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TEORIA GERAL DO CONTRATO
Extinção dos contratos
Marco Antonio Trevisan
* PROIBIDA A REPRODUÇÃO, POR QUALQUER MEIO OU TÉCNICA, INCLUSIVE ELETRÔNICA,
DESTE TEXTO SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO AUTOR, SOB PENA DE PROPOSITURA DAS
MEDIDAS E AÇÕES CABÍVEIS, INCLUSIVE PENAIS.
SUMÁRIO
1.Noções gerais. 2.Quitação. 3.Denúncia. 4.Revogação. 5.Arrependimento. 6.Distrato.
7.Rescisão. 8.Cessação. 9.Nulidade e Anulabilidade. 9.1.Distinções e efeitos. 10.Resolução e
Resilição. 10.1.Inadimplemento: absoluto, relativo, adimplemento ruim, antecipado.
10.2.Efeitos da resolução e da resilição. 11.Outros modos.
1.Noções gerais
Os contratos se extinguem de diferentes formas. A cada uma destas formas – que podem
ou não trazer satisfação do crédito – dá-se um nome. Todavia, grassa na doutrina uma
confusão terminológica no que atine aos modos de extinção dos contratos: o que é resilição
para alguns, é distrato para outros, o que para alguns é causa de rescisão para outros é de
simples declaração de nulidade, e assim por diante1.
O certo é que são várias as causas que extinguem um contrato, e elas podem ser, de
acordo com a sistematização de JOSSERAND, contemporâneas à formação do contrato, i.e.,
o contrato já se forma com o motivo de sua extinção, e supervenientes à sua formação2.
Acrescentaríamos, ainda, causa anterior à contratação, i.e., causa preexistente ao nascimento
do contrato, como acontece com os casos que autorizam a rescisão do contrato, conforme
veremos.
2.Quitação
Embora não se confundam obrigação – em sua acepção técnico-jurídica –, e contrato –
este é fonte daquela –, o fato é que a extinção daquela faz com que, de forma oblíqua, o
contrato seja igualmente extinto3.
1 “A matéria da extinção dos contratos não se acha ordenada numa teoria geral que ponha termo à confusão proveniente inicialmente da terminologia usada na legislação e na doutrina, e, em seguida, das divergências e vacilações nos conceitos, classificações e distinções necessárias” (GOMES, Orlando. Contratos, 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 169).2 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, vol. III, 6ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 1996, p. 199.3 SERPA LOPES, Miguel Maria de, ob. cit., p. 200.
Assim, entre os modos de extinção das obrigações, e que portanto extingue o contrato
em que ela está inserida, figura a quitação, solução, execução ou o adimplemento, que é o
modo com o qual o contrato natural e normalmente se extingue4. Todavia, embora se diga que
a execução, quitação ou adimplemento do contrato põe-lhe um fim5, veremos que, analisando
o contrato como um complexo orgânico dirigido à total satisfação das partes nele envolvidas,
muitas obrigações – rectius, deveres – acabam por se tornar pós-eficazes.
A quitação não precisa seguir a forma do contrato a que se refere, pois o artigo 320,
caput, do Código Civil admite que a quitação “sempre poderá ser dada por instrumento
particular”, independentemente da forma que assumiu o contrato. Logo, não há, na quitação, a
a força atrativa de forma que existe no distrato (art. 472 do CC).
Mas a quitação ou pagamento se prova, também, por qualquer outro meio de prova,
inclusive pelas circunstâncias (presunções6), haja vista o disposto no parágrafo único do
artigo 320 do Código Civil. Assim, o devedor tem direito à quitação, que corresponde ao
instrumento com os elementos do artigo 320, caput, do Código Civil, podendo reter o
pagamento, na recusa do credor em entregá-la, ou se valer da ação de consignação em
pagamento (art. 335, I, do CC). Agora, o pagamento ou cumprimento da obrigação não se
prova necessariamente pelo instrumento de quitação (recibo), mas por qualquer outro meio de
prova (art. 320, par. único, do CC)7. Assim, permite-se “que o juiz possa, analisando as
circunstâncias do caso concreto e a boa-fé do devedor ao não exigir o recibo, concluir ter
havido pagamento e declarar extinta a obrigação”8.
4 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 169. Ainda, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, v. 3: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 154.5 “Executado o contrato, estão extintas, por via de conseqüência, as obrigações e direitos que originou” (GOMES, Orlando, ob. cit., p. 169).6 O próprio artigo 322 do Código Civil acena no sentido de se admitir a presunção como meio de prova de pagamento ou cumprimento de alguma obrigação. Por este dispositivo, se o pagamento for realizado em quotas periódicas – prestações ou parcelas –, o pagamento da última firma a presunção de que as anteriores foram solvidas, de forma que cabe ao credor provar o contrário (presunção juris tantum).7 “Entendemos que o parágrafo único diz respeito, indiretamente, à prova do pagamento, que pode ser feita por qualquer forma, bastando, conforme os usos, a entrega, ao solvens, de um cartão picotado, um tíquete, um carimbo ou equivalente ou um documento eletrônico. Assim sendo, devemos distinguir: uma coisa é a ‘regularidade’ da quitação; a outra é a sua ‘valência’, pois, na previsão do parágrafo único, ainda que sem os requisitos ora examinados, a quitação ‘valerá’, segundo os usos e costumes, ou as circunstâncias, apontarem ter havido pagamento” (MARTINS-COSTA, Judith. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Comentários ao novo Código Civil: do direito das obrigação: do adimplemento e da extinção das obrigações, v. 5., t. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 283).8 GONÇAVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, v. 2: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 261. Ainda, neste sentido, RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v. 2: parte geral das obrigações, 30ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 151: “Embora seja a prova mais completa do pagamento, não constitui a quitação a prova exclusiva, pois o cumprimento da prestação pode ser evidenciado por outros meios, tais como: as presunções (...), a confissão, o depoimento de testemunhas
Não incide, no que atine apenas à prova do pagamento (quitação), o disposto no artigo
401 do Código de Processo Civil, segundo o qual os contratos com valor superior ao décuplo
do maior salário mínimo vigente no país no tempo em que foram celebrados não podem ser
provados com prova exclusivamente testemunhal. O pagamento é um efeito do contrato, e não
o próprio contrato. Assim, se o contrato for provado por prova que não exclusivamente
testemunhal, o pagamento, por sua vez, poderá ser demonstrado por qualquer outro meio de
prova9.
3.Denúncia
A denúncia ou resilição unilateral (impedimento de efeitos por vontade de apenas uma
das partes) é a declaração emitida por um dos contratantes e recebida pelo outro contratante
que visa pôr “um ponto final” nos contratos que desenvolveriam, ainda, sua eficácia jurídica
não fosse a vontade contrária do denunciante.
Em duas situações é cabível a denúnicia ou resilição unilateral segundo o artigo 473 do
Código Civil: quando expressamente ou implicitamente admitida. Para determinados
contratos a lei atribui a um dos contratantes, expressamente, a possibilidade de denunciar o
vínculo contratual, extinguindo-o. Assim, admite-se expressamente a denúncia, e.g., no
contrato de prestação de serviço por tempo indeterminado, no qual qualquer das partes pode,
mediante prévio aviso à outra, extingui-lo (art. 599 do CC); na empreitada suspensa pelo dono
da obra, desde que indenize e pague, proporcionalmente, pelos serviços e materiais
empregados até então pelo empreiteiro (art. 623 do CC10); no contrato de depósito, em que o
depositante pode exigir, a qualquer tempo, a restituição da coisa móvel entregue ao
depositário (art. 633 do CC) etc.
Todavia, admite-se implicitamente a denúncia em todo contrato por tempo
indeterminado, dada a idéia de que ninguém é obrigado a se manter indefinidamente
vinculado a uma relação obrigacional.
