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FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO A RESPONSABILIDADE INDIRETA DOS SÓCIOS PELOS TRIBUTOS DA EMPRESA CURITIBA 2007

FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA PROGRAMA DE …tede.unicuritiba.edu.br/dissertacoes/JoaoLuizLaia.pdf · Com isso foi possível denominar de sujeito passivo indireto ou por transferência,

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FACULDADES INTEGRADAS CURITIBAPROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

A RESPONSABILIDADE INDIRETA DOS SÓCIOS PELOS TRIBUTOS DAEMPRESA

CURITIBA2007

FACULDADES INTEGRADAS CURITIBAPROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

JOÃO LUIZ DE LAIA

A RESPONSABILIDADE INDIRETA DOS SÓCIOS PELOS TRIBUTOS DAEMPRESA

CURITIBA2007

JOÃO LUIZ DE LAIA

A RESPONSABILIDADE INDIRETA DOS SÓCIOS PELOS TRIBUTOS DAEMPRESA

Dissertação apresentada aoPrograma de Mestrado em Direito

Empresarial e Cidadania das

Faculdades Integradas Curitiba,

como requisito parcial paraobtenção do Título de Mestre em

Direito.

Orientador: Professor Doutor JoséRoberto Vieira.

CURITIBA2007

JOÃO LUIZ DE LAIA

A RESPONSABILIDADE INDIRETA DOS SÓCIO S PELOS TRIBUTOS DAEMPRESA

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do Títulode Mestre em Direito pelas Faculdades Integradas Curitiba.Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

Presidente: ___________________________________ DOUTOR JOSÉ ROBERTO VIEIRA

___________________________________ DOUTORA GISEL A MARIA BESTER

___________________________________ DOUTOR DALTON LUIZ DALLAZEM

Curitiba, 16 de janeiro de 2007.

Dedicatória

Gostaria de dedicar este trabalho ao Mestre José Roberto Vieira,

símbolo de paciência, capacidade, dedicação e profundo conhecimento dos

temas do saber e do Direito, e por ter não só aceito a árdua tarefa de

orientar-me, como por ter incentivado e laborado com afinco ao meu lado,

para a conclusão desta Dissertação.

Agradecimentos

A Deus por ter permitido tudo, sem o qual não existiriarazão.

À Tussi pelo apoio físico e sentimental de sempre,maior incentivadora de minhas lutas.

À Isadora e à Vitória razão de todo esforço e amor.

Aos membros da Banca Examinadora, Doutora GiselaBester, Doutor Dalton Dallazem e seu Presidente Doutor JoséRoberto Vieira, pela contribuição já ofertada, sua disposiçãode leitura em tempo exíguo, e pela honra de tê -los em minhadefesa da Dissertação.

Aos Professores do Mestrado pelo saber transferido e apossibilidade deste momento.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................12

CAPÍTULO 1

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES

1.1 Sistema Constitucional Tributário...............................................15

1.2 A distinção entre princípios e Regras..........................................18

1.3 Princípios constitucionais pertinentes..........................................22

1.3.1 Princípio da Legalidade...............................................................2 3

1.3.1.1 Princípio da Segurança Jurídica...................................................25

1.3.1.2 Princípio da Legalidade Estrita....................................................27

1.3.1.3 Princípio da Anterioridade................................. ..........................29

1.3.2 Princípio da Igualdade..................................................................30

1.3.3 Princípio da Capacidade Contributiva..........................................33

CAPÍTULO 2

A NORMA E A RELAÇÃO JURÍDICA T RIBUTÁRIA

2.1 A norma jurídica tributária...........................................................38

2.1.1 Conceito e classificação das normas............................................38

2.1.2 A norma jurídica e sua coercitividade...................... ....................42

2.1.3 Estrutura da norma jurídica..........................................................43

2.1.4 A norma jurídica tributária...........................................................45

2.2 A relação jurídica tributária.......... ................................................51

2.2.1 Introdução.....................................................................................51

2.2.2 A obrigação jurídica tributária......................................................52

2.2.2.1 O Estado e a “pré-era dos direitos”...............................................53

2.2.2.2 O liberalismo e o Estado liberal....................................................55

2.2.2.3 O Estado social.................................................... ..........................55

2.2.2.4 O Estado neoliberal.......................................................................57

2.2.2.5 O Estado como sujeito de direitos fundamentais.........................58

2.2.2.6 Os direitos individuais e os direito s do Estado............................61

2.2.2.7 Direitos fundamentais do Estado – pacto de superveniência.......62

2.2.2.8 O Estado e a soberania.................................................................63

2.2.2.9 O Estado e sua responsabilidade.. ................................................65

2.2.3 Continuidade da obrigação tributária...........................................65

2.2.4 Breve visão da regra-matriz de incidência...................................71

2.2.4.1 Considerações iniciais.. ................................................................71

2.2.4.2 Âmbito constitucional...................................................................72

2.2.4.3 Hipótese de incidência – aspecto material....................................76

2.2.4.4 Aspecto temporal..........................................................................77

2.2.4.5 Hipótese de Incidência do ITR - Aspecto espacial.......................79

2.2.4.6 A conseqüência tributária da regra -matriz de incidência............ ..81

2.2.4.7 A teoria dos graus de eficácia da relação jurídica.........................81

2.2.4.8 Determinação subjetiva – aspecto pessoal....................................83

2.2.4.8.1 Sujeito ativo....................................................... ........................83

2.2.4.8.2 Sujeito passivo...........................................................................84

2.2.4.9 Aspecto quantitativo.................................................................... 86

2.2.4.10 A base de cálculo........................................................................86

2.2.4.11 A alíquota....................................................................................88

CAPÍTULO 3

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

3.1 Introdução ................... .................................................................91

3.2 Nascimento da responsabilidade tributária...................................92

3.2.1 O lançamento do crédito tributário...............................................94

3.3 A responsabilidade em relação aos sujeitos..................................97

3.3.1 Sujeito Ativo.................................................................................97

3.3.2 Sujeito passivo direto e indireto.......................................... ..........99

3.4 Responsabilidade indireta............................................................104

3.4.1 Substituição tributária..................................................................104

3.4.1.1 Substituição tributária “para frente”... .........................................114

3.4.2 Transferência...............................................................................120

CAPÍTULO 4

A RESPONSABILIZAÇÃO TRIBUTÁRIA DO SÓCIO

4.1 Introdução........................................ ............................................124

4.1.1 O Direito e a sustentabilidade da atividade empresarial..............124

4.1.2 O Código civil e a responsabilidade quanto à empresa e ao

sócio................................................................ ..............................128

4.1.3 Da normatização tributária quanto à responsabilidade do sócio...130

4.2 Limites da responsabilização do sócio..........................................132

4.2.1 Limites objetivos..................................... ......................................132

4.2.2 Limites subjetivos.........................................................................134

4.3 Requisitos para a responsabilização do sócio...............................140

4.3.1 Inadimplência........... .....................................................................140

4.3.2 Formas de atuação do sócio na responsabilidade por

transferência..................................................................................141

4.3.2.1 Excesso de poder......... ..................................................................142

4.3.2.2 Infração de lei................................................................................144

4.3.2.3 Infração do contrato social ou dos estatutos........................... .......148

4.3.3 Empresa individual........................................................................150

CAPÍTULO 5

BENEFÍCIO DE ORDEM

5.1 A solidariedade tributária...............................................................150

5.2 A subsidiariedade tributária............................................................156

5.3 Situação jurídica da empresa e do sócio no

pós-responsabilização.....................................................................158

5.3.1 A subsidiariedade ou solidariedade do sócio prevista no

art. 134............................................................................................158

5.3.2 A substituição tributária ou a solidariedade prevista para o sócio

no art. 135.................................................... ..................................159

CONCLUSÕES..........................................................................................165

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................170

A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS PELOS TRIBUTOS DA EMPRESA

Resumo: A responsabilidade tributária indireta é tema de envergadura ímpar. Nessefeito, enfrentou-se a responsabilidade indireta dos sócios pelos tributos da empresa.Trabalhou-se, primeiramente, com os princípios constitucio nais pertinentes, a nossover, com a responsabilização indireta. Trilhado o caminho constitucional, a normajurídica foi enfrentada, visando ao conhecimento sobre sua estrutura, coercitividade, edisposição, para garantia da validade e regularidade da norm a tributária naresponsabilização. A relação tributária e a obrigação tributária são institutos deconsideração imprescindível na busca de elementos a definir a forma, meio, momentoe alcance da responsabilização, bem como a conexão com a sustentabilidade daatividade empresarial, através da correta tributação, buscando solidariedade social.Com isso foi possível denominar de sujeito passivo indireto ou por transferência, osócio que passa a integrar o pólo passivo da relação tributária. Discussões foramenfrentadas, como a natureza da responsabilidade de terceiros, tida por nós comorelação obrigacional, de cunho tributário. Estabelecemos a forma de imputação danorma na responsabilização, a qual decorre de duas normas: a principal que dispõesobre a hipótese de incidência e seu conseqüente, e uma segunda norma, chamada desubsidiária ou auxiliar, imputando o débito por transferência ao sócio. O CódigoTributário Nacional dispõe sobre a forma e os fatos que levam à responsabilidade,genericamente ou como parâmetros para outras leis. A legislação foi revista, a qualdescreve a atuação que leva o sócio a responder pelos tributos da empresa, e oslimites objetivos e subjetivos para a imputação. Também foi examinada asubsidiariedade e/ou solidariedade, e suas co nseqüências para os envolvidos.

1

INTRODUÇÃO

O tema da responsabilidade tributária é complexo, não apenas pelas

dificuldades teóricas próprias do conceito civilista de responsabilidade, mas, também

pelo tratamento positivo que lhe fo i dado pelo Código Tributário Nacional, cujos

preceitos nem sempre privilegiaram a boa técnica, consoante pretendemos demonstrar

neste ensaio. Para fixarmos bem nossa compreensão do difícil conceito, salientamos

ser a responsabilidade tributária, em verdad e, o último elo de uma corrente, que tem

como primeiro momento o conceito de fato jurídico tributário. Justamente por esse

motivo, e antes de entrarmos no assunto principal desta dissertação, outra não poderia

ser nossa atitude senão a de refletir um pouco sobre o fenômeno da juridicização e

suas conseqüências, embora o façamos aqui de modo bastante perfunctório.

Os homens, em sociedade, vivem em relação com os outros de sua espécie.

Essas relações mútuas, contínuas e complexas possibilitam a afirmação,

desenvolvimento e progresso do tecido humano social, embora de outra parte, tragam

profundos problemas, principalmente entrechoques e conflitos de interesses

individuais ou de massa. Por conta disso, o Ordenamento Jurídico edita normas

imperativas para tornar possível a convivência num clima de paz social, destacando

do mundo fenomênico determinados fatos relevantes, adjetivando -os de jurídicos e

imputando-lhes efeitos determinados. Nasce, desse fenômeno, a importante distinção

entre o mundo dos fatos e o mund o jurídico, distinção fundamental para o

desenvolvimento da análise a que nos propomos. Como salienta Lourival Vilanova os

conceitos normativos são seletores de propriedade, ou seja, a norma toma

determinados fatos reputados relevantes e os descreve em con formidade com os seus

aspectos considerados mais importantes, selecionando, no mundo fáctico,

determinadas características. 1 Por essa razão o citado autor chama essa função

descritiva, constante na norma, de qualificadora normativa do fáctico.

O mundo jurídico, pois, é mundo dentro do mundo do fáctico, sem qualquer

distinção ontológica, mas, tão só axiológica. É da valoração de determinados fatos,

descritos e previstos em normas, e da incidência dessas regras sobre os fatos

1 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 46.

2

ocorridos em concreto, que nasce o fato jurídico, e, a partir dele, são emanados

efeitos jurídicos. Desse modo, indefectivelmente, nasce o mundo do Direito. Temos,

pois, que o mundo do Direito nasce criando a incidência da norma sobre fatos do

mundo, os quais são por ela previstos, tendo como primeiro momento a criação do

fato jurídico.

Conhecer a responsabilidade tributária indireta dos sócios pelos tributos das

empresas demanda conhecer, para poder explicá -la, não só a legislação que a rege,

mas a estrutura das normas que a criaram, p ara poder retirar das plicas dessas normas,

um real alcance e aceitável conhecimento jurídico, consoante o ministério de Souto

Maior Borges, sobre a responsabilidade tributária indireta, o que enseja trilhar o

caminho da Constituição Federal e da legislaçã o infraconstitucional, bem como, o

posicionamento da doutrina sobre os diversos pontos de que devemos tratar. 2

O escólio de José Roberto Vieira aponta um norte para o nosso trabalho por

demais elucidativo, no tocante à cientificidade, dispondo que:

Em um texto inspirado, em que se propõe a repensar a cientificidade daciência do Direito, Norberto Bobbio, o teórico geral, filósofo do direito ecientista político italiano, demonstra que não é porque a Ciência do Direitonão se conformou aos modelos de ciên cia que vigoraram nos últimosséculos que se deve questionar sua cientificidade, mas essas concepçõesde ciência é que são questionáveis, porque sempre parciais e insuficientes,por isso não abarcando a Ciência do Direito [...].O direito positivo constitui uma linguagem que se direciona à condutahumana intersubjetiva, com intuito prescritivo. A Ciência do Direito, a seuturno, voltada para o conjunto das normas postas, tem índole cognoscitivae descritiva. Pensamos, pois, que a reflexão científica se faz por umalinguagem de sobrenível que elege o discurso normativo como seu objeto. 3

Tendo como propósito apontar, nominar e conceituar a responsabilidade

tributária indireta, a chamada sujeição passiva indireta, descrevendo em que termos,

condição e momento se dá à responsabilização dos sócios como substitutos tributários

ou responsáveis tributários em sentido estrito, pelos tributos devidos pela empresa, ou

em que a empresa tenha sido eleita na regra matriz de incidência como sujeito passivo

direto, ou seja, a situação em que por substituição ou transferência tributárias esses

entes assumem o pólo passivo da relação tributária, entendemos como caminho

inicial razoável e dentro da Teoria Geral do Direito o conhecimento, ainda que

2 O Direito como fenômeno lingüístico, o problema de demarcação da ciência jurídica, sua baseempírica e o método hipotético -dedutivo, p. 13-15.

3 A semestralidade do PIS: favos de abelha ou favos de vespa? p. 89-91.

3

superficial, da norma jurídica e da relação tributária; depois de ter analisado, com

brevidade, os princípios constitucionais pertinentes ao tema que aqui constitui nosso

interesse maior. A responsabilidade tributária, especialmente a indireta, é um instituto

de soberba importância, sendo o cerne ou centro direto do trabalho para se poder

apontar a responsabilização específica perquirida, descrita por nós em capítulo

seguinte, como sendo os limites e requisitos da responsabilização tributária indireta

dos sócios pelos tributos da em presa. Conhecidos que sejam os limites e requisitos,

para a responsabilização indireta proposta, entendemos salutar apontar a situação da

empresa e dos responsáveis no pós -responsabilização, o que chamamos de benefício

de ordem, visando tratar da solidarie dade e da subsidiariedade. Por fim, no item final,

apresentamos nossas conclusões sobre “a responsabilidade indireta dos sócios pelos

tributos da empresa”.

4

CAPÍTULO 1

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES

1.1 Sistema constitucional tributário

Para se enfrentar qualquer tema sobre Direito Tributário, especialmente o

tributo e a relação tributária, por se configurar no objeto de nosso trabalho, o cientista

deve ocupar-se dele sobre o prisma constitucional. A s normas gerais que regem o

sistema tributário estão postas em âmbito constitucional. Em face do modelo

constitucional adotado pelo constituinte originário foi criado, dentro da Constituição,

um sistema tributário. As linhas mestras desse subsistema foram previstas no texto

constitucional, com possibilidade não muito grande de atuação do legislador

infraconstitucional. A criação e a modificação de tributo, e o tratamento da relação

tributaria, encontram-se disciplinadas no texto da Constituição Federal de 1 988.

Aliás, em razão disso, a extensão com que o legislador constitucional tratou os temas

dentro desse subsistema tributário, o torna de característica impar, distinguindo -se de

outros sistemas constitucionais tributários no Direito comparado, consoante a firma

José Roberto Vieira.4

Desse modo, o estudo sobre a responsabilidade indireta tributária deve ser

levado a efeito, primeiramente, sob a óptica dos princípios e das normas

constitucionais a ela aplicáveis.

Vejamos, antes da verificação dos princ ípios constitucionais aplicáveis, um

pouco do sistema constitucional tributário.

Conforme Luiz Felipe Silveira Difini, pode -se conceituar sistema “[...] como

um conjunto organizado de princípios e regras, entre si harmônicos e

interdependentes, de sorte que eventual alteração de um implique modificação do

próprio sistema.”5 Quanto ao sistema constitucional tributário, diz o autor que “[...] é

o conjunto desses princípios e regras sobre tributos, postos na Constituição do

País.”6

4 A regra-matriz de incidência do IPI : texto e contexto, p. 40.5 Manual de direito tributário, p. 69.6 Idem.

5

José Roberto Vieira, com a profundidade que lhe é peculiar, traz o conceito de

sistema: “Eis que poderíamos, então, encarar o sistema como um conjunto de

elementos (repertório) que se relacionam (estrutura), compondo um todo coerente e

unitário (ordem e unidade).” 7

Celso Ribeiro Bastos ensina: “ Denomina-se Sistema Tributário Nacional o

conjunto de princípios e de normas unificados em torno da idéia de tributo. É dizer,

no sistema jurídico global, entendido como o conjunto de todas as normas e

princípios, são isoláveis aqueles que tratam do tributo. ”8 Ao dizer “que tratam do

tributo”, o autor quer se referir, por certo, a tributo em sentido amplo, no sentido de

tributação, envolvendo o tributo, como prestação pecuniária obrigatória, pago em

espécie, que não constitua sanção de ato ilícito, arrecadado pelo Estado para financiar

suas finalidades, englobando as relações tributárias decorrentes, e os sujeitos

tributários – sujeito ativo e sujeito passivo da obrigação tributária. 9

Os sistemas tributários podem ser cl assificados sob diversos aspectos.

Primeiramente, diríamos que existem os rígidos, como o nosso, e os flexíveis. 10 Essa

distinção dá-se em face da discricionariedade do legislador ordinário na modificação

do sistema tributário. A Constituição Federal de 198 8, com o estabelecimento do

subsistema constitucional tributário, impôs o rigor da modificação da própria

Constituição, e dispôs regras e princípios, restringindo bastante a possibilidade de

uma atuação discricionária do legislador infraconstitucional. Gis ela Maria Bester,

esclarecendo sobre o porquê de ser considerada rígida a forma de alteração da

Constituição Federal de 1988, dispõe que: [...] justamente porque ao lado da regra

de que só pode ser alterada por um processo legislativo diferenciado traz tam bém um

elenco de pontos que lhe são inalteráveis (art. 60, § 4º).” 11

Sob o enfoque da intensidade tributária, classificam -se em onerosos e leves.

Com esteio na natureza dos tributos dominantes, em regressivos – baseados nos

tributos indiretos – e progressivos – baseados nos tributos diretos. Com base em

critérios sócio-políticos, em liberais e autoritários. Considerando -se critérios sócio-

7 A noção de sistema no direito, p. 55.8 Curso de direito constitucional, p. 425.9 Conforme prescreve o artigo 3º, do Código Tributário Nacional, o qual transcrevemos: “Tributo é

toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprim ir, que nãoconstitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativaplenamente vinculada” .

10 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, p. 270.11 Direito Constitucional: fundamentos teóricos, v. 1. p. 87.

6

econômicos, temos três tipos - o dos países industrializados, o dos países em fase de

desenvolvimento e dos países soc ialistas, como se explica na seqüência: os países

industrializados têm os tributos diretos como regra e uma administração tributária

sofisticada; os países em desenvolvimento têm como regra os tributos indiretos, ditos

regressivos, com uma administração tr ibutária deficitária e morosa, sem observância

da universalidade plena da tributação; os países socialistas têm sistemas tributários

neutros, ante a importância subsidiária da tributação. Conforme a evolução e

coordenação da ação de tributar, classificam -se em racional e histórico: o racional

baseia-se na ação deliberada do legislador, coordenando os tributos ente si, com

racionalidade, unidade nacional – dentro de cada competência, e preceitos gerais

aplicáveis; o histórico baseia-se em evolução histórica.

Tendo como exemplo essas classificações, podemos classificar nosso sistema

tributário como: rígido, oneroso, predominantemente regressivo, liberal, e,

considerando-se os princípios e as limitações que o norteiam, com as características

dos sistemas dos países em desenvolvimento, além de, por fim, racional.

José Afonso da Silva, tratando dos elementos do sistema tributário nacional,

diz:

Distingue-se no sistema tributário nacional os seguintes elementosfundamentais, além das disposições gerais (ar ts. 145 a 149): a) aslimitações constitucionais do poder de tributar (arts. 150 a 152); b) adiscriminação da competência tributária, por fontes (arts. 153 a 156); c) asnormas do federalismo cooperativo, consubstanciadas nas disposiçõessobre repartição das receitas tributárias, discriminação pelo produto (arts.157 a 162).12

As “limitações constitucionais ao poder de tributar”, previstas nos artigos 150

a 152, da Constituição Federal de 1988, tratam de assunto importante dentro dos

conceitos de tributação, tributo e relação tributária, sendo relevante item a ser

estudado, visando o entendimento da responsabilidade indireta. Vejamos o porquê.

Quanto às limitações ao poder de tributar, Luciano Amaro ensina que:

Vimos que os tributos são criados consoan te a aptidão (competênciatributária) que a Constituição Federal confere à União, aos Estados, aoDistrito Federal e aos Municípios.Essa outorga de competência, não é sem fronteiras. Além de buscar umademarcação tanto quanto possível nítida das áreas de atuação de cada entepolítico, com partilha da competência tributária, a Constituição fixa váriosbalizamentos, que resguardam valores por ela reputados relevantes, com

12 Curso de Direito Constitucional positivo, p. 688-689.

7

atenção especial para os direitos e garantias individuais. O conjunto dosprincípios e normas que disciplinam esses balizamentos da competênciatributária corresponde às chamadas limitações ao poder de tributar .A face mais visível das limitações do poder de tributar desdobra -se nosprincípios constitucionais tributários e nas imunidades tri butárias [...]. 13

Em que pesem as “limitações ao poder de tributar” terem, nos princípios e nas

imunidades, sua face mais visível, como disse Luciano Amaro, acima, não são os

únicos itens que as compõem.

As limitações são de três espécies : a) Imunidades constitucionais tributárias;

b) Princípios constitucionais tributários; c) Restrições à competência tributária,

quando o poder de tributar é restringido, por exigência da Constituição, exigindo lei

complementar, ainda como Lex Legum de normas gerais, impondo quorum

qualificado e não admitindo Medida Provisória.

Entendemos de significativa importância para o propósito do trabalho, que

visa a tratar de uma das figuras da obrigação tributária, a sujeição passiva, em

especial, a sujeição passiva indireta, a análise dos princípios constitucionais

referentes ao tema. Primeiramente, no entanto, vejamos uma breve distinção entre

princípios e regras.

1.2 A distinção entre princípios e regras

Duas nuances devem nortear, como premissa inicial, o roteiro d esse trabalho.

A primeira delas é o tratamento dispensado à responsabilidade tributária, dentro da

obrigação tributária, sob o ângulo dos princípios constitucionais. A segunda delas

deve dar-se, sob o ângulo da norma jurídica propriamente dita. Essa segund a hipótese

– da norma jurídica propriamente dita, veremos no capítulo seguinte; estando

reservada à análise, para este capítulo, dos princípios constitucionais pertinentes à

responsabilidade tributária.

Entretanto, antes do conhecimento e da análise dos princípios ditos

pertinentes, devemos distinguir, ainda que de forma breve, os princípios e as normas.

O mundo jurídico não tem dúvida de que princípio também é norma, restando a

necessidade de, didaticamente apenas, estabelecer -se uma diferenciação sobre as duas

nuances – norma-princípio e norma-regra.

13 Direito Tributário Brasileiro, p. 105-106.

8

Valendo-se do ensinamento de Michel Temer, podemos ter uma primeira

aproximação. Segundo ele:

Para a boa interpretação constitucional é preciso verificar, no interior dosistema, quais as normas que foram prestigiadas pelo legisladorconstituinte ao ponto de convertê -las em princípios regentes desse sistemade valoração. Impende examinar como o constituinte posicionoudeterminados preceitos constitucionais. Alcançada, exegeticamente, essavaloração é que teremos os princípios. Estes, como assinala Celso AntonioBandeira de Mello, são mais do que normas, servindo como vetores parasoluções interpretativas. De modo que é preciso, para tal, conhecer cadasistema normativo.No nosso sistema o princípio federati vo; o do voto direto, secreto,universal e periódico; a separação dos poderes; os direitos e garantiasindividuais. Essa saliência é extraída do art. 60, § 4º, do TextoConstitucional, que impede emenda a abolir tais princípios. 14

Consoante Celso Antonio Bandeira de Mello, os princípios são normas

regentes do sistema, são mais que normas – em sentido estrito, ou propriamente ditas,

sendo utilizados como vetores para uma solução interpretativa. 15

Para Gisela Maria Bester, ao tratar das funções dos princípio s constitucionais,

de forma esclarecedora e contundente, explica:

Por serem normas com um âmbito de validade muito maior do quequalquer outra norma, servem os princípios constitucionais como critériode interpretação e de integração do direito posto, da ndo coerência geral aosistema jurídico.Em vista disso, é necessária muita atenção aos princípios constitucionais,uma vez que dão a diretriz axiológica, isto é, demonstram quais valoresdevem ser respeitados, observados, mantidos no processo de interpret açãoconstitucional. Para aferir a essência, o espírito de uma norma, necessáriose faz conhecer o todo normativo, o sistema normativo completo, parapoder ver, em cada caso concreto (ou mesmo abstrato, no contexto docontrole de constitucionalidade das no rmas em tese, isto é,abstrativamente) qual é ‘o’ princípio ou quais são ‘os’ princípios queorientam a interpretação.16

Quanto à interpretação da norma constitucional, Michel Temer aduz:

Por isso, a interpretação de uma norma constitucional levará em c ontatodo o sistema, tal como positivado, dando -se ênfase, porém, para osprincípios que foram valorizados pelo constituinte. Também não se podedeixar de verificar qual o sentido que o constituinte atribui as palavras dotexto constitucional, perquirição que só é possível pelo exame do todo

14 Elementos de direito constitucional, p. 22-23.15 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo . 12. ed. São Paulo:Malheiros, 2000, p. 170.16 Op. cit., p. 270-271.

9

normativo, após a correta compreensão da principiologia que amparaaquelas palavras.17

Como julgamos de crucial importância para a interpretação da obrigação

tributária e para a interpretação das normas que a regem, conduzidas pelo legislador,

ou pela Teoria Geral do Direito, como regentes do sistema, distinguir princípios e

regras é uma primeira empreitada inevitável, da qual já apontamos um conceito e uma

distinção inicial.

Segundo Josef Esser, citado por Humberto Ávila, os “[...] princípios são

aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento

seja encontrado.”18 Tal distinção é qualitativa, com a função de fundamento

normativo a possibilitar uma decisão. Karl Larenz, segundo apontamentos d e

Humberto Ávila, “[...] define os princípios como normas de grande relevância para

o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos

para a interpretação e aplicação do Direito, deles, decorrendo, direta ou

indiretamente, normas de comportamento.”19 Para Larenz, os princípios seriam

indicativos direcionadores na busca ou na obtenção da regra.

Para Robert Alexy, também citado por Ávila, “[...] os princípios jurídicos

consistem apenas em uma espécie de normas jurídicas por meio da qual são

estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as

possibilidades normativas e fáticas.” 20 Verifica Alexy que as regras determinam as

conseqüências normativas de forma direta, enquanto os princípios teriam uma

dimensão de peso, mas, como indicadores de leitura.

Humberto Ávila estabelece, segundo a evolução doutrinária, os critérios

usualmente utilizados na distinção entre princípios e regras, com os quais

concordamos. São eles:

Em primeiro lugar, há o critério do caráte r hipotético-condicional, que sefundamenta no fato de as regras possuírem uma hipótese e umaconseqüência que predeterminam a decisão, sendo aplicadas ao modo se,então, enquanto os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizadopelo aplicador para futuramente encontrar a regra para o caso concreto.[...]Em segundo lugar, há o critério do modo final de aplicação , que sesustenta no fato de as regras aplicadas de modo absoluto tudo ou nada, aopasso que os princípios são aplicados de modo gradual ma is ou menos.

17 Op. cit., p. 23.18 Apud, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 27.19 Apud, idem.20 ibidem, p. 28.

10

Em terceiro lugar, o critério do relacionamento normativo , que sefundamenta na idéia de a antinomia entre as regras consubstanciarverdadeiro conflito [...]Em quarto lugar, há o critério do fundamento axiológico , que considera osprincípios, ao contrário das regras, como fundamentos axiológicos para adecisão tomada. 21

Continuando, os princípios são a base do sistema normativo, como bem

ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, sustentando que “Os princípios são [...]

núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais [...]” 22 e

ainda “[...] os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem

estar positivamente incorporados, transformando -se em normas-princípio e

constituindo preceitos básicos de o rganização constitucional.” 23 Dessas indicações

podemos tirar duas conclusões: a primeira, que são instituidores de normas, no

sentido de norma cogente, de dever -ser, dentro de um sistema como o nosso,

positivado, onde cada norma, para ser criada, deve cing ir-se aos princípios existentes

de uma coletividade; e a segunda, que servem de base, já positivados, como normas -

princípio, ou como ensina José Afonso da Silva “[...] constituem-se daquelas

decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformad oras do sistema

constitucional positivo [...]” 24; ou, no dizer de Carl Schmitt, “[...] são decisões

políticas fundamentais sobre a particular forma de existência política da nação

[...].”25

As noções de princípios, em que pesem serem muitas, se prestam par a

embasar ou justificar a utilização dos princípios, até porque o que se busca, neste

momento, é a idéia geral trazida pelos mesmos, delimitando o presente estudo, para

que de forma restrita, possam ser vistos os pertinentes ao nosso intento, os quais

devem englobar o sistema constitucional brasileiro e dentro dele, também o tributário,

aferindo-se apenas os pertinentes à responsabilidade tributária indireta, para que, sem

pretensão de exaustividade, possam ser satisfatoriamente vistos sem superficialismo,

como bem adverte José Souto Maior Borges: “[...] na medida em que se abre o leque

21 ibidem, p. 30.22 Fundamentos da Constituição, p.49.23 Idem.24 Curso... op. cit., p. 97.25 Teoria de la constitucion , p. 24.

11

dos problemas a serem enfrentados, evidentemente, aumenta o risco de ser a

exposição amesquinhada pela superficialidade tópica.” 26

Todo o sistema constitucional pátrio deve adequar-se aos princípios

constitucionais, quer sejam genéricos ou específicos, pois, do contrário geraria a

inconstitucionalidade. Essa afirmação é ainda mais verdadeira, na medida em que

temos uma Constituição analítica, segundo a visão de José Roberto Vieira, onde

quase todos os temas são estabelecidos e quase dissecados. 27 O sistema tributário

nacional deixa pouco a cargo do legislador ordinário, e restringe as possibilidades em

que se possa inovar, sob pena de ser contrário ao texto constitucional, por ferir

princípios ou regras de caráter não principiológico, exaustivamente tratadas. Essa

exaustiva previsão já valeu muitas críticas, algumas severas e outras suaves, como as

de Luis Roberto Barroso e de Miguel Reale, ambos citados por José Roberto Vieira .28

Com essa distinção entre os princípios e as regras, para justificar o presente

capítulo e o seguinte, enfrentar -se-ão os princípios constitucionais pertinentes ao

nosso labor.

1.3 Princípios constitucionais pertinentes

A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo princípios afetos à

tributação – em especial, repita-se, relativos a responsabilidade tributária –, de forma

explícita e implícita, necessitando, assim, de uma sistematização. Tal classificação,

para o que nos interessa, deve abrang er os princípios que norteiam a própria

tributação, por ser o cerne do nosso interesse ao falarmos sobre a responsabilidade

indireta dos sócios pelos tributos da empresa. Dessarte, conhecer as classificações é

primordial para a escolha dos princípios perti nentes.

Duas classificações, portanto, fazem -se necessárias. Entretanto, já para cada

classificação há distorções de entendimentos ou variações de propostas. Conforme

José Afonso da Silva, temos para o primeiro tema duas categorias: “ princípios

26 Competência Tributária dos Estados e Municípios, p. 133.27 Medidas provisórias em matéria tributária: as catilinárias brasileiras, p. 43.28 Apud, Medidas provisórias em matéria tributária: as catilinárias brasileiras, p.43.

12

políticos-constitucionais e princípios jurídico -constitucionais”, onde os primeiros

seriam de caráter fundamental e os segundos de caráter geral. 29

Para Luis Roberto Barroso, segundo Vieira, que os arrola em: “ fundamentais,

gerais e especiais”, onde os primeiros seriam decisões políticas estruturais do Estado;

os segundos desdobramentos dessas decisões; e os terceiros, constituindo um

conjunto de normas especificas de determinado setor, como o tributário ou o penal. 30

Não obstante classificações importantes, com o a de Roque Carrazza, que

classifica os princípios no âmbito tributário, mas, engloba todos os pertinentes, 31

preferimos uma classificação pelas características que exprimem, consideradas essas

características como relativas ao conteúdo que especificam, co mo a igualdade no

princípio da igualdade. Dessa forma, diríamos, portanto, de ordem jurídico -

constitucionais, na acepção de José Afonso, e especiais e pertinentes, no dizer de

Barroso e de Carrazza.

Dessa maneira, tais princípios nos parecem ser: da Leg alidade, Igualdade e

Capacidade Contributiva. A razão da escolha é porque se consubstanciam em pilares

da responsabilização tributária. Dediquemo -nos a eles.

1.3.1 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade tem significação dúplice, como bem re trata Celso

Bastos:

De um lado representa o marco avançado do Estado de Direito, queprocura jugular os comportamentos, quer individuais, quer dos órgãosestatais, às normas jurídicas das quais as leis são a suprema expressão. [...]De outro lado, o princípio da legalidade garante o particular contra ospossíveis desmandos do Executivo e do próprio Judiciário. Instaura -se, emconseqüência, uma mecânica entre os Poderes do Estado, da qual resultaser lícito apenas a um deles, qual seja o Legislativo, obrig ar aosparticulares.Os demais atuam as suas competências dentro dos parâmetros fixados pelaLei.32

29 Curso..., op. cit., p. 96-97.30 Apud. Medidas..., op. cit., p. 51.31 Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 33-459.32 Curso..., op. cit., p. 186.

13

A primeira significação distingue o Estado Constitucional de Direito e o

Estado Absolutista. No Estado absolutista, segundo Gisela Maria Bester “[...] não

havia um Estado de Direito, e sim algumas tolerâncias por parte do monarca, em um

regime de privilégios, sendo que estes poderiam a qualquer momento ser violados ou

derrogados pelo próprio monarca, conforme sua única e exclusiva vontade.” 33

Com a adoção, pela Constituição Federal de 1988, do princípio da legalidade,

podemos concluir pela adoção irrestrita de um Estado não absolutista, e sim,

democrático de direito, onde a vontade do Estado ou do detentor do Poder não

prevalecem se não calcada na lei, es ta como expressão da vontade coletiva, expressa

em regras postas, pelo órgão competente, dentro de sua competência constitucional.

A segunda significação é uma garantia do particular – todos os membros da

sociedade, pessoas físicas, jurídicas ou entes s em personalidade, desde que diversos

do Estado – contra qualquer desmando do Estado. Por Estado, entendam -se os três

níveis de entes criados pela Constituição – União, Estados-membros, Distrito Federal

e Municípios – bem como, por vezes, os chamados “Poder es do Estado”.34 É claro

que a inclusão do Legislativo deve ser vista com ressalva, pois, como órgão

designado para a confecção das leis, sendo sua atribuição precípua, quando criar leis,

impondo obrigações ao particular, desde que, com a observância consti tucional dos

procedimentos de criação, não estará sendo arbitrário ou usurpador.

A legalidade, segundo André Gonçalves Pereira – jurista luso, citado por José

Roberto Vieira –, significa não infringir a lei, mantendo uma relação de não -

contrariedade ou de compatibilidade – concepção restritiva –, ou agir nos termos da

lei, mantendo uma relação de conformidade – concepção ampliativa.35 Gisela Maria

Bester trata o princípio da legalidade, para o cidadão administrado, como regra de

ampla liberdade de ação, para o que não seja proibido; e para a Administração, em

sentido inverso, vedação de agir sem autorização de lei. 36 A vedação de agir para o

Estado sem a autorização de lei, é a chamada legalidade positiva em que incorre a

33 Direito..., op. cit., p. 19.34 O poder é uno, a referência a poderes deve -se a uma banalização dessa nomenclatura. Na verdade, deveríamos indicar os órgãos que dividem o poder, na clássica divisão do Barão de Montesquieu, em Judiciário, Executivo e Legislativo.35 Legalidade tributária e medida provisória: mel e veneno, in FISCHER, Otávio Campos (Coord.)

Tributos e direitos fundamentais, p.182-183.36 Direito..., op. cit., p. 273.

14

Administração Pública, não lhe sendo possível atuar livremente, senão quando a lei

autorize ou determine.

O Estatuto Constitucional brasileiro trata do princípio da legalidade genérica

em seu artigo 5º, II, com a seguinte redação: “Ninguém será obrigado a fazer ou

deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Por fazer parte dos direitos e garantias individuais, previstos no artigo 5º da

Constituição Federal é, segundo prescreve o artigo 60, § 4º, IV, cláusula pétrea, pelo

posicionamento do legislador constitucional.

Apesar de tratado como direito individual, até pela posição no Codex maior,

na verdade, trata-se de garantia constitucional, já que não se tutela um bem da vida,

mas a prerrogativa de repelir qualquer ato que não se coadune com a lei, inclusive a

tributária, ou especialmente a tributária.

O princípio da legalidade eleva o Estado a um Estado Constitucional e

também a lei à condição de condutora primordial do querer deste Estado, no qual a lei

rege todos os atos da vida, inclusive do próprio Estado. Qualquer ato que não se

coadune com a lei, ou indo além, em alguns casos, como o tributário, serão não só

ilegais, mas ofensivos à concepção de Estado Democrático de Direitos. Diante disso,

o Poder Executivo, dentro de um Estado cada vez mais intervencionista, prec isa ser

freado, para que não usurpe competências, especialmente por parte do Judiciário,

inclusive com responsabilização pessoal de seus governantes, por ferir a lei, ou agir

sem sua presença, quando necessário.

Conectado à legalidade – de forma ampla, temos um princípio maior, que a

legalidade colabora para realizar, que é princípio da segurança jurídica, como

passamos a expor.

1.3.1.1 Princípio da segurança jurídica

O princípio da Segurança Jurídica poderia ser um dos primeiros a ser tratado,

ante sua importância como um dos valores supremos, e indicado pelo legislador

constitucional, que dele trata no artigo 5º, caput, da Constituição.

Aliás, no referido artigo, tal princípio é tratado apenas como segurança, uma

garantia à segurança. Considerando-se que, onde a Constituição não delimita, não

cabe ao legislador ordinário delimitar, tem -se que a segurança almejada é aquela com

15

maior amplitude possível. Inclusive, como base a todos os direitos individuais e

coletivos arrolados nos incisos do artig o 5º. A idéia de segurança jurídica desdobra -se

em outros subprincípios como a irretroatividade das leis e a manutenção de direitos

subjetivos, do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido.

A segurança jurídica denota a previsibilid ade do sistema, ou seja, a

possibilidade de antever conseqüências, onde qualquer pessoa possa estar preparada e

consciente quanto à atuação do Estado, sem inovações, ou usurpações.

Transpondo o preceito para o sistema tributário nacional, como citado por

José Roberto Vieira, significa: “ Aqui a tendência à ‘proteção da confiança’, ou, de

conformidade com a doutrina germânica, ao ‘princípio da confiança na lei fiscal’,

que corresponde à noção de previsibilidade ou calculabilidade, como esclarecem

JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e ALBERTO XAVIER ”.37 A afetividade à

legalidade é patente neste princípio, sendo o bom caminhar de uma nação.

Como característica da segurança jurídica, a certeza do direito é algo

imprescindível. A clareza e a estabilidade marcam a cer teza do direito. Uma sentença

deve ser certa, com condenação coercitiva, ainda que possa haver possibilidades de

prestações pelo réu. A certeza do direito é, segundo Paulo de Barros Carvalho,

“postulado indispensável para a convivência social organizada ”.38 É um valor que

define, delimita as esferas jurídicas, de toda a sociedade, quer entre si ou contra o

Estado, como ensina Geraldo Ataliba. 39

Não pode haver segurança jurídica sem legalidade genérica e tributária,

considerada esta como postulado para toda s as atuações do Estado, exigindo condutas

e confeccionando regras de conduta, ou garantias gerais do particular; ou específicas,

como para o Direito Tributário, onde toda atuação do Fisco deve dar -se com

observância desse princípio, pois, tal princípio se torna condição sine qua non para a

realização da segurança jurídica.

37 Medidas..., op. cit., p. 58.38 Curso..., op. cit., p. 146.39 República e Constituição. p. 157.

16

1.3.1.2 Princípio da Legalidade Estrita

O princípio da legalidade estrita, para o nosso trabalho, atentará para a

legalidade em matéria tributária.

Tal princípio da legalidade está previsto de forma genérica no artigo 5º, II, da

Constituição, como já dissemos. Em matéria tributária, o mesmo encontra -se no

artigo 150, I, da Constituição, que prevê ser vedado aos entes federados “ exigir ou

aumentar tributo sem lei que o estabele ça.”

A idéia central no campo tributário seria a autotributação, onde a sociedade

decidiria o que se faz necessário para a sustentação do Estado, do bem comum e

quanto é o valor que cada ente deve suportar para essas despesas. Esta manifesta -se

no consentimento dos representantes das pessoas (poder legislativo) que devem

suportar os tributos, com base na estrita vinculação à lei, seja no lançamento, seja da

cobrança das exações.

A arrecadação tributária, como idéia de tributar, delimitando a relação

jurídico-tributária e instituindo tributos, no tempo do feudalismo, dependia da

vontade e do interesse do monarca. No Estado atual, Democrático de Direito, limita -

se o “poder” de tributar através do princípio da legalidade, e especificamente através

da legalidade tributária estrita, aquela que exige a lei em sentido material e também

formal. Carré de Malberg, citado por Roque Carrazza, preceitua a lei como

“expressão da vontade geral”, o que relembra que a lei tributária deve advir da

vontade do povo, expressado por seu órgão competente para criar as leis, o Poder

Legislativo.40 A lei, editada pelos legisladores, representantes da sociedade, impõe

normas que limitam a liberdade e a propriedade de seus membros. Onde existe o

Estado de Direito e onde se limita os poderes públicos, a lei-norma abstrata é igual

para todos que estão em equivalência jurídica. 41

A vontade geral é emitida pelo Legislativo, executada pela Administração

Pública tributária e garantida pelo Judiciário. Existe um controle constitucional que é

ínsito ao Estado Liberal e Democrático. A Constituição, Lei das leis, cria

juridicamente o Estado, determinando direitos e deveres, definindo tributos, delitos e

penas; impondo deveres e direitos à administração e aos administrados, onde a lei

40 Apud, Curso..., op. cit., p. 237.41 Neste sentido, CARRAZZA, Roque Antonio. Curso..., op. cit., p. 237-238.

17

oferece segurança e a certeza maior de seu cumprimento e observância, funcionando

como garantia, no que se refere à tributação, apresentando os meios para arrecadação,

dentro do chamado princípio da praticabilidade da tributação; e o limitador da

voracidade tributária do executivo que assola os contribuintes. O princípio da

legalidade é um limite à atuação do Fisco e do particular.

