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Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO COORDENAÇÃO DO MESTRADO EM CIÊNCIAS DO CUIDADO EM SAÚDE O PLANEJAMENTO DA ALTA HOSPITALAR PELO ENFERMEIRO AOS CLIENTES DAS UNIDADES CLÍNICAS & CIRÚRGICAS: perspectiva da complexidade em saúde numa atitude transdisciplinar FERNANDA SANTOS RODRIGUES ARAÚJO

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Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa COORDENAO GERAL DE PS-GRADUAO COORDENAO DO MESTRADO EM CINCIAS DO CUIDADO EM SADE O PLANEJAMENTO DA ALTA HOSPITALAR PELO ENFERMEIRO AOS CLIENTES DAS UNIDADES CLNICAS & CIRRGICAS: perspectiva da complexidade em sade numa atitude transdisciplinar FERNANDA SANTOS RODRIGUES ARAJO NITERI 2012 FERNANDA SANTOS RODRIGUES ARAJO O PLANEJAMENTO DA ALTA HOSPITALAR PELO ENFERMEIRO AOS CLIENTES DAS UNIDADES CLNICAS & CIRRGICAS: perspectiva da complexidade em sade numa atitude transdisciplinar Linha de Pesquisa: Cuidados nos ciclos vitais humanos, tecnologia e subjetividade na sade. Dissertao do Mestrado em Cincias do Cuidado em Sade (MACCS) da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa (EEAAC), Universidade Federal Fluminense (UFF). Orientador: Prof. Dr. Enas Rangel Teixeira NITERI Setembro, 2012 O PLANEJAMENTO DA ALTA HOSPITALAR PELO ENFERMEIRO AOS CLIENTES DAS UNIDADES CLNICAS & CIRRGICAS: perspectiva da complexidade em sade numa atitude transdisciplinar Fernanda Santos Rodrigues Arajo Orientador: Prof. Dr. Enas Rangel Teixeira Dissertao do Mestrado em Cincias do Cuidado em Sade (MACCS) da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa (EEAAC), Universidade Federal Fluminense (UFF). Banca Examinadora: ____________________________________________________________________________ Dr. Enas Rangel Teixeira Universidade Federal Fluminense Dra. Marla Chagas Moreira Universidade Federal do Rio de Janeiro Dra. Eliane Pereira Ramos Universidade Federal Fluminense Dra. Lina Mrcia Miguis Berardinelli Universidade Estadual do Rio de Janeiro Dra. Rose Mary Costa Rosa Andrade Silva Universidade Federal Fluminense NITERI Setembro, 2012 RESUMO O planejamento da alta hospitalar pelo enfermeiro aos clientes das unidades clnicas e cirrgicas: perspectiva da complexidade em sade numa atitude transdisciplinar FERNANDA SANTOS RODRIGUES ARAJO Resumo da dissertao do Mestrado em Cincias do Cuidado em Sade (MACCS) da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa (EEAAC), Universidade Federal Fluminense (UFF). Muitos clientes so hospitalizados nas unidades clnicas e cirrgicas, sendo setores que demandam dos profissionais de sade aes diversificadas e complementares, tendo como meta atender a uma assistncia integral. Da surgiu a necessidade em entender sobre o planejamento da alta hospitalar, no como um processo tcnico, mas como continuidade e integralidade da assistncia alm das fronteiras do hospital, mas sim no contexto do SUS e da complexidade. Os objetivos desta pesquisa foram: identificar no planejamento da alta hospitalar realizado pelo enfermeiro, as interaes realizadas com os clientes, com a equipe multiprofissional e com os familiares; descrever este planejamento realizado nas unidades clnicas e cirrgicas pelo enfermeiro, durante as prticas de cuidado para sade dos clientes; e analisar, segundo o referencial da complexidade, os contedos emergidos sobre o planejamento da alta hospitalar, considerando o contexto do SUS numa perspectiva inter e transdisciplinar do cuidado em sade. O mtodo delineado foi a abordagem qualitativa do tipo descritivo e exploratrio, com triangulao entre tcnicas de coleta de dados; no referencial terico- filosfico da Complexidade. Quatro categorias emergiram deste estudo: o planejamento da alta hospitalar feito pelo enfermeiro; interaes realizadas durante o planejamento da alta hospitalar; o cuidado para a sade dos clientes a partir do planejamento da alta hospitalar e; a complexidade no planejamento da alta hospitalar. Os resultados mostraram dentre outros achados - dificuldades no planejamento da alta hospitalar, como a predominncia de uma viso fragmentada dos profissionais. Foram observadas orientaes feitas pelas enfermeiras aos clientes prximos da alta hospitalar e, nos pronturios as escritas sobre alta hospitalar quase no apareceram. A viso multidisciplinar se contrastou com a no atualizao pelas enfermeiras acerca do planejamento da alta hospitalar. Conclui-se que a perspectiva transdisciplinar necessria no ambiente e entre os profissionais do HUAP, principalmente, quando se trata do planejamento da alta hospitalar. A perspectiva da transdisciplinaridade permanece neste estudo, uma vez que, o planejamento de alta hospitalar eficaz parte de atitudes dos enfermeiros, como elos das correntes de dilogo e interaes entre os profissionais, familiares e, principalmente dos clientes hospitalizados. Descritores: Enfermagem, Alta do Paciente, Alta Hospitalar, Hospitais, Equipe Interdisciplinar, Planejamento. The discharge planning by nurses to customers in the medical and surgical units: the perspective of complexity in health in an interdisciplinary approach FERNANDA SANTOS RODRIGUES ARAJO Summary of the dissertation of Master of Science in Health Care (MACCS) School of Nursing Aurora Afonso Costa (EEAAC), Universidade Federal Fluminense (UFF). . Many clients are hospitalized medical and surgical units, and industries that require health professionals diverse and complementary actions, aiming to meet the comprehensive health care. Hence arose the need to understand about the discharge planning, not as a technical process, but as continuity and comprehensive care beyond the boundaries of the hospital, but in the context of the SUS and complexity. The objectives of this research were to identify the discharge planning done by the nurse, interactions conducted with clients, with a multidisciplinary team and family members; describe this planning done in clinics and surgical units by nurses during care practices to clients' health and to analyze, according the complexity, the contents emerged about discharge planning, considering the context of SUS inter and transdisciplinary perspective of health care. The method outlined was the qualitative descriptive and exploratory, and triangulation of data collection techniques, the theoretical and philosophical complexity. Four categories emerged from this study: the discharge planning done by the nurse; interactions carried out during the discharge planning, care for the health of clients from the hospital and discharge planning; complexity in discharge planning. The results showed - among other findings - difficulties in discharge planning, as the dominance of a fragmented view of the professionals. Suggestions were observed by nurses to customers near the hospital and in the written records of discharged hardly appeared. A multidisciplinary approach is contrasted with not update nurses about discharge planning. It is concluded that the transdisciplinary perspective is needed in the environment and among professionals at HUAP, especially when it comes to discharge planning. The perspective of transdisciplinarity remains in this study, since the planning of hospital discharge effective the acctions of nurses, as links in the current dialog and interactions between professionals, family and especially of hospitalized patients. Keywords: Nursing, Patient Discharge, Hospital Discharge, Hospitals, Interdisciplinary Team, Planning. Se voc possui conhecimentos superiores, ore para que no lhe falte a disposio de trabalhar, a fim de transmiti-los a outrem, sem qualquer idia de superioridade, reconhecendo que a luz de sua inteligncia vem de Deus que ele concede para que venhamos a fazer o melhor de nosso tempo e de nossa vida, entregando-nos, porm, responsabilidade de nossos prprios atos. Andr Luiz AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, Deus, por me permitir realizar mais essa tarefa em minha vida! minha me, Iara (in memorian), por me ensinar a caminhar nessa estrada, minha av, Bernardinha, por cuidar de mim, Ao meu pai, Francisco, pela luta em me ajudar, minha irm Fabi, pela compreenso, Miuda, pelo apoio, Ao Rafael, meu companheiro presente e compreensivo, Aos meus sogros Ivan e Rejane, Ao professor Enas, sempre compreensivo e iluminado nas minhas orientaes, s professoras Marla e Lina Berardinelli pela ajuda enriquecedora, s professoras Rose Rosa e Eliane Ramos, pelo apoio e carinho eterno de vocs, professora Sidnia, pela ajuda e carinho sempre, Ao professor Roberto, pela sua ajuda enriquecedora, s professoras Donizete, Marilda, Cludia Mara, Ftima Helena e Liliane Beltz, pelos seus ensinamentos, Aos discentes que foram do MACCS, em especial, Laura, Carlos Magno e Wesley pelo apoio, s meninas de Niteri, em especial, Cris, pela amizade e compreenso, s meninas de Porto Real pela torcida, s minhas amigas Enfermeiras: Mrcia Sebold, Carmen Lucia, Luciana Elem e Arlene, pelo apoio, s enfermeiras Monica Munch e Cristiane pela considerao, A todos os enfermeiros e funcionrios da UFF que me ajudaram, E, aos clientes, que estiveram no HUAP no momento da minha pesquisa. Obrigada! A658 Arajo, Fernanda Santos Rodrigues O planejamento da alta hospitalar pelo enfermeiro aos clientes das unidades clnicas e cirrgicas: perspectiva da complexidade em sade numa atitude transdisciplinar / Fernanda Santos Rodrigues Arajo. Niteri: [s.n.], 2012. 140 f. Orientador: Enas Rangel Teixeira. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal Fluminense, Escola de Enfermagem, 2012. 1. Alta do paciente. 2. Equipe de assistncia ao paciente. 3. Equipe de enfermagem. 4. Enfermagem-Planejamento. I. Titulo. CDD 610.73 SUMRIO Resumo p.3 CAPTULO 1. CONSIDERAES INICIAIS p.10 1.1 Apresentao p.10 1.2 Motivao e problemtica do estudo p.11 1.3 Objeto de Investigao p.16 1.4 Justificativa desta investigao p.17 1.5 Questes norteadoras e objetivos p.18 1.6 Relevncia da pesquisa p.19 1.7Contribuies e benefcios esperados p.20 CAPTULO 2. REFERENCIAL TERICO CONCEITUAL p.21 2.1 O pensamento complexo p.21 2.2 Os princpios da complexidade idealizados por Edgar Morin p.23 2.3 Concepes de: pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade p.26 2.4 O pensamento complexo no contexto do SUS p.30 2.5 A Atitude Transdisciplinar para o planejamento da alta hospitalar p.31 2.6 Os aspectos conceituais da alta hospitalar p.32 CAPTULO 3. PERCURSO DO MTODO p.48 3.1 Abordagem e tipo de pesquisa p.48 3.2 Histrico e descrio do cenrio de pesquisa p.50 3.3 Aspectos ticos da pesquisa p.51 3.4 Seleo dos Sujeitos da pesquisa p.51 3.5 A coleta dos dados p.52 3.6 Tratamento dos dados coletados p.55 3.7 Anlise dos dados coletados p.57 3.8 Triangulao dos dados p.61 3.9 Anlise de contedo e categorizao dos dados p.62 CAPTULO 4. DESCRIO DOS RESULTADOS p.64 4.1 Descrio dos resultados da observao simples p. 64 4.2 Descrio dos resultados obtidos das entrevistas p.69 4.3 Descrio dos resultados obtidos do estudo documental p.76 4.4 Triangulao das trs tcnicas de coleta de dados p.77 CAPTULO 5. ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS p.88 5.1 Categoria 1. O planejamento da alta hospitalar pelo enfermeiro p.88 5.2 Categoria 2. As interaes realizadas durante o planejamento da alta hospitalar p.99 5.3 Categoria 3. O cuidado para a sade dos clientes a partir do planejamento da alta hospitalar p.104 5.4 Categoria 4. A complexidade no planejamento da alta hospitalar p.112 CAPTULO 6. CONSIDERAES FINAIS p.118 REFERNCIAS p. 122 APENDICE A p. 133 APENDICE B p. 134 APENDICE C p.135 APENDICE D p.136 APENDICE E p. 140 CAPTULO 1. CONSIDERAES INICIAIS 1.1 Apresentao A sada de uma pessoa do hospital - aps um perodo de internao - costuma ser algo satisfatrio para ela, para sua famlia e para a equipe de sade. Por vezes, deixando equipe de sade uma ideia positiva de cura, geralmente, sendo este o entendimento comum aos profissionais, s pessoas egressas das internaes nos hospitais, bem como, aos familiares destas pessoas. Porm, esta dissertao se expandiu na vontade de um entendimento mais elaborado, de como aquelas pessoas que se encontravam internadas saiam dos hospitais. Em especial, quando das observaes aos enfermeiros fazendo o cuidado para a sade destes clientes1, com a alta hospitalar sendo uma das aes associadas prtica. Assim esta dissertao foi desenvolvida para um caminho de que uma alta hospitalar planejada torna-se importante para a continuidade do cuidado para a sade dos clientes, nos seus grupos e subgrupos dentro da rede do Sistema nico de Sade (SUS). O Mestrado Acadmico em Cincias do Cuidado em Sade (MACCS) foi a chance que surgiu em desenvolver uma pesquisa sobre a alta hospitalar planejada, __________________________________________________ 1. A escolha do termo cliente nesta dissertao aconteceu devido ao termo paciente ser filosoficamente entendido como o que recebe ou sofre ao de um agente (NICOLA, 2007, p.103). Em busca de uma atitude transdisciplinar, considera-se o ser humano como agente do cuidado. 11 dentro da corrente terico-filosfica da complexidade, numa perspectiva transdisciplinar. Tema to pouco explorado ainda, que se torna algo importante dentro dos hospitais, para os clientes, seus familiares; para as instituies e para o SUS como sistema, rede e integralidade uma das idias da complexidade. Partindo para o mergulho da investigao, indagaes a serem respondidas por esta dissertao explodiram, dentro do referencial da complexidade, tais como: nas unidades clnicas e cirrgicas, como os enfermeiros fazem o planejamento da alta hospitalar? Isto contribui para o cuidado em sade dos clientes? As integraes entre o enfermeiro e equipe, de que forma acontecem? Dentre outros questionamentos. A observao de campo, a pesquisa dos escritos nos pronturios, bem como, as entrevistas semiestruturadas aos enfermeiros atuantes nas Unidades Clnicas e Cirrgicas de um Hospital Universitrio permitiu desenvolver esta pesquisa; com foco no planejamento da alta hospitalar aos clientes internados nesses setores, na viso dos enfermeiros. Diante do processo da tecnologia de cuidar, educar e acolher, o planejamento da alta hospitalar, como uma das atividades do enfermeiro, passa a ter um papel especial: o elo entre a instituio hospitalar, o ambiente domiciliar e a rede de sade. No sendo mero processo de cuidado dos clientes dentro de um hospital. 1.2 Motivao e problemtica do estudo Muito me instigava a sada das pessoas, que estavam em tratamento, de dentro dos hospitais. Isto, desde o incio da minha graduao em enfermagem, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2002, na Escola de Enfermagem Aurora da Afonso Costa (EEAAC). Observava durante as visitas supervisionadas no Hospital Universitrio Antonio Pedro (HUAP), ainda nos meus primeiros perodos da graduao, de que forma aquelas pessoas que, ao meu entender, tinham os seus problemas resolvidos iam embora dos leitos do hospital acompanhados de seus conhecidos ou familiares. 12 Durante os anos de graduao em enfermagem, na UFF, conforme fui aprendendo as lies de como ser enfermeira fui observando e me chamava ateno, dentro das disciplinas prticas que cursava nas unidades clnicas e cirrgicas do HUAP, um termo chamado alta hospitalar. E observava como a equipe multiprofissional de sade reagia a uma pessoa que tinha alta hospitalar. Ora com satisfao, ora com indiferena. E as reaes dessas pessoas que tinha m alta. Em alguns momentos era com alegria, em outros com ansiedade e, em outros, com tristeza. No incio de 2007, como dito anteriormente, j como enfermeira e tambm residente em enfermagem clinica e cirrgica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO), atuante em uma instituio militar federal, deparava-me, frequentemente, com unidades clnicas e cirrgicas com leitos ocupados, em sua maioria, por clientes adultos, geralmente, com doenas e agravos no transmissveis e processos operatrios decorrentes destas doenas; sendo a demanda por novas internaes crescente. Assim como, demanda por alta hospitalar tambm crescente, observando o entra e sai de clientes, por vezes, as reinternaes dos mesmos. De modo semelhante, o trabalho enquanto enfermeira em uma unidade clnica e cirrgica de um hospital privado; e em um hospital municipal, em 2009, confirmou estas observaes. A motivao a seguir foi enquanto observava que os clientes (e seus familiares) que tinham as suas necessidades atendidas atravs de um planejamento da alta hospitalar envolvendo os vrios atores da equipe multiprofissional - incluindo o enfermeiro como elo para estes contatos - saiam desses hospitais melhores orientados e encaminhados. Da surgiu minha inquietude em entender sobre o planejamento da alta hospitalar, no meramente como um processo tcnico, mas como uma continuidade e integralidade da assistncia aos clientes alm das fronteiras de uma instituio hospitalar e dentro do contexto do SUS e da complexidade. Uma vez que, concomitante aos trabalhos nestes hospitais, cursei a disciplina Cincias da Vida e Ecologia, como discente especial dentro do programa do Mestrado em Acadmico em Cincias do Cuidado em Sade (MACCS), na UFF. 13 No ano de 2010, meu olhar investigativo como pesquisadora se voltou a estas observaes anteriores, para despertar a construo de um projeto de pesquisa sobre o planejamento da alta hospitalar; que me permitiu o retorno UFF como mestranda no MACCS, o qual derivou esta dissertao. Quando me tornei discente efetivada no MACCS, optei por tomar como objeto de estudo o planejamento da alta hospitalar feito pelos enfermeiros das unidades clnicas e cirrgicas, aos clientes adultos hospitalizados. A ampliao dos conhecimentos terico-filosficos para esta dissertao aconteceu a partir das leituras dos autores, tais como, Edgard Morin, Capra, Nicolescu, dentre outros, que me permitiu ter uma viso complexa da realidade, e a iniciar a busca investigativa desse objeto de estudo planejamento da alta hospitalar permeada pela teoria da complexidade. Investigar o planejamento da alta hospitalar aos clientes que se encontram nas unidades clnicas e cirrgicas requer uma viso complexa, numa atitude transdisciplinar, e ao mesmo tempo instiga uma reflexo contnua da prtica atual fracionada, centrada ainda na ausncia de doena. A alta hospitalar envolve aes conjuntas entre os profissionais, o usurio, a famlia e os demais setores de sade na sociedade. Assim, a transdisciplinaridade segundo Nicolescu (2001): (...) como o prefixo trans indica, diz respeito quilo que est ao mesmo tempo entre as disciplinas, atravs das diferentes disciplinas e alm de qualquer disciplina. Seu objetivo a compreenso do mundo presente, para o qual um dos imperativos a unidade do conhecimento. (NICOLESCU, 2001, p.2). Ou seja, ser transdisciplinar significa ter uma atitude em que: (...) se procura pontos de vista a partir dos quais seja possvel torn-las interativas, procura espaos de pensamento que as faam sair de sua unidade, respeitando as diferenas, apoiando-se especialmente numa nova concepo da natureza (COLL e RAMDOM, 2002, p.192). 14 Diante das consideraes acima, temos os clientes, que, uma vez internados nos hospitais, so atendidos por vrios profissionais que prestam atividades voltadas para o restabelecimento da sade, visando o retorno destes clientes aos seus domiclios em condies favorveis. Muitos deles so hospitalizados nas unidades clnicas e cirrgicas, sendo os setores do hospital que demandam dos profissionais de sade aes diversificadas e complementares, tendo como meta atender ao que se preconiza de uma assistncia integral. Todavia, o planejamento da alta hospitalar envolve aes integradas com a equipe e outros setores institucionais que daro suporte ao cliente aps a alta (SMELTZER e BARE, 2008). Tais aes integradas podem ser remetidas ao pensamento complexo, uma vez que estas aes, visando o planejamento da alta hospitalar, so oriundas das diversas disciplinas que compem os ensinamentos das profisses da rea da sade. Disciplinas essas que podem se interagir, procurando os espaos de pensamento que as faam sair de sua unidade, respeitando as diferenas (COLL e RAMDOM, 2002, p.2) e, ao mesmo tempo, buscando compreender o mundo presente, em que ainda impera uma unidade do conhecimento (NICOLESCU, 1999, p.192). Nesse contexto, o enfermeiro exerce a funo de coordenar e realizar o cuidado direto de maior complexidade. As atividades de avaliao, orientao e interveno de enfermagem requerem o conhecimento e habilidades especficas do enfermeiro, porm que se completam com as dos outros profissionais no atendimento dos clientes. Dentro do conjunto de atividades feitas pelo enfermeiro est o planejamento da alta hospitalar, como parte do processo de enfermagem. Esta atividade favorece a continuidade da assistncia aos clientes aps a sua hospitalizao (WHITE e HOLLOWAY, 1990). Isto, para dar conta dos encaminhamentos, acompanhamentos e resolutividade das aes de cuidado em sade. Diante desse processo de cuidar, acolher e educar, o planejamento da alta hospitalar de enfermagem exerce uma funo de ligao entre o ambiente hospitalar e o ambiente domiciliar. A alta hospitalar no significa o final de um processo de cuidado, mas na manuteno da sade, preveno de agravos e possveis recidivas, se caracterizando assim, de modo que o cuidado permanente um processo complexo. 