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3 1. Contexto político (Atenas, séc. V) O período que decorreu entre 450 a 400 a.C. constituiu o período glorioso da grande Atenas: ocorreram mudanças políticas e sociais profundas com uma actividade intelectual e artística intensa. No séc. V a.C., Atenas foi, na realidade, a maior das cidades- estados gregas. No auge do seu poderio e esplendor, deve ter tido uma população total de aproximadamente 300 000 habitantes. Esta cidade deu ao mundo, no espaço de poucas décadas, parte do que há de melhor no campo da arte, como por exemplo, as esculturas de Fídias e o esplendor do Partenon e também no campo da produção intelectual. Após a crise da tirania, no séc. VI a.C., a maioria das cidades gregas, sobretudo Atenas, animaram-se de uma vida política extraordinariamente intensa. O exercício do poder e a gestão dos negócios públicos tornaram-se a ocupação fundamental, mais nobre e mais apreciada do homem grego, que era o objectivo da sua ambição. Os antigos atenienses eram pessoas muito práticas: obtinham dinheiro com facilidade, tinham bons engenheiros, estavam bem equipados em termos militares e navais. Para eles a filosofia e a procura do conhecimento e da verdade como um fim em si mesmos, era vista como uma actividade e desnecessária à existência humana. No entanto, com a vitória sobre os Persas, Atenas enriquece extraordinariamente e a população começa a interessar-se por outros assuntos e a aproveitar os tempos de verdadeira prosperidade que se viviam na altura. A arte, o teatro, a poesia, a música e a filosofia começaram a ter lugar na vida dos atenienses. Graças ao desenvolvimento económico, Atenas estabelece cada vez mais contactos com outros povos, gentes e raças. Homens de letras, artes e ciências provenientes de várias regiões vinham a Atenas e aí permaneciam em intensa troca de saberes, numa animada circulação de ideias. Poetas, pintores, escultores, arquitectos, cientistas, filósofos, advogados e políticos, reuniam-se e trocavam impressões entre si e com a comunidade ateniense. Templo Grego

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1. Contexto político (Atenas, séc. V)

O período que decorreu entre 450 a 400 a.C. constituiu o período glorioso da grande Atenas: ocorreram mudanças políticas e sociais profundas com uma actividade intelectual e artística intensa.

No séc. V a.C., Atenas foi, na realidade, a maior das cidades-estados gregas. No auge do seu poderio e esplendor, deve ter tido uma população total de aproximadamente 300 000 habitantes. Esta cidade deu ao mundo, no espaço de poucas décadas, parte do que há de melhor no campo da arte, como por exemplo, as esculturas de Fídias e o esplendor do Partenon e também no campo da produção intelectual.

Após a crise da tirania, no séc. VI a.C., a maioria das cidades gregas, sobretudo Atenas, animaram-se de uma vida política extraordinariamente intensa. O exercício do poder e a gestão dos negócios públicos tornaram-se a ocupação fundamental, mais nobre e mais apreciada do homem grego, que era o objectivo da sua ambição.

Os antigos atenienses eram pessoas muito práticas: obtinham dinheiro com facilidade, tinham bons engenheiros, estavam bem equipados em termos militares e navais. Para eles a filosofia e a procura do conhecimento e da verdade como um fim em si mesmos, era vista como uma actividade vã e desnecessária à existência humana.

No entanto, com a vitória sobre os Persas, Atenas enriquece extraordinariamente e a população começa a interessar-se por outros assuntos e a aproveitar os tempos de verdadeira prosperidade que se viviam na altura. A arte, o teatro, a poesia, a música e a filosofia começaram a ter lugar na vida dos atenienses. Graças ao desenvolvimento económico, Atenas estabelece cada vez mais contactos com outros povos, gentes e raças.

Homens de letras, artes e ciências provenientes de várias regiões vinham a Atenas e aí permaneciam em intensa troca de saberes, numa animada circulação de ideias. Poetas, pintores, escultores, arquitectos, cientistas, filósofos, advogados e políticos, reuniam-se e trocavam impressões entre si e com a comunidade ateniense.