A lei deve ser geral, abstrata e igual para todos (artigos 5º, I; e 150, II, da

CF/88 – Constituição Federal de 1988), irretroativa (art . 150, III, “a”, da CF/88), e

não confiscatória (art. 150, IV, da CF/88). Ainda, a norma oriunda das leis deve

conter supostos conseqüências, hipótese de incidência do tributo, seus sujeitos ativo e

passivo, sua base de cálculos e alíquotas. Fica vedada qu alquer interferência do

Executivo, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Qualquer complementação

deve ser feita dentro de limites que a lei especifica. 42

Manifesta-se o princípio da estrita legalidade tributária, no dizer de Geraldo

Ataliba, contendo a lei tributária todos os dados essenciais do tributo – natureza

jurídica e quantificativos –, identificando-se a hipótese de incidência e a

conseqüência tributária , não podendo ser empregada aqui a analogia – e nem a

discricionariedade.43 Cabe esclarecer que, quando o legislador estabelece a lei, não se

trata somente de ato jurídico normativo, que imponha dever aos entes (sentido

material), ou como ensina Hugo de Brito: “ Em sentido material, lei é o ato jurídico

normativo, vale dizer que contém uma regra de direito objetivo, dotada de

hipoteticidade”,44 mas, também, que seja lei em sentido formal, sendo aquela que

segundo o citado autor “[...] é o ato jurídico produzido pelo Poder competente para

o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos n a Constituição.”45 Diante

disso, a instituição de tributo é vedada se não criada por lei produzida pelo Poder

Legislativo. Até mesmo a Medida Provisória, apesar de ser ato com força de lei, mas,

que por certo, não é lei em sentido formal, não se presta a cr iar tributos para o mesmo

exercício, e sua exigibilidade para o exercício seguinte depende de sua conversão em

lei.46 Quanto ao aumento de alíquota, também vedada pela Constituição até a Emenda

42 Idem, p. 238-241.43 Hipótese de incidência tributária, p. 175.44 Curso de Direito Tributário, p. 63.45 Idem.46 De acordo com a EC 32 de 11 de setembro de 2001, que acrescentou o parágrafo 2º, ao ar tigo 62 da

Constituição Federal. A referência é apenas em razão do contido na Constituição, sem adentrar noseu mérito, já que sua constitucionalidade é questionável, mas foge ao propósito deste trabalho.

18

Constitucional número 32, hoje admite ressalva, já que se admit e, nos casos

expressos pelo artigo 62, § 2º da Constituição , ainda que provisoriamente ou

dependente de conversão em lei. 47

1.3.1.3 Princípio da Anterioridade

A Constituição em seu artigo 150, III, b, veda a cobrança de tributo no mesmo

exercício financeiro em que foi publicada a lei que o instituiu ou aumentou,

contemplando o princípio da anterioridade, com a determinação de prorrogar a

eficácia e a aplicabilidade da lei tributária, para o ano seguinte, com as exceções que

veremos abaixo.

O princípio da anterioridade é regra, no âmbito tributário. Misabel de Abreu

Derzi observa:

Como não é uma faculdade ou discricionariedade do Poder Legislativo,nem tampouco acidentalidade ou eventualidade, mas a regra geral, oprincípio da anterioridade acaba po r caracterizar e especializar as leistributárias que instituam ou majorem tributos. Do ponto de vista técnico, ofenômeno sempre será o mesmo: posta a lei e publicada, essa só teráaptidão para desencadear efeitos e ser aplicada, no exercício subseqüenteao de sua publicação.48

O princípio da anterioridade é correlato do princípio da legalidade estrita,

segundo a Constituição, em matéria tributária, segundo o qual não basta, para

instituição e majoração de tributos, que exista lei, e em sentido formal, m as que essa

lei seja anterior, não só do ponto de vista da criação ou majoração, mas anterior ao

exercício financeiro da sua eficácia. Dessarte, a lei que institua ou majore tributos

deve ser publicada no exercício imediatamente anterior, dentro do ano tri butário

anterior, que se confunde com o ano civil, terminando em 31 de dezembro. A

intenção é o planejamento tributário, onde o contribuinte, inclusive a empresa, pode

planejar para o ano seguinte a adequação de seus recursos com a carga tributária.

Nem todos os tributos passam pelo crivo da edição de lei no exercício anterior, como

é o caso dos tributos dos artigos 148, I; 153, I, II, IV e V; 154, II. Isso deve -se ao fato

47 Idem.48 Medidas provisórias – sua absoluta inadequação à instituição e majoração de tributos, p. 133.

19

de que esses tributos não têm fins arrecadatórios ordinários, e sim reguladores e

emergenciais, como, por exemplo, o imposto extraordinário de guerra. Outra exceção

à publicação de lei, em exercício anterior, refere -se às Contribuições Sociais para a

seguridade social, que podem ser exigidas somente após 90 dias, a chamada

noventena – artigo 195, § 6º. Aliás, a noventena, segundo poderosas vozes, poderia

ser a regra com relação à anterioridade, pois, propiciaria um planejamento uniforme e

de fato, afastaria as instituições de tributos às vésperas do final de ano, com eficácia

de cobrança em alguns dias, ou até mesmo um dia após sua instituição ou majoração .

Não alheio a isso, o legislador instituiu a Emenda Constitucional nº 42 de 19 de dezembro de

2003, acrescentando o artigo 150, III, c, estendendo a anterioridade nonagesimal aos tributos

em geral, com as exceções previstas no artigo 150, § 1º, in fine.

1.3.2 Princípio da Igualdade

A igualdade está presente em quase todos os princípios já referidos, de forma

explícita ou não, razão pela qual podemos enfrentar o princípio da igualdad e, ou da

isonomia, como preferem alguns, com comentários contidos.

O princípio da igualdade está posto no artigo 5º, caput, da Constituição

Federal de 1988, sendo um dos baluartes propostos pelo legislador constitucional. 49

Também fazendo parte das cláusu las pétreas, entendidas essas como dispositivos da

Constituição que não podem ser alterados – artigo 60, § 4º, IV. Com a intenção do

constituinte originário de que “[...] a tão sonhada igualdade entre os seres humanos,

pudesse ser, além de formal, também material, isto é, que pudesse deixar de apenas

estar registrada nos textos das leis para efetivamente se fazer verificar no mundo real,

na realidade concreta, na materialidade da vida, sendo essa a igualdade de cunho

econômico”, no dizer de Gisela Maria Bester.50

Apesar de cláusula pétrea, como um princípio de garantia que é, parece -nos

ser, no plano maior de igualar homens, uma utopia social o princípio da igualdade, ou

49 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo -se aos brasileirose aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdad e[...]”.

50 Cadernos de Direito Constitucional : parte II – direito positivo constitucional, p. 18

20

parece ser um princípio programático do plano filosófico. 51 Claro que não é

programático nas relações jurídicas, já que a igualdade deve ser sempre observada,

sem discriminação, mas, no intento maior, que deve nortear o ideal de toda lei, de

igualar no plano social. Entendida, no entanto, no plano jurídico, seu sentido,

qualquer outra elucubração perde sentido para o nosso intento.

O princípio da igualdade deve ser entendido em seu sentido mais amplo, onde

se almeja a isonomia e até mesmo a justiça. Isonomia no sentido de igualar as

pessoas, afastando, no entanto, tratamentos diferentes. A justiça almejada é aquela

que elimine o jugo do mais fraco pelo mais forte, eliminando desigualdades e

desiguais. Nesse sentido, o pensamento de Alexandre de Moraes, para quem:

[...] o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminaçõesabsurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida emque se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça,pois, o que realmente protege são certas finalidades. Somente se tendo porlesado o princípio constitucional qua ndo o elemento discriminador não seencontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que seesqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que aschamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condiçõessociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pelaaplicação de políticas ou programas de ação estatal.(sic) 52

A legalidade, ou, melhor dizendo, o princípio da legalidade não poderia fazer -

se presente sem o princípio da igualdade, já que muito pouco adianta observar-se a

legalidade genérica, ou mesmo formal, sem a noção de igualdade. De muito pouco

adianta observar a aplicação da lei, se a mesma não for igual para todos. Claro, como

foi dito, para todos aqueles que estiverem nas mesmas condiçõe s, pois, há que se

tratar como iguais os iguais, e como desiguais os desiguais.

Também no campo da legalidade tributária, o princípio da igualdade faz -se

presente. No artigo 150, II, da Constituição, está presente o princípio da igualdade

tributária, com forte carga de isonomia, vedando o tratamento desigual entre

contribuintes na mesma situação.

51 A palavra utopia vem do grego, significando lugar nenhum, e foi utilizada pelo filósoforenascentista Thomas More para designar a ilha deserta imaginária n a obra “Sobre o melhor estadode uma república e sobre a nova ilha Utopia ”. Na obra A Utopia, Thomas More fez severas críticas àsociedade inglesa e européia, ao mesmo tempo em que apresentou a ilha Utopia como um lugar emque a sabedoria e a felicidade do povo decorrem de um sistema social, legal e político perfeito,guiado pela razão.

52 Direito Constitucional, p. 62.

21

Tratando da igualdade tributária, Zenildo Bodnar diz que “ A igualdade

material perante a lei é um dos princípios que devem orientar a tributação.

Igualdade não no sentido de que todos são iguais perante a lei, mas sim, a igualdade

entre pessoas ante um mesmo pressuposto de fato.” 53 Significa dizer que as situações

jurídicas semelhantes ou iguais, devem obter o mesmo tratamento isonômico. Por

outro lado, as situações diferentes exigem tratamento diverso, por não se estar diante

de um mesmo pressuposto de fato.

Quanto ao objeto dessa dissertação, “A responsabilidade indireta dos sócios

pelos tributos da empresa”, Roque Carraza faz importante afirmativa sobre a

isonomia, afirmando que:

A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada comigualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica devereceber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burlarao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecionepessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras,ocupantes de idênticas posições jurídicas. 54

A noção de tratamento isonômico entre os sujeitos passivos da relação jurí dica

tributária, ganha ares de fundamental importância, à medida em que a

responsabilização indireta do sócio, só pode ocorrer sob determinadas condições e

limites, visando a não ofensa ao princípio da igualdade.

Celso Antonio Bandeira de Mello fez sign ificativa contribuição ao exame do

princípio da igualdade, indo além da doutrina tradicional nesse aspecto, conforme

transcrevemos:

Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem serfeitas sem quebra da isonomia se divide em três quest ões:

A) A primeira diz com o elemento tomado como fator dedesigualação;

B) A segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entreo fator erigido em critério de discrímem e a disparidade estabelecida notratamento jurídico diversificado ;

C) A terceira atina à consonância deste correlação lógica com osinteresses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. 55

A amplitude do princípio da igualdade, em suas várias acepções, não

merece um aprofundamento aqui, pelo desv io do caminho, não se olvidando que o

53 Responsabilidade tributária do sócio administrador, p. 5454 Curso..., op. cit., p. 77-78.55 O conteúdo jurídico do princípio da igualdad e, p. 27

22

mesmo deve ser observado no trato da responsabilidade tributária, como apontado

neste texto.

1.3.3 Princípio da Capacidade Contributiva

O princípio da capacidade contributiva é um dos princípios mais importa ntes

dentro de uma sociedade justa e solidária, dentro do Estado Democrático de Direito.

Significa que cada pessoa deve contribuir para as despesas públicas na medida de sua

condição econômica. Ressalte -se, que o princípio da capacidade contributiva é a

realização, em matéria tributária, do princípio da igualdade

Tal princípio foi estabelecido no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal de

1988, e dispõe:

Art. 145. [...]

§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serãograduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando àadministração tributária, especialmente para conferir efetividade a essesobjetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos dalei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas docontribuinte.

A sujeição passiva tributária, na obrigação tributária, decorre de lei. Essa lei

encontra amparo na Constituição, ou seja, deve conformar -se com o

constitucionalmente estipulado para sua elaboração, obedecendo a critérios de ordem

formal e material. Além da observância do princípio da legalidade e do princípio da

igualdade, deve atender ao princípio da capacidade contributiva, nos termos da

previsão constitucional do § 1º do artigo 145. O sujeito passivo da relação tributária ,

ante o problema da nomenclatura como contribuinte e como responsável ser

deficiente, é denominado, por Marçal Justen Filho, como destinatário constitucional

tributário, considerando que a Constituição brasileira de 1988 criou um sistema

tributário que limita, e muito, a atividade legiferante do legislador ordinário, pois,

define, o núcleo das hipótese de incidência tributária com reflexo na identificação do

sujeito passivo.56

56 Sujeição passiva tributária, p. 262-263.

23

Dalton Dallazem, com relação ao sujeito passivo confirma: “ A Constituição

Federal estabelece, ao instituir e partilhar competências tributárias, o quadro dos

contornos fundamentais da hipótese de incidência dos tributos e sinaliza, inclusive, o

sujeito passivo do tributo, ou seja, aquela pessoa que terá o seu patrimônio

diminuído como conseqüência da tributação.” 57

O princípio da capacidade contributiva não é criação da Constituição de 1988,

pois já esteve presente nas Constituições de 1824 e de 1946. Em que pese não ser

inovador na CRFB - Constituição da República Federativa do Bras il, de 5 de outubro

de 1988, foi nela que ganhou real e maior efetividade. Na Constituição Imperial de

1824 foi de singela utilização. Na Constituição de 1946 acabou revogado em 1965,

antes, portanto, do advento da nova Constituição de 1967. Nas demais Con stituições

de 1891, 1934, 1937, 1967 e 1969, sequer figurou.

O princípio da capacidade contributiva gerou acaloradas discussões na

doutrina especializada, sobre ser uma norma programática ou preceptiva. Gisele

Lemke expôs o problema, da seguinte forma:

Discutiu-se muito na doutrina se o princípio da capacidade contributivaera uma norma programática ou preceptiva. As primeiras interpretaçõesdesse princípio foram no sentido de se tratar de uma norma programática.Eram muitos os doutrinadores que não o a ceitavam como um princípiorealmente jurídico, sustentando que se estava diante de uma normaprogramática, continente de um princípio econômico -financeiro, de umaorientação ao legislador no campo da política fiscal. Enfim, uma regravazia de juridicidade. Atribuía-se a esse princípio um conteúdotautológico, pois se entendia que por se estar diante de norma genérica,dela só seria possível extrair que todos estão obrigados a contribuir para ocusteio das despesas públicas na medida de sua capacidade de con tribuir.58

Parece-nos que tal discussão tem razão de ser, mas por falsa percepção. O

princípio da capacidade contributiva tem caráter preceptivo. Senão, vejamos.

Michel Temer esclarece que as normas programáticas “[...] são as que

estabelecem um programa constitucional a ser desenvolvido mediante legislação

integrativa da vontade constituinte .”59 José Afonso da Silva, em classificação

notória, estipulou que os princípios não são normas programáticas, classificando -os

em normas de eficácia plena e aplic abilidade imediatas.60 Dessa forma, sendo norma

57 Cisão e responsabilidade tributária, p. 73.58 Imposto de renda: os conceitos de renda e disponibilidade econômica e jurídica, p. 38-39.59 Elementos..., op. cit., p. 25.60 Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 158-159.

24

de eficácia própria, com aplicabilidade imediata, prestando -se como diretriz das

normas infraconstitucionais, qualquer lei que não observar o princípio da capacidade

contributiva será inconstitucional.

A expressão “Sempre que possível” foi outra questão que ocupou a doutrina. E

isso diz respeito à forma de aplicação. Se aplicável ao caráter pessoal dos tributos ou

à capacidade contributiva. Para os que entendem aplicar -se à capacidade contributiva,

todos os impostos estariam abarcados. Para os que divergem, somente os impostos

pessoais e diretos estariam presentes. Parece -nos, juntamente com Marçal Justen

Filho, que somente nos casos de impossibilidade de aplicação, como na graduação de

alíquotas, é que o princípio deixaria de ser aplicado. 61 A expressão “sempre que

possível”, deve ser entendida como: “somente quando não seja possível” a sua

aplicação é que poderia não ser observada.

Outra importante observação é a de que o princípio da capacidade

contributiva somente se aplica aos impostos. Decorre da previsão legal do artigo 145,

§ 1º. Sua aplicação somente aos impostos também tem razão de ser, por tratar -se de

tributo sem contrapartida do Estado, dependendo somente do contribuinte. As taxas e

a contribuição de melhoria têm caráter de retribuição pela atividade estatal, sendo

tributos vinculados à atuação do Estado, que estipula o valor em face de sua prestação

e não em razão da capacidade do contribuinte. Ressalte -se que sob o ângulo da

capacidade contributiva subjetiva a assertiva não prevalece, de forma absoluta, pois, a

prestação estatal pode ter valor reduzido ou mesmo ser isenta para viabilizar as

condições mínimas de vida de contribuintes com capacidade econômica reduzida ou

inexistente, não prevalecendo a capacidade contributiva, é verdade, mas a capacidade

existencial, onde o Estado tem obrigação de prestar o mínimo necessário.

Outro aspecto da capacidade contributiva diz respeito à forma de tributação.

Nesse aspecto, ela divide-se em absoluta ou objetiva e relativa ou subjetiva: veja -se,

por exemplo, a explicação de Gisele Lemke:

Costuma-se falar em capacidade contributiva absoluta ou objetiva com osignificado de que a hipótese de incidência dos tributos deve ser compostapor fato-signo presuntivo de riqueza. Não se pode cobrar tributo com baseem fato que não tenha caráter econômico. A capacidade contributiva

61 Sujeição..., op. cit., p. 242-244.

25

relativa ou subjetiva diz respeito à distribuição da carga tributária, isto é, àgraduação e aos limites da tributação. 62

O primeiro aspecto, tratado como capacidade contributiva absoluta ou

objetiva, a nosso ver, deve ser sempre observado quanto aos impostos. Não pode o

legislador criar fato tributável de imposto que não envolva o fato -signo presuntivo de

riqueza, como defendido e difundido por Alfredo Augusto Becker. 63 Também quanto

ao segundo aspecto, o da capacidade contributiva relativa ou subjetiva, juntamente

com Becker, entendemos que ela pode ser aplicada. Apesar da não obtenção do rigor

de aplicação da capacidade objetiva ou ab soluta, a relativa ou subjetiva deve ser

aplicada, ou, melhor dizendo, invocando -se o princípio da capacidade contributiva,

quando o fato tributado não for econômico ou quando não observar um mínimo de

riqueza, ou ainda, quando a tributação for de tal mont a que aniquile a riqueza. Claro

que o caso concreto é que vai propiciar essa análise pelo Judiciário, da lei ser

constitucional ou não.

Assim, podemos dizer que o princípio da capacidade contributiva é um

princípio corolário da igualdade. A capacidade co ntributiva, dentro da premissa da

igualdade, de tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, consegue

propiciar condições iguais de contribuição, dentro da capacidade econômica de

contribuir ou de ser tributado.

Tal princípio aplica-se, também, ao caso da responsabilidade tributária direta e

indireta. Para o caso da substituição tributária deve estar presente, como exporemos

com vagar em oportunidade apropriada, mencionando a existência de mecanismos –

do negócio, via de regra - satisfatórios para o ressarcimento do substituto, visando o

atendimento da capacidade contributiva, em caso de não poder obter a devolução do

valor pago em face da substituição, quer regressiva, quer progressiva. Para o

responsável, o direito de regresso, além da ne cessária ligação jurídica e/ou econômica

com o fato, devem estar presentes, para observância do princípio da capacidade

contributiva e, portanto, não se tornar inconstitucional.

Em matéria tributária, a capacidade contributiva e a igualdade formam ao lad o

da solidariedade social um dos objetivos fundamentais da República, previstos no

artigo 3º da Constituição. A solidariedade social está presente quando que tem maior

62 Imposto..., op. cit., p. 41.63 Teoria geral do Direito Tributário, p. 505-508.

26

capacidade contributiva paga pelos que não a possuem. Isso também representa

igualdade, tributária e social.

Com a visão, presente neste capítulo, dos princípios constitucionais

pertinentes ao tema do nosso trabalho, colaborando com o esclarecimento das normas

relativas à responsabilidade tributária indireta dos sócios, e sua correta aplicação,

aumentam as perspectivas, inclusive, de que aqueles que têm capacidade contributiva,

em especial, não deixem de contribuir, aumentando a realização da solidariedade

social em matéria tributária.

Utilizando-se, para o propósito de nosso tema, dos princípios constitucionais

como base da construção normativa da responsabilidade tributária indireta, podemos

ascender no feito, passando à análise da norma jurídica e da relação jurídica

tributária, no capítulo seguinte.

27

CAPÍTULO 2

A NORMA E A RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

2.1 A norma jurídica tributária

2.1.1 Conceito e classificação das normas

Aplicar o Direito significa submeter um caso concreto a uma norma jurídica

adequada. O Direito precisa cumprir papel eficie nte e realístico, atendendo anseios

individuais e coletivos, amparando, juridicamente, interesses humanos. Tal se dá

através da norma jurídica.

A obra de Hans Kelsen traz importante contribuição para o raciocínio acima,

na seguinte passagem:

Assim como o caos das sensações só através do conhecimento ordenadorda ciência se transforma em cosmos, isto é, em natureza como sistemaunitário, assim também a pluralidade das normas jurídicas gerais eindividuais postas pelos órgãos jurídicos. Isto é, o materi al dado à ciênciado Direito, só através do conhecimento da ciência jurídica se transformanum sistema unitário isento de contradições, ou seja, numa ordem jurídica.Esta ‘produção’, porém, tem um puro caráter teorético ou gnosiológico.Ela é algo completamente diferente da produção de objetos pelo trabalhohumano ou da produção do Direito pela autoridade jurídica. 64

Diante de tal premissa, entendemos que um bom norte para o nosso feito é

começar pelo estudo, não exauriente, no entanto, da norma jurídica.

Corroborando esse entendimento, Carlos Maximiliano, citando Karl Von

Gareis, aponta que “Para atingir, pois, o escopo de todo o Direito objetivo é força

examinar: a) a norma em sua essência, conteúdo e alcance (quoestio juris, no sentido

estrito); b) o caso concreto e suas circunstâncias (quoestio facti); c) a adaptação do

preceito à hipótese em apreço.” 65

Para o enfrentamento do tema proposto, referente à responsabilidade

tributária, consubstanciada na responsabilidade indireta dos sócios e de terc eiros

pelos tributos da empresa, a norma jurídica tributária precisa ser conhecida, a fim de

64Teoria pura do direito , p. 111-113.65 Apud, Hermenêutica e aplicação do direit o, p. 7-8.

28

atingir esse escopo do Direito, não sem reconhecer a dificuldade pelo amplo campo

de trabalho que se ingressa.

Podemos conceituar a norma jurídica, segundo Paulo Dourado de Gusmão,

como sendo:

[...] a proposição normativa inserida em uma ordem jurídica, garantidapelo poder público (direito interno) ou pelas organizações internacionais(direito internacional). Proposição que pode disciplinar condutas ou atos(regras de conduta), como pode não as ter por objeto, coercitivas eprovidas de sanção. Visam a garantir a ordem e paz social e internacional.As do direito evoluído caracterizam-se pela generalidade, não tendo porobjeto situações concretas (casos), enquanto a s do direito arcaico sãodominadas pelo casuísmo, disciplinando casos. As normas jurídicasdisciplinadoras de condutas são bilaterais, sendo, portanto, abilateralidade sua nota específica. Geralmente, a sua forma típica éimperativa, geral e abstrata. Compõe-se, em regra, de preceito e sanção.Na norma penal é perfeita essa estrutura, pois consta do ‘preceito’, quedefine o crime, e de ‘sanção’, que estabelece a pena. Já em outras, assanções podem se encontrar em outra parte da lei ou em outra lei. Muita svezes não está a sanção, como no caso do direito internacional,estabelecida por uma norma escrita, como, por exemplo, a represália ou aguerra.66

Para Sacha Calmon, a norma “[...] se nos apresenta à razão como um modo

institucionalizado de dirigir compo rtamentos. A norma não deixa de ser norma pelo

simples fato de ser desrespeitada. Ela é, preexiste e sobreexiste à ação que

preconiza. É um ser que se quer permanente como instrumento de regulação da

conduta humana garantido por uma estrutura de poder (Est ado).”67

Em outra conceituação, que vê a norma sob o prisma de três enfoques, como

norma-proposição, norma-prescrição e norma-comunicação, cite-se Tércio Sampaio

Ferraz Jr., para quem:

Os juristas, de um modo geral, vêem a norma, primeiramente, como u maproposição, independentemente de quem a estabeleça ou para quem ela édirigida. Trata-se de uma proposição que diz como deve ser ocomportamento, isto é, uma proposição de dever -ser. [...] Tudo conforme afórmula: se A, então deve ser S, em que A é cond uta hipotética, S a sançãoque segue à ocorrência da hipótese; o dever -ser será o conectivo que uneos dois termos. Neste caso, a norma seria propriamente um diretivo, isto é,uma qualificação para o comportamento que o tipifica e o direciona.De um modo ou de outro, nesta primeira concepção, a norma éproposição.Os juristas, porém, também costumam conceber normas como prescrições,isto é, como atos de uma vontade impositiva que estabelece uma disciplina

66 Introdução ao estudo do direito, p. 105.67 Curso de Direito Tributário brasileiro, p. 17.

29

para a conduta, abstração feita de qualquer resistê ncia. [...] Normas são,assim, imperativos ou comandos de uma vontade institucionalizada, isto é,apta a comandar.Por fim, há também a possibilidade de considerar a norma como umfenômeno complexo que envolve não só a vontade de seu comando, masdiferentes situações estabelecidas entre partes que se comunicam. Nestecaso, a norma é vista como comunicação, isto é, uma troca de mensagensentre seres humanos, um modo de comunicar que permite a determinaçãodas relações entre os comunicadores: subordinação, co ordenação. [...]Como se vê, seja como norma-preposição, seja como norma-prescrição,seja como norma-comunicação, o conceito de norma jurídica é um centroteórico organizador de uma dogmática analítica. Mesmo sem desconhecerque o jurista, ao conceber normativamente as relações sociais, a fim decriar condições para a decidibilidade de seus conflitos, também é umcientista social, há de se reconhecer que a norma é o seu critériofundamental de análise, manifestando -se para ele o fenômeno jurídicocomo um dever-ser da conduta, um conjunto de proibições, obrigações,permissões, por meio das quais os homens criam entre si relações desubordinação, coordenação, organizam seu comportamento coletivamente,interpretam suas próprias prescrições, delimitam o exercíci o do poder etc.”(grifos do original).68

Podemos afirmar, juntamente com Marcos Bernardes de Mello, que o mundo

jurídico é formado pelos fatos jurídicos e estes, por sua vez, são resultado da

incidência da norma jurídica sobre o seu suporte fáctico quand o concretizado no

mundo dos fatos.69 Sua eficácia constituída por direitos e deveres, pretensões e

obrigações, ações, exceções e outras categorias eficaciais. A proposição da norma

para ser completa necessita da descrição de um suporte fático do qual result ará o fato

jurídico e a prescrição dos efeitos atribuídos ao fato jurídico respectivo. Vista a

conceituação da norma, podemos passar a sua classificação.

Duas classificações podem ser adotadas, ressaltando -se que ambas não

diferem substancialmente. A primeira é elencada por Sacha Calmon, segundo o qual:

Uma classificação funcional das normas jurídicas, com a ressalva de quetoda classificação é precária, começaria por conferir -lhes, a todas, caráterprescritivo. Em seguida as dividiria em cinco grandes grupos, sendo queos dois últimos seriam interligados funcionalmente:Normas organizatórias;Normas de competência;Normas técnicas;Normas de conduta;Normas sancionantes.70

68 Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação , p. 99-101.69Teoria do fato jurídico: plano da existência, p. 19.70Curso..., op. cit., p. 21.

30

Uma segunda classificação, adotada por Paulo Dourado de Gusmão, dispõe

que:

A classificação das normas jurídicas pode ser estabelecida em função deseu conteúdo, em função do grau de sua imperatividade, em função danatureza de sua sanção e em função de sua forma. Pelo primeiro critériopodemos classificá-las em função: a) da extensão espacial de sua validade:regra de direito comum e de direito particular; b) da amplitude de seuconteúdo: regra de direito geral, de direito especial e de direitoexcepcional; c) da força de seu conteúdo: lei ou norma constitucional e leiou norma ordinária; d) da aplicabilidade de seu conteúdo: lei auto -aplicável e lei regulamentável; e) do interesse que tutela: regra de direitopúblico, de direito privado, e de direito misto. Já pelo segundo critério, ouseja, pelo grau de sua imperatividade: a) em re lação ao particular: normataxativa, também denominada coercitiva ou impositiva, e normadispositiva; b) em relação ao poder público: norma rígida e norma elásticaou flexível. Em função da natureza de sua sanção: a) norma penal(composta de preceito e pena); b) norma de direito privado (geralmentedotada de sanção patrimonial); c) lei fiscal (multa, correção monetária dodébito fiscal); d) norma disciplinar; e) norma ou lei perfeita; f) norma oulei imperfeita; g) norma ou lei menos que perfeita; h) norma ou lei maisque perfeita.Finalmente, em função de sua forma as normas podem ser: escritas (lei,tratado, regulamento etc.), e não -escritas (costume, princípios gerais dodireito). Do ponto de vista da forma ou da fonte da norma poder -se-iaainda classificá-la em: a) legislativa; b) jurisprudencial; c) doutrinal;convencional; e) consuetudinária. As normas podem ainda serclassificadas em função da ordem jurídica a que pertencem em nacionais eestrangeira.71

A classificação da norma não tem uma função mai or senão a didática.

Entretanto, conhecê-la trará a facilidade de aplicação e de apreciação, por ocasião do

estudo do caso concreto apresentado.

Temos, no ordenamento jurídico, ainda, as normas ditas explícitas, que são

proposições formuladas em textos si ntéticos ordenados, compondo um conjunto

legislativo, o qual deve ser o mais harmônico e coerente possível. Nesse contexto,

existem as proposições lógico -jurídicas, que são as normas completas e, as

proposições lingüísticas, que são um conjunto de normas q ue regulam uma

determinada relação jurídica. São normas integrativas, mas que compõem um mesmo

ordenamento jurídico.

No ordenamento jurídico temos também as normas ditas implícitas, que

incidem em revelação de normas jurídicas, onde o operador do direit o, em especial o

juiz, toma como fundamento os princípios que norteiam o sistema jurídico, com a

71 Introdução..., op. cit., p. 109-111.

31

importância que advertimos supra, extraindo da norma sua real vontade e

aplicabilidade.

2.1.2 A norma jurídica e sua coercitividade

A relação jurídica tributária considerada como direito e dever, dever este com

cunho ou natureza jurídica de “dar, entregar ou fazer”, pressupõe uma norma jurídica

com eficiência a fazer cumprir seu mandamento. Tal eficiência é obtida através da

sua coercitividade.

Paulo Dourado de Gusmão, em proposição significativa e irretocável,

praticamente esgota esse item, senão vejamos:

A norma jurídica é executável coercitivamente. Há quem diga ser elacoativa. Como, porém, ela envolve a possibilidade jurídica da coação, épreferível considerá-la coercitiva. Assim, ao contrário das demais normassociais, a jurídica se caracteriza pela coercibilidade: se inobservada, éimposta pelo Estado (direito estatal) ou por uma organização internacional(direito internacional). [...] Destarte, como podem as pessoas inobservá -lo,torna-se necessário haver a possibilidade do emprego da força materialpara fazê-las agir dentro do direito. Havendo, portanto, a possibilidade deo direito ser inobservado, é essencial à norma jurídica o poder de coagir,monopolizado pelo Estado. Justamente por haver possibilidade de o direitoser inobservado, diz-se ser ele coercitivo, e não coativo, por ser acoercibilidade a possibilidade jurídica da coação, ameaça de coação, e nãocoação em ato. [...] Assim, é essencial à norma jurídica a coercibilidade,ou seja, como diz DEL VECCHIO ( Lezioni di Filosofia del Diritto ), apossibilidade jurídica da coação, isto é, a possibilidade de se colocar àdisposição da autoridade pública ou da organização internacional a forçamaterial para cumprimento da sanção predeterminada.Tal coação é de duas espécies: psicológica e material. Esta, pouco usada,ou melhor, exercida só em poucos casos; o número de condenados nocível ou no crime é bem menor em relação aos que vivem s em ir aotribunal. Isso porque a coação psicológica, geradora do temor à sanção fazcom que a maioria se conduza dentro dos limites do direito.[...] Dentrodesse ponto de vista, que tem toda procedência, pode -se dizer serobservada a norma por ser conside rada obrigatória e necessária, e não parase fugir à sanção.Todavia, uma minoria não pensa assim, preferindo viver à margem da lei,transgredindo as normas com a esperança de não ser punida. Para esses,destina-se a coação física ou material. Nesse caso, a autoridade públicaemprega o poder coercitivo que dispõe para punir o responsável peloilícito. [...] Tendo em vista a coercibilidade, pode -se definir a normajurídica como a norma suscetível de aplicação coercitiva quando violada.(grifos do original).72

72 Introdução..., op. cit., p. 109-111.

32

Assim, em comento à relação jurídica tributária, a coercitividade da norma,

exposta acima e determinada como garantidora da eficácia mandamental da norma

jurídica, apresenta-se como instrumento utilizado pelo Estado para coagir de forma

psicológica ou de forma material propriamente dita, o sujeito passivo na relação

tributária a cumprir sua obrigação, dentro da estrutura da norma jurídica, que em

seguida passaremos a ver.

2.1.3 Estrutura da norma jurídica

Considerando-se a hipótese da norma jurídica como qualificadora do suporte

fáctico, o estudioso do direito deve, necessariamente, conhecer a sua estrutura lógica,

tendo domínio sobre o manuseio de todo suposto normativo.

A norma jurídica deve ter, em sua estrutura, a descrição de um fato e

conseqüências a ele imputadas. Ressalte -se que estamos a explanar sobre conceitos

postos na norma, não de fatos já ocorridos ou por ocorrerem concretamente. Ela

recorta o mundo empírico por abstração, retirando dele as notas relevantes de

sucessos históricos que freqüentemente ocorrem na vida em sociedade, para esses

acontecimentos, prefigurados no texto normativo, imputar conseqüências jurídicas.

Por conseguinte, a norma jurídica é constituída de duas partes: 1ª - aquela em

que se descrevem os fatos selecionados e valorados pelo Ordenamento Jurídico, a

qual se denomina, segundo classificação disseminada, descritor - hipótese de

incidência, suporte fáctico ou suposto de fato –; 2ª - em que o ordenamento prescreve

efeitos jurídicos aos fatos descritos – fato jurídico, depois da incidência da norma –,

a qual se denomina prescritor, preceito, conseqüente ou tese.

Dessarte, podemos afirmar, com Marcos Bernardes de Mello, que se tornam

ínsitos ao discurso normativo duas linguagens diferentes: uma tem a função

meramente descritiva, narrativa, de fatos ou eventos; a outra, mais do que apenas

descrever, tem por escopo a modificação da realidade. Tais linguagens, descritiva e

prescritiva - são unidas pelo conectivo do dever-ser. 73

Mello, ao tratar da estrutura lógica da norma jurídica, diz que ele prevê fatos

(suporte fáctico) aos quais imputa certas conseqüências (eficácia jurídica) com

73 Teoria..., op. cit., p. 19-20.

33

implicações no plano intersubjetivo. 74 Tais normas, apontadas pelo autor, são

segundo classificações, sancionistas ou não sancionistas, sendo as sancionistas

compostas de norma primária e secundária. Para Hans Kelsen, segundo Mello: “ A

norma jurídica completa teria uma estrutura dúplice, constituída por uma norma

primária e uma secundária, e configuraria um juízo hipotét ico cuja expressão em

linguagem lógico-formal seria: se F (suporte fáctico) então deve ser P (preceito)

norma secundária, se não P (preceito) então deve ser S (norma primária). ”75

Carlos Cossio, também segundo Mello, nessa passagem de seu texto, seguindo

orientação semelhante, sustenta:

[...] que não se trata de um juízo hipotético, mas de um juízo disjuntivo,porque entre a endonorma (que corresponde a norma secundária) e aperinorma (que corresponde a norma primária) não haveria uma relação deantecedência e conseqüência (que tipifica o juízo hipotético: dada ahipótese, então a tese) mas uma alternatividade caracterizada pelaconjunção OU, donde expressar -se: dado F deve ser P, ou dado não P deveser S. (sic)76

Continuando a análise da estrutura da n orma, é salutar dizer ainda, com apoio

em Alfredo Augusto Becker, que a incidência da norma sobre o seu suporte fáctico

concreto – aquele ocorrido no mundo dos fatos – tem efeitos importantes,

principalmente o de juridicizar – tornar jurídico o que era apenas fáctico –,

desjuridicizar – retirar o adjetivo de jurídico dos fatos jurídicos ou de seus efeitos,

expulsando-os, pois, do mundo do direito –, e pré-excluir da juridicização - uma

norma incide para impedir que outra norma juridicize determinado fato ou conjunto

de fatos –.77 Esses efeitos da incidência merecem profunda atenção, para se evitarem

erros pela não observância dos mesmos.

Quanto à expressão “fato gerador”, largamente utilizada pela doutrina e

positivada pela Constituição e pelo Códig o Tributário Nacional, deveria ser evitada,

por sua imprecisão. Poderíamos adotar a nomenclatura célebre criada por Geraldo

Ataliba, de hipótese de incidência, para o “fato gerador” em abstrato e fato imponível,

74 Ibidem. p. 27-32.75 Apud, Teoria..., op. cit. p. 28. A título de esclarecimento, essa posição de Hans Kelsen, como sendo

sua primeira, foi alterada por ele, em obra de pu blicação póstuma, alterando-se a ordem apontada.76 Ibidem. p. 3177 Teoria..., op. cit., p. 303-305.

34

para o “fato gerador” em concreto. 78 Poderíamos também utilizar a terminologia

criada por Paulo de Barros Carvalho, de hipótese tributária, para a linguagem

prescritiva e abstrata (fato gerador in abstracto) e fato jurídico tributário para sua

projeção factual (fato gerador in concretu).79 Optaremos, preferencialmente, pela

segunda nomenclatura, hipótese e fato jurídico tributário.

O fato previsto na norma não tem o condão de, por si só, gerar efeitos

jurídicos. Somente após a incidência da norma sobre o fato concretizado, tornando -o

jurídico, é que emanam efeitos jurídicos. Por conseguinte, só o fato jurídico gera

efeitos jurídicos. O fato, em verdade, encontrado em estado bruto, sem qualquer

adjetivação jurídica, apenas enseja a incidência da norma que o prevê em seu

descritor. É tão importante a pr ecisão vocabular que muitos equívocos na seara

tributária ocorrem por essa confusão terminológica.

Dissemos que só de fatos jurídicos emanam efeitos jurídicos. Um desses efeitos

previstos no conseqüente da norma é a relação jurídica, marcada pela bilateralidade

ou plurilateralidade. A relação jurídica está estruturada em direito, dever, pretensão,

obrigação, ação de direito material e exceção. Pela fenomenologia do mundo jurídico,

portanto, a norma incidiria no seu suporte fáctico concreto, donde nasceria o fato

jurídico, do qual surgiria a relação jurídica e demais efeitos – direito, dever etc.

Expostos, ainda que perfunctoriamente, os conceitos relativos à norma jurídica,

podemos adentrar na seara da norma jurídica tributária, visando a ascensão ao tema

central: responsabilidade tributária indireta.

2.1.4 A norma jurídica tributária

Podemos afirmar, com apoio em Alfredo Augusto Becker, que a estrutura da

norma jurídica é similar para qualquer ramo do direito escolhido – tributário, civil,

comercial –.80 Dessa maneira, a norma jurídica tributária não difere de outras.

Nesse sentido, veja-se o dizer de Geraldo Ataliba:

78 Hipótese de incidência tributária, p. 49-53.79 Curso de Direito Tributário, p. 242-243.80 Teoria..., op. cit., p. 293-299.

35

Como afirmado, a estrutura de todas as normas do direito tributário éidêntica à das demais normas jurídicas, s endo passíveis de igualtratamento técnico.Há um tipo de norma que forma o centro do direito tributário, em torno daqual todo ele se estrutura: é a que contém a descrição do fato a que seimputa o comando ‘entregue a importância x de dinheiro ao estado’ .81

A tributação e sua regulação parecem ser, ao nosso sentir, o cerne do Direito

Tributário. Em apoio ao afirmado, socorre -nos Paulo de Barros Carvalho, que define

o Direito Tributário positivo como “[...] o ramo didaticamente autônomo do direito,

integrado pelo conjunto de proposições jurídico -normativas que correspondem,

direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.” 82

Também Geraldo Ataliba, para quem “[...] é o conjunto de normas jurídicas que

regula a tributação, entendendo-se por tributação a ação estatal de tributar (isto é,

de exigir tributos).”83

Paulo de Barros, em classificação sob o ângulo institucional a que pertençam,

separa as normas tributárias em três espécies, a saber: a) normas que demarcam

princípios; b) normas que definem a incidência de tributo; c) normas que fixam outras

providências administrativas para a operatividade do tributo. 84 As letras “a” e “c”

referem-se a norma tributária e sentido amplo. A letra “b” refere -se a norma tributária

em sentido estrito, ou o correspondente a regra matriz de incidência tributária.

Na concepção de norma jurídica tributária, o vocábulo tributo ganha especial

destaque, requerendo uma definição, ainda que breve, para não se divagar e perder o

foco da proposição do trabalho. O tributo no nosso sistema tributário é legalmente

determinado pela Constituição e pelo CTN, o qual tem eficácia de lei complementar.

A CF/88 prevê, em ser artigo 146, a definição de tributo por lei complementar.

Segundo Geraldo Ataliba, a defin ição constitucional de tributo é a “[...] que se define

como obrigação jurídica legal, pecuniária, que não se constitui em sanção de ato

ilícito, em favor de uma pessoa pública.” 85 É definido por lei, estando previsto no

artigo 3º, do Código Tributário Naci onal: “Tributo é toda prestação pecuniária

compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua

81 Hipótese..., op. cit., p. 48.82 Curso..., op. cit., p. 15.83 Hipótese..., op. cit., p. 47.84 Curso..., op. cit., p. 235.85 Hipótese..., op. cit., p. 35.

36

sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa

plenamente vinculada.”

Em síntese apertada, podemos dizer que é:

Prestação pecuniária compulsória – é o pagamento em dinheiro. Não existindo

mais o pagamento em serviços (corrente majoritária). É tributo, também, o serviço

militar, a participação no Tribunal do Júri, na Justiça Eleitoral, os bens requis itados

(corrente minoritária). O pagamento em bens está estipulado em legislações do ICMS

e do IPTU, bem como, a dação em pagamento para a União, a qual não está

regulamentada ainda;

Compulsória – é obrigatória, independe da vontade do contribuinte. O supo rte fático

da incidência da norma de tributação não prevê o elemento vontade. Não existe

relação contratual, e sim obrigatoriedade que nasce da lei;

Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir – como o dinheiro, o vale postal,

os selos, o cheque. A unidade de valor preferencialmente será o dinheiro. Não temos

o tributo in natura – por exemplo: mil sacas de soja –, ou em in labore – por

exemplo: horas de trabalho;

Que não constitua sanção de ato ilícito – tributo não é multa, não se presta a apenar

ato ilícito. A hipótese de incidência é sempre algo lícito – trabalho, bens, riqueza,

rendimento;

Instituída em lei – onde a lei institui o tributo, definindo a hipótese de incidência, os

sujeitos da obrigação, a base de cálculo, a alíquota, o prazo. Devem -se respeitar os

princípios da legalidade e da anterioridade;

Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada – por meio de

lançamento e cobrança tributária – significa que a administração tributária não pode

dispor de conveniência, oportunidade ou liberdade de cobrar o tributo. É um

poder/dever de cobrar, de todos, obrigatoriamente. Não se pode dispensar do

pagamento por vontade da administração. Exceção, prevista em lei, refere -se aos

valores diminutos que dariam prejuízo em sua cobrança. O proced imento visando à

cobrança do tributo é chamado de lançamento.

O tributo é gênero, da qual são espécies o imposto, a taxa, a contribuição de

melhoria, as contribuições sociais em sentido amplo e o empréstimo compulsório.

Por sua vez, a natureza jurídica do tributo é de suma importância para se saber

qual a espécie tributária para cada “fato gerador”. Cada hipótese de incidência deve

37

ser única, não podendo haver uma mesma base de cálculo para um mesmo “fato

gerador”, sob pena de bi-tributação e de bis in idem.

