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CNT TRANSPORTE ATUAL JULHO 2010 44 O visual que se tem de dentro da suposta locomotiva - os tri- lhos, o trajeto, as con- dições da topografia e do clima – remete à situação real vivida em uma ferrovia. E a visão tridi- mensional da paisagem faz a viagem parecer ainda menos fictícia. Com o uso da tecnolo- gia 3D e outras inovações, a Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) desenvolveu um simulador de realidade virtual que deve começar a operar de fato neste segundo semestre. Serão reproduzidas as malhas da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas), EFC (Estrada de Ferro Carajás), FNS (Ferrovia Norte-Sul) e FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), todas operadas pela Vale. São mais de 10 mil quilômetros de linha. No mês de agosto, come- çam os treinamentos e até o final do ano pelo menos 540 maquinistas devem passar pela capacitação neste novo ambiente virtual. O objetivo é treinar os maquinistas com tecnologia de ponta, buscando obter mais segurança nas operações, eco- nomia de combustível e menos desgaste das locomotivas e vagões. A USP começou a desenvolver o simulador em 2008, sob encomenda da Vale. Um grande diferencial é que o software incorpora várias modernidades tecnológicas que os atuais simuladores, importados até então pela Vale, não têm, conforme expli- ca o coordenador do convênio de pesquisa, Roberto Spinola Barbosa, professor e pesquisa- dor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica. Entre as funcionalidades inovadoras está a leitura de dados georreferenciados (lon- gitude e latitude). “A topografia da via férrea vem de mapas georreferenciados de fotos de satélites. É possível enxergar as montanhas exatamente como elas são. Todo o relevo é fide- digno”, diz o coordenador do projeto na USP. Esse sistema permite que as imagens sejam sempre atualizadas. Outra novidade é a visualiza- ção das imagens produzidas em 3D, que permite enxergar com profundidade. É possível tam- bém mostrar o comportamento do trem, ao longo de todo o tra- jeto de uma ferrovia, sob dife- Nos trilhos virtuais USP desenvolve simulador com tecnologia 3D; maquinistas serão treinados neste semestre POR CYNTHIA CASTRO FERROVIÁRIO

FERROVIÁRIO Nos trilhos virtuais - usp.br · frenagem, de tração e do freio, tempo de percurso, consumo de combustível e procedimen-tos de segurança. A tecnologia utilizada no

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CNT TRANSPORTE ATUAL JULHO 201044

Ovisual que se tem dedentro da supostalocomotiva - os tri-lhos, o trajeto, as con-

dições da topografia e do clima– remete à situação real vividaem uma ferrovia. E a visão tridi-mensional da paisagem faz aviagem parecer ainda menosfictícia. Com o uso da tecnolo-gia 3D e outras inovações, aEscola Politécnica da USP(Universidade de São Paulo)desenvolveu um simulador derealidade virtual que devecomeçar a operar de fato nestesegundo semestre.

Serão reproduzidas as

malhas da EFVM (Estrada deFerro Vitória a Minas), EFC(Estrada de Ferro Carajás), FNS(Ferrovia Norte-Sul) e FCA(Ferrovia Centro-Atlântica),todas operadas pela Vale. Sãomais de 10 mil quilômetros delinha. No mês de agosto, come-çam os treinamentos e até ofinal do ano pelo menos 540maquinistas devem passar pelacapacitação neste novoambiente virtual.

O objetivo é treinar osmaquinistas com tecnologia deponta, buscando obter maissegurança nas operações, eco-nomia de combustível e menos

desgaste das locomotivas evagões. A USP começou adesenvolver o simulador em2008, sob encomenda da Vale.

Um grande diferencial é queo software incorpora váriasmodernidades tecnológicasque os atuais simuladores,importados até então pelaVale, não têm, conforme expli-ca o coordenador do convêniode pesquisa, Roberto SpinolaBarbosa, professor e pesquisa-dor do Departamento deEngenharia Mecânica daEscola Politécnica.

Entre as funcionalidadesinovadoras está a leitura de

dados georreferenciados (lon-gitude e latitude). “A topografiada via férrea vem de mapasgeorreferenciados de fotos desatélites. É possível enxergar asmontanhas exatamente comoelas são. Todo o relevo é fide-digno”, diz o coordenador doprojeto na USP. Esse sistemapermite que as imagens sejamsempre atualizadas.

