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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO TITULAR DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE TAIÓ/SC.
Ação Penal n.º 8000237-93.2016.8.24.0000 Réu: Juares de Andrade, ex-Prefeito de Salete (2009-2012 e 2013-2016) Objeto: Resposta à Acusação.
JUARES DE ANDRADE, ex-Prefeito do Município de
Salete /SC (gestões 2009-2012 e 2013-2016), já qualificado nos autos do
processo em epígrafe, por meio de seu advogado constituído, vem à
honrosa presença de Vossa Excelência, nos termos dos arts. 396 e 396-A do
Código de Processo Penal, apresentar
RESPOSTA À ACUSAÇÃO
Ofertada pelo Ministério Público Estadual às fls. 01-06
dos autos, o que faz nos seguintes termos:
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I – EXPOSIÇÃO FÁTICO-JURÍDICA
1. O Réu Juares de Andrade foi denunciado em
11/08/2016 pelo suposto cometimento do crime do art. 89 da Lei n.
8.666/93, por 130 vezes, na forma do art. 71 do CP, em virtude de, na
qualidade de Prefeito do Município de Salete-SC, no ano de 2009 a 2011,
ter dispensado, supostamente fora dos casos previstos em lei,
procedimento licitatório para a contratação de serviços e a aquisição de
materiais elétricos voltados à manutenção da estrutura administrativa
municipal, os quais teriam sido sempre adquiridos de forma direta da
empresa J. G. Comércio de Materiais Elétricos e Indústria Ltda, no
montante geral de R$ 152.615,771 (fls. 03).
2. A denúncia ainda aludiu que tais contratações
teriam ocorrido de forma direta mesmo diante da “possibilidade de estabelecer competição entre fornecedores, visto que a região a que pertence o
Município de Salete possuía mais de 100 empresas do ramo de materiais elétricos
e prestação de serviços nos anos de 2009 a 2011”.
3. Frisou, por fim, que as “despesas deviam ser planejadas e contratadas mediante licitação, pois eram parcelas de um mesmo
serviço e compra de maior vulto que podiam ser realizadas de uma só vez” o que evidenciaria o “dolo direto de beneficiar a empresa J.G Comércio de Materiais Elétricos e Industriais Ltda ME, do vice-prefeito João Kniess [...]”, gerando hipotéticos prejuízos ao erário “no valor de R$ 4.330,23 (corrigidos até março de 2015)”, segundo preço “de mercado” calculado pelo Ministério Público (fls. 05).
1 Sendo no ano de 2009 o valor de R$ 57.985,37 (fls. 03), no ano de 2010, R$ 71.474,85 (fls. 03-04) e no ano de 2011, R$ 23.155,55 (fls. 10-11).
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4. Antes do ajuizamento da presente ação penal, em
10/07/13 a douta Procuradoria Geral de Justiça instaurou o Procedimento
Investigatório Criminal – “PIC” n. 06.2013.0008661-7, o qual, de sua vez, tomou por base o inquérito civil n. 06.2011.005246-2 e a ação civil por
suposto ato de improbidade n. 070.13.000544-4, destinados a apurar os
mesmos fatos em relação ao alcaide acusado (fls. 16).
5. No bojo do aludido “PIC” n. 06.2013.0008661-7, em 08/08/13, o Procurador de Justiça Dr. Durval da Silva Amorim, ao
despachar o feito, determinou a expedição de “ofício ao Prefeito Municipal de Salete, Juares de Andrade, para que, no prazo de 15 dias úteis, apresente a
defesa que houver acerca dos fatos descritos na portaria inaugural” (fls. 560).
6. Em 30/08/2011, atendendo ao chamado
ministerial, o Prefeito Juares de Andrade acostou ao feito empenhos e notas
fiscais emitidas/pagas em favor da pessoa jurídica JG Comércio de
Materiais Elétricos pelo município de Salete nos exercícios de 2009 a 2011
(fls. 102/5582), seguindo-se apresentação de “defesa” e esclarecimentos fáticos em 12/09/13 (fls. 566/584).
7. Prorrogado o prazo do PIC em 09/10/13 por
despacho da própria autoridade investigante (fls. 641), sobreveio o r.
despacho ministerial de 31/10/13, no qual ilustre Dr. Durval da Silva
Amorim solicitou ao Centro de Apoio Operacional de Informações Técnica
e Pesquisa a elaboração de pesquisa e respostas aos quesitos3 que propôs
(existência de outras empresas na região aptas a fornecer os materiais e
serviços no período em referência; se no mesmo período houve contratação
pelo Município de Salete de outras empresas para finalidades análogas; “se 2 A paginação está conforme disposição constante dos autos.
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houve superfaturamento na aquisição dos materiais e serviços da empresa J.G. [...]
em comparação aos preços praticados no mercado, considerando a localidade de
Salete e o período compreendido entre 2009 até o mês de maio de 2011”; formação de lista identificando o total dispendido por exercício, locais e tipos de
serviços ou objeto empregado; se é possível apurar a existência de dano ao
erário – fls. 642/643).
8. Após sucessivas prorrogações do prazo da
investigação (em 09/01/14 - fls. 648; em 14/04/14, fls. 649; em 15/07/14,
fls. 650; em 15/10/2014, fls. 651; em 15/01/15, fls. 652; em 24/04/15, fls.
653), sobreveio aos autos o “Laudo n. 7/2015/GAC/CIP” (fls. 655/663) e planilhas elaboradas com dados extraídos do sistema “e-Sfinge” e “NFe SEFAZ” (fls. 677/998), os quais apontariam suposta variação entre o preço “de mercado” e os praticados nas contratações em voga em percentual médio de 21% em 2009 (representando R$1.007,37), de 17% em 2010
(representando o valor de R$1.473,86) e 25% no ano de 2011
(correspondendo ao valor de R$782,03).
9. Após novas e sucessivas prorrogações (em
26/02/16, fls. 1024; em 19/05/16, fls. 1025), em 08/08/16 sobreveio
despacho de encerramento da investigação, entendendo o douto
Procurador de Justiça Dr. Ivens José Thives de Carvalho pela presença de
indícios e necessidade de oferta de denúncia por suposto cometimento do
art. 89 da Lei n. 8.666/93 (fls. 1029).
10. Ofertada a denúncia (fls. 01/06), em 18/08/16 o
Exmo. Relator Desembargador Volvei Tomazini determinou a expedição
de carta de ordem para notificação do acusado para oferecer resposta, nos
termos do art. 4º da Lei n. 8.038/90 (fls. 1033).
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11. Regularmente notificado, o Réu apresentou
substanciosa defesa preliminar (fls. 1.046-1.094), pela qual postulou o não
recebimento da denúncia ou, ainda, a sua improcedência ab initio, haja vista
os fatos não terem ocorrido da forma descrita pelo Ministério Público.
12. Em 26/01/17, ante o término do mandato de
Prefeito Municipal do Réu Juares, o e. Tribunal de Justiça, por decisão do
eminente Relator, Desembargador Volnei Celso Tomazini, declinou da sua
competência, com a consequente remessa dos autos à primeira instância
(fls. 1.104-1.105).
13. Já em primeiro grau, houve a apresentação de
réplica pelo Ministério Público (fls. 1.124-1.133).
14. Concluso os autos, sobreveio, em 29/08/18,
decisão de recebimento da denúncia, determinando-se a citação do
denunciado para apresentar resposta à acusação (fls. 1.134-1.138).
15. Sumariado o ocorrido, vejamos as razões pelas
quais não procede acusação ministerial em relação ao Réu Juares de
Andrade.
III – DAS RAZÕES PARA A REJEIÇÃO DA PRETENSÃO ACUSATÓRIA
III.1 – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL (ART. 5º, LIII, E ART. 29, X, DA CFRB) – INVESTIGAÇÃO DE PREFEITO MUNICIPAL – AGENTE PÚBLICO DETENTOR DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, INDICIAMENTO E PRODUÇÃO DE PEÇAS INFORMATIVAS SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO OU CONHECIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL – NULIDADE ABSOLUTA – AFRONTA A
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COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL “RATIONE PERSONAE” DO TJSC.
16. A persecução penal, no ponto, encontra-se
irremediavelmente maculada por vício insuperável e configurador de
nulidade absoluta, consubstanciada na violação do princípio do Juiz
Natural, porquanto, desde 10/07/13 (fls. 12/14) o douto Ministério Público
Estadual já havia expressamente direcionado a investigação por sobre o
então Prefeito Municipal Juares de Andrade (mandato encerrado em
31/12/16), sem atentar para prerrogativa de foro constitucionalmente
outorgada ao alcaide.
17. Com efeito, o art. 29, X, da Constituição Federal,
ao instituir princípios de observância obrigatória pelos municípios,
preconiza a regra que determina “o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça”, norma esta repetida e ampliada pela Constituição do Estado de Santa Catarina, que previu competir “privativamente do Tribunal de Justiça: [...] XI – processar e julgar, originariamente: [...] b) nos crimes comuns e de responsabilidade, [...], os Prefeitos [...]” (art. 83, XI, “b”, da CESC).
18. Assim, ao contrário do que ocorre com os
inquéritos policiais em geral (CPP, arts. 4º ao 23), que podem ser iniciados
mercê de um ofício requisitório do juiz, do Ministério Público,
requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo
(vide: Código de Processo Penal Comentado. 9. ed., São Paulo: Saraiva, v.