A importância de tal fato é exaltada por Geraldo Ataliba, quando preceitua:

Como, entretanto – conforme a espécie de tributo – diversos são osregimes tributários, deverá o exegeta determinar qual a espécie diante daqual se encontra, a fim de lhe aplicar o regime jurídico correto e adequado,em face das normas constitucionais e à luz dos princípios que aConstituição prestigia ou adota.Em outras palavras: não basta, não é suficiente reconhecer o tributo. Deveo intérprete determinar qual a espé cie tributária (‘natureza específica dotributo’, conforme o diz o art. 4º do CTN), dado que a Constituiçãoprescreve regimes diferentes, constitucionalmente estabelecidos. 86

Para a Constituição, as espécies de tributo são: Imposto, Taxa, Contribuição

de Melhoria, Empréstimo Compulsório e as Contribuições. Partindo dessa afirmação

tentar-se-á estabelecer a natureza jurídica do tributo.

Segundo o artigo 4° do CTN: “ A natureza jurídica específica do tributo é

determinada pelo fato gerador da respectiva ob rigação, sendo irrelevantes para

qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II

- a destinação legal do produto de sua arrecadação.”

Diante desse dispositivo fica desde logo claro que a simples denominação não

tem o condão de definir a natureza do tributo. Pudesse a denominação formal alterar a

substância do tributo ou a espécie tributária, de nada adiantaria a rígida discriminação

constitucional de impostos para preservação do princípio federativo. Inúmeros outros

impostos poderiam ser criados pelas três entidades políticas com diferentes

denominações, destruindo a garantia constitucional do cidadão de não se submeter

senão aos impostos nominados ou àqueles decretados no exercício da competência

residual da União, além dos extraordinários no caso de guerra externa ou sua

iminência.

A natureza jurídica do tributo é definida pela hipótese de incidência, não

bastando vincular o produto de sua arrecadação para transformar o imposto em

contribuição; pelo contrário, essa circunstância foi tornada irrelevante pelo inciso II,

do art. 4º do CTN para caracterização da espécie tributária.

Pela clássica divisão de tributos, em vinculados e não vinculados à atuação

estatal, inspirada em Giannini, como afirma Kiyoshi Harada, sabemos que imposto é

86 Hipótese..., op. cit., p. 123-124.

38

tributo desvinculado de qualquer atuação do Estado. 87 Para poder instituir e cobrar

essa espécie tributária o Estado não precisa desenvolver uma atividade específica,

basta o seu poder de império . Daí porque a Carta Política no minou os impostos

cabíveis a cada entidade política (arts. 153, 155 e 156, da CF/88) para evitar conflitos

de competência impositiva.

Em relação aos tributos vinculados à atuação do Estado não há necessidade

dessa enumeração, pois, cada ente político se rá o titular do tributo relativamente à

atuação específica que promover. Conforme preceitua Geraldo Ataliba, exceto o

imposto, todas as demais espécies tributárias são tributos vinculados à atuação do

Estado.88 As taxas estão vinculadas aos serviços específ icos e divisíveis, prestados

pelo Estado ou colocados à disposição dos contribuintes, ou, ainda ao exercício

regular do poder de polícia. As contribuições de melhoria estão vinculadas à

execução de obras, pelo poder público, que impliquem valorização imobi liária. As

contribuições sociais são tributos indiretamente vinculados à atuação do Estado.

Com base nessa classificação podemos afastar espécies tributárias pela

vinculação ou não de sua destinação, ou seja, a mera vinculação não cria a espécie de

tributo. Ou como ressalta Geraldo Ataliba: “A materialidade do fato descrito pela h.

i. (aspecto material da h. i.) de todo e qualquer tributo ou é uma atividade estatal ou

outra coisa qualquer. Se for uma atividade estatal o tributo será vinculado. Se um

fato qualquer, o tributo será não vinculado.” 89

Como se vê, o tributarista tem como decisivo caráter diferencial entre as

espécies tributárias, a configuração e consistência do aspecto material da hipótese de

incidência. Assim, a natureza jurídica do tributo seria pinçada do aspecto material da

hipótese de incidência. Tal critério é adotado por diversos autores, ainda que com

nomenclatura diversa, como citado por Ataliba, dentre eles: “Roque Carrazza, Aires

Barreto, Paulo de Barros Carvalho, Cleber Giardino, M isabel Derzi, Diva Malerbi,

Sacha Calmon, Estevão Horvath e Eduardo Bottallo.” 90

Tal definição da natureza jurídica não difere em substância do estabelecido

por Alfredo Becker, para quem:

87 Direito Financeiro e Tributário, p. 257.88 Hipótese..., op. cit., p. 137 .89Ibidem, p. 131.90Ibidem, p. 130.

39

[...] o critério objetivo e jurídico é o da base de cálculo (base imponível).Este, sempre e necessariamente, é o único elemento que confere o gênerojurídico do tributo. Noutras palavras, ao se investigar o gênero jurídico dotributo, não interessa saber quais os elementos que compõem opressuposto material ou quais suas decorrências necessárias, nem importaencontrar qual o mais importante daqueles elementos ou decorrências.Basta verificar a base de cálculo: a natureza desta conferirá, sempre enecessariamente, o gênero jurídico do tributo. 91

A atuação do Estado na tributação, por sua vez, deve obedecer a “limitações”,

que podemos classificar em três espécies; a) imunidades constitucionais tributárias; b)

princípios constitucionais tributários; c) restrições à competência tributária. As

conceituações das imunidades não interessam ao nosso trabalho, por desnecessárias.

A restrição à competência tributária é a matéria de fundo da responsabilidade

tributária, pelo que uma breve síntese não seria satisfatória.

Os princípios constitucionais tributários, em que pese a a nálise dos princípios

pertinentes à responsabilidade tributária indireta, no capítulo 1, podem ser apontados,

sumariamente, na seguinte classificação.

Os princípios se dividem em: a) Princípios gerais – referem-se a todos os

tributos; b) Princípios espec iais – em razão de situações especiais; c) Princípios

específicos – referem-se a determinado tributo.

a.1) Princípios gerais expressos e sua previsão constitucional:

1º - Princípio da Legalidade – art. 5º, II e art. 150, I;

2º - Princípio da Igualdade Tributária ou Isonomia – art. 150, II;

3º - Princípio da Personalização e Capacidade Contributiva – art. 145, § 1º;

4º - Princípio da Irretroatividade Tributária – art. 150, III, a;

5º - Princípio da Anterioridade – art. 150, III, b (genérica); e 150, III, c

(nonagesimal);

6º - Princípio da Vedação de Confisco – art. 150, IV;

7º - Princípio da Ilimitabilidade do Tráfego de Pessoas ou Bens – Imunidade de

Tráfego – art. 150, IV.

a.2) Princípios gerais decorrentes e sua previsão constitucional:

1º - Princípio da Universalidade e Generalidade – art. 153, § 2º, I;

2º - Princípio da Destinação dos Tributos – somente para o Estado, não ao particular.

91 Teoria..., op. cit., p. 373.

40

b) Princípios especiais – vedações dos art. 151 e 152:

1º - Princípio da Uniformidade Tributária – tributo uniforme em todo o território, mas

admitindo incentivo para o equilíbrio do desenvolvimento sócio -econômico – art.151,

I;

2º - Princípio da Limitabilidade da Tributação de Renda – art. 151, II;

3º - Princípio da Competência e da Isenção – art. 151, III;

4º - Princípio da Vedação de Distinção pela Procedência ou Destino – art. 152.

c) Princípios específicos – referem-se a determinados impostos

especificamente:

1º - Princípio da Progressividade – art. 153, §§ 2º, I e 4º, I; 156, § 1º; 182, § 4º, II;

2º - Princípio da Não-Cumulatividade – IPI, ICMS, PIS, CONFINS – art. 153 § 3º, II;

155, § 2º, I e 195, § 12;

3º - Princípio da Seletividade – art. 153, § 3º, I; 155, § 2º, III.

Com a visão da norma jurídica e da norma jurídica tributária podemos avançar

em nosso intento e conhecer a relação tributária, como apontamento introdutório ao

tema dito principal, “A responsabilidade indireta dos sócios pelos tributos da

empresa”.

2.2 A Relação Jurídica Tributária

2.2.1 Introdução

A relação tributária assume importância í mpar como ponto introdutório direto

de nosso trabalho, pois a relação tributária – em sentido estrito – é o cerne de todo

subsistema tributário, já que, ao lado do tributo, torna -se a base de todo o direito

tributário, regulando a relação fisco contribuint e, impondo direitos e deveres a ambas

as partes.

No dizer de Geraldo Ataliba, essa relação tributária é criada a partir da

ocorrência do fato previsto na hipótese de incidência tributária, e decorre de lei, com

41

matriz constitucional, o subsistema tributá rio nacional, dentro do sistema

constitucional.92

Vejamos a obrigação tributária, como terminologia clássica adotada pelo

Código Tributário Nacional, onde a obrigação ganha o adjetivo de tributária, e se

divide em principal e acessória.

2.2.2 A Obrigação Jurídica Tributária

Para chegar-se a um conceito e uma análise de obrigação tributária,

entendemos necessário passar pela visão histórica da relação entre Estado e

administrados – cidadãos ou mesmo contribuintes –, bem como pela concepção de

obrigação. Vamos a elas, começando pela trajetória do Estado, seus direitos e deveres

em relação ao particular.

Com o nascimento do Estado de direitos nasce para o Estado o direito de ser

considerado pessoa. Dentro dessa concepção, é de se ter como pessoa o ente com

direitos e obrigações. Essa possibilidade só era possível para os seres privados, já que

o direito era basicamente privado. Veja -se o apontamento de Marçal Justem Filho, no

qual nos subsidiamos para tais afirmativas:

Antes do Estado de Direito, o direito é, basicamente, direito privado,somente se configura como público na proteção de interesses supra -individuais derivados de conflitos individualizados entre privados. Nessaestruturação jurídica, o Estado sequer é pessoa. Aliás, passa a sê -lo noexato momento em que triunfa o Estado de Direito. A possibilidade lógicade o Estado tornar-se sujeito de direitos depende de prévia admissão de serele sujeitos de deveres. Logo, não há como reconhecer -lhe a condição depessoa enquanto não possa ser cent ro de imputação de deveres. 93

A evolução do Estado, como veremos infra, passa também por uma evolução

da prestação de serviços. Claro que considerando como serviço toda a prestação do

Estado.

Constitucionalmente, cabe ao Estado o dever de prestar servi ços básicos e

primordiais de sobrevivência, tais como a educação, segurança e saúde à população;

92 Hipótese..., op. cit. p. 65-66.93 Sujeição passiva tributária, p.39-40.

42

bem como, o de alguns serviços públicos, a saber, o sistema de telefonia, o sistema de

energia elétrica, entre outros. Esses serviços, a priori, tinham como objetivo, além do

lucro necessário para se manter e arrecadar tributos, a visão social do ramo, já que à

população carente era facultada a oportunidade de utilizar os serviços através de

tarifas reduzidas.

Assim, ao enfocar-se o tema referente ao panorama atual do Estado, em

relação aos seus deveres e direitos, podemos começar por uma breve incursão nas

formas de Estado e suas evoluções, visando, primeiramente, conhecer a trajetória da

mudança de atuação do Estado. Antes, porém, diga -se da falta de interesse em

determinar o que Dalmo de Abreu Dalari denomina como: “O rigem e formação do

Estado”.94 A finalidade primordial é definir a época e os motivos que determinaram o

aparecimento e surgimento do Estado, pois, o contrário, fugiria ao propósito desse

trabalho, não se olvidando que a própria historicidade que contém o tema seria um

desvio no intento da análise da responsabilidade indireta dentro da Teoria Geral do

Direito, acaso não fosse um intróito para justificar, de forma jusfilosófica, inclusive, a

obrigação tributária dentro da relação jurídica tributária.

2.2.2.1 O Estado e a “pré-era dos Direitos”

A fase que antecedeu a era dos Direitos, e foi ponto fundamental para a

criação de diversas teorias e doutrinas, por certo nasce com o iluminismo, passa ndo

pela acepção contratualista de Hobbes e Locke, pela pandectista de Kant, e por uma

fase positivista de Kelsen.

Pensamos, no entanto, que a acepção contratualista, inaugurada

principalmente com Leviatã, de Thomas Hobbes, importante filósofo do século

XVII;95 e Do Segundo Tratado Sobre o Governo, de John Locke, são as peças mestras

para o entendimento do Estado de Direito. 96

Mesmo sendo Hobbes um ardoroso defensor do absolutismo, através de suas

idéias políticas, ele aponta as condições de dissolução d o Estado, e defende que

somente a concentração de autoridade garante a unidade e a paz social. O Estado é

94 Elementos de teoria geral do Estado, p.43.95 Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.96 Segundo tratado sobre o governo .

43

visto e defendido por Hobbes de especial forma, como, por exemplo, quando cita que

“[...] esse grande leviatã, que se denomina coisa pública ou Estado não é mais do

que um homem artificial, embora de estatura muito elevada e de força muito maior

do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi imaginado.” 97 Como se vê,

apesar de defender um Estado absolutista, onde a lei identificava a vontade do

soberano, Hobbes, segundo Clèmerson Merlin Cléve, afirma que o Estado existe para

defesa e proteção do homem “natural”. 98

Já para Locke, empirista e eminente teórico político e social, em obra

fundamental do liberalismo político moderno, discute principa lmente a origem, a

organização e os fins do governo, onde a liberdade era a essência da soberania

política, delegada por todos os cidadãos do parlamento. 99 Para Locke, segundo

Clèmerson Merlin Clève, a lei só tem caráter de lei, só é lei, se atender também à

justiça.100

O Contratualismo nasce com duas visões antagônicas, mas com essência

única, o Estado existe, é válido e eficiente, enquanto atende ao homem, o homem

natural.

Porém, é com Rosseau que se cria um Estado ideal, utópico, resultante de

consenso e que garanta os direitos de todos os cidadãos. 101 Para Rosseau a lei é obra

da vontade geral, é “[...] o querer que resulta das vontades individuais quando estas

atendem tão-somente aos ditames da razão.” 102

Claro que não se tenta demonstrar outra coisa qu e não o Estado servindo ao

indivíduo, ou, melhor dizendo, aos demais entes. Mas não só isso, que também, para

isso, o Estado deve ter direitos, afinal, como a razão de ser do Estado é o homem

natural, dever-se-ia criar direitos para ele que garantissem sua sobrevivência e o

melhor atender ao homem.

97 Leviatã..., op. cit., p. 73.98Apud, Atividade legislativa do poder executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de1988, p. 44.99 Segundo..., op. cit.100Apud Atividade..., op. cit., p. 44.101 Do contrato social.102 Ibidem. p. 59.

44

2.2.2.2 O Liberalismo e o Estado liberal

O Estado liberal foi uma das primeiras vertentes da “era dos direitos”. A

doutrina do liberalismo fundamentou a teoria do Estado de Direito, um Estado que

garanta ou respeite as liberdades individuais, contrapondo -se ao antigo poder

absolutistas das realezas, ou, como salientou Paulo Bonavides, “[...] ou mais

precisamente como penhor dos recém -adquiridos direitos políticos da burguesia

frente ao antigo poder das realezas absolutistas.”(sic) 103

O liberalismo visava a garantir a liberdade do indivíduo e da sociedade em

face do Estado. Conduzia à autonomia do indivíduo e da sociedade.

Essas poucas funções demandam menos poder e, por conseqüência, menos

direitos. Assim é que no Estado liberal a sociedade detém maiores direitos que o

próprio Estado. Talvez não seja esse o apontamento teórico, mas, na prática o é.

O liberalismo conduz a um Estado que não interfere ou, o menos possível,

deixa o indivíduo e a sociedade se autodeterminarem. O Estado liberal tinha poucas

funções, e todas visando apenas questões precípuas, no interesse da coletividade

diretamente, mantendo os direitos individuais acima de tudo.

Um Estado mínimo possui também direitos mínimos, não podend o se falar em

direitos fundamentais hegemônicos do Estado. O lema da revolução francesa

“liberdade, igualdade e fraternidade” estava desequilibrado, porque a liberdade em

excesso desequilibra a igualdade, impedindo a fraternidade, onde “o homem se torna

o lobo do homem”.

2.2.2.3 O Estado social

Um Estado responsável unicamente pela segurança das relações sociais,

limitado a produzir e executar a lei e censurar sua violação, como o Estado liberal,

tornou-se inócuo a produzir sua finalidade junto aos indivíduos. Enquanto o

capitalismo não avançava com fome de leão sobre tudo e sobre todos, bastava a

103 Ciência política, p. 155.

45

otimista doutrina do liberalismo, que acreditava nas inexoráveis potencialidades do

homem e na “mão invisível” do mercado. 104

Diante dessas premissas, o Estado e o Direito desafiaram mutação, tendo o

Estado mínimo que ceder ao “Estado de prestações”. O Estado deixa de ter apenas

prestações negativas em face dos direitos do indivíduo, para ter também prestações

positivas (dar, fazer), também visando à proteç ão do indivíduo. É o nascimento de

segunda geração de direitos clássicos, que acrescenta além do direito de liberdade,

propriedade, informação, entre outros, também, os direitos de proteção, como à

saúde, educação, trabalho e existência digna.

Esse processo calhou com a transformação do “Estado mínimo” em “Estado

providência”, regulando mercados, de forma muito mais atuante do que antes. 105 Mas

diga-se, desde logo, não visa a apenas regular a livre concorrência, mas, dar à massa

trabalhadora, dignidade.

O Estado social eleva os direitos do Estado, porque para regular a ganância

capitalista, até dela mesma, fez -se necessário um Estado mais forte, detentor de mais

poderes. Esses poderes, dentro de um Estado democrático, só podem ser conseguidos

com mais direitos. Esses direitos, para serem eficientes, deveriam ser hegemônicos,

isto é, serem, quando fundamentais, superiores aos dos demais cidadãos e da

sociedade. Assim, nasce o Estado empresário, regulador, fomentador.

Esse processo que culminou com o Esta do social, desenvolveu-se, é bom que

se diga, em decorrência das teorias socialistas, do marxismo, dos sindicatos de classes

e de lutas de sangue, como a revolução bolchevique e a comuna de Paris. Também a

igreja desenvolveu papel importante, primeiro cond enando a cobrança de juros, e

depois, produzindo documentos como as Encíclicas Rerum Novarum, Quadragésimo

Anno e Mater et Magistra .106

O sufrágio universal é, em última análise, o fermentador do Estado social,

encerrando com a ação minimalista do Estado.

104 CLÈVE, Clemèrson Merlin. Atividade..., op. cit., p. 33.105 O Estado providência ou Estado de serviço, também é chamado de “welfare state”, um Estado que

não só presta serviços, mas também regula os mercados, uma ne cessidade marcante do processo queculminou com o fim do absoluto mercado livre, ou Estado liberalista.

106 Os juros como se sabe, são importantes concepções do capitalismo. A cobrança de juros foi a searado maná daqueles que só financiavam a produção, em detrimento do trabalho. O capitalismosobrevive da produção, mas “enriquece” dos juros. Ressalte -se que a cobrança de juros não era fatonovo, mas foi otimizado no Estado liberal, e foi causador de grandes ruínas, grandes fortunas egrande desequilíbrio econômico e social.

46

Assim é que dentro do Estado democrático, as constituições passaram a se

preocupar com isso, em especial a Constituição Mexicana de 1917, a Alemã de 1919,

e mesmo entre nós, a Constituição de 1934. 107 A Constituição de 1988 também

adquiriu essa forma, mantendo é verdade, a opção, até pelo momento histórico.

2.2.2.4 O Estado neoliberal

Como se disse, a nossa Constituição Federal de 1988 tentou manter um Estado

social. Mas a tendência universal contemporânea é de diminuir o aparato estatal,

diminuindo os Estados monstros, inclusive privatizando empresas estatais e

reduzindo serviços públicos que tenham finalidade econômica. Com isso nasce uma

nova teoria econômica, a doutrina do neoliberalismo.

O neoliberalismo dá azo a um novo Estado, um Estado n eoliberal. Entretanto,

esse Estado neoliberal não pode ser minimalista como o Estado defendido outrora

pela teoria liberalista. Aqui, o Estado age e interfere na sociedade, na economia, mas,

de forma menor, mais singela.

Só que o “capitalismo selvagem” e a chamada globalização, novamente,

requerem a interferência mínima do Estado, defendendo que a própria sociedade se

“ajeita”, se regula. Com essa postura, renasce o debate sobre os direitos do Estado,

pois, os direitos do Estado se traduzem em poder, pode r superior ao do indivíduo e da

sociedade, “atrapalhando” os ditos mercados, as economias, enfim, para os

neoliberais: atrapalhando a sociedade.

Realidades atuais consagram o modo capitalista de produção. Um triunfo

calcado no direito privado de proprieda de, na livre iniciativa, economia de mercado e

consumismo. Tal é reconhecido por autores como Luiz Fernando Coelho, quando

expressa:

Uma análise ainda que superficial da ideologia subjacente à pós -modernidade põe em relevo um fenômeno de profundo signifi cado: otriunfo do modo capitalista de produção, calcado no direito privado depropriedade e nos princípios da livre iniciativa e da economia de mercado,a vitória do individualismo consumista sobre o coletivismo socialista;além de banalizar a visão darwi nista da sobrevivência do mais forte, agora

107 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade... , ob. cit., p. 38.

47

revestida de uma dimensão social e universalista, essa ideologia éportadora de uma lógica instrumental, que estabelece a causalidade pura esimples entre meios e fins e uma escala de valores que impregna osdemais fatores.108

Esse modo capitalista, e hoje globalizado, com a lei de oferta e procura,

baseado na produção irracional do produzir com lucro, e a qualquer preço, não pode

continuar.

O lucro não pode mais ser a tônica da atividade empresarial, tão -somente.

Aliás, talvez, não seja preciso mudar a idéia de lucrar, mas transformar a idéia de

lucro imediato e inconseqüente, para algo duradouro e socialmente benéfico,

inclusive, ao modo capitalista.

Veja-se como exemplo o meio ambiente, não se pode esgotá -lo sem

comedimento. Uma madeireira que intente somente o extrativismo estará fadada ao

encerramento de suas atividades, pois, além de esgotamento, estará causando

prejuízos à coletividade. Por outro lado, ainda que essa madeireira na seja extrativista,

atue com reflorestamentos, sem valoração sobre interferir ou não no meio ambiente,

ela precisa de algo mais, para sobreviver: um lucro monetário e social.

O lucro, assim, tem nova vertente. Na visão de Francisco Cardozo Oliveira:

[...] esta nova racionalidade administrativa empresarial repercutirá naforma de contabilização de lucros e de resultados. Reclamará, certamente,novo papel e sentido para as informações geradas pela técnica contábil.[...] o aumento da produtividade exige compromisso também com aresolução dos problemas sócio -econômicos que a atividade empresarialprovoca e que, de certo modo, acabam por reduzir as taxas de lucros e aprodução de bens e serviços. 109

Voltaremos a falar sobre o lucro e a globalização no capítulo 4, ainda que sob

outro aspecto, referente à sustentabilidade da atividade empresarial.

2.2.2.5 O Estado como sujeito de direitos fundamentais

A primeira questão referente ao tópico que se apresenta, é em relação aos

direitos fundamentais do Estado. Eles existem? O Estado os tem? A maioria da

108 Saudade do futuro: Transmodernidade – Direito – Utopia, p. 25.109 Uma nova racionalidade administrativa empresarial, p. 115.

48

doutrina faz coro pela impossibilidade, como relata Marçal Justen Filho, “[...] basta

ver que o progresso acabou por introduzir a figura de direitos contra o Estado, ditos

públicos. Mas a doutrina tradicional ainda hoje recusa -se a acatar a possibilidade

de o Estado ter direitos.” 110 Ousamos discordar, porém, bem acompanhados, por

Lopes Calera e Marçal Justen Filho, assumindo a árdua posição minoritária, como

veremos infra.

Lopes Calera afirma que sim, em relação aos direitos do Estado. Para isso, cita

os seguintes argumentos e dados verificáveis: “a) Que o Estado é um sujeito com

direitos e deveres; b) Que tem sentido, na teoria e na prática jurídico -política, falar-

se em direitos do Estado; c) Que os direitos do Estado tem no contexto histórico uma

importante hegemonia sobre os direitos de outros indivíduos e coletividades”. (sic) 111

A primeira vertente levantada e sustentada pelo insigne autor espanhol, refere -

se à própria existência do Estado. Tal fato parece uma discussão i nócua, mas, nem

sempre foi assim tratada. Ademais, tal fato é ciclicamente discutido, principalmente,

quando se trata de interesses desta ou daquela doutrina, liberal ou não.

Marçal Justen Filho, ao tratar desse tema, dispõe:

Essas concepções tradicionais acerca de direito subjetivo, de relaçãojurídica, etc, não mais correspondem à consistência do direito. [...] Aquestão, porém, é a de determinar a possibilidade de existir direito semcorrespondente dever e vice-versa.Há, na doutrina, algumas opiniõe s reconhecendo a possibilidade dedeveres a que não corresponderiam direitos. Assim, há o caso daobrigação natural, de encargos colocados sobre herdeiros e legatários, etc.no campo do direito público, é muito mais freqüente que sujeito do deverseja o mesmo sujeito que titulariza os interesses em prol dos quais taldever é instituído.No caso de deveres a que não correspondem direitos subjetivos, poderiafalar-se propriamente de ‘deveres em sentido estrito’. Existem tais deveresfora de uma relação jurídica em sentido próprio. Já quando o dever sejadecorrência de uma relação jurídica e a ele corresponda um direito,SANTI ROMANO alude a obbligo. Essa categoria abrangeria duasespécies: os obblighi em sentido estrito e as obrigações. Essa últimaexpressão estaria reservada para os obblighi que envolvessem umaprestação de cunho patrimonial.Quando alude a deveres (não correlativos a direitos), SANTI ROMANOnão pretende excluir a possibilidade de existirem ‘poderes’ destinados aassegurar a observância de ta is deveres. É que esses poderes não seconfundem com direitos subjetivos nem dão origem a uma relação jurídicaespecífica.

110 Sujeição..., op. cit., p. 46.111 Yo, el Estado. Bases para una teoria sustancializadora (no sustancialista) del Estado, p. 45.

49

Aliás, é possível que dever e poder se conjuguem em uma mesma e únicapessoa, o que se passa comumente no campo do direito público, d andoorigem à figura da função.De outra parte, é possível estabelecer uma categoria genérica do ‘poder’,que abrangeria poder em sentido estrito e direito subjetivo. Enquanto opoder em sentido estrito desenvolve -se em uma direção ou aspectogenérico sem um objetivo determinado e sem originar pretensões dirigidascontra outros sujeitos – não se contrapondo, assim, a deveres, o direitosubjetivo se identificaria diversamente.Estaria orientado diretamente a uma coisa ou uma pessoa, que estariaobrigada a uma determinada conduta. Em essência, haveria uma relaçãojurídica a vincular as partes, segundo os termos usuais e tradicionais deenfoque da questão.(sic)112

Em continuidade, o que se discute não é se o Estado existe ou não, pois isso

está estabelecido na maioria de nossos Códigos e nas Constituições. Aliás, na nossa

Carta Magna, ele está inserido como Estado Democrático de Direito. Tal assertiva,

não só o reconhece como o eleva a uma categoria especial, baseada na democracia do

povo e da soberania do povo.

Portanto, o que se discute é a existência de direitos fundamentais subjetivos e

hegemônicos do Estado em relação à obrigação jurídica tributária. E mais, se existem,

são questões positivas ou negativas?

O Estado é um ente jurídico com várias facet as, dentre elas uma interna, que

é a de pessoa jurídica de direito público e outra externa, a de pessoa jurídica de direito

internacional. Em ambas, existe de forma independente de seu tutelado. Reconhece -se

que o Estado é um ente diferenciado, e isso por si só, bastaria para falar de uma teoria

dos direitos do Estado. Um ente diferente requer direitos diferentes. E esta afirmativa

foi entendida por todos os filósofos e teóricos que engendraram o Estado como o

conhecemos.

Mas que direitos diferentes são e sses? Para que se precisa deles? Os direitos

diferentes se costumam taxar de direitos fundamentais subjetivos. São direitos sine

qua non para sua finalidade, e prova disso é que é da essência do Estado, pois, o

mesmo existe em função do povo – dentro da utopia moderna de Estado totalmente

democrático –, visando a manter a igualdade e a liberdade de seus administrados,

sem, é claro, sufocá-los, mediante, principalmente, a tributação, como fonte de

receita, dita derivada.

112 Sujeição..., op. cit., p. 47-48.

50

Para o Estado fazer frente à sua e xistência e seu munus, sem descurar dos

princípios jurídicos enumerados como “limitação ao poder de tributar”, a criação de

uma obrigação tributária ao sujeito passivo, o qual é tributado dentro de uma relação

jurídica tributária, é necessária e legal, tor nando-se um direito e uma obrigação para o

Estado. Direito dentro do já aventado anteriormente. Obrigação para com os demais

contribuintes e tutelados, no sentido de que faça valer tal prerrogativa,

proporcionando serviços primários de qualidade à sociedad e e uma onerosidade

tributária igual a todos.

2.2.2.6 Os direitos individuais e os direitos do Estado

Como vivemos em um momento histórico resultante de contexto jurídico -

cultural individualista, não é fácil sustentar os direitos do Estado. Primeir amente,

porque invadem os direitos individuais, sendo um grave perigo para os mesmos,

conforme sustentam os neoliberais, já que, para a eficácia do funcionamento da

economia e a convivência pacífica dos mercados livres, o Estado deve ter funções

mínimas e não ser intervencionista. Segundo, porque há sempre o medo de um Estado

prepotente e demasiadamente forte, afastando -se de seus objetivos primários.

Como citado por Calera, o neoliberalismo por vezes, chega a negar,

radicalmente os direitos fundamentais d o Estado.113 Para Karl Doehring, citado por

Lopes Calera, não existe o princípio in dubio pro libertate , pois sempre haveria que

se decidir a favor da liberdade individual, jamais a favor da liberdade da coletividade,

isto é, para ele, a coletividade jamais se pode sobrepor ao indivíduo. 114 Segundo

Doehring, ainda citado por Lopes Calera:

En la aceptacion de este principio reside tambien la necessaria afirmacionde que el Estado no puede ser titular de derechos fundamentales. Underecho fundamental solamente es derecho del ciudadano contra el poderdel Estado; si fuera por el contrario – cosa que hoy se discute – el Estado,o ente publico establecido por él, titular de los mismos derechosfundamentales que posee el ciudadano, esta libertad quedaria destruida e ncaso del conflito.115

113 Yo, el Estado..., op. cit., p. 46.114 Apud. Yo, el Estado..., op. cit., p. 46.115 Idem.

51

Como se vê, Doehring nega direitos fundamentais ao Estado, sob a alegação

de que destruiria a liberdade individual.

Mas, não é bem assim. O direito fundamental subjetivo do Estado existe. Para

comprovar isso, voltamos às teor ias contratualistas, que afirmam que os direitos do

Estado se justificam por uma finalidade maior, que é a proteção dos direitos

individuais. Entretanto, para o momento, os direitos subjetivos do Estado, configuram

outra discussão que não deve ser enfrenta da aqui. Aliás, é para muitos, uma heresia.

2.2.2.7 Direitos fundamentais do Estado – pacto de superveniência

O Estado existe por um pacto social, chamado de “pacto de superveniência”.

Por esse pacto o indivíduo, para viver em sociedade, já que o homem é um ser social

e sociável por natureza, cede ao Estado parte de seus direitos, direitos naturais,

adquiridos originalmente. Cedendo ao Estado parte de seus direitos, para que o

mesmo o tutele e possibilite a convivência comum, pacífica, o indivíduo abre mão de

seus direitos naturais, para adquirir direitos civis, passando a ser sujeito de direitos,

mas, também, de deveres.

Dessarte, o indivíduo tem seus direitos naturais limitados – pelos seus deveres

–, em face do bem maior, que é a tutela do Est ado e a convivência em comum.

Portanto, o direito fundamental do Estado nasceu do direito natural do

indivíduo que vive em sociedade, o qual cedeu parte dele ao Estado, mas como

direito cedido, por um pacto de superveniência – é um direito derivado e não original

ou natural. Em decorrência disso é que o Estado detém um direito fundamental

outorgado, cedido, e, como corolário lógico, dentro dos limites cedidos. E ninguém

pode ceder o que não tem, de maneira que, reconhecendo -se o pacto social, há que se

reconhecer que o indivíduo só pode ceder ao Estado seus direitos disponíveis, aqueles

de que podia dispor. Logo, direitos indisponíveis, como a vida, não foram cedidos ao

Estado, razão pela qual o mesmo não pode ceifar a vida de um indivíduo, porque não

tem esse direito. E qualquer outra conclusão não se justifica, senão, que o Estado que

52

tenta dispor de direitos indisponíveis do indivíduo é um Estado usurpador, prepotente

e ilegítimo.116

2.2.2.8 O Estado e a soberania

Ao ceder para o Estado, para um bem comum, seus direitos, o indivíduo cria,

na esfera daquele, direitos próprios, direitos que dão a esse ente novo poderes

superiores aos seus, porque o limita, dentro daquilo que pôde ceder é claro.

Para Hobbes, da instituição do Estado resulta todo o poder – direitos e

faculdades – conferido ao soberano pelo consentimento do povo reunido. 117 O

soberano de outrora deve ser entendido hoje como soberania, já que o poder é

consentido, não ao soberano, rei, ditador, presidente ou outro, mas ao Estado. Quem é

soberano é o Estado. Aliás, a soberania é do Estado, mas deve ser exercida pelo povo,

a soberania popular.

Disso tiramos, segundo José Afonso da Silva, que o principal direito

fundamental do Estado é a soberania. 118 Ela é, consoante o citado autor: “[...]

fundamento do próprio Estado [...] significa poder político supremo e independente.”

Afirma ainda que “[...] supremo porque não está limitado por nenhum outro na

ordem interna [...] e independente, porque na ordem internacional não tem de acatar

regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os

poderes supremos de outros povos”. 119

Aproveitando a obra de Hobbes, podemos relatar quais são os direitos que

constituem a essência da soberania, quais sejam: o direito de fazer leis, o direito de

julgar, o direito de fazer a guerra e celebrar a paz, e de governar. 120 Não são, como já

se disse, direitos naturais, pois derivados dos direitos individuais, mas direitos novos,

sem dúvida, porque os particulares não os têm. Ademais, para se gar antir os direitos

116 Como o direito à vida. O Estado não pode tirar a vida de seus tutelados, porque não detém essedireito, já que é um direito não cedido pelo indivíduo. Assim, a pena de morte será sempreilegítima. E a pena de morte descrita na nossa Constituição para os crimes militares em caso deguerra declarada (artigo 5º, XLVII, a), só se justificaria, em singela síntese, para os traidores daPátria, que deixariam de ser então por ela tutelados, colocando em risco a sua própria vida, comouma espécie de direito de legítima defesa do Estado. Mas ainda assim, discutível.

117 Leviatã..., op. cit., p. 130-131.118 Curso..., op. cit., p. 108.119 Idem.120 Leviatã..., op. cit., p. 135-137.

53

individuais, mesmo os subjetivos, há que existir os direitos do Estado, soberanos e

hegemônicos, dando guarida aos mesmos. 121 Modernamente, transformando-se em

um conjunto de faculdades de fazer ou de exigir que outros o façam, mas, que

mantém o Estado dentro dos limites estabelecidos pela lei, principalmente pela lei

soberana, a Constituição.

A soberania moderna, entretanto, não se vislumbra como a indicada por

Hobbes, como asseverou Lopes Calera, já que não se trata, como dizia ele de um

pacto de submissão, mas de uma soberania popular e continuamente renovada,

exigindo o consentimento de todos, não em unanimidade, é verdade, já que a primeira

coisa da democracia é a convergência da maioria e não da totalidade. 122 Assim, como

o Estado somos nós, há que se dizer que a soberania é do Estado, mas exercida pelo

povo, ou seja, uma soberania popular.

Diante disso, não há como negar que um Estado Democrático de Direito não

pode confundir direitos do Estado com poderes absolutos do mesmo. Existe , sem

sombra de dúvidas, uma limitação, e essa limitação dá -se nos termos da lei, da

Constituição. Mais do que nunca, todos se devem submeter ao princípio da

legalidade, onde só se pode fazer algo ou deixar de fazer em virtude de lei e, de uma

lei constitucional.

Os direitos fundamentais do Estado têm hegemonia sobre os do particular,

mas, essa hegemonia não pode ultrapassar o princípio da legalidade, ou seja, não se

podem sobrepor à lei, já que todo direito deve ser limitado, evitando -se assim a

prepotência, a tirania, o absolutismo, os ditadores. A sociedade requer democracia, e

participativa, voltada para o povo e pelo povo, de forma que se admitem

poderes/direitos do Estado, superiores até aos do indivíduo e da coletividade, mas

nunca absolutos ou sem limitações.

121 O direito subjetivo faz dos sujeitos titulares de poderes, obrigações, faculdades, estabelecendorelações entre si, diferente do direito objetivo, que a ninguém pertence socialmente. Os ingleses têmduas palavras diferentes que enunciam os dois termos, e que modernamente são de importânciaimpar dada sua utilização, são elas: LAW (direito objetivo) e RIGHT (direito subjetivo).

122 Yo, el Estado..., op. cit., p. 49.

54

2.2.2.9 O Estado e sua responsabilidade

Como ente soberano, o Estado é o detentor, por excelência, do poder de fazer

leis, desde que, hodiernamente, leis constitucionais, já que as constituições

contemporâneas são, por vontade do povo, as instituidoras do Estado.123 Entretanto,

apesar de fazer leis e ser seu guardião, fazendo -as serem cumpridas e aplicadas,

também se deve submeter a elas, tanto às leis penais como civis.

Dentro dessa premissa, e considerando que o Estado, segundo Kelse n, é um

ente que existe somente no mundo abstrato, não havendo existência física, esses

poderes/deveres são exercidos por pessoas individuais concretas, que agem na

qualidade de órgão, com direitos e deveres diversos de seus direitos pessoais, ou,

melhor dizendo, de seus direitos e deveres de ente individual. 124

Ainda deve ser lembrado que o Estado não pode delinqüir, e sim seu órgão,

pessoa física agindo em nome do mesmo, que é quem pode, em tese, cometer crimes,

pois o Estado, pessoa jurídica, não pode co meter crimes. Entretanto, no campo da

responsabilidade civil, quando o Estado causar prejuízo a outros, pessoas individuais

ou coletivas, deve indenizar. Ressalte -se que, nesses casos, pode nem haver ato ilícito

de seu órgão, já que a atitude pode ser líci ta, apenas com decisão ou fatalidade

desfavorável aos outros entes.

Essa incursão na trajetória moderna do Estado é necessária para o enfoque da

obrigação tributária, ainda que, sob o risco de não se tornar, no particular, um

trabalho jurídico, mas histórico, sociológico ou filosófico. Para que isso não ocorra,

voltemos ao tema específico da obrigação tributária.

2.2.3 Continuidade da obrigação tributária

A relação tributária só pode ganhar corpo a partir de então – referimo-nos ao

acima exposto sobre a trajetória do Estado –, e com espeque no Direito Público, no

afã de superar a doutrina privatista, ou, melhor dizendo, o Direito Privado. Claro que

123Ainda que uma soberania do povo, pois, quando o povo é destronado desse instituto, o Estado perdesua legitimidade, passando a não ser mais sujeito de direitos e sim usurpador.

124 Teoria geral do Direito e do Estado, p. 275-277.

55

devemos lembrar que o instituto da obrigação tem seu berço histórico no Direito

Privado, mas com ele não pode ser confundido.

As regras básicas de cada instituto, como sua base institucionalizadora,

sempre devem ser mantidas, quer sua utilização ocorra no Direito Privado ou no

Direito Público, se é que podemos delimitar o Direito em público e privado, senão

academicamente, ou historicamente, para conhecimento do segmento que lhe deu

origem. É como aqui o utilizamos.

Avançando no conhecimento dos institutos, como a obrigação, não se pode

olvidar que o ramo do direito que o utilize, preservando suas c aracterísticas, pode

implantar pequenas modificações. Veja -se, como exemplo, a prescrição que possui

contornos próprios no Direito Tributário, mas, sem perder a essência do instituto,

pois, perderia a logicidade do Direito.

Essa discussão inicial sobre a obrigação tributária presta -se a uma

compreensão correta do instituto, e como deve ser analisado, já que com matriz

privatista e com finalidade pública, fato que não passou despercebido por Marçal

Justem Filho, para quem “[...] o ponto central das divergê ncias envolve a subsunção

do arquétipo relacional instituído no mandamento da norma tributária ao modelo da

obrigação de direito privado”. 125

A obrigação tributária é uma relação jurídica, onde o direito do credor se

contrapõe ao dever do devedor. Ao cre dor nasce um direito exercitável perante o

devedor, para quem subsiste uma obrigação para com o credor. Nesse sentido, veja -se

o escólio de Luciano Amaro: “A obrigação, nessa ótica, corresponde a um

comportamento (ação ou omissão) que o credor pode exigir do devedor, e que é

traduzível em prestação de dar, fazer ou não fazer. Fica, dessa forma, o devedor

adstrito ao adimplemento de uma prestação em proveito do credor. O devedor tem

uma dívida ou débito, em contraposição ao crédito do devedor”.(sic) 126

Nesse mesmo norte, retratando a obrigação em sentido estrito, Pontes de

Miranda diz que: “É a relação jurídica entre duas (ou mais) pessoas, de que decorre

a uma delas, ao debitor, ou a alguma, poder ser exigida, pela outra, creditor, ou

outras, prestação”.127

125 Sujeição..., op. cit., p. 39.126 Direito..., op. cit., p. 243.127 Tratado de direito privado . v.1. p. 12.

56

É nesse sentido que o Código Tributário Nacional emprega o instituto

“obrigação”, ou seja, dentro de concepção dualista de obrigação, como aponta

Américo Masset Lacombe, em termos seguintes:

Certa ou errada, necessária ou não ao perfeito entendi mento da relaçãoobrigacional, o fato é que o Código Tributário Nacional consagra a teoriaapesar de não utilizar a necessária precisão terminológica. Utiliza o termoobrigação no sentido de debitum (o shuld germânico), e do termo créditodito no sentido obligatio (o haftung germânico). Houve, por assim dizer,uma inversão da terminologia romana. 128

Assim, dentro da concepção da teoria dualista da obrigação, dois elementos

compõem a estrutura da obrigação, equivocadamente, no entanto, o primeiro deles é o

débito e o segundo a responsabilidade. Essa composição refere -se ao devedor, ou

seja, a estrutura, aqui, compõe-se de elementos referentes ao sujeito passivo da

obrigação, que na seara tributária é o contribuinte diretamente, ou, indiretamente,

como enfoque de nosso trabalho, o responsável tributário. As melhores expressões

para designar os elementos da estrutura da obrigação são oferecidas por Fábio Konder

Comparato, segundo relata Marçal Justen Filho, que utiliza: “ devoir” e

“engagement”, em tradução desse autor, dever e vinculação como referências aos

elementos da obrigação.129

O dever cria o débito para o devedor e o crédito para o credor. Por sua vez, a

vinculação cria a pretensão e a responsabilidade, para o credor e o devedor,

respectivamente. Como a obrigação tributária, ao menos a principal, nasce com o fato

jurídico tributário, de igual forma, a vinculação e o dever também com ele nascem.

Por serem elementos com liame lógico, com o cumprimento da obrigação, ainda que

forçadamente, juntos desaparecem. Ante a amplitude do alcance desses elementos, e à

pretensão de nosso trabalho, apenas superficialmente deles trataremos.

O Código Tributário Nacional alude à obrigação tributária em seu artigo 113,

com o enunciado:

Art. 113. A obrigação tributária é pr incipal ou acessória.§1º. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem porobjeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue -sejuntamente com o crédito decorrente.§2º. A obrigação acessória decorre da legislação trib utária e tem por objetoas prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse daarrecadação ou da fiscalização dos tributos.

128 Crédito tributário: Lançamento (arts. 139 a 150, do C.T.N.), em direito tributário, p. 165.129 Apud, Sujeição..., op. cit., p. 56.

57

§3º. A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância,converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.

