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i PAULA BARACAT DE GRANDE Formação continuada no local de trabalho do professor: possibilidades de agência e construção de sentidos para a docência CAMPINAS 2015

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PAULA BARACAT DE GRANDE

Formação continuada no local de trabalho do professor: possibilidades de

agência e construção de sentidos para a docência

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

Paula Baracat De Grande

Formação continuada no local de trabalho do professor: possibilidades de

agência e construção de sentidos para a docência

Tese de doutorado apresentada ao Instituto

de Estudos da Linguagem da Universidade

Estadual de Campinas para obtenção do

título Doutora em Linguística Aplicada na

área de Língua Materna.

Orientadora: Profa. Dra. Angela Del Carmen Bustos Romero de

Kleiman

CAMPINAS,

2015

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Resumo

A pesquisa tem como objetivo geral conhecer e compreender práticas de letramento

formativas do professor em seu local de trabalho. Mais especificamente, a investigação

busca identificar e analisar eventos de letramento de formação em reuniões de corpo

docente dos anos iniciais do Ensino Fundamental que, no Estado de São Paulo, eram

chamadas de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). A perspectiva teórica

adotada é baseada na abordagem sociocultural dos Estudos de Letramento e na concepção

dialógica de linguagem do Círculo de Bakhtin. De caráter qualitativo-interpretativista e de

cunho etnográfico, a pesquisa tem como corpus dados gerados em observação participante

realizada durante um ano com um grupo de professoras em uma escola pública do interior

paulista. Os resultados da pesquisa mostram que as professoras construíram dois tipos de

eventos bastante distintos no tempo oficialmente dedicado à sua formação no local de

trabalho: um deles, aqui chamado de HTPC-aula, ocorria entre professoras de uma mesma

unidade escolar e a coordenadora pedagógica e se aproximava de características

interacionais da aula expositiva, seguindo o padrão IRA de interação; o outro tipo de

evento, chamado HTPC-oficina, era realizado entre professoras de toda a rede de ensino

atuantes em um mesmo ano tendo em vista conteúdos cobrados em avaliações externas dos

governos estadual e federal e se assemelhava, em termos interacionais, a uma oficina, em

que as professoras encenavam situações e estratégias de ensino de sala de aula. Ao serem

colocadas no lugar e na função de formadoras de suas colegas, as professoras adotam a

brincadeira, o jogo simbólico, que atualiza os papéis de alunos e professores e dissolve

relações de poder que as colocam em papéis assimétricos. As diferenças interacionais nas

estruturas de participação de cada tipo de evento, nas relações entre as participantes e em

suas identidades construídas na interação têm reflexos nos gêneros mobilizados e nos temas

desenvolvidos, no sentido bakhtiniano. Outra prática de formação do professor bastante

presente nas HTPCs, principalmente nas reuniões que adotam como modelo de interação a

aula, era a leitura de textos dos gêneros de autoajuda e religiosos. Em um contexto cada vez

mais complexo para atuação docente, a função da autoajuda e da religião na formação do

professor é a de dar sentido à docência, de construir alternativas possíveis nos limites

postos pela realidade onde realizam suas funções. Os resultados obtidos na pesquisa podem

contribuir para que formadores de professores (re)pensem sua atuação na formação docente

inicial e continuada e para o (re)planejamento de políticas públicas que têm em vista o

professor.

Palavras-chaves: formação do professor, local de trabalho, evento de letramento.

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Abstract

The present research aims to know and understand teachers´ formative literacy

practices at their workplace. More specifically, the investigation identifies and analyzes

literacy events in meetings designed for elementary school teacher’s continuing education

at the workplace. The theoretical perspective adopted is based on the New Literacy Studies

sociocultural approach and on the dialogical conception of language of Bakhtin´s Circle.

From a methodological perspective, the research is qualitative-interpretative and

ethnographic, with a corpus generated through participant observation carried out for over a

year with a group of teachers in a public school in the state of São Paulo. The results show

that the teachers developed two different types of events in the time officially dedicated to

their workplace continuing education: one of them, a classroom lesson event type (HTPC-

aula), occurred when the teachers belonged to the same schools, and followed the

interactional patterns of a school lesson IRA; in the second type of event, that functioned

interactionally like a workshop, teachers simulated classroom situations and teaching

strategies and occurred when the teachers of more than one school, teaching the same grade

level, were involved, with the objective of preparing their students for national and state

achievement. When trey are put in the place of instructors of their colleagues, the teachers

adopt the symbolic play, which updates the roles of students and teachers and dissolve

power relations that put them in asymmetric roles. Interactional differences in participation

structures of each type of event, in the relation among the participants and their identities

constructed in the interaction had effects on the genres mobilized and the themes, in

Bakhtin's sense, that were developed. Another practice observed, mainly in the meetings

that follow the class interaction model, was the reading of texts of the self-help genre and

religious genre. In an increasingly complex context for teaching practice, the role of self-

help and religion genres in teacher formative practices is to give meaning to teaching, to

build alternatives within the limits posed by the reality where they perform their work. The

results of the research may contribute to teachers’ conitinuing education programs and to

(re)design public policies aimed at teachers’ development and continuing education.

Key-words: teacher´s education, workplace, literacy event.

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Sumário 1. Introdução ................................................................................................................................... 1

1.1 Objetivos e perguntas de pesquisa ........................................................................................... 6

1.2 Os percursos que levaram à construção desta investigação .................................................... 7

1.3 Apresentação dos capítulos .................................................................................................... 10

2 . Formação continuada do professor: breve histórico e conjuntura atual.................................... 11

2.1 Políticas públicas e concepções de formação continuada no Brasil atual .............................. 12

2.1.1 Tipos de iniciativas de formação continuada .................................................................. 22

2.1.2 A HTPC: surgimento, regulamentação e transformações em seu caráter formativo ...... 33

3. Lugares que levam a outros lugares: perspectiva teórica adotada e conceitos para análise ....... 43

3.1 Estudos de Letramento em diálogo com o Círculo de Bakhtin: perspectiva teórico-

metodológica e alguns conceitos analíticos .................................................................................. 45

3.1.2 Construção de identidades e eventos de letramento ..................................................... 56

3.3 Concepção dialógica de linguagem e método sociológico para análise discursiva-enunciativa

....................................................................................................................................................... 63

3.4 A Esfera social investigada: esfera escolar ou esfera do trabalho do professor? ................... 70

4. Perspectiva metodológica e o campo de pesquisa ....................................................................... 81

4.1 A cidade, a escola, a reunião, as professoras ......................................................................... 85

4.2 Os eventos de formação ......................................................................................................... 98

4.2.1 A HTPC na escola ............................................................................................................. 98

4.2.2 Demanda gerada por avaliação externa ......................................................................... 99

4.2.3 Consultoria pedagógica de editora de sistema apostilado ........................................... 100

5. Eventos de letramento formativos em HTPC: o que acontece na formação no local de trabalho

do professor .................................................................................................................................... 103

5.1 Caracterização geral dos eventos: determinações institucionais e subversões ................... 103

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5.2 Etapas e gêneros do discurso em HTPC: aula e oficina ..................................................... 106

5.2.1 Na HTPC-aula ................................................................................................................. 106

5.2.2 Na HTPC-oficina ............................................................................................................. 122

5.3: Posicionamentos e (as)simetrias na formação no local de trabalho: análise da interação na

HTPC ............................................................................................................................................ 130

5.3.1Conflitos e assimetrias em HTPC: estrutura de interação na HTPC-aula, as relações

interpessoais e conhecimentos construídos ...................................................................... 131

5.3.2 Simetria e agência na oficina de formação ................................................................... 144

6. Vozes sociais e discursos na HTPC: apropriações e conflitos ...................................................... 161

6.1 Religião e autoajuda na formação do professor ................................................................... 161

6.2 Vozes da esfera administrativa, oficial e acadêmica ............................................................. 183

6.2.1 Esfera público-administrativa: conflito com a instância empregadora ......................... 184

6.2.2 Esfera político-educacional: tentativas de apropriação de textos oficiais .................... 189

6.2.3 Esfera acadêmica: mobilização de vozes acadêmicas para legitimação da voz docente197

Considerações Finais ....................................................................................................................... 203

Referências Bibliográficas ............................................................................................................... 211

Anexos ............................................................................................................................................. 227

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Dedico este trabalho à minha família: minha mãe, Maria Sílvia, meu

pai, Archimedes, e minha irmã, Roberta, pelo apoio durante toda

minha formação; e ao meu amor, Tiago, pela compreensão durante

esta caminhada.

Dedico também aos professores da minha família e da minha vida,

meus avós, Joseph Ersen e Maria da Glória, e meus tios, Marcela e

Etti, por me mostrarem a beleza e a força dessa profissão.

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Agradecimentos

À Professora Dra. Angela Kleiman, por tudo que me ensinou de maneira tão

generosa durante mais de dez anos de convivência, ensinamentos estes que vão muito além

das discussões sobre as pesquisas e estudos acadêmicos. Obrigada pela leitura atenta de

meus textos e pela orientação incansável desde meu primeiro ano de graduação. Obrigada

por me ensinar que, mesmo recém ingressante no curso de Letras, eu poderia falar e ser

ouvida em um grupo de pesquisa que me acolheu, o que me ensinou também a sempre me

esforçar para ouvir o outro e me repensar.

Aos professores e funcionários do Instituto de Estudos da Linguagem, pela

dedicação, pelo trabalho sério e ético desenvolvido, por todo o suporte durante os anos de

estudo e pesquisa.

Às professoras Claudia Vóvio e Roxane Rojo, pelas contribuições dadas desde a

qualificação do projeto desta pesquisa. Aos professores Ana Lúcia Guedes Pinto, Cláudia

Vóvio, Roxane Rojo e Simone Borges da Silva, por participarem da defesa desta tese.

Ao Conselho Nacional de Pesquisa, pelo apoio ao desenvolvimento desta pesquisa.

Às minhas amigas e companheiras de pesquisa, Carol, Luanda, Marília e Sílvia, pela

parceria em estudos, publicações, eventos, discussões. E pelas risadas, que sempre me

deram mais energia para prosseguir em nossa caminhada!

Aos amigos e colegas da Pós-graduação em Linguística Aplicada do Instituto de

Estudos da Linguagem, pelas parcerias nas disciplinas que cursamos juntos, por terem

enriquecido minha formação.

Aos colegas do grupo Letramento do Professor, por terem me recebido tão bem no

grupo, por terem compartilhado suas trajetórias e me ensinado a trilhar a minha.

Às professoras participantes desta pesquisa, por não só terem permitido a realização

do campo, mas também por terem me integrado ao seu grupo, por terem apoiado meu

trabalho e confiado nele como uma possibilidade de trazer contribuições para sua formação

e atuação profissionais.

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Lista de Abreviações e Siglas

ANFOPE: Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

ANPAE: Associação Nacional de Política e Administração da Educação

ANPEd: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação

ATPC: Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo

CENP: Coordenadoria de Gestão da Educação Básica

ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio

FORUMDIR: Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou

Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras.

HTPC: Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo

IES: Instituição de Ensino Superior

LDB: Lei de Diretrizes e Bases

MEC: Ministério da Educação e Cultura

PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais

SAEB: Sistema de Avaliação da Educação Básica

SARESP: Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

SEE: Secretaria de Educação Estadual

SME: Secretaria Municipal de Educação

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Convenções de Transcrição:

As convenções de transcrição são, em sua maioria, as mesmas da escrita convencional, acrescidas

das seguintes convenções1:

/ - truncamento ou interrupção abrupta da fala

... - pausa de pequena extensão

(+) – pausa breve

(+++) - pausa longa

(...) - suspensão de trecho da transcrição original ou trecho incompreensível

::: - alongamento da vogal

“aaa ” - discurso reportado

‘aspas ’ - leitura de texto

MAIÚSCULA - alterações de voz com efeito de ênfase

[ ] interrupção de um interlocutor ou falas simultâneas

((xxx)) comentário do analista

(xxx) suposição de fala sem nitidez

Para marcar a entoação, são utilizados sinais de convenção ortográfica:

vírgula (,) - pequena pausa

ponto final (.) - entoação descendente

ponto de interrogação (?) - entoação ascende, como uma pergunta.

Observação: Os nomes utilizados nas transcrições são todos fictícios, exceto o da pesquisadora.

1 As transcrições foram feitas a partir de Garcez (2002) e Marcuschi (2003).

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1. Introdução

As pesquisas sobre formação do professor e os calorosos debates sobre a prática

docente costumam voltar-se para os cursos acadêmicos de formação inicial e continuada,

em instituições públicas e particulares, ou para a sala de aula da escola básica. Em minha

atuação como professora da escola básica, pesquisadora em cursos de formação inicial e

continuada de professores na Iniciação Científica (DE GRANDE, 2007, 2009) e no

mestrado (DE GRANDE, 2010), e como formadora de professores em cursos de diversas

naturezas2, outro caminho me pareceu interessante para entender processos de formação do

professor, mostrar as demandas docentes sobre sua própria formação e contribuir para a

atuação de formadores de professores: a formação que ocorre no local de trabalho do

professor. Esta pesquisa, então, busca identificar, compreender e analisar práticas de

letramento de formação docente no local de trabalho do professor, mais especificamente,

em reuniões do corpo docente que, no Estado de São Paulo, eram chamadas, de acordo com

a Portaria da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (doravante CENP) n. 1/96,

de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo3 (doravante HTPC).

Contrariamente à ideia de que, quando se fala em aprendizagem na escola,

estamos tratando somente da relação professor-aluno, o caminho de investigação escolhido

levou-me às relações que se estabelecem entre professor-professor, professor-coordenador e

outros agentes atuantes numa formação continuada que se dá no local de trabalho do

professor. Acompanhei reuniões coletivas semanais de um grupo de professoras de uma

2 Desde 2007, tenho participado, como monitora e formadora, de cursos diversos de formação continuada ou

de especializações de professores, presenciais ou a distância, promovidos por Instituições de Ensino Superior

e por órgãos públicos, entre eles: CEFIEL (Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de

Estudos da Linguagem) da Unicamp; REDEFOR, uma parceria entre o Estado de São Paulo e a Unicamp;

CEFORTEPE, da Prefeitura de Campinas; Pós-graduação em Alfabetização e Letramento da Universidade

Padre Anchieta de Jundiaí; Especialização das Faculdades Network na cidade de Sumaré. 3 A partir de 2012, modificou-se o nome para Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC) devido a

alteração de duração: de 60 para 50 minutos, igualando ao tempo de hora-aula sobre o qual o professor recebe

seu salário. Opto por manter a nomenclatura anterior, pois nos dados gerados para esta pesquisa, tanto nos

documentos quanto nas falas das participantes, o nome utilizado era HTPC. A nomenclatura para reuniões de

corpo docente variam de local para local.

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escola de Ensino Fundamental I – de 1º a 5º ano – de uma pequena cidade do interior de

São Paulo. Um horário remunerado para o trabalho coletivo, com seus pares e coordenação

pedagógica, não é garantido a todos os professores das redes públicas brasileiras em sua

jornada de trabalho. No caso do Estado de São Paulo, a categoria conquistou horas

remuneradas para planejamento e formação no local de trabalho entre final da década de

1980 e a primeira metade da década de 1990 (ver detalhes no capítulo 2).

Ao adentrar a escola para investigar a formação do professor em serviço, com o

intuito de conhecer e entender as práticas de letramento formativas do professor em seu

local de trabalho, escolhi como foco as reuniões semanais de HTPC, pois, além do fato de

as reuniões de HTPC serem definidas como um espaço de formação pela CENP, em minha

trajetória identifiquei neste espaço pouco investigado a possibilidade de organização de

uma autoformação do professor na relação com seus pares.

O caminho escolhido também foi traçado tendo em vista a ótica das

participantes, perspectiva adotada pelo Grupo Letramento do Professor4, que entende que a

formação do professor é um processo identitário construído em práticas de letramento

variadas e que, portanto, o letramento do professor não é um “mero instrumento para

realização do trabalho”, e sim um aspecto que constitui “sua função como formador de

novos leitores e usuários da língua escrita, ou seja, intrinsecamente ligado a sua atuação

profissional” (KLEIMAN, 2009, s/p). Pesquisas nesta perspectiva objetivam compreender

os professores em sua agentividade e heterogeneidade, enfocando o que dizem sobre si

mesmos, sobre as práticas sociais das quais participam, (re)construindo sua identidade,

mesmo que de modo circunstancial em uma situação comunicativa (VÓVIO, 2007;

VÓVIO, DE GRANDE, 2010).

O que é considerado como formação depende da situação comunicativa, o que

envolve levar em conta, em primeiro lugar, as vozes das participantes e como estas

constroem os eventos observados. Trazer a voz do outro para a pesquisa está em

consonância com a perspectiva metodológica qualitativa e etnográfica aqui adotada. Mais

4 O Núcleo de Pesquisa Letramento do Professor foi criado em 1991 e é formado por grupos de pesquisadores

que estudam as práticas de letramento de professores e outros agentes de letramento com a finalidade de

subsidiar programas de formação de professores e contribuir para a compreensão da identidade profissional

dos que ensinam a ler e escrever. <http://www.letramento.iel.unicamp.br/portal/>.

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do que isso, essa é também uma postura ética na relação com as participantes: professoras

alfabetizadoras, que frequentemente têm suas vozes sobre seu próprio fazer silenciadas e

suas visões invisibilizadas nas discussões sobre educação.

A postura ética em relação ao outro e o próprio desenho da pesquisa, que busca

a formação realizada e organizada pelas próprias professoras, tem a ver com a abordagem

crítica, interventiva e engajada da Linguística Aplicada (doravante LA) e com a forma que

consideramos o que é fazer pesquisa em LA dentro do Grupo Letramento do Professor. Ao

discutir os rumos da pesquisa na LA do Brasil, Kleiman (2013) destaca as contribuições de

uma reflexão sobre a descolonialidade epistemológica5 na formulação de problemas de

pesquisa e participação social do linguista aplicado, o que envolve uma postura ética com

os grupos periféricos nas relações de poder e saber. Considerar a interação entre professoras

em seu local de trabalho como uma prática formativa que pode contribuir para a

universidade e para formadores acadêmicos (re)pensarem a formação que oferecem é uma

postura descolonizadora, principalmente em sua relação com os saberes valorizados pela

universidade, que geralmente considera como legítimo para a formação do professor apenas

o que ocorre no espaço acadêmico ou sob sua supervisão (como no caso dos estágios).

Em geral, saberes disciplinares (relacionados aos saberes científicos) e

curriculares (baseados nos programas escolares ou de Estado) (TARDIF, 2003) são a base

da formação profissional do professor, aos quais se tem acesso nas disciplinas teóricas em

cursos de formação inicial e continuada ou em disciplinas de estágios nas universidades e

faculdades. Em outros espaços, como as reuniões de HTPC, a discussão entre pares sobre o

fazer em sala de aula no dia a dia da escola, o compartilhamento de experiências

pedagógicas, de atividades didáticas e exemplificações de possíveis trabalhos pedagógicos

configuram-se como momentos formativos para os participantes, em que esses e outros

saberes, como os experienciais (TARDIF, 2000, 2003) são mobilizados. Tardif (2003, p.

40) afirma que, de modo geral, apesar de sua posição estratégica na sociedade, os

professores são socialmente desvalorizados entre os diferentes grupos que atuam de alguma

maneira no campo dos saberes – pesquisadores, acadêmicos, editores etc. Nas relações

5 A autora se baseia em autores como Escobar (2000, 2003), Quijano (2004, 2007) e Mignolo (2000, 2007) e

nas pesquisas do Programa Modernidade / Decolonialidade.

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entre saberes legitimados e professores, há uma distância – social, institucional,

epistemológica – que os separa e os desapropria desses saberes, produzidos e controlados

por outros.

Os professores, principalmente as professoras alfabetizadoras, constituem um

grupo periférico em relação aos grupos que atuam na esfera da educação (acadêmicos,

editores, burocratas, “especialistas” com espaço na mídia, como alguns economistas e

jornalistas) na medida em que, primeiro, têm sua função desvalorizada pelos baixíssimos

salários em comparação com outros grupos profissionais com formação superior; segundo,

têm suas capacidades de leitura e escrita questionadas na mídia e na academia; terceiro, são

posicionados como técnicos que apenas seguem materiais didáticos cada vez mais

reguladores de sua prática (como os apostilados, que pretendem ditar aula a aula o

currículo) ou como aqueles que devem seguir, sem questionamento, resultados de pesquisas

acadêmicas ou de documentos oficiais relacionados à educação; e quarto, são representados

como as responsáveis pelo fracasso de alunos em avaliações externas, entre outros. Essa

imagem negativa do professor divulgada pela imprensa em geral e por grupos da própria

academia é questionada por pesquisas do Grupo Letramento do Professor6, que mostram a

necessidade de se considerar o letramento situado para analisar qualquer prática

profissional do professor.

Com base nessas discussões, defendo a postura ética em relação ao grupo de

professoras tomando emprestadas as palavras de Kleiman (2013, p.41), que argumenta a

favor de:

uma Linguística Aplicada crítica com uma agenda que, em consonância

com sua vocação metodológica interventiva, rompe o monopólio do saber

das universidades e outras instituições que reúnem grupos de

pesquisadores e intelectuais e toma como um de seus objetivos a

elaboração de currículos que favoreçam, por um lado, a apropriação

desses saberes por grupos na periferia dos centros hegemônicos e, por

outro, a legitimação dos saberes produzidos por esses grupos.

Para contribuir para a construção dessa agenda e subsidiar possíveis mudanças

em currículos que favoreçam saberes construídos por grupos não hegemônicos, esta

6 Para ver análises críticas que rebatem avaliações negativas em relação às professoras, ver Kleiman (2001),

Guedes-Pinto (2002), Silva (2003), Vóvio (2007), Bunzen (2009), entre outros.

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pesquisa busca trazer e compreender essas vozes, geralmente subalternas, pois

desvalorizadas e silenciadas, na relação com outros grupos que se cruzam nas discussões

sobre educação, como acadêmicos, políticos, economistas e jornalistas, geralmente as

únicas vozes levadas em consideração nas discussões nas esferas acadêmica,

governamental e na grande imprensa. Subalterno, ou periférico, é aqui entendido como

posicionado inferiormente em relação a quem detém o monopólio do saber, a centros

hegemônicos que ditam o que conta como conhecimento (SOUSA SANTOS, 2004) ou o

que conta como letramento (STREET, 2003). Kleiman (2013) defende a proposta do grupo

de pesquisadores do Programa Modernidade/Descolonialidade, que argumentam por um

giro epistemológico para a periferia e a partir da periferia do mundo, para alterar essa lógica

e visibilizar participantes de movimentos sociais feministas, étnico/raciais, gays, dos sem-

terra, sem-teto, sem-escrita, “ou ainda, no caso dos alfabetizadores e professores, daqueles

sem movimentos sociais que os acolham e os fortaleçam” (KLEIMAN, 2013, p. 43). Esse

giro implica trazer para a pesquisa os sujeitos socio-históricos de nossa realidade social

como, nesta pesquisa, as professoras alfabetizadoras e suas epistemes em relação à sua

própria formação em serviço, legitimando os saberes por elas produzidos no cotidiano de

seu trabalho.

Assim, busco investigar práticas de letramento do professor para alcançar

compreensões sobre estas e sobre demandas profissionais docentes que possam (re)orientar

cursos de formação, principalmente na modalidade continuada, como também para discutir

a necessidade e a função dos momentos de trabalho coletivo por grupos de professores. Ao

investigar a formação do professor pela perspectiva dos Estudos de Letramento, pretendo

compreender quais eventos de letramento se configuram como formativos pelo ponto de

vista das próprias professoras, em seu local de trabalho, de maneira situada, e repensar

práticas de letramento acadêmico, que buscam ou deveriam buscar formar o professor para

seu local de trabalho conforme os objetivos e pressupostos do grupo Letramento do

Professor. Aliada à esse perspectiva, trago a concepção dialógica de linguagem do Círculo

de Bakhtin para realizar uma análise discursiva, que amplia e aprofunda a abordagem

etnográfica dos Estudos de Letramento.

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1.1 Objetivos e perguntas de pesquisa

A pesquisa tem como objetivo geral conhecer, compreender e analisar práticas

de letramento formativas da professora alfabetizadora em seu local de trabalho. Para

alcançar o objetivo geral, proponho os seguintes objetivos específicos:

Descrever quais são os eventos de letramento formativos que ocorrem em

HTPC e como eles se estruturam.

Identificar os significados atribuídos a práticas formativas no local de trabalho

pelas professoras participantes.

Identificar os gêneros do discurso mobilizados pelas participantes nas práticas

de letramento formativas na escola.

Identificar as vozes sociais nos discursos sobre formação e atuação docentes

que constituem os diálogos entre os agentes nos eventos de letramento formativos

observados.

A partir disso, delineiam-se as seguintes perguntas de pesquisa:

1. Quais práticas de letramento relacionadas à formação docente ocorrem no

local de trabalho do professor?

1.1. Que eventos de letramento relacionados à formação em HTPC ocorrem?

Como eles se organizam?

1.2. Como os eventos são construídos e (re)significados como formativos na

interação pelas professoras participantes?

1.3. Que fatores ou demandas impulsionam ou geram esses eventos? Que

agentes estão envolvidos?

1.4. Que significados são atribuídos pelas professoras aos eventos?

2. Como a HTPC é organizada em relação à sua dinâmica, suas funções e temas

abordados?

2.1. Que gêneros do discurso são mobilizados pelos participantes desses

eventos?

2.2. Como a apropriação e a ressignificação dos gêneros são realizadas nos

eventos de letramento formativos em HTPC pelas professoras?

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3. Que vozes sociais sobre a formação e atuação docentes emergem nesses

eventos e como elas os constituem? Que temas são construídos nas interações?

Com base nessas perguntas, a pesquisa tem como foco a descrição dos eventos

de formação em reuniões de HTPC e os significados atribuídos a tais eventos pelas

professoras, como elas os percebem e como atuam nesses eventos.

Esta pesquisa tem como corpus dados gerados em reuniões de HTPC semanal

em uma escola de EFI durante o ano de 2011, relacionadas ao cotidiano da unidade escolar

investigada, planejadas pela coordenadora da escola; e em reuniões de formação geradas

por pressões sociais externas à escola, a que tive acesso devido à minha participação na

HTPC semanal: formação organizada pela Secretaria Municipal de Ensino com foco nas

grandes avaliações externas. Nesse caso, professoras de 5º ano e as coordenadoras de toda a

rede participaram de reuniões quinzenais que tinham como intuito uma formação

direcionada às grandes avaliações externas – SARESP e Prova Brasil7.

1.2 Os percursos que levaram à construção desta investigação

Voltar à escola para investigá-la como espaço de formação não só de alunos,

mas também de professores mostrou-se um caminho pertinente para alcançar compreensões

sobre o profissional docente, sua formação e suas demandas profissionais e sobre a própria

escola como esfera social de atividade humana (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985).

Meu percurso no campo da pesquisa sobre formação do professor dentro do

escopo da LA tem início nos anos de graduação, quando passei a acompanhar

pesquisadores do grupo Letramento do Professor a partir de 2004, em cursos de formação

continuada e em parcerias entre pesquisadores e professores dentro das escolas, o que

resultou em duas pesquisas de Iniciação Científica. Nessas ocasiões, percebi que os saberes

7 Também participei de uma assessoria pedagógica oferecida por editora de material didático apostilado, a

qual não será foco de análise desta tese.

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experienciais8 (TARDIF, 2000) - aqueles construídos na atuação profissional no cotidiano

escolar, na interação com alunos e outros profissionais da escola - eram constantemente

mobilizados no discurso docente. Assim, nos cursos de formação continuada e

especialização de professores, como pesquisadora, monitora e formadora, questões sobre

essa formação, destinada a professores em serviço, com histórias de formação e percursos

escolares longos e diferenciados (da vida escolar como alunos até sua atuação profissional)

foram surgindo, principalmente no que se refere à construção de identidades profissionais.

No mestrado (DE GRANDE, 2010), investiguei a construção de identidades

profissionais de professores em um curso de formação continuada9. Nesse contexto,

observei que diferentes vozes relacionadas a discursos teóricos concernentes à profissão

docente emergem no discurso de professores e formadores engajados no processo de

ensino/aprendizagem. A análise das interações do curso e de entrevistas realizadas com

alguns professores participantes mostrou que as identidades profissionais de professores são

(re)construídas na interação – harmoniosa ou conflituosa – entre os co-enunciadores.

As análises da pesquisa de mestrado possibilitaram perceber quais vozes eram

relevantes nesse processo de formação. Nesse trabalho de pesquisa, verifiquei que as

identidades eram construídas a partir das respostas ativas às vozes do outro no diálogo, e

que tais identidades também atualizavam vozes internamente persuasivas – as que

conformam e constituem os sujeitos (BAKHTIN, [1979]2003). Além do embate com vozes

que desvalorizavam o profissional docente, as vozes internamente persuasivas apontavam

para uma identificação de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental

participantes do curso com sistemas classificatórios dos aprendizes, baseados nas hipóteses

elaboradas pelas crianças no processo de aprendizagem da escrita propostas por Ferreiro e

Teberosky (1984), e com discursos de autoajuda.

Durante minha atuação como professora de Língua Portuguesa no Ensino

Fundamental II, percebi, na aproximação com as coordenações das escolas, um predomínio

8 Definidos como o “conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da

profissão docente e que não provém das instituições de formação nem dos currículos” (TARDIF, 2002, p.48-

49). 9 Curso oferecido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em parceria com o Instituto de Estudos

da Linguagem (IEL/UNICAMP), no âmbito do Programa “Teia do Saber”.

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semelhante do discurso de autoajuda e de classificação dos aprendizes. Diante dessas

observações, passei a me questionar sobre a relevância desses discursos em outra esfera de

formação: o local de trabalho do professor.

As reuniões de corpo docente se constituem como outro espaço de formação do

professor em que esses discursos emergem. Santos e Orge (2010) mostram que, além das

iniciativas de formação continuada desenvolvidas em cursos oportunizados por gestores

públicos em parcerias com as universidades, há uma formação que se dá no cotidiano

escolar, a qual fica, muitas vezes, fora dos interesses das agências de pesquisa ou de

formação em serviço. Nela ocorrem diversos eventos de letramento que interferem na

formação profissional do professor e também podem proporcionar importantes adaptações

de experiências no sentido de melhorar a qualidade da educação básica nas escolas10.

Entender e conhecer como se dá a formação que ocorre na escola e em outras

instâncias a ela relacionadas, como, por exemplo, a secretaria municipal de ensino, e

investigar por que algumas perspectivas, valores e crenças têm eco na formação do

professor, assim como verificar como tais vozes sociais são mobilizadas pelos professores

para agir nesses contextos da profissão possibilita repensar cursos de formação. Conforme

Silva et al. (2010), os cursos de formação têm como desafio reconhecer que uma de suas

atribuições consiste na construção de identidades profissionais. As autoras defendem a

necessidade de (re)discutir tal função com base nas vozes dos profissionais docentes.

Contudo, para repensar essa formação do professor é preciso antes conhecer os discursos

que circulam em sua esfera de atuação. Kleiman (2006), ao discutir a formação de

professores para o trabalho docente, ressalta a importância de as interações acadêmicas

levarem em consideração quem é o público alvo com o qual os formadores estão lidando

nos contextos formativos. Para isso, a academia precisaria fazer o mesmo movimento que

sugere que as escolas façam com seus alunos: considerar quem é esse professor em

formação com quem ela dialoga, de quais práticas de letramento ele já participa, quais são

suas crenças e valorações da escrita (KLEIMAN, 2001; VIANNA et al., mimeo).

10 Santos e Orge (2010) relatam uma experiência de formação continuada no local de trabalho em que o grupo

de docentes lia e discutia matérias da revista Nova Escola em uma escola da rede pública de ensino do

município de Juazeiro no sertão baiano.

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1.3 Apresentação dos capítulos

Esta tese está dividida em cinco capítulos, além desta introdução. O capítulo 2

traz discussões sobre a história do surgimento da demanda por formação específica para o

professor, inclusive por formação continuada, em serviço. Para compreender a escola na

contemporaneidade como instituição que também se encarrega da formação de professores

e as iniciativas de formação continuada atuais, vale contextualizar historicamente essa

profissão, as diferentes exigências a ela relacionadas e a identidades profissionais docentes.

No capítulo 3, apresento os principais referenciais teóricos que embasam as

reflexões desta pesquisa. São eles os Estudos de Letramento e a concepção dialógica de

linguagem do Círculo de Bakhtin. Também discuto as relações entre os conceitos de

letramento do professor, letramento escolar e letramento acadêmico e discuto conceitos e

metodologias de análise do corpus desta pesquisa.

O quarto capítulo destina-se à perspectiva metodológica desta pesquisa, de

caráter qualitativo-interpretativista e cunho etnográfico. Descrevo o campo da pesquisa, os

participantes e as reuniões dedicadas à HTPC, como também trago dados gerados por meio

de um questionário respondido pelas professoras participantes.

O capítulo 5 traz a análise de eventos de letramento formativos na HTPC, tanto

em relação à sua organização geral quanto à estrutura das interações entre as participantes

com o intuito de conhecer as práticas de letramento e as implicações de diferentes tipos de

organização dos eventos para a formação docente no local de trabalho.

O capítulo 6 traz uma análise discursiva dos eventos observados. Enfoco os

gêneros do discurso mais comumente mobilizados nos momentos formativos em HTPC e as

vozes sociais que constituem as interações no grupo docente. O capítulo enfoca os diálogos

entre diferentes esferas que incidem sobre a formação do professor em seu local de

trabalho.

Por fim, trago a síntese dos resultados da pesquisa.

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2 - Formação continuada do professor: breve histórico e

conjuntura atual

Neste capítulo, levanto questões histórias relacionadas à profissão docente e à

emergência da demanda por formação continuada, relacionando alguns dados à realidade

investigada no campo desta pesquisa. Descrevo diferentes iniciativas de formação

continuada no Brasil na atualidade, principalmente a partir da Lei de Diretrizes e Bases de

1996, para entender o contexto mais amplo das iniciativas observadas em campo. Também

abordo o surgimento da HTPC como espaço dedicado à formação do professor na escola no

Estado de São Paulo.

De acordo com dados do Censo de Profissionais do Magistério da Educação

Básica, comentados por Gatti e Barreto (2009), entre 2007-2009 mais de 45% de um total

de 1.542.878 professores participaram de alguma atividade ou curso de formação

continuada11, presencial, semipresencial ou a distância, oferecidos por diferentes

instituições - governamentais, no âmbito dos entes federados, União, estados e municípios;

instituições de ensino superior de caráter público ou privado; empresas privadas de diversas

ordens; ONGs; sindicatos; ou ainda, pelas próprias escolas. Dentre as instituições

provedoras dessa modalidade de formação, comparecem com um número superior de

profissionais envolvidos as secretarias municipais de Educação, quando comparadas às

secretarias de Estado e a órgãos federais; também sobressaem as instituições privadas de

ensino superior em relação às públicas; e as regiões Nordeste e Sudeste, quando

confrontadas com as demais regiões do país.

De acordo com Imbernón (2010, p. 9), analisar e propor formação continuada

para professores é uma questão complexa e sempre situada, porque

11 A designação de formação continuada no estudo cobre um universo bastante heterogêneo de atividades:

desde formas mais institucionalizadas, com certificados, duração prevista e organização formal, até iniciativas

menos formais, ocupando as horas de trabalho coletivo, mais próximos do fazer cotidiano na unidade escolar

e na sala de aula.

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não podemos falar nem propor alternativas à formação continuada sem

antes analisar o contexto político-social como elemento imprescindível na

formação, já que o desenvolvimento dos indivíduos sempre é produzido

em um contexto social e histórico determinado, que influi em sua

natureza. Isso implica analisar o conceito da profissão docente, a situação

de trabalho e a carreira docente, a situação atual das instituições

educacionais (normativa, política e estrutural, entre outras), a situação

atual da educação básica (...), uma análise do corpo docente atual (...).

Concordando com o autor, faço um desenho geral das atuais iniciativas de

formação continuada e exponho brevemente um histórico da formação docente no Brasil.

2.1 Políticas públicas e concepções de formação continuada no Brasil atual

Gatti (2008) faz uma retomada das políticas públicas para formação continuada

no Brasil de 1996 a 2007 e as identifica como novas exigências do mundo do trabalho

contemporâneo. A autora destaca que o termo “educação continuada” se tornou um grande

guarda-chuva, que abarca iniciativas muito distintas, desde cursos de extensão, passando

por formação em nível superior para professores leigos que já exercem a profissão, oficinas

ou palestras sem programa contínuo realizadas em escolas ou universidades, até

especializações lato sensu. Diante disso, sobressai a grande quantidade e diversidade de

iniciativas sob o rótulo de formação continuada por todo o Brasil. Segundo a autora, o

aumento do oferecimento deste tipo de formação

tem base histórica em condições emergentes na sociedade contemporânea,

nos desafios colocados aos currículos e ao ensino, nos desafios postos aos

sistemas pelo acolhimento cada vez maior de crianças e jovens, nas

dificuldades do dia-a-dia nos sistemas de ensino, anunciadas e enfrentadas

por gestores e professores e constatadas e analisadas por pesquisas.

Criaram-se o discurso da atualização e o discurso da necessidade de

renovação (GATTI, 2008, p. 58).

Nas últimas décadas do século XX, esses discursos tomaram força em vários

setores profissionais e universitários, principalmente nos países desenvolvidos, fazendo

emergir “a imperiosidade de formação continuada como um requisito para o trabalho”

(GATTI, 2008, p. 58) não só em relação à profissão docente. Tal discurso foi incorporado

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por setores profissionais da educação, o que, somado a problemas na formação inicial ou

pré-serviço do professor no Brasil com a rápida expansão do ensino básico e à exigência de

licenciatura após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, impulsionou o

desenvolvimento de políticas nacionais e regionais para a formação continuada de

professores.

De acordo com Gatti (1998), desde 1995 a preocupação com a formação de

professores entrou na pauta mundial, pela conjunção de dois movimentos: as pressões de

novas condições do mundo do trabalho – cada vez mais informatizado, exigindo novos e

mais conhecimentos – e os desempenhos escolares precários de grandes parcelas da

população, constatados pelos sistemas de governo.

Contudo, a ideia de que o professor precisa de uma formação acadêmica

específica para atuar como docente, como um profissional do ensino, inclusive de maneira

contínua, não é universal nem muito antiga; datando efetivamente da época de

escolarização de massas – a partir de, aproximadamente, 1930 no Brasil. Tal concepção de

formação se articula com os processos históricos de surgimento e transformação da própria

escola como instituição de ensino universal e laica.

A necessidade de alguma formação para o professor já era considerada no

século XVII por Comenius, e o primeiro estabelecimento de ensino destinado a este fim

teria sido proposto por São João Batista de La Salle em 1684, em Reims, com o nome de

Seminário dos Mestres (SAVIANI, 2009). Mas a institucionalização da formação

profissional docente começou no século XIX, com a Revolução Francesa e a questão da

instrução popular. No Brasil, o debate sobre a formação do professor e as iniciativas a ela

destinadas emergiram mais explicitamente somente após a independência, quando se

começou a cogitar a organização de uma instrução popular (SAVIANI, 2009). Antes da

institucionalização da formação de professores no século XIX, ela ocorria por meio da

observação e do “aprender fazendo”, próprio das corporações de ofício (SAVIANI, 2009).

O alargamento das funções do professor e, consequentemente, de sua formação,

é um fato recente que Chartier (2004) situa historicamente ao questionar o suposto modelo

universal de escola e a ideia uniforme e naturalizada que temos dela, por ser uma instituição

tão presente em sociedades diversas na atualidade. Uma das questões que a autora levanta é

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sobre as implicações da obrigatoriedade da escola, cada vez mais extensa em número de

anos que se permanece nela, e demandando um número cada vez maior de profissionais

formados para agir nos contextos mais diversos de educação formal. Ou seja, ao se voltar

para a ampliação do ensino escolar, também é preciso considerar um forte aumento de

demanda por formação do professor de qualidade, inicial e continuada, como também a

ampliação das funções deste profissional.

O processo de laicização da escola no mundo moderno ocidental, após uma

supremacia da educação religiosa, impulsionou uma formação profissional específica para

professores. O estabelecimento de uma formação docente específica é um elemento crucial

no desenvolvimento da instituição escolar, o que foi acompanhado da delimitação de

conhecimentos especializados e de um grupo autorizado a atuar como professores. Como

esclarecem Vicentini e Lugli (2009), é a difusão da escola moderna que possibilitou a

profissionalização docente, que foi se tornando cada vez mais diversificada e complexa,

passando por transformações “no que concerne à sua composição, às exigências de

formação, às condições de trabalho, às formas de organização profissional e às

representações da categoria acerca do próprio trabalho” (VICENTINI, LUGLI, 2009, p.

13).

Segundo Tanuri (2000), a institucionalização da instrução pública no mundo

moderno suscitou a criação de escolas destinadas ao preparo específico dos professores

para o exercício de suas funções. Com a Revolução Francesa, a ideia de uma escola normal

a cargo do Estado, destinada a formar professores leigos, se concretizou, ideia essa que

encontraria condições favoráveis no século XIX paralelamente à consolidação dos Estados

Nacionais e à implantação dos sistemas públicos de ensino. Tal movimento fez gerar e se

multiplicarem as escolas normais. No caso brasileiro, a constituição do magistério como

profissão se deu com a difusão da instrução escolar no século XIX, que possibilitou a

atuação docente e o desenvolvimento do grupo profissional.

Durante o século XX no Brasil, as pressões populares combinadas a demandas

da expansão industrial e do capital levaram os investimentos públicos no ensino

fundamental a crescerem e, assim, a demanda por professores também aumentou. O Brasil

passou de um atendimento educacional restrito, próprio de um país predominantemente

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rural, a um atendimento em grande escala, acompanhando o incremento populacional e o

crescimento econômico que conduziram a altas taxas de urbanização e industrialização

(SAVIANI, 2011b). A tabela abaixo sintetiza essa expansão da década de 1930 ao final da

década de 1990:

Tabela 1: Aumento de matrículas no Brasil do século XX

Ano População geral do Brasil Número de alunos matriculados

1933 40 milhões 2.238.773 (ensino primário: 2.107.617; Ensino

Médio: 108.305; Ensino Superior: 22.851)

1998 167 milhões 44.708.589 (Primário: 35.792.554; Médio:

6.968.531; Superior: 1.947.504)

Fonte: BRASIL, 2003, p. 106 Apud SAVIANI, 2011.

Enquanto a população global quadruplicou, a matrícula geral aumentou vinte

vezes. Esse crescimento está relacionado à reforma educacional do final do século XX,

principalmente à promulgação da LDB em 1996. Apesar de grandes avanços no

oferecimento de vagas, um dos problemas devido ao grande aumento de alunos foi a

demanda por professores em um contexto – anterior à LDB – em que não havia

profissionais formados em quantidade suficiente. Para suprir a demanda por profissionais,

além da forte expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas sem preocupação

com a qualidade de formação oferecida, ocorreram várias adaptações: expansão das escolas

normais em nível médio, cursos rápidos de suprimento formativo de docentes,

complementação de formações de origens diversas, autorizações especiais para exercício do

magistério a não licenciados, admissão de professores leigos etc. (GATTI, BARRETO,

2009). Ainda sentimos o impacto na formação de professores desse período de grande

demanda por professores causada pelo crescimento recente e rápido das redes públicas e

privadas de ensino fundamental - com improvisações realizadas para responder a ela

(GATTI, BARRETO, 2009).

Dentro do conjunto de esforços para melhorar a formação dos professores para

as séries iniciais, Tanuri (2000) destaca a progressiva remodelação pela qual passou o

Curso de Pedagogia a partir dos anos 80. Na longa trajetória percorrida pelo movimento de

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educadores que se aglutinaram em torno da Associação Nacional pela Formação dos

Profissionais da Educação (ANFOPE), se consolidou a posição de que o curso de

Pedagogia deveria se encarregar da formação para a docência nos anos iniciais da

escolaridade e da formação unitária do pedagogo (TANURI, 2000; SAVIANI, 2009). Na

mesma década, o MEC propôs o Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do

Magistério (CEFAM), que visava a formar novos docentes em nível médio. Os cursos

ofereciam uma carga horária maior, em período integral, com horas-aula destinadas ao

enriquecimento curricular. Nos CEFAMs também foram planejados cursos de formação

permanente, ou o que conhecemos como formação continuada para professores egressos,

bem como assessoria pedagógica a outras escolas de formação. Os centros foram

interrompidos por trocas de governos e ministros em 1989 (VICENTINI, LUGLI, 2009).

O período de fortalecimento do curso de Pedagogia como necessidade para a

atuação de professores nos anos iniciais de escolarização – a década de 1980 - coincide

com o período, apontado por Oliveira (2003), em que se deu o debate sobre a natureza do

trabalho docente. Antes disso, os cursos de Pedagogia formavam especialistas em educação

e diretores para atuarem em Grupos Escolares. Segundo a autora, no início da década de

1980, havia uma tensão entre uma concepção de professor como um profissional

reconhecido e uma concepção de docência como sacerdócio, vocação. A abertura política

do Brasil em meados da mesma década teria contribuído para a afirmação da classe

profissional.

Ao mesmo tempo em que, com a democratização do acesso à educação básica

no Brasil, iniciada na década de 1970 e intensificada na década de 1990, a situação da

educação apresentava grandes avanços - maior oferecimento de vagas, reformas

curriculares, sistemas de ciclos, avaliação de materiais didáticos etc. -, a ampliação do

sistema gerou um desequilíbrio entre demanda e estrutura, incluindo a formação inicial de

professores, o que ajudou a impulsionar iniciativas de formação continuada. Como

destacam Kleiman (2001), Guedes-Pinto (2002) e Rojo (2009), a ampliação do acesso à

escola pública altera o perfil socioeconômico e cultural do alunado e do professorado

brasileiro, como também os letramentos que são trazidos para a escola. Não é mais uma

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escola destinada somente aos filhos da elite, o que traz consequências para a escola e para o

professor.