15 O planejamento da alta hospitalar tem como base o conhecimento das cincias da vida e humanas, que subsidiam as suas distintas fases. Cabe ao enfermeiro levantar e analisar quais so as necessidades de cada cliente e a partir da desenvolver um planejamento da alta hospitalar eficaz e integrado com as aes da equipe de sade visando uma construo pautada nas atitudes transdisciplinares. A atitude transdisciplinar consiste em saberes e prticas na busca de novas formas de ao que considera a possibilidade de lidar com a afetividade e a efetividade, o subjetivo e o objetivo, o plural e o singular, de maneira que preciso superar as dicotomias que geram excluso de elementos essenciais para a vida (NICOLESCU, 2001). Essa atitude transdisciplinar emerge dentro do pensamento complexo, que permite sair de uma posio estritamente controladora e uniforme dos desejos da vida; para as atitudes reflexivas, compreensivas e de dialogicidade (MORIN, CIURANA, e MOTTA, 2007). A atitude transdisciplinar entendida como as aproximaes e compartilhamentos dos laos que se estreitam pelas fronteiras disciplinares. Contudo, os objetos da sade remetem a uma maior aproximao com essas fronteiras, no sentido de dinamizar o conhecimento, o que leva a buscar uma atitude que no elimine a disciplina, mas que, ao contrrio, permita servir de ncora e apoio (SILVA, SABIA e TEIXEIRA, 2009, p.75). Entende-se ento que a atitude transdisciplinar, durante o planejamento da alta hospitalar - que o objeto de estudo da presente pesquisa se torna importante para que, atravs das disciplinas apoiadas e aproximadas entre si, possam contribuir para a melhoria fsica, psicolgica e social deste individuo. Este, por vezes vindo de uma debilitao orgnica e espiritual quando da internao do cliente num hospital. A transdisciplinaridade abarca o pensamento complexo na sade onde, a viso integral e complexa do cliente deve ser elaborada pelos profissionais que compem as equipes de sade que atendem, ao cliente enfermo nas unidades clnica e cirrgica, prestes a sua sada do hospital. Apesar de se preconizar uma prtica interativa dialgica que se caracteriza de modo inter e transdisciplinar, se observa no cotidiano que ainda h significativos 16 obstculos para que esta prtica seja pautada numa dialogicidade eficaz. Esta dificuldade em conviver com as mltiplas lgicas, ou seja, a dialgica, nos processos de trabalho, geralmente resultante de um pensamento da forma simples de cincia, incapaz de conceber a unio de um e de vrios, do elo inseparvel entre o observador e a coisa observada, anulando a diversidade (MORIN, 2003). De acordo com Morin (2002, p.13): H inadequao cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, (...). Diante da situao acima, Morin (2002, p.13) refere que se tornam invisveis os problemas essenciais. Isto ressalta a necessidade do enfermeiro como o profissional da equipe de sade e, elo para o dilogo com os demais profissionais nos processos de trabalho, reverter os fragmentos ou os problemas essenciais, a partir de um planejamento da alta hospitalar de forma dialgica, pensando a forma complexa da cincia em conjunto com as outras reas da sade. 1.3 O objeto de investigao Ressalta-se que o objeto investigado nesta pesquisa foi o planejamento da alta hospitalar elaborado pelos enfermeiros aos clientes das unidades clnicas e cirrgicas. A investigao do planejamento de alta hospitalar pelo enfermeiro foi estendida aos familiares dos clientes, equipe e aos servios e sade, no contexto do Sistema nico de Sade (SUS). Chama-se ateno que foi estendido a partir da perspectiva transdisciplinar e na viso dos enfermeiros investigados nesta pesquisa. 17 1.4 Justificativa desta investigao O planejamento da alta hospitalar pode ser aplicado a diversos clientes, como os adultos, com doenas e agravos no transmissveis, responsveis por grande parte das hospitalizaes nas unidades clnicas e cirrgicas. De acordo com a Organizao Mundial de sade (OMS) em 2008, as doenas e agravos no transmissveis, que abrangem as doenas cardacas, os acidentes vasculares enceflicos, os cnceres, as doenas respiratrias crnicas, distrbios psiquitricos e o diabetes; alm dos agravos causados por acidentes e violncia, so as principais causas de mortalidade mundiais, e representa at 60% do total de bitos (OPAS/OMS, 2008). Isto remete a uma ateno abrangente de como os clientes esto sendo atendidos, em especial, de como esto sendo os cuidados de enfermagem; mais especificamente, de como esto sendo estes cuidados em relao ao planejamento da alta hospitalar. Em prtica observado que alguns clientes das unidades clnicas e cirrgicas quando no tem um planejamento da alta hospitalar condizente com a sua condio de sade, demandam um aumento por cuidados posteriores, na reinternao - resultantes da piora de seu estado clnico. visto que os aspectos psicolgicos, emocionais e fsicos de alguns clientes reinternados decaem, diminuindo as suas qualidades de vida e agravando ainda mais os seus estados, evoluindo para complicaes cclicas, as quais retardam a prxima alta hospitalar. As informaes acima justificam o desenvolvimento de aes que possam ajudar os clientes quando estes saem das unidades clnicas e cirrgicas para seus domiclios, no sentido de colaborar para continuidade dos tratamentos e para a preveno de futuras complicaes. Dentre vrias aes est o planejamento da alta hospitalar feito pelo enfermeiro, dentro de uma equipe multiprofissional de sade onde, estudos apontam que este planejamento como um processo contnuo e no pontual (GANZELLA e ZAGO, 2008, p.49). De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), atravs do artigo 8 do decreto nmero 94.406 de 1987, cabe ao enfermeiro, privativamente (...) o planejamento, organizao, coordenao, execuo e avaliao dos servios da 18 assistncia de enfermagem. E, como integrante da equipe de sade a participao na elaborao, execuo e avaliao dos planos assistenciais de sade. Ressalta-se neste decreto, no artigo 11 alnea VII que cabe ao enfermeiro, privativamente (...) executar os trabalhos de rotina vinculados alta de pacientes. (grifo do pesquisador). Complementar s questes acima, o Conselho Regional de Enfermagem de So Paulo ressalta que as orientaes para a alta hospitalar devem sempre ter respaldo em evidncias cientficas para garantir a segurana dos clientes e dos prprios profissionais, a ser realizado mediante a Sistematizao da Assistncia de Enfermagem (SAE) prevista na resoluo COFEN 358/2009. (COREN/SP, 2010). 1.5 Questes norteadoras e os objetivos Na perspectiva de se investigar o planejamento da alta hospitalar feito pelo enfermeiro, foram constitudas as seguintes questes norteadoras: Como realizado o planejamento da alta hospitalar pelo enfermeiro aos clientes das unidades clinica e cirrgica em uma instituio do SUS? De que forma acontece a integrao entre o enfermeiro e a equipe multiprofissional no planejamento da alta hospitalar do cliente, dentro do referencial da complexidade? Os contedos emergentes do planejamento da alta hospitalar elaborado pelo enfermeiro contribuem para o cuidado a sade dos clientes? Diante das informaes acima, foram delineados os objetivos desta investigao, a fim de entender o planejamento da alta hospitalar envolvendo o cliente, seus familiares, e os profissionais em especial o enfermeiro - no contexto do SUS. So eles: 19 Identificar, no planejamento da alta hospitalar realizado pelo enfermeiro, as interaes realizadas com os clientes, com a equipe multiprofissional e com os familiares. Descrever o planejamento da alta hospitalar realizado nas unidades clnicas e cirrgicas pelo enfermeiro, durante as prticas de cuidado para sade dos clientes. Analisar, segundo o referencial da complexidade, os contedos emergidos sobre o planejamento da alta hospitalar, considerando o contexto do SUS numa perspectiva Inter e transdisciplinar do cuidado em sade. 1.6 Relevncia da pesquisa Torna-se importante investigar sobre o planejamento da alta hospitalar, quando consideramos que esta atividade, alm de incorporar aes de todos os profissionais da equipe de sade, passa a ter destaque como o elo entre a instituio hospitalar e o ambiente domiciliar. Desta forma, no sendo apenas o final de um processo de cuidado, mas, sendo reconhecido pelo SUS como uma estratgia para a integralidade do cuidado. Quando se pensa na qualidade de vida dos clientes que saem do hospital com o planejamento da alta elaborado por uma equipe multiprofissional, na viso complexa, h relevncia no desenvolvimento desta pesquisa. Somada s questes acima, h a importncia do planejamento da alta hospitalar para os clientes, que uma vez esclarecidos, podem evitar os fatores que agravam suas doenas. Isto porque, ensinando aos mesmos o manejo das suas doenas no perodo de planejamento de alta, acredita-se que ele saia com maior capacidade para o cuidado de si. 20 1.7 Contribuies e benefcios esperados Esta investigao contribuir para o cliente hospitalizado, que receber o benefcio de ser atendido por um enfermeiro que tenha o conhecimento atualizado sobre o planejamento da alta hospitalar e sua aplicao com qualidade e eficcia. Um planejamento da alta contextualizado e eficaz poder contribuir para diminuir a demanda de internaes dos clientes nas unidades clnicas e cirrgicas, atravs da aplicao de uma enfermagem qualificada, a considerar sua especificidade e dimenso transdisciplinar, rompendo, desta forma, com o modelo dissociado, fragmentado e hegemnico na sade. Esta pesquisa contribui para o ensino terico-prtico, em especial, para a prtica assistencial; buscando a construo de um planejamento da alta hospitalar, que se paute em uma atitude transdisciplinar, para a integrao do cenrio hospitalar com o ambiente domiciliar, contemplando a eficcia da ateno em sade, aps a alta hospitalar. Concomitantemente, incentiva a produo de conhecimentos acerca do tema, com avanos de novos estudos sobre o planejamento da alta hospitalar, alinhados inovao das tecnologias na rea da sade. De tal modo que ampliam as discusses dentro da linha de pesquisa Cuidados nos ciclos vitais humanos, tecnologia e subjetividade em sade, pertencente ao MACCS/UFF. E permite a divulgao do planejamento da alta hospitalar em futuras publicaes cientficas. CAPTULO 2. REFERENCIAL TERICO CONCEITUAL 2.1 O pensamento complexo Para a compreenso dos resultados obtidos nesse estudo que tem como objeto de estudo o planejamento da alta hospitalar - optou-se, epistemologicamente, pela teoria da complexidade. A teoria da complexidade foi desenvolvida no sculo passado, em meados da dcada de 50, principalmente por Edgar Morin. Esta teoria tambm conhecida pela epistemologia da complexidade (MORIN, 1973). Nesse sentido a complexidade e suas implicaes so as bases do denominado pensamento complexo de Edgar Morin, que v o mundo como um todo indissocivel e prope uma abordagem interdisciplinar e com vrias referncias para a construo do conhecimento. Segundo Edgar Morin (2010, p. 17-19): primeira vista, a complexidade (complexus: o que tecido em conjunto) um tecido de constituintes heterogneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do mltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade efetivamente o tecido de acontecimentos, aes, interaes, retroaes, determinaes, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas ento a complexidade apresenta-se com os traos inquietantes da confuso, do inextricvel, da desordem, da ambigidade, da incerteza... Da a necessidade, para o conhecimento, de organizar os fenmenos ao rejeitar a desordem, e de afastar o incerto, isto , de selecionar os elementos de ordem e de 22 certeza, de retirar a ambigidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar. Morin (1973) ressalta que estas aes, necessrias inteligibilidade, correm o risco