Outra novidade é a visualiza-ção das imagens produzidas em3D, que permite enxergar comprofundidade. É possível tam-bém mostrar o comportamentodo trem, ao longo de todo o tra-jeto de uma ferrovia, sob dife-

Nos trilhosvirtuais

USP desenvolve simulador com tecnologia 3D;maquinistas serão treinados neste semestre

POR CYNTHIA CASTRO

FERROVIÁRIO

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rentes condições climáticas,como dias de sol, neblina echuva. Também podem ser pro-jetadas diversas situações derisco para que o maquinistateste a sua habilidade em con-tornar os problemas, como ani-mais cruzando a linha duranteo dia ou à noite, descidas ousubidas mais íngremes e curvasacentuadas.

Em um ambiente de realida-de virtual, o simulador consi-dera todas as característicasde um trem - aderência daroda ao trilho, eficiência dafrenagem, de tração e do freio,tempo de percurso, consumo

de combustível e procedimen-tos de segurança.

A tecnologia utilizada nosimulador permite ainda que asupervisão do treinamento sejavia Internet. Um supervisorpode controlar, simultanea-mente, mais de uma área detreinamento em locais distin-tos. Os treinamentos previstospara este ano devem ocorrer noCentro de Excelência emLogística da Vale, em Vitória(ES), e em São Luís (MA).

Também haverá uma unida-de móvel, que deve circular ini-cialmente nos arredores daFerrovia Centro-Atlântica, ondeos maquinistas poderão sertreinados, em cidades diferen-tes. Deverão ser instaladas, nototal, 24 cabines de treinamen-to. Os cursos duram uma sema-na e os trabalhadores farão tes-tes de avaliação.

O equipamento que possibi-lita a reprodução fiel dasmalhas ferroviárias recebeuinvestimentos da Vale da ordemde R$ 2,5 milhões e pelo menosmais R$ 1 milhão será investidono aperfeiçoamento. Segundo ogerente-geral de Inovação eDesenvolvimento Ferroviário daVale, Gustavo Mucci, a empresabusca o uso de ferramentas desimulação para treinamentodesde 2001.

“Sabemos que precisamos

USP/DIVULGAÇÃO

INOVAÇÕESVeja alguns projetos da indústria ferroviária brasileira

• Vagões de elevada capacidade, para transporte de minério de ferro• Vagões graneleiros com sistema de descarga longitudinal e acionamento

simultâneo de portas por apenas um operador• Vagões tanques para transporte de gás natural liquefeito, para abasteci-

mento de locomotivas em movimento• Freio eletropneumático para vagões de carga• Locomotivas diesel-elétricas de 4.400 HP, corrente alternada• Locomotivas diesel-hidráulicas, para manobra e linha• Carros de passageiros com ar-condicionado, circuito fechado de TV e itens

de acessibilidade, como portas mais amplas para cadeirantes• Utilização de dormentes de concreto em larga escala, favoráveis ao meio

ambienteFonte: Abifer

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Ganho com as concessõesPRODUTIVIDADE

As inovações tecnológi-cas no modal ferroviárioaumentaram a partir dasconcessões para a iniciati-va privada, entre 1996 e1998, e se intensificaramespecialmente no últimoano. A avaliação da Abifer(Associação Brasileira daIndústria Ferroviária) refe-re-se aos fabricantes deequipamentos, empresasde engenharia, empresasque fazem reparação emvagões, entre outros atuan-tes no modal.

“As concessões foramfundamentais. Passou ahaver investimento narecuperação das vias, dosvagões e das locomotivas.As concessionárias fizeramcom que a indústria ressur-gisse. À medida que aestrada de ferro se degra-dava, a indústria ia fechan-do as suas portas”, avalia opresidente da Abifer,Vicente Abate, ao comentarainda que as concessioná-rias têm aumentado acapacidade dos trilhos eisso é muito importantepara o setor.

Um exemplo de melhoriatecnológica que influenciouna produtividade diz respeitoao vagão para minério deferro. Abate diz que em 1997esse vagão tinha 25 tonela-das de tara, ou seja, o vagãovazio pesava 25 toneladas.Em 2000, a indústria desen-

volveu outro tipo de vagãoque reduziu a tara de 25 para19 toneladas.

“Houve um ganho de 6toneladas de carga útil. Seantes podia, por exemplo,carregar 95 toneladas decarga, passou a poderlevar 101 toneladas.” A taraé o peso de um veículovazio. Se somar a tara e acarga útil, chega-se aopeso bruto do vagão.

Essa redução do peso novagão para minério de ferrofoi possível, segundo o pre-sidente da Abifer, a partirdo desenvolvimento de umtipo de aço, junto à indús-tria siderúrgica, que tem aresistência necessária parao transporte do produto,mas é de uma espessuramenor. Desta forma, houvemelhoria da produtividade.Algumas concessionáriastambém têm aumentado acapacidade da via.