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2. O papel da palavra na Atenas democrática

Numa altura em que a política era a ocupação fundamental dos cidadãos e em que era cada vez mais importante a escolha das pessoas adequadas para gerir a cidade, a palavra revela-se de grande importância. Era frequente, argumentar-se tanto em particular como em público. O homem eficaz era aquele que se impunha ao adversário, diante de um júri ou perante os juízes, enquanto os oradores hábeis podiam, como os tiranos, fazer com que se condenasse à morte, à confiscação ou ao exílio de quem lhes desagradasse.

Após a constituição de Clístenes, todos os habitantes livres da Ática foram admitidos à cidadania e passaram a poder exercer funções nos tribunais populares ou na assembleia. Muitos funcionários eram escolhidos por sorte e a assembleia popular tinha enormes poderes, entre os quais, o poder de ostracismo (poder do banimento), por voto secreto, de qualquer cidadão considerado perigoso ao bem-estar público.

A faculdade oratória reside na capacidade de dizer o que se pretende de uma forma eloquente e bem fundamentada. No estado democrático, as assembleias públicas e a liberdade da palavra tornaram indispensáveis os dotes oratórios, convertendo-os até numa importante arma colocada nas mãos do homem do Estado.

Foi neste contexto democrático, onde o interesse público era defendido pela palavra, que os sofistas surgiram. Assim, os sofistas foram sendo cada vez mais necessários. Aquilo que se propunham fazer foi, aos poucos, sendo visto como a resolução dos problemas daqueles que queriam triunfar, ser ouvidos e adquirir influência pública.

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3. O modelo educativo anterior ao aparecimento dos Sofistas

O modelo educativo que existia em Atenas antes do aparecimento dos sofistas, por volta do séc. V a.C., era a Paideia. Inicialmente esta palavra significava “criação dos meninos”, mas com o passar do tempo sofreu alterações no campo semântico e na sua nomenclatura.

O primeiro nome que se atribuiu à Paideia foi Arete. É entendida como uma qualidade própria da nobreza, que se caracteriza por um conjunto de qualidades físicas, espirituais e morais tais como a bravura, a coragem, a força, a destreza, a eloquência e a capacidade de persuasão.

Nos finais da época arcaica, a palavra Arete caiu em desuso e passou-se a usar a palavra Kaloskagathia. Este novo significado pretende alcançar a excelência física e moral e o homem deve procurar realizar os atributos beleza e bondade. Para alcançar este ideal é proposto um programa educativo que implica dois elementos fundamentais: a ginástica para o desenvolvimento do corpo, e a música para o desenvolvimento da alma. No fim da época arcaica, este programa educativo completava-se com a gramática.

Mas, se até então o objectivo fundamental da educação era a formação do homem individual como kaloskagathos, a partir do século V a. C., exige-se algo mais da educação. Para além de formar

o homem, a educação deve ainda formar o cidadão. A antiga educação, baseada na ginástica, na música e na gramática deixa de ser suficiente. Este modelo educativo foi alterado pelos sofistas. Eles afirmavam que a educação não estava completa com

a Paideia, sendo necessário que os jovens adquirissem determinados conhecimentos ou capacidades que eles afirmavam estar aptos a ensinar em troca de dinheiro.

Já não era suficiente a honra e glória dos tempos homéricos, mas era preciso alcançar a excelência tanto a nível moral como a nível físico. Assim os sofistas proclamam-se professores da areté política e o seu objectivo era ensinar a melhor forma de alcançar o poder e a melhor maneira de triunfar nesse domínio.

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4. Origem do termo “sofista”

As palavras gregas sophos e sophia habitualmente traduzidas por sábio e sabedoria foram utilizadas desde os tempos mais remotos tendo-lhes sido sucessivamente atribuídos vários significados.

No início do séc. V a.C. o termo "sofista" passa a ser utilizado com o sentido de "homem sábio". É atribuído a poetas, como Homero e Hesíodo, a músicos e rapsodos, a deuses e mestres, aos Sete Sábios, aos filósofos pré-socráticos e a figuras com poderes superiores, como Prometeu. Pelo final do século, o termo "sofista" era aplicado a quem escrevia ou ensinava e que era visto como tendo uma especial capacidade ou conhecimento a transmitir. A sophia era fundamentalmente prática e sobretudo direccionada para a política ou para a arte.

