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JORGE CLECIO DE MORAES DIAS LEI 8.429/92, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: INSTRUMENTO APROPRIADO PARA O COMBATE AOS ILÍCITOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA? Trabalho de conclusão apresentada à banca examinadora do curso de Direito do UNILASALLE – Centro Universitário La Salle, como exigência parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob orientação do prof. Paulo Garselaz. Professor Orientador: Paulo Garselaz Prof. Geraldo Recktenvald Prof. Rosaly Brandalise CANOAS/RS, 2006

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JORGE CLECIO DE MORAES DIAS

LEI 8.429/92, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:

INSTRUMENTO APROPRIADO PARA O COMBATE AOS ILÍCITOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?

Trabalho de conclusão apresentada à banca examinadora do curso de Direito do UNILASALLE – Centro Universitário La Salle, como exigência parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob orientação do prof. Paulo Garselaz.

Professor Orientador: Paulo Garselaz

Prof. Geraldo Recktenvald

Prof. Rosaly Brandalise

CANOAS/RS, 2006

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RESUMO

A regulamentação do parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, pela lei

8.429 de 2 de julho de 1992, trouxe a tona o interesse ao efetivo combate aos ilícitos da

Administração Pública. O presente trabalho procurou demonstrar, fazendo uma delimitação

sobre os aspectos conceituais das formas de improbidade, os sujeitos ativos e passivos, as

sanções aplicadas, a processualidade e a conjugação com outras legislações na tentativa de

demonstrar a eficácia conferida ao diploma estudado em suas confrontações com os interesses

políticos e econômicos.

Palavras chave: Improbidade Administrativa – Ilícitos da Administração Pública – Sanções

aplicadas – Efetividade da Legislação.

ABSTRACT

The settlement of the 37th article 4th paragraph of the1988 Federal Constitution by the

8.429/92 low, brought us the real interest in order to efficient combat through the

administration illegal acts. The commented monograph tried to show the delimitation on the

concepts about immorality ways, actives and passives poles, the applied punishments, the

instrumentality’s and the union with other lows, objectifying the efficiency attributed that

studied low and the disagreement aspects with the economics and politicians interests.

Key words: Administrative immoralities – Publics administrations illegal acts – applied

punishments – effective low.

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SUMARIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 09

2 APANHADO HISTÓRICO.......................................................................................10

2.1 Principio Da Moralidade nas Constituições Brasileiras......................................15

3. AS FORMAS DE IMPROBIDADE........................................................................ 19

3.1 Atos de Improbidade que Causam Enriquecimento Ilícito................................ 20

3.2 Atos de Improbidade Lesivos ao Erário............................................................... 28

3.3 Atos Contrários aos Princípios Administrativos................................................. 34

4. SUJEITO ATIVO E PASSIVO DA IMPROBIDADE...........................................35

5. ANÁLISE DAS SANÇÕES DA LEI 8.429/92.........................................................40

5.1 Suspensão dos Direitos Políticos............................................................................ 40

5.2 Ressarcimento do Dano Ao Erário........................................................................ 44

5.3 Perda da Função Pública.....................................................................,................. 44

5.4 Multa Civil.............................................................................................,................ 44

5.5 Proibição de Contratar Com a Administração Pública.....................,................ 47

6. FASE INVESTIGATÓRIA......................................................................,...............48

6.1 Medidas Cautelares................................................................................................ 52

6.2 Lei da Ação Civil Publica ou Lei de Improbidade?.............................................53

7. CONCLUSÃO.......................................................................................................... 60

REFERÊNCIAS............................................................................................................61

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1 INTRODUÇÃO

A lei que versa sobre improbidade administrativa é a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992.

Seu fundamento é de regulamentação do parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição Federal, o

qual estatui:

Artigo 37 da constituição federal de 1988:

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (CF/88, art. 37 § 4º).

A Lei 8.429/92 revogou a Lei 3.164/57 que previa o seqüestro de bens do servidor

público adquirido por influência ou abuso de cargo ou função pública e revogou também a Lei

3.502/88 que complementava a Lei 3.164/57, e que tratava sobre os casos de enriquecimento

ilícito.

A Lei 8.429/92 surge exatamente inserida num contexto histórico-político de ampla

repercussão nacional e para que realmente se efetive, cumpre-se a tarefa de delineá-la quanto

aos seus aspectos relevantes e merecedores de atenção. Primeiramente, faz-se mister a

conceituação dos termos em questão. O termo improbidade denota “falta de probidade, isto é,

de honestidade e de retidão no modo de proceder, particular ou publicamente. Ato de

improbidade é todo aquele contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes; aquele

que denota falta de honradez e de retidão no modo de proceder”. 1

Improbidade Administrativa é: "o designativo técnico para a chamada corrupção

administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração

Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e

Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do

erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo” tráfico de influência

1 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. São Paulo: Malheiros 2000.

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“nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos

interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos”. 2

Havendo ilícitos ou para que sejam devidamente apurados, o Ministério Público poderá

de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação, requisitar a

instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo. A perda da função pública e

a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença

condenatória. Todos os aspectos gerais e, mormente elencados na lei em questão visam

colocar meios para que se coadunem interesses difusos e coletivos da sociedade.

Existem, contudo, alguns aspectos que devem ser mais bem elaborados na interpretação

de alguns itens para que a lei se torne primaz em seus objetivos quanto à abolição da

corrupção prevalecente em diversos segmentos da Administração Pública. Estes aspectos

referem-se às formas de caracterização do enriquecimento ilícito; questões relativas ao

seqüestro e indisponibilidade de bens, e aspectos penais da improbidade administrativa.

2 APANHADO HISTÓRICO

Os desígnios problemáticos da improbidade administativa estão plenamente ligados ao

da moralidade admistrativa, onde a probidade é espécie do gênero moralidade administrativa,

deste modo, perquirir qualquer tema sobre a improbidade administativa mister se faz

compreender a bases de sua evolução histórica.

Helly Lopes Meireles, em sua edição de 1964, Curso de Direito Administrativo,

primava pela atenção na existência do princípio da moralidade, como regente de todos os atos

do administrador público brasileiro.3 O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 parágrafos

4º elevou o principio da moralidade ao plano constitucional, delegando aos legisladores

infraconstitucionais a tarefa de editar lei disciplinadora dos atos de improbidade.

Após a exposição introdutória do tema, passa-se a uma reflexão sobre mais incisiva

sobre o tema da moralidade administrativa, construindo-se a base do assunto proposto.A

preocupação com a imoralidade dos atos administradores públicos, já se poderia ver no direito

romano. De fato no ano 149 a .c., foi editada a lex de repentudis, a qual penalizava o mau

administrador público mediante a devolução ao erário daqueles valores gastos irregularmente.

2 MELO Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. São Paulo: Malheiros 2000. 3 MEIRELES, Helly Lopes. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1964, p. 68.

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Esse diploma legal pioneiro decorreu do árduo trabalho de L. Campunio Pisone que

representava a plebe na cúria romana. Posteriormente foi sancionada a lex Julia, que ampliou

esta pena, estabelecendo a devolução em quádruplo dos prejuízos, acrescendo a sanção de

perda dos direitos civis ao administrador ímprobo. 4

Maurice Hauriou, historicamente lançou as primeiras bases sobre a temática da

moralidade, em seu compêndio de Direito Administrativo. 5 Antonio José Brandão,

administrativista lusitano, assinala que no início do século XX, surgiu um movimento

denominado: “moralização do Direito”, que trazia no seu conjunto um ânimo de vincular a

atividade jurídica ao questionamento de ordem moral. 6

Os positivistas insurgiram-se contra essa idéia, tendente no fato em que o objeto da

Ciência Jurídica passara a sofrer uma série análise crítico-valorativa. Isto porque positivismo

sistematizava uma cisão artificial no discurso jurídico. Mas a resistência positivista não

exauriu os expoentes do movimento, certos que estavam da importância do pensamento em

elaboração para o aperfeiçoamento da atividade estatal. O movimento da moralização do

direito vai gradativamente ganhando espaço, sendo que a teoria do abuso do direito figura

mais incisivamente no Direito Privado, tendo originado no Direito Público a formulação do

desvio de poder.

Dentro da análise jurisdicional do desvio de poder realizada por Hauriou, é que surge a

idéia da moralidade administrativa. Este novo conceito apresentado desagradou inúmeros

juristas, talvez por estes se esquecerem que, em todos os pedidos judiciais está subentendido

que é em nome da justiça e da moral que se pretende a decisão favorável pleiteada.7

A história do Direito atesta que ambas as noções: moral e justiça foram

progressivamente tratadas com maior zelo. Os juristas tradicionais, contrariados ou não,

terminaram por render-se, compreendendo a noção de moralidade administrativa. Dentro

4 FREITAS, Juarez de. Lustração do papel concretizador da interpretação jurídica. In: O ensino jurídico no limiar do novo século. Porto Alegre: EDIPUCS, 1997, p. 87 Cf. OSÓRIO, Fabio Medina. Improbidade Administrativa. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 55. 5 HAURIOU, Maurice. Précis de Droit Adnistratif e droit public.11 ed, Paris:Sirey,1927. 6 BRANDÃO, Antonio José. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 25 p. 454-467, jul/set. 1951. 7 BRANDÃO. 1951, p. 457

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desta perspectiva Hauriou foi um fecundo e operoso agitador de idéias. 8 Um jurista dotado

de mente aguçada, sempre disposta rever suas próprias criações.

A moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum, pois é

constituída por normas de boa administração, advinda da disciplina interna da atividade

administrativa. A moralidade administrativa é uma espécie do gênero moralidade comum,

sendo uma forma especial desta. A administração no sentido de gestora administrativa

concretiza as normas de Direito Público, a fim de satisfazer os interesses públicos do bem

comum da população, por maio de serviços públicos específicos, qualificados e adequados.

A boa administração é revelada na medida em que se aplicam o senso moral comum as

normas do quotidiano administrativo, sem que isso represente a liberação do agente público

da obrigação primordial de respeitar a ordem institucional. 9 Por via de conseqüência, o

agente público, atenta contra a moralidade administrativa quando determinado por fins

imorais e desonestos, deixando de lado a ordem institucional. Isto acontece quando embora

zeloso profissionalmente, venha a ultrapassar sua competência legal, ou ainda, quando se

atrever a tirar vantagens do patrimônio que tem o dever de guardar.

A distinção entre moral comum e moral administativa é uma questão complexa a ponto

de algumas das vezes não se poder determinar quando começa uma e termina a outra ou

mesmo em que pesa a situação onde é apropriada uma ou a outra. Pois a noção de uma boa

administração abrange a moral comum e conseqüentemente prescrições de ordem técnica.Para

esclarecer o limiar da questão, Brandão utiliza-se das categorias de Bérgson, autor que

percebeu que a moral poderia ser vista como aberta ou fechada.

Moral aberta é aquela advinda da natural inclinação do homem em procurar a perfeição,

tendo um caráter individual. A moral fechada é de cunho social, tratando-se de uma

exteriorização da vontade social, difundida com o fito de autoproteger o meio contra

desvirtuamento que pudessem desestabilizá-lo. A moralidade administrativa enquadra-se na

segunda modalidade, pois está num contexto de forte concentração de normas técnicas, cuja

finalidade precípua é impedir o afastamento do fim institucional.

8 BRANDÃO. 1951, p.458. 9 WELTER, 1929, p. 74, Cf. BRANDÃO, op. cit., p. 459.

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O legislador ao positivar as normas, não se refere expressamente à moralidade.

Outrossim, a análise da moralidade é um “pressuposto da aplicação das leis administrativas, é

a semelhança do que ocorre como o crivo da moral em relação do Direito como um todo”.10

De forma mais clara e objetiva “a atividade dos administradores, além de traduzir a

vontade de obter o máximo de eficiência administrativa, terá ainda de corresponder a vontade

constante de viver honestamente, de não prejudicar outrem e de dar a cada um o que lhe é

devido.”, o que se faz no entendimento deste autor, é a consagração dos princípios do Direito

Natural, ensinados pelos grandes jurisconsultos romanos.11

No cenário administrativo brasileiro, coube a Manuel de Oliveira Franco Sobrinho, a

primazia de expor o assunto, dentro de sua obra “O controle da Moralidade Administrativa”. 12 A importância desta obra se deve, principalmente por ser a primeira que aborda em

consistência o assunto, realizada na circunscrição pátria, examinando os problemas da

moralidade e legalidade dos atos administrativos.

A moralidade administrativa tem ligações estreitas com o conceito de bom

administrador, para Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, ou seja, tudo aquele que usando de

competência legal, se orienta não somente pelos preceitos vigentes, mas também pela moral

comum, necessitando conhecer os limites do lícito e do ilícito, do justo e do injusto, em todos

os seus efeitos.

A expressão nos seus efeitos, sem duvida, é para admitir a lei como regra comum e medida ajustada. Falando, contudo, de boa administração, referimo-nos subjetivamente a critérios morais que, de uma maneira ou de outra, dão valor jurídica à vontade psicológica do administrador.

13

Manuel de Oliveira Franco Sobrinho, entende que a moralidade administrativa torna-se

mais visível quando os administradores fazem uso do seu poder discricionário.

Há e não pode deixar de haver, no exercício da discricionariedade, um juízo de valor imanente da ordem jurídica. Um juízo de função social e moral no seu melhor sentido normativo. Sensível ao fato e a lei, ponderando entre o direito formado e a

10 BRANDÃO, 1951, p. 459. 11 Ibid., p. 459. 12 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O Controle da Moralidade Administrativa. São Paulo: Saraiva 1974, p. 268. 13 Ibid., 1974, p. 11.

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realidade, traduzida numa expressão, não de antinomias flagrantes, mas de harmonia entre a ação administrativa e o objeto do ato administrativo. 14

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, diante da complexidade da relação existente entre o

direito e a moral tenta aclarar alguns aspectos, para isso faz uma busca incessante pelos

filósofos que melhor trataram deste assunto.

No compasso deste administrativista, as formulações propostas pelos filósofos:

Christian Thomasius e Imanuel Kant são as pilastras epistemológicas para a compreensão do

que é moralidade administrativa. 15

A moral (caracterizada pela idéia de honestum), a Política (caracterizada pela idéia de decorum) e o Direito (caracterizado pela idéia de iustum). O fito da divisão era demonstrar que os deveres morais são de foro interno e insujeitáveis, portanto a coerção, enquanto os deveres jurídicos são externos, por isso coercitíveis. 16

Imanuel Kant dividiu a metafísica dos costumes em dois campos distintos: a teoria do

direito e a teoria da virtude. As regras morais ”visam a garantir a liberdade interna dos

indivíduos, ao passo que as regras jurídicas asseguram-lhe a liberdade externa na convivência

social”. 17 Destarte, pode-se afirmar que as regras morais, nesta visão garantiriam a liberdade

pessoal íntima, enquanto liberdade externa ou social é garantida pelo direito.

Miguel Reale, na construção teórica da tridimensionalidade do direito, interpôs o que

era direito e valor no mesmo plano, e assim constituiu o “elemento moral e valorativo como

essencial ao direito”, referenciado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto. A distinção entre

direito e moral se evidencia no aspecto funcional de um e de outro. O Direito é bilateral-

atributivo e visa a atos exteriorizados, ao passo que a moral é unilateral, vinculando-se à

intenção do agente.