A denúncia consiste num direito potestativo de desligar-se do contrato11, ou, conforme
etc.”9 Neste sentido: “Compra e venda de imóvel. Prova exclusivamente testemunhal. Cabimento. Artigo 401 do Código de Processo Civil. Prova do adimplemento do contrato e não da existência do contrato. Precedentes.A jurisprudência deste Tribunal se firmou no sentido de que a prova exclusivamente testemunhal é admitida para a demonstração do cumprimento de obrigações contratuais, não admitindo o artigo 401 do CPC tal prova tão-somente quando o objetivo for comprovar a existência do contrato em si”(STJ – AgRg no AG 487413-GO – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 18/3/2003 – v.u. – DJ 31/3/2003, p. 224).10 O referido dispositivo fala em suspensão da empreitada. A rigor, todavia, temos que neste caso há caso de denúncia, pois se evita a eficácia futura que o contrato ainda teria.11 BESSONE, Darcy, ob. cit., 250.
ensina PONTES DE MIRANDA, num “direito formativo extintivo”, i.e., um direito de,
unilateralmente, dar ensejo – “formar” – a extinção do contrato12. A denúncia não desconstitui
o contrato – seus planos de existência, validade e eficácia (esta já consumada) –, mas apenas
encerra o que ainda iria ocorrer13 (os efeitos que seriam, no futuro, produzidos), de sorte que,
“quem denuncia não desfaz; evita que se faça o que se poderia fazer”14.
A denúncia pode ser cheia ou motivada e vazia ou imotivada. No primeiro caso, a
denúncia só é possível quando fundamentada na ocorrência de algum fato, circunstância ou
condição elencados em lei. Assim, e.g., o locador, no contrato de locação residencial por
tempo indeterminado, pode denunciar a relação locatícia se pedir o imóvel para uso próprio
(art. 47, III, da Lei nº 8.245/91). No segundo caso – denúncia vazia ou imotivada – não se
requer fundamentação calcada em fato, circunstância ou condição prefigurados em lei. O
locatário, por exemplo, no contrato de locação residencial por tempo indeterminado, pode, a
qualquer momento, denunciar a relação locatícia, sem explicitar o motivo, desde que o faça
com trinta dias de antecedência (art. 6º da Lei nº 8.245/91).
Os efeitos da denúncia são sempre ex nunc15, pois não se apaga o passado, de sorte que
ela só opera a partir do momento em que for recebida pelo outro contratante. Assim, até “o
momento da vigência do contrato, isto é, até o decurso do prazo da denúncia da avença, todas
as obrigações do negócio continuam exigíveis”16.
O artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, inspirado na cláusula geral da boa-fé,
veda a denúncia sumária, ou seja, aquela que se realiza em tempo insuficiente para o outro
contratante evitar prejuízo. Assim, se a outra parte, por força do tipo e complexidade do
contrato, fez investimentos ou gastos que sequer foram, ainda, recuperados, a denúncia ou
resilição unilateral só terá efeitos depois de transcorrido prazo suficiente para tal. Assim, e.g.,
imagine-se a situação de um franqueado, num contrato de franquia, que celebra referido
contrato por tempo indeterminado. Por exigência do franqueador contrai uma série de
despesas com treinamento de funcionários, lay-out do estabelecimento etc. Mas poucos meses
depois o franqueador denuncia o contrato, de forma a acarretar prejuízo ao franqueado, que
não logrou, neste curto espaço de tempo, recuperar, pelo menos, o investimento que fizera.
Neste caso, a denúncia só surtirá efeitos depois de efetivamente transcorrido prazo suficiente
12 MIRANDA, Pontes de, Tratado de direito privado, t. 25, 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, § 3.081, nº 3.13 “A frase que se estava lendo foi lida. O que se quer, agora em diante, é não mais se escreva o que se ia escrevendo e escrito não fora” (MIRANDA, Pontes de, ob. cit., § 3.083, t. 25, nº 1)14 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., § 3.084, t. 15, nº 2.15 YANNADUONI, Graciela. In: STIGLITZ, Rubén S. (dir.), ob. cit., parte general, II, p. 81.16 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 501.
para o franqueado reaver, no mínimo, a importância despendida no investimento e, ainda, um
proveito ou lucro que do seu trabalho e empenho faz jus17.
4.Revogação
O contrato é uma realidade jurídica porque o Direito incidiu sobre um complexo de
fatos (suporte fático) trazendo-os ao mundo jurídico. Os fatos que desencadeiam a existência
do contrato, conforme vimos, são as manifestações de vontade das partes, que integram o
consentimento (proposta e aceitação).
A revogação, com efeito, é o modo de extinguir o contrato mediante a retirada de uma
destas manifestações de vontade, ou seja, “volta-se ao passado” para retirar a base sobre a
qual se assenta a existência do contrato. É como se, figurativamente, saíssimos de um prédio
e, do lado de foro, retirássemos um de seus pilares, fazendo-o ruir. Isto ocorre porque os
contratos revogáveis têm uma “brecha” que se mantém aberta para os fatos que lhe geraram a
existência, permitindo, com isso, que se retire eles18.
Com isso, volta-se ao estado anterior à contratação, uma vez que a revogação retira o
plano de existência do contrato.
A revogação se assenta na confiança como móvel determinante da celebração de
determinados contratos19, e é modo de extinção que se verifica nos contratos unilaterais20,
sempre, todavia, assentado sobre dois pressupostos: vontade unilateral da parte que quer
extinguir (revogar) o contrato, e autorização expressa da lei para fazê-lo21.
Não se impõe indenização pelos simples ato de revogar, embora a lei possa impor esta
obrigação, não, todavia, como corolário da revogação22. Ademais a revogação, como o
exercício de qualquer outro instituto contratual, deve-se fazer nos limites da boa-fé, sob pena
de se caracterizar o abuso de direito (art. 187 do CC) e, por conseguinte, impor o dever de
indenizar. Assim, a revogação do mandato (art. 682, I, do CC) quando, embora ainda não
executado qualquer ato em nome do mandante, o mandatário já iniciou atividade tendente a
17 “O critério legal é o de proporcionar à parte prejudicada pela resilição unilateral a obtenção do objetivo previsto no contrato, de acordo com a natureza do contrato e dos investimentos realizados” (PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit., p. 153-154).18 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.075, nº 1.19 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 187. Neste sentido, ainda, WALD, Arnoldo, ob. cit., p. 295; e VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 501: “Como a confiança no outro contratante pode cessar no curso do contrato, permite-se que unilateralmente somente um dos contratantes dê por terminada a avença, obedecendo-se a trâmites específicos”.20 STIGLITZ, Rubén S. In: STIGLITZ, Rubén S. (dir.), ob. cit., parte general, II, p. 60.21 YANNADUONI, Graciela. In: STIGLITZ, Rubén S. (dir.), ob. cit., parte general, II, p. 82.22 “As leis podem estabelecer que, exercendo o poder de revogar, o revogante indenize. Esse plus não desvirtua o ato revocatório, que apenas se faz dependente da prestação, ou, o que mais se ajusta à espécie, dá ensejo à pretensão do outro figurante à indenização” (MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.075, nº 2).
trazer proveito àquele, impõe ao mandante que o revoga o dever de indenizar ou pagar uma
justa remuneração pelo início, pelo menos, proveito da execução do mandato.
A revogação pode ser livre ou imotivada, e pode ser dependente ou motivada. No
primeiro caso, o manifestante pode revogar a qualquer momento e sem que exista um
pressuposto fático ou jurídico para tanto. Assim, e.g., o mandante pode, a qualquer momento
(observada a boa-fé, conforme vimos) e injustificadamente, revogar o mandato. No segundo
caso, ao contrário, a lei impõe a verificação de um motivo ou circunstância, como no caso da
doação, na qual cabe a revogação apenas pelo descumprimento do encargo ou se houver
ingratidão do donatário (art. 555 do CC).
Os efeitos da revogação podem ser ex nunc ou ex tunc. Assim, segundo preleciona
PONTES DE MIRANDA, quem “revoga podêres outorgados que já foram em parte exercidos
sòmente revoga ex nunc” (sic)23. Já na doação, a revogação com relação à propriedade do bem
doado é ex tunc, e ex nunc com relação ao uso dele24, pois não há como, fisicamente, o
donatário devolver o uso que fez da coisa.
5.Arrependimento
O arrependimento constitui uma forma de extinguir o contrato mediante a manifestação
unilateral da vontade de um dos contratantes. Todavia, dado que a medida constitui uma
exceção ao pacta sunt servanda, apenas em hipóteses excepcionais ela é admitida.
O direito de arrependimento pode ser estabelecido pela vontade das partes, no contrato,
ou por lei. Em se tratando de um arrependimento derivado de cláusula contratual, “o seu
exercício deve ter lugar dentro no prazo estipulado, ou, se tal não houver sido previsto, antes
da execução do contrato, pois o adimplemento deste importa em renúncia tácita ao
arrependimento”25.
