seu público-alvo (vereadores), já que, durante a sua atividade, tinha contato direto com outros edis.

Reza o inciso VIII do art. 9º da Lei n.º 8.429/92 que

constitui ato de improbidade administrativa o exercício de atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade.

Certamente a Empresa VOS Projetos Legislativos

Ltda. tinha interesse no auxílio do requerido CLÓVIS, já que é Vereador em Cândido Godói e, mais, foi - até o final do ano de 2006 - o Presidente da referida Câmara Municipal.

Neste passo, conforme dispõe a Resolução n.º

04/2001, da Câmara Municipal de Cândido Godói/RS, em seu art. 29 e §§, compete à autoridade competente conceder diárias (fl. 35 do Inquérito Civil n.º 04/2006), sendo esta o Presidente da Câmara Legislativa municipal. Desse modo, para a concessão de diárias para vereadores e eventual servidor da Câmara de Cândido Godói, é necessário autorização do Presidente da Casa, fazendo com que o Presidente defira ou indefira pleitos de participação de eventos com ressarcimento de diárias aos postulantes.

É patente, portanto, que a Empresa VOS tinha

interesse que o Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Cândido Godói autorizasse viagens de vereadores e servidores para a participação em eventos da empresa. E assim o fez CLÓVIS LUIZ SCHEIN, ordenando despesas para viabilizar a participação daqueles em seminários promovidos pela Empresa VOS PROJETOS LEGISLATIVOS LTDA. (fls. 263, 267, 269, 271, 273, 332, 334, 336, 344, 346, 376, 377, 379, 380, 381, dentre outras). Ainda, requisitou diárias para vereadores (e também para ele) e servidores participarem de eventos promovidos pela empresa requerida (337,347, 831, etc).

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Assim, os requeridos CLÓVIS LUIZ SCHEIN e DIANE MARIA SCHEIN, também por trabalharem/assessorarem a empresa VOS desde o ano de 2003 até janeiro de 2006, praticaram ato de improbidade administrativa. 2.3 DEMAIS CURSOS REALIZADOS PELO DEMANDADO CCLLÓÓVVIISS LLUUIIZZ SSCCHHEEIINN NO ANO DE 2005 EM QUE PERCEBEU INDEVIDAMENTE DINHEIRO PÚBLICO

Mais uma vez, em função da realização de outros cursos na cidade paranaense de Foz do Iguaçu, o vereador CLÓVIS SCHEIN deslocou-se até a cidade fronteiriça a pretexto de participar de atividades de aprendizagem jurídicas, a fim de enriquecer-se culturalmente, aplicando, assim, seus conhecimentos na legislatura local.

No entanto, tomou o vereador novamente o mesmo rumo do fato há pouco descrito, desvirtuando totalmente a finalidade das viagens.

Compulsando os documentos carreados aos autos,

extrai-se que o vereador e requerido CLÓVIS LUIZ SCHEIN viajou, no período de apenas 01 (um) ano – de janeiro de 2005 a janeiro de 2006 – nada mais nada menos do que cinco (05) vezes a Foz do Iguaçu-PR, a pretexto de realizar cursos de aperfeiçoamento, isso sem contar suas viagens a outras cidades do Brasil, com o mesmo objetivo. Tais viagens a Foz do Iguaçu estão a seguir elencadas:

DIÁRIAS LOCAL PERÍODO EVENTO

(A) cinco Foz do Iguaçu-PR

24/01/2005 a

28/01/2005

curso “O Vereador e a Atividade Legislativa Moderna”

(B) cinco Foz do Iguaçu-PR 08/08/2005 a

12/08/2005

Curso “Aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal sob a Égide do Poder Legislativo”

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(C) cinco Foz do Iguaçu-PR 21/11/2005 a

25/11/2005

Seminário sobre Deveres e Responsabilidades dos Prefeitos, Vereadores, Secretários Municipais e Servidores do Executivo e Legislativo”

(D) cinco Foz do Iguaçu-PR 23/01/2006 a

28/01/2006

Curso “Aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal e Transição de Mandato”

(E) cinco

Foz do Iguaçu-PR 30/01/2006 a

04/02/2006

Simpósio de Vereadores e Servidores - “O Estatuto da Cidade e os Mandamentos do bom Vereador”

Do quadro acima, verifica-se que o demandado CLÓVIS recebeu, apenas a título de diárias pelos cursos realizados em Foz do Iguaçu, a quantia de R$ 5.875,00 (cinco mil, oitocentos e setenta e cinco reais), isso sem computar-se os valores despendidos pelo Poder Público com combustível e inscrições, e outras viagens.