Como se vê a obrigação tributária decorre de lei – obrigação legal –, e não de

contrato - obrigação contratual. Portanto, não se trata de um acordo de vontades, uma

autonomia de vontade ou dever autônomo, como prescrevia Hans Kel sen, segundo

Sacha Calmon Navarro Coêlho, dentro da divisão de deveres jurídicos em autônomos

e heterônomos.130 Então, refere-se a um dever jurídico heterônomo, onde a obrigação

tributária decorre de prescrição legal, instituída pelo legislador, dentro do pr incípio da

legalidade, especialmente, e de todos os outros princípios de Direito Tributário, que

aqui já apontamos anteriormente. Nesse sentido, veja -se Sacha Calmon Navarro

Coêlho:

Na terminologia do Código, a obrigação tributária principal nasce daocorrência de um fato, por isso jurígeno, previamente descrito na lei,acontratual e lícito. Trata-se de dever heterônomo, pela adoção doprincípio da imputação condicional (‘se fores proprietário de imóvelurbano, então pagarás IPTU ao município’) [...] Em su ma, a obrigação depagar tributos é heterônoma. Existirá toda vez que ocorrer no mundofático o evento jurígeno adrede previsto em lei. 131

Analisando de forma atenta o preceituado pelo artigo 113 do Código

Tributário Nacional, podemos tecer algumas consid erações de suma importância. A

primeira delas refere-se aos adjetivos principal e acessória. A obrigação principal

surge, segundo o Código, com a ocorrência do fato gerador. Tal enunciado goza de

acerto, pois, juntamente com Paulo de Barros de Carvalho, po demos dizer que o fato

jurídico tributário surge no momento em que ocorre o fato hipoteticamente descrito

na lei.132 A sua exigência é que se torna devida com o lançamento, ou seja, o

lançamento é declaratório da obrigação, tornando -a certa e exigível.133

Por sua vez, a expressão “obrigação acessória” é um tanto equivocada, fato

que podemos afirmar juntamente com Sacha Calmon, pois, as obrigações acessórias

são obrigações de fazer ou não fazer, como o prestar declarações, emitir notas fiscais,

que não são acessórias, secundárias ou dependentes, mas de cunho diverso de pagar

130 Apud. Curso de Direito Tributário brasileiro, p. 580.131 Curso..., op. cit., p. 581.132 Curso..., op. cit., p. 288.133 A tese declarativista é preponderante na doutrina. Paulo de Barros Carvalho em entendimento

recente, na obra Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, d ecorrente de sua tesepara livre docência, passou a entendê -la como constitutiva da obrigação. Também, de formasintética, na obra Curso..., p. 398-403.

58

ou entregar, como é a principal. 134 Nunca é demais lembrar que a ressalva do Código

de que a “obrigação acessória” decorre da legislação tributária, ainda que considerada

a lei apenas material, como criadora da obrigação, é de ser rechaçada, na medida em

que ambas decorrem de lei, ou seja, imposta pelo legislador dentro dos preceitos

constitucionais tributários para a criação da relação obrigacional.

A “obrigação acessória” tem existência autônoma, que se mantém incólume

mesmo ante a inexistência da obrigação principal, como, por exemplo, na dita

“obrigação acessória” de entrega da DOI – Declaração de Operações Imobiliárias,

pelos cartórios e tabelionatos, que independem da obrigação princi pal e sequer são de

responsabilidade dos adquirentes e alienantes. Mais acertada parece ser a expressão

deveres instrumentais ou formais, em vez de acessória, proposta por Paulo de

Barros.135 A “obrigação acessória” não é obrigação, pela falta de conteúdo

econômico, o qual só passa a existir com seu descumprimento, razão pela qual, trata -

se de um dever.

Outra impropriedade, severamente criticada por Paulo de Barros, contida no

citado parágrafo 1º, do artigo 113, decorre da expressão penalidade pecuniár ia.136

Penalidade pecuniária não se coaduna com a noção de tributo prevista no artigo 3º, do

Código Tributário Nacional, onde está previsto que o tributo não constitui sanção de

ato ilícito. E a multa não pode ter a mesma conotação de tributo, ou com ele

confundir-se. Ora, a obrigação tributária não pode decorrer de ato ilícito, como a

penalidade pecuniária. Aqui se pode dizer que ou a penalidade pecuniária seria

consectário do tributo, pelo pagamento posterior, ou em decorrência de não

cumprimento de obrigação acessória, como não declarar renda, declarar a menor, ou

declarar falsamente.

Deve ficar consignado, então, que a penalidade pecuniária, pode ser exigida

juntamente com o tributo, e com suas prerrogativas, mas a rigor, podemos afirmar,

acompanhados por Luciano Amaro, que obrigação tributária principal tem por objeto

o tributo, tão somente.137

Ao final do parágrafo, temos outra expressão fragilizada: “ extingue-se

juntamente com o crédito dela decorrente ”. Ora, o crédito é fruto natural da

134 Curso..., op. cit., p. 580.135 Curso..., op. cit., p. 284-286.136 Curso..., op. cit., p. 288-290.137 Direito..., op. cit., p. 248.

59

obrigação e a obrigação não pode existir, dentro da teoria dualista da obrigação, sem

haver um crédito, como acima propusemos. Extinguir -se o crédito quando extinguir -

se a obrigação é registro desnecessário. Ao extinguir -se o todo, não pode subsistir

uma parte, e sabemos que a lei não deve trazer partes ou expressões inúteis, podendo

levar um desatento observador à idéia de que o fato imponível cria a obrigação, mas

não o crédito ou o dever de pagar – débito para o devedor.

O parágrafo segundo, referente à “obrigação a cessória”, foi tratado supra, não

carecendo de nova análise. O parágrafo terceiro, do artigo 113 do Código Tributário

Nacional, no entanto, padece do mesmo vício já apontado, ao equiparar tributo com

penalidade administrativa. A obrigação dita acessória nã o consiste em dar, entregar

(dinheiro), mas em um fazer ou não fazer. A obrigação de fazer ou não fazer quando

“inadimplida”, converte -se em obrigação pecuniária. Não se podendo realizar de

outra forma, converte-se em perdas e danos, ou seja, para o Direit o Civil a obrigação

de fazer não cumprida se converte em obrigação de pagar – dar, entregar, como a

obrigação dita principal do Direito Tributário –, gerando para o sujeito ativo um

credito pecuniário, isto é, dever pecuniário para o sujeito passivo. Claro que essa

conversão não traz valores lógicos de conversão, pois estamos falando de penalidade

pecuniária administrativa. A má formulação consiste exatamente no equiparar

penalidade administrativa com o tributo nascido do fato jurídico tributário, ou de

acordo com a nomenclatura adotada pelo legislador, de “fato gerador”, já que o fato

jurídico tributário ou fato gerador só enseja tributo, jamais multa, sanção, ou qualquer

outra obrigação.

Entendendo desse modo os artigos citados anteriormente, evi taremos contestar

doutrinariamente o preceito estampado no artigo 121, parágrafo único, do Código

Tributário Nacional, que preceitua: “Parágrafo único. O sujeito passivo da

obrigação principal diz-se: I - Contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta

com a situação que constitui o respectivo fato gerador; II - Responsável, quando,

sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição

expressa de lei.”

Isso poderia ocorrer, porque o art. 121 do Código Tributário Naciona l tem raiz

em um erro doutrinário bastante arraigado na Ciência do Direito. Esse erro é

demonstrado por Paulo de Barros Carvalho, pois, o texto legal do artigo em estudo,

teve origem no magistério de Rubens Gomes de Souza, o qual, não trabalhando com a

60

obrigatória distinção entre mundo dos fatos e mundo jurídico, terminou vislumbrando

no "[...] sujeito passivo aquela pessoa que estava em relação econômica com o fato

jurídico tributário, dele extraindo vantagens." 138

É dessa visão que nasce a famosa e equivo cada distinção entre sujeito passivo

direto e sujeito passivo indireto, em função, como foi visto, de um elemento não

jurídico; qual seja, a relação econômica existente entre um determinado

acontecimento e uma determinada pessoa. A maioria da doutrina adot a esse

entendimento, chamando o contribuinte de sujeito passivo direto, pois, é ele quem

está "direta e pessoalmente" ligado ao fato descrito na norma; e o responsável, de

sujeito passivo indireto, por estar em relação apenas indireta com o mesmo fato,

como parece óbvio. A tautologia dos conceitos expostos grita veementemente. A

questão da nomenclatura e a posição dos sujeitos passivos diretos e indiretos,

veremos mais cautelosamente em dois momentos, por ocasião do estudo do próximo

capítulo. Todavia, antes de adentrarmos no próximo capítulo, veremos em seguida

uma breve síntese da regra matriz de incidência, por sua importância para a obrigação

tributária.

2.2.4 Breve visão da regra matriz de incidência

2.2.4.1 Considerações iniciais

O discernimento sobre uma espécie tributária, ou mesmo o conhecimento

sobre um tributo é de suma importância dentro de um macro universo de tributos e da

ciência do Direito Tributário, e não se pode alegar conhecê -lo sem aplicar sobre ele a

regra-matriz de incidência, de cunho geral, especialmente se considerarmos os

facilitadores apresentados pelas três principais correntes, ou posições, consagradas

por Alfredo Augusto Becker, 139 Geraldo Ataliba140 e Paulo de Barros Carvalho,141 no

estudo da regra-matriz. Segundo Pontes de Miranda:

138 Curso..., op. cit., p. 297-299.139 Teoria..., op. cit. p. 293-333.140 Hipótese..., op. cit. p. 47-105.141 Curso..., op. cit. p. 211-343.

61

O grande trabalho da ciência jurídica tem sido o de examinar o que é queverdadeiramente se passa entre homens, quando se dizem credores,titulares ou sujeitos passivos de obrigações, autores e réus, proprietários,excipientes, etc. O esforço de dois milênios conseguiu precisar conceitos,dar forma sistemática à exposição, pôr esses conhecimentos à disposiçãodos elaboradores de leis novas e aprimorar o senso crítico de algumasdezenas de gerações, até que, recentemente, se elevou a investigação aonível da investigação de outras ciências, para maior precisão da linguageme dos raciocínios. A subordinação dela à metodologia que resultou dalógica contemporânea, inclusive no que concerne à estrutura dos sistemas,é o último degrau que se atingiu 142

Dessa forma, utilizando-se do caminho da experiência jurídica podemos

desformalizar a regra-matriz de incidência do tributo. Desformalizar, como bem

lembra José Roberto Vieira “[...] é revestir as formas lógicas de conteúdo material, é

pôr-lhes os trajes da aparência empírica. Desformalizar a Regra -Matriz de

Incidência Tributária é recobrir o seu simbolismo estrutural com a capa da

linguagem, tanto aquela encontrada na literalidade dos textos legais, quanto a obtida

na ambiência sistemática dos contexto s normativos”.143 Vamos a ela.

2.2.4.2 Âmbito Constitucional

O caminho a ser percorrido para a aproximação da regra -matriz deve ser o

caminho da Constituição Federal. Um sistema tributário, não precisa integrar por

completo uma Constituição para compor a forma maior de arrecadação do Estado,

com as “limitações ao poder de tributar”. Por certo, é imprescindível que essa

Constituição traga preceitos fundamentais sobre tal sistema, mas de forma geral,

segundo Paulo de Barros Carvalho, como norma de estrutu ra.144

Na verdade, bastaria tal Constituição trazer as chamadas normas -princípio,

como norteadoras de outras normas de cunho infraconstitucional, tudo visando aos

princípios maiores de uma constituição democrática, como a legalidade, a igualdade,

a soberania, a dignidade e outros mais. Como adverte Roque Carrazza “[...] a

Constituição não é um mero repositório de recomendações, a serem ou não

atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente

142 Tratado..., op. cit., p. 12.143 A Regra-Matriz de Incidência do IPI. Texto e Contexto, p. 71.144 Curso..., op. cit., p. 140.

62

observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional.”145 Nossa Constituição

Federal de 1988 foi além, estabelecendo um sistema tributário completo. Como

ressaltado por Hugo de Brito Machado, o nosso sistema tributário é rígido: “[...] os

sistemas nos quais o legislador ordinário de quase nenhuma opção dispõe, visto

como a Constituição estabelece o disciplinamento completo, traçando todas as

normas essenciais do sistema” .146 Nesse sentido, ao digressionar sobre sistemas, em

especial no Direito Comparado, Paulo de Barros Carvalho define o Sist ema

Tributário Nacional na Constituição da seguinte forma:

Enquanto os sistemas de outros países de cultura ocidental pouco sedemoram nesse campo, cingindo -se a um número reduzido de disposições,que ferem tão-somente pontos essenciais, deixando à ativi dade legislativainfraconstitucional a grande tarefa de modelar o conjunto, o nosso, pelocontrário, foi abundante, dispensando à matéria tributária farta messe depreceitos, que dão pouca mobilidade ao legislador ordinário, em termos deexercitar seu gênio criativo.147

É um sistema tributário de acentuada rigidez, pelo tratamento minucioso e

amplo, praticamente esgotando o tema dentro de uma constituição rígida.

Percorrendo o caminho constitucional poderemos fugir de desastrosas

incursões, por se estudar a regra-matriz de um tributo a partir de normas de inferior

hierarquia. Claro que o texto constitucional não esgota o assunto, até porque, apesar

da ressalva que acima identificamos, da quase imobilidade do legislador ordinário na

complementação do sistema tributário, pela atitude do legislador constitucional, é

óbvio que uma parte necessária da hipótese de incidência tributária advém da

legislação infraconstitucional.

Para termos um paradigma, um tributo específico, a título de exemplo,

utilizaremos o ITR – Imposto Territorial Rural. Vejamos.

Como se trata, o ITR, de tributo predominantemente extrafiscal, de cunho a

desencorajar a posse de propriedade improdutiva, como instrumento de reforma

agrária, a Constituição Federal de 1988, indicou à União co mo competente para

instituir o ITR, ou seja, com competência constitucional para instituir o imposto sobre

a propriedade territorial rural, consoante prescreve seu artigo 153, VI, que

145 Curso..., p. 28.146 Curso..., p. 210.147 Curso..., op. cit., p. 140-141.

63

transcrevemos: “Compete à União instituir impostos sobre: [...]; VI – propriedade

territorial rural; [...].”

Por sua vez, o parágrafo 4º, I e II, dispõe que: “ O imposto previsto no inciso

VI do caput: I – será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a

desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; II - não incidirá sobre

pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não

possua outro imóvel.”

Como salientamos, trata-se de um sistema rígido em que o legislador tratou da

matéria tributária exaustivamente, portanto a competê ncia, aqui, denominada de

expressa, em matéria tributária, por Michel Temer, é também privativa, não passível

de delegação, delimitada em sua respectiva área de atuação pela Constituição. 148

É claro, como se disse antes, que a matéria não se esgota no âmbi to

constitucional. E tal fato se deve à técnica de construção de uma constituição, de

somente arrolar os pontos principais e norteadores, como normas de construção,

deixando ao legislador ordinário a criação de legislação. Repetindo -se, é consabido

que o legislador constitucional quase esgotou o tema, mas não o fez, até pela

impossibilidade de tal mister, sendo que resta, assim, atividade ao legislador

infraconstitucional no tema.

O legislador constitucional, em matéria tributária, no concernente à defin ição

e às espécies de tributos, determinou que lei complementar regulasse a matéria. E

assim o fez, no artigo 146, em caráter geral, pois aponta também em partes

específicas a necessidade de lei complementar. Assim, diz o referido artigo:

Art. 146. Cabe à lei complementar:I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre aUnião, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;III – estabelecer normas gerias em matéria de legislação tributária,especialmente sobre:a) definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aosimpostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatosgeradores, bases de cálculo e contribuinte;b) obrigação, lançamento, créd ito, prescrição e decadência tributários;[...].

Desse modo, faz-se necessária uma lei complementar para regular o tema.

Dentro desse contexto, é que a matéria é regulada, fixando -se sua hipótese de

148 Elementos..., op. cit., p. 77.

64

incidência, sua base de cálculo e seus contribuintes, pelo CTN - Código Tributário

Nacional, Lei n.° 5.172 de 25 de outubro de 1966, recepcionada pela Constituição de

1988, como relembra Luciano Camargos, com natureza de lei complementar. 149

Existem, no entanto, posicionamentos contrários, como o de Roque Carr azza, quanto

à natureza jurídica do CTN, para quem:

Apesar de seu nunca negado caráter nacional, ela foi votada como leiordinária, uma vez que à época, inexistia no processo legislativo pátrio alei formalmente complementar constituição. Pois bem, que a doutrina mais tradicional que, implantados, primeiro em1967 e, depois em 1988, novos regimes constitucionais, a lei em exame,mesmo não tendo sido aprovada com o quorum especial e qualificado doart. 69 da Carta Suprema, assumiu, ipso facto, a natureza de leicomplementar, por versar sobre matérias que estão reservadas a estamodalidade de ato normativo. Data maxima venia, assim, não nosparece.150

Parece-nos que o CTN foi recepcionado com eficácia de lei complementar, já

que foi confeccionado como lei ordinária e a natureza não se muda. É o pensamento

de parte da doutrina tradicional, à qual nos filiamos.

No CTN, a matéria é colocada nos artigos 29, 30 e 31, que estabelecem:

Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedadeterritorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou aposse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizado forada zona urbana do Município.Art. 30. A base de cálculo do imposto é o seu valor fundiário.Art. 31. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular deseu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

Indicados os diplomas constitucional e infraconstitucional, este através de lei

complementar, coube à Lei n.° 9.393/96, lei ordinária, dispor sobre o imposto sobre a

propriedade territorial rural.

Como se trata de lei, em sentido formal e material, mas de status inferior na

ordem hierárquica com a Constituição, na pirâmide legislativa, a Lei n.° 9.393/96, só

pode esclarecer e delimitar o que está prescrito de forma diretiva pela Constituição.

Outro não poderia ser o pensamento de Roque Carrazza, que nos ensina:

O legislador, ao elaborar a lei, deve, obviamente, obedecer a Constituição.Não nos demoraremos, porém, em demonstrar esta acaciana verd ade. O

149 O imposto territorial rural e a função social da propriedade, p. 98.150 Curso..., op. cit., p. 886, nota de rodapé.

65

que queremos enfatizar é que não é só ele que deve fazê -lo. Mais até que olegislador, o administrador público e o juiz – por não senhores, masservidores da lei – estão intensamente subordinados à Constituição,inclusive a seus magnos princípios. 151

Ressalte-se que a lei ordinária não tem hierarquia inferior em relação a lei

complementar, apenas tratam de matérias diversas. Pode ocorrer, como acontece com

o ITR, que haja determinação de que a lei complementar estabeleça regras gerais

sobre o tributo, passando, nesses casos, a ter hierarquia sobre a lei ordinária.

Cabe transcrever o artigo 1º, que regula a matéria da seguinte forma: “O

Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como

fato gerador a propriedade, o dom ínio ou a posse de imóvel por natureza, localizada

fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano.”

Visto que seja, o ordenamento jurídico específico sobre o imposto sobre a

propriedade territorial rural, podemos passar à análise de sua r egra-matriz de

incidência, não sem antes observar alguns aspectos de introdução e conhecimento

sobre a essência do tributo.

2.2.4.3 Hipótese de incidência - Aspecto Material

O aspecto material, ou critério material segundo alguns, deve ser enfrenta do

como item primeiro, quer pela sua essencial providência, quer pela informação inicial

contida. No dizer de Paulo de Barros: “Nele, há referência a um comportamento de

pessoas, físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e de tempo

(critérios espacial e temporal)”. 152 Apesar de, com descrição diversa do aspecto

material da hipótese de incidência, Geraldo Ataliba valoriza -a quando menciona: “O

aspecto mais complexo da hipótese de incidência é o material. Ele contém a

designação de todos os dados de origem objetiva, configuradores do arquétipo em

que ela (h.i.) consiste; é a própria consistência material do fato ou estado de fato

descrito pela (h.i.); é a descrição dos dados substanciais que servem de suporte à

h.i.”.153

151 Curso..., op. cit., p. 166.152 Curso..., op. cit., p. 251.153 Hipótese..., op. cit., p. 95.

66

Sinteticamente, podemos definir a posição de cada um dos citados mestres, da

seguinte forma: para Paulo de Barros o critério material é comportamento pessoal

mais complemento; para Geraldo Ataliba o aspecto material é composto

principalmente pela base de cálculo.

Assim, nossa Constituição Federal dispõe que: “ Art. 153. Compete à União

instituir impostos sobre: [...]; VI – propriedade territorial rural ;”

O primeiro poste de fundação desse tributo é ser proprietário de propriedade

territorial rural, como antecedente norm ativo do presente tributo.

Por sua vez a Lei n.° 9.393/96, estabelece como ensejador do imposto, ou

aspecto material do tributo, “[...] a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel

por natureza, localizada fora da zona urbana do município [...] ”. É como dispõe o

CTN.

2.2.4.4 Aspecto temporal

O aspecto temporal está atrelado ao aspecto material, como condição de

ordem temporal, como nos ensina José Roberto Vieira, onde afirma ainda que tal

critério visa a conhecer o momento exato em que se cons idera ocorrido o fato jurídico

tributário, donde se verifica a incidência e prende -se credor e devedor; e é, via de

regra, de natureza constitucional. 154

Assim, considere-se o aspecto temporal, segundo Paulo de Barros Carvalho:

[...] desponta a necessidade de que uma norma tributária revele o marcode tempo em que se dá por ocorrido o fato, abrindo -se aos sujeitos darelação o exato conhecimento da existência de seus direitos e de suasobrigações.Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária co mo o grupode indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementospara saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito,passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, emfunção de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária [...] Omarco de tempo deve assinalar o surgimento de um direito subjetivo parao Estado (no sentido amplo) e de um dever jurídico para o sujeitopassivo.155

154 A regra-matriz..., op. cit., p. 101.155 Curso..., op. cit., p. 258-259.

67

O ITR não tem o critério temporal definido pela Constituição , diretamente e

nem pelo Código Tributário Nacional. É na Lei n.° 9.393/96, que se define seu

critério temporal. Aliás, antes de adentrar no estudo do momento em que se considera

ocorrido o fato jurídico tributário, faz -se necessário lembrar da classificaç ão dos

tributos, quanto à estrutura, em simples e complexos. O primeiro é aquele que se

conforma pela conceituação de um fato ou acontecimento uno e singelo. A

implicação temporal está em que, ocorrido o fato, ele torna -se jurídico tributário. O

complexo seria a configuração pela conjunção de diversos fatos, pela compreensão de

uma situação integrada por variados elementos que são reunidos numa só figura.

Neste caso, como nos relata Geraldo Ataliba, o “fato imponível” só ocorreria com a

completa realização de todos os elementos de fato. 156

Quanto ao momento de sua ocorrência ou processo de formação, classificam -

se em instantâneos, continuados e complexivos, como bem relembra Paulo de Barros

Carvalho, tecendo, inclusive, severa crítica a essas classificações .157 Define, Paulo de

Barros Carvalho, a classificação da seguinte forma:

Os fatos geradores seriam instantâneos, quando se verificassem e seesgotassem em determinada unidade de tempo, dando origem, cadaocorrência, a uma obrigação tributária autônoma. Os continuadosabrangeriam todos os que configurassem situações duradouras, que sedesdobrassem no tempo, por intervalos maiores ou menores. Por fim, oscomplexivos nominariam aqueles cujo processo de formação tivesseimplemento com o transcurso de unidades sucessivas de tempo, demaneira que, pela integração dos vários fatores, surgiria o fato final. 158

O ITR seria caso de “fato gerador” continuado, pois ocorre no primeiro dia do

exercício tributário, ou seja, 1º de janeiro de cada ano. A Lei n.° 9.393/96, em seu

artigo 1º, foi explícita nesse sentido, já que o define como de apuração anual, em 1º

de janeiro de cada ano,159 gerando para o possuidor do imóvel, nesta data, o dever de

pagar o imposto territorial rural. 160

156 Hipótese..., op. cit., p.86-88.157 Curso..., op. cit., p. 263.158 Idem.159 Art. 1º. O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como fato

gerador a propriedade, o domínio ou a posse de imóvel por natureza, localizada fora da zonaurbana do município, e, 1º de janeiro de cada ano.

160 Proprietário em sentido amplo, mas que detém posse, afastando, por exemplo, a incidência em casode imóvel que teve imissão prévia na posse decretada, por interesse social para reforma agrária, nostermos do parágrafo 1º, da Lei 9.393/96.

68

Dessarte, a hipótese de incidência que t em como período de apuração

determinado lapso temporal, sendo cobrado enquanto perdurar o estado de fato, a

propriedade sobre o imóvel. Sobre isso, Leciona Alfredo Augusto Becker:

[...] a hipótese de incidência poderá consistir no estado de fato comduração de um ano ou um dia, de modo que ao término do segundo ano oudo segundo dia, logicamente ocorre uma segunda realização da hipótesede incidência. Por exemplo: o chamado imposto de propriedade territoriale predial tem como hipótese de incidência um es tado de fato: a existênciapermanente, durante um ano civil , de imóvel objeto de direito depropriedade; todos os anos, enquanto o imóvel for objeto de direito depropriedade, o imposto será cobrado uma única vez e durante aquele anonão será cobrado outra vez o mesmo imposto, ainda que o imóvel, cadadia, tenha um proprietário diferente. 161

O ITR, assim, tem “fato gerador” continuado, já que a hipótese de incidência

tem como período de apuração um ano, e, enquanto perdurar o estado de fato,

perdurará a obrigação, gerando para o possuidor com ânimo de dono do imóvel, nessa

ocasião, 1º de janeiro, a posição de sujeito passivo. O aspecto temporal é o momento

final do período de apuração, ainda que no ITR ele tenha um período que compreende

um ano, o ano fiscal.

2.2.4.5 Hipótese de Incidência do ITR - Aspecto Espacial

Para Geraldo Ataliba “[...] designa-se por aspecto espacial a indicação de

circunstância de lugar – contida explicita ou implicitamente na h.i. – relevantes para

a configuração do fato imponível.”162 Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho indica

nas leis brasileiras três níveis de elaboração da norma, no que toca às coordenadas de

espaço, referentes aos tributos, divisão de suma importância para posicionarmos o

ITR. Assim, a classificação do c itado autor é a seguinte:

a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para aocorrência do fato típico;b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorteque o acontecimento apenas ocorrerá se dentro del as estivergeograficamente contido;

161 Teoria..., op. cit., p. 335.162 Hipótese..., op. cit., p.93.

69

c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato,que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estaráapto a desencadear seus efeitos peculiares. 163

Como exemplo da primeira hipótese, temos o imposto de importação – II, em

que se dá por ocorrido o fato nas repartições alfandegárias; como exemplos da

segunda, temos os impostos sobre a propriedade – IPTU e ITR, previstos para

determinadas áreas, regiões ou intervalos territo riais; e como exemplo da terceira

hipótese temos o IPI e o ICMS que incidem em todo o território nacional, incidindo

no âmbito de validade territorial da lei instituidora, com a determinação territorial

apenas do estabelecimento industrial ou comercial . 164

O ITR, como visto, incide em determinada região, determinada área, onde se

situa o imóvel rural.

A fixação da qualificação do imóvel como urbano ou rural, só pode ser

estabelecida por lei complementar, como determina o artigo 146 da Constituição, por

ser matéria reservada, em face do conflito de competência. Dessarte, como sabemos,

a Lei n.° 5.172/66, o Código Tributário Nacional, foi recepcionado pela Constituição

com eficácia de lei complementar, apesar de não ter sido confeccionado sob esse

prisma. Portanto, o CTN pode determinar o que se entende por imóvel rural, e assim

o fez, ao determinar o que pode ser imóvel urbano, no artigo 32, que transcrevemos:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedadepredial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, odomínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física,como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.§ 1.º Para os efeitos deste imposto, entende -se como zona urbana adefinida em lei municipal, observando o requisito mínimo de existência demelhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes,construídos ou mantidos pelo Poder Público:I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;II – abastecimento de água;III – sistema de esgotos sanitários;IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento paradistribuição domiciliar;V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três)quilômetros do imóvel considerado.

Assim, se o imóvel está situado no perímetro urbano aprovado por lei

municipal, o imposto devido, por seu proprietário em sentido amplo, é o IPTU, de

competência municipal; se na zona rural, o imposto devido é o ITR, de competência

163 Curso..., op. cit., p. 255-256.164 Idem.

70

federal, com possibilidade de delegação a cobrança e a destinação do tributo ao

Município, conforme o artigo 153 § 4º, III.

2.2.4.6 A conseqüência tributária da Regra -Matriz de incidência

Vencida a fase antecedente da hipótese da regra -matriz de incidência do ITR –

tributo utilizado apenas como paradigma - como critério para identificação do fato

tributário descrito, examinando seus componentes lógicos, passaremos à fase

subseqüente, ou ao conseqüente da regra -matriz, como segundo segmento do juízo

hipotético de estipulação e r egulação de condutas, com a definição de direitos e

obrigações para as pessoas envolvidas na relação não mais hipotética, mas na relação

individualizada, na lição de parte da doutrina. O antecedente e o conseqüente da

regra-matriz são descritos por Paulo de Barros Carvalho como:

Se a hipótese, funcionando como descritor, anuncia os critériosconceptuais para o reconhecimento de um fato, o conseqüente, comoprescritor, nos dá, também, critérios para a identificação do vínculojurídico que nasce, facultando-nos saber quem é o sujeito portador dodireito subjetivo; a quem foi cometido o dever jurídico de cumprir certaprestação; e seu objeto, vale dizer, o comportamento que a ordem jurídicaespera do sujeito passivo e que satisfaz, a um só tempo, o dever que lhefora atribuído e o direito subjetivo de que era titular o sujeitopretensor.(sic)165

Passamos à visão do conseqüente tributário da norma de incidência do ITR.

3.2.4.7 A teoria dos graus de eficácia da relação jurídica

Antes de adentrarmos na conceituação dos critérios pessoal e quantitativo, é

de especial importância, para nosso discernimento, a aferição dos graus de eficácia da

relação jurídica, em especial no ITR. Conforme o escólio de José Roberto Vieira, a

eficácia decorre da teoria dos gra us de eficácia da relação jurídica elaborada por

165 Ibidem, p. 278.

71

Pontes de Miranda, trazida para o Direito Tributário por Alfredo Becker e melhor

desenvolvida por Paulo de Barros Carvalho. 166

Alfredo Becker, ao demonstrar os graus de eficácia, os expôs e classificou da

seguinte forma: “Da incidência da regra jurídica sobre sua hipótese de incidência

pode irradiar-se uma eficácia jurídica (efeitos jurídicos) mínima, média ou máxima;

noutras palavras, a relação jurídica pode ser de conteúdo mínimo (direito e dever)

ou de conteúdo médio (direito, pretensão e dever, obrigação) ou de conteúdo máximo

(direito, pretensão, coação e dever, obrigação, sujeição). ”167

Para José Roberto Vieira, na análise dos graus de eficiência da relação

jurídica tributária, eles são expostos da seg uinte forma:

Teria eficácia mínima a relação jurídica quando existentes apenas o direitosubjetivo (do sujeito ativo) e o dever jurídico (do sujeito passivo); o queacontece, na área tributária, pela concretização do fato descrito na hipótesede tributos como o ITR, o IPTU etc. A eficácia seria ampliada para o graumédio quando presentes o direito subjetivo e a pretensão (do sujeito ativo),e o dever jurídico e a necessidade de satisfação (do sujeito passivo); o queocorre tributariamente pela realização do lançamento daqueles mesmostributos. O grau de eficácia atingiria o máximo quando ao direito subjetivoe à pretensão fosse acrescida a ação (do sujeito ativo), enquanto ao deverjurídico e à necessidade de satisfação fosse acrescida a sujeição (do sujei topassivo); o que sucede, no âmbito tributário, quando descumprida aexigência nos prazos assinalados na lei, abrindo -se a perspectiva de buscada prestação jurisdicional. 168

Em que pese a indicação do ITR, pelo Professor Vieira, como de eficácia

inicial da relação jurídica de grau mínimo, como visto acima, tal indicação era válida

antes do advento da Lei n.º 9.393/96, o que justifica plenamente essa indicação do

nosso mestre, já que a valiosa obra citada foi elaborada em 1993. O ITR passou a

compor, com o advento da citada lei, juntamente com os demais impostos federais, o

equivocadamente chamado “autolançamento”, onde o texto legal coloca à disposição

do sujeito passivo todos os dados para a satisfação de sua obrigação legal tributária,

estabelecendo a base de cálculo, alíquota, forma de declaração e apuração, pagamento

e prazo. É o chamado lançamento por homologação – por declaração do contribuinte,

onde o contribuinte – sujeito passivo – apura dentro dos critérios estabelecidos o

quantum do imposto e antecipa o pagamento, apresentando a Declaração de ITR –

DITR – e já se autonotificando, cabendo à União -fisco – sujeito ativo – homologar,

166 A regra matriz..., op. cit., p. 107.167 Teoria..., op. cit., p. 345.168 A regra matriz..., op. cit., p. 107.

72

concordar com o pagamento, expressa, ou tacitamente em cinco anos, ou discordar e

lançar o tributo ex ofício, através de auto de infração, pelo valor devido. Como a

atuação da União, o sujeito ativo, é de caráter acidental e prescindível, podemos dizer

que a relação jurídica do ITR já nasce com um grau de eficácia médio.

2.2.4.8 Determinação Subjetiva – o aspecto pessoal

Como primeira vertente da conseqüência tributária da regra -matriz de

incidência do ITR temos a determinação das pessoas que comporão a relação jurídica

tributária. Segundo Geraldo Ataliba:

O aspecto pessoal, ou subjetivo, é a qualidade [...] que determina ossujeitos da obrigação tributária, que o fato imponível fará nascer. Consistenuma conexão (relação de fato) entre o núcleo da hipótese de incidência eduas pessoas, que serão erigidas, em virtude do fato imponível e por forçade lei, em sujeitos da obrigação.169

Quanto à determinação desses sujeitos, ativos e passivos, na relação jurídica

tributária, leciona Marçal Justen Filho que:

É determinado no que tange à indicação do sujeito ativo da obrigaçãotributária, sempre previsto desde logo e aprioristicamente. Já o sujeitopassivo será aquele que preencher as indicações normativas, sendocognoscível a posteriori , ou seja, a partir da ocorrência do fato imponível.A norma tributária, quanto ao sujeito passivo, delimita como que umasombra, um contorno para aplicação sobre o mundo dos fatos. 170

Assim, teremos sempre um sujeito ativo determinado e invariável e um sujeito

passivo parcialmente determinado, como passaremos a ver.

2.2.4.8.1 Sujeito Ativo

Sujeito ativo na relação jurídica tr ibutária é, como ensina Geraldo Ataliba,

“[...] em regra, a pessoa constitucional titular da competência tributária [...] ” de

169 Hipótese..., op. cit., p.72.170 O Imposto sobre Serviços na Constituiçã o, p. 151.

73

forma que a própria Constituição indica o sujeito ativo no ITR. 171 Ressalte-se, que tal

determinação, é “em regra”, como salientou A taliba acima, pois essa competência

não pode ser delegada, mas é possível delegar um de seus atributos: a capacidade.

Aliás, antes de ser acusado de sacrilégio, é bom ser dito que a competência tributária

que envolve o poder de fiscalizar e cobrar tributos , bem como de legislar a esse

respeito é só dos entes que compõem a Federação.

Quanto à questão da competência tributária Ruy Barbosa Nogueira, diz:

“Somente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem ser sujeito

ativo da obrigação tributária, porque sujeito ativo dessa obrigação somente pode ser

a pessoa jurídica de direito público titular de competência para criar a obrigação e

exigir o seu cumprimento”. 172 Não podemos concordar. Parte da competência, ou,

melhor dizendo, um dos atribut os da competência tributária, pode ser delegada: a

capacidade para fiscalizar e cobrar tributos, chamada de capacidade tributária,

gerando a possibilidade de ser sujeito ativo, na relação jurídica tributária. Exemplo

apenas de capacidade tributária, tem no FGTS, em que a competência é da União,

mas a cobrança é delegada à Caixa Econômica Federal – CEF, e as contribuições para

a seguridade social delegadas sua cobrança ao INSS. 173

2.2.4.8.2 Sujeito Passivo

A determinação do sujeito passivo da relação jurídica tributária decorre, ou

está vinculada, ao aspecto pessoal da regra matriz, no conseqüente. Em sentido

inverso, colocando-a na hipótese, Marçal Justen Filho:

Se o sujeito passivo previsto no mandamento normativo não se vincula àsituação fática hipoteticamente descrita na materialidade da hipótese deincidência, há um desnaturamento do tributo, porquanto a obrigaçãotributária que a lei impõe a alguém não será decorrência da verificação dasituação descrita na própria norma como evento desencadea dor da mesmaobrigação.174

171 Hipótese..., op. cit., p.75.172 Curso de Direito Tributário, p. 144.173 Parte delas é claro, pois, contribuições como a Cofins, CSLL, PIS, PASEP, continuam sob a égide

da União/Fazenda Nacional.174 O imposto..., op. cit., p. 155.

74

Veremos o alcance dessa afirmação do citado autor, em que pese não

concordarmos com o aspecto pessoal na hipótese, na análise do sujeito passivo do

ITR, pois, a determinação do seu sujeito passivo encontra discordância na doutri na,

em razão da lei infraconstitucional ter ampliado a determinação constitucional.

Parece-nos que somente a propriedade, o domínio útil e a posse com ânimo de dono,

denominada por Misabel Derzi, ad usucapionem, podem determinar a sujeição

passiva no ITR.175 A posse precária, ou a mera posse direta como a do arrendatário,

locador, comodatário, usuário, detentor ou administrador não geram a obrigação

tributária aqui delineada.

A norma deve conter todos os dados da hipótese de incidência do tributo, os

seus sujeitos ativo e passivo, a sua base de cálculos e as alíquotas. É vedada ao

executivo qualquer interferência, sob pena de flagrante inconstitucionalidade, bem

como ao legislador infraconstitucional, em razão da hierarquia das leis no plano

vertical. Qualquer complemento deve ser feito dentro de limites que a lei especifica.

Manifesta-se o princípio da estrita legalidade, contendo a norma tributária

todos os dados essenciais, identificando -se o fato jurídico tributário, não podendo ser

empregada à analogia e a discricionariedade pela Administração Pública ou pelo

Poder Judiciário.

Voltando ao princípio da legalidade, cabe esclarecer que, quando o legislador

estabelece a lei, não se trata somente de ato jurídico normativo, que imponha dever

aos entes – sentido material –, mas, também, que seja lei em sentido formal, sendo

aquela produzida pelo órgão competente para o exercício da função legislativa.

Também é apontado como contribuinte, nos termos do artigo 5º da Lei n.º

9.393/96, o responsável, sucessor a qualquer título. Como a responsabilidade

tributária é tema por demais abrangente e mistificado, ante suas agruras, vamos

adentrar ao tema em capítulo específico, até porque o que importa aqui é o

contribuinte direto, pois, o responsável só será o devedo r ou substituto se o seu

sucedido houver sido contribuinte.

175 Apud Direito Tributário brasileiro, p. 237.

75

2.2.4.9 Aspecto Quantitativo

O aspecto quantitativo é a definição da dívida tributária, é um valor

patrimonial expresso em dinheiro, como leciona Paulo de Barros Carvalho, a exata

quantia devida a título de tributo. É o que se chama de aspecto quantitativo do

conseqüente das normas tributárias, definido pela base de cálculo e pela alíquota. 176 A

Constituição proclama a hipótese normativa e a base de cálculo como binômio

diferenciador dos tributos. Para Marçal Justen Filho, “A prestação devida consiste em

um dar, tendo por conteúdo a entrega de uma quantia em dinheiro.” 177 Marçal,

ainda, citando estudos de Paulo de Barros, declina a classificação dos tributos em

duas grandes categorias, sendo : “a) tributos em que o valor da prestação pecuniária

já vem devidamente determinado, no plano normativo (conhecidos pela designação

imprópria de ‘tributos fixos’); e b) tributos em que a determinação do objeto da

prestação está condicionado ao acontecime nto do fato jurídico tributário (ocasião

em que aplicam critérios colhidos na lei – base de cálculo e alíquota)” .178

Os tributos fixos, aliás, são explicitados por Paulo de Barros Carvalho, quando

o valor do tributo viria determinado nas expressões da lei , sem necessidade de

interpretações ou busca de uma base de cálculo ou alíquota. 179

A Constituição por adoção do segundo critério, base de cálculo x alíquota,

contemplou também o ITR dessa forma.

2.2.4.10 A base de cálculo

Em nosso país, Alfredo Augusto Becker, na arguta visão de Paulo de Barros

Carvalho, é o pioneiro no estudo sobre a base de cálculo, considerado o único

elemento apropriado para exprimir o gênero de tributo. 180 Assim, para Alfredo

Becker:

176 Curso..., op. cit., p. 320-321.177 O imposto..., op. cit., p. 159.178 Idem.179 Curso..., op. cit., p. 321-322. Apesar de reconhecer a falta de propósito na discussão ante a adoção

pela Constituição da hipótese normativa e base de cálculo como critérios identificadores do tributo.180 Ibidem, p. 323

76

A hipótese de incidência da regra juríd ica de tributação tem como núcleo:a base de cálculo; como elementos adjetivos: todos os demais elementosque integram sua composiçãoResumindo, o aspecto atômico da hipótese de incidência da regra jurídicade tributação revela que em sua composição exis te um núcleo e um, oumais, elementos adjetivos.O núcleo é a base de cálculo e confere o gênero jurídico ao tributo.Os elementos adjetivos são todos os demais elementos que integram acomposição da hipótese de incidência. Os elementos adjetivos conferem aespécie àquele gênero jurídico de tributo. 181

Juan Ramalho Massanet, citado por Paulo de Barros Carvalho, associou

sutilmente o critério material da hipótese tributária à base de cálculo, que,

combinando-se com a alíquota, utiliza-se para dimensionar o valor da prestação

pecuniária.182

Paulo de Barros ainda apresenta três funções distintas da base de cálculo,

quais sejam: “a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica

determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeir o critério

material da descrição contida no antecedente da norma”. 183

O tema é por demais abrangente, razão pela qual não nos estenderemos,

passando à análise da base de cálculo do ITR, uma vez tendo a visão ampla do tema.

A base de cálculo do ITR vem es tampada no artigo 30 do CTN: “ A base de

cálculo é o valor fundiário.”

Por sua vez, a Lei n.º 9.393/96, em seu artigo 10, traz os elementos para a

extração do citado valor fundiário, onde o mesmo é composto pelo valor da terra nua

– VTN. Tal valor é a sobra do valor venal declarado pelo contribuinte, com a

concordância do Fisco, após a retirada dos valores correspondentes às benfeitorias

decorrentes do inciso I do referido artigo. Esse valor venal, como regra, é declarado

pelo contribuinte, de forma que el e estabelece o valor de sua propriedade. Mas, a

Fazenda Pública pode e deve lançar de ofício o valor correto do tributo, composto

pelo valor de mercado do imóvel. Nesse sentido, Aliomar Baleeiro prescreve:

O valor da terra declarado pelo contribuinte, de verá refletir o preço venalno mercado de terras, cabendo à Fazenda Pública lançar de ofício oimposto em caso de omissão, superavaliação, subavaliação ou declaraçõesinexatas, conforme dispõe o art. 149, do CTN. Dessa forma, a base de

181 Teoria..., op. cit., p. 374.182 Apud Curso..., op. cit., 324.183 Curso..., op. cit., p. 324-325.

77

cálculo é o valor fundiário apurado segundo as leis de mercado, comodetermina o art. 30 do mesmo Código. 184

Quanto ao valor declarado pelo contribuinte, cabe à Secretaria da Receita

Federal, em não concordando com ele, como se disse, autuar o contribuinte e lançar

ex oficio a diferença, como bem sugere Souto Maior Borges, à luz do artigo 149 do

CTN.185 Para isso, precisa-se de uma estrutura que propicie a aferição dos itens

declarados in loco, bem como um acompanhamento do valor venal das propriedades

rurais em cada região, para se poder homologar a DITR, ou lançar via auto de

infração.186

Encontrado o valor da terra nua, é preciso fazer uma nova exclusão para ser

encontrada a chamada área tributável, nos termos do inciso II, do artigo 10, qual seja,

excluindo da área total do imóvel: a) a área de preservação permanente e de reserva

legal187; b) as áreas de interesse ecológico, declaradas pelos órgãos competentes; c) as

áreas imprestáveis para o fim rural, comercial ou produtivo; e d) as áreas sob regime

de servidão florestal.188

Após essas operações, poderá ser encontrado o valor da terra nua tributável –

VTNt, obtido pela multiplicação do valor da terra nua pelo quociente entre a área

tributável e a área total.