“Teve então o esforço daferrovia em aumentar a capa-cidade do trilho e um esforçodo fabricante de elevar acapacidade do vagão”, diz opresidente da Abifer. Segundoele, estão sendo feitos testespara a operação de vagões dedescarga automática, quedescarregam em movimento,agilizando o processo. “Sãomuitas inovações que vêmocorrendo. Algumas delastambém buscam otimizar osistema de carga e descarga.”

MODERNO Novo simulador, desenvolvido no Brasil, tem

melhorar sempre a performan-ce operacional. É importantesubmeter os maquinistas aalgumas situações que talvezeles demorariam alguns anospara vivenciar. São situaçõesbem próximas do limite e éimportante prepará-los paraisso”, diz Mucci, ao ressaltar apossibilidade de simular incên-dios na via e tempestades. Ocomportamento dos maquinis-tas será avaliado em cada caso,

para que as atitudes incorretaspossam ser corrigidas.

O coordenador do projeto naUSP comenta, por exemplo, quena Estrada de Ferro Vitória aMinas há uma serra que requermuita atenção na condução.“Com o simulador, é possíveltreinar como controlar comprecisão o sistema de freios. Háum treinamento sobre a condi-ção segura.”

Até então, os simuladores

qualidade superior aos produtos que existem no mercado internacional

SIMULADOR DE REALIDADE VIRTUALSaiba mais sobre o aparelho da Vale

O que faz• Possibilita a reprodução fiel das malhas ferroviárias operadas pela Vale e

de outros cenários criados, em tecnologia 3D

Investimento• Recebeu até então investimentos de R$ 2,5 milhões• Neste próximo ano, deve ser investido mais R$ 1 milhão no

aperfeiçoamento dos módulos do novo simulador

Objetivo• Treinar maquinistas com uma tecnologia de ponta totalmente brasileira• O resultado será mais segurança nas operações, economia de combustível

e redução de desgaste das locomotivas e vagões

Trajetos• Serão reproduzidas no computador, por meio de um software, as malhas

da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas), EFC (Estrada de Ferro Carajás),FNS (Ferrovia Norte-Sul) e FCA (Ferrovia Centro-Atlântica)

• Juntas, elas somam mais de 10 mil quilômetros de linha

Tecnologia• A imagem produzida em 3D é capaz de mostrar o comportamento do trem,

ao longo de todo o trajeto de uma ferrovia, sob diferentes condiçõesclimáticas

• Por meio de um sistema chamado de georreferenciamento, o simuladortambém pode criar diferentes malhas ferroviárias que não existem

• Podem ser projetadas situações de risco, como animais cruzando a linhado trem à noite

Inovações• A leitura de dados georreferenciados (latitude e longitude) permite

determinar, por meio da visão em 3D, todas as características topográficasdo relevo da malha ferroviária

• Há a simulação do movimento dos trens, inclusive de situações como curvas acentuadas e desníveis

• O software é instalado em cabines de treinamento, que são a reproduçãode uma cabine de locomotiva modelo Dash 9

• O simulador considera também todas as características de um trem:aderência da roda ao trilho, eficiência da frenagem, de tração e do freiodinâmico, tempo de percurso, consumo de combustível e procedimentosde segurança

Fonte: Vale

SAGRILO/VALE/DIVULGAÇÃO

utilizados pela empresa eramadquiridos nos Estados Unidos,por meio de licenças anuaispagas. De acordo com o coorde-nador do projeto, esse novoequipamento, desenvolvido noBrasil, tem uma qualidade finalsuperior aos produtos que exis-tem no mercado internacional,que são mais antigos.

No software utilizado nestenovo simulador, a imagem queo maquinista vê é ainda mais

próxima da realidade, mostracom muita riqueza de detalhesos cenários por onde o tremestá passando. É possível fazera simulação tanto das ferroviasjá existentes como tambéminserir novos traçados.

O gerente de inovação edesenvolvimento ferroviário daVale ressalta que, além de pro-porcionar uma condução maissegura, o novo simulador tam-bém será utilizado como ferra-

menta de estudo e haveráainda o foco na economia.“Quando o maquinista conse-gue entender melhor o trem,ele consegue também uma con-dução mais econômica. Há umamelhora da eficiência energéti-ca”, afirma.

Segundo o coordenador doprojeto na USP, os códigos utili-zados no simulador de tremforam desenvolvidos no Brasil,o que acaba com a dependência

dos sistemas importados.“Tanto a Vale quanto a USP acu-mularam muito conhecimentona área, principalmente no quese refere ao comportamentodinâmico do trem. A experiên-cia agora pode ser replicada emoutras áreas da companhia",afirma Barbosa. A Vale tam-bém deverá usar o novo simu-lador em operações ferroviá-rias em outros países, comoColômbia e Moçambique. l