26
203 FORMA E NARRATIVA- UMA REFLEXAO SOBRE A PROBLEMÁTICA DAS PERIODIZAÇOES PARA A ESCRITA DE UMA HISTÓRIA DOS CELTAS Dominique Vieira Coelho dos Santos 80 RESUMO Este artigo apresenta uma reflexão acerca do modo pelo qual os historiadores produzem suas narrativas sobre os celtas a partir da construção de formas e periodizações. Palavras-chave: Narrativa – Periodização – Celtas. ABSTRACT This paper presents a discussion on the way historians produce their narratives about the Celts by building frames and periodization. Keywords: Narrative. Frames – Periodization – Celts. 1 DENTRE OUTRAS COISAS, O HISTORIADOR NARRA Aprendemos com Roland Barthes que o discurso histórico trabalha em cima de um esquema semântico de dois termos: referente e significante. Apesar do fato nunca ter mais do que uma existência linguística, o historiador o apresenta como se ele fosse o real. Assim, o discurso histórico visa preencher o sentido da história. O historiador reúne 80 Professor titular em História Antiga e Medieval da Universidade de Blumenau- FURB, Coordenador do Laboratório Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais (www.furb.br/labeam)

FORMA E NARRATIVA- UMA REFLEXAO SOBRE A … · trabalho na uilla romana e temas semelhantes que podemos ler ... A narrativa histórica é uma mediadora entre os ... Para uma discussão

Embed Size (px)

Citation preview

203

FORMA E NARRATIVA- UMA REFLEXAO SOBRE A

PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOES PARA A

ESCRITA DE UMA HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Dominique Vieira Coelho dos Santos80

RESUMO Este artigo apresenta uma reflexatildeo acerca do modo pelo qual os historiadores produzem suas narrativas sobre os celtas a partir da construccedilatildeo de formas e periodizaccedilotildees Palavras-chave Narrativa ndash Periodizaccedilatildeo ndash Celtas

ABSTRACT This paper presents a discussion on the way historians produce their narratives about the Celts by building frames and periodization Keywords Narrative Frames ndash Periodization ndash Celts

1 DENTRE OUTRAS COISAS O HISTORIADOR NARRA

Aprendemos com Roland Barthes que o discurso histoacuterico trabalha em cima de um

esquema semacircntico de dois termos referente e significante Apesar do fato nunca ter

mais do que uma existecircncia linguiacutestica o historiador o apresenta como se ele fosse o real

Assim o discurso histoacuterico visa preencher o sentido da histoacuteria O historiador reuacutene

80

Professor titular em Histoacuteria Antiga e Medieval da Universidade de Blumenau- FURB Coordenador do

Laboratoacuterio Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais (wwwfurbbrlabeam)

204

menos fatos do que significantes e aiacute os relata organiza-os com a finalidade de

estabelecer um sentido positivo Todo enunciado histoacuterico comporta existentes e

ocorrentes Satildeo seres unidades e predicados reunidos de forma a produzir unidades de

conteuacutedo Eles natildeo satildeo nem o referente puro e nem o discurso completo satildeo coleccedilotildees

usadas pelos historiadores A coleccedilatildeo de Heroacutedoto por exemplo eacute a da guerra Barthes

diz que os existentes da obra do historiador grego satildeo dinastias priacutencipes generais

soldados povos e lugares seus ocorrentes satildeo devastar submeter aliar-se reinar

consultar um oraacuteculo fazer um estratagema etc Da mesma forma Patriacutecio que escreveu

duas cartas em latim na Irlanda em algum momento do seacuteculo V da Era Comum tambeacutem

apresenta sua proacutepria coleccedilatildeo que gira em torno do leacutexico do evangelizador cristatildeo

Ainda eacute sobre agricultura escravidatildeo administraccedilatildeo da propriedade organizaccedilatildeo do

trabalho na uilla romana e temas semelhantes que podemos ler nas obras de Catatildeo

Varratildeo e Columela Desta maneira o problema do discurso histoacuterico eacute a organizaccedilatildeo da

coexistecircncia do atrito entre dois tempos o da enunciaccedilatildeo e o da mateacuteria enunciada

Barthes afirma que apesar do efeito gerado este tipo de discurso natildeo acompanha o real

ele o dota de significado A narraccedilatildeo se torna um significante privilegiado do real O gosto

por este efeito de real eacute o que mais podemos encontrar nos discursos historiograacuteficos

(BARTHES1988)

Os fragmentos do passado que possuiacutemos precisam ser ordenados Como nos

chegaram estes vestiacutegios satildeo caoacuteticos por isso a necessidade do fator narrativo Em sua

obra A Aguarraacutes do Tempo Luiacutes Costa Lima define narrativa como o estabelecimento de

uma organizaccedilatildeo temporal atraveacutes da qual o diverso irregular e acidental entram em

uma ordem Eacute isso que os historiadores fazem quando fazem histoacuteria agrupam diversos

indiacutecios do passado que nos chegaram por meio de documentos fazendo surgir um

sistema coerente que considere a si mesmo como verdadeiro Ou seja estas narrativas

apresentadas pelos historiadores se qualificam como representaccedilotildees adequadas do

passado e assim sendo elas tecircm pretensotildees de validade (COSTA LIMA 1989 17)