Embora não se imponha forma ao arrependimento, é necessário que ele resulte de
comportamentos ou fatos inequívocos naquele sentido, não devendo reputar-se como tal o
simples descumprimento26.
Existem formas de arrependimento que derivam diretamente da lei. A primeira delas é a
prevista no artigo 420 do Código Civil, o qual disciplina a figura das arras penitenciais, que
já tratamos em capítulo próprio. Neste caso, conforme vimos, o arrependimento gera a perda
do sinal dado – se quem se arrepende foi quem o pagou –, ou a sua devolução em dobro – se
quem se arrepende foi quem o recebeu, sem, todavia, falar-se em indenização suplementar, se
23 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.075, nº 3.24 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.077, nº 1.25 SERPA LOPES, Miguel Maria de, ob. cit., p. 205.26 MORRISON, Cynthia. In: STIGLITZ, Rubén S. (dir.), ob. cit., parte general, II, p. 68.
houver prejuízo que excede a simples quantia das arras (art. 420 do CC).
E, enfim, uma última hipótese de arrependimento legal, é aquela prevista no artigo 49
do Código de Defesa do Consumidor. Segundo este dispositivo, quando a contratação se der
fora do estabelecimento comercial do fornecedor – sobretudo por telefone ou em domicílio –,
poderá o consumidor desistir do contrato no prazo de sete dias a contar da sua assinatura ou
da entrega do bem ou serviço.
Esta direito, no CDC, “tem caráter incondicionado, podendo ser exercido pelo seu
titular em quaisquer circunstâncias, sejam ou não os produtos de boa qualidade”27.
Tratando-se de norma de ordem pública, não se admite a renúncia do consumidor a este
direito28.
Não cabe o direito de arrependimento quando há inutilização da coisa adquirida com o
contrato29. Ademais, sempre que o consumidor agir como proprietário do produto (como, e.g.,
usando-a), manifesta, tacitamente, a intenção de não mais se arrepender30.
O prazo de sete dias é contado da assinatura do contrato – formação do contrato –, se o
produto for entregue nesta mesma data, ou a partir da entrega do produto, se este for entregue
em data posterior à assinatura do contrato, haja vista que “as compras por catálogo ou por
telefone são realizadas sem que o consumidor esteja preparado para tanto, e, ainda, sem que
tenha podido ter acesso físico ao produto”31.
A regra, todavia, não pode tolerar o abuso, pois a lei requer, conforme vimos no
capítulo relativo aos regimes contratuais, a harmonia nas relações de consumo (art. 4º, caput,
e inciso III, do CDC), e não, a título de proteger o mais fraco, torná-lo o mais forte. O espírito
do artigo 49 do CDC é proteger as abordagens agressivas e inesperadas que tomam de
surpresa o consumidor, que lançam mão de uma técnica muito eficaz de persuasão empregada
por vendedores especialmente treinados pelos fornecedores, e que não permitem ao
consumidor uma reflexão sobre a contratação ou uma análise mais detida das características
do produto ou do serviço32. Assim, a nosso ver, toda vez que a contratação partir da iniciativa
do consumidor, por qualquer meio que não a sua presença física ou estabelecimento comercial
do fornecedor, não incidirá a regra do artigo 49 do CDC.
Conforme dispõe o artigo 49, parágrafo único, do CDC, o consumidor, exercendo o
27 AMARAL JUNIOR, Alberto do. In: OLIVEIRA, Juarez (coord.), ob. cit., p. 188.28 AMARAL JUNIOR, Alberto do. In: OLIVEIRA, Juarez (coord.), ob. cit., p. 188.29 AMARAL JUNIOR, Alberto do. In: OLIVEIRA, Juarez (coord.), ob. cit., p. 188-189.30 AMARAL JUNIOR, Alberto do. In: OLIVEIRA, Juarez (coord.), ob. cit., p. 189.31 NERY JUNIOR, Nelson. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et alii, ob. cit., p. 325.32 Este é, fundamentalmente, o espírito da norma: coibir a contrato celebrado sem a reflexão necessária do consumidor. Neste sentido, vide GONÇALVEZ, Carlos Roberto, ob. cit., p. 160.
direito de arrependimento, faz jus à restituição do preço que pagou corrigido monetariamente.
Ademais, segundo NELSON NERY JÚNIOR, as despesas com frete, postagem e quaisquer
outros custos com a entrega do produto ao consumidor ficam a cargo do fornecedor, “por
conta do risco negocial da empresa. O fornecedor que opta por práticas comerciais mais
incisivas, como as vendas a domicílio ou por marketing direto, isto é, fora do estabelecimento
comercial, corre o risco do negócio, de modo que não tem o quê nem do quê reclamar se a
relação jurídica é desfeita em virtude do arrependimento do consumidor”33.
Hoje, buscando os fornecedores a reduzir custos com a contratação, de um lado, e
querendo incrementar o volume de vendas, cresce cada vez mais a “busca” pelo consumidor,
em sua casa, trabalho etc. Assim, as operações de telemarketing, que consistem em
telefonemas pelos quais se oferecem uma infinidade de produtos e serviços ao consumidor
subsumem-se no artigo 49 do CDC, já que há provocação do fornecedor e, se houver
contratação, ela se dará fora do seu estabelecimento comercial. O mesmo já não se sustenta se
o consumidor tomar a iniciativa de telefonar e adquirir um produto ou serviço, pois, neste
caso, deixa de existir, no caso, o motivo ou finalidade para a qual a regra foi criada: a
irreflexão do consumidor, vale dizer, a vedação das abordagem que tomam o consumidor em
momento no qual não está preparado para refletir sobre o consumo de um produto ou serviço.
Nos contratos eletrônicos, sobretudo nos contratos celebrados virtualmente (internet),
há situações em que a regra incide, e outras em que se afasta a sua incidência, tudo a depender
de quem foi a iniciativa do consumo. Assim, se o consumidor acessa a home page do
fornecedor e lá adquire algum produto ou serviço, a iniciativa do consumo foi dele,
consumidor, de forma que não se poderá sustentar um direito de arrependimento. Se o produto
recebido não corresponder a descrição, imagem, desenho ou características informados na
home page, haverá vício de qualidade (ou vício intrínseco ou vício consistente na disparidade
entre informação e realidade do produto – art. 18 do CDC), mas não hipótese que enseje o
direito do consumidor se arrepender.
Outra é a situação quando se emprega o uso dos chamados banners ou pop-ups –
aquelas pequenas janelas que se abrem enquanto o usuário acessa determinada home page.
Conforme vimos no capítulo relativos ao contratos eletrônicos, por força dos mecanismos que
se empregam na confecção das páginas no ambiente virtual, é possível acompanhar as
33 NERY JUNIOR, Nelson. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et alii, ob. cit., p. 328. Neste mesmo sentido, NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, ob. cit., p. 561: “Como de um lado o risco do empreendimento é do fornecedor, que vende e entrega do produto ou serviço com a possibilidade legal da devolução, e como o efeito da desistência é ex tunc, toda e qualquer despesa necessária à devolução do produto ou serviço é de responsabilidade do vendedor, inclusive transporte, caso seja preciso”.
preferências do consumidor, de modo que o consumidor pode ser surpreendido, quando
acessa uma home page qualquer (nem sempre comercial), por um banner que, se “clicado”, o
conduz a outra home page e, lá, para a aquisição de um produto ou serviço. Neste caso, a
pressão, embora não-presencial (menos intensa, é verdade), e a surpresa tornam a iniciativa do
fornecedor o elemento desencadeador do direito do consumidor se arrepender nos termos do
artigo 49 do CDC.
O spam – envio de e-mail pelo fornecedor com publicidade ou propaganda de produtos
ou serviços – embora seja recriminado na prática, não confere ao consumidor o direito de
arrependimento, pois o spam pode ser equiparado a uma mala-direta, catálogo, folder ou
folheto publicitário que é enviado para a casa do consumidor. Nele apenas está a se fazer
oferta de algum produto ou serviço, de forma que, se o consumidor não se interessar, nem por
isso estará sendo pressionado a compra ou adquirir. O spam só se reputa ilícito quando,
associado a ele, o fornecedor empregou alguma técnica invasiva à privacidade do
consumidor, conforme vimos no capítulo relativos aos contratos eletrônicos.
A questão, resumidamente, põe-se sem termos de iniciativa e pressão para o consumo.