Muitas das críticas ao professor e à sua formação se relacionam ao seu perfil

sociocultural e ao de seus alunos, sem levar em conta fatores como a própria instituição

escolar e o processo de democratização de acesso à educação, nem as condições oferecidas

a professores e alunos da escola pública. Nesse cenário de regulamentações, de criação de

diretrizes educacionais e avaliações externas, bem como de discursos sobre a crise da

escola e a consequente necessidade de os professores se “atualizarem”, cresceu o

investimento em iniciativas de formação de professores, a partir da segunda metade da

década de 1980, conforme mostra Magalhães (2005, p. 18):

visando à profissionalização em serviço houve, nesse período, uma

verdadeira explosão de cursos de ‘reciclagem’, ‘treinamento’,

‘capacitação’ e ‘aperfeiçoamento’, cada um com suas conotações

ideológicas concernentes à concepção que se tinha do professor.

Muitas dessas iniciativas de formação continuada de professores, sob o rótulo

de “cursos de capacitação”, partiam de uma concepção compensatória dessa modalidade

diante de uma formação inicial do professor tida como precária, semelhante ao postulado

nas abordagens pedagógicas do déficit. O próprio termo “capacitação”, para Marin (1995),

implica uma concepção pejorativa sobre a formação e do professor, como se fosse

necessário torná-lo capaz, apto a fazer algo que ainda não estaria, “visando à ‘venda’ de

pacotes educacionais ou propostas fechadas aceitas acriticamente em nome da inovação e

da suposta melhoria” (MARIN, 1995, p. 17). Vários programas foram concebidos nessa

linha, em especial na década de 1990. Cursos de capacitação costumam ser de caráter

descontínuo, oferecidos em grande quantidade, sem relações diretas com demandas de

grupos específicos de professores, organizados em palestras ou oficinas sem periodicidade

determinada e sem relações de continuidade entre si. Davis et al (2010) destacam que essa

abordagem centra-se, sobretudo, nas características que faltam aos docentes. Como

pressupõe que o professor não desenvolveu as competências, as habilidades e os

conhecimentos necessários ao trabalho docente, essa perspectiva considera que ele não tem

nada a dizer sobre sua formação continuada, assim não havendo razão para consultá-lo

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acerca do que precisa ou espera. Consequentemente, tudo que diz respeito à formação

continuada é definido em outras instâncias e/ou por níveis hierárquicos superiores dos

sistemas de ensino.

A partir de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no

9.394/96) impulsionou o número de iniciativas de formação já existentes e os estudos sobre

elas, pois provocou os poderes públicos em relação à formação continuada. Por exemplo, o

artigo 67, em seu inciso II, especifica o aperfeiçoamento profissional continuado como uma

obrigação dos poderes públicos, propondo o licenciamento periódico remunerado para esse

fim. No artigo 87, §3º, no inciso III, explicita-se o dever de cada município em “realizar

programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para

isto, os recursos da educação a distância”.

Com a LDB, os debates em torno dessa modalidade de formação de professores

foram intensificados, e houve um incremento forte em processos chamados de educação

continuada (GATTI, 2008). A pressão por formação continuada na década de 1990 também

se sustentou na visão cada vez mais forte de que a educação é o “instrumento mais

poderoso de crescimento econômico e, por consequência, de regeneração pessoal e de

justiça social” (SAVIANI, 2009). Ao mesmo tempo em que impulsionou investimentos na

área, a LDB motivou uma explosão de propostas, nem sempre coerentes entre si: a atenção

à formação continuada é acompanhada de programas descontínuos, políticas fragmentadas,

numa supremacia de interesses políticos em detrimento de interesses educacionais (cf.

VALSECHI, 2009).

Também por conta da LDB, a educação a distância se tornou um caminho

muito valorizado nas políticas públicas para formação de professores nos últimos anos,

tanto por alcançar números maiores de profissionais em locais distantes quanto pela

flexibilidade de horários para a realização do curso (VIANNA, 2009). Outro forte

crescimento, segundo Gatti (2008), se deu nas especializações de natureza genérica, na

denominação de pós-graduação lato sensu. Anteriormente sem qualquer tipo de

regulamentação, a oferta desses cursos passou a ser balizada pela resolução n.1/07 do CNE

(de 8 de junho de 2007), que sinaliza uma preocupação inicial com a qualidade dos cursos.

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Quanto à formação inicial do professor para atuar nos anos iniciais do Ensino

Fundamental, nível em que lecionam as professoras participantes desta pesquisa, a

reformulação do Curso de Pedagogia gestada durante a década de 1980, e regulamentada a

partir de 1996, elevou o nível de ensino médio a superior a formação exigida do professor

da educação infantil e do ensino fundamental nos anos iniciais (PINHEIRO,

ROMANOWSKI, 2010). Cabe destacar que a Lei nº 9.394/96 definiu este nível e

responsabilidade para o Curso Normal Superior. No entanto, o movimento de profissionais

da educação, formado por associações como ANFOPE, ANPAE, FORUNDIR, ANPEd, e

estudantes dos Centros Acadêmicos do curso de Pedagogia, interpelou os órgãos

reguladores para que a formação do professor ocorresse no curso de Pedagogia. A

interpelação tomou como pressuposto que a formação do professor necessita de uma

formação teórica e prática em docência articulada aos fundamentos pedagógicos e

sociopolíticos no contexto da organização do trabalho da escola, e não é restrita à formação

técnica, centrada no domínio dos conteúdos escolares e suas metodologias.

Sobre as mudanças na formação e atuação docentes pós LDB de 1996, Gatti e

Barreto (2009, p.81) destacam, como uma das consequências que figuram na conjuntura

das iniciativas de formação atuais, a qualidade duvidosa da formação oferecida no nível

superior, devido a um crescimento acelerado de IES, apoiado pelo MEC, com escassa ou

nenhuma tradição acadêmica. A expansão das IES particulares foi estimulada por

programas do governo federal desde a década de 1990 e continuou como política para a

Educação Superior. Por exemplo, o PROUNI (Programa Universidade para Todos) do

MEC, criado em 2004, concede bolsas12 de estudo integrais e parciais (50%) em

instituições privadas de ensino superior. Já em 2007 criou-se o REUNI, Programa de Apoio

a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, que visa à expansão da

educação superior, ampliando o acesso e a permanência no ensino superior público, nas

universidades federais.

Tais consequências sobre a formação do professor no final do século XX e

início do século XXI são relevantes para o contexto aqui investigado: as professoras

12 Para concorrer a bolsas, o candidato precisa fazer no mínimo 450 pontos no ENEM e não zerar a redação.

Para bolsas integrais, a renda familiar bruta mensal de até um salário mínimo e meio por pessoa. Para as

bolsas parciais (50%), a renda familiar bruta mensal deve ser de até três salários mínimos por pessoa.

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participantes da pesquisa são, em sua maioria, formadas em IES privadas sem tradição

acadêmica; representam sucesso de letramento escolar em suas famílias, sendo as primeiras

a cursar o ensino superior; participam de iniciativas de formação continuada; e lidam com

as relações entre formação teórica e sua prática pedagógica em contextos cada vez mais

complexos.

Nessa conjuntura, e após um investimento na oferta de cursos, Gatti (2008, p.

67) acredita em um novo momento no que se refere à formação continuada de professores,

com o poder público mais atento às condições qualitativas de oferta, com orientações mais

claras na direção da melhor qualificação desses processos formativos. Contudo, tal

preocupação parece não se voltar para a formação do professor na escola nem para as

reuniões de corpo docente nas redes estaduais e municipais, como a HTPC que, segundo a

própria legislação, tem caráter formativo.

O interesse das pesquisas educacionais acompanhou o crescimento da oferta de

programas para a formação continuada. André (2009) focaliza a produção científica

referente ao tema da formação de professores no período de 1999 a 2003, atualizando um

mapeamento feito anteriormente sobre o mesmo tema no período de 1990 a 1998. Em

ambos os estudos, foram analisadas as dissertações e as teses defendidas nos programas de

pós-graduação em educação do país. Como havia intenção de comparar os dados das

dissertações e teses defendidas no início dos anos 2000 com as dos anos 1990, a autora

manteve as mesmas categorias de análise: formação inicial, formação continuada, formação

inicial e continuada, identidade e profissionalização docente, e acrescentou uma categoria

emergente, políticas de formação.

A análise do conteúdo dos resumos realizada por André (2009) mostrou que o

interesse dos pós-graduandos pelo tema formação de professores cresceu ao longo dos

anos: passou de 11% para 16% das pesquisas defendidas em apenas cinco anos (de 1999 a

2003). Na comparação dos temas e subtemas, André mostra que foram poucos os estudos

que abordaram os processos de aprendizagem dos alunos – futuros professores – nos cursos

de formação inicial (8). Entretanto, esse número foi bastante significativo nas pesquisas

sobre formação continuada (60). Assim, André conclui que a formação continuada e a

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aprendizagem do professor ao longo da carreira despontaram como temas de grande

interesse.

Conhecimentos sobre a formação continuada do professor foram construídos

recentemente e, segundo Imbernón (2010), de maneira mais vertiginosa nos últimos 10 ou

15 anos. Na década de 1970, na maioria dos países latinos, os estudos sobre formação

continuada do professor começaram a se desenvolver. Na época, havia o predomínio de um

modelo individual de formação: “cada um buscava para si a vida formativa, ou seja,

primava-se pela formação inicial, que era melhor ou pior segundo a época e o território, e

se aplicava à formação continuada a ideia ‘forme-se onde puder e como puder’”

(IMBERNÓN, 2010, p. 16).

Para Imbernón, a primeira década dos anos 2000 é de busca de novas

alternativas à formação continuada de professores devido a muitas mudanças sociais,

econômicas e tecnológicas. O autor afirma que “tem-se a percepção de que os sistemas

anteriores não funcionam para educar a população deste novo século, de que as instalações

escolares não são adequadas a uma nova forma de ver a educação” (2010, p. 22). A partir

dessa insatisfação, Imbernón percebe dois tipos de iniciativas para a formação continuada

do professor: modelos mais relacionais e participativos (fugindo do foco no domínio de

disciplinas científicas) e modelos aplicativo-transmissivos (movimento chamado de “back

to basics”13 nos Estados Unidos), em que se prima por lições modelo e por uma formação

de competências supostamente necessárias ao professor.

Em grande parte dos países, em seus textos oficiais, a formação continuada é

assumida como fundamental; contudo, segundo Imbernón (2010), de forma paradoxal, há

muita formação e pouca mudança devido ao predomínio de políticas de formação baseadas

na transmissão de teorias descontextualizadas, tomadas como válidas para todos, sem

distinção. Diante disso, o autor defende que a formação continuada deve agir sobre as

situações problemáticas dos professores em contextos sociais e educacionais determinados,

e não tentar responder a problemas supostamente comuns com processos uniformes e

padronizados de formação. A mesma ideia é defendida por Soares (no prelo) em seu relato

13 Movimento em relação a diversas disciplinas escolares que defende o regresso a metodologias de ensino

tradicionais, baseadas na memorização de conteúdos, como também na defesa da 'autoridade' do professor e

da eficácia do ensino medida apenas em termos de resultados dos alunos .

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sobre sua experiência de formação continuada de uma rede municipal de ensino. Esse tipo

de formação poderia ser desenvolvido, a meu ver, na formação que ocorre no local de

trabalho do professor, como as reuniões de HTPC; ou mesmo se basear no que os

professores trazem como questões relevantes nesses momentos de reunião de corpo

docente.

O debate sobre os formatos de formação continuada, suas vantagens e

desvantagens é um campo bastante polêmico e em aberto. Para adentrá-lo, exponho a seguir

um levantamento das principais iniciativas e dos tipos de formação continuada no Brasil.

2.1.1 Tipos de iniciativas de formação continuada

Um relatório sobre iniciativas atuais de formação continuada de professores,

intitulado “Formação Continuada de professores: uma análise das modalidades e das

práticas em Estados e Municípios Brasileiros”, foi produzido em 2011 pela Fundação

Carlos Chagas. O relatório, base de muitas informações sobre formação continuada do

professor discutidas nesta seção, envolveu, além de um breve histórico sobre políticas

públicas de formação do professor e concepções dessa formação, o estudo de iniciativas

diferenciadas de formação em dezenove órgãos – seis Secretarias de Educação Estaduais e

treze Secretarias de Educação Municipais, das quais seis são capitais e sete municípios de

médio ou pequeno porte, distribuídos nas cinco regiões do país (Norte, Nordeste, Centro-

Oeste, Sudeste e Sul).

Uma medida que impulsionou a criação de programas de formação continuada,

no início dos anos 2000, foi a substituição do Fundef (Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental), que destinava recursos somente para o ensino

fundamental, pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

e de Valorização dos Profissionais da Educação), que amplia os investimentos para a

educação infantil, o ensino médio, a educação de jovens e adultos e a formação de

professores. O novo fundo trouxe respaldo legal para o financiamento de cursos de

formação para professores não licenciados que exerciam funções nas redes públicas

(FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011).

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O relatório destaca também a Conferência Nacional da Educação Básica –

Coneb, organizada em Brasília no ano de 2008, que deliberou o estabelecimento de

políticas e programas nacionais, buscando organizar e desenvolver programas de formação

continuada em regime de colaboração entre os entes federados. O documento destaca a

política de criação de polos, como centros de formação de professores, geridos de forma

tripartite: universidades, com a participação ativa das faculdades/centros de Educação,

sistemas de ensino e professores da Educação Básica.

Em 2009, por meio do Decreto nº 6.755, foi instituída a Política Nacional de

Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. O decreto dispõe sobre a

atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para

organizar, em regime de colaboração entre União, estados, Distrito Federal e municípios, a

formação inicial e continuada dos profissionais do magistério para as redes públicas de

educação básica.

Em relação aos formatos de iniciativas de formação desenvolvidas por

secretarias de educação, Davis et. al. (2010), que analisam as práticas de formação

continuada em dezenove secretarias de educação (SE), apontam que as políticas de

formação continuada de grande parte das SE investigadas estão centradas em práticas

consideradas “clássicas” (CANDAU, 1997): cursos preparados por especialista, abordando

os mesmos temas e com o mesmo formato para todos os professores. Em muitas SE,

principalmente nas estaduais e nas municipais de grande porte, coexistem diferentes

modalidades de formação continuada com diferentes objetivos. Os cursos de curta

duração, de até 60 horas, que, na sua maioria, são presenciais, são os mais frequentes. A

recorrência maior de cursos de curta duração é justificada, nas entrevistas realizadas por

Davis et. al. (2010) com funcionários das SE e diretores e coordenadores de escolas, em

função da assiduidade do professor: é difícil contar com a presença de docentes por

períodos longos. Em cursos de longa duração, as SEs investigadas recorrem a programas

propostos pelo governo federal, com destaque para os programas Gestar e Pró-letramento

(DAVIS et. al., 2010). No caso das professoras participantes desta pesquisa, algumas

participaram de cursos oferecidos por esses programas, como é o caso da coordenadora da

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escola, chamada aqui de Eliane14, que participou do Pró-letramento e de um curso do Cefiel

(Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem), a

serem detalhados mais adiante.

Sobre as iniciativas de formação continuada no Brasil das últimas décadas, o

relatório destaca o programa de formação chamado de “Os Parâmetros Curriculares em

ação”15. A proposta de formação para que os PCN fossem implantados foi pautada em uma

ampla discussão a respeito da função docente, da prática pedagógica e do desenvolvimento

profissional dos professores, que resultou na proposta de uma nova estratégia para a

formação docente, com base no desenvolvimento de competências. De acordo com o

relatório, a proposta desse projeto tinha como objetivo “a apropriação coletiva do

conhecimento pedagógico, aperfeiçoando a formação do professor em particular e o

coletivo docente em geral, para que ambos pudessem oferecer um ensino de mais qualidade

a seus alunos” (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011, p. 36).

Outro programa de destaque nacional, e com maior continuidade no estado de

São Paulo, foi o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA),

implantado pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação a partir do

ano de 2001. De acordo com Mazzeu (2007), o PROFA surgiu como resposta da Secretaria

de Educação Fundamental (SEF) do Ministério da Educação (MEC) à necessidade de

institucionalização da formação continuada de professores, implementando alguns

programas em âmbito nacional, por intermédio das secretarias estaduais e municipais de

educação e das instituições formadoras. A abrangência do PROFA, depois chamado de

Letra e Vida no Estado de São Paulo, é grande: até outubro de 2002, cerca de 89.000

professores tinham concluído o PROFA em 1.473 municípios de 22 estados brasileiros

participantes. A base teórica do curso é construtivista, fortemente alicerçada nos estudos da

psicogênese da escrita de Emilia Ferreiro. Os materiais do programa - vídeo aulas,

14 Todos os nomes de participantes da pesquisa são pseudônimos. 15 Barbosa (2005) analisa opções teóricas assumidas pelos PCN de Língua Portuguesa e discute alguns

problemas em suas concretizações no ensino a partir de uma experiência de formação continuada dentro do

programa PCN em Ação. Um dos problemas é a própria contradição entre os materiais produzidos para o

curso “PNC em ação” pelo próprio MEC e os PCN. Enquanto estes apontam para um trabalho com gêneros

do discurso dentro da concepção bakhtiniana, numa abordagem discursiva, os materiais para o curso propõem

um trabalho de base textual dos gêneros – orientados por aportes teóricos da Linguística Textual e da

Psicologia Cognitiva.

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materiais para estudo e atividades para serem levadas à sala de aula - são bastante diretivos,

com atividades e planejamentos de aulas voltados à aquisição do sistema de escrita

alfabético. A secretaria municipal de educação da cidade em que gerei dados para esta

pesquisa participou de edições deste programa.

Outra iniciativa mais geral e de grande importância destacada pelo relatório foi

a criação, pelo MEC, da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de

Educação Básica – Rede, em julho de 2004. A Rede foi estruturada em um processo de

interação dos órgãos gestores, dos sistemas de ensino e das instituições de formação

(universidades públicas e comunitárias). Formada por centros de pesquisa e

desenvolvimento de Educação e de Linguagem, criados nas universidades, contava também

com a participação e coordenação da Secretaria de Educação Básica – SEB, do MEC.

Dessas parcerias, resultaram diversos cursos, bem como a produção de múltiplos materiais

destinados aos educadores em salas de aula, no ensino fundamental e na educação

infantil16.

O Pró-letramento, com início em 2010, é outro programa de amplo alcance de

formação continuada mais recente. De acordo com informações do Portal do MEC, O Pró-

Letramento - Mobilização pela Qualidade da Educação - é um programa de formação

continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e

matemática nos anos/séries iniciais do ensino fundamental. O programa é realizado pelo

MEC, em parceria com universidades que integram a Rede Nacional de Formação

Continuada e com adesão dos estados e municípios. Podem participar todos os professores

que estão em exercício nas séries iniciais do ensino fundamental das escolas públicas.

No final do ano de 2012, o governo lançou O Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa, promovido como um compromisso formal assumido pelos

governos federal, dos estados, municípios e do Distrito Federal, de assegurar que todas as

crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino

16 Como já citado, a coordenadora da escola participante dessa pesquisa, Eliane, participou de dois cursos de

formação continuada de grande abrangência: um do Programa Pró-Letramento e outro, inserido na Rede, do

Cefiel (Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem), ocasião em

que eu a conheci. Ela tinha o papel de formadora multiplicadora em seu município: realizava os cursos para

ter subsídios para formar professores da rede municipal de ensino.

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fundamental. Dentre as ações do Pacto está a formação continuada de alfabetizadores em

curso presencial de dois anos, com carga horária de 120 horas por ano, baseado no

Programa Pró-Letramento. Os encontros com os professores alfabetizadores são conduzidos

por Orientadores de Estudo, que também são professores das redes de ensino, que fazem

simultaneamente um curso específico, com 200 horas de duração por ano, ministrado por

universidades públicas. Ou seja, os formadores de professores, também professores das

redes de ensino, multiplicam a formação que fazem nas universidades para professores de

suas redes.

Uma alternativa recentemente regulamentada no Brasil, em 2010, é o mestrado

profissional, oferecido em rede nacional como um programa de pós-graduação stricto sensu

em formato semipresencial com enfoque em diferentes disciplinas escolares, reconhecido

pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tendo em

vista a qualificação de docentes do ensino básico das redes públicas. O programa apoia

financeiramente as IES para atendimento e manutenção de seus alunos regularmente

matriculados, além de conceder bolsas para professor da rede pública de educação básica.

Ao longo da década de 1990, continuando nos anos 2000, o modelo de

formação continuada desenvolvido foi o da multiplicação, ou formação em cascata, em que

“um primeiro grupo de profissionais é capacitado e transforma-se em capacitador de um

novo grupo que por sua vez capacita um grupo seguinte” (GATTI, BARRETO, 2009,

p.202).

A criação, no ano de 1991, de uma experiência piloto de educação a distância

por meio da utilização da televisão, no canal TVE Brasil, primeiramente intitulada Jornal

da Educação - Edição do Professor e posteriormente denominada Salto para o Futuro -

impulsionou o formato de multiplicação, utilizando também o formato semipresencial ou a

distância. No programa Salto para o Futuro, foram organizadas espaços de recepção

organizada (Telessalas, Teleposto), em que a mediação se dava através de um orientador da

aprendizagem, que auxiliava os professores cursistas na discussão de questões geradas no

curso. Lucio (2010) destaca que, com essa iniciativa, é inaugurado, no contexto educacional

brasileiro, no nível estadual e municipal, um novo papel na formação docente: a figura do

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orientador de aprendizagem, docente da rede municipal ou estadual de ensino, mediador do

processo de formação continuada de professores.

A partir de então, os programas de formação continuada dão ênfase à figura do

multiplicador articulada ao uso extensivo de tutoria à distância ou semipresencial, como os

cursos da Rede, do Pró-letramento, do Pacto, entre outros. Seu desenvolvimento e

implantação se dão por uma política de editais destinados às universidades e da adesão das

secretarias municipais e estaduais de educação aos programas de formação de professores.

Geralmente, os cursos nesse formato envolvem a produção de materiais didáticos

destinados ao professor, sem utilizar diretamente a literatura acadêmica das áreas

envolvidas. Nesse contexto, há um esforço dos grupos de pesquisadores e professores da

universidades públicas em produzir materiais para o professor, em uma linguagem não

acadêmica, mas sem banalizar conteúdos e discussões17. Apesar da grande quantidade de

conteúdos produzidos tendo em vista a formação continuada de professores, no campo

desta pesquisa esses materiais não foram mobilizados nas reuniões de HTPC semanais. Nos

encontros entre professoras de 5º ano, materiais do PROFA constituíram parte de um

evento.

O sistema por adesão é criticado por Soares (no prelo), que afirma que esse

modelo, chamado por ela de “formação em rede”, é fragmentado e excludente, pois se o

município não adere, o professor também fica de fora da iniciativa. Além disso, as

propostas, em sua visão, são muito gerais e não atendem a necessidades específicas de cada

realidade. A autora contrasta essa organização com o que ela denominou “formação de

rede”: acompanhamento constante de toda uma rede de ensino, voltado para sua questões

específicas. A HTPC pode se configurar como um espaço para essa formação “de rede”,

contínua e específica, o que não necessariamente exclui a possibilidade de a rede participar

de cursos oferecidos por parcerias entre o MEC e as IES, que promovem acesso do

professor a formadores de IES de prestígio e a materiais de qualidade produzidos por eles.

Programas de formação regulares, contínuos e com grande alcance de

professores também foram desenvolvidos pelas Secretarias Estaduais de Educação. Destaco

17 Muitos materiais desenvolvidos para esses cursos estão disponíveis na Internet em formato de vídeos e de

livros de divulgação científica.

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alguns: o Programa de Capacitação de Professores (Procap), realizado em Minas Gerais; o

Programa de Educação Continuada (PEC), oferecido inicialmente pela Secretaria Estadual

de Educação de São Paulo (SEE-SP) e, posteriormente, oferecido às redes municipais

paulistas – PEC-Municípios; o Programa de Formação de Professores em Exercício

(Proformação), desenvolvido pelo MEC para formar os professores leigos das regiões

Centro-Oeste, Norte e Nordeste; o Projeto Veredas, resultante da parceria entre o governo

de Minas Gerais e Instituições de Ensino Superior (IES) (GATTI, 2008); o Programa Teia

do Saber, promovido pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo em parceria com

IES; o Programa Ensino Médio em Rede, também da Secretaria Estadual de Educação de

São Paulo. Outro programa com maior continuidade no Estado de São Paulo, iniciado em

1996, é o Programa de Melhoria do Ensino Público da FAPESP, que apoia pesquisas que

tenham como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade do ensino público no Estado.

Mais recentemente, no Estado de São Paulo, realizou-se o Redefor, programa de pós-

graduação lato sensu a distância, uma parceria entre o governo do estado e as universidades

estaduais públicas (USP, UNICAMP e UNESP), voltado para professores e profissionais na

área de educação. Em duas edições, o Redefor ofereceu 16 cursos de especialização, 13 nas

disciplinas do currículo e 3 cursos de gestão. No Estado do Paraná, o Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE) é desenvolvido desde 2007 e configura-se como um

curso de pós-graduação para os professores do estado, também em parceria com as

universidades públicas estaduais (para mais detalhes sobre o PDE, ver VIEIRA-SILVA,

2012 e PEREIRA, no prelo).

Não faltam iniciativas de formação continuada de professores de diferentes

naturezas, tanto as aqui destacadas, de iniciativa pública, quanto de cursos na rede

particular de ensino, com especializações lato sensu destinadas a professores. Porém, a

grande diversidade de cursos de formação continuada também gera uma variedade de

problemas enfrentados nos diferentes formatos oferecidos. O relatório traz uma reflexão

sobre os problemas mais comuns relacionados a iniciativas de formação continuada a partir

dos estudos de Vezub (2005, 2007, apud FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011). Entre

os principais problemas, estão as ações isoladas, pontuais e de curta duração, também

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apontados por pesquisas do grupo Letramento do Professor (VALSECHI, 2009). De acordo

com o relatório, esses programas

reproduzem as mesmas relações de poder/saber próprias do vínculo

escolar. Prevalecem as formações orientadas ao indivíduo, ao docente

isolado de seu contexto de trabalho, sendo poucas as propostas dirigidas a

grupos de profissionais específicos, com base na etapa de

desenvolvimento profissional em que se encontram, em seus contextos de

atuação ou, ainda, nos contextos institucionais nos quais estão inseridos.

Pesam também, nas ações de formação implementadas, o monitoramento

e as avaliações sistemáticas insuficientes, que se somam à

descontinuidade de políticas e sua desarticulação em face das adotadas na

formação inicial (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011, p. 12).

Ainda há um forte debate sobre a variedade de iniciativas de formação

continuada e a natureza dessas formações. Há iniciativas em que o professor é formado

para elaborar material didático a ser usado em sala de aula (VIEIRA-SILVA, 2012); outras

em que a formação é voltada para o letramento do professor (VALSECHI, 2009), há

formações a distância e semi-presenciais (VIANNA, 2009), assim como formações

oferecidas por editoras via assessoria pedagógica, mestrados profissionais etc.

Diante desses debates sobre os formatos de cursos de formação continuada e

sua natureza e função na atuação do professor, parece ainda mais relevante investigar

iniciativas originadas em grupos específicos de professores em seu contexto de atuação,

pois a compreensão desses esforços pode apontar demandas e propostas interessantes mais

regulares e a longo prazo. Acredito que é possível articular, numa formação na escola, os

interesses e a realidade de um grupo de professores com reflexão crítica e análise

distanciada, própria dos estudos acadêmicos. Mas, para propor tal articulação, é

interessante investigar o que já ocorre em tal contexto, como me propus a fazer nesta

pesquisa. Também defendo, como as demais pesquisas do Grupo Letramento do Professor,

que a formação deve levar em conta o aspecto identitário de ser ou se tornar um

profissional docente, processo que pode ser fortalecedor para o professor ou (re)colocá-lo

numa posição subalterna (KLEIMAN, 2001, 2006, 2009; VÓVIO, DE GRANDE, 2010;

VIANNA et. alli, 2012; KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013). Buscamos, na

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perspectiva dos Estudos de Letramento, um olhar para a formação do professor em serviço

que possa mostrar caminhos pertinentes a esse profissional em sua formação.

Outro fator interessante do relatório em pauta é a análise de opiniões dos

envolvidos (secretários de educação, formadores, coordenadores) sobre a formação

continuada e o mapeamento das demandas desse tipo de formação. Essas opiniões apontam

para a busca de soluções aos problemas levantados, como a descontinuidade de iniciativas.

Baseando-se em dados coletados junto às Secretarias de Educação, o relatório defende que

as práticas de formação têm sido aprimoradas, na medida em que há um grande esforço

para atender às necessidades formativas dos educadores, tentando superar aquelas de

caráter isolado, pontuais e de curta duração.

Outro aspecto destacado diz respeito aos níveis de ensino atendidos pelos

programas. Historicamente, o foco da formação continuada tem sido o Ensino

Fundamental, principalmente os primeiros anos de escolarização. Contudo, o relatório

indica uma demanda crescente de programas de formação continuada para professores do

Ensino Fundamental II e do Ensino Médio.

Os temas solicitados também variam. O relatório destaca que a vulnerabilidade

dos alunos e das relações sociais que se evidencia em sala de aula gera demandas de

formação pelos professores. Desse modo, cursos sobre “como combater a violência”,

“como lidar com conflitos” ou “como conduzir as relações étnico-raciais” têm sido bastante

requisitados, apontando para preocupação com questões transversais, não conteudistas, que

incidem na qualidade das relações humanas.

Para Zaida (2003), um dos fatores dos processos inovadores na escola brasileira

e que interfere na formação docente é a ampliação das funções da escola para além da

universalização da educação. A autora afirma que o mundo atual tem exigido uma

formação mais global dos sujeitos sociais e que “a escola tem de enfrentar a diferença e a

desigualdade social, trazendo para o centro das ações e dos debates as questões relativas a

valores, à ética, à cultura, entre outras” (p. 144).

O trabalho motivacional, relacionado à autoestima docente na formação,

também foi identificado pela pesquisa nas dezenove Secretarias Estaduais do país. Em uma

Secretaria Estadual do Norte, nos encontros de início de ano, as escolas buscam trabalhar a

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valorização profissional dos docentes, dando ênfase às relações interpessoais, contando,

para isso, com a participação de psicólogos, cuja função é discutir a dimensão humana do

trabalho e resgatar a autoestima dos professores. Na escola participante desta pesquisa,

acompanhei eventos destinados à construção de relações intragrupo e à melhora da

autoestima docente, para o qual gêneros do discurso de autoajuda eram lidos e discutidos e

dinâmicas de grupo eram realizadas (eventos analisados no sexto capítulo desta tese).

O relatório ainda indica que os cursos mais bem aceitos em cinco SEs são

aqueles cujo foco é o “como fazer”, especialmente em relação às metodologias de ensino.

Também é notável esse enfoque no “como fazer” na formação em HTPC observada nesta

pesquisa, principalmente nos encontros entre professoras dos 5º anos da rede. Tal demanda

pode ter relação com o currículo da formação inicial do professor no Brasil, já que o

enfoque da maioria dos cursos é em teoria da educação ou de áreas afins. Ou seja, a

organização de formação pelas professoras recai numa lacuna percebida por elas e por

pesquisas relacionadas ao tema, que apontam que as disciplinas destinadas a componentes

da prática pedagógica são minoria nos cursos de formação inicial de professores (GATTI,

BARRETO, 2009). Os cursos de formação continuada acabam por ter de suprir problemas

dos cursos de formação inicial, ao invés de enfocar novas aprendizagens e debates de

interesse dos professores.

Gatti e Barreto (2009), ao analisarem a grade curricular dos cursos de

Pedagogia, percebem uma grande variedade de disciplinas: 3.107 diferentes disciplinas

obrigatórias e 406 optativas. Após análise das ementas das disciplinas, as autoras chegam à

conclusão de que, como o número mínimo de horas prescrito para o curso de Pedagogia é

de 3.200, sendo que 300 horas devem ser dedicadas ao estágio, o currículo efetivamente

desenvolvido nesses cursos tem uma característica fragmentária, com um conjunto

disciplinar bastante disperso. Isso é reforçado pela constatação de que não são identificadas

articulações explícitas entre as disciplinas nas ementas analisadas.

Dentro dessa grande variedade de disciplinas, Gatti e Barreto (2009) constatam

uma quase equivalência entre a proporção de disciplinas que cumprem a função de embasar

teoricamente o curso a partir de diferentes áreas de conhecimento e aquelas ligadas à

profissionalização mais específica do professor. No entanto, ao analisarem as ementas, as

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autoras percebem que, mesmo nas disciplinas referentes aos conhecimentos relativos à

formação profissional específica, predominam enfoques que buscam fundamentar os

conhecimentos de diversas áreas, sem explorar seus desdobramentos em práticas

educacionais, ou seja, não tratam de como ensinar. As ementas registram o quê e como

ensinar somente de forma muito incipiente. A partir dessa análise, as autoras defendem que

o desenvolvimento de habilidades profissionais específicas para a atuação nas escolas e nas

salas de aula fica bem reduzida na formação inicial do professor, ou seja, os cursos não

realizam a articulação teoria e prática tão comentada nos debates educacionais e nos

documentos legais18.

Um fato que chamou minha atenção, por se relacionar ao contexto investigado

nesta pesquisa, diz respeito a uma relação forte entre avaliações externas (estaduais,

nacionais e internacionais) e as demandas de formação nas secretarias de educação

investigadas, de acordo com os dados do relatório da Fundação Carlos Chagas. De modo

geral, nas SE, as demandas decorrem de problemas identificados no rendimento escolar dos

alunos, por meio de avaliações realizadas no país, nos estados e nos municípios (caso do

Saeb, da Prova Brasil, do Enem) e, sobretudo, do Ideb.

Um exemplo disso é a organização de formação para professoras de 5º ano no

contexto investigado. Na primeira reunião de HTPC das professoras de 5º ano19

participantes de minha pesquisa, com o objetivo de abordar questões relacionadas a duas

avaliações externas (Saresp e Prova Brasil), foram discutidos dados relacionados a essas

avaliações. Tabelas com as médias do município nas avaliações foram distribuídas por

funcionárias da secretaria de educação municipal às professoras para um debate sobre como

melhorar o desempenho dos alunos.

Essa preocupação leva algumas SE a organizar sistemas de gerenciamento de

dados. O relatório aponta SE que dispõem desses sistemas de gerenciamento, organização e

atendimento das demandas de formação. São ferramentas que têm por objetivo alcançar

18 Além disso, segundo Gatti e Barreto (2009, p. 122), essas considerações se mantêm ainda quando se leva

em conta a carga horária das disciplinas e não simplesmente o número delas: “a proporção de horas dedicadas

às disciplinas referentes à formação profissional específica é de 30%, ficando 70% para as demais. Cabe aqui

a ressalva, já feita, de que nas próprias disciplinas de formação profissional costuma predominar uma

abordagem mais genérica das questões, antes que a sua articulação com as práticas educativas”. 19 Realizada em substituição às horas dedicadas a HTPC semanal, iniciativa descrita no capítulo 3.

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uma análise detalhada do desempenho escolar dos alunos da rede. A partir disso, o relatório

conclui que as demandas formativas advêm, principalmente, das dificuldades e das

necessidades dos alunos e dos professores, as quais são identificadas tanto por meio dos

resultados obtidos pelos alunos nas diversas avaliações a que são submetidos como

evidenciadas por meio do acompanhamento realizado junto às escolas pelas próprias SE.

2.1.2 A HTPC: surgimento, regulamentação e transformações em seu caráter formativo

Nesta seção, abordo o surgimento da Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo

(HTPC) do Estado de São Paulo e as leis que a regulamentam, discutindo seu caráter

formativo.

Em diferentes redes de ensino, estaduais e municipais, as reuniões de corpo

docente recebem diferentes denominações, regulamentações e maneiras de realização. De

maneira geral, são reuniões entre professores e coordenação da escola, tendo em vista

questões pedagógicas e de gestão escolar. Contudo, nem sempre as jornadas de trabalho

oferecidas ao professor incorporam horas destinadas ao trabalho coletivo fora da sala de

aula. A pesquisa antes mencionada em 19 SE mostrou que as horas mensais destinadas às

atividades de formação continuada podem abranger de 5 a 35% da jornada de trabalho do

professor (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011). Quatro secretarias das dezenove

investigadas dispõem de horas destinadas exclusivamente à formação em serviço. Das seis

secretarias estaduais, duas, ambas da região Norte, não tinham hora de trabalho coletivo.

Entre as treze secretarias municipais, três não possuíam horas destinadas ao trabalho

coletivo, situadas nas regiões sul, nordeste e sudeste.

No estado de São Paulo, as reuniões de corpo docente das escolas públicas,

chamadas até 2012 de HTPC, hoje ATPC, estiveram entre as demandas da categoria

docente por anos20. O contrato do professor estipula as horas de trabalho prescrito fora da

sala de aula tanto na escola quanto fora dela. A HTPC, de 2 a 3 horas semanais, deve

ocorrer na escola. A Hora de Trabalho Pedagógico Livre (HTPL), de até 4 horas semanais,

conforme a jornada do professor, pode ocorrer em local fora da escola, e se destina “à

20 Opto por usar no texto a denominação HTPC por constar essa nomenclatura nos dados, gerados em 2011.

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preparação de aulas e à avaliação de trabalhos dos alunos” (SÃO PAULO, 1997, Artigo 13,

Parágrafo Único).

A Portaria da CENP nº 1/96 - L.C. nº 836/97 define os objetivos da HTPC nos

seguintes termos:

I. construir e implementar o projeto pedagógico da escola;

II. articular as ações educacionais desenvolvidas pelos diferentes segmentos da escola, visando a

melhoria do processo ensino aprendizagem;

III. identificar as alternativas pedagógicas que concorrem para a redução dos índices de evasão e

repetência;

IV. possibilitar a reflexão sobre a prática docente;

V. favorecer o intercâmbio de experiências;

VI. promover o aperfeiçoamento individual e coletivo dos educadores;

VII. acompanhar e avaliar, de forma sistemática, o processo ensino-aprendizagem.

Ainda segundo o documento, as reuniões de HTPC devem ser:

I. planejadas pelo conjunto dos professores, sob a orientação do diretor e do professor-coordenador

de forma a:

a) identificar o conjunto de características, necessidades e expectativas da comunidade escolar;

b) apontar e priorizar os problemas educacionais a serem enfrentados;

c) levantar os recursos materiais e humanos disponíveis que possam subsidiar a discussão e a

solução dos problemas;

d) propor alternativas de enfrentamento dos problemas levantados;

e) propor um cronograma para a implementação, acompanhamento e avaliação das alternativas

selecionadas.

II. sistematicamente registradas pela equipe de professores e coordenação, com o objetivo de

orientar o grupo quanto ao re-planejamento e à continuidade do trabalho;

III. realizadas:

a) na própria unidade escolar, e preferencialmente, durante duas horas consecutivas e;

b) eventualmente, na Oficina Pedagógica ou num outro espaço educacional, previamente definido,

através da utilização de parte ou do total de horas previstas para o mês em curso.

Tendo em vista a organicidade do currículo do Ensino Fundamental e Médio, o

documento sugere que as atividades devem ser programadas em reuniões:

I - entre professores de uma série, ciclo, área ou disciplina;

II - entre professores de todas as séries e/ou componentes curriculares.

Segundo a Portaria da CENP nº 1/96 - L.C. nº 836/97, as reuniões de HTPC são

atribuídas como parte da jornada do titular de cargo, e como carga horária para o OFA

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(Ocupante de função atividade)21, desde que esses professores tenham, no mínimo, dez

aulas atribuídas. As horas destinadas à HTPC também podem ser utilizadas em atividades

pedagógicas e de estudo, de caráter coletivo, bem como no atendimento a pais de alunos, o

que demonstra que suas possíveis funções são bastante variadas.

A HTPC é, desta forma, um espaço destinado, em tese, para discussão e

implementação do projeto pedagógico da escola, para discussão de problemas enfrentados

pela unidade escolar e suas possíveis soluções, além de ser um espaço de reflexão docente

sobre sua prática, ou seja, envolveria eventos de formação do professor. Os itens IV, V e VI

da portaria de CENP (possibilitar a reflexão sobre a prática docente; favorecer o

intercâmbio de experiências; promover o aperfeiçoamento individual e coletivo dos

educadores) são os mais diretamente relacionados à formação de professores, mas todos

constituem aspectos da formação do profissional docente22.

A HTPC, no contexto pesquisado, foi utilizada de variadas maneiras. Com base

no trabalho de campo realizado para esta pesquisa, pude observar três tipos de HTPC em

que o grupo de professoras da escola (ou parte dele) esteve envolvido durante o ano de

2011: (1) a HTPC semanal, realizada na própria unidade escolar em horário oposto ao que

lecionam as professoras, com duração de duas horas e quinze minutos; (2) o que era

chamado pelas professoras de “HTPC coletivo”, reuniões de professoras atuantes no quinto

ano do Ensino Fundamental I de toda a rede, realizadas quinzenalmente, demandadas pelas

próprias professoras devido à iminência das avaliações externas que ocorreriam no final do

ano; (3) consultoria pedagógica com representantes da editora do material apostilado

adotado pela rede de ensino municipal para o ano seguinte, também em substituição ao

tempo dedicado à HTPC semanal, todos detalhados no capítulo 4.

As práticas de formação de professores situadas na escola são constituídas na

interação de diferentes agentes, mais especificamente, professoras e coordenadora, sujeitos

diretamente envolvidos nos eventos observados. Essa formação ocorre nas reuniões

21 Denominação destinada aos professores não concursados (servidores). Os professores concursados são

denominados titulares de cargo ou efetivos (funcionários). 22 Como será comentado e analisado mais adiante, apesar da legislação, o que se viu no campo desta pesquisa

é a tomada de grande parte do tempo de HTPC com avisos e respostas a demandas burocráticas da Secretaria

Municipal de Educação.

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semanais de HTPC ou em iniciativas da Secretaria Municipal de Educação, como a

realização de palestras, workshops ou reuniões de HTPC com professores de toda a rede

que lecionam num mesmo ano do Ensino Fundamental.

Oliveira (2006) investigou, como pesquisadora e coordenadora pedagógica de

uma unidade escolar, a possibilidade de a HTPC ser um espaço de formação do professor

dentro da escola. A autora defende a importância da formação se dar no espaço escolar para

responder a questões específicas de uma unidade de ensino. Nesse contexto, o coordenador

pedagógico assume o papel de formador do grupo de professores.

Entre diferentes correntes no estudo e na proposição de iniciativas de formação

continuada, destacam-se estudos que discutem o papel do coordenador pedagógico como

articulador das ações formativas na escola com a finalidade de promover o

desenvolvimento da equipe pedagógica (não de cada professor) (PLACCO, ALMEIDA,

2003). Nessa perspectiva, a função do coordenador é muito mais abrangente,

compreendendo desde atividades relacionadas às disciplinas do currículo, ao processo de

ensino-aprendizagem (incluindo-se, aí, a avaliação), aos materiais didáticos e pedagógicos

até assuntos de caráter disciplinar e ético e questões relativas à interação da escola com sua

comunidade (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011). Na realidade observada nesta

pesquisa, a coordenadora tinha todas essas funções, desde as mais burocráticas até as

relacionadas ao ensino-aprendizagem dos alunos. Por exemplo, não eram incomuns

momentos em que a coordenadora olhava, junto com as professoras, cadernos de alunos.

A figura do coordenador é recente na história da escola brasileira: o apoio

técnico-pedagógico prestado ao professor no local de trabalho era quase inexistente na

década de 1990 (SOUZA, 1996). No Estado de São Paulo, em 1993, havia menos de 200

coordenadores numa rede de 6500 escolas estaduais e menos de 20 orientadores

educacionais. Hoje, todas as escolas do estado devem ter coordenadores pedagógicos, um

ou dois, a depender dos níveis atendidos pela escola. Essa figura central na formação do

professor em seu local de trabalho parece ainda carecer de atenção em relação à sua

formação e ao delineamento mais preciso de suas funções.

O papel primordial dado ao coordenador, com a tarefa de assegurar a qualidade

do processo educativo oferecido pelas escolas à população, por meio do acompanhamento e

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da formação continuada dos professores, é alterado em situações em que políticas públicas

transferem partes substanciais de seu desenvolvimento para a coordenação das escolas. Tal

alteração se dá, principalmente, quando projetos e programas do governo assumem caráter

obrigatório, colocando em segundo plano necessidades e demandas específicas da escola.

Além disso, a carga de trabalho de gestão é grande, relegando a segundo plano o trabalho

de formação, como observado na realidade investigada para esta pesquisa (ver capítulos 5 e

6). “Dessa maneira, perde-se o caráter colaborativo e coletivo do trabalho do coordenador

uma vez que ele se vê obrigado a seguir as determinações políticas assumidas pelos

governos federal, estadual ou municipal” (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011, p. 24).

Tal sobrecarga pôde ser observada em alguns eventos na escola participante

desta pesquisa, em que a coordenadora tinha de trazer textos variados enviados pela

Secretaria de Educação, desde apresentação de projetos até avisos e demandas às

professoras, e, ao encontrar resistência do grupo docente, não conseguia dar continuidade à

pauta previamente elaborada para a HTPC. Por exemplo, na entrevista com a professora

Cristiane23, ela reclama da quantidade de demandas externas à escola e reconhece o excesso

de trabalho depositado nas mãos da coordenadora quando questionada sobre a atuação desta

na HTPC:

Cristiane: (....) eu acho ela [a coordenadora] é muito cobrada é:: é difícil separar o que a coordenação age... assim um dia desses eu vi a Estela ((coordenadora da escola em 2012)) desesperada porque ela estava se achando falha... aí eu falei exatamente porque ela tem que dar conta de nós, burocracia aí vem pai aí vem tudo... não DÁ tempo, gente... não dá... então a gente tem falta de funcionário agora tem inspetor mas ficou mu::ito tempo sem inspetor de aluno então ela tem que cobrir tudo isso não dá... eu acho que se o trabalho dela é esse ela devia estar voltada só para isso ((formação de professores)) mas não tem como/ não tem como falta funcionário

Mesmo sendo uma conquista importante dos professores, a HTPC muitas vezes

não se configura como um espaço de debate e trabalho conjunto da equipe docente, tomada

por aspectos burocráticos da rede de ensino ou por outras questões do cotidiano da

instituição escolar – como no caso do atendimento de pais de alunos, o que foi observado

em campo nesta pesquisa. Aquino (2008) identifica essa reclamação por parte de

23 Pseudônimo, como de todas as participantes de pesquisa nomeadas nesta tese.

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professoras do Ensino Fundamental I: as professoras se queixam do “excesso de recados”

que ocorre no HTPC, o que impediria um contato maior entre as professoras e ocupa um

tempo que, para elas, poderia ser melhor aproveitado.