de se tornarem cegas, se eliminarem os outros caracteres do complexus. (MORIN, 1973, p.19). Diante dessas idias, tem-se a proposta da complexidade como sendo uma abordagem interdisciplinar dos fenmenos, e a mudana de paradigma, abandonando o reducionismo, o qual tem pautado a investigao cientfica em muitos campos do conhecimento. O termo Complexo vem do latim ( complexus) significando um conjunto de coisas, fatos, circunstncias, eventos que apresentam ligao e so interdependentes. Participam de um todo (sistema), o que equivale a dizer que esse todo se torna uma unidade complexa. (CARVALHO, 2003, p.97). Como os princpios da complexidade, tem-se a autorganizao, a amplificao por flutuaes, a autoconsistncia, a autopoiese, a conectividade, o construtivismo, a correlao, a criticabilidade, a dialgica e a diversidade. O fluxo, a imprevisibilidade, a incluso, a metadimensionalidade, a onijetividade, o paradoxo, a potencialidade, o retorno e a virtualidade tambm so considerados como princpios da complexidade. Alm desses, a ampliao da conscincia e a relao do corpo-mente tambm se destacam (MORIN, 1973). Capra (2002), mais um autor adepto teoria da complexidade, cita que o pensamento complexo se interliga teoria dos sistemas. Segundo este autor (2002, p. 267) em todos os nveis de vida, que vo desde as vidas metablicas dentro das clulas, at as cadeias alimentares dos ecossistemas, bem como, as redes de comunicaes da sociedade humana; os componentes dos sistemas vivos se interligam sob a forma de rede. Em verdade nada consegue se manter isolado, embora sejam mantidas sempre as identidades e as individualidades de cada organizao sistmica e de suas partes. (CAPRA, 2002, p.267). Para os autores Maturana e Varela (1987) um sistema realimentado necessariamente um sistema dinmico, j que deve haver uma causalidade implcita. Em um ciclo de retroao, uma sada capaz de alterar a entrada que a gerou, e, consequentemente, a si prpria. Se o sistema fosse instantneo, essa alterao implicaria 23 uma desigualdade. Portanto em uma malha de realimentao deve haver um certo retardo na resposta dinmica. Esse retardo ocorre devido a uma tendncia do sistema de manter o estado atual mesmo com variaes bruscas na entrada. Isto , ele deve possuir uma tendncia de resistncia a mudanas. O que, por sua vez, significa que deve haver uma memria intrnseca a um sistema que pode sofrer realimentao (MATURANA e VARELA, 1987). As idias acima vo de encontro com Paim e Paim (2009, p.33) nas quais os autores no o enfoque sistmico, ou sistemismo, corresponde a uma concepo sistmica do Universo e constitui uma maneira peculiar, integralizadora e holstica de perceber, estudar e intervir na realidade. De acordo com os autores o sistemismo : (...) a metodologia derivada da Teoria Geral dos Sistemas, a qual visualiza o Universo como um sistema, assim como, todos os seus elementos constituintes (subsistemas), tambm, so vistos como sistemas, apenas de menor amplitude. Portanto, a realidade inteira e qualquer de suas partes podem ser designadas e estudadas como sistemas. (PAIN e PAIN, 2009, p.33). 2.2 Os princpios da complexidade idealizados por Edgard Morin (2005) Um dos idealizadores dos principios da complexidade, Edgard Morin, exps idias sobre o pensamento complexo. Segundo o mesmo, o pensamento complexo procura edificar um mtodo, um caminho, uma estratgia que possibilite construir um conhecimento de interpretao sobre o homem, a sociedade, as suas relaes entre si e dessas com o mundo fsico e natural. O mesmo preconiza a um saber no fragmentado, no compartimentado, no redutor, tambm, o reconhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer conhecimento (MORIN, 2005). H um conjunto de 7 princpios metodolgicos que configuram e orientam um pensar complexo, idealizados por Morin (2005). So eles: 24 Princpio sistmico ou organizacional Este princpio possibilita religar o conhecimento das partes com o conhecimento do todo e vice-versa. Do ponto de vista sistmico organizativo o todo mais do que a soma das partes. Sendo que a expresso mais apresenta fenmenos qualitativamente novos que so denominados de emergncias, no sentido de coisas que emergem. Esses fenmenos so produtos da organizao proveniente da interao dinmica das partes dentro de uma unidade sistmica. Conforme salienta Morin (2005, p.86): (...) a tapearia mais do que a soma dos fios que a constituem. Um todo mais do que a soma das partes que o constituem. Nessa tapearia, como na organizao, os fios no esto dispostos ao acaso. Eles so organizados em funo de um roteiro, de uma unidade sinttica onde cada parte contribui para o conjunto. Princpio hologramtico Este princpio se traduz nas partes que contm quase todas as informaes do objeto que representam. As informaes da parte esto no todo, bem como o todo est inscrito em cada parte do sistema. Ou seja, (...) cada um de ns, como indivduos, trazemos em ns a presena da sociedade da qual fazemos parte. A sociedade est presente em ns por meio (...) de suas regras, normas, etc. (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003, p.34). Princpio de retroatividade Este princpio se volta para a necessidade de superao da causalidade linear. Ou seja, a causa age sobre o efeito e o efeito age sobre a causa (MORIN, 2001). o princpio que indica mecanismos por meio dos quais todo sistema tem de permanecer em equilbrio dinmico, ou seja, h fluxos de disperso de energia e fluxos de captao de matria, informao e energia do mundo externo ou dos outros sistemas mantm esse sistema vivo. So fenmenos inflacionadores ou estabilizadores. 25 Princpio de recursividade Morin d a idia desse princpio como um circulo, ou vrios crculos que se formam um espiral. Ou seja, a produo resultado dos efeitos gerados dentro de um sistema, seja produtores ou causadores de um fenmeno. uma dinmica autoprodutiva e auto-organizacional. um processo no qual os efeitos ou produtos so, simultaneamente, causadores e produtores do prprio processo (produz-se e reproduz- se) (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003). Conforme cita Moraes (2004) que este principio se traduz em um circuito gerador em que os produtos e os efeitos gerados por um sistema tornam-se os produtores e causadores daquilo que os produz. Pode-se chamar de causalidade complexa, na qual cada momento final (...) sempre um novo comeo e cada incio emerge de um final anterior e o movimento cresce em espiral (MORAES, 2004, p.2). Princpio da autonomia e dependncia Lembra a interao entre o sistema (ecossistema) e o organismo, a fim de manter a sua autonomia, ou seja, os sistemas apresentam um processo autoecorganizador. Para manter a autonomia, qualquer organizao precisa de interao com o ecossistema do qual se nutre. Os seres vivos no param de se autoproduzir, o que demanda interao com o meio ambiente, seja ele biolgico, cultural ou social (MORIN, 2001, p.94) na transferncia de energia, matria e informao. Para Morin (2001, p.95): (...) Nossa autonomia como indivduos no s depende da energia que captamos biologicamente do ecossistema, mas da informao social. Princpio dialgico um principio que entendido como associao e interao entre dois fenmenos ou sujeitos, apesar de serem antagonistas. Lembra uma associao complexa (complementar/concorrente/antagnica) de dimenses da realidade fsica, natural ou 26 social que convivem e concorrem para que determinado fenmeno exista e se desenvolva, embora sejam antagnicos. Para Morin, Ciurana e Motta (2003), no se pode pensar o ser humano sem conceber a dialgica: sapiens e demens. impossvel pensar a sociedade reduzindo-a aos indivduos ou totalidade social; a dialgica entre indivduo e sociedade deve ser pensada num mesmo espao (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003, p.36-37). Mantm-se a dualidade no mbito de uma unidade, associando-se ao mesmo tempo, termos complementares e antagnicos (MORIN, 2005). Concebem-se processos organizadores, produtivos e criadores no mundo complexo da histria e vida humanas, considerando esta dialgica entre as dimenses que se associam com aquelas que se contrapem. Princpio da (re)introduo do sujeito cognoscente Morin, quando dos pensamentos sobre os aspectos da realidade, idealizou este principio que entendido como sendo o pensamento humano influenciado pela cultura e tempos histricos, tendo ento, impresses diferentes da realidade. Para Morin (2003, p.93) O pensamento humano algo de singular, bizarro no universo; ele no reflete o real, ele o traduz, no reflete o mundo, faz uma representao dele. Ou seja, todo conhecimento recupera o papel do sujeito e aponta para a centralidade que o indivduo tem na teorizao cientfica medida que o esprito e mente do sujeito est enraizado numa cultura e num dado tempo histrico e, portanto, o conhecimento no ser um reflexo do real, mas fruto de sua interpretao (MORIN, 2003). 2.3 Concepes de: pluridisciplinaridade; multidisciplinaridade; interdisciplinaridade; transdisciplinaridade Para que se compreenda que transdisciplinaridade necessrio distinguir os outros termos, que no pertencem ao pensamento complexo, mas que podem gerar uma conotao similar entre os leitores. 27 Basarab Nicolescu (2001) em seu escrito O manifesto da transdisciplinaridade traz a diferena de forma clara sobre os termos pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. De acordo com os conhecimentos desse grande este autor do pensamento complexo, a necessidade indispensvel de laos entre as diferentes disciplinas traduziu-se pelo surgimento, na metade do sculo XX, da pluridisciplinaridade e da interdisciplinaridade (NICOLESCU, 2001, p.15). Tem-se tambm o termo multidisciplinaridade, em que o autor Schramm (2002) cita: (...)a abordagem multidisciplinar o olhar de vrias disciplinas especficas sobre um mesmo problema, isto , pontos de vista diferentes que produzem objetos tericos diferentes. A interdisciplinaridade a utilizao de vrios pontos de vista, mas com a finalidade cooperativa de construir um objeto terico comum. Por fim, a transdisciplinaridade o atravessamento das fronteiras disciplinares, consideradas limitadas para dar conta do problema. (Schramm, 2002, p.38) Morin (2005) lembra a idia de que difcil definir os termos pluri, inter, multi ou transdisciplinaridade. Segundo Morin, as noes-chave implicadas nesses termos para melhor compreenso so: cooperao, articulao, objeto comum e projeto comum. Multidisciplinaridade A multidisciplinaridade um termo que vem sendo criticado atualmente, principalmente, quando consideramos o olhar da complexidade, assim como, os aspectos atuais por exemplo - de mundo e tecnologia em rede (internet) e pensamentos (complexos). Para Abrao e Teixeira (2009), a multidisciplinaridade acontece pelo conjunto de disciplinas trabalhadas simultaneamente sem fazer aparecer s relaes que existem entre elas destinando-se a um sistema de um s nvel e de objetivos nicos, sem nenhuma cooperao. A multidisciplinaridade corresponde a uma estrutura tradicional de currculo nas escolas, as quais ficam fragmentadas por vrias disciplinas. 