A base de cálculo do ITR, assim, é o valor da terra nua tributável – VTNt.

2.2.4.11 A alíquota

A alíquota para Geraldo Ataliba:

[...] é um termo do mandamento da norma tributária, mandamento esseque incide se e quando se consuma o fato imponível, dando nascimento àobrigação tributária concreta.

184 Direito..., op. cit., p. 240.185 Lançamento Tributário, p. 348-350.186A DITR compõe-se dos seguintes documentos: I - Documento de Informação e Atualização

Cadastral-DIAC; II - Documento de Informação e Apuração do ITR - DIAT.O DIAC destina-se à coleta de informações cadastrais sobre o imóvel rural e seu titular e o DIATdestina-se à apuração do imposto.

187 Tais áreas são determinadas pela Lei 4.771 de 1965, com as alterações posteriores, em seus artigos2º, 3º e 16, o chamado Código Florestal.

188 Tais áreas são determinadas pela Lei 4.771/65, com as alterações posteriores, em seu artigo 44 –A,o chamado Código Florestal.

78

Deve receber a designação de alíquota só esse termo que se consubstanciana fixação de um critério indicativo de uma parte, fração – sob a forma depercentual, ou outra – da base imponível.189

Dada a imprescindibilidade da alíquota, José Roberto Vieira escreveu:

Se as funções mensuradora e comparativa da base de cálculo consistemem ofício de que se deve desincumbir sozinha, outro é o papel que lhecabe na tarefa aritmética de determinação da dívida tributária, função ditaobjetiva, e que a base de cálculo não pode is oladamente levar a cabo,senão congregando-se à alíquota. E essa conotação de necessária, aquiexibida pela alíquota, ganha ares de grande amplitude perante o fato deque a base de cálculo, para a qual é imprescindível a cooperação daalíquota, constitui exigência constitucional irrefragável. 190

Paulo de Barros Carvalho, por sua vez, ensina: “[...] a alíquota é matéria

submetida ao regime de reserva legal, integrando a estrutura da regra -modelo de

incidência. Congregada à base de cálculo, dá a compostura numérica da dívida,

produzindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da

obrigação que nascera pelo acontecimento do fato típico.” 191

A alíquota do ITR não está fixada na Constituição, mas a Magna Carta elabora

parâmetros que servem de norte ao legislador ordinário na sua eleição. A principal

delas é quanto à progressividade e regressividade.

Segundo Paulo de Barros Carvalho: “[...] as alíquotas podem assumir duas

feições: a) valor monetário fixo, ou variável em função de escalas progressivas da

base de cálculo [...]; ou b) uma fração, percentual ou não, da base de cálculo [...]. A

alíquota em forma de fração pode ser: proporcional invariável; proporcional

progressiva ou proporcional regressiva.” 192

Dentre as três possibilidades de alíquota em forma de fração, a Constituição

determinou que a primeira fosse expurgada, por meio diverso é claro, na sua não

adoção. De maneira que a forma da progressividade da alíquota estará presente

quando a alíquota crescer à medida que crescerem as c ircunstâncias que a

Constituição ou a lei prever. No nosso caso do ITR, as circunstâncias estão previstas

na Lei n.º 9.393/96, tendo como norte o que dispôs a Constituição.

189 Hipótese.... op. cit., p. 101.190 A regra-matriz.... op. cit., p. 125.191 Curso.... op. cit., p. 334.192 Ibidem, p. 335-336.

79

Como o ITR tem caráter eminentemente extrafiscal, como citado em item

anterior, o imposto é tido como instrumento auxiliar do disciplinamento pelo Estado

da propriedade rural. Verificamos que se trata, também, de tributo com função fiscal,

de arrecadação, e não somente de promover uma reforma agrária, ou, melhor dizendo,

prestigiar uma função social da propriedade, pois os Municípios têm, no IPTU, uma

de suas principais arrecadações, e o mesmo esperam do ITR, pois integra sua área de

extensão e lhes cabe uma porcentagem, acaso arrecadado pela União. E o mesmo se

diga da União, que com a necessidade de arrecadar cada vez mais, ante suas

crescentes obrigações, elege o ITR como fonte de arrecadação, também com caráter

fiscal e não só extrafiscal.

Por certo, também terá alíquotas de forma regressiva, ante sua política

extrafiscal, e por outros princípios dentre os quais o da capacidade contributiva,

disposto no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal de 1988.

Com essa breve visão da regra matriz de incidência do ITR como tributo

paradigma, e vencido, por conseqüência, esse capítulo d o trabalho sobre a

responsabilidade indireta dos sócios pelos tributos da empresa, podemos adentrar no

capítulo seguinte, referente à responsabilidade tributária. Vamos a ele.

80

CAPÍTULO 3

A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

3.1 Introdução

Estabelecida a visão sobre os princípios constitucionais pertinentes e sobre a

norma e a relação jurídica tributária, visando a estabelecer parâmetros para o

desenvolvimento do nosso trabalho, podemos adentrar ao tema da responsabilidade

tributária.

Historicamente, o Direito não deriva da ciência ou da filosofia, mas, sim, da

experiência humana, em face de suas carências e potencialidades, tendo seus valores

básicos atingidos indutivamente. O interesse primário do homem deu azo à criação

das primeiras normas de convívio. A experiência do indutivo em um processo

metodológico inconsciente restou na dedução de regras de controle social. Claro que

passamos pelo período onde o poder usou a força como mão do direito, e o período

onde o poder valeu-se do direito para justificar suas arbitrariedades e para subjugar as

pessoas, fruto sem dúvida da imperfeição humana. Desse apontamento chegamos à

conclusão de que a observação da realidade induz à constatação do direito como fato

social, onde conduta, poder do Estado, convív io social, direito como ensejador de

justiça, são elementos indispensáveis na criação de modelos normativos, inspirados

em razões objetivas, é verdade, como referencial na formulação do direito positivo.

Essa introdução ganha algum interesse para o nosso feito, se considerada

como balizadora de algo. Esse algo, no momento, é a responsabilidade tributária.

Assim, serve como norte para estudo da responsabilidade tributária, dentro da

perspectiva de análise de um instituto pela história, pela análise do vocá bulo, ou por

sua ascendência legislativa. Todas essas perspectivas merecem apreço.

A responsabilidade tributária é fruto da transferência de riqueza para o Estado,

para que ele cumpra seu papel constitucional de fornecer educação, saúde, segurança,

entre outras atribuições que lhe são impostas. O Estado mantém -se com dois tipos de

receitas: a) as originárias, provenientes de receitas financeiras ou patrimoniais; e, b)

as derivadas, compostas pelos tributos, sendo esta a principal fonte de rendas do

Estado.

81

Da retirada do patrimônio particular, através da tributação, para fonte de

custeio do Estado, nasce a responsabilidade tributária. Tal tributação deveria

constituir uma autotributação, onde cada contribuinte, espontaneamente, deveria

entregar aos Fiscos os valores necessários para sua mantença, visando seu munus.

Como essa possibilidade é uma idealização, e o Estado tem elevada sanha

arrecadatória, por motivos que não nos interessam para esse momento, a tributação,

com direitos e deveres deve ser clara mente delineada. Vamos às minúcias da

responsabilidade tributária.

3.2 Nascimento da responsabilidade tributária

Como dissemos no capítulo anterior, a obrigação tributária se constitui de uma

relação jurídica, onde o direito do credor se contrapõ e ao dever imposto ao devedor.

Ao credor nasce um direito exercitável perante o devedor, para quem subsiste uma

obrigação para com o credor. Apesar da verificação, naquele momento, do que seja a

responsabilidade tributária, é preciso estabelecer o momento do nascimento dessa

obrigação tributária em concreto. Frisamos que o propósito é singelo, não cabendo

elucubrações profundas sobre o nascimento e desenvolvimento da obrigação

tributária.

A relação jurídica tributária é decorrente de imputação normativa. O

instrumento de nascimento da obrigação, portanto, é a norma. A obrigação tributária,

desse modo, nasce com a ocorrência de um fato disposto pela norma, consoante

vimos no capítulo anterior, sobre a regra-matriz de incidência.

Nos termos do artigo 3º do Código Tributário Nacional, o tributo é prestação

pecuniária compulsória, afastando o surgimento da relação jurídica tributária pela

vontade das partes, até porque a relação tributária não nasce do contrato, onde se

vislumbra paridade e vontade livre, ma s da lei, desde que seja uma lei com os

atributos principiológicos estabelecidos pela Constituição Federal, e com respeito às

formalidades de sua criação, como também já ressaltamos, tornando desnecessária a

repetição.

Para a obrigação tributária em abst rato, ao menos num primeiro momento, não

existe qualquer norma individual e concreta a criar a relação jurídica. A relação

82

jurídica tributária nasce com a incidência da norma geral e abstrata sobre o evento,

fazendo com que entre no mundo jurídico, como be m salientou Alfredo Augusto

Becker, sobre o fenômeno da incidência. 193

A responsabilidade tributária em concreto nasce no momento em que se

instaura essa relação jurídica tributária, ou seja, nasce com a incidência de norma

tributária geral e abstrata sobre um fato. Com a relação jurídica tributária instaurada,

o vínculo entre os sujeitos em torno de uma prestação pecuniária existe. Diferente não

foi a posição de Geraldo Ataliba, quando diz que: “O vínculo obrigacional que

corresponde ao conceito de tribut o nasce, por força da lei, da ocorrência do fato

imponível”. 194

A obrigação tributária em concreto existente por conseqüência da instauração

da relação jurídica tributária, e com a ocorrência do fato jurídico tributário, não é

ainda exigível. A prestação ainda padece da falta de liquidez, certeza e exigibilidade,

os atributos do título obrigacional exigível e exeqüível, ante a ausência de norma

individual e concreta que delimite precisamente o seu objeto.

O fenômeno do lançamento é que vai tornar a ob rigação exigível, ainda que

tenha por natureza declarar a ocorrência do fato jurídico tributário. Os atos jurídicos

produzidos pela administração tributária, o Fisco, chamados por alguns de

privilégios, gozam de determinados atributos, como a presunção de legitimidade,

imperatividade e auto-executoriedade, os quais não possuem os particulares. Assim

sendo, para a Administração é dado produzir norma individual e concreta de forma

unilateral, ou seja, independente da vontade do sujeito passivo tributário. Cla ro que a

validade depende de todo um conjunto de normas -regra de caráter geral, para retirar -

se o fundamento de validade, e poder ser objeto de controle administrativo e judicial.

Dessarte, a simples ocorrência do evento descrito na regra -matriz de

incidência, como norma geral e abstrata, faz nascer a obrigação tributária, a qual

depende de uma norma individual e concreta para se obter liquidez, certeza e

exigibilidade. Esse ato jurídico é produzido pela autoridade administrativa,

privativamente, e é denominado de lançamento, consoante prescreve o artigo 142 do

Código Tributário Nacional, sendo desnecessária a intervenção judicial para produção

de tal evento.

193 Teoria..., op. cit., p. 299-303.194 Hipótese..., op. cit., p. 62.

83

Comungando com nossa exposição, até então, é elucidativa a descrição de

Luciano Amaro, para quem:

A ocorrência do fato gerador dá nascimento à obrigação tributária. Emdiversas situações, porém, embora ocorrido o fato gerador, a lei tributárianão requer do sujeito passivo nenhum pagamento se e enquanto nãohouver, por parte do sujeito ativo, a pra tica de um específico ato jurídico,que se reflete num escrito formal (isto é, um documento escrito, na formaprevista em lei), do qual se deve dar ciência ao sujeito passivo, a fim deque este fique adstrito a, no prazo assinalado (no próprio documento ou nalei), satisfazer o direito do credor, sob pena de serem desencadeados osprocedimentos tendentes à cobrança via constrição judicial. 195

Não se olvide, pois, que a produção de norma individual e concreta seja

necessária para que a relação jurídica adqu ira os atributos da exigibilidade e

exeqüibilidade, em que pese antes dela já podermos falar em obrigação tributária, a

qual nasce com a incidência da norma geral e abstrata, produzindo o fato jurídico

tributário.

Algumas palavras podem ser ditas sobre o lançamento, aclarando-o como

instituto, sem comprometer nosso intento.

3.2.1 O lançamento do crédito tributário

Para adentrar ao tema, socorremo -nos do conceito, ainda que simplório,

aplicado por Vitório Cassone: “Lançamento tributário é o ato ad ministrativo que

resulta da atividade prevista no art. 142 do CTN exercida pela autoridade

administrativa competente (direito potestativo do Estado), cuja finalidade é constituir

o crédito tributário (direito subjetivo), possibilitando sua exigibilidade.” 196

O crédito tributário nasce com a ocorrência de um fato imponível que incide

sobre a norma tributária, transformando -o em tributo. Para torná-lo exigível é

necessário que o Fisco constitua o crédito tributário, e este o faz por meio de um ato

jurídico denominado lançamento.

O lançamento no Direito Tributário é de extrema importância, pois, é a partir

dele que se constitui e nasce a exigibilidade do crédito tributário. Como já ressaltado,

195 Direito..., op. cit., p. 333.196 O lançamento tributário e a decadência . In: Hugo de Brito Machado (Coord.). O Lançamentotributário e a decadência, p. 450.

84

o crédito tributário nasce do fato jurídico tributário, mas, sua cons tituição deve

respeitar a formalidade inscrita na lei, conforme demonstram os artigos 147 a 150 do

Código Tributário Nacional, que expõe as modalidades de lançamentos, que serão

analisadas adiante.

A competência para fazer o lançamento, obrigatoriamente, é da autoridade

administrativa, como previsto no artigo 142, caput e seu parágrafo único, do Código

Tributário Nacional. Trata-se, portanto, de competência privativa e ato vinculado.

O objetivo principal do lançamento é determinar a obrigação tributária .

Verificar se ocorreu em concreto a hipótese de incidência, bem como estabelecer o

valor exato a que o sujeito ativo, Estado, tem direito. Apurado o quantum devido ao

Estado, suscita-se o sujeito passivo, destinatário legal tributário, substituto tributár io

ou responsável tributário, à obrigação do pagamento do tributo.

Note-se, que há uma série de procedimentos que a administração deverá

efetuar e, inclusive, o próprio artigo 142 do Código Tributário Nacional reporta -se à

expressão procedimentos, os qua is não se confundem com o ato do lançamento, que é

qualificado como ato administrativo, pois, obedece aos princípios constitucionais, ou

seja, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Por outra

vertente, se o lançamento é mero proc edimento não haveria necessidade de

exteriorizá-lo. Talvez, pudéssemos adotar uma terceira classificação, para o

lançamento, justamente pela dicção da lei, onde o mesmo seria uma combinação de

procedimento e ato administrativo. Furtamo -nos de profundidade pela falta de

propósito da discussão. Continuemos com a definição de lançamento como ato

administrativo.

As palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho são altamente esclarecedoras:

“É ato jurídico-administrativo porque concorre para formação de situações jurídicas

individuais, dotando-as de eficácia [...] e será eficaz uma vez comunicado ao

contribuinte através de qualquer ato administrativo de intercâmbio procedimental

[...]”.197

O lançamento é efetuado por três modalidades: 1ª - lançamento por

declaração, efetuado com base nas informações declaradas pelo contribuinte; 2ª -

lançamento de ofício, efetuado pela Administração Pública; e 3ª - lançamento por

homologação, que ocorre quando o contribuinte tem o dever de apurar o quantum e

197 Curso..., op. cit., p. 659.

85

de antecipar o pagamento do tributo que aguardará a homologação expressa ou tácita

pela Fazenda Pública.

O lançamento pode ser efetuado por homologação, por declaração ou de

ofício, sendo que no lançamento por ofício, chamado também de lançamento direto,

ocorre quando a administração pública realiza sem a interveniência do sujeito passivo

a identificação do fato jurídico tributário, calcula, lança e notifica o sujeito passivo. Já

o lançamento por declaração é elaborado em ação conjugada da autoridade

administrativa e do sujeito passivo, tendo como exemplo o ITCMD, denominado

didaticamente por lançamento misto. Na modalidade de lançamento por

homologação, que é a mais utilizada pelo nosso Sistema, a lei atribui ao sujeito

passivo a incumbência de calcular o tributo devido, tão logo se constate a ocorrência

do fato jurídico tributário, recolhendo -o aos cofres públicos, no prazo de lei. Nesse

sentido, veja-se o magistério de Aurélio Pitanga Seixas Filho: “ O objeto da

homologação prevista no art. 150 do Código seria a extinção do crédi to tributário

através de um ato expresso da autoridade administrativa certificando que o

pagamento efetivado pelo contribuinte estaria absolutamente correto, o que

equivaleria juridicamente a um certificado de quitação .”198

O lançamento por homologação é usa do em tributos, por exemplo, onde o

sujeito passivo: a) pratica ato de conhecimento ao emitir as notas fiscais e fazer a

escrituração fiscal; b) pratica ato de apuração ao calcular o tributo devido; e c)

identifica-se como sujeito passivo ao fazer o recolh imento. Esse pagamento é um

recolhimento antecipado sujeito à posterior homologação. O fisco aceita os cálculos

do sujeito passivo, condicionalmente, reservando -se ao direito de proceder a uma

posterior verificação, quando então homologará ou não o lançame nto.

Se eventualmente o lançamento tributário aplicar erradamente a lei, seja por

erro de fato ou de direito, ou por equivocada interpretação da lei, o sujeito passivo

pode recorrer na esfera administrativa ou judicial, como quando o valor do tributo é

liquidado com base em uma alíquota ou dispositivo legal errado ou não aplicável ao

caso específico.

Os artigos 145 e 146 do Código Tributário Nacional dispõem que notificado o

contribuinte do lançamento tributário, o critério jurídico adotado pela autoridad e

198 O lançamento tributário e a decadência . In: Hugo de Brito Machado (Coord.). O Lançamentotributário e a decadência, p. 90.

86

tributária para determinar e liquidar o valor do tributo, não mais pode ser modificado,

salvo sobrevindo a interposição de algum recurso, administrativo ou judicial que

venha a ser julgado procedente. Caso contrário, torna -se o crédito tributário definit ivo

pelo ato administrativo, ou seja, pelo lançamento. Ao tornar -se definitivo e exigível o

crédito tributário, inicia-se a contagem do prazo prescricional e, desde logo,

autorizada a cobrança judicial do tributo, acaso não seja recolhido no prazo legal.

3.3 A responsabilidade em relação aos sujeitos

3.3.1 Sujeito ativo

A responsabilidade tributária não enseja uma responsabilização do sujeito

ativo. O sujeito ativo da relação tributária na responsabilidade tributária não desperta

interesse da doutrina quando da análise da responsabilidade tributária. Esse fenômeno

da falta de obrigação para o sujeito ativo é no mínimo estranho para quem, com olhos

privatistas, olhar a relação jurídica tributária. Claro que a estranheza será baseada em

uma obrigação assumida voluntariamente, por ato ou acordo de vontade, uma

obrigação autônoma. No entanto, na obrigação tributária, uma obrigação heterônoma,

onde a obrigação decorre de lei, isso não ocorre, não havendo paridade de obrigações.

Achamos que, como titular do direito a ser exigido – o crédito –, algo pode ser

dita em relação ao sujeito ativo.

O artigo 119 do Código Tributário Nacional – Lei n.º 5.172/66 –, estabelece o

sujeito ativo da obrigação da seguinte forma: “Sujeito ativo da relação tributár ia é a

pessoa jurídica de Direito Público titular da competência para exigir seu

cumprimento.”

Primeiramente devemos fazer uma crítica ao artigo. O artigo não é claro

quanto ao seu alcance, pois, confunde capacidade com competência. A competência

decorre da Constituição Federal e enseja a competência para legislar e instituir

tributos dentro da parcela de poder concedida pela Carta Magna para cada um dos

entes que compõem o Estado Federal – União, Estados, Distrito Federal e

Municípios. A capacidade por sua vez, propicia a arrecadação de tributos, quer por

competência quer por delegação. Podem ter capacidade para arrecadar tributos,

87

pessoas jurídicas como o INSS, a CEF, sindicatos, o SESI, ou pessoas físicas, mas,

sem a competência para instituí -los ou sobre eles legislar. Assim, não só pessoas de

Direito Privado, mas de Direito Público sem possuir competência, podem ser sujeito

ativo, em face da delegação da capacidade. Contamos com o apoio de Luiz Felipe

Difini:

O artigo 119, na verdade, confundiu a com petência para instituir o tributo(que é tão-só da pessoa jurídica de direito público a quem a Constituiçãooutorgou competência para tal) com a capacidade para ser sujeito ativo daobrigação tributária, que normalmente é da pessoa jurídica que instituiu otributo (isso sempre ocorre nos impostos), mas – no campo daparafiscalidade – também pode ser das autarquias ou de pessoas de direitoprivado, a quem a União, Estados e Municípios, atribuem a função dearrecadar taxas ou contribuições que instituírem. C remos que, maiscompreensivelmente, pode-se definir sujeito ativo como titular do pólocredor da obrigação tributária. 199

Logo, o sujeito ativo da responsabilidade tributária, é o apontado pela

Constituição e pelo artigo 119 do Código Tributário Nacional e não o ente com

competência tributária. Explica-se o ponto de vista. Como a obrigação tributária não

decorre de ato de vontade, mas, de lei, o sujeito ativo não é o ente com competência

para legislar, instituir a relação tributária e denominar o responsáv el tributário, mas, o

ente com capacidade tributária de arrecadar e administrar o tributo. O ente com

capacidade tributária é colocado na relação tributária, e é perante este que o

responsável tem obrigação.

Como primeira vertente da conseqüência tr ibutária da regra-matriz de

incidência do tributo temos a determinação das pessoas que comporão a relação

jurídica tributária. Segundo Geraldo Ataliba:

O aspecto pessoal, ou subjetivo, é a qualidade – inerente à hipótese deincidência – que determina os sujeitos da obrigação tributária, que o fatoimponível fará nascer. Consiste numa conexão (relação de fato) entre onúcleo da hipótese de incidência e duas pessoas, que serão erigidas, emvirtude do fato imponível e por força de lei, em sujeitos da obrigaç ão. É,pois, um critério de indicação de sujeitos, que se contém na h. i. 200

Quanto à determinação destes sujeitos, ativos e passivos, na relação jurídica

tributária, leciona Marçal Justen Filho que :

199 Manual..., op. cit., p. 209.200 Hipótese..., op. cit., p.72.

88

É determinado no que tange à indicação do sujeito ativ o da obrigaçãotributária, sempre previsto desde logo e aprioristicamente. Já o sujeitopassivo será aquele que preencher as indicações normativas, sendocognoscível a posteriori, ou seja, a partir da ocorrência do fato imponível.A norma tributária, quanto ao sujeito passivo, delimita como que umasombra, um contorno para aplicação sobre o mundo dos fatos. 201

Assim, teremos sempre um sujeito ativo determinado e invariável.

Acaba aqui a importância sobre o sujeito ativo da responsabilidade tributária,

porque, tirando a obrigação de arrecadar e exigir o tributo, respeitando os ditames

impostos pela legislação, em especial pela Constituição Federal, dentro da “limitação

constitucional ao poder de tributar” de forma ampla, abrangendo o dever de respeitar

o sujeito passivo apontado pelo critério pessoal da regra -matriz de incidência não

existe outro interesse no sujeito ativo da responsabilidade tributária. Tal ocorre, pela

falta de obrigação para com o responsável, obtendo a condição de sujeito com uma

plêiade de direitos em face dos deveres da outra parte, o sujeito passivo, que

passaremos a ver em continuidade.

3.3.2 Sujeito passivo direto e indireto

A sujeição passiva tributária é matéria de profunda importância para o Direito

Tributário, dentro da tríade sujeito ativo, sujeito passivo e tributo, que desemboca na

relação jurídica tributária.

Objeto de nosso estudo, a responsabilidade tributária indireta, tem por cerne a

sujeição passiva, onde o sujeito da obrigação tributária com deveres de dar, entre gar e

fazer precisa ser conhecido dentro da sistemática constitucional e infraconstitucional.

Por sujeição passiva aufira-se o escólio de Marçal Justen Filho: “[...]

entendemos por sujeição passiva tributária a situação jurídica correspondente à

titularização do pólo passivo de uma relação jurídica sujeitada ao regime de direito

tributário [...]”.202 A amplitude da afirmação conclama várias reflexões, ante o poder

de síntese, brilhante diga-se, do seu autor.

201 O Imposto..., op. cit., 151.202 Sujeição..., op. cit., p. 230.

89

Tendo como primeira premissa que o sujeito pa ssivo é o titular do pólo

passivo da relação tributária, devemos encontrar quem pode, quando e de que forma,

ser sujeito passivo. Como marco inicial veja -se o pensamento de Gilberto Etchaluz

Villela:

O sujeito passivo em qualquer obrigação é sempre aquela pessoa física oujurídica que tem o dever de satisfazer a prestação.Na obrigação tributária, sujeito passivo também é aquela pessoa física oujurídica - ou até mesmo sociedades de fato ou universos patrimoniaisporque, segundo o art. 126, III, do CTN, a capacidade tributáriaindepende de estar a pessoa jurídica, regularmente constituída, bastandoque configure uma unidade econômica ou profissional - que tem o deverestabelecido em lei de pagar um tributo ou penalidade pec uniária aoEstado-credor (dare) ou, ainda, um facere, um non facere, ou umtolerare.203

Sabendo o universo de pessoas que podem ser sujeito passivo da obrigação

tributária, dentre eles as pessoas físicas e jurídicas e mesmo os entes sem

personalidade jurídica – pelo menos em um primeiro momento –, mas com cunho

econômico ou profissional, devemos tentar uma primeira aproximação quanto ao

modo de escolha, antes de sua classificação. Elucidativo para o enfoque, Alfredo

Augusto Becker dispõe que:

As relações jurídicas são sempre pessoais, isto é, somente existem entrepessoa e pessoa, nunca entre pessoa e coisa.O legislador, ao estruturar a regra jurídica tributária, tem liberdade (comas duas únicas ressalvas abaixo indicadas) de escolher qualquer pessoa(física ou jurídica ou estatal) para sujeito passivo da relação jurídicatributária. Este sujeito passivo poderá ser pessoa que esteja ligada àhipótese de incidência por relação de natureza social ou geográfica oufísica ou jurídica (ex.: procurador ou ven dedor, etc.) e até poderá serpessoa que nenhuma relação tenha com a hipótese de incidência. 204

Como a segunda ressalva se refere a órgão estatal como sujeito passivo, sem

importância neste momento, em face do nosso regime federativo, transcrevemos a

primeira ressalva apontada por Becker, enfocando especialmente o caráter econômico

da sujeição:

Primeira ressalva – Nos Países, cujo sistema jurídico encontra -se integradocom regra jurídica constitucional que impõe o ‘princípio da capacidade

203 A responsabilidade..., p. 39.204 Teoria..., op. cit., p. 279.

90

contributiva’, o legislador ordinário tem o dever jurídico de escolher parasujeito passivo da relação jurídica tributária:a) Aquela pessoa de cuja renda ou capital, acima do mínimo

indispensável, a hipótese de incidência é fato -signo presuntivo;b) Qualquer outra pessoa (substituto legal tributário) desde que lhe

outorgue o direito de reembolso ou da retenção do tributo contra osubstituído (contra aquela pessoa de cuja renda ou capital a hipótesede incidência é fato-signo presuntivo).205

A casta de possibilidades de suje itos passivos, observados os ditames legais, é

por demais significativa. Em uma segunda aproximação, podemos classificá -los, sem

é claro, esgotar as classificações existentes.

Gilberto Etchaluz Villela em uma classificação dos sujeitos passivos, de

acordo como o Código Tributário Nacional, classifica -os em originários e

derivados.206 Dentro dessa classificação, podemos considerar: a) originários, sendo

esses o contribuinte e o responsável, quer da obrigação principal, quer da obrigação

acessória, como possíveis devedores da obrigação principal ou acessória; 207 b)

derivados, sendo esses os entes que eventualmente venham a substituir os sujeitos

passivos originários na obrigação jurídico -tributária, após a ocorrência do fato

gerador, como sucessor (artigos 129 a 133), ou como terceiro (artigos 134 e 135).

Para Bernardo Ribeiro de Moraes, que também os classifica como sujeito

passivo originário e derivado, a responsabilidade tributária derivada é aquela que:

[...] aparece com o inadimplemento da obrigação por parte do sujeitopassivo originário, passando outra pessoa a ser responsabilizada peladívida tributária. Tal tipo de responsabilidade é denominado, também,sujeição passiva indireta por transferência.Na responsabilidade tributária derivada da sujeiç ão passiva se dá depois deter surgido, contra determinada pessoa (devedor originário), uma sujeiçãopassiva (relação jurídica originária), transferindo -se, em virtude de umfato posterior (o inadimplemento da obrigação tributária originária), parauma pessoa, a qual responde finalmente pela dívida tributária. 208

Importante proposta de classificação traz Heleno Taveira Torres, citado por

Leandro Paulsen, acerca do sujeito passivo:

205 Ibidem. p. 280.206 A responsabilidade..., op. cit., p. 40-43.207 “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou

penalidade pecuniária .; Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada àsprestações que constituam o seu objeto .”

208 Responsabilidade Tributária , p. 348 e 349.

91

1. Contribuintes: individuais ou solidários (art. 121, parágrafo único, I e o124, I).2. Responsáveis (com ou sem solidariedade, como ou sem subsidiariedade,nos termos da lei):- Vinculados ao fato jurídico tributário, nos termos da legislação daspessoas tributantes (art. 121, parágrafo único, II, e o 128);- Responsabilidade dos sucessores (129-133), nos seguintes casos:- Sucessão imobiliária (130);- Sucessão por aquisição ou remissão de bens (131, I);- Sucessão causa mortis (131 II e III);- Sucessão empresarial por reorganização (transformação, fusão ouincorporação) ou extinção (132);- Sucessão empresarial por aquisição (133);- Responsabilidade de terceiros (134 -135);- Responsabilidade por infrações (136 e 137).3. Agentes de retenção, como são mais conhecidos, os substituídostributários ‘para trás’ (porque o fato jurídico tributário já aconteceu).4. Substituição tributária propriamente dita, ou a chamada substituiçãotributária ‘para frente’ (porque o evento tributário ainda irá acontecer) –art. 150, § 7º, da CF.209

O Código Tributário Nacional tr az uma classificação de sujeito passivo em

seu artigo 121, parágrafo único, consoante transcrevemos:

Art. 121. [...]Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz -se:I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação queconstitua o respectivo fato gerador;II – responsável, quando sem revestir a condição de contribuinte, suaobrigação decorra de disposição expressa de lei .

Assim, teríamos contribuinte e responsável. Segundo Ruy Barbosa Nogueira,

ao tratar do contribuinte, afirma “[...] esta qualificação da pessoa decorre da

substância ou matéria e não da forma: é a pessoa ligada materialmente ao evento

tributado, este é o melhor obrigado em razão de sua vinculação pessoal e direta com

o fato imponível.”210 Quanto ao responsável, Ruy Barbosa Nogueira dispõe que:

[...] o responsável é um terceiro em relação ao contribuinte, mas nãoalheio ao fato gerador. O art. 128 do CTN prevê que seja uma pessoavinculada ao fato gerador da respectiva obrigação e que [...] o art. 128 aose referir à ‘pessoa vinculada ao fato gerador’, compreende a vinculaçãotanto ‘de fato’ como ‘de direito’, pois não as distingue e no projeto estavamesmo ‘vinculada de fato ou de direito ao respectivo fato gerador’ (art.164 do projeto) e foi apenas resumida a redação.211

209Apud Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência,p. 963-964.210 Curso..., op. cit., p. 145.211 Ibidem. p. 147.

92

A classificação estabelecida pelo Código Tributário Nacional, com a

importância devida, é veementemente atacada por Hector Villegas, especialmente por

entender que contribuinte seria uma categoria de sujeito passivo que está em rela ção à

situação descrita abstratamente na materialidade da hipótese de incidência. 212 Diante

disso, em um conceito lógico-jurídico, Villegas criou a figura do destinatário legal

tributário.

Baseado no pensamento de Villegas, Marçal Justen Filho, abarcando suas

razões e rechaçando a classificação em contribuinte e responsável, indo além de

Villegas, cria a figura do destinatário constitucional tributário. 213 A classificação de

Marçal é porque a Constituição brasileira de 1988 criou um sistema tributário que

limita, e muito, a atividade legiferante do legislador ordinário, definindo em várias

situações como deve ocorrer a hipótese de incidência tributária em seu núcleo.

E por fim, mas não menos importante, temos a classificação de maior eficácia

utilizada pela doutrina, em especial por Sacha Calmon, Marçal Justen Filho, Paulo de

Barros, Renato Lopes Becho, Luis Cesar Souza de Queiroz, Roque Carrazza - todos

com suas obras já citadas neste trabalho - a qual dita a sujeição passiva como direta e

indireta. Para a sujeição passiva direta, a doutrina tradicional faz menção a

contribuintes. Para a sujeição passiva indireta, faz menção a substitutos e

responsáveis. Rubens Gomes de Souza foi quem propagou a responsabilidade direta e

indireta.214 Para Souza a sujeição pass iva direta é composta pelo contribuinte,

entendendo-se este como aquele que tem vínculo direto, inicial desde o nascimento

do “fato gerador”, ainda que, não venha a arcar com o pagamento do tributo. Por

sujeição passiva indireta entendia o jurista como sen do a por substituição e por

transferência, sendo que esta última se subdividia em transferência por solidariedade,

por sucessão e por responsabilidade.

A divisão de Rubens Gomes de Souza em que pese ser encampada pela

maioria da doutrina, enfrenta vozes dissonantes, que apontam uma divisão diversa.

Para Zelmo Denari o contribuinte e o substituto seriam sujeitos passivos diretos. 215

Por sujeito passivo indireto, entende Denari, o responsável e o sucessor, quer por

relação de sucessão hereditária, ou empresa rial, como sucessão mortis causa ou

212 Destinatário..., op. cit., p. 271-294.213 Sujeição..., op. cit., p. 262-263.214 Compêndio de legislação tributária, p. 92-93.215 Elementos de Direito Tributário , p. 245.

93

intervivos. Sacha Calmon Navarro Coelho segue classificação parecida com a de

Zelmo Denari, propondo, no entanto, outra denominação para o substituto, com

fundamentação bastante razoável e defensável, com termo já aponta do acima, de

“destinatário legal tributário”, senão vejamos:

Melhor seria chamá-lo de ‘destinatário legal tributário’ para estremá -lo de‘contribuinte’ e considerar ambos ‘sujeitos passivos diretos’. Assim, asujeição passiva direta comportaria dois tip os de obrigados:A) o ‘contribuinte’, que paga dívida tributária própria por fato gerador

próprio; eB) o ‘destinatário legal tributário’, que paga dívida tributária própria por

fato gerador alheio (de terceiro), assegurando-se-lhe, em nome dajustiça, a possibilidade de recuperar, contra quem praticou ou esteveenvolvido com o fato gerador, o dispêndio fiscal que a lei lhe imputoudiretamente, através da criação do vinculum juris obrigacional.216

Tendo sido vista a sujeição passiva direta e indireta, classifica ndo-a, podemos

ascender ao enfrentamento de cada figura da responsabilidade indireta, que veremos a

seguir.

3.4 Responsabilidade indireta

3.4.1 Substituição tributária

Para o estudo específico da substituição tributária, já foi trilhada parte de

nossa jornada, ao menos a inicial. Essa afirmação pode ser feita na medida em que já

vimos a relação tributária, a obrigação tributária, a regra matriz de incidência, os

sujeitos da relação tributária e a sujeição passiva direta e indireta de forma genérica.

Apesar da exposição de conceitos básicos neste trabalho, não se pode olvidar

que a substituição tributária é tema de agrura impar. Vamos a ele.

O substituto tributário, no dizer de Luiz Felipe Difini:

[...] é o terceiro, participante de operações an teriores ou posteriores nacadeia de produção e comercialização, a quem a lei atribuiresponsabilidade por crédito tributário, excluindo a responsabilidade docontribuinte (substituído) [...]. Na substituição tributária, a lei exclui darelação jurídica (obrigação) tributária o contribuinte, que seria quemnormalmente teria de pagar o tributo e coloca como sujeito passivo osubstituto, que é terceira pessoa, que não pratica o fato imponível, mas de

216 Curso..., op. cit., p. 605.

94

alguma forma está ligada a ele, participando da cadeia nego cial relativa àcirculação.217

Para Amador Paes de Almeida, citando Luiz Emygdio F. Rosa "[...] a

sujeição passiva por substituição se verifica quando, em virtude de uma disposição

expressa de lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente

daquela que esteja em relação econômica com a situação tributada, pelo que é a

própria lei que substitui o sujeito por outro indireto.”(sic) 218

Consoante se vê, ambos os autores citados acima, em conceituação do

substituto tributário, colocam-no, além de outras características, em posição diversa

do chamado contribuinte. Aliás, essa definição de contribuinte e responsável é

anterior à figura do Código Tributário Nacional, a Lei n.º 5.172/66, pois, decorre da

clássica classificação de Rubens Gomes de Souza, como já afirmado, o qual foi o

criador do anteprojeto do Código Tributário Nacional. 219

O Código Tributário Nacional, no entanto, não traz explicitamente a figura do

substituto tributário. Os artigos que tratam de sujeição passiva, os artigos 12 1 e 128,

os quais descrevemos, dizem:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada aopagamento de tributo ou penalidade pecuniária.Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir demodo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa,vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo aresponsabilidade do contribuinte ou atribuindo -a a este em carátersupletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Tal não passou desapercebido de Renato Lopes Becho, consoante

transcrevemos: “Gostaríamos de começar ressaltando que o artigo 121 (também o

artigo 128, dependendo da interpretação que se dê) do Código Tributário Nacional

não faz menção à substituição tributária, o que não foi empecilho pra a doutrina

identificá-la, mesmo antes da feitura da Lei 5.172/66.” 220

O artigo 128 traz duas hipóteses de responsabilidade. A primeira refere -se à

responsabilidade superveniente de terceira pessoa por fato gerador alheio – hipótese

de transferência. A segunda trata de responsabilidade por substituição, onde a lei

217 Manual..., op. cit., p. 224-225.218 Apud Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributári as e trabalhistas, p. 5.219 Compêndio de legislação tributária, p. 92-93.220 Sujeição passiva e responsabilidade tributária, p.111.

95

coloca como destinatário legal do tributo, terceira pessoa que não figura,

originalmente, como sujeito passivo na regra matriz de incidência, mas que mantém

vínculo com o substituído economicamente.

O substituto tributário, no entanto, não parece ser sujeito passivo indireto.

Parece-nos, apoiado por Sacha Calmon Navarro Coelho, que o substituto é sujeito

passivo direto, porque não arca com débito alheio, mas sim, pag a débito próprio, já

que antes dele não havia ninguém obrigado pela dívida. 221

Todavia, reconhecer o substituto tributário como sujeito passivo direto não

responde a todas as indagações, sendo insuficiente para se entender sua natureza

jurídica.

A norma tributária, na substituição, traz a seguinte proposição: no aspecto

pessoal do conseqüente temos um ente – chamado de contribuinte –; na norma

secundária da conseqüência jurídica tributária temos outro ente – chamado de

substituto tributário –. A pergunta inicial é como o conseqüente inicial poderia

dissociar-se do secundário?

Paulo de Barros Carvalho não aceita a figura da substituição, consoante

citado por Renato Lopes Becho, afirmando:

Acho que só se poderia falar em substituição, na medida em que ho uvesseantes uma outra relação. Então, vamos substituir o sujeito passivo, vamostirar aquele que integrava a primeira relação jurídica e colocar outro noseu lugar. Mas, se não existe essa relação jurídica, se ela não chega anascer, dado que em nenhum mo mento, nem por um segundo, esseprimeiro seria obrigado evidentemente, não vejo como se possa falar emsubstituição.222

Paulo de Barros, em outra oportunidade, no seu respeitado “Curso de Direito

Tributário”, expõe que não se pode chamar de contribuinte o ser excluído e nem de

responsável o ser que adentra a relação, porque essa imputação, segundo ele, deu -se

em “momento pré-legislativo”, com relação obrigacional de natureza tributária. 223

Isso se deve a um entendimento: negar na norma primária o aspecto pe ssoal quanto

ao contribuinte, pois, contribuinte não seria, mas sim o substituto.

Em igual posicionamento, Cleber Giardino, acerca da natureza jurídica da

chamada “substituição”, aduz não existir tal categoria, pois, considerando que desde o

221 Curso..., op. cit., p. 598-599.222 Apud Sujeição..., op. cit., p. 116.223 Curso..., op. cit., p. 316-317.

96

nascimento da obrigação o dito substituto seria sujeito passivo, não se poderia fazer

distinção entre contribuinte e substituto. 224

Tal posicionamento é defensável sem dúvida, mas não parece responder

totalmente ao problema. Vejamos.

Para outros doutrinadores, cuja citação é desnecessária pela notoriedade, a

natureza jurídica seria diversa da apontada por Paulo de Barros e Cleber Giardino, já

que entendem que efetivamente há uma troca de sujeitos, onde o contribuinte seria o

devedor e o substituto seria o respons ável.

Como vimos e analisamos a estrutura da norma jurídica tributária, a relação

jurídica tributária e a regra-matriz de incidência, pensamos que as acepções quanto à

natureza jurídica são equivocadas, por tentar retirar a eficácia da norma jurídica,

entendendo-a incompatível ou anôma-la. Veja-se, nesse sentido, corroborando nossa

posição, o pensamento de Marçal Justen Filho:

Todas essas concepções pecam por um vício nuclear comum, consistenteem supor que, de fato, a substituição decorre de uma espéci e de anomaliacongênita da norma tributária. Haveria um mandamento não muitocompatível com a hipótese de incidência. A incompatibilidade residiria emque o conteúdo da determinação subjetiva do mandamento conflitaria comos termos do aspecto pessoal da hipótese de incidência.225

Por estarmos convencidos de que o pensamento de Marçal se aproxima de

uma resposta satisfatória para o fenômeno da substituição tributária, dele faremos a

exposição, com as alterações, se necessárias forem.

Para adentrar ao problema da substituição, Marçal Justen propõe duas

preliminares: a) “desvincular o tratamento do problema de qualquer acepção

semântica atribuível à expressão ‘substituição’; b) não se pode confundir o conceito

lógico-jurídico de ‘substituição’ com os conce itos jurídico-positivos indicados

legislativamente pela mesma expressão.” 226

Quanto à primeira preliminar, juntamente com Renato Lopes Becho, não

podemos concordar com a desvinculação semântica da expressão. 227 A expressão

substituição tem a conotação adequ ada. Entretanto, é de se explicar que a reflexão de

Marçal Justen é correta sob o ângulo da mera desvinculação semântica, pois, o nome,

224 Relação jurídica tributária e o aspecto pessoal que a integra, p. 183-195.225 Sujeição..., op. cit., p. 265.226 Ibidem. p. 266-273.227 Sujeição..., op. cit., p. 111, nota de rodapé.

97

simplesmente, não serve para indicar a natureza jurídica ou o real significado de um

instituto.

Para se conhecer ou denominar um instituto, o nome apresentado não é o

suficiente, pois, denominar algo de que não seja, não o faz ser. 228

Como se vê a mera denominação, ou vinculação semântica, não é

recomendável para o conhecimento de um instituto, de forma que, nem sempre o

termo substituição de substituição se trata. Voltemos para o trato da substituição.

Assim, apesar de concordar com Marçal Justen quanto à desvinculação

semântica para o conhecimento de um instituto, não concordamos com a retirada do

nome de substituição, pois, aqui, ele parece ter a conotação em que foi proposta.

Apoiemo-nos em Renato Lopes Becho, o qual aduz: “Substituir, como o próprio

nome já diz, é tirar alguém ou alguma coisa e colocar outra no lugar. A substituição

a que nos referimos não é diversa. É a retirada do sujeito passivo, originalmente ali

colocado pelo sistema jurídico por outra pessoa, transformando -a em também,

sujeito passivo.”229

A segunda preliminar proposta acima é de inegável valia e com ela

concordamos.

