Filosofia Da Educação UFSC

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    Centro de Educao a Distncia

    Universidade do Estado de Santa Catarina

    Universidade Aberta do Brasil

    Filosofia da

    EDUCAO

    FLORIANPOLISCEAD/UDESC/UAB

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    Copyright CEAD/UDESC/UAB, 2011

    Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prvia autorizao desta instituio.

    1 Edio - Caderno Pedaggico

    Governo Federal

    Presidente da RepblicaDilma Rousseff

    Ministro de EducaoFernando Haddad

    Secretrio de Educao

    a Distncia/MECJoo Carlos Teatini deSouza Climaco

    Diretor da Educao aDistncia da CAPES/UABJoo Carlos Teatini deSouza Climaco

    Governo do Estado deSanta Catarina

    GovernadorJoo Raimundo Colombo

    Secretrio da EducaoMarco Antnio Tebaldi

    UDESCReitorSebastio Iberes Lopes Melo

    Vice-ReitorAntonio Heronaldo de Sousa

    Pr-Reitora de Ensinode GraduaoSandra Makowiecky

    Pr-Reitor de Extenso,Cultura e Comunidade

    Paulino de Jesus F. CardosoPr-Reitor de AdministraoVincius A. Perucci

    Pr-Reitor de PlanejamentoMarcus Tomasi

    Centro de Educaoa DistnciaDiretor GeralEstevo Roberto Ribeiro

    Diretora de Ensino deGraduaoAdemilde Silveira Sartori

    Diretora de Pesquisa e Ps-GraduaoSonia Maria Martins de Melo

    Diretora de ExtensoSolange Cristina da Silva

    Diretor de AdministraoIvair De Lucca

    Coordenadora CursoCEAD/UDESCRose Clr Beche

    Secretria de Ensino deGraduaoMaria Helena Tomaz

    Universidade Aberta do Brasil

    Coordenador GeralEstevo Roberto Ribeiro

    Coordenador AdjuntoIvair De Lucca

    Coordenadora de CursoCarmen Maria Cipriani Pandini

    Coordenadora de TutoriaFtima Rosana Scoz Genovez

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    Caroline Jaques Cubas

    Lidnei Ventura

    Florianpolis

    Diretoria da Imprensa Oficiale Editora de Santa Catarina

    2011

    Filosofia da EducaoCaderno Pedaggico

    1 edio

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    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    Programando os estudos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    CAPTULO 1- A Filosofia e o Pensamento Educacional: Impregnaes Mtuas. . . . . . . 15

    Seo 1- O conhecimento filosfico: natureza e caractersticas . . . . . . . . . . . 18

    Seo 2- A Filosofia da Educao: olhar reflexivo sobre o objeto

    e d u c a c i o n a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 6

    Seo 3- Tendncias atuais da Filosofia da Educao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    CAPTULO 2- Do Mito Inveno da Razo: Contribuies da Filosofia Clssica

    e Medieval para o Pensamento Educacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    Seo 1- A racionalidade do mito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

    Seo 2- Os filsofos pr-socrticos e o princpio daphysis . . . . . . . . . . . . . . . 53

    Seo 3- A inveno da razo: Scrates, Plato e Aristteles

    as bases da racionalidade ocidental e suas implicaes

    p e d a g g i c a s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 7

    Seo 4- O Helenismo e o pensamento medieval: universalizao dar a c i o n a l i d a d e o c i d e n t a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 7

    Seo 5- A razo transformada em f: Santo Agostinho, So Toms de

    Aquino e o pensamento medieval . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

    CAPTULO 3- O Pensamento Moderno e Contemporneo e a Educao . . . . . . . . . . . . . 99

    Seo 1- O pensamento moderno e a educao como iluminao . . . . . . 103

    Seo 2- Renascimento da dialtica: a Filosofia da Prxis e a educao . . 110

    Seo 3- Poltica, tica e liberdade: o pensamento contemporneo

    na educao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

    Sumrio

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    Apresentao

    Prezado(a) estudante,

    Voc est recebendo o Caderno Pedaggico da disciplina deFilosofia daEducao. Ele foi organizado, didaticamente, a partir da ementa e objetivosque constam no Projeto Pedaggico do seu Curso de Pedagogia a Distncia daUDESC.

    Este material foi elaborado com base na caracterstica da modalidade de ensinoque voc optou para realizar o seu percurso formativo o ensino a distncia. um recurso didtico fundamental na realizao de seus estudos; organiza ossaberes e contedos de modo que voc possa estabelecer relaes e construirconceitos e competncias necessrias e fundamentais a sua formao.

    Este Caderno, ao primar por uma linguagem dialogada, busca problematizara realidade aproximando a teoria e prtica, a cincia e os contedos escolares,por meio do que se chama de transposio didtica - que o mecanismode transformar o conhecimento cientfico em saber escolar a ser ensinado eaprendido.

    Receba-o como mais um recurso para a sua aprendizagem, realize seus estudosde modo orientado e sistemtico, dedicando um tempo dirio leitura. Anotee problematize o contedo com sua prtica e com as demais disciplinas queir cursar. Faa leituras complementares, conforme sugestes, e realize asatividades propostas.

    Lembre-se que na educao a distncia muitos so os recursos e estratgiasde ensino e aprendizagem, use sua autonomia para avanar na construo deconhecimento, dedicando-se a cada disciplina com todo o esforo necessrio.

    Bons estudos!

    Equipe CEAD\UDESC\UAB

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    Introduo

    Prezado(a) estudante!

    O Caderno Pedaggico de Filosofia da Educao apresenta-se como um convite reflexo sobre a educao enquanto objeto de investigao.

    Ao mesmo tempo, uma viagem pelos caminhos para reconhecer como ahumanidade foi inventando maneiras de compreender o mundo, que podemoschamar de racionalidades.Estas adquirem em cada momento histricoconfiguraes originais e diversas, de acordo com as condies histrico-sociais

    postas em cada tempo. Como dizia o filsofo Francis Bacon (1561-1626): Averdade filha do tempo, no da autoridade.

    Parte-se aqui do princpio de que a racionalidade ocidental foi inventada naGrcia Antiga, com os filsofos chamados pr-socrticos, cujas preocupaesgiravam em torno da busca pelo princpio elementar de todas as coisas, aarch, a origem daquilo que chamavam de physis(natureza).

    importante dizer que a Filosofia s se tornou um gnero literrio, conhecido apartir de Scrates, Plato e Aristteles, cujas preocupaes passam da naturezapara o homem e para a sociedade. Da em diante, esse gnero comeou a

    ganhar fora e se estabelecer culturalmente, originando o modo de pensar arealidade, segundo um mtodo especfico chamado filosofia.

    A filosofia, ento, um modo de encarar a realidade e atribuir-lhe significados.Nessa concepo, todo homem comum tambm filsofo. E de fato , maspoderamos dizer que um filsofo diletante, pelo simples fato de pensar,refletir sobre a realidade, como dizia o filsofo italiano Antnio Gramsci. Mas,para ser considerado um filsofo propriamente dito, necessrio ir alm. Suareflexo, segundo Dermeval Saviani (1996), rigorosa, porque se profunda;radical, porque vai s origens; e , finalmente, deconjunto, porque tende aextrair concluses que podem ser generalizadas para situaes ou fenmenos

    semelhantes.Se, no Capitulo 1, caracterizamos a filosofia como uma forma-pensamentode encarar a realidade para, no segundo captulo, elaborarmos um inventriohistrico-social da inveno da razo, incluindo o mito dentre as narrativas decompreenso-interveno do homem no mundo. J, no captulo 3, o objetivo compreender o pensamento moderno, enquanto oposio ao pensamentomedieval, e o pensamento contemporneo, enquanto crtica da modernidade,

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    e suas implicaes para a educao. As relaes da Ps-Modernidade com aeducao, principalmente considerando a emergncia de temticas, at ento,inexploradas no campo educacional, so expressas, no Captulo 4. Certamente,os contedos apresentados contextualizados constituem um conjunto de

    saberes necessrios ao estudo.

    Nessa introduo, portanto, consideramos indispensvel dizer que o percursoescolhido, no Caderno, para conhecer a racionalidade ocidental foi um dentretantos possveis. No entanto, nossa preocupao foi, sempre que possvel,articular a filosofia dominante de cada perodo com o contexto histrico-sociale suas implicaes para a educao. Outros roteiros, evidentemente, poderiamser possveis e at mesmo mais completos. Entretanto, a proposta foi ser menosenciclopdico e mais reflexivo, procurando vislumbrar as relaes de mtuadeterminao entre Filosofia e Educao.

    Finalmente, desejamos que o percurso a ser trilhado seja tranquilo e proveitoso;e que os contedos trabalhados sejam portadores e provocadores de um olharcrtico e reflexivo sobre a educao, de modo a tornar a prtica pedaggicauma prxistransformadora da educao.

    Um timo estudo e que a leitura desse material e as reflexes dele decorridassirvam para consolidar e aprimorar a sua prtica pedaggica.

    Os professores autores.

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    Programando os estudos

    Estudar a distncia requer organizao e disciplina; assim como estudosdirios e programados para que voc possa obter sucesso na sua caminhadaacadmica. Portanto, procure estar atento aos cronogramas do seu curso edisciplina para no perder nenhum prazo ou atividade, dos quais depende seudesempenho. As caractersticas mais evidenciadas na Educao a Distncia soo estudo autnomo, a flexibilidade de horrio e a organizao pessoal. Faa suaprpria organizao e agende as atividades de estudo semanais.

    Para o desenvolvimento desta Disciplina voc possui a sua disposio um

    conjunto de elementos metodolgicos que constituem o sistema de ensino,que so:

    Recursos materiais didticos, entre eles o Caderno Pedaggico.

    O Ambiente Virtual de Aprendizagem.

    O Sistema de Avaliao: avaliaes a distncia, presenciais e deautoavaliao.

    O Sistema Tutorial: coordenadores, professores e tutores.

    Ementa

    A Filosofia e a sua caracterizao. O nascimento da Filosofia. A origemGeogrfica da Filosofia. Implicaes Pedaggicas da Filosofia Socrtica,Platnica e Aristotlica. A Dialtica. A Idade Mdia e o poder das religies. ORenascimento. A Modernidade. Influncias do Empirismo e do Racionalismo naPedagogia. A Lgica. A Poltica e a tica. Elementos filosficos para a anlise einterveno nas prticas educativas. O ensino da Filosofia.

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    Objetivos de aprendizagem

    Geral

    Compreender a importncia da Filosofia da Educao para anlise do processoeducativo e as influncias das reflexes filosficas na constituio da teoriaeducacional da Grcia Antiga sociedade contempornea.