No entanto, depois dos sofistas terem aparecido na Grécia, os ódios e invejas que geraram por entre a multidão fez com que a palavra "sofista" começasse a ser utilizada em sentido depreciativo. A palavra passa então a ser utilizada no sentido de ladrão, impostor, charlatão ou mentiroso, significado que acaba por ir ao encontro do seu sentido actual.

Homero

Hesíodo

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5. Os alunos dos sofistas

Os sofistas destinavam o seu ensino a todos os que desejassem "adquirir a superioridade necessária ao triunfo na arena política". No entanto os seus alunos provinham habitualmente das classes mais elevadas. Existiam dois tipos de alunos: os que eram provenientes de famílias abastadas e que procuravam aceder aos mais elevados cargos políticos, e os que estudavam somente para se tornarem sofistas.

Os sofistas iniciavam o ensino dos seus alunos quando estes tinham cerca de 16 a 18 anos. Nesta fase, os jovens, estavam na posse de todas as suas faculdades e, tendo aprendido tudo o que o modelo educativo em vigor lhes propunha, ambicionavam aprender o que os sofistas tinham para lhes ensinar.

Sabe-se que os sofistas estabeleciam um contacto muito próximo com os seus alunos. Na realidade, passavam a maior parte do tempo juntos, num intenso intercâmbio de experiências e saberes.

O facto de os alunos passarem a maior parte do tempo com os seus professores, vivendo inclusivamente com eles, possibilitava o contacto directo, não só com a sua inteligência, mas também com a sua personalidade. Os jovens sentiram-se como um grupo que se preocupava em estudar os mesmos assuntos. Consideravam uma necessidade e, ao mesmo tempo, um privilégio poderem ser incluídos em tais associações.

Os sofistas aperfeiçoavam as suas técnicas e, conscientes da sua importância na sociedade e do que ensinavam, cobravam elevadas quantias de dinheiro, que variavam de sofista para sofista.

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6. Os métodos de ensino dos sofistas

Os sofistas reuniam o seu grupo de estudantes em salas particulares, na rua ou no ginásio, onde transmitiam o seu conhecimento e davam a preparação retórica desejada.

Em primeiro lugar, os sofistas podiam iniciar a sua aula através de uma leitura sobre um determinado tema, que iria ser utilizado como ponto de apoio para o desenvolvimento do resto da aula. Alguns eram apenas meros exercícios de retórica sobre um assunto mítico, como "Helena" e "Palamedes", de Górgias, que sobreviveram até aos nossos dias.

Em segundo lugar, os discursos constituíam um recurso bastante utilizado, com o principal objectivo de treinar os jovens na argumentação, incentivando o seu estudo e a sua exposição. Em terceiro lugar, existiam dois métodos de exposição bastante usados: o método breve e o método longo ou expositivo. Relativamente ao primeiro, o discurso era habitualmente apresentado através de perguntas e respostas. Consistia num diálogo entre o sofista e os seus alunos. No entanto, o segundo método era o mais usado. Através dos longos discursos, os sofistas eram mais facilmente capazes de impor as suas ideias. Com este método era muito mais difícil seguir as ideias do orador e compreender a totalidade dos pormenores.

Para além destes métodos, os sofistas foram dos primeiros a preocuparem-se com o registo e com a escrita dos seus conhecimentos. No entanto, dos poucos livros que alguns se dedicaram a escrever, muitos se perderam e não resistiram ao ódio que os sofistas enfrentaram, tendo sido queimados ou destruídos pelos críticos ou pela multidão enfurecida.

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7. O que ensinavam os sofistas

Cada sofista expunha ou salientava os conteúdos que considerava importantes e não tinha de dar satisfações a ninguém sobre a escolha efectuada. Podiam abordar temas como a arte, a ciência ou a política, contudo também abordavam algumas matérias em comum com outros sofistas.