Em continuação da exposição, Marçal Justen diz, quanto à substituição, que:

Não significa a ocorrência de uma ‘anomalia normativa’ nesses termos. Eisso porque inexiste incompatibilidade entre a hipótese de incidênciatributária e o mandamento, na substituição.Demonstração da diversidade dessas situações está em que o aspectoobjetivo do mandamento é construído de modo absolutamenteproporcionado à hipótese de incidência. Ou seja, a base imponível refere -se adequadamente à materialidade da hipótese de incidência. Todas asreduções e circunstâncias que, acessoriamente, pudessem influenciar aconfiguração da relação tributária são construídas normativamente comatenção à figura do destinatário tributário. 230

Como se vê, reconhece-se à norma tributária validade na substituição. Mas,

como reconhecer a validade e a figura do substituto se o devedor é diverso do

apontado pelo aspecto material da hipótese? A resposta está com a construção

doutrinária de Andréa Parlato, devidamente citado por Marçal Justen, segundo o qual:

228 É o clássico exemplo de dar o nome de uma fruteira a outra, não fazendo que quando cresça d ê ofruto da árvore pela qual foi chamada, mas da sua real natureza.

229 Sujeição..., op. cit., p. 111.230 Sujeição..., op. cit., p. 268.

98

[...] na substituição, existem duas normas. Uma delas estabelece orelacionamento típico e normal. Configura a norma tributária, diríamos,normal. A outra, secundariamente, vincula -se à primeira e elege algunselementos específicos, produzindo o fenômeno da substituiçã o. A normasecundária (ou integrativa) vincula -se à principal e modela peculiarmentea hipótese de incidência da primeira para detalhar certas peculiaridades,relativamente e algumas situações de fato. 231

A norma tributária na substituição é excepcional, consistente em duas normas,

uma principal e outra secundária, onde sob determinadas situações fáticas, incide

modificando a pessoa que deve responder pelo dever e pelo débito. A norma dita

principal preceitua o destinatário legal tributário, obedecendo tod os os preceitos,

princípios e regras, impostos pelo sistema constitucional tributário, estabelecendo o

contribuinte do tributo. Por sua vez, a norma secundária, excepcional e acessória,

incide sob determinadas circunstâncias, conjugando -se com a norma principal,

criando uma hipótese de incidência complexa, onde, estabelecendo a substituição,

dispõe que a prestação tributária deverá ser arcada pelo substituto, chamado por

Marçal Justen de sujeito passivo excepcional. 232

Assim, podemos identificar que a subs tituição trata-se de uma relação

obrigacional, de cunho tributário. A norma que rege a substituição é plúrima, sendo

duas, uma principal e outra acessória ou secundária. A hipótese de incidência na

substituição é complexa. O destinatário legal tributário é afastado, restando a

prestação tributária para o sujeito passivo excepcional.

Conhecida a natureza jurídica e o fenômeno pelo qual ocorre a figura da

substituição tributária, podemos começar a pesquisar os casos de ocorrência mais

comuns e os seus limites de criação, impostos ao legislador ordinário.

Comecemos com os limites. Para isso, duas perguntas são necessárias: pode o

legislador criar a figura do substituto tributário livremente? Existem limites ou

requisitos para se determinar a substituição?

A resposta para a primeira pergunta é não, não pode criar a figura do

substituto tributário livremente, entendendo -se tal criação como uma modalidade

nova de substituição para um caso específico. E isso em face da resposta à segunda

pergunta: sim: existem limites e requisitos para determinar -se a substituição

tributária.

231 Apud. Sujeição..., op. cit., p. 268.232 Sujeição..., op. cit., p. 269.

99

Corroborando nosso entendimento, Renato Lopes Becho aduz: “O legislador

infraconstitucional deve ter limitações, caso contrário a eleição constitucional do

contribuinte nada significaria, a Constituição não teria normatividade. Além disso, o

próprio Código Tributário Nacional traz elementos, que serão observados, quando se

refere a responsável (nos tantas vezes referidos artigos 121 e 128)”. 233

Para o legislador ordinário criar uma relaç ão jurídica tributária, onde envolva

substituição, ele deve observar diversos limites e requisitos. Vamos a eles.

O artigo 121 do Código Tributário Nacional, em seu parágrafo único, inciso

II, diz: “responsável, quando, sem revestir a condição de contri buinte, sua obrigação

decorra de disposição expressa de lei.”

O preceito fala em “decorra de disposição expressa de lei ”. Como sabemos

essa lei é lei em sentido material e formal, ou seja, lei em sentido estrito, não havendo

possibilidade de criação, por exemplo, através de uma IN – Instrução Normativa,

como as exaradas pela Receita Federal, para regulamentação ou esclarecimento de

algo. Poderia, em análise estática, dizer -se que seria o requisito para o legislador na

criação da substituição tributária. N ão é. É um dos. Vamos aos outros.

A própria criação em lei de obrigação tributária deve obedecer a ditames e

regras. A Constituição Federal de 1988, criando o Sistema Constitucional Tributário,

estabeleceu regras herméticas quanto às normas jurídicas tri butárias, especialmente

quanto à criação de tributo, mas, também quanto à indicação do sujeito passivo.

Assim, não respeitadas, por exemplo, as normas principiológicas e a competência,

não se pode falar em criação válida da figura da substituição tributári a, ou até mesmo

antes, da hipótese de incidência tributária.

O Código Tributário Nacional traz, ainda, outros requisitos. O artigo 128

dispõe: “Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo

expresso a responsabilidade por crédito tributário a 3ª pessoa vinculada ao fato

gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou

atribuindo-a a esta em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida

obrigação.”

Além de lei expressa, dentro de tod o o regramento para criar-se a obrigação

tributária e tornar legal e constitucional a hipótese de incidência tributária, no artigo

acima, temos outra limitação. Estabelece o artigo que “ [...] a responsabilidade pelo

233 Sujeição..., op. cit., p. 120.

100

crédito tributário a terceira pessoa, vi nculada ao fato gerador da respectiva

obrigação [...]”. Assim, não pode ser qualquer terceiro, mas aquele vinculado ao

“fato gerador”. Relembre -se, como expusemos nesse trabalho em momento anterior,

que a norma principal determina um contribuinte – o destinatário legal tributário – e a

norma acessória é que determina o substituto – o sujeito passivo excepcional –,

dentro de uma relação obrigacional de cunho tributário. Assim, atentando para a

designação do sujeito passivo pela Constituição Federal, na norma principal, de

princípios como o da capacidade contributiva, da igualdade, proibição de confisco,

indicados por nós no capítulo 1, deste trabalho, não pode ser qualquer vínculo com o

fato gerador que propicia a responsabilização do substituto tributário. I nclusive, como

refere Luciano Amaro, é um vínculo que lhe proporcione ter o dever e a

responsabilidade pelo débito tributário, mas sem onerar -lhe financeiramente.234

Geraldo Ataliba e Aires Barreto, em importante trabalho, citados Marçal

Justen, estabelecem os seguintes critérios sobre a substituição tributária:

1º - regime jurídico aplicável é do substituído, e não do substituto; 2º - lei aplicável é a da data das operações substituídas e não da data daoperação do substituto; 3º - existência de mecanismos para ressarcimento do substituto que sejam‘expeditos, ágeis, prontos e eficazes’ (baseado em exigênciasconstitucionais: princípio da igualdade, princípio da capacidadecontributiva, proibição de confisco e designação, implícita, por parte daConstituição, do sujeito passivo do tributo). 235

Marçal Justen Filho estabelece como condição para a instituição da

substituição tributária, o seguinte:

Portanto, estabelecemos três exigências para autorizar a instituição de‘substituição tributária’, a saber;a) existência de uma relação de poder, por decorrência da qual odestinatário legal tributário esteja subordinado à vontade de outra pessoa;b) referir-se essa situação de poder ao gozo, pelo destinatário legaltributário, da situação presuntiva de riqueza estatuída na materialidade dahipótese de incidência da norma autônoma; ec) ser essa situação de poder decorrente de circunstâncias alheias a umanorma tributária.236

234 Direito..., op. cit., p. 312.235 Apud. Sujeição..., op. cit., p. 114-115.236 Sujeição..., op. cit., p. 275.

101

A relação de poder indicada por Marçal Justen acima e também indicada por

Sacha Calmon não nos parece científica, em face de uma carga significativa de

subjetividade, pelo que, dela declinamos. 237

Com essas informações e posicionamentos, pode -se estabelecer critérios para

a criação de uma substituição tributária. São eles:

a) que a substituição decorra de lei expressa, sendo esta, lei em sentido estrito;

b) que a hipótese de incidência seja elaborada respeitando -se todos os preceitos

constitucionais, inclusive no aspecto material da norma, como a legalidade,

igualdade, capacidade contributiva, competência;

c) a existência de uma situação em que o substituto seja ligado economicamente

ou juridicamente ao “fato gerador” da respectiva obrigação tributária;

d) que seja respeitada a legislação da época do fato substituído;

e) observância do regime jurídico do substituído – destinatário legal tributário –

para a substituição;

f) a existência de mecanismos satisfatórios – do negócio, via de regra - de

ressarcimento para o substituto, visando o atendimento da capacidade

contributiva, em caso de não poder obter a de volução do valor pago em face

da substituição, quer regressiva, quer progressiva.

Observadas essas regras, critérios e limites, o legislador fica autorizado e livre

para instituir o regime tributário de substituição.

A substituição é prevista geralme nte por lei esparsa federal, estadual, ou

municipal, diversa do Código Tributário Nacional, com a observância dos requisitos,

especialmente do seu artigo 128.

Alguns tributos, como o imposto, têm mais facilidade de adequação da figura

da substituição tributária, ou seja, se prestam mais à instituição pelo legislador da

substituição, cumprindo a função de funcionalidade e efetividade de tributação, que é

a razão de ser da substituição. 238

A função de funcionalidade, aliás, merece um pequeno parêntesis, par a

ressaltar que não se trata de uma benesse para o fisco, um facilitador do trabalho das

fazendas públicas a justificar a instituição da substituição tributária. A substituição

não se presta a dar facilidade simplesmente à arrecadação, sob o ponto de vista da

237 Curso..., op. cit., p. 595-605; Nesse sentido, BECHO, Renato Lopes. Sujeição..., op. cit., p. 116.238 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição..., op. cit., p. 279.

102

administração tributária, que investe sempre muito menos que o necessário em seus

aparatos fiscais, mas, sim, tem como função a efetividade da tributação, atendendo

aos interesses da sociedade. No interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos. 239

Esses interesses são jurídicos, dentro de princípios como a igualdade de

tributação, onde todos devem ser tributados – o que pressupõe tributação sobre

pessoas, serviços, produção, rendas, bens – de forma igual, e com efetiva arrecadação

dessa tributação. Além de jurídicos, os interesses são econômicos – claro que com

cunho jurídico e com previsão legal – possibilitando a livre concorrência, dentro da

perspectiva de que a falta de efetividade da tributação enseja o não recolhimento de

tributos por parte de algumas pessoas. Esse não recolhimento ocorre por: a)

deficiência jurídica tributária; b) falta de fiscalização, ou mesmo de aparato eficaz de

arrecadação; c) falta de tributação igual, gerando a concorrência desleal.

Com a não tributação eficiente, ocorre o não recolhimento de tributos ao

Estado, para fazer frente às suas incumbências. Ademais, há interesse aqui de toda a

sociedade na arrecadação, para a sustentabilidade da atividade empresarial e para o

oferecimento dos serviços pelo Estado. Dessa forma, o interesse na instituição da

substituição tributária, é da sociedade e de segmento econômico, empresarial ou não,

visando a efetividade da tributação, e não como comodidade administrativa,

simplesmente.

Em continuidade, apesar dos impostos sere m mais adequados à instituição da

substituição tributária, as demais formas de tributo não estão excluídas da

possibilidade de instituição de substituição. A substituição tributária é utilizada,

principalmente, no ICMS – imposto sobre circulação de mercado rias e serviços,

segundo Luiz Felipe Difini, que dispõe: “O instituto da substituição foi utilizado

principalmente em relação ao ICMS. Em nível de lei complementar, esteve previsto

nos arts. 2º, §§ 9º e 10º, e 6º, §§ 3º e 4º, do Decreto -Lei 406/68 e art. 25 do Convênio

66/88. atualmente, dele tratam os arts. 6º a 10 da lei complementar n. 87/96 e, em

nível de lei ordinária, a legislação estadual sobre ICMS.” 240

Na legislação estão estabelecidas as hipóteses de substituição, das quais

citamos as principais, sendo as operações com carne verde – in natura –, cervejas,

chopes e refrigerantes, cigarros, sorvetes, combustíveis e lubrificantes.

239 MACHADO, Hugo de Brito. Curso..., op. cit., p. 152.240 Manual..., op. cit., p. 226.

103

Além do ICMS, apenas a título ilustrativo, e como mais utilizados, pois,

mesmo os tributos vinculados admitem a substi tuição, temos o IRRF – imposto de

renda retido na fonte, o IPI – imposto sobre produtos industrializados, o II – imposto

de importação, o ISQN – imposto sobre serviços de qualquer natureza.

3.4.1.1 Substituição tributária “para frente”

Como vimos no item acima, sobre substituição tributária, verificamos que ela

se dá em virtude de uma disposição expressa de lei, onde a obrigação tributária surge,

desde logo, contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica

com a situação tributada, em que a lei exclui da relação jurídica – obrigação –

tributária, o destinatário constitucional tributário, que seria quem normalmente teria

que pagar o tributo e coloca como sujeito passivo excepcional o substituto, que é

terceira pessoa, que não pratica o fato jurídico tributário, mas, de alguma forma está

ligado a ele, participando da cadeia negocial relativa à circulação.

Essa substituição tributária dá-se para trás, chamada por Luiz Felipe Difini de

regressiva, em que o substituto está na relaçã o negocial à frente do destinatário

constitucional tributário.241 O fato jurídico tributário ocorre, obrigando, a partir de

então, o substituto tributário pelo débito tributário.

Entretanto, existe outra figura denominada de substituição tributária

progressiva, sujeição passiva tributária antecipada, ou substituição tributária por fato

futuro.242 Tal figura, entretanto, popularizou -se na melhor doutrina especializada e na

jurisprudência, com o nome de Substituição tributária “para frente”. 243

Veremos essa figura tributária sob dois aspectos: 1º - validade constitucional;

2º - características gerais do instituto. Vamos a eles.

O artigo 128 do CTN, diz: “Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei

pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo créd ito tributário a terceira

pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a

241 Ibidem. p. 227.242 Nesse sentido DIFINI, Luiz Felipe. Manual..., op. cit., p. 226.; QUEIROZ, Luís César Souza de.Sujeição passiva tributária, p.235; e BECHO, Renato Lopes. Sujeição..., op. cit., p. 135.243 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso..., op. cit., p. 615.

104

responsabilidade do contribuinte ou atribuindo -a a esta em caráter supletivo do

cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

Com base no referido art igo, o legislador criou a figura da substituição

tributária regressiva, ou para trás, mas, também, em sede de lei ordinária e

complementar, engendrou situações chamada de substituição para frente ou

antecipada. Essas previsões legais foram deveras atacadas pela doutrina.

Visando atribuir fundamento constitucional, o Congresso Nacional, através da

Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, alterou o artigo 150, da

Constituição Federal, e acrescentou o parágrafo 7º, nestes termos: “A lei poderá

atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo

pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer

posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga,

caso não se realize o fa to gerador presumido.”

Luís César de Queiroz fez a seguinte explanação sobre a referida emenda:

Ao se produzir a Emenda Constitucional nº 3/93, pretendeu -se modificar otexto do art. 150 da Constituição da República, para acrescentar o aludido§ 7º. O propósito deste comportamento do sujeito de direito (legislador)foi o de ‘constitucionalizar’ (conferir fundamento constitucional) asprevisões legais que dispunham sobre a sujeição passiva tributáriaantecipada ou, como alguns denominam substituição tributária parafrente. (grifo do original).244

A obrigação tributária decorre da lei. Ocorrendo uma situação, nela prevista,

como necessária e suficiente para concretização da sua hipótese de incidência, surge

para o Estado (credor) o direito de exigir de um sujeito passivo (devedor) o tributo

(objeto da obrigação tributária). Essa proposição é real e eficaz se a lei for válida.

Além de válida, sob o aspecto formal, deve ser válida sob o aspecto material, ou seja,

tenha respeitado todos os requisitos e pressup ostos para a criação de uma situação que

enseje tributação, dentro de todos os preceitos legais e principalmente constitucionais.

Será que a partir da constitucionalização de uma figura – no caso a

substituição tributária nessa modalidade dita “para fre nte” –, acaba a possibilidade de

inconstitucionalidades do instituto? Perece -nos que não.

244 Sujeição..., op. cit., p. 235.

105

A substituição tributária para frente consiste em obrigar um sujeito a pagar,

não apenas o tributo atinente à operação por ele praticada, mas, também, o relativo à

operação ou às operações posteriores, que presumidamente irão ocorrer.

Sustenta parte significativa da doutrina especializada que a substituição

tributária para frente viola, praticamente, todos os princípios constitucionais basilares

relativos à tributação.245 Dentre elas: proibição de confisco, tipicidade tributária,

direito de propriedade, não-cumulatividade, capacidade contributiva e outros. E,

ainda, que vulnera os limites da competência tributária dos Estados -membros,

inclusive, que configuraria autêntico empréstimo compulsório, só que fora dos casos

previstos nas hipóteses do art. 148 da Constituição Federal. Com eles comungamos.

No dizer de Luis César Queiroz “[...] não é bastante a mera aprovação de um

texto sob a forma de ‘emenda constitucional ’, para que se introduza no sistema uma

norma jurídica (válida)”. 246 A norma constitucional derivada, para ter validade, deve

observar os princípios constitucionais; a forma de produção, dentro de uma

Constituição rígida, como a nossa; e as cláusulas pétrea s.

A tributação proposta no parágrafo 7º da Constituição Federal cria o dever e a

obrigação de pagar um débito, de um fato jurídico tributário que não existiu. Não há o

que o Código Tributário chamou de fato gerador, não ocorreu o previsto na hipótese

de incidência. Se não existe um fato jurídico tributário como pode se obrigar um

sujeito passivo? Não se pode.

Assim, a previsão legal inscrita no parágrafo 7º, do artigo 150 da Constituição

Federal, afronta a legalidade e tipicidade, capacidade contrib utiva, igualdade, o não-

confisco e o direito de propriedade, de forma que fere princípios inarredáveis na

confecção normativa.247 Também limita ou reduz direitos e garantias individuais,

eivando de inconstitucionalidade por ferir cláusula pétrea prevista no artigo 60, 4º,

IV, da Constituição Federal de 1988.

245 Dentre eles: Geraldo Ataliba, Aires F. Barreto, Hamilton Dias de Souza, Ives Gandra da SilvaMartins, Luis César Queiroz.

246 Sujeição..., op. cit., p. 236.247 Porquanto importa exigência do imposto antes da ocorrência do seu fato gerador. O destinatário da

carga tributária é a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese deincidência do tributo - como inferida da Constituição - ou quem tenha relação pessoal e direta (art.121, parágrafo único, I, do CTN) com essa materialidade. Não se pode deixar de colher umapessoa, como sujeito passivo, para discricionária e arbitrariamente, colher outra.

106

Diante dessas observações, mesmo a prescrição normativa introduzida por

emenda constitucional, não tem o condão de trazer validade à substituição tributária

antecipada, por fato futuro, ou como celebr izou-se: “para frente”.

Apesar de nossa previsão de inconstitucionalidade e de invalidade, portanto,

da substituição tributária para frente, o Supremo Tribunal Federal, órgão incumbido

pela Constituição de julgar as causas referentes à alegada afronta de seu texto, afastou

as alegações de inconstitucionalidade da referida substituição. O leading case, no

Supremo Tribunal Federal, foi o recurso extraordinário nº 213.396 -5/SP, que teve

como Relator o Ministro Ilmar Galvão. Também houve outros como o RE

190.317/SP, o RE 202.715/SP, o RE 207.877/SC. Tais julgamentos referiam -se à

substituição por fato futuro, com exigência antecipada de ICMS. O Tribunal afastou

as alegações de afronta aos princípios da capacidade contributiva, da não -

cumulatividade, da legalidade e tipicidade, do não-confisco, rechaçando, portanto, as

alegações de inconstitucionalidades.

Também a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, após intenso

debate, e vencidas posições divergentes, orienta -se no sentido da legitimidade da

substituição tributária por fato futuro. Dentre os julgados, cite -se os embargos de

divergência em recurso especial sob números 50.549 -5-SP, 43.541-0-SP, 50.013-1-

SP, 39.413-7-SP, 45.923-RS, 30.269-0-SP.

Dessarte, em que pese sermos contrários à validade cons titucional da

substituição tributária “para frente”, não podemos, em face da constitucionalidade e

validade reconhecida pelos Tribunais superiores – Supremo Tribunal Federal e

Superior Tribunal de Justiça, incumbidos da última palavra sobre a matéria

constitucional e infraconstitucional –, deixar de verificar as características gerais da

substituição tributária por fato futuro. 248 Registre-se, que apesar de reconhecer a

substituição tributária por fato futuro como inconstitucional, é de se reconhecer que

ela traz funcionalidade e efetividade para a arrecadação e fiscalização tributária, por

obrigar a um número reduzido de pessoas – os substitutos –, via de regra, de porte

empresarial significativo, com capacidade para recuperação dos valores pagos

antecipadamente, propiciando a redução de sonegação, sendo esse, inclusive, um dos

248 Nesse sentido, reconhecendo a inconstitucionalidade, mas por pragmatismo verificando a auto -aplicabilidade do artigo referente à substituição para frente, Sacha Calmon Navarro Coêlho.Curso..., op. cit., p. 616.

107

principais argumentos da jurisprudência, atendendo ao princípio da praticabilidade da

tributação.249

A primeira questão relevante sobre a substituição tributária por fato futuro

refere-se à restituição em caso da não realização do fato presumido. Assim, dispôs

Luís Felipe Difini: “Nos termos do comando do art. 150, § 7º, da CF, parte final,

será assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se

realize o fato gerador presumido. Assim, por exemplo, no caso de refrigerantes e

cervejas, se a venda ao consumidor se fizer diretamente pelo atacadista, não se

realizando a operação de saída para o varejista.” 250

Essa imediata e preferencial restituição é instrument o que ameniza qualquer

possibilidade de oneração efetiva do substituto tributário. Segundo Sacha Calmon:

“Imediato é o momento seguinte. Não há falar em pedido de restituição,

administrativo ou judicial, ou em precatório, ou em autorização fiscal. Preferen cial

significa em primeiro lugar, antes de qualquer outro interesse .”251 No entanto, a Lei

Complementar n.º 87/96 prevê o pedido do contribuinte ao Estado. Com a escusa ao

iminente tributarista mineiro, a lei fala em restituição e não em compensação, de

modo que compensar, via conta gráfica, não é restituir. A previsão constitucional, no

entanto, deve ser observada, devendo os fiscos federal, estaduais e municipais,

restituir imediatamente, com preferência sobre qualquer outro crédito, o valor pago

indevidamente, pela não ocorrência do fato presumido. Submeter -se a qualquer

burocracia ou ineficiência é inaceitável, devendo colocar -se tempo máximo para

apreciação de restituição. A LC n.º 87/96 estabeleceu noventa dias em seu artigo 10,

parágrafo primeiro, como prazo para análise do pedido, quando, então, o sujeito pode,

se entender conveniente, creditar -se em sua escrita fiscal, como compensação.

Outra questão refere-se à base de cálculo. Na substituição regressiva, ou

propriamente dita, a base de cálculo é o valor real ocorrido no fato jurídico tributário.

Na substituição por fato futuro, o valor da base de cálculo será presumido, ou seja,

um valor eleito por alguém como devido, causando incerteza.

O artigo 8º da LC n.º 87/96 traz parâmetros para obter -se a base de cálculo.

Quando a mercadoria ou o serviço tiver seu preço fixado por órgão público

competente, este deverá ser o preço estabelecido. Também poderá ser o preço da

249 Tal princípio é apontado por Sacha Calmon. Curso..., op. cit., p 615.250 Manual..., op. cit., p. 230.251 Curso..., op. cit., p. 618.

108

operação que o substituto pratica, acrescida do valor do frete, do seguro e da margem

de lucro presumido que se operará nas operações posteriores, consoante o artigo 8º,

II, a, b e c. O valor do lucro previsto no inciso deve ser fixado pela autoridade

administrativa, com base na aferição de preços usuais de mercado, mediante

levantamentos efetuados pelo fisco. Quando o produto final tiver um preço de tabela

do fabricante, como o valor dos cigarros, que já vêm estabelecidos pelo fabricante,

este poderá ser o valor da base de cálculo.

O fato jurídico tributário ocorrendo, poderá apresentar diferença de valores

entre o valor presumido de base de cálculo e o valor real obtido na operação. Parece -

nos que deveria haver a possibilidade de ajuste, e até de devolução se necessário

fosse. Porque, também, em se agindo diferente, estar -se-ia violando os preceitos

referentes à tributação, entre eles igualdade, confisco, tipicidade, legalidade e

anterioridade. O Superior Tribunal de Justiça, com o leading case Recurso Ordinário

em Mandado de Segurança sob nº 9.677/MS, entendeu cabível a aferição de pre ço

real inferior ao valor recolhido como presumido, com direito à devolução em caso de

pagamento superior. Outros recursos como os Recursos Especiais sob números

398.984/MA, 278.840/SP foram no mesmo sentido. Não foi esse, no entanto, o

posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Ao julgar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade sob nº 1.851, entendeu constitucional dispositivo de lei estadual

que dispunha inexistir direito à devolução de diferença paga a maior. A devolução

imediata e preferencial, segundo o Supremo seria somente nos casos em que não

ocorresse o “fato gerador” presumido. E em outro julgamento foi além. Na ADIN

2.675-5/PE, em que se questionava dispositivo de lei estadual que autorizava a

devolução de valor pago a maior em face da operação pr esumida, entendeu ser

vedado à lei estadual ordenar a devolução da diferença paga a maior. A decisão

baseou-se e trouxe como fundamentação a possibilidade da chamada “guerra fiscal”

entre os Estados Membros na questão do ICMS.

A nosso ver, nas operações com valores médios de mercado, devolução não

pode ser devida. E isso se deve à eleição de uma base de cálculo presumida, onde

dificilmente haverá valores exatos entre o recolhido e o valor real da operação.

Ressalte-se que a diferença ocorrerá contra e a f avor do substituto tributário. Porém,

nos casos de preços tabelados, ou com tabela do fabricante, a diminuição desses

valores em tabela obriga a redução do valor presumido pelo fisco, sob pena de ter de

109

restituir o valor pago em excesso. A jurisprudência, cambaleante, não é motivo de

certeza ou definição, pois, inclina -se ora para uma corrente ora para outra. A

segurança jurídica fica prejudicada quando diversas decisões reiteradas são revistas e

modificadas, mas, isso, foge ao nosso propósito.

3.4.2 Transferência

Vários conceitos já foram enunciados sobre a sujeição passiva tributária, pelo

que, o trato da matéria sobre a transferência tributária será realizado aproveitando -se

o já esposado, ou com as premissas já expostas.

A transferência é instituto de direito tributário relativo à sujeição passiva

indireta. O sujeito passivo indireto ou responsável é aquele que, mesmo não se

caracterizando como contribuinte, tem obrigação de pagar o tributo por efeito de

expressa disposição legal. Assim sendo, a responsabilidade tributária, legalmente

expressa, pode recair sobre terceira pessoa, consoante o artigo 128 do Código

Tributário Nacional, que dispõe: “Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode

atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira

pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a

responsabilidade do contribuinte ou atribuindo -a a este em caráter supletivo do

cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

O artigo 128 traz duas hipóteses de responsabilidade. A primeira refere -se à

responsabilidade superveniente de terceira pessoa por fato gerador alheio – hipótese

de transferência –. A segunda já foi vista anteriormente que é a substituição.

A responsabilidade pelo débito fiscal atribuída a terceiro reporta -nos a um

singelo registro sobre o fenômeno da tributação: toda hipótese de incidência tributária

deve corresponder, para ser de direito o tributo resultante, a um fato econômico que

ela descreve. Portanto, não há tributação ou tributo decorrente do nada, pois, toda

tributação é gerada em face de uma realidade ou fato econômico que lhe dá a razão de

existir.

Rubens Gomes de Souza, criador do anteprojeto do Código Tributário

Nacional, e propagador da clássica div isão da sujeição passiva em direta e indireta,

classificava a sujeição passiva indireta por transferência da seguinte forma: “[...]

110

ocorre quando a obrigação tributária depois de ter surgido contra uma pessoa

determinada (que seria o sujeito passivo direto ), entretanto, em virtude de um fato

posterior, transfere-se para outra pessoa diferente [...]”. 252

Existe a responsabilidade tributária derivada, segundo Bernardo Ribeiro de

Moraes, quando:

[...] aparece com o inadimplemento da obrigação por parte do su jeitopassivo originário, passando outra pessoa a ser responsabilizada peladívida tributária. Tal tipo de responsabilidade é denominado, também,sujeição passiva indireta por transferência .Na responsabilidade tributária derivada a sujeição passiva se dá depois deter surgido, contra determinada pessoa (devedor originário), uma sujeiçãopassiva (relação jurídica originária), transferindo -se, em virtude de umfato posterior (o inadimplemento da obrigação tributária originária), parauma outra pessoa, a qual responde finalmente pela dívida tributária[...].253(sic)

Assim, de acordo com essa classificação e com base no Código Tributário

Nacional, temos os seguintes casos de responsabilidade tributária derivada:

a) por sucessão (arts. 129-133);

b) de terceiros propriamente ditos (arts. 134-135);

O sócio da empresa, aqui seria também terceiro, terceiro em sentido amplo. A

classificação de sócio como terceiro dá -se pela idéia de que, ou o tributo é devido

pelo devedor originário, ou por terceiro. Também é de se notar que o sócio, sem

atividade mandamental não se afigura como responsável, ante a personalidade

jurídica distinta, mas sempre que praticar atos contrários à norma jurídica tributária.

Já o terceiro em sentido estrito, poderia ser um grupo enorme de pes soas. É o

que confirma o dizer de Aliomar Baleeiro: “[...] esses casos de responsabilidade

tributária são principalmente os de sucessão (arts. 129 a 133) e aqueles em que o

terceiro interveio em ato de contribuinte, como representante legal deste (arts. 13 4 e

135) ou como seu agente ou instrumento jurídico (arts. 136 a 138). ” 254

Esse ente, enquadrado na responsabilidade tributária derivada, envolve um

sujeito diverso do contribuinte e do substituto legal tributário – sujeito passivo direto

– em um primeiro momento, vinculado ao débito tributário da empresa, em que pese

não ser sujeito passivo originário, não compor o aspecto pessoal, por ser terceiro. Por

252 Compêndio..., op. cit., p. 92-93.253 Responsabilidade jurídica tributária . In: Hugo de Brito Machado (Coord.). O Lançamentotributário e a decadência, p. 350-351.254 Direito..., op. cit., p. 491.

111

transferência, porque a responsabilização dá -se por um fato posterior, a

responsabilidade tributária derivada.

A lei tributária responsabiliza pessoa diversa do contribuinte, quando houver o

fato jurídico tributário, e não existir o pagamento do tributo pelo sujeito passivo

direto.

Hugo de Brito Machado ao conceituar o responsável, diz:

Com efeito, denomina-se responsável o sujeito passivo da obrigaçãotributária que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem terrelação pessoal e direta com o fato gerador respectivo, tem seu vínculocom a obrigação decorrente de dispositivo expresso da lei.Essa responsabilidade há de ser atribuída a quem tenha relação com o fatogerador, isto é, a pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação(CTN, art. 128). Não uma vinculação pessoal e direta, pois em assimsendo configurada está a cond ição de contribuinte. Mas é indispensáveluma relação, uma vinculação, com o fato gerador para que alguém sejaconsiderado responsável, vale dizer, sujeito passivo indireto. 255

O Código Tributário Nacional traz uma classificação de sujeito passivo

indireto, em seu artigo 121, parágrafo único, inciso II, consoante transcrevemos:

“responsável, quando sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação

decorra de disposição expressa de lei.”

Do previsto nesse artigo e no artigo 128 já citado, podemos es tabelecer a

distinção entre a figura do responsável e do substituto tributário. Rodrigo Campos

Zequim, propõe, com a qual concordamos, a diferenciação seguinte:

Assim, utilizando-se da já citada classificação de Gomes de Souza, pode -se apontar como um primeiro traço diferenciador, o fato de que, enquantoa obrigação tributária pode nascer e ser exigida desde logo do substitutotributário, a mesma só poderá nascer e ser exigida do responsável‘somente depois de ocorrer o fato da não -satisfação da prestaçãotributária pelo contribuinte de jure’.Deste primeiro traço diferenciador se origina o segundo, qual seja, o de osubstituto tributário ser sujeito passivo direto da relação jurídica tributária,em razão de a obrigação nascer desde logo em face dele, e a doresponsável, ser sujeito passivo indireto, pois, como visto, só poderá lheser exigido o cumprimento da prestação jurídica tributária na hipótese emque a mesma não seja satisfeita pelo contribuinte. 256

Dessa forma, podemos concluir que o responsável tributário, em uma relação

de cunho obrigacional, de natureza tributária, portanto, figura de Direito Tributário,

255 Curso..., op. cit., p. 159.256 Responsabilidade..., op. cit., p. 36.

112

em face de lei, assume a posição do sujeito passivo direto – sujeito este para quem

nasce a obrigação tributária – e passa a compor a relação jurídica tributária, como

sujeito passivo indireto, por transferência, após a incidência de uma norma secundária

ou auxiliar sobre o fato jurídico tributário, em razão de uma conduta do sujeito

contrária à lei.

Considerando o intento de nosso trabalho, de tratar da responsabilidade

indireta dos sócios pelos tributos da empresa, ou seja, sujeição passiva indireta ou por

transferência, a responsabilidade por transferência vista neste tópico, resta

satisfatória, se considerado o enfrentamento da questão no tópico seguinte, de forma

específica, quando tratarmos dos limites e requisitos da responsabilização dos sócios.

113

CAPÍTULO 4

A RESPONSABILIZAÇÃO TRIBUTÁRIA DO SÓCIO

4.1 Introdução

4.1.1 O Direito e a sustentabilidade da atividade e mpresarial

Guardou-se espaço para este tópico, neste momento, por entendermos que a

relação jurídica tributária, envolvendo a empresa e o seu sócio, além da importância

para o Estado, propiciando-lhe a praticabilidade da arrecadação e assim fazer frent e a

suas obrigações, como tutor da coletividade, também interessa sobremaneira à

sociedade. A atividade empresarial não interessa somente ao empresário, ao

capitalista, mas, a toda a sociedade, por gerar trabalho, riqueza, salários,

desenvolvimento, além é claro, de interessar à empresa. A sustentabilidade da

atividade empresarial, como função social e atividade econômica, precisa ser

compreendida e defendida. A responsabilização tributária do sócio da empresa

poderia conduzir prima facie a um percalço da atividade empresarial, por afastar a

personalidade da empresa e gerar insegurança para o sócio e seu patrimônio. Por

outro lado, a atividade empresarial e a própria empresa fortalecem -se, à medida em

que não se utiliza do manto corporativo para infrações t ributárias, a lei tributária

tende a ser obedecida, e a concorrência justa é preservada.257 Aderimos à segunda

assertiva, pela razão seguinte.

O Direito deve estar voltado para a manutenção da ordem, como instrumento

organizador, e principalmente idealizador de uma sociedade mais justa, igualitária e

livre. Diante disso, o Estado, como sinônimo de sociedade, deve interagir, ou, melhor

dizendo, existir com a finalidade de entrelaçar a comunidade, para um melhor viver.

Segundo o brocardo ubi jus ibi societas; ubi societas, ibi jus – onde há direito, há

sociedade; onde há sociedade há direito –, não deve o Estado existir sem uma

racionalidade; não pode manter -se sem a burocracia; e tem a razão de ser em virtude

de uma dominação.

257 Com a idéia de que a empresa que não paga o tributo corretamente, ou paga em excesso(indevidamente), desequilibra a concorrência com outras empresas que corretament e contribuem.

114

Esta também é idéia de Ferraz Jr., quando afirma: “[...] seu êxito, como força

unificadora, depende, pois, de se dar um significado efetivo à idéia de um governo do

direito, unificado e racional .” (sic)258

Mas, acima de tudo, o Direito é um fenômeno social, independente do Es tado.

A sociologia encara o direito, não como norma ou lei, mas, como fato social. Nesse

prisma é que Paulo Dourado de Gusmão, citando Max Weber em seus estudos

histórico-comparativos, assinala que Weber:

Tentou demonstrar depender do tipo de sociedade a predominância de umdos fatores sociais. Para refutar o determinismo econômico, aponta o fatodo capitalismo ter aparecido e se desenvolvido nas sociedades dominadaspelo protestantismo, ou melhor, pelo Calvinismo, e não nas sobre ainfluência do Catolicismo, fato que segundo Weber, demonstraria ter aordem econômica sofrido nessas sociedades a influência da ética.Conseqüência: admitiu o pluralismo de fatores sociais do direito, posiçãoque se tornou dominante na Sociologia e no sociologismo jurídico,abraçada por Gurvitch [...] (sic) 259

Na lição de Paulo Nader “Em sua dimensão positiva, Direito é o conjunto de

normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização

da segurança, segundo os princípios de justiça. ”260 Com essa premissa básica,

podemos elencar aspectos da atividade empresarial que se devem ajustar ao Direito

praticado pelo Estado em um contexto internacional, em que as economias tendem,

cada vez mais, a estar globalizadas, o que implica dizer que a relação tributária lato

sensu interessa às empresas, ao Estado e aos demais Países, ante as concorrências

externas. Aliás, a globalização é o centro nevrálgico que transforma ou esvazia

enraigados conceitos da teoria jurídica. Nesse sentido, a posição, com a qual

comungamos, de José Eduardo Faria, para quem:

Dada a impressionante rapidez com que muitos dos conceitos e categoriasfundamentais até agora prevalecentes na teoria jurídica vão sendoesvaziados e problematizados pelo fenômeno da globalização, seuscódigos interpretativos, seus modelos analíticos e seus esquemascognitivos revelam-se cada vez mais carentes de operacionalidade efuncionalidade.261

258 Introdução..., op. cit., p. 259.259 Introdução..., op. cit., p. 480-481.260 Filosofia do Direito. p. 44.261 O Direito na economia globalizada, p. 39.

115

Na mesma seara, a significativa contribuição de Francisco Cardozo Oliveira,

que entre outras, assevera que “ Nesta concepção as crises financeiras, a devastação

do meio ambiente, o crescimento econômico cíclico, o aumento do desemprego e da

pobreza, entre outros fatores que repercutem de forma negativa na vida social, são

problemas decorrentes de políticas econômicas e financeir as implementadas pelo

Estado em prejuízo, inclusive, do desenvolvimento da atividade empresarial”. 262

Concordamos que a globalização, o capital e a atividade empresarial

transformam a sociedade, mas discordamos que deva ser dessa forma, de cunho

nocivo ao social. Voltamos à nossa posição inicial de imposição do Estado regulador,

onde o Direito tem fundamental papel, sendo a “mão invisível” a regular a sociedade,

determinando a função social da atividade empresarial, como obrigação de busca não

só do lucro, mas de uma melhoria da vida das pessoas.

Não é a sociedade que deve conformar -se ao capital e a economia, pelo

simples motivo de que a demanda real se encontra na sociedade, entendida como

comunidade de homens. A demanda encontra -se no homem, por seus motivos,

necessidades, condições de vida, e a disciplina econômica, sob enfoque meramente

referente e apriorístico, de nada serve.

Tal crítica se destina, principalmente, ao sistema de mercado, preconizado

pela doutrina liberal, a qual prega a aut o-regulação dos indivíduos entre si, e a não

ingerência do Estado, o que reduz todas as realidades sociais a uma parte da

engrenagem de movimentação dessa máquina, o que de forma alguma pode ocorrer.

Ao apregoar a elevação de mercados livres, auto -regulação e principalmente

individualismo, como valor absoluto em detrimento das aspirações sociais, criou -se o

mito de um “poder” sem feição ou despersonalizado – o mercado, o capital –, que

oprime a todos, desconsiderando condições peculiares a cada povo, época e lugar.

Enfim, um poder cujo objetivo é alienar. Alienar para quê? Para a manutenção e

aumento da riqueza e do lucro. Para a acumulação de capital, sem qualquer

preocupação com a sociedade, valores sociais, bem estar comum, ou mesmo

socialização dos problemas humanos ou coletivos, como a saúde, educação,

segurança, trabalho digno, a não ser que isso importe melhoria para o mercado, o que,

na prática, não tem sido considerado, gerando cada vez mais desigualdade.

262 Uma nova racionalidade administrativa empresarial, p. 115.

116

Por sua vez, entendendo-se o lucro e a economia como manifestações de uma

sociedade organizada não se pode dissociá -los de valores ou, ingenuamente, acreditar

que possuam existência autônoma ou meramente contingente, independente do

progresso social e de geração de riqueza. Isto é, o lucro deve ser interpretado

conciliando-o ao desenvolvimento econômico e ao progresso social, sem o qual,

qualquer conceituação de lucro será equivocada.

O lucro representa um bem social e, como tal, revelador de progresso e

riqueza social - se advier da produção de um bem ou serviço, seja, por exemplo, a

simples circulação de mercadoria ou a industrialização. A matéria prima aliada ao

labor humano produz riqueza palpável, isto é, passível de ser usufruída pelo homem

em bens e serviços.

Por isso, de importante signi ficado a posição de Francisco Cardozo Oliveiraquando expõe:

O lucro, por sua vez, não é a expressão de um modelo matemático. Émedida sociojurídica da produção de bens e riqueza numa determinadarealidade econômica e social. O que leva à conclusão inexor ável de que acontabilidade não é uma ciência neutra ou exata, nem demonstra alocaçãoracional de recursos. Ela é ciência social e, como tal, permite aquantificação de uma determinada forma de lucro ou de lucratividadejuridicamente regulada, que naturalm ente não pode excluir outros modosde medição da riqueza socialmente produzida.” 263

Em suma, o trabalho gera riqueza. O lucro deve decorrer do trabalho. A

atividade empresarial deve nortear -se por mais que um lucro monetário, um ganho em

dinheiro imediato, mas também de um lucro social, pois, a propriedade empresarial

deve cumprir uma função social, de lucro da sociedade, através de uma contribuição

social e não somente do lucro monetário.

O lucro, assim, tem nova vertente. Na visão de Francisco Cardozo O liveira:

Esta nova racionalidade administrativa empresarial repercutirá na formade contabilização de lucros e de resultados. Reclamará, certamente, novopapel e sentido para as informações geradas pela técnica contábil.[...] Oaumento da produtividade ex ige compromisso também com a resoluçãodos problemas sócio-econômicos que a atividade empresarial provoca eque, de certo modo, acabam por reduzir as taxas de lucros e a produção debens e serviços.264

A idéia de Estado regulador, norteador, através do D ireito, criado pela

Constituição Federal de 1988, deve ser utilizada também como forma inicial de

263 Uma nova..., op. cit., p. 118.264 ibidem, p. 121.

117

modificar a idéia sobre lucro. Longe de querer criar um modelo, ou de estabelecer

fórmulas, uma ao menos, se tem como referência, exatamente por estar posta p ela

Constituição Federal, que é a imposição pelo Estado de condições para se exercer a

atividade empresarial. Para o caso, além de tributação, legalidade, respeito ao meio

ambiente, um projeto social, ou seja, que a atuação empresarial não gere apenas lucr o

monetário ao empresário, mas “lucro social” à coletividade, impondo as medidas a

serem adotadas pelo Estado e pelas empresas para se chegar a essa idealização, dentro

de cada categoria e fins almejados.

4.1.2 O Código civil e a responsabilidade quant o à empresa e ao sócio

Em relação às normas previstas para o funcionamento das empresas e a

responsabilidade dos seus administradores, o novo Código Civil traz normatização

suficiente para que sejam afastadas algumas incertezas e confusões anteriormen te à

sua existência. Reza o artigo 50:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelodesvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, arequerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couberintervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações deobrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ousócios da pessoa jurídica.

Esse artigo, por certo, quer significar que a atuação da empresa deve

estabelecer-se além de seu objeto social. No que pertine às suas finalidades e à

destinação de seu patrimônio, está inclusa a idéia de não afronta à lei, para o nosso

caso a tributária, onde, em acontecendo, levanta -se o manto corporativo do ente para

que sejam alcançados seus sócios e administradores, especialmente diante do

esgotamento do patrimônio social, de sua insolvência.