28 Desde os idos da dcada de 70 este termo vem sendo conceituado como uma simples justaposio, sem um trabalho de equipe e coordenao (JAPIASS, 1976). Pluridisciplinaridade Para Nicolescu (2001), a pluridisciplinaridade significa o estudo de um objeto de uma mesma e nica disciplina por vrias disciplinas ao mesmo tempo. Ele exemplifica, falando de um quadro de Giotto, o qual pode ser estudado pela tica da histria da arte, em conjunto com a da fsica, da qumica, da histria das religies, da histria da Europa e da geometria. Para Nicolescu (2001, p.14), a pesquisa pluridisciplinar traz um algo a mais disciplina em questo, porm este algo a mais est a servio apenas desta mesma disciplina. No entender desse autor, a abordagem pluridisciplinar ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade continua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar (p.15) Interdisciplinaridade Idia mais atual, pertencente ao pensamento complexo, em que Nicolescu (2001, p. 13), cita que a interdisciplinaridade tem uma ambio diferente daquela da pluridisciplinaridade. Ela diz respeito transferncia de mtodos de uma disciplina para outra. Ele distingue trs graus de interdisciplinaridade que so: a) um grau de aplicao. Por exemplo, os mtodos da fsica nuclear transferidos para a medicina levam ao aparecimento de novos tratamentos para o cncer; b) um grau epistemolgico. Por exemplo, a transferncia de mtodos da lgica formal para o campo do direito produz anlises interessantes na epistemologia do direito; c) um grau de gerao de novas disciplinas. 29 Como a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, sendo a sua finalidade tambm permanece inscrita na pesquisa disciplinar. Pelo seu terceiro grau, a interdisciplinaridade chega a contribuir para o big-bang disciplinar (NICOLESCU, 2001). Para Pombo (2005) a interdisciplinaridade compreendida como uma etapa de um processo contnuo, que inicia na pluri/multidisciplinaridade, supondo o pr em conjunto, isto , com os profissionais trabalhando juntos e com paralelismo de pontos de vista. Para esta autora: S h interdisciplinaridade se somos capazes de partilhar o nosso pequeno domnio do saber, se temos a coragem necessria para abandonar o conforto da nossa linguagem tcnica e para nos aventurarmos num domnio que de todos e de que ningum proprietrio exclusivo. (POMBO, 2005, p.13) No se trata de defender que, com a interdisciplinaridade, se alcanaria uma forma de anular o poder que todo saber implica (o que equivaleria a cair na utopia beata do sbio sem poder), mas de acreditar na possibilidade de partilhar o poder que se tem, ou melhor, de desejar partilh-lo. Como? Desocultando o saber que lhe corresponde, explicitando-o, tornando-o discursivo, discutindo-o. (POMBO, 2005, p.13). Transdisciplinaridade Nicolescu (2001) discute sobre a transdisciplinaridade sob varias formas. Uma dela a de que esta palavra tem como o prefixo trans indica, diz respeito quilo que est ao mesmo tempo entre as disciplinas, atravs das diferentes disciplinas e alm de qualquer disciplina (p.15). O objetivo da transdisciplinaridade a compreenso do mundo presente, diferente da idia de unidade do conhecimento (op cit, p.14). Ele discute e indaga se haveria alguma coisa entre e atravs das disciplinas e alm delas? E critica o pensamento clssico, reducionista ao dizer que, do ponto de vista do pensamento clssico, no h nada, absolutamente nada (...) o espao em questo vazio, completamente vazio, como o vazio da fsica clssica. (p.15). 30 Para este autor, a idia que a transdisciplinaridade traz a de que, diante de vrios nveis de realidade, o espao entre as disciplinas e alm delas est cheio, como o vazio quntico est cheio de todas as potencialidades: da partcula quntica s galxias, do quark aos elementos pesados que condicionam o aparecimento da vida no Universo (p.16). Ao meu entender, as idias de Nicolescu quanto transdisciplinaridade so aqueles vazios entre as disciplinas que, por nossas aes, se completam em objetivo nico; ou em espao nico, para totalidade do sistema. 2.4 O pensamento complexo no contexto do SUS Dentro do pensamento complexo, a partir do sistemismo, a integrao do sistema de sade foi entendido por Pain e Pain (2009, p. 219) como sendo o estabelecimento de ntimas e e adequadas interrelaes e perfeita integrao em diversos nveis, desde o intersetorial, at o multiprofissional. Entende-se que o sistemismo traz a idia de totalidade, globalizao, abrangncia, integralidade, universalidade, sntese e de interrelacionamento entre as partes do sistema em estudo (PAIN e PAIN, 2009, p.33). O termo integralidade quando especificada para a assistncia em sade, nos remete a um princpio primordial do SUS. A integralidade um princpio conceituado como a integralidade de assistncia, entendida como um conjunto articulado e contnuo das aes e servios tanto preventivos como curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os nveis de complexidade do sistema (BRASIL, 1990). Diante da idia acima, visto que o Planejamento da alta hospitalar pode ser um dos meios para se fazer a integralidade da assistncia, uma vez que o Planejamento da alta hospitalar perpassa por vrios profissionais, cada um com suas aes e servios, com olhares de formas diferenciadas. Ento, todo o processo sistmico de assistncia sade deve integrar os mltiplos sistemas envolvidos e os seus respectivos subsistemas e metassistemas, tanto no que se refere ao sistema humano como ao sistema ambiental. E isto inclui, tambm o sistema de sade e o subsistema de enfermagem, com base no modelo de 31 funcionamento do subsistema integrador do sistema nervoso do organismo humano (PAIM e PAIM, 2009, p.219). Nesse sentido, o enfermeiro um dos profissionais que, envolvidos no Planejamento da alta hospitalar, faz elo com os outros subsistemas na rea da sade, ou seja, com os outros grupos de profissionais envolvidos na assistncia ao cliente, que se encontra na unidade de internao clnica. Assim, se faz necessrio investigar como o enfermeiro elabora o planejamento da alta hospitalar, em uma instituio vinculada ao SUS. 2.5 A Atitude Transdisciplinar para o planejamento da alta hospitalar Atualmente, os conceitos de planejamento da alta hospitalar presentes na literatura, abordam aspectos interdisciplinares, quando citam idias de integrao entre os saberes. Como a pesquisa de Atwal (2002) onde destacou que o planejamento da alta uma atividade interdisciplinar, tendo o enfermeiro como o profissional que faz o elo entre os outros profissionais, para que se garanta o cuidado do cliente no domiclio. Mas, para que esta interdisciplinaridade entre em destaque necessrio que se tenha a atitude transdisciplinar, em que acontece quando os profissionais voltam o olhar para a unificao, resultantes do processo interdisciplinar e dialgico, com uma perspectiva holstica. A transdisciplinaridade pode se traduzir numa abertura para um conjunto de diferentes nveis de realidade e nveis de percepo (POMBO, 2005). De acordo com Silva, Sabia e Teixeira (2009, p. 75) a atitude transdisciplinar permite o trnsito pelas fronteiras disciplinares em um movimento indefinido, o u seja, abre um campo de possibilidades e propostas unificadoras ajustadas a conceitos transversais e de compartilhamento de (...) temas e problemas. (SILVA, SABIA e TEIXEIRA, 2009, p.75). Diante das informaes acima, a viso transdisciplinar torna-se necessria para que se identifiquem as conexes produzidas pelo enfermeiro, durante o Planejamento da alta hospitalar, com o cuidado em sade para o cliente, a famlia, o territrio, o servio de sade, bem como para equipe. 32 2.6 Os aspectos conceituais da alta hospitalar Esta parte discorre sobre referenciais conceituais articulados com o referencial terico e com o foco de estudo. Assim busca-se descrever o que se entende por alta hospitalar, a partir de seus aspectos histricos; da sade; jurdico e da enfermagem. No seu aspecto histrico foi abordado como surgiram os primeiros hospitais da antiguidade, e como estes se organizaram, ao longo da histria; destacando como eram as liberaes dos clientes aps as suas curas nestas instituies (tpico A). No enfoque da sade, foram abordados conceitos da medicina sobre o que alta e quais os tipos de alta existentes nos hospitais, com foco na alta hospitalar (tpico B). No aspecto jurdico, foi destacado qual o significado da alta neste meio e como sua ligao nos meios civis, penais e ticos (tpico C). Dentro da enfermagem, foram abordados quais significados existem sobre a alta hospitalar no contexto do cuidado com o cliente e famlia (tpico D). Porm, cabe ressaltar que a alta j tem uma definio pela Organizao Mundial da Sade (OMS) o qual define como a liberao de um paciente de um centro de cuidados, usualmente referindo-se a data em que este cliente deixa o hospital (OMS, 2004, s/p). A) O surgimento dos hospitais na antiguidade e a alta hospitalar A palavra hospital surgiu do latim hospes, significando um estranho ou estrangeiro. Outro substantivo derivado deste, hospitium passou a significar a hospitalidade, que a relao entre cliente e hbergeur, que significa hospitalidade, simpatia, recepo hospitaleira, albergue ou hotel (RISSE, 1990). Entretanto, nas culturas antigas (mais precisamente entre os sculos V e I antes de cristo) foram desenvolvidos locais que serviam para aconselhamento, descanso e cura fsica e espiritual, quando a medicina era interligada com as crenas e religies. Este trabalho era geralmente realizado por ordens religiosas ou por voluntrios (RISSE, 1990). 