I, p.37; Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Estudos Jurídicos em
Homenagem a Manoel Pedro Pimentel. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 163/177), a Constituição Federal assegura aos Prefeitos Municipais a
prerrogativa de foro para a investigação, a apreciação e o julgamento de
delitos eventualmente por eles cometidos nessa condição.
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19. Nessa linha de princípio, a prerrogativa de foro,
cujo ethos é garantir o livre exercício da função do agente político4, enseja o
reconhecimento da competência absoluta ratione personae e exclusiva do
órgão jurisdicional previamente indicado na Constituição de República,
conforme anota Renato Brasileiro de Lima:
Investigação e indiciamento de pessoas com foro por prerrogativa de função – Em questão de ordem suscitada no Inq. 2.411, o Plenário do Supremo Tribunal Federal passou a entender que, tratando-se de investigado titular de foro por prerrogativa de função, a autoridade policial não pode proceder ao indiciamento sem prévia autorização do Ministro-Relator, sendo que essa autorização também é necessária para a própria instauração do inquérito originário (in Manual de Processo Penal. 2. ed., Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 452)
20. Mais especificamente no caso de Prefeitos
Municipais, a necessidade de observância do foro por prerrogativa de
função desde a gênese da atividade persecutório-investigativa é assim
sintetizada por Guilherme de Souza Nucci:
Investigação policial contra Prefeito Municipal: somente pode ser iniciada pelo órgão competente para o processo, ou seja, o Tribunal de Justiça (crimes estaduais) ou o Tribunal Regional Federal (crimes federais). É evidente que, determinada a instauração do inquérito, a polícia judiciária pode agir, mas controlada diretamente pelo Tribunal e pela Procuradoria de Justiça. Nesse sentido: STJ: “O entendimento pretoriano é no sentido de que a investigação contra Prefeito Municipal, em virtude da prerrogativa de função, apenas poderá ser procedida pelo órgão competente para oferecer eventual denúncia junto ao Tribunal de Justiça – Constituição Federal, art. 29, X” (RHC 8.502-PR, 6.ª T., rel. Fernando Gonçalves, 18.05.1999, v.u., DJ 07.06.1999, p. 132). (Código de Processo Penal Anotado. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014 p. 63)(grifos nossos.)
4 Vide: Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 78;
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21. Sob esse vértice, se a Constituição Federal
estabelece que os chefes do executivo municipal respondem, por crime
comum, perante o Tribunal de Justiça local (CF, art. 29, X), não há razão
constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à
supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam
retiradas do controle judicial do Tribunal de Justiça.
22. Às autoridades investidas de poderes
investigativos não são outorgados poderes para abertura ex officio de
inquérito policial para apurar a conduta de agente público detentor de foro
pro prerrogativa de função (no caso, de Prefeito Municipal), haja vista que,
no exercício de competência penal originária do TJSC (CF, art. 29, X c/c Lei
n. 8.038/90, art. 2º), a atividade de supervisão judicial deve ser
constitucionalmente efetivada durante todo o curso da persecutio criminis,
isto é, desde os procedimentos investigatórios até eventual oferta de
denúncia pelo dominus litis.
23. Contudo, essa garantia do Juiz Natural não restou
observada na hipótese em tela.
24. Os autos demonstram que as atividades
persecutórias se deram a partir de 28/07/11, quando o Ministério Público
oficiante na Comarca de Taió-SC expediu portaria e instaurou o Inquérito
Civil n. 06.2011.005246-2, a fim de apurar irregularidades nos
procedimentos de aquisição de materiais da empresa JG Comércio de
Materiais Elétricos e Industriais Ltda, todos da Prefeitura de Salete/SC (fls.
55/57).
25. Então, com base no aludido inquérito civil e
respectiva ação de improbidade, em 10/07/13 o douto Procurador de Justiça
Dr. Durval da Silva Amorim expediu a Portaria n. 0019/2013/PGJ e
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instaurou o Procedimento Investigatório Criminal – PIC n. 06.2013.00008661-7, visando apurar supostas irregularidades em compras
diretas realizadas pela Prefeitura Municipal de Salete nos anos de 2009,
2010 e 2011, ou seja, os mesmos fatos da ação de improbidade
administrativa (fls. 12/14).
26. É precisamente nesse iter procedimental que os
autos deveriam ter sido enviados concomitantemente ao eg. TJSC, a quem
a Constituição Federal cometeu, como regra competência absoluta, a
atribuição de processar e julgar os chefes do executivo municipal.
27. Tão-só a remessa das cópias dos autos de
inquérito civil e de ação de improbidade para à Procuradoria, de per si, não
configurou qualquer nulidade, porquanto atos desta natureza não
representam indiciamento (vide: STF, HC 95277, Relator(a): Min.
CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2008, DJe-035
DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-06 PP-01241).
28. Entretanto, desde julho de 2013, com a
instauração do Procedimento de Investigação Criminal - PIC n.
06.2013.00008661-7 (fls. 12/14), o Órgão Acusador registrou, catalogou e
formalizou a existência daquilo que entendeu configurar “indícios” contra o Prefeito Juares, de sorte que já a partir daquela data o alcaide se
encontrava “indiciado”, sem que se atentasse à peculiaridade de ser o indiciado detentor de foro por prerrogativa de função (art. 29, X, da
CF/88), com as consequências daí advindas.
29. Mais do que isso, o Parquet perpetrou diversos
atos tendentes à coleta de “provas” contra o Prefeito, como (i) a requisição de diversos documentos e informações em 08/08/13, mediante expedição
de “ofício ao Prefeito Municipal de Salete, Juares de Andrade, para que, no prazo
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de 15 dias úteis, apresente a defesa que houver acerca dos fatos descritos
na portaria inaugural” (fls. 560); (ii) expedição do Ofício n. 0131/2013/PGJ, de 08/08/13, no qual o d. Procurador de Justiça signatário
submete o Prefeito Juares de Andrade a um verdadeiro “interrogatório” escrito sui generis (fls. 561/562); (iii) recebimento pelo MPSC de
informações enviadas pelo Prefeito Juares (102/558); (iv) recebimento das
respostas do alcaide a tal “interrogatório” escrito em 12/09/13 (fls. 566/584); (v) produção de laudo (fls. 644/998); (vi) e, juízo valorativo
quanto aos procedimentos.
30. Tudo isso em flagrante usurpação da competência
jurisdicional da eg. Corte Catarinense para ordenar notificação e apreciar
o conteúdo de defesa apresentada pelo alcaide!
31. Em síntese, desde a etiqueta estampada no
Procedimento de Investigação Preliminar, passando pela Portaria que
instalou e a persecução penal contra o Prefeito e o indiciou, despachos e
ofícios solicitando documentos e informações, sui generis “interrogatórios escritos” do alcaide, enfim, percebe-se primo icto oculi a perpetração de diversos atos investigativos todos à margem do inciso X do art. 29 da
Constituição Federal, uma vez que o feito somente fora encaminhado ao
Juiz Natural (TJSC) em 16.08.16 (fls. 1031).
32. Assim, diante de violação à norma disposta no
art. 5º, LIII, e art. 29, X, da Constituição de República, deve a investigação
ser anulada a partir do direcionamento das diligências em face do então
Prefeito Municipal (julho de 2013), bem como ante ao indiciamento do
alcaide sem a necessária e indispensável autorização ou ciência prévia do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
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33. Em hipótese análoga, já decidiu o Supremo
Tribunal Federal:
Questão de Ordem em Inquérito. 1. Trata-se de questão de ordem suscitada pela defesa de Senador da República, em sede de inquérito originário promovido pelo Ministério Público Federal (MPF), para que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) defina a legitimidade, ou não, da instauração do inquérito e do indiciamento realizado diretamente pela Polícia Federal (PF). 2. Apuração do envolvimento do parlamentar quanto à ocorrência das supostas práticas delituosas sob investigação na denominada "Operação Sanguessuga". 3. Antes da intimação para prestar depoimento sobre os fatos objeto deste inquérito, o Senador foi previamente indiciado por ato da autoridade policial encarregada do cumprimento da diligência. 4. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema da instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de competência do STF: i) a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro; ii) qualquer pessoa que, na condição exclusiva de cidadão, apresente "notitia criminis", diretamente a este Tribunal é parte manifestamente ilegítima para a formulação de pedido de recebimento de denúncia para a apuração de crimes de ação penal pública incondicionada. Precedentes: INQ no 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno, DJ 27.10.1983; INQ (AgR) no 1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, maioria, DJ 14.6.2002; PET - AgR - ED no 1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 23.5.2003; PET no 1.954/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ 1º.8.2003; PET (AgR) no 2.805/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27.2.2004; PET no 3.248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 23.11.2004; INQ no 2.285/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 13.3.2006 e PET (AgR) no 2.998/MG, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; iii) diferenças entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102, I, b, da CF e pelo RI/STF. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para os interesses do titulares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das instituições. Se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o STF (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF. A
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iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF. 5. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, "b" c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis. 6. Questão de ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamentar investigado. (Inq 2411 QO, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-01 PP-00103 RTJ VOL-00204-02 PP-00632)
34. Bem por isso, o Supremo Tribunal Federal firmou
entendimento de que a investigação e indiciamento praticado por
autoridade incompetente em desfavor de pessoa com prerrogativa de
função “constitui irregularidade sancionada com a declaração de nulidade dos atos” (STF, PET QO 3.825/MT, Rel. Min Sepúlveda Pertence, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJE 03/04/2008).