    Especficos

    Conhecer a natureza e caractersticas do conhecimento filosfico.

    Distinguir senso comum e reflexo filosfica.

    Conceber a filosofia da educao como processo reflexivo da prticapedaggica.

    Compreender o processo educacional como formao humana eprocesso de humanizao para a prtica da liberdade.

    Identificar as relaes de determinao entre concepes filosficas eprticas educativas.

    Compreender a racionalidade presente no pensamento mtico.

    Identificar a inveno da razo na Grcia Clssica e os desdobramentosde seus pressupostos para a educao.

    Compreender a formao tica como matriz na Filosofia Clssica.

    Conhecer os pressupostos filosficos e pedaggicos no Perodo Antigo,Medieval e Moderno.

    Identificar as preocupaes atuais da Filosofia da Educao e seusimpactos no fazer pedaggico.

    Carga horria

    54 horas/aula.

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    Anote as datas importantes das atividades, conforme sua agenda de estudos:

    DATA ATIVIDADE TIPO

    Contedo da Disciplina

    Veja, a seguir, a organizao didtica da Disciplina, distribuda em captulosos quais so subdivididos em sees, com seus respectivos objetivos deaprendizagem. Leia-os com ateno, pois correspondem ao contedo que deveser apropriado por voc e faz parte do seu processo formativo.

    Captulos de estudo: 4

    Captulo 1- O objetivo do primeiro captulo caracterizar a Filosofia enquantoforma-pensamento de encarar a realidade para, em seguida,passar Filosofia da Educao enquanto forma-pensamento de

    reflexo do objeto educativo, procurando determinar as tendnciascontemporneas.

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    Captulo 2- O captulo dois faz um inventrio histrico-social da inveno darazo, incluindo o mito dentre as narrativas de compreenso-interveno do homem no mundo. Ao longo desse captulo, seprocura extrair da Filosofia Clssica grega aqueles conceitos que

    se tornariam cones e fundamentais para todo desenvolvimentofilosfico posterior, quer seja em razo de sua adeso, como naFilosofia Helnica e Medieval, ou para sua crtica, como se deu naModernidade.

    Captulo 3- No captulo terceiro, buscamos compreender o pensamentomoderno, enquanto oposio ao pensamento medieval, e opensamento contemporneo, enquanto crtica da modernidade,e suas implicaes para a educao. O percurso escolhido foiidentificar as razes do pensamento moderno no renascimentoe perceber as propostas educacionais inovadoras desse perodo.

    Posteriormente, discute-se o princpio da educao comoiluminao a partir do racionalismo caracterstico do movimentoiluminista. Destaca-se ainda, nesse captulo, a retomada dadialtica como filosofia e mtodo de compreenso da realidade,incluindo nela o fenmeno educativo. A partir da dialtica, procura-se analisar as implicaes da Filosofia daPrxis para a prticapedaggica, levantando a importncia de temas como tica eliberdade para a construo de uma educao fundamentada noprincpio dialgico.

    Captulo 4- O quarto captulo discute e apresenta as relaes da Ps-

    Modernidade com a educao, principalmente considerandoa emergncia de temticas at ento inexploradas no campoeducacional, tais como gnero, relaes tnico-raciais ediversidade, que s contemporaneamente fazem parte daspreocupaes dos educadores e das polticas pblicas para aeducao. O captulo discute ainda a importante questo darelao entre mdia e educao.

    Passemos, agora, ao estudo dos captulos.

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    CAPTULO

    1A Filosofia e o Pensamento Educacional:Impregnaes Mtuas

    Caroline Jaques Cubas

    Lidnei Ventura

    Neste captulo, voc aprender a identificar as

    relaes de impregnao mtua entre a Filosofiae o pensamento educacional. Para tanto, precisoantes estudar a natureza e as caractersticas doconhecimento filosfico, para ento analisar aspossibilidades que tem a Filosofia da Educaoem destinar um olhar reflexivo sobre o objetoeducacional.

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    CAPTULO

    1Refletir sobre a natureza e caractersticas dopensamento filosfico.

    Entender a importncia da Filosofia da Educaopara anlise do processo educativo, e analisar asinfluncias das reflexes filosficas na constituioda tradio educacional.

    Objetivos gerais de aprendizagem

    Sees de estudo

    Seo 1 O conhecimento filosfico: natureza ecaractersticas

    Seo 2 A Filosofia da Educao: olhar reflexivosobre o objeto educacional

    Seo 3 Tendncias atuais da Filosofia daEducao

    A Filosofia e o Pensamento Educacional:Impregnaes Mtuas

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    Iniciando o estudo do captulo

    Neste Caderno Pedaggico, da Disciplina de Filosofia da Educao,iniciamos uma discusso acerca das possibilidades da Filosofiacomo forma de compreenso e determinao da realidade e seusfenmenos. Neste sentido, a Filosofia da Educao, enquanto campode conhecimento especfico tem como objeto de estudo a anlise ereflexo da educao como instituio de formao de sujeitos paraum determinado tempo histrico. do contexto dessa discussomais geral sobre o campo filosfico que se pode vislumbrar astendncias atuais da Filosofia da Educao e suas crticas ao modelopositivista e racionalista que sustentam a concepo de educao

    herdada da modernidade.

    Vamos s sees de estudo?

    Seo 1 - O Conhecimento filosfico: natureza ecaractersticas

    Objetivos de aprendizagem

    Conhecer a natureza e as caractersticas doconhecimento filosfico.

    Distinguir senso comum e reflexo filosfica.

    Para iniciar o estudo, propomos uma reflexo: Qual a diferenaexistente entre um cientista e um filsofo?

    Podemos responder com a seguinte fundamentao:

    Ainda que a partir da Modernidade o status do cientista tenhasuperado o do filsofo, a Filosofia ainda goza de um status elevado. certo que o prestgio do cientista est bem mais em evidncia nasociedade atual do que o do filsofo. Alis, essa uma situao, no

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    Filosofia da EducaoCAPTULO1

    mnimo, paradoxal, porque normalmente se associa o cientista aosprocedimentos rigorosos de pesquisa, objetividade, experincias

    e, em muitos casos, s verdades. J o filsofo est associado sabedoria, reflexo, aos provrbios, contemplao e at mesmo, alienao das coisas mundanas, como se fosse um mstico.

    Apesar dos esteretipos, dizendo isso, j fizemos de antemo umadiferena entre Cincia e Filosofia e entre o cientista e o filsofo. Defato essas diferenas existem, embora toda corrente cientfica optepor uma concepo filosfica, o que poderamos chamar de Filosofiada Cincia.

    Mas, o que afinal de contas a Filosofia? Que tipo de conhecimentohumano ou como disse Franois Chtelet (1994), que gnero cultural, esse? Para que serve a Filosofia e, no caso deste Caderno Pedaggico, aFilosofia da Educao?

    Como voc percebeu, comeamos aqui nosso exerccio filosfico:questionamos! Na histria da Filosofia, essa atitude marcante,diramos at essencial, e ganhou muitos nomes: maiutica, em

    Scrates; dialtica, em Plato; meditao, em Santo Agostinho;dvida sistemtica, em Descartes e toda tradio moderna e;inquietao, nos chamados ps-modernos.

    Todavia, dizer que a Filosofia se limita a fazer questionamentos reduzi-la a uma frao do seu potencial crtico e criador.

    O homem comum tambm questiona, interroga, pensa. E,certamente, tambm obtm respostas.

    Ento, o que distingue o pensamento filosfico do senso comum?

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    CAPTULO1

    O que distingue, no entanto, o pensar filosfico a postura radicale rigorosa dos seus questionamentos e reflexes e a qualidade da

    universalidade(totalidade) das respostas que obtm.

    Com isso, no queremos dizer que o senso comum, modo de pensardo homem do cotidiano, deva ser desmerecido. Mas, justamentepor ser uma forma de pensamento inicial, original, irrefletida,que precisa de reflexo, ganhando consistncia e complexidade,podendo-se extrair dele aquilo que o filsofo italiano AntnioGramsci (1891-1937) chamou de ncleo sadio, isto , o bom senso.

    do bom senso, um modo de racionalidade mais crtico, que brotamas filosofias de vida que norteiam o modo de atuar, conceber

    o mundo e as suas relaes, com base em alguns princpios, quepoderamos chamar aqui de fundamentos.

    importante frisar que nas decises embasadas na filosofia de vida,h um grau maior de liberdade. O sujeito opera de acordo com suasconvices, pautando suas aes nos critrios provenientes de suaFilosofia.

    E se todos os homens e mulheres pensam racionalmente, logo so, dealgum modo, filsofos, como bem apontou Gramsci (1978, p. 74): no sepode pensar em nenhum homem que no seja tambm filsofo, que nopense, precisamente porque pensar prprio do homem como tal.

    No sentido gramsciano, o pensar prprio da natureza humana.Mas, tambm fato que essa natureza no perptua, mudandode acordo com as condies de vida postas em determinada

    organizao histrico-cultural. Por isso que pensar no basta! preciso dar um passo adiante e refletir. Refletir vem do verbo latinoreflectere, que significa retroceder. Sendo assim, a reflexo umpensar sobre o pensamento, isto , voltar ao que foi pensado eanalisar criticamente sua coerncia e adequao situao que

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    Filosofia da EducaoCAPTULO1

    se impe ao pensamento. E o sujeito que chega a esse nvel deracionalidade, Gramsci chama de filsofo profissional. Diz ele:

    [...] o filsofo profissional ou tcnico no s pensa commaior rigor lgico, com maior coerncia, com maior espritode sistema do que os outros homens, mas conhece toda ahistria do pensamento, sabe explicar o desenvolvimentoque o pensamento teve at ele e capaz de retomar osproblemas a partir do ponto em que se encontram, depoisde terem sofrido as mais variadas tentativas de soluo.(GRAMSCI, 1978, p. 44-45).

    Se vivemos a maior parte da nossa vida de acordo com o sensocomum, como discutimos anteriormente, ento, qual a necessidadeda Filosofia?

    Figura 1.1 - O Pensador, de Auguste Rodin (1840-1917)

    Parece fato que noprecisamos refletir muitopara tocar nossa vidacotidiana. At mesmo

    alguns atos soautomatizados, tais como,dirigir o carro, ver televiso eouvir msica. E isso se dporque, de certa forma, jnaturalizamos essas aes emuitas dessas decises.Entretanto, o agir imediato,prtico, apressado como sed na vida contempornea,impede-nos de ver quais

    interesses esto escondidosnessa ou naquela proposio, seja quanto ao consumo, manchetesda mdia, discursos polticos etc.