Nos estudos de Miguel Reale, encontra-se o desenvolvimento da expressão

bilateralidade-atributiva. Os fatos sociais denominados jurídicos são “quando duas ou mais

pessoas se relacionam segundo uma proporção objetiva que as autoriza a pretender ou fazer

garantidamente algo”.

14 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O Controle da Moralidade Administrativa. São Paulo: Saraiva 1974, p. 161. 15 MOREIRA NETO. 1992, p. 3-4. 16 THOMASIUS, Christian. Fudamenta iuris naturae et gentium. Halle, 1705, Cf. MOREIRA NETO, op. cit., p.4. 17 KANT, Imanuel. Metaphisik der sitter. 1797. Cf. MOREIRA NETO, op. cit., p. 4.

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Na teoria do Direito, de origem romana, encontra-se historicamente, a primeira inserção

do conceito de moral no âmbito jurídico. Esta aparente intromissão, com o passar do tempo,

abriu uma importante perspectiva pela qual passaram uma visão jurídica do bom pai de

família, do locupletamento ilícito, da boa fé negocial, e etc.18

2.1 O princípio da Moralidade nas Constituições Brasileiras

Finalizados os apontamentos históricos, passa-se de uma forma geral, às referencias do

principio da moralidade administrativa, no âmbito das constituições brasileiras, trabalhando

sobre os ensinamentos do ilustre Fabio Osório Medina. 19

Na esfera constitucional brasileira, a nossa carta de 1891 não fazia referencia em

nenhum dos seus artigos ao princípio em questão. Igualmente, a magna carta de 1934,

estabeleceu no seu artigo 113, nº. 38, a prerrogativa dos cidadãos requer sentença declaratória

de nulidade dos atos que importassem em lesividade ao patrimônio da União, dos Estados ou

dos Municípios. Neste cenário dispunha:

Art.113. A constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país da inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes: n.º38 Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos ao patrimônio público da União, dos Estados e dos Municípios.20

A carta política de 1937 (Estado Novo) retrocedeu, não fazendo nenhuma normatização

a respeito, deixando o princípio da moralidade à margem da administração pública. A

constituição democrática de 1946, no artigo 141 parágrafo 31, determinou que a lei dispusesse

sobre o seqüestro e perda dos bens, como sanções, na ocorrência de enriquecimento ilícito,

ocorrido por uso de influência ou abuso de poder. Assim poder-se-ia ler:

Artigo 141. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: Parágrafo 31. A lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso do cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica. 21

18 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5 ed. São Paulo: Saraiva. 1994, p.161. 19 OSÓRIO, Fabio Medina. Observações sobre a lei nº. 8.429/92. 2 ed. Porto Alegre: Síntese. 1998, p. 57. 20 CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. 12 ed. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1998, p. 718. 21CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. 12 ed. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1998, p. 509-512.

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Ainda fazia menção à constituição de 1946, em seu artigo 141, parágrafo 38, que o

cidadão possuía legitimidade ativa para ingressar em juízo, buscando a anulação dos atos

administrativos que fossem lesivos ao patrimônio público.

Parágrafo 38. Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou declaração de nulidade dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista. 22

Salienta Fabio Medina Osório, igualmente, que a caracterização da lesividade ao

patrimônio dependia da prova do caráter doloso, culposo ou ilegal dos atos praticados pelos

agentes públicos. 23 Este mesmo autor recorda que a iniciativa do constituinte de 1946

mereceu elogios de Pontes de Miranda, que classificava a desonestidade dos administradores

como o grande mal dos Estados sem tradição de responsabilidade administrativa. Pontes

verificou um abismo histórico entre a honestidade dos administradores do século XIX, quando

comparada com os do novo século. É admirável a posição do autor reclamando da falta de

obrigatoriedade dos administradores declararem seus bens, possibilitando, em sendo o caso,

efetividade a ação popular. 24

A carta Constitucional de 1967, não apenas limitou-se a reescrever em seu artigo 150

parágrafo 11, da Constituição de 1946, igualmente, trouxe a idéia de lesão causada a qualquer

entidade pública.

Artigo 150. A constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, segurança e a propriedade, nos termos seguintes: Parágrafo 11. Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou de confisco. Quanto a pena de morte fica ressalvada a legislação militar aplicável em caso de guerra externa. A lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício da função pública. 25

O Ato Institucional nº. 14, de 5 de setembro de 1969, que alterou a redação do texto

referido, consoante abaixo transcrito:

22 CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. 12 ed. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1998, p. 512. 23 OSÓRIO, Fabio Medina, 1998, p. 57-58. 24 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários a Constituição de 1967. Rio de Janeiro: Forense, 1987, v.4. 25 CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, op. cit. P.430.

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Parágrafo 11. Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou de confisco. Salvo, nos casos de guerra externa, psicológica, adversa ou revolucionária ou subversiva nos termos que ela determinar. Esta disporá também sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício do cargo ou função ou emprego na administração pública direta ou indireta. 26

É merecedor de destaque o fato de que não foram previstas, no âmbito das constituições

de 1946 e 1967, penas de caráter civil para as lesões ao patrimônio público, tendo esta

matéria, ficado para os constituintes no plano infraconstitucional.

Fabio Medina Osório, menciona em suas considerações, sobre a previsão do artigo 151

da Constituição Federal de 1967, de ação direta ao Supremo Tribunal Federal, onde o pólo

ativo era restrito ao Procurador Geral da República, nos casos de abuso de direito individual

ou político, cujo resultado culminasse em corrupção, ou naqueles considerados subversivos ao

regime democrático, por qual passava o país, a norma possuía uma amplitude indesejada,

onde até poderia se prestar a desvios de sua finalidade. 27

Artigo 151. Aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos parágrafos: 8º, 23º, 27ºe 28º do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem democrática ou praticar corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos pelo prazo de dois a dez anos, declarado pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurado ao paciente a mais ampla defesa. 28

Deixando o plano constitucional e balizando-se sobre a legislação infra, passa-se a

análise de algumas legislações que vieram para regulamentar o princípio da moralidade

administrativa pública. Encontra-se na Lei Pitombo-Godoi Ilha, como ficou conhecida a lei

nº. 3.164/57, de 1º de junho de 1957, e a Lei Bilac Pinto, assim conhecida, a lei nº. 3.502, de

21 de dezembro de 1958, como diplomas legais no que se referia ao enriquecimento ilícito;

A Lei Pitombo Godoi Ilha, apesar de ter o objetivo de regular o seqüestro dos bens do

servidor público, vindos pelo uso do cargo, ou de influência da função pública, se constituiu

em diploma extremamente restrito, não somente pelos seus mitigados quatro artigos, que

visava, regular a segunda parte do artigo 141 parágrafo 31 da Constituição de 1946, mas,

principalmente pela falta de profundidade conferida às expressões: “influência e abuso do

cargo”.

26 CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, op. Cit, p.430. 27 OSÓRIO, Fabio Medina. 1998, p. 57-58. 28 CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, op. cit. P.432.

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Entretanto, é de se destacar que no parágrafo segundo do artigo primeiro, da mesma lei,

foi concedida ao Ministério Público, legitimidade para ajuizar ação civil de ressarcimento,

legitimidade ativa também concedida aos particulares, em antecipação à Lei nº. 4.717/65 que

veio a regular a Ação Popular, disciplinando o artigo 141 parágrafo 38 da carta de 1946.

Outro ponto importante é o artigo terceiro, que criou a obrigatoriedade de declarações a

cada dois anos do patrimônio dos agentes públicos. A limitação à administração direta e às

autarquias deve-se ao fato de que os demais entes estaduais, sociedades de economia mista e

empresas públicas, somente passaram a pertencer o cenário jurídico-normativo, com a edição

do Decreto-Lei nº. 200, de 25 de fevereiro de 1967.

As sanções para os casos de enriquecimento ilícito limitavam-se ao ressarcimento ao

Erário, daqueles valores obtidos ilicitamente por agente públicos, sujeitando o agente ao

seqüestro dos seus bens a fim de garantir o ressarcimento. A Lei Bilac Pinto tinha o objetivo

de regulamentar a forma do seqüestro e da perda dos bens advindos de enriquecimento ilícito.

Este diploma era composto de seis artigos, e dispunha no seu artigo segundo, oito

hipóteses, caracterizadas as condutas de enriquecimento ilícito. Para que fosse configurado o

enriquecimento ilícito era mister que se demonstrasse o interesse político ou quaisquer outros,

que acarretassem vantagem direta ou indireta ao agente beneficiário do ato investigado. Nas

hipóteses de recebimento de vantagens econômicas, através de doações, aquisição ou venda,

dependeria, para a caracterização do ilícito civil, a demonstração do interesse pessoal que o

agente teria na concretização do negócio.

A crítica feita a esta lei, se deve às dificuldades para a caracterização do ilícito civil. A

imprecisão legislativa, as lacunas e as incertezas do seu resumido texto, podem ter sido

responsáveis pela ocorrência de inúmeros casos de corrupção, sem que houvesse uma

penalização efetiva, no período em que vigorou. 29

Por outro lado julga-se importante referir que esta lei teve o mérito de esclarecer a

extensão do conceito de servidor público, em sintonia com o entendimento atual de agente

público.

29 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 30-32.

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Alem disso, previu penas para a magistratura, para os agentes do Ministério Público e

demais serventuários nas hipóteses de procrastinação culposa ou dolosa das ações propostas

nos casos de enriquecimento ilícito. Cabe fazer referência ao Decreto-Lei nº. 201, de 27 de

fevereiro de 1967, cujo texto houve precisão de responsabilidade penal para os prefeitos

condenados pelo crime de responsabilidade.

Ainda faz-se referência a Lei nº. 4.717, de 29 de junho de 1965 (Lei da Ação Popular)

que no entendimento de Fabio Medina Osório, representou um “gigantesco avanço no

combate a improbidade administrativa, na medida em que buscava vedar atos lesivos ao

patrimônio público”. 30

3. AS FORMAS DE IMPROBIDADE

Celso Antônio Bandeira de Melo nos diz que o enriquecimento sem causa é o aumento

do patrimônio de alguém em detrimento do patrimônio de outrem, sem que haja para isso,

uma causa juridicamente idônea, inserindo-se dentro do principio geral de direito. 31

José Alfredo de Oliveira Baracho recorda os elementos constitutivos do enriquecimento

ilícito do servidor, no âmbito da Lei 3.502 de 21 de dezembro de 1958, como sendo a

atribuição patrimonial; enriquecimento de umas das partes; empobrecimento da outra;

correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento. 32 A constitucionalização dos

princípios gerais da atividade e do procedimento administrativo, objetiva definir parâmetros

de controle dos atos administrativos, sobremaneira para coibir qualquer lesão à administração

pública, através da limitação do poder discricionário da administração.

Certamente, a moralidade administrativa e o combate a todas as formas de corrupção

contra o Estado no sentido mais íntimo de coletividade e de um bem social maior constituem

um dos temas essenciais a fim de se prevenir o enriquecimento ilícito por parte dos servidores

públicos, enquanto representantes do poder estatal, sejam eles de quaisquer categorias,

municipal, estadual ou federal assim como de qualquer dos poderes constituídos. 33

30 OSÓRIO, Fabio Medina. 1998, p. 60. 31 MELO, Celso Antonio Bandeira de. O princípio do enriquecimento sem causa em Direito Administrativo, Revista do Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v 210, P. 25-35. 32 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Enriquecimento injusto como principio geral do Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 210, p. 37-83. 33 Ibid., p. 61.

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José Alfredo de Oliveira Baracho, ainda salienta a dificuldade na definição do termo

corrupção, tomando por conta o sentido largo em que é empregado pela opinião pública,

como sendo: “a aquisição de vantagem indevida por parte de pessoas investidas numa função

ou no cumprimento da mesma”. 34 A falta de rigor no uso do vocábulo corrupção também se

torna presente no âmbito da capitulação penal genérica, que inclui várias práticas, tais como:

utilizar-se do suborno, tráfico de influência, o uso indevidamente de informações

privilegiadas, a abusiva apropriação de bens públicos, o uso dos recursos públicos em caráter

particular, bem como diversas outras formas de malversar os recursos do Estado em proveito

particular, contrariando todos os princípios e normas contidas em nossa carta constitucionais

de 1988.

A corrupção é ilícito administrativo grave, causando a deturpação da administração

pública. Esta se traduz como a utilização indevida dos recursos advindos da função pública.

Assim o agente público se torna um corrupto sempre que, no exercício da função, busca se

beneficiar particularmente de valores presentes ou futuros, de cunho monetário ou não. E este

fenômeno passa a ter íntimas relações com o conceito de ética. A origem do vocábulo vem do

termo latino “corrumpere”, assim temos: “co” que significa: juntos, e “rumperem” que é:

romper, tendo como a soma um significado sinonímico, onde podemos atribuir várias palavras

tais como: suborno, malversação, improbidade...

A palavra corrupção, para José Baracho, expressa “a idéia de um ato que altera o estado

das coisas, mediante a cumplicidade de um agente, ocasionando desconfiança nas instituições

estatais”. 35 Da perda de credibilidade nas instituições públicas e do crescimento das relações

do setor privado como o setor público decorre a necessidade da ampliação dos instrumentos

de fiscalização e controle capazes de produzir a efetividade da ética pública.

3.1 Atos de improbidade que causam enriquecimento ilícito

Certamente a lei 8.429/92 foi um importante instrumento de prevenção da corrupção e

combate às várias formas de enriquecimento ilícito.A nossa lei de improbidade dividiu os atos

de improbidade em três grandes grupos, sejam eles: os atos de improbidade que importassem

enriquecimento ilícito, art.9º; os atos de improbidade que causassem lesões ao erário, art. 10 e

os atos que atentassem contra os princípios constitucionais da administração pública, art. 11. 34 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Enriquecimento injusto como principio geral do Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 210, p. 66. 35Ibid., p. 66.

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O núcleo central do art. 9º refere-se a “auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial

indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas

entidades mencionadas no art. 1° da lei”. Percebe-se que aí o legislador quis fechar qualquer

porta de acesso daqueles que desejariam aproveitar-se de alguma forma do seu cargo público

para que em razão dele conseguisse burlar qualquer meio de fiscalização e se apropriar de

vantagem quer seja patrimonial ou não.

Na parte final do caput, o legislador fez constar à expressão, “notadamente”, ensejando

o entendimento de que os doze incisos que compõem o artigo não constituem “numerus

clausulus”, mas sim de relação exemplificativa, permitindo a incidência da norma a outros

casos, desde que se perceba o auferimento de vantagem indevida. Ponto central das condutas

tipificadoras do enriquecimento ilícito é a obtenção indevida de vantagem econômica,

entendida essa como qualquer modalidade de prestação, positiva ou negativa. 36

Certamente a interpretação de há ser sistemática, atentado-se ao fim visado pela lei de

improbidade, que é banir condutas dessa natureza da administração pública. Claramente,

dentro do projeto que deu iniciativa a lei de improbidade, já se percebia uma tendência em

escolher verbos no tempo infinitivo a fim de dar maior abrangência aos tipos construídos no

corpo da lei federal nº. 8.429/92, exemplo temos em que: ao invés de usar a expressão

genérica “casos de corrupção”; nesse ponto, os núcleos verbais das condutas ímprobas são:

receber, perceber, aceitar, utilizar, usar, adquirir, incorporar.