35. E a consequência da inobservância dessa regra de
competência absoluta é a nulidade da investigação, valendo-se destacar
precedente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que se ajusta com
integral fidelidade ao presente caso:
PROCESSO-CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA - FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO - PRELIMINAR - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO FEITO A PARTIR DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - DENUNCIADO OCUPANTE DO CARGO DE PREFEITO MUNICIPAL À ÉPOCA DO DESPACHO DO MAGISTRADO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA - VIOLAÇÃO À COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL ""RATIONE PERSONAE"" - INOBSERVÂNCIA DA PRERROGATIVA DE FORO EM RAZÃO
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DE FUNÇÃO - NULIDADE ABSOLUTA VERIFICADA - IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO POR ESTA CORTE ATRAVÉS DE DECISÃO MONOCRÁTICA - OFENSA REFLEXA À LEI ORGÂNICA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ATRIBUIÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA - PRELIMINAR ACOLHIDA, PREJUDICADO O EXAME DO ""MERITUM CAUSAE"" - NULIDADE DECLARADA A PARTIR DO OFERECIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. V.V. (TJMG - Pr Crime Comp Orig-PCO-Cr 1.0000.04.411408-0/000, Relator(a): Des.(a) Gudesteu Biber , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Márcia Milanez , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 20/09/2005, publicação da súmula em 28/09/2005)
36. Em recente julgado sobre o tema pacificou-se:
AÇÃO PENAL. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. DENUNCIADO É DEPUTADO ESTADUAL. PRERROGATIVA DE FORO PRIVILEGIADO. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. O Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento da Questão de Ordem em Inquérito n.º 2.411, cujo relator foi o Ministro Gilmar Mendes, sedimentou o entendimento de que o agente político que goza de foro especial por prerrogativa de função, para ser investigado, necessita previamente de autorização do órgão competente para processá-lo e julgá-lo. NULIDADE ABSOLUTA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. Sendo a questão matéria de ordem pública, podendo ser suscitada a qualquer tempo e grau de jurisdição, esta E. Corte há que reconhecer, de ofício, a nulidade de todo o processo, desde a fase investigatória, pois de outra forma não há como agir o Colegiado, sob pena de ratificar a violação de direitos oriundos da proteção constitucional em razão do cargo que ocupa o denunciado. EXTINÇÃO DA AÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. (TJ-PA - AP: 201230191508 PA, Relator: MARIA EDWIGES MIRANDA LOBATO, Data de Julgamento: 16/04/2014, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 28/04/2014)
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37. Patenteada a afronta ao art. 5º, LIII, e art. 29, X,
ambos da Constituição da República, afigura-se inarredável o
reconhecimento da violação à competência constitucional ratione personae,
em virtude da inobservância da prerrogativa de foro em razão de função,
cuja nulidade absoluta deve ser prontamente reconhecida.
38. E diante dessa nulidade, o sistema jurídico pátrio
reage vedando a utilização dos elementos informativos produzidos em tais
condições. Veja-se, a incoativa frisa expressamente que toda a acusação se
baseia na investigação ilícita realizada pelo Órgão Acusador.
39. É o que consta das fls. 02 dos autos: “O Ministério Público do Estado de Santa Catarina [...]vem, com fulcro nos autos do
Procedimento de Investigação Criminal n. 06.2013.00008661-7, oferecer
DENÚNCIA contra JUARES DE ANDRADE [...]”.
40. Sem a aludida investigação/inquérito e
indiciamento realizado pelo Parquet, que não pode permanecer nos autos
por terem sido realizadas por autoridade incompetente, nada licitamente
produzido existe nos autos que possa arrimar a tese acusatória.
41. Nessa linha de princípio, a rejeição da denúncia
era medida que se impunha desde o início, na esteira do que já decidiu o
Supremo Tribunal Federal:
PROCESSUAL PENAL. DEPUTADO FEDERAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. COMPETÊNCIA DO STF INCLUSIVE NA FASE DE INVESTIGAÇÃO. DENÚNCIA LASTREADA EM PROVAS COLHIDAS POR AUTORIDADE INCOMPETENTE. DENÚNCIA REJEITADA. I – Os elementos probatórios destinados a embasar a denúncia foram confeccionados sob a égide de autoridades desprovidas de competência constitucional para tanto. II - Ausência de indícios ou provas que, produzidas antes da posse do acusado como
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Deputado Federal, eventualmente pudessem apontar para a sua participação nos crimes descritos na inicial acusatória. III - A competência do Supremo Tribunal Federal, quando da possibilidade de envolvimento de parlamentar em ilícito penal, alcança a fase de investigação, materializada pelo desenvolvimento do inquérito. Precedentes desta Corte. VI - A usurpação da competência do STF traz como consequência a inviabilidade de tais elementos operarem sobre a esfera penal do denunciado. Precedentes desta Corte. V - Conclusão que não alcança os acusados destituídos de foro por prerrogativa de função. VI – Denúncia rejeitada. (Inq 2842, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-041 DIVULG 26-02-2014 PUBLIC 27-02-2014) – grifamos e negritamos.
42. Diante da flagrante violação à competência do eg.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que se instaura desde a fase de
investigação, tem-se que os elementos probatórios destinados a sustentar
a denúncia foram produzidos em usurpação da competência do Juízo
Natural, encontrando-se, assim, impregnados de nulidade absoluta, a
ponto de derruir eventuais alicerces da peça primeva.
43. Como consequência, forçoso o reconhecimento de
nulidade absoluta do processo, bem como que são imprestáveis tais
elementos informativos, sem os quais o julgamento de improcedência é o
caminho a se impor, nos termos dos arts. 386, II, do CPP.
III.2 - IMPUTAÇÃO A PREFEITO DO COMETIMENTO DO DELITO ART. 89 DA LEI N. 8.666/93 – TIPO EM VOGA QUE CONSUBSTANCIA DELITO MATERIAL E EXIGE A INDICAÇÃO DO ELEMENTO ANÍMICO ESPECIAL - DENÚNCIA QUE SEQUER NARROU A EXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO DE LESAR O ERÁRIO – ACUSAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE NO DOLO GENÉRICO – INOBSERVÂNCIA DO ART. 41 DO CPP- CONDUTA ATÍPICA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.
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44. O tema jurídico reapresentado na presente
resposta não constitui questão complexa, já que a tese é de afronta ao art.
89 da Lei n. 8.666/93, violação ao art. 41 do CPP, e ao princípio da
presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), haja vista que a denúncia
baseou-se na suficiência da demonstração do dolo genérico, quando, data
máxima vênia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal é consolidada no sentido de que o tipo penal em
voga exige a indicação na denúncia do elemento subjetivo especial (dolo
específico) de dano ao erário e a comprovação no processo do próprio
prejuízo material à Administração Pública.a
45. Assim, mesmo que houvesse prejuízo ao erário (e
no caso concreto não há!), não existirá ilícito penal sem que o Dominus Litis
indique e demonstre que eventual dano aos bens públicos decorre de
conduta direta do agente público, e mais, que essa mesma conduta esteja
animada por uma vontade específica e destinada à obtenção do resultado
lesivo.
46. A questão fática quanto à realização de compras
diretas para contratação de serviços e a aquisição de materiais elétricos
voltados à manutenção da estrutura administrativa municipal é
incontroversa nos autos e não constitui objeto de discussão. O cerne da
quaestio juris é saber se ao realizar as compras diretas em prol da
municipalidade (realizada de forma desconcentrada, registre-se!!), o
acusado Juares cometeu ou não o delito do art. 89 da Lei de Licitações.
47. Contudo, entendemos que a denúncia não
tematizou a existência de vontade específica e finalisticamente voltada a
causar danos à administração pública mediante as contratações diretas, de
modo que a violação ao entendimento do STJ é cristalina!
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48. Veja-se que as únicas menções na r. denúncia
ministerial quanto ao dolo estão em frontal rota de colisão com a exigência
do STJ e STF, pois narrou o Parquet que “o denunciado JUARES SOARES, com dolo direto de beneficiar a empresa J.G Comércio de Materiais Elétricos e
Industriais Ltda ME, do vice-prefeito João Kniess, dispensou a realização de
licitação pelo Município de Salete para contratação de materiais elétricos e serviços
de instalação e reparos, que, somados, atingiram R$ 152.615,77 nos três anos
apurados” (fls. 02).
49. Mais adiante, a denúncia descreve que “em síntese, JUARES SOARES, ao determinar dolosamente que o Município de Salete, por
meio da Prefeitura Municipal, adquirisse bens e serviços diretamente da empresa
J.G. Comércio de Materiais Elétricos e Industriais Ltda ME nos anos de 2009, 2010
e 2011, dispensou licitação indevidamente, fora das hipóteses do artigo 24 da Lei
n. 8.666/93, gerando prejuízos efetivos ao erário no valor de R$ 4.330,23
(corrigidos até março de 2015)”. (fls. 04/05)
50. Nesse particular, vale ressaltar que a frase “ao determinar dolosamente...” é absolutamente genérica e conflita com a técnica de desconcentração presente nos empenhos processados, isto é,
diversos órgãos da Prefeitura de Salete/SC realizaram contratações
diretas, sem a ingerência material do Prefeito Juares.