Os sofistas transmitiam os seus conhecimentos sobre:

• O ensino da Retórica:

Os sofistas eram particularmente conhecidos como sendo professores de retórica, sobretudo no domínio das leis e da política. Preocupavam-se que os seus alunos adquirissem uma capacidade de argumentação suficientemente persuasiva. Para cumprirem este objectivo, alguns sofistas davam uma preparação formal que frequentemente consistia em fornecer aos seus alunos discursos feitos sobre determinados assuntos, com o objectivo de serem repetidos em futuras ocasiões, tais como, nos processos perante os tribunais, sentenças inteligentes e informações fragmentárias a serem utilizadas em momentos oportunos. A retórica não se limitou à Assembleia ou aos tribunais, tendo-se expandido para banquetes e festas.

• O ensino da Dialéctica:

Protágoras foi o primeiro a ensinar que, em toda a questão, o objectivo principal era ensinar a vencer todas as discussões possíveis. Protágoras segue um método de discussão cuja finalidade é confundir o adversário, tomando como ponto de partida questões ou afirmações eventualmente proferidas pelo lado oposto.

Os outros sofistas seguiram esta espantosa arte de contornar o raciocínio fazendo um apelo à lógica de uma forma extraordinariamente subtil e encantadora. Como os fins justificam os meios, o que os sofistas pretendiam era utilizar tudo o que fosse eficaz para vencer o adversário. O raciocínio cede lugar aos truques e astúcias contraditórias que geram, simultaneamente, o encanto e a confusão nos ouvintes.

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• A componente prática da vida:

O saber sofista estava muito direccionado para a componente prática da vida. O que ensinavam estava adequado às necessidades dos seus alunos. Pretendiam dar respostas imediatas a determinadas situações, pelo que olhavam, de uma forma bastante concreta e real, para os assuntos que reclamavam uma intervenção imediata.

Protágoras referiu que quem fosse ter com ele não aprenderia senão o que pretendesse aprender e que o seu ensino se destinava à boa gestão dos assuntos particulares, de modo a administrar com competência a sua própria casa e os assuntos da cidade.

Nem Protágoras nem Górgias se preocuparam em desenvolver uma doutrina, mas sim em formular regras de conduta prática. Eles não ensinavam aos seus alunos nenhuma verdade sobre o ser ou sobre o homem, mas, apenas, a terem sempre razão, em qualquer circunstância.

Neste contexto, a argumentação e a persuasão consistiam as linhas de conduta destes profissionais. Acreditavam na possibilidade de defesa de dois argumentos completamente opostos e estimulavam os seus alunos a defender o lado aparentemente mais fraco. Os sofistas ensinavam a arte de jogar com as palavras, em enlaces rebuscados do raciocínio, procurando validar as suas ideias a qualquer custo, vencendo o seu opositor.

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8. O Relativismo

Constatando a influência dos factores sociais na formação dos homens e na modelação do seus comportamentos, a existência de uma pluralidade de culturas e modos de pensar, os sofistas acabam por defender a relatividade de todo o conhecimento e dos valores, negando a sua universalidade.

Segundo Ian Jarvie, o relativismo é a "postura segundo a qual toda avaliação é relativa a algum padrão, seja qual for, e os padrões derivam de culturas."

As diversas culturas humanas originam diferentes padrões segundo os quais as avaliações são concebidas. Por mais diferentes que sejam as observações concebidas por pontos de vista culturais diferentes, elas sempre serão cientificamente verdadeiras, enquanto não refutadas.

Segundo Aristóteles "se todas as opiniões e todas as aparências são verdadeiras, conclui-se necessariamente que cada uma é verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Visto que, frequentemente, surgem, entre os homens, opiniões contrárias, e cremos que se engana quem não pensa como nós, é obvio que existe e não existe ao mesmo tempo a mesma coisa. Admitindo isto, deve-se também admitir que todas as opiniões são verdadeiras. (...) Se as coisas são como afirma Protágoras, será verdade o que quer que se diga".

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9. Principais críticas

A prática sofística originou severas críticas, quer no seu tempo, quer posteriormente. Uma das mais violentas prende-se com o facto dos sofistas serem acusados de imoralidade face à descrença que apresentavam para com a religião. Além disto, por considerarem que cada pessoa tinha o direito de decidir o que estava certo ou errado foram considerados pioneiros da desmoralização da sociedade.