6.Distrato
O distrato é um acordo entre as partes contratantes, pelo qual elas extinguem o contrato,
i.e., é vontade bilateral dirigida expressamente à extinção da relação contratual. Trata-se,
como alude a doutrina, de um “contrato para extinguir outro”34, desvinculando
definitivamente as partes contratantes.
O distrato denomina-se, também, resilição bilateral, ou seja, impedimento de eficácia
(“trancamento” da eficácia) por força do acordo das duas partes.
Assim, a mesma vontade que criou o contrato volta-se, agora, contra ele, para extinguir
o seu efeito fundamental: o vínculo entre as partes35. Logo, embora se fale em extinção do
contrato, o distrato opera no plano da eficácia, de forma que se mantém intacta a existência e
a validade do contrato36, pois, de regra, sobretudo nos contratos de execução sucessiva ou de
trato sucessivo37, o distrato tem efeitos ex nunc, ou seja, “a partir do momento em que se
34 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 184. Aliás, este autor reputa o distrato uma resilição bilateral, ao contrário da resilição unilateral que seria, e.g., a denúncia.35 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. 3: contratos: declarações unilaterais de vontade: responsabilidade civil. 11ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 151.36 Assim, “quem distrata não resolve, nem rescinde. Não resolve, porque nada se solve, resolve, ou dissolve: o que era continua, mas sem efeitos. O distrato esteriliza os negócios jurídicos, sem os desfazer, nem os abrir (rescindir)” (MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.078 nº 1).37 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.075, nº 3.
ajusta, não retroagindo para alcançar as conseqüências pretéritas, que são respeitadas”38.
Aliás, conforme observa CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, se foi efetuado o distrato de
um contrato no qual se operou a transmissão por força da qual foi devido algum tributo
(imóvel, e.g.), o distrato vai operar uma segunda transmissão – agora do comprador para o
vendedor – e, conseqüentemente, vai ser devido novo tributo39.
Todavia, sendo o distrato um novo consenso ou acordo das partes – agora para extinguir
o contrato –, podem elas ajustar em sentido contrário, ou seja, podem eliminar todos os efeitos
pretéritos produzidos pelo contrato, conferindo, conseqüentemente, efeitos ex tunc ao
distrato40.
Convém observar, no entanto, que qualquer que seja o efeito do distrato, ele não atinge
os terceiros que adquiriram direitos em virtude da existência do contrato extinto41. Ademais, o
contrato que já foi executado – e portanto extinto pela quitação – torna logicamente incabível
o distrato42. Daí que para DARCY BESSONE não seja cabível o distrato nos contratos de
execução imediata43, pois neste caso a obrigação é cumprida instantaneamente no momento da
celebra;áo do contrato.
A lei impõe um requisito formal ao distrato: ele deve serguir, necessariamente, a forma
38 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. 3: contratos: declarações unilaterais de vontade: responsabilidade civil. 11ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 152. Cfr., ainda, SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil, vol. 3, 6ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 1996, p. 202. Ainda, neste sentido, CARVALHO SANTOS, João Manuel de. Código Civil brasileiro interpretado, vol. 15, 10ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 1982, p. 264: “O distrato, porém, produz efeitos ex nunc e não ex tunc, vale dizer – só produz efeitos para o futuro e não retroage aos efeitos anteriormente produzidos, quer em relação às partes, quer a terceiros”.39 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. 3: contratos: declarações unilaterais de vontade: responsabilidade civil. 11ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 152.40 “Tratando-se de um novo acordo de vontades, extintivo do contrato, nele os distratantes disporão, como lhes convier, sobre os efeitos futuros, ou retroativos da resolução. No silêncio das partes, tais efeitos serão ainda ex nunc” (BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 251). Ainda, neste mesmo sentido, VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 500.41 “APELAÇÃO CÍVEL. CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. Cheque dado em pagamento a empreiteiro. Realização de distrato, sem referência à existência dos títulos em poder do empreiteiro, ou de que este se obrigaria à sua restituição em face da resolução do negócio. Dando-se a transmissão regular pela tradição a terceiro de boa-fé, não pode contra este ser alegado qualquer vício do negócio subjacente. Caso concreto. Sentença mantida por seus próprios fundamentos”.(TJRS – Ap. Cível 70007970239 – 16ª Câm. Cív. – Rel. Dês. Helena Ruppenthal Cunha – j. 17/3/2004 – v.u.)42 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 184. Neste sentido, GONÇALVEZ, Carlos Roberto, ob. cit., p. 180: “Contrato extinto não precisa ser dissolvido. Se já produziu algum efeito, o acordo para extingui-lo não é distrato, mas outro contrato que modifica a relação”.43 BESSONE, Darcy, ob. cit., p. 251. Neste mesmo sentido, YANNADUONI, Graciela. In: STIGLITZ, Rubén S. (dir.), ob. cit., parte general, II, p. 77.
do contrato que será distratado (art. 472 do CC). Trata-se do princípio da simetria da forma44.
No Código Civil de 1916, impunha-se que o distrato se fazia pela mesma forma do contrato.
O Código de 2002 fala que o distrato deve seguir a forma exigida para o contrato que será
desfeito. Logo, só se aplica o princípio da simetria da forma (ou atração da forma) para o
distrato daqueles contratos aos quais a lei impõe uma forma45, ou seja, aos contratos formais
ou solenes, pois nestes a lei exige forma, de modo que o distrato deverá seguir a mesma,
admitindo-se, ainda, que o distrato, nesta hipótese, derive de um fato, como, e.g., a restituição
de tudo quanto os contratantes receberam um do outro (distrato tácito)46. Mesmo sob a égide
do Código Civil anterior a jurisprudência assim já se pronunciava47. Assim, por exemplo,
celebrado um contrato de compra e venda de imóvel, que necessarimente requer escritura
pública (art. 108 do CC), o respectivo distrato deverá, também necessariamente, seguir esta
forma (art. 472 do CC). Por outro lado, celebrado um contrato de compra e venda de um
automóvel, ainda que as partes adotem a escritura pública ou particular, o distrato poderá
44 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.079, nº 1.45 GONÇALVEZ, Carlos Roberto, ob. cit., p. 180.46 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 184. Neste sentido, ainda, PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit., p. 152: “A prática dos negócios sugere exame de situações especiais, onde falta a observância desse requisito. Por acordo sumário, as partes desfazem-se do contrato, independentemente de obediência à forma: um comerciante que restitui mercadorias ao fornecedor; um locatário que desocupa a casa antes de findo o prazo; o mutuário que antecipa a solução da obrigação etc. Embora não se observe a exigência formal, vale a atitude contrária, porque está em jogo o puro interesse das partes”. Conforme observa SILVO DE SALVO VENOSA, “nestes casos, em que o desfazimento do contrato revela-se por atos materiais, não se questiona a validade do distrato, ainda que não se obedeça à forma originária (VENOSA, Silvio de Salvo, ob. cit., p. 500). 47 “Só é de exigir-se tenha o distrato a mesma forma do contrato quando exigida para validade desse” (STJ – AGA 214778-SP – 3ª Turma – Rel. Min. Eduardo Ribeiro – j. 25/10/99 – v.u. – DJ 8/3/2000, p. 109).“Civil. Processual. Compromisso de compra e venda. Distrato.1.Quando para o contrato não exige a lei solenidade própria, o seu distrato pode ser feito por forma diversa, até verbalmente ou, mesmo, decorrer de fato que dispense expressa manifestação de vontade dos pactuantes.(...)”(STJ – REsp 5317-RS – 3ª Turma – Rel. Min. Dias Trindade – j. 30/4/91 – v.u. – DJ 3/6/91, p. 7.421).“Locação – Aluguel – Fixação por acordo das partes – Índice diverso do contratualmente estabelecido – Irrelevância – Prevalência do substituto.A adesão resignada do devedor ao novo indexador há de ser interpretada com distrato do anterior, pois para tanto, não é exigível expressa e direta manifestação volitiva, reduzida a escrito em forma solene, mas qualquer fato comportamental que o induza”.(2º TACivSP – Ap. c/ Ver. 369.212 – 5ª Câmara – Rel. Juiz Alves Bevilácqua – j. 13/9/1994).“Locação – Distrato – Forma – Obediência àquela do contrato – Desnecessidade.O artigo 1093 – agora art. 472 – do Código Civil, que determina se faça o distrato pela mesma forma do contrato, não pode ser interpretado literalmente, observando-se, na prática, até distratos verbais. O distrato deve se revestir da mesma solenidade do contrato, apenas quando a lei prescreve forma determinada para este”.(2º TACivSP – Ap. 178.255 – 3ª Câmara – Rel. Juiz Debatin Cardoso – j. 12/3/1985, JTA (RT) 98/180).
ser realizado por escrito, verbalmente ou tacitamente (devolução do automóvel e do preço), já
que neste caso, sendo livre a forma do contrato, não se adota o princípio da simetria da forma.