51. De outro lado, “dolo direto” invocado pelo ilustre Parquet foi invocado no afã de imputar ao Prefeito Juares o desiderato de
contratar empresa específica e de dispensar a realização de licitação. Não
houve, repita-se, narração de que se desejava com isso desfalcar os cofres
públicos ou causar danos à administração pública local. Não se descreveu
a intenção especial do agente público como o tipo requer.
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52. Assim, o que se verifica da inicial é que, pelos seus
termos, bastaria o dolo genérico, sendo despiciendo, na opinião do douto
Ministério Público, o elemento subjetivo específico.
53. Contudo, tal entendimento encampado na r.
denúncia viola o art. 89 da Lei n. 8.666/93, cuja configuração do ilícito
penal depende sim da existência do dolo específico de lesar o patrimônio
da administração pública, hipótese sequer cogitada na peça acusatória. O
delito do art. 89 da Lei de Licitações é tipo penal incongruente.
54. A Defesa respeitosamente entende que tão
somente essa dissintonia entre o que narrado na denúncia e o
entendimento do STJ e do STF seria mais do que suficiente para ensejar a
atipicidade da conduta imputada.
55. Não obstante, o caso em tela ainda possui uma
peculiaridade especial: as referências fático-processuais realizadas nas
peças informativas demonstram o cumprimento da finalidade pública,
mesmo em face das contratações diretas. Em nenhuma passagem da
denúncia ou das peças informativas insinua-se não ter havido a entrega
ou prestação dos serviços e materiais adquiridos. Isto é fato
incontroverso! E como se verá adiante, já a partir daí se afigura paradoxal,
data vênia, cogitar-se de prejuízo ao erário se a finalidade pública foi
alcançada.
56. Não obstante, o ponto é que a persecução penal
materializada na r. denúncia busca sancionar conduta manifestamente
atípica, ao arrepio da vedação da responsabilização penal objetiva, pois
aquiesceu com a tese de que o delito em voga independe dolo específico
de causar prejuízos ao erário.
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57. A interpretação do art. 89 da Lei n. 8.666/93 aqui
defendida – que está em absoluta sintonia com o entendimento do STJ tocante ao tipo penal em comento – no sentido de se exigir a narrativa já na denúncia e a posterior comprovação do dolo específico de almejar
desfalcar o erário e ainda da necessidade de demonstração do dano à
administração pública, objetiva afastar o risco de inadmissível
responsabilização penal objetiva do agente público.
58. Por imperativo constitucional impõe-se o
estabelecimento de critérios que diferenciem o administrador neófito,
inexperiente, não habilidoso, descuidado, que cometa erros por desídia,
sem má-fé e sempre visando atingir a finalidade pública, daquele gestor
que o faz de caso pensado, que é desonesto, mal intencionado e que age
imbuído pelo “espírito” de causar danos aos bens públicos.
59. No caso, conforme se verá adiante, a empresa JG,
que fora contratada diretamente para fornecimento de materiais e
realização de serviços, já os prestava para a Prefeitura Municipal de
Salete/SC há mais de 12 anos! O que o alcaide indiciado fez constituiu
conferir continuidade ao costume administrativo prevalente há mais de 12
anos, nunca antes questionado por qualquer órgão interno ou externo de
controle, ou seja, sob a aparência de legalidade, como de fato o foram.
Tanto que nos outros anos, nunca foram objetados ou questionados, nem
mesmo pelo Ministério Público.
60. Daí não se poder falar em má-fé do Prefeito Juares
de Andrade, não havendo nos autos, inclusive, suporte indiciário para se
supor ter agido com desvio de finalidade, devendo fazer-se diferenciação
concreta e não genérica entre seus atos enquanto gestor e condutas dolosas
destinadas a lesar o erário, levando-se em conta, ainda, a técnica da
desconcentração presente nas despesas realizadas e questionadas.
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61. E essa conclusão, além de lógica, é endossada pela
doutrina de escol de MARÇAL JUSTEN FILHO in “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos” (14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 865-869):
A existência de dano. Não se aperfeiçoa o crime do art. 89 sem dano
aos cofres públicos. Ou seja, o crime consiste não apenas na indevida contratação indireta, mas na produção de um resultado final danoso. Se a contratação direta, ainda que indevidamente adotada, gerou um contrato vantajoso para a Administração, não existirá crime. Não se pune a mera conduta, ainda que reprovável, de deixar de adotar a licitação. O que se pune é a instrumentalização da contratação direta para gerar lesão patrimonial à Administração. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 865-869) (grifamos e negritamos)
62. A propósito do tema em referência, como
sedimentou o col. Superior Tribunal de Justiça no lapidar julgamento da
Ação Penal 480, j. em 29/03/2012, que uniformizou a posição da Corte da
Cidadania sobre o tema:
“as infindáveis e naturais dúvidas que gravitam em torno da legalidade dos atos praticados em todos os momentos pelas administrações em geral, ensejando erros e acertos por parte dos agentes públicos, inclusive pelos mais habilitados juridicamente, impõem uma interpretação mais cuidadosa e restrita das normas punitivas, sobretudo as do âmbito criminal. Ademais o engessamento da atividade administrativa mediante ameaças de condenações criminais é tão pernicioso quanto a sua liberação total, descontrolada, sendo necessário encontrar um ponto de equilíbrio na interpretação das normas jurídicas destinadas a punir os agentes públicos, os quais têm a obrigação de impedir uma desastrosa estagnação da atividade estatal”. (grifamos e negritamos)
63. E desde então o col. Superior Tribunal de Justiça
vem sistematicamente reafirmando sua jurisprudência quanto à
configuração do crime do art. 89 da Lei n. 8.666/93, a ponto de, em casos
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análogos ao presente, conceder a ordem de Habeas Corpus para nulificar
processos penais e condenações calcadas em dolo genérico e sem
demonstração de dano ao erário, determinando a Corte da Cidadania,
inclusive, o trancamento da persecução penal:
I HABEAS CORPUS. CRIME DE DISPENSA DE LICITAÇÃO
FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL. NECESSIDADE. PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Conforme entendimento firmado por esta Corte, para a configuração do delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 é necessária a presença do elemento subjetivo especial de causar dano ao erário, com a ocorrência do efetivo prejuízo à Administração Pública.
[...] 2. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para
reconhecer a atipicidade da conduta perpetrada pelo ora paciente e anular, ab initio, o processo movido contra ele. Efeitos estendidos aos demais corréus. (HC 316.953/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 09/06/2016) – grifamos e negritamos
II “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME DA LEI DE LICITAÇÕES. ART. 89, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.666/1993. DOLO ESPECÍFICO E EFETIVO PREJUÍZO. ELEMENTOS NÃO TRAZIDOS NA INICIAL ACUSATÓRIA. PREJUÍZO À AMPLA DEFESA. DENÚNCIA INEPTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 2. RECURSO PROVIDO, PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. No julgamento da Ação Penal n. 480/MG, consignou-se ser necessário, no que diz respeito ao crime descrito no art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993, que órgão acusador demonstre, desde logo, o dolo específico de causar dano ao erário, bem como efetivo prejuízo causado com a conduta. Não tendo o Ministério Público se desincumbido de demonstrar referidos elementos, verifica-se que a inicial acusatória se mostra inepta, impossibilitando, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa.
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2. Recurso provido, para trancar a Ação Penal n. 0015773-58.2011.8.19.0014, em trâmite perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goyatacazes [...]”. (RHC 65.254/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2016, DJe 10/02/2016) – grifos nossos
64. De todo modo, o ponto nodal é a inafastável
incidência da linha hermenêutica estabelecida e pacificada no Superior
Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal5, que levando em conta
o princípio da tipicidade fechada, estrita legalidade, vedação da
responsabilidade penal objetiva e presunção de inocência, impõe a
exigência de descrição e demonstração do elemento subjetivo específico
de dano ao erário nas acusações relativas ao delito do art. 89 da Lei n.
8.666/93, bem como a própria comprovação da existência de prejuízo à
fazenda municipal, hipóteses inocorrentes na espécie.
65. Assim, como o tema do dolo específico não foi
sequer considerado para fins de tipificação do crime em tela na r.
denúncia, resulta nítido à grave violação à vedação da responsabilidade
penal objetiva, ao princípio da tipicidade fechada, e à presunção de
inocência, domínios jus penais que informam a tipificação do art. 89 da Lei
de Licitações, sem os quais a conduta atribuída ao Prefeito Juares é atípica,
de modo a impor a sua absolvição.
66. É pacífico no STJ:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993. DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. DOLO ESPECÍFICO. EFETIVO PREJUÍZO AO
5 STF, Inq 2688, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015; Inq. 2616/SP, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 19.08.2014; Plenário, no Inq. 3077/AL, Relator o Ministro, Dias Toffoli, Dje. 25.09.2012.