Há ilicitude bilateral toda vez que forem utilizados os termos: receber, perceber, aceitar.

As sanções pertinentes, incutidas no artigo 3º da lei 8.429/92: o terceiro que incorre para a

prática de atos de enriquecimento ilícito. Nesse caso o elemento subjetivo necessariamente é o

dolo, não comportando formas culposas. É certo que o agente e o terceiro que participam da

ação ímproba, geradora do enriquecimento ilícito têm consciência da ilicitude da conduta.

As hipóteses articuladas no artigo 9º, além da responsabilização civil, permitem que

sejam os atos examinados no âmbito da seara penal, visto que são comuns a casos de

concussão, artigo 316 do CP, corrupção passiva, artigo 317 do CP e peculato, artigo 312 do

CP. 37

36 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 62. 37 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p 62.

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De fato a dificuldade na responsabilização dos agentes públicos ímprobos que

enriqueceram ilicitamente acha-se na prova. Os atos de locupletamento ilícitos, em geral são

realizados com “muito cuidado”, demandando muito empenho do Ministério Público para que

as investigações tornem evidente o fato delituoso, se consubstanciado de provas robustas a

fim de garantir um mínimo de embasamento processual para que seja dado início a ação do

“parquet”.

Marino Pazzaglini Filho sintetiza os requisitos do artigo 9º da seguinte maneira:

“vantagem patrimonial auferida por agente público, acarretando ou não danos ao erário;

vantagem patrimonial resultante de causa ilícita; ciência do agente público da ilicitude da

vantagem patrimonial alcançada; nexo etiológico entre o exercício funcional do agente

público, em qualquer das entidades elencadas no artigo 1º, e a indevida vantagem patrimonial

por ele adquirida.”. 38

Após os comentários tecidos sobre o caput do artigo 9º, analisaremos os incisos da

seguinte maneira:

I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público. (Lei 8.429/92, art. 9º, I).

Afim de que se configurem essas hipóteses, será suficiente que o agente público receba

valor, comissão, gratificação, percentagem ou presente pelo favor realizado. No que diz

respeito ao terceiro, não é necessário que este obtenha o resultado pretendido, bastando a sua

possibilidade. No entanto, ressaltamos que pequenos agrados dados em épocas festivas, tais

como: festas natalinas, datas de aniversários ou comemorativas de qualquer ordem, desde que

não exista ligação com um eventual favorecimento, não caracterizam a ilicitude.

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado.

No inciso segundo, onde o agente público obtenha ganho econômico, mesmo sendo

indireto o auxílio para que o negócio jurídico de compra e venda, de permuta ou locação,

ocorra. A ação ímproba pode se resumir a não criar dificuldades, entraves burocráticos ou

abrir caminho, fechar os olhos ao ilícito, isto é, não sendo suficientemente diligente nas

38PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 64.

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avaliações prévias da necessidade e utilidade do bem a ser obtido na licitação, locação ou

contratação de serviços e preços incompatíveis com os praticados normalmente pelo mercado.

Como os contratos administrativos são regidos pela Lei Federal nº 8.666/93, o inciso em

questão, via de regra, ocorrerá em conexão, também com o artigo 10, VIII da lei das

licitações. Observe-se que nesse caso, os procedimentos investigativos deverão incluir os

membros da comissão de licitação e peritos que tiverem opinado favoravelmente ao negócio.

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado.

Aqui, na análise deste inciso, a conduta do agente público tem como objetivo beneficiar

terceiro em prejuízo de entidade. Nestes casos, havendo, portanto, um subfaturamento. Deste

modo, para a concretização dessa modalidade de improbidade, será necessária a participação

de várias pessoas no concurso do ilícito. 39

Gize-se que a alienação de bens imóveis depende de autorização legislativa, avaliação,

demonstração do interesse público e concorrência pública, salvo as hipóteses de dispensa de

licitação. A exceção fica para os casos de doação, que visam a atender fins sociais e têm

justificativas plenas de acordo com a conveniência. A permuta, por seu turno, somente é

possível entre os órgãos da administração, corroborando o que dispõem os artigos 17, 18, e

19, da Lei das Licitações.

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregada ou terceiros contratados por essas entidades.

Singularmente, nos mais altos escalões da administração pública, é comum a

modalidade de enriquecimento ilícito, constante do inciso IV. É certo que o uso de veículos

oficiais, maquinário ou quaisquer equipamentos, o aproveitamento do serviço dos

funcionários subalternos com o fito de realizar atividades desvinculadas do serviço público,

têm se tornado freqüentes em todas as esferas da administração, isto é, União, Estados,

Municípios, Autarquias, Empresas Públicas e todas as entidades com vínculo estatal. O agente

público que concorda com o pedido do superior hierárquico, também estará incurso na

tipologia da Lei de improbidade, ou seja, a caracterização da hipótese independe da aceitação

39 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 65-66.

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da ordem. De qualquer turno, é necessário mencionar a dificuldade do servidor em rechaçar a

ordem recebida. 40

Para que a utilização do bem público seja regular, mister será obedecer às disposições

legais referentes à permissão de uso, e a cessão de uso da Lei das Licitações, em seus artigos

2º e 17 º respectivamente. Outrossim, friza-se que a conduta em exame configura crime de

responsabilidade, em consonância com o decreto-lei nº. 201/67.

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem.

O quinto inciso, pressupõe que o agente possua dever legal de atuar na represão das

atividades ilícitas oriundas do crime organizado. Em sua parte final, o legislador fez constar a

expressão “qualquer outra atividade ilícita”, sinalizando que é possível punir o agente

público que omita ou tolere a ocorrência de qualquer atividade criminosa organizada habitual.

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei.

A ocorrência da improbidade prevista no inciso VI, também requer condição funcional

especial do funcionário público. A hipótese é claramente vista em atividades de perícias,

medições em obras públicas, donde decorreu autorização para pagamentos por parte de

autoridades públicas, decorrente de declaração do profissional na realização dos trabalhos de

perícia, que atestem a fiscalização de obras, serviços ou mesmo observância aos cronogramas

previstos. Outrossim, a Improbidade fica restrita a aferição inadequada de preço, podendo ser

em relação com o peso, desproporcional ao trabalho, quantidade, medida, qualidade e etc. A

improbidade se configura quando o agente público que recebeu a vantagem econômica, presta

a declaração falsa, arranjada. É hipótese muito noticiada na imprensa quando se trata de obras

de grande impacto e contratos de alto valor econômico.

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público. (Lei 8.429/92, art. 9º).

40 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 67-68.

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Neste inciso, a forma de improbidade é uma das mais freqüentes e evidentes. Sempre

que um agente público denote uma aparência súbita de acúmulo de riquezas acima das suas

capacidades esperadas de ganhos, fica justificada a suspeita do ato de improbidade. No

entanto, é mister, para a confirmação do enriquecimento ilícito, que no decorrer da

investigação a respeito da origem do patrimônio, seja verificada a ilicitude dada à

desproporção relativamente aos valores dos ganhos pelo servidor, que nesta hipótese poderá

ser condenado por locupletamento ilícito e conseqüentemente se sujeitar às penas impostas na

Lei.

Fabio Medina Osório opina a respeito, indicando que cabe ao agente público investigar

a comparação que reflete o liame entre a evolução patrimonial e a realidade dos seus

vencimentos.

A probidade administrativa é protegida de forma oblíqua. Se o agente exerce função pública “lato sensu”, sua evolução patrimonial é rigorosamente controlada, tanto que, quando de sua posse, deve apresentar declaração de bens e valores que compõem seu patrimônio privado, atualizando-a anualmente, nos termos do artigo 13 e seus parágrafos, da Lei nº 8.429/92. A evolução patrimonial injustificada, aqui, gera presunção de improbidade administrativa, dentro do princípio e idéia de se proteger a aparência da honestidade dos agentes públicos, bem como justificar a declaração obrigatória de bens de patrimônio. 41

Marcelo Figueiredo registra que é normal a utilização de técnicas e operações

sofisticadas para não deixar vestígios dos atos de improbidade. Porem é necessário diferenciar

a hipótese comentada, da existência de “sinais exteriores de riqueza” utilizada em matéria

fiscal.

Nesse tipo de improbidade há uma efetiva incorporação de patrimônio desproporcional

à renda auferida pelo agente público.

A necessidade de demonstração, pelo Estado da ilicitude ou desproporção das aquisições dos bens ou rendas tidas por atos de improbidade. O Estado, por sua vez, não fica desarmado, pois, poderá, com a documentação, ser capaz de coligir, apresentar inclusive, pedido de indisponibilidade de bens, visando a proibir alienações fraudulentas até que o devido processo legal tenha seu curso ordinário. 42

Para Marino Pazzaglini Filho, a interpretação da hipótese não permite entendimento da

inversão do ônus da prova.

41 OSORIO, Fabio Medina, Observações acerca dos Sujeitos do Ato de Improbidade Administrativa.Revista dos tribunais. São Paulo, n. 750, p. 69-85, abr 1998, p.187. 42 FIGUEIREDO, Marcelo. 1998, p.76.

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A Lei Federal nº. 8.429/92, não se refere aos conhecidos “sinais ostensivos de riqueza” que, na esfera tributária, possibilitam a atuação do fisco a partir de uma presunção de ilicitude. Reclama a investigação da origem daquele patrimônio. Nos moldes em que está colocado o dispositivo, tem-se a descrição do enriquecimento sem causa lícita, em razão do exercício de função, cargo ou emprego. É que o inciso VII é extensão do caput, denunciado pelo uso do advérbio “notadamente”. Esse ao conceituar o enriquecimento ilícito refere-se a qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função pública, emprego ou atividade nas entidades. O que leva a inexorável conclusão de que deve ser evidenciado o nexo etiológico entre o enriquecimento ilícito e o exercício público, ou seja, que a causa do enriquecimento seja ilícita, porque decorre do tráfico da função pública. O rigor das sanções estipuladas recomenda que a aquisição patrimonial decorra da atuação ímproba do agente público. No Estado Democrático de Direito, não é concebível exigir que o agente investigado prove sua inocência. 43

Destarte, caberá ao titular da ação civil pública comprovar que há incompatibilidade

entre o patrimônio do acusado e o total de ganhos auferidos e que o acusado é ou foi agente

público na época do ilícito e ainda que exista o liame de causalidade entre o comportamento

ilícito e o exercício da função pública. 44

Também encontramos como partidário desta concepção, Juarez de Freitas:

Incontestavelmente, aquele que intentar a ação terá que se basear, na declaração de bens e não alegar, sem solidez ou pelo só gosto de testilha, incertos sinais de riqueza desmedida. Como regra, não admite, em nosso sistema, a culpa presumida, já que a formação da prova carece de esforço consistente. 45

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade. (Lei 8.429/92, art. 9º).

Aqui, o legislador se valeu de fórmula extensiva. Isso porque para a configuração da

improbidade, basta que o agente público receba o valor acordado, não sendo obrigatório a

realização da atividade. É sabido que o agente público que preste consultoria ou

assessoramento para entes privados em áreas afins na sua atividade profissional, pode ser

considera atividade ilegal, pois grande parte dos serviços públicos exigem dedicação

exclusiva, sendo vedada a acumulação de cargo, v.g servidor público que possua a função de

criar programas de informática em secretaria de ciência e tecnologia e preste serviço técnico

em empresas particulares que concorrem no processo licitatório daquela secretaria para

contratação de serviços de mesma área.46

43 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 70-71. 44 Ibid., p. 71. 45 FREITAS, Juarez. 1999, p. 112. 46 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 72.

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É claro que não se realizará tal ilícito e nem incidirá a lei, se o agente público puder

acumular as funções em decorrência das exceções permissivas.

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza.

A previsão legislativa aqui mencionada, neste inciso, visou a atacar as atividades de

corretagem de verbas públicas junto ao administrador competente para liberar o pagamento ao

fim desejado.

A expressão verba pública tem sentido amplo, abrangendo qualquer forma de liberação

de valores pela administração. O esforço do agente público se caracteriza em duas

perspectivas: a primeira quando o “lobby” visar à liberação de importância para serviços não

finalizados, ou mesmo inexistente; e quando objetivar liberar a importância, desrespeitando

ordem cronológica de pagamentos.

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado.

Os agentes públicos têm, por força de lei, a obrigação de agir na esfera de competência

que possuem. Destarte, toda vez que o administrador deixe de agir quando deveria, ocorrerá

essa forma de improbidade. Observa-se que o clímax do inciso é a ação negativa, ou seja, a

omissão propositada e remunerada do agente público que induz a não tomada de providência

que, por um dever de ofício, lhe era imputado, também podendo ocasionar prevaricação ou

corrupção passiva, ilícitos penais.

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei. XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei. (Lei 8.429/92, art. 9º).

Os bens públicos, via de regra, são bens que estão fora do comércio, em harmonia com a

disposição do artigo 98 e 99 do Código Civil Brasileiro, e com o artigo 11, parágrafos 1º e 2º

da Lei Federal nº. 4.320/64, e somente podendo ser alienados mediante observância da regras

legais. Da característica pública especificada do bem público, decorrerá, por força de lei, a

autorização legislativa, a desafetação, a escritura pública e etc. O novo Código Civil manteve

a regra de inalienabilidade dos bens públicos, artigo 100 CCB, entretanto inovou ao retirar

essa condição dos bens dominicais, artigo 101 CCB.

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O patrimônio público, não pode evidentemente, ser confundido com o patrimônio dos

diretores, presidentes, ou gestores públicos.

No que tange ao inciso XII, o legislador previu a improbidade pelo simples uso e gozo,

ainda que de forma temporária. Nesse caso, o ímprobo não incorpora o bem ao seu

patrimônio, mas sim o desfruta, com se fosse de sua propriedade.

3.2 Atos de Improbidade Lesivos ao Erário

O agente público estará sujeito aos imperativos da norma do artigo 10, quando da sua

conduta resultar lesão ao erário público. O elemento subjetivo tanto poderá ser a culpa quanto

o dolo, conduta ativa ou omissiva. 47

A repressão à perda patrimonial do erário, se atingida as condutas culposas, se torna

mais larga que a do enriquecimento ilícito, no que se refere aos prazos, multas e outras. O

rigor legal dessa previsão, ao englobar as condutas meramente culposas, tem uma razão de

ser. É inconteste que todo agente público que trate com dinheiro público deve pautar sua

conduta pela máxima diligencia possível, sob pena de se ver inserto no tipo ilícito.

Obviamente, esse foi o pressuposto no qual se assentou o legislador ao considerar

passíveis das sanções da regra do artigo 10º os ímprobos culposos, na qual a redação é:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente.

Em suma, o espírito do legislador, ao estabelecer o artigo em questão, “não seria em

coibir o eventual proveito obtido pelo agente público, direta ou indiretamente, mas tão

somente seu agir em benefício de outrem contra o erário”. 48 A lesão ao erário ocorre no

aspecto patrimonial ou econômico, pois essa é a finalidade da lei, não permitir que o

patrimônio seja dilapidado ou malbaratado. Assim, como modalidades de enriquecimento

ilícito, o legislador fez constar, ao final do caput, a expressão, notadamente, deixando claro

não se tratar de rol exaustivo, e sim exemplificativo.