Ademais, o Inquérito Civil demonstrou o objetivo

escuso do demandado CLÓVIS ao fazer estas viagens, sempre às custas do dinheiro do povo. Por primeiro, apurou-se que o demandado, em todos estes cursos, recebeu, no mínimo, uma diária a mais, pois sempre saiu de Cândido Godói em direção a Foz do Iguaçu (atravessando as aduanas de Porto Xavier ou Porto Mauá) no dia seguinte ao anunciado para a partida. Registre-se que, nesta região, é comum utilizar-se a malha viária argentina para deslocamento até Foz do Iguaçu, considerando a qualidade das estradas do país vizinho e a redução da distância até aquele Município paranaense.

Em depoimento prestado nesta Promotoria de Justiça, o Sr. BASÍLIO AFONSO KRAMER já havia “cantado a pedra”, ao mencionar:

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“Comenta-se em Cândido Godói que os vereadores sempre saem de Cândido Godói, “no papel”, um dia antes do dia em que efetivamente se deslocam para os cursos/viagens, sendo que numa ocasião, no ano de 2005, o Sr. ROQUE GILBERTO BOURSCHEIDT comentou com o declarante que viu vereadores no porto da cidade de Porto Mauá numa manhã. O declarante conferiu nos empenhos e percebeu que nos pedidos de ressarcimento de despesas constava que os vereadores haviam saído de Cândido Godói no dia anterior. O declarante não lembra em qual viagem ocorreu o antes relatado, aduzindo que foi numa das viagens realizadas no final do ano de 2005. Refere que é comentário geral que isso acontece em quase todas as viagens feitas por vereadores, ou seja, dizem que viajam um dia antes da data real da viagem, provavelmente para perceberem uma diária a mais.”

Comprovando a informação retro, os documentos das fls. 586, 588, 648, 655, 660 e 661são elucidativos.

Certamente não contava o demandado com o sistema de monitoramento de carros usado pelas aduanas de Porto Xavier e Porto Mauá, onde a passagem de qualquer veículo fica registrada (fls. 798,800 e 860).

Veja-se, pois, como agiu o demando CLÓVIS:

- curso referido no quadro acima como (A) - o demandado CLÓVIS recebeu 05 diárias, a contar do dia 24/01/05, mas apenas atravessou a aduana de Porto Mauá no dia 25/01/2005 (doc. fl. 586). E note-se que entre Cândido Godói e Porto Mauá distam apenas 82 km (www.daer.rs.gov.br), razão pela qual não cabe a alegação de que o demandado teve que pernoitar na estrada até chegar a tal Município.

E mais. Foram pagas diárias ao requerido CLÓVIS sem que ele tivesse apresentado qualquer comprovante de participação no aludido curso, apenas diante da apresentação de um comprovante de inscrição (assinado pela requerida DIANE), o que, por óbvio, não é sinônimo de freqüência ao curso,

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nem de demonstração da finalidade pública das atividades que motivaram o pagamento das diárias.

- curso referido no quadro acima como (B) - o demandado CLÓVIS recebeu 05 diárias, a contar do dia 08/08/05, mas apenas atravessou a aduana de Porto Xavier em direção à Argentina no dia 09/08/2005, às 10h (doc. fl. 648 e 650). E note-se que entre Cândido Godói e Porto Xavier distam apenas 71 km (www.daer.rs.gov.br), razão pela qual também não teria motivos para o demandado pernoitar na estrada até chegar a tal porto. E mais, retornou a Cândido Godói no dia 12/08/2005, segundo o mesmo documento, ganhando irregularmente mais meia diária.

- curso referido no quadro acima como (C) - o demandado CLÓVIS recebeu 05 diárias, a contar do dia 21/11/05, mas apenas atravessou a aduana de Porto Xavier no dia 22/11/2005 (doc. fl. 588).

- curso referido no quadro acima como (D) - o demandado CLÓVIS recebeu 05 diárias, a contar do dia 23/01/06, mas apenas atravessou a aduana de Porto Xavier no dia 24/01/2006 (doc. fl. 588).