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ERÁRIO. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA NARRADA NA DENÚNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Como cediço, a jurisprudência desta Corte Superior acompanha o entendimento do Pleno do Supremo Tribunal Federal (Inq. n. 2.482/MG, julgado em 15/9/2011), no sentido de que a consumação do crime do art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige a demonstração do dolo específico, ou seja, a intenção de causar dano ao erário e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos, malgrado ausência de disposições legais acerca dessa elementar. Precedentes. 2. O dominus litis, contrariando entendimento jurisprudencial consolidado, não descreveu adequadamente o dolo específico do prefeito em causar prejuízo à Administração Pública, bem como a sua efetiva ocorrência. Por conseguinte, diante da ausência dos elementos novos exigidos jurisprudencialmente, de rigor é o trancamento do processo penal por patente atipicidade formal da conduta narrada [...]. 3. Recurso ordinário provido. (RHC 35.598/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 15/04/2016) – g.n.
67. Assim, da simples leitura da denúncia, resta
patente que a mesma veiculou acusação em franco descompasso com as
exigências do tipo penal do art. 89 da Lei de Licitações e em desarmonia
com o disposto no art. 41 do CPP, ao deixar de narrar a existência de dolo
específico de causar danos ao erário, o que basta para tornar a conduta
atípica, levando-se, por conseguinte, a absolvição do Réu, o que se requer.
III.3 – MÉRITO - DA LEGALIDADE DAS AQUISIÇÕES POR DISPENSA DE LICITAÇÃO DE MATERIAIS E SERVIÇOS ELÉTRICOS EM RAZÃO DO VALOR E DO PROCEDIMENTO UTILIZADO – POSSIBILIDADE DE CUMULUAÇÃO DOS LIMTES DE DISPENSAS EM VÁRIAS SITUAÇÕES – CONTRATAÇÕES QUE SEGUIRAM EXATAMENTE A MESMA ROTINA UTILIZADA NAS GESTÕES ANTERIORES – EMPRESA CONTRATADA QUE PRESTAVA SERVIÇOS AO MUNICÍPIO JÁ HÁ 12 ANOS SEM QUALQUER QUESTIONAMENTO DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 24, INCISOS I E II DA LEI 8.666/93.
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68. Inicialmente, diga-se que os limites de dispensa
de licitação referidos na presente tese dizem respeito aos valores nominais
constantes na Lei n.º 8.666/93 antes da alteração promovida pelo Decreto
n.º 9.412/18, que majorou significativamente aqueles valores. No caso, o
limite de R$ 8.000,00 passou para 17,600,00 (art. 24, II) e o limite de
15.000,00 passou para 33.000,00 (art. 24, I).
69. A base da acusação ministerial é de que as
dispensas de licitação em razão do valor realizadas para a aquisição de
materiais e serviços elétricos, nos anos de 2009, 2010 e parte de 2011, junto
à empresa JG seriam todas ilegais, porquanto os montantes gastos em cada
exercício financeiro ultrapassariam o limite de R$ 8.000,00, previsto no
inciso II, do art. 24, da Lei 8.666.93.
70. No caso, no ano de 2009 os empenhos somaram
R$ 57.985,37 (fls. 03), em 2010, R$ 71.474,85 (fls. 03/04), e em 2011, R$
23.155,55 (fls. 04). Sustentou, ainda, ter havido fracionamento indevido dos
valores para ficarem abaixo do limite para dispensa (fls. 02).
Da Impossibilidade de realizar-se a soma dos empenhos de todas as Secretarias. Unidades Administrativas distintas. Limites por valor cumuláveis.
71. Pois bem, o primeiro equívoco que se verifica na
denúncia diz respeito ao fato de querer se utilizar da soma de todos os
empenhos realizados num dado exercício financeiro como critério
caracterizador das hipóteses de dispensa previstas nos incisos I e II, do art.
24, deixando de levar em conta, por exemplo, as diversas unidades
administrativas (Secretarias Municipais) realizadoras dos citados
empenhos.
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72. Este dado é de suma importância na análise de
qualquer ilegalidade procedimental, pois é evidente a possibilidade de
cumulação dos limites por órgãos desconcentrados, tendo em conta a
agilização e eficiência administrativa por cada Secretaria Municipal. É
dizer: cada Secretaria pode utilizar-se dos limites de dispensa de modo
autônomo e inacumulável. Sobre o ponto vejamos a opinião de CARLOS
ARI SUNDFELD:
“Devem ser somadas, para fins de determinação da modalidade cabível, as obras e serviços que, tendo objetos semelhantes e podendo ser realizados ao mesmo tempo, estejam a cargo de ‘unidades de despesa’ (isto é: órgãos dotados de autonomia para a gestão financeira) distintas de uma mesma pessoa jurídica? A resposta é negativa. A desconcentração administrativa é lícita e desejável, agilizando o funcionamento dos serviços. Sua eficácia pressupõe autonomia de gestão, o que leva inevitavelmente ao fracionamento das contratações do ente de que fazem parte os vários órgãos. Não há como, embora com objetivos prezáveis (tal a ampliação da competitividade entre os fornecedores do Estado), condicionar a determinação das modalidades licitatórias, a serem utilizadas pelos vários órgãos em cada caso, à soma dos valores dos contratos celebrados por todos eles. Seria inviabilizar a própria desconcentração e paralisar a máquina.”6
73. No caso concreto, tomando em conta os
empenhos a que se refere a denúncia e localizados nos autos (com a juntada
da cópia da ação de improbidade administrativa, fls. 21-27 e 103-557),
pode-se perceber que os gastos anuais com materiais elétricos e respectivos
serviços restaram assim divididos entre as Secretarias Municipais:
n SECRETARIAS EXERCÍCIO FINANCEIRO
2009 2010 2011
1 Secretaria de Administração e Finanças R$ 7.073,227 R$ 16.137,288 R$ 1.025,309
6 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitações e contrato administrativo. 2ª Ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 69.
7 Empenhos: fls. 132, 134, 163, 165, 167, 182, 184, 203, 263, 265, 277 e 279. 8 Empenhos: fls. 292, 309, 338, 339, 341, 365, 367, 369, 383, 385, 396, 398, 429, 431, 452, 470 e 472. 9 Empenhos: fls. 515, 517, 532 e 534.
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2 Secretaria de Saúde e Promoção Pessoal R$ 3.029,7010 R$ 2.651,8111 0,00
3 Secretaria de Indústria, Comércio e Des. Turístico R$ 5.098,5012 0,00 0,00
4 Secretaria de Obras e Serviços R$ 4.228,0813 R$ 5.795,2514 R$ 11.024,7515
5 Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente R$ 2.404,2316 R$ 5.436,0017 0,00
6 Secretaria de Educação, Cultura e Desporto R$ 31.151,6418 R$ 33.003,9319 R$ 9.551,5020
74. Como se observa, no ano de 2009, apenas a
Secretaria de Educação ultrapassara o limite de R$ 8.000,00, ou de R$
15.000,00 se considerarmos que há também serviços de engenharia, sendo
que as demais ficaram abaixo desses limites.
75. No ano de 2010, ultrapassaram os limites
nominais dos incisos I e II do art. 24, da Lei 8.666/93, as Secretarias de
Educação, Cultura e Desporto e a de Administração e Finanças.
76. Por fim, no ano de 2011, nenhuma Secretaria
ultrapassou o limite de R$ 15.000,00, para serviços e obras de engenharia
(caso da Secretaria de Obras), tendo havido apenas a superação pela
Secretaria de Educação, se considerado apenas o do limite de R$ 8.000,00.
77. Ocorre, que mesmo para estas Secretarias, cujos
empenhos ultrapassaram o limite de R$ 15.000,00 ou de R$ 8.000,00 no
10 Empenhos: fls. 197, 271, 284, 287 e 289. 11 Empenhos: fls. 299, 325, 331, 352, 354, 356, 400 e 481. 12 Empenho: fl. 281. 13 Empenhos: fls. 115, 159, 161, 186, 188, 201, 207, 209, 251 e 261. 14 Empenhos: fls. 321, 319, 313, 343, 358, 360, 371, 426, 435, 437, 465, 467 e 469. 15 Empenhos: fls. 520, 523, 526, 528 e 536. 16 Empenhos: fls. 180, 267 e 269. 17 Empenhos: fls. 334, 336 e 387. 18 Empenhos: fls. 103, 105, 107, 110, 112, 118, 120, 122, 124, 126, 128, 130, 138, 140, 142, 144, 146, 148, 151, 153, 155, 157, 169, 171, 174, 176, 190, 192, 194, 199, 205, 211, 213, 216, 218, 220, 222,0224, 226, 229, 231, 234, 237, 239, 242, 244, 246, 248, 256, 258, 273 e 275. 19 Empenhos: fls. 296, 298, 300, 302, 304, 311, 313, 315, 317, 327, 329, 346, 348, 349, 362, 375, 378, 390, 392, 402, 404, 406, 408, 410, 412, 415, 417, 419, 421, 423, 433, 440, 443, 445, 447, 450, 454, 456, 458, 463. 20 Empenhos: fls. 504, 506, 508, 511, 513, 530, 539, 541, 543, 546 e 549.