Uma outra crítica que lhes foi dirigida está relacionada com a cobrança de dinheiro que exigiam pelos seus serviços. Havia quem não conseguisse compreender o porquê desta prática. Consideravam que o orgulho no triunfo e na evolução dos alunos deveria ser o suficiente para que se sentissem realizados, não tendo que exigir dinheiro. Assim, havia quem os rotulasse de aproveitadores, trapaceiros, charlatões e manipuladores.

A crítica também não perdoou os sofistas pelo facto destes considerarem a verdade como sendo algo de relativo ao indivíduo. Por este motivo, havia quem defendesse que os sofistas não pretendiam ensinar nada de realmente útil e interessante, mas somente influenciar o povo com a sua pompa e eloquência, de modo a ficarem cada vez mais famosos e a enriquecerem à custa dele.

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10. Principais elogios

Apesar de todas as críticas, não podemos negar que a influência dos sofistas foi notória em vários aspectos: na linguística, na gramática, na moral, na religião, na arte, na poesia, na música, nas ciências e na sociedade. Iniciaram um conjunto de interrogações de natureza filosófica sobre a origem do ser humano e de tudo o que o rodeia. Esta contribuição foi notória para que, mais tarde, pudessem aparecer as famosas filosofias de Platão e Aristóteles.

No que respeita à lei, alguns sofistas foram requisitados para estabelecerem e orientarem a elaboração de constituições em várias regiões. Prestavam auxílio quer na redacção das leis, quer como conselheiros. Por vezes também apareciam como sendo advogados, defendendo determinadas causas. Graças às suas digressões, ficaram bem informados sobre os sistemas jurídicos das diferentes civilizações, o que terá contribuído para que eles conhecessem os variados sistemas políticos, formas de expressão e linguagem, hábitos, usos e costumes dos diversos povos com os quais haviam mantido contactos.

No domínio linguístico, os sofistas foram muito inovadores, quer no domínio da gramática, quer na própria estrutura linguística. Na verdade, houve sofistas que se preocuparam em analisar profundamente os tempos verbais, o significado das palavras, a sua origem e as invenções estilísticas.

Despertaram e mantiveram um novo interesse pela poesia primitiva, mesmo que a interpretação nada mais significasse que o treino mental. A virtuosidade retórica teve como resultado imediato as suas análises da linguagem e os seus estudos críticos da literatura. Também na lógica e na retórica sabe-se que foram desenvolvidas técnicas bastante úteis na arte de influenciar e argumentar.

No domínio político foram também muito influentes. Para além de ensinarem os seus alunos a triunfar neste meio, também houve vários sofistas que ocuparam cargos de destaque nos sistemas políticos.

Além disto, os sofistas foram os primeiros a aperceberem-se de que o sistema educativo da altura era insuficiente na preparação dos jovens, pelo que se proclamaram professores, percorrendo o mundo à procura de pupilos. Um outro acontecimento importante foi a introdução do ensino matemático. Embora esta ciência tivesse sido objecto de investigação no tempo de Pitágoras, terá sido Hípias o primeiro homem que reconheceu o seu extraordinário valor pedagógico.

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11. Os principais sofistas

• Protágoras de Abdera:

Protágoras nasceu por volta do ano 480 a.C. e faleceu por volta do ano 410 a.C.. Era cidadão de Abdera, pátria de Demócrito, e o mais conhecido entre todos os sofistas. Enquanto esteve em Atenas ocupou-se de áreas como a gramática e a linguagem. Acusado de ateísmo, onde foi processado e condenado por impiedade, e a sua obra sobre os deuses foi queimada em praça pública. Refugiou-se então na Sicília.

Protágoras foi o fundador do movimento sofístico. Inaugurou as lições públicas pagas e estabeleceu a avaliação dos seus honorários. Pretendia, com o seu ensino, formar futuros cidadãos e por isso reivindicava o título de sofista.