Todas as regras impostas ao contrato distratado, sobretudo as atinentes aos seus
requisitos, impõem-se, em igual medida, ao próprio distrato48.
É possível o distrato do distrato, de sorte que o contrato distratado retoma a sua eficácia
(efeito repristinatório), assim como o pré-contrato ou compromisso de distrato, pelo qual as
partes ajustam que, futuramente, irão distratar49.
7.Rescisão
Para SERPA LOPES, rescisão é um modo de extinção dos contratos por força da
nulidade50, para ORLANDO GOMES é medida cabível em caso de lesão (usura real)51. Tudo
isto é prova da já citada confusão terminológica presente na doutrina quanto aos modos de
extinção dos contratos.
A rescisão, todavia, conforme lição de PONTES DE MIRANDA, é a desconstituição do
contrato, retirando-o do mundo jurídico através de uma cisão (desfazimento, corte, abertura)
que volta ao passado “rasgando” ou “cortando” todo o contrato em busca e por força de um
“mal” (causa) encontrado em seu suporte fático52. Assimm, “a ‘rescisão’ constitui modalidade
de abertura do negócio jurídico ante defeito anterior à contratação, como deflui do chamado
vício oculto (...) ou do objeto”53.
Com a rescisão retira-se o plano da existência do contrato, uma vez que, no que toca aos
vícios ocultos ou redibitórios, em que a rescisão é cabível, “não se pode fazer retomar,
redhibere, sem se entrar, cortando, sem se rescindir. Não se permanece por fora, no plano da
eficácia; é no plano da existência que se desconstitui”54.
Logo, constatado que no suporte fático encontra-se a “causa do mal” (proposta e
aceitação com relação à venda de uma coisa que contém vício), o contrato, por força disto, vai
se desfazer como, figurativamente, o prédio que é implodido – e que se desfaz a partir do
último andar – em virtude de um defeito detectado em sua fundação.
Assim, a rescisão só é cabível não apenas no caso do vício redibitório ou oculto, mas no
caso da evicção, pois antes do contrato encontra-se, neste último caso, o motivo da sua
desconstituição: o direito preexistente de terceiro.
48 CARVALHO SANTOS, João Manuel de, ob. cit., p. 264.49 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.080, nº 3.50 SERPA LOPES, Miguel Maria de, ob. cit., p. 201.51 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 188.52 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.086, nº 4.53 ASSIS, Araken, ob. cit., p. 77.54 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.095, nº 1
Com efeito, trata-se de uma erronia referir à rescisão no caso de inadimplemento do
devedor, pois, neste caso, o fato que acarreta a extinção do contrato – inadimplemento – é
posterior, e não anterior ao contrato.
8.Cessação
A cessação, conforme a entede ORLANDO GOMES, é o modo de extinção dos
contratos por força da morte do devedor, operando-se, apenas, quando se trata de um contrato
personalíssimo, pois do contrário as obrigações do de cujus passarão para os herdeiros55. À
morte deve se equiparar a incapacidade superveniente do devedor, como, e.g., a interdição, de
sorte que o contrato – sendo impessoal – será executado pelo curador, ou cessará – sendo
personalíssimo56.
9.Nulidade e Anulabilidade
Os casos que geram a invalidade do contrato (nulidade ou anulabilidade) foram vistos
no capítulo referente aos requisitos e elementos do contrato. Todavia, agora cumpre apontar
quais daqueles casos importam em nulidade e quais importam em anulabilidade.
A nulidade é vício insanável, nem mesmo o decurso do tempo a convalesce, de sorte que ação
respectiva é imprescritível57.
A diferença entre os dois vícios de invalidade – nulidade e anulabilidade – refere-se ao
bem jurídico que visam proteger. Quando se procura evitar a violação a norma de ordem
pública, que tem nítido interesse social, a lei comina a nulidade; ao passo que a tutela de
interesse meramente individual, particular, que atine tão-somente ao interesse das partes, dá-
se por meio da anulação58.
A própria lei – fazendo juízo dos casos em que há interesse público ou privado –
encarregou-se de apontar os casos de nulidade e anulabilidade do contrato. Assim, são
primeiramente nulos os contratos em que a) há incapacidade absoluta de um ou ambos os
contratantes; b) o objeto for ilícito, impossível ou indeterminado; c) o motivo determinante,
comum a ambas as partes, for ilícito; d) a forma imposta pela lei não for atendida; e) for
preterida solenidade legal; f) houver fraude à lei; g) a lei taxativamente o declarar nulo ou
proibir-lhe a celebração (art. 166 do CC) e g) há simulação (art. 167 do CC). São anuláveis os
contratos em que a) há incapacidade relativa de um ou ambos os contratantes e b) houver erro,
dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores (art. 171 do CC).
A última hipótese do artigo 166 do CC contempla, conforme vimos, o contrato que a lei
55 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 189.56 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 189.57 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 191.58 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 192.
declara expressamente nulo, ou o contrato cuja celebração é proibida ou vedada pela lei. No
primeiro caso estamos diante da nulidade textual (e.g., art. 497 do CC), ao passo que no
segundo caso estamos diante dos contratos contrários a lei – contratos ilícitos ou ilegais – que
vão de encontro à proibição legal, de sorte que se manifesta a nulidade virtual59 (e.g., art. 711
do CC, pelo qual, no contrato de agência, o proponente, que encarrega o agente de efetuar
certos negócios com ou sem distribuição de coisas, não pode, salvo convenção em contrário,
constituir mais de um agente para a mesma zona. Se o fizer, contra a proibição legal
expressa, o contrato será nulo – art. 166, VII, parte final, do CC) .
Na contrariedade à lei, incluem-se, entre outros, à inobservância das exigências e
limites da autonomia da vontade, e o desrespeito a princípio jurídico60 – sobretudo contratual
– que condense interesse público ou social.
9.1.Distinções e efeitos
A nulidade é vício insanável, nem mesmo o decurso do tempo a convalesce, de sorte
que a ação respectiva é imprescretível61.
Embora possa ser conhecida de ofício, falta a uma das partes, às vezes, legitimação para
invocar a nulidade62. Aplica-se aqui a máxima segundo a qual ninguém pode se aproveitar da
própria torpeza, de sorte que quem provoca a nulidade de um contrato não pode, depois,
postular-lhe a declaração.
A nulidade pode ser reconhecida apenas parcialmente em algum contrato, assim como
pode-se declarar a nulidade de apenas uma das cláusulas, não infirmando, assim, toda a
relação jurídica contratual, haja vista o princípio da conservação do contrato63, indiretamente
referido no artigo 184 do CC.
No que atine à anulabilidade, impõe-se, também, a legitimação, sendo que apenas a tem
aquele em favor de quem se comina ao contrato este tipo de invalidade64.
A anulabilidade pode ser objeto de convalescença e a nulidade de conversão. Haverá
convalescença da anulabilidade na (a) confirmação; na (b) convalidação e na (c) decadência65.
A confirmação nada mais é do que a ratificação, i.e., a renúncia, subentendida, de se
invocar a invalidade do contrato66. Ela pode se dar expressa ou tacitamente; naquela forma
59 MESSINEO, Francesco, ob. cit., tomo II, p. 264.60 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 193.61 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 191. Cfr., ainda, MESSINEO, Francesco, ob. cit., tomo II, p. 271. 62 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 194.63 MESSINEO, Francesco, ob. cit., tomo II, p. 278.64 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 194.65 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 194.66 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 194.
quando as partes, fazendo remissão à invalidade do contrato, repisam toda a substância do
contrato e declaram peremptoriamente a intenção de ratificá-lo (art. 173 do CC); nesta forma
quando as partes, cientes da invalidade, cumprem, ainda que em parte, o contrato (art. 174 do
CC).