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exercício financeiro, não houve ilegalidade alguma, isto porque, as
normas contidas nos incisos I e II da Lei 8.666/93 não preveem apenas os
limites de R$ 15.000,00 (obras e serviços de engenharia) e R$ 8.000,00
(serviços e compras), mas condicionam a incidência de tais limites a outras
exigências, fazendo com que a Administração possa sim contratar por
dispensa inúmeras vezes durante o exercício financeiro.
78. A propósito, um único exemplo demonstra nosso
argumento. Imaginemos o caso do Município de São Paulo. Será que a
Secretaria de Educação do município de São Paulo pode fazer apenas
uma única compra de R$ 15.000,00 ou R$ 8.000,00 durante todo o exercício
financeiro? Evidentemente que não, pois o município do porte de São
Paulo demanda milhares de contratações por dispensa em razão do valor
durante o ano.
79. Ora, o mesmo raciocínio se aplica ao município de
Salete que, na época, contava com 07 escolas municipais, cada qual em uma
localidade e com prédio próprio. Nesta senda, será que a Secretaria de
Educação do Município de Salete (ou mesmo qualquer outra) estava
autorizada apenas gastar com reparos pontuais e imprevisíveis na rede
elétrica destas escolas, incluída a substituição de peças queimadas ou
inutilizadas, até o limite de R$ 15.000,00 ou de R$ 8.000,00 durante todo
o exercício financeiro? Mais uma vez a resposta só pode ser negativa,
residindo aqui o 2º equívoco do Ministério Público.
Da Possibilidade de cumulação de dispensas autônomas para obras e serviços de engenharia que não se refiram a obras e serviços de mesma natureza e local que possam ser realizadas concomitantemente (art. 24, I) ou de parcelas de serviço e compras que não possam ser realizadas de uma sé vez (24, II).
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80. Nesta senda, considerando que objetos distintos
autorizam dispensas autônomas e cumuláveis ao longo do exercício
financeiro, é evidente que a compra de fios elétricos, tomadas, lâmpadas,
é muito diferente, por exemplo, da compra de uma geladeira (fl. 338) ou
de um aparelho telefônico (fl. 365), ou ainda de uma torneira (fl. 369), o
que autoriza a realização de compras diretas e inacumuláveis ao longo do
ano, o que também não foi considerado pela Acusação.
81. Como sabido, o inciso I do art. 24 diz que é
dispensável a licitação para obras e serviços de engenharia até R$ 15.000,00,
desde que “não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que
possam ser realizadas conjunta e concomitantemente. Vale dizer, em se
tratando de obras e serviços de engenharia independentes ou cuja
execução não possa ser realizada ao mesmo tempo, nada impede a
Administração fazer tantas dispensas quantas forem necessárias ao longo
do ano.
82. O mesmo se verifica no inciso II, do art. 24. Neste
é dispensável a licitação para serviços e compras, que não de engenharia,
até R$ 8.000,00, desde que “não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só
vez”. Ou seja, em se tratando de serviços ou compras de objetos distintos ou, ainda que idênticos, não possam ser realizados de uma só vez, seja
porque inexiste dotação orçamentária, seja porque há imprevisibilidade da
sua ocorrência, mais uma vez poderá a Administração se utilizar de tantas
dispensas quantas forem necessárias ao longo do exercício financeiro.
83. Exemplo de exceção a esta regra é quando se está
diante de uma “reforma” num dado estabelecimento, quando, em
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princípio, todos os itens relacionados à reforma devem ser cumulados.
Todavia, não é este o caso dos autos. Aqui, o Ministério Público
simplesmente somou os empenhos destinados à empresa JG para
concluir que fora dispensada licitação fora das hipóteses legais, porém,
deixando de considerar que:
a) as contratações foram realizadas por diversas
Secretarias, cada qual com dotação e autonomia orçamentária própria;
b) as compras compreenderam a aquisição, ao longo de
cada exercício financeiro, de materiais e serviços distintos, que não podiam
ser inteiramente previstos nem realizados de uma só vez;
c) as contratações por dispensa englobaram inúmeros
serviços de engenharia, sendo o limite para dispensa de R$ 15.000,00, e não
de R$ 8.000,00. Um exemplo é a iluminação natalina de final de ano
referida na denúncia.
84. Ainda em relação à hipótese de dispensa do
inciso II, cabe destacar que a ideia de realização “de uma só vez” de todos os serviços e compras não é matéria que possa ser aferida sem qualquer
reflexão sobre os objetos efetivamente contratados por dispensa.
85. É muito fácil numa visão idílica da Administração
pública imaginar que se devessem fazer inúmeras licitações prevendo
eventuais necessidades durante o exercício financeiro. É muito simples
dizer: se precisamos de fios elétricos, que se comprem de uma vez só. A
realidade é mais complexa!
86. Primeiro, porque há compras que não podem ser
programadas com antecedência, dada a imprevisibilidade total ou parcial
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da sua necessidade. Sobre o tema vejamos a lição de JOEL DE MENEZES
NIEBUHR:
“ ...há compras e serviços que não podem ser previstos de antemão, na lei orçamentária, antes do exercício financeiro. É evidentemente que a compra ou o serviço apenas podem ser realizados de uma só vez se a Administração dispuser dos meios para prevê-los integralmente. Não se pode pretender sejam somados valores concernentes a contratos imprevisíveis, por óbvio, porque nem sequer se sabe antecedentemente de tal necessidade, quanto mais de seu montante.”21
87. Segundo, porque é o caso concreto e a realidade
que balizam a compra com antecedência.
88. A aquisição de materiais elétricos para
substituição dos que vierem a estragar ao longo do ano, embora previsível
a sua ocorrência em qualquer Administração, não é algo que ocorra de
modo uniforme durante o exercício financeiro, dada a impossibilidade de
se prever quando um ou outro prédio da Administração (v.g., escola, posto
de saúde, praças) apresentará algum problema desta natureza. E
apresentando o problema, em qual extensão, isto é, que tipo de materiais
(e sua exata especificação) e quantidades serão necessários para o
conserto.
89. Imaginemos o exemplo dos fios elétricos. Não é
algo simples num pequeno município comprar inúmeras bitolas de fios
elétricos – cujo preço é elevado - esperando possam ser utilizadas durante o ano enquanto mofam nas prateleiras.
21 NIEBUHR Joel de Menezes. Dispensa e inexigibilidade de licitação pública. 3ª Ed. Rev. e ampl. Editora Fórum, 2011, p. 242.
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90. O administrador sabe muito bem que comprar
uma série de fios, que podem ser eventualmente extraviados ou mesmo
subtraídos (todos sabemos como é comum o furto de fios elétricos nas
cidades), não é produtivo nem recomendável que se faça de uma só vez.
91. O mesmo se diga a respeito de holofotes para
ginásio de esporte. Há algum sentido em comprar uma fortuna em
lâmpadas de alta potência, presumindo que serão efetivamente utilizadas,
ignorando-se que são necessárias meras unidades e que tal compra
importa em guardar e estocar material muito frágil? Ora, um ginásio de
esportes saletense não é o Maracanã...
92. Bem diferente, data vênia, seria, por exemplo, a
contratação do serviço de “faxina semanal” nos prédios do município. Ora, neste caso não haveria dúvidas quando à uniformidade do serviço e
mesmo dos produtos e quantidades necessários ao longo do exercício
financeiro. Trata-se de serviço que, pela regularidade e previsibilidade de
todos os seus aspectos (data da ocorrência, tempo despendido, quantidade
de produtos etc.), demandaria processo licitatório, desde que superior a R$
8.000,00, caso contrário, a dispensa seria uma opção legítima.
93. Portanto, ao contrário do que parece entender a d.
Acusação, plenamente justificada e cabível a dispensa de licitação para
as contratações objeto de análise na presente demanda, eis que as
aquisições trataram de objetos distintos, podendo ser cumulados
autonomamente para obras e serviços de engenharia, desde que não se
refiram a obras e serviços de mesma natureza e local que possam ser
realizadas concomitantemente (art. 24, I, da 8.666/93). Igualmente, as
demais aquisições de compras e serviços que não poderiam ser realizadas
de uma só vez (24, II, da 8.666/93).
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94. Doutra banda, esclareça-se que o acusado Juares
de Andrade não direcionou compra para beneficiar qualquer empresa.
95. No caso da J.G., a mesma já prestava serviços e
fornecia materiais elétricos para o Município de Salete desde 1997 e sempre
da mesma forma. Isto é, no ano de 2009 já fazia 12 anos que a citada
empresa prestava os mesmos serviços ininterruptamente, por vezes
vendendo ao Município de Salete por dispensa de licitação! Sim, há 12
anos!
96. Este levantamento histórico foi objeto de certidão
lavrada pelo setor de contabilidade do município, subscrita pelo contador,
Sr. Ivo Schweitzer, e pela tesoureira, Sra. Thaise Cristina Ruck, em
19/06/13, que atestaram o que segue (fls. 612):
“Certifico e dou fé, que revendo os livros e registros contábeis e financeiros do
Município de Salete, constatamos através do Sistema de Gestão Pública Municipal (IPM), que a empresa JG COMÉRCIO DE MATERIAIS ELÉTRICOS E INDUSTRIAIS LTDA., inscrita no CNPJ n. 01.331.477/0001-12, teve relação comercial por intermédio de vendas de produtos e prestação de serviços, nos exercícios de: 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, na forma de dispensa de licitação. Em 1997, 2002 e 2003, foram realizados alguns serviços através de processo Licitatório.