    Vamos pensar sobre isso para compreender melhor o que estamosabordando? Ento, acompanhe o questionamento a seguir:

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    CAPTULO1

    Voc j se deu conta do que o faz comprar todo ms um mesmo produto, um cremedental, por exemplo? Vamos registrar as resposta? Escreva seus argumentos naslinhas abaixo considerando os motivos pelos quais compra o creme dental X e no oY? O sabonete tal e no o outro, a bolacha da marca X e no a marca Y... e assim pordiante! O que baliza sua deciso? O preo, o sabor, a sua frmula ou oslogan e a suapropaganda?

    Reflita sobre esta questo!

    Continue essa reflexo para os demais produtos da sua comprae perceba o quanto voc consome por sua vontade e o quanto vontade alheia. Esse precisamente o papel da Filosofia, umdesvelar sistemtico.

    Escreva seus argumentos nas linhas do quadro a seguir:

    Produto Argumentos

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    Filosofia da EducaoCAPTULO1

    Sempre que possvel compartilhe suas reflexes com outras pessoas. Oato de contrapor ideias um grande potencializador da aprendizagem!

    O filsofo brasileiro Roberto Gomes (1977) cunhou um conceito bemsimples e provocativo acerca da Filosofia no seu interessante livrochamado Crtica da Razo Tupiniquim. Assim ele se expressa: E oque Filosofia? a tentativa, penso, de enxergar um palmo diantedo nariz o que no to fcil nem intil quanto muitos pensam.Afinal, o peixe quem menos sabe da gua. (GOMES, 1994, p. 15).

    Mas, o que significa enxergar esse palmo diante do nariz?

    Significa dizer que o conhecimento filosfico pergunta pelas coisasem suas origens, pelas suas razes, com rigor. E vai alm, procurando

    por uma viso abrangente dos fenmenos que estuda. Nesseaspecto, totalizante. Ento, as principais caractersticas da reflexofilosfica, segundo o professor Dermeval Saviani (1990), serradical, rigorosae de conjunto(totalidade).

    Vamos verificar isso com mais alguns detalhes? Siga as explicaesdos termos em destaque:

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    CAPTULO1

    Reflexo sobre o termo radical

    O termo radical, aqui, difere-se do sinnimo de ser inflexvel, intransigente ouintolerante do senso comum. Radical ir raiz, ou seja, aos fundamentos, aosprincpios, que definem esse ou aquele conceito ou orientam essa ou aquelaao. Significa tambm exaurir as diversas possibilidades de abordagem dostemas ou objetos de estudo, de modo que no haja ambiguidade ou contradiointerna na sua forma de raciocinar. A radicalidade permite ao homem seapropriar de um dado arsenal terico que o instiga a agir conscientemente sobrea realidade.

    [...] a teoria tambm se converte em fora material uma vez que seapossa dos homens. A teoria capaz de prender os homens desde quedemonstre sua verdade face ao homem, desde que se torne radical. Serradical atacar o problema em suas r azes. (MARX, 2005, p. 12).

    Reflexo sobre o termo rigor

    Quando Gramsci disse que o filsofo pensa com maior rigor lgico, estavase referindo necessidade de uma forma sistemtica de pensar, isto , de ummtodo de organizao e exposio das ideias que lhe permita tirar concluses.Nesse sentido, ser rigoroso ir ao limite do pensamento, ir s ltimas

    consequncias de sua formulao. Ao contrrio do senso comum, o filsofono apenas afirma coisas ou invoca a tradio, os costumes ou a f; ele precisa

    justificar logicamente os seus argumentos por meio de uma linguagem tambmrigorosa para definir seus conceitos e erigir seus fundamentos, sua teoria. Ocampo da linguagem a forma principal de materializao de suas reflexes.

    O rigor essencial ao raciocnio filosfico, mesmo considerando toda extensodas temticas investigadas pelos filsofos. O filsofo alemo Max Scheler (1874-1928) levantou bem esse problema j no incio do seu livro Da essncia daFilosofia:

    A questo da essncia da Filosofia est eriada de dificuldades, no porincapacidade humana, mas por causa da ndole do prprio tema. Taisdificuldades no se podem comparar com as dificuldades igualmenteconsiderveis que costumam surgir quando, com rigor, se tentacircunscrever os objetos das diferentes cincias positivas. (SCHELER,2002, p. 01).

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    Reflexo de conjunto

    Eis aqui um princpio distintivo da Filosofia e da Cincia. Enquanto que ascincias so mais conceituadas na medida em que se especializam nos seusobjetos de estudo, detalhando, escrutinando-os ao mximo at a ltimamolcula, a Filosofia aspira totalidade, globalidade, relacionando osfenmenos entre si e destes com a realidade humana. Isso se d porque o objetoda Filosofia tudo. Com isso, queremos dizer que o filsofo pode se interessarpor qualquer coisa no mundo, pois como dizia o escritor romano Terncio (163d.C): Homo sum; humaninihil a me alienum puto.(Sou humano; nadadoque humano me estranho). Qualquer coisa pode causar estranheza ao

    filsofo, da as mais variadas correntes filosficas para explicar as coisas maissimples do cotidiano. Tanto para Plato quanto Aristteles, a Filosofia inicia comuma admirao, ou seja, uma curiosidade que o faz parar para pensar, refletirsobre a importncia do que v para procurar sua origem, sua razo de ser.

    Ainda sobre a totalidade a que aspira a Filosofia, um filsofo alemo chamadoKarl Jaspers (1883-1969), numa provocao aos detratores da Filosofia, leva aoextremo a ideia da Filosofia como reflexo de conjunto. Ele diz que O problemacrucial o seguinte: a Filosofia aspira verdade total, que o mundo no quer. AFilosofia , portanto, perturbadora da paz.

    Podemos relativizar a euforia de Jaspers, entendendo que ele quer dizer que oobjeto da Filosofia a prpria condio humana, e isso significa que tem que sepreocupar com tudo, porque uma Filosofia s se justifica por sua preocupaocom o homem e as suas relaes. Para que no haja confuso e fazendo jus a suafala, o filsofo alemo diz, em seguida, que a verdade uma busca incessante eno a sua posse, um caminho e nunca uma certeza.

    Terminamos essa seo lembrando que, em certo sentido, o exerccio filosfico um bom antdoto contra o dogmatismo e outras formas de opressoideolgica, que iludem e convencem as massas justamente por falta de reflexo.Oportunamente, citamos um pensamento do escritor portugus Jos Saramago,

    extrado de uma entrevista Revista do Expresso (em 11 de outubro de 2008),que faz um apelo contemporneo ao filosofar:

    Acho que na sociedade actual nos falta Filosofia. Filosofia como espao,lugar, mtodo de reflexo, que pode no ter um objectivo determinado,como a cincia, que avana para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexo,pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias,no vamos a parte nenhuma. (SARAMAGO, 2008).

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    Imbudos desse esprito filosfico, apresentamos, na segundaseo, como esse modo de racionalidade se volta para o fenmeno

    educacional, dando origem Filosofia da Educao. Vamos l?

    Seo 2 - A Filosofia da Educao: olhar reflexivosobre o objeto educacional

    Objetivos de aprendizagem

    Conceber a Filosofia da Educao como processoreflexivo da prtica pedaggica.

    Compreender o processo educacional como formaohumana e processo de humanizao para a prtica daliberdade.

    Identificar as relaes de determinao entreconcepes filosficas e prticas educativas.

    Voc viu, na seo anterior, que filosofar o ato de voltar-seao prprio pensamento, refletindo o j pensado, com rigor eradicalidade. Nessa esteira de raciocnio, filosofar sobre a educao voltar o olhar sobre o objeto educacional, refletindo sobreele. Dizendo assim, parece simples, mas a questo se torna maiscomplexa na medida em que se questiona os fins da educao, oucomo prope o Professor Pedro Goergen: A Filosofia da Educaodeve perguntar, com rigor e radicalidade, em nome de quem seeduca. (2006, p. 605).

    A amplitude do problema aumenta quando se concebe que a

    educao, ou melhor, o processo educativo, objeto da Pedagogia, uma atividade essencialmente prtica. Ento, juntando-se asduas discusses, cabe Filosofia da Educao pensar em nome dequem educar, e tambm comoem nome de quem educar. Est

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    em discusso, alm dos princpios educativos, tambm os mtodosusados na educao.

    Embora estejamos vivendo a to comentada crise da razo, algunspressupostos no podem ser perdidos de vista no horizonte daFilosofia da Educao, sob pena de se perder de mira a prpriafinalidade do ato educativo, que no pode ser mais a heranailuminista, redentora da Humanidade, preciso ter claro o que sequer quando se pensa a educao como processo de formaohumana. (SEVERINO, 2006).

    Mas, o que significa exatamente a crise da razo?

    O conceito de crise da razo tem origem na escola de Frankfurt(incio do sculo XX) e se apresenta como uma reao ao carterracionalista e utilitrio da aplicao da razo ocidental, sobretudono que se refere aos ideais de objetividade, administrao total

    e progresso, defendidos pela cincia moderna. A Teoria Crtica,elaborada inicialmente por Max Horkheimer e Theodor Adornodefinem melhor a chamada crise da razo no livro Dialtica doEsclarecimento, de 1947.

    Podemos dizer, ento, que o foco da Filosofia da Educao a prpria configurao de ser humano para determinadomomento histrico. E foi isso precisamente o que propuseram oschamados filsofos clssicos, da Antiguidade at hoje. Eles nosomente inventaram novos modos de encarar a realidade, ou oque consideravam realidade, mas legaram aos seus interlocutores e

    contemporneos tambm modos de vida, princpios ticos, polticose estticos.

    Diante da constatao que toda Filosofia tem sua face poltica eideolgica, podemos afirmar que nenhuma Filosofia neutra; pelocontrrio, est sempre a favor ou contra, seja de pessoas, classes,

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    movimentos, teorias etc. Isto se d porque, no mbito de suareflexo filosfica, que considera a mais correta ou adequada ao seu

    tempo, o filsofo entende que pode guiar os seus concidados,seja felicidade, revoluo, iluminao, autonomia, emancipao,conscientizao etc. Assim, as grandes Filosofias foram tambmPedagogias, no sentido etimolgico grego de conduo dascrianas.

    Basta ver que os dois mais proeminentes filsofos da Antiguidade,Plato e Aristteles, fundaram suas escolas, a primeira chamadaAcademia (por ficar nos jardins em homenagem ao mitolgico heriAcademos) e a outra, o Liceu (por ficar prximo do templo de ApoloLcio). Essa vinculao entre Filosofia e Educao est to arraigada

    no pensamento ocidental, que academia e liceu so nomes aindacorrelatos de escolas.