Em relação a este curso – o qual era o objeto inicial da investigação (item 2.1) -, note-se que, somente após o Ministério Público descobrir o engodo utilizado pelos demandados para receberem uma diária a mais, estes fizeram a devolução da indevida diária aos cofres públicos (fl. 596), o que demonstra, inexoravelmente, a má-fé (dolo) dos demandados. Estivessem os requeridos de boa-fé, certamente teriam atendido ao que dispõe a Resolução n.º 03/2005 (que regulamenta a concessão de diárias - fl. 245), a qual estabelece no § 1º do artigo 4º : “Na hipótese do Vereador ou Servidor retornar à sede em prazo menor do que o previsto para seu afastamento deverá restituir as diárias recebidas em excesso, no prazo máximo de 03 (três) dias”.

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No caso em foco, entretanto, a devolução só aconteceu depois que o Ministério Público passou a investigar o caso e descobriu a armação!

- curso referido no quadro acima como (E) - o demandado CLÓVIS recebeu, além de combustível e uma inscrição, 05 (cinco) diárias em razão deste curso, que iniciaria no dia 31/01/06 e iria até 03/02/2006. Todavia, o documento da fl. 586 demonstra que o requerido somente atravessou a aduana de Porto Mauá no dia 1º/02/2006, ao passo que o certificado da fl. 58 diz que o requerido CLÓVIS participou do Simpósio, sem qualquer ressalva.

Em virtude do exposto, partindo da premissa inabalável de que o vereador CLÓVIS sempre atravessou os portos dos Municípios de Porto Xavier e Porto Mauá em data posterior às constantes nos empenhos, chegamos à óbvia conclusão de que recebeu, dolosa e indevidamente, diárias, praticando atos de improbidade administrativa e surgindo a necessidade premente de devolver aos cofres públicos tudo o que auferiu em razão dos aludidos eventos, mormente porque, desde o início, atuou com fins imorais e desonestos.

Não bastasse, compulsando o expediente, observou o Ministério Público que o demandado CLÓVIS, também em razão da participação de um curso ocorrido na cidade de Itapema-SC entre 29 e 31 de março de 2005, intitulado “a Administração Pública e suas Responsabilidades”, recebeu diárias indevidas, no montante de R$ 977,50 (novecentos e setenta e sete reais e cinqüenta centavos – fl. 169).

Isso porque em relação a tal curso não há qualquer comprovação de que tenha participado do evento, já que o certificado que deu margem ao pedido/pagamento de diárias, por certo, não se presta a tal demonstração, já que foi assinado pelo próprio demandado (fl. 82). E não precisa ser perito para se verificar que no documento consta a mesma rubrica dos demais documentos assinados pelo demandado CLÓVIS nos autos, bastando

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confrontar com o doc. da fl. 303, por exemplo. Assim, necessária a devolução aos cofres públicos dos valores percebidos em razão do evento.

Em todos os casos acima, o então Sr. Presidente da Câmara de Vereadores de Cândido Godói olvidou que a moralidade administrativa é auferida por critérios objetivos e não subjetivos, exigindo do administrador um padrão de conduta que independe das suas sinceras intenções. Quer dizer, à moralidade administrativa convém não apenas a honestidade, mas, também - e sobretudo - aparência de honestidade, apanágio que claramente não ostenta o proceder censurado.

Nesse sentido, mutatis mutandis, oportuna é a lição de

Antônio José Brandão (apud Hely Lopes Meireles, Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., pág. 84), o qual consigna:

“a atividade dos administradores, além de traduzir a vontade de obter o máximo de eficiência administrativa, terá ainda de compreender à vontade constante de viver honestamente, de não prejudicar outrem e de dar a cada um o que lhe pertence - princípios de Direito Natural já lapidarmente formulados pelos jurisconsultos romanos. À luz dessas idéias, tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos, como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio con-fiado à sua guarda. Em ambos os casos, os seus atos são infiéis à idéia que tinha de servir, pois violam o equilíbrio que deve existir entre todas as funções, ou embora mantendo ou aumentando o patrimônio gerido, desviam-no do fim institucional, que é o de concorrer para o bem comum”. (grifamos) Do cotejo das provas carreadas aos autos, resta, pois,

evidente que a finalidade das reiteradas (e tão desejadas) viagens feitas pelo então Presidente do Legislativo Municipal, Vereador CLÓVIS LUIZ SCHEIN, principalmente à cidade de Foz do Iguaçu, tinha por principal finalidade atender interesses estritamente particulares e desvinculados da atividade fim dos edis. As