Mesmo em ocasiões em que o grupo de professoras manifesta interesse em

utilizar a HTPC para estudo e debate, há entraves. Silva (2003) relata sua tentativa de

desenvolver uma pesquisa colaborativa com enfoque na leitura de textos de interesse de um

grupo de professoras. Inicialmente, a pesquisadora obteve autorização da equipe escolar

para utilizar as HTPCs para este fim. A escolha do que seria lido veio das próprias

professoras: os PCN de Língua Portuguesa. No entanto, diferentemente do acordo prévio,

os encontros foram sendo um a um ocupados com atividades burocráticas ou com

atividades que pouco tinham relação com o trabalho didático ou de formação continuada

das professoras: “uma vez as professoras se ocuparam com a organização de um ‘bazar da

pechincha’; noutra, fizeram reunião de pais para organizar uma festa, cujo objetivo era

angariar dinheiro para a pintura da escola (...)” (SILVA, 2003, p. 32, 33).

A existência de um momento remunerado para se discutir os problemas da

escola e da Educação esteve na pauta das reivindicações dos professores do Estado de São

Paulo durante anos consecutivos. “Essas reivindicações começaram a ter resultados quando

os governos começaram a reconhecer que o trabalho do professor vai além de sua presença

em sala de aula, ao instituírem a HTP (hora de trabalho pedagógico) no Estatuto do

Magistério em 1985” (OLIVEIRA, 2006, p.28). Posteriormente, no interior do Projeto

Ciclo Básico, foi criada a HTPC, destacando o caráter coletivo desse trabalho.

Souza (1996) afirma que o professor da escola pública paulista na década de 80

e início dos anos 90, na legislação federal e estadual, era compreendido como um

trabalhador do espaço de sala de aula, e pouca relevância era dada a espaços coletivos de

discussão e formulação de propostas educacionais. Nos depoimentos de professores

analisados pela autora, uma constante demanda era pela existência de um espaço coletivo

com os colegas dentro da escola. O espaço coletivo, de trocas de experiências, não

compunha a jornada docente: o professor era tido como um “aulista” (SOUZA, 1996, p.

111). Ao analisar depoimentos relativos à qualificação profissional, Souza destaca a

relevância dada pelos professores para o coletivo: “[os professores] são explícitos em

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afirmar que foi no espaço coletivo do trabalho, com colegas e os alunos, que encontraram a

possibilidade do fazer. Ou seja, superaram, no nível do coletivo, as dificuldades que se

apresentavam como individuais” (SOUZA, 1996, p. 66).

Em relação à luta dos professores pela garantia de remuneração para discutir

questões relativas à unidade escolar e às práticas pedagógicas, Oliveira (2006) destaca que

a HTPC surgiu da necessidade de existência de um espaço dentro do horário de trabalho do

professor, no qual pudesse ocorrer a discussão em grupo sobre os rumos de cada unidade

escolar e a formação do professor. Contudo, como destaca a autora, o sentido da HTPC

veio se transformando ao longo dos últimos anos e, hoje, os professores já não estão bem

certos sobre sua real utilidade, tanto que, sempre que possível foge-se dele. “É comum

ouvir dos próprios professores que esse é um espaço usado para trocar receitas”

(OLIVEIRA, 2006, p. 3).

Em contrapartida, professores continuam lutando pelo direito a formação e

estudo em sua jornada de trabalho. Os professores municipais da cidade de São Paulo, por

exemplo, em sua greve no primeiro semestre de 2014, indicavam entre os itens da pauta de

reivindicações: i) alteração das atuais formas de desenvolvimento das jornadas de trabalho,

para que, individualmente e coletivamente, seja possível o trabalho docente, estudo,

desenvolvimento e execução de projetos e ii) criação de espaços de incentivo à leitura e ao

estudo individual como condições especiais na direção do aprimoramento do trabalho

educativo. Ou seja, a categoria reconhece a importância do tempo de formação continuada

no local de trabalho e a demanda por esse tempo ainda consta nas pautas de reivindicações

da categoria.

Aquino (2008), em sua pesquisa com cinco professoras de primeiro e

segundo ano do Ensino Fundamental, destaca que, apesar de estarem juntas em HTPC,

muito do trabalho desenvolvido neste período era individual. As professoras lidavam com

tarefas práticas (recortar, colar, varrer a classe, rodar o mimeógrafo, etc.) e,

simultaneamente, aproveitavam o tempo com conversas relacionadas ao ensino, no sentido

de manifestarem suas opiniões, extravasar o que sentem em relação aos alunos, ao trabalho

da escola. Contudo, a conversa informal não as mobilizava a discutir assuntos com maior

detalhamento e profundidade com a finalidade de buscar, coletivamente, soluções,

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alternativas etc. “Trabalham juntas, não no sentido coletivo, não junto com, mas ao lado

de” (AQUINO, 2008, p. 70). Resultados como esses mostram que, se, por um lado, os

professores demandam por momentos remunerados para discussão e formação entre seus

pares, por outro, ainda não se sabe o que fazer ao certo para que esse tempo seja realmente

aproveitado para os fins propostos. Isso poderia ser o foco de formações de equipes

gestoras, coordenadores e diretores.

Apesar das forças que atuam sobre a HTPC, desconfigurando seu aspecto

formador, pesquisas apontam a importância da formação em serviço para a transformação

da prática pedagógica. Zaida (2003) destaca que, na realidade brasileira na última década,

os professores vivem um conflito em relação à própria formação inicial recebida,

colocando-a em xeque, o que acarreta a vivência de um conjunto de contradições. Para

vivenciar essas contradições na prática e levar a movimentos de transformação, de uma

nova formação, Zaida defende duas ideias: a formação permanente e a pesquisa, contrárias

a práticas de treinamento e reciclagem. Estas se dariam na formação em serviço,

permanente, pois esta última ocorre quando o profissional e sua equipe têm de responder a

problemas colocados por essa prática. “São os problemas vivenciados que desencadeiam as

buscas, os estudos, as experimentações e o planejamento diferenciado” (ZAIDA, 2003, p.

146).

O estudo de Farinha (2004) sobre a organização de um programa de

autoformação por e para professoras de Língua Portuguesa da rede pública estadual de São

Paulo se desenvolveu durante a implementação de um conjunto de reformas do governo

Covas (1995-2002), contexto em que se instituiu a HTPC, e mostra um exemplo de que a

formação no local de trabalho pode ser bem desenvolvida no tempo destinado ao trabalho

coletivo docente na unidade escolar. Farinha, afirma que as reuniões de HTPC realizadas

no âmbito das instituições de Ensino Fundamental II (contexto em que ela desenvolveu sua

pesquisa) eram ocupadas com os recados da SEE/SP, o preenchimento de fichas de alunos e

de projetos a serem realizados na escola, o atendimento aos pais de alunos que apresentam

problemas de aprendizagem ou de comportamento e as teleconferências realizadas pelo(a)

Secretário(a) de Educação. As questões pedagógicas acabavam sem discussão ou eram

superficialmente abordadas, sempre de forma fragmentada e inconclusa, pois o tamanho

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das pautas tornava muito difícil manter a discussão de um item por mais de uma reunião

(FARINHA, 2004, p. 45). Diante dessa constatação, as próprias professoras modificaram a

organização da HTPC tendo em vista suas demandas profissionais. O fato de haver, na

legislação, a garantia do tempo destinado a formação docente no local de trabalho

possibilitou que esse grupo de professoras de Língua Portuguesa organizasse espaços de

autoformação bastante produtivos e relacionados a suas realidades e práticas pedagógicas.

A mesma realidade pode ser encontrada na escola do interior paulista observada

para fins desta pesquisa. A todo o momento surgiam questionamentos por parte das

professoras sobre a utilidade da HTPC na interação com a coordenadora devido à grande

quantidade de questões de gestão a serem resolvidas ou que envolviam a comunidade

escolar de alguma maneira (como festas comemorativas). No entanto, o grupo aqui

investigado conseguiu desenvolver iniciativas de formação continuada. Algumas se

configuraram como eventos isolados; outras, tiveram continuidade. De qualquer forma, o

que esta investigação indica é que há possibilidades de uma organização mais eficaz do

espaço de formação na escola, o que será analisado nos capítulos 5 e 6.

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3 – Lugares que levam a outros lugares: perspectiva teórica

adotada e conceitos para análise

Uma teoria é um lugar que nos leva a outro lugar e sabemos que há

muitos lugares (ZAVALA, 2013).

A perspectiva teórica adotada nesta pesquisa para compreender práticas de

formação do professor em seu local de trabalho está ancorada, principalmente, na

abordagem sociocultural e etnográfica dos Estudos de Letramento (STREET, 1984, 1993;

KLEIMAN, 1995) e no dialogismo bakhtiniano (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985;

BAKHTIN, [1952-53/1979] 2003, BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988). Neste capítulo,

exponho a que lugares essas perspectivas teóricas levam esta pesquisa, como contribuem

para a investigação sobre formação do professor.

Como destaca Matencio (2009, p. 6), “a contribuição determinante de estudos

sobre o letramento resulta de assumirem que se lida, sempre, com práticas – no plural” e

que essa perspectiva procura “flagrar e compreender as atividades de leitura e escrita no

âmbito das práticas sociais em que ocorrem” (MATENCIO, 2009, p. 5). Isto que permite a

investigação dos usos efetivos da linguagem, em diferentes grupos e por diferentes sujeitos.

Tal compreensão dos usos da língua como sempre situados coaduna-se com a compreensão

de que a linguagem nunca se dá no vazio, mas sempre numa situação histórica e social

concreta, através da interação (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985).

Antes de aprofundar as linhas teóricas que sustentam a perspectiva aqui

adotada, é importante frisar o caráter transdisciplinar e crítico desta pesquisa advindo do

campo da LA. Ao voltar-se para problemas sociais em que os usos da linguagem têm papel

central (MOITA-LOPES, 2006), os estudos em LA seguem uma postura crítica perante a

linguagem, com uma orientação explícita para o desenvolvimento de uma agenda política,

transformadora/intervencionista e ética, “decorrente da ideia de que nossas práticas

discursivas envolvem escolhas que têm impactos diferenciados no mundo social e nele

interferem de formas variadas” (FABRICIO, 2006, p.49). Assim, as escolhas teóricas aqui

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feitas, dentre os muitos “lugares” possíveis como destaca a fala de Zavala (2013) em

epígrafe deste capítulo, têm a ver com a maneira como entendo o objeto de pesquisa, e com

os efeitos que uma determinada abordagem pode ter para o objeto e para seus participantes,

no caso, professoras alfabetizadoras.

Os objetos de pesquisa escolhidos pelo linguista aplicado, por sua

complexidade, requerem o recurso a várias áreas de conhecimento, configurando-se como

um caminho possível para dar conta dos objetivos do campo, que apresentam

compromissos sociais com realidades que envolvem demandas de grupos periféricos, que

sofrem diferentes tipos de desigualdades e de privações (CAVALCANTI, 1986;

KLEIMAN, 1992; CELANI, 1992; MOITA-LOPES, 2006; KLEIMAN, 2013; ROJO,

2013b). Assim, a busca por diálogos com outras áreas do conhecimento– Educação,

Análise do Discurso, Crítica Literária, Estudos Culturais, Antropologia, Sociologia,

Sociolinguística Interacional - para além das duas principais perspectivas aqui adotadas

tem a ver com a natureza das investigações em LA (KLEIMAN, 2013).

As questões de pesquisa escolhidas por um linguista aplicado ganham ainda

outro desenho quando consideramos a realidade brasileira. De acordo com Kleiman (2013),

um linguista aplicado brasileiro não pode esquecer o lugar em que são produzidos

conhecimentos, identidades e relações em jogo na pesquisa: “desde um espaço-tempo que

sofreu séculos de colonização, um lócus que marca os nossos corpos, as nossas palavras”

(p. 43) e, como defende a autora, deveria marcar nossas epistemes. A proletarização do

professor, a exclusão e o ensino na escola pública, conflitos e interculturalidade na

formação docente são alguns dos temas indicados por Kleiman (2013) como interessantes

para o linguista aplicado que quer investigar “com olhos do sul, para o sul, de uma posição

de vantagem porque é fronteiriça e ao mesmo tempo exterior, ocupando, assim, uma

terceira, diferente e privilegiada posição” (KLEIMAN, 2013, p.50-51).

Tendo por base esses pressupostos, como já dito, o foco desta pesquisa é um

grupo cujos saberes não são legitimados por aqueles que têm vozes poderosas socialmente,

como a academia, a grande imprensa e o Estado, e pretende servir para reorientar

formações oferecidas a professores que pouco contribuem, na ótica dos próprios sujeitos,

para o enfrentamento de questões complexas de sala de aula. Muitas vezes, a avaliação do

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que faz o professor da escola básica se baseia em parâmetros acadêmicos, principalmente

os relacionados à escrita. Esta, como mostram pesquisas do grupo Letramento do

Professor, pode se tornar um poderoso mecanismo de constituição da subalternidade dos

docentes, como também pode ser usada para subverter essa subalternidade (KLEIMAN,

2006, 2013; VÓVIO, 2007; VALSECHI et. al., 2014; KLEIMAN, VIANNA, DE

GRANDE, 2013).

Partindo desse lugar, buscamos perspectivas que permitam ouvir essas vozes,

considerá-las como produtoras de conhecimentos que podem ser legitimados e integrados

em formações oferecidas por instituições de prestígio.

3.1 Estudos de Letramento em diálogo com o Círculo de Bakhtin: perspectiva

teórico-metodológica e alguns conceitos analíticos

A perspectiva dos Estudos de Letramento, que compreende o letramento como

um conjunto de práticas discursivas que envolvem os usos da escrita (KLEIMAN, 1995),

ajuda a entender as práticas relacionadas à formação do professor de maneira situada, sem

desconsiderar as intersecções com contextos sócio-históricos mais amplos. Isso porque essa

perspectiva, numa abordagem etnográfica de pesquisa, busca investigar as práticas sociais

de uso da língua escrita e os significados que os participantes a elas atribuem sem perder de

vista as relações de poder, as dinâmicas identitárias e as diferentes forças que atuam nos

contextos investigados. Investigar práticas de letramento envolve investigar os valores, as

significações, os conhecimentos mobilizados pelos participantes (KLEIMAN, 1995),

elementos constitutivos das práticas e que indicam aspectos sócio-históricos destas,

inclusive seus diálogos harmoniosos ou conflituosos com diferentes vozes sociais

(BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988), mais ou menos poderosas, com mais ou menos

penetração em instâncias políticas e educacionais no que se refere à formação do professor.

Para isso, mobilizo a noção de práticas de letramento, entendidas como formas

culturais de utilização da língua escrita (BARTON, HAMILTON, 2000), que envolvem

“aspectos não apenas da cultura mas também das estruturas de poder numa sociedade”

(KLEIMAN, 1995, p. 38). Essa definição permite refletir sobre a relação entre as atividades

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que envolvam o uso da escrita na formação de professores e as estruturas sociais em que

elas estão inseridas e as quais ajudam a construir.

As práticas de letramento envolvem valores, atitudes, sentimentos e relações

sociais (STREET, 1993). Por isso, podem ser compreendidas como “os caminhos culturais

de utilização da linguagem escrita que as pessoas realizam em suas vidas: o que as pessoas,

grupos sociais e sociedades fazem com a escrita” (VÓVIO, 2008, p.02). Como afirma

Matencio (2009, p.8):

se as práticas de letramento são situações em que um “artefato” escrito é

essencial para a interação, porque integra a própria natureza da

interlocução e do processo de produção de sentido, elas implicam tanto o

que se faz quando se lê e se produz texto, quanto as concepções que lhes

são subjacentes e os modelos sócio-cognitivos que subjazem a essas

representações, dando-lhes significado.

Assim, estudar as práticas de letramento formativas no local de trabalho do

professor envolve não só investigar o que se lê e escreve, mas que valores estão em disputa

ao se ler, escrever e falar sobre o que se lê e escreve, que significações são construídas

naquela situação específica pelo grupo de professoras ao participar dessas práticas.

As práticas não são unidades observáveis de comportamento, exatamente por

envolverem também valores, atitudes, sentimentos e relações sociais. Então, para analisar e

refletir sobre as práticas de formação do professor, escolho como unidade de análise

eventos de letramento formativos nas reuniões de corpo docente na escola. O conceito,

cunhado por Heath (1982), é entendido como “ocasiões em que a língua escrita é parte

integrante da natureza das interações entre os participantes e de suas estratégias e processos

interpretativos” (HEATH, 1982, p. 50)24. Os eventos de letramento são construídos na

interação entre os participantes, o que leva a entender letramento como social e localizado

na interação interpessoal (GOFFMAN, 2001; BARTON, HAMILTON, 2000).

Nas reuniões de HTPC observadas, a escrita constitui grande parte dos eventos

de diferentes maneiras: como objeto de ensino a ser debatido (maneiras de alfabetizar,

textos escritos recomendados para o trabalho em sala de aula, dificuldades de escrita dos

24 Tradução minha de “occasions in which written language is integral to the nature of participants´

interactions and their interpretive processes and strategies”.

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alunos etc.); como textos-base tomados como referência para a interação (documentos e

avaliações oficiais, leituras prévias das participantes) e como constitutiva da organização do

evento e de seu registro (pauta, ata, anotações no caderno de cada professora). Ou seja,

mesmo ocorrendo em grande parte oralmente, na interação entre as professoras e a

coordenadora, as reuniões também são constituídas por textos escritos, pois esses

constroem os processos interpretativos das participantes. Daí serem considerados eventos

de letramento.

Estudos mais recentes ligados aos Estudos de Letramento, situados na

perspectiva transdisciplinar e crítica da LA, têm apontado para a heterogeneidade de

práticas de letramento e para as múltiplas identidades construídas nessas práticas. Diante de

um mundo em transformações frenéticas, numa sociedade altamente letrada e

tecnologizada, as pesquisas enfatizam a necessidade de a escola preparar seus alunos para

práticas de letramentos múltiplos e muito diferenciados, relacionados a um conjunto

variado de identidades possíveis de serem construídas; letramentos valorizados ou não a

depender dos contextos, locais e globais, cotidianos e institucionais, “sempre em contato e

conflito” (ROJO, 2008, p. 584).

Contudo, com essa multiplicidade e complexidade de práticas de letramento de

nossa sociedade, as inúmeras categorizações e adjetivações do termo letramento podem

fazer com que se perca de vista o que há de comum entre práticas de letramento para

manter a especificidade do conceito e ainda podem reduzir a complexidade das relações de

poder situadas em diferentes contextos sociais. Bartlett (2003), ao criticar essa pluralização,

defende a criação de categorias totalizantes desse conjunto conceitual que se criou a partir

de “letramento”.

Por exemplo, os conceitos de letramentos dominantes e vernaculares, propostos

por Barton e Hamilton e muito retomados nas pesquisas no campo, têm a ver com o fato de

as práticas de letramento serem padronizadas por instituições sociais e relações de poder,

sendo que algumas se tornam mais dominantes, visíveis e influentes do que outras

(BARTON, HAMILTON, 2000) em determinados contextos. Hamilton (2002) define

“letramentos vernaculares” como letramentos locais, “autogerados”, com origem no fazer

cotidiano, que não são controlados ou sistematizados por instituições sociais. Os

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letramentos dominantes seriam os institucionalizados por organizações formais, como a

escola, o local de trabalho, o comércio. Os dois seriam interdependentes, mas com poder

social distinto.

Apesar de salientar um aspecto importante das práticas de letramento em nossa

sociedade - as relações de poder entre diferentes letramentos -, a dicotomização entre

letramento dominante e letramento vernacular torna os conceitos muito estáticos. Além

disso, parece simplificador concebê-los como dominante ou vernacular somente pelo fato

de o contexto ser ou não institucional – sem considerar as relações construídas entre os

sujeitos e grupos sociais situadamente. Segundo Bartlett (2003), nessa perspectiva, os

letramentos tornam-se nominalizados e reificados, o que pouco colabora para uma

compreensão dos hibridismos das práticas. Vianna et al. (mimeo, s/p) destacam que

a dicotomização desses conceitos pode ser concebida como uma visão

ingênua, pois é questionável considerar os “letramentos vernaculares”

como “autogerados”, “marginais”, “invisíveis” representativos das

“culturas locais”, em oposição aos “institucionalizados”, “regulados”, dos

letramentos dominantes.

Essa “visão ingênua” da dicotomização a que se referem as autoras se torna

ainda mais saliente quando consideramos o mundo globalizado em que vivemos, em que,

por exemplo, comunidades consideradas locais, marginais, podem produzir um videoclipe e

divulgá-lo pela internet, misturando referências da cultura indígena com a cultura hip hop25.

Se tomarmos o caso desta pesquisa, ao enfocar práticas de letramento que ocorrem na

escola em reuniões de corpo docente, ou seja, práticas consideradas institucionais,

poderíamos considerá-las práticas de letramento dominante dentro da concepção proposta

por Barton e Hamilton (2000). Porém, apesar de situadas no espaço escolar26, essas práticas

formativas do professor costumam ser desvalorizadas e desconsideradas em relação à

formação e aos saberes acadêmicos. Tudo isso confirma que a categorização estanque entre

dominante ou vernacular não funciona quando encaramos a complexidade dos valores

25 Por exemplo, o grupo de Rap indígena Bro Mc´s, que tem clipe oficial divulgado na internet. Disponível em

< http://www.youtube.com/watch?v=oLbhGYfDmQg>. Acesso em 03/02/2014. 26 Considero que o que define uma prática de letramento como escolar é seu objetivo, qual seja: a inserção,

para fins de escolarização, de obtenção de diploma, nas práticas de uso da escrita. Portanto não é o espaço

físico onde ocorrem as práticas que as definem, mas o espaço institucional e discursivo, ou seja, a esfera de

atividade humana no sentido bakhtiniano.

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atribuídos às práticas de letramento por diferentes sujeitos e em diferentes contextos, como

também as relações entre diferentes esferas de atividade humana.

Os valores atribuídos a práticas de letramento também são situados e

dependem do contexto relacional, tal como acontece com as identidades construídas nessas

práticas. Por isso, expressões como “letramento dominante” ou “letramento de prestígio”

ou “letramento marginal” tomadas em sentido totalizante, e as identidades a eles

relacionadas – por exemplo, aquele que sabe, que lê versus aquele não sabe, que não lê -

são contestáveis, porque o que é de prestígio ou não, o que é marginalizado ou não,

depende dos espaços de circulação, de determinada prática de letramento e dos

participantes da situação, demandando análises dos eventos situados para que se entenda

como esses letramentos são valorizados. Isso não exclui o fato de alguns valores

relacionados a usos da escrita serem mais poderosos socialmente que outros, apoiados e

veiculados pela imprensa, mesmo quando pesquisas científicas não sustentam tais

hierarquizações. Um exemplo disso é o caso da valorização da norma padrão da língua

portuguesa e do ensino da gramática normativa em detrimento de seus variados usos reais

pelos seus diversos falantes. O olhar situado permite perceber como são construídos tais

valores, como, quando e por que os sujeitos os acatam ou os subvertem e contestam.

Por isso, o destaque para pesquisas que se voltam para letramento(s) é o

olhar situado para as práticas sociais de uso da escrita em determinada esfera. Nesse

sentido, a teorização bakhtiniana é bastante fértil, pois coloca em jogo conceitos como

arena de combate, palavras e contra-palavras e forças centrífugas e centrípetas que sempre

agem nas diversas esferas de atividade humana (BAKHTIN, [1952-53/1979] 2003), e

entende o diálogo também como conflito que pode servir a subversões de padrões por

grupos minoritários.

Estudos do Letramento podem se beneficiar ao incorporar conexões entre poder

e conhecimento em sua perspectiva etnográfica (BARTLETT, 2003), ou seja, trazer um

enfoque sociológico para as pesquisas sobre os usos sociais da língua escrita. Um

movimento neste sentido se deu com o desenvolvimento do conceito de práticas de

letramento por Street (1983), concebidas como inextrincavelmente ligadas a estruturas

culturais e de poder na sociedade, como anteriormente discutido, ampliando o que se

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investigava com base no conceito de evento. Há aqui uma mudança teórico-metodológica

que se volta para a relação do evento com práticas, contextualizando o que ocorre em

estruturas de poder e em significados culturais. O conceito de práticas de letramento, na

visão de Bartlett (2003), situa os eventos de letramento e as ações individuais em um

quadro social sólido. A autora defende que o conceito de práticas de letramento nos permite

superar as limitações da reificação e diferenciação (supergeneralizada) do conceito de

letramento.

Para abordar as questões de poder e as relações com estruturas sociais e

significados culturais, além do conceito de práticas de letramento, a teoria bakhtiniana é

mobilizada nesta pesquisa, pois agrega uma visão social e histórica sobre a linguagem,

dando destaque para como tais questões de poder estão nos enunciados concretos e são por

eles construídas27. Bakhtin/Volochinov ([1929] 1985), ao discutir a natureza da língua,

afirmam que esta é constituída pelo “fenômeno social da interação verbal, realizada através

da enunciação” (p. 123), estendendo a noção de diálogo a toda comunicação verbal. Nessa

perspectiva, qualquer discurso, escrito ou oral, é “parte integrante de uma discussão

ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as

respostas e objeções potenciais, procura apoio etc.” (p. 123).

Considerando, portanto, o(s) letramento(s) como práticas sociais situadas de

uso da escrita, que envolvem negociações entre os participantes e entre enunciados na

cadeia verbal que é a língua, nessa discussão ideológica em grande escala, a análise dos

eventos de letramento formativos é relacionada a uma análise discursiva dos enunciados. A

interação entre professoras, coordenadora e outros agentes da formação nos eventos ganha

importância no desenho desta pesquisa. Pesquisas do grupo Letramento do Professor

mostram que é na interação que se constroem identidades e papéis sociais, ressignificando

as práticas de letramento e reconfigurando o espaço discursivo de sala de aula (KLEIMAN,

27 Articulações entre os Estudos de Letramento e o Círculo de Bakhtin têm gerado esforços de

pesquisadores em LA no Brasil e propostas interessantes. Por exemplo, Cerutti-Rizzatti, Mossmann e

Irigoite (2013) propõem, como caminho metodológico-analítico para pesquisas em LA que se voltam para

a cultura escrita e para a escolarização, a noção de Simpósio Conceitual, que integra ideários de base

histórico-cultural: conceitos vigotskianos, bakhtinianos e dos estudos do letramento. As autoras desenham

um diagrama em que eventos e práticas de letramento são estudados com base nos conceitos de esfera de

atividade humana, cronotopo, interactantes, atos de dizer e estratégias linguísticas.

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1998, 2005; SILVA, MATENCIO, 2005; SANTOS, 2005). Seguindo essa orientação,

busco compreender as dinâmicas discursivas e interacionais em outro espaço de formação,

também pelo fato de ser um espaço em que se constroem papéis sociais e identidades

profissionais para os agentes envolvidos: professoras, coordenadoras, diretoras de escolas,

funcionários da secretaria de educação e outros agentes, como a própria pesquisadora,

consultores pedagógicos e representantes de editoras de materiais didáticos.

Como corolário da perspectiva adotada, Vianna et al. (2012) defendem que o

letramento acadêmico poderia se abrir para negociar com os discursos do letramento do

professor com vistas à legitimação deste último, sem desconsiderar o trabalho daquele. É

nesse processo de negociação que se abre a possibilidade de diálogo, diferentemente de

uma prática acadêmica que, em geral, julgando relevantes apenas os seus próprios

conhecimentos, e ignorando o conhecimento do professor, exclui de suas pesquisas e dos

currículos saberes de grupos periféricos nas relações de poder a partir também de uma

perspectiva periférica28 (KLEIMAN, 2013).

Esse diálogo aqui proposto também seria profícuo quando pensamos nos

documentos oficiais, produzidos principalmente pelo MEC, que se baseiam em discursos

acadêmicos e são destinados a professores. Silva (2003) investigou a leitura dos PCNs de

Língua Portuguesa em díades com duas professoras da rede pública com o intuito de

conhecer como os conhecimentos de pesquisas das ciências da linguagem têm chegado aos

professores. Ao comparar as dificuldades das professoras participantes da pesquisa com os

trechos do documento em que estas ocorriam, a autora concluiu que essas dificuldades

estavam atreladas a problemas de textualidade no documento, no que se refere ao grau de

adequação dos materiais oficiais escritos para o professor e à retextualização de conceitos

científicos. No caso por ela investigado, o problema de inteligibilidade dos PCN encontrado

na leitura das professoras residia no fato de estes não explicitarem que tomam uma dada

teoria da enunciação como base para tratar de linguagem e não trazerem o esclarecimento

teórico necessário para sua compreensão pela professora alfabetizadora.

28 Perspectiva periférica é aqui compreendida como o reconhecimento de nosso lugar, também na

academia, na relação aos centros de produção de conhecimentos.

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Diante das análises da leitura das professoras, a autora discute que, sem uma

discussão consistente a respeito das orientações educacionais, sem explicitação de seus

pressupostos, “as ‘inovações’ de áreas mais recentemente envolvidas na produção de

conceitos e formação dos professores alfabetizadores, como a linguística, chegam ao

professor como um modismo: não é mais para corrigir os erros dos alunos; não é para

ensinar gramática, é para ensinar letramento, etc.” (p. 8).

As reuniões de corpo docente, os cursos e oficinas oferecidos pelas Secretarias

de Educação e por editoras de materiais didáticos, práticas observadas nesta pesquisa, se

configuram como práticas de letramento do professor enquanto profissional, pois envolvem

usos da escrita relacionados a seu fazer específico e a sua formação, e nos mostram seus

interesses, suas leituras prévias, seus conhecimentos e seus valores, como também outras

forças que atuam no fazer docente (como o Estado que o emprega e o mercado editorial na

educação). Essas práticas não se igualam à formação acadêmica, ou seja, o letramento do

professor na formação que ocorre no local de trabalho não envolve, necessariamente,

práticas de letramento acadêmico. Há aí uma relação entre letramento acadêmico e

letramento do professor em um contexto ainda pouco investigado. A relação entre

letramento acadêmico e formação do professor é discutida por Kleiman (2007), que indica

que

mais do que conceitos específicos a serem aprendidos, o curso [de

formação de professores] deveria visar ao letramento do professor para o

local do trabalho, entendendo, assim, a escrita como um elemento

identitário da sua formação (KLEIMAN, 2001). Isso significa que, mais

do que a aprendizagem de determinados conceitos e procedimentos

analítico-teóricos, que mudam com as mudanças das teorias linguísticas e

pedagógicas, interessa instrumentalizar o professor para ele continuar

aprendendo ao longo de sua vida e, dessa forma, acompanhar as

transformações científicas que tratam de sua disciplina e dos modos de

ensiná-la (KLEIMAN, 2007, p. 19).

Isso quer dizer que é necessário formar um professor que está familiarizado

com práticas de letramento relacionadas ao seu fazer profissional, práticas que o autorizem

e o legitimem como professor, construindo uma identidade fortalecida, e ainda formá-lo

para buscar respostas aos desafios de sua prática pedagógica, desafios estes que mudam em

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diferentes contextos e épocas. Ou seja, antes de saber classificar um ou outro fenômeno

linguístico, descrito em pesquisas da área, a formação do professor precisa se preocupar em

prepará-lo para planejar suas aulas, selecionar os gêneros e textos relevantes para seus

alunos, saber analisar os textos selecionados junto com seus alunos para perceber suas

compreensões e auxiliá-los a compreender efeitos de sentido de diferentes usos da língua

em textos que circulam em práticas sociais diversas, conhecer as produções dos alunos e

saber instigá-los a produzir outros textos para agir no mundo social. Além disso, formá-lo

para ler e se posicionar frente a documentos oficiais que regulam seu fazer profissional e a

textos pertencentes a gêneros científicos e de divulgação científica que discutem e teorizam

sua prática pedagógica para (re)avaliar seu fazer, as práticas cristalizadas na instituição

escolar, ou mesmo se posicionar a favor ou contra tais textos.

Nessa perspectiva, há uma distinção a se fazer entre os saberes necessários para

o uso da escrita em contextos acadêmicos e aqueles necessários para o ensino da escrita

(VIANNA et al., 2012) na educação básica. A diferença tem a ver com a forma com que

entendemos o letramento do professor, aspecto constitutivo, identitário de sua função como

formador de novos leitores e usuários da língua escrita (KLEIMAN, 2009). Não é o

conhecimento de teorias acadêmicas (as quais recheiam os cursos de formação), “por maior

que seja seu poder ou sua eficácia para explicar os fenômenos da linguagem” (KLEIMAN,

2008, p. 510), o que faz com que os professores estejam preparados para o desafio do

ensino da língua materna (VIANNA et al., 2012). A construção de uma identidade positiva

como profissional, que envolve a familiarização com práticas de letramento relacionadas ao

fazer docente, mobilizando gêneros diversos – inclusive os acadêmicos - tendo como

objetivo a prática pedagógica é mais efetiva para o professor em sala de aula.

Vianna et al. (2012), ao contrastarem os conceitos de letramento acadêmico e

letramento do professor a partir da perspectiva adotada por nosso grupo de pesquisa

Letramento do Professor, ressaltam que programas de formação de professores devem se

basear na análise das práticas de letramento no local de trabalho, levando em conta as

exigências da comunicação na sala de aula, bem como considerar as relações de poder aí

constituídas e sua ligação com o contexto social mais amplo. Expandindo essa

consideração, com base nesta investigação, defendo que a análise de práticas de formação

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do professor no seu local de trabalho também oferece subsídios para se repensar o

letramento acadêmico em cursos de pedagogia, licenciaturas e cursos de formação

continuada de professores. De acordo com as autoras:

acreditamos que enriquecer a formação continuada com o letramento

acadêmico, ou seja, favorecer a participação do professor em práticas

acadêmicas que estejam de alguma forma relacionadas ao seu contexto de

atuação pode, sim, ajudar a instrumentalizar o professor para sua atuação.

O que não quer dizer, entretanto, estudar ou aprender teorias para aplicá-

las em sala de aula. É esta, a propósito, a representação equivocada que

muitas vezes os professores têm de o que seria um curso de formação

inicial ou continuada (VIANNA et. al., 2012, s/p.).

Observar as práticas de letramento formativas no local de trabalho docente se

torna interessante para entender as demandas de formação do professor e suas apreciações

valorativas sobre sua formação e atuação profissionais, bem como sobre teorias linguísticas

e educacionais que chegam a ele. Além disso, espaços coletivos de trabalho docente

constituem sua identidade profissional. De acordo com Souza (1996), em sua pesquisa

sustentada na metodologia da história oral, é na escola que os professores se constroem

como classe, ao vivenciarem conflitos reconhecidos como comuns. Os professores se

reconhecem no cotidiano compartilhando uma identidade, a de ser professor.

São muitas as perspectivas para estudar a formação do professor, seja em cursos

de formação, na interação com formadores acadêmicos, seja no cotidiano do trabalho do

professor, na interação com seus pares29. Compartilho a compreensão de Tardif e Lessard

(2008), que definem a docência uma forma particular de trabalho sobre o humano,

essencialmente social, e que se dá por meio de interações humanas: o professor se dedica a

seu “objeto” de trabalho, que é outro ser humano e sua formação. Para os autores, essas

características são suficientemente originais e particulares para distinguir a docência de

outras formas de trabalho, sobretudo daqueles com a matéria inerte.

29 Um conjunto grande de estudos na Linguística Aplicada, por exemplo, toma o ensino como trabalho e o

trabalho do professor como “métier” (MACHADO, 2004, 2010; AMIGUES, 2004), utilizando como

arcabouço teórico-metodológico as Ciências do Trabalho, tais como Psicologia do trabalho, Ergonomia da

atividade, Ergologia, Psicologia Sócio-histórica. Essa perspectiva enfoca, em geral, o fazer do professor

realizado em sala de aula na relação entre o prescrito, o planejado e o realmente executado.

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Souza (1996) investigou representações do trabalho docente em um grupo de

professores do Ensino Médio de uma escola da cidade de São Paulo em meados da década

de 90. Seu estudo defende que há representações sobre o trabalho docente que não o

compreendem somente como força de trabalho, mas como portador de outras dimensões,

tais como a possibilidade de mudança social, de criação e transformações culturais e de

ação política. Isso porque o processo de trabalho do professor não pode ser entendido

somente nas dimensões de controle e autonomia de seu fazer, pois envolve outras

dimensões, como a formação de novas gerações para além de conteúdos a serem

ensinados/aprendidos. Segundo a autora, ao analisar depoimentos de professores, mais de

dois terços dos professores consideram-se trabalhadores especiais, por serem portadores de

possibilidades de transformação social. Por isso, não consideram o trabalho docente

comparado ao fabril ou outras ocupações, pois seu conteúdo não se materializa numa

“coisa”, num produto.

A adoção dos conceitos eventos e práticas de letramento para abordar a

formação do professor em seu local de trabalho traz como possibilidades explorar também

conhecimentos, saberes, valores e relações sociais que constituem essas práticas e que não

são apenas da escola; são socio-históricos, o que permite explicar, por exemplo, os ecos do

trabalho religioso na formação do professor em seu local de trabalho (como veremos nos

capítulos 5 e 6).

Um conceito relevante é o de agência, adotado nas análises e reflexões desta

pesquisa e outras da perspectiva dos Estudos de Letramento (KLEIMAN, 2006; SITO,

2010; ZAVALA 2011), que se relaciona à ideia de agente social, que age na coletividade,

exercendo sua ação em função dos objetivos de um grupo social de maneira estratégica,

mesmo que influenciado pela subjetividade dos sujeitos e pelos discursos disponíveis num

dado contexto. Ou seja, nessa perspectiva, é possível focalizar melhor o que os sujeitos

fazem, o que realizam diante de uma dada conjuntura, e o que mobilizam para fazê-lo.

A necessidade de levar em conta as significações dos professores, possibilitado

pela perspectiva dos Estudos de Letramento, sustenta-se nos pressupostos do grupo

Letramento do Professor em relação à formação. Acreditamos que uma proposta de

formação continuada, para não perpetuar uma concepção limitadora de letramento - que o

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vê como processo autônomo e lhe atribui qualidades universais (STREET, 1995), precisa

questionar as relações de poder que definem a interação entre acadêmicos e professores

(KLEIMAN, 2005; VALSECHI, 2009; VIANNA, 2009; DE GRANDE, 2010), entre os que

têm suas leituras legitimadas e os que não as têm (VÓVIO, 2007), para não reproduzir a

hierarquia social, continuar conferindo autoridade às elites e garantir a reprodução de

valores que são, muitas vezes, “contrários aos interesses de vários grupos, inclusive o dos

alfabetizadores e professores” (KLEIMAN, 2005, p. 11).

3.1.2 Construção de identidades e eventos de letramento

Considero que as práticas de letramento relacionadas à formação do professor

no local de trabalho podem ser lugares de negociação e transformação de saberes,

identidades e práticas profissionais (KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013). Parto de

uma concepção identitária do letramento, em oposição a uma concepção instrumental,

funcional da escrita, “que se centra geralmente nas capacidades individuais de uso da língua

escrita em cotejo com uma norma universal do que é ser letrado” (KLEIMAN, 2010, p.

376). Práticas de letramento estão associadas a diferentes status sociais em função das

identidades que podem ser nelas e por elas construídas, pois diferentes formas de leitura e

escrita que aprendemos e usamos estão associadas, entre outros fatores, a identidades e

expectativas sociais acerca de modelos de ação e papéis que desempenhamos (STREET,

2006), o que também muda dependendo das condições efetivas de uso da escrita.

Em práticas de letramento, por meio do trabalho, do ativismo político, dos

relacionamentos pessoais etc., “estamos assumindo – ou recusando – as identidades

associadas a essas práticas” (STREET, 2006, p. 470). Nas mais variadas práticas de

letramento, é na interação que os participantes negociam sentidos e identidades. Segundo

Kleiman (2010, p. 388, 389),

os processos que contribuem para as construções identitárias são

discursivos. Para além das identidades nacionais, étnicas, de gênero, são

construídas discursivamente identidades profissionais, como as de

professor, médico, advogado; identidades reguladoras e avaliativas, como

as que classificam e dividem uma turma em alunos bons ou ruins; com ou

sem ‘futuro’; bons meninos e delinquentes. O processo acontece

diuturnamente em instituições formadoras, como a escola, as faculdades,

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enfim, nos espaços onde se ensina aos alunos a falar e pensar como os

membros do grupo social, ou profissional, a que aspiram pertencer. Nesse

processo, a interação é determinante, pois permite que os participantes se

posicionem e sejam posicionados pelo outro segundo relações de poder,

status, hierarquia, gênero, etnia.

Assim, é na interação que os participantes negociam quem são, que se

diferenciam de uns e se identificam com outros. Pesquisas etnográficas apontam que as

pessoas em diferentes posições podem rejeitar e negociar as identidades que lhes são

atribuídas na relação com o outro. O fato de a identidade sempre ser construída em relação

ao outro e depender da situação comunicativa é o que faz Cuche (2002) afirmar que a

identidade é sempre relacional. Woodwad (2000) também defende que a identidade

depende de uma oposição com o outro, é marcada pela diferença, mas destaca que algumas

diferenças são vistas como mais importantes que outras, em lugares particulares e em

momentos particulares. O caráter relacional da identidade é uma marcação simbólica em

relação a outras identidades num determinado contexto, ou seja, há sempre o movimento de

diferenciação com o outro para a construção da identidade de um eu ou um nós. A

alteridade constitui a identidade.

No mundo pós-moderno da segunda metade do século XX, o sujeito é

considerado fragmentado e não se concebe uma identidade única, essencial ou interior ao

sujeito, que seria composto de várias identidades, algumas contraditórias ou não-

resolvidas. Nessa conjuntura, a identidade se constitui como uma associação a um grupo,

sendo as escolhas identitárias mais políticas, mais “associativas” que designadas (HALL,

2006, p. 64). Além disso, uma identidade particular não pode ser definida apenas por si só,

por sua presença e conteúdo, pois “todos os termos da identidade dependem do

estabelecimento de limites – definindo o que são em relação ao que não são” (HALL, 2006,

p. 81). Andreson e Zuiker (2010, p. 293) definem identidade como uma construção social

alcançada através da interação de dois fatores:

(1) performances micro-interacionais por meio das quais os indivíduos se

posicionam a si mesmos e aos outros, como também sua participação em

práticas à luz de (2) significados disponíveis dessa participação relativos à

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mediação de contextos macrossociais (ex. curriculum, instituição,

ideologias do conhecimento)30.

Com base nisso, considero que as identidades são construídas pela participação

em práticas que são situadas e por discursos disponíveis no contexto sócio-histórico

observado. Essa perspectiva assume que a identidade é construída no discurso, pelos usos

da linguagem, mas que essas construções não são completamente livres (KLEIMAN,

1998), não se dão no vazio, pois a própria linguagem nunca se dá no vazio em sua realidade

dialógica e social e toda prática social situada está inserida, é influenciada e influencia o

contexto sócio-histórico mais amplo (BAKHTIN, [1934, 1935] 1988,

BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985).

Bauman (2005), que considera o mundo pós-moderno como “líquido”, defende

que as instituições e relações líquidas tornam a identidade um conjunto de problemas,

questões, e não uma campanha de tema único. O autor salienta o aspecto de batalha que

sempre envolve a questão da identidade. Para ele, “sempre que se ouvir essa palavra

[identidade], pode-se estar certo de que está havendo uma batalha” (BAUMAN, 2005, p.

83). Dessa forma, é possível entender identidade como um construto ideológico e político;

refeita permanentemente; território da luta social, em que um diz ao outro o que é e o que

não é (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985). E, como a identidade é negociável,

também é manipulável: um traço de identidade pode ser mais útil em determinado

momento e, então, é destacado.

Também com base nos estudos do Círculo de Bakhtin, Cerutti-Rizzatti,

Mossmann e Irigoite (2013) rejeitam a ideia de identidades múltiplas, se afastando de

abordagens pós-modernas, e as concebem nas movências das relações sociais que o sujeito

estabelece na história entre o ontem e o hoje e entre o hoje e o amanhã. As autoras

compreendem a identidade nos encontros, conceito que tomam de Ponzio (2010), ou seja,

enfocam a relação dialógica com a alteridade, o encontro da outra palavra com a palavra

outra. A definição de identidade na alteridade não é entendida, pelas autoras, em uma

perspectiva dicotômica – ser ou não ser, e sim nas movências, considerando ancoragens

30 Tradução do original: “(1) micro-interactional performances through which individuals position themselves,

each other, and their participation in practices in light of (2) available meanings of such participation relative

to mediating macrosocial contexts (e.g., curriculum, institution, ideologies of knowing)”.

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identitárias sempre temporárias, “tanto quanto movimentos de deslocamento das âncoras,

nas busca de novos pontos temporários de fixidez” (CERUTTI-RIZZATTI, MOSSMANN

e IRIGOITE, 2013, p. 53). Considero tal perspectiva relevante, na medida em que permite

associar o caráter movente e de negociação da identidade à história dos sujeitos e aos

discursos a eles disponíveis nas esferas de atividade humana.

Na pesquisa de Vóvio (2007), alfabetizadores de jovens e adultos, sem

formação específica para lecionar, constroem identidades leitoras no alinhamento a práticas

de letramento variadas, “ora sustentando e reafirmando a cultura tomada como legítima, ora

mesclando-a com valores locais, ora rompendo ou resistindo a ela” (VÓVIO, 2007, p. 246).