Já a convalidação é a forma de convalidar a anulação mediante a superveniência de um
requisito que faltara no momento da celebração, desde que o suprimento desde requisito seja
possível na fase posterior – execução – à formação do contrato67. O artigo 496 do Código
Civil diz ser anulável venda feita por ascedente a descedente se obtenha o consentimento dos
demais descedentes e do cônjuge do vendedor, se não forem casados sob o regime de
separação total de bens. Mas, neste caso, se os descedentes e o cônjuge do vendedor que não
consentiram no momento da celebração do contrato prestam sua anuência em momento
posterior, a anulabilidade passa a ser convalidada.
E, enfim, a decadência do direito de postular a anulação do contrato convalesce a
anulabilidade. Assim, se não for proposta a ação para anular contrato em que o consentimento
estava viciado (erro, dolo ou coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores) no
prazo de quatro anos (art. 178 do CC68, convalescer-se-á a invalidade.
A conversão do contrato nulo é a possibilidade deste contrato produzir efeitos de um
contrato diverso, próximos ou similares aos efeitos que o nulo produziria69. Segundo
ORLANDO GOMES, dois são os requisitos para se operar a conversão: a) que o contrato
nulo contenha todos os requisitos e elementos do contrato convertido e b) indiferença das
partes, desde o momento da celebração do contrato nulo, celebrar ele ou o convertido70, i.e.,
relativamente a este último requisito, o que se quer dizer é que o resultado prático deverá ser
67 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 195.68 Por força do referido dispositivo, existem três formas de contagem deste prazo, dependendo do tipo de vício que inquina o contrato. Assim, se se tratar de coação, o prazo de quatro anos se inicia a partir do momento em que cessar a ameaça, nos casos de erro, dolo, estado de perigo e lesão, o prazo se inicia a partir da celebração do contrato, e na incapacidade relativa, a partir do dia em que cessar a incapacidade.69 “Na noção geral de conversão o essencial está na idéia de admitir a substituição de um negócio jurídico por outro, em razão da invalidade do substituído, e no intento de proteger e manter a relevância jurídica da declaração de vontade que lhe deu origem. (...) Assim, se poderá conservar útil a atividade negocial, sob outra roupagem jurídica, mas com fidelidade aos mesmos desígnios práticos” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao novo Código Civil, v. 3, t. 1: dos defeitos do negócio jurídico ao final do Livro III. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 533).70 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 195. Neste mesmo sentido, MESSINEO, Francesco, ob. cit., tomo II, p. 274: “El contrato nulo puede ser ‘convertido’, esto es, puede producir los efectos de um contrato distinto, cuyos requisitos de sustância y de forma posea, con tal que, habida consideración del fin perseguido por lãs partes, haya de considerarse que ellas lo habrían querido si hubieran conocido la nulidade”.
igual ou bem similar em qualquer um dos contratos (o nulo ou o convertido), de forma que há
uma “vontade presumida das partes voltada para o negócio substituto”71.
Com exclusão da conversão, o contrato nulo não é passível de ratificação, de sorte que a
nulidade é insanável. As partes, se querem ainda assim contratar nos termos da avença nula,
devem celebrar novo contrato72.
A nulidade precisa necessariamente ser declarada judicialmente para extinguir o
contrato, pois até lá o contrato produz efeito que, embora não sejam jurídicos mas tão-
somente fáticos, têm aparência jurídica73. A nulidade é declarada por sentença (sentença
declaratória)74. Entretanto, conforme lição de PONTES DE MIRANDA, embora declaratória
com relação à falta de eficácia (efeitos jurídicos), a sentença é constitutiva negativa (ou
desconstitutiva) com relação à existência do contrato75.
Conforme preleciona, neste diapasão, ORLANDO GOMES, “o contrato anulável, ao
contrário do contrato nulo, subsiste enquanto não decretada sua invalidade por sentença
judicial proferida na ação proposta pela parte a quem a lei protege. O contrato nulo não
produz qualquer efeito; é, segundo feliz expressão, um natimorto. Para a nulidade se
reconhecida, não é preciso provocação. Ao juiz cabe pronunciá-la de ofício”76.
Em ambos os casos de invalidade (nulidade ou anulabilidade) as partes voltam ao estado
anterior à contratação (art. 182 do CC). Todavia, esta regra sofre restrições em se tratando de
invalidade proveniente da incapacidade de um dos contratantes. O artigo 181 do CC veda que
se reclame o que foi pago ou entregue a um incapaz por força de um contrato inválido, se não
for provado o preveito deste.
10.Resolução e resilição
A resolução, para SERPA LOPES, é um modo de extinção dos contratos por força da
superveniência de um evento condicional77, que pode ser objeto de cláusula expressa no
contrato – pacto comissório (e.g., o não pagamento enseja a extinção do contrato) –, ou, em se
tratando de um contrato bilateral, será sempre reputado implícito, ex vi do artigo 474, parte
71 THEODORO JÚNIOR, Humberto. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao novo Código Civil, v. 3, t. 1: dos defeitos do negócio jurídico ao final do Livro III. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 543.72 MESSINEO, Francesco, ob. cit., t. 2, p. 272.73 “Dado que a declaração de nulidade implica o reconhecimento de defeito congênito, o que ela destrói é uma aparência, que, como tal, não é idônea para suscitar efeitos válidos” (BESSONE, Darcy, ob. cit., P. 249).74 MESSINEO, Francesco, ob. cit., t. 2, p. 274.75 PONTES DE MIRANDA, 25, 3096.76 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 193.77 SERPA LOPES, Miguel Maria de, ob. cit., p. 201.
final, do Código Civil78.
Este evento condicional refere-se, sempre, à inexecução do contrato, com ou sem culpa
do devedor79, incluindo-se aí, portanto, o inadimplemento (inexecução culposa do contrato).
Na inexecução culposa (inadimplemento) a resolução só é aplicável nos contratos bilaterais,
ao passo que na inexecução involuntária (não culposa), a resolução também é possível nos
contratos unilaterais80. A inexecução involuntária deve decorrer de impossibilidade objetiva
de cumprimento da obrigação, i.e., de existência de impossibilidade a todos quantos
estivessem no lugar do devedor81.
A diferença fundamental entre o pacto ou cláusula expressa ou tácita, no que atine aos
seus efeitos, “é que, se a cláusula não está expressa no contrato, pode ele, também, resolver-se
por inadimplemento, mas a notificação é essencial para conferir ao devedor uma última
oportunidade de cumpri-lo. Se a cláusula vem expressa, o contratante inocente limita-se a
comunicar ao inadimplente sua vontade de resolver o contrato”82.
A cláusula resolutiva expressa, todavia, deve se referir ao descumprimento específico de
um dever contratual determinado, sob pena de se reputar tácita a cláusula inserida em termo
gerais83. Ademais, existem determinados contratos, conforme observa CAIO MÁRIO DA
SILVA PEREIRA, em que, mesmo existindo cláusula resolutiva expressa, a interpelação se
faz de rigor, como no compromisso de compra e venda regido pelo Decreto-Lei nº 58/37, e na
venda com reserva de domínio, em que o protesto do título de crédito é requisito para a ação
de busca a apreensão (art. 1.071 do CPC)84.
Tem-se, portanto, o direito negocial à resolução – por força de cláusula contratual
expressa (art. 474, primeira parte, do CC), que pode ser inserida mesmo depois de celebrado o
contrato85 –, e o direito legal à resolução – decorrente da lei (art. 475 do CC).
Logo, quando não há convenção das partes a respeito da possibilidade da resolução do
78 “Na sua execução, cada contratante tem a faculdade de pedir a resolução, se o outro não cumpre as obrigações contraídas. Esta faculdade resulta de estipulação ou de presunção legal. Quando as partes acordam-na, diz-se que estipulam o pacto comissório expresso. Na ausência de estipulação, tal pacto é presumido pela lei, que subentende a existência da cláusula resolutiva. Neste caso, diz-se que é implícita ou tácita” (grifos do autor) (GOMES, Orlando, ob. cit., p. 171).79 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 171.80 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.087, nº 4.81 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 177.82 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 504. Ainda, PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit., p. 157: “(...) a condição resolutiva tácita depende de interpelação judicial, com fixação de prazo para que a parte faltosa efetue a prestação que lhe compete, sob pena de resolver-se o contrato, e somente escoado ele é que caberá requerer a resolução”.83 VENOSSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 444 e BESSONE, Darcy, ob. cit., p. 252.84 PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit., p. 158.85 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.088, nº 1.
contrato por inadimplemento, supõe-se, ainda assim, possível obtê-la nos contratos bilaterais,
já que nestes a cláusula é subentendida. Todavia, conforme observa CARVALHO SANTOS,
podem as partes afastar, por força de cláusula em contrário, a resolução do contrato por
inadimplemento86.