33 As instituies mais antigas do mundo, documentadas com o objetivo de oferecer curas eram os templos egpcios onde, faziam-se descansos e banhos espirituais. Na Grcia antiga (sculo IV ac), nos templos dedicados a Asclpio, chamado de curador-deus, eram conhecidos como Asclepieia (em grego: ) onde funcionavam centros de aconselhamento mdico, prognstico e de cura. Este era um hospital criado por Hipcrates (ASKITOPOULOU, et al. 2002). Nestes locais, os clientes entravam em um estado de sonho, de sono induzido conhecido como "enkoimesis" (em grego: ) que ao contrrio da anestesia, se preconizava as orientaes da divindade em um sonho ou eram curados por cirurgia. No Asclepieion de Epidauro, trs placas de mrmore datados de 350 aC preservaram os nomes, histrias de casos e as curas de cerca de 70 clientes que foram cuidados no templo (RISSE, 1990). Algumas das curas cirrgicas relacionadas, como a abertura de um abcesso abdominal ou a remoo de material estranho traumticos, so realistas o suficiente para ter ocorrido, mas com o paciente em um estado de sono induzido com a ajuda de substncias como o pio sonorfero (RANNAN-ELIYA, NISHAN, 1997). O culto de Asclpio foi adotado pelos romanos. Sob seu nome de Esculpio romano, ele foi fornecido com um templo (291 aC) em uma ilha no rio Tibre, em Roma, onde os ritos semelhantes foram realizados (RISSE, 1990). Remetendo idia atual de alta hospitalar como sendo a liberao de um paciente de um centro de cuidados (OMS, 2004), pode-se dizer que a liberao dos clientes dos locais descritos acima, aps seu cuidado e cura poderia ser considerada como um primrdio de Alta. No Sri Lanka, antigas crnicas da realeza cingalesa escritas no sculo VI dC pelo rei local, referiam que o mesmo tinha deitado em hospital (Sivikasotthi) construdo em vrias partes do pas. Esta a primeira evidncia documental que temos de instituies especificamente dedicadas ao cuidado dos doentes em todo o mundo (FINGER, 2008; RODERICK, 1985). As instituies criadas especificamente para cuidar dos doentes tambm apareceram cedo na ndia. O rei Ashoka foi o responsvel por ter fundado pelo menos dezoito hospitais nos anos de 230 aC, com mdicos e cuidadores, sendo as despesas 34 suportadas pelo tesouro real. O mesmo rei decretou que onde no havia ervas de cura para as pessoas, que fossem plantadas prximas a estes hospitais (RODERICK, 1985). A adoo do cristianismo como religio oficial do Imprio Romano levou a expanso da prestao de cuidados. O Primeiro Conclio de Nicia, em 325 dC, fez a igreja oferecer para os pobres, enfermos, vivas e estrangeiros, que ordenou a construo de um hospital em cada cidade da catedral. Entre os primeiros, foram construdos pelo mdico Saint Sampson, em Constantinopla e Baslio, bispo de Cesaria. O ltimo foi conectado a um mosteiro e abrigava pobres e viajantes, alm de fazer tratamento aos doentes e os enfermos. Havia ainda uma seo separada para leprosos (RODERICK, 1985). Entende-se que o abrigo dos pobres, enfermos, vivas e estrangeiros, bem como os cuidados aos doentes nestas instituies crists eram por caridade e visava uma hegemonia crist sob os cuidados dessas pessoas. No se tem certeza como estes doentes eram liberados destes locais. Os hospitais medievais na Europa seguiram um padro semelhante ao bizantino. Eram comunidades religiosas, com o atendimento por monges e freiras. Alguns foram anexados aos monastrios, outros eram independentes e tinham seus prprios donos, geralmente donos da propriedade, tinham renda para sua sustentao. Alguns hospitais foram multifuncionais enquanto outras foram criadas para propsitos especficos, tais como hospitais de leprosos, ou como refgios para os pobres ou para os peregrinos. Mas nem todos prestavam cuidados aos doentes. (RODERICK, 1985). Ainda nesta poca (sculo XVII) a Companhia das Irms de Caridade, fundada no ano de 1633, na Frana, por padre Vicente de Paulo (1576-1660) e Luisa de Marillac (1591-1660), foi criada em um momento em que a misria e as doenas causadas pelas contnuas guerras estavam aniquilando a Frana, e as agitaes polticas eram uma constante. Este padre era um sacerdote catlico da Ordem de So Francisco de Assis, francs, calado e modesto, que desde sua introduo na igreja preocupava-se com a situao de abandono dos pobres franceses. Luisa de Marillac era proveniente de famlia abastada e, aps enviuvar, resolveu dedicar sua vida aos pobres e aos doentes (CASTRO,1936). 35 Particularmente, o Htel-Dieu, que significava albergue de Deus" (figura 1), foi um dos hospitais de visita desta Companhia de caridade. Esta imensa casa era um lugar horrvel e infecto, sem leitos brancos e limpos, sem uma disciplina minuciosa, com alimentao insuficiente, e a assistncia religiosa quase nula. Entretanto, o nmero de doentes era enorme, sempre acima de 1200, chegando a 2000. As camas eram quase encostadas umas as outras e comuns a vrios doentes, chegando a conter cada uma seis doentes, trs deitados em um sentido e trs no outro. A confraria da caridade contava com mais de 200 senhoras, inclusive a rainha da Frana, Maria de Mdicis. Padre Vicente de Paulo foi nomeado diretor de todo servio espiritual do Hospital e a mesa diretora foi formada e coordenada pelas senhoras da Confraria da Caridade (CASTRO,1936). O trabalho desta Companhia era o de alimentar os pobres, cuidar dos doentes nos hospitais, ir aos domiclios daqueles que necessitassem e realizar o trabalho paroquial. Foi uma das primeiras associaes a realizar cuidados de enfermagem no domiclio, inaugurando um servio importante de assistncia social. Eles reorganizaram os hospitais na Frana, implantando a higiene no ambiente, individualizando os leitos dos enfermos e dirigindo todo o cuidado desenvolvido no hospital (PADILHA e MANCIA, 2005). A idia de planejamento da alta hospitalar, tendo em vista aes voltadas para o reestabelecimento dos clientes, remete s aes acima descritas - higiene no ambiente, individualizao dos leitos dos enfermos e direo de cuidados desenvolvidos no hospital como aquelas que contribuam para a sada dos clientes desses hospitais. O que poderia ser a idia de um planejamento da alta hospitalar. Figura 1: Htel-Dieu", na Frana. (RODERICK, 1985). 36 O primeiro hospital espanhol, fundado por um bispo catlico foi em 580 dC em Mrida era um local que servia de hospedaria para viajantes (principalmente os peregrinos ao santurio de Eullia de Mrida), bem como um hospital para os cidados e agricultores locais. Os alimentos servidos no hospital vinham das fazendas para alimentar seus clientes e clientes. (RODERICK, 1985). Nesse sentido, enquanto os hospitais europeus da idade mdia davam a idia de albergues, hotis e misturavam tanto os viajantes, quanto os prprios doentes; no mundo islmico medieval, a palavra "Bimaristano" foi usada para indicar um estabelecimento hospitalar onde os doentes eram acolhidos, cuidados e tratados por pessoal qualificado (SYED, 2002). O primeiro hospital pblico em Bagd foi aberto no sculo 8 dC. E o primeiro hospital no Egito, foi aberto em 872 dC. Posteriormente surgiram esses locais por todo o imprio islmico da Espanha at a Prsia. J como um sistema desenvolvido, os mdicos davam palestras para estudantes de medicina e diplomas foram emitidos (ijazah) para aqueles que foram considerados qualificados para a prtica (SYED, 2002). Entre os sculos VIII e XII os hospitais muulmanos desenvolveram um alto padro de atendimento. Hospitais em Bagd, no nono e dcimo sculos tinham at 25 funcionrios e mdicos e tinham alas separadas para diferentes condies clnicas. Os hospitais Al-Qairawan e Mesquita, ambos na Tunsia, foram construdos em 830. As construes eram simples, mas equipadas com salas organizadas em salas de espera, uma mesquita e uma sala de banho. O hospital empregava Enfermeiros, incluindo os Enfermeiros do Sudo, assim como os mdicos. Os hospitais tambm foram criados com alas separadas para doenas especficas, de modo que as pessoas com doenas contagiosas podiam ser mantidos afastados de outros clientes (SYED, 2002). Entende-se que os hospitais islmicos na idade mdia eram muito sofisticados diante dos europeus. E, pelo que se tem registrado sobre a organizao dos hospitais islmicos, observado que os cuidados ali prestados se j traduziam em alta dos clientes que passavam por aquelas instituies. Voltando aos hospitais na Europa, ao longo da histria europia, as epidemias dizimaram as populaes a pequenos intervalos e prejudicaram os negcios e o comrcio. A mortalidade infantil era alta e os homens e mulheres que sobreviviam eram 37 atormentados por febres, por doenas decorrentes da m nutrio e outras doenas mal definidas. Junto a isso, o rpido crescimento das cidades durante a revoluo industrial no foi o nico responsvel pelas lamentveis condies de imundcie, suprimentos de gua poluda e de prosmicuidade habitacional que tornaram a vida curta para as pessoas do sculo XIX. (DONNANGELO, 1983, p.85) Antes do sculo XIX eram constantes os esforos para enfrentar os problemas de sade pblica atravs de aes comunitrias e por decretos legislativos. Ainda no sculo XVI, na Inglaterra, o governo fortemente centralizado procurou controlar as epidemias, fez planos de habitao e leis sobre alimentos tinham sido aprovadas (DONNANGELO, 2006, p.87) Porm, os regulamentos no foram aplicados amplamente fazendo de Londres uma cidade com lixos e restos de animais e excretas em suas vias. Entre os sculos XVI e XIX a filosofia do laissez faire predominou e muitos esforos de saneamento foram em vo. (DONNANGELO, 2006, p.89) Logo, Michael Foucault, filsofo e estudioso de vrios livros sobre os hospitais europeus publicados entre os sculos XVI e XIX, fazia crticas ao hospital europeu desta poca, como mostra abaixo: O hospital, como a civilizao, um lugar artificial em que a doena transplantada corre o risco de perder seu aspecto essencial. Ele logo encontra nele um tipo de complicao que os mdicos chamam febre das prises ou dos hospitais: astenia muscular, lngua seca, saburra, rosto lvido, pele pegajosa, diarria, urina descorada, opresso nas vias respiratrias(...) (Foucault, 2006, p.17) Ainda, Foucault (2006, p.17): De modo mais geral, o contato com os outros doentes, nesse jardim desordenado em que as espcies se entrecruzam, altera a natureza da doena e a torna mais dificilmente legvel. (...) Com efeito nenhuma doena de hospital pura. Diante das informaes acima, nessa poca era observado que os hospitais europeus tinham bastante dificuldade de cura dos clientes, tanto por ser um local 38 insalubre, quanto por ser um local onde os doentes chegavam e ali ficavam, com a maioria indo bito, e outra parte sem muitas condies de sada daquele lugar. Isto acontecendo mesmo com a criao de hospitais com fundos privatistas, como o Guy's Hospital, fundado em Londres em 1724, a partir de um comerciante rico. Outros hospitais surgiram em Londres e outras cidades britnicas ao longo do sculo, muitos pagos por contribuies privadas. Nas colnias britnicas da Amrica o Hospital geral da Pensilvnia foi criado na Filadlfia, em 1751 (RODERICK, 1985). O Hospital da Pensilvnia foi o primeiro hospital dos Estados Unidos, sendo fundado em 1751 por Benjamin Franklin e Thomas Bond. O hospital foi o primeiro estabelecimento com o objetivo de cuidado dos doentes, dos feridos e daqueles que sofriam de doenas mentais (PENN MEDICINE, 2010). Nos primeiros anos do hospital, os enfermeiros que cuidavam dos doentes e feridos eram homens e mulheres treinados. Muitas vezes esses atendentes eram ex- clientes que mostraram alguma aptido ou vontade de outros Enfermeiros aps a sua prpria recuperao. Naquela poca, esses trabalhadores eram geralmente os trabalhadores pobres, comandando os baixos salrios e com acesso limitado educao. No entanto, alguns indivduos demonstraram uma verdadeira vocao para o cuidado dos doentes, e foram um grande recurso para a comunidade hospitalar (Penn medicine, 2010). Estes cuidados poderiam ser aes que beneficiavam alguns doentes para sua sada do hospital, ou seja, para as suas altas hospitalares. Assim entende-se que as pessoas atendidas pelo hospital acima eram curadas e ficavam como trabalhadoras da instituio, ou ficavam neste local at irem bito por doenas incurveis na poca ou saiam da instituio curadas pelos cuidados prestados pelos atendentes e pelos mdicos. Em meados do sculo XIX a maioria da Europa e os Estados Unidos haviam estabelecido uma variedade de sistemas hospitalares pblicas e privadas. Na Europa continental, a novos hospitais em geral foram construdos e executados a partir de fundos pblicos (DONNANGELO, 