O outro no processo de construção identitária, nesse caso, é a cultura tomada como

legítima, a leitura de cânones literários, utilizada de diferentes maneiras nesses processos de

identificação e diferenciação. As análises de interações entre educadores e pesquisadora em

rodas de conversa mostram o papel do letramento na construção identitária. Nesse processo,

as imagens de si dos educadores populares convergiram para um processo de

autolegitimação, no qual se apresentavam como leitores competentes, capazes de formar

outros leitores. Os discursos dos educadores investigados por Vóvio

estão saturados tanto da expressão de suas identidades leitoras como da

imagem de si que produziram, implicando tanto configurações locais,

relacionadas aos status e lugares que ocupam na situação, como outras

mais amplas relacionadas a configurações culturais, profissionais e

societárias. Objetivar-se como leitor ou conceber-se como um leitor-tipo

exigiu dos educadores participantes reunirem um conjunto de traços e

características (atributos e propriedades) que estabelecem fronteiras entre

nós e eles e constroem pontes com os outros (com os quais se

identificam), com comunidades que se deseja instaurar ou das quais se

deseja participar. Esses enunciados se referem tanto ao pertencimento a

um determinado grupo (daqueles que dizem e valoram certas práticas, que

as realizam de modos situados, com pessoas e com determinados objetos e

instrumentos culturais), como à credibilidade do pertencimento declarado

(a plausibilidade daquilo que dizem e afirmam ser). Expressam, portanto,

a avaliação apreciativa e o posicionamento dos sujeitos diante dos objetos

de seu discurso e diante das posições de outros que influem no seu dizer.

(VÓVIO, 2007, p. 245, 246).

Para se afirmar como pertencente a um grupo, construir uma identidade e ser

reconhecido nesta, há um jogo de disputas e significações tanto com o outro de quem se

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quer diferenciar quanto em relação a avaliações e posicionamentos sobre determinados

objetos de discurso, conforme aponta Vóvio (2007). Assim, os objetos discursivos tratados

na formação do professor em seu local de trabalho e o posicionamento das participantes

sobre eles são elementos relevantes na análise de suas identidades como professoras e são

elementos que as participantes usam para afirmarem quem são naquela situação

comunicativa e como projetam seus interlocutores.

A configuração dos eventos de letramento e os gêneros31 atualizados nos

eventos de formação do professor podem ser estratégias dos sujeitos para se afirmarem

nessas situações comunicativas, utilizados para se (re)posicionar frente a discursos sobre

sua profissão e sua formação, para negociar identidades. Isso quer dizer que eventos e os

gêneros neles mobilizados podem ter como objetivo responder a outros discursos sobre o

professor, autorizar-se a si mesmos, criar espaços para agência32 (KLEIMAN, 2000, 2006;

HOLLAND et al., 2003; KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013) dentro de um

contexto complexo de grande importância social como é a escola.

Em um evento de letramento, um ou mais gêneros são mobilizados na interação

entre os participantes. O conceito de evento de letramento proposto por Heath (1982) está

baseado no conceito de “evento de fala”, desenvolvido por Hymes na Etnografia da

Comunicação, que, por sua vez, tomou o termo emprestado de Roman Jakobson

(GUMPERZ, 2008). O enfoque nessa tradição de pesquisa é no funcionamento da

linguagem em eventos de fala documentados, em detrimento de um enfoque nas relações

entre normas culturais de uma comunidade e estruturas linguísticas abstratas, este

preponderante na época em que Hymes propôs seu enfoque (HYMES, 1972; GUMPERZ,

COOK-GUMPERZ, 2008).

Essa perspectiva teórico-metodológica iniciou pesquisas que combinavam o

trabalho de campo etnográfico com a análise linguística. O termo “evento de fala” foi

31 As questões relativas aos gêneros serão aprofundadas na próxima seção. 32 Varghese et al (2005) definem agência como uma categoria que permite dar ênfase ao indivíduo como ser

intencional, como um elemento crucial na formação de identidades, opondo-se a modos deterministas de

percebê-lo. Para Kleiman (2006), interessa para a formação do professor o conceito de agente social

(ARCHER, 2000): aquele que age na coletividade, em função dos objetivos de um grupo social, com

capacidade para articular os interesses partilhados pelos membros da coletividade, organizar o grupo para a

ação conjunta, gerar movimentos sociais.

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adotado como um “nível intermediário de análise que fornece acesso ao processo

interpretativo que motiva as ações dos participantes” (GUMPERZ, COOK-GUMPERZ,

2008, p. 536). Os eventos são tomados como unidades de análise para examinar práticas

interpretativas em detalhe. Assim, eventos são concretamente disponíveis para a

investigação etnográfica e constituem unidades de interação sujeitas à análise direta por

meios empíricos estabelecidos (GUMPERZ, 2008).

O foco em eventos leva em consideração não só os dados linguísticos, como

também o cenário, os gestos, os silêncios, entre outras ações dos participantes. A tradição

da Sociolinguística Interacional contribui para esse enfoque ao tomar o evento como

unidade de análise e caracterizá-lo como enunciados sequencialmente ligados, isolados para

a análise quando, diferenciáveis de outras unidades no material gravado, por meio de algum

nível de coerência temática, inícios e fins detectáveis através de mudanças no conteúdo,

prosódia, estilo ou outras marcas formais dos enunciados (GUMPERZ, 2008). Como

explica Gumperz (2008), a Sociolinguística Interacional (SI) é uma abordagem à análise da

fala que tem suas origens na busca por métodos de análise qualitativa para explicar a

habilidade de interpretar dos participantes em práticas comunicativas cotidianas, se

concentrando nas situações concretas de fala ou nos eventos de fala. Interagir é se engajar

em um processo de negociação de sentidos num dado evento.

Ribeiro e Garcez (2002) definem, evento de fala como

definição social da atividade de fala que se desenvolve na situação,

dependendo das oportunidades e das restrições à interação proporcionadas

pela mudança dos participantes e/ou do objeto da interação. Os eventos se

desenvolvem ao redor de um tópico ou no máximo de um âmbito limitado

de tópicos e se distinguem por suas estruturas sequenciais. Eles são

marcados por rotinas de abertura e fechamento estereotipadas e, portanto,

reconhecíveis (p. 261, 262).

Um evento de fala, assim como um evento de letramento, tem um começo e um

fim identificáveis. Envolve atividades que são governadas por regras e normas da fala

(HYMES, 1977). Para participarem de interações verbais – como as ocorridas em HTPC, os

participantes envolvidos utilizam regras interacionais, que se baseiam em seus

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conhecimentos práticos sobre a configuração de um dado evento e sobre como agir em

eventos relacionados à mesma prática social (MATENCIO, 1999).

Nos eventos, são construídos não só os objetos do discurso como também

lugares e funções sociais dos interlocutores (MATENCIO, 1999). Dessa forma, a análise

dos eventos formativos na HTPC ajuda a compreender o que é priorizado como conteúdo

relevante na formação do professor no local de trabalho e os papéis e funções – suas

identidades - assumidos pelas professoras, coordenadoras e funcionárias da secretaria

municipal de educação. As identidades assumidas, construídas e (re)negociadas também

possibilitam ou interditam a agência das professoras em sua própria formação.

De acordo com Santos (2012)33, o evento tem uma ligação estreita com a ação,

e esta tem resultados imprevisíveis, pois, ao se dar sobre um meio, há uma combinação

complexa e dinâmica que tem o poder de deformar o impacto da ação. O evento seria,

então, uma interpretação dessa autonomia da ação, sua realização. Retomando Lefebvre

(1958) para quem um evento, tomado como momento, é a tentativa visando à realização

total de uma possibilidade, para Santos “os eventos são, todos, Presente. Eles acontecem

em um dado instante, uma fração de tempo que eles qualificam. (...) Os eventos são,

simultaneamente, a matriz do tempo e do espaço” (p. 145). Ao ressaltar a localização do

evento na relação tempo e espaço, Santos (2012) diferencia presente de instantâneo,

afirmando que o evento é sempre presente, mas tem uma duração. Os eventos, quando

acontecem, esgotam suas possibilidades; não se repetem; e se situam com precisão nas

coordenadas do espaço e do tempo. Na perspectiva de Santos (2001, p. 145), “os eventos

são, pois, todos novos. Quando eles emergem, também estão propondo uma nova história”

(p. 145). A característica de serem sempre novos não quer dizer que os eventos não se

relacionem e tenham continuidade entre si, pois, apesar de serem sempre atuais e absolutos,

na medida em que se estendem uns sobre os outros, participando uns dos

outros, eles estão criando a continuidade do mundo vivente e em

movimento (Leslie Paul, 1961, p. 126), ou, em outras palavras, a

continuidade temporal e a coerência espacial (SANTOS, 2012, p. 156).

33 Outras tradições em pesquisa voltam-se para a análise de eventos e suas reflexões podem contribuir para os

fins desta pesquisa. Na geografia, Milton Santos (2012) coloca a noção de evento como central para

interpretação geográfica dos fenômenos sociais.

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Com base nos autores acima comentados, tomo evento como uma ocasião

única, irrepetível, nova, situada no tempo e no espaço, em que os interlocutores constroem

interpretações sobre o conteúdo do evento, ou seja, sobre o que está acontecendo no “aqui e

agora”, sobre si e sobre os demais participantes, que se desenvolve ao redor de um tópico

ou no máximo de um âmbito limitado de tópicos relacionados, com início e fim marcados,

(re)criando continuidades sócio-históricas.

3.3 Concepção dialógica de linguagem e método sociológico para análise

discursiva-enunciativa

Na investigação dos usos efetivos da língua escrita, os Estudos de Letramento,

ao enfocar os eventos, podem examinar a interação entre os sujeitos nas práticas sociais em

que ocorrem. Como vimos, devido ao olhar etnográfico e ao enfoque nos eventos, essa

perspectiva, em algumas pesquisas, deixa de lado a inserção sócio-histórica dos eventos em

determinadas práticas culturais e acabam por cair em uma diferenciação infindável entre

“tipos” de letramento. Para evitar, conforme defende Bartlett (2003), a reificação e

superdiversificação do conceito, é necessário examinar a produção cultural em face das

limitações e possibilidades históricas e estruturais, em vez de policiar fronteiras entre

letramentos, o que faço recorrendo às contribuições da perspectiva dialógica do Círculo de

Bakhtin.

A interação, central em estudos do campo do Letramento, possibilita uma

interface com a concepção de linguagem do Círculo de Bakhtin, pois a linguagem em sua

concepção dialógica é compreendida como um lugar de interação e negociações. Esse

conceito de linguagem possibilita entender que as práticas de letramento se concretizam em

um contexto sócio-histórico determinado e que os enunciados nelas produzidos estão

sempre em diálogos constantes com outros enunciados, numa cadeia ininterrupta,

ampliando, assim, a abordagem anteriormente detalhada.

A perspectiva sócio-histórica bakhtiniana complementa a análise da interação

na perspectiva etnográfica discutida anteriormente. Isso porque nas mais variadas práticas

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de letramento, no uso da palavra, agimos discursivamente por meio de algum gênero do

discurso, compreendido aqui como uma matriz sócio-cognitiva e cultural (MATENCIO,

2003) que permite participar de eventos de fala e de letramento. O conhecimento do gênero

ou dos gêneros permite participar de eventos de diversas instituições e realizar as atividades

próprias dessas instituições com legitimidade. Os usos da língua, sempre por meio de

algum gênero, atravessam e compõem os eventos. Os eventos abarcam também o espaço e

os participantes e seus objetivos.

Ao compreender a linguagem como dialógica, a realidade da língua se

configura como uma cadeia verbal, sendo que cada elo dessa cadeia é social, assim como

toda a dinâmica de sua evolução. Com base na perspectiva do Círculo, a verdadeira

substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal, sendo que o

diálogo, no sentido estrito do termo, é apenas uma das formas de interação, já que “pode-se

compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido amplo, isto é, não apenas como a

comunicação face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 1985, p. 123).

O dialogismo constitutivo da linguagem, na concepção bakhtiniana, opera em

uma dupla dimensão: um enunciado se constitui em relação aos enunciados que o precedem

e também em relação aos que o sucedem na cadeia de enunciação. A dialogicidade se

encontra tanto no discurso alheio que constitui um enunciado – os já ditos – como na

orientação de todo enunciado a um discurso-resposta futuro: “ao se constituir na atmosfera

do ‘já dito’, o discurso é orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda não

foi dito, discurso, porém, que foi solicitado a surgir e que já era esperado” (BAKHTIN,

[1934-35/1975] 1988, p. 89).

O enunciado é tomado como a real unidade da comunicação discursiva que,

independentemente de sua extensão, conteúdo e construção composicional, apresenta

peculiaridades e limites precisos que o definem. De acordo com Bakhtin (2003), a

alternância dos sujeitos do discurso e a conclusibilidade do enunciado, que marca a

possibilidade de responder a ele, são os critérios que o definem. Assim, um enunciado tem

sentido pleno em determinadas condições concretas de comunicação que possibilitam uma

resposta ativa do outro.

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A dialogicidade constitutiva de todo enunciado e os sentidos sócio-históricos

em embate se refletem e refratam na própria palavra. Encarada como parte do processo de

interação, a palavra acumula entoações do diálogo vivo dos interlocutores com valores

sociais e é o indicador mais sensível de toda transformação social; “as palavras são tecidas

a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais

em todos os domínios” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 1985, p. 41). Dessa forma, na

concepção de Bakhtin/Volochinov, a palavra é uma ponte, um território comum entre os

participantes, ou uma arena de luta, como afirma o autor:

cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se

entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A

palavra revela-se, no momento de sua expressão, como o produto de

interação viva das forças sociais (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]

1985, p.66).

A palavra, signo ideológico, ao refletir e refratar os sentidos sócio-

historicamente construídos, é tomada como campo de batalha pelo sentido. É nela que se dá

o embate por possíveis sentidos dos discursos relacionados à formação e à prática docentes,

pois a palavra sempre carrega acentuações valorativas dos interlocutores e a carga de outras

apreciações já feitas. Ou seja, ela nunca é neutra. A palavra aponta para uma realidade

externa a ela, mas sempre de modo refratado, sempre construindo diversas interpretações

desse mundo, através de diferentes apreciações valorativas, inerentes aos enunciados. No

uso da palavra, sempre nos posicionamos axiologicamente e adentramos uma corrente

ininterrupta de interações.

Sobre a apreciação axiológica de todo enunciado, Bakhtin ([1934-35/1975]

1988) faz considerações sobre a linguagem das profissões, os jargões profissionais. O autor

afirma que as possibilidades intencionais da língua

são realizadas em direções definidas (...), unem-se a determinados objetos,

âmbitos expressivos de gêneros e profissões. Dentro desses âmbitos, isto

é, para os próprios falantes, estas linguagens de gêneros e estes jargões

profissionais são diretamente intencionais – plenamente significativos e

espontaneamente expressivos; do lado de fora, para os não participantes

desta perspectiva intencional, essas linguagens podem parecer objetais,

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características, pitorescas, etc. (BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988, p.

97).

A intenção do enunciado, a apreciação axiológica de todo enunciado, dentro da

perspectiva bakhtinina, tem relação com o conceito de vozes sociais. De acordo com

Bakhtin ([1934-35/1975] 1988, p. 106), “todas as palavras e formas que povoam a

linguagem são vozes sociais e históricas, que lhe dão determinadas significações

concretas”. Voz pode ser entendida, assim, como a vontade discursiva, a intenção, o tom

dado ao enunciado. O conceito de voz social foi desenvolvido por Bakhtin para abordar o

romance como plurilíngue. A relevância do conceito para a análise dos mais variados

enunciados em outros gêneros é o fato de que, ao teorizar sobre o romance, Bakhtin (1988)

sustenta que este reflete o plurilinguismo social, ou seja, é composto de diferentes vozes

sociais sempre presentes em quaisquer usos da linguagem.

O conceito de vozes sociais está ligado à concepção dialógica da linguagem do

Círculo de Bakhtin. Nesta, considera-se que os diferentes discursos admitem uma variedade

de lugares de enunciação, ou de vozes sociais. Segundo Bakhtin ([1934-35/1975] 1988, p.

96) “a vida social viva e a evolução histórica criam, nos limites de uma língua nacional

abstratamente única, uma pluralidade de mundos concretos, de perspectivas literárias,

ideológicas e sociais”. Essas várias linguagens do plurilinguismo, apesar de suas

contradições sócio-ideológicas, não se excluem umas as outras, mas se interceptam de

várias maneiras; são pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua interpretação

verbal (BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988).

Ao conceber a linguagem como dialógica, o enunciado é compreendido como

produto da interação social, ligado a uma situação material concreta e também ao contexto

mais amplo das condições de vida de uma comunidade linguística dada. Por isso, em cada

esfera social de atividade humana surgem e circulam diferentes gêneros do discurso

(BAKHTIN, [1952-53/1979] 2003). Apesar de sempre surgirem e circularem em um

gênero do discurso, os enunciados são únicos, pois além de refletirem situação material

concreta e o contexto mais amplo das condições de vida de uma comunidade linguística

dada, envolvem a apreciação valorativa dos interlocutores e as vozes sociais que são

trazidas para o enunciado no momento da enunciação.

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De acordo com Rojo (2005), a teoria dos gêneros do discurso centra-se no

estudo tanto das situações de produção dos enunciados quanto nos seus aspectos sócio-

históricos. Os gêneros do discurso constituem nossos usos da linguagem, nossa experiência,

como destaca Bakhtin ([1952-53/1979] 2003, p. 282, 283):

as formas da língua e as formas típicas dos enunciados, i. e, os gêneros do

discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e

estritamente vinculadas. Aprender a falar significa aprender a construir

enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e,

evidentemente, não por palavras isoladas).

O conceito de gênero na obra bakhtiniana já se encontra em elaboração no texto

do Volochinov de 1929, “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, com alguma diferença

terminológica34: “cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso

na comunicação socioideológica. A cada grupo de formas pertencentes ao mesmo gênero,

isto é, a cada forma de discurso social corresponde um grupo de temas”

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 1985, p. 43).

A relativa estabilidade dos gêneros – relacionada às esferas sociais e à

possibilidade de ação e comunicação entre sujeitos - é constantemente ameaçada por forças

de mudança, que podem ser mais ou menos fortes, a depender do gênero e da esfera social.

Além disso, os gêneros podem servir ao controle social e exercício de poder, pois é de seu

domínio e manipulação que depende o reconhecimento social em determinada situação de

comunicação. Por isso, quem somos em diferentes esferas de atividade humana depende

dos gêneros que usamos e dominamos. Considerando esse aspecto de conflito e disputa nos

usos da língua, as noções de forças centrípetas e forças centrífugas na análise da construção

dos sentidos situadamente também se tornam relevantes. Em toda situação de uso da língua,

agem forças de estabilização e cristalização – as forças centrípetas – e as forças de

desestabilização e mudança – as forças centrífugas (BAKHTIN, 2003).

34 Rodrigues (2005) comenta a flutuação terminológica nas obras do Círculo, que não corresponde

necessariamente a uma flutuação conceitual. Há duas razões para essa flutuação: i) as inúmeras traduções, e

ii) a própria busca pensadores do Círculo por uma terminologia adequada que melhor capturasse a a natureza

do conceito. Para o conceito de gêneros, seriam utilizados também os termos: modos de discurso, tipos de

enunciados, tipos de interação verbal, formas de enunciado, formas de discurso social e gêneros do discurso

(RODRIGUES, 2005).

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Por exemplo, no caso do contexto investigado, uma força centrípeta que age na

formação do grupo de professoras em seu local de trabalho são as avaliações externas. Os

índices gerados com base nessas avaliações, de âmbito estadual e federal, incidem no

cotidiano escolar, pois as professoras se sentem cobradas para que os alunos obtenham boas

notas. Tal pressão foi expressa pelo Secretário de Educação do município em uma HTPC

em que esteve presente na escola, dando como bons exemplos cidades que tinham adotado

sistemas apostilados de ensino e que tinham aumentado suas notas nas avaliações

padronizadas. As professoras de nossa pesquisa se organizaram para uma formação tendo

em vista esse tipo de teste padronizado, mas, no grupo de pares, criticavam o formato da

prova, sua extensão e a própria cobrança que incidia sobre elas nos anos em que as provas

eram aplicadas.

Em outro contexto, Zavala (2012) percebe uma situação de dilema do professor

semelhante. A autora analisa a prática de dois professores considerados de sucesso no

contexto da educação bilíngue no Peru, que sabem que têm de ensinar leitura em quéchua

para cumprir com a política oficial de ensino bilíngue, mas também sabem que devem

priorizar o castelhano para cumprir com a política nacional que exige do aluno um teste

medição de compreensão leitora em castelhano. Tendo essa cobrança em vista, um dos

professores em análise no estudo de Zavala (2012) realiza atividades com testes de múltipla

escolha frequentemente. Seus alunos eram familiarizados com o formato de testes

padronizados e ficavam menos ansiosos para resolver os exercícios. Além disso, a dinâmica

de trabalho com este tipo de exercício era tão estabelecida que as crianças não faziam

perguntas sobre o que fazer ou como.

Gêneros não são formatos estáveis para o emprego da língua em situações

específicas. O gênero em que se dá um enunciado define possibilidades de formas de

composição do enunciado, conteúdos temáticos e seu estilo, mas o desenvolvimento de tais

características ocorre em função da construção de um tema, ou seja, “de certos efeitos de

sentido visados pela vontade enunciativa do locutor e dependentes de sua apreciação de

valor sobre significações ou parceiros interlocutores” (ROJO, 2013ª, p. 28).

A situação comunicativa imediata e as relações – institucionais ou interpessoais

- entre os interlocutores estão sempre situadas em esferas sociais, que podem ser

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compreendidas como “formas de organização e de distribuição dos lugares sociais nas

diferentes instituições e situações sociais de produção dos discursos” (ROJO, 2005, p. 197).

As esferas condicionam os lugares sociais dos interlocutores, as relações entre eles, os

temas abordados e as apreciações de valor sobre o tema e sobre as relações entre as

pessoas. É nas esferas que os gêneros vão se estabilizando historicamente, “viabilizando

regularidades nas práticas sociais de linguagem” (ROJO, 2005, p. 197). Dessa forma, os

gêneros correspondem a situações de interação verbal típicas dentro de uma esfera social.

Mas é importante destacar que as esferas não determinam a produção de enunciados:

a enunciação não é determinada mecanicamente pelo funcionamento

social das esferas, pois o que vai substancialmente definir a significação e

o tema de um enunciado/ texto é sobretudo a apreciação de valor ou a

avaliação axiológica (ética, política, estética, afetiva;

BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981[1929]) que os interlocutores fazem uns

dos outros e de si mesmos ou de seus lugares sociais e do conteúdo

temático em pauta, que apreciado valorativamente, transforma-se em tema

(irrepetível) do enunciado (ROJO, 2013a, p. 13).

Assim, o uso da palavra em algum gênero do discurso sempre apresenta uma

apreciação valorativa do sujeito, tanto em relação aos sentidos dos enunciados quanto em

relação aos interlocutores, como esclarecem Bakhtin/Volochinov ([1929]1985, p.132): “(...)

quando um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre

acompanhado por um acento apreciativo determinado. Sem acento apreciativo, não há

palavra”. Nesta pesquisa, tomo gênero não só em suas características mais estáveis,

relacionadas à esfera comunicativa, mas também em suas instabilidades, advindas das

apreciações valorativas dos interlocutores e de outras forças centrífugas que atuam nas

práticas de letramento formativas investigadas.

Com base na concepção dialógica de língua, Bakhtin/Volochinov ([1929]1985)

afirmam que qualquer enunciado é “uma fração de uma corrente verbal ininterrupta” (p.

123) e disso decorre o fato de que o estudo de qualquer comunicação verbal envolve

considerar os elos nessa corrente, ou seja, recuperar as relações não só com a situação

imediata da enunciação como também o contexto social mais amplo. “A comunicação

verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles

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sobre o terreno comum da situação de produção. Não se pode, evidentemente, isolar a

comunicação verbal dessa comunicação global em perpétua evolução” (p. 124).

Dessa ininterruptabilidade tanto no contexto social mais amplo quanto na

situação comunicativa imediata, Bakhtin/Volochinov (1985) propõem uma ordem

metodológica para o estudo da língua:

1.As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições

concretas em que se realiza. [situação de produção] 2.As formas das

distintas enunciações, dos atos de fala isolados (enunciados), em ligação

estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as

categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a

uma determinação pela interação verbal [gênero e discurso]. 3. A partir

daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual

(p. 124).

Para este “exame das formas da língua”, último ponto abordado, para a análise

das interações nas reuniões de HTPC, recorro às contribuições da Sociolinguística

Interacional e da Análise da Conversa, que fornecem um arcabouço analítico para analisar a

estrutura composicional e do estilo das reuniões de HTPC, como também os

posicionamentos e conflitos que se dão na interação. Para análise dos eventos,

principalmente no capítulo 5, tomei como base as discussões sobre a estrutura da aula de

Matencio (1999) para propor a divisão do evento de HTPC. A autora identifica e diferencia

as etapas interacionais da aula (abertura e encerramento), que não têm relação direta com o

objeto de estudo, das etapas instrumentais (preparação, desenvolvimento e conclusão), estas

relacionadas a um ou mais objetos de estudo, com objetivos didáticos.

3.4 A Esfera social investigada: esfera escolar ou esfera do trabalho do professor?

Adoto, nesta pesquisa, o conceito de “esfera”, também advindo dos estudos

do Círculo de Bakhtin, para compreender as práticas de letramento formativas do professor.

A adoção de tal conceito implica considerar o tempo e lugar históricos em que os

enunciados são produzidos, os participantes e as relações sociais que mantêm entre si e os

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gêneros utilizados na interação, enfocando como esses fatores se articulam na produção de

significados no interior dessas práticas. Como argumentam Vianna et al. (2012), “faz

sentido estudarmos as práticas letradas, materializadas nos eventos de letramento,

considerando-as como pertencentes aos “letramentos acadêmicos”, “letramentos escolares”,

“letramentos do local de trabalho”, uma vez que a esfera de circulação é o elemento central

na modalização desses conceitos”, e não qualificar os letramentos em relação a tecnologias

envolvidas ou ainda conhecimentos e habilidades requeridos para sua participação. Esses

elementos estão implicados no letramento e são dele decorrentes, mas definir letramento

tomando-os como base gera uma infinidade de categorias, algumas que servem para muitos

usos sociais da linguagem e que pouco contribuem para definir letramento, como, por

exemplo, “visual” ou “imagético”35.

Como os encontros por mim observados costumavam ocorrer no espaço da

escola, poderia considerá-los eventos de letramento escolar ou da esfera escolar. Contudo, o

qualificador escolar para tratar da esfera de formação do professor na escola pode causar

confusões e descaracterizar a especificidade das práticas de letramento da HTPC. Não é

qualquer prática que ocorre na escola que pode ser automaticamente considerada como

pertencente à esfera escolar. Práticas escolares como a tarefa ou dever de casa podem ser

realizadas no lar, em uma biblioteca pública ou num banco de praça. O fato de a HTPC

ocorrer na maioria das vezes no espaço físico da escola não impede que a prática ocorra em

outros locais, como na sede da Secretaria de Educação do município. Relacionar

diretamente esfera a um espaço físico reduz o conceito bakhtiniano, que se refere a um

campo de atividade humana caracterizado discursivamente. Além disso, o letramento do

professor também não se restringe ao que ocorre na escola como espaço físico – ele pode

preparar aulas em diferentes locais, fazer cursos de formação na universidade, entre outros.

Por isso, considero as práticas observadas em campo como da esfera do

trabalho do professor, que está intimamente relacionado à esfera escolar e é dela

35 Os inúmeros qualificadores para letramento são criticados por Bartlet (2003) e retomados por Vianna et al.

(2012) quando não há um critério claro para tal qualificação e tudo passa a ser aceito, descaracterizando o

conceito. Knobel e Lankshear (2011) afirmam que essa profusão de adjetivações acabara associando

letramento à linguagem per se, como em “letramento oral”, “letramento visual”, “letramento da informação”,

“letramento do meio”, “letramento da ciência”, “letramento emocional”.

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inseparável, pelo motivo de que o trabalho do professor tem especificidades advindas da

esfera escolar e de sua função como principal agência de letramento de nossa sociedade.

Para especificar o que ocorre na HTPC, opto por qualificadores da esfera e dos letramentos

sob investigação a expressão “do trabalho do professor” para delimitar com maior precisão

o objeto sob investigação, já que os eventos de letramento no espaço escolar são inúmeros e

não poderiam ser todos considerados nesta pesquisa.

As esferas se interpenetram, dialogam entre si, se sobrepõem; gêneros

produzidos em uma esfera migram para outras, são destinados à circulação em diferentes

esferas, podem ser apropriados e reacentuados em situações comunicativas de esferas

variadas. Por exemplo, um documento oficial do Estado que regulamenta ou oferece

parâmetros à educação tem usos variados na esfera do trabalho do professor, na esfera

escolar ou ainda na esfera acadêmica. Por isso, nas análises, é relevante abordar as inter-

relações entre vozes sociais de diferentes esferas, como a escolar, a acadêmica e a do

Estado. Para visualizar essa ideia, proponho o organograma a seguir, que expõe as inter-

relações entre as principais esferas que constituem, de alguma maneira, a HTPC e o

letramento do professor36:

Figura 1: Principais esferas que constituem o letramento do professor no contexto da pesquisa

36 Outras esferas se relacionam à esfera escolar e ao letramento do professor. Destaco no organograma aquelas

que, pelos discursos que circulam na HTPC, a constituem.

Esfera escolar

Esfera do trabalho do professor

Esfera acadêmica

Esfera oficial ou do Estado

Esfera editorial

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O conceito de espaço de Milton Santos (2012), da perspectiva da Geografia,

ajuda a compreender essas relações e influências entre esferas. Segundo o autor, o espaço é

formado por um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações,

reunindo a materialidade e a vida que a anima. Os sistemas de objetos e os sistemas de

ações que compõem um espaço sempre interagem, como explica Santos (2102, p. 63): “de

um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro, o

sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É

assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma”.

Se pensamos em um gênero como objeto, ao migrar de uma esfera a outra e

compor um novo sistema de objetos, o gênero altera o espaço, condiciona novas ações e por

elas é modificado. Por exemplo, a coordenadora levou, em uma das reuniões de HTPC

semanal acompanhadas, folhetos de supermercado para sugerir um trabalho didático com

esse gênero. A função do objeto/texto – dar a conhecer preços promocionais de produtos

vendidos em um supermercado em determinado período –alterou-se ao ser levado para uma

reunião entre professores e compor uma sugestão de atividade de sala de aula. Por sua vez,

a presença desse objeto na reunião também altera o que se realiza na HTPC, o que é

considerado como sistema de objetos que constituem esse espaço.

Essa relação indissociável entre objetos e ações no enfoque de Santos não

compreende aspectos físicos e objetos de um espaço como coleções, simples reuniões de

objetos, pois a utilidade atual, passada ou futura destes vem de seu uso combinado por

grupos humanos, das ações que os modificam. Assim, o fato de a formação aqui em foco

ocorrer, majoritariamente, na escola, ou em espaços de atuação profissional do professor e

da rede municipal pública de ensino, com seus próprios sistemas de objetos, influencia as

ações do que ocorre na HTPC, e estas ações influenciam o sistema de objetos escolares. Ou

seja, por se dar na escola (ou na Secretaria Municipal de Ensino), a HTPC como prática de

letramento do professor pressupõe a esfera escolar e as práticas de letramento escolar, pois

estas são constitutivas do trabalho docente e são, muitas vezes, objetos do discurso nos

eventos formativos investigados. Contudo, os discursos que compõem a HTPC – uma

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esfera é definida discursivamente – não são só discursos escolares, como veremos nos

capítulos 5 e 6.

Santos (2012) também faz uma reflexão sobre as relações entre espaço e

processos históricos, afirmando que velhos objetos que compõem um espaço podem

permanecer nele com novas funções, pois estas são definidas pela rede de relações em que

os objetos estão inscritos. Por isso, afirma que o padrão espacial, na conjugação entre um

sistema de ações e um sistema de objetos, não é só morfológico, também é funcional. Os

objetos podem perdurar no tempo, mas sua significação é alterada pelas relações

estabelecidas em eventos concretos, situados. Assim, “as ações não são indiferentes à

realidade do espaço, pois a própria localização dos eventos é condicionada pela estrutura do

lugar” (SANTOS, 2012, p. 160). Diante dessas considerações, o espaço em que a formação

do professor ocorre – no caso, uma unidade escolar ou a Secretaria Municipal de Educação

- interfere nas ações das participantes nos eventos observados e pode modificar os objetos

que compõem esse espaço em sua funcionalidade. Em outras palavras, a esfera, como

campo discursivo, não se restringe à ideia de espaço, mas sofre influências dos conjuntos de

objetos e ações prototípicas do espaço em que as interações ocorrem: os gêneros

selecionados pelas participantes para compor a reunião não são aleatórios, pois se

relacionam com as funções do evento e os objetivos das participantes agindo em sua

identidade de professoras e coordenadora. Aliás, os mesmos sujeitos que participam da

HTPC semanal na escola em que trabalham, ao se reunirem em outro espaço e com outros

sujeitos (professoras de 5º ano que se organizaram para discutirem conteúdos das

avaliações externas) alteram as práticas de letramento que constituem a HTPC, suas

maneiras de participação nos eventos e os objetos mobilizados.

O conceito de esfera contempla tanto a situação específica quanto o tempo

histórico (cronotopo, na perspectiva bakhtiniana) em que os enunciados são produzidos, ou

seja, é situada historicamente. Conforme aponta Rojo (2013a, p.12):

o funcionamento das esferas de circulação dos discursos define os

participantes possíveis da enunciação (locutor e seus interlocutores) assim

como suas possibilidades (interpessoais e institucionais). Define também

um leque de conteúdos temáticos possíveis (...) (não se pode falar de

qualquer coisa em qualquer lugar) (...) O funcionamento de uma esfera

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também define “maneiras específicas de dizer/enunciar”, de discursar,

cristalizadas e típicas desse campo social – os gêneros do discurso.

Se comparamos a HTPC com a sala de aula, os participantes possíveis da

enunciação e suas identidades construídas são outros, como também o são as relações

interpessoais e institucionais: uma professora e sua turma de alunos em sala de aula versus

grupo de professoras, coordenadora e, às vezes, a diretora ou ainda funcionários da

Secretaria Municipal da Educação em HTPC.

Além das esferas que determinam a enunciação, há outro elemento central na

definição do enunciado, as apreciações valorativas. Bakhtin ([1934-35/1975] 1988)

defende que todo enunciado encontra o objeto para o qual está voltado já “desacreditado,

contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos

discursos de outrem que já falaram sobre ele” (p. 86). Ou seja, o objeto já está penetrado

por apreciações e entoações de outros, e o enunciado concreto sempre adentra um meio

dialogicamente perturbado e tenso de outros discursos. Um enunciado concreto, num dado

momento social e histórico, sempre toca os milhares de outros discursos sobre o objeto,

sendo sempre um participante ativo do diálogo social:

a orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o

discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em

todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se

encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com

ele, de uma interação viva e tensa (BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988, p.

88).

Quando um interlocutor profere um enunciado que adentra esse emaranhado

de fios, cria-se um novo significado, único, que também modifica a esfera de atividade em

que é produzido e circula. Como explica Rojo (2013a):

a enunciação não é determinada mecanicamente pelo funcionamento

social das esferas, pois o que vai substancialmente definir a significação e

o tema de um enunciado/ texto é sobretudo a apreciação de valor ou a

avaliação axiológica (ética, política, estética, afetiva;

BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981[1929]) que os interlocutores fazem uns

dos outros e de si mesmos ou de seus lugares sociais e do conteúdo

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temático em pauta, que apreciado valorativamente, transforma-se em tema

(irrepetível) do enunciado (ROJO, 2013a, p. 13).

Bunzen (2009, p. 28) defende que a escola não é somente uma instituição

que transfere saberes, práticas e objetos de ensino produzidos fora dela, pois nela

observam-se “processos de apropriação, de singularidades e de (re)criações de um sistema

escolar”. A partir da perspectiva do dialogismo bakhtiniano, que considera que nossos

enunciados estão sempre numa cadeia de interação verbal, sempre como réplica a outros

enunciados e gerando novas réplicas, o autor defende que não é possível reduzir práticas

escolares e julgá-las como “tradicionais” ou “inovadoras” sem considerar questões sócio-

históricas dessa instituição e a cadeia de enunciados que dialogam nessa esfera,

consideração que, a meu ver, se aplica também à formação do professor no seu local de

trabalho.

Por isso, conforme afirma Bunzen (2009, p. 29), “a escola moderna constrói

seus próprios tipos de saberes e habilidades conforme modelos de elaboração cuja lógica

pode ser encontrada dentro dos próprios sistemas educacionais e nas relações com outras

instâncias (CHERVEL, 1990, HÉBRARD, 1999)”. Apesar de o autor refletir sobre os

saberes e práticas direcionadas ao ensino de língua portuguesa para crianças e jovens, é

possível pensar que a escola e a rede de ensino como local de trabalho do professor também

constroem seus próprios saberes e práticas em relação à formação do professor.

A escola pode ser compreendida como agência de letramento (KLEIMAN,

1995), que tem por objetivo inserir os alunos em práticas letradas valorizadas em nossa

sociedade, e como local de trabalho (de professores, coordenadores, diretores, funcionários

da limpeza, merendeiras etc.). Contudo, as práticas desses diferentes profissionais são de

naturezas distintas, relacionadas ou não às práticas didático-pedagógicas da escola como

agência de letramento. Por essa complexidade, há definições de letramento escolar que

consideram como práticas de letramento na escola, tanto as destinadas ao ensino-

aprendizagem dos alunos quanto as relacionadas ao trabalho dos mais diferentes agentes

que atuam nesse espaço, assim como há definições que restringem o termo a práticas

relacionadas ao ensino-aprendizagem dos alunos. Bunzen (2009), por exemplo, ao definir

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“letramento escolar”, defende a ideia de que a escola moderna é uma esfera de

comunicação humana que

possibilita a produção, a utilização e a recepção de determinados gêneros

do discurso nas variadas atividades de linguagem que se dão em

espaçotempos sócio-históricos. A escola é, portanto, um lugar em que

práticas discursivas socioprofissionais (como as dos professores,

coordenadores, gestores, nutricionistas, etc.) emergem em colaboração

com outros sujeitos (especialmente aqueles que são chamados “alunos”).

Ou seja, a escola é um lugar da produção de textos (com fins pedagógicos

e/ou para andamento da própria esfera) por sujeitos que possuem papéis

sociais, status e funções a eles relacionados (fazer chamada, copiar da

lousa, ler em voz alta, preparar reuniões de HTPC, etc.) (BUNZEN, 2009,

p. 109).

Na definição de Bunzen (2009), a escola é entendida como uma esfera em que

“práticas discursivas socioprofissionais” são construídas na relação com práticas de

letramento destinadas ao ensino-aprendizagem dos alunos. No caso de minha pesquisa,

acredito que, no espaço escolar, há práticas de diferentes esferas discursivas que se

interpenetram, se influenciam, se alteram e considero mais produtivo diferenciar práticas

de letramento formativas das professoras em reuniões de HTPC, próprias da esfera do

trabalho docente, de práticas pedagógicas da esfera escolar, sem perder de vista as

relações que as constituem.

Corroboro a posição de Bunzen (2010, p. 104) no que diz respeito à relação

entre práticas de letramento e esfera de criação ideológica, o que possibilita refletir sobre

o contexto social mais amplo e os microcontextos, analisando o letramento como um

conjunto de práticas discursivas que envolvem o uso da escrita de maneira situada, não

como um modelo fixo e universal. Contudo, para recorte de meu objeto de análise,

diferencio o letramento escolar do letramento do professor, e esfera escolar de esfera do

trabalho do professor, apesar de considerar que essas práticas são sempre inter-

relacionadas, se sobrepondo muitas vezes. Meu interesse recai em práticas de letramento do

professor específicas: práticas de letramento formativas em seu local de trabalho, em

relação estreita com as práticas de letramento escolar, mas não incluindo-as num mesmo

subconjunto. Não observo a sala de aula, e sim as reuniões de corpo docente que, é claro,

tomam como um de seus temas as práticas que acontecem em sala de aula.

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Ao entender as práticas de letramento formativas do professor em seu local de

trabalho na relação com a escola também como esfera sócio-histórica, os significados

construídos pelas participantes nessas práticas são analisados de maneira situada, sem

tomar como referência uma dada formação acadêmica para julgar se um evento de

letramento é ou não formativo. Em conformidade com minha perspectiva situada de

letramento, o fator para considerar um evento formativo é seu funcionamento como tal para

as participantes, dentro dessa esfera, de suas dinâmicas e das interações entre os sujeitos, de

seus diálogos com outros discursos e vozes sociais. Ao descrever e investigar os eventos de

letramento formativos no local de trabalho do professor, se faz necessário abordar quais

gêneros são produzidos, circulam e são ressignificados na escola em espaços de formação

de professores e que (re)acentuações valorativas (BAKHTIN, 2003) recebem dos

participantes desses eventos de letramento.

Nas reuniões de HTPC, por exemplo, textos de autoajuda ou reportagens

jornalísticas compõem a dinâmica da reunião em momentos de leitura e “reflexão” sobre a

atividade docente. Numa concepção bakhtiniana, em que o dialogismo constitui os

enunciados e, por conseguinte, as relações entre os sujeitos, para além de textos trazidos

para os eventos de letramento, a relação com outras esferas e com vozes sociais diversas

também se instala na interação entre os sujeitos, em decorrência das esferas discursivas que

os gêneros instanciam - no caso do interesse desta pesquisa, na interação entre professoras,

coordenadora e diretora nas reuniões de HTPC. Os textos de autoajuda e reportagens

jornalísticas são interpretados e reacentuados pelas participantes, relacionando-os com seu

fazer profissional.

Dayrell (2001), ao abordar a instituição escolar, ressalta “a dimensão do

dinamismo, do fazer-se cotidiano” efetivado por sujeitos sociais e históricos. Considerar o

papel dos sujeitos na trama social que constitui a escola, enquanto instituição, implica,

segundo o autor, uma tensão entre duas dimensões: as práticas institucionais e o cotidiano

escolar. Baseando-se em Ezpeleta e Rockwell (1986), Dayrell (2001) afirma que a escola

seria o resultado de um confronto de interesses entre a organização oficial do sistema

escolar, que define conteúdos, espaços e tempos, hierarquias, e os sujeitos – alunos,

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professores, funcionários, coordenador, diretor – que fazem da escola um processo

permanente de construção social – como o é qualquer esfera de atividade humana:

a escola, como espaço sócio-cultural, é entendida, portanto, como um

espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente,

por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a

ação de seus sujeitos. Cotidianamente, por uma complexa trama de

relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e

conflitos, imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de

transgressão e de acordos (DAYRELL, 2001, p. 137).

Considero que essa dinâmica ocorre em qualquer esfera social, nas práticas

sociais, como na HTPC, na medida em que agem, sobre os discursos que a constituem,

forças centrífugas e centrípetas (BAKHTIN, 2003), de unidade e diferenciação. As forças

que agem sobre os discursos produzidos na formação do professor em seu local de trabalho

e as relações dessa formação com os espaços em que ocorre e com as esferas discursivas

que a constituem serão analisadas nos capítulos 5 e 6. Antes, contudo, no próximo capítulo,

descrevo de maneira mais detalhada o contexto em que esta pesquisa foi desenvolvida, as

participantes envolvidas e a perspectiva metodológica adotada.

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4 – Perspectiva metodológica e o campo de pesquisa

Uma pesquisa acadêmica que entende as histórias locais

como mecanismo de (re)configuração de outras identidades

e sistemas de conhecimentos por sujeitos que estão na

periferia em relação aos centros de poder, contrapõe-se a

teorias que caracterizam essas identidades como debilitadas,

dilaceradas, fragilizadas. É uma postura fortalecedora dos

sujeitos, portanto, ética. (KLEIMAN, 2013)

Este capítulo apresenta a perspectiva metodológica desta pesquisa, descreve o

trabalho de campo realizado e o contexto em que se desenvolveu.

Adoto a abordagem qualitativo-interpretativista de pesquisa, de cunho

etnográfico. Como discuti em De Grande (2011), as pesquisas em LA, por sua preocupação

com questões sociais e por seu interesse voltado para os usos reais da linguagem, têm

adotado metodologias de caráter qualitativo-interpretativista, escolha esta que não é

aleatória, pois decorre de uma compreensão sobre o que é fazer pesquisa, sobre o objeto de

pesquisa, sobre o que está implicado na relação entre pesquisador e pesquisados, tudo isso

articulado aos objetivos e pressupostos teóricos da pesquisa.

O paradigma qualitativo-interpretativista é a opção aqui privilegiada,

especialmente porque tem a ver com os modos pelos quais o pesquisador se relaciona com

o mundo, como ele vê a sua função de pesquisador. Segundo Mason (1998), a pesquisa

qualitativa está preocupada em saber como o mundo social é interpretado e experienciado,

entendido e produzido, baseando-se em métodos de geração de dados flexíveis e sensíveis

ao contexto social em que o dado foi gerado. A LA, além de incorporar métodos

interpretativos decorrentes da preocupação com a descoberta da realidade social, tem

compromissos com a utilidade social da pesquisa (MOITA LOPES, 2006; FABRICIO,

2006). Por isso, há a preocupação em dar retornos aos participantes desta pesquisa e para

formadores de professores como um compromisso de sua utilidade social.

Como afirma Silva (2003), há uma relação dialética entre a natureza do objeto e

a perspectiva responsável pelo desenho da pesquisa: se, por um lado, a dimensão teórico-

metodológica ajuda a delimitar o objeto de pesquisa e a visualizar a perspectiva de análise

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das questões, por outro, a própria concepção do objeto de estudo aponta para o tipo de

pesquisa a ser desenvolvida.