205

Outro fator importante a ser levado em consideraccedilatildeo eacute a interpretaccedilatildeo

Aprendemos com Hayden White que o ato de interpretar eacute algo inerente a qualquer obra

de histoacuteria e que eacute por causa dele que o historiador ao construir uma narrativa sobre seu

objeto precisa fazer juiacutezos esteacuteticos (escolhendo uma forma de narrar) epistemoloacutegicos

(definindo um paradiacutegma explicativo) e eacuteticos (selecionando estrateacutegias que permitam

que as implicaccedilotildees ideoloacutegicas de uma representaccedilatildeo possam ser deduzidas para

compreensatildeo de problemas sociais do presente) Porque ocorre uma falha neste processo

de reconhecimento dos limites internos da narrativa histoacuterica eacute que muitos historiadores

continuam a tratar os seus fatos como se fossem dados e se recusam a reconhecer que

estes mais do que descobertos satildeo elaborados (WHITE 2001 56)

O mesmo White jaacute nos alertava para o fato de que os historiadores natildeo possuem

uma boa relaccedilatildeo com a ficccedilatildeo pois eles acreditam que suas obras natildeo apresentam

relaccedilotildees desta natureza Desta maneira o historiador acredita ser diferente do

romancista jaacute que diferentemente deste uacuteltimo se ocupa de acontecimentos reais e natildeo

inventados ou imaginados O autor entatildeo nos mostra que natildeo importa se o mundo eacute

concebido como real ou imaginado a maneira de lhe atribuir sentido eacute a mesma e o fato

do historiador ter em suas matildeos documentos que satildeo considerados fragmentos indiacutecios

de um passado existente natildeo muda isso Quando escrevemos histoacuterias estamos

conferindo sentido ao mundo impondo-lhe uma coerecircncia formal Os historiadores

acreditam ter encontrado a forma da sua narrativa nos proacuteprios eventos diz White no

entanto o que na verdade eles fizeram foi impocirc-la a eles Ou seja as obras

historiograacuteficas satildeo traduccedilotildees dos fatos em ficccedilotildees ou pelo menos podemos dizer que

este eacute um dos efeitos das narrativas elaboradas pelos historiadores para representar

fenocircmenos ocorridos no passado humano As histoacuterias nunca devem ser lidas como signos

inequiacutevocos dos acontecimentos e sim como estruturas simboacutelicas metaacuteforas de longo

alcance A narrativa histoacuterica eacute uma mediadora entre os acontecimentos relatados e as

estruturas disponiacuteveis em nossa cultura para dotar de sentido estes acontecimentos

206

(WHITE 2001 105-115)81 Tendo em vista estas consideraccedilotildees iniciais acerca de

problemas relacionados agrave narrativa passemos agrave mateacuteria ceacuteltica

2 MAPEAMENTO UMA NOMENCLATURA IMPRECISA

Devido agrave imprecisatildeo da nomenclatura ldquoceltardquo eacute necessaacuterio primeiro uma discussatildeo

sobre a mesma para que entatildeo se fale sobre qualquer outra coisa uma vez que todas as

decisotildees posteriores estatildeo imediatamente vinculadas agrave compreensatildeo deste termo e agraves

escolhas feitas quando de seus usos narrativos Conveacutem adiantar ao leitor que porque os

estudos ceacutelticos dependem profundamente destas querelas eles tem como caracteriacutestica

intriacutenseca a interdisciplinaridade e abrangem um imenso arco cronoloacutegico que se extende

desde a assim chamada ldquopreacute-histoacuteriardquo ateacute o mundo contemporacircneo claro mais uma vez

dependendo da compreensatildeo que se tem do que eacute ou natildeo eacute celta Assim antes de falar

sobre periodizaccedilatildeo no caso da escrita de uma histoacuteria que se concentre nas sociedades

chamadas de ldquoceacutelticasrdquo eacute preciso tecer algumas consideraccedilotildees sobre esta nomenclatura

Por isso apresenta-se a seguinte discussatildeo A) uma reflexatildeo que tendo em vista uma

anaacutelise lexical tem por objetivo mostrar que independentemente das teorias escolhidas e

defendidas e dos argumentos que seus autores apresentem o termo ldquoceltardquo aparece em

textos que cobrem um periacuteodo que abrange da preacute-histoacuteria ao contemporacircneo B) uma

81

As referecircncias acerca da obra de Hayden White no Brasil satildeo abundantes mas em diversos casos satildeo leituras de traduccedilotildees ou de outros autores que citam White Ou seja citaccedilotildees que natildeo apontam para o original em liacutengua inglesa Hayden White eacute um autor menos estudado do que deveria e talvez pouco compreendido Natildeo raro encontram-se historiadores que insistem em classificar White como ldquopoacutes-modernordquo e situaacute-lo ao lado das sentenccedilas ldquoHistoacuteria natildeo eacute ciecircnciardquo e ldquoNatildeo haacute diferenccedila entre Histoacuteria e Literatura ambas satildeo narrativas produtoras de ficccedilotildeesrdquo reduzindo a amplitude e o alcance de sua obra Para uma discussatildeo mais aprofundada sobre o autor talvez fosse importante a leitura dos livros de Hayden White em idioma original bem como uma seacuterie de discussotildees em torno dos mesmos Recomenda-se por exemplo a apreciaccedilatildeo de uma esclarecedora entrevista concedida pelo proacuteprio White para o perioacutedico Diacritics (DOMANSKA KELLNER WHITE 1994) na qual aborda diversas temaacuteticas de interesse do historiador Em portuguecircs pode ser interessante a leitura do bom artigo escrito por Rodrigo Oliveira Marquez ldquotrecircs polecircmicas com Hayden Whiterdquo (2011) Cf Localizaccedilatildeo completa na sessatildeo de referecircncias bibliograacuteficas