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viagens foram determinadas por fins imorais ou desonestos. Em realidade, os cursos em tela serviram como justificativa ou artifício para que o requerido pudesse “incrementar” sua renda - tanto que (ao menos em relação aos cursos de Foz do Iguaçu) sempre mentia a data da efetiva saída de Cândido Godói para ganhar mais diárias - e permitir que ele pudesse fazer compras no Paraguai, como referiu a prova testemunhal.

Por fim - apenas para deixar bem claro – diga-se que em relação aos demais cursos de que o requerido CLÓVIS participou no ano de 2005 (objetos do presente Inquérito Civil), o Ministério Público nada tem a postular, já que não aportaram aos autos provas de que o demandado tivesse angariado diárias indevidamente, como o fez nos casos acima descritos.

2.4 DEMAIS CURSOS RELIZADOS PELA DEMANDADA DDIIAANNEE MMAARRIIAA SSCCHHEEIINN (OCORRIDOS EM FOZ DO IGUAÇU ENTRE 09 e 12/08/2005 E 22 a 25/11/2005).

Seguindo o mesmo rumo do demandado CLÓVIS, a Secretária da Câmara de Vereadores de Cândido Godói, em razão da participação do Curso “Aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal sob a Égide do Poder Legislativo”,

marcado para ocorrer em Foz do Iguaçu entre os dias 09/08/2005 e 12/08/2005, recebeu indevidamente diárias.

Pelos documentos acostados à fls. 86 e 168, percebe-se que DIANE MARIA SCHEIN viajou na companhia do vereador CLÓVIS SCHEIN – no carro deste - para participar do aludido curso, tendo percebido dos cofres públicos 05 diárias, a contar do dia 08/08/05, importando R$ 975,00 (novecentos e setenta e cinco reais)

Entretanto, como referido no item acima em relação ao demandado CLÓVIS, restou demonstrado que este (e também DIANE) atravessou a aduana de Porto Xavier apenas no dia 09/08/2005 (doc. fl. 648).

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Quanto ao “Seminário sobre Deveres e Responsabilidades dos Prefeitos, Vereadores, Secretários Municipais e Servidores do Executivo e Legislativo”, a mesma constatação: DIANE recebeu 05 diárias (R$ 1.250,00) a contar do dia 21/11/05 (fl. 168), mas apenas atravessou a aduana de Porto Mauá no dia 22/11/2005 (doc. fl. 588), sendo que o documento da fl. 96 comprova que DIANE foi no carro de CLÓVIS para Foz do Iguaçu.

Por isso, partindo da premissa inabalável de que DIANE atravessou os portos dos Municípios de Porto Xavier e Porto Mauá em datas posteriores às constantes nos empenhos, concluímos que também recebeu, dolosa e indevidamente, diárias, praticando atos de improbidade administrativa e surgindo a necessidade premente de devolver aos cofres públicos tudo o que auferiu em razão dos aludidos eventos, porque, desde o início, também atuou com fins imorais e desonestos.

3. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A Constituição Federal, no artigo 37, caput, estabelece que a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sendo que no § 4º determina que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Idênticos princípios estão consagrados no artigo 19, caput, da Constituição Estadual.

Por seu turno, no âmbito da legislação

infraconstitucional, o artigo 1º, caput, da Lei n.º 8.429/92 define como atos de improbidade puníveis conforme as suas disposições, dentre outros, os praticados por “qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

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Federal, dos Municípios, de Território”, logo, abrangendo acontecimentos tais como os que se descrevem.

O artigo 2º da Lei n.º 8.429/92, por sua vez, que se

aplica inteiramente aos réus, determina: “reputa-se agente público, para os efeitos da Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.