A nova legislação civil traz a idéia de culpa em sua disposição. Seu

apontamento normativo, entretanto, em sintonia com o valor posto para a função

social da propriedade, traz uma idéia coerente quando a empresa deixa de atender à

obrigação tributária. Dessa forma, caracteriza desvio de finalidade, para o caso, a de

cumprir com a função social da propriedade, quando a empresa deixa de cumpri r com

118

a obrigação tributária, por si ou por seus sócios, devida na forma da lei. Além, é claro,

pela inadimplência do dever de recolher tributos.

Fica claro, pelos fundamentos acima expostos, que a finalidade de uma

empresa é a de realizar seu objetivo social, propiciando a dinamização de sua

atividade econômica, criando empregos e contribuindo com a coletividade, ao menos,

através do pagamento de tributos. Por entendimento do legislador, o desatendimento

disso – a desobediência à lei, diretamente e fu nção social, indiretamente – dá ensejo a

que se macule o princípio da função social da propriedade, com atuação de seu

dirigente de maneira culposa, ou dolosa, permitindo a aplicação da parte final do

artigo 50, onde os efeitos da obrigação sejam ampliados aos bens pessoais dos

administradores.

Essa interpretação é confirmada pela disposto no artigo 186 do mesmo Codex,

que qualifica como ato ilícito a conduta que gere a violação de direito, isto é, que

também cause danos a terceiro. O não recolhimento de tributos devidos causa dano ao

ente tributante, diretamente, e à sociedade, especificamente para os menos

afortunados que dependem do Estado e são privados dos recursos.

E quanto ao sócio dirigente, aquele que exerce a gerência, é diretor ou

representante da empresa, o artigo 187 qualifica -o como praticante de ilícito, quando,

nessa condição, pratique atos além dos limites previstos como fim econômico ou

social perquirido pelo ente jurídico. Para alguns, como Gilberto Etchaluz Villela, o

não pagamento de tributos é em si uma manifestação de excesso em relação ao

mandato, por infração à lei e aos seus estatutos. 265 Tendo por conta, ainda, que o ser

humano correto cumpre com suas obrigações, o sócio que assim não se porta, burla a

disposição da sociedade, traduzida, entre outras, no artigo 1.011 do Código Civil,

consoante transcrevemos: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de

suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma

empregar na administração de seus próprio s negócios.”

Com isso, deve responder solidariamente, perante terceiros, pela culpa no

desempenho de suas funções, como prescreve o artigo 1.016, a seguir transcrito: “Art.

1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os

terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”.

265 A responsabilidade tributária, p. 117-122.

119

As prescrições do Direito Civil não se aplicam à relação tributária, ao menos

diretamente, já que existe legislação específica para o caso, mas, delineiam uma visão

atual do entendimento da soci edade, do legislador, sobre a responsabilidade da

empresa e do sócio. Vejamos a seguir, algumas disposições sobre responsabilidade

do sócio, no Direito Tributário.

4.1.3. Da normatização tributária quanto à responsabilidade do sócio

Não fossem suficientes as prescrições até aqui relacionadas, também, o

sistema tributário traz regras que permitem, sem margem a dúvidas, a

despersonalização do ente para que se alcance seus dirigentes. São regras que

qualificam as situações de solidariedade e sub sidiariedade entre sócios e pessoa

jurídica.

Antes, porém, um singelo registro sobre o fenômeno da tributação: toda

hipótese de incidência tributária deve corresponder, para ser de direito o tributo

resultante, a um fato econômico que ela descreve. Por tanto, não há tributo decorrente

do nada, pois toda tributação é gerada em face de uma realidade ou fato econômico

que lhe dá a razão de existir.

No caso dos tributos federais – como o PIS, COFINS, IR, CSLL, IPI – todos

eles são devidos por conta da re alização de um “fato gerador” econômico dinâmico,

quer-se dizer, de um fato em que o destinatário constitucional tributário agiu para a

sua concepção e concretização com o objetivo de colher resultados mensuráveis

economicamente. Na tributação federal apen as um tributo incide sobre uma realidade

econômica estática: o ITR.

Desse modo, diante de ganhos patrimoniais, receitas auferidas ou operações

negociais, ocorrem as hipóteses que dão ensejo à tributação. Com isso, queremos

deixar claro que os tributos federais resultam de situações jurídicas em que o

contribuinte obtém, da própria operação econômica, os meios ou resultados

necessários a que se faça frente à respectiva exação.

Seria fora de propósito estabelecer aqui qualquer discussão acerca do modo d e

incidência dos tributos, qualificando -os em diretos ou indiretos. Mas, é necessário

esclarecer, pela sua evidência, que no caso de todos os tributos federais os agentes

120

econômicos já os prevêem como encargos, por ocasião da realização daqueles fatos

econômicos que acabam por gerá -los. Não há um só deles que já não venha embutido

na formação do preço respectivo, ou que não seja de antemão previsto quando da

realização de um negócio e do resultado final que se tem em mira.

Como é sabido, toda economia t rabalha com o conceito de margem de lucro

setorial. Assim, cada um dos tributos - e todos eles - integram a formação dos preços

dos produtos e serviços, para o fim de assegurar -se a margem final de lucratividade

do negócio, acarretando, desse modo, a trans ferência do encargo para o consumidor,

atuando o contribuinte como mero receptor do valor arrecadado.

Para Paulo de Barros Carvalho “[...] as relações jurídicas integradas por

sujeitos passivos alheios ao fato tributado apresentam a natureza de sanções

administrativa”.266 Por esse entendimento, os artigos 124, 134 e 135 do Código

Tributário Nacional, criam para terceiros uma espécie de sanção por ato ilícito,

responsabilizando-os de forma solidária ou subsidiaria pelo pagamento do tributo

devido pelo destinatário legal tributário.

O sócio, responsável tributário, seja como figura de direito tributário ou

garantidor fiduciário do crédito tributário, por lei assume a posição em face de

conduta sua contrária à lei. 267

Por fim, devemos dizer também, que tai s disposições não visam somente

obrigações, deveres ao sócio e à empresa, mas garantias e direitos. A voracidade

fiscal é reconhecida pelo próprio fisco. Os tributos não são suficientes para realizar as

pretensões dos chefes dos executivos, quer por sua in suficiência, quer por má

gerência, incompetência ou mesmo corrupção. Se por um lado temos uma

Administração Pública que pretende aumentar a arrecadação, de outro lado temos os

entes privados que acima de qualquer coisa buscam segurança e proteção para

laborar.

Para regular essas situações, a sociedade, última interessada, e quem

realmente deve ser privilegiada, precisa estabelecer – através do legislador –

limitações à atuação da empresa e de seus sócios e limites à atuação do Fisco, em

tudo visando a arrecadação necessária de um lado, e legalidade e segurança jurídica

de outro, para as relações entre Estado e contribuintes. Não se descura que as

266 Curso..., p. 317.267 Como figura de direito tributário é posição que adotamos, em capítulo anterior.

121

atribuições e funções do Estado são extremamente relevantes. Por outro lado, a

sociedade reconhece a importânc ia da atividade empresarial, com funções

econômicas e sociais primordiais à coletividade, de forma que, cabe ao Direito dar

sustentabilidade à atividade empresarial como um todo, inclusive, por vezes,

impondo obrigações e punições severas à empresa e seus sócios, em prol das demais

empresas, e por conseqüência da atividade empresarial, e em prol do Fisco, para

realizar seu munus.

De forma pormenorizada, a partir de agora, serão vistos os limites jurídicos da

responsabilização do sócio.

4.2 Limites da responsabilização do sócio

4.2.1 Limites objetivos

A responsabilização dos sócios pelos tributos da empresa deve diferenciar -se

da responsabilidade da própria empresa.

As sociedades responderão pela totalidade de suas obrigações, independente

de sua natureza ou constituição, desde que constituídas, é claro. 268 Essa distinção já

nos propicia uma limitação de cunho objetivo: o sócio nunca responde de forma

direta pelos débitos da empresa. Isso se deve, para o caso da responsabilidade

tributária, ao fato da obrigação tributária nascer juridicamente para o sujeito passivo

direto, a empresa, e depois, por transferência, ser repassada ao sujeito passivo

indireto.

Em havendo a falta de patrimônio para satisfazer os débitos da empresa, o

sócio responderá, na medida da sua participação na empresa e do tipo da empresa.

Explica-se. Nas sociedades mais comuns – a sociedade anônima e a por quotas de

responsabilidade limitada – o sócio é responsável pela integralização de suas ações ou

quotas. Com a integralização de suas cotas não responde por débitos da empresa, ante

a distinção da personalidade jurídica. Para as demais sociedades, sem adentrar na

seara da existência de nova legislação civil, cada tipo societário tem seu regramento.

268 Essa distinção é referente às sociedades irregulares, ou, apenas de fato. Vale tam bém para a“firma individual” figura que veremos no decorrer do trabalho, onde o patrimônio da pessoajurídica e do sócio confunde-se.

122

Já para as sociedades empresar iais em relação as quais a legislação prevê

responsabilidade ilimitada de alguns sócios, temos: o sócio da sociedade em nome

coletivo; o sócio comanditado na sociedade em comandita simples; o sócio

capitalista, na sociedade de capital e indústria; o sócio ostensivo da sociedade em

conta de participação; o sócio acionista diretor na comandita por ações; e o sócio da

“sociedade” irregular ou de fato.

Os casos acima ensejam, primeiro, nenhuma responsabilidade pelos débitos da

empresa; e, em um segundo momen to responsabilidade subsidiária à falta de

patrimônio para o caso do tipo societário e a participação na empresa, em razão da

natureza distinta da empresa, como ente. Eis um segundo limite de cunho objetivo.

Ressalte-se que estamos tratando de responsabili dade geral, válida para o Direito

Empresarial e subsidiariamente para o Direito Tributário.

Outro limite para a responsabilidade tributária do sócio diz respeito à lei.

Vimos, nos primeiros capítulos, os princípios, a norma e a relação jurídica tributári as,

a obrigação tributária, de forma que estamos aptos a falar desse limite. Para que haja

responsabilidade deve ser observada a legalidade – deve haver lei sobre ela dispondo

– com todos os seus consectários, como consideramos. Essa lei, para prever a

responsabilidade tributária do sócio, deve observar o princípio da igualdade, dentro

de uma diferenciação de fatos e atos, para que não se torne inconstitucional, por tratar

situações iguais de forma desigual. Também deve observar o princípio da capacidade

contributiva, pelas razões já expostas.

Além dos princípios constitucionais, deve observar as normas jurídicas, para

ser válida e legal. E por fim, mas, não menos importante, dentro da relação jurídica

tributária, a situação de responsabilidade deve ser p revista na conseqüência tributária

da regra matriz, quer de forma principal – na norma principal - ou de forma

secundária – na norma secundária ou auxiliar - como vimos na natureza jurídica da

sujeição passiva indireta.

A lei, prevendo a responsabilidad e, pode ser de caráter geral, como no caso do

Código Tributário Nacional, ou específica, como no caso da responsabilidade

solidária dos sócios-gerentes, em caso de IPI – imposto sobre produtos

industrializados e de IRRF – imposto de renda retido na fonte, consoante o Decreto-

Lei nº 1.736, de 20 de dezembro de 1979, em seu artigo 8º.

123

Para o caso da lei tributária, prevista especialmente no Código Tributário

Nacional, devem ser relacionados os fatos que ensejam a responsabilização dos

sócios. Esses fatos estão descritos no Codex em seu artigo 134, combinado com seu

inciso VII e artigo 135, combinado com seu inciso III. Os requisitos para essa

responsabilização, veremos na seqüência.

4.2.2 Limites subjetivos

Por limites subjetivos, deve-se ter em mente a atuação do sócio. Essa condição

exprime uma limitação não só subjetiva, mas também objetiva. Objetiva porque o

sócio que não exerça o cargo de gerente, diretor ou representante legal da empresa

não poderia ser responsabilizado. A exceção encontra -se descrita no artigo 134, VII,

em que se prevê a responsabilização tributária indireta dos sócios no caso de

liquidação de sociedade de pessoas. Ainda aqui, a responsabilização encontra um

óbice à atuação do sócio. O caput do artigo 134 diz, conforme tran screvemos: “Nos

casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo

contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou

pelas omissões de que forem responsáveis: [...].”

A expressão “nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem

responsáveis”, retrata a condição de quem exerce direção, que tem poderes sobre os

destinos da empresa. O sócio apenas quotista ou acionista, ou que, enfim, não exerça

cargo de direção, gerência ou cargo de repre sentante, não intervém, e sua omissão

não é relevante, pois, não tem obrigação de atuar.

Como primeiro ponto referente ao limite subjetivo, é a possibilidade do sócio

de cumprir o estatuído em lei. Dessa forma, na condição meramente de sócio,

diríamos que a possibilidade de ser colocado no pólo passivo da obrigação tributária é

diminuta. A expressão diminuta deve -se ao fato de que o sócio em um caso concreto

poderia intervir, na verdade, não como sócio, mas na condição de terceiro em sentido

estrito. Já na omissão não pode ser enquadrado, por faltar obrigação de agir.

A previsão do artigo 135, combinado com o seu inciso I, do Código Tributário

Nacional traz mais uma possibilidade. Transcrevemos , pois, o disposto no artigo 135:

124

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes aobrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso depoderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:I - as pessoas referidas no artigo anterior;II - os mandatários, prepostos e empregados;III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direitoprivado.

Dessarte, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, o sócio pode ser

responsabilizado pessoalmente pelo pagamento do tributo, se agir com infração de

contrato social ou estatutos. As opções “excesso de poderes ou infração de lei”

requerem atuação com poder de gerência ou direção, os quais, o sócio não tem. A

infração ao contrato ou estatuto, no entanto, é possível, onde, o sócio que não detém

poder de gerência ou cargo de direção referido no contrato social ou no estatuto da

empresa, extrapola-os ou infringe-os. Atuando em infração faz nascer a obrigação

tributária para empresa que pode, porventura, estar impossibilitada de cumpri -la,

devendo ser responsabilizado o sócio.

Nos demais casos, o artigo 135 exige a condição de diretor, gerente ou

representante de pessoas jurídicas. Essa condição não tem o simples sócio.

A responsabilidade objetiva ou subjetiva pela infração tributária, e o dolo e a

culpa do sócio, são as questões que ora se nos apresentam.

Comecemos pela imputação subjetiva e objetiva, descrevendo em que cada

uma consiste, para em seguida estabelecer qual o tipo de responsabilidade da empresa

e do sócio.

A responsabilidade subjetiva baseia-se na culpa do agente. Esta culpa deve ser

entendida em sentido amplo, envolvendo o dolo e a culpa em sentido estrito. Nesse

caso, a culpa é a tônica da responsabilidade, isto é, não demonstrando a culpa do

agente, não pode a vítima ser indenizada, ou o fisco recuperar o crédito tributário

acrescido de seus consectários.

A responsabilidade fundamentada na culpa baseia -se no ato ilícito como fonte

da obrigação de indenizar. A atividade deve ser culposa para que se configure a

responsabilidade subjet iva. Assim, afastada a responsabilidade objetiva ou

responsabilidade independente de culpa, que veremos logo em seguida, toda a

responsabilidade estará baseada em um querer o resultado ou assumir o risco de

produzi-lo – o dolo, ou por não tomar as cautelas do homem médio, do homem

diligente, o homo medius, além do elemento previsibilidade – a culpa em sentido

125

estrito, em uma de suas modalidades: imprudência, negligência ou imperícia. Aqui

deverá haver uma conduta livre, voluntária e consciente; um resultado danoso e um

nexo de causalidade, como sendo aquele liame de ligação entre a conduta e o

resultado.

A responsabilidade baseada na culpa ainda é a regra no Direito Civil, mas

pouco a pouco vem perdendo espaço para a responsabilidade objetiva baseada no

risco, já que a responsabilidade subjetiva torna a prova para a vítima por demais

onerosa, difícil, além da demora em uma reparação.

No Direito Penal a regra é a responsabilidade subjetiva ou com culpa. O dolo

é previsto para todas as modalidades e a culpa em sentido estrito é prevista para

algumas modalidades de delito. Entretanto, no Código Penal existem algumas figuras

que ensejam a responsabilidade objetiva. O Direito Penal Econômico caminha para a

responsabilidade penal objetiva, nos crimes de perigo a bstrato, fato que não merece

maiores esclarecimentos por descabidos aqui.

A responsabilidade objetiva é baseada na teoria do risco. Para essa

responsabilidade, a culpa ou o dolo são irrelevantes, bastando, para a teoria do risco,

o nexo de causalidade entre o prejuízo da vítima, o fisco no caso, e a ação do agente,

o destinatário constitucional tributário. A responsabilidade do agente é calcada na lei,

independente de culpa, como evolução, ante a dificuldade de prova encontrada pela

vítima e ante a evolução dos recursos técnicos, quando ente pode calcular o prejuízo

que sua atuação pode causar a terceiros. Claro que tal modalidade deve ser prevista

em lei para ter validade. Funda-se, como lembra Maria Helena Diniz:

[...] num princípio de equidade, e xistente desde o direito romano: aqueleque lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelasdesvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda,ibi incommoda). Essa responsabilidade tem como fundamento a atividadeexercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano à vida, à saúde oua outros bens, criando risco de danos para terceiros. 269

Aqui a intenção do legislador é garantir a reparação pelo ato, não pela

atividade ou atitude do agente, mas, sim, do perigo que resulta d o exercício da

atividade, do negócio, com potencial risco danoso – entenda-se não recolhimento de

tributos -, mas, que traz proveito ao agente e está sob seu controle.

269 Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 48.

126

Adota-se para a atuação da administração pública, a teoria do risco.

A responsabilidade objetiva da administração pública é prevista na

Constituição Federal em seu artigo 37, 6º, como risco administrativo, em que se prevê

que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,

causarem a terceiro, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos

casos de dolo ou culpa .”

E para o Direito Tributário, qual a imputação adotada para o ilícito fiscal?

Socorremo-nos das lições de Sacha Calmon Navarro Coelho, segundo o qual:

O ilícito puramente fiscal é, em princípio, objetivo. Deve sê -lo. Não fazsentido indagar se o contribuinte deixou de emitir uma nota fiscal por doloou culpa (negligência, imprudência ou imperícia). De qualquer modo, a leifoi lesada. De resto, se se pudesse alegar que o contribuinte deixou de agirpor desconhecer a lei, por estar obnubilado ou por ter -se dela esquecido,destruído estaria todo o sistema de proteção jurídica da FazendaPública.270

De fato, o artigo 136, do Código Tributário Nacional, dispõe dessa forma:

“Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da

legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da

efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.” Senão vejamos:

Na locução “independe da intenção do agente ou do responsável ”, o

legislador tributário adota a imputação objetiva, ou responsabilidade objetiva, a qual

independe de dolo ou culpa, bastando a ação do sujeito passivo e o nexo causal.

Essa explanação é devida para verificar a responsabilização do sócio.

Havendo o não pagamento do tributo, infração da legislação tributária, a empresa

pode ser dispensada da obrigação, alegando não ter culpa, ou que procedeu dessa

forma “sem intenção”? A resposta é negativa, como expusemos, por adoção da

responsabilidade objetiva. Não se questiona dolo ou culpa. Por outro lado, não

havendo pagamento do tributo e consectários pela empresa esta pode alegar que a

responsabilidade é do sócio? Ou ainda, não havendo bens da empresa, para garantia

do débito tributário, pode o fisco responsabilizar o sócio? Para responder a essas duas

perguntas, precisamos conhecer o tipo de responsabilidade do sócio, se é objetiva, ou

não.

270 Curso..., op. cit., p. 637

127

A responsabilidade não é objetiva e sim subjetiva, como toda a doutrina e a

jurisprudência têm afirmado. Aliás, não teria nenhuma lógica, o sócio ser responsável

objetivamente pelo tributo da empresa pelo simples fato de ser sócio. Havendo

responsabilidade subjetiva, adentrarem os ao conhecimento das situações de dolo ou

culpa.

Segundo Maria Helena Diniz, falando de responsabilidade civil, “ No nosso

ordenamento jurídico vigora regra geral de que o dever ressarcitório pela prática de

atos ilícitos decorre da culpa”.271

A idéia central inspiradora dessa construção reside no princípio multissecular

do neminem laedere – a ninguém se deve lesar. Uma das expressões primeiras do

denominado direito natural. Assim, quando os atos ilícitos são praticados, entende -se

que houve um desvio de conduta do agente, segundo os doutrinadores italianos,

“defeito da inteligência”. Dessa forma, segundo o magistério de Rui Stoco, “[...]

para que haja ato ilícito, necessário se faz a conjugação dos seguintes fatores: a

existência de uma ação, violação da ordem jurídica; a imputabilidade; a penetração

na esfera de outrem.”272 O ilícito é, portanto, fonte geradora de responsabilidade.

É a teoria da culpa que repousa na autonomia da vontade da pessoa. Ao

contrário, a teoria do risco repousa exclusivamente na idéia econômica do proveito,

daí o preceito: ubi commoda, ibi incommoda – onde há o cômodo, aí há o incômodo .

O elemento objetivo da culpa é o dever violado. Para Savatier, citado por Rui

Stoco, “[...] culpa é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e

observar.”273

É preciso que ocorra a ofensa a uma norma avençada, ou então, no

descumprimento de uma lei ou a um dever geral de diligência.

Necessário é que o fato decorra de ação voluntária, isso porque, segundo

preleciona Carlos Roberto Gonçalves, “[...] essencial é que a ação ou omissão seja,

em abstrato, controlável ou dominável pela vontade do homem. Fato voluntário

equivale a fato controlável ou dominável pela vontade do homem .”274

271 Op. cit., p. 48.272 Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, p. 49.273 Apud, Responsabilidade..., op. cit., p. 65.274 Responsabilidade Civil, p. 30.

128

Para que se configure a responsabilidade por omissão é ne cessário que exista

o dever jurídico de praticar determinado fato – de não se omitir – e que demonstre

que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado.

Segundo Sérgio Cavalieri Filho, “[...] em suma, só pode ser responsabilizado

por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação

jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado ”.275

Retornando à culpa, podemos classificar a culpa em sentido amplo em: dolo,

sendo aquela em que o agente quer o resultado ou as sume o risco de produzi-lo; e em

culpa em sentido estrito, como sendo aquela composta pela imprudência, negligência

ou imperícia.

Após a breve visão sobre a culpa em sentido amplo, a pergunta que interessa -

nos: o sócio responde somente em caso de dolo, q uando agir dolosamente, ou

também quando agir de forma culposa, a culpa em sentido estrito, com as

modalidades negligência, imprudência ou imperícia?

Misabel Derzi, citada por Renato Lopes Becho, frisa que “[...] o artigo 135

aplica-se aos casos de condutas dolosas, enquanto as do artigo 134 comportam,

quando muito, culpa levíssima .” 276

Entende caber a responsabilização por ato doloso ou culposo Gilberto

Etchaluz Villela, quando afirma: “ Portanto, se um administrador daqueles

mencionados no art. 134 e no art. 135, praticar, culposa ou dolosamente, ato com

excesso de poderes ou mediante infrações às leis, contratos ou estatutos, estará

responsabilizado pelos créditos tributários inadimplidos [...].” 277

Parece-me estar com a razão Misabel Derzi. O artigo 134 d o Código

Tributário Nacional, pela redação, exige apenas uma culpa em sentido estrito. Já o

artigo 135 do referido diploma exige “ato praticado” o que significa um agir e um

querer. Parece-me, também, que esse agir deve ser consciente – ato intelectivo – e

com vontade – ato volitivo –. Por outro lado, o dispositivo não faz referência à forma

culposa, o que impede sua encampação. Poder -se-ia falar-se até em dolo eventual,278

quando o sócio não queria, inicialmente, atuar com excesso de poderes, violar o

contrato social, a lei, ou os estatutos, mas, prevê a infringência e continua atuando,

275 Programa de Responsabilidade Civil, p. 38.276 Apud, Sujeição passiva e responsabilidade tributária, p. 174.277 Op. cit., p. 119.278 Figura comum ao Direito Penal, com a existência na legislação de dolo direto e dolo eventual.

129

vindo a gerar a obrigação tributária. Não há que se falar em exigência de dolo

específico, de um especial fim de agir como necessário. Ressalte -se, por fim, que a

conduta dolosa deve ser demonstrada – provada – pela empresa ou pelo Fisco, por

não ser fato presumido.

4.3 Requisitos para a responsabilização do sócio

4.3.1 Inadimplência

A inadimplência é a falta de cumprimento de uma obrigação ou contrato. Para

o nosso propósito é a falta de cumprimento da obrigação tributária pelo sujeito

passivo.

A inadimplência é condição sine qua non para a responsabilização do sócio, a

pedido do fisco, por parte do judiciário. A responsabilização do sócio, a pedido da

empresa, não precisa da inadimplência. A segunda assertiva será vista por ocasião do

capítulo referente ao benefício de ordem.

Como vimos, a obrigação tributária nasce inicialmente para o destinatário

constitucional tributário, e em razão da incidência da norma sec undária, é transferida

ao responsável tributário. A obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato

jurídico tributário. Portanto, somente é exigível após o lançamento, o qual tem

natureza jurídica declaratória da obrigação, mas se presta a constituir a exigibilidade,

a partir de então. Dando amparo ao nosso posicionamento, Ruy Barbosa Nogueira diz

que “[...] a obrigação tributária é uma relação de Direito Público prevista na lei

descritiva do fato pela qual o Fisco (sujeito ativo) pode exigir do contri buinte

(sujeito passivo) uma prestação (objeto).” 279

Assim, enquanto não houver inadimplência, para o fisco, a relação tributária

mantém-se entre ele e o destinatário constitucional tributário. O fisco não pode exigir

a responsabilização do sócio enquanto não houver inadimplência, até porque, não

pode cobrar a prestação do sujeito passivo da relação tributária, antes de ela ser

exigível, de estar vencido o prazo de recolhimento. Sob outro aspecto, caso a empresa

pague no prazo legal, o pagamento terá sido válido, terá extinguido a obrigação

279 Curso..., op. cit., p. 141.

130

tributária, e mesmo que a empresa provasse a incidência do artigo 135, do Código

Tributário Nacional, em relação a um dos sócios, não teria direito à repetição do

indébito tributário, tendo, isso sim, direito de regresso , no âmbito civil, contra o

sócio.

Outra questão importante no tocante à inadimplência refere -se, a saber, se a

inadimplência da obrigação tributária, não havendo o pagamento do tributo, é motivo

de responsabilização do sócio. Postergaremos tal discussão para o momento da

análise da infração de lei, um dos requisitos postos pelo artigo 135.

4.3.2. Formas de atuação do sócio na responsabilidade por transferência

Para que possa ser transferido ao sócio que exerça a gerência, administração,

ou, de qualquer forma seja representante legal de uma sociedade com personalidade

jurídica, os ônus de créditos determinados por obrigações tributárias, é mister que

existam elementos indicativos de ter sido por ele praticado algum ato – conotado com

a obrigação que fez nascer o crédito – com excesso de poderes ou infração à lei, ao

contrato social ou estatutos da empresa, conforme o artigo 135, do Código Tributário

Nacional.

Para Hugo de Brito Machado:

De todos esses dispositivos legais se conclui que a regra é a de que osdiretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direitoprivado NÃO respondem pessoalmente pelos tributos devidos por taispessoas jurídicas. E a exceção é a de que existirá tal responsabilidade emse tratando de créditos decorren tes de obrigações tributárias resultantes deatos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato socialou estatutos.280

A empresa, em face de sua personalidade jurídica, pode ser sujeito de direitos

e acumular patrimônio próprio, sendo que tão-somente em detrimento da carência de

vida natural é que demanda que sua atuação no mundo fenomênico se operacionalize

através da figura de seus sócios -gerentes – caso constituída sob a forma de sociedade

de pessoas –, ou de diretores-presidente – se constituída sob a forma de sociedades de

capital –, ou seja, seus representantes legais.

280 Curso..., op. cit., p. 168.

131

Por essas razões, a atuação do sócio dentro da normalidade jurídica

empresarial, isto é, consoante as regras jurídicas impostas pela lei, ou em decorrênci a

do contrato social, não geram a responsabilização por transferência, fazendo -se

necessária atuação ilícita, extravagante, ou mesmo fraudulenta, para possibilitar a

responsabilização do sócio. Vamos verificar em que consistem essas formas de

atuação dispostas pela lei tributária.

4.3.2.1 Excesso de poder

Para compreender o estatuído pelo artigo, visando a estabelecer o que é

excesso de poder, devemos precisar o alcance da expressão. O poder significa ter

força, robustez, capacidade, para suspender, agüentar, suportar, ter grande influência

sobre algo ou alguém.

O poder referido no artigo 135, para Gelson Amaro, “ É o poder simplesmente

contratual ou estatutário extraído do direito privado (civil e comercial) e pactuado

pelos interessados. Refere-se esta norma aos poderes que são atribuídos às pessoas

mencionadas, mas poderes de caráter privado e nunca poder tributário.” 281 Com

total acerto o autor. A expressão “poder” do artigo 135, pode ensejar diversas

interpretações, como o de “poder tributário” a e nsejar uma atuação de agente do

fisco; de “poder político” a ensejar atuação de um ente político. O “poder”, nesse

caso, são os poderes que conferem os estatutos legais da empresa – contrato social,

estatuto – ao seu representante legal.

Está presente o abuso ou excesso de poder quando o sócio, no caso específico,

os gerentes, representantes, ou diretores, praticam atos que o Direito permite, porém,

além dos limites do seu exercício. Refere -se à desobediência às cláusulas contratuais,

que à semelhança do mandatário que exorbita dos poderes a ele outorgados, responde

pessoalmente junto a terceiros pelos prejuízos que causar.

Não se pode confundir o excesso de mandato com a infração de lei, do

contrato, ou estatutos. A atuação do sócio aqui pode ser com excesso de poder, mas

não incidir nas demais condutas.

281 Responsabilidade tributária e legitimidade passiva na execução fiscal, p. 82.

132

Modesto Carvalhosa, citado por Rodrigo Campos Zequim, define a figura do

excesso de poder, da seguinte forma:

O abuso de poder verifica -se quando o administrador não exerce commoderação as prerrogativas que lhe são legal e estatutariamente atribuídas,fazendo-o contrariamente ao interesse da companhia, de seus acionistas oude terceiros, com objetivo de causar -lhes danos. O desvio de poderconfigura-se quando o administrador, embora observando as f ormalidadese não cometendo violação alguma expressa em lei ou no estatuto, exerce oseu poder com uma finalidade diversa daquela para a qual lhe foiconferida a prerrogativa de administrar a companhia [...]. 282

Como se vê, o citado autor prevê duas mod alidades de excesso de poder: o

abuso e o desvio. O abuso seria quando o agente vai além do permitido, com o

objetivo de causar danos. No desvio, apesar de não infringir a lei ou o estatuto, o

agente age com uma finalidade diversa da que lhe foi conferida. Em ambos os casos,

com a intenção de causar prejuízo ou não, mas de agir com o excesso, resultando na

obrigação tributária para a empresa, o sócio será o responsável tributário por

transferência, ou sujeito passivo indireto, com o dever e a responsabilida de pelo

débito tributário.

Relembre-se que o excesso de poder não gera obrigação tributária, somente

torna-se responsável por ela ao incidir a norma tributária secundária,

responsabilizando-o. O ato nasce para o destinatário legal e posteriormente, por

excesso de poder, é transferido ao sócio. Amparando -nos, Gelson Amaro aduz que:

O obrigado originalmente pratica o ato que dá origem à obrigaçãotributária participando do pressuposto fático -legal descrito como capaz degerá-la e mais tarde por qualquer ato que implique em excesso de poderese em razão deste excesso a obrigação reste insolvável ou de difícilsolvabilidade, é que aquela obrigação se transfere ao terceiro que agiu comexcesso de poderes, tornando este responsável pela obrigação alheia emvirtude do fenômeno jurídico-tributário, que se chama responsabilidade deterceiro por transferência. 283

Para finalizar, Renato Lopes Becho, dispõe: “Excesso de poderes para quem

age além do que lhe seria dado fazer. Exemplo: um representante legal comercial

que contrata a venda de um produto em quantidade além de sua cota.” 284 Um

exemplo específico seria o sócio que responde pelos destinos da empresa e faz

282 Apud, Responsabilidade tributária do administrador por dívidas da empresa, p 77.283 Op.cit., p. 84-85.284Sujeição passiva e responsabilidade tributária, p. 180.

133

investimentos além do permitido pelo contrato ou convencionado com os demais

sócios, utilizando todos os recursos financeiros e impedindo o recolhimento de

tributos.

4.3.2.2 Infração de lei

A segunda forma de atuação do sócio que exerça a gerência, administração ou

representação da empresa, consoante prescreve o artigo 135 do Código Tributário

Nacional é a infração de lei. Significa que a sua atuação é resultante de infração de

lei, gerando o não recolhimento do tributo pela empresa, ou melhor dizendo,

obrigações tributárias inadimplidas, por atuação em desconformidade com a lei. A

sua conduta pode gerar o débito tributário para empresa, o qual, por ser uma conduta

contrária à lei, lhe transfere a obrigação. A primeira questão que se apresenta é a

referente a qual atuação gera contrariedade à lei. A segunda é qual lei, ou ainda, se é

qualquer lei.

A resposta da primeira indagação poderia ser simples: qualquer conduta.

Entretanto, assim, não nos parece. A infração de lei, para o caso em tela, deve gerar

duas situações, para ser causa de responsabilização tributária do sócio. A primeira

deve ser uma atuação contrária à lei e que em razão dela, faça nascer a obrigação

tributária para a empresa. A segunda deve ser uma atuação, onde a responsabilidade

já existente – com nascimento regular – deixe de ser adimplida pela atuação contrária

à lei, sendo motivo da transferência.

A indagação referente “a qual lei ou se a qualquer lei” tem posicionamentos

diversos, inclusive, na jurisprudência dos Tribunais Superiores. Quanto a ser qualquer

lei, Renato Lopes Becho, afirma: “ Queremos crer que não. É infração à legis lação

societária, na mesma linha dos outros elementos do artigo. Um caso sempre

lembrado de infração de lei é o da dissolução irregular da sociedade, ou o

funcionamento de sociedade de fato (não registrada nos órgãos competentes). ”285

Divergindo dessa posição, Gelson Amaro afirma:

285 Idem.

134

O artigo 135, do CTN, refere-se à infração de lei; isto é, de qualquer lei,pois, como se disse a infração à lei tributária faz nascer a obrigaçãotributária e esse dispositivo é muito mais compreensivo, pois antes de falarda obrigação tributária, fala em ‘créditos correspondentes’ a esta. Aobrigação tributária surge com o fato gerador da obrigação (art. 114) edepois do lançamento (art. 142), pois, se tivesse de ser concomitante coma obrigação tributária, não se poderia falar j á em créditos, que pressupõe aexistência do lançamento e não pode haver lançamento antes daobrigação.286

As posições citadas, pelos dois últimos autores acima, representam as

correntes doutrinárias em torno do problema: qualquer lei ou não. Parece -nos, que o

artigo 135 do Código Tributário Nacional traria uma incoerência de tratar de outra

norma que não a tributária, dentro de uma sistematização de normas tributárias, sem

fazer qualquer referência a isso.

Tratar de outra lei, que não a tributária, sem fazer qualquer referência a isso,

parece levar a uma interpretação equivocada. É restringir, o que o legislador não

restringiu. Assim, também a infração à legislação tributária deve ser considerada,

compondo o artigo em foco.

No caso de sonegação, por exemplo, existe infração de lei penal tributária, que

não é a lei societária, e enseja a responsabilização do sócio gerente.

Adoção do entendimento de ser somente a infração à lei societária tem um

motivo: não considerar a inadimplência como infração de lei, a lei tributária, a qual

determina o recolhimento do tributo. Mas, não é somente a lei tributária que

determina o recolhimento do tributo. Também a Constituição Federal de 1988 assim

o preconiza. O não recolhimento do tributo não é mera infração de le i tributária,

prejudicando o fisco, mas, a sociedade da qual é representante, impedindo a

realização de obrigações básicas que a toda coletividade importa.

Não nos convence a alegação de que a se considerar a infração de lei tributária

como possibilidade de responsabilização do sócio administrador, acabaria com a

personalidade da pessoa jurídica e sua autonomia, já que em qualquer caso, com o

não pagamento de um título de crédito, ensejaria a responsabilização pessoal.

Explicamos. Primeiramente, enten demos que se trata de exceção à autonomia

da empresa e do seu patrimônio em relação ao sócio que a administra. Essa exceção

deve-se à espécie de infração considerada pelo legislador, que não prejudica somente

o fisco, mas a coletividade. Portanto, trata -se de uma infração grave, que

286 Op. cit. p., 87.

135

impossibilita a arrecadação para todos definida, por meio da lei elaborada por seus

representantes legais, atendendo à legalidade, para o Estado fazer frente à saúde,

remédios, educação, creches, segurança, entre outras despesas públicas.

Em segundo lugar, não consideramos que qualquer inadimplência gere a

responsabilização do sócio. Somente quando o sócio gerente, diretor ou representante

legal, agir com dolo, não específico, mas, com a finalidade de não pagar o tributo,

para gerar mais lucro, fraude, sonegação, é que estaria presente a possibilidade de sua

responsabilização tributária. Para o caso, sua atuação tem a intenção de prejudicar a

empresa ou o fisco, com o pleno conhecimento da conseqüência, sem motivação

justificada, como o estado de necessidade. Não deixa de haver uma temperança em

nosso posicionamento, que utiliza dois aspectos como relevantes para essa conclusão.

O primeiro é de que a inadimplência tributária é uma exceção, para a autonomia da

empresa e de seu patrimônio em relação à pessoa do sócio e de seu patrimônio,

ensejando a responsabilização, posta pela lei tributária, em seção referente à

responsabilidade de terceiros, dentro do capítulo da responsabilidade tributária, pela

motivação que apontamos. A segu nda, refere-se ao sujeito passivo indireto, nesse

caso, aquele que tem poderes para decidir os destinos da empresa, estando a seu

cargo, como tomador de decisões, recolher ou não os tributos. Para essa hipótese,

somente quando esse sócio, de forma dolosa – não por esquecer, por falta de saldo

naquele momento, por necessidade significativa, como o pagamento de salários,

pagamento de matéria prima primordial, ou despesa emergencial – mas sim, por não

querer recolher o tributo conscientemente, quer para aument ar seu lucro pessoal,

vencer ou desbancar a concorrência que paga o tributo normalmente, fraude ou

sonegação fiscal, é que se poderia, pela inadimplência, responsabilizar

tributariamente o sócio, com os atributos de comando, pelos tributos da empresa.

A inadimplência, nesses moldes, pode ser logo motivo para a empresa tentar

eximir-se, pela atuação do sócio, contrário à lei. Para o fisco, além da inadimplência,

exige-se que a empresa não possua patrimônio suficiente a saldar seu débito

tributário.

No sentido de admitir-se a inadimplência como motivo de responsabilização,

veja-se julgado do Superior Tribunal de Justiça, trazido por Luiz Felipe Difini:

136

No sistema jurídico-tributário vigente, o sócio gerente é responsável – porsubstituição – pelas obrigações tributárias resultantes de atos praticadoscom infração à lei ou cláusulas do contrato social (CTN, art. 135).Obrigação essencial, a todo administrador é a observância do pagamentodos tributos, no prazo consignado na legislação pertinente. Em secuidando, no caso de, de débito relativo a ICMS, é de presumir que osgerentes da empresa, embora tenham recebido dos consumidores finaisesse imposto, nas operações realizadas, retardaram o recolhimento aoscofres da fazenda, com evidente infração à lei, por quanto a sonegação dotributo constitui crime tipificado em legislação específica. [...]” 287

O julgado acima reflete o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça até

pouco tempo atrás,288 que era acompanhado pelos Tribunais Regionais Federais. 289

Atualmente, pela revisão de posicionamento ou a nova composição do Superior

Tribunal de Justiça, seu entendimento, ainda que, por maioria, é no sentido de que a

inadimplência não é causa de responsabilização do sócio, com os atributos de

comando, pelos tributos da empresa, pela infração de lei. Não se pode dizer que é o

entendimento definitivo ou pacífico, porque entendimentos e composições mudam.

Os Tribunais Regionais Federais, quanto à inadimplência como causa de infração à

lei, não estão seguindo de forma absol uta as decisões do STJ, até porque o

posicionamento do STJ deu-se por maioria, em que pese o TRF da 4ª Região ter

firmado posicionamento pela negativa da inadimplência, como causa de infração de

lei.290

Por infração de lei, no entanto, todos os Tribunais S uperiores têm aceitado a

dissolução irregular da sociedade, como causa de infração de lei, justificando a

responsabilização do sócio quando não houver os recolhimentos tributários. Essa

posição é pacífica no Superior Tribunal de Justiça, irradiando -se para os demais

Tribunais, como órgão maior, encarregado das matérias de cunho não constitucional.

Na dissolução irregular da sociedade há presunção da prática de atos em

infração de lei, ocasionando a insolvência da empresa. Corroborando o afirmado,

287 Manual ..., op. cit., p. 217. STJ, 1ª Turma, Resp 950068408/RS, rel. Min. Demócrito Reinaldo,unânime, DJU de 24-6-1996, p. 22736.288 Nesse sentido o Resp 33.731-1/MG, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 06.02.1995, DJU, 06.03.1995,p. 4318 e o REsp 1.674-0/GO, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 16.10.1995, DJU, 06.11.1995.289 Vejam-se os seguintes julgados: TRF 1ª Região, Ap. 13749 -93/MG., Rel. Juiz Cândido Ribeiro,

DJU 19.11.1997, p. 111.547; TRF 4ª Região, Ap. 27564 -96/RS, Rel. Juiz Vladimir Passos deFreitas, DJU¸ 08.10.1997, p. 83.279.

290 Neste sentido, de entender a inadimpl ência como infração à lei, veja -se decisão do TRF 2ª Região,AgIn. 27214, Rel. Juiz Raldênio Costa, DJU, 29.03.2001, p. 520.; TRF da 3ª Região Ap. 65237,Rel. Juiz Ferreira da Rocha, DJU, 28.03.2001, p. 583.; TRF 4ª Região, AgIn., 64359. Rel. JuízaTerezinha Cazerta, DJU, 02.08.2002, p. 757.

137

Hugo de Brito Machado diz que “Há, nesses casos, uma presunção de que tais

pessoas se apropriaram dos bens pertencentes à sociedade .”291

A empresa para encerrar suas atividades deve apresentar ao órgão de registro

de seus estatutos ou do contrato social, o termo de dissolução, chamado de “distrato

social”. Para isso, encerrar as atividades da empresa e a própria vida dela, além da

quitação dos haveres dos sócios ou acionistas, deve apresentar certidões de quitação

de dívidas, dentre elas, as tributárias. Por haver débitos tributários não saldados, os

sócios controladores, resolvem dividir os bens da empresa e ou vender o fundo de

comércio, pagando alguns de seus credores, mas não saldando os débitos

preferenciais da Fazenda Pública, e “fechando as portas”, não send o mais encontrada

a empresa ou seus sócios. Em alguns casos, podem ser responsabilizados também os

demais sócios que colaborarem com a dissolução irregular – como nas sociedades de

pessoas ou por receberem bens. 292

Eis o motivo pelo qual os Tribunais enten dem que a dissolução irregular é

causa presumida de infração de lei.

4.3.2.3 Infração do contrato social ou dos estatutos

As empresas não se constituem verbalmente. Para nascer devem, além da

vontade de pessoas físicas e condições materia is, ser inscritas em órgãos próprios,

como as juntas comerciais, registros de pessoas jurídicas, registros de comércio,

Comissão de Valores Mobiliários, etc. Pressupõem um registro com publicidade. O

novo Código Civil em seu artigo 967, chama de Registro P ublico de Empresas

Mercantis. A constituição da empresa para propiciar o registro dá -se por um contrato

social ou um estatuto, devidamente registrado em instituição competente para tal

feito. O conteúdo desse contrato social, segundo o dispositivo que trat a do mesmo, no

Novo Código Civil, em seu art. 997, refere -se a cláusulas referentes ao nome,

nacionalidade, estado civil, entre outras informações dos sócios e faz menção à

denominação, objeto, sede e prazo da sociedade, e muitas outras informações

relevantes.