    E assim parece transcorrer at hoje, pois nenhum filsofo pensa porpensar. Ele, direta ou indiretamente, prope derivaes prticasde suas anlises, seja no campo da poltica, da tica ou da esttica.Todos querem, de certa forma, aplicar ao campo social suasreflexes, concluses, divagaes e at mesmo seus devaneios.Inclusive aqueles que defendem o fim da Filosofia, do seu jeito,apresentam sua antifilosofia como mais uma corrente filosfica.Como dizia o filsofo Karl Jaspers, a antifilosofia uma Filosofia,

    embora pervertida, que, se aprofundada engendraria sua prpriaaniquilao. (1971, p. 138).

    Mesmo as doutrinas mais idealistas querem, ao seu modo, mudaro mundo. Esse era o intuito de Plato, que ao criar a sua teoria dasideias, que parece transcendental a primeira vista, queria influenciaras coisas no mundo real grego, quando predominava em Atenaso governo democrtico (com todas as ressalvas da democraciaateniense), que para ele era inconcebvel. Lembrando ainda deJaspers, contudo, nem mesmo a mais profunda meditao tersentido se no se relacionar existncia do homem, aqui e agora.

    (op. cit., p. 139).

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    E quais as convices da Filosofia da Educao?

    Sob esse enfoque, as Filosofias da educao tambm queremlegitimar, no ato educativo, suas convices. Da o cuidadoacerca dos fundamentos que regem a prtica pedaggica, j quetodo empreendimento educativo tem um pressuposto que afundamenta. O que pode e frequentemente ocorre que aquele

    que executa determinada ao pedaggica no tenha clareza dosseus elementos tericos norteadores ou, em outras palavras, daFilosofia da Educao subjacente a sua prtica.

    Sobre isso, o professor Dermeval Saviani chama de ativismo (1990,p. 05) aquela prtica ou ao educativa destituda de fundamentos;por outro lado, chama de verbalismo aquelas teorizaes que notm a prtica como ponto de partida e chegada.

    Aflora aqui, o carter humano-ativo da ao educacional, que intencional e politicamente comprometida. Esse carter humano-

    ativo prprio do ser humano, que projeta sua ao no tempo eno espao j tendo uma perspectiva da projeo realizada em suamente antes da execuo. um ato teleolgico, como na metforada aranha a que Marx se referiu no livro O Capital e que Vygotskyadotou como base central na sua teoria histrico-cultural deformao da conscincia. Diz ele:

    Uma aranha executa operaes semelhantes s do tecelo,e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano coma construo dos seus favos de sua colmia. Mas o quedistingue, de antemo, o pior arquiteto da melhor abelha que ele construiu o favo em sua cabea, entes de constru-

    lo em cera. No fim do processo de trabalho obtm-se umresultado que j no incio deste existiu na imaginao dotrabalhador e, portanto idealmente. (MARX, 1985, p. 149).

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    Considerando esses fundamentos que afirmamos homens emulheres como seres terico-prticos, ao mesmo tempo conceituais

    e realizadores. Esse , alis, o diferencial da espcie. Theodor Adornoe Max Horkheimer, filsofos da Escola de Frankfurt, importantemovimento cultural das primeiras dcadas do sculo XX, utilizam-se

    justamente da ideia de ser atuante e conceitual para diferenciar ohomem dos outros animais.

    A Escola de Frankfurt foi uma forma de nomear os pensadoresmarxistas vinculados ao Instituto para Pesquisa Social de Frankfurt,fundado em 1923, vinculado Universidade de Frankfurt, Alemanha,notabilizado por investigaes de base marxista nos camposfilosfico, sociolgico, esttico e psicanaltico, entre outros.

    Os expoentes mais famosos da Escola de Frankfurt so TheodorAdorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin, Erich Fromm, HerbertMarcuse e mais tardiamente Jrgen Habermas.

    Assim eles se expressam:

    O mundo do animal um mundo sem conceito. Nelenenhuma palavra existe para fixar o idntico no fluxo dosfenmenos, a mesma espcie na variao dos exemplos, amesma coisa na diversidade das situaes. Mesmo que arecognio seja possvel, a identificao est limitada ao que

    foi predeterminado de maneira vital. No fluxo, nada se achaque se possa determinar como permanente e, no entanto,tudo permanece idntico, porque no h nenhum saberslido acerca do passado e nenhum olhar claro mirando ofuturo. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 230).

    Como voc percebeu, Adorno e Horkheimer atribuem um sentidoaltamente importante ao conceito e a palavra na constituiodaquilo que chamamos de natureza histrica do ser humano. E,de fato, a palavra carrega consigo o conceito, o sentido, daquiloque queremos referenciar e, atravs da linguagem, tambm nosapropriamos do mundo. E quanto mais a palavra adquire novose expressivos sentidos, mais temos condies de reorganizar aexperincia humana e nos situarmos mais como protagonistas dossaberes e fazeres humanos e menos em condies de usurpados ealienados, menos prisioneiros de mistificaes e engodos. Adornonos faz lembrar que os animais esto pr-configurados na sua

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    Filosofia da EducaoCAPTULO1

    essncia quando diz que para esses tudo permanece idntico,enquanto que na condio humana se h alguma coisa de essencial,

    parafraseando, justamente tudo parecer diferente na suatemporalidade histrica.

    No sentido atribudo por Adorno, a linguagem tem potencial tantoalienante quanto libertadora. Cabe no somente, mas tambm Filosofia da Educao perguntar, incomodamente, qual a concepo,sentido e funo de linguagem utilizada na educao. Dependendoda escolha, temos uma educao libertadora ou castradora;tradicional ou vanguardista; adaptadora ou transformadora, poisassim como toda Filosofia, nenhuma pedagogia neutra e, como

    j vimos em Chtelet, desde Plato, a Filosofia tem sido tambm

    pedagogia.

    Perceba pela explicao abaixo o quanto a pedagogia depende dedefinies filosficas:

    Quando se coloca o homem em condio de educabilidade, h umprojeto para sua formao, que pode se resumir a domesticao,instruo ou transmisso; como pode tambm significar, de outrolado, emancipao, conscientizao ou libertao.

    Veja que tudo est relacionado aos pressupostos acerca do que seentende por natureza humana. Se considerarmos, por exemplo, quea criana um ser que chega escola sem histria, sem passado,sem cultura, e que deve ser modelada pela educao, a prticaeducativa vai se servir de princpios e mtodos que possam encheresse recipiente vazio. Da nasce uma prtica educativa que enfatiza

    a memorizao, a associao, a padronizao e o condicionamento.O tipo de saber resultante essencialmente enciclopdico,doutrinador, aquilo que o filsofo da educao Paulo Freire chamoude educao bancria, por conta dos depsitos de contedosnas cabeas dos alunos, que no final das contas, tenta padronizar ossujeitos.

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    Figura 1.2 Educao Bancria

    Por outro lado, se pensarmos a natureza humana como construohistrico-cultural, como devir, vamos propor um modeloeducativo que seja um mediador entre os sujeitos em formao e omovimento da vida e da histria.

    Sob essa concepo, o que essencial na formao humana estsujeito a sua temporalidade, s condies histricas que estopostas em determinada configurao social. Isso quer dizer que huma clara ambiguidade no processo educativo, pois ele ao mesmotempo conservador, porque deve instrumentalizar as pessoas para

    viverem no seu tempo, mas tambm transformador, pois precisooferecer, principalmente s crianas, formas conceituais e prticaspara compreender as contradies, o funcionamento da estruturasocial, e lutar por sua transformao.

    Como voc pde perceber, os contedos, processos didticos,metodologias de ensino-aprendizagem e outros cnones (preceitos)da educao institucionalizada, s fazem sentido para o sujeito seforem na direo de sua emancipao, levando-o compreensodo mundo e das relaes que os homens estabelecem entre si emcada tempo histrico. Nesse sentido, a educao se confunde como prprio processo de humanizao para uma dada configuraosocial.

    Visto que a ao humana no pode ser concebida individualmente,pelo simples fato de sermos seres sociais, ozoon politikon(animalsocial), como disse Aristteles, o processo educativo deve se balizarpelas exigncias da organizao social de modo que o indivduo

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    possa se apropriar (tornar prprio, seu) dos bens culturais e materiaisque o conjunto da sociedade produziu at a sua gerao. Somente

    desta forma que ele pode exercer um papel ativo nas relaessociais e estabelecer sua condio de humanidade enquanto ser quepensa, decide e age em liberdade. Em condies diversas, o sujeitos poder estar alienado e oprimido. E a favor da liberdade quea prtica pedaggica precisa ser pensada e implementada. Seno, puro condicionamento, treinamento, como dizia o filsofo iluministaImmanuel Kant (2002, p. 07):

    O homem pode ser ou treinado, instrudo mecanicamente, ouser em verdade ilustrado. Treinam-se os ces e os cavalos; etambm os homens podem ser treinados.

    Entretanto, no suficiente treinar as crianas; urge queaprendam a pensar.

    Nessa discusso, retornamos quela anterior sobre a funo daFilosofia da Educao, isto , questionar, no mbito da educaoformal, a quem ela est servindo. De acordo com Paulo Freire, noseu brilhante livro Pedagogia do oprimido (1970), a educaotanto pode servir para humanizao quanto desumanizao dossujeitos imersos no processo educativo. Diz ele: Humanizaoedesumanizao, dentro da histria, num contexto real, concreto,objetivo, so possibilidades dos homens como seres inconclusos e

    conscientes de sua inconcluso. (FREIRE, 1970, p. 16). Nossa opo,todavia, deve ir ao encontro do que o autor chama de vocaohumana, que o processo de humanizao, que s pode acontecerna medida em que os sujeitos oprimidos se libertem dos seuscondicionamentos opressivos.

    Nessa mesma esteira, seguem o pensamento de Adorno eHorkheimer (1985), trocando o termo libertao por emancipao.Neles, todavia, a emancipao em relao ao que eles chamaram desociedade administrada, que se impe ao sujeito pela massificaoda informao, subjugando-o e transformando-o em mais uma

    coisa, uma mercadoria. Assim eles esclarecem:

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    O indivduo v-se completamente anulado em face dospoderes econmicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o

    poder da sociedade sobre a natureza a um nvel jamaisimaginado. [...] Numa situao injusta, a impotncia e adirigibilidade da massa aumentam com a quantidade debens a ela destinados. A elevao do padro de vida dasclasses inferiores, materialmente considervel e socialmentelastimvel, reflecte-se na difuso hipcrita do esprito. Suaverdadeira aspirao a negao da reificao. Mas elenecessariamente se esvai quando se v concretizado emum bem cultural e distribudo para fins de consumo. Aenxurrada de informaes precisas e diverses asspticasdesperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo. (ADORNO;HORKHEIMER, 1985, p. 06).