A Lei n.º 8.429/92 ainda merece integral incidência in

casu sub examem, quando dispõe, no artigo 9º, que constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1o desta Lei, e notadamente”:

(...) VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer

atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

Veja-se, pois, à indiscutível evidência, que a conduta

dos demandados enquadrou-se neste tipo legal. No caput, os requeridos DIANE e CLÓVIS, porque receberam diárias sob o pretexto da participação em curso de aperfeiçoamento, realizado fora do Estado, quando em verdade pretendiam ganhar um ‘extra” e realizar turismo com o dinheiro público, auferindo vantagem patrimonial indevida; no inciso oitavo, também os requeridos DIANE e CLÓVIS, porque assessoraram a empresa VOS na organização dos cursos por ela promovidos, inclusive o curso que deu azo à investigação em tela, em razão do qual ganharam diárias indevidas.

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Some-se a isso o fato de que o curso promovido pela empresa demandada (e organizado também pelos demandados CLÓVIS e DIANE), servia como fachada para a percepção de vantagem indevida pelos vereadores (diárias), não havendo sequer controle efetivo da participação dos inscritos, os quais, ainda assim, receberam certificados ao final do evento. Figura, pois, a Empresa VOS como terceira que concorreu para a prática do ato de improbidade administrativa e, assim como os demais, enriqueceu ilicitamente (artigo 3º da LIA).

Na lição de MARINO PAZZAGLINI FILHO (Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal: legislação e jurisprudência atualizadas, São Paulo: Atlas, 2002, p. 55), tal espécie de ato de improbidade administrativa caracteriza-se pela satisfação dos seguintes requisitos:

“1. recebimento de vantagem econômica indevida por agente público, acarretando, ou não, dano ao Erário ou ao patrimônio de entidades públicas ou de entidades privadas de interesse público (no caso de verbas públicas por estas recebidas); 2. vantagem patrimonial decorrente de comportamento ilegal do agente público; 3. ciência do agente público da ilicitude da vantagem patrimonial pretendida e obtida; e 4. conexão entre o exercício funcional abusivo do agente público nas entidades indicadas no art. 1º da LIA e a vantagem econômica indevida por ele alcançada para si ou para outrem”.

Oportuno é recordar, sobre a atividade administrativa em geral, as lapidares lições do sempre acatado HELY LOPES MEIRELLES, constantes de sua clássica obra Direito Administrativo Brasileiro (27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 86), no sentido de que: “A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei”, e de que: “Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na

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administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”

Refere o mencionado doutrinador que as diárias tem

natureza indenizatória, ou seja, “indenizam as despesas com passagem e/ou estadia em razão de prestação de serviço em outra sede e em caráter eventual”. (obra citada, p. 466).

Impõe-se aqui a seguinte perquirição: Qual serviço foi prestado aos cidadãos do Município de Cândido Godói no caso dos autos? Evidente que o interesse público quedou-se relegado a um plano inferior, ao sabor das pretensões pessoais dos demandados.

Ora, ainda que eventualmente se entenda que a

escolha dos cursos insere-se no juízo de conveniência do administrador, não menos verdade é o fato de que tal discricionariedade é vinculada aos ditames constitucionais e legais, que informam e conformam o atuar do agente público.

Torna-se evidente que os requeridos DIANE e CLÓVIS

ajudaram na organização e foram até o curso da empresa VOS (item 2.1) não pela natureza do evento em si, mas sim pela reduzida carga horária das palestras (9h às 13h, com intervalo), pelo fato de ser realizado em outro Estado da Federação – o que importa em acréscimo no valor das diárias -, além do clima do evento, das belezas naturais do local, bem como da possibilidade de realização de turismo em Ciudad del Leste, no Paraguai, para compras de produtos a preços normalmente inferiores aos praticados no Brasil.

Quanto aos demais cursos, da mesma forma, diante

das constatações supra, inarredável a conclusão de que os réus se pautaram com objetivos estritamente particulares, objetivando angariar um rendimento extraordinário com as viagens.

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A respeito, importante destacar o rombo causado pelos demandados aos cofres públicos por conta de tais viagens:

Em razão dos cursos referidos no item 2.1 e 2.4, restou

comprovado que a requerida DIANE desviou, em proveito próprio, a importância de R$ 4.658,00 (quatro mil, seiscentos e cinqüenta e oito reais), sendo 3.475.,00 (três mil, quatrocentos e setenta e cinco reais), equivalente a 5 (cinco) diárias em cada evento (após fez a devolução de apenas R$ 375,00), além de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais) com inscrições e R$ 303,00 (trezentos e três reais) com ressarcimento de combustível.