A perspectiva sócio-antropológica dos Estudos de Letramento ajuda a delimitar

a metodologia em associação à natureza do objeto e aos objetivos desta pesquisa. Práticas

de letramento são situadas em contextos de poder e ideologia, não são uma habilidade

neutra e técnica (STREET, 1984, 1993, 2006), o que o leva a reconhecer uma

multiplicidade de letramentos. Essa perspectiva dos Estudos de Letramento implica olhar e

interpretar as práticas sociais que envolvem a escrita a partir da situação em que ocorrem,

em consonância com o objeto de estudo da presente pesquisa.

Adotar uma perspectiva etnográfica em estudos sobre letramento é assumir,

segundo Street (1993, p. 1), “uma compreensão de letramento que requer explicações

detalhadas, aprofundadas de práticas em diferentes contextos culturais”37. Esse olhar

detalhado possibilita enfocar os modos pelos quais “a aparente neutralidade de práticas de

letramento disfarça sua importância para a distribuição de poder e de relações de autoridade

na sociedade”38 (STREET, 1993, p. 2). O olhar etnográfico, ao revelar os mais diversos

usos da escrita em diferentes práticas culturais, possibilita enxergar a heterogeneidade de

letramentos. E, como destaca Kleiman (1998b, p. 66), possibilita “construir descrições

iluminadoras da realidade social, o que nos permite ver com novos olhos fenômenos

cotidianos de uso da linguagem”.

Então, para observar as práticas de letramento de formação do professor em seu

local de trabalho e construir descrições iluminadoras dessa realidade, adoto uma

metodologia qualitativo-interpretativista de cunho etnográfico. O olhar etnográfico,

direcionado para os detalhes sobre o uso da escrita, possibilita descrever o que é, o que está

acontecendo, o que as pessoas fazem com a escrita, ao invés de julgar o que os sujeitos não

fazem a partir de uma norma pré-estabelecida39.

37 Tradução minha de “an understanding of literacy requires detailed, in-depth accounts o factual practice in

different cultural settings”. 38 Tradução minha de “the apparent neutrality of literacy practices disguises their significance for distribution

of power in society and for authority relations”. 39 Brian Street em palestra intitulada “Etnografia e pesquisa no campo dos estudos do letramento”, proferida

no Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, em 15 de agosto de 2008.

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Segundo Chizzotti (1991), a etnografia se caracteriza por promover a interação

direta do pesquisador com o(s) pesquisado(s) em seu cotidiano, ou seja, em seus contextos

naturais, a fim de compreender suas práticas, comportamentos, motivações, concepções,

além dos significados atribuídos a tais práticas. A etnografia, enquanto abordagem

naturalística à pesquisa social, procede por observações diretas de situações concretas

(ERICKSON, 1988). Adotar uma perspectiva etnográfica é ter uma abordagem mais

focada, mais local, para estudar aspectos particulares do cotidiano, práticas culturais e

rotineiras de um grupo social (GREEN; BLOOME, 1997).

Eu adotei, nesta pesquisa, métodos de geração de dados etnográficos dentro de

um trabalho de campo em contexto naturalístico. Bloomaert e Jie (2010, p.1), ao definir

etnografia e o trabalho de campo, salientam que os dados gerados na perspectiva

etnográfica são fundamentalmente diferentes de dados gerados em grande parte de outras

abordagens de pesquisa, pois a perspectiva etnográfica considera que

as pessoas não são catálogos culturais ou linguísticos, e a maior parte do

que vemos como seu comportamento cultural e social é realizado sem

refletir sobre isso e sem uma consciência ativa de que isso seja algo que

elas façam. Consequentemente, não é algo sobre o qual tenham uma

opinião, nem uma questão que possa ser confortavelmente posta em

palavras quando perguntamos a respeito. O trabalho de campo etnográfico

visa a descobrir coisas que geralmente não são vistas como importantes,

mas que pertencem a estruturas implícitas da vida das pessoas

(BLOMAERT; JIE, 2010, p. 3)40.

Para perceber as relações entre as práticas de linguagem e a sociedade,

pesquisas que adotam uma abordagem etnográfica envolvem um grau de atenção ao

pequeno detalhe na interação humana. Tal perspectiva também é adotada por pesquisas

inseridas na abordagem dos Estudos de Letramento, que entendem as práticas de letramento

como práticas sociais situadas que envolvem, de alguma maneira, o uso da escrita. Barton

(2000) ressalta que a teoria sociocultural do letramento favorece maneiras particulares de

fazer pesquisa, as quais priorizam o exame detalhado de instâncias particulares de práticas

40 Tradução minha de: “People are not cultural or linguistic catalogues, and most of what we see as their

cultural and social behavior is performed without reflecting on it and without an active awareness that this is

actually something they do. Consequently, it is not a thing they have an opinion about, nor an issue that can

be comfortably put in words when you ask about it. Ethnographic fieldwork is aimed at finding out things that

are often not seen as important but belong to the implicit structures of people´s life”.

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sociais. Essa abordagem, que toma as práticas sociais de uso da escrita como situadas,

considera que os letramentos são posicionados em relação a instituições sociais, como a

escola (instituição de atuação do professor) e o Estado (instituição que o emprega), e as

relações de poder que as sustentam.

A abordagem etnográfica também apresenta o potencial e a capacidade de

desafiar visões estabelecidas sobre determinadas realidades sociais, pois é capaz de

construir um discurso que difere das normas e expectativas estabelecidas, tomando essas

normas e expectativas mais como problemas do que como fatos. Nesse aspecto, a

abordagem etnográfica se torna uma iniciativa crítica ao desconstruir um imaginário social

sobre a função atribuída a recursos específicos (BLOMAERT; JIE, 2010, p. 10, 11).

Ao adotar uma perspectiva etnográfica em investigações sobre os usos sociais

da escrita, pesquisas no campo dos Estudos de Letramento recorrem a uma série de

métodos de geração de dados, como a observação participante, a entrevista, o diário de

campo, em combinação com dados documentais, entre outros (VÓVIO; SOUZA, 2005). Os

dados que serão analisados nos próximos capítulos foram gerados a partir dos seguintes

métodos: observação participante, diário de campo, entrevistas (informais e semi-

estruturadas), coleta de documentos de circulação nos eventos observados e questionário41.

Este, além de traçar o perfil socioeconômico das participantes da pesquisa, busca também

inventariar práticas de leitura, acervos e autopercepção sobre leitura e escrita por meio de

declaração.

A escolha da escola participante foi decorrente de uma rede de contatos com

professores e coordenadores que participaram de cursos de formação continuada oferecidos

pelo Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem

(CEFIEL)42 em que, como pesquisadora do grupo Letramento do Professor, atuei como

monitora. Quatro professoras foram contatadas por e-mail, solicitando a participação na

pesquisa. Uma professora respondeu prontamente, demonstrando interesse em conhecer o

41 Questionário desenvolvido por Claudia Vóvio, adaptado e utilizado pelo Grupo Letramento do Professor. 42 O CEFIEL congregava professores da área da linguagem do Instituto de Estudos da Linguagem da

UNICAMP, e sua implantação foi coordenada por Angela Kleiman, em 2004/2005. O Centro fazia parte da

“Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica” do Ministério da Educação e

Cultura (MEC). Participavam da Rede Nacional de Formação Continuada mais outras dezoito universidades,

públicas e particulares (VIANNA, 2010).

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projeto. Apenas outra professora respondeu a esse contato inicial, contudo o fez por volta

de um mês depois de o trabalho de campo já ter sido iniciado.

A professora Eliane, que respondeu o e-mail, em 2009, na época em que

participamos do curso referido – eu como monitora e ela como professora multiplicadora,

trabalhava como formadora da rede municipal de ensino de seu município. Após sua

primeira resposta positiva, trocamos outros e-mails, com mais detalhes sobre a pesquisa.

Em 2011, Eliane atuava como coordenadora de uma escola municipal de ensino

fundamental. Ela falou com o grupo de professoras da escola em que estava atuando sobre

meu projeto e, depois do consentimento do grupo em um primeiro encontro (ver em anexo

1 o termo de consentimento esclarecido de pesquisa; ver em anexo 2 o parecer do Comitê

de Ética da Unicamp), passei a participar de reuniões de HTPC.

4.1 A cidade, a escola, a reunião, as professoras

A escola em que esta pesquisa se desenvolveu, uma Escola Municipal de

Ensino Fundamental I, está situada em uma pequena cidade do interior paulista. De acordo

com a pesquisa do IBGE de 2010, a cidade fica a 40 quilômetros de uma grande cidade do

interior paulista, tem pouco mais de 44 mil habitantes, sendo 6789 deles alunos

matriculados no Ensino Fundamental em escolas públicas e particulares, e por volta de 300

professores atuantes nesse nível de ensino, no ano de 2009.

A cidade possuía, no ano de 2010, nove Escolas Municipais de Ensino

Fundamental. Todas as escolas municipais são equipadas com lousas digitais, projetores e

computadores portáteis, um para cada sala de aula.

No final do ano de 2011, ano em que desenvolvi o trabalho de campo, a

Secretaria Municipal de Educação adotou um sistema apostilado de material didático de

uma grande editora do sul do país para toda a rede43, da Educação Infantil ao 5º ano do

Ensino Fundamental, a ser implantado em 2012, seguindo uma tendência de outras

pequenas cidades da região. Em uma reunião do primeiro semestre de 2011, a terceira de

43 O Sistema Positivo de Ensino, da Editora Positivo.

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que participei, em que o secretário da educação esteve presente, o grupo comentou a adoção

do mesmo material por duas outras cidades vizinhas. O secretário e algumas professoras

elogiaram a adoção do material por essas cidades. Na ocasião, o secretário propôs uma

pesquisa de opinião com as professoras, em que elas registraram em pequenas cédulas se

gostariam ou não de adotar o método apostilado. No segundo semestre de 2011, soube pela

coordenadora que a maioria das professoras da rede tinha respondido que gostariam de

adotar o método apostilado, e o acordo foi fechado. Há uma expansão de adoções de

sistemas apostilados por prefeituras, em detrimento da escolha de materiais didáticos pelo

PNLD, processo de privatização o que se configura como um outro dado da situação de

produção dos discursos analisados no contexto investigado nesta pesquisa.

A escola em que os dados para esta pesquisa foram gerados se situa em um

bairro periférico da cidade. Tinha 292 alunos de 1º a 5º ano. Contudo, em setembro, devido

à reforma de uma unidade de Educação Infantil de um bairro próximo, passou a receber

duas turmas a mais de alunos desse nível de ensino. As professoras atuantes no Ensino

Fundamental I eram dezesseis, sendo três delas professoras auxiliares44. Esse número se

alterou ao longo do ano com a saída de uma professora auxiliar. Nove delas trabalhavam

com as turmas da manhã, sete com as turmas da tarde.

Com base em um questionário (anexo 3) respondido pela coordenadora e pelo

grupo de professoras que davam aulas pela manhã, acompanhado mais de perto durante a

pesquisa, levantei algumas características gerais do grupo de participantes desta pesquisa.

Ao todo, oito participantes responderam o questionário: sete professoras e a

coordenadora. A faixa etária do grupo vai de 41 a 57 anos (uma das professoras que não

entregou o questionário, a mais nova do grupo, tinha 30 anos). A maioria (sete) é nascida

no estado de São Paulo e uma em Minas Gerais. Todas se declararam brancas, são casadas,

têm entre um e três filhos, e renda familiar média de R$2000,00 (por volta de 3,5 salários

mínimos na época). Cruzando dados da renda familiar, posse de itens e instrução familiar,

as professoras se enquadram nas classes C e D45. Apesar de sete das oito professoras terem

44 Profissionais que trabalham com alunos considerados com algum tipo de dificuldade de aprendizagem no

contra turno das aulas regulares. 45 Com base nas classificações do Critério Brasil (da Associação Brasileira de Empresas de pesquisa de 2011)

e do IBGE.

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curso superior e três delas terem afirmado que o chefe de família possuía ensino superior, a

maior parte permanece entre as classes média baixa e baixa.

Também cabe destacar que as professoras participantes desta pesquisa

representam uma história de sucesso escolar, sendo a primeira geração a continuar os

estudos ao nível Médio e Superior, o que corrobora outras pesquisas sobre o perfil do

professorado brasileiro (BATISTA, 1998; ALMEIDA, 2001; KLEIMAN, 2001). Na

resposta sobre o nível de escolaridade do pai ou pessoa do sexo masculino que as criaram,

quatro informaram primário incompleto e quatro, primário completo. As profissões citadas

foram lavrador (3), agricultor (2), empresário (1) e aposentado (2). Sobre o nível de

escolaridade da mãe ou pessoa do sexo feminino que as criaram, uma respondeu analfabeta,

três selecionaram a opção primário incompleto, e quatro, primário completo. As profissões

citadas neste caso foram doméstica (4), lavradora (2), merendeira (1), professora (1) e dona

de casa (1).

Outro dado relacionado à instrução familiar é o fato de sete das oito professoras

terem afirmado que todas as pessoas da casa, mesmo sem ou com pouca escolaridade,

sabiam ler e escrever ou tinham frequentado a escola; somente uma delas indicou que

somente os homens da casa, o pai e o irmão, sabiam ler ou frequentavam a escola em sua

infância. Gatti e Barreto (2009), que analisaram dados sobre os estudantes de licenciaturas

brasileiras, destacam a escolaridade dos pais dos estudantes. Em um país de escolarização

tardia como o Brasil, em torno de 10% deles têm pais analfabetos e, se somados esses aos

que têm pais que frequentaram apenas até a 4ª série do ensino fundamental, chega-se

aproximadamente à metade dos licenciados. Assim, os docentes representam um claro

processo de ascensão desse grupo geracional a altos níveis de formação.

Ao serem questionadas sobre as práticas cotidianas de leitura e escrita dos pais

ou responsáveis durante a infância, cinco das oito professoras afirmaram vê-los lendo ou

escrevendo cartas ou acompanhando crianças nos estudos. Nenhuma delas respondeu ter

visto os pais ou responsáveis lendo ou escrevendo para tarefas do trabalho, nem mesmo a

que afirmou que a mãe era professora. Essa resposta tece relações com a maneira como se

concebe o letramento do professor para o local do trabalho. Práticas de leitura e escrita dos

pais e responsáveis como as descritas no gráfico a seguir não são reconhecidas como

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práticas de letramento do trabalho docente (no caso da professora que tinha a mãe também

professora).

Gráfico 1: Práticas de letramento dos pais ou responsáveis durante sua infância

A escolaridade da família formada pelas professoras é maior, conforme dados

sobre o grau de escolaridade do chefe de família (elas mesmas ou o marido); somente uma

professora declarou que o chefe de família é analfabeto ou com o primário incompleto; uma

declarou que o chefe da família tem primário completo e ginasial incompleto; duas, ginasial

completo e colegial incompleto; uma, colegial completo e superior incompleto; e três

declararam superior completo.

Sobre a formação escolar do grupo de professoras, apenas uma entre as oito que

responderam ao questionário frequentou creche. Três das professoras interromperam os

estudos por três meses ou mais para depois retomá-los, sendo que duas delas o fizeram mais

0

1

2

3

4

5

6

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de uma vez. Todas fizeram a maior parte dos estudos da Escola Básica (Ensino

Fundamental e Médio) na escola pública. A maioria (seis) cursou o Ensino Superior em

instituição privada de pequeno porte, duas cursaram em universidade pública.

A maioria das professoras do grupo participante frequentou instituições de

ensino superior privadas isoladas, sem oportunidades de trocas e experiências de pesquisa

possibilitadas em uma universidade de grande porte, principalmente as públicas. Gatti e

Barreto (2009), ao investigarem os cursos de formação inicial de professores, destacam que

há um percentual não desprezível dos cursos (21,6%) que são realizados em faculdades ou

institutos isolados em que as oportunidades de trocas culturais tendem a ser mais pobres.

Na região Sudeste, 90,1% dos cursos de Licenciatura I [Pedagogia] são oferecidos por

mantenedoras privadas, setor em que estão 87,4% das matrículas neste curso no Brasil.

Sobre a formação profissional das professoras, a maioria – sete - cursou Curso

normal ou magistério de 2º grau, sendo que destas, seis cursaram também licenciatura em

pedagogia, e uma, licenciatura em outra área. Cinco das oito professoras fizeram ou

estavam fazendo curso de especialização.

Gráfico 2: Formação Profissional

Gatti e Barreto (2009) afirmam que a maioria dos professores brasileiros possui

formação adequada do ponto de vista do grau de escolaridade exigido para os níveis de

0 2 4 6 8 10

Normal ou Magistério (2º Grau)

Normal Superior

Licenciatura em Pedagogia

Bacharelado em Pedagogia

Licenciatura em outras áreas

Outro curso superior voltado à…

Pós-graduação (especialização,…

Não fiz

Cursando

Completo

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ensino em que trabalha, sobretudo quando se tem em conta que até 1996 o curso mínimo

requerido por lei para o exercício da docência na educação infantil e nas quatro primeiras

séries do ensino fundamental era o magistério de nível médio. Em 2009, no Ensino

Fundamental I, 41,3% dos ocupantes dessas funções possuía somente a formação de nível

médio46.

Outros itens do questionário abordavam as práticas de letramento das

professoras no cotidiano, para o estudo e para o trabalho, como também questionavam

sobre o acervo de material escrito que possuíam. As respostas a essas questões fornecem

dados relacionados às práticas de letramento formativas observadas em campo, já que é

possível perceber uma semelhança entre estas, principalmente na seleção de textos levados

para discussão nas reuniões de HTPC.

Todas afirmam ler para estudar, para aprender alguma coisa ou para o trabalho.

Textos encontrados na internet, materiais didáticos e apostilas são os mais declarados na

lista de textos lidos para estudar (tabela 3). Na tabela 2, é possível notar que quatro

professoras afirmam ler artigos, ensaios e livros da área da educação para o trabalho, opção

que é selecionada apenas por uma professora na questão sobre leituras para estudo (tabela

3), apesar do número elevado de professoras com pós-graduação. Para o trabalho (tabela 2),

todas afirmam ler materiais didáticos e sete das oito declaram ler literatura infantil. Jornais

e revistas relacionados à educação também são materiais relevantes entre as declarações,

assim como textos em geral relacionados à educação buscados em sites da internet

(assinalados por 6 e 5 professoras nas leituras para o trabalho, respectivamente). Esse dado

se relaciona com eventos observados em campo, já que mensagens audiovisuais digitais,

que circulam por e-mails e blogs na internet47, eram utilizadas em momentos chamados de

“mensagem” ou “reflexão”, durante o HTPC:

46 Gatti e Barreto (2009) ressaltam que as demandas por formação adequada ao exigido na legislação são

muito diferentes segundo os níveis e etapas de ensino e as regiões do país. 47 Em entrevista com três professoras e com a coordenadora, perguntei como buscam textos na internet para

estudo ou para a HTPC. Todas escolhem uma palavra-chave que seria o tema buscado e consultam os sites

que aparecem até encontrarem um texto que consideram adequado para ser lido na reunião.

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91

Tabela 2: leituras para o trabalho

Materiais didáticos 8

Literatura infantil 7

Jornais e revistas relacionados à educação 6

Textos em geral de sites da internet relacionados à educação 5

Artigos, ensaios e livros da área da educação ou relacionados 4

Livros religiosos 2

Livros de autoajuda 0

Tablea 3: Tipos de textos lidos para estudo

Textos em geral encontrados na internet 6

Livros didáticos 5

Apostilas 4

Livros de literatura 2

Revistas 2

Matérias, esquemas, textos ou exercícios no caderno 2

Livros técnicos, teóricos ou ensaios 1

Livros de autoajuda 1

Jornais 1

Enciclopédias 0

Dicionários ou manuais de gramática 0

Outro fato a destacar é que cinco professoras leem jornais e revistas pela

internet, sendo que todas afirmam usar o computador (a maioria em casa, apenas uma

afirmou utilizar no trabalho). Dados como esses apontam que o acesso a tecnologias

digitais não é um problema para o grupo de professoras e compõe suas práticas de

letramento.

Chama atenção no desenho esboçado por tais dados a presença de textos

religiosos, mesmo quando a leitura se destina ao estudo, ao trabalho ou ao cotidiano. Ao

serem questionadas sobre que tipo de revistas que costumam ler, todas informaram que

leem revistas informativas semanais. Cinco declaram ler revistas educacionais e quatro das

oito declaram ler revistas religiosas e especializadas:

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Tabela 4: Tipos de revistas que costumam ler

De informação semanal (Veja, Época, Isto É) 7

Educacionais (destinadas a professores e profissionais da educação como Nova Escola) 5

Especializadas (saúde, informática, esportes, viagem) 4

De religião 4

Quadrinhos, gibi, humor 3

De culinária, corte e costura, tricô e crochê ou artesanato 2

Fofocas e novelas (Caras, Contigo, Amiga) 1

Femininas (Cláudia, Nova, Marie Claire) 1

Infantis 1

Sobre seus acervos, as professoras indicaram que possuem materiais escritos

variados. Ao observarmos os dados mais detidamente, destaca-se o fato de todas afirmarem

que possuem a Bíblia ou livros religiosos, mesmo que uma delas tenha afirmado não

praticar nenhuma religião nem frequentar igrejas (quatro se declararam católicas e três,

protestantes ou neopentecostais). Os materiais escolares e dicionários também se destacam:

Tabela 5: Acervo de materiais escritos em casa

Álbuns de fotografia

Bíblia ou livros religiosos

Folhinha, calendários

Catálogos e lista telefônica

Dicionário

Livros de receitas

Todas as professoras (8)

Livros didáticos ou apostilas escolares 7 professoras

Guias de rua e serviços

Cartilhas, carta do ABC ou livros escolares

Livros de literatura

Revistas

Livros infantis

6 professoras

Livros técnicos ou especializados

Manuais de instrução

Enciclopédias

5 professoras

Livros de autoajuda 4 professoras

Folhetos, apostilas ou livretos de movimentos sociais, de partidos

políticos ou grupos religiosos

Jornais

3 professoras

Livros ou Folhetos de Literatura de cordel 2 professoras

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Seus acervos na vida adulta são mais variados do que os acervos da casa em

que viveram na infância, conforme declaração no questionário. Na infância, os materiais

mais presentes são semelhantes: todas as professoras afirmaram que havia a Bíblia ou livros

religiosos na casa em que passaram a infância, sete afirmaram que havia álbuns de

fotografia e seis afirmaram que havia cartilhas, carta do ABC ou livros escolares. Livros

técnicos, revistas, manuais e livros de literatura e infantis, declarados pela maioria das

professoras na vida adulta, não compunham os acervos da infância da maioria das

professoras ou não as marcaram o suficiente para citarem no questionário. A ampliação do

acervo pode decorrer do processo mais longo de escolarização das professoras, incluindo a

formação em nível superior e pós-graduação, o que demanda livros técnicos, por exemplo;

da participação em políticas públicas de distribuição de livros nas escolas, como o PNLD

(Programa Nacional do Livro Didático) e o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da

Escola)48, e do contato com editoras no contexto desses programas.

Ao serem questionadas sobre os livros de que gostaram ou que foram

marcantes, as professoras destacam títulos religiosos e de autoajuda. Os autores mais

citados, respectivamente quatro e duas vezes, são Augusto Cury e Içami Tiba. Os dois são

médicos psiquiatras, vendem milhões de livros no Brasil, geralmente classificados como de

autoajuda. Apesar de ter dois livros citados, a autora de Best-sellers Stephenie Meyer não

teve seu nome anotado pelas professoras. Do total de livros citados, sete títulos são

religiosos e seis são de autoajuda:

48 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), desenvolvido desde 1997, tem promove a distribuição

de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência para alunos e professores. A construção do

acervo do professor é realizada com a aquisição de obras de referência para os professores da educação básica

regular e da educação de jovens e adultos tendo em vista a preparação dos planos de ensino e a aplicação de

atividades em sala de aula com os alunos.

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94

Tabela 6: Livros que gostaram ou que as marcaram

Pais brilhantes, professores fascinantes – Augusto Cury 3 Autoajuda

Bíblia Sagrada 2 Religioso

A cabana – Willian Young 2 Religioso

Filhos brilhantes, alunos fascinantes – Augusto Cury 1 Autoajuda

O futuro da humanidade – Augusto Cury 1 Autoajuda

O semeador de ideias – Augusto Cury 1 Autoajuda

Quem ama educa – Içami Tiba 1 Autoajuda

Disciplina, limite na medida certa – Içami Tiba 1 Autoajuda

O caso dos 10 negrinhos – Agatha Cristie 1 Romance

Antes do baile verde – Ligia Fagundes Telles 1 Romance

Dom Casmurro – Machado de Assis 1 Romance

Pequeno Príncipe – Saint Exupery 1 Romance

Jardim secreto – Francis H Burnett 1 Romance

Crepúsculo – Stephenie Meyer 1 Romance

Lua Nova – Stephenie Meyer 1 Romance

Terço da Libertação 1 Religioso

Ágape – Padre Marcelo Rossi 1 Religioso

Nada é por acaso – Zíbia Gaspareto 1 Religioso

O desejado de todas as nações – Ellen G. White Estate 1 Religioso

Atos dos apóstolos 1 Religioso

A vida de Jesus 1 Religioso

Ciência do bom viver 1 Manual de

alimentação

Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado – Ana Beatriz B.

Silva

1 Psicologia

Padre ou pastor, junto com professor ou professora e mãe foram, cada um,

citados duas vezes como a pessoa que mais influenciou as professoras em seu gosto pela

leitura. Também são padres, pastores e professores as pessoas lembradas como aquelas que

lhes indicam livros:

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Tabela 7: Quem indica os livros que leem

Normalmente, quem indica os livros que você lê?

Padre ou pastor da minha religião 4

Outras professoras, colegas de trabalho. 4

Um professor ou professora, apenas como sugestão. 3

Meus Amigos 3

Não sigo indicações, faço escolhas sozinho(a). 2

Um professor ou professora, como leitura obrigatória de um curso. 1

Tabela 8: Com quem conversam sobre os livros que leem

Você costuma conversar sobre os livros que lê?

Sim, com colegas de trabalho, do grupo ou associação que tomo parte ou da religião que sou

adepta

5

Sim, converso com professores ou colegas de trabalho 4

Sim, converso com meus pais ou parentes ou pessoas que vivem comigo 3

Sim, com amigos ou namorado(a) 1

Não costumo conversar sobre livros que leio 0

Da questão “Você participa ou já participou de quais destas associações ou

organizações?”, cinco das oito professoras participam de igreja ou grupo religioso, sendo

que seis delas vão pelo menos uma vez por semana a cultos, missas ou reuniões religiosas.

A participação em outros tipos de grupo é menor:

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96

Gráfico 3: Participação em grupos, associações ou organizações

Tabela 9: Frequência em que vai a cultos, missas ou reuniões religiosas

Com que frequência você costuma ir a cultos, missas ou reuniões religiosas?

1. Duas vezes por semana 3

2. Uma vez por semana 3

3. Duas vezes por mês 1

4. Uma vez por mês 0

5. De vez em quando 0

6. Não frequento cultas, missas ou reuniões religiosas 1

As três professoras que afirmaram frequentar duas vezes por semana se

declararam protestantes (o que inclui as Igrejas neopentecostais em crescimento no Brasil),

sendo que uma delas realiza pregação uma vez por mês a pedido do pastor e outra é líder do

encontro de casais de sua igreja.

O destaque das práticas de letramento religiosas se reflete na presença de textos

religiosos nas HTPCs, como também na prática de rezar um Pai Nosso no início das

reuniões.

0

1

2

3

4

5

6

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97

As professoras podem ser caracterizadas como seguras a respeito de suas

habilidades de leitura e escrita, pois todas responderam que a forma como leem e escrevem

as ajuda muito em suas atividades domésticas e profissionais.

Sobre outras práticas sociais e culturais das quais participam fora do trabalho, a

maioria, cinco, assiste frequentemente a noticiários televisivos. Um dado que chama a

atenção é que sete deles nunca ou raramente vão a museus e exposições e seis nunca ou

raramente vão ao cinema. Tal fato pode estar relacionado ao porte da cidade, que não

apresenta muitas opções de lazer: a cidade, de pequeno porte, possui biblioteca municipal;

contudo, não possui museus nem salas de cinema. Ou seja, as professoras têm que se

deslocar do município para participar de tais práticas.

Os dados corroboram outros dados sobre o acesso a bens culturais do brasileiro

de uma maneira geral. Por exemplo, Abreu (2003), que analisa dados sobre esse acesso dos

entrevistados recenseados em 2001 pelo INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo

Funcional), destaca que 83% da população da amostra nunca foi ao teatro, 78% nunca foi a

um museu e 68% nunca foi ao cinema, sendo que 59% nunca aluga filmes; 50% nunca vai a

show e 45% nunca vai a exposições ou feiras. As práticas relacionadas à televisão e ao

rádio, são mais presentes: 81% assiste TV e 78% ouve rádio.

A caracterização socioeconômica do grupo de professoras e o desenho de suas

práticas de letramento e acervos de leitura têm impactos quando nos voltamos para a

reflexão sobre as políticas públicas de formação continuada. As professoras são das classes

C e D, primeira geração de escolaridade mais longa em suas famílias, com letramentos que

envolvem práticas escolares, religiosas, de cultura de massa (best-sellers, autoajuda,

televisão) e digitais (uso do computador e da internet), e em comunidades de práticas

específicas (grupos religiosos, e não grupos profissionais ou políticos, como o sindicato).

Tal caracterização deveria ser levada em conta no planejamento de políticas públicas que

têm em vista o professorado. No caso da HTPC, a regulamentação do Estado garante um

espaço-tempo para a formação do professor em seu local de trabalho, mas não propõe ou

discute o que se fazer nesse espaço-tempo nem possibilita que se amplie o acesso do

professor a letramentos mais variados relacionados a sua profissão a partir das práticas de

letramento já familiares a ele ou em diálogo com essas práticas.

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4.2 Os eventos de formação

4.2.1 A HTPC na escola

Na escola participante desta pesquisa, a HTPC ocorria às terças-feiras, em dois

períodos: de manhã para as professoras que lecionam à tarde, das 9h45 às 12h, e à tarde

para aquelas que lecionam pela manhã, das 12h15 às 14h30.

Na primeira entrada em campo, apresentei-me, falei sobre o projeto e pedi a

permissão dos dois grupos de professoras – de manhã e à tarde – para observar as reuniões.

Avisei que levaria, na semana seguinte, um termo de consentimento livre e esclarecido

(Anexo 1) para que se informassem melhor sobre o projeto. Todas as professoras

preencheram o termo e não se opuseram à gravação em áudio, iniciada na terceira

participação nas reuniões. Contudo, em alguns momentos, principalmente os de brincadeira

e descontração, durante as reuniões, as professoras costumavam pedir para desligar o

gravador, o que era feito prontamente.

Eventualmente, a diretora e a vice-diretora participavam das reuniões. Em

alguns casos específicos, outras pessoas, convidadas pela coordenação e direção, também

participavam. Participei de três reuniões com pessoas convidadas: uma com o então

secretário de educação do município, uma com uma especialista em ecologia e cultivo

sustentável, e outra com uma professora aposentada da rede municipal.

Nas reuniões de HTPC de manhã, participavam por volta de sete professoras,

sendo uma auxiliar. Na parte da tarde, eram por volta de nove professoras, sendo duas

auxiliares. No início do ano de 2011, comecei a pesquisa de campo, com observação

participante nas reuniões dos dois períodos. Na segunda metade do mês de abril, optei por

observar somente a turma de professoras que lecionava de manhã e tinha as reuniões à

tarde. Tal procedimento se deu por dois motivos: a pauta das duas reuniões sempre era a

mesma, então optei por acompanhar somente um grupo, porém de forma aprofundada; no

grupo que se reunia à tarde estavam três professoras que atuavam no 5º ano e passaram a

participar, quinzenalmente, de reuniões com professoras de 5º ano de toda a rede municipal,

outro tipo de evento de formação de interesse para esta pesquisa, que também passei a

acompanhar.

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4.2.2 Demanda gerada por avaliação externa

Em uma das reuniões de HTPC na escola de que participei, Eliane trouxe um

informe da Secretaria Municipal de Educação para as professoras de 5º ano: reuniões

quinzenais com professoras de toda a rede atuantes nesse ano iriam ser realizadas por uma

demanda, segundo a coordenadora, das próprias professoras para abordar temas

relacionados a avaliações externas – a Prova Brasil49 e o Saresp50 - tendo em vista a

aplicação de ambas ao final do ano. Pedi a Eliane para participar dessas reuniões. Ela disse

que não via problemas, mas iria consultar a secretaria. Na mesma semana, Eliane me

enviou um e-mail com a resposta positiva e as informações de data e horário do primeiro

encontro.

Os encontros foram iniciados por volta de seis meses antes das avaliações

externas. Com apoio de assessoras e supervisoras da Secretaria de Educação, as professoras

e coordenadoras organizavam-se nas reuniões para debater assuntos relacionados às duas

avaliações.

Segundo a legislação, a HTPC também pode ser utilizada para reuniões,

atividades pedagógicas e de estudo, de caráter coletivo, bem como para atendimento a pais

de alunos; por isso, as professoras não participavam da reunião na escola nas semanas em

que participavam da reunião de professoras dos quintos anos. Como são professoras de

diferentes escolas da rede, elas se reuniam em uma unidade escolar ou na secretaria

49 A Prova Brasil é uma avaliação para diagnóstico, em larga escala, desenvolvida pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC). De acordo com o site do Ministério da

Educação, a Prova Brasil tem o objetivo de “avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional

brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos”. Os testes são de língua

portuguesa e matemática, aplicados nos quinto e nono anos do ensino fundamental. Em língua portuguesa, o

foco é a leitura. Ainda segundo o website do MEC, a partir das informações da Prova Brasil, “o MEC e as

secretarias estaduais e municipais de Educação podem definir ações voltadas ao aprimoramento da qualidade

da educação no país e à redução das desigualdades existentes, promovendo, por exemplo, a correção de

distorções e debilidades identificadas e direcionando seus recursos técnicos e financeiros para áreas

identificadas como prioritárias”. As médias de desempenho nessas avaliações subsidiam o cálculo do Índice

de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). 50 O Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP envolve todas as

escolas da rede pública estadual que oferecem ensino regular a alunos do Ensino Fundamental e do Ensino

Médio. Cada edição envolve a aplicação de provas aos alunos e questionários respondidos pelos pais, alunos,

professores e gestores do ensino. As provas são aplicadas a alunos do 3º, 5º, 7º e 9º ano do Ensino

Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio. Os componentes curriculares a serem avaliados são Língua

Portuguesa, Matemática e Ciências Humanas (História e Geografia), além da prova de redação. Informações

do site http://saresp.fde.sp.gov.br/2011/

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100

municipal de educação em horários em que não estavam em sala de aula, o que tornava o

evento somente formativo, pois não estava relacionado a demandas de gestão ou problemas

cotidianos de nenhuma escola em específico.

As reuniões de HTPC das professoras de quinto ano se organizavam de maneira

colaborativa: uma dupla de professoras (que também poderiam estar na função de

coordenação) desenvolvia uma palestra ou oficina sobre um tema escolhido previamente

pelo grupo. Os temas foram propostos na primeira reunião a partir das sugestões das

professoras presentes. Os temas deveriam estar relacionados à Língua Portuguesa ou à

Matemática, disciplinas avaliadas nas duas avaliações externas.

O quinto ano do ensino fundamental é o último oferecido em escolas

municipais. A partir do terceiro ciclo do Ensino Fundamental de nove anos, ou seja, a partir

do 6º ano, os alunos passam a estudar em escolas estaduais. Nesse ano, os alunos também

passam por exames de avaliação de aprendizagem em nível estadual e federal, gerando

índices sobre a qualidade do ensino do município, o que costuma ser uma grande

preocupação das Secretarias de Educação. Ao participar de uma das reuniões na escola

observada, o Secretário de Educação da cidade explicitou sua preocupação com as

cobranças e reclamações que vêm das escolas estaduais sobre os alunos que lá chegam no

6º ano, como também dos indicativos dos exames. Por outro lado, as professoras que

lecionam no 5º ano reclamavam da cobrança que recai toda, segundo elas, nos 5º anos.

Além de observar as reuniões, fui convidada, junto com a coordenadora da

escola observada, Eliane, a contribuir com uma palestra sobre o trabalho com gêneros

discursivos em sala de aula, mais precisamente sobre o gênero resenha, um dos temas de

interesse das professoras. Essas reuniões contavam com mais ou menos 30 participantes,

entre professoras, coordenadoras e funcionárias da secretaria de educação.

4.2.3 Consultoria pedagógica de editora de sistema apostilado

No segundo semestre de 2011, a Secretaria Municipal de Educação fechou

contrato com um sistema apostilado para toda a rede municipal – da Educação Infantil ao

último ano do Ensino Fundamental I (o 5º ano). Com isso, a editora do material didático

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101

passou a oferecer “capacitações”51 para as professoras. No primeiro e único encontro de

2011, ocorreram duas palestras: das 8h às 12h com uma consultora de Língua Portuguesa, e

das 13 às 17horas, com uma consultora de Matemática. No caso deste primeiro evento, a

Secretaria solicitou que as duas tratassem dos conteúdos da Prova Brasil para as professoras

do 5º ano, dentro das ações da formação organizada para essa demanda específica. Com o

acordo firmado, outros eventos como esse poderiam ser solicitados pela secretaria.

Esses eventos, pelo observado nesse primeiro encontro, são destinados a

tratar de demandas diretamente relacionadas ao trabalho do professor com exemplos

baseados no material apostilado. No caso do evento observado, as duas consultoras deram

aulas expositivas, tratando de conceitos e exemplificando com atividades didáticas

(presentes no material didático adotado).

Sobre a adoção de apostilados por secretarias municipais de educação,

Andrade (2010) destaca, primeiramente, a contradição de sua adoção com políticas de

seleção e avaliação do livro didático, programa do Ministério da Educação (Programa

Nacional do Livro Didático - PNLD). Ao comprar os métodos apostilados, gera-se um não

alinhamento entre políticas públicas municipais, guiadas pelo privado, e as traçadas pelo

ministério. Os materiais apostilados ou “sistemas de ensino” produzidos por esses grupos

privados não são avaliados pelos programas do Ministério da Educação nem envolvem a

escolha de materiais pelo docente. Como não são adquiridos pelo MEC, uma parte da verba

da Fundeb do município acaba destinada a esse fim. Assim, gasta-se duas vezes – uma

verba federal e outra municipal – para compra de materiais didáticos52.

Além disso, os sistemas apostilados envolvem uso integral compulsório do

material, muitas vezes com prazos a serem cumpridos pelo docente, aula a aula,

independentemente da realidade e demanda da turma de alunos. Avaliações chegam

prontas, o que resulta no sistema apostilado definindo o currículo. Também há em jogo o

interesse e abordagem comercial de grandes grupos que atuam no campo da educação, em

uma forte disputa entre editoras para conquistar mais clientes, sustentada no discurso de

que o material que está nas escolas privadas deveria ser adotado pela escola pública.

51 Nomenclatura utilizada pelas consultoras da editora ao se referirem aos encontros com as professoras. 52 No caso de escolas da Rede Estadual de São Paulo, ainda há os Cadernos, outro material didático produzido

para serem desenvolvidos em todas as escolas estaduais.

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Só pude acompanhar um encontro desse tipo. Esse fator e o formato do

evento – semelhante a uma palestra, constituída de exemplificação do próprio material

didático, com pouquíssima participação das professoras – levou-me a não integrá-lo às

análises dos próximos capítulos.

Diante dessa descrição geral, passo à descrição mais detalhada e à análise de

cada um deles para responder as perguntas de pesquisa aqui propostas.

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5 - Eventos de letramento formativos em HTPC: o que

acontece na formação no local de trabalho do professor

Neste capítulo, analiso eventos formativos em HTPC nas reuniões semanais que

ocorrem na escola com professoras atuantes em todos os anos do Ensino Fundamental I e

nas reuniões de HTPC quinzenais entre professoras atuantes no 5º ano de toda a rede de

ensino do município participante desta pesquisa. O objetivo é descrever os dois tipos de

eventos, prestando especial atenção às diferenças entre eles no que diz respeito às

estruturas, aos modos interacionais e ao conteúdo desenvolvido, o que tem implicações no

engajamento das professoras em sua própria formação no local de trabalho e nos temas

construídos nos eventos. Vou me valer, na análise da estrutura dos eventos e do fluxo de

interação, das contribuições da Sociolinguística Interacional e Análise da Conversa, sem

perder de vista a situação comunicativa, os discursos e as relações de poder que atuam nas

interações sob análise.

5.1 Caracterização geral dos eventos: determinações institucionais e subversões

Para analisar o que ocorre nos eventos formativos em HTPC, que práticas são

mobilizadas e que relações são nelas construídas, recorro à microanálise da interação.

Analiso tanto a organização global do evento e suas rotinas comunicativas – abertura,

desenvolvimento e fechamento – como a estrutura das interações entre as participantes e

sua relação com o tema (no sentido bakhtiniano) construído na interação.

De acordo com Kerbrat-Orecchioni (2006), as interações verbais são regidas

por regras que permitem a gestão da alternância dos turnos de fala, que regem a

organização estrutural da interação e que intervêm no nível da relação interpessoal, o que

é considerado nas análises deste capítulo ao enfocar os eventos formativos em HTPC.

Eventos podem ser mais ou menos ritualizados. Configuram-se com base em

rotinas comunicativas, pois a interação entre os participantes no evento tem um código

ritual (GOFFMAN, [1974] 2011), mas há eventos “cujas rotinas comunicativas que

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constituem suas unidades funcionais são mais rígidas do que as encontradas em outros”

(MATENCIO, 1999, p. 65). Os fatores que influenciam na maior ou menor espontaneidade

na organização comunicativa de um evento são tanto relacionados ao estatuto dos

interlocutores e às relações entre eles estabelecidas quanto a determinações institucionais,

relacionadas ao espaço-tempo em que os eventos ocorrem.

No caso da HTPC, alguns fatores são pré-determinados: horário de início e fim,

duração do evento, interlocutores autorizados a participar e seus papéis ou funções

(professoras, coordenadora e, esporadicamente, diretora). A própria portaria que

regulamenta a HTPC restringe as características do evento. Por exemplo, complementando

a Portaria nº 1/96 - L.C. nº 836/97, a CENP esclarece e reitera objetivos e formas de

organização da HTPC em comunicados53 que delimitam duração, participantes e suas

funções nos eventos, assim como modos de agir (elaborar pauta, dividir tarefas etc.),

artefatos a serem usados (ata, caderno, diário de bordo) gêneros a serem mobilizados pelos

participantes (debate, oficina, reunião, pauta, ata), como indicam os trechos a seguir:

Quadro 1: Comunicados CENP sobre HTPC

“Comunicado CENP de 29/01/2008 (...) 1 – As Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo deverão ser planejadas e organizadas pelo Professor Coordenador de cada segmento do ensino fundamental e médio, em sintonia com toda a equipe gestora da escola, com vistas a integrar o conjunto de professores do segmento, objeto da coordenação; (...) ” . “Comunicado CENP, de 06/02/2009

(...) 4 - No planejamento, na organização e na condução das HTPCs, é importante: - considerar as demandas dos professores frente às metas e prioridades da escola; - elaborar previamente a pauta de cada reunião, definida a partir das contribuições dos participantes; - dividir entre os participantes as tarefas inerentes às reuniões (registro, escolha de textos, organização dos estudos); - planejar formas de avaliação das reuniões pelo coletivo dos participantes; - prever formas de registro (ata, caderno, diário de bordo, e outras) das discussões, avanços, dificuldades detectadas, ações e intervenções propostas e decisões tomadas; - organizar as ações de formação continuada com conteúdos voltados às metas da escola e à melhoria do desempenho dos alunos, com apoio da equipe de supervisão e oficina pedagógica da DE. 5 - O horário do cumprimento d as HTPCs, a ser organizado pelo Professor Coordenador,

53 Disponíveis em http://www.dersv.com/legislacao.htm Acesso em 09/08/2013.

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deverá assegurar que todos os professores do respectivo segmento de ensino participem num único dia da semana, em reuniões de, no mínimo, duas horas consecutivas”.

Os participantes dos eventos — professores de um mesmo segmento do ensino

e professor coordenador, — são especificados pela legislação, que também, ao especificar

funções dos participantes, determina hierarquias assimétricas nessas relações de lugares e

nos papéis dos participantes. O coordenador deve planejar e organizar as HTPCs, conforme

o primeiro comunicado, “em sintonia com a equipe gestora”, ou seja, com outros

coordenadores e diretores da rede de ensino, o que envolve todas as ações detalhadas no

quarto tópico do segundo comunicado, que se relacionam ao planejamento, organização e

condução de HTPCs. Os professores ficam subordinados ao coordenador, pois é este que

avalia “as demandas dos professores frente às metas e prioridades da escola”. Também é

ele que deve “organizar as ações de formação continuada”.

Os documentos que regulamentam a HTPC contemplam como interlocutor

apenas o professor coordenador. O coordenador é referido várias vezes no documento como

o agente da HTPC, mesmo nas construções na voz passiva: “As Horas de Trabalho

Pedagógico Coletivo deverão ser planejadas e organizadas pelo Professor Coordenador”,

“O horário do cumprimento das HTPCs, a ser organizado pelo Professor Coordenador”.

O professor não é tomado como interlocutor – não há explicitações de suas funções na

HTPC, somente o dever de comparecer à reunião e seguir decisões alheias, e não é

posicionado como agente, somente como objeto de ações de outros: é ao coordenador a

quem compete “considerar as demandas dos professores frente às metas”, “dividir entre

os participantes as tarefas inerentes às reuniões”, “com vistas a integrar o conjunto de

professores do segmento, objeto da coordenação”. A HTPC, para o professor, é construída

como uma tarefa a ser cumprida, um cumprimento de horas previstas em seu trabalho.