47 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 75. 48PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 77-78.

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É evidente que não se trata de permitir que os intérpretes criem novas figuras, ou novos

tipos. O que se quis foi permitir o combate de outras formas de atentado a probidade

administrativa lesivas ao erário público, retiradas das noções doutrinárias de moralidade ou

probidade administrativas, igualmente elencados na Lei. 49 Outrossim, a atividade do operador

do direito tem limites, pois poderá pretender converter pequenas lesões em delito, o que não

poderá ocorrer, pois em tese, possibilita o agente que descuidou da diligencia habitual, estar

sujeito à suspensão de direitos políticos, perda da função pública, multa e etc.

Dessa forma, parece razoável que o operador tenha o cuidado em abrandar o rigor das

sanções. Nesse sentido, vem o propósito a observação preciosa de Marcelo Figueiredo,

quando ensina: “é preciso abrandar o rigor legal, ou por outra, amolda-lo ao espírito

constitucional. Tal linha de raciocínio, segundo percebemos, deve presidir a interpretação de

toda a lei que falha ou por erros de redação, técnica regular ou ora pelo conteúdo”. 50

Ao certo modo à gradação de gravidade entra as condutas de locupletamento ilícito e

dano ao erário estão relacionadas entre si. De um lado existe aquele agente público ou terceiro

que usufrui do patrimônio público, de outro aquele que permite, facilita, coopera. Isso poderá

ser compreendido melhor com a análise dos incisos artigos 10, cujo teor é o seguinte:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

49PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p.77. 50 FIGUEIREDO, Marcelo. 1998, p. 82.

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X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregada ou terceiros contratados por essas entidades. (art. 10 da Lei8. 429/92).

O inciso I, introduz a idéia de lesão ao erário, através de verbos no infinitivo: “facilitar

ou concorrer”. Concorre àquele agente público que contribui ou coopera para que a lesão ao

erário se efetive. O artigo supra, relaciona-se com o artigo 9º, inciso IX.

Nesse caso, a conduta do agente, por sua ação ou omissão facilita ao terceiro, a

incorporação de bens públicos, a despeito das normas que regulam a alienação do patrimônio

estatal. No artigo 10º, inciso II, o agente público terá que ir além de tolerar ou facilitar a ação

ilícita, permitindo que a ilicitude ocorra. Parece claro que essa norma pressupõe a conduta

dolosa e relaciona-se com o inciso XII do artigo 9º.

Na acepção do Código Civil Brasileiro, o instituto da doação é uma espécie de contrato,

através do qual o sujeito ativo, o doador, por ato de liberalidade, transfere um ou mais bens

que compõem seu patrimônio para outrem, denominado donatário, que concorda em aceitar o

objeto do contrato. Claro está que nas relações privadas, é um procedimento simples e está na

seara da liberdade de cada indivíduo.

Contudo, a doação ao entrar nos limite do Direito Público, sofre imposições e limites

advindos dos princípios próprios que regem o artigo 37 da CF/88. Um raciocínio incipiente

como esse que estamos fazendo já nos poderá dar uma idéia da ilegalidade que cometerá o

agente público que doar bens públicos a pessoas físicas ou jurídicas que não façam parte da

administração pública.

A doação de bens públicos sempre será uma exceção na administração e, com tal,

deverá observar regras rígidas, evitando, com isso, que seja propiciada pelo próprio

ordenamento a dilapidação do patrimônio público. 51

51 FIGUEIREDO, Marcelo. 1998, p. 85.

Page 26: LEI 8.429/92, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: …

31

A Lei 8.666/93, em seu artigo 17, regula a doação no âmbito da administração,

estabelecendo que os bens imóveis, para serem alienados, dependerão da realização de alguns

requisitos, tais como: avaliação prévia, autorização legislativa e concorrência. A autorização

legislativa em duas hipóteses será dispensável, qual seja: em imóveis oriundos de dação em

pagamentos ou adjudicação judicial, artigo 19; e imóveis de entidades paraestatais, artigo 17

da lei 8.666/93.

A concorrência por seu turno, não ocorrerá quando: a Administração efetuar dação em

pagamento, doação ou permuta, pois estas se destinam a pessoas certas, artigos 17, I e

parágrafo 2º; alienação a outros órgão ou entidades da Administração pública; e alienação,

concessão de direito real de uso público, locação se os imóveis destinarem-se a habitação de

interesse social, artigo 17, I, “e” e “f”. Os bens móveis, com regra geral, para serem doados,

dependerão de avaliação e licitação. A licitação será dispensada quando o destino dos bens for

outros órgãos ou entidades da Administração, artigo 17, II, ou para fins de interesse social.

A finalidade do inciso III, do artigo 10º da Lei 8.429/92, combinado com as regras da

Lei 8.666/93, dá-se em função da proteção dos bens públicos, evitando a dilapidação

patrimonial do Estado. No que tange as entidades assistenciais ou filantrópicas, ou ainda

educacionais, mister se faz grande cuidado por parte do legislativo e do Tribunal de Contas,

em razão das facilidades que a legislação lhes confere, são aquelas mais procuradas para o

desvirtuamento de suas finalidades. No inciso IV do artigo 10º, a facilitação ou

permissividade ensejada pelo agente público, será no sentido de que a alienação dos bens seja

realizada por valores inferiores ao que o mercado tenha previsão para o bem em questão. O

agente público subfatura o preço, frustrando a competitividade objetiva estipulada pelo

procedimento da regra da licitação onde requer buscar-se a proposta mais vantajosa,

consubstanciada nos princípios constitucionais, na lei e no instrumento convocatório. 52

Obeserva-se que no inciso VI, do artigo em comento, há um cuidado no que tange ao

desvio do administrador público, na efetivação das operações financeiras. Situações diversas

vivenciadas pelas sociedades de economia mista e empresas públicas que têm maior liberdade

de atuação em relação às pessoas jurídicas de Direito Público. No entanto, sendo entidades

públicas, ao adquirirem ou alienarem títulos, efetuarem transações financeiras, tomarem

empréstimos e etc, têm com certo, menos liberdade que o particular, nas escolhas das opções

52 FIGUEIREDO, Marcelo. 1998, p. 87

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32

que o mercado oferece. A Administração pública tem sua vida financeira rigidamente

controlada pela Lei orçamentária e deverá observá-la de modo reto e atento.

O dispositivo constante do inciso VII, artigo 10º, tem como ponto central, tipificar como

ato de improbidade o descuido dos requisitos exigidos para a concessão de quaisquer

benefícios administrativos ou fiscais ao particular. A regra é relevante, consideravelmente no

momento atual da vida administrativa pública brasileira, em que são grandes e vultuosos os

benefícios que o Estado concede para investimentos econômicos que possam proporcionar

desenvolvimento e emprego.

No inciso VIII, é de grande relevância e abrangência, tanto é que merece um

aprofundamento mais amiúde, tendo em vista trata-se de procedimento licitatório. A regra na

Administração é a licitação. A dispensa ou a inexigibilidade será sempre a exceção. A

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37º, XXI, já traz a idéia desse princípio e regra

geral.

A Lei 8.666/93, denominada de Estatuto das Licitações, em seu artigo 3º, determina

que:

A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a melhor proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (artigo 3ºda Lei 8.666/93).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que:

A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto e uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável. 53

O diploma federal das licitações e contratos administrativos delimita as hipóteses

autorizativas de dispensa de licitação, em seu artigo 24º, e respectivos incisos. Já o artigo 25º,

com seus três incisos, especifica quatro hipóteses em que a realização do certame licitatório

não é exigível.

53 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2000, p. 90.

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33

Cabe ressaltar que não é o propósito desse exame aprofundar o estudo do instituto da

licitação, nem tampouco de sua dispensa ou inexigibilidade. O objetivo, ao analisar o inciso

VIII, é delinear alguns aspectos para compreender o alcance da norma, para que não seja uma

obsessão o ingresso das ações de improbidade administrativa, toda vez que o administrador

dispense ou entenda-a como inexigível.

O inciso IX, está relacionado com o artigo 167, inciso I, da Constituição Federal de

1988, que determina: “São vedados: o início de programas ou projetos não incluídos na lei

orçamentária anal”. 54Todas as receitas e despesas do setor público devem constar no

orçamento anual. As despesas públicas, para serem realizadas, submetem-se ao controle legal

e constitucional. Já no inciso X, tipifica como ato de improbidade, a negligencia do

administrador na arrecadação dos tributos ou rendas, pois essas receitas são indispensáveis

para a manutenção do setor público e para a efetivação das prestações do serviço público, o

que é tratado com maior abrangência e delineamento, pela lei de responsabilidade fiscal.

No inciso XI, conceitua-se com ato de improbidade, a liberação irregular ou displicente,

das verbas públicas. O agente público deverá ter a devida diligência ao liberar quaisquer

verbas públicas, na medida em que esse é o ato final do procedimento jurídico detalhado na

carta constitucional e nas leis orçamentárias. O controle formal compete ao congresso que

autoriza o Executivo quando aprovada a lei orçamentária, artigo 165º a 169º da CF/88.

O Tribunal de Contas fiscaliza a adequada liberação de verbas públicas, sendo uma das

suas atribuições observar a irregularidade grave na aplicação de recursos públicos pela

entidade fiscalizada, no qual caracterizará ato de improbidade administrativa, artigo 3º da Lei

7.675/88. A intenção do legislador no inciso XII, foi sem dúvida, consolidar a proteção da

moralidade administrativa, vedando qualquer forma de participação em planos de ação ilícita,

os chamados “esquemas de corrupção”. Algumas vezes, o agente público, ainda que não

enriqueça ilicitamente, poderá eventualmente, dolosamente, pretender favorecer ou permitir

que a mais grave forma de improbidade, o enriquecimento ilícito, ocorra na esfera da

administração. Logo a regra busca garantir e abarcar também a ação do agente que por

qualquer meio, em co-autoria ou participação, elege terceiros a fim de que ele não apareça

ostensivamente com o autor do ilícito. 55

54 FIGUEIREDO, Marcelo. 1998, p.101. 55 FIGUEIREDO, Marcelo. 1998, p. 102.

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34

Trata-se de uma síntese de todas as hipóteses do artigo 10 que na realidade, traduz atos

de improbidade que o agente público comete, ensejando o aproveitamento de terceiros em

detrimento dos cofres públicos. 56 E por último no inciso XIII, observa-se uma redação muito

semelhante ao artigo 9º, do inciso IV. A diferença é que naquela o agente público utiliza-se

efetivamente de equipamentos ou máquinas da Administração Pública, visando a locupletar-se

ilicitamente, nessa o agente público permite que ocorra a utilização por terceiros. As normas

são complementares, tendo em vista um ou outro comportamento do agente público que

perfazem os elementos da ilicitude. O objetivo da regra é responsabilizar os agentes públicos

que no âmbito da sua competência, autorizem, permitam, utilizem, enfim, em última análise,

se aproveite do patrimônio público, direta ou indiretamente, de maneira ilícita, abusiva, ou

contrária ao direito. 57

3.3 Atos contrários aos princípios Administrativos

O desenvolvimento das atividades administrativas deve focar a satisfação do interesse

social, não sendo admissível, nem desejável que a estrutura administrativa se volte a atender

aos interesses dos particulares. O interesse público deve prevalecer sobre os interesses dos

administrados, logo, os administrados podem e devem esperar que os agentes públicos, sejam

de qualquer nível, reúnam um conjunto mínimo de virtudes ligadas à moralidade

administrativa, v.g. honestidade, lealdade, imparcialidade, impessoalidade, esses são os

adjetivos imprescindíveis a qualquer profissional que pertença aos quadros da administração

pública.

É trivial que a conduta dos administradores públicos esteja sempre sob a mira da

fiscalização da população, e também que essa fiscalização por parte dos administrados e da

imprensa em geral perceba uma séria de ocorrências, irregularidades, desvio dos valores

públicos e práticas de atos ilícitos contrários aos princípios da administração pública. Esses

fatos maculam o bom desempenho da máquina pública, colocando-a em descompasso com a

expectativa de seriedade dos agentes públicos e atentando contra os vários princípios éticos e

jurídicos que norteiam a administração.

Com o propósito de tentar eliminar esses vícios que podem contaminar a conjuntura

administrativa, o legislador previu, no artigo 11 da Lei 8.429/92, uma regra de reserva, para

56 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 79. 57 FIGUEIREDO, Marcelo. 1998, p.103.

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35

os casos de improbidade administrativa que não acarretam lesão ao erário, nem importam em

enriquecimento ilícito do agente público que a pratica. Compreende-se que assim seja, visto

que o bem jurídico tutelado pelo diploma em questão é a probidade admistrativa, revelada

pelo artigo 21, quando ventila a possibilidade de se caracterizar como ato de improbidade,

ainda que sem a efetiva ocorrência de prejuízo. 58

Deste modo podemos expressar a importância dos princípios para o Direito

Administrativo, pois sendo este uma elaboração pretoriana e não codificado, os princípios

representam um relevante instrumento nessa seara jurídica, possibilitando a Administração e o

judiciário estabelecer um equilíbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da

Administração. 59 O artigo 37 da CF/88 previu como princípios constitucionais, a legalidade,

a moralidade, a impessoalidade, a publicidade, e mais recentemente, foi incluído pela Emenda

Constitucional nº. 19, de 4 de junho de 1998, o princípio da eficiência.

É certo que não podemos somente nos ater a esses princípios, visto que, a doutrina e a

jurisprudência expressivamente salientam a existência de outros princípios, tais como:

prevalência do interesse público sobre o privado, razoabilidade, proporcionalidade, ampla

defesa, segurança jurídica. Ainda esses últimos são referidos expressamente pela Lei

9.784/99, Lei do Processo Administrativo Federal.

4. SUJEITO ATIVO E PASSIVO DA IMPROBIDADE

Aqui conheceremos os sujeitos ativos e passivos da relação jurídica que abarcará

aqueles passíveis das sanções e aqueles que no exercício de sua cidadania poderão acionar os

mecanismos de defesa de proteção ensejados pelo diploma jurídico contido na Lei 8.429/92.

Os sujeitos passivos da lei de improbidade poderão ser: a União, os Estados, os

Municípios, as Autarquias, as Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista. Assim, o

sujeito passivo da improbidade será qualquer “entidade pública ou particular que tenha uma

participação de capital público em seu patrimônio ou receita anual”. 60

Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o

58 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 125. 59 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2000, p. 67. 60 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p 41.

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erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. (Art. 1° da Lei 8.429/92).

No que tange a utilização, pelo legislador na expressão – administração direta, indireta

ou fundacional de qualquer dos poderes, Marino Pazzaglini, entende que nesse sentido, a

partir da vontade do legislador, tomou-se uma redação pouco clara, ressalta que a atividade

administrativa é exceção nos poderes legislativo e judiciário. Além disso, somente o poder

executivo se expressa como administração direta, indireta e fundacional. Os demais poderes,

via de regra, legislam e julgam.