Já o requerido CLÓVIS, em razão dos eventos

referidos nos itens 2.1 (curso de 24 a 27/01/2006) e 2.3 (itens “a”, “b”, “c” e “e” do quadro acima + viagem à Itapema/SC), desviou, em proveito próprio, a importância de R$ 10.190,58 (dez mil, cento e noventa reais e cinqüenta e oito centavos), consoante as notas de empenho anexadas aos autos do Inquérito Civil e informações das fls. 168/177.

A Empresa VOS PROJETOS LEGISLATIVOS, a seu

turno - que pelo contrato social sequer podia operar no ramo de treinamentos -, angariou, somente com as inscrições de vereadores/servidores da Câmara de Cândido Godói, cerca de nove mil reais.

Assim, amplamente demonstrado o enriquecimento

ilícito dos demandados e, via de conseqüência, a ofensa aos princípios da legalidade e moralidade administrativas, com ofensa as Constituições Federal e Estadual - artigos 37, caput, e 19, caput, respectivamente.

Por outro lado, caso entenda esse MM. Juízo não se enquadrar a conduta dos demandados como ensejadoras de enriquecimento ilícito em favor de Clóvis Luiz Schein e Diane Maria Schein, consubstanciados nas diárias por eles percebidas de maneira espúria – o que se argumenta apenas a título de ilação -, remanesce a possibilidade de serem os atos por eles praticados

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enquadrados no art. 10, incisos I, IX e XII, da Lei n.º 8.429/92, igualmente a título de dolo. Isto porque as provas coletadas em sede de investigação civil evidenciam ter ocorrido dano ao patrimônio público municipal com a percepção das já referidas diárias, sem que as viagens que deram origem à percepção do benefício tenham trazido qualquer contrapartida de valor ao interesse público local.

Por derradeiro, há que se considerar que o artigo 11 da Lei n.º 8.429/92, o qual dispõe sobre os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, está sempre inserido no conteúdo dos atos de improbidade que causam enriquecimento ilícito ou lesão ao Erário. Afinal, toda a prática de atos de tal natureza, ao se caracterizarem com nítido objetivo patrimonial, inclui em seu âmago a ofensa às diretrizes norteadoras da atividade da administração pública. Desta sorte, caso entenda esse MM. Juízo de não ver caracterizada a prática de atos que provocaram o enriquecimento ilícito do agente ou que causaram dano ao patrimônio público, na hipótese em tela, forçoso é concluir pela caracterização de atos de improbidade que ofenderam os princípios da administração pública.

Neste ínterim, os requeridos, seja por organizarem o

curso e saberem, desde o princípio, como tudo “funcionaria”, seja por simplesmente terem participado do mencionado curso de aperfeiçoamento, com o escopo de obterem as respectivas diárias, violaram os princípios da legalidade e da moralidade administrativa, com a concorrência da Empresa VOS, em virtude das facilidades para a aquisição do certificado, uma vez que não havia um efetivo controle da participação dos inscritos, além da carga horária reduzida, facilitando a visitação aos pontos turísticos, mesmo durante as aulas. Resta cristalino, desse modo, o dolo ou a má-fé no propósito dos agentes.

Como ensinam EMERSON GARCIA e ROGÉRIO

PACHECO ALVES (Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, p. 335):

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“Nos casos de desvio de poder, comumente o ato apresentará aparente adequação à legalidade, o que faz com que o princípio da moralidade assuma relevância ímpar na identificação do real propósito do agente, permitindo a revelação de sua intenção viciada (v.g.: desapropriar um imóvel com o real propósito de prejudicar um adversário político)”. (grifo nosso)

Ademais, cumpre assinalar que os deveres de honestidade e lealdade às instituições, dispostos no caput do art. 11 da Lei n.º 8.429/92 - que dizem especificamente com o princípio da moralidade - inscrito no pórtico do art. 37, da Constituição Federal, foram flagrantemente violados no caso.