Assim, uma relação assimétrica entre Coordenador e Professores na HTPC é

determinada pelos próprios documentos oficiais. Os documentos preveem uma rígida

estrutura nos eventos, sempre tendo o professor coordenador como responsável pela sua

realização, com pauta previamente elaborada, duração e horário fixos. Essa rigidez se

reflete nas HTPCs semanais observadas, em sua condução pela coordenadora e na

participação das professoras. Já nas HTPCs quinzenais, as professoras e coordenadoras

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participantes subvertem essa regulação, alterando local, horário e organização: elas se

revezam, em duplas, na organização e realização dos encontros.

A institucionalização do evento não impede que alguns aspectos sejam

negociados na interação, como a assimetria das relações de lugares e papéis dos

participantes. Até mesmo tempo e espaço da HTPC são negociados e modificados, como no

caso dos encontros quinzenais no contexto desta pesquisa: o grupo de professoras de 5º ano

de todo o município não participava da HTPC de sua escola, e sim se reunia em um mesmo

local, em horário alternativo, durante 2 horas, para discutir uma pauta específica

relacionada à exigência de avaliações externas54 desse ano de ensino. A pauta com tópico

único dessas reuniões, diferentemente da pauta da HTPC na escola, não era preparada pela

coordenadora, mas era negociada por todas as professoras, e preparada por uma dupla

composta por professoras ou professora e coordenadora.

5.2 Etapas e gêneros do discurso em HTPC: aula e oficina

Nesta seção, descrevo a organização global dos eventos em suas etapas e nos

gêneros que os compõem, separando a análise por tipo de evento: primeiro, descrevo as

HTPCs semanais, ocorridas na escola; posteriormente, descrevo a HTPC quinzenais entre

professoras de 5º ano. A descrição separada dos dois tipos de evento busca caracterizar

cada um de maneira detalhada para perceber o que cada um possibilita em termos da

formação continuada do professor em seu local de trabalho.

5.2.1 Na HTP-aula

Participei, durante o ano de 2011, de dezessete reuniões de HTPC semanal.

Devido a suas similaridades interacionais com a aula expositiva, analisadas neste capítulo,

passo a denominá-las HTPC-aula.

54 A portaria da CENP que regulamenta a HTPC prevê possibilidades de uso das horas destinadas à reunião

semanal na escola para alguns fins relacionados à gestão escolar e à formação docente – ver capítulo 3.

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Em todas elas, há uma organização e uma dinâmica comuns, poucas vezes

rompida por algum fator externo ou por uma das participantes. Pela pauta reproduzida

abaixo, podemos recuperar sua organização usual:

Quadro 2: Pauta de HTPC-aula [15ª reunião acompanhada]

Podemos dividir, com base na pauta, a HTPC-aula em três principais etapas, de

acordo com proposta de Matencio (1999) para estudo da aula, marcadas nas ações e na

interação das participantes:

Tabela 10: Estrutura global do evento HTPC-aula

Abertura Desenvolvimento Fechamento

Preparação Gestão e Questões

pedagógicas

Planejamento

Distribuição

de pauta;

cumprimento

informal.

Atividade de

motivação

(mensagem,

reflexão).

Avisos e cobranças de

gestão da unidade

escolar e da Secretaria

de Educação;

discussão de questões

didáticas e

pedagógicas

(conteúdos para o

bimestre, dificuldades

de alunos específicos,

como trabalhar

conteúdos específicos

etc.);

Planejamento

semanal (individual

ou pequenos

grupos).

Dispersão de

professoras;

algumas

despedidas;

assinatura do

ponto e do livro

ata.

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As etapas de abertura e fechamento têm como função indicar início e fim do

evento. Já o desenvolvimento se relaciona ao conteúdo planejado para o evento e sua

função institucional. Em sua análise da aula, Matencio (1999) chamou essa etapa de

instrumental, destinada ao ensino-aprendizagem de determinado conteúdo ou

procedimento, sendo as etapas de abertura e fechamento denominadas interacionais. Na

HTPC, o desenvolvimento é a etapa em que as funções delimitadas oficialmente para o

evento ocorrem: gestão escolar e formação docente, principalmente. A subetapa de

preparação do desenvolvimento pode ser considerada uma abertura em termos

instrumentais, ou seja, relacionada aos objetivos do encontro, que são desenvolvidos nas

outras subetapas do desenvolvimento (gestão, questões pedagógicas, planejamento). A

função da preparação do desenvolvimento é dar sentido à docência e à própria reunião,

como veremos no capítulo 6.

Abertura

Em três das dezessete reuniões acompanhadas, o grupo realizou a oração do Pai

Nosso antes de qualquer outra atividade, apesar de a escola pública brasileira ser,

constitucionalmente, laica55. Não houve, em nenhuma ocasião, qualquer questionamento ou

resistência expressa sobre essa prática, o que indica que é naturalizada pelas participantes.

A discussão sobre o discurso religioso nas práticas de letramento do professor será mais

desenvolvida no próximo capítulo.

Na abertura, durante os cumprimentos informais, cada professora, inclusive a

pesquisadora56, recebia da coordenadora uma cópia da pauta no início da reunião. Em todas

as reuniões observadas, as professoras recortavam as margens em branco ao redor da pauta

e colavam-na em seus cadernos, nos quais também colavam cópias de outros textos que

55 Em duas ocasiões, antes das reuniões, acompanhei os alunos, todos juntos no pátio da escola antes de

iniciar as aulas, rezando o Pai Nosso orientados por professoras e pela diretora da unidade. 56 Fui integrada à rotina dos eventos. Recebia os mesmos textos distribuídos às professoras, lia em voz alta

partes dos textos em leituras compartilhadas, era questionada sobre os assuntos discutidos e participava das

conversas informais sobre assuntos nem sempre relacionados à prática da HTPC. Essa integração não quer

dizer que minha presença era neutra ou não interferia no comportamento das outras participantes.

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eram utilizados durante a HTPC e tomavam notas. O caderno configura-se, assim, como um

suporte de diversos gêneros que circulam na HTPC.

Além dessas ações recorrentes das participantes – entrega da pauta pela

coordenadora, recorte e colagem da pauta nos cadernos pelas professoras - a ritualização da

abertura da HTPC-aula na escola era indicada por marcadores interacionais, exemplificados

no excerto abaixo:

Excerto 1 – Abertura ritual em HTPC-aula [10 de maio 2011; 4ª reunião acompanhada]

1 Coordenadora: meninas, boa tarde 2 Professoras: boa tarde, boa tarde... 3 Coord: hoje a pauta está bem curtinha 4 ((Som dos alunos ao fundo. As cópias de pauta vão passando de mão em mão, cada uma 5 pega uma, recorta as margens e cola em um caderno. Professoras comentam outros 6 assuntos, sobre animais de estimação etc.)). 7 Coord: nós vamos começar com a reflexão “A Borboleta Azul”, alguém lê, por favor?

A abertura do evento é sinalizada por cumprimentos informais (linhas 1 e 2)

pela coordenadora. É ela que descreve a pauta e introduz a primeira atividade, a “reflexão”,

que consiste na leitura e discussão do texto intitulado “A Borboleta Azul”, uma fábula –

etapa de preparação do desenvolvimento do evento. O verbo “começar” assinala que, a

partir daquele momento, tem início a HTPC em termos instrumentais (MATENCIO, 1999).

A coordenadora também solicita a participação das professoras (“alguém lê, por favor?”,

linha 7), distribuindo os papéis no evento, centralizando a organização e realização da

HTPC, e regulando o comportamento das participantes.

Vejamos mais um exemplo:

Excerto 2 – Abertura em HTPC-aula [31 de maio 2011; 6ª reunião acompanhada]

1 Coordenadora: Meninas, boa tarde/ nossa pauta está bem recheadinha mas tem 2 lembretes aqui só... hoje a reflexão ((professoras falam concomitantemente sobre 3 outros assuntos)) hoje nossa reflexão... ((professoras falam ao fundo, não voltam sua 4 atenção para a coordenadora, não estão olhando para ela; cópias da pauta são 5 distribuídas enquanto coordenadora faz a fala inicial)).

Esta fala de abertura está marcada por embreantes, ou elementos dêiticos, que

ancoram o enunciado ao tempo e espaço da situação de comunicação (MAINGUENEAU,

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110

2013). O vocativo “meninas”, a referência à pauta impressa, o uso de dêiticos espaciais

(aqui) e temporais (hoje) e o uso dos verbos no presente do indicativo tornam a fala da

coordenadora embreada à enunciação57.

Essa estrutura de abertura é recursiva. As possibilidades registradas são:

cumprimentos, distribuição e apresentação da pauta, apresentações de convidados (quando

havia). Nas 17 reuniões acompanhadas, a coordenadora cumprimenta as professoras pelo

vocativo “meninas” e introduz a pauta em 12 reuniões, às vezes qualificando-a, como no

excerto 2 (“está bem recheadinha”) e no excerto 1 (“a pauta está bem curtinha”), para

depois passar à preparação do desenvolvimento, a chamada “reflexão”.

As caracterizações da pauta pela coordenadora mostram tentativas desta de

justificar seu próprio fazer (é ela que prepara a pauta), que é imposto pelas normas que

regem a HTPC. Ela realiza ressalvas sobre a extensão da pauta ou dos pontos selecionados,

o que pressupõe um descontentamento por parte das professoras caso a pauta se estendesse.

No caso do excerto 2, o uso do operador argumentativo “mas” marca a ressalva (“Nossa

pauta está bem recheadinha mas tem lembretes aqui só...”). O tema da interação nos

excertos transcritos é atribuir adjetivos à pauta que contra-argumentem ou corroborem as

apreciações valorativas das professoras sobre a HTPC e os pontos da pauta, que devem ser,

então, cumpridos rapidamente. Conforme já discutido, na perspectiva bakhtiniana, o tema

de um enunciado envolve as apreciações valorativas em qualquer uso da palavra, que nunca

é neutra (BAKHTIN, 1988; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995). Assim, o questionamento

sobre a legitimidade do que ocorre em HTPC é refletido nesses usos da palavra.

Há exceções a essa configuração de abertura. Elas ocorreram poucas vezes e

ocorreram das seguintes maneiras: a coordenadora não cumprimentou as professoras e já

pediu a participação na reflexão; e a coordenadora iniciou apresentando convidadas (em

duas ocorrências). Em uma das reuniões, a coordenadora estava ausente e a vice-diretora

ocupou suas funções, abrindo a HTPC já com a leitura da reflexão após conversas

informais.

Desenvolvimento

57 Características do que Bronckart (1999) chama de discurso interativo.

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111

O desenvolvimento da HTPC-aula consistia de três partes: (1) preparação,

envolvendo a leitura de um texto para reflexão, seguido ou não de atividade de pergunta-

resposta; (2) gestão e questões pedagógicas, em geral abrangendo avisos e tomada de

decisões coletivas - sobre a organização de atividades escolares e discussão sobre eventos

da escola como datas para festas e viagens com os alunos, datas para aplicação de

avaliações, horários de cada turma para uso de espaços coletivos (sala de jogos, biblioteca,

parquinho, quadra de esportes), - e sugestão de atividades pedagógicas pela coordenadora

para atender a projetos da escola ou a conteúdos curriculares programados, seguida ou não

de pergunta-resposta; e (3) trabalho em duplas, pequenos grupos ou individual para

planejamento semanal. A coordenadora, em algumas ocasiões, acompanhava as professoras

no planejamento. Vejamos exemplos de cada uma destas subetapas do desenvolvimento.

No momento de reflexão, com ocorrência em todas as HTPCs, um texto era

distribuído para as professoras ou projetado na lousa digital para leitura (item 1 da pauta)

ou ainda, no caso de canções, reproduzido para escuta das participantes. Os textos, de

diferentes gêneros, costumavam ser lidos em busca de uma “mensagem”, geralmente

motivacional ou moralizante.

Excerto 3: Preparação 1 – reflexão e acervo do professor [10 de maio de 2011; 4ª reunião

acompanhada. Texto lido em anexo].

1 Coord: nós vamos começar com a reflexão “A Borboleta Azul”, alguém lê, por favor?

2 Prof Janaína: eu não recebi, Eli 3 Coord: vamos começar?

(+++) 4 Pesquisadora: Posso começar 5 ((passa a ler em voz alta o primeiro parágrafo do texto entregue a todas – anexo 4. A

partir de então, cada professora lê um parágrafo até terminar o texto)). 6 Coord: Alguém quer fazer algum comentário? já conheciam?

7 [Várias: já, já] 8 Prof Rute: já tinha visto o do passarinho 9 Prof Amélia: Já demos até para os alunos 9 Prof Jéssica: demos para os alunos 10 Prof Edna: é a do passarinho da borboleta eu não conhecia só do passarinho

(++)

O uso do verbo “começar” duas vezes pela coordenadora (linhas 1 e 3) marca o

início do desenvolvimento do evento: começar a seguir os pontos da pauta. A atividade de

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reflexão funciona como preparação para as atividades do desenvolvimento, com a leitura de

um texto para que o grupo refletisse sobre alguma questão, geralmente relacionada a

valores morais ou motivação profissional e pessoal, preparando o grupo para o restante do

desenvolvimento do evento58. A função da reflexão é de preparar as participantes para as

tarefas propriamente ditas e para a própria docência, reorganizando comportamentos e

antecipando possíveis materiais e temas.

No exemplo citado, nenhuma professora se dispõe a iniciar a leitura. O

silêncio mais longo do que o esperado, que marca a não participação das professoras,

incomoda a pesquisadora, que, mesmo não querendo participar diretamente da interação

sem ser solicitada, se oferece para ler59.

Após a leitura em voz alta do texto, a coordenadora faz perguntas genéricas

sobre o texto lido, sem delimitar um enfoque para a reflexão (“alguém quer fazer algum

comentário? Já conheciam?”); são perguntas pró-forma, seguindo o modelo consagrado na

esfera escolar: realizar perguntas após a leitura de um texto. As professoras respondem

somente à segunda pergunta da coordenadora (“já, já”; “já tinha visto o do passarinho”),

informando que já conheciam, inclusive já trabalharam o texto em sala de aula com os

alunos. Isso sugere que o texto para reflexão pode ter como finalidade também a construção

do acervo do professor. Não há mais discussão sobre o texto. O interesse pela discussão dos

textos para reflexão varia, uns sendo mais comentados e discutidos, outros, quase sem

comentários, como ocorreu na situação em discussão.

O gênero, uma fábula, não é nomeado; o texto é apresentado como uma

“reflexão”, assim como são todos os textos selecionados para compor a etapa de preparação

do desenvolvimento. Esses textos eram de gêneros diversos, geralmente produzidos em

esferas não escolares. Há uma predominância de textos relacionados ao discurso de

autoajuda; os que não pertencem a esse discurso são (re)interpretados para tal objetivo nos

eventos. A seleção de textos com teor moralizante ou a interpretação de textos de diversos

gêneros como uma “mensagem” motivacional prepara as participantes na intenção de dar

58 Análise sobre as leituras realizadas neste momento será desenvolvida no capítulo 6. 59 Os papéis assumidos pelas participantes nessa configuração serão discutidos na próxima seção.

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sentido à profissão docente e à própria HTPC (essa discussão será aprofundada no capítulo

6).

Em seis reuniões, o texto para leitura no momento de reflexão consistiu em

artigos, poemas ou trechos de livros de autoajuda (o que pode ser recuperado pela autoria e

gênero do livro original de publicação, embora essas informações fossem raramente

fornecidas nas cópias distribuídas)60. Das 17 reflexões em HTPC observadas, 14

consistiram de momentos de busca de uma mensagem motivacional ou moralizante. O

gráfico 4 detalha os gêneros utilizados para reflexão:

Gráfico 4: Textos lidos no momento de "reflexão" da HTPC-aula

Além dos textos de autoajuda, que têm por finalidade o aconselhamento e a

motivação do leitor, textos de vários outros gêneros foram utilizados na busca por uma

mensagem motivacional ou moral, como é o caso das fábulas, lidas em três HTPCs, e

canções ou trechos de canções, em duas ocorrências. Uma crônica de jornal, de autoria de

Rubem Alves, também foi comentada pela coordenadora, e posteriormente pelas

60 Os textos entregues ou lidos na projeção da lousa digital ou ainda escutados (como as canções), em sua

maioria, não tinham dados sobre publicação, data e autoria. Em alguns casos, como um trecho de um texto de

Délia Lerner, a autoria é referida, mas não se tem informações sobre a publicação: se é trecho de um livro, de

um artigo científico, de uma entrevista ou reportagem de divulgação científica.

Trecho de livro, artigo de

autoajuda6

Fábula, 3Canção, 2

Paródias de conto de fadas;

1

Livro infantil, 1

Crônica, 1

Anedota, 1

trecho de texto acadêmico, 1

Reportagem ou trecho de

reportagem de revista

educacional, 1

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professoras, em busca de uma mensagem motivacional. Uma anedota, intitulada “Cometa

Halley”, sem dados de autoria ou via de publicação, foi objeto de comentários de reflexão

individual motivacional, como também o foi um livro infantil e uma sátira de um conto de

fadas. Inclusive um trecho de um texto acadêmico, de autoria de uma educadora argentina

Délia Lerner, foi comentado em busca de uma mensagem motivacional na abertura da

HTPC (todos no anexo 4). A busca por mensagens motivacionais em variados gêneros,

mesmo naqueles que não têm, em sua esfera de produção, essa função, parece indicar

tentativas das professoras em construir sentidos para seu fazer.

Nos momentos do desenvolvimento destinados a questões didático-

pedagógicas, a coordenadora centraliza a interação. Sempre é ela que traz os exemplos,

mesmo quando retoma trabalhos já realizados pelas professoras presentes, como

exemplifica o excerto 4, a seguir:

Excerto 4: Desenvolvimento – sugestão de trabalho didático-pedagógico com gênero panfleto de supermercado – HTPC-aula [10 de maio de 2011; 4ª reunião acompanhada].

1 Coord: então, pra gente não::: não se atrasar muito eu vou direto ao assunto aqui... 2 que é ainda o nosso projeto do meio ambiente agora nesse segundo bimestre a gente 3 vai começar a::: o::: agir, o julgar e agir... então eu queria:: assim sugerir pra vocês o 4 trabalho com os panfletos de supermercado, né os primeiros anos já começaram tá e:::

O marcador “então”, em início de turno, assinala a tomada de turno e

também tem como função envolver ou chamar a atenção do(s) interlocutor(es)

(GALEMBECK, CARVALHO, 1997). A coordenadora dá prosseguimento ao evento,

regulando o tempo (“pra gente não::: não se atrasar muito”) e a participação das

professoras, que só falam quando questionadas pela coordenadora. Mesmo o tópico sendo

um projeto coletivo (linha 2) já iniciado por parte das professoras (linha 4), somente a

coordenadora sugere possibilidades de trabalho.

A preocupação com o tempo se relaciona com as ressalvas sobre a extensão das

pautas, como analisado anteriormente nos excertos 1 e 2. Havia, por parte das professoras,

uma demanda por mais tempo destinado ao planejamento de aulas, que ocorria no período

final da HTPC, o que pode ser um fator que explique essa constante preocupação da

coordenadora. Além disso, o projeto de meio ambiente do qual a coordenadora trata no

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excerto é uma demanda da Secretaria Municipal de Educação; não é um projeto das

próprias professoras. As demandas de várias naturezas vindas da Secretaria agem como

discurso autoritário, no sentido bakhtiniano, tanto para professoras quanto para a própria

coordenadora que, na função de porta-voz da Secretaria na escola, sempre faz ressalvas

sobre pontos da pauta.

Essa etapa do desenvolvimento variava em relação aos temas abordados e às

dinâmicas do evento. Em cinco HTPCs observadas, foram distribuídas cópias de atividades

relacionadas a conteúdos curriculares, sem discussão posterior; em outras três, a

coordenadora pediu ideias e sugestões das professoras sobre conteúdos ou projetos da

escola ou colocou opções de possíveis alternativas em debate; em três, a coordenadora

trouxe sugestões prontas de atividades de sala de aula e as expôs às professoras, como no

excerto 4, acima.

Os avisos e questões de gestão ocuparam, em cinco reuniões, a maior parte do

tempo do desenvolvimento da HTPC. A maioria dos avisos e demandas era da Secretaria

Municipal, repassados para as professoras pela coordenadora ou pela vice-diretora, ou

questões da organização da unidade escolar, como no exemplo a seguir:

Excerto 5: Desenvolvimento – Avisos e decisões coletivas de gestão escolar [10 de maio de 2011; 4ª reunião acompanhada].

1 Eliane: meninas, agora ((professoras continuam comentando assunto anterior)) olha 2 escola / feito isso nós vamos passar para a escola de pais a escola de pais por que que eu 3 coloquei na pauta a escola de pais? Só pra discutir uma coisinha com vocês (+) a::: aqui 4 pra nós professores será um dia letivo e:: dia catorze, né? E vai começar às oito nós 5 vamos cobrir das oito às onze depois eu a Natália as meninas vamos sentar as auxiliares 6 comigo pra gente fazer um cronograma mais ou menos e distribuir quem vai fazer o que 7 nesse dia vai ter muita coisa pra fazer mas vai ter que tomar conta da ata da ata de visitas 8 Natália: alguém na entra::da... 9 Eliane: recepcionar os pais e:: (...)

O vocativo, o dêitico de tempo e o verbo no imperativo “olha” introduzem o

novo ponto da pauta. As ressalvas e justificativas sobre os pontos da pauta e sua duração na

reunião também estão presentes na fala da coordenadora. Características como essa

apontam que o lugar e o papel da coordenadora no evento não estão legitimados e

reconhecidos pelas participantes nem por ela mesma, apesar de institucionalmente

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atribuídos. O diminutivo para se referir ao ponto da pauta evidencia que a própria

coordenadora não o considera tão relevante para ocupar a pauta da reunião. A apreciação

valorativa, que constrói o tema da interação (BAKHTIN, 1988), é de que esses pontos de

gestão são de menor importância. Contudo, devido a demandas principalmente da

Secretaria Municipal de Educação e à própria configuração burocrática da escola pública,

são pontos compulsórios à HTPC.

Após as discussões coletivas, com o cumprimento dos pontos da pauta, as

professoras espontaneamente se juntavam em pequenos grupos ou duplas por ano de

atuação ou trabalhavam individualmente no planejamento semanal.

Nas HTPC-aula, não havia marcas do fechamento do evento nas falas das

participantes, somente nos corpos, pelas suas ações. Quando dava o horário do final da

HTPC, as professoras se levantavam, assinavam o ponto na secretaria da escola e iam

embora, com despedidas dispersas entre elas. Essa forma de encerramento não aconteceu

somente nas duas reuniões em que havia convidadas externas, em que despedidas formais e

agradecimentos foram realizados.

A organização geral das reuniões de HTPC-aula mostra que o desenvolvimento

do evento se constitui de: i) momentos motivacionais ou moralizantes destinados a uma

“reflexão” coletiva; ii) questões e demandas daquela semana pertinentes à unidade escolar;

iii) demandas mais gerais da secretaria para o ano letivo como um todo, ou relacionadas a

políticas públicas daquele período; iv) questões didáticas e de planejamento de aulas. Essas

funções de caráter diverso se refletem nos gêneros que compõem os eventos, bastante

variados, de esferas de produção também bastante diversas, o que contribui para um efeito

de dispersão dessas reuniões: há muito a ser cumprido em pouco tempo, as questões

abordadas têm pouco de comum entre si (por exemplo, o desenvolvimento de um projeto

com os alunos e o preenchimento de documentos demandados pela Secretaria de Educação)

e os encontros não têm continuidade entre si.

A noção de sistema de gêneros de Bazerman (2011) parece adequada para

analisar os gêneros que compõem as HTPCs. O autor aborda os gêneros pela perspectiva da

nova retórica de base pragmática, partindo da interação situada histórico-culturalmente.

Bazerman defende que profissões, situações e organizações sociais estão associadas a um

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conjunto delimitado de gêneros e que a produção, circulação e uso ordenados de textos

desses gêneros constituem a própria atividade e organização de grupos sociais. Assim, a

escolha de um gênero não só introduz diferentes tópicos, mas também diferentes atividades,

padrões interativos, atitudes e relações.

Para Bazerman (2011), os gêneros não são apenas um conjunto de traços

textuais, pois há diferenças na sua percepção e compreensão pelos participantes, além de

envolverem o uso criativo da comunicação para satisfazer novas necessidades em novas

circunstâncias. Nessa perspectiva, os gêneros emergem nos processos sociais para que as

pessoas coordenem atividades e compartilhem significados, se compreendam umas as

outras, com vistas a seus propósitos práticos. Em suas análises, o autor dá destaque aos

gêneros escritos, sua emergência, mudanças ao longo do tempo e relação com as situações

organizadas em que são utilizados.

Para abordar como os gêneros se configuram e se enquadram em organizações,

papéis e atividades mais amplas, Bazerman recorre ao conceito de “sistema de gêneros”,

que compreende “conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas de

forma organizada, e também as relações padronizadas que se estabelecem na produção,

circulação e uso” desses gêneros (BAZERMAN, 2011, p. 33, 34). O sistema de gêneros

também envolve considerar as sequências regulares com que um gênero segue um outro

gênero, responde a um outro gênero61.

Alguns gêneros da HTPC são obrigatórios, pois constitutivos de reuniões

oficiais de qualquer tipo de colegiado, associação, etc., como a pauta e ata, que estabelecem

relações entre as participantes: não são quaisquer pessoas reunidas, e sim professoras em

reunião oficial, institucional, que faz parte de suas respectivas cargas de trabalho e precisa

ser registrada. Esses dois gêneros abrem e fecham o sistema de gêneros em uma reunião de

HTPC: inicia-se com a pauta e fecha-se com a assinatura da ata (eventualmente, as

professoras e a coordenadora não registravam a ata durante a reunião, que era elaborada

posteriormente e assinada na HTPC da semana seguinte).

61 Na perspectiva do autor, sistemas de gêneros fazem parte de sistemas de atividades: “ao definir o sistema de

gêneros em que as pessoas estão envolvidas, você identifica também um frame que organiza o seu trabalho,

sua atenção e suas realizações” (BAZERMAN, 2011, p. 35).

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Em um primeiro levantamento, foram identificados 40 diferentes gêneros

escritos e digitais nas 17 reuniões de HTPC-aula acompanhadas. A grande variedade de

gêneros se deve a fatores como os seguintes: i) qualquer gênero pode, a princípio, ser

objeto de ensino em sala de aula e compor a HTPC à guisa de sugestão de atividade

didática; ii) sem temas pré-selecionados ou um programa com leituras relacionadas, as

reuniões não tinham continuidade entre si no que se refere à formação do professor, sendo

que a cada reunião um texto diferente, sem qualquer relação com outros da semana anterior,

poderia ser selecionado; iii) as demandas da Secretaria de Educação e da diretoria da escola

também variavam bastante, precisando da mobilização de diferentes gêneros para serem

atendidas.

Com base na tabela 11 a seguir, é possível notar essa diversidade de gêneros

que constituem o sistema de gêneros da HTPC. Gêneros com funções diferentes em suas

situações de produção originais são trazidos para a HTPC, funcionando nesta situação de

comunicação de maneiras semelhantes uns aos outros, a depender do momento de que

participam e que constituem na HTPC, ou seja, de acordo com o sistema de atividades, de

maneira semelhante ao que ocorre na aula: gêneros diversos são recontextualizados como

objetos de ensino e recebem tratamento bastante semelhante. Em outras palavras, gêneros

como a fábula, o panfleto de supermercado ou a canção podem ter a função na HTPC de

compor sugestões para uso didático ou ainda para reflexão docente.

Tabela 11: Sistema de gêneros da HTPC-aula

Momento da HTPC Gênero Função no evento Quantidade de vezes que circulou em HTPC

Abertura Pauta Administrativa. Apresentação dos pontos a serem tratados na reunião.

17

Preparação do desenvolvimento do

evento

Mensagem religiosa em apresentação de PowerPoint enviada como corrente por e-mail; retirada de livro de

Motivação, moralização e reflexão.

2

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119

autoajuda

Fábula Motivação, moralização e reflexão.

3

Canção ou trecho de canção

Motivação, moralização e reflexão.

2

Artigo de Autoajuda (disponível em site de autor de autoajuda)

Motivação, moralização e reflexão.

2

Poema (disponível em site sem autoria identificada)

Motivação, moralização e reflexão.

2

Reportagem de revista educacional

Motivação, moralização e reflexão.

1

Paródia de conto de fadas Motivação, moralização e reflexão.

1

Crônica Motivação, moralização e reflexão.

1

Artigo de divulgação científica na área da educação (trecho)

Motivação, moralização e reflexão.

1

Anedota Motivação, moralização e reflexão.

1

Livro Infantil Motivação, moralização e reflexão.

1

Desenvolvimento da HTPC - Gestão

Aviso Informe à equipe docente da escola sobre decisões da Secretaria de Educação e da equipe gestora e sobre ocorrências da unidade escolar.

17

Lista (de alunos, de conteúdos para o bimestre, de problemas pedagógicos etc.)

Controle e registro de dados e informações da unidade escolar.

10

Enquete sobre adoção de sistema apostilado de ensino

Pesquisa de opinião com professoras da rede.

1

Registro da coordenadora sobre alunos.

Controle e registro de dados e informações da unidade escolar.

5

Projeto da secretaria municipal de educação (em apresentação de PowerPoint)

Informe à equipe docente da escola sobre projeto da Secretaria de Educação.

1

Questões de Avaliação Debate sobre conteúdos de 1

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120

externa avaliações externas e preparação de alunos.

Calendário escolar Controle e registro do ano letivo.

1

Convite para evento escolar

Informe à equipe docente sobre preparação de evento na unidade escolar.

1

Manual de comportamento

Discussão sobre atitudes de alunos e possíveis medidas disciplinares.

1

Resultados e avaliação do ano letivo (apresentação de PowerPoint)

Registro e informe à equipe docente de trabalhos didáticos realizados na unidade escolar.

1

Desenvolvimento da HTPC – questões

pedagógicas

Jornal escolar Objeto a ser ensinado em sala de aula.

2

Fábula Formação de acervo do professor.

2

Resenha de livro infantil Objeto a ser ensinado em sala de aula.

2

Texto de livro didático (explicação sobre um conteúdo específico)

Objeto a ser ensinado em sala de aula.

4

Verbete de curiosidade de revista infantil

Objeto a ser ensinado em sala de aula.

1

Paródia de conto de fadas Objeto a ser ensinado em sala de aula.

1

Crônica Formação de acervo do professor.

1

Piada Formação de acervo do professor.

1

Artigo de revista educacional

Discussão de questões pedagógicas entre professoras.

2

Panfleto de supermercado Objeto a ser ensinado em sala de aula.

2

Embalagem de produtos alimentícios

Objeto a ser ensinado em sala de aula.

2

Rótulo de produtos alimentícios

Objeto a ser ensinado em sala de aula.

2

Planejamento Semanal

Prova escolar Preparação pelas professoras de provas a serem aplicadas em suas turmas.

3

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121

Desenhos produzidos pelos alunos

Organização e avaliação de trabalhos realizados pelos alunos.

6

Redação escolar Organização e avaliação de trabalhos realizados pelos alunos.

5

Texto de livro didático (explicação sobre um conteúdo específico)

Preparação de aulas. 7

Atividade de livro didático Preparação de aulas. 5

Exercício didático (mimeografado)

Preparação de aulas. 5

Fechamento Ata Registro da reunião e de seus participantes.

17

Por exemplo, no momento de preparação do desenvolvimento, havia a chamada

reflexão. Nesse momento, os diferentes gêneros trazidos têm a finalidade de motivar o

professor, aumentar sua autoestima (tanto na vida profissional quanto na pessoal), fazê-lo

refletir sobre diversas questões do cotidiano, ou até mesmo contribuir para o seu acervo de

textos para a sala de aula (como exemplifica o excerto 3, já apresentado). Tanto é que os

gêneros neste momento não são nomeados diferentemente – todos são tratados como

“reflexão”, como já destacado. Assim, os gêneros são transformados para o contexto,

dentro de dinâmicas de grupo que aparecem na reunião.

A diversidade de gêneros na HTPC-aula reflete, portanto, as inúmeras funções

que são atribuídas a essa reunião semanal nos documentos oficiais. Como especifica a

portaria da CENP (ver capítulo 4), além de objetivos formativos, a HTPC pode ser utilizada

para fins bastante diversos, como atendimento a pais de alunos, organização de eventos

escolares, contato com a equipe gestora (diretores e coordenadores da rede de ensino). A

falta de foco e o escasso espaço para questões formativas decorrem também do excesso de

atribuições das reuniões de HTPC.

A HTPC-aula se aproxima da organização da aula tradicional: uma pessoa é a

única responsável pelo planejamento e realização do evento (professor na aula,

coordenadora na HTPC); ela tem seu turno garantido e é quem distribui os turnos; vários

gêneros são transformados para atender objetivos didático-formativos. A similaridade com

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122

a aula também se reflete na estrutura da interação em HTPC-aula, analisada em detalhe na

seção 5.3. Antes, analiso a organização geral dos eventos de HTPC-oficina.

A denominação escolhida para esse tipo de evento se deve à forma e à estrutura

de participação nas interações, conforme as análises deste capítulo. Mesmo adotando o

termo “aula”, as práticas de letramento continuam situadas, a meu ver, na esfera do trabalho

do professor, e não na esfera escolar. Isso porque o objetivo dos eventos é a formação

profissional do professor e a gestão. Tendo em vista a função do evento - que não é a de

ministrar aula para alunos -, seus participantes são professoras e a coordenadora da escola,

ainda que desempenhem o papel de alunos e professor internacionalmente em alguns

momentos. O evento de letramento se aproxima do gênero aula expositiva, tradicional, e,

talvez em parte por isso, pouco mobilize ou colabore para a formação profissional do

professor. Além disso, eventos formativos em cursos de formação variados podem também

se aproximar da aula tradicional sem ter qualquer relação com a esfera escolar.

5.2.2 Na HTPC-oficina

A organização dos eventos de HTPC com professoras de 5º ano de toda a rede e

coordenadoras das escolas apresenta algumas diferenças relevantes para esta análise, que

apontam para subversões do que é determinado nos documentos oficiais, o que gera outras

possibilidades de formação docente em serviço, especificamente algumas que envolvem a

agência das professoras participantes. Uma diferença importante entre este tipo de reunião,

que chamarei de oficina, é a existência de um foco específico – a formação do professor

tendo em vista avaliações externas a que seus alunos são submetidos. O foco restringe, de

fato, as funções do evento, os gêneros nele mobilizados e a seleção de temas a serem

discutidos.

Os encontros, exceto o primeiro, organizado diretamente por funcionárias da

Secretaria de Educação, tinham uma pauta única. Também não havia ata, somente uma lista

de presença, nem avisos da Secretaria ou outras atividades relativas à gestão. Com base na

lista de temas produzida no primeiro encontro, por sugestão do grupo, uma dupla de

professoras preparava o encontro. Geralmente, a dupla responsável por cada encontro era

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formada por uma professora e a coordenadora de sua escola ou por duas professoras de uma

mesma escola. O local de realização das oficinas mudava: ocorriam ou em uma escola da

rede ou na sede da secretaria, a depender da disponibilidade dos espaços. Conforme Santos

(2012), o espaço é formado por um sistema de objetos e um sistema de ações que se

influenciam mutuamente, como já comentado no capítulo 3. Decorre disso que a mudança

de espaço físico da reunião altere as ações das participantes e os papéis a cumprir – por

exemplo, no espaço da sede da Secretaria de Educação, a supervisora se vê no papel de

responsável pela abertura do evento, mesmo que não participe dele em sua continuidade.

Assim, as restrições institucionais que operam nesses eventos são mais frouxas

que aquelas da HTPC-aula em uma unidade escolar, exceto no primeiro encontro, devido à

presença de supervisoras da Secretaria de Educação (nas outras oficinas, elas não estavam

presentes ou só davam início ao evento e já deixavam o local). O próprio fato de não haver

uma única pessoa responsável por organizar os encontros - a coordenadora da escola na

HTPC-aula -, influencia na estrutura do evento, na sua configuração interacional e na

seleção e tratamento de temas pelo grupo. Essas características da situação de produção

abrem a possibilidade de uma formação docente realizada pelas próprias professoras tendo

em vista suas demandas profissionais, seus conhecimentos e seus interesses.

A organização das oficinas pode ser assim resumida:

Tabela 12: Estrutura global do evento HTPC-oficina

Abertura Desenvolvimento Fechamento

Preparação Questões didático-

pedagógicas

Conclusão

Cumprimento

informal,

apresentação

das

responsáveis

pelo encontro.

Apresentação

do tema do

encontro;

eventualmente

oração.

Encenação de

atividades de sala de

aula; leitura e

discussão de:

documentos oficiais;

trechos de artigos

científicos ou de

divulgação

científica; materiais

de cursos de

formação

continuada.

Breve retomada

do tema;

eventualmente

leitura de texto

literário, ou

reprodução de

um breve vídeo.

Agradecimento

e despedida.

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Abertura

Nas oficinas, a abertura é também ritualizada, marcada por cumprimentos

breves recorrentes em todos os eventos. A dupla responsável se colocava em pé, a frente da

sala, e o grupo se sentava nas carteiras organizadas geralmente em meia lua. Em três das

oito reuniões acompanhadas, a supervisora da Secretaria de Educação, Augusta, esteve

presente. Nesses casos, ela abria o evento, apresentava o tema e a dupla que iria abordá-lo:

Excerto 6: Abertura: iniciação pela supervisora de educação – HTPC-oficina [05 de setembro, 6º encontro observado]

1 Augusta: bom pessoal (...) tenho certeza que as duas aqui estão bem preparadas que 2 juntas nessas trocas de experiência a gente possa cada vez mais melhorar nossa prática 3 tá bom? então boa tarde pra vocês fiquem bem a vontade 4 Marina: vamos fazer uma oração?

É a supervisora que cumprimenta e recepciona o grupo (“bom pessoal”; “boa

tarde pra vocês fiquem bem a vontade”), porque neste dia o evento ocorreu na sede da

Secretaria Municipal de Educação. O marcador discursivo “bom” - verificado em processos

de abertura de tópicos, coincidentes ou não com abertura de turnos - tem função de encerrar

conversas paralelas, marcando o envolvimento mútuo dos locutores para o início do evento

(RISSO, 1999). Já o marcador “então”, neste caso, tem como função articular os segmentos

textuais e dar sequencia ao tópico, simultaneamente dando continuidade à interação. O

turno é tomado por uma das professoras responsáveis pelo encontro, que, neste caso, realiza

uma oração religiosa. Nem sempre a reza ocorria na abertura: em cinco dos sete eventos

observados, houve apenas cumprimentos e apresentação da dupla.

Não há o momento de reflexão com função moralizante, como o que consta na

pauta de toda HTPC-aula. As rezas funcionam também como preparação para as atividades

didático-pedagógicas propriamente ditas (como proposto por Marina na linha 4).

Desenvolvimento

As professoras apresentam o tema e logo passam a exemplificar atividades a

serem realizadas com os alunos, que são encenadas com o grupo de professoras presentes.

Não há uma descrição de como uma atividade poderia ser feita, e sim uma encenação de

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sala de aula, o que aproxima o desenvolvimento do evento a uma oficina, como vemos no

excerto a seguir:

Excerto 7: Encenação de aula sobre fração e percentagem. Dinâmica para ensinar fração “Bolo favorito da turma”. [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011, 4º encontro observado. Priscila e Daniela em frente da sala, professoras em sentadas em semicírculo. Após abordar os conceitos de fração e percentagem, propõem uma dinâmica]. 1 Pri: então depois dessa ideia nós vamos entrar numa dinâmica vocês podem fazer com

2 as crianças algumas já conhe::cem é:: então posso começar? (...) que tipo de bolo vocês

3 gostam? (...) eu quero assim umas ideias umas quatro ou cinco ideias

4 Pri: chocola::te ((várias falam ao mesmo tempo))

5 Dani: ela gosta de recheado

6 Maria: é recheado

7 Pri: tá... rechea::do, bolo de chocolate, cenoura... (...)

8 Regina: bolinho de fubá

9 Pri: então vamos lá agora vocês podem fazer isso com os alunos que dá muito certo

10 agora quero que vocês só pode uma vez vou (...) só uma vez quantas nós estamos em?

11 quantas ((conta)) dezessete comigo e com a Dani dezenove (+) quem prefere bolo

12 recheado? pode levantar a mão bem alto... três

13 Sílvia: tem que escolher um só?

14 Dani: só UM

Expressões como “nós vamos entrar” e “então posso começar?” apontam para o

início de uma nova etapa do desenvolvimento: uma dinâmica em que todas as participantes

encenam uma atividade didática. O marcador discursivo “então” em posição inicial (linhas

1 e 9) pode não só assinalar a tomada de turno como também tem a função de chamar a

atenção do interlocutor para o que vai ser discutido ou exposto (GALEMBECK ,

CARVALHO, 1997); ou seja, as responsáveis pelo evento assumem o papel de animadoras

da interação. A interação passa a ser uma encenação de sala de aula para construir um

modelo de aula que as professoras podem aplicar nas suas turmas (linha 9). Há momentos

em que Priscila retoma o turno para relembrar a finalidade da dinâmica (“então vamos lá”,

linha 9) e para direcionar o fazer das participantes, animando a interação. Na linha 12,

Priscila solicita que levantem a mão “bem alto”, de modo semelhante ao que os alunos

fazem em sala de aula.

A encenação de uma aula, como modelo para o desenvolvimento de uma

atividade que pode ser tomada como referência ou objeto de reflexão das professoras,

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caracteriza o evento como uma oficina, pois as participantes realizam o modelo sugerido.

Vivenciar uma situação semelhante à vivida em sala de aula é uma estratégia de formação

interessante para mobilizar os saberes experienciais das professoras (TARDIF, 2000) e

elaborar novas maneiras de agir em sala de aula, pois, além de encenar, as professoras

discutem a prática encenada e os conteúdos a serem ensinados. Essa organização também

possibilita a construção de relações mais simétricas, como veremos mais detidamente na

próxima seção.

Na conclusão do desenvolvimento, a dupla costumava anunciar o esgotamento

do assunto. No caso do encontro em discussão, Priscila conclui o desenvolvimento

anunciando seu término: “então gente é isso, nós terminamos...” e depois inicia os

agradecimentos e despedidas do fechamento. Em três conclusões da etapa do

desenvolvimento, há uma retomada breve do tema; em duas, somente a indicação do

término da discussão, como fez Priscila. Nas outras duas reuniões observadas, a conclusão

foi marcada, em uma delas, pela leitura em voz alta de um poema de Carlos Drummond de

Andrade, e na outra, pela reprodução de um vídeo com um poema, com função semelhante

ao momento de reflexão na HTPC-aula:

Excerto 8: Conclusão de desenvolvimento em HTPC-oficina [05 de setembro de 2011]

1 Tânia: agora para nós encerrarmos porque já são vinte pras oito essa pergunta aqui nós 2 não vamos responder nós vamos assistir o vídeo e ela vai ficar aí pra nós pra gente ver o 3 que nós estamos fazendo QUAL nossa função dentro da escola? somente alfabetizar? 4 ((vídeo é reproduzido; é a declamação do poema “O que é letramento”, 5 acompanhado de imagens. Seguem agradecimento e despedida))

Marcadores como “agora” e “encerrarmos” indicam a conclusão do

desenvolvimento, que é logo seguida do fechamento do evento. O poema declamado em

vídeo não é comentado, deixado como “mensagem” às professoras, semelhante ao que

ocorre em alguns momentos de “reflexão” na HTPC-aula.

Em contraste com o sistema de gêneros da HTPC-aula, o sistema de gêneros

das oficinas apresenta menor variedade. São quinze gêneros escritos ou digitais em sete

encontros dessa natureza, sendo que três deles só foram utilizados na primeira reunião deste

tipo. O sistema de gêneros nesse contexto se concentra em gêneros das esferas escolar,

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acadêmica e oficial (documentos parametrizadores), voltados para a formação do professor,

e alguns da esfera administrativa escolar para validar a reunião como parte integrante da

carga horária das professoras (pauta, lista de presença).

Tabela 13: Gêneros que circularam nas reuniões de HTPC-oficina

Momento da HTPC Gêneros Tema / Função Quantidade

Abertura Pauta Administrativa 1

Lista de presença Administrativa 7

Preparação do desenvolvimento

Lista de temas para os encontros

Administrativa 1

Reza Preparação, motivação para

o evento.

2

Desenvolvimento - Questões didático-pedagógicas

Exposição didática - Apresentação em PowerPoint sobre tema do encontro

Formativa -pedagógica

6

Atividades didáticas Didática e pedagógica - Objeto a ser ensinado em sala de aula.

6

Gráficos com resultados do município em avaliações externas

Informativa. Regulação do

trabalho docente.

1

Questões das provas externas Formativa – análise de tipos de questões e

conteúdos

5

Artigo científico ou de divulgação científica (trechos)

Formativa - pedagógica

4

Jogos didáticos Objeto a ser ensinado em sala de aula.

2

Exercício de livro didático Objeto a ser ensinado em sala de aula.

5

Matrizes de referência das avaliações

Verificação e análise de

pontos a serem cobrados na

avaliação

1

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externa

PCN (trecho) Formativa – pedagógica

2

Atividades didáticas de material de um curso de formação continuada de professores

Objeto a ser ensinado em sala de aula.

2

Canção Objeto a ser ensinado em sala de aula.

1

Conclusão do desenvolvimento

Poema (declamados pela professora ou em vídeo)

Motivação, moralização e

reflexão.

2

Trecho de livro de autoajuda projetado em datashow

Motivação, moralização e

reflexão.

1

Fechamento

Os gráficos com resultados do município em avaliações externas foram

abordados pelo Secretário da educação e as supervisoras no primeiro encontro, destinado a

determinar como, quando e em torno de quais temas os próximos encontros ocorreriam.

Cópias dos gráficos com as notas no SARESP de Língua Portuguesa e Matemática dos 3º e

5º anos das escolas do município foram distribuídas às professoras62. A pauta, a lista de

temas e os gráficos só foram utilizados nesse primeiro encontro, não organizado pelas

professoras.