Enunciou uma doutrina, com a célebre frase: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”. Esta máxima significava mais precisamente que de cada indivíduo dependem as coisas, não na sua realidade física, mas na sua forma conhecida. Pensasse que escreveu apenas duas grandes obras durante a sua vida: “As Antilogias” e “A Verdade, ou as Mudanças”. A doutrina de Protágoras abrange, pelo menos, três momentos que consistem: na produção de "As Antilogias", depois na descoberta do homem-medida e, finalmente, na elaboração do discurso forte.

� As Antilogias:

Em "As Antilogias", Protágoras defende que em todas as questões há dois discursos, coerentes em si mesmos mas que se contradizem um ao outro. Esta divisão é polémica, uma vez que, Protágoras não apresenta nenhuma razão suficiente para que sejam só dois e não uma diversidade de discursos possíveis.

Na obra "As Antilogias" podemos observar dois domínios: o do invisível e do visível. Por um lado, o domínio do invisível coloca o problema do divino. Daqui resulta o ponto neutro entre dois discursos opostos que, a propósito dos deuses, se confrontam, o da crença e o da descrença. Por outro lado, no domínio do visível colocam-se vários problemas: o da cosmologia, onde Protágoras estudava a terra e o céu; o da ontologia, onde examinava o devir e o ser; o da política, onde expunha as diferentes legislações; e, finalmente, o da arte e das artes.

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� O homem-medida:

Os momentos construtivos da doutrina de Protágoras pertencem à sua obra "A Verdade", nomeadamente, o homem-medida. É por isso que "A Verdade" começa pela célebre frase: "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são."

Esta frase continua enigmática. Um dos problemas que rodeia esta expressão diz respeito à extensão a dar à palavra "homem". Os antepassados entendiam a palavra "homem" como sendo o homem singular, o indivíduo com as suas particularidades específicas. Contudo, no século XIX deu-se à palavra "homem" o significando de humanidade.

� O discurso forte:

O discurso não partilhado constitui o discurso fraco, mal chega a ser discurso, porque a comunicação supõe algo de comum. Pelo contrário, quando um discurso pessoal encontra a adesão de outros discursos pessoais, este discurso reforça-se com o dos outros e torna-se um discurso forte. O discurso forte tem como fundamento a experiência política. Esta experiência é a da democracia, na qual não se pesam as vozes. Portanto, a constituição do discurso forte é uma tarefa essencialmente colectiva.

A teoria do discurso forte pretende criar uma relação com a prática política da democracia ateniense. Existem alguns indícios, como por exemplo, o Bem não podia existir só e único, mas sim com facetas, disperso, multicolor. Outro exemplo é o facto de a lei da cidade se aplicar a todos, tanto aos que mandam como aos que apenas obedecem. E por último, a diferença que existe entre a arte política e as restantes, sendo estas últimas apenas da competência dos especialistas.

Assim, se para medir o discurso forte se contam mais as vozes que o seu peso, não é menos verdade que certas vozes pesam mais que outras pois são capazes de juntar as outras à sua volta. A teoria do discurso forte de Protágoras parece então apresentar uma inspiração política que é a da democracia.

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• Górgias de Leôncio:

Górgias nasceu na Sicília, em Leontinos, entre 485 e 480 a.C.. Em 427 a.C., quando Leontinos foi ameaçada por Siracusa, foi encarregado de conduzir a Atenas uma missão a pedir socorro. Górgias, defende a causa da sua pátria perante a Assembleia do Povo, em Atenas, onde alcança um grande sucesso pela sua eloquência. As obras de Górgias podem distribuir-se em três grandes grupos. O primeiro compreende os textos de tom essencialmente filosófico, como é o caso de "Sobre o Não-Ser ou Sobre a Natureza", "O Elogio de Helena" e "A Defesa de Palamedes". Os textos do segundo grupo testemunham sobretudo a preocupação pela eloquência e dele constam: "A Oração Fúnebre", "O Discurso Olímpico", "O Elogio dos Elisinos" e "O Elogio de Aquiles". O terceiro grupo de escritos está relacionado com a técnica retórica e compreende "A Arte Oratória" e "O Onosmástico".