De modo diverso entende Fabio Medina, tendo em vista que a estrutura administrativa,

também integra os membros dos poderes legislativos e judiciários, exercendo funções de

administração a serem potencialmente enquadradas nos dispositivos da Lei de Improbidade

Administrativa. No legislativo as hipóteses de improbidade podem ocorrer quando os

parlamentares atuarem administrativamente, como: presidência ou mesa diretora da casa, ou

mesmo se viessem a editar leis classificadas como leis de efeitos concretos. Regras, como

fixadores de diárias e vencimentos de agentes públicos, ou que permitam a concessão pelo

Executivo de benefícios fiscais ou creditícios. 61

Nesse contexto, os atos jurisdicionais, ministeriais, legislativos típicos, se praticados

com dolo e lesarem o erário público, enquadram-se como atos de improbidade administrativa.

O diploma sobre a improbidade, não se limita a coibir os atos atentatórios à moralidade

administrativa vindas somente do poder Executivo, pois todos estão obrigados a zelar pelo

respeito à coisa pública. Esta ampla responsabilização provém da constatação de que a da lei

não impede a subsunção de atos jurisdicionais, ministeriais e legislativos típicos. Sobre as

autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, o artigo é claro e inequívoco,

não deixando margem para maiores considerações. Entretanto, no que se refere às fundações

públicas, o legislador acompanhou a redação dada pelo constituinte ao caput do artigo 37 da

Constituição Federal de 1988, assim a redação atual da norma constitucional, alterada pela

Emenda nº. 19, de 4 de junho de 1998, retirou a expressão “ou fundacional”. Todavia, essa

modificação não exclui os membros dos preceitos da Lei nº. 8.429/92.

Os serviços sociais autônomos como: SESI, SESC, SENAI e etc., são entidades

constituídas por lei, mas cuja natureza é de direito privado, o que as coloca sob o manto da

Lei de Improbidade, na proporção em que integram a Administração pública indireta. 61 OSÓRIO MEDINA, Fabio, 1998, p. 71.

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37

No mesmo compasso das entidades supramencionadas, consta no artigo primeiro da lei

de improbidade que “a entidade para cuja criação ou custeio, o erário haja concorrido com

mais de cinqüenta por cento do seu patrimônio ou receita anual”. Já, no parágrafo único o

mesmo artigo, está previsto a responsabilização por atos de improbidade, os administradores

das empresas “para cuja criação ou custeio, o erário haja concorrido ou concorra com menos

de cinqüenta por cento do patrimônio anual ou receita anual, limitando-se nesses casos, a

sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”. A

grande distinção a estas últimas está nas penas patrimoniais, onde essas não poderão alcançar

bens além do percentual de aporte de recursos públicos. 62

Para Juarez Freitas, diante do “espírito da constituição”, a restrição de incidência da Lei

de improbidade sobre as entidades políticas cujo patrimônio provenha, ou seja, mantido pelo

erário público em mais que cinqüenta por cento, é equivocada, isto porque a norma deve ser

interpretada em consonância com o artigo 70 da Constituição Federal, que prevê a

obrigatoriedade de prestação de contas a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas “que utilizem,

arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem valores ou bens públicos”. 63 Marino

Pazzaglini assenta que o beneficio concedido a estes “outros entes”, qual seja a limitação de

aplicação da sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres

públicos, não impede que o erário público busque o ressarcimento integral através do ingresso

de outras medidas judiciais, com assento no preceito do artigo 17 da Lei de improbidade.

Esta orientação, inclusive, sujeita quaisquer membros de entidades que recebam

subvenções, benefícios, sejam elas fiscais ou creditícias do poder público, especialmente para

a prestação de serviços públicos tais como: de saúde, educação ou assistência social. 64 Este

entendimento não é seguido integralmente por Fabio Medina Osório, onde entende que as

entidades que recebam subvenções, benefícios fiscais e etc., de órgãos públicos, estão

obrigadas a respeitar a o diploma da improbidade, pelo simples fato de usufruírem recursos

públicos.

Os agentes públicos “são os componentes do governo nos seus primeiros escalões,

investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou

62 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 45. 63 FREITAS, Juarez, 1999, p. 109. 64Ibid. p. 47.

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38

delegação para o exercício de atribuições constitucionais”. 65Por agentes administrativos

entendem-se todos aqueles que se vinculem “ao Estado ou às suas entidades autárquicas e

fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico

único da entidade estatal a quem servem”. 66

Os agentes honoríficos são aqueles “cidadãos convocados, designados ou nomeados

para prestar, transitoriamente, determinados serviços ao Estado, em razão de sua condição

cívica, de sua honorabilidade ou de sua notória capacidade profissional, porém, sem qualquer

vínculo empregatício ou estatutário e, normalmente, sem remuneração”. 67 Finalmente, na

espécie de agentes delegados encontram-se “os particulares que recebem a incumbência da

execução de determinadas atividades, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio,

por sua consta e risco, porém, seguindo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização

do delegante”. 68

A partir dos conceitos do professor Helly Lopes Meirelles, e em consonância com o

dispositivo da Lei de improbidade, permite-nos identificar quais as pessoas que poderão

figurar como sujeitos ativos da improbidade administrativa. Deste modo, poderemos extrair os

exemplos dessa conclusão, a fim de aplicar as punições, também aos membros das entidades

privadas, de um outro modo o legislador afastou-se do conceito doutrinário de Helly Lopes

Meirelles, quando não abarca os agentes das concessionárias e permissionárias de serviços

públicos que não tenham sido criadas, custeadas, nem subvencionadas pelo erário público.

Assim, tecidos os comentários, vale lembrar que o agente público para os efeitos da Lei

8.429/92, será toda pessoa que exerce, permanentemente ou transitoriamente, com ou sem

remuneração, em virtude de qualquer forma de investidura, vínculo, cargo, emprego ou

função na administração pública direita, indireta, autárquica ou fundacional, de qualquer das

esferas governamentais, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de ente privado

para cuja criação ou custeio, o erário haja concorrido ou concorra, ou ainda de ente

subvencionado, beneficiado, ou incentivado por órgão público. 69

Esta elasticidade de definição não é peremptória, pois há exceções previstas na carta

política de 1988, onde as sanções da perda do cargo público previsto na Lei de improbidade, 65 MEIRELLES, Helly Lopes, 1997, p. 72. 66 MEIRELLES, Helly Lopes, 1997, p. 74. 67 Ibid. p. 75. 68 Ibid. 69 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 47.

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artigo 12, não poderão ser aplicadas ao Presidente da República, Senadores, Deputados

Federais e Estaduais, Magistrados, membros do Ministério Publico Federal e Ministros dos

Tribunais Superiores.

O presidente da República somente perderá o cargo consoante os artigos 85 e 86 da

Constituição Federal de 1988 e da Lei 1.079/50, que regula o instituto do impeachment,

também aplicável para atos de improbidade de Ministros do Supremo Tribunal Federal. Os

Deputados Federais e Estaduais, para que sofram perda dos seus cargos, dependerão do

enquadramento de sua conduta nas hipóteses do artigo 55 da CF/88. Em relação aos Juízes e

membros do Ministério Público, a aplicação da lei de improbidade sofre limitação no que for

incompatível com as respectivas leis orgânicas. 70 De outro turno, os administradores das

sociedades de economia mista estão adstritos à disciplina da Lei 6.404/76, referentes às

sociedades anônimas, respondendo com base nesta lei pelos prejuízos que causarem à

companhia por dolo ou culpa.

Deste modo, os atos de improbidade, eventualmente praticados serão julgados e

processados com base na Lei de Improbidade e pela legislação específica. 71 Sendo assim,

aduz o artigo terceiro da Lei 8.429/92 que “são aplicáveis no que couber, àquele que, mesmo

que não sendo agente público, induza ou concorra para a prática de ato de improbidade ou

dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”. A expressão “no que couber” foi

inserida pelo legislador devido à particularidade de que estes “terceiros” não poderão perder a

função pública. Porém, da norma do artigo terceiro, seria possível vislumbrar três hipóteses de

incidência da Lei, quais sejam:

- A primeira, pela prática de atos de indução do agente público na prática de atividades

ímprobas;

- A segunda, pelo seu concurso para que venha a ocorrer à improbidade;

- A terceira, pela vantagem que este possa auferir, mesmo que de forma indireta.

Ainda salienta-se para o tráfico de influências, em face de sua normatização própria

contida na Lei 9.127/95, por si só, sem conexão com o vínculo do sujeito ativo com o sujeito

70 SILVA, Ricardo de Oliveira. Considerações sobre a Lei de Improbidade Administrativa. Boletim Informativo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, n. 30, p. 9-10, out 1996. 71 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 48.

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passivo do ato ímprobo, não enseja a incidência da lei de improbidade. 72 Então para que o

terceiro que se utilize do tráfico de influências para a facilitação dos seus negócios com órgão

públicos, possa também se sujeitar às sanções da Lei de improbidade, é necessário que ele

efetivamente, induza o agente público a praticar um ato de improbidade.

5. ANÁLISE DAS SANÇÕES DA LEI 8.429/92

As sanções da Lei 8.429/92, desde sua criação, causaram grande preocupação na

comunidade jurídica, bem como a todos aqueles que estariam sujeitos às penalidades. Isso

porque estas são sanções variadas e algumas extremamente rigorosas em suas conseqüências.

Destarte, o exame cuidadoso de algumas das mais importantes modalidades de sanção,

previstas no artigo 12, I, II, e III da Lei 8.429/92, torna-se de extrema necessidade na seara de

aplicação deste diploma estudado. Disto, a melhor maneira de compreender a especificidade,

extensão e conteúdo dessas sanções é fazendo uma análise didática com o fim de proporcionar

a compreensão e a efetividade da norma.

5.1 Suspensões dos Direitos Políticos

A Lei 8.429/92 regulamentou a forma e o tempo de suspensão dos direitos políticos do

agente ímprobo condenado. Tendo em vista que os direitos políticos são direitos fundamentais

ao cidadão, pode-se afirmar que esta seria a mais severa das penas imputadas pela lei.

Efetivamente a sanção aos direitos políticos depende da comprovação judicial da

responsabilidade por culpa ou dolo grave do agente público, não sendo possível a mera

responsabilização objetiva. A partir do momento em que o agente público enriquece

ilicitamente, a pena prevista será de oito a dez anos de suspensão, (artigo 12, I da lei

8.429/92). Se da conduta resultou dano ao erário, a sanção será de cinco a oito anos de

suspensão dos direitos políticos, (artigo 12, II da lei 8.429/92). Já para a hipótese de ofensa

aos princípios constitucionais administrativos, sem que haja enriquecimento ilícito ou dano ao

erário, a medida da pena poderá variar entre três e cinco anos, (artigo 12, III, da lei 8.429/92).

72 OSÓRIO MEDINA, Fabio. 1998, p. 84.

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Acertadamente, o legislador dimensionou o período de suspensão em correspondência à

gravidade do ato de improbidade. 73 Fabio Medina Osório tem um forte posicionamento em

relação a flexibilidade do apenamento, defendendo a tese de que o magistrado estará adstrito a

fixar o tempo de duração dentro dos limites impostos pelos incisos da lei de improbidade, não

lhe sendo concedido a possibilidade de deixar de aplicar a suspensão de direitos políticos.

Assim, para Fabio Medina, a sentença que decreta a suspensão dos direitos políticos, é

auto-aplicável desde o momento do trânsito em julgado dessa. A operacionalização se dará

pela comunicação oficial aos órgãos públicos competentes, tais como, registro civil, justiça

eleitoral e etc, para que sejam feitas as anotações necessárias. Os direitos políticos,

conjuntamente com a limitação de poder e a representatividade dos agentes políticos, formam

uma das bases da construção do nosso regime democrático.

A suspensão desses direitos políticos atinge a cidadania dos agentes públicos que se

mostra no campo moderno dos direitos, como sendo uma das maiores consagrações do

homem, sendo lembrada pela doutrina dos direitos humanos, também como sendo um de seus

pilares. A concessão de margem moderadora da pena ao magistrado, para que imponha as

penas isoladas ou cumulativamente, resultaria num grau de incerteza e insegurança jurídica,

um tanto incompatível com o nosso Estado Democrático de Direito, pois com a profusão de

juízes e tribunais, correria-se o risco de termos casos idênticos de improbidade submetidos a

sanções distintas. Assim, parece que aplicar as penas em conjunto seja a melhor forma de

preservar e inibir a ocorrência de atos de improbidade administrativa. A pena deve ser fixada

na proporção do rigor necessário a reparar o Estado pela lesão sofrida.

Marcelo Figueiredo é da opinião de que a melhor interpretação é a de que o magistrado,

analisando o caso em concreto, poderá optar por aplicar as penas em conjunto ou escolher as

que melhor se adaptem como um efetivo mecanismo sancionatório. O juiz, ao invés de efetuar

mera dosimetria, discricionariamente, determinará o abrandamento ou a escolha das penas

qualitativamente aferidas. O judiciário para produzir a justiça, deverá estar atento ao princípio

geral da razoabilidade, intrinsecamente ligado à jurisdição.

73 OSÓRIO, Fabio Medina. As sanções da Lei 8.429/92 aos atos de Improbidade Administrativa. Revista Jurídica, Cidade, nº 259, p. 19-21, maio. 1999, p. 20-21.

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42

Esse entendimento se mostra coerente e corrobora-se perfeitamente com o princípio do

livre convencimento e apreciação das provas consubstanciadas no artigo 131 do código de

processo civil.

Com relação à primeira parte do artigo 459 do código de processo civil, perfeitamente

aplicável aos casos de improbidade, dada a natureza civil das sanções, aduz que o juiz pode,

sentenciar no todo ou em parte sobre o pedido do autor, “o juiz proferirá sentença acolhendo

ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo yautor...”74 A partir da diretiva

dessa norma é possível afirmar que, uma vez proposta a ação de improbidade pelo agente

ministerial, com pedido de condenação em todas as sanções, poderá o juiz acolher ou rejeitar

no todo ou e parte o pedido formulado pelo Ministério Público.

Juarez de Freitas observa que é na interpretação, na fase de saneamento do processo, é

que o magistrado deverá corrigir as falhas da Lei 8.429/92. Torna-se imperioso que o juiz, ao

examinar o caso concreto, valha-se da ponderação, desta forma em casos menos graves, a

aplicação tão só parcelar das sanções, nomeadamente para as espécies de improbidades dos

artigos 10 e 11, tendo claro que a melhor exegese, a mais eficaz, do disposto no artigo 12, é a

que determina ao juiz considerar a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido

pelo agente, inclusive na eleição das penalidades, e não apenas na dosimetria das mesmas. O

juiz com firmeza, ânimo e ponderação, deve considerar, com extrema acuidade, a extensão do

dano e o proveito patrimonial do agente, motivo pelo qual, em circunstâncias especiais, pode,

deve e precisa determinar a aplicação apenas parcelar das penalidades retributivas, desde que

tal postura fincada no intuito fundamentado de robustecer o princípio, cuja correção há de ser

tida sempre como um inarredável desiderato normativo. 75

5.2 Ressarcimentos do Dano ao Erário

Fabio Medina Osório acerta sua idéia em que o ressarcimento ao erário sob determinado

ângulo não se constitui em penalidade de fato, mas sim mera restituição aos cofres públicos

das perdas ocasionadas pelo ato ímprobo do agente público. 76

74 NEGRÃO. 2000, p.469. 75 FREITAS, Juarez de. 1999, p. 102. 76 OSÓRIO, Fabio Medina. 1988, p. 249.

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43

A penalidade das perdas dos bens está veiculada para as modalidades de enriquecimento

ilícito e danos causados ao erário, (artigo 12, I e II da Lei 8.429/92). O dano moral ocasionado

pelo administrador ímprobo deverá ser estipulado pelo julgador na sentença que o condenará

pelo ressarcimento integral do dano. Assim, Fabio Medina, discordando de outros autores que

entendem que o legislador deixou para a multa civil o ressarcimento por lesões

extrapatrimoniais, verificadas pelo julgador, na sentença.