Além da apresentação desses informes, o primeiro encontro, diferente dos

demais, foi constituído de discussão e votação sobre dias e horários para os encontros

quinzenais. Depois, a supervisora de ensino da secretaria de educação, Augusta, passou a

questionar as professoras sobre os temas que poderiam ser abordados nos encontros

relacionados à Língua Portuguesa e Matemática. Enquanto as professoras falavam, ela ia

escrevendo uma lista de temas na lousa. Ao final, ficou decidido que uma dupla de

professoras e/ou coordenadoras organizaria a reunião com um dos temas escolhidos pelo

grupo a cada quinze dias, em encontros de 2 horas de duração, das 18h às 20h.

62 No caso dos 5º anos, dados de maior interesse para o grupo, as médias das notas dos alunos do município

em LP variavam de 173 a 206 (média estadual é de 195) e em matemática, de 184,1 a 227,2 (média estadual é

209), numa escala de 0 a 400.

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Em praticamente todos os encontros realizados a partir desse momento, a

dupla responsável preparava uma breve apresentação em PowerPoint com considerações

gerais sobre os temas tratados e, às vezes, citações de teóricos da educação, da linguagem

ou da matemática a respeito do tópico selecionado, como também trechos dos PCNs ou das

diretrizes para avaliações externas.

A grande parte dos eventos deste tipo era destinada à demonstração prática de

atividades didáticas, como vimos no excerto 7, uma atividade que não costuma compor

cursos de formação acadêmicos. Um gênero bastante recorrente nesses encontros é o item

de prova/exame retirado da avaliação externa, baseado em questões já utilizadas em

aplicações anteriores do SARESP e da Prova Brasil.

As professoras responsáveis pelo encontro traziam cópias de textos didáticos,

atividades e exercícios didáticos relacionados ao tema daquela HTPC, semelhante ao que a

coordenadora fazia na reunião HTPC-aula. Esses materiais eram retirados de diferentes

fontes e passavam a compor um acervo do professor. Diferentemente das HTPCs-aula, as

professoras resolviam as atividades, liam os textos, respondiam as questões e depois

debatiam as respostas.

Fechamento

Após o desenvolvimento e conclusão de atividade de sala de aula, as oficinas

eram encerradas com agradecimentos da dupla responsável pelo encontro e das

participantes, finalizada com uma salva de palmas, como num seminário ou palestra:

Excerto 9: Fechamento de HTPC 5º ano [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011, 4º evento observado]

1 Pri: (...) eu espero que::... 2 Dani: Nós temos certeza que muitas sabem até MUIto mais do que isso tá gente a gente 3 tem a certeza disso a gente só veio aqui passar alguma coisinha pra vocês tá a gente 4 espera poder ter contribuído aí a gente sabe que em equipe a gente faz muito mais 5 Eliane: com certeza ((palmas))

Excerto 10: Fechamento de HTPC 5º ano [HTPC-oficina, 05 de setembro de 2011, 6º encontro obervado]

1 Tânia: então nós agradecemos vocês e esperamos que tenha contribuído pra prática de 2 vocês... 3 Marina: e lembrando que é só uma parte do assunto vamos dizer... [palmas]

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Excerto 11: Fechamento de HTPC 5º ano [HTPC-oficina, 26 de setembro de 2011, 7º encontro observado]

1 Flávia: então meninas é isso aí a gente espera ter passado um pouquinho o que a 2 gente também aprendeu agora pra vocês... nós vamos disponibilizar o:: Powerpoint 3 pra vocês e agora um pequeno mimo 4 Prof: uhu:: ((distribuição de bombons)) 5 Regina: A gente espera que vocês tenham gostado também

Os encerramentos são marcados por agradecimentos (“nós agradecemos a

vocês”) e autoavaliações (“a gente só veio passar alguma coisinha”, “é só uma parte do

assunto vamos dizer”) ou expectativas de avaliações das participantes (“esperamos que

tenha contribuído”). A relação mais horizontal entre as participantes nesses eventos é

marcada no encerramento, em que é ressaltado o aprendizado recíproco, o conhecimento

parcial da professora responsável pelo encontro e a possibilidade de alternância neste papel

nos eventos em questão (o que será analisado na próxima seção).

Além disso, o destaque para a aprendizagem mútua e para o fato de que as

participantes “sabem até muito mais que isso” podem se configurar como uma réplica aos

cursos de formação e a documentos parametrizadores. Há uma relação de oposição ao

modo como as professoras são posicionadas em situação de formação com pessoas externas

à escola, como especialistas acadêmicos, por exemplo, em que o lugar ocupado pelas

professoras é daqueles que sabem menos. As professoras, ao invés disso, expõem como

fazem em sala de aula e destacam que esse saber é coletivo entre elas.

Analisaremos a seguir a estrutura da interação de cada um dos tipos de HTPC,

que aproxima a HTPC semanal da aula tradicional e a HTPC quinzenal de oficinas de

formação. Essa diferença traz implicações para as relações construídas entre as

participantes e para a formação promovida em cada um dos tipos de evento.

5.3: Posicionamentos e (as)simetrias na formação no local de trabalho: análise da

interação na HTPC

Os posicionamentos, simetrizações e assimetrias construídos na interação estão

relacionados às relações de lugares, ou posições hierárquicas, dadas em parte oficialmente

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pelos documentos que regulamentam a HTPC; e aos papéis interlocutivos, ou funções dos

participantes nos eventos, que também são determinados em parte pela instituição

(coordenadora, professoras). As relações de lugares e papéis, mesmo reguladas

institucionalmente, podem ser alteradas e reconstruídas na interação, a depender dos

posicionamentos das participantes na interação e dos temas desenvolvidos por eles.

A relação hierárquica entre coordenadora e professoras é, inicialmente, dada

pela regulamentação oficial da CENP para HTPC, que determina que cabe à coordenadora

planejar, organizar e realizar as reuniões.

5.3.1Conflitos e assimetrias em HTPC: estrutura de interação na HTPC-aula, as relações

interpessoais e conhecimentos construídos

No excerto a seguir, no momento de preparação do desenvolvimento, a

coordenadora Eliane pede silêncio para colocar a música “Tente outra vez”, de Raul Seixas

(letra da canção no anexo 4.2):

Excerto 12: Preparação – canção “Tente outra vez” [17 de maio de 2011; 5ª reunião acompanhada]

1 Coord: meninas, o meu convite é pra que a gente faça um pouquinho de silêncio só 2 pra ouvir uma música, ta? (+++) ((voz baixa, fala pausadamente)) 3 ((vozes enquanto a coordenadora arruma o som, uma professora vai ajudá-la)) 4 ((mais de 5 minutos e meio de gravação e a reunião não prossegue. Professoras 5 conversam sobre assuntos variados – aniversário, festas, roupas – enquanto a 6 coordenadora tenta arrumar o aparelho de som)). 7 ((A música escolhida pela coordenadora para iniciar a reunião é “Tente outra vez” de 8 Raul Seixas, começa a tocar. Termina na canção)). 9 Coord: então é isso/ acho que o recado foi dado ((olhares entre as professoras)) É:: 10 meninas a pauta vai ser bem rapidinha nós vamos continuar com nosso código 11 disciplinar do aluno e perfil do professor que queremos pra hoje. Por quê? (...)

É sempre a coordenadora que dá início ao evento. O vocativo “meninas”,

comum na fala da coordenadora ao se dirigir às professoras (ver excertos 1 e 2 na seção

anterior), marca uma relação assimétrica, de infantilização e feminilização das participantes

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(é como se falasse com alunas), o que é ressaltado pelo uso frequente de diminutivos (“faça

um pouquinho de silêncio”). O uso de diminutivos para qualificar a pauta também é comum

e indica sempre uma avaliação positiva se a pauta for breve ou uma ressalva quando não é.

Nesses usos de qualificadores no diminutivo para caracterizar a pauta, Eliane parece se

desculpar pela própria HTPC ou pelos pontos selecionados para a pauta.

A coordenadora atenua a ordem (façam silêncio) apresentando seu ato de fala

como um convite ou solicitação indireta (“o meu convite é para que a gente faça um

pouquinho de silêncio”), enunciado com o uso do coletivo “a gente”, que a inclui. Essas

estratégias – uso do vocativo “meninas”, emprego de diminutivos, formulação indireta do

ato de solicitar, uso do inclusivo “a gente” – são maneiras de atenuar as relações

hierárquicas de papéis e lugares na interação e preservar a face das professoras para o que

viria a seguir: a escuta da canção, que funciona como uma crítica ou ordem da

coordenadora às professoras, como é sinalizado pela conclusão da coordenadora (“acho que

o recado foi dado”) e pelos olhares entre as professoras63.

A noção de preservação de faces criada por Goffman ([1974] 2011) foi utilizada

por Brown e Levinson (1987) para tratar dos princípios de polidez, que exercem pressões

fortes sobre a produção dos enunciados. Esses princípios sustentam que há aspectos do

discurso que são regidos por regras cuja função é preservar o caráter harmonioso da relação

interpessoal. Nessa perspectiva, todo indivíduo possui duas faces na interação: i) a face

negativa, que seria o que o locutor não quer expor, aspectos pessoais e íntimos que não

deseja por em jogo na interação; ii) face positiva, que seria a imagem projetada pelos

interlocutores na interação, o que querem mostrar. Então, na interação entre dois

participantes, quatro faces estão em jogo. Durante a interação, cada um dos atos de fala

pode se configurar como ameaça potencial para uma ou outra dessas quatro faces64.

Contudo, para que não haja rompimento da interação pela ameaça à face do

interlocutor, os participantes tendem a recorrer a estratégias de preservação de faces. Para

63 A letra da canção diz ao interlocutor que tenha fé, que tente outra vez, que acredite, com uso de verbos no

imperativo. No contexto utilizado, o uso da canção implica que faltaria às professoras mais tentativas, mais

esforço, mais fé, mais desejo. Para ilustração, um trecho da canção é: “Queira! (Queira!)/ Basta ser sincero/ E

desejar profundo/ Você será capaz/ De sacudir o mundo/ Vai! / Tente outra vez!”. 64 Brown e Levinson (1987) propõem a expressão “face threatening act” para designar atos que ameaçam as

faces.

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que suas ações não impliquem perda diante de ninguém, nem de si mesmo, o falante recorre

ao que Brown e Levinson chamam de estratégias de polidez. A polidez aparece então como

uma forma de conciliar o mútuo desejo de preservação das faces com o fato de que a

maioria dos atos de fala são potencialmente ameaçadores para uma das faces. Somado a

isso, haveria atos fortalecedores de face, como os elogios, os agradecimentos, que também

agem nas regras no nível das relações interpessoais na interação, como ressalta Kerbrat-

Orecchioni (2006).

Assim, para suavizar a tentativa de regular o comportamento das

professoras, Eliane recorre a elementos amenizadores tanto verbais como não verbais:

introduz a atividade por um vocativo que demonstra proximidade (apesar de ter o potencial

de infantilizar as professoras); coloca o seu pedido de maneira indireta e geral; usa o

diminutivo (“pouquinho”), tudo isso utilizando de um tom de voz baixo e falando

pausadamente. Após a canção, o seu enunciado, que expõe o conflito entre ela e o grupo de

professoras, sem dar espaço para o debate (“então é isso”, “acho que o recado foi dado”) e

que pode ameaçar a face das interlocutoras, é seguido por recursos semelhantes: o mesmo

vocativo e o uso do diminutivo, que funcionam como elementos suavizadores ou

atenuadores do conteúdo do enunciado (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).

Como o papel da coordenadora é imposto, sua legitimidade está em

questionamento, pois não foi construída com ou pelo grupo. A legitimação de seu papel é

dada pela legislação, mas não é legitimada como líder pelo grupo. Nessa configuração, o

discurso construído é autoritário e monologal, no sentido de que deve ser repetido, sem

possibilidade de respostas contrárias, como indica a avaliação da coordenadora sobre a

canção (“o recado foi dado”).

O recurso a tais elementos ocorre, pois uma situação de tensão, de conflito já é

prevista pela coordenadora, pela falta de legitimidade junto ao grupo, como a análise das

interações mostra. Diferentemente do que faz em outros momentos de preparação do

evento, na ocasião da qual o excerto 12 foi retirado, Eliane não abre a possibilidade de as

professoras comentarem acerca da canção escutada. O clima de tensão é registrado em

diário de campo desde a primeira observação participante:

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“Terça-feira, 29 de março de 2011. Chego à escola às 9h20 minutos. A primeira reunião de HTPC começa às 9h45. São duas reuniões no mesmo dia, uma de manhã com as professoras que dão aula à tarde; e outra à tarde com as professoras que dão aula de manhã. Passo na secretaria e sou encaminhada à sala dos professores, onde se encontra a coordenadora da escola, Eliane. Nós conversamos por um tempo, ela pede para eu dizer mais sobre meu projeto de pesquisa. Ela fala sobre a pauta da HTPC e diz que vai passar uns slides enviados pela Secretaria de Educação. Ela diz que sabe que as professoras reclamam do constante envio de material pela secretaria e que ela fica no “fogo cruzado”. Também me diz que a turma da reunião da manhã é bem interessada, mais receptiva, mas que à tarde não é fácil, há muita resistência, professoras que não concordam com a HTPC. (...)

A segunda reunião começa às 12h20 com nove professoras, a coordenadora e eu. As professoras vieram direto da aula, não almoçaram. A diretora vem dar recados logo no início da reunião, o que também gera discussões. As discussões levam tempo, outras questões da administração surgem no debate: horário da HTPC, falta de professor de educação física, problemas com horários de atendimento individual de alunos com alguma dificuldade etc. A coordenadora passa a olhar repetidas vezes para o relógio em seu pulso enquanto a diretora e as professoras debatem. Quando a diretora sai, Eliane não faz a leitura compartilhada prevista em pauta, só indica a leitura e o motivo dela para as professoras. Logo inicia a apresentação dos slides. Poucas professoras fazem anotações e várias também recortam e colam os textos nos cadernos, como na parte de manhã. Durante a apresentação de slides65, há risos e trocas de olhares e expressões ditas em tom baixo como “Ai, meu Deus”. A coordenadora passa a falar de uma ação dentro do projeto de meio-ambiente que é a coleta de óleo de cozinha usado para fazer sabão e diz que “é um problema importante aqui pra nós de XXX (nome da cidade)”. Uma professora diz a outra: “Pra mim, não”. A coordenadora passa pelos slides muito rapidamente. Uma professora pergunta a outra: “Pra que ela está passando isso?”. Os slides terminam. Surgem questões polêmicas sobre datas nos próximos pontos da pauta, há um desentendimento entre a coordenadora e as professoras. Quando professoras contestam o assunto ou a proposta de calendário, a coordenadora adia algumas questões, afirmando “vamos pensar, vamos pensar...”. Natália, uma das professoras auxiliares, passa uma barra de chocolate para todas se servirem, uma delas passa e diz “Não consigo comer quando estou nervosa”. A reunião também termina com os planejamentos das aulas da semana. Fico junto a um grupo de três professoras. Ao final, Rute me diz que as professoras sempre precisam de mais tempo para o planejamento semanal, o que nunca é atendido nas HTPCs”.

O trecho do diário de campo registra o conflito entre o grupo de professoras e a

coordenadora. O conflito já tinha sido previsto pela coordenadora na conversa inicial

comigo, quando afirma ficar em um “fogo cruzado” quando traz os materiais da Secretaria

de Educação para a HTPC. Ela já prevê um jogo de forças, no qual ela deverá se impor ao

invés de convencer, negociar, explicar as razões que a levaram a trazer o material em

questão. Durante toda a apresentação dos slides da secretaria, a coordenadora é questionada

e desafiada pelas professoras mesmo que indiretamente (pelos olhares, risos e comentários

65 Os slides detalhavam as etapas do projeto sobre meio ambiente que deveria ser desenvolvido em todas as

escolas da rede municipal de ensino.

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paralelos). Eliane não justifica suas ações, o que leva a mais questionamentos por parte das

professoras (uma delas pergunta “pra que ela está passando isso?”, sem resposta). O clima

de tensão é tanto que uma das professoras afirma estar “nervosa”. Um dos motivos para o

antagonismo e a tensão parece ser a discordância em relação ao objetivo da HTPC: as

professoras reclamam do tempo gasto com questões de gestão, enviadas e solicitadas pela

secretaria, já que gostariam de ter mais tempo de planejamento coletivo de aulas, como foi

dito para mim pela professora Rute na saída da escola nesse dia e por outras professoras em

outras ocasiões. Como as razões de se passar pelos slides e não se ter mais tempo para o

planejamento não estão claras e não são postas em discussão, apesar dos questionamentos

das professoras, o discurso da coordenadora é autoritário, no sentido que se impõe às

professoras, sem se tornar internamente persuasivo (BAKHTIN, [1979] 2003).

Diante dessa situação, das imposições da Secretaria sobre pontos da pauta e

sobre o próprio papel da coordenadora na HTPC, o discurso construído por ela é autoritário,

no sentido que se impõe às professoras sem ser apropriado, sem se tornar internamente

persuasivo (BAKHTIN, [1979] 2003).

Há fatores externos que influenciam a geração de conflito e a tensão nas

interações em HTPC. Os cargos de direção e coordenação nas escolas da rede municipal de

ensino eram comissionados até 2010, quando isso passou a ser proibido. No início de 2011,

a prefeitura demitiu todos os diretores e coordenadores e abriu concurso público para os

cargos. Por isso, as coordenadoras e diretoras atuais não voltaram a trabalhar na mesma

escola dos anos anteriores e começaram a trabalhar um mês após o início do ano letivo,

fatores que prejudicaram a integração do grupo docente, pois a decisão interrompeu

relações profissionais já antigas, com as ex-coordenadoras que não foram aprovadas no

concurso ou foram direcionadas a outra escola.

Os conflitos ficam também evidenciados pela pouca participação das

professoras nas propostas da coordenadora, como exemplificado no trecho gravado na sexta

reunião após a leitura do texto “A escola de bichos”, a seguir:

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Excerto 13: Conflito em HTPC – silêncio das professoras após leitura [31 de maio de 2011; 6ª reunião acompanhada] 1 Coord: vocês querem fazer algum comentário antes do meu? Porque eu quero 2 comentar... (+++) o que dá pra trazer pra nós assim pra escola pra vida que que dá pra 3 pensar? ((após 7 segundos de silêncio, alguns suspiros)) Que silê::ncio ((risos)) 4 Cristiane: posso perguntar uma coisa que não é disso?/ 5 Lourdes: ((fala sobreposta a de Cristiane)) as pessoas e entender elas como elas são. A 6 Raquel não pode ser igual a mim senão não teria graça... 7 Cristiane: ainda bem né que cada um tem sua personalidade ainda bem senão seria uma 8 mesmice danada 9 Lourdes: (...) então a gente tem que entender essas diferenças

Eliane tenta animar a interação, propondo questões, indicando sua intenção de

envolver as professoras numa discussão. O silêncio que segue após a coordenadora oferecer

o turno às professoras é indicativo de uma “falha” na interação. Na perspectiva interacional

de Kerbrat-Orecchioni, as falhas na interação no que se refere à alternância de turnos

(silêncios ou sobreposições) são inevitáveis e frequentes e podem ser atribuídas, primeiro, a

um fracasso involuntário, pois os índices das regras de alternância entre falantes são

frouxos ou, segundo, a uma violação deliberada, pois os parceiros em presença não estão

todos necessariamente dispostos a se submeter a esses sinais. O silêncio prolongado entre

dois turnos, chamado de gap, pode ser atribuído ao fato de que os sinais de fim de turno

foram mal percebidos, ou ao fato de que os potenciais sucessores não têm o desejo ou os

meios de assegurar o encadeamento requerido (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).

Adicionando a essa compreensão uma perspectiva discursiva, o silêncio mostra o conflito

entre as professoras e a coordenadora na intenção das professoras em não participar.

Ao fazer uma pergunta seguida de pausa, Eliane deixa claro que está passando o

turno para as professoras. O silêncio prolongado entre os turnos é uma violação deliberada,

que mostra o não engajamento das professoras na interação (comentado pela coordenadora:

“que silê::ncio”). A falta de interesse ou engajamento é ressaltado pela proposta de

mudança de tópico por Cristiane (linha 4). A não participação imediata pode ter relação não

só com a pertinência das questões selecionadas pela coordenadora para compor a reunião e

com fatores externos que incidem sobre os objetivos da HTPC, mas também com os

posicionamentos gerados pela estrutura de participação na interação: as professoras

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percebem a interação como uma troca assimétrica, em que devem responder a perguntas e

seguir propostas feitas pela coordenadora, que estaria assumindo uma posição professoral:

Cristiane pede permissão para mudar de tópico (o que não acontece, porque Lourdes pega o

turno e responde à coordenadora).

Esse posicionamento é marcado na interação que ocorre no padrão IRA -

Iniciação-Resposta-Avaliação (CAZDEN, 2001), muito comum na interação entre

professor e alunos na sala de aula.

Excerto 14: Avaliação e animação da interação [31 de maio de 2011; 6ª reunião acompanhada]

1 Lourdes: (...) então a gente tem que entender essas diferenças aprender a conviver com 2 elas 4 Coord: i::sso... que mais? 4 Cristiane: respeitar, né? respeitá-las. 5 Rachel: o mais gostoso é quando a gente é bem recebido em um lugar independente do:: 6 de qualquer coisa que seja então é tão gostoso você ser bem recebido 7 Coord: com certeza então é:: que mais?

A coordenadora assume na interação funções semelhantes às analisadas como

cardinais do professor (DABÈNE, 1984): a de informador, a de animador e a de avaliador.

Ao longo de uma aula, como analisa Matencio (1999), o professor tem a função de

informar os alunos quanto ao objeto de estudo, a de animar a interação, no sentido de

direcioná-la e mantê-la em contínuo movimento, e a de avaliar a produção dos alunos.

Além de assumir essas funções, a interação ocorre no padrão IRA de interação (CAZDEN,

2001) – iniciação, resposta, avaliação.

A coordenadora, na HTPC-aula, informa as professoras sobre o objeto

discursivo (seleciona e propõe a leitura do texto “A escola de bichos”), anima a interação,

interpelando as professoras a participarem (“querem fazer algum comentário antes do

meu?”; “que mais?”) e avalia as participações das professoras (“isso”, “com certeza”). A

carga informativa das falas da coordenadora varia: em alguns casos, como no recorte do

excerto 14, os papéis de animador e avaliador se destacam.

Das 17 reuniões acompanhadas, em oito a coordenadora trouxe sugestões de

atividades didáticas. Em setes destas, a interação foi organizada como uma aula, utilizando

o padrão IRA. O padrão IRA posiciona coordenadora e professoras em uma relação vertical

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assimétrica: a coordenadora mantém o turno, controla os pontos de transição de turno e

retoma o turno com uma posição avaliativa das intervenções das professoras, o que pode

prejudicar as oportunidades de as professoras assumirem responsabilidades pelo seu

processo de formação e contribuir para os conflitos observados. Essa configuração

interativa é outro elemento que contribui para a construção do discurso como autoritário, e

não internamente persuasivo, o que prejudica a construção e apropriação do grupo com

base nas propostas de Eliane e da Secretaria de Educação.

Excerto 15: Padrão IRA e posicionamento das professoras em abordagem de panfletos como objetos de ensino [10 de maio de 2011; 4ª reunião acompanhada]

1 Coord: (...) Preços então nem se fala né? matemática aqui dá pra trabalhar bastante... 2 além disso vou falar bem rapidinho hoje pra depois vocês poderem discutir além disso o 3 que que a gente pode estar pensando onde nós encontramos esses panfletos aqui (+++) 4 onde nós encontramos esses panfletos? 5 Prof Raquel: nos supermercados na rua 6 Prof Janaína: nas casas 7 Coord: isso... tem muita:: muito entregador né?... ele chega e põe na gradinha da 8 nossa casa e aí? Como é que é isso assim?

O marcador “né”, utilizado duas vezes pela coordenadora, geralmente tem por

função a busca de aprovação discursiva (URBANO, 1999) e o marcador “então” em

posição medial têm por função chamar a atenção do ouvinte para o que vai ser discutido ou

exposto (GALEMBECK, CARVALHO, 1997). O uso de ambos mostra as tentativas da

coordenadora em envolver as professoras na interação, de animá-la. No excerto 15, a

coordenadora inicia a interação, informando às professoras sobre o objeto discursivo,

questiona as professoras, que respondem e têm suas respostas avaliadas (linha 7, “isso...”).

É a coordenadora que continua a animar a interação, fazendo novas perguntas. Apesar de

Eliane verbalizar a preocupação em não se estender em sua fala (linha 2), ela centraliza o

turno e se estende, continuando na estrutura IRA.

As participantes, coordenadora e professoras, não conseguem subverter a

relação assimétrica estabelecida pela regulamentação da CENP e reforçada pelo espaço

escolar em que o evento acontece: a coordenadora se posiciona como aquela responsável

pelo evento, envolvida em demonstrar que sabe para legitimar seu lugar; as professoras não

cooperam com suas propostas, não reagem às suas demandas, mas tão pouco subvertem o

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que é proposto por Eliane (tanto em termos interacionais como em relação aos conteúdos

selecionados para compor os eventos) e não propõem outra organização ou outros temas

para a interação.

A estrutura de participação observada, com funções e papéis interacionais

bastante assimétricos, posiciona as professoras como alunas na interação, como sugerem

suas perguntas no excerto 16:

Excerto 16: Interação no padrão IRA – perguntas/respostas em proposição de trabalho didático com panfletos [10 de maio de 2011, 4ª reunião acompanhada]

1 Coord: isso... tem muita:: muito entregador né ele chega e põe na gradinha da nossa 2 casa e aí? Como é que é isso assim? O tratamento ((uma professora suspira alto)) dos 3 panfletos... ((suspiros)) 4 Prof Raquel: nas ruas no carro das pessoas que estão trabalhando fica no parabrisa 5 Coord: e daí desse local ele vai...? 6 Profa Raquel: pra casa 7 Prof Cristiane: pro lixo ((tom de voz ríspido, fala rápida))

A iniciação da coordenadora busca a complementação por parte das professoras

por meio de perguntas de demonstração ou exibição (display questions), aquelas com

respostas conhecidas por quem as realiza com o objetivo de provocar ou exibir estruturas

particulares, principalmente para complementar a fala do professor (como na linha 5), ou de

‘perguntas teste’ (test questions), apenas para checar a compreensão dos alunos ou

controlar sua participação (CAZDEN, 2001). Em contraste, haveria as ‘perguntas sinceras’

ou “perguntas verdadeiras”, cujas respostas o professor desconhece e que buscam promover

a discussão, o que costuma alterar a estrutura de participação em IRA para outros padrões.

As ‘perguntas demonstração’ da coordenadora não aprofundam a discussão (por

exemplo, os motivos para o trabalho com o gênero em pauta; o que seria interessante que os

alunos aprendessem com base neste trabalho, ou ainda a relevância das perguntas numa

abordagem de gêneros com os alunos).

Há uma relação entre a estrutura de participação na interação e o

desenvolvimento de conteúdos. Fazendo um paralelo com o discurso de sala de aula,

estudos mostram que a linguagem usada pelo professor e pelos alunos determina o que é

aprendido e como (ERICKSON, 1982, CAZDEN, 2001, SAWYER, 2004). Nos termos de

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Erickson (1982), a negociação de sentido na interação depende tanto da estrutura de

participação social como da estrutura da tarefa acadêmica. Esta última está relacionada

aos conteúdos a serem aprendidos pelos alunos. O discurso de sala de aula, ou, no caso, de

HTPC, depende de ajustes entre a estrutura da participação social e da estrutura da tarefa

acadêmica específica, relacionada às concepções do professor, ou coordenador, sobre o

objeto de discurso (CARNEIRO, 1997). Por isso, a estrutura de participação na interação

restringe ou possibilita a construção ou não de determinados conhecimentos.

Nos estudos sobre o discurso de sala de aula, as análises mostram que, em uma

aula muito controlada interacionalmente pelo professor, os alunos não podem co-construir

seus próprios conhecimentos (ERICKSON, 1982, SAWYER, 2004). Quando a fala entre

professor e alunos é uma “improvisação coletiva” (ERICKSON, 1982), ela não tem um

final determinado e os participantes podem contribuir de maneira igualitária ao fluxo da

interação. Quando o professor controla os turnos, também controla os possíveis impactos

que as contribuições dos alunos podem ter na construção do conhecimento. Outra

possibilidade, numa perspectiva sociocultural de ensino-aprendizagem (SAWYER, 2004),

acontece quando o professor interage com os alunos dando-lhes liberdade para construir

criativamente seu próprio conhecimento, enquanto fornece os elementos para tal

construção, os ‘andaimes’ na perspectiva neovygotskyana.

A análise da interação em HTPC revela que a estrutura de participação em

IRA, controlada pela coordenadora, determina também a estrutura da tarefa acadêmica, ou

seja, os conhecimentos possíveis de serem construídos na interação. Como as professoras

tem pouca oportunidade de contribuir igualitariamente para o fluxo da interação, elas pouco

agem na construção de seus conhecimentos. Também considero que a falta de legitimidade

do papel da coordenadora pelos motivos da situação de comunicação já explicitados –

chegada na unidade escolar após o início do ano letivo; assunção do papel de porta-voz da

Secretaria de Educação dando avisos e fazendo demandas que desagradam as professoras;

aparente incoerência, consideradas as reclamações por parte das professoras, entre os seus

objetivos para a HTPC (planejamento pedagógico) e os objetivos da secretaria ou da

coordenadora (questões de gestão) – contribui para essa configuração interacional e tem

implicações nos temas construídos pelas participantes.

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Há outros elementos, não verbais, que marcam e recriam na interação essa

relação vertical assimétrica. Conforme Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 70), “a relação de

lugares depende da produção de algumas unidades particularmente pertinentes, nesse

sentido: os ‘relacionemas verticais’, que chamaremos de taxemas, distinguem-se, a rigor,

em ‘taxemas de posição alta’ e ‘taxemas de posição baixa’”. Os dois principais taxemas não

verbais indicados pela autora são a posição relativa dos participantes na organização física

do espaço comunicativo e a natureza e disposição dos assentos. Na HTPC-aula, as

professoras se sentavam em semicírculos e a coordenadora ficava na frente da sala em pé;

as professoras muitas vezes se viravam para os lados, conversavam entre si, ou curvavam o

corpo, lançando o olhar para baixo, para materiais escritos escolares ou outros materiais, até

mesmo para uma lixa de unha; eram raros os momentos em que o olhar das participantes se

concentravam na coordenadora.

A configuração da organização física do espaço comunicativo das HTPCs-aula

reporta à sala de aula e estabelece uma posição alta à coordenadora e uma posição baixa às

professoras. Essa configuração nunca é alterada; nem pela coordenadora nem pelas

professoras (exceto em um dos encontros em que havia uma convidada externa).

A organização dos turnos de fala (quantitativa e qualitativamente) e a

organização estrutural da interação (importância no nível das iniciativas – ser responsável

pela abertura e pela conclusão – indica posição alta) são também taxemas importantes

(KERBTRAT-ORECCHIONI, 2006). Na organização estrutural, as professoras em HTPC

tem atitude essencialmente reativa – é a coordenadora que sempre inicia, o que pode ser

explicado pelo fato de a pauta ter de ser sempre preparada pela coordenadora. Mais um

exemplo canônico do padrão interacional calcado na sala de aula é o trecho a seguir:

Excerto 17: Padrão IRA de interação em HTPC [10 de maio de 2011; 4ª reunião acompanhada]

1 Coord: ...então eu quero como nosso planejamento é na matemática aqui trabalhar o 2 nosso planejamento do segundo bimestre a sugestão é que trabalhe as situações 3 problema com é:: envolvendo a:: situações contextualizadas e significativas então eu 4 pensei nesse:: esses panfletos do supermercado porque aqui dá pra trabalhar muita 5 coisa inclusive nós vamos precisar direcionar que que cada professor pretende trabalhar 6 com o panfleto... Matemática tem aqui? ((ela mesma respondeu)) Muita. Ciências tem? 7 Profs: tem 8 Coord: linguagens tem?

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9 Profs: tem 10 Coord: ta tudo aqui. (...)

O turno da coordenadora é maior e é finalizado com perguntas às professoras,

avaliadas na troca de turnos pela coordenadora. Da linha 6 a 10, a troca de turnos entre

coordenadora e professores segue o padrão IRA de interação, com as perguntas-teste66

semelhantes às realizadas em sala de aula para alunos. Essas perguntas de informação

conhecida, perguntas-teste ou perguntas para demonstração apontam para o caráter

institucional do que se está fazendo naquilo que reconhecemos como sendo fala-em-

interação de sala de aula. A avaliação se torna a finalidade da interação, ou seja, a pergunta,

como tem resposta conhecida por quem a realiza, só serve para avaliar o outro. Por isso,

não promove debate, discussão nem engajamento das participantes.

A formação se constrói como uma aula expositiva de Eliane, sem uma

construção coletiva do grupo de professoras, mesmo em um espaço privilegiado para a

discussão de questões particulares de um grupo de profissionais de uma mesma instituição.

O discurso é, dessa maneira, autoritário, e a palavra permanece estrangeira, sem sofrer

apropriação, no sentido bakhtiniano. Bakhtin/Volochinov ([1929] 1995) tratam sobre o

papel organizador grandioso da palavra estrangeira como força na conquista de um

território. Os autores retomam que, historicamente, a palavra estrangeira é associada às

ideias de poder, força, santidade, verdade, que não pode ser contestada, modificada,

apropriada pelo outro. É nesse sentido, de repetição e não contestação, que o discurso da

coordenadora funciona como palavra estrangeira nessa configuração da HTPC.

O fato de a coordenadora posicionar-se como professora e as professoras, como

alunas constrói significados para o evento. Numa relação tradicional professor-aluno,

expressa na configuração interacional, a coordenadora estaria na HTPC para transmitir

informações e conhecimentos às professoras, que estariam ali para adquirir informações e

conhecimentos. Assim, o evento não se estrutura como um espaço de debate, de construção

coletiva de conhecimentos interessantes à formação e à atuação docentes. A formação

66 As chamadas “perguntas retóricas” se assemelham apenas em parte às perguntas de informação conhecida

que aparecem na iniciação da sequência IRA. As perguntas retóricas são aquelas respondidas pelo próprio

perguntador ou avaliadas por ele mesmo (GARCEZ, 2006).

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docente na HTPC, nessa configuração, seria entendida como transmissão de saberes e

informação.

As práticas previstas em eventos de HTPC e sua configuração - o que são esses

eventos e como se deve agir neles - são construídas na participação nos próprios eventos.

Como este é um espaço ainda recente no local de trabalho do professor, não é uma prática

estabelecida como espaço de formação docente e pouco discutida pela própria equipe, há

mais instabilidade sobre a configuração dos eventos. Por isso, as participantes recorrem à

configuração de eventos conhecidos: a coordenadora recorre à aula (lembrando que a

função de coordenação é sempre ocupada por uma professora da rede, ou seja, Eliane, que

se aposentou em final de 2011, teve toda uma carreira de professora de Ensino

Fundamental I).

Os problemas com essa estruturação não passam despercebidos por Eliane. Ao

ser questionada em entrevista sobre como melhorar a formação em HTPC-aula, avaliada

por ela como “complicada”, a coordenadora acredita que é preciso que esta seja mais

democrática:

Excerto 18: Entrevista com Eliane – HTPC democrático [14 de setembro de 2012]

1 Eliane: mas pra isso eu ainda penso:: que falta:: muita democracia sabe? o gestor não 2 querer para si uma responsabilidade que é muito grande... eu costumo dizer assim eu 3 costumo pensar que... é:: quanto mais pessoas é:: melhor (+) então quem que eu trago 4 pra discutir educação do meu município? quem que eu trago pra discutir a educação da 5 minha escola? Essa visão de fora sabe? e muitas vezes o gestor tem medo não sei do que 6 né de perder a estabilidade de perder o cargo de perder não sei o que e reluta ainda em 7 trazer peSSOAS pra discutir em deixar o professor por exemplo falar por medo de 8 repente que o professor traga:: uma questão que nem ele está preparado pra discutir 9 então enquanto não tiver essa abertura também do gestor e o gestor não for uma pessoa 10 realmente comprometida e com uma visão aberta e com uma visão AMPLA do que é 11 educação eu acho que as coisas vão continuar desse jeito mesmo pensando pequeno

A contradição entre os modos de interagir com as professoras e sua análise

sobre a qualidade desses eventos, em que faltaria democracia, a maior participação de

outros agentes e do próprio professor, pode indicar que Eliane recorre à configuração da

aula expositiva por não ter outras referências sobre como realizar a HTPC. Sobre a

realização de um evento, Santos afirma que:

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o evento, para se realizar, encaixa-se na forma disponível mais adequada a

que se realizem funções de que é portador. Por outro lado, desde o

momento em que o evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha

uma outra significação, provinda desse encontro (SANTOS, 2012, p. 103)

A HTPC-aula no contexto observado encaixa-se na forma de aula expositiva e

constrói para a formação do professor em seu local de trabalho uma significação que o

destitui de agência, colocando-o em uma posição sempre reativa. As interações não

constroem um coletivo para o grupo, que poderia se autofortalecer e recriar sua formação

no local de trabalho.

O padrão IRA, naturalizado em sala de aula (GARCEZ, 2006), gera interações

muito assimétricas, com distribuição de poder muito desigual, o que têm reflexos na

construção de conhecimentos das participantes. Do mesmo modo que ocorre em sala de

aula (CARNEIRO, 1997), as relações assimétricas estabelecidas dificultam a incorporação

da perspectiva dos participantes aos processos de interação. Formas de participação mais

equilibradas parecem favorecer o confronto de perspectivas, importante para a busca

conjunta de situações de formação do grupo de professoras e de construção de

conhecimentos relevantes à comunidade provisoriamente constituída nos eventos, como

veremos na próxima seção.

5.3.2 Simetria e agência na oficina de formação

Nas oficinas realizadas por e para professoras de 5º ano, o objetivo comum do

grupo e o rodízio entre coordenadoras e professoras para organizar os encontros e abordar

os temas escolhidos pelo grupo são fatores que parecem favorecer a emergência de um

espaço de agência das professoras em sua própria formação. O fato de não haver apenas

uma pessoa, sempre a mesma, responsável pelo evento e a concentração em uma única

finalidade possibilitam a organização da interação de maneira diversa daquela comum em

sala de aula, que constituiu o modelo majoritariamente adotado na HTPC-aula. Em

contraste com a estrutura em que as professoras têm pouco espaço para serem ouvidas

sobre o que querem discutir, reuniões que levam em conta essa voz docente inovam as

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formas de interação. São momentos menos assimétricos em que a interação configura-se

como mais colaborativa, e as professoras têm a oportunidade de se posicionarem como

profissionais da educação, construindo um grupo, mesmo que provisoriamente.

Nas oficinas, as professoras também se sentavam num semicírculo, com a dupla

responsável pelo encontro em pé em frente da sala. Mas essa organização não se mantinha

durante todo o evento: no desenvolvimento, as professoras se levantavam, realizavam

atividades, conversavam entre si sobre o tópico em questão.

O revezamento de professoras e coordenadoras na preparação dos encontros

gerava uma fala comum das professoras que assumem esse papel de formadoras das outras

professoras: sempre realizavam algum tipo de ressalva sobre esse papel provisório que

estavam ocupando:

Excerto 19: Fechamento de HTPC 5º ano [HTPC-oficina, 15 de agosto de 2011]

1 Carol: agradecemos a vocês a atenção que eu sei assim que a gente também aprende 2 muito com vocês acho que aprendemos muito mais até né conhecimento são diferenças 3 né as diferenças estão sendo muito gratificantes isso eu também creio que vocês 4 professoras vão estar aqui na frente não é verdade Claudia? Vocês também vocês são 5 maravilhosas e têm GRANdes habilidades aqui 6 Rita: chegará o momento 7 Carol: com certeza chegará o momento ((palmas))

Como não há uma determinação institucional sobre quem deve preparar e

organizar esse tipo de HTPC, as professoras justificam os lugares e papéis assumidos no

evento, relembrando a relação simétrica entre elas (todas são professoras e podem “estar

aqui na frente”, como diz Carol) e construindo identidades positivas para as professoras que

ainda não assumiram o papel de formadoras (linhas 4 e 5).

A construção de relações mais simétricas pode ser percebida nas modalizações

utilizadas na apresentação de atividades e conteúdos.

Excerto 20: Modalização na abordagem de atividades e conteúdos [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011]

1 Daniela: ah/só voltando um pouquinho pessoal em números decimais acho que a melhor 2 forma deles aprenderem é através da moeda do dinheirinho né porque é:: ele tem um 3 real que seria o inteiro então eu acho que como dinheiro é algo que faz parte do dia a dia 4 e acho que a nossa função é pensar nisso né que ele faça uso disso no dia a dia eu acho 5 que o:: dinheiro trabalhar com moeda né? Vai ser a melhor forma dele estar 6 relacionando e compreendendo...

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Daniela faz uma sugestão de materiais e atividades para o ensino de números

decimais. Para fazer a sugestão a seus pares, outras professoras de EFI como ela, Daniela

modaliza seu enunciado com modalizadores epistêmicos (“eu acho”), que assinalam um

comprometimento e engajamento menores do locutor com relação ao seu enunciado, algum

grau de incerteza com relação aos fatos enunciados, assim abrindo espaço para objeções,

complementações, discordâncias por parte de suas colegas. Além disso, ela usa

recursivamente o marcador discursivo “né”, um marcador interacional que indicia uma

busca pela concordância dos interlocutores (URBANO, 1999).

A professora Daniela avalia como a “melhor forma” de ensinar o conteúdo em

questão o uso “da moeda, do dinheirinho”. Ou seja, é essa sua apreciação valorativa sobre

como o conteúdo deve ser ensinado. Os modalizadores indicam que Daniela apresenta o

conteúdo de seu enunciado como uma sugestão, como uma possibilidade, e não como uma

verdade incontestável. Lembremos que a modalização pode indicar não só a atitude do

falante em relação aos enunciados que produz (KOCH, 1997, 2005, BRONCKART, 1999,

MAINGUENEAU, 2013,), mas também sua relação com os interlocutores (HOFFNAGEL,

1997, CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2008, CARRASCOSSI, 2013)67. No caso em

questão, a modalização permite perceber a intenção do enunciador em estabelecer relações

simétricas com seus interlocutores.

Essa relativização da sua palavra mostra, parece-me, a apreciação valorativa da

professora sobre a palavra de suas interlocutoras: são iguais entre si, podem ter outras

formas de fazer que não a dela, o que a impede de impor sua maneira de fazer ou enunciá-la

como verdade absoluta. O “acento apreciativo” que sempre acompanha o uso da palavra, na

perspectiva bakhtiniana, é sempre produto da interação verbal, “expressão a um em relação

ao outro” e, “em última análise, em relação à coletividade” (BAKHTIN/VOLOCHINOV,

67 Categorias mais tradicionais do estudo da modalidade são a alética, a epistêmica e a deôntica. A

modalidade alética costuma se restringir aos estudos lógicos, por não apresentar casos claros de sua

ocorrência na linguagem usual. Koch (2005) define os modalizadores dessas categorias da seguinte maneira:

i) modalizadores aléticos são aqueles que se referem à necessidade ou possibilidade atribuídas à própria

existência dos estados de coisas no mundo; ii) modalizadores epistêmicos são os que assinalam o

comprometimento/engajamento do locutor com relação ao seu enunciado, o grau de certeza com relação aos

fatos enunciados; iii) modalizadores de caráter deôntico indicam o grau de imperatividade/facultatividade

atribuído ao conteúdo proposicional. Bronckart (1999) propõe outra categorização. Ele considera quatro

subconjuntos de modalizações: lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas. O que mais tradicionalmente se

considera como alética e epistêmica estão no que ele chama de modalização lógica.

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1995, p.113). A análise da modalização permite conhecer a apreciação valorativa

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995) das professoras não só sobre os objetos do discurso,

como sobre suas interlocutoras e sobre si mesmas.

O uso da modalidade epistêmica por Daniela indica a construção ou

manutenção de relações interpessoais, ou seja, pode indicar menos uma dúvida do falante,

como mostra Hoffnagel (1997), do que uma tentativa de preservação de faces (BROWN;

LEVINSON, 1987). As formas modais epistêmicas são usadas para preservar a face

negativa, para não incomodar ou afrontar os interlocutores, que são seus pares e podem ter

outras formas de fazer diferentes das dela. Principalmente na conversação entre iguais, pesa

mais a finalidade de manter boas relações sociais. Daniela, colocada na posição de

formadora de professoras, mas sendo também professora como suas interlocutoras, para

manter a boa relação entre iguais, coloca sua proposição na forma de hipótese para não

ameaçar sua face e a face das interlocutoras, para reduzir a força do enunciado e assim

proteger as faces de todas: ela mesma e suas interlocutoras.

A relação mais simétrica entre as participantes das oficinas também aparece na

própria estrutura de participação das interações. Geralmente, os encontros são organizados

com dinâmicas que simulam a sala de aula, e as professoras são colocadas para agir nesse

tipo de encenação, realizando reflexões sobre os conteúdos, sobre a prática pedagógica e

sobre a aprendizagem dos alunos antes ou após as encenações.

No excerto abaixo, Priscila e Daniela, as responsáveis pelo encontro, orientam a

participação das professoras na dinâmica para ensino de fração, que poderia ser reproduzida

em sala de aula. Logo antes do trecho transcrito, as participantes realizaram uma votação

sobre os sabores preferidos de bolo. Nesse momento, Priscila e Daniela pedem que as

professoras se levantem e formem grupos pelo sabor escolhido, posicionando-se em um

círculo desenhado no chão. Cada grupo dentro do círculo é separado do outro com

barbantes.

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Excerto 21: Estrutura de participação em oficina – Dinâmica para ensinar fração “Bolo favorito da turma” (logo após professoras terem votado em sabores de bolo que preferem) [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011. 4º encontro observado].