� A ontologia:

A obra “Sobre o Não-Ser” organiza-se em três teses: nada existe; mesmo se o ser existisse, então seria incognoscível; e se fosse cognoscível, então este conhecimento do ser seria incomunicável a outrem.

Para Górgias as coisas não são mais do que não são. Ainda que o ser existisse, não podia ser nem gerado, nem não gerado. Mas, mesmo se um tal ser existisse, as coisas seriam incognoscíveis, pelo menos para nós. As coisas que vemos e ouvimos existem porque são representadas. Ora, pode representar-se o que não existe. Portanto, a representação do ser não nos proporciona o ser e o conhecimento é impossível.

� A poesia da ilusão:

Das ruínas da ontologia, Górgias deduziu um pensamento não ontológico, onde reabilitava as aparências e afirmava a identidade entre o real e a manifestação.

Se a aparência é modificável, o ser também o será. Górgias tinha uma concepção trágica da realidade. Tinha o sentimento profundo de que a linguagem não evoca senão a aparência, mas que esta aparência é legítima.

Para Górgias, o real está dilacerado pelas contradições, o mundo humano exige uma tomada de posição e este mundo

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humano está por fazer. Seria através da poesia, nomeadamente da arte, que esta tomada de posição seria efectuada. Portanto, o papel da poesia seria criar uma ilusão desejável e boa que criaria a coerência mental, a que Górgias chama de justiça e sabedoria. O discurso sofístico, ainda que expresso em prosa, faria parte da poesia e a ilusão justificada seria tanto mais justificada quanto mais partilhada fosse pelos ouvintes.

A ilusão justificada é, principalmente, fruto da linguagem poética, que age no ouvinte de modo a sugestioná-lo. O problema central dos poderes da linguagem vai desembocar no estudo da receptividade da alma para a musicalidade das palavras. A este estudo os antigos chamaram-lhe "psicagogia", arte de levar a alma, pela persuasão, até onde se quiser levar.

� A psicagogia:

Para Górgias, a alma é essencialmente passiva, completamente entregue ao que recebe de fora. A primeira forma desta passividade é a percepção sensível, que é vista como o transporte para a alma de uma impressão ou de uma imagem das coisas que a alma experimenta. A segunda forma de passividade da alma é a sua abertura à linguagem. Contudo, para que a alma seja sempre receptiva à linguagem é, por vezes, necessário recorrer à persuasão.

O discurso isolado nada pode sem o esforço da persuasão, que age não só sobre os sentidos mas também sobre a alma. Persuadir consiste em criar uma recepção psíquica dos ouvintes aos argumentos, dando-lhes peso.

Górgias foi o primeiro a escrever sobre o kairós. Foi o primeiro pensador de uma temporalidade prática e estava preparado para formar os homens políticos, os futuros governantes, uma vez que a política é uma ciência sem princípios definidos. O kairós tem, sem dúvida, valor político na medida em que é retórico e a retórica é na democracia ateniense um instrumento de poder. O kairós também intervém na formação dos chefes militares, mas é na vida ética que o seu conhecimento é essencial. O ideal da arte do kairós é tornar a vida moral praticável.

A sua audiência e celebridade eram tão grande na Grécia que lhe ergueram uma estátua de ouro maciço em Olímpia. Foi, sem dúvida, devido à sua imensa fama que os fragmentos existentes de Górgias são os mais numerosos e completos de todos os sofistas.

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• Hípias de Élis:

Hípias nasceu em Élis, cidade próxima de Olímpia, numa data certamente posterior a 433 a.C.. O ano de 343 a.C. terá sido o da sua morte, relacionada com a guerra que os exilados democratas elisinos fizeram aos oligarcas que detinham o poder de Élis. Foi casado com uma mulher chamada Platané e teve três filhos.

Iniciou-se nos ofícios manuais, nomeadamente com trabalhos de tecelão e de sapateiro. Tinha uma actividade dupla de homem político e de mestre. O seu talento oratório e a sua destreza levaram-no a ser escolhido como embaixador da sua cidade natal. Percorreu toda a Grécia e as suas colónias e visitou os ditos povos bárbaros, cuja língua parece ter aprendido.