2006, p.87). Atualmente, os hospitais no mundo so geralmente financiados pelo ou setor pblico, ou por organizaes de sade, (com fins lucrativos ou sem fins lucrativos), ou pelas empresas seguradoras de sade ou filantrpicos. Os hospitais hoje so formados 39 por profissionais mdicos, Enfermeiros e outros membros da equipe de sade, com vistas cura, reparao ou reabilitao dos clientes (MICHELI, 2005). No Brasil, ao contrrio dos primeiros hospitais europeus onde a idia era hospedagem, as Santas Casas foram as primeiras instituies hospitalares onde se reuniam os escravos, pobres, mendigos, doentes mentais, leprosos, ou seja, todas as pessoas renegadas da sociedade da poca. Eram cuidadas por freiras e voluntrios, e liberadas quando das suas curas para as moradias, ou quando sendo escravos, de volta para os senhores de engenho (ZARUR, 1979, p.49). A Santa Casa da Misericrdia do Rio de Janeiro, fundada pelo padre Anchieta, em que chegou ao Brasil em 1553, foi um prolongamento da Santa Casa de Lisboa, criada pelo Frei Miguel de Contreiras, com o apoio da Rainha Eleonor, de Portugal (ZARUR, 1979, p.43). Ao longo de 300 anos, foram os ndios, militares, desvalidos e moradores pobres locais, muitos, remanescentes de Portugal - e que compunham a recm criada cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro - foram atendidos por esta instituio. Sempre, com a associao entre a igreja e o Estado, e a responsabilidade tambm pelos funerais desde os nobres, at os escravos (ZARUR, 1979, p.43). Pode-se entender que muitos ndios, militares, desvalidos e moradores pobres locais, foram atendidos na Santa Casa, curados e liberados desta instituio traduzindo- se assim em uma Alta Hospitalar. De 1848 a 1888 foram internados na Santa Casa da Misericrdia mais de 24 mil escravos, a maioria pertencente sociedade escravocrata burguesa. No ano da Lei urea, ainda esteve em tratamento 21 escravos (ZARUR, 1979, p.49). Segundo o mesmo autor, a Santa Casa teve escravos, porm, tinham bom tratamento e assistncia. Em 1853, foi proposto a compra de uma mulher curada, onde alegaram que prestava bons servios como auxiliar de enfermeira (ZARUR, 1979, p.49). Jos Clemente se ops situao citando que no possvel tratar-se da compra da escrava, porque o hospital no poderia e no deveria comprar mais escravos. Se a mesma est restabelecida, o mdico respectivo tem faltado a seu dever, deixando de dar-lhe alta (ZARUR, 1979, p.54). 40 Perante as informaes citadas o hospital, que antes era um local destinado a pobres, escravos e viajantes, com religiosos e voluntrios atuantes no cuidado, passou a ter cientificidade com os mdicos que, entraram no cenrio organizando os tipos de clientes e as enfermarias no sentido de liberar os curados a fim de admitir mais pessoas para o atendimento. Seja por interesse social, religioso ou econmico das civilizaes. B) A alta hospitalar no contexto da sade No que se refere viso da medicina, o termo alta hospitalar abrange principalmente, aspectos focados no censo de clientes para auditoria hospitalar, ou seja, para facilitao estatstica da movimentao de clientes; alm da liberao dos mesmos pelo diagnstico mdico. Um documento elaborado pelo Ministrio da Sade, em 2002, destaca que as estatsticas hospitalares so fundamentais para as atividades de planejamento e avaliao da utilizao de servios de sade no mbito do Sistema nico de Sade (SUS). Dentre os termos tcnicos, h a fase da sada do hospital onde, a sada do paciente da unidade de internao por alta (curado, melhorado ou inalterado), evaso, desistncia do tratamento, transferncia interna, transferncia externa ou bito (p.12). O mesmo documento traz como nota tcnica as sadas por alta ou transferncia so consideradas sadas com pareceres mdicos favorveis e as sadas por evaso ou desistncia do tratamento so consideradas sadas com pareceres mdicos desfavorveis. Vem dizendo este documento que a Alta um: Ato mdico que determina a finalizao da modalidade de assistncia que vinha sendo prestada ao paciente, ou seja, a finalizao da internao hospitalar. O paciente pode receber alta curado, melhorado ou com seu estado de sade inalterado. O paciente poder, caso necessrio, passar a receber outra modalidade de assistncia, seja no mesmo estabelecimento, em outro ou no prprio domiclio. (BRASIL, 2002, p.12) Os escritos acima ainda traduzem uma viso mdica hegemnica, mecanicista e reduc ionista da alta hospitalar. Inclusive expresso por outros profissionais ainda em 41 forma de rotinas tais como exemplo, uma rotina de alta hospitalar de um municpio do interior de So Paulo. Figura 2: Rotina de alta hospitalar de um hospital municipal do SUS. Fonte: Rojas, M. So Paulo, 2008. Esta rotina mesmo sendo elaborada por enfermeira, ainda deixa clara a dependncia do mdico nas aes subsequentes, fazendo um esquema linear, alm de no explicitar quais orientaes devem ser dadas aos clientes na sada do hospital. O termo paciente usado; e a frase orientar quando for necessrio ainda exprime o domnio mdico sobre esta ao. C) A alta hospitalar no contexto do direito No contexto do direito, a alta hospitalar vem descrita atravs de portarias, tais como, a Portaria n 356, de 20 de fevereiro de 2002, que define alta como sendo (...) ato mdico que determina a finalizao de uma modalidade de assistncia que vinha sendo prestada ao paciente at o momento, por cura, melhora, inalterado, por pedido ou transferncia. O paciente poder, caso necessrio, passar a receber outra 42 modalidade de assistncia, seja no mesmo estabelecimento, em outro ou no prprio domiclio (BRASIL, 2002). Na idias centrais do direito, quando um paciente est internado em uma instituio hospitalar, sob os cuidados de um mdico, prerrogativa mdica decidir acerca do melhor momento para concesso (ou no) da alta hospitalar, pois o mdico quem detm os conhecimentos tcnicos e pode prever as conseqncias de sua atitude, dentro das circunstncias normais esperadas. (TIMI, MERCER, MARQUARDT, 2004). Apesar das idias acima, a alta hospitalar para os mdicos e para a rea do direito ainda geram dvidas, uma vez que, o prprio Conselho Federal de Medicina de So Paulo, quando esbarra na alta a pedido dos clientes cita que: Os mdicos deparam-se, cotidianamente, com este dilema: respeitar a autonomia do paciente e conceder a alta hospitalar, mesmo sabendo que esta deciso poder trazer prejuzos sade do paciente, ou recusar-se a atender o pedido, mantendo o paciente internado mesmo contra sua vontade, tendo como norte o princpio da beneficncia, uma vez que o direito vida indisponvel e ao mdico cabe zelar pela vida (CFMSP,2005). A evoluo cientfica e tecnolgica recente na rea mdica aumentou em muito a complexidade dos fatores envolvidos na escolha de um ou outro tipo de tratamento e a relao mdico-paciente est tentando adaptar-se a esta evoluo. O mdico formado pelo princpio da beneficncia, o qual estabelece que deva fazer o bem aos outros, independentemente de desej-lo ou no (GOLDIM, 2006). Assim, a velha frmula de entender que o mdico sabe sempre o que bom para o paciente sem nenhuma justificativa ou consentimento do paciente ou de seus familiares, vai sendo paulatinamente substituda por outra, onde as pessoas exigem o direito de saber as razes e o intuito do que nelas se faz (FRANA, 2005). Juridicamente, o respeito autonomia do cliente, no que se refere ao poder de tomar decises sobre sua sade e sua vida; de sujeito passivo passou a titular de direito e o mdico de sujeito ativo passou a titular de uma obrigao. No Cdigo Civil de 2002, um exemplo est no artigo 15 Ningum pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento mdico ou a interveno cirrgica. Este artigo figura 43 dentro do captulo dos Direitos da Personalidade e inovao no Cdigo Civil. (BRASIL 2004). Existe o reconhecimento do direito autonomia do cliente na Lei Orgnica da Sade (Lei 8080/90), em seu artigo 7o, III: As aes e servios pblicos de sade e os servios contratados ou conveniados que integram o SUS, so desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituio Federal, obedecendo ainda aos seguintes princpios: Preservao da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade fsica e moral (BRASIL, 1990) Recentemente, o Ministrio da Sade editou a portaria nmero 675/GM de 30 de maro de 2006 que aprova a Carta dos Direitos dos Usurios da Sade, onde afirma que direito do usurio o consentimento ou a recusa de forma livre, voluntria e esclarecida, depois de adequada informao, a quaisquer procedimentos diagnsticos, preventivos ou teraputicos, salvo se isto acarretar risco sade pblica. (BRASIL, 2006) Na atualidade, o cdigo de defesa do consumidor entra com o entendimento de que a relao estabelecida entre o paciente e o mdico uma relao contratual, um contrato de prestao de servios. Uma dualidade est inserida no cotidiano do mdico: por um lado deve estabelecer uma relao com seu paciente onde o vnculo que se forma gere confiana para ambos; por outro lado, o que se tem uma relao estritamente de natureza contratual entre duas partes, as quais devem se portar de acordo com a legislao atinente aos contratos. Ora, na formao acadmica dos mdicos deveria ento estar includa a disciplina de Contratos ou talvez de Direito do Consumidor (SANSEVERINO, 2002). Diante dos descritos acima, as leis que regem atualmente a autonomia dos clientes, e o reforo com o novo cdigo civil brasileiro e as leis de defesa do consumidor, vo ampliando as possibilidades de opinio do cliente perante as condutas mdicas, mais especificamente, no que refere alta hospitalar desses clientes. Somados a estas informaes temos, conforme descrito no capitulo anterior desta dissertao, a enfermagem com suas legislaes acerca da alta hospitalar; que ressalta que o enfermeiro, atravs do decreto 94.406 de 1987 do COFEN, pode fazer (...) o planejamento, organizao, coordenao, execuo e avaliao dos servios da 44 assistncia de enfermagem. E, como integrante da equipe de sade a participao na elaborao, execuo e avaliao dos planos assistenciais de sade e (...) executar os trabalhos de rotina vinculados a alta de pacientes. Reforando que o termo rotina nesse decreto j no nos soa bem. Pois, pelas idias preconizadas atualmente na enfermagem e por estarmos numa poca de pensamentos complexos, com tendncia s atitudes transdisciplinares, a rotina um termo que nos enrijece ainda. Cabe ressaltar que, este decreto vem complementando a resoluo COFEN 358/2009, que se aplica a Sistematizao da Assistncia de Enfermagem (SAE) para as orientaes de alta. D) Conceitos da alta hospitalar no contexto da enfermagem A alta hospitalar cercada na enfermagem de vrios conceitos onde, entende-se por alta hospitalar a transferncia de cuidados do cliente que se encontra no hospital para outros contextos, como o domiclio. A alta hospitalar tem por finalidade fazer uma transferncia segura, sem dificuldades para o cliente e para os seus cuidadores, alm de diminuir as chances de reinternaes e, em consequncia, evitar custos desnecessrios para o sistema de sade (HUBER, McCLELLAND, 2003). Para que a alta se estabelea necessrio