Ouso discordar do entendimento de que a multa civil basta para reparar o dano moral. Multa civil é conseqüência jurídica, certa da improbidade, sancionamento autônoma que independe da comprovação do dano moral ou material, prevista a toda e qualquer modalidade de ato ímprobo, ao passo que o dano moral à entidade lesada, se houver, deve ser reparado à luz dos critérios que têm orientado os julgadores nessa seara, sem prejuízo da incidência cumulativa da multa civil, e mais ainda, sem submissão ao prazo prescricional, por força expressa do art. 37 parágrafo 5º da carta de 1988. 77

A imprescritibilidade da ação reparatória se constitui hoje em questão pacificada,

devido a literal interpretação da norma do artigo 37 parágrafo 5º da CF/1988.

No que se refere ao alcance dos bens passíveis de constrição para a satisfação do

julgamento procedente de tais medidas reparatórias, os bens atingidos seriam quaisquer um,

mesmo anteriores à lei nº. 8.429/92, sendo permitida a retroatividade para abarcar os mesmos

bens de origem lícita anterior ao ato de improbidade, inclusive atingindo os sucessores nos

limites dos seus quinhões hereditários, (artigo 8 º da Lei 8.429/92).

Para justificar tal entendimento, poder-se ia embasar-se no seguinte preceito:

O artigo 37, parágrafo 4º, da carta de 1988, já se mostrava inteiramente auto-aplicável, independentemente de regulações posteriores, desde que houvesse, por evidente, ao tempo do fato, tipicidade repressiva. Trata-se de pretensão patrimonial do Estado, o qual fica legitimado, nos limites legais, a investigar sobre o patrimônio do devedor. Pouco importa, em tal contexto, que esse patrimônio tenha origem lícita. Trata-se, apenas, de assegurar uma dívida do agente causador de improbidade perante o Estado e , via reflexa, toda a sociedade. O patrimônio do devedor garante suas dívidas. Eis o fundamento desse posicionamento.

78

77 OSÓRIO, Fabio Medina. 1988, p. 24. 78Ibid. P. 24-25.

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44

Para Marcelo Figueiredo, a perda de bens necessita que sua interpretação seja conjugada

com as garantias constitucionais individuais de ampla defesa, previstas no artigo 5º, LIV e LV

da CF/88.

Devemos ter sempre em mente o devido processo legal ao aplicar a perda de bens, como, de resto, qualquer pena. Dentre outras razões, afigura-se a principal, o inciso XL, VI do artigo 5º da CF/88, que remete o tema à Lei. Já, os incisos LIV e LV do mesmo artigo 5º, da CF/88, são de eficácia plena e imediata, donde a exegese da perda de bens, deve ser feita a partir da constituição e não da lei infraconstitucional. 79

5.3 Multas Civis

Uma das outras espécies de sanção prevista para os atos de improbidade administrativa

é a multa civil, ao qual se constitui em espécie autônoma constante para os três modos de atos

ímprobos. O magistrado deveria sempre fixar a multa nos limites dos tipos legais, porém, na

eventual falta de patrimônio suficiente para satisfazer a execução, liberaria o agente público

de efetuar o pagamento, observando-se, entretanto, o prazo prescricional atinente à execução

do crédito público contra o particular. Inferindo-se a partir de Fabio Medina, haveria de ser

aplicada a prescrição da execução fiscal de cinco anos, após a fluência do prazo de um ano

iniciado, quando da constatação da inexistência de bens do devedor, ao qual ocasionaria o

arquivamento do processo.

Fabio Medina entende que ao julgador é impositiva a fixação da multa, inexistindo a

discricionariedade. Para os casos de enriquecimento ilícito, a multa é de até três vezes o valor

do acréscimo patrimonial auferido pelo agente publico, (artigo 12 da Lei 8.429/92). Quando o

ato causar lesão ao erário, será de duas vezes o valor do dano, a ser pago pelo agente ímprobo

(artigo 12, II). E para a hipótese de ofensa aos princípios da legalidade, moralidade,

impessoalidade, e publicidade, serão de cem vezes a remuneração do agente, (artigo 12, III).

Desta maneira, o julgador, ao determinar a pena de multa civil, deveria perceber a

conduta do agente como um todo e, inclusive, os reflexos de seu comportamento na

sociedade. 80O marco para a dosimetria da multa, advém do valor do acréscimo patrimonial

obtido pelo agente com o fruto do ato ímprobo.

79 FIGUEUREDO, Marcelo. 2000, p.119. 80 OSÓRIO, Fabio Medina. 1988, p. 26.

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Juarez de Freitas, analisando a penalidade de multa, vislumbra ter essa, a finalidade de

reparar o erário público do dano moral.

Decerto, se consubstanciado o dano material ao erário sem o simultâneo enriquecimento ilícito, estar-se-á perante a segunda espécie de improbidade. Por conseguinte, ao referir a penalidade de ressarcimento integral do dano, se houver, no artigo 12, III, novamente a dicção literal da Lei parece não combinar com a arquitetura normativa engendrada, salvo se interpretar o dano mencionado nos termos aqui propostos, ou seja, como dano de natureza moral estrita e reparado e pela simples aplicação da multa. (FREITAS, Juarez de. 1999 p. 58).

Deste modo, lança-se mão da multa para punir o dano imaterial. A multa civil,

potencialmente de elevada monta, reúne forças mais do que razoáveis para assumir o lugar do

ressarcimento por dano moral, cumprindo sublinhar que a matéria comporta sutis distinções,

por seus efeitos no que diz respeito à prescrição. 81 A conseqüência dessa interpretação,

verifica-se que, em relação a multa, não vige a imprescritibilidade, cuja a fonte é o parágrafo

5º do artigo 37 da CF/88, pois se refere tão somente à busca de ressarcimento material.

5. 4 A Perda da Função Pública

A perda da função pública prevista como sanção para os casos de improbidade cometida

pelo agente público se opera no momento em que se der o trânsito em julgado da decisão

condenatória definitiva. Assim, se o ato de improbidade for cometido, v.g. quando este era

vereador e a sentença transitar em julgado quando o mesmo fosse prefeito, ocasionaria a perda

do mandato.

A extensão da pena atinge quaisquer cargos e funções públicas, seja apenas uma ou

várias, pois o legislador assinalou perda da função pública de forma genérica. Fabio Medina

Osório firma sua posição quando diz que: “a função pública é expressão abrangente, também

de mandatos eletivos, v.g. Presidência da República, Vereança e etc. Trata-se de expressão

que por sua amplitude, abarca todo e qualquer cargo público, eletivo ou não, nos termos, aliás,

do art. 1º da Lei 8.429/92”. 82

Para o autor a perda da função pública é sanção conexa à suspensão dos direitos

políticos que por força do art. 20 da Lei 8.429/92, somente se efetiva com o trânsito em

julgado, todavia, em seu entendimento, seria possível que fosse decretada no âmbito de

procedimento administrativo, sendo respeitados os direitos de ampla defesa e contraditório. A

81 FREITAS, Juarez de. 199, p. 118. 82 OSÓRIO, Fabio Medina. 1999, p. 24.

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aplicação da penalidade não impediria o servidor de ingressar em outra função publica, até

que ocorresse a suspensão dos direitos políticos. Ressalva, entretanto, para os casos menos

graves, isolados, deve-se com base no princípio da proporcionalidade, deixar de aplicar a pena

da perda da função pública, pois as conseqüências poderiam alcançar a sobrevivência da

família.

Referente à perda da função, deve-se ter presente à consagrada independência do

procedimento administrativo em face da seara cível e criminal. O procedimento

administrativo poderá ocorrer, independentemente, de estar em curso à ação criminal contra o

servidor. Tendo-se presente que a sentença absolutória que negue o fato ou a autoria, faz

repercussão na esfera administrativa. A sanção da perda da função pública deverá observar

algumas peculiaridades quanto aos agentes em julgamento.

Quando for aplicada a Governadores, Vice-Presidentes da República, Vice-

Governadores, Prefeitos, agentes do Ministério Público e do judiciário, quando autores de atos

de improbidade, poderão perde seus cargos ou funções, uma vez que sejam condenados por

sentença judicial irrecorrível. Sobre o Presidente da República, em virtude do dispositivo

constitucional do artigo 85 e 86 da CF/88, será julgado com base da Lei Federal nº 1.079/50,

onde estará previsto o procedimento do impedimento. O afastamento, nesse caso, se dará pelo

crime de responsabilidade, mesmo que a conduta, em tese, possa se adequar dentre às

configuradas com improbidade.

A restrição vale para a suspensão dos direitos políticos e perda da função pública, mas

não veda a aplicação das demais sanções previstas no texto da Lei 8.429/92. Do mesmo

modo, é a situação dos parlamentares, Senadores, Deputados Federais e Estaduais, uma vez

que a perda dos seus mandatos está regulada pelo artigo 55 da CF/88, tendo como

conseqüência à suspensão dos direitos políticos pela aplicação do inciso V do artigo 15 da

CF/88. 83

83 PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 138-139.

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47

5.5 Proibições de Contratar com Administração Pública

A sanção referida na parte final dos incisos I, II, III do artigo 12 da Lei 8.429/92,

contempla a limitação da atuação profissional do agente julgado ímprobo e a vedação em

receber qualquer vantagem creditícia, fiscal ou de subsídios do Estado, além de não poder

contratar com esse. No que se refere a esta sanção, entende-se que o julgador deveria aplicá-la

sem qualquer discricionariedade. Entretanto, o magistrado ao aplicar a penalidade, deveria

fundamentar com grau de amplitude, a culpabilidade do agente, a fim de embasar a sanção

que vai atingir a liberdade profissional do agente. 84

Ao juiz restaria aplicar à penalidade, sendo lícita a redução do tempo da interdição dos

direitos, valendo-se da flexibilidade estabelecida para a suspensão dos direitos políticos, ao

qual se constitui na sanção mais severa. A interdição seria ampla, atingindo quaisquer

empresas ligadas ao agente público, inclusive por empresa familiar mantida por cônjuge, ou

outra pessoa cujo parentesco serviria para que o agente condenado continuasse a efetuar

negócios ou receber subvenções do Estado. A penalidade em exame, coteja-se com a vedação

prevista no artigo 87, IV da Lei das Licitações, Lei 8.666/92, pois, poderia criar a falsa

impressão de que se estenderia enquanto perdurarem os motivos. Na realidade a comparação

dos textos legais, transparece que os motivos já citados poderão prosseguir tanto na

inexecução total quanto parcial do contrato.

Juarez de Freitas afirma que não há dificuldades em aplicar às sanções, em caso de

pessoa jurídica, em razão de improbidade administrativa, fazendo-se desnecessário invocar,

como o sinal invertido, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Cristaliza-se

não uma extensão da sanção, mas a simultânea penalização da empresa que prestigiou ou

contribuiu para que se consumasse o ato de improbidade. Não se cuida, pois, de transferências

de pena, corretamente vedada pelo sistema constitucional. 85

84 FREITAS, Juarez. 1997, p. 81. 85 Ibid., p.118.

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6. FASE INVESTIGATÓRIA

A redação do artigo 17 reforça a importância da fase investigatória para bem aparelhar

as ações de improbidade. A obtenção das provas necessárias para a comprovação de casos de

improbidade administrativa é um trabalho árduo. As investigações da imprensa, as denúncias

anônimas, em geral, não são acompanhadas de provas sólidas, para que haja, por parte dos

órgãos competentes, uma ação que responda aos anseios da sociedade.

Nessa conjuntura, a lei de improbidade facultou ao Ministério Publico vários meios de

investigação: inquérito civil, procedimento administrativo e investigação policial. O artigo 14

da Lei 8.429/92 oportuniza a qualquer cidadão o direito de representação à autoridade

administrativa competente, para que investigue supostos atos de improbidade administrativa.

Iniciados procedimentos administrativos, o Ministério Público será comunicado para

acompanhar, se assim entender necessário. Foi previsto no artigo 22 da lei de improbidade, o

poder de requisição do Ministério Público, vinculando a iniciativa à autoridade judicial.

Wallace Paiva Martins critica a redação atual da norma mencionada, tendo em vista que

na redação dada pela câmara alta, o Ministério Público, possuía amplos poderes de

investigação, sedo-lhe lícito proceder a inspeções, requisitar perícias, documentos, estudos,

dados técnicos, certidões e informações de entidades públicas e privadas; expedir notificações

coercitivas, inclusive informando prazo não superior a dez dias para a resposta. Para Wallace

Martins86, investigar os atos de improbidade poderá valer-se das prerrogativas indeclináveis

do membro do parquet, advindas da ordem constitucional, prevista no artigo 129, III e Lei

Ordinária 7.347/85.

Assim, esta conclusão seria uma exegese do seguinte: “pelo sistema da interação,

constante do artigo 21 da Lei federal 7.347/85, aplica-se a Lei Federal 8.429/92, as

disposições da Lei Federal 7.347/85 naquilo que não for incompatível, como o poder de

requisição de documentos e a instauração de inquérito civil, (art. 8º); a intenção do art.22 da

Lei 8.429/92 é ampliar os meios de investigação de atos de improbidade administrativa de que

possa se valer o Ministério Público; o inquérito civil é previsto como meio de investigação

para a proteção do patrimônio público e social e de quaisquer outros interesses difusos e

coletivos, na acepção ampla contida no art.1º, inc. IV da lei 7.347/85 que incluía a moralidade

86 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Alguns Meios de Investigação da improbidade Administrativa. RT, São Paulo, n. 727, p. 325-344, maio 1996.

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administrativa no conceito de patrimônio público e social (art. 129, inc III, da CF/88), tanto

pela Lei Federal 7.347/85 (art. 8º) quanto pelas normas gerais e orgânicas no âmbito

federal”.87

A limitação do poder de requisição do Ministério Público e a judicialização das

medidas, preocupam Fabio Medina Osório que defende a alteração legislativa urgente para

autorizar o parquet a instruir expedientes investigatórios sem a necessidade de obter do

judiciário, a permissão para agir consoante a sua função primordial. A restrição legal seria

inadmissível frente ao poder requisitório conferido aos órgãos ministeriais, “o excesso de

judicialização de investigações pode, longe de proteger direitos fundamentais, dificultar essa

mesma proteção, pois, não se pode olvidar que também, o Ministério Público, quando atua na

defesa de interesses difusos, protegidos pela ordem constitucional, está defendendo direitos

fundamentais, protegendo toda a sociedade”. 88

O Ministério Público poderá, então, instaurar e presidir inquérito civil, representar à

autoridade policial para abertura de inquérito policial, participar de procedimento

administrativo de investigação de atos de improbidade, iniciados pela administração, como

resposta à denúncia do cidadão. O inquérito civil devido é tratado em sede constitucional,

como uma das funções institucionais do Ministério Público e está ligado ao exercício de

atividade fim do parquet. Se constituindo em um meio útil e eficaz para viabilizar a

propositura da ação civil pública, que é um instrumento importante para salvaguardar os

interesses difusos e coletivos.