207

anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento

em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute

ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica

enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a

saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e

periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de

dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do

saber

21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE

Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador

perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de

histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia

e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma

forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que

cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que

engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando

este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria

ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O

uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura

material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os

usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades

eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas

Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual

vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de

Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada

208

pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra

foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de

arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A

exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta

ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente

o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias

como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um

trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade

celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um

debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer

interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas

dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas

Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo

(RAFTERY 1996 651)

Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de

maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute

qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das

Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria

O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos

celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz

respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas

batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor

no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este

imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de

comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de

82

A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157

209

narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo

compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a

1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho

(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta

concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute

sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade

ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos

dias atuais

Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe

cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para

abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a

um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo

menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico

ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were

classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-

traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou

entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da

cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por

um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo

Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo

embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo

ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda

que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica

da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta

abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os

objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the

Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st

210

centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of

Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo

a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and

eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit

also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)

Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de

trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da

Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de

dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV

International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por

exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas

antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-

Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in

Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in

Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais

como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh

Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo

ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship

Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo

ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A

Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe

uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar

ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja

notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma

tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia

enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

204

menos fatos do que significantes e aiacute os relata organiza-os com a finalidade de

estabelecer um sentido positivo Todo enunciado histoacuterico comporta existentes e

ocorrentes Satildeo seres unidades e predicados reunidos de forma a produzir unidades de

conteuacutedo Eles natildeo satildeo nem o referente puro e nem o discurso completo satildeo coleccedilotildees

usadas pelos historiadores A coleccedilatildeo de Heroacutedoto por exemplo eacute a da guerra Barthes

diz que os existentes da obra do historiador grego satildeo dinastias priacutencipes generais

soldados povos e lugares seus ocorrentes satildeo devastar submeter aliar-se reinar

consultar um oraacuteculo fazer um estratagema etc Da mesma forma Patriacutecio que escreveu

duas cartas em latim na Irlanda em algum momento do seacuteculo V da Era Comum tambeacutem

apresenta sua proacutepria coleccedilatildeo que gira em torno do leacutexico do evangelizador cristatildeo

Ainda eacute sobre agricultura escravidatildeo administraccedilatildeo da propriedade organizaccedilatildeo do

trabalho na uilla romana e temas semelhantes que podemos ler nas obras de Catatildeo

Varratildeo e Columela Desta maneira o problema do discurso histoacuterico eacute a organizaccedilatildeo da

coexistecircncia do atrito entre dois tempos o da enunciaccedilatildeo e o da mateacuteria enunciada

Barthes afirma que apesar do efeito gerado este tipo de discurso natildeo acompanha o real

ele o dota de significado A narraccedilatildeo se torna um significante privilegiado do real O gosto

por este efeito de real eacute o que mais podemos encontrar nos discursos historiograacuteficos

(BARTHES1988)

Os fragmentos do passado que possuiacutemos precisam ser ordenados Como nos

chegaram estes vestiacutegios satildeo caoacuteticos por isso a necessidade do fator narrativo Em sua

obra A Aguarraacutes do Tempo Luiacutes Costa Lima define narrativa como o estabelecimento de

uma organizaccedilatildeo temporal atraveacutes da qual o diverso irregular e acidental entram em

uma ordem Eacute isso que os historiadores fazem quando fazem histoacuteria agrupam diversos

indiacutecios do passado que nos chegaram por meio de documentos fazendo surgir um

sistema coerente que considere a si mesmo como verdadeiro Ou seja estas narrativas

apresentadas pelos historiadores se qualificam como representaccedilotildees adequadas do

passado e assim sendo elas tecircm pretensotildees de validade (COSTA LIMA 1989 17)

205

Outro fator importante a ser levado em consideraccedilatildeo eacute a interpretaccedilatildeo

Aprendemos com Hayden White que o ato de interpretar eacute algo inerente a qualquer obra

de histoacuteria e que eacute por causa dele que o historiador ao construir uma narrativa sobre seu

objeto precisa fazer juiacutezos esteacuteticos (escolhendo uma forma de narrar) epistemoloacutegicos

(definindo um paradiacutegma explicativo) e eacuteticos (selecionando estrateacutegias que permitam

que as implicaccedilotildees ideoloacutegicas de uma representaccedilatildeo possam ser deduzidas para

compreensatildeo de problemas sociais do presente) Porque ocorre uma falha neste processo

de reconhecimento dos limites internos da narrativa histoacuterica eacute que muitos historiadores

continuam a tratar os seus fatos como se fossem dados e se recusam a reconhecer que

estes mais do que descobertos satildeo elaborados (WHITE 2001 56)