A cláusula resolutiva expressa dispensa a intervenção judicial, pois ela opera de pleno
direito87, inibindo, segundo ORLANDO GOMES, que o credor opte pela execução do
contrato – ação de cumprimento88. Todavia, há autores que, embora admitam a resolução de
pleno direito, neste caso, apontam a necessidade de sentença declaratória para, assim,
verificar-se, por exemplo, a validade da cláusula, a forma como o direito dela resultante foi
exercida – se de boa ou má-fé –, aquilatar o tipo de inadimplemento e se dá ensejo, de fato, à
resolução do contrato etc89.
A resilição é a resolução ex nunc, ou seja, trata-se do mesmo modo de extinção do
contrato, distinguindo-se tão-só com relação à eficácia90. A resilição é a resolução ex nunc que
se opera nos contratos de trato sucessivo, de modo a preservar as prestações já realizadas e
exauridas91.
O contratante inocente pode optar pela ação de cumprimento (demanda condenatória –
art. 475 do CC), sem prejuízo de, por ela optando, pedir posteriormente, na impossibilidade
desta, a resolução92. Isto se dá porque o inadimplente pode se revelar insolvente no curso da
demanda, ou a demora da demanda pode tornar inútil o cumprimento da obrigação para o
credor93. Ademais, a opção só se revela cabível quando há inadimplemento absoluto – falta
irrecuperável –, pois o inadimplemento relativo – mora – ainda admite o cumprimento94.86 “A lei limita-se a subentender o princípio geral da condição resolutiva tácita nos contratos bilaterais, mas não a impõe. Daí a conseqüência: presumindo ser essa a vontade das partes, mas não se fundando em razões de ordem pública, cede diante da vontade contrária claramente manifestada pelas partes, que, por isso, têm liberdade de pactuar que o contrato bilateral não se resolverá no caso de inadimplemento” (CARVALHO SANTOS, João Manuel de, ob. cit., p. 244).87 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 118.88 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 175.89 GONÇALVES, Carlos Roberto, ob. cit., p. 158.90 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.093, nº 1.91 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 141.92 BESSONE, Darcy, ob. cit., p. 254: “A opção pela execução não exclui o pedido posterior de resolução (ius variandi). Referindo-se à freqüente invocação da regra ‘electa uma via non datur recursus ad alteram’, observa De Page que o argumento constitui uma das melhores ilustrações do perigo de inovar, sem o devido discernimento, as máximas jurídicas, uma vez que tal regra é própria do processo penal, destinando-se a impor à vítima de uma infração a escolha definitiva entre a via penal e a via civil, para prevenir conflito de decisões. Já no campo dos contratos sinalagmáticos, conclui, nada obsta a que o prejudicado, depois de haver tentado a melhor solução, que seria a execução do prometido, promova a resolução do contrato, cujo equilíbrio o inadimplemento, não reparado, rompeu”.93 STODART, Ana Maria. In: STIGLITZ, Rubén S. (dir.), ob. cit., parte general, t. 2, p. 106.94 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 29.
A resolução não pode, por óbvio, ser postulada pelo contratante inadimplente, pois seria
um modo de se furtar da obrigação que deixou de cumprir95, mas aquele que a requer deve, no
mínimo, oferecer-se a cumprir a obrigação que o contrato lhe impõe96.
Se há pluralidade de credores em um contrato, todos devem manifestar a vontade de
resolvê-lo97.
O ônus da prova, quanto ao inadimplemento, é do contratante faltoso, i.e., é este quem
deve provar o adimplemento, e não o credor98.
10.1.Inadimplemento: absoluto, relativo, adimplemento ruim, antecipado
É tão-somente com relação à inexecução do dever principal que cabe a resolução do
contrato, ressalvados os casos de inexecução parcial em que a aprte descumprida tenha sido
determinante para o contratante lesado contratar99.
Ademais, apenas o inadimplemento substancial dá ensejo à resolução100, e a sentença é
constitutiva101.
A lei não caracteriza o inadimplemento de modo positivo, expresso, mas o faz a
contrario sensu a partir da análise dos artigos 389 e 390 do Código Civil, de forma que se
reputa inadimplente aquele que não cumpre obrigação (art. 389 do CC) ou pratica fato pelo
qual se obrigou a não praticar (art. 390 do CC), sempre devendo se notar que o
inadimplemento, na conotação que se dá nos referidos dispositivos, resulta de
descumprimento espontâneo ou voluntário, segundo, neste sentido, se refere o artigo 580 do
Código de Processo Civil102.
O inadimplemento absoluto é aquele que se manifesta de forma irrecuperável, ou seja,
não há mais como se efetuar o adimplemento. Conforme os exemplos colacionados por
ARAKEN DE ASSIS, ocorre o inadimplemento absoluto no caso daquele que é contratado
para realizar mágicas em festa de aniversário e não comparece; ou no caso daquele que é
95 SERPA LOPES, Miguel Maria de, ob. cit., p. 204. Neste mesmo sentido, ainda, GOMES, Orlando, ob. cit., p. 174. Ainda PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit., p. 158: “Mas é óbvio que somente o contratante prejudicado pode invocá-la; o inadimplente não pode, pois não se compadece com os princípios jurídicos que o faltoso vá beneficiar-se da própria infidelidade”.96 CARVALHO SANTOS, João Manuel de, ob. cit., p. 252.97 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.088, nº 4.98 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.091, nº 15.99 CARVALHO SANTOS, João Manuel de, ob. cit., p. 247.100 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 172. Ainda, neste sentido, GONÇALVEZ, Carlos Roberto, ob. cit., p. 162: “A resolução do contrato por incumprimento é subordinada à condição de que a falta não seja de somenos importância, levando-se em conta o interesse da parte que sofre os seus efeitos”. A pretensão do credor em resolver contrato por inadimplemento mínimo é conduta que caracteriza, a todas as luzes, exercício abusivo de direito, por atentatório à boa-fé (art. 187 do CC).101 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 172.102 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 89.
obrigado a pagar preço remanescente de automóvel que comprou e acaba por cair em
insolvência103.
É este inadimplemento – o absoluto –, a princípio, o único a ensejar a resolução 104.
Neste caso, ainda que se trate de cláusula resolutiva tácita, não se justifica o apelo à regra do
artigo 474, parte final, do Código Civil, que exige prévia interpelação do devedor. Isto
porque, conforme ensina ARAKEN DE ASSIS, de nada adianta interpelar o faltoso para
“cumprir” aquilo que irreversivelmente foi descumprido105.
É possível a resolução no caso de inadimplemento antecipado, ou seja, naqueles casos
em que um dos contratantes manifeste a intenção de não cumprir futuramente a obrigação que
o contrato lhe impõe, ou de frustrar materialmente a sua prestação106. Se estas situações se
tornarem graves, a ponto de comprometer seriamente o cumprimento do contrato, “será
desnecessário fazer com que o credor aguarde a época da respectiva exigibilidade, para
caracterizar o inadimplemento, e só nesse momento denunciar e pedir a decretação da
resolução da avença”107.
Não só o inadimplemento atinente ao dever principal dá azo à resolução, mas também o
descumprimento de dever acessório e anexo intimamante ligado ao dever principal, de sorte
que o descumprimento daqueles inviabiliza ou compromete o escorreito cumprimento deste,
como o fato do devedor não substituir o fiador que se tornou insolvente ou incapaz (art. 826
do CC)108.
O inadimplemento relativo – mora (descumprimento no tempo, lugar e forma devidos –
art. 394 do CC –, mas que não inviabiliza, ainda, o cumprimento) – não enseja, a princípio, a
resolução do contrato109. Todavia, se a prestação se tornar inútil ao credor (art. 395, parágrafo
único, do CC), quer porque o bem que ele receberia se desvalorizou, quer porque lhe gerou
insegurança o atraso do devedo, então de transitório (relativo) o inadimplemento passa a ser
definitivo (absoluto)110.