    E para evitar a idiotizao das pessoas, os autores propem comotarefa da educao o processo de emancipao dos sujeitos emdireo a sua autonomia nas tomadas de decises, livrando-se doque chamam de charlatanice e superstio.

    Nesse campo, tarefa da Filosofia da Educao propor reflexesacerca no somente dos fins da educao, mas dos porqus e comoensinar, pois o que est em questo a formao das geraes e suaresponsabilidade em transformar o mundo em um lugar digno deexistncia para todas as pessoas.

    Definimos, nas duas primeiras sees, os termos FilosofiaeFilosofia da Educao. J na terceira seo, voc ter aoportunidade de analisar as tendncias atuais da Filosofia daEducao, no sentido de refletirmos acerca de nosso papel e nossaspossibilidades no fazer pedaggico.

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    Seo 3 - Tendncias atuais da Filosofia da Educao

    Objetivos de aprendizagem

    Conhecer as tendncias atuais da Filosofia daEducao e suas implicaes educacionais.

    Relacionar questes pontuais da Filosofia da Educaocom nossas possibilidades de ao pedaggica.

    Iniciamos essa seo com outra reflexo interessante.

    Observe a figura abaixo e procure relacion-la com outra situada naprimeira seo: o pensador do escultor Auguste Rodin. Faa umacomparao entre as duas obras e registre suas impresses.

    Figura 1.3 O Pensador

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    Voc percebeu o novo cenrio em que est situado o pensador?

    O cu riscado por foras diversas imbricadas em forma de teia;o pensador substitui suas caractersticas realista e seus traosde humanidade por entalhes rpidos e inexatos; o horizonte resplandecente como se fosse uma luz no fim do tnel. Enfim,na imagem acima somos levados a uma nova viso e percepode O Pensador, de Auguste Rodin. A escultura original, bastante

    simblica da prtica filosfica por representar o ato reflexivo, foiagora estilizada e posta em contato com diferentes horizontes econjecturas.

    Tal imagem nos leva a seguinte indagao: Para onde apontam esteshorizontes? Quais as preocupaes da Filosofia nos dias atuais? Aoque ela se direciona? Quais as potncias em tantas linhas que seentrecruzam?

    Vivemos em um mundo veloz, moderno, globalizado, onde as fronteirasgeogrficas determinam nacionalidades e, ao mesmo tempo, sorompidas atravs do ciberespao. Onde os discursos de igualdade eincluso so cada vez mais presentes e, cotidianamente, assistimosprticas de violncia e intolerncia atravs da televiso e/ou internet.Como a Filosofia pode nos auxiliar a compreender nosso lugar nestasociedade?

    Antes de discutirmos sobre as tendncias atuais da Filosofia daEducao, importante pontuar as dificuldades em se pensar aFilosofia na contemporaneidade. Isto porque se refere ao mesmo

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    Filosofia da EducaoCAPTULO1

    perodo em que estamos vivendo. Dessa forma, no temos odistanciamento necessrio para ponderar acerca de quais questes

    so mais ou menos pertinentes para o pensamento filosfico.Mesmo conscientes destas dificuldades, elencaremos abaixo algunsdos conceitos-chave para pensar contextualmente a filosofiacontempornea, datada a partir de fins do sculo XIX.

    Observe o quadro-sntese que apresentamos abaixo.

    Conceitos Caractersticas

    Progresso No sculo XX, ao contrrio de ideia positivista de progressocontnuo, a histria comeou a ser pensada como umadescontinuidade, onde cada cultura se desenvolvia a partirde suas caractersticas e valores. Essa viso foi fortalecidapelo surgimento da etnologia e antropologia.

    Cincia Enquanto o sculo XIX conhecido pela sua credulidade emrelao ao saber cientfico e paixo ao progresso que estepoderia engendrar, o sculo XX pensa a cincia com certadesconfiana. A atitude filosfica passa a ser a da dvida.

    Razo A noo de inconsciente desenvolvida por Freuddesestabilizou os estudos da psicologia trazendo incertezasem relao ao alcance da cincia. Marx tambm fragiliza apreponderncia da razo ao abordar a ideia de Ideologiacomo uma forma de dominao.

    Teoria Crtica A ascenso dos regimes autoritrios (nazismo, fascismo,stalinismo) cria forte desencanto em relao noo derazo triunfante. Deste desencanto desenvolvida a teoriacrtica, representada por Max Horkheimer, para quem astransformaes sociais devem ter por objetivo ltimo aemancipao, e no a dominao.

    Existencialismo Corrente filosfica representada, entre outros, por Jean-PaulSartre. Preocupa-se mais com a noo de existncia que coma de essncia, questionando o ser humano em contraposio sua liberdade e compromissos histrico-sociais.

    Fenomenologia Pensa a linguagem, mtodos e fundamentos das cincias.Estudo das possibilidades e limites do conhecimento.

    FilosofiaAnaltica

    Detm-se linguagem como objeto filosfico. Suas formas,funcionamento e mtodos distintos so focos de anlise.

    Quadro 1.1- Conceitos-chave para pensar a filosofa contemporneaFonte: DIMENSTEIN; STRECKER; GIANSANTI, 2003.

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    Ainda que o quadro seja meramente introdutrio, permite-nos perceber que a Filosofia Contempornea no pode ser

    caracterizada como algo homogneo. So diferentes preocupaesengendradas por um perodo em que as transformaes acontecemem velocidade intensa. Essa variedade tambm est presentequando nos reportamos Filosofia da Educao. Conforme vimosanteriormente, a Filosofia da Educao pode ser compreendidacomo um ato reflexivo sobre a educao, inquirindo o qu, como eem nome de quem se educa.

    Quais os princpios que regem a educao e por que estes podem serconsiderados efetivamente princpios?

    Estes questionamentos, legtimos em vrios contextos histricos,so muito pertinentes nos dias de hoje. Vivemos um mundo emcontnua transformao, no qual o aprimoramento tecnolgico incorporado diariamente ao nosso cotidiano, a internet nos atualizaacerca do que ocorre em diferentes pontos do Globo, fronteirasso rompidas e restabelecidas a todo o momento. Sendo assim, a

    Filosofia da Educao deve justamente ater-se ao papel da educaoneste contexto, no qual a tecnologia prevalece ao mesmo tempoem que a Razo parece ter perdido o seu primado. Os discursosde igualdade so proferidos ao mesmo tempo em que atos depreconceito ganham ampla publicidade. Tudo que slidodesmancha no ar, como diria Marx sobre os tempos modernos.Tempos de incertezas, conforme Eric Hobsbawm ou Temposlquidos e fluidos, para Zygmunt Bauman.

    O processo educativo, inserido nesse contexto, deve ser pensado deforma plural. Se lembrarmo-nos que ao educar, educamos em nome

    de algo ou algum, na contemporaneidade este algo deve ser apossibilidade de formao de sujeitos ticos, crticos e participativos.Sujeitos que tenham conscincia de seu papel social e que atuemem prol da construo de uma sociedade onde a equidade sejamais que um projeto. Para tanto, a educao deve ser pensadacomo um processo dialgico, considerando as caractersticas tnicas

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    e culturais dos educandos. Valorizando aquilo que conheceme que lhes significativo e contribuindo para ampliao de seu

    conhecimento, viso de mundo, conscincia e seus sonhos. PauloFreire j alertava que a conscientizao o passo principal para aconquista da autonomia.

    Cabe Filosofia da Educao, portanto, refletir acerca dos elementosque subsidiaro a construo deste sujeito autnomo, assim comodas formas atravs das quais estes elementos sero apresentados eproblematizados. Considerando o contexto que expomos acima, aFilosofia da Educao, na atualidade, elenca temticas relacionadass questes de definies identitrias em um mundo marcado pelapluralidade e diversidade.

    Ao pensar em identidade, lembramos que esta se refere ao conjuntode elementos com os quais os sujeitos se reconhecem e que, porisso, acabam por caracteriz-los. As identidades podem ser tnicas,sexuais, de gnero, religiosas, nacionais, entre outras. O sujeito nose aporta apenas em uma delas, sendo caracterizado pelo conjuntode vrias, como nos faz refletir o seguinte poema, de FernandoPessoa (1942). Leia atentamente:

    Eu que me aguente comigo

    E com os comigos de mim

    E, em meio a essa multiplicidade, penso eu:

    Pensar no eu.

    Mas quem, verdadeiramente, sou eu?

    Eu sou um...

    Eu sou um em um milho.

    Eu sou um milho

    Quando trazemos as questes das identidades para a educao,a reflexo ganha complexidade, afinal, o que deve ser ensinado?Para quem? Que importncia determinados contedos tem para

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    diferentes grupos? Estas perguntas, fundamentais para a Filosofiada Educao, perpassam os tempos contemporneos se pensarmos

    que atualmente as salas de aula so caracterizadas pela diversidadecultural e social.

    Como positivar as diferenas? Como lidar com as ausncias de gruposcomo os indgenas ou africanos nos livros e materiais didticos? Qualabordagem da diversidade mais adequada para o desenvolvimento daatitude reflexiva e do protagonismo?

    Estas questes ainda sero discutidas. Por hora, importanteressaltar que a Filosofia da Educao se detm reflexo acerca doselementos essenciais que regem a prtica pedaggica em diferentesperodos e contextos e que, na contemporaneidade, caracterizadapela diversidade e pela ascenso das tecnologias, esses elementosdevem ser compreendidos a partir da discusso sobre identidadesculturais.

    No prximo captulo, iniciaremos uma intrigante jornada pelainveno da racionalidade ocidental, analisando as caractersticasdo pensamento mtico, da Filosofia Clssica e Medieval, ponderandoacerca das bases dessa racionalidade e suas implicaes pedaggicas.

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    Filosofia da EducaoCAPTULO1

    Sntese do captulo

    O conhecimento filosfico tem como caractersticasser rigoroso, radical e de conjunto, distinguindo-se dosenso comum pela reflexo filosfica. No senso comum,entretanto, h um ncleo vlido, o bom senso, a partir doqual nos guiamos na vida cotidiana.

    A Filosofia da Educao tem como objeto de anlise aeducao enquanto formao humana, dirigindo-se para a

    prtica a fim de torn-la reflexiva.

    Partindo do princpio que h uma relao de determinaoentre concepo filosfica e prtica pedaggica, a Filosofiada Educao compreende a ao educativa como processode humanizao para a prtica da liberdade, apontandopara a superao de pedagogias pautadas em princpiosfilosficos conservadores.

    As tendncias atuais da Filosofia da Educao precisamser compreendidas a partir do estudo das caractersticas

    contextuais da contemporaneidade.

    Entre as temticas abordadas pelas tendncias atuais daFilosofia da Educao, damos especial ateno s questesreferentes pluralidade e as identidades culturais.