Acerca do princípio, doutrina o eminente Humberto

Ávila: “(...) O princípio da moralidade exige condutas sérias, leais, motivadas e esclarecedoras, mesmo que não previstas na lei. Constituem, pois violação ao princípio da moralidade a conduta adotada sem parâmetros objetivos e baseada na vontade individual do agente e o ato praticado sem a consideração da expectativa criada pela Administração.”1

E, sobre a matéria, leciona Waldo Fazzio Júnior2:

“(...) Atentar contra princípios jurídicos é muito mais grave que violar regras; significa agredir todo o sistema. Justamente por isso, o texto do art. 4º da LIA, ao exigir que os agentes públicos cumpram e façam cumprir os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, repercute o disposto no art. 37 caput, da Constituição Federal. (...)

A deslealdade e a desonestidade de DIANE SCHEIN e CLÓVIS LUIZ SCHEIN para com o Poder Legislativo Municipal de Cândido Godói refere-se às suas censuráveis relações com o sócio-gerente da Empresa

1 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Ed. Malheiros, 3ª Ed., 2004, pg. 37. 2 In Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos. São Paulo: Editora Atlas, 2000. p.171.

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VOS PROJETOS LEGISLATIVOS, sendo que, a primeira como servidora concursada e o segundo como vereador legitimamente eleito, constavam em folderes desta empresa como pessoas a quem poderiam interessados nos cursos acudir-se tendo em vista provável dúvida que tivessem.

Atacando o princípio da moralidade, CLÓVIS LUIZ SCHEIN e DIANE SCHEIN ainda assinavam certificados da Empresa VOS, como se fossem sócios ou, no mínimo, funcionários daquela.

Não é de se estranhar que vereadores da Câmara de Cândido Godói participaram de nada menos que 15 (quinze) cursos promovidos pela Empresa requerida, tudo considerando a “louvável amizade” existente entre CLÓVIS LUIZ SCHEIN e DIANE MARIA SCHEIN e a tal empresa.

Assim, como CLÓVIS LUIZ SCHEIN e DIANE MARIA SCHEIN claramente patrocinavam interesses da Empresa VOS no seio do Corpo Legislativo Municipal de Cândido Godói/RS, vilipendiaram o princípio da moralidade, o qual deve ser obedecido pelos agentes públicos no trato dos assuntos que lhe são afetos, assim dispondo o art. 4º, caput, da Lei n.º 8.429/92.

Ademais, extremamente censurável o fato de a requerida DIANE utilizar, em serviço particular, equipamentos de propriedade ou à disposição do Poder Legislativo de Cândido Godói (telefone de n.º 55 3548-1531) para fornecer informações a pessoas interessadas nos cursos promovidos pela empresa privada VOS. Ainda, a mesma servidora DIANE MARIA SCHEIN, em desrespeito aos basilares princípios da Administração Pública, instalou telefone nas dependências da Câmara Legislativa, de n.º 55 3548-1607, para que, em seu horário de expediente, pudesse fornecer esclarecimentos aos eventuais clientes da Empresa VOS.

Não bastasse, também foi ferido o princípio da imparcialidade.

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A “camaradagem” não tem lugar quando se está a lidar com a Administração Pública, pois como asseverou Juarez Freitas:

“Segundo o princípio, a Administração Pública precisa dispensar um tratamento isonômico a todos, sem privilégios espúrios, também qualquer manobra persecutória. (...) O princípio da imparcialidade determina que o agente público proceda com desprendimento, atuando desinteressada e desapegadamente, com isenção, sem perseguir nem favorecer, jamais movido por interesses subalternos. Mais: implica o primado das idéias e dos projetos marcados por razões públicas em lugar dos efêmeros motivos característicos dos cultivadores do poder como hipnose fácil e encantatória.”3

Volvendo ao caso concreto, não é preciso grandes argumentos a fim de comprovar a fraude ao princípio da imparcialidade promovida pelos demandados CLÓVIS LUIZ SCHEIN e DIANE MARIA SCHEIN. Abaixo se comprova.

Como exposto na descrição fática, o requerido CLÓVIS LUIZ SCHEIN divulgava os eventos promovidos pela Empresa VOS PROJETOS LEGISLATIVOS LTDA., de propriedade do Sr. VALMIR ODACIR DA SILVA, sendo um verdadeiro promotor dos eventos da Empresa.