Certifico, ainda, que a forma acima de contratação e dispensa de licitação não foi objeto de correção ou indicado como irregular pelo Controle Interno e Externo.
97. Portanto, calha concluir que a escolha da empresa
JG, data venia, não foi imotivada, incoerente, direcionada ou para
beneficiar terceiros, foi simplesmente a opção mais natural e lógica,
considerando que a citada empresa já vinha sendo contratada por
dispensa e para a mesma finalidade há 12 anos! E mais, sem nunca ter
havido qualquer questionamento quanto à legalidade, ou mesmo quanto
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a eventual ineficiência ou má qualidade dos seus serviços e materiais
elétricos fornecidos.
98. Por último, muito embora não se seja objeto da
denúncia, impende registrar que o procedimento prévio e simplificado adotado no
município de Salete para os casos de dispensas de pequeno valor era exatamente o
mesmo das gestões anteriores, se que em todo este tempo tivesse havido qualquer
insurgência quanto a sua regularidade, seja pelos vereadores, pelos órgãos de
controle ou pelo próprio Ministério Público Estadual.
99. Tal procedimento consistia no seguinte
- Uma vez verificada a necessidade da compra de
materiais elétricos ou serviços nesta mesma área por alguma das unidades
vinculadas às Secretarias Municipais (escolas, postos de saúde, praças,
prédio da prefeitura etc.) era comunicado ao Secretário da pasta;
- A depender da extensão do problema, se urgente ou
não, o próprio secretário abria o chamado junto ao Diretor de Obras ou
entrava diretamente em contato com o fornecedor para a aquisição dos
materiais ou serviços necessários, desde que o valor não ultrapasse os
limites da dispensa;
- A empresa contatada dirigia-se até o local e, sob a
supervisão do responsável pela unidade (diretor da escola, por exemplo),
realizava o serviço;
- Concluído o serviço era emitida a nota fiscal
correspondente e encaminhada aos setores próprios da Prefeitura
(Contabilidade) para a autorização e programação do pagamento, com a
consequente emissão da nota de empenho. Emitida a nota de empenho, a
mesma seguia para o Prefeito assinar e, assim, autorizar o pagamento.
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100. Portanto, a necessidade da compra dos materiais
em discussão decorria do surgimento, na maioria das vezes, de problemas
nas instalações elétricas dos prédios da Administração Pública, sendo que
eram os próprios secretários municipais que possuíam autonomia gerencial
e orçamentária para autorizar compras de pequeno valor, não sendo
necessária nem exigível a prévia autorização do Prefeito para cada
“lâmpada” ou “disjuntor” que precisava ser trocada.
101. Por todas essas razões, resta evidenciado que a
mera alusão genérica a inúmeros empenhos resultantes de dispensa de
licitação nos anos de 2009, 2010 e 2011 no Município de Salete, nos moldes
encetados na inicial, não se presta para configurar qualquer crime do art.
89 da Lei n. 8.666/93 por alegada violação ao artigo 24, I e II da Lei de
Licitações, razão pela qual deve ser julgada improcedente a denúncia,
com a consequente absolvição do Réu Juares.
III.4 – DENÚNCIA QUE SEM DESCREVER A EXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO DE LESAR O ERÁRIO, APONTA A SUPOSTA EXISTÊNCIA DE OUTROS FORNECEDORES APTOS A REALIZAR O OBJETO CONTRATADO E A OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ANTE A DIFERENÇA APURADA ENTRE O “PREÇO DE MERCADO” APURADO EM “LAUDO” UNILATERAL DO MPSC E OS VALORES PRATICADOS NAS CONTRATAÇÕES – ALEGADO SUPERFATURAMENTO VERIFICADO EM “LAUDO” PRODUZIDO POR SETOR DE PESQUISAS DO MPSC QUE PARTIU DE PREMISSAS FLAGRANTEMENTE EQUIVOCADAS – INEXISTÊNCIA DE PESQUISA DE MERCADO – COMPAREÇÕES REALIZADAS ENVOLVENDO EMPRESAS DE OUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO, SEM PRECISÃO DE OBJETO, SEM ATENTAR PARA A VARIABILIDADE DO PREÇO EM FUNÇÃO DA DISTÂNCIA ATÉ SALETE/SC, DISPOSIÇÃO DE COLABORADORES PARA EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS E RÁPIDO ATENDIMENTO DA DEMANDA –
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IMPRESTABILIDADE DO “LAUDO” – FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE SUPERFATURAMENTO OU DE DANOS AO ERÁRIO.
102. Para afirmar a existência do suposto prejuízo ao
erário22, o douto representante do Ministério Público baseou-se no “Laudo n. 7/2015/GAC/CIP” (fls. 655/663) e em planilhas elaboradas com dados extraídos do sistema “e-Sfinge” e “NFe SEFAZ” (fls. 677/998), todos produzidos pelo setor de pesquisas do Parquet.
103. Tal peça informativa objetivou responder aos
quesitos formulados pelo Procurador de Justiça Dr. Durval da Silva
Amorim em 31.10.13, quesitos estes que seguem (fls. 642/643):
“a) se existiam nos anos de 2009, 2010 e 2011 outras empresas na região capazes de fornecer os materiais e os serviços adquiridos diretamente da empresa supracitada;
b) se nos referidos anos o Município de Salete contratou diretamente
com outras empresas com objetos análogos aos adquiridos da sociedade empresária citada;
c) se houve superfaturamento na aquisição dos materiais e de serviços
da empresa JG Comércio de Materiais Elétricos Ltda ME, em comparação aos preços praticados no mercado, considerando a localidade de Salete/SC e o período compreendido entre 2009 e o mês de maio de 2011;
d) a relação dos empenhos constantes no presente procedimento,
separadamente, separados ano a ano (de 2009 a 2011), com o total dispendido em cada exercício financeiro e o local em que o objeto foi empregado ou o serviço prestado; e
22 Suposta variação entre o preço “de mercado” e os praticados nas contratações em voga em percentual médio de 21% em 2009 (representando R$1.007,37), de 17% em 2010 (representando o valor de R$1.473,86) e 25% no ano de 2011 (correspondendo ao valor de R$782,03).
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e) por fim, se é possível apurar a ocorrência de dano ao erário municipal diante das referidas compras diretas e sucessivas por dispensa de licitação”
104. O referido elemento indiciário (“laudo”) salientou que as respostas foram elaboradas a partir de informações
disponibilizadas pelo TCE, por meio de pesquisa no sistema “e-Sfinge”, e notas fiscais da Secretaria Estadual de Fazenda (e-NF), emitidas para entes
públicos em Santa Catarina.
105. No tocante ao item “a” e “b” supra, a peça informativa (“laudo”) explicitou ainda que a pesquisa de concorrentes da empresa JG foi realizada a partir de “expressões chave nos empenhos dos municípios integrantes da microrregião de Rio do Sul [...]. As expressões
pesquisadas foram retiradas dos empenhos emitidos para a empresa JG”. (fls. 657)
106. E quanto ao item “a” acima, concluiu:
“a) nos anos de 2009 a 2011 é possível identificar outros fornecedores de materiais e serviços na microrregião a qual pertence o Município de Salete pela descrição dos itens comercializados em municípios da mesma região. A título de exemplo pode-se citar os principais fornecedores que foram contratados por municípios da região, que somam 139, conforme Apêndice A” (fls. 657/658)
107. Contudo, os responsáveis pela elaboração do dito
“laudo” não colacionaram ao procedimento investigatório os dados concretos de que se embasaram, nem mesmo um “printscreen” dos espelhos alegadamente consultados.
108. Ao contrário, apenas elaboraram uma listagem de
139 supostos fornecedores hipoteticamente aptos a atender a demanda de
materiais e serviços do Município de Salete/SC (fls. 664/667).
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109. Mas será que estariam realmente aptos a atender
as especificidades saletenses? Teriam condições de rapidamente suprir, em
tempo hábil, as necessidades variáveis sem prejuízo à qualidade da
funcionalidade das salas, aparelhos e setores dos prédios municipais,
muitos dos quais, escolas? Conseguiriam, com a mesma velocidade,
agilidade e dinamismo da “JG”, sediada em Salete/SC (fls. 78), fornecer uma variada gama de produtos e serviços sem relegar a municipalidade a
esperas incompatíveis com a finalidade pública?
110. Obviamente que não. A empresa JG, conforme
dito acima, é sediada no Município de Salete/SC. Entretanto, a listagem de
fls. 664/667 não indica o local de sede dos supostos “139 fornecedores”. O que há é apenas a referência a uma “pesquisa” em sítio/sistema eletrônico sem nenhum dado que ofereça respaldo a tal conclusão.
111. Não obstante, as incongruências não se resumem
a esse ponto. Há uma incontornável falta de demonstração de que tais
empresas teriam condições de atender a demanda saletense.
112. Nas fls. 664/667 consta o rol de supostas
empresas fornecedoras na região, reputadas pelo setor de “pesquisas” do Ministério Público como aptas a prestar idênticos serviços e fornecer os
materiais em foco na ação penal.