O mesmo White jaacute nos alertava para o fato de que os historiadores natildeo possuem

uma boa relaccedilatildeo com a ficccedilatildeo pois eles acreditam que suas obras natildeo apresentam

relaccedilotildees desta natureza Desta maneira o historiador acredita ser diferente do

romancista jaacute que diferentemente deste uacuteltimo se ocupa de acontecimentos reais e natildeo

inventados ou imaginados O autor entatildeo nos mostra que natildeo importa se o mundo eacute

concebido como real ou imaginado a maneira de lhe atribuir sentido eacute a mesma e o fato

do historiador ter em suas matildeos documentos que satildeo considerados fragmentos indiacutecios

de um passado existente natildeo muda isso Quando escrevemos histoacuterias estamos

conferindo sentido ao mundo impondo-lhe uma coerecircncia formal Os historiadores

acreditam ter encontrado a forma da sua narrativa nos proacuteprios eventos diz White no

entanto o que na verdade eles fizeram foi impocirc-la a eles Ou seja as obras

historiograacuteficas satildeo traduccedilotildees dos fatos em ficccedilotildees ou pelo menos podemos dizer que

este eacute um dos efeitos das narrativas elaboradas pelos historiadores para representar

fenocircmenos ocorridos no passado humano As histoacuterias nunca devem ser lidas como signos

inequiacutevocos dos acontecimentos e sim como estruturas simboacutelicas metaacuteforas de longo

alcance A narrativa histoacuterica eacute uma mediadora entre os acontecimentos relatados e as

estruturas disponiacuteveis em nossa cultura para dotar de sentido estes acontecimentos

206

(WHITE 2001 105-115)81 Tendo em vista estas consideraccedilotildees iniciais acerca de

problemas relacionados agrave narrativa passemos agrave mateacuteria ceacuteltica

2 MAPEAMENTO UMA NOMENCLATURA IMPRECISA

Devido agrave imprecisatildeo da nomenclatura ldquoceltardquo eacute necessaacuterio primeiro uma discussatildeo

sobre a mesma para que entatildeo se fale sobre qualquer outra coisa uma vez que todas as

decisotildees posteriores estatildeo imediatamente vinculadas agrave compreensatildeo deste termo e agraves

escolhas feitas quando de seus usos narrativos Conveacutem adiantar ao leitor que porque os

estudos ceacutelticos dependem profundamente destas querelas eles tem como caracteriacutestica

intriacutenseca a interdisciplinaridade e abrangem um imenso arco cronoloacutegico que se extende

desde a assim chamada ldquopreacute-histoacuteriardquo ateacute o mundo contemporacircneo claro mais uma vez

dependendo da compreensatildeo que se tem do que eacute ou natildeo eacute celta Assim antes de falar

sobre periodizaccedilatildeo no caso da escrita de uma histoacuteria que se concentre nas sociedades

chamadas de ldquoceacutelticasrdquo eacute preciso tecer algumas consideraccedilotildees sobre esta nomenclatura

Por isso apresenta-se a seguinte discussatildeo A) uma reflexatildeo que tendo em vista uma

anaacutelise lexical tem por objetivo mostrar que independentemente das teorias escolhidas e

defendidas e dos argumentos que seus autores apresentem o termo ldquoceltardquo aparece em

textos que cobrem um periacuteodo que abrange da preacute-histoacuteria ao contemporacircneo B) uma

81

As referecircncias acerca da obra de Hayden White no Brasil satildeo abundantes mas em diversos casos satildeo leituras de traduccedilotildees ou de outros autores que citam White Ou seja citaccedilotildees que natildeo apontam para o original em liacutengua inglesa Hayden White eacute um autor menos estudado do que deveria e talvez pouco compreendido Natildeo raro encontram-se historiadores que insistem em classificar White como ldquopoacutes-modernordquo e situaacute-lo ao lado das sentenccedilas ldquoHistoacuteria natildeo eacute ciecircnciardquo e ldquoNatildeo haacute diferenccedila entre Histoacuteria e Literatura ambas satildeo narrativas produtoras de ficccedilotildeesrdquo reduzindo a amplitude e o alcance de sua obra Para uma discussatildeo mais aprofundada sobre o autor talvez fosse importante a leitura dos livros de Hayden White em idioma original bem como uma seacuterie de discussotildees em torno dos mesmos Recomenda-se por exemplo a apreciaccedilatildeo de uma esclarecedora entrevista concedida pelo proacuteprio White para o perioacutedico Diacritics (DOMANSKA KELLNER WHITE 1994) na qual aborda diversas temaacuteticas de interesse do historiador Em portuguecircs pode ser interessante a leitura do bom artigo escrito por Rodrigo Oliveira Marquez ldquotrecircs polecircmicas com Hayden Whiterdquo (2011) Cf Localizaccedilatildeo completa na sessatildeo de referecircncias bibliograacuteficas