291 Curso..., op. cit., p. 169.292 Nesse sentido, DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual..., op. cit., p. 219.

138

Como a diferença entre estatuto e contrato social ocorre, principalmente,

quanto ao tipo de empresa e a sua forma de registro, sendo no tocante as obrigações e

disposições semelhantes, trataremos ambos conjuntamente.

Nos artigos 1.010 a 1.021, o novo Código Civil, estabelece regras gerais para

a administração da empresa, quanto ao contrato e aos atos dos administradores. Outra

disposição vem da lei das sociedades anônimas, a Lei n.º 6.404/76, que dispõe em seu

art. 154: “O administrador deve exerce r as atribuições que a lei e o estatuto lhe

conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências

do bem público e da função social da empresa ”.

As regras mencionadas nas cláusulas contratuais devem ser seguidas fi elmente

pelos sócios. Tais cláusulas são consideradas fundamentais, sendo que o contrato

social deve conter, ainda, por medida de cautela, todas as cláusulas que se fizerem

necessárias para a fixação com precisão, dos direitos e obrigações dos sócios entr e si

e para com terceiros. As obrigações são recíprocas, tornando -se comum para todos os

sócios.

Criado o contrato, com seus pré -requisitos legais destacados acima, posto a

registro na Junta Comercial, então, a personalização da sociedade efet iva-se,

possuindo, a partir de então, personalidade própria – de pessoa jurídica – com

patrimônio próprio. Desse modo, sendo autônoma, desvincula -se da pessoa física dos

respectivos sócios.

A responsabilidade do sócio gerente, diretor ou representante de pessoas

jurídica, como dispõe o artigo 135 do Código Tributário Nacional, deve -se pelo ato

que infringe os estatutos ou o contrato social. O contrato social, para ser criado, deve

obedecer a regras específicas impostas pela lei civil ou comercial. Quanto às demais

estipulações, o contrato é livre, desde que não infrinja disposições gerais impostas

pela lei, como, por exemplo, ser o objeto lícito ou não haver disposição sobre bem

indisponível.

Quando o sócio age com infração do contrato, atua contra a em presa e a

Fazenda Pública. Todavia, na criação da responsabilidade para empresa, ou seja,

quando sua atuação faz nascer uma obrigação tributária onerosa para a empresa, que

lhe leve ao prejuízo ou à insolvência, o sócio atua contra a empresa, por desobedec er

as suas normas internas, mas não obriga ao fisco pedir a responsabilização indireta do

sócio, podendo a empresa alegar em juízo e assim obrigá -lo. Entretanto, quando a

139

atitude do sócio é em infração ao contrato ou estatuto, anterior ou posterior a criaç ão

da obrigação tributária, mas, levando ao não pagamento por insolvência da empresa,

pode, a Fazenda Pública, propugnar pela responsabilização tributária por

transferência do sócio-gerente, diretor ou representante da empresa. 293

Ressalte-se que a atuação com excesso de mandato, infração de lei, contrato

social ou estatutos não é presumida, com a exceção da dissolução irregular da

empresa como acima exposto. Dessa forma, é preciso demonstrar pelo interessado –

empresa ou Fazenda Pública – que o sócio agiu nesses termos. A prova é matéria

processual, de maneira que apontá -la, sua forma, meio, indícios, presunções,

inversão, não cabem nesta seara.

4.3.3 Empresa individual

A expressão empresa individual, em rigor, é errônea. 294 Isso porque não se

considera empresa, um ente que se confunde com seu único sócio. Há exemplo de

único sócio válido, como na sociedade anônima em que o acionista é uma empresa.

Por óbvio não é uma só pessoa física. Também, quando a sociedade por quotas de

responsabilidade limitada fica com um único sócio, por morte ou saída voluntária, ou

não, de um dos sócios. Tal situação é momentânea, devendo haver a recomposição ou

dissolução. Como se vê, a empresa individual não é da natureza da empresa, que

presume o ajuntamento de pessoas ou de capital para a criação de um ente, com

finalidade própria e personalidade distinta.

Mas, a expressão ficou conhecida como firma individual, em que a firma é a

antiga denominação para empresa, muito pronunciada, ainda, nos dias de hoje, no

meio comercial ou trabalhista.

Na verdade, a expressão deve-se ao comerciante individual. Para comerciar

ele precisa de um nome, nesse caso, firma. Fabio Ulhoa Coelho esclarece que “ O

293 Ante a indisponibilidade da coisa pública, e a obrigação imposta ao fisco e aos seus agentes, nãosó pode como deve pedir a responsabilização do sócio, visando a recuperação do crédito tributário.

294 Exceção, por equiparação legal às pessoas jurídicas, o IR, pois perante ele a legislação torna aempresa individual existente. Ainda assim, por mera ficção. O Decreto -Lei 1.706/79, artigo 2º; aLei n.º 4.506/64, artigo 41, § 1º; e o RIR/99, artigo 150, I, assim dispõem.

140

comerciante individual só está autorizado a adotar firma, baseado, naturalmen te, em

seu nome civil.”295

Ele, o comerciante individual, não é empresa, não é pessoa jurídica, é uma

pessoa física, comerciante, hoje empresário. Nesse sentido o artigo 966, parágrafo

único do novo Código Civil.

Porém, para o fisco, há uma equiparação de tratamento quanto ao seu

cadastro. A Receita Federal ao cadastrar em seus registros e disponibilizar um

número ao empresário individual, concede -lhe um tratamento de pessoa jurídica

como se sociedade, empresa, fosse. É uma ficção. Assim, possui CNPJ – cadastro

nacional de pessoa jurídica, não sendo uma empresa, mas com ela equiparada para a

finalidade de atuar e possibilitar distinção da pessoa física, em especial pelo nome.

Por tudo isso, não há que se falar em responsabilização do sócio dessa

empresa quando atuar em infração de lei, contrato social ou estatuto, por um simples

motivo: seu patrimônio confunde -se com o da firma individual, em face da não

distinção das personalidades jurídicas. Com isso, o mero não pagamento de tributo

enseja a cobrança mediante alienação de bens registrados no CPF – cadastro de

pessoa física ou no CNPJ – cadastro nacional de pessoa jurídica.

A indicação é de menor importância teórica ou jurídica, mas, de significativa

importância prática, justificando sua distinção p ara o trabalho, e evitando-se

equívocos.

295 Manual de Direito Comercial, p. 64.

141

CAPÍTULO 5

BENEFÍCIO DE ORDEM

5.1 A Solidariedade tributária

Para falar de solidariedade, podemos começar por um conceito do instituto.

Como conceito geral de solidariedade, utilizemo -nos do conceito de Hugo de Brito

Machado, para quem: “Segundo o Código Civil, solidariedade é a ocorrência de mais

de um credor, ou mais de um devedor, na mesma relação obrigacional, cada qual

com direito ou obrigado à dívida toda (art. 264). ”296 Paulo de Barros Carvalho, em

um conceito de solidariedade tributária, afirma:

No direito tributário, o instituto da solidariedade é um expediente jurídicoeficaz para atender à comodidade administrativa do Estado, na procura dasatisfação dos seus direitos. Sempre que haja mais de um devedor, namesma relação jurídica, cada um obrigado ao pagamento da dívidaintegral, dizemos existir solidariedade passiva, na traça do que preceitua oart. 896 do Código Civil brasileiro. 297

No novo Código Civil brasileiro, a solidariedade está posta no artigo 264, com

a seguinte redação: “Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais

de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida

toda.”

O Código Tributário Nacional explicita as situações de solidarie dade no seu

artigo 124, com seguinte enunciado: “São solidariamente obrigadas: I – as pessoas

que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação

principal; II – as pessoas expressamente designadas em lei.”

No instituto da solidariedade, o pólo passivo da obrigação tributária possui

mais de uma pessoa – física ou jurídica –, todas vinculadas à mesma prestação pelo

mesmo vínculo jurídico, e o sujeito ativo – fisco – pode exigir o quantum de cada

uma delas. Um dos exemplos sempr e citados pela doutrina, referente à solidariedade,

é o caso de propriedade em condomínio indivisível, onde várias pessoas são co -

proprietárias de um mesmo imóvel, sendo obrigadas, cada qual, a pagar o mesmo

296 Curso de Direito Tributário, p. 154.297 Curso de Direito Tributário, p. 310.

142

imposto – ITR, se rural, ou IPTU, se urbano, com o se fosse o débito exclusivamente

seu.

No dizer de Gilberto Etchaluz Villela:

A solidariedade tributária está prevista, principalmente, nos artigos 124 e125 do Código Tributário Nacional, mas com reflexos em vários outroscomandos, no próprio Código, e em legislação ordinária esparsa.[...].Ainda que não haja norma expressa pela instalação da solidariedade ediversas pessoas se obriguem em comum ao pagamento de uma prestaçãoque normalmente seria divisível, em caso de dúvida, serão elasconsideradas como devedoras solidárias. É idéia que resulta doentendimento do art. 124, I, do CTN, e que, naturalmente, parte danecessidade de se dar maior segurança à arrecadação, sabidamente de altafinalidade social e porque, também, na prática, é a situação que mel horatenderá a tutela do crédito público. 298

Primeiramente, em relação à solidariedade, o Código Tributário estabelece

dois tipos. Sacha Calmon Navarro Coêlho os descreve:

O inciso I noticia a solidariedade natural. É o caso de dois irmãos que sãoco-proprietários pro indiviso de um trato de terra. Todos são,naturalmente, co-devedores solidários do imposto territorial rural (ITR). Oinciso II diz respeito à solidariedade legal, instituída por lei, muita vezimplicando pessoa que não realizou o fato ger ador da obrigação. Oobjetivo é garantir o pagamento do tributo, unindo, pela solidariedadelegalmente imposta, diversas pessoas. 299

Preferimos denominá-las de solidariedade legal presumida para o artigo 124,

I, e solidariedade legal expressa para o art igo 124, II. A nomenclatura utilizada por

Sacha Calmon, acima, de “natural”, ainda que referente ao “interesse comum”, parece

faltar ou afastar a idéia de lei, o que não acontece, já que a solidariedade sempre

decorre de lei.

O primeiro tipo de solidariedade, a legal presumida, em que o interesse dos

interessados é comum na situação que constitua o “fato gerador”, enseja, segundo

alguns, a responsabilização também do sócio, inclusive aquele que não exerce a

gerência, direção ou representação da empresa. 300 Não comungamos com essa idéia.

Para fazer parte do pólo passivo da obrigação deve haver previsão expressa em lei. O

sócio tem interesse na situação que constitua o “fato gerador” da obrigação principal,

298 A responsabilidade tributária, p. 50-51.299 Curso de Direito Tributário brasileiro, p. 594.300 Nesse sentido Gilberto Etchaluz Villela. Op. cit., p. 53; em sentido contrário, Paulo de Barros

Carvalho. Op. cit., p. 310-312.

143

porque o comerciar lhe interessa, especialmente pela geração de lucros. Entretanto,

seu interesse é secundário, não é comum. A independência patrimonial e da

personalidade, geram a riqueza ou o interesse para a empresa, tão -somente. De forma

indireta, os que a compõem têm interesse. Assim, sem previsão lega l de

responsabilização, ou de quebra da personalidade jurídica e patrimonial da empresa,

como prevista na responsabilização por transferência, não vislumbramos como seja

possível colocar diretamente no pólo passivo, o simples sócio da empresa.

O segundo tipo, a solidariedade legal expressa, depende da designação

expressa em lei, das pessoas que irão compor o pólo passivo, como a prevista no

anteriormente citado Decreto-Lei 1.736/79, artigo 8º, que determina a solidariedade

para os acionistas controladores, os diretores, gerentes e representantes das empresas

privadas, pelo não recolhimento do IPI e do IR descontado na fonte.

O artigo 125 trata dos efeitos da solidariedade, com o seguinte dizer:

Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seg uintes os efeitosda solidariedade:I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo seoutorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, asolidariedade quanto aos demais pelo saldo;III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados,favorece ou prejudica aos demais.

O caput do artigo 125 traz uma ressalva: “ salvo disposição de lei em

contrário”. Para Dalton Dallazem “A ressalva estabelecida no caput é bem acolhida

em homenagem ao princípio federativo e da autonomia dos municípios, respeitando a

liberdade de cada ente tributante na regulamentação da matéria. ”301 Sacha Calmon

tem pensamento oposto quando diz “ Um dos defeitos do CTN é o de sempre utilizar a

ressalva da lei ordinária. Aqui, no art. 125, diz -se: salvo disposição em contrário,

fixada em lei federal, estadual ou municipal. No fundo o CTN é lex legum ou lei

sobre como fazer leis, e essas ressalvas são impertinentes. ”302 Concordamos com

Dalton Dallazem em seus motivos, não se podendo concordar com Sacha Calmon, até

porque, cabe ao Código Tributário Nacional regular a elaboração de leis tributárias,

como norma geral, além de respeitar a competência tributária e possibilitar ao

301 Cisão e responsabilidade tributária, p. 107.302 Op. cit., p. 595.

144

legislador criar e inovar o direito tributário, afastando -o de sistema completamente

fechado, já que substancialmente já o é.

O primeiro efeito da solidariedade, segundo o inciso I, do artigo 125, é: a) o

pagamento de um a todos aproveita. Esse aproveitamento refere-se à obrigação

tributária que se extingue, ou seja, libera -os dessa obrigação. Todavia, o co -devedor

que pagou, passa a ter direito de regresso, contra os demais, decorrente de uma

relação de Direito Civil – Direito Privado - e não tributária. Esse direito de regresso

não pressupõe solidariedade, por falta de previsão legal, devendo cobrar de cada um

dos anteriormente co-obrigados uma quota parte, abatendo -se, por óbvio, a sua; b) a

isenção – impedimento da ocorrência do fato que corresponde à hipót ese de

incidência – ou remissão – perdão da dívida – deve ser usufruída por todos,

exonerando-os da obrigação, a não ser que seja concedida em caráter personalíssimo,

podendo, então, a Fazenda Pública cobrar dos demais co -obrigados a diferença da

parcela isenta ou remida; c) a prescrição, quando interrompida, a todos aproveita – a

exemplo a repetição do indébito tributário – ou a todos prejudica – a exemplo da

citação da empresa, sujeito passivo direto, interrompe a prescrição em relação ao

sócio, sujeito passivo indireto por transferência.

Ressalte-se, por fim, que a solidariedade não comporta o “benefício de

ordem”. Preceitua o artigo 124, parágrafo único sua impossibilidade nos termos

seguintes: “A solidariedade referida neste artigo não comporta benefí cio de ordem.”

O benefício de ordem, como leciona Hugo de Brito Machado “É o direito à

observância de uma ordem ou seqüência preestabelecida para a execução,

operando-se esta primeiramente contra um, e só depois contra o outro .”303 Na

prática, quando citado em uma execução, para pagar ou nomear bens à penhora, pode

o devedor secundário, em face do benefício de ordem, indicar os bens do devedor

principal, para a penhora, e somente depois de excutidos estes, é que os seus bens

serão penhorados. A solidariedade, considerando não existir devedores principais e

secundários, por si só, não admite o benefício de ordem. O executado co -obrigado

citado, através de livre escolha do credor, deve arcar com a obrigação, e somente

depois, em direito de regresso, voltar -se contra os demais. Na solidariedade tributária,

a lei reforçou essa assertiva.

303 Op. cit., p. 155.

145

Estabelecidas as características da solidariedade, juntamente com seus

requisitos e efeitos, é necessário ver a subsidiariedade, para possibilitar a delimitação

da situação da empresa e do sócio por ocasião da responsabilização por transferência.

5.2 A Subsidiariedade tributária

A subsidiariedade tributária, ao revés da solidariedade, não permite à Fazenda

Pública a escolha do co-obrigado para cumprir a obrigação. Isso porque na obrigação

subsidiária o devedor somente é colocado no pólo passivo, depois de malogrado o

recebimento do crédito do devedor, dito principal.

Gilberto Etchaluz Villela conceitua -a nos termos seguintes:

Nas obrigações subsidiárias, o pólo pas sivo estará preenchido, não só pelosujeito passivo principal, mas, também, por uma ou mais pessoas, físicasou jurídicas, que a lei expressamente designa para a posição deresponsabilidade auxiliar, supletiva, ou ‘de reforço’, produtoras que sejam,ou não, do fato gerador, mas que tiveram algum vínculo com o referidofato (como é do art. 128).304

A subsidiariedade também decorre de lei, e não se presume.

Como norma geral instituidora, o artigo 128 assim a prevê: “Sem prejuízo do

disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade

pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva

obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo -a a este em

caráter supletivo do cumprimento t otal ou parcial da referida obrigação.”

Como se vê o referido artigo trata de responsabilização pessoal e excludente

na primeira parte e de responsabilização subsidiária ou supletiva na segunda parte.

A responsabilidade do terceiro ou do sócio é medida sempre excepcional, não

havendo interesse da Fazenda Pública em responsabilizar essas pessoas em havendo

bens da empresa. Também deve ser ressalvada a autonomia patrimonial, onde o sócio,

para ser responsabilizado pessoalmente e obrigado ao cumprimento da obrigação

tributária por transferência, deve ser esgotado o patrimônio da empresa. Essa nossa

conclusão, igualmente é a de Zenildo Bodnar, quando afirma “Sendo possível a

satisfação dos interesses da Fazenda Pública diretamente com os bens da pessoa

304 Op. cit., p. 61.

146

jurídica, não há razões para se invocar a responsabilidade do sócio -gerente ou

administrador, ainda que este tenha praticado ato abusivo .”305

Para esses casos de responsabilidade subsidiária ou supletiva, na prática,

somente após o esgotamento dos bens da empre sa é que haverá um intento de

redirecionamento contra os sócios, pela Fazenda Pública. Primeiro, porque a relação

que se tem é entre o Fisco e o destinatário constitucional – a empresa – e somente

essa é conhecida pela Administração que não sabe ou desconh ece situações que

ensejem a responsabilização do sócio. Como exceção, citem -se os casos de

responsabilidade solidária decorrente de lei, como a solidariedade para o não

pagamento de IR retido na fonte e os casos de autuação fiscal pela Secretária da

Receita Federal, onde restem demonstrados, já no processo administrativo fiscal, os

atos em infração de lei, contrato social ou estatutos.

Em segundo lugar, acaso a empresa tenha bens, não existe motivação para

buscar a responsabilização de um sócio infrator, se a própria empresa assim não

procedeu. Entretanto, a prática pode revelar somente situações esdrúxulas que se

perpetuam, em que pese a motivação ser jurídica para esse caso.

Quanto ao benefício de ordem, ele é possível. Como a responsabilidade

subsidiária é supletiva, ou seja, para os casos em que os bens do destinatário legal não

forem suficientes para a garantia e quitação da obrigação tributária, temos que o

benefício de ordem é possível, pois, pode o sócio, conhecedor do patrimônio da

empresa, indicá-lo para que satisfaça a credora Fazenda Pública, que ante a previsão

legal deve concordar com a indicação dos bens da empresa.

Ainda resta saber, especificamente, sobre a subsidiariedade ou solidariedade,

ou ainda, responsabilização pessoal excludent e, nos artigos 134 e 135 do Código

Tributário Nacional, os quais serão examinados, a seguir, ao tratarmos da situação da

empresa e do sócio no pós-responsabilização.

305 Responsabilidade tributária do sócio -administrador, p. 115.

147

5.3 A situação jurídica da empresa e do sócio no pós -responsabilização

Este item tem por escopo, como situação jurídica final da responsabilização

tributária por transferência, o estabelecimento da condição relegada para a empresa –

sujeito passivo direto – e para o sócio – sujeito passivo indireto – no pós-

responsabilização, ou seja, estabelecer os casos específicos de solidariedade,

subsidiariedade e responsabilização pessoal do sócio, com eventual exclusão da

empresa do pólo passivo da relação tributária.

Comecemos nossa árdua empreitada pelas teses sobre a responsabilidade

tributária decorrente dos artigos 134 e 135, do Código Tributário Nacional, as quais

discorrem tratar-se de solidariedade ou subsidiariedade no artigo 134; e de

substituição tributária ou caso de solidariedade, no artigo 135.

5.3.1 A subsidiariedade ou sol idariedade do sócio prevista no artigo 134

A matéria aqui versada não traz maiores divergências na doutrina, tornando -se

tema tranqüilo.

O artigo 134 do Código Tributário Nacional traz a seguinte redação: “Nos

casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo

contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou

pelas omissões de que forem responsáveis: [...] VII – os sócios, no caso de liquidação

de sociedade de pessoas.”

O artigo apresenta a expressão “respondem solidariamente”, o que poderia

fazer supor que estaríamos diante da solidariedade. Entretanto, o artigo trata de

subsidiariedade e solidariedade.

Segundo Rodrigo Campos Zequim, traduzindo a opinião da melhor doutrina,

diz:

A primeira observação a ser feita sobre o artigo acima transcrito, refere -seà impropriedade do emprego do termo responsabilidade solidária emsituação que é nitidamente de responsabilidade subsidiária, ou seja, sóhaverá responsabilidade das pessoas arroladas nos i ncisos do art. 134 doCTN, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da

148

obrigação pelo contribuinte e desde que aquelas tenham intervindomediante a pratica de algum ato, seja comissivo ou omissivo. 306

A responsabilidade tributária do sócio é subsidiária à da empresa. Somente

quando não for possível o cumprimento da obrigação pela empresa e esta decorrer

dos atos em que o sócio intervier ou pelas omissões de que for responsável é que

poder-se-á falar em solidariedade entre a empresa e o sóci o. Tal pensamento é

seguido, entre outros, por Sacha Calmon Navarro Coelho, 307 Zenildo Bodnar308 e

Luciano Amaro.309

Como conseqüência, somente nos atos de intervenção ou quando deveria

intervir, e a empresa esteja insolvente é que estaria presente a solidarie dade, devendo

o sócio passar a integrar o pólo passivo da obrigação tributária. Nos demais casos, a

obrigação tributária será de responsabilidade da empresa, compondo unicamente o

pólo passivo da obrigação tributária, e somente vindo o sócio a integrá -la quando os

bens da empresa forem insuficientes. Como é da essência da subsidiariedade, o

benefício de ordem é possível, pois, acaso citado para compor o pólo passivo, e não

tendo atuado irregularmente, pode o sócio exigir a excussão dos bens da empresa.

A condição jurídica e as implicações resultantes da solidariedade ver -se-ão ao

final do próximo item.

5.3.2 A substituição tributária ou a solidariedade prevista para o sócio no

artigo 135

Para alguns doutrinadores, o fenômeno da responsabilidade tr ibutária,

especialmente do artigo 135, trata -se de responsabilização pessoal do sócio gerente,

administrador, ou representante legal, sendo então, caso de substituição, onde a

obrigação tributária surgiria desde logo para o responsável e não para o contrib uinte,

ou haveria a troca definitiva da empresa por seu sócio com poder de decisão sobre os

306 Responsabilidade do administrador por dívidas da empresa, p. 53-54.307 Op. cit., p. 626.308 Op. cit., p. 115-117.309 Direito Tributário brasileiro, p. 314.

149

destinos da empresa. Aderem esse posicionamento, entre outros, Luiz Emygdio Rosa

Junior,310 Célio Silva Costa311 e Sacha Calmon Navarro Coelho. 312

Por esclarecedora da posição, vejamos como Sacha Calmon a descreve:

Em suma, o art. 135 retira a ‘solidariedade’ e a ‘subsidiariedade’ do art. 134.Aqui a responsabilidade se transfere inteiramente para terceiros, liberandoos seus dependentes e representados. A responsabili dade passa a ser pessoal,plena e exclusiva desses terceiros. Isto ocorrerá quando eles procederemcom manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que representam, todavez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderesou com infração de lei, contrato social ou estatuto. O regime agravado deresponsabilidade tributária, previsto no artigo estende -se, é obvio,peremptoriamente, àquelas duas categorias de responsáveis previstas no roldos incisos II e III (mandatários, prepostos, empregados e os diretores,gerentes e representantes de pessoas jurídicas de Direito Privado). Odispositivo tem razão em ser rigoroso, já que ditos responsáveis terão agidosempre de má-fé, merecendo, por isso mesmo, o peso inteiro daresponsabilidade tributária decorrente de seus atos, desde que tirem proveitopessoal da infração, contra as pessoas jurídicas e em detrimento doFisco.(sic)313

As duas premissas em que se baseia tal posicionamento advêm do texto do

artigo 135, a primeira, que fala em “pessoal mente responsáveis” e a segunda, porque

a atitude dos sócios gerentes, administradores ou representantes da empresa seria com

excesso de poderes, ou em infração de lei, contrato social ou estatutos, “sempre de

má-fé”, como dito acima por Sacha Calmon, onde a empresa seria vítima. Os sócios

responsáveis teriam “tirado proveito da infração em detrimento do Fisco”.

A tese é interessante, bem posta e sustentável, especialmente pelas poderosas

vozes que a sustentam, mas com ela não podemos concordar.

Não nos parece que a expressão “pessoalmente responsáveis” do artigo 135

queira dizer que o sócio seja o único a ser colocado no pólo passivo da relação

tributária. Por outro lado, há que lembrar -se que o Fisco não é vítima, e sim sujeito

ativo da relação tributária. Como credor da obrigação tributária, o Fisco tem direito a

receber o tributo e seus eventuais consectários do devedor. Se a empresa é vítima de

seu gerente, diretor, ou representante legal, pelo ato praticado, não pode repassar seu

prejuízo ao Fisco, simplesmente. Ao Fisco cabe a responsabilização do sócio para

recuperação do crédito tributário, acaso não seja possível o recebimento da empresa,

310 Manual de Direito Financeiro & Tributário, p. 522-523.311 Teoria e prática do Direito Tributário, p. 50.312 Curso de Direito Tributário brasileiro, p. 627-628.313 Idem.

150

pela sua insolvência. Nossas primeiras conclusões precisam ser aclaradas, para

confirmar nossas impressões inici ais.

Um bom começo parece ser o enfrentamento da disposição legal

“pessoalmente responsáveis”. A locução fala que o sócio, para o nosso caso, será

responsabilizado pessoalmente, mas não diz que será o único, ou que a empresa será

excluída do pólo passivo da relação tributária. Em nossa companhia está Hugo de

Brito Machado, do qual transcrevemos as ponderações:

No 5º Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo,em outubro de 1980, prevaleceu, contra nosso voto, a tese de que o art.135 cuida de hipótese de substituição, e por isto a responsabilidade dequalquer das pessoas no mesmo referidas implica a exoneração da pessoajurídica. Parece-nos inteiramente inaceitável tal entendimento. A lei dizque são pessoalmente responsáveis , mas não diz que sejam os únicos. Aexclusão da responsabilidade, a nosso ver, teria de ser expressa.Com efeito, a responsabilidade do contribuinte decorre de sua condição desujeito passivo direto da relação obrigacional tributária. Independente dedisposição legal que expressamente a estabeleça. Assim, em se tratando deresponsabilidade inerente à própria condição de contribuinte, não érazoável admitir-se que desapareça sem lei que a diga expressamente.Isto, aliás, é o que se depreende do disposto no art. 128 d o CódigoTributário Nacional, segundo o qual ‘a lei pode atribuir de modo expressoa responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada aofato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade docontribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimentototal ou parcial da referida obrigação’. Pela mesma razão que se exigedispositivo legal expresso para a atribuição da responsabilidade a terceiro,também se há de exigir dispositivo legal expresso para excluir aresponsabilidade do contribuinte. 314

Por questão de coerência, ao elegermos em nosso trabalho o responsável como

sujeito passivo indireto e o substituto tributário como sujeito passivo direto, temos

que indicar que a obrigação nasce para a empresa e não para o sócio responsável.

Dessa maneira, para que a o sujeito passivo direto seja excluído do pólo passivo, deve

haver lei que expressamente o exclua. E isso não tem. E não tem porque essa não era

a intenção do legislador. Comungando de nosso entendime nto, Zenildo Bodnar

comprova isso, na seguinte passagem de sua obra:

Reforça essa conclusão a rejeição do anteprojeto do CTN [1953], daautoria de Rubens Gomes de Souza, conforme Tilbery, o qual estabelecia,no art., 163, a responsabilidade tributária de terceiro ‘com exclusão daresponsabilidade do sujeito passivo ’.

314 Op. cit., p. 169-170.

151

Caso o legislador tivesse a intenção de excluir a responsabilidade dapessoa jurídica, quando da responsabilização de terceiros, teria mantido aredação do anteprojeto, o que de fato, intenc ionalmente, não ocorreu. 315

A intenção do legislador – voluntas legislatoris - como sabemos, não se

sobrepõe à vontade da lei – voluntas legis. Entretanto, a vontade do legislador não se

sobrepõe quando o oposto estiver expressamente escrito. Quando não houver

expressamente descrito, a intenção do legislador é uma das formas coerentes de

interpretação, geralmente externada na exposição de motivos do projeto ou

anteprojeto de lei.

Em síntese, quando quis colocar o sócio que atuou irregularmente no pólo

passivo, o legislador o fez expressamente, chamando -o de “pessoalmente

responsável”. Se quisesse fazer o mesmo com o destinatário constitucional tributário,

excluindo-o do pólo passivo, teria também previsto expressamente. Já temos um

motivo forte para não excluir a empresa. Prossigamos.

Outro aspecto a ser relevado na exclusão da empresa da relação tributária,

refere-se à empresa ser vítima de seu sócio dirigente, o qual atuando de má -fé,

resultou na obrigação tributária para a mesma.

Essa relação não parece ser exclusivamente de Direito Tributário, pois, a

relação entre o sócio e a empresa poderia ser tratada em leis que regem e

regulamentam a sociedade. Portanto, a providência do artigo 135 do Código

Tributário Nacional serve para possibilitar a rec uperação de crédito tributário quando,

pela atuação do dirigente, for impossível a cobrança do tributo da empresa insolvente.

Apesar da responsabilidade do sócio dirigente, entendemos que a empresa

deve permanecer no pólo passivo como co -obrigada, por solidariedade. Vejamos o

motivo.

O princípio da pessoalidade impede a punição por fato alheio, vale dizer, só o

autor da infração pode ser punido. Diante disso, é preciso saber quem é o autor do

fato, para ser sujeito passivo da relação tributária. Em rela ção ao Fisco existe um fato

ilícito ou lícito? Quando vimos a natureza jurídica do tributo, pudemos solucionar

esse problema inicial, pois verificamos que o tributo não decorre de sanção de ato

ilícito. Se a Fazenda Pública busca o cumprimento da obrigação tributária e o

315 Op. cit., p. 111.

152

recebimento do tributo o fato que gerou o tributo foi lícito. Com isso, e com clareza

solar, o autor do fato foi a empresa, ou seja, foi quem deu causa ao nascimento da

obrigação tributária. A relação jurídica tributária instalou -se entre a empresa e o

Fisco.

Para demonstrar que a empresa deve arcar com a atuação de seu sócio,

utilizemo-nos dos institutos da culpa in vigilando e da culpa in eligendo. Vejamos: a)

culpa in vigilando. Para Aguiar Dias, diversas teorias, dentre elas: da presu nção de

culpa, do risco, da garantia tácita, da representação, dos órgãos, do resultado e da

força maior, tentam explicar a responsabilidade por fato de outrem. 316 Mazeaud et

Mazeaud, citados por Aguiar Dias, e reconhecendo a dificuldade, recorrem ao

instituto da representação, quando uma pessoa representa outra, toma o seu lugar,

portanto, age não em nome próprio, mas, em nome de seu comitente ou patrão. 317 A

culpa in vigilando - pela não vigilância - refere-se a normal diligência que a empresa

deve ter com seus prepostos. Caso o ato danoso ocorra por culpa de seu preposto, a

sociedade deve ser a responsável, e não tendo patrimônio suficiente a

responsabilidade será também ampliada aos sócios; b) culpa in eligendo. A culpa in

eligendo se dá pela má escolha de s eu preposto, de seu representante. A

fundamentação para a responsabilização nesse caso é a mesma da letra anterior.

Assim, a pessoa jurídica responde pelos atos praticados pelos seus

funcionários, em face da culpa in eligendo e in vigilando, conseqüência do dever de

escolher corretamente o seu representante, bem como, vigiar continuamente os atos

por ele praticados.

No mesmo sentido, Gilberto Etchaluz Villela:

[...] pensamos que apenas cobrar os créditos tributários impagos de taladministrador é medida insuficiente que certamente muitas vezes vaiprejudicar o Fisco. Se o administrador de uma grande empresa determinaque não se pague ao Erário certo imposto vultoso, o mesmo que, maistarde, quando acionado no regime de sua responsabilização não tem com osaldar, então estará definitivamente prejudicado o Estado, e a empresa,excluída da responsabilidade tributária, a se locupletar com o tributoinadimplido.318

O locupletamento indevido da empresa, lembrado acima por Villela, também

parece ser um motivo forte para se estabelecer a solidariedade nos casos do artigo

316 DIAS, José de Aguiar. Op. cit., p. 179-181.317 Apud, DIAS, José de Aguiar. idem, p. 179.318 Op. cit., p. 118.

153

135. O valor do tributo não pago, juridicamente fica com a empresa, até pela forma

de tributação adotada pela Constituição Federal de 1988 para as empresas, onde a

geração de riqueza – produção, comercialização, serviços, renda – é que produz o

tributo.

Dessa forma, nossas impressões iniciais foram confirmadas, razão pela qual

podemos concluir pela solidariedade, com a permanência da empresa no pólo passivo

da obrigação tributária, juntamente com o sócio gerente, diretor, ou representante, que

agiu com excesso de poderes, ou em infração de lei, contrato social ou estatutos. Em

verdade, na execução fiscal, a Fazenda Pública somente pede o redirecionamento da

execução contra os sócios dirigentes quando a empresa não possui bens capazes de

saldar os tributos devidos.

Com a solidariedade, ambos os sujeitos passivos ficarão com débitos perante a

Fazenda Pública. Isso implicará a não emissão de CND - certidão negativa de débitos,

prevista no artigo 205 do Código Tributário Nacional; inclusão de ambos nos

cadastros de inadimplentes, como o CADIN – Cadastro informativo de créditos não

quitados do setor público federal, previsto na Lei n.º 10.522/02; a impossibilidade de

distribuição de lucros aos sóc ios; a impossibilidade de contratar com o ente público

credor, consoante a lei de licitações, Lei n.º 8.666/93; obter financiamentos ou

subvenções de instituições públicas, como o BNDE – Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico; impossibilidade de encer rar as atividades

regularmente, pela falta de certidão negativa de débitos; impossibilidade de receber

crédito – levantar precatório – contra a administração Pública, nos termos do artigo

19, da Lei n.º 11.033/04. Essas são as principais implicações da pós -

responsabilização para a empresa e para o sócio dirigente, enquanto não for garantido

o débito tributário por qualquer dos devedores solidários.

Para os casos do artigo 135 do Código Tributário Nacional, não há nenhuma

hipótese de benefício de ordem, já que não é caso de subsidiariedade e a solidariedade

não a prevê. Quanto à substituição, defendida por parte da doutrina como presente no

citado artigo, esta, se presente estivesse, também não admitiria o benefício de ordem.

154

CONCLUSÕES

Ao chegar no final do trabalho “A responsabilidade tributária dos sócios pelos

tributos da empresa”, e tendo realizado o presente estudo sobre o assunto, é possível

concluir que:

1. Para possibilitar a análise de um tema de Direito Tributário, especialmente o

tributo e a relação tributária, o estudioso deve fazê -lo sobre o prisma Constitucional.

Isso porque a Constituição Federal de 1988 estabeleceu regras que regem o sistema

tributário, além da própria inclusão do Sistema Tributário Nacional dentro da Carta

Magna, hipótese em que a atuação do legislador ordinário infraconstitucional torna -se

pequena, ou, melhor dizendo, pré -estabelecida, com parâmetros a nortear a “criação e

a modificação” de tributo e o “tratamento da relação tributária”.

2. Trilhar o estudo de um tema tributário, com a Constituição como base ou

sustentáculo exige, inicialmente, a visão dos princípios constitucionais pertinentes ao

problema. Sob essa óptica, e considerando como problema a responsabilidade

tributária indireta dos sócios pelo s tributos da empresa, conhecer os princípios da

legalidade, segurança jurídica, legalidade tributária estrita, anterioridade, igualdade e

capacidade contributiva, são indispensáveis, para balizar a atuação futura do

legislador e verificar a validade dos textos legais referentes ao assunto.

3. Tendo o objeto a ser delimitado primeiramente sob o enfoque da Constituição,

não se pode olvidar a necessidade da verificação das normas infraconstitucionais que

o regulam. Para isso é preciso haver uma distinção ent re os princípios e as normas, de

forma a estabelecer, didaticamente apenas, uma diferenciação sobre as duas nuances

– norma-princípio e norma-regra.

4. As normas jurídicas têm importância impar no mundo fenomênico. Elas são

um modo institucionalizado de di rigir comportamentos, especialmente por sua

coercitividade, podendo apresentar -se como norma-proposição, norma-prescrição e

norma-comunicação. A norma jurídica deve ter, em sua estrutura, a descrição de um

fato e conseqüências a ele imputadas. Assim, é com posta de um descritor, a hipótese

de incidência, e de um prescritor, a conseqüência. A incidência da norma tem efeito

importante, principalmente o de juridicizar o que era apenas fáctico.

5. A relação tributária, composta pelas partes, o sujeito ativo e pa ssivo, e pelo objeto,

o tributo, bem como as conseqüências daí decorrentes, é o cerne do Subsistema

155

Tributário Nacional. A relação tributária existe a partir da ocorrência do fato disposto

na hipótese de incidência tributária, e decorre de lei, com matriz constitucional, o

subsistema tributário nacional, dentro do sistema constitucional.

6. A obrigação tributária constitui uma relação jurídica, na qual o direito do credor se

contrapõe ao do devedor. O Código Tributário Nacional emprega a expressão

“obrigação tributária” dentro da concepção dualista da obrigação, a qual tem base no

Direito Privado. A estrutura da obrigação tributária, em relação ao sujeito passivo, é

composta de dois elementos: o débito e a responsabilidade, ou em outra classificação,

dever e vinculação. O dever cria o débito para o devedor e o crédito para o credor. A

vinculação cria a pretensão e a responsabilidade, para o credor e o devedor,

respectivamente.

7. A obrigação tributária, segundo o CTN, divide -se em principal e acessória. A

obrigação principal tem cunho de dar, entregar. A “obrigação acessória” tem cunho

de fazer ou suportar, sendo que o adjetivo “acessória” é mal empregada, devendo tê -

la como obrigação instrumental ou formal.

8. Considerando que a relação jurídica tributária d ecorre de imputação

normativa, a obrigação tributária tem como instrumento de nascimento a norma.

Dessa forma, a obrigação tributária nasce com a ocorrência de um fato descrito pela

norma: o fato jurídico tributário.

9. Com o fato jurídico tributário, nasc e a obrigação do sujeito passivo entregar

ao sujeito ativo o tributo. Essa obrigação nasce com o fato jurídico tributário, mas

somente é exigível e exeqüível com o lançamento. Assim, o lançamento, como ato

jurídico, tem o condão de declarar a ocorrência do “fato gerador”, constituir a

obrigação e tornar exigível o crédito tributário.

10. Na obrigação tributária, o sujeito ativo é quem tem capacidade tributária, por

deter a competência tributária ou por delegação da capacidade, de arrecadar e

administrar o tributo. O sujeito passivo tributário divide -se em sujeito passivo direto e

indireto. O sujeito passivo direto pode ser o destinatário constitucional tributário ou o

substituto legal tributário. O sujeito passivo indireto é o responsável tributário por

transferência.

11. Pela clássica divisão em responsável direto e indireto, o responsável direto

seria o destinatário constitucional tributário, que é determinado pela norma principal.

A responsabilidade indireta é composta pela substituição e pela transferênci a. A

156

norma acessória é que determina o terceiro em relação ao disposto pela norma

principal – o sujeito passivo excepcional –, dentro de uma relação obrigacional de

cunho tributário.

12. A norma tributária na substituição é excepcional, consistente em duas normas,

uma principal e outra secundária, quando sob determinadas situações fáticas, incide

modificando a pessoa que deve responder pelo dever e pelo débito. A norma dita

principal preceitua o destinatário constitucional tributário

13. A transferência é instituto de direito tributário relativo à sujeição passiva

indireta. O sujeito passivo indireto ou responsável é aquele que, mesmo não se

caracterizando como contribuinte, tem obrigação de pagar o tributo por efeito de

expressa disposição legal, juntamente com sua vinculação ao fato jurídico tributário.

14. A atividade empresarial, por gerar trabalho, riqueza, salários,

desenvolvimento, não interessa somente ao empresário e à empresa, mas, a toda a

sociedade. A sustentabilidade da atividade empresarial, com o função social e

atividade econômica, precisa ser compreendia e defendida. A responsabilização

tributária do sócio fortalece a empresa, na medida em que, não há utilização do manto

corporativo para infrações tributárias, a legislação tributária tende a se r respeitada, a

concorrência é preservada e torna -se mais justa, e a empresa, por fim, será fortalecida.

15. Dentre os limites objetivos da responsabilização do sócio pelos tributos da

empresa, temos que: a) o sócio nunca responde diretamente pelos débit os da empresa;

b) o sócio é responsável, nas espécies de sociedade mais comuns, na medida da

integralização de suas quotas ou ações. Com a integralização das mesmas, a

responsabilidade passa a ser limitada, ou seja, empresa e sócio têm personalidade

distinta; c) a responsabilidade tributária do sócio pelos tributos da empresa, a partir de

então, sempre decorrerá de lei; d) A lei que tratar da responsabilização do sócio

precisa observar os princípios constitucionais, especialmente: a legalidade de forma

ampla, a igualdade, e a capacidade contributiva. Também deve observar as normas

jurídicas, para ser válida e legal; A lei deve dispor sobre a responsabilidade na sua

conseqüência, quer de forma principal – na norma principal – ou de forma secundária

– na norma secundária ou auxiliar.

16. Como limite subjetivo da responsabilização é preciso que o sócio tenha a

possibilidade de ligar sua conduta ao previsto em lei. Dessa forma, o sócio que exerce

os atos gerenciais pode ser responsabilizado por sua atuação positi va ou por omissão.

157

O sócio sem poder de decisão poderá ser responsabilizado em poucos casos, e nunca

na forma omissiva, por lhe faltar obrigação de agir. A imputação da responsabilidade

ao sócio é subjetiva. Admite-se a forma dolosa e culposa para a respon sabilidade

decorrente do artigo 134, e somente a forma dolosa para os casos do artigo 135,

ambos do Código Tributário Nacional.

17. Como limite à responsabilização do sócio, a inadimplência é condição inicial

para que o Fisco busque a responsabilização. A inadimplência não é condição para a

empresa buscar a responsabilização do sócio. A responsabilização poderá ocorrer

quando houver atuação do sócio com excesso de poder, ou em infração de lei,

contrato social ou estatutos da empresa, que gere para a empre sa a obrigação

tributária.

18. Na “empresa individual”, aquela em que o comerciante individual obtém

tratamento de empresa por parte da Receita Federal, com registro junto ao CNPJ, não

há que se falar em limites para responsabilização do sócio, uma vez que não há

distinção patrimonial ou de personalidade, respondendo pelos débitos tributários o

patrimônio registrado no cadastro de pessoa física – CPF, e no cadastro nacional de

pessoa jurídica – CNPJ.

19. A responsabilidade do sócio com base no artigo 134 do CTN é subsidiária.

Somente quando houver impossibilidade de exigência do tributo da empresa, e nos

atos em que o sócio intervir ou omitir -se é que se poderá falar em solidariedade entre

a empresa e o sócio, pela obrigação tributária.

20. Na subsidiariedade pode-se falar em benefício de ordem, pois, para que o

sócio tenha que recolher o tributo que nasceu como obrigação tributária da empresa,

é preciso excutir primeiramente os bens da pessoa jurídica.

21. A responsabilidade do sócio com espeque no artig o 135 do CTN é solidária

com a empresa, de maneira que ambos permanecem no pólo passivo da relação

tributária.

22. Havendo solidariedade para a responsabilização decorrente do artigo 135 do

CTN, os bens da empresa e do sócio responderão pelo débito tributá rio, pelo que

afasta-se o benefício de ordem.

158

23. Com a solidariedade a empresa e o sócio enfrentarão as restrições pela

inadimplência tributária, com as vedações, proibições e impedimentos resultantes das

referidas restrições.

159

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