113. Contudo, não se colacionou aos autos cópias dos
contratos sociais a fim de se verificar a identidade de objetos entre aquelas
e as contratações questionadas nesta ação penal. Na ausência de elementos
esclarecedores, poder-se-ia cogitar e inferir o ramo de dedicação pela
leitura do nome/razão social das empresas listadas. Mas os objetos não
coincidem com a razão/nome social, ou melhor, pela simples leitura desses
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dados acostados pela douta Acusação, não se pode constatar nem
minimamente que as empresas referidas poderiam realizar o objeto
contratual.
114. Ora, às fls. 664 do “laudo”, por exemplo, observa-se que dentre as empresas listadas como possíveis fornecedoras, constou a
“Librelato Implementos Agrícolas e Rodoviários Ltda” (item 35 da planilha). Entretanto, pela leitura do nome/razão social (base da conclusão
ministerial, na ausência de outros dados), não se pode antever a
coincidência de objetos.
115. Expressões vagas e lacunosas como “talvez”, “a priori”, ou a que efetivamente consta do “laudo” “foi possível constatar a existência de 139 outras empresas na região que, em tese, são capazes de
fornecer ...” (fls. 662) não podem ser admitidas, sobretudo por ter o efeito de incutir a falsa ideia de que mesmo com a “possibilidade” (indemonstrada pelo Parquet!!) de contratação de outras 139 empresas,
deixou-se de fazê-lo, o que não é verdade.
116. É que se “o processo criminal constitui, por si só, ônus para o réu, do qual deve ser desonerado com a maior celeridade
possível” já que “não só a sociedade deve ter resposta da jurisdição, mas também aquele que se vê processado” (STF, AP n. 568/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 14.04.2015), mostra-se inviável manter-se o
processamento de uma ação penal calcada em tão frágil dado informativo.
117. Ou se admite não se ter dados suficientes para
concluir pela possibilidade de fornecimento de materiais ou serviços pelas
empresas referidas e se arquiva o processo, ou, caso contrário, se
demonstra minimente o lastro indiciário que permite concluir pela
viabilidade.
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118. Veja-se que as divergências não se limitam ao
exemplo acima. O descompasso entre a razão social e objetos contratados
pela Prefeitura Municipal de Salete/SC também é visualizada quanto as
empresas listadas nos itens 01 (“eletrificação rural”), 05 (“campo e lavoura”), 12 e 13 (“refrigeração”), 18 (“limpeza”), 26 (“cimento”), 27 (“Celesc – Centrais Elétricas”), 30 (“dedetizações”), 38 (“indústria de máquinas”), 41 (“climatização”), 44 (“supermercado”), 50 (“rádios”), 51 (“persianas”), 60 (“Dedetização do Polaco”), 63 (“informática”), 67 (“telecomunicações”), 72 (“informática”), 78 (“refrigeração”), 80 (“mercado”), 81 (“indústria de máquinas”), 84 (“auto center” – automóveis...), 88 (“produtos agrícolas”), 101 (“propaganda”), 104 (“agropecuária”), 112 (“refrigeração”), 114 (“gastronomia”), 115 (“válvulas hidráulicas”), 121 (“agropecuária”), 134 (“pré-moldados”), 136 (“colchões”), nos quais não há nenhuma identificação de que efetivamente teriam condições reais de fornecer idênticos materiais e serviços.
119. Ora, a dissociação entre o objeto de possível
prestação pelos supostos fornecedores indicados e o objeto das
contratações questionadas na ação penal evidenciam a falta de total
credibilidade do laudo de fls. 655/663, porquanto fica bem evidente que se
partiu e se adotou premissas flagrantemente equivocadas, incapazes de
amparar uma persecução penal.
120. De outro lado, na mesma senda, os itens 19, 21, 22,
23, 31, 32, 33, 39, 40, 42, 45, 46, 48, 49, 52, 53, 55, 56, 57, 62, 73, 74, 75, 76, 77,
86, 92, 93, 95, 99, 100, 105, 109, 110, 118, 119, 122, 126, 128, 131, 133, 135, 139,
do rol de supostas empresas aptas a prestar os serviços e fornecer os
materiais não permitem vislumbrar quais espécies de materiais ou serviços
poderiam suprir. Não há nenhum dado concreto trazido pelo douto
Ministério Público capaz de identificar o ramo de sua atuação.
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121. Quando, em verdade, a pesquisa deveria ser
ampla e com identidade de objetos23. Entretanto, no caso, os dados
informativos colacionados pelo douto Parquet não tornaram clara eventual
similitude dos objetos licitados, pois, reitere-se, apenas forneceu razão
social de empresas e locais onde possivelmente prestaram serviços, sem
explicitar o local de sede, a abrangência de atendimento, e sobretudo o
objeto.
122. Com isso, restam infirmados os itens “a” e “b” do “laudo” de fls. 655/663.
123. Já em relação ao quesito “c” do despacho ministerial de fls. 642/643, correspondente ao item “c” do “laudo” (fls. 660/661), os dados informativos apresentados, segundo o douto Ministério
Público, revelariam suposto superfaturamento, haja vista a diferença entre
os preços praticados em Salete/SC e a “média dos preços praticados, no mesmo intervalo anual, nos demais entes públicos do Estado”. A alegada variação entre o preço “de mercado” e os praticados nas contratações em voga seria em percentual médio de 21% em 2009 (representando
R$1.007,37), de 17% em 2010 (representando o valor de R$1.473,86) e 25%
no ano de 2011 (correspondendo ao valor de R$782,03).
124. De pronto se verifica que a pesquisa realizada no
âmbito do Ministério Público não pode nortear a conclusão quanto à
existência de hipotético superfaturamento em comparação ao preço de
mercado.
23 TCU, TC-010.173/2004-9, Acórdão nº 7.049/2010, 2ª Câmara, item 9.2.10, DOU de 02.12.2010.
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125. É que, em primeiro lugar, o próprio laudo
pontuou que “a análise está limitada a disponibilidade e comparabilidade das informações analisadas com as bases de dados disponíveis” (fls. 657), ou, ainda, “utilizou-se as bases de dados do e-Sfinge (TCE/SC) e NFe (SEFAZ)” (fls. 660), fontes limitadas e que não refletem o preço de mercado.
126. Em contrapartida, a orientação prevalente para
comparação legítima de preços depende de “ampla pesquisa de preços no mercado e consulta a sistema” (TCU, Plenário, Acórdão nº 195/2003, 1060/2003, 463/2004, 1182/2004 Plenário, Acórdão nº 64/2004, 254/2004,
828/2004, 861/2004 Segunda Câmara). São pelo menos duas fontes:
consulta aos sistemas + consulta ampla no mercado.
127. No caso, não houve pesquisa de preços no
mercado. Muito menos “ampla pesquisa”. O cálculo ministerial, portanto, que alude a suposto superfaturamento e prejuízo ao erário no valor de R$
3.263,26 (três mil, duzentos e sessenta e três reais e vinte e seis centavos – fls. 04), abrangendo os anos de 2009 a 2011, não reflete a realidade.
128. Houve, assim, mera consulta a dados históricos
em sistemas, envolvendo fornecedores de cidades distantes do Município
de Salete/SC, inclusive de outras unidades da federação. Mas não pesquisa
de mercado.
129. Tema semelhante ao presente foi analisado no
bojo do Inquérito/Notícia Crime n. 9141185-05.2015.8.24.0000
(competência originária), de relatoria do Exmo. Des. Getúlio Corrêa,
Segunda Câmara Criminal, em julgamento finalizado em 01.11.2016, com
votos dos Desembargadores Sérgio Rizelo e Volnei Tomazini. Nele o eg.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina rejeitou denúncia e determinou o
trancamento da persecução penal. E o fez exatamente porque no bojo da
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investigação, por iniciativa do Ministério Público, houve cuidadosa e
zelosa pesquisa de preços sobre os serviços contratados mediante
dispensa de licitação. O Procurador de Justiça que presidiu tal PIC (Dr.
Durval Amorin) requisitou orçamentos de diversas empresas que
prestavam serviços semelhantes. A pesquisa foi ampla, voltada para o
passado e para o presente e indagava especificamente se as empresas
prestavam de forma efetiva serviços semelhantes, o preço que teria
praticado ao tempo dos supostos fatos, o valor unitário, o valor agrupado
em objeto único (se possível). Como as empresas consultadas responderam
negativamente e apresentaram valores exorbitantes, fez-se as comparações
de preços, e então o próprio Parquet requereu o arquivamento. Com a
mudança na presidência do Inquérito, outro Procurador de Justiça passou
a impulsionar o feito e, assim, ofertou denúncia com base no entendimento
de que o art. 89 da Lei de Licitações era crime de mera conduta. A Corte
Catarinense, porém, com lastro nas pesquisas de preço no mercado
realizadas pelo Ministério Público, trancou a ação penal em 01.11.16.
130. No caso em tela, dentre os supostos fornecedores
listados pelo douto Parquet, que a seu juízo, poderiam ser contratados,
constam diversas empresas que possuem sede ou filial fora e distantes do
Alto Vale do Itajaí, cujos custos de logística, transporte e disponibilização
de colaboradores elevariam em muito os preços inferidos pelo douto órgão
acusador.
131. Daí que o “laudo” de que se vale o Ministério Público não reflete corretamente o preço de mercado, pois se valeu de
dados de licita