207

anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento

em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute

ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica

enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a

saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e

periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de

dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do

saber

21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE

Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador

perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de

histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia

e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma

forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que

cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que

engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando

este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria

ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O

uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura

material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os

usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades

eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas

Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual

vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de

Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada

208

pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra

foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de

arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A

exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta

ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente

o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias

como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um

trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade

celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um

debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer

interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas

dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas

Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo

(RAFTERY 1996 651)

Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de

maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute

qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das

Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria

O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos

celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz

respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas

batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor

no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este

imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de

comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de

82

A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157

209

narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo

compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a

1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho

(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta

concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute

sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade

ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos

dias atuais

Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe

cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para

abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a

um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo

menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico

ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were

classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-

traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou

entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da

cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por

um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo

Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo

embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo

ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda

que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica

da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta

abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os

objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the

Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st

210

centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of

Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo

a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and

eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit

also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)

Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de

trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da

Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de

dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV

International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por

exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas

antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-

Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in

Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in

Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais

como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh

Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo

ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship

Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo

ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A

Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe

uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar

ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja

notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma

tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia

enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

205

Outro fator importante a ser levado em consideraccedilatildeo eacute a interpretaccedilatildeo

Aprendemos com Hayden White que o ato de interpretar eacute algo inerente a qualquer obra

de histoacuteria e que eacute por causa dele que o historiador ao construir uma narrativa sobre seu

objeto precisa fazer juiacutezos esteacuteticos (escolhendo uma forma de narrar) epistemoloacutegicos

(definindo um paradiacutegma explicativo) e eacuteticos (selecionando estrateacutegias que permitam

que as implicaccedilotildees ideoloacutegicas de uma representaccedilatildeo possam ser deduzidas para

compreensatildeo de problemas sociais do presente) Porque ocorre uma falha neste processo

de reconhecimento dos limites internos da narrativa histoacuterica eacute que muitos historiadores

continuam a tratar os seus fatos como se fossem dados e se recusam a reconhecer que

estes mais do que descobertos satildeo elaborados (WHITE 2001 56)

O mesmo White jaacute nos alertava para o fato de que os historiadores natildeo possuem

uma boa relaccedilatildeo com a ficccedilatildeo pois eles acreditam que suas obras natildeo apresentam

relaccedilotildees desta natureza Desta maneira o historiador acredita ser diferente do

romancista jaacute que diferentemente deste uacuteltimo se ocupa de acontecimentos reais e natildeo

inventados ou imaginados O autor entatildeo nos mostra que natildeo importa se o mundo eacute

concebido como real ou imaginado a maneira de lhe atribuir sentido eacute a mesma e o fato

do historiador ter em suas matildeos documentos que satildeo considerados fragmentos indiacutecios

de um passado existente natildeo muda isso Quando escrevemos histoacuterias estamos

conferindo sentido ao mundo impondo-lhe uma coerecircncia formal Os historiadores

acreditam ter encontrado a forma da sua narrativa nos proacuteprios eventos diz White no

entanto o que na verdade eles fizeram foi impocirc-la a eles Ou seja as obras

historiograacuteficas satildeo traduccedilotildees dos fatos em ficccedilotildees ou pelo menos podemos dizer que

este eacute um dos efeitos das narrativas elaboradas pelos historiadores para representar

fenocircmenos ocorridos no passado humano As histoacuterias nunca devem ser lidas como signos

inequiacutevocos dos acontecimentos e sim como estruturas simboacutelicas metaacuteforas de longo

alcance A narrativa histoacuterica eacute uma mediadora entre os acontecimentos relatados e as

estruturas disponiacuteveis em nossa cultura para dotar de sentido estes acontecimentos

206

(WHITE 2001 105-115)81 Tendo em vista estas consideraccedilotildees iniciais acerca de

problemas relacionados agrave narrativa passemos agrave mateacuteria ceacuteltica

2 MAPEAMENTO UMA NOMENCLATURA IMPRECISA

Devido agrave imprecisatildeo da nomenclatura ldquoceltardquo eacute necessaacuterio primeiro uma discussatildeo

sobre a mesma para que entatildeo se fale sobre qualquer outra coisa uma vez que todas as

decisotildees posteriores estatildeo imediatamente vinculadas agrave compreensatildeo deste termo e agraves

escolhas feitas quando de seus usos narrativos Conveacutem adiantar ao leitor que porque os

estudos ceacutelticos dependem profundamente destas querelas eles tem como caracteriacutestica

intriacutenseca a interdisciplinaridade e abrangem um imenso arco cronoloacutegico que se extende

desde a assim chamada ldquopreacute-histoacuteriardquo ateacute o mundo contemporacircneo claro mais uma vez

dependendo da compreensatildeo que se tem do que eacute ou natildeo eacute celta Assim antes de falar

sobre periodizaccedilatildeo no caso da escrita de uma histoacuteria que se concentre nas sociedades

chamadas de ldquoceacutelticasrdquo eacute preciso tecer algumas consideraccedilotildees sobre esta nomenclatura