Em se tratando de procedimento administrativo o parquet, encontra, no parágrafo único

do artigo 15, a permissão de acompanhar e desenrolar da sindicância e do inquérito

administrativo, pois, o caput do referido artigo, impõe à autoridade administrativa a obrigação

de noticiar o Ministério Público a existência de procedimento administrativo com o objetivo

de investigar atos de improbidade administrativa. O agente ministerial se convencido da

ocorrência de atos de improbidade, poderá, de imediato, iniciar investigações paralelas, ou

mesmo ajuizar mediadas judiciais. Caso o agente ministerial não se convença “da

87 87 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Alguns Meios de Investigação da improbidade Administrativa. RT, São Paulo, n. 727, p.331. 88 OSÓRIO, Fabio Medina. 1998, p. 236.

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caracterização do ato de improbidade”, deverá promover o arquivamento ou rejeita-las,

respectivamente, com motivação suficiente. 89

Outras fontes de investigações são as comissões parlamentares de inquérito, que se

constituem em um mecanismo de controle externo da administração, realizado pelo poder

legislativo. Os levantamentos preliminares ou as conclusões deverão ser remetidos ao

Ministério Público. O agente Ministerial, então, após cuidadosa análise do relatório, poderá

ampliar a investigação, ou de imediato, promover as medidas judiciais cabíveis à espécie. Os

Tribunais de Contas, instituídos no Brasil desde 1891, alcançaram, na constituição de 1988,

um incremento de atribuições. São órgãos auxiliares do poder Legislativo na tarefa de

controle externo da Administração Pública, sendo sua responsabilidade fundamental a de

apreciar e julgar as contas dos administradores públicos e responsáveis por dinheiros, bens e

valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades

instituídas e mantidas pelo poder público.

O aparato técnico existente nas cortes de contas, permite a realização de um controle

efetivo da administração pública. As auditorias e inspeções tornaram-se rotina em toda

entidade estatal que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores

públicos, parágrafo único do artigo 70 da CF/88. Ao controle da legalidade, foram acrescidas

atribuições operacionais e de economicidade, conferindo uma avaliação de qualidade de

mérito da gestão, inclusive dos diversos órgãos da administração indireta. A Lei Federal nº

8.443/92, em correspondência aos vários contornos dados pela CF/88, lhe atribuiu poder

regulamentar que o habilita a expedir atos e instruções normativas.

O cidadão comum, partidos políticos, as associações e sindicatos são partes legítimas

para denunciar as irregularidades ou ilegalidades que tenha conhecimento perante o Tribunal

de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municipal. Logo, por iniciativa

própria, provocação ou denúncia, o Tribunal de Contas poderá investigar julgar e sancionar as

ações dos administradores públicos. Se for constatada qualquer irregularidade, ilegalidade ou

improbidade indicará as medidas para sustar, sanar as falhas ou mesmo punir os

administradores com multa proporcional aos danos causados ao erário público. 90

89 MARTINS, Júnior. 1996, p. 334. 90 MARTINS, Júnior. 1996, p. 338-339.

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Caio Tácito enuncia que ao Tribunal de Contas, foi atribuído “novo papel de pleno

defensor da regular gestão dos dinheiros e bens públicos e, sobretudo, na moralidade

administrativa”. A ampliação da competência conferiu aos tribunais de contas “a função de

fiador da repressão e contenção de condutas ilícitas que, a qualquer título, ofendam a boa

gestão da coisa pública”. 91

O respeito à moralidade pública é obrigatório pela Administração Pública e por todos os

seus agentes, sendo essa exigência legal e inderrogável, deverá existir por parte da

Administração, rigor em punir os agentes públicos que atuarem contra o princípio da

moralidade. Se existir suspeita da existência de irregularidades ou sendo cientificadas pelo

particular, pelo Tribunal de Contas ou pelo Ministério Público, a autoridade administrativa

deverá instaurar procedimento administrativo para averiguar os fatos, e se constatado a

afronta à lei ou à moralidade, deverá punir os responsáveis na medida de sua culpabilidade no

âmbito disciplinar.

O artigo 14 da Lei 8.429/92 prevê que o particular denunciante deverá expor os fatos e

indicar as provas que seja conhecedor. Em relação a essa regra, Wallace Martins, entende que

mesmo não havendo provas deverá a autoridade administrativa instaurar a sindicância

necessária, desde que os fatos sejam graves e a representação apresentar credibilidade,

verossimilhança e seriedade. 92 A comissão processante poderá requerer a presença do agente

ministerial para acompanhar o procedimento. No caso de rejeição das denúncias ou suspeitas

de irregularidade esse ato deverá ser motivado.

Contudo, o arquivamento não impede que o Ministério Público promova as

investigações que levem ao ingresso de medidas judiciais caracterizando a independência de

funções previstas no artigo 129, inc. III da CF/88. 93 Aqui, julga-se importante referir-se a

necessidade de que seja observado o princípio do devido processo legal, em todo e qualquer

procedimento, quando se tratar de improbidade administrativa, seja na seara administrativa ou

judicial. A referência expressa a esse princípio é uma inovação da constituição vigente, como

se constata de sua comparação com as cartas políticas anteriores. O princípio do devido

processo legal estabelece dupla proteção ao indivíduo, operando tanto na esfera formal,

concedendo, paridade total com o Estado persecutor e plenitude de defesa, direito à defesa

91 TÁCITO, Caio. A Moralidade Administrativa e a Nova Lei do Tribunal de Contas da União. Revista do Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.190, p. 45-53. 92 MARTINS, Júnior. 1996, p. 340. 93MARTINS, Júnior. 1996, p. 341.

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técnica, à publicidade do processo, à citação, produção ampla de provas, de ser processado e

julgado pelo juiz competente, aos recursos cabíveis, à decisão imutável, à revisão criminal.

Desse princípio decorre o direito consectário da ampla defesa e do contraditório, os

quais deverão ser garantidos às partes, seja no processo judicial, ou no administrativo, bem

como a todos acusados, de acordo com a norma constitucional expressa no artigo 5º, LV.

6.1 Medidas Cautelares

Na lei de improbidade, estão prevista três cautelares específicas: a indisponibilidades

dos bens, art. 7º; o seqüestro dos bens e bloqueio de contas bancárias, art. 16º; e o afastamento

do agente público do cargo ou função pública, art. 20º, sendo estas medidas preparatórias ou

incidentais, consoante o caso em espécie. O procedimento cautelar de indisponibilidade e

seqüestro de bens visa à garantia da execução que venha a condenar o agente ímprobo à

devolução dos bens havidos ilicitamente ou mesmo a perda patrimonial do erário. O pedido de

indisponibilidade poderá, inclusive, atingir terceiros beneficiários dos atos de improbidade e

não se limita a bens imóveis, podendo atingir contas bancárias e aplicações financeiras no

Brasil e exterior.

O afastamento provisório da autoridade administrativa poderá ocorrer na fase

investigatória ou judicial, pois o agente público, durante o período, perceberá normalmente

seus vencimentos. O objetivo da medida é evitar o desaparecimento de prova documental. E

ainda, visa inibir a influência, intimidação ou constrangimento dos subordinados. 94 Como já

comentado, a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LIV, eleva o direito fundamental a

garantia do que, sem o devido processo legal, nenhum cidadão será privado de seus bens ou

direitos. A regra constitucional como toda regra jurídica, comporta suas exceções. Dessa

maneira, medidas que atinjam o patrimônio do cidadão, somente serão permitidas, caso se

mostre indispensáveis e ainda dentro de limites e contornos definidos em lei e com a chancela

do judiciário.

O poder judiciário, detentor do poder geral de cautela, deverá com prudência, conceder

liminares de indisponibilidade de bens, afastamento do cargo ou outras medidas equivalentes.

Como já comentado, o bloqueio e a indisponibilidade de bens é uma medida assecuratória da

execução da sentença. O pedido poderá ocorrer no curso do procedimento administrativo, a 94 MARTINS, Júnior. 1996, p. 342.

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par do que preceitua o artigo 16 da Lei de Improbidade, desde que existam fundados indícios

de responsabilidade. A comissão processante encaminhará representação ao Ministério

Público ou a Procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente, a decretação do

seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano

ao patrimônio público.

A regra, em comento, concedeu aos autores da ação de improbidade o juízo de

oportunidade da indisponibilidade ou seqüestro do bem, desde que existam fundados indícios

de responsabilidade. O pedido deverá ser motivado e acompanhado da documentação, mesmo

que incipiente. Fabio Medina Osório afirma que a indisponibilidade dos bens do agente

ímprobo é “medida obrigatória” não sendo faculdade concedida às entidades legitimadas. O

perigo na demora na medida seria proveniente da gravidade dos fatos, do montante, em teses

dos prejuízos causados ao erário. Prepondera aqui, a análise do requisito da fumaça do bom

direito. Se a pretensão do autor do ato se mostra plausível, calcada em elementos sólidos, com

perspectivas concretas de procedência, a conseqüência jurídica adequada, desde logo, é a

indisponibilidade patrimonial e posterior seqüestro dos bens. 95

6.2 Lei da Ação Civil Publica ou Lei de Improbidade?

Tecendo considerações sobre os modos de utilização da lei 8.429/92 no combate aos

ilícitos da administração pública, iremos notar que há uma complexidade no tratamento de

adequação, tendo em vista que essa lei tem um cunho de ordem principalmente material, pois

visa a verificar as condutas dos agentes ímprobos e determinar suas respectivas punições de

acordo com os ilícitos praticados.

A lei de improbidade surgiu em conseqüência dos desmandos administrativos e do

clamor popular que exigia punição e ética na política. Porém, é de salientar que por ironia do

destino, essa mesma lei foi sancionada justamente pelo ex-presidente Fernando Color que por

sua vez foi destituído do poder exatamente porque na sua administração, condutas

absolutamente fora dos cânones mínimos de probidade, ocorreram. 96 Interessa-nos aqui, a

questão referente à razoabilidade e a proporcionalidade como ínsitos necessariamente ao

95 OSÓRIO, Fabio Medina. 1998, p. 240-241. 96 MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública. 2ª ed. São Paulo: 2002 p. 541.

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devido processo legal substantivo. Somente no caso em concreto se poderá aferir se foi não

cumprido o devido processo legal que depende das circunstâncias em caso. 97

Deseja-se, pois, deixar curialmente claro que se deverá sempre dar a Lei 8.429/92,

interpretação conforme a constituição, fazendo-se uso do devido processo legal. Não se está

tentando enfraquecer a ação civil pública, porém, se essa tem peculiaridades exatamente por

ser ação constitucional de suma importância, também não se poderá dar tal generalização a

seu uso de forma a permitir constrição de direitos e garantias individuais, sem a devida e

necessária proporcionalidade à garantia do interesse público em jogo. Portanto, a Ação Civil

Pública, ação constitucional para a defesa de valores priorizados pelo texto constitucional, é

instrumento valioso que não deverá ser desgastada por haver, em certos casos, extrapolação

do Ministério Público que em sua ânsia de defesa dos interesses da coletividade, pode o

ultrapassar o gizamento constitucional, sendo esse o entendimento de Milaré.

A lei de improbidade contempla alguns tipos legais de textura aberta, incorporando a

moderna doutrina do direito administrativo que vislumbra o fenômeno da improbidade por

graus, a exemplo do que ocorre com invalidação do ato administrativo. Há diversos graus de

ilegalidades e, portanto, de invalidade dos atos administrativos. O início da atuação do

Ministério Público, nessa área, mediante o emprego do Inquérito Civil e da Ação Civil

Pública, representou, na prática, a inovadora criação de um largo mecanismo de controle da

administração pública. Os resultados do conjunto dessa atuação mereceriam ser estudados

com maior rigor científico, porém ainda em caráter mitigado, é possível verificar inúmeras e

benéficas conseqüências.

A simples fiscalização e tomada de algumas providências legais em face da algumas

práticas criminosas, ou de improbidade, já tem incentivado um novo e mais adequado padrão

ético e moral da administração pública. O uso da Ação Civil Pública como instrumento de

defesa da probidade administrativa, tornou ainda mais evidente o que em certas áreas já se

percebia, no que se refere aos interesses difusos, não é meramente jurídico, mas também

político econômico e social. Nas mais importantes Ações Civis Públicas a regra é a presença,

no pólo ativo, de alguém (MP ou uma associação) que representa um grupo social ou toda a

sociedade, na defesa de um interesse que teria sido lesado por ato de alguém que detém poder

político ou econômico.

97 MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública. 2ª ed. São Paulo: 2002 , p. 542.

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A Ação Civil Pública mostra-se, nesse aspecto, o esforço de uma sociedade ainda

bastante desarticulada e carente no que concerne aos direitos fundamentais, no sentido de se

contrapor ao poder político e econômico exercidos por minorias muito fortes.

É o que ocorre, por exemplo, na ação em que se busca impedir publicidade enganosa, ou

realização de grande obra pública sem o necessário estudo de impacto ambiental, ou ainda

licitação fraudulenta. O certo é que a Ação Civil Pública se revelou instrumento apto ao

questionamento de atos abuso de poder. Então se passou a uma abordagem no questionamento

do próprio sistema político de repartição dos poderes. Assim, qual seria o modelo de

democracia a ser constuitída? Uma pessoa influente e poderosa pode ser investigada,

processada e condenada? Da mesma forma que as demais? O homem público deve ser mais

preservado e protegido, ou ao contrário, mais cobrado e fiscalizado?

Estas são as questões mais sugeridas por Ações Civis Públicas, ensejando seu

enfrentamento perante o poder judiciário. A Ação Civil Pública representa sempre, a

afirmação prática das vantagens de demandas de natureza coletivas sobre os indivíduos,

permite a solução “por atacado”, de questões que, de outro modo, deveriam ser resolvidas

uma a uma pelo judiciário, com grande sobrecarga e com maior risco de decisões

conflitantes. Acarreta ainda, significativa ampliação do acesso à justiça, atuando com

estímulo à participação popular, mediante a criação de associações e organizações não

governamentais para a defesa de determinados interesses difusos. Além disso, se presta a

perene afirmação dos princípios republicanos, busca impor a supremacia de um bem em

comum sobre um interesse particular, havendo sempre a intenção de afirmar a supremacia da

constituição e das leis sobre a vontade dos governantes, ressaltando a responsabilidade

inerente da função pública e a necessidade de mecanismos eficientes de fiscalização e

controle.