Ademais, podem as partes inserir no contrato cláusula contratual que admita a resolução
103 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 92.104 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 93.105 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 94-95.106 “É imaginável, outrossim, nada ter o devedor aparelhado com destino ao cumprimento, tornando fatal o inadimplemento: o empreiteiro, adstrito ao prazo de dois meses à realização da obra, findo o primeiro sequer lançou as fundações, inviabilizando a obediência ao prazo ou fazendo improvável, ante mudanças de vulto nos agentes econômicos (e.g., escassez de insumos), a própria entrega” (ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 95).107 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 507.108 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 100-101.109 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 103.110 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 111.
em caso de inadimplemento relativo (cláusula resolutiva expressa – art. 474, primeira parte,
do CC), de sorte que prevalecerá a vontade por elas manifestada. O inadimplemento relativo
também pode ensejar a resolução quando, embora ainda possível e útil a prestação para o
credor, o devedor não atenda à interpelação que deve ser realizada no caso do direito legal à
resolução.
O inadimplemento antecipado (antecipatory breach of contract) – que constitui uma
exceção ao princípio da pontualidade111 – se revela quando o devedor já declara sua intenção
de não cumprir o contrato, antes do vencimento, quer expressamente – comunicando esta
intenção ao credor – , quer tacitamente – comportando-se de forma a inviabilizar, de todo, o
cumprimento da prestação na data ajustada112. Ademais, é possível que, sem intenção ou
vontade do devedor, a prestação de inviabilize por impossibilidade superveniente (e.g., a coisa
que seria vendida foi destruída, furtada etc.). Neste caso, de nada adianta ao credor aguardar,
inutilmente, o vencimento da obrigação do devedor para, só a partir de então, obter a
resolução do contrato113.
Esta figura originou-se de precedente do direito inglês, em 1853, e se disseminou no
direito anglo-saxão114. A nossa jurisprudência tem adotado também a figura115, criando-se,
portanto, uma exceção autorizada à regra de que a obrigação é exigível apenas no seu termo 111 Sob a ótica do devedor, este princípio “significa que ele deve prestar, mas tão-só no vencimento do termo” (grifos da autora – MARTINS-COSTA, Judith. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações, v. 5, t. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 155).112 “É imaginável, outrossim, nada ter o devedor aparelhado com destino ao cumprimento, tornando fatal o inadimplemento: o empreiteiro, adstrito ao prazo de dois meses à realização da obra, findo o primeiro sequer lançou as fundações, inviabilizando a obediência ao prazo ou fazendo improvável, ante mudanças de vulto nos agentes econômicos (e.g., escassez de insumos), a própria entrega” (ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 95).113 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 507.114 MARTINS-COSTA, Judith, ob. cit., p. 156.115 “Contrato particular de promessa de compra e venda. Inadimplemento antecipado. Resoluçao. Devoluçao das parcelas pagas. Em caso de promessa de compra e venda de imovel a ser construido, pode o promitente comprador pedir a resoluçao do contrato pelo inadimplemento antecipado da obrigaçao do promitente vendedor. Hipotese em que, diante da demora e paralisaçao da obra fatos nao negados pelo promitente vendedor o promitente comprador suspendeu o pagamento das prestaços antes do advento do prazo para a entrega do imovel. Decretada a resolucao, impoe-se a devolucao das parcelas pagas. Recurso desprovido”.(TARS – Apelação Cível nº 196060800 – 9ª Câmara Cível – Rel. Juiz Maria Isabel de Azevedo Souza – j. 11/6/1996 – v.u.).
“Compromisso de compra e venda – Rescisão – Culpa dos autores adquirentes – Inadimplemento confessado – Repúdio antecipado ao contrato – Possibilidade – Responsabilidade dos autores – Perdas e danos – Cláusula que, na prática, implica em perda de todas as prestações – Nulidade da estipulação de dedução de despesas – Fixação da indenização – Circunstâncias de fato – Razoável a retenção de 50% – Aplicação do art. 924 do Código Civil – Recurso provido, em parte.
de vencimento (art. 331, a contrario sensu, do CC).
Convém notar, todavia, que não é qualquer suspeita do credor que lhe autoriza a
manejar a medida resolutiva116.
10.2.Efeitos da resolução e da resilição
A resolução desfaz a eficácia do contrato (direitos e obrigações assumidas pelas partes),
e não a sua existência117. Logo, em se tratando de cláusula resolutiva tácita, requer-se a
intervenção do Poder Judiciário, pois a desconstituição, neste caso, só se opera por sentença
que, além de desconstitutiva é, também, executiva, pois se executa a restituição do que as
partes receberam uma da outra em decorrência dos efeitos do contrato118. Todavia, tratando-se
de claúsula resolutiva expressa, embora seja desnecessária sentença desconstitutiva – mas
sim declaratória para alguns, segundo vimos –, a restituição só será possível mediante ação
própria (e.g., reintegração de posse, busca e apreensão etc.).
A resolução é um modo que extingue o contrato ex tunc, impondo-se a restituição de
tudo quanto as partes receberam uma da outra119. Nos contratos de execução continuada ou de
trato sucessivo, a resolução – neste caso chamada resilição – só se opera ex nunc, de sorte que
não há falar em restituição120. Assim, na resilição as partes não voltam a estado anterior à
contratação, uma vez que, sendo própria dos contratos de trato sucessivo, seus efeitos são ex
nunc, não atingindo o que foi prestado no tempo121. Entretanto, se houve execução de
(TJSP – Apelação Cível 55.120-4/00 – 4ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Cunha Cintra – j. 30/7/1998 – v.u.)”. Neste julgado, inclusive, admitiu-se que os próprio inadimplentes postulasse a resolução do contrato, confessando, antecipadamente, que não conseguiriam efetuar o pagamento das prestações vindouras.
Em caso que assumiu notoriedade no país, uma construtora – ENCOL – deixou de concluir uma série de empreendimentos imobiliários em curso. Com efeito, propôs concordata em dezembro de 1997, mas, mesmo assim, não conseguiu efetuar o cumprimento do que lhe foi determinado nesta medida, de forma que lhe foi decretada a falência. Desde a concordata, com efeito, os adquirentes não esperavam o vencimento do prazo para a conclusão das obras da unidades imobiliárias que haviam adquirido, e propunham, de imediato, ação resolutória. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em precedentes que se repetiram seguidamente, adotou a teoria do inadimplemento antecipado para autorizar a resolução neste caso. Assim, por todos: “Compra e venda de imóvel. Rescisão contratual. Restituição das quantias pagas. Cabimento. Aplicação da “Teoria do Inadimplemento Antecipado dos Contratos”. Recurso provido”. (TJSP – Apelação Cível n° 064.881.412 – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Reis Kuntz – j. 4/3/1999 – v.u.).116 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 508.117 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.091, nº 3.118 MIRANDA, Pontes de, ob. cit., t. 25, § 3.091, nº 5.119 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 175.120 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 175.121 PONTES DE MIRANDA, 25, 3093: “Na resilição, o que a determina, isto é, o que faz a resolução ser só ex nunc, é ser impossível desconstituir-se o efeito já realizado. O locatário, que deixa de pagar o aluguer e usou o bem até êsse momento e o vai usar até que se decrete a resilição, não pode deixar de ter usado. Intervém, aí, a irreversibilidade do tempo”.
prestação futura, impõe-se a sua restituição122.
No que atine à distinção entre os efeitos extintivos da resolução e da resilição, basta ter
em mente que a resolução extingue toda a eficácia do contrato, passado e futura; ao passo que
a resilição simplesmente evita a progressão da eficácia do contrato, como se extinguisse a
eficácia que ainda não se irradiou.
11.Outros modos
Existem ainda outras formas – menos expressivas, é bem verdade – de extinção dos
contratos. A primeira delas é o resgate, cabível tão-só nos contratos de enfiteuse e
constituição de renda: “No primeiro, consiste no pagamento, de uma só vez, de certa quantia
ao senhorio, decorrido certo tempo de gozo do direito real. No segundo, o devedor de renda
constituída sobre imóvel libera-se da obrigação de pagá-la, entregando, de uma vez, certo
capital em dinheiro”123.
REFERÊNCIAS
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Perrot, 1998.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao
novo Código Civil, v. 3, t. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos, 14ª ed. rev. e atual. São
Paulo: RT, 2000.
122 ASSIS, Araken de, ob. cit., p. 142.123 GOMES, Orlando, ob. cit., p. 187.