Por isso apresenta-se a seguinte discussatildeo A) uma reflexatildeo que tendo em vista uma

anaacutelise lexical tem por objetivo mostrar que independentemente das teorias escolhidas e

defendidas e dos argumentos que seus autores apresentem o termo ldquoceltardquo aparece em

textos que cobrem um periacuteodo que abrange da preacute-histoacuteria ao contemporacircneo B) uma

81

As referecircncias acerca da obra de Hayden White no Brasil satildeo abundantes mas em diversos casos satildeo leituras de traduccedilotildees ou de outros autores que citam White Ou seja citaccedilotildees que natildeo apontam para o original em liacutengua inglesa Hayden White eacute um autor menos estudado do que deveria e talvez pouco compreendido Natildeo raro encontram-se historiadores que insistem em classificar White como ldquopoacutes-modernordquo e situaacute-lo ao lado das sentenccedilas ldquoHistoacuteria natildeo eacute ciecircnciardquo e ldquoNatildeo haacute diferenccedila entre Histoacuteria e Literatura ambas satildeo narrativas produtoras de ficccedilotildeesrdquo reduzindo a amplitude e o alcance de sua obra Para uma discussatildeo mais aprofundada sobre o autor talvez fosse importante a leitura dos livros de Hayden White em idioma original bem como uma seacuterie de discussotildees em torno dos mesmos Recomenda-se por exemplo a apreciaccedilatildeo de uma esclarecedora entrevista concedida pelo proacuteprio White para o perioacutedico Diacritics (DOMANSKA KELLNER WHITE 1994) na qual aborda diversas temaacuteticas de interesse do historiador Em portuguecircs pode ser interessante a leitura do bom artigo escrito por Rodrigo Oliveira Marquez ldquotrecircs polecircmicas com Hayden Whiterdquo (2011) Cf Localizaccedilatildeo completa na sessatildeo de referecircncias bibliograacuteficas

207

anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento

em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute

ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica

enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a

saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e

periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de

dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do

saber

21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE

Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador

perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de

histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia

e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma

forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que

cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que

engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando

este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria

ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O

uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura

material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os

usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades

eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas

Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual

vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de

Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada

208

pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra

foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de

arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A

exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta

ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente

o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias

como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um

trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade

celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um

debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer

interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas

dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas

Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo

(RAFTERY 1996 651)

Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de

maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute

qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das

Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria

O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos

celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz

respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas

batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor

no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este

imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de

comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de

82

A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157

209

narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo

compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a

1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho

(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta

concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute

sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade

ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos

dias atuais

Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe

cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para

abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a

um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo

menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico

ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were

classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-

traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou

entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da

cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por

um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo

Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo

embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo

ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda

que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica

da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta

abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os

objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the

Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st

210

centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of

Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo

a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and

eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit

also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)

Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de

trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da

Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de

dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV

International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por

exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas

antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-

Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in

Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in

Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais

como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh

Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo

ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship

Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo

ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A

Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe

uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar

ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja

notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma

tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia

enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

206

(WHITE 2001 105-115)81 Tendo em vista estas consideraccedilotildees iniciais acerca de

problemas relacionados agrave narrativa passemos agrave mateacuteria ceacuteltica

2 MAPEAMENTO UMA NOMENCLATURA IMPRECISA

Devido agrave imprecisatildeo da nomenclatura ldquoceltardquo eacute necessaacuterio primeiro uma discussatildeo

sobre a mesma para que entatildeo se fale sobre qualquer outra coisa uma vez que todas as

decisotildees posteriores estatildeo imediatamente vinculadas agrave compreensatildeo deste termo e agraves

escolhas feitas quando de seus usos narrativos Conveacutem adiantar ao leitor que porque os

estudos ceacutelticos dependem profundamente destas querelas eles tem como caracteriacutestica

intriacutenseca a interdisciplinaridade e abrangem um imenso arco cronoloacutegico que se extende

desde a assim chamada ldquopreacute-histoacuteriardquo ateacute o mundo contemporacircneo claro mais uma vez

dependendo da compreensatildeo que se tem do que eacute ou natildeo eacute celta Assim antes de falar

sobre periodizaccedilatildeo no caso da escrita de uma histoacuteria que se concentre nas sociedades

chamadas de ldquoceacutelticasrdquo eacute preciso tecer algumas consideraccedilotildees sobre esta nomenclatura

Por isso apresenta-se a seguinte discussatildeo A) uma reflexatildeo que tendo em vista uma

anaacutelise lexical tem por objetivo mostrar que independentemente das teorias escolhidas e

defendidas e dos argumentos que seus autores apresentem o termo ldquoceltardquo aparece em

textos que cobrem um periacuteodo que abrange da preacute-histoacuteria ao contemporacircneo B) uma