1 Pri: certo gente vai fazendo com as crianças vamos ver se todo mundo votou... certinho

2 Dani: agora vou pedir para que todas se levantem vamos fazer um círculo aqui

3 ((professoras se levantam)) juntinho, juntinho... ((inaudível, muitas vozes, professoras se

4 posicionam no centro da sala))

5 Pri: cenoura aqui ((vai desenhando um círculo no chão com barbante pelos sabores e

6 cada um que votou no sabor fica na parte correspondente)) como se fosse um

7 compasso...

8 Prof: oh que lega::l

9 Pri: pode entrar no círculo, fubá ((risos))

10 Dani: aí pode entrar na roda... ((forma-se um gráfico em formato de pizza com as

11 pessoas, os barbantes ficam no chão formando o gráfico))

12 Pri: podem sentar [palmas] ((passam a falar sobre o gráfico formado no chão))

As professoras responsáveis pelo encontro propõem a encenação de uma

atividade para construção de um gráfico do tipo pizza no chão com o posicionamento dos

alunos em pé e em grupos separados por barbantes. Daniela e Priscila agem como se

estivessem em sala de aula com os alunos, indicando o início de uma etapa da atividade

(“agora”) e orientando o comportamento e a ação das participantes (“juntinho, juntinho”,

“se levantem”, “pode entrar no círculo”). Não há uma descrição de uma atividade didática,

mas sua realização concreta, como acontece em oficinas.

A encenação parece compor o discurso profissional-didático que parte da

experiência das professoras. Conforme Tardif (2000), é o saber experiencial que orienta

principalmente o fazer do professor. Neste caso, outros saberes, como o disciplinar e o

curricular, compõem a sugestão de atividade, mas o foco principal do evento é a

exemplificação do como fazer em sala de aula com base em experiências didáticas

anteriores das professoras.

A encenação, como jogo simbólico em que as participantes assumem papéis

que geralmente não são a elas atribuídos – os de alunos — atualiza o que é ser professor e o

que é ser aluno para essas professoras. As participantes, por meio da brincadeira, atualizam

os papéis e suas visões sobre alunos e professores. Assim, além de mobilizar os saberes

experienciais das professoras, a encenação possibilita que as professoras juntas enxerguem

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sua sala de aula por meio do jogo simbólico e se repensem como docentes. O jogo

simbólico cria papéis mais equilibrados, o que, neste caso, contribuiu para que o poder de

quem estava a cargo do encontro fosse redistribuído e compartilhado na brincadeira. O jogo

de “faz-de-conta” resulta na criação de relações mais simétricas entre as participantes.

Contudo, o jogo também dificulta a reflexão teórica: o foco é mostrar como realizam

atividades em sala de aula, sem questionamentos sobre por que acontece dessa maneira, por

exemplo.

Apesar de enfocarem mais os modos de fazer, as professoras comparam

sugestões de atividades e possíveis metodologias para ensinar determinados conteúdos

curriculares. Após a dinâmica, as duas professoras que prepararam o encontro abordam a

metodologia de ensino da fração em sala de aula: não precisa registrar no caderno no

primeiro momento, só proceder oralmente:

Excerto 22: Reflexão após Dinâmica para ensinar fração “Bolo favorito da turma” [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011. 4º encontro observado. Priscila e Daniela em frente da sala, professoras em sentadas em semicírculo]

1 Dani: nós não precisamos ainda assim conceituar dar no caderno pra ele fazer adição de 2 fração mas se a gente perguntar agora aqui pra eles “olha quantos pedaços foi dividido 3 aqui? Se somasse tudo, não daria dezessete novamente? É o nosso inteiro” mas eu 4 preciso colocar pra ele lá no caderninho que tem que ser isso mais isso para dar adição 5 de fração? Não nesse momento mas só através da oralidade a gente já está dando o 6 conceito... 7 Pri: também gente levar a criança a perceber neste momento que o todo aqui é 8 dezessete não é cem... né? 9 Dani: que nosso cem por cento ((outras falam)) cem por cento é dezessete quer dizer 10 depois que ele aprendeu toda aquela parte aprendeu o que é o cem por cento a gente já 11 passa para um todo diferente daquele cem o nosso todo não é mais o CEM o nosso todo 12 agora é dezessete em cima do dezessete nós fracionamos 13 Clarice: você falou pra não cobrar ahn:: mas eu gostaria de saber... 14 Dani: o que será cobrado [nas avaliações externas]? 15 Clarice: é exatamente... no sexto ano/ porque se eles cobrarem / eu costumo expor as 16 duas partes para achar o denominador comum... (...) simplificação vai ou não? 17 Dani: não... o que vai ser cobrado na avaliação é isso 18 Pri: depois vem a quinta série a sexta série né ... 19 Dani: lógico no quarto bimestre a gente vai... aprofundar um pouco mais mas nesse 20 momento o terceiro bimestre o que cobrar... 21 Clarice: ó mas eu vou falar uma coisa pra você/ a gente tem visto... se nós/ se a nossa 22 turma permitir avançar a turma avançar a gente tem que fazer sim porque eles vão pra 23 quinta série as classes superlotadas e os professores acham que eles têm obrigação de

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24 saber TU:::DO 25 Profs: é mesmo, é sim

Para discutir abordagens de sala de aula e conteúdos a serem abordados,

Daniela se utiliza da modalidade deôntica, que regula o comportamento do interlocutor,

mas enuncia a sua pertença no coletivo (“nós não precisamos”), o que atenua o grau de

imperatividade ao mesmo tempo em que constrói a ideia de que o grupo pode trabalhar de

maneira semelhante, reforçando a coletividade. A dúvida que enuncia em primeira pessoa e

já responde (“eu preciso colocar...?”) é colocada como uma dúvida de todas.

O enfoque é o saber-fazer do professor em sala de aula, passando também por

uma explicação desse fazer, que demanda reflexão sobre a prática. As professoras

participantes intervêm e mudam o tema (no sentido bakhtiniano): a relevância da franção

como conteúdo se define pela cobrança na avaliação e pelo que se espera do aluno no

próximo segmento de ensino, não pelos conceitos que abrange e que devem ser revisados

ou ensinados às crianças (inteiro, percentagem e número total) nem pelo modo de ensiná-

los (notas no caderno, oralmente). A configuração do encontro como uma oficina, em que

profissionais, numa relação simétrica, demonstram e debatem possibilidades de trabalho

pedagógico, permite essa mudança radical do tema pela professora Clarice, que enuncia

como alguém que sabe o que será cobrado dos alunos nas fases subsequentes da

escolarização (linhas 23 e 24), utilizando a modalidade deôntica (“a gente tem que fazer

sim”).

A organização dos encontros como oficinas, com realização prática de

atividades didáticas e debates sobre estas, é sustentada por saberes experienciais das

professoras, direcionada para suas próprias demandas de formação e relacionada com

questões profissionais por elas selecionadas como relevantes. A HTPC voltada

exclusivamente para a formação do professor, sem discussão de questões de gestão escolar,

e organizadas e coordenadas pelas próprias professoras, entre iguais, apresenta mais

participação das professoras, que se colocam como debatedoras, intervém, tomam o turno

da dupla que realiza o encontro, contestam, relacionam o tema a outros conhecimentos

profissionais e até podem mudar o tema etc.

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Tendo em vista a resolução de um problema ou demanda educacional, as

professoras criam uma comunidade que prioriza trocas de experiências e saberes, e, com

essa organização, formador e formando se configuram como papéis dinâmicos, assumidos

por diferentes participantes (NÓVOA, 1995). A prática de compartilhar experiências do

trabalho e discuti-las se constituiu como uma prática de letramento formativa interessante

nesse contexto, pois nos mostra demandas de formação docente em seu local de trabalho e

as estratégias68 utilizadas pelas próprias professoras para responder a ela, assim como os

tópicos que as motivam.

A simetria desse tipo de evento também se reflete na organização interacional,

menos centralizada, com mais debate entre as participantes. O excerto abaixo ocorre após

uma longa fala de Marina sobre revisão e reescrita de textos em sala de aula. Quando passa

a abordar o tópico relativo aos modos de fazer, as professoras iniciam o debate:

Excerto 23: Estrutura de participação em oficina: compartilhando como fazer [HTPC-oficina, 05 de

setembro de 2011, Marina e Tânia em frente da sala, professoras em semicírculo]

1 Eliane: uma questão também pra gente pensar um pouco dessa:: revisão textual que ela 2 é tão ou mais importante que a produção né que às vezes a gente escreve escreve 3 escreve e não para nunca pra revisar lógico que eu to falando bem uma coisa bem assim 4 né... mas a revisão ela é tão importante ou até mais que a produção e tirar o foco muito 5 do professor deixar também a revisão entre alunos o professor vai ser o orientador o 6 mediador disso mas ela vai em determinado momento deixar essa revisão nas duplas 7 Marina: é:: troca NE 8 Cristiane: eu coloco em duplas com o dicionário do lado 9 Marina: olha que sugestão boa 10 Carolina: então eu fazia uma lista de palavras e pedia pra eles fizessem revisão 11 ortográfica aí pedia que colocassem em ordem alfabética e “agora vamos utilizar o 12 dicionário?” às vezes tinha palavra que lógico não tinha nada a ver e “não gente essa 13 palavra significa tal coisa assim procura se está correto assim do jeito que está escrito” 14 nossa em dupla em trio e ia embora... 15 Marina: então eu já cheguei a falar assim [Carolina: foi muito bom] nossa hoje não tem 16 nada parece que não dei nada mas é porque é uma atividade que pega bastante tempo é 17 uma atividade/ mas você vê que tem resultado 18 Fernanda: a lousa digital é um recurso interessante por exemplo a gente pode escanear o 19 texto de um aluno jogar lá e usar cada cor pra corrigir uma coisa e eles vão vendo o erro e 20 vão ajudando você

68 Utilizo o termo no sentido de ações planejadas pelos sujeitos para agir de maneira eficiente em um

determinado contexto, próximo ao conceito de agente social, discutido a seguir. Não mobilizo os conceitos de

estratégia e tática de Miguel de Certau.

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21 Marina:a gente tá fazendo isso eu to digitalizando e algumas professoras elas tão dando 22 assim bem diversificado é coletivo é:: escolher uma porque pegar de todo mundo às 23 vezes não dá então tem várias maneiras 24 Gabriela: mesmo se não escanear dá pra digitar o próprio texto com os mesmos erros e ir 25 mexendo...

Na troca no exemplo, as professoras enunciam suas apreciações valorativas

sobre como trabalhar escrita e reescrita, construindo posicionamentos de profissionais com

experiências a serem compartilhadas (“é tão ou mais importante”, “olha que sugestão boa”,

“foi muito bom”, “interessante”). Os adjetivos com função de modalizadores avaliativos

indiciam a positividade das apreciações valorativas das professoras sobre o objeto de

discurso e sobre si mesmas e suas colegas.

No debate, a troca de turnos é constante e os interlocutores ocupam posições

relativamente simétricas. Não há uma participante que distribui os turnos ou os controla,

não há marcadores de alguma relação hierárquica. As participantes tomam o turno

consecutivamente, uma respondendo a outra, sem passar pelas professoras responsáveis

pela oficina. A intervenção de Eliane aborda maneiras de se realizar a revisão e a reescrita

de textos, tema escolhido para o encontro deste dia. Eliane, coordenadora da escola

acompanhada nesta pesquisa, está sentada entre as professoras, pois não há distinção entre

professoras e coordenadora nas oficinas. Eliane avalia como “mais importante” a reescrita

do que a produção de texto e faz a sugestão de realizar a revisão em duplas de alunos (linha

6 -7). Essa sugestão é retomada por Cristiane (linha 8), que complementa a sugestão com

sua maneira de fazer: com o uso do dicionário. As formas de participação de Eliane e

Cristiane diferem muito se comparadas com a participação em HTPC-aula: são os mesmos

sujeitos, que constroem relações e temas muito diferentes nos dois tipos de evento.

Marina, uma das responsáveis pelo evento, avalia a contribuição (linha 9), mas

não centraliza nem distribui os turnos; várias professoras fazem breves relatos de maneiras

de fazer a revisão textual em sala de aula, compartilhando experiências e avaliando suas

próprias sugestões e as sugestões das outras professoras. Carolina avalia sua própria prática

pedagógica (“foi muito bom”). Fernanda avalia o uso da lousa digital (“recurso

interessante”).

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Nas oficinas, as professoras se posicionam como sujeitos ativos com

motivações para atingir um objetivo (ARCHER, 2000), no caso, o ensino-aprendizagem da

reescrita: isso indicaria que estão exercendo agência em sua formação. Na maioria das

intervenções, as professoras se utilizam do pronome de autorreferência eu, colocando-se

como agentes de suas atividades profissionais de sala de aula, como sujeitos de suas

enunciações (“eu coloco em duplas”, “eu fazia uma lista”, “eu já cheguei a falar”, “eu to

digitalizando”).

Nota-se uma busca por construção coletiva de conhecimento para agirem em

seu contexto profissional, o que pode proporcionar um posicionamento das professoras

como agentes de letramento que, conforme Kleiman (2006), é aquele que atua de maneira

direcionada para as ações coletivas, buscando a co-construção do conhecimento. Dentro

dessa concepção, “todos os participantes da interação são potencialmente mediadores, ao

mobilizarem recursos de outros eventos, outras situações, outras práticas sociais”

(KLEIMAN, 2006, p. 81).

O conceito de agência social se refere a atividades reais de indivíduos atuando

no mundo social, através da ação coletiva. Primeiramente, relaciona-se à noção de agente

humano (ARCHER, 2000). Todos somos agentes neste sentido, pois o agente humano é

aquele que exerce ações sobre objetos no mundo, que faz coisas, que se engaja em ações

autônomas e é responsável por elas. O agente humano está em contraposição ao paciente ou

ao sujeito coagido. Como destaca Kleiman (2006), se todos somos agentes humanos, nem

todos somos agentes sociais: aqueles que agem na coletividade, exercendo sua ação em

função dos objetivos de um grupo social, influenciando os seus membros. De acordo com

Archer (2000), a agência social69 implica se engajar e promover ações coletivas. Os agentes

sociais são sujeitos ativos, que agem estrategicamente, tendo em vista objetivos específicos

de um grupo. Eles articulam os interesses de membros do grupo, os organizam para a ação

conjunta, para exercitar influência como coletividade. Como sintetiza Kleiman (2006, p.

415)

um agente teria a capacidade de decidir sobre um curso de ação, de

interagir com outros agentes e seria capaz de modificar ou mudar seus

69 Archer (2000) chama a agência social de corporativa (corporate agency).

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planos segundo as ações, e mudanças resultantes dessas ações, do grupo e

faria isso “estrategicamente”, de uma forma que não seria entendida como

a soma de interesses de membros individuais da coletividade.

Diferentemente da agência humana, agir socialmente pressupõe reflexão e

estratégia - no sentido utilizado por Archer (2000) e Kleiman (2006), mesmo que também

influenciada pela subjetividade dos sujeitos e pelos discursos disponíveis num dado

contexto. Zavala (2011) define agência social como capacidade socioculturalmente

mediada que os indivíduos escolhem para agir sob os efeitos das forças ideológicas que

construíram sua subjetividade. Mesmo que perpassados pela subjetividade e por ideologias,

que influenciam os atos escolhidos, um agente social é sempre ativo, nunca um mero

receptor de ações alheias (ARCHER, 2000; KLEIMAN, 2006; ZAVALA, 2011;

KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013). Ele também nunca é solitário, pois precisa da

ação coletiva para atingir os objetivos traçados.

Nesse sentido, as professoras em sua própria formação em seu local de trabalho,

nas reuniões de HTPC-aula, têm poucas oportunidades para exercer agência, na

configuração interativa analisada, em contraste com as possibilidades geradas nas oficinas,

pois “a posição autor, isto é, a capacidade de encontrar sua voz no coro de vozes que é a

comunicação humana, está estreitamente ligada ao conceito da agência nos movimentos

coletivos” (KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013). Em outras palavras, a forma da

interação interfere nos temas construídos, no sentido bakhtiniano: os conteúdos construídos

nos eventos e as apreciações valorativas das professoras sobre eles e sobre suas colegas

contrastam fortemente, mesmo quando os mesmos participantes, no caso de Eliane e

Cristiane, estão envolvidos. Por isso, considerando o método sociológico do Círculo de

Bakhtin (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 1995), analisar a situação comunicativa

imediata e mais ampla é fundamental para compreender os sentidos construídos pelos

enunciados.

Houve, entre os encontros observados na HTPC-aula, uma exceção, em que a

estrutura de interação teve configuração semelhante ao que ocorreu nas oficinas, com

possibilidades de construção de uma identidade de agente de letramento do professor em

sua própria formação. No evento do dia 17 de maio, quinta reunião semanal acompanhada

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por mim, após a reunião com todo o grupo, três professoras que atuam no 5º ano, a

coordenadora e a pesquisadora se reuniram para discutir modos de trabalhar um conteúdo

que seria solicitado em uma das avaliações externas ao final do ano letivo – a produção

escrita de uma resenha literária. O trabalho com o gênero foi solicitado para os quintos anos

de toda a rede de ensino municipal. A coordenadora pediu que a pesquisadora participasse e

a ajudasse. As outras professoras se reuniram em grupos, também por ano, para fazer o

planejamento semanal.

Excerto 24: Construindo o objeto de ensino “resenha” [HTPC-aula. Grupo de 3 professoras, coordenadora e pesquisadora. 17 de maio de 2011, 5ª reunião acompanhada]

1 Coord Eliane ((olhando para a pesquisadora)): nos quintos anos, né... porque nós estamos 2 passando por vário::s gêneros textuais tal...

3 Cristiane: pra nós é confuso porque tem resumo, resenha foi o que eu falei pra Eli (...) daí

4 a outra expôs pra mim a resenha seria um resumo com uma opinião é::

5 Pesquisadora Paula: é::

6 Cris: pra gente é confuso

7 Amanda: (...) de uma forma assim mais prática pra gente entender

8 Cris: como assim Eli voCÊ passaria pra eles a diferença?

9 Eliane: ahn:: porque assim o resumo o resumo do livro você vai ser fiel ao né ao::

10 Cris: só o que tem no livro

11 Elaine: ao conteú::do e tal agora na resenha na resenha você vai se colocar

12 Cris: então aí é que ta

13 Paula: ahan eu acho também você vai se colocar

14 Elaine: vai se colocar porque a resenha existe a resenha crítica eu vou fazer aí tem a

15 resenha comparativa que é...

A coordenadora começa introduzindo para a pesquisadora o trabalho realizado

pelas professoras. Cristiane intervém e já coloca em discussão o interesse específico

daquele grupo – o gênero resenha, e não o trabalho com gêneros em geral. Diferentemente

dos outros excertos de interação em HTPC-aula, a professora se sente autorizada para tomar

o turno da coordenadora, intervir na interação e demandar uma explicação da coordenadora,

que, por isso, não seleciona o que vai explicar sem qualquer debate com as professoras. O

uso de pronomes de primeira pessoa do plural ou expressões com a mesma função (“nós”,

“a gente”) mostra o início da construção de um coletivo entre as professoras: a questão não

é de interesse de uma delas ou só da coordenadora, e sim do grupo.

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No decorrer da interação, como vemos no excerto transcrito a seguir, a

coordenadora faz um relato de prática que é, a todo momento, debatido pelas professoras:

Excerto 25: Relato de prática e construção colaborativa do objeto resenha [HTPC-aula. Grupo de 3 professoras, coordenadora e pesquisadora. 17 de maio de 2011, 5ª reunião acompanhada] 1 Eliane: como eu fazia na sala (...) na roda da leitura na roda da leitura os alunos vão ler 2 tal aí ele vai dar a opinião então “como você indicaria para o seu colega você leu/” então

3 Janaína: oralmente

4 Eliane: tudo oralmente

5 Cristiane ((olhando para a pesquisadora)): do livro e do filme é resenha? ou é resumo?

6 Janaína: então pra nós é confuso é isso que eu to falando

7 Paula: (...) do filme eles chamam de sinopse mas eu acho que se aproxima a uma resenha

8 Cristiane: é

9 Eliane: é porque é uma indicação

10 Paula: porque é um breve resumo do filme mas não é só um resumo é uma indicação

11 [Cristiane: tem que ser coisa pra eles, né do filme] 12 Amanda: tem que ser coisa prática pra gente mostrar Né 13 Janaína: então tem a opinião de quem ta escrevendo... 14 Paula: tem tem tem os pontos positivos...

Eliane faz um breve relato de suas experiências profissionais anteriores para

fornecer às professoras subsídios para que desenvolvam sua própria prática. As professoras

fazem perguntas cujas respostas – de real interesse e não conhecidas previamente por

nenhuma participante, inclusive a coordenadora – são construídas pelo grupo. As

professoras indicam o que acham necessário ou obrigatório no trabalho a ser desenvolvido

em sala de aula ao utilizarem a modalidade deôntica (linhas 11 e 12). As relações

hierárquicas são subvertidas pelas professoras, que se posicionam como iguais entre si, pela

alternação nas tomadas de turno, pelos turnos de tamanho mais equitativo e pela natureza

das questões postas e das respostas construídas. O grupo, constituído como comunidade

com interesses comuns, elabora seus próprios conhecimentos para atuação profissional.

As professoras intervêm colocando questões à coordenadora e à pesquisadora, e

também respondendo umas as outras, chegando a suas próprias conclusões, como faz

Janaina (linha 13). As participantes constroem coletivamente tanto o objeto de ensino – o

que é resenha literária, qual sua especificidade em relação a outros gêneros semelhantes

(linhas 6 a 15) - quanto às etapas iniciais de um planejamento de atividades para ensinar o

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gênero resenha (iniciar “oralmente”), reacentuando as palavras alheias, se apropriando

delas e tornando-as próprias (linhas 11, 12 e 13).

O processo de apropriação do conceito de resenha e de maneiras de ensiná-lo, a

criação de um coletivo para que isso ocorresse e o tipo de participação na interação

desenham possibilidades de agência social (ARCHER, 2000; KLEIMAN, 2006) das

professoras em sua formação, como mostra a continuação da interação deste grupo no

próximo excerto:

Excerto 26: Planejamento coletivo oral em HTPC – continuação da discussão sobre resenha

[HTPC-aula. Grupo de 3 professoras, coordenadora e pesquisadora. 17 de maio de 2011]

1 Eliane: aí eu começaria assim, meninas, eu começaria como eu já vi já fiz e já vi muito 2 resultado na roda da leitura um aluno indicando pro outro aí vocês vão puxando “por 3 que que você está indicando esse livro aí eu anotei algumas coisas aqui por quê?” nós 4 sabemos que a apropriação de um gênero textual não é de uma hora pra outra nem 5 pra nós... 6 Todas: é, não, não mesmo... 7 Eliane: nem pra nós na faculdade quantas vezes a gente se depara com um trabalho 8 que ((muda tom de voz)) “Ai meu Deus como é que é isso?” né fica naquela dúvida 9 então que que eu fiz é:: eu fazia primeiro isso depois eu fazia um mural de indicações 10 Janaína: mas aí Eli não é uma coisa longa, é? 11 Eliane: não::: 12 Amanda: eu pensei é dois três parágrafos 13 Elaine: vocês vão perceber gente da dificuldade deles 14 Janaína: porque eles ficam presos nisso [tamanho do texto], NE 15 Cristiane: ficam 16 Eliane: sim, ficam 17 Janaína: “professora, quantas linhas?” 18 Eliane: a primeira produção será coletiva 19 Cristiane: ai, tem que ser 20 Elaine: e você o escriba... 21 Amanda: mas tem que ser um livro que todo mundo já leu, NE 22 Eliane: sim de repente essa roda da leitura (...) 23 Cristiane: porque a gente faz a hora do conto 24 Amanda: o meu foi a semana passada 25 Janaína: o meu não pegou tudo igual 26 Cristiane: igual a gente faz a hora do conto na entrada eu posso pegar um desses 27 Eliane: isso (...) e é o que falo a gente vai tentando vai fazendo tentativas que jeito que 28 é melhor pra turma né (...)

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Na construção de uma interação mais horizontal, há um deslocamento do lugar

das professoras na interação, antes posicionadas subalternamente, numa posição somente

reativa, para o de profissionais experientes, que podem oferecer sugestões aos demais

membros de sua comunidade e debatê-las, assumindo uma postura ativa na construção de

saberes. O grupo – professoras e coordenadora - (re)planeja suas ações ao refletir

coletivamente sobre elas – exercendo agência em sua formação.

A coordenadora, em seu uso da primeira pessoa do singular e de verbos

relacionados ao fazer (“eu já vi já fiz”, “eu fiz é:: eu fazia primeiro isso depois eu fazia”),

também se posiciona como agente social, e sua experiência serve para mobilizar e orientar

interesses e necessidades do grupo. O uso do pronome de autorreferência eu, que imprime

subjetividade aos usos da língua, é indicativo de que ela rememora sua atuação como a de

uma protagonista em controle do processo de ensino-aprendizagem de seus alunos. Não só

a coordenadora utiliza o pronome de primeira pessoa do singular: Amanda (linha 12) e

Cristiane (linha 26) também o fazem, o que indica a simetria na interação – são docentes

debatendo o que fazem ou o que faziam em sala de aula e construindo saberes sobre o que

pode ser feito com base nas experiências e conhecimentos mútuos. Os relatos de ações sob

sua responsabilidade parece apontar para um reposicionamento que as autoriza a debater

entre iguais, profissionais da educação.

Mesmo que a coordenadora seja quem mais toma os turnos e que seja a sua

prática a referência inicial, essa interação difere das interações nos eventos de HTPC

analisadas na seção 4.3.1, aproximando-se do que ocorre nos debates das oficinas.

Primeiramente, a estrutura de participação não segue o padrão IRA; há mais trocas de

turnos, que não são mais controlados por Eliane; o próprio objeto de discurso é negociado

pelas participantes (Cristiane intervém e coloca a sua principal dúvida para ser debatida

naquele evento). O discurso construído também contrasta, numa mudança de um discurso

autoritário, que se impõe e silencia as atitudes responsivas, para um discurso internamente

persuasivo, que promove a apropriação das palavras alheias como palavras próprias,

integrando-as.

O fato de haver um objetivo bastante específico e delineado desse grupo, de

todas conhecido, pode ter sido um fator que promoveu a alteração na estrutura de

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participação e na natureza da formação promovida. Quando algumas restrições

institucionais da HTPC são suspensas e o debate se centra em um único tópico de interesse

coletivo, relevante a todas as participantes, a relação é mais simétrica e as professoras agem

em sua própria formação. O mesmo fator incidem sobre as oficinas entre professoras de 5º

anos.

A delimitação das oficinas como momentos de formação tendo em vista às

avaliações externas, um objetivo bastante preciso, e a alternância de participantes do grupo

assumindo o papel de formadora, parecem contribuir para uma interação mais colaborativa

e a formação de um grupo coeso, com interesses em comum. A natureza dos saberes

mobilizados, aqueles mais relacionados à prática, às experiências docentes das

participantes, também favorecem a participação, pois todas têm experiências a

compartilhar. Saberes técnicos são também mobilizados, mas sempre em função do saber-

fazer70. O enfoque das participantes e suas demandas focalizam os modos de fazer em sala

de aula, foco presente em todas as reuniões desse tipo, o que não exclui o diálogo com

saberes disciplinares e curriculares, principalmente com instâncias oficiais por meio de

documentos parametrizadores, como veremos no próximo capítulo.

As relações mais simétricas estabelecidas nas interações em oficina e na

interação sobre o ensino da resenha permite uma construção colaborativa de saberes

profissionais das professoras. Entendo essa prática como colaborativa no sentido de um

processo de produção compartilhado (COLLINS, 1993, PINHEIRO, 2011). Pinheiro

(2011), com base em Ibiapina (2008), ressalta que o fato de a colaboração apresentar

relações mais igualitárias não significa que não possa haver liderança e até assimetrias na

interação. O mais relevante é o fato de todas as participantes terem “voz e vez” no evento

construído de maneira mais simétrica.

A construção de um coletivo para se identificar – docentes em busca de

respostas a necessidades imediatas de ensino-aprendizagem de seus alunos – favorece a

70 Autores que se voltam para concepções de formação do professor como Schön (2000) e Pérez Gómez

(1995) diferenciam o saber fazer do saber explicar o que se faz. Saber fazer trata-se de um conhecimento que

supõe interagir com as situações problemáticas para intervenções concretas, enquanto saber explicar o que se

faz é um metaconhecimento sobre a ação. No caso analisado, as professoras mobilizam os dois tipos de

saberes em sua formação continuada.

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formação das professoras em seu local de trabalho. Esse reposicionamento de uma posição

subalterna para uma posição de autorização em relação a seu dizer e seu fazer parece se

sustentar na construção dessa voz coletiva A delimitação de um interesse comum e a

criação de um coletivo que se autofortalece favorecem uma interação simétrica e uma

formação em que as próprias professoras exercem agência, direcionando-a para suas

demandas. Essa simetria e a possibilidade de agência engajam as professoras em sua

própria formação, tornando-a mais efetiva para os interesses dessas profissionais.

De qualquer forma, nos dois casos, muitos dos eventos de formação analisados

são gerados pela necessidade de resolução de problemas emergentes da prática de sala de

aula, tendo como meta aprender a ensinar. O tratamento dos tópicos (resenha, frações,

reescrita) mostra modos de produção de conhecimentos orientados pela experiência.

Nas oficinas organizadas pelas professoras e em alguns momentos da HTPC-

aula, chamam atenção os esforços das participantes a fim de desenvolver estratégias para

abordar os temas selecionados pelo grupo, usando suas potencialidades, imaginação,

criatividade e experiências profissionais. Trata-se de construir alternativas possíveis nos

limites postos pela realidade onde realizam suas funções. Essa construção de alternativas

possíveis em um contexto cada vez mais desafiador, como é a escola contemporânea,

parece também tecer relações com o discurso de autoajuda, bastante mobilizado pelas

participantes em HTPC, o que é aprofundado no próximo capítulo.

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6 - Vozes sociais e discursos na HTPC: apropriações e

conflitos

Neste capítulo, desenvolvo uma análise discursiva da HTPC, com enfoque nas

vozes sociais do professor e de outros agentes que atuam em sua formação. Com base na

perspectiva bakhtiniana, analiso as apropriações, as palavras e contrapalavras (BAKHTIN,

1988, BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995) que se expressam nas práticas de letramento

formativas em HTPC e na constituição identitária do professor. Abordo como os discursos

em HTPC constroem sentidos para a docência em um contexto cada vez mais desafiador

como é a educação básica.

6.1 Religião e autoajuda na formação do professor

Como vimos no capítulo anterior, na abertura e na preparação do

desenvolvimento nos eventos de HTPC observados, era comum a leitura de textos de

autoajuda, ou de textos moralizantes ou, ainda, a realização de preces. A mobilização de

gêneros de discurso religioso ou moral está relacionada a uma tentativa de construção de

sentido para o evento e para a própria docência pelas professoras, coordenadora e diretora

na formação que se dá na unidade escolar investigada.

Contudo, apesar de apresentarem a mesma função interacional nos eventos, o

uso de gêneros religiosos e de gêneros de autoajuda têm construções de sentido diferentes.

As maneiras como as professoras se engajam nas práticas de letramento compostas pelos

dois gêneros são diferentes – sem conflitos, no caso das preces; com tensões, no caso da

autoajuda. A responsabilização pelos fatos relacionados à profissão também divergem: num

caso, a responsabilidade é divina; no outro, humana e individual de cada professora. Esses

discursos, ao comporem os eventos formativos, têm implicações para a formação docente e

para as identidades construídas pelas participantes, o que é discutido nesta seção.

A crise da escola e da profissão docente traz para o centro da formação do

professor que ocorre em seu local de trabalho a necessidade de criar sentidos para a

docência. Conforme Tardif e Lessard (2005), a instituição escolar não fornece mais

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modelos fortes de referência, o que leva a uma situação em que os docentes são

abandonados a si mesmos, em sua relação diária com os alunos e na construção do sentido

que eles tentam encontrar ou dar à sua experiência. As estratégias utilizadas, no caso

observado, para responder a essa crise e tentar criar esses sentidos, são a leitura e a escuta

de gêneros do discurso religioso e de autoajuda, que servem à construção de duas ideias: a

responsabilização divina (e, neste caso, não há o que se fazer além de ter fé); e a capacidade

individual para solucionar os problemas nas péssimas condições de trabalho do professor

(e, neste caso, cada professor está sozinho na empreitada). A autoajuda e a religião

fornecem as ideias de estabilidade, conforto, persistência e perseverança, necessárias para

enfrentar situações cada vez mais desafiadoras do cotidiano escolar na atualidade como

veremos nas análises a seguir.

No caso da realização de preces, na HTPC-aula e na HTPC-oficina, há uma

relação com a preparação para o evento, ocorrendo antes do início do tratamento dos

tópicos da pauta. Em uma oficina, a professora Carol introduz o evento com uma oração:

Excerto 27: Preparação religiosa em HTPC-oficina [professoras Carol e Rita a frente da sala, por

volta de 15 professoras presentes. 15 de agosto de 2011]

1 Carol: bom uma oração né se com Deus já é difícil sem ele então meu Deus o que 2 seremos de nós né seremos consumidos então eu quero agradecer este momento de 3 estarmos aqui um compartilhando com o outro o conhecimento né em prol da educação 4 principalmente a formação e desenvolvimento das nossas crianças santo deus amado pai 5 muito obrigado por este curso por estarmos reunidos aqui em prol da educação venha 6 senhor abrir nossos conhecimentos dar-nos discernimento em nome de Jesus amém 7 Profs: amém ((começam a rezar o Pai Nosso))

Carol introduz a realização da oração como agradecimento pelo evento e como

uma estratégia para enfrentar situações difíceis. A oração tem como função preparar as

professoras para o evento, para estas terem “discernimento”, para “abrir” seus

conhecimentos. A busca por uma sustentação para o evento e para a própria docência (neste

caso, Deus) é explicitada por Carol (“se com Deus já é difícil sem ele então...”). Ou seja, a

prece tem como função, além da preparação para o evento, dar sustentação ao fazer do

professor. Nas ocasiões em que preces foram propostas, nos dois tipos de evento, as

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participantes não demonstraram qualquer estranhamento, resistência ou descontentamento

com a prática.

A reza é um gênero apartado dos objetivos didático-pedagógicos, mas dialoga

com a história da escola, instituição que esteve sob responsabilidade da Igreja Católica e a

serviço dela por séculos no Brasil. A prece mostra a penetração de práticas de letramento

religioso na escola laica brasileira71. Chartier (2004) analisa imagens e finalidades

relacionadas à docência em uma perspectiva histórica, que permanecem válidas ao que é ser

professor hoje. A primeira imagem destacada pela autora é a da escola religiosa e do

professor catequista. A missão desse professor era a educação cristã através da

catequização de massas. Na Europa do século XVI, a Reforma protestante e a Contra-

reforma católica impulsionaram a ideia de que não só os clérigos, mas também os leigos

deveriam instruir-se em sua fé cristã. As igrejas passaram a ensinar a ler a seus fiéis para

estes terem acesso aos livros da Sagrada Escritura. Padres e pastores exerceram a função de

professores.

Louro (2003, p. 98) também retoma a figura do professor como religioso ao

discutir as representações de professoras e professores a partir da ideia de que essas

representações “dizem algo sobre esses sujeitos, delineiam seus modos e traços, definem

seus contornos, caracterizam suas práticas, permitem-nos, enfim, afirmar se um indivíduo

pode ou não ser identificado como pertencendo a esse grupo”. A autora destaca a imagem

ligada à figura do mestre, que representa a docência como sacerdócio. Tal referência, que

remonta aos séculos XVI, XVII e XVIII, é evocada dialogicamente em discursos que

destacam a necessidade de dedicação incondicional do professor, por vocação. Esse

discurso da docência como sacerdócio e vocação (e, na atualidade, sacrifício) permanece

em práticas comuns na escola laica72. Tardif e Lessard (2005) afirmam que há três

concepções preponderantes do trabalho docente desde sua origem: vocação, ofício e

profissão. Estas não se apresentam como sucessão de etapas históricas lineares, mas são

reveladoras de dimensões fundamentais da docência, que se interpenetram e se sobrepõe na

formação e na atuação do professor. Dessa forma, a presença de preces na formação do

71 Presenciei também a realização de rezas com todos os alunos da escola no pátio antes de sua entrada em

sala de aula para o período da tarde. 72 É necessário reforçar que práticas religiosas na escola pública brasileira são inconstitucionais.

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professor está relacionada a concepção de docência como vocação, como sacerdócio, sendo

uma das possíveis alternativas para se criar sentido à profissão ainda na atualidade.

Já a leitura de textos de autoajuda73 na preparação das HTPC-aula traz um teor

moralizante, de aconselhamento e se baseia em uma abstração de questões sociais, políticas

e econômicas ao ser relacionada à formação docente, investindo em concepções de

dedicação e da confiança incondicional em uma força superior. Neste caso, essa força não é

mais “Deus”, e sim a própria capacidade individual, a persistência e o pensamento positivo.

Diversos textos, com diferentes funções em suas esferas de produção, podem

servir como autoajuda nos momentos de reflexão em HTPC (ver gráfico 4 no capítulo 4).

Por exemplo, na etapa da preparação, o texto lido para reflexão na quarta reunião de HTPC-

aula observada foi, como já indicamos, a fábula “A Borboleta Azul”, de autoria não

identificada. O texto, em seu trecho final, busca aconselhar o leitor, como pode ser visto no

Quadro 2, a seguir:

Quadro 2: Trecho final do texto “A borboleta azul”

73 O surgimento de gêneros do discurso de autoajuda é registrado em diferentes marcos e datas na literatura, a

depender da definição de autoajuda adotada. Brunelli (2004), com base em Chagas (1999), afirma que a

literatura de autoajuda teria surgido em meados do século XIX, no momento em que se caracteriza o culto à

singularidade do indivíduo moderno, quando ele passa a ter um valor supremo e central na cultura do

Ocidente e, ao mesmo tempo, perde referências de coletividade, que não oferecem mais um mundo seguro,

ordeiro e estável. Para Sobral (2006), por sua vez, ao se concentrar em livros de autoajuda da corrente que

chamou de “psico-espiritual”, o gênero de autoajuda surge com a chamada Nova Era, advinda da cultura

enfeixada no slogan “Paz e Amor” dos anos 1960, no contexto norteamericano. Silva (2012) afirma que a

categoria autoajuda surgiu na metade do século XIX e foi retomada com mais força a partir da década de 90

do século XX. O marco do surgimento seria o livro do médico escocês Samuel Smiles, “Self Help”, em 1859,

em que se discute o bem que cada um pode fazer a si mesmo.

Assim é a nossa vida, o nosso presente e o nosso futuro. Não devemos culpar ninguém quando algo dá errado. Somos nós os responsáveis por aquilo que conquistamos (ou não conquistamos). Nossa vida está em nossas mãos, como a borboleta azul... Cabe a nós escolher o que fazer com ela. “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.

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Para a construção do sentido do texto como uma verdade incontestável e como

um conselho valioso ao leitor, algumas estratégias de modalização são utilizadas. A

modalização deôntica, expressa por meio dos verbos modais dever e caber, ativa o eixo de

sentido da responsabilização individual e de controle do comportamento do outro nos

trechos “Não devemos culpar ninguém quando algo dá errado” e “Cabe a nós escolher o

que fazer com ela”. O objetivo é regular a vida do leitor, aquele que deve se autoajudar. A

modalização desses textos parte da afirmação da certeza, em que o enunciador se

compromete com a verdade do que diz sem explicitar, contudo, por meio de adjetivos ou

advérbios indicadores de certeza, que considera certo o conteúdo do seu enunciado. Os

enunciados construídos como verdades incontestáveis – como em “O valor das coisas não

está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem” e “Nossa vida está

em nossas mãos, como a borboleta azul” - assemelham-se a provérbios ou máximas

religiosas e concorrem para o mesmo efeito de sentido, servindo como justificativas para o

discurso autoritário dos enunciados com modalização deôntica. Esses enunciados mostram

um sujeito-enunciador que nunca manifesta incerteza com relação às fórmulas que propõe,

o que notamos pelo uso de enunciados declarativos no presente do indicativo. O presente

do indicativo pode ter valor gnômico, conforme Bronckart (1999), que confere aos

processos verbalizados uma validade geral, independente de qualquer temporalidade

particular74.

O conteúdo do texto lido no momento de reflexão da HTPC é apresentado

como indiscutível, e seu uso na prática de leitura do evento obedece esse efeito de sentido,

pois é uma leitura linear, sem discussão, sem possibilidades de contestação, como mostra o

excerto 6.3, que transcreve o trecho de interação logo após a finalização da leitura do texto

“A borboleta azul”:

74 Maingueneau (2013) chama de enunciados não embreados aqueles construídos como se estivessem

isolados da situação de comunicação, procurando construir universos autônomos.

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Excerto 6.3: Preparação 1 – reflexão e acervo do professor [10 de maio de 2011; 4ª reunião

acompanhada].

1 Coord: ((terminada a leitura do texto “A borboleta azul” anexo 4.)). alguém quer fazer algum comentário? Já conheciam?

2 [Várias: já, já] 3 Prof Rute: já tinha visto o do passarinho 4 Prof Amélia: já demos até para os alunos 5 Prof Jéssica: demos para os alunos 6 Prof Edna: é a do passarinho da borboleta eu não conhecia só do passarinho

(++)

Ao se construir como um discurso monologal, que apaga toda marca do

dialogismo que constitui todo e qualquer enunciado (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995), a

leitura do texto selecionado não gera discussões nem engajamento na interação, tendo

reflexos na organização da interação nesse momento da HTPC. Essa característica torna o

discurso autoritário, aquele que é apenas repetido, que não admite apropriações,

contestações e modificações.

Na quinta reunião acompanhada, a reflexão é proposta após a escuta da

canção “Tente outra vez” de Raul Seixas (ver anexo 4). Características da letra da canção e

da interação após sua escuta permitem concluir que o texto constitui-se nesta situação

também como do gênero de autoajuda. Vejamos por que.

Em primeiro lugar, porque o discurso exortativo que encontramos em todas as

estrofes da letra da canção tem como objetivo encorajar a persistência do destinatário e

alimentar sua crença nas próprias capacidades: “Queira! (Queira!) / Basta ser sincero / E

desejar profundo / Você será capaz / De sacudir o mundo / Vai! Tente outra vez!”,

“Tente! Levante sua mão sedenta / E recomece a andar/ Não pense

Que a cabeça aguenta / Se você parar / Não! Não! Não!”. Em segundo lugar, encontramos o

uso de formas linguísticas como o imperativo e o futuro simples do indicativo, que

reforçam a modalização regulatória do comportamento do outro neste momento de reflexão

da HTPC. A construção da letra da canção é realizada por meio de promessas ou ameaças

sobre o futuro, a depender de atitudes do destinatário e de sua crença em sua capacidade

individual.

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A interação logo antes e após a escuta da canção estabelece-se ao longo do eixo

de sentido da reflexão e responsabilização individual – porém sem debate, como vemos na

transcrição a seguir:

Excerto 12: Preparação – canção “Tente outra vez” [17 de maio de 2011; 5ª reunião acompanhada]

1 Coord: meninas, o meu convite é pra que a gente faça um pouquinho de silêncio só 2 pra ouvir uma música, ta? (+++) ((voz baixa, fala pausadamente)) 3 ((vozes enquanto a coordenadora arruma o som, uma professora vai ajudá-la)) 4 ((mais de 5 minutos e meio de gravação e a reunião não prossegue. Professoras 5 conversam sobre assuntos variados – aniversário, festas, roupas – enquanto a 6 coordenadora tenta arrumar o aparelho de som)). 7 ((A música escolhida pela coordenadora para iniciar a reunião, “Tente outra vez” de 8 Raul Seixas, começa a tocar. Termina na canção)). 9 Coord: então é isso/ acho que o recado foi dado ((olhares entre as professoras)) é:: 10 meninas a pauta vai ser bem rapidinha nós vamos continuar com nosso código 11 disciplinar do aluno e perfil do professor que queremos pra hoje. por quê? (...)

A fala da coordenadora após a escuta da canção (“acho que o recado está dado”,

sem abertura para discussão coletiva) contribui para a configuração da reflexão como

momento individual apesar de as professoras estarem reunidas em grupo. O discurso da

capacidade individual tem reflexos na materialidade da interação e nela se refrata: o

silêncio das professoras e a centralização dos turnos pela coordenadora refletem o processo

de monologalização do discurso, apagando a possibilidade de réplicas explícitas, de diálogo

como interação entre dois ou mais participantes do evento. O momento chamado pelas

participantes de “reflexão” é, então, um momento individual, apesar da reunião em grupo,

individualização esta que é reforçada pelas características do gênero selecionado, que

valoriza a responsabilização e capacidade individuais dos sujeitos.

A busca de textos que tematizam atitudes positivas individuais frente à vida

também tem relação com o caráter do trabalho do professor em suas condições na

atualidade. Sobral (2006), ao retomar algumas vertentes da autoajuda, afirma que todas elas

se baseiam em uma crença da existência, no mundo contemporâneo, de uma ampla crise:

uma crise cósmica, no caso da autoajuda psico-espiritual, crise do Estado-nação, crise nos

valores morais, crise na escola etc. A percepção dessa crise geral afeta não somente o

mundo como um todo, mas, de modo específico, o modelo das denominadas profissões de

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ajuda (medicina, psiquiatria, psicologia, religião, docência etc.). A autoajuda viria como

uma busca individual de soluções, já que não se pode mais contar com certezas que antes

davam sustentação à vida (SOBRAL, 2006).

Ao relacionarmos essa crise geral à escola, o professor tem papel central na

busca por soluções aos problemas da instituição, principalmente por ser a docência um

trabalho solitário, em que o professor se percebe como único responsável pelo

funcionamento da classe (TARDIF, LESSARD, 2005). Essa percepção de solidão pode

construir sentidos de autonomia e responsabilidade, mas também de isolamento e

vulnerabilidade. Na busca por soluções, uma