    Voc pode anotar a sntese do seu processo de estudo nas linhas aseguir.

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    Atividades de aprendizagem

    1. O conhecimento filosfico, segundo o professor DermevalSaviani, tem como caracterstica ser rigoroso, radical e deconjunto. Explique brevemente a importncia desses trs

    conceitos relacionando-os com o conhecimento do sensocomum.

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    Filosofia da EducaoCAPTULO1

    2. Como podemos desenvolver trabalhos em sala de aula queestejam de acordo com as tendncias atuais da Filosofia da

    Educao? Que temticas devem ser privilegiadas e por qu?

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    CAPTULO1

    Aprenda mais...

    Sobre as caractersticas da sociedade contempornea existem inmerasobras que podem ser de grande auxlio. Apresentamos algumas:

    HALL, Stuart. Identidade cultural. So Paulo: Fundao Memorial daAmrica Latina, 1997.

    LYOTARD, Jean-Franois. O ps-moderno. Trad. Ricardo CorraBarbosa. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1986.

    LVY, P. As tecnologias da inteligncia: o futuro do pensamento naera da informtica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1998.

    HARVEY, D. Condio ps-moderna: uma pesquisa sobre as origensda mudana cultural. So Paulo: Loyola, 1994.

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    CAPTULO

    2Neste captulo, ser estudada a origem daracionalidade ocidental e suas implicaes parao pensamento educacional. Nele se discutea ideia de racionalidade que preside o mito eidentifica que alm de suas funes de narrativa,explicao e revelao, tambm tem umafuno pedaggica, que era de transmitir aosdescendentes as verdades convencionadas pordeterminados grupos sociais. Conhea todo ocontedo fazendo leitura e estudos atentos, bemcomo anotando os pontos principais.

    Do Mito Inveno da Razo:

    Contribuies da Filosofia Clssica eMedieval para o Pensamento EducacionalLidnei Ventura

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    2Compreender e contextualizar a importncia danarrativa mtica, da Filosofia Clssica e Medievalpara a construo da racionalidade ocidental.

    Conhecer as influncias da narrativa mtica daFilosofia Clssica e Medieval nas concepespedaggicas at os dias atuais.

    Objetivos gerais de aprendizagem

    Sees de estudo

    Seo 1 A racionalidade do mito

    Seo 2 Os filsofos pr-socrticos e o princpio daphysis

    Seo 3 A inveno da razo: Scrates, Plato eAristteles as bases da racionalidadeocidental e suas implicaes pedaggicas

    Seo 4 O Helenismo e o pensamento medieval:universalizao da racionalidade ocidental

    Seo 5 A razo transformada em f: Santo Agostinho,So Toms de Aquino e o pensamento medieval

    Do Mito Inveno da Razo:

    Contribuies da Filosofia Clssica eMedieval para o Pensamento Educacional

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    Neste captulo, ser estudada a origem da racionalidade ocidental esuas implicaes para o pensamento educacional.

    O captulo discute a ideia de racionalidade que preside o mitoe identifica que alm de suas funes de narrativa, explicaoe revelao, tambm tem uma funo pedaggica, que era detransmitir aos descendentes as verdades convencionadas pordeterminados grupos sociais.

    Em seguida, parte-se para o estudo dos filsofos pr-socrticos ecom eles a inveno da filosofia enquanto uma viso separada domito para explicao daphysis, isto , da natureza e seus elementos.

    J os filsofos clssicos da Grcia, Scrates, Plato e Aristteles,centraram suas preocupaes no na natureza, mas no homem,focando sua anlise nas relaes ticas estabelecidas na cidade-estado, naplis. Da emergiram as duas correntes filosficasque influenciariam a filosofia e a educao at os nossos dias: oplatonismo e o aristotelismo, com a queda de Atenas como centrocultural da Antiguidade, espalhou-se por toda Europa e sia apartir das conquistas de Alexandre, o Grande, iniciando o perodofilosfico e cultural chamado Helenismo.

    Com a queda do Imprio Romano, tem-se o fim do PerodoHelenista e incio do Perodo Medieval, com predomnio da Igreja edo Cristianismo, que em boa medida foi fundamentado por SantoAgostinho a partir das ideias de Plato. J a influncia de Aristteles,nesse perodo, deveu-se a sua converso ao Cristianismo por SoToms de Aquino, que representa uma reao da Europa crist hegemonia rabe no que se refere traduo e resgate dos gregosclssicos. Como instituio hegemnica em todo Perodo Medieval,a Igreja prescreveu os princpio educativos que vigoraram durantemuito tempo e ainda influenciam a educao atual.

    Vamos ao estudo?

    Iniciando o estudo do captulo

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    Filosofia da Educao

    Seo 1 - A racionalidade do mito

    Objetivos de aprendizagem

    Compreender a racionalidade presente nopensamento mtico.

    Analisar as funes de narrativa, explicao erevelao postas no mito.

    A partir do Iluminismo, ainda nas origens da Modernidade, o

    pensamento mtico passou por um crivo rigoroso, sendo da emdiante considerado um saber inferior, antagnico racionalidade,inclusive sendo constantemente relacionado falta de conscincia eat mesmo s trevas. Hoje, entretanto, antes de julgar o mito,procura-se apreender seu princpio explicativo, sua razo de ser, poiscomo diz Chtelet, a passagem do mito razo significaprecisamente que j havia, de um lado, uma lgica do mito e que,de outro lado, na realidade filosfica ainda est includo o poder dolendrio. (CHTELET, 1973, p. 21).

    Iluminismo

    O Iluminismo, Ilustrao ou Esclarecimento foi um movimento filosfico e poltico europeudo sculo XVIII. Alm de inspirar movimentos revolucionrios importantes como a revoluoinglesa, francesa e americana, props uma nova concepo de mundo que se opunha aoPerodo Medieval, que consideravam perodo de trevas. Da o sculo XVIII ser conhecidocomo o Sculo das Luzes, marcado pela compilao e publicao da enciclopdia eestabelecimento do primado da razo na explicao dos fenmenos fsicos e sociais.Voltaire, Rousseau e Diderot eram iluministas franceses; John Locke e David Hume eramingleses e Immanuel Kant representa o iluminismo alemo.

    Como voc estudou anteriormente, todo pensamento humano uma forma de racionalidade; o fato de essa racionalidade ser maisou menos radical, rigorosa e universal vai depender das condieshistricas postas em determinada organizao sociocultural e

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    das necessidades com que os homens se deparam, em condiesobjetivas de vida, para continuar existindo.

    Deste ngulo, o pensamento mtico no menos verdadeiro do queo conhecimento cientfico; ambos, mais as filosofias de vida, filosofiaprofissional e outros saberes sempre conviveram. O fato de um delesser hegemnico e, portanto, tido como verdade, vai depender dacorrelao de foras travadas entre os homens pela sua existncia edos poderes dominantes no quadro social. Se, por exemplo, aTeologia(palavra formada pelo prefixo grego TEO, que significadeus ou deuses e LOGOS, que estudo), foi a expresso da verdadepor mais de dez sculos, isso no nos autoriza a dizer que oshomens que viveram todo esse tempo eram mais infelizes ou eram

    inferiores a ns, que conhecemos a cincia moderna. Cabe dizer quetoda religio tem sua teologia e atravs dela organiza suas prticas,rituais e modos de vida de seus adeptos.

    O progresso da tcnica no sinnimo de humanizao; pareceat mesmo que - pelo mal que estamos fazendo ao planeta e seushabitantes , inclusive, o seu oposto.

    Sendo assim, para compreender a razo do mito, preciso buscaras formas de relaes entre os homens e destes com natureza emtempos longnquos.

    O que voc sabe sobre a origem e o significado do mito na Filosofia? Registre o quesabe, sem consultar livros ou sites. Em seguida, siga a leitura e perceba se estava nocaminho certo.

    Reflita sobre a questo!

    Se atm ao estudoda existncia, natu-reza e das relaesentre os deuses e os

    homens. A teodiceiase preocupa emfundamentar racio-nalmente a teologia,estruturando suanarrativa. Em todoPerodo Medieval, noOcidente, vigorou ateologia crist, quetem a Bblia comoseu livro base, doqual deriva seusprincpios e dogmas.

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    Filosofia da Educao

    O historiador da cincia John Bernal, no seu livro Cincia naHistria (1965), Volume I, defende que a origem do mito deve ser

    buscada nas condies de domnio tcnico dos agrupamentosantigos e nas suas relaes como mundo natural. Nessainterpretao, a criao da magia, do mito, tem muito de artifciopara apaziguar as intempries da natureza. Segundo o autor:

    [...] pensou que podia persuadir e ludibriar a natureza pormeio de mtodos que pareciam eficazes como os membrosde sua tribo e com os animais que caava. A magia nasceu danecessidade de preencher a lacuna criada pelas limitaesda tcnica. Ao fazer de cada animal ou planta til o totem deuma tribo particular, ou de uma seco da tribo, e usandoimagens, smbolos e danas imitativas, o membro da tribo

    primitiva acreditava-se capaz de influenciar esse animal ouplanta, encorajando-o a crescer e a multiplicar-se. (BERNAL,1969, p. 74).

    Todavia, alm de apaziguar os tits (fenmenos da natureza), aomito era reservada ainda outras funes, dentre elas a pedaggica.Atravs dele, transmitia-se alm dos valores e crenas da tribo, asregras da estrutura social e tambm a viso de mundo daquelegrupo ou sua cosmoviso.

    Como diz o historiador Pierre Brunel (2000, p. XVI), o mito uma

    narrativa, sendo assim, ele conta simbolicamente a origem docosmo, do homem e suas relaes. Alm disso, o mito explica, ouseja, um conjunto articulado de fatos e acontecimentos at chegar situao atual. Ainda segundo Brunel, o mito tem uma terceirafuno, talvez a mais enftica, que de revelao. O mito revela oser, os homens, os deuses e, portanto, uma narrativa do sagrado,do supra-humano. De modo que podemos sintetiz-lo assim:

    O mito uma narrativa que pretende explicar, atravs deforas ou seres considerados superiores aos humanos, aorigem, seja de uma realidade completa como o cosmos,seja de partes desta realidade; pretende tambm explicar

    efeitos provocados pela interferncia desses seres ou foras.Tal narrativa no questionada, ela objeto de crena, def; nessa medida se refere religio, ao mstico. [...] canalizaas emoes coletivas, tranqilizando o homem num mundoque o ameaa. indispensvel na vida social, na medida emque fixa modelos da realidade e das atividades humanas.(ANDERY et al., 1988, p. 22).