que se faa um planejamento, junto aos profissionais que compem a equipe de sade, ou seja; a alta deve ser planejada pela equipe multiprofissional responsvel pelo cuidado ao cliente e a sua implementao deve ter incio logo aps o estabelecimento da teraputica (PEARSON, et al, 2004; ZWICKER, PICARIELLO, 2003). O planejamento da alta comea com a internao do cliente. Esta atividade envolve a identificao das necessidades do cliente e a criao de um planejamento completo para atend-las. A comunicao com o cliente e a famlia e a cooperao de ambos so essenciais. Apesar da especificidade da enfermagem no planejamento de alta, este realizado de modo interdisciplinar, o que envolve os outros profissionais da 45 equipe de sade e instituies vinculadas. (PEARSON, et al, 2004; ZWICKER, PICARIELLO, 2003). O envolvimento interdisciplinar se torna necessrio por conta das atividades de encaminhamentos, acompanhamentos e, principalmente, da efetividade das aes do cuidado em sade do cliente que sai do hospital. A alta hospitalar uma etapa importante da sistematizao da assistncia de enfermagem, pois, direciona o plano e a implementao das aes, no decorrer do perodo entre a admisso e a alta hospitalar propriamente dita, com a finalidade de prever a continuidade do cuidado ao cliente no domiclio (PEREIRA, et. al, 2007, p.44). Esta implementao de aes requer um planejamento - o planejamento da alta hospitalar o qual entendido como um acordo entre o enfermeiro, o cliente e sua famlia, ainda no hospital, onde o enfermeiro envia o plano completo para casa do cliente aps sua alta, com destaque nas necessidades de cuidado do cliente e na readaptao sua vida familiar (TOMURA et al, 2011). O momento da internao do cliente o inicio do planejamento da alta hospitalar. Essa atividade envolve a identificao das necessidades do cliente e a criao de um planejamento completo para atend-las (JACK et al, 2009). A comunicao com o cliente e a famlia e a cooperao de ambos so essenciais. Apesar da especificidade da enfermagem no planejamento de alta, este realizado de modo interdisciplinar, o que envolve os outros profissionais da equipe de sade e instituies vinculadas (FOUST, 2007). Segundo a OMS o planejamento da alta se torna uma estratgia de preparo do cliente para assumir responsabilidades pela continuidade do seu cuidado. Em conseqncia, o Sistema nico de Sade (SUS) atravs de suas diretrizes, que regem valores como a integralidade da assistncia, reconhece o plano de alta hospitalar como processo em que contempla o cliente em seus diversos aspectos e necessidades (ZAGO, 2000). Segundo Huber e Mcclelland (2003), o planejamento da alta hospitalar torna-se uma forma organizada de expressar todas as atividades determinadas pelas condies especficas de cada cliente; deve ser elaborado com a participao de todos os profissionais que atuam diretamente com o cliente, a partir da existncia de um 46 prognstico diante do tratamento adotado e uma previso de alta, que determinada pelo mdico. Em prtica observa-se que a participao de todos profissionais em alguns casos no se torna possvel, principalmente quando o enfermeiro no est envolvido neste elo. Observa-se que o enfermeiro, por vezes, no consegue estabelecer este contato com o cliente, deixando de fazer ou participar do planejamento da alta, seja por causa da presena de uma equipe fechada ao dilogo, ou por conta de aes administrativas que dificultam o contato mais prximo com os clientes. Smeltzer e Bare (2002) destacam que apesar do cliente estar ansioso para retornar ao lar, ele e sua famlia geralmente ficam apreensivos em relao mudana. Completam ainda que, com freqncia, os membros da famlia expressam seu temor de no estarem aptos a cuidar do cliente em casa, preocupando-se, geralmente, por no estarem preparado para lidarem com as complicaes que podero acontecer. Dentro deste contexto, o enfermeiro pode agir em vrios pontos diferentes durante o perodo de internao, ajudando a pessoa hospitalizada a ter uma viso diferente daquele local, esclarecer-lhe dvidas que podem estar lhe causando transtornos. Alm de valorizar sua opinio, sabendo ouvir o cliente em todos os momentos e aproveitar todo tempo de atendimento deste cliente para por o Planejamento de Alta em prtica, com base nos ensinamentos sobre o manejo da sade e da doena; bem como dos ensinamentos interdisciplinares que a enfermagem participa. Isto remete s orientaes finais realizadas no planejamento da alta, o cliente deve receb-las antes do momento previsto da sua sada formal do hospital. Deve-se evitar um acmulo de informaes neste momento, com a finalidade de possibilitar a compreenso das informaes fornecidas e o esclarecimento das dvidas pelos clientes (MIASSO E CASSIANI, 2005). Smeltzer e Bare (2002) referem que as necessidades de aprendizado dos clientes precisam ser identificadas e abordadas, sempre que necessrio. Salientam ainda que o nvel funcional do indivduo, seus mecanismos de aceitao e os sistemas de apoio so de primordial importncia. Ou seja, o planejamento da alta hospitalar pelo enfermeiro para o cliente de extrema importncia para que a evoluo e a reabilitao do cliente diante da internao sejam de forma eficaz. 47 O modo interdisciplinar est intrnseco no planejamento da alta hospitalar por conta dos encaminhamentos, dos acompanhamentos e, principalmente, da efetividade das aes do cuidado em sade do cliente que sai do hospital. A interdisciplinaridade compreendida como uma etapa de um processo contnuo, com os profissionais trabalhando juntos e com paralelismo de pontos de vista, os quais se entrelaam em campos comuns a um conjunto do saber (POMBO, 2005, p.13) - no caso, o planejamento da alta hospitalar. CAPTULO 3. PERCURSO DO MTODO Para o desenvolvimento desta pesquisa teve-se por opo a abordagem qualitativa, pois, implica em estudos mais aprofundados referentes s tcnicas qualitativas Leopardi (2001). Tambm do tipo descritivo e exploratrio, em que, para o objeto de investigao planejamento da alta hospitalar permitiu um caminho descoberto por um novo olhar. Foram realizadas 45 horas de observao; 2 horas e 40 minutos de entrevistas a 10 enfermeiros, tendo uma mdia 16 minutos por entrevistas; e pesquisados 13 pronturios referentes alta hospitalar no cenrio de estudo. 3.1 Abordagem e tipo de pesquisa Conforme dito acima, para a realizao desta pesquisa optou-se pela abordagem qualitativa a qual definida por Minayo (2003, p.21): A pesquisa qualitativa responde a questes muito particulares. Ela se preocupa nas cincias sociais, com um nvel de realidade que no pode ser quantitativo. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, motivos, aspiraes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais 49 profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos que no podem ser reduzidos operacionalizao de variveis. Leopardi (2002, p.117), descreve a pesquisa qualitativa como aquela utilizada quando no se usa instrumentos de medida, e sim dados subjetivos. Quando o interesse no est focalizado em contar o nmero de vezes em que uma varivel aparece, mas sim que qualidade elas apresentam. Com este tipo de pesquisa, tenta-se compreender um problema da perspectiva dos sujeitos que o vivenciam, ou seja, parte de sua vida diria, sua satisfao, desapontamentos, surpresas e outras emoes, sentimentos e desejos. Atenta-se, portanto, ao contexto social no qual o evento ocorre. (LEOPARDI, 2002, p.117). Em geral, quando os dados se tornam repetitivos, pode-se considerar a amostra suficiente. Mas este critrio deve ser usado com cautela. A repetio de dados deve ser consistente e perdurar para representar mais de cinqenta por cento dos dados coletados ou por mais de dez casos ou mais, de acordo com a percepo do autor (LEOPARDI, 2001). Esta pesquisa foi do tipo descritivo e exploratrio. descritivo, pois tem como um dos objetivos principais a descrio das caractersticas de um determinado fenmeno (HANDEN, GESTEIRA, MATIOLI, 2004). Para as autoras, a pesquisa descritiva junto com as exploratrias, as que habitualmente so realizados pelos pesquisadores sociais preocupados com a atuao prtica ( ibid,p.104). uma pesquisa do tipo exploratrio, uma vez que esse tipo de investigao tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idias, com vistas na formulao de problemas mais precisos ou hipteses pesquisveis para estudos posteriores. Habitualmente envolvem levantamento bibliogrfico e documental, entrevistas no padronizadas, e estudos de caso. Procedimentos de amostragem e tcnicas quantitativas de coleta no so aplicveis nestas pesquisas (GIL, 2001). Ou seja, a pesquisa exploratria permite ao investigador aumentar sua experincia ao torno de um determinado problema. Consiste em explorar tipicamente a primeira aproximao de um tema e visa criar maior familiaridade em relao a um fato ou fenmeno (LEOPARDI, 2001, p.138). 50 3.2 Histrico e descrio do cenrio de pesquisa O cenrio para o desenvolvimento desta pesquisa o Hospital Universitrio Antnio Pedro (HUAP) vinculado Universidade Federal Fluminense (UFF), do servio pblico federal, situado em Niteri, no Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente, nas unidades de internao clinica e cirrgica. O HUAP foi criado originalmente com o nome de Hospital Municipal Antnio Pedro, em 14 de dezembro de 1950, em homenagem ao clnico geral Antnio Pedro Pimentel. Em sua inaugurao, no dia 15 de janeiro de 1951, possua 350 leitos e era completamente equipado com modelos novos para poca (UFF, 2002). O HUAP uma das maiores e mais complexas unidades de sade de Niteri. considerado na hierarquia do SUS como hospital de nvel tercirio e quaternrio, isto , hospital regional de alta complexidade de atendimento, que atende, alm do municpio de Niteri, os municpios vizinhos abrangendo uma populao estimada em mais de dois milhes de habitantes (UFF, 2002). Atualmente, o HUAP se encontra em processo de acreditao ( processo que as organizaes de sade utilizam para avaliar e aprimorar a qualidade dos servios prestados2) onde tem passado por uma srie de reformas nas suas dependncias, que buscam a revitalizao e melhoria do hospital. (UFF, 2011). A escolha foi determinada devido localizao e a acessibilidade aos Enfermeiros e aos documentos da instituio, bem como, por ter vnculo com a Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, da UFF, a qual o programa de Mestrado Acadmico em Cincias do Cuidado em Sade se desenvolve com aulas tericas. A pesquisa ocorreu nos dois andares do HUAP, ambos com os corredores extensos, um pouco escuros, em que continham 52 leitos cada andar (26 clnicos e 26 cirrgicos), dois postos de enfermagem em cada andar. De acordo com Lakatos (2001, p.186) a pesquisa de campo, tem o objetivo de conseguir informaes ou conhecimentos sobre o problema para o qual se procura uma resposta, que se queira comprovar, ou ainda, descobrir novos fenmenos ou as relaes entre eles. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 2. Definio de Acreditao por: ORGANIZAO NACIONAL DE ACREDITAO. Diagnstico organizacional simplificado