A conflituosidade destacada pela doutrina como características dos interesses difusos

impõem freqüentemente, o saudável exercício de arbitramento responsável entre valores em

litígio. A Ação Civil Pública tem revelado em escala macroscópica a importância de valores

como: “ética”, “moralidade”, respeito à pessoa humana, e aos direito humanos, constituindo

esses valores, de fato o objeto de inúmeras demandas coletivas. A irradiação de seus efeitos

não apenas no universo jurídico, mas sobretudo, no terreno político-social, em busca ainda

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insuficiente percebida, justifica plenamente a celebração de mais um período de vigência

dessa lei.98

Assim a legitimidade é concorrente disjuntiva, ajuizada a demanda pelo Ministério

Público, à pessoa interessada, restará a intervenção na qualidade de litisconsorte, agindo de

forma supletiva e coadjuvando com o agente ministerial (parágrafo 3º do artigo 17 da Lei

8.429/92), e por outro lado, havendo a lide iniciada pela pessoa interessada, haverá a

necessária intervenção do Ministério Publico, agora como fiscal da fiel aplicação do diploma

legal.

Interessante, a afinidade na aplicação desses dois diplomas é que, mesmo na Ação Civil

Pública, quando procedente a demanda, o restabelecimento do patrimônio público violado por

ato de improbidade, não reverterá para o fundo de reconstituição dos bens lesados, pois

seguirá o rito do artigo 18 da Lei 8.429/92, revertendo para a pessoa jurídica lesada pelo

ilícito, sem que se desnature o processo da ação do Agente Ministerial.

Por isso, cabe aqui ressaltar a preciosa integração que deverá manter com os

mecanismos de combate aos ilícitos da administração pública, tendo em vista que a Lei

7.347/85, Ação Civil Pública, possui um caráter ínsito de processualidade, podendo suprir, no

que for deficiente, ou agir conjuntamente com a Lei 8.429/92, para o efetivo combate aos

males da administração públicos, ocasionados por seus agentes públicos ímprobos ou por

terceiros.

Exemplificamos alguns julgados na seara dos ilícitos administrativos a fim de

demonstrar a real capacidade da lei em comento:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VEREADOR. MUNICÍPIO DE NOVO XINGU/RS. UTILIZAÇÃO DE TALONÁRIO DE CHEQUE PERTENCENTE À CÂMARA MUNICIPAL PARA SALDAR DÉBITO PARTICULAR. AFASTAMENTO DO CARGO. REQUERIMENTO DE SUSPENSÃO DO FEITO ATÉ JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO Nº 2.138. TUTELA DEFERIDA NA ORIGEM. INCABIMENTO. Não possui eficácia erga omnes a decisão na Reclamação 2.138-6, como pretende o agravado, nos termos de precedentes do STJ aqui colacionados. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70015161896, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Wellington Pacheco Barros, Julgado em 04/10/2006).

98 MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública. 2ª ed. São Paulo: 2002 p. 97-100.

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EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE MUÇUM. APROPRIAÇÃO DE VALORES. AMPLO CONTEÚDO PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO DA SERVIDORA. COMINAÇÃO NAS PENAS PREVISTAS NO ART. 12, I, DA LEI Nº 8.429/92. Condenação da servidora do Município de Muçum pela prática de improbidade administrativa causada por desvio de valores a que tinha acesso quando exercia a atividade de tesoureira. Amplo conteúdo probatório a corroborar a tese de responsabilização sustentada pelo Ministério Público. Procedência da ação. Aplicação da Lei nº 8.429/92. Cominações legais de: 1) ressarcimento do dano causado ao erário municipal; (2) pagamento de multa civil correspondente ao dobro do valor do acréscimo patrimonial que obteve que, no caso, corresponde ao mesmo valor a ser apurado como dano ao erário; (3) perda da função pública; (4) suspensão dos direitos políticos por oito anos; e (5) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de 10 (dez ) anos. Manutenção da sentença. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70013386743, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 14/09/2006).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOAÇÃO DE CALÇADOS AO MUNICÍPIO DE ROCA SALES. DESVIO DE BENS PÚBLICOS PELO SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVEITO DE CANDIDATO À VEREANÇA. DAÇÃO DE CALÇADOS EM TROCA DE SUFRÁGIO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE OBSERVADOS NA DOSIMETRIA DA PENA. HIPÓTESE EM QUE AJUSTADAS AO CASO AS PENAS DE RESSARCIMENTO DO DANO, DE MULTA E DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS POR CINCO ANOS. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (Apelação Cível Nº 70013867858, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 20/07/2006). EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REJULGAMENTO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE, SALVO HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. ART. 535, I E II, DO CPC. VIA PROCESSUAL INADEQUADA. ART. 132, IV, DA LEI N. 8.112/90. PENA DE DEMISSÃO DO SERVIDOR PÚBLICO QUANDO VERIFICADA A PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE. 1. Os embargos de declaração têm pressupostos certos [art. 535, I e II, do CPC], de modo que não configuram via processual adequada à rediscussão do mérito da causa. São admissíveis em caráter infringente somente em hipóteses, excepcionais, de omissão do julgado ou erro material manifesto. Precedente [RE n. 223.904-ED, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, DJ 18.02.2005]. 2. Não há falar-se na aplicação da pena prevista no preceito do art. 132, IV, da Lei n. 8.112/90, quando não restou comprovada, ao longo do processo administrativo, a existência de elementos aptos a caracterizar a improbidade do servidor. 3. Embargos de declaração rejeitados. (RMS-ED 24699 / EMB.DECL. NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Relator (a): Min. EROS GRAU, STF). RECURSO - MINISTÉRIO PÚBLICO - FISCAL DA LEI. A interposição do recurso pelo Ministério Público, após haver emitido, na origem, parecer que não veio a ser acolhido, pressupõe a configuração de ilegalidade. PROCESSO ADMINISTRATIVO - DIREITO DE DEFESA - OBSERVÂNCIA. Instaurado o processo administrativo e viabilizado o exercício do direito de defesa, com acompanhamento inclusive por profissional da advocacia, descabe cogitar de transgressão do devido processo legal. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA E PENAL. As esferas são independentes, somente repercutindo na primeira o pronunciamento formalizado no processo-crime quando declarada a inexistência do fato ou da autoria. PROCESSO ADMINISTRATIVO - IMPROBIDADE - PENA. Apurada a improbidade administrativa, fica o servidor

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sujeito à pena de demissão - artigo 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/90. (RMS 24293 / DF - DISTRITO FEDERAL RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 04/10/2005, STF).

EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699 / DF - DISTRITO FEDERALRECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA, Relator (a): Min. EROS GRAU, Julgamento: 30/11/2004, STF).

Também alguns casos foram relatados pela imprensa no que se refere à atuação da

justiça no combate aos ilícitos administrativos:

Ribeirão Bonito-SP “Ex-prefeito BUZZA, condenado por atos de improbidade administrativa”: Essa condenação é referente a sua gestão anterior de 1989 a 1992, o tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou de forma definitiva a sentença proferida pela Juíza de Ribeirão Bonito que julgou procedente ação condenando o então Prefeito Antonio Sergio de Mello Buzzá, a ressarcir aos cofres públicos 3.832 kg de carne, 1530 telhas romanas, 1000 telhas francesas, 121 m². De laje treliçada e a devolver CR$ 16.400.000,00 corrigido desde dezembro de 1992 até a data do efetivo pagamento e, ainda, foi-lhe imposta a pena do inciso II, art. 12, da Lei 8.429/92. (Apelação nº 226.319.5/2-00 – autos nº 436/96. Disponível: <http://www.amarribo.org.br/mamb>. Acesso em 06 de nov. de 2006.).

Prefeito de Canela (RS) condenado por improbidade administrativa: A 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça condenou, por unanimidade, o Prefeito de Canela, José Vellinho Pinto, por improbidade administrativa. A Ação Civil Pública foi movida pelo Ministério Público, que apontou a contratação irregular de empresa para a realização de serviços de capeamento em ruas do Município. Participaram do julgamento, ocorrido em 19/10, as Desembargadoras Maria Isabel de Azevedo Souza e Rejane Maria Dias de Castro Bins, que relatou o processo, e a Juíza-Convocada ao TJ Leila Vani Pandolfo Machado.A relatora afirmou que o Prefeito agiu contrariamente aos princípios administrativos, ao contratar a empresa Sersul sem consultar o departamento de licitações, sem efetuar pesquisa de preços de mercado, nem observar os requisitos necessários à dispensa de licitação. Além disso, anotou, não houve consulta prévia acerca do suporte material e financeiro da empresa para a realização do serviço. A magistrada registrou ainda o fato de a empresa ser indevidamente cadastrada, não possuindo sede, maquinário e empregados próprios, nem prova de capacitação técnica. A falta de estrutura redundou em utilização de

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máquinas do Município, com danificação do rolo compressor, e de funcionários da Prefeitura para efetivar a tarefa. Além disso, contrariamente ao estabelecido em lei, não foi designado servidor para acompanhar e fiscalizar os serviços. “Verifica-se da prova que não se pode concluir eficazmente que Valne Alexandre Michel realizou às suas expensas os serviços objeto desta ação, até porque não formalizada a contratação, tendo recebido o primeiro o valor de R$ 3.880,00”, acentuou a Desembargadora. “Pelo menos a utilização do maquinário do Município era conhecida do Prefeito, que ainda assinou o primeiro empenho à vista de uma planilha totalmente inepta”, acrescentou. Concluindo que o dano ao erário ocorreu, a Câmara condenou José Vellinho Pinto a pagar solidariamente R$ 3.880,00 referentes ao valor cobrado pelos serviços, R$ 15,00 pelos danos na vareta de óleo do rolo compressor, e as horas pagas ao motorista que prestou serviço no caminhão-caçamba, corrigidos monetariamente, além de juros legais, desde a época dos fatos. Também foi estipulada multa de duas vezes a remuneração mensal recebida como Prefeito no ano de 1998, corrigido monetariamente pelo IGP-M, bem como o pagamento de custas e honorários advocatícios. Co-réus: O processo fora cindido em 2003 com relação aos co-réus José Sérgio Maciel Viana, Secretário Municipal de Obras e Desenvolvimento Urbano, e Valne Alexandre Michel, o dono da empresa Sersul, que respondem pelos mesmos fatos em ação (proc. 10300003167) que tramita junto à Comarca de Canela. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande

do Sul 25/10/2004).Disponível em:<

http://www2.interlegis.gov.br/comunicacao/20020815172025/20041027090514/view>Acesso em 06 de nov. de 2006.)

TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região negou provimento a recurso dos ex-ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) Homero dos Santos e Paulo Affonso Martins de Oliveira, este já falecido, contra a condenação por improbidade administrativa. O ex-ministro deve ressarcir todo dano causado à União e pagar valores correspondentes ao aluguel de imóveis funcionais ocupados irregularmente. De acordo com informações do Ministério Público, Homero Santos e Paulo Affonso teriam cedido seus imóveis funcionais para a utilização dos filhos. Para o procurador regional da República autor da ação, Oswaldo José Barbosa Silva, o ato caracteriza improbidade administrativa, tanto dos ex-ministros, quanto de seus beneficiários. “O homem comum do povo pode compreender que a União Federal destine imóveis edificados com o dinheiro dos contribuintes para determinados servidores públicos, em razão dos cargos que ocupam ou funções que desempenham, mas não é admissível que se peça ao homem comum para acreditar que é moral ou legal que tais imóveis sejam legitimamente entregues a parentes deste servidor para que lá residam”, argumentou. A ação foi proposta em 1994, quando diversas matérias jornalísticas foram publicadas sobre o caso. A primeira decisão da Justiça Federal saiu nove anos depois, em 2003. Na época, a juíza da 16ª Vara da Seção Judiciária do DF foi favorável parcialmente ao pedido do MPF. Na sentença divulgada agora, a juíza Rosimayre Gonçalves de Carvalho Fonseca afirma que “não pode o agente público, sobretudo em se tratando de um órgão de controle externo, esquivar-se do seu dever constitucional de zelar pelos princípios que regem a administração pública”.(Disponível:<http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/32708.shtml> Acesso em 06 de nov. de 2006.)

Maluf é condenado por improbidade administrativa por: JORNAL NACIONAL/O GLOBO ONLINE . A Justiça condenou o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, por improbidade administrativa. Ele teve os direitos políticos cassados por dez anos. Pela decisão, ele deve devolver dinheiro aos cofres públicos e ainda pagar multa. Ele foi condenado em primeira instância por ter feito promoção pessoal usando recursos públicos quando ainda era prefeito. Os advogados dele vão recorrer para suspender os efeitos da condenação ate o julgamento final do caso. Maluf foi o deputado federal mais votado de São Paulo e, depois de tomar posse, terá direito a foro privilegiado. Isso significa que ele só poderá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). (Disponível em: <http://canais.ondarpc.com.br/eleic. phtml?id=3182>. Acesso em 06 de nov. de 2006.)

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7. CONCLUSÃO

A Lei 84.29/92 surgiu como meio regulamentador do princípio da moralidade

administrativa, inserto na CF/88, meio este que refletiu na seara do controle sobre os ilícitos

da administração pública, inexorável efetividade, tendo em vista a sua material aplicabilidade,

conjugado com as diversas legislações protetivas, isto é, Código Penal, Ação Civil Pública,

Inquérito Civil e estatutos dos mais diversos órgãos dos poderes e da administração pública...

Aliado ao poder judicante e fiscalizador, este diploma conferiu importante ferramenta

aos juízes e agentes do Ministério Público. O que se persegue agora é a luta contra a lógica

formal não apropriada dos operadores jurídicos em compreensão ao alcance prático da Lei

8.429/92, disso se pode depreender que por vivermos numa sociedade em constantes

desajustes, no que tange ao quadro social e ao sistema normativo, portanto, não se pode mais

tolerar o abismo existente entre a realidade dos fatos e a abstração do sistema processual

vigente. Os julgadores e operadores do direito devem estar atentos às necessidades da vida

real e os novos métodos de hermenêutica. Possível assim, em falar-se na interpretação

teleológica, a fim de alcançar o bem social comum.

Em nosso sistema harmônico de divisão de poderes não se pode permitir as intempéries

de uns sobre os outros, o poder político e econômico jamais poderá se sobressair às

instituições republicanas. É comedido e eficaz o funcionamento dentro do sistema de pesos e

contrapesos, com a finalidade de se criar uma sociedade mais justa.Combater severamente a

impunidade daqueles que malversam os recursos públicos, enriquecem ilicitamente, à custa do

tesouro público; lutar pela moralidade administrativa, pelos princípios éticos e morais de

lealdade, probidade, impessoalidade, publicidade, transparência... É um árduo desafio,

complicado, no entanto necessário à construção de uma sociedade digna, isonômica no

cenário dos países capitalistas em desenvolvimento, situados na periferia dos grandes blocos

desenvolvidos mundialmente.

Assim, não somente se refere aqui, aos atos do executivo, mas a todos os agentes

públicos e políticos que integram os três poderes, pois a todos é devido o irrestrito dever de

retidão, probidade no trato dos atos e coisas públicas. Estamos diante de um poderoso

instrumento legal de controle dos atos administrativos públicos, a Lei 8.429/92, juntamente

com a independência do Ministério Público e a ampliação do controle jurisdicional, tendo o

magistrado o poder real de transformação, pois julgando, esse reconstrói o fato, se municia de

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circunstâncias probatórias, escolhendo a norma a ser aplicada para em seguida dar-lhe

extensão do seu alcance determinado.

Deste modo, garantindo a eficácia no controle dos ilícitos da administração e podendo

conferir a mitigação da impunidade e aos anacrônicos métodos de hermenêutica e processual

que refletem os interesses setoriais em detrimento dos sociais.

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