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    Voc deve ter percebido que falamos do mito no mbito dassociedades antigas; ento pode estar pensando que as mitologias

    se limitaram a elas. Mas, como voc estudou na primeira seo,ningum fica racionalizando o tempo todo, ningum filosofa emtempo integral, por isso vivemos muito do senso comum. No mbitodos mitos, acontece o mesmo, j que est nos domnios da crena,da f.

    A sociedade moderna e contempornea, arrogantes de sua cincia etecnologia, no af de exorcizar e abolir de vez o pensamento mtico,criou uma infinidade de novas deidades, convertendo-se no seucontrrio. Os mitos do progresso, da razo infalvel, da verdadeabsoluta, da tecnocracia, da objetividade, da neutralidade cientfica

    e tantos outros, inscrevem-se na nova mitologia cientificistaetecnolgica da sociedade totalmente administrada. (ADORNO;HORKHEIMER, 1985, p. 15). Para o cientificista o conhecimento spode ser verdadeiro se for objetivo, metdico, quantificado edescoberto a partir de repetidas experincias em laboratrio.

    O fato que o mito evoca no apenas a razo, mas a inveno, aimaginao, a transcendncia. Mas, como lembra o filsofo GeorgesGusdorf:

    O mito prope todos os valores, puros e impuros. No da

    sua atribuio autorizar tudo o que sugere. [...] O mito prope,mas cabe conscincia dispor. E foi talvez porque umracionalismo estreito demais fazia profisso de desprezar osmitos, que estes, deixados sem controle, tornaram-se loucos.(apud ARANHA, 1993, p. 59).

    No mbito de tantos mitos e rituais que propem prticas, seguindoa orientao acima de Gusdorf, preciso que a conscinciadisponha, crivando crticaeracionalmenteaqueles que socontrrios ao processo de libertao e que atentam contra adignidade das pessoas que convivem nesse rico territrio deinteraes.

    a crena na cinciacomo nico conhe-cimento verdadeiroe definitivo. Em boamedida, a heranacientificista daModernidade se deveao Positivismo deAuguste Comte.

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    Seo 2 - Os filsofos pr-socrticos e o princpio da

    physis

    Objetivos de aprendizagem

    Conhecer as ideias dos filsofos pr-socrticos e ascondies histrico-sociais para o surgimento daFilosofia.

    Compreender o pensamento pr-socrtico comoforma de explicao do mundo natural separada do

    mito.Antes de passar s principais ideias dos filsofos chamados pr-socrticos que viveram antes de Scrates (sculo IV a.C.) , precisoexplicar o contexto histrico em que um gnero cultural novo,chamado filosofia, teve sua origem.

    Voc ir perceber que esse inventrio histrico se faz necessrio,pois o chamado uso da razo, enquanto tentativa de explicaoda realidade, s existiu por conta do aumento da complexidade daorganizao social, principalmente pela criao da polis grega, aindano perodo arcaico.

    Perodos gregos

    Tempos Homricos - (sculos XII a VIII a. C.) perodo de formao da civilizao grega,narrado de forma pica nos poemas de Homero.

    Perodo Arcaico (sculos VIII a VI a. C.) advento das cidades-estados (plis) emovimento de expanso territorial grega (colonizao das ilhas do Mar Egeu, territriosda sia Menor e sul da Pennsula Itlica).

    Perodo Clssico(sculos V e IV a. C.) apogeu e domnio da civilizao grega.

    Predominncia de Atenas sobre as outr as polis e nascimento da filosofia clssica (Scrates,Plato e Ar istteles).

    Perodo Helenstico(sculos III e II a. C.) decadncia do domnio poltico e militar daGrcia, domnio macednico e depois romano. Este perodo marcado pela influncia dascivilizaes orientais e disseminao do pensamento Grego no Imprio Romano.

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    Abrimos aqui um parntese para reafirmar a ideia de que o mito no uma pr-razo. Ele uma explicao para uma dada realidade.

    Quanto mais simples forem as relaes sociais estabelecidas, maiso mito suficiente, pois se trata de uma narrativa histrica, umrelembrar das tradies e dos feitos hericos de um povo. Mas namedida em que as relaes entre os homens e destes com naturezaforam se tornando mais complexas - sobretudo pela criao dacidade-estado, uso intenso da escrita, da circulao de moedas edesenvolvimento de novas tcnicas agrcolas e comerciais - o mitotornou-se insuficiente, abrindo campo para um gnero novo dediscurso e explicao da realidade chamado Filosofia.

    Precisamente no sentido de a explicao para a existncia dos

    homens e da natureza no ser tributria dos deuses, o discursofilosfico apresentou-se como uma ruptura com o mito, condioessa que inaugurou uma nova verso do logos(razo) humano.

    A inveno da filosofia contempornea da inveno da polis grega, que eram unidades autnomas, na forma de Estadosindependentes, com autonomia econmica, poltica e cultural, cujaformao se deu entre os sculos VII e VI a.C, na regio da Jnia, nasia Menor (ver mapa abaixo).

    GRCIA

    ATENAS

    MAR EGEU

    PELOPONESO

    Figura 2.1 - Mapa da Grcia Clssica

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    Filosofia da Educao

    Como toda regio da Jnia servia como entreposto comercial daGrcia com o Oriente, onde havia intenso trnsito de produtos

    e ideias, estavam dadas as condies para o surgimento de umaforma-pensamento desapegada das tradies e dos costumes, demodo que a autonomia da cidade passava a significar tambmautonomia do destino dos homens.

    Em uma dessas cidades, Mileto, viveu Tales, um dos primeirospensadores a elaborar um discurso estruturado a partir daobservao da natureza (physis) e do uso sistemtico deargumentos, que foram sintetizados numa cosmoviso, num sistemaexplicativo do universo. Reza a lenda que se deve a ele a invenodo termo filosofia, filos (amigo) mais sofia (sabedoria).

    O filsofo, ento, era aquele que cultivava, procurava oconhecimento, o saber. Assim como ele, ficaram famosos outrosfilsofos da chamada Escola Jnica, que tinham em comum aprocura pela arkh, o princpio primordial natural explicativo detodas as coisas, a substncia essencial.

    Pela primeira vez na histria humana a explicao da natureza erabuscada nela mesma.

    Para Tales de Mileto, a substncia essencial que compunha todas

    as coisas era a gua; para Anaximandro, discpulo de Tales, era oaperon, o ilimitado; para Anaxmenes, discpulo de Anaximandro,a origem de todas as coisas era o ar; j para Herclito, da cidade defeso, o princpio de tudo era o fogo.

    Com a invaso da Jnia pelos persas, a continuidade da investigaopassou do norte da Grcia ao sul da Itlia, onde surgiram outrosfilsofos famosos, como Pitgoras, Parmnides e Demcrito, entreoutros.

    A preocupao era a mesma da filosofia Jnica, ou seja, a busca doelemento essencial daphysis. Para Pitgoras, a archera o nmero;para Parmnides, o ser; para Leucipo e Demcrito, o tomo.

    Apesar de ter chegado a ns apenas fragmentos dos pensadorespr-socrticos, eles lanaram as bases do que seria a razo ocidental,

    Alm de estabeleceremprincpios explicativos

    para a origem daphysis,alguns filsofos pr-

    -socrticos se preocupa-ram com a vida na cidade,

    criando leis e desenvol-vendo conhecimentos

    na rea da Matemtica,Astronomia e Geometria.

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    enquanto fundamentos e enquanto mtodo de investigao ecomunicao dos resultados de suas reflexes.

    Mesmo sem entrar nos detalhes de seus princpios, seria oportunofalar sobre dois filsofos que influenciaram sobremaneira opensamento ocidental, ainda que em lados completamenteopostos: Parmnides e Herclito de feso.

    Figura 2.2 - Parmnides e Herclito

    Para Parmnides o ser imvel e, portanto, a realidade tambm.Segundo o fundador da escola eletica (de Elia), o Ser , o no serno , com isso afirmando que s h a possibilidade de identidadeno ser e no na contradio. uma resposta lgica ao paradigma

    da transformao, resultando na concepo de imutabilidade domundo. E para resolver o impasse, Parmnides atribui a iluso dossentidos ideia de movimento. no frum da razo, do intelecto, dologos, que este problema resolvido e no na opinio vulgar ouna experimentao sensualista. Esse pensamento influenciou todatradio do pensamento ocidental, inaugurando o racionalismo, acrena definitiva na razo enquanto possibilidade de tudo conhecer.

    Para Herclito tudo flui, tudo est em contradio perptua, emmovimento. Ele estabelece uma unidade de contrrios, quente-frio,dia-noite, amor-dio, que est presente em todas as transformaes

    a que o Ser se destina, o devir. Por isso, Herclito consideradoo pai da dialtica enquanto discurso filosfico, defendendo atransformao perptua da natureza e do prprio homem. Sobreeste, tem-se o famoso aforismo de Herclito: um homem no

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    Filosofia da Educao

    toma banho no mesmo rio, pois da segunda vez j no o mesmohomem nem a mesma gua.

    Para Parmnides o Ser , para Herclito, o Ser ele mesmo e o seucontrrio, o no ser ou aquilo que um dia ser. Se para os eleticoso mundo esttico; para o jnico, Herclito de feso, ele est emconstante mutao.

    Pouco se tem de escritos dos filsofos pr-socrticos e parte do quese sabe se deve aos comentrios dos pensadores que fundaram aracionalidade ocidental, principalmente Plato e Aristteles, queforam fortemente influenciados por eles.

    Enquanto os pr-socrticos estavam preocupados em explicara ordem geral do universo, a gerao socrtica voltou-se aosproblemas daplise das relaes sociais. E como a educao umprocesso que tem como ponto de partida e chegada a sociedade,os chamados filsofos gregos clssicos socrticos desenvolveramo seu pensamento apontando para o processo educativo e para aformao tica dos cidados, ou seja, dos homens da cidade.

    esse pensamento, com forte influncia na Pedagogia at nossosdias, que veremos na prxima seo.

    Seo 3 - A inveno da razo: Scrates, Plato eAristteles - as bases da racionalidadeocidental e suas implicaes pedaggicas

    Objetivos de aprendizagem

    Identificar a inveno da razo nos filsofos clssicosgregos.

    Conhecer as principais ideias de Scrates, Plato eAristteles e suas implicaes para a educao.

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    Estabelecidas as bases da cidade-estado por toda Grcia, foi emAtenas que a democracia emergiu da correlao de foras entre a

    classe social representada por mercadores, artesos e comerciantese a oligarquia agrria, que dominou por todo perodo arcaico. Aindaque fosse uma democracia restrita a poucos, j que a participaoera reservada ao homem de nascimento ateniense, ficando de foraas mulheres, os escravos e os estrangeiros (metecos).