Todos os elementos de prova, como as requisições de diárias para vereadores participarem de cursos da Empresa VOS, os empenhos ordenando os mais variados gastos à cobertura das despesas de vereadores e/ou servidores com cursos promovidos pela empresa requerida, a constância em folderes de cursos promovidos pela aludida empresa e a emissão de certificados conduzem à conclusão de que CLÓVIS LUIZ SCHEIN lesionou o princípio da imparcialidade, cogente em relação aos administradores públicos. O mesmo se diga em relação à requerida DIANE.

3 FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. Ed. Malheiros, 3ª Ed. 2004, pg. 49 e 50.

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Logo, está-se diante de uma realidade que perpassa à mera parceria e amizade, vedadas ao administrador público pelo princípio da imparcialidade.

Portanto, o autor formula nesta ação pedidos

sucessivos, fulcrado no art. 289/CPC, em caso de entender V. Exa. não ser possível o atendimento do pedido anterior, no sentido de ver caracterizado o enriquecimento ilícito dos agentes ou a lesão patrimonial do Erário. 4. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Isso posto, o Ministério Público requer Vossa

Excelência se digne a: (a) notificar os requeridos para, querendo, ofereçam

manifestação prévia por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias (artigo 17, § 7º, da Lei n.º 8.429/92);

(b) receber a inicial, transcorrido o prazo descrito na

alínea anterior; (c) determinar a citação dos réus, nos endereços

constantes do preâmbulo, para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia e confissão ficta quanto à matéria fática;

(d) cientificar o Município de Cândido Godói para que,

querendo, integre a lide, conforme lhe faculta o artigo 17, § 3º, da Lei n.º 8.429/92; (e) deferir a produção de todo gênero de prova em

Direito admitido, e que aos interesses do Ministério Público possam convir, especialmente por aquelas elencadas no artigo 232 do Código Civil, cujo rol é aqui dado por transcrito, emprestando-se ênfase ao depoimento pessoal dos réus, desde já requerido, sob pena de confissão;

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(f) remeter cópia desta inicial e do inquérito civil que a

instrui ao Tribunal de Contas do Estado, para os fins de exame de contas da Câmara Municipal de Cândido Godói e/ou outras providências que entender cabíveis;

(g) julgar procedente a presente ação para declarar a

prática de atos de improbidade pelos demandados e condená-los às sanções preconizadas no art. 12, inc. I, da Lei n.º 8.429/92, notadamente: a) ressarcimento integral dos valores percebidos indevidamente, com os acréscimos legais incidentes; b) perda da função pública; c) suspensão dos direitos políticos por dez anos; d) pagamento de multa civil equivalente a três vezes o valor do acréscimo patrimonial de diárias indevidas; e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 8 anos;

Alternativa e sucessivamente, com base no art. 289 do CPC, caso entenda V. Exa. sejam os atos de improbidade descritos nesta peça subsumidos no tipo do art. 10, incs. I, IX e XII, da Lei n.º 8.429/92, pede seja julgada procedente a demanda para condenar os réus às sanções preconizadas no art. 12, inc. II, da Lei n.º 8.429/92, notadamente: a) ressarcimento integral valores percebidos indevidamente, com os acréscimos legais incidentes; b) perda da função pública; c) suspensão dos direitos políticos por oito anos; d) pagamento de multa civil equivalente a duas vezes o valor do acréscimo patrimonial de diárias indevidas; e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 4 anos;

Alternativa e sucessivamente, com escora no art. 289 do CPC, em entendendo V. Exa. se subsumam os atos de improbidade descritos nesta peça no tipo do art. 11, inc. I, da Lei nº 8.429/92, pede seja julgada procedente a demanda para condenar os réus às sanções preconizadas no art. 12,

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inc. III, da Lei n.º 8.429/92, notadamente: a) ressarcimento integral valores percebidos indevidamente, com os acréscimos legais incidentes; b) perda da função pública; c) suspensão dos direitos políticos por cinco anos; d) pagamento de multa civil equivalente a cem vezes o valor da remuneração percebida pelos demandados na Câmara de Vereadores de Cândido Godói ou de Medianeira/PR(Valmir); e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 2 anos;

(g) condenar os réus nas verbas advindas do princípio

da sucumbência. Dá-se a causa o valor provisório de R$ 23.848,58, pois

inestimável a quantificação da moralidade administrativa.

Campina das Missões, 17 de abril de 2007.

CRISTIANE MELLO DE BONA, Promotora de Justiça.