As suas obras podem dividir-se em três categorias: os discursos de circunstância onde se encontra o "Diálogo Troiano", as obras eruditas onde se conhece os "Nomes dos Povos", a "Lista dos Vencedores nos Jogos Olímpicos" e a "Colecção" e nas obras poéticas encontram-se as "Elegias".

� Natureza e totalidade:

Hípias concebia a natureza como uma totalidade, considerando-a composta de coisas distintas, mas exigindo uma atenção especial à continuidade que as une. A totalidade natural não é uma totalidade monolítica, pelo contrário, o universo é composto por seres múltiplos particularizados e qualificados a que chama coisas. Estas coisas existem independentemente do conhecimento que o homem delas adquire e da expressão linguística que lhes dá. A afirmação da continuidade natural parecem explicar as investigações matemáticas de Hípias quanto à rectificação do círculo, isto é, da invenção da quadratiz, que implica a possibilidade de passar de um volume cúbico a um volume esférico, problema que se reduz, em geometria plana, ao da quadratura do círculo.

� Natureza e lei:

A antropologia de Hípias está no prolongamento directo da sua teoria da natureza. Estabelece uma oposição entre a natureza (physis) e a lei (nomos), em benefício da primeira, sendo a lei positiva duramente posta em causa.

Também Hípias via a lei como um disfarce para o poder. Aliás, ele foi um dos criadores da etnologia e, como embaixador e professor itinerante, contactou com múltiplas legislações positivas e verificou os desacordos e as contradições. Ninguém melhor do que

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ele poderia ter a sensação da relatividade daquilo que as diferentes culturas chamam "justo" e " bom". É por isso que Hípias destrona o nomos e chama à lei "o tirano dos homens".

Para Hípias a lei tiraniza a natureza. Para ele a natureza desempenha o papel de uma norma moral universal, que ultrapassa o particularismo do nomos. Hípias serve-se disto para explicar a existência de uma benevolência espontânea do homem pelo seu semelhante. A justiça é vista por ele como obra do direito natural. A invocação da natureza pretende ter como resultado a exigência da igualdade.

Pode-se dizer que Hípias foi adepto e reformador da democracia. O intelectualismo de Hípias inclina-se a favor da democracia esclarecida. Enquanto homem universal aberto a todas as técnicas, Hípias prova que a posse de ofícios particulares não prejudica necessariamente os conhecimentos intelectuais gerais.

Hípias era possuidor de um espírito aberto e sistemático, construiu uma doutrina que infelizmente só podemos prever, através de escassos fragmentos que nos foram legados, as amplas perspectivas e a originalidade.

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Conclusão Aristóteles, segundo o seu veredicto do seu mestre Platão, chamara sofista “ao que tem da sabedoria aparência, não a realidade”, e o “sofisma” será sinónimo de falso raciocínio. Os sofistas promoveram a viragem, na história da Filosofia, dos termos ligados à Natureza (aos quais se dedicaram os filósofos pré-socráticos) para o tema do Homem (antropologia) e com eles levantaram-se as primeiras questões da filosofia da linguagem. Podemos assim afirmar que os sofistas foram indivíduos de alto prestigio, uma vez que, sem eles muitos dos conhecimentos hoje adquiridos não se teriam transmitido de geração em geração.

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Bibliografia Sites: • www.afilosofia.no.sapo.pt/sofistas.htm • www.afilosofia.no.sapo.pt/sofistas1.htm • www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfc/momentos/escola/sofistas/index.htm • www.mundodosfilosofos.com.br/sofistas.htm • www.br.geocities.com/mcrost09/uma_historia_da_filosofia_ocidental_03.htm • www.filosofiavirtual.pro.br/socrates.htm • www.br.geocities.com/maeutikos/filosofia/filosofis_sofistas.htm Livros: • AMORIM, Carlos, entre outros - Filosofia 11º - Areal Editores • BORGES, José Ferreira, entre outros – 11º contextos – Porto Editora • Dicionário da Filosofia – Editora Mestre Jou • CUVILLIER, Armando – Vocabulário de Filosofia – Livro Horizonte