    O sculo de Pricles, que marcou o apogeu da hegemonia ateniensena Grcia, tem como marca principal o incentivo ao comrcio, sartes e marca o surgimento do cidado.

    Neste contexto, a palavra adquire na democracia uma funo

    especial, tanto no que se refere s funes pblicas, quanto nacondio de mola-mestra da educao. pela palavra que o cidadodefende seus argumentos na gora (praa pblica); que convenceseus compatriotas; que prega sua filosofia. Enfim, saber falar,argumentar e contra-argumentar se torna fundamental, j que oprocesso democrtico de participao direta. Vem da o sucessodas escolas fundadas pelos chamados sofistas. Eram professores deretrica e poltica e ensinavam a argumentar e a usar bem a palavranas assembleias de modo a convencer.

    Scrates e Plato criticavam os sofistas chamando-os de

    embusteiros e mercenrios. Na poca de Scrates, eram professoresparticulares que cobravam por seu ensino. Muitos deles se tornaramfamosos como Protgoras e Iscrates. A imagem dos sofistas e suafilosofia comearam a ser resgatas somente no sculo XIX, devido aopreconceito histrico ao qual seus nomes estavam associados.

    Mas como diz Chtelet (1999), ao seu modo, Scrates (469-399a.C. aprox.) tambm um sofista, pois faz da palavra sua arma deinterveno social. E pela palavra que o filsofo Scrates tentaconvencer seus concidados que a Virtude (com V maisculo) omelhor caminho para a existncia humana. Para ele, a Virtude o

    Bem supremo, a felicidade eterna, que essencial ao homem, nascecom ele, prprio de sua natureza. O mtodo socrtico consiste emaflorar no homem aquilo que lhe essencial. Para tanto, sai pelacidade afora questionando o conhecimento que as pessoas achamque tem de si, das suas virtudes ou de sua profisso.

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    Filosofia da Educao

    Vamos conhecer o mtodo filosfico de Scrates?

    Esse mtodo, chamado ironia, essencialmente dialgico, e temdois momentos distintos: refutaoe maiutica. No primeiromomento do dilogo, ele questiona o que o seu interlocutor sabe,crivando-o de tantas perguntas a ponto de se chegar ao consenso

    de que ele efetivamente no sabe do que est falando. Chegadoesse momento, era preciso extrair seu conhecimento interior pormeio da maiutica, que significa parir, fazer nascer, aquilo que imanente ao homem, a sua virtude. Portanto, para Scrates, oconhecimento verdadeiro e o autoconhecimento ou como ele dizia:conhece-te a ti mesmo parte inicialmente de uma conscinciada prpria ignorncia, s sei que nada sei, para chegar a umconhecimento de si mesmo.

    Neste contexto, qual a principal preocupao de Scrates?

    A preocupao do filsofo era melhorar o homem para que asociedade melhorasse. Encontrando a virtude em cada um, oconjunto social seria virtuoso tambm. Neste sentido, a filosofiasocrtica tem um carter eminentemente tico e moral. O Bem o universal a ser perseguido e a vida virtuosa deve ser buscada a

    qualquer preo.

    Tanto que Scrates condenado morte pelo tribunal ateniense,acusado de perverter a juventude, sem renunciar as suas crenas.Poderia ter pagado uma modesta multa ou ter aceitado o planode fuga dos amigos, dentre eles Plato; mas como isso trairia suas

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    convices e o que considerava a misso que o deus Apolo havia lheconfiado, conforme lhe havia dito o orculo de Delfos, recusou e se

    tornou o primeiro mrtir da Filosofia.

    Em um dos dilogos de Plato (Teeteto) o prprio Scrates explicao seu mtodo de obteno do conhecimento. Vejamos o fragmentoabaixo:

    Ora bem, toda minha arte de obstetra semelhante aessa, mas difere enquanto se aplica aos homens e no smulheres, e relacionando-se com as suas almas parturientese no com os corpos. Sobretudo, na nossa arte h a seguinteparticularidade: que se pode averiguar por todo o meio seo pensamento do jovem vai dar luz a algo de fantstico e

    de falso, ou de genuno e verdadeiro. Pois acontece tambma mim como s parteiras: sou estril de sabedoria; e o quemuitos tm reprovado em mim, que interrogo os outros,e depois no respondo nada a respeito de nada por faltade sabedoria, na verdade pode me ser censurado. E esta acausa: que Deus obriga-me a agir como obstetra, pormveda-me de dar luz. E eu, pois, no sou sbio nem possomostrar nenhuma descoberta minha, gerada por minha alma.(PLATO; TEETETO apud ANDERY et al., 1988, p. 70).

    Como voc pode ver, ao seu modo, Scrates acima de tudoum educador, um condutor da iluminao interior do homem.

    Incentivando o autoconhecimento, favorece ao que hoje sedenomina de metaconhecimento, ou seja, o conhecimento acercadaquilo que se conhece, fundamental nos processos educacionais,sobretudo, na educao a distncia. Nesse sentido, conhecer aomesmo tempo um questionamento, uma reflexo sobre o que sesabe e sobre o que importa saber. E mais: uma reflexo sobre oque se conhece melhora o sujeito ou de alguma forma colabora como seu processo educativo.

    De certa forma, educar tambm parir, fazendo emergir doprocesso um sujeito autodescoberto, conhecedor dos seus limites e

    potencialidades. Todavia, numa viso socrtica, precisa emergir daeducao um sujeito engajado eticamente para melhorar a vida emsociedade, isso porque, para ele, a existncia do mal produto daignorncia do Bem que habita no prprio homem.

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    se imps a misso de continuar o seu legado e propagar as suasideias. Na verdade, Plato fez mais do que isso: legou posteridade

    a misso socrtica nos seus dilogos escritos, com uma riquezaliterria de incomparvel valor histrico e filosfico.

    como se ele tivesse se tornado o portador da mensagem socrticae perpetuador do mtodo dialtico para o porvir. Ao mesmotempo, serviu-se dos dilogos para criticar a debilidade do sistemademocrtico, a iluso dos sofistas e ridicularizar os poderosos do seutempo.

    Ao contrrio de Scrates, que afirmava nada saber, almde prescrever normas de conduta tica e moral aos seus

    contemporneos, Plato tambm props formas de organizaopoltica e social que esto consubstanciadas no seu mais famosolivro, A Repblica.

    O filsofo Franois Chtelet (1994) diz que a Filosofia s pode existircom relao a Plato. No que toda filosofia seja platnica, mas dealguma forma remetida a ele, pr ou contra.

    E isso verdade, pois sempre que nos voltamos histria dafilosofia, de certo modo Plato est presente, seja na Patrstica deSanto Agostinho (Perodo Medieval), no racionalismo de Descartes

    ou no Idealismo Hegeliano (Modernidade). Inclusive, o parmetroque d origem ps-Modernidade, j que a preocupao deFriedrich Nietzsche provocar a reverso do platonismo (VIEIRA,2008) ou aqueles a quem chamava de alucinados do aqum-mundo. (CHTELET, 1994, p. 38). De modo que Plato acabou setornando um pensador atemporal.

    Plato fundou sua Academia em 387 a.C. e certamente no erauma escola barata e nem para todos. Mesmo porque, na sua mentearistocrtica, somente alguns poderiam chegar ao conhecimento daVerdade, aqueles cuja alma fosse propensa Cincia.

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    Segundo alguns historiadores, havia um ensino mstico e secretona escola platnica que somente alguns iniciados tinham acesso.(CHTELET, op. cit.). E para chegar at ele, o plano de estudos eraextremamente longo e extenuante, de tal sorte que somente com 30 ou35 anos que se passaria ao estudo dos mistrios das Ideias ou daquiloque em grego se chamava de therein(viso, teoria). claro que seriadifcil algum terminar os estudos numa escola como essa.

    Alm de iniciar nos estudos esotricos, o projeto da Academia

    certamente prover a cidade de bons governantes para que fossejusta e perfeita, sendo corrigidos os males provocados pelo sistemademocrtico; neste aspecto, a Academia representa um projetopoltico.

    Ento, Plato deu continuidade ao mtodo socrtico?

    Sim, alm de adaptar o dilogo socrtico s novas pretenses,conservou-o como forma discursiva de sua filosofia, usando adialticacomo mtodo para se chegar essncia das coisaspor aproximaes e induzindo o interlocutor s concordnciasnecessrias.

    Seu mtodo se destinava sempre determinao do conceito, jque estava preocupado em chegar s formas essenciais, supra-humanas, das coisas investigadas.

    Era um saber contemplativo porque estava destinado racionalidade e no a sua aplicao material ou tcnica. Comotodo aristocrata grego, desprezava a aplicao do conhecimento produo, pois os ofcios eram considerados arte de segundacategoria.

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    Segundo Plato, o conhecimento nasce da razo inerente aossujeitos e sua via de acesso principal a matemtica, justamente

    pelas suas regularidades e simetrias perfeitas. Inclusive, haviauma advertncia na entrada da Academia: Que no entre quemno saiba geometria. Isso se aplica bem a sua teoria das ideias,

    j que podemos, por pensamento, admitir a existncia de formasmatemtica perfeitas. Como isso ocorre na Matemtica, tambmhaveria de existir a Justia, a Sabedoria, o Bem e outros arqutipossuprarreais.

    Para compreender a teoria das ideias de Plato, pense nas formasgeomtricas, um quadrado por exemplo. Quando voc pensa nele,no vem mente a imagem de um quadriltero com quatro ladose ngulos iguais? Pois bem, para o nosso filsofo, esse objeto temexistncia real nas ideias, assim como demais objetos e conceitos. Porisso sua filosofia tambm chamada de realismo da ideias.

    Figura 2.4 - Conhece-te a ti mesmo

    E a funo da Filosofia,gradativamente, seria

    atingir esse mundo idealpara longe dos equvocose imperfeies dossentidos humanos, o ques poderia ocorrer vendo-se com os olhos da alma.Afinal, quando nascemos,segundo Plato, nossaalma traz consigo aslembranas do mundoperfeito, onde habita a

    Ideia de tudo o que h nomundo real s quedecado, defeituoso,

    meras aparncias, cabendo Filosofia extrair da alma as suasvocaes, lembranas e tudo o que remetesse ao mundo ideal, feito

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    SCRATES Figura-te agora o estado da natureza humana, em relao cincia e ignorncia, sob a forma alegrica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados emmorada subterrnea e cavernosa que d entrada livre luz em toda extenso. A, desde ainfncia, tem os homens o pescoo e as pernas presos de modo que permanecem imveise s vem os objetos que lhes esto diante. Presos pelas cadeias, no podem voltar o rosto.Atrs deles, a certa distncia e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativosimagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com ostabiques