81

As referecircncias acerca da obra de Hayden White no Brasil satildeo abundantes mas em diversos casos satildeo leituras de traduccedilotildees ou de outros autores que citam White Ou seja citaccedilotildees que natildeo apontam para o original em liacutengua inglesa Hayden White eacute um autor menos estudado do que deveria e talvez pouco compreendido Natildeo raro encontram-se historiadores que insistem em classificar White como ldquopoacutes-modernordquo e situaacute-lo ao lado das sentenccedilas ldquoHistoacuteria natildeo eacute ciecircnciardquo e ldquoNatildeo haacute diferenccedila entre Histoacuteria e Literatura ambas satildeo narrativas produtoras de ficccedilotildeesrdquo reduzindo a amplitude e o alcance de sua obra Para uma discussatildeo mais aprofundada sobre o autor talvez fosse importante a leitura dos livros de Hayden White em idioma original bem como uma seacuterie de discussotildees em torno dos mesmos Recomenda-se por exemplo a apreciaccedilatildeo de uma esclarecedora entrevista concedida pelo proacuteprio White para o perioacutedico Diacritics (DOMANSKA KELLNER WHITE 1994) na qual aborda diversas temaacuteticas de interesse do historiador Em portuguecircs pode ser interessante a leitura do bom artigo escrito por Rodrigo Oliveira Marquez ldquotrecircs polecircmicas com Hayden Whiterdquo (2011) Cf Localizaccedilatildeo completa na sessatildeo de referecircncias bibliograacuteficas

207

anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento

em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute

ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica

enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a

saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e

periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de

dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do

saber

21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE

Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador

perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de

histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia

e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma

forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que

cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que

engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando

este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria

ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O

uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura

material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os

usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades

eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas

Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual

vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de

Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada

208

pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra

foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de

arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A

exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta

ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente

o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias

como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um

trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade

celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um

debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer

interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas

dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas

Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo

(RAFTERY 1996 651)

Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de

maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute

qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das

Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria

O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos

celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz

respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas

batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor

no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este

imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de

comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de

82

A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157

209

narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo

compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a

1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho

(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta

concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute

sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade

ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos

dias atuais

Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe

cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para

abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a

um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo

menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico

ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were

classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-

traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou

entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da

cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por

um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo

Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo

embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo

ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda

que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica

da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta

abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os

objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the

Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st

210

centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of

Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo

a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and

eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit

also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)

Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de

trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da

Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de

dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV

International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por

exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas

antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-

Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in

Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in

Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais

como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh

Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo

ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship

Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo

ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A

Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe

uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar

ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja

notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma

tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia

enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

207

anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento

em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute

ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica

enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a

saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e

periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de

dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do

saber

21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE

Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador

perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de

histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia

e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma

forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que

cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que

engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando

este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria

ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O

uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura

material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os

usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades

eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas

Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual

vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de

Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada

208

pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra

foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de

arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A

exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta

ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente

o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias

como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um

trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade

celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um

debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer

interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas

dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas

Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo

(RAFTERY 1996 651)

Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de

maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute

qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das

Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria

O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos

celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz

respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas

batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor

no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este

imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de

comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de

82

A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157

209

narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo

compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a

1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho

(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta

concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute

sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade

ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos

dias atuais

Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe

cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para

abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a

um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo

menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico

ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were

classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-

traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou

entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da

cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por

um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo

Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo

embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo

ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda

que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica

da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta

abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os

objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the

Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st

210

centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of

Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo

a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and

eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit

also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)

Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de

trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da

Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de

dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV

International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por

exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas

antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-

Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in

Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in

Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais

como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh

Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo

ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship

Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo

ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A

Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe

uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar

ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja

notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma

tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia

enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

208

pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra

foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de

arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A

exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta

ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente

o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias

como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um

trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade

celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um

debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer

interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas

dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas

Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo

(RAFTERY 1996 651)

Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de

maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute

qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das

Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria

O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos

celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz

respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas

batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor

no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este

imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de

comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de

82

A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157

209

narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo

compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a

1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho

(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta

concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute

sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade

ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos

dias atuais

Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe

cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para

abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a

um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo

menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico

ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were

classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-

traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou

entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da

cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por

um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo

Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo

embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo

ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda

que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica

da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta

abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os

objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the

Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st

210

centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of

Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo

a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and

eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit

also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)

Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de

trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da

Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de

dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV

International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por

exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas

antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-

Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in

Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in

Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais

como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh

Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo

ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship

Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo

ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A

Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe

uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar

ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja

notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma

tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia

enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

209

narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo

compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a

1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho

(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta

concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute

sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade

ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos

dias atuais

Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe

cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para

abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a

um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo

menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico

ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were

classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-

traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou

entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da

cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por

um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo

Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo

embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo

ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda

que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica

da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta

abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os

objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the

Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st

210

centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of

Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo

a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and

eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit

also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)

Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de

trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da

Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de

dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV

International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por

exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas

antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-

Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in

Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in

Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais

como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh

Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo

ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship

Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo

ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A

Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe

uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar

ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja

notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma

tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia

enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

210

centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of

Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo

a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and

eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit

also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)

Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de

trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da

Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de

dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV

International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por

exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas

antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-

Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in

Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in

Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais

como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh

Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo

ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship

Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo

ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A

Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe

uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar

ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja

notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma

tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia

enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

211

temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos

ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia

No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs

brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade

de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a

questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de

vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute

mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo

(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas

literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses

de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo

ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas

literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo

afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou

outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo

ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e

anaacutelise de discursos

Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro

sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade

organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias

diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada

tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo

arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda

Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos

embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora

fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no

entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

212

uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta

aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos

(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies

uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais

exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem

como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo

Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que

isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou

B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em

ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo

seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de

dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em

parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-

se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que

aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc

Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts

are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia

estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou

ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando

em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum

importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo

ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo

integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e

controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos

83

Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

213

Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees

cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green

reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das

definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de

limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff

University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre

cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic

culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century

BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando

trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade

se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to

different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches

is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver

como o termo aparece nos documentos antigos

CELTAECELTAS

O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado

tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria

transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes

tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos

escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram

acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma

vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute

geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

214

Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de

Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84

) localiza Nirax

como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85

) e diz que Massalia ficava na terra dos

liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86

)

Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo

Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na

cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo

localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην

ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ

Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87

) Uma

sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de

uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos

mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo

Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco

Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um

termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias

ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos

Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e

Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua

obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum

unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli

appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade

84

Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13

85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1

86 Hecataeus Hist Fragmenta 551

87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14

88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

215

cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim

os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio

povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico

Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de

Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio

equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez

no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a

menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores

romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os

druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos

informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos

Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma

no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius

Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361

Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem

fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que

migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem

Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto

autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica

evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e

que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua

ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez

daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em

portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra

Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo

ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos

outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

216

Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o

autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)

A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute

problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro

como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e

Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta

questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente

mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro

passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano

Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como

beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a

morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados

aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que

jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o

autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic

communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of

violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical

sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us

with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary

experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)

Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da

definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a

ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos

presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou

seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da

89

Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

217

mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes

e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este

aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda

em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora

com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis

Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos

embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica

substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las

Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o

termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma

histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas

culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes

dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um

idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem

culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica

substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte

Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os

especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados

com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios

Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni

Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii

Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones

Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii

Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii

Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii

Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri

Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

218

Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices

Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica

forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades

distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou

mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo

ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado

organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green

percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis

Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo

(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja

chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou

de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia

dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas

correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se

que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem

mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo

Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de

histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente

relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes

escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os

historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo

90

Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

219

de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the

Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The

Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns

historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do

Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e

OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian

Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES

2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas

narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas

estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma

seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a

mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo

3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA

HISTOacuteRIA DOS CELTAS

Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que

a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das

Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem

chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com

Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia

Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo

impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal

divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas

91

Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

220

poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia

de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo

que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que

compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a

histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo

motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB

Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um

fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos

Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar

acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os

dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo

vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV

aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria

isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E

claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram

aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar

preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas

mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma

das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo

arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt

La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir

A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se

extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da

ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute

relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O

autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas

este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

221

urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria

linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute

difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta

possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada

civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA

1989 59)

A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos

encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na

Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica

ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar

alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma

vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo

usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo

relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando

o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos

como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo

que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da

Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por

exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-

c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob

a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo

especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo

(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o

periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados

deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal

localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

222

como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os

Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)

A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados

arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos

(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este

nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um

Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos

como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma

forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo

de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt

(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma

que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with

their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic

art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de

localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as

obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida

(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos

materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou

exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as

aos celtas

Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes

migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de

fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de

Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem

que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que

frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees

destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

223

sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha

desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta

data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos

documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na

Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua

obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado

The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)

Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos

campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na

maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a

conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir

se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade

memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser

religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)

da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais

caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se

necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando

responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre

estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees

e com tal divisatildeo encerramos este artigo

Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja

representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas

outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da

Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma

aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados

por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma

representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

224

pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos

mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo

que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o

autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo

destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas

liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic

populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da

lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna

dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo

ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho

identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo

ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu

delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos

etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a

questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se

trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in

the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups

of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles

ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone

associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos

que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer

grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem

apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da

Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

225

ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly

Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma

mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da

historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria

da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo

nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e

ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como

Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita

de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de

palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e

poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos

baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos

Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de

uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi

um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem

sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais

elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees

e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a

principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir

da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos

compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso

de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-

se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a

nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com

propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico

como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas

vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

226

historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de

ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um

periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas

ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar

apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se

direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as

classificaccedilotildees satildeo outras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988

CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio

de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012

CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997

DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000

DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the

West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992

DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-

Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994

DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas

Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011

DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade

Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006

FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9

Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987

FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade

Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15

GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

227

GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia

hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003

HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp

2001

HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic

Studies Nordm 1 p 1-20 1981

HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press

1966

HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New

history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p

301-329

JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003

JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006

KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989

LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989

MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da

Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011

MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of

Archaeology Stroud

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic

World Londres Routledge 1996 p 636-653

RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New

York Thames and Hudson 1994

RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996

TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press

2000

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298

228

TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO

Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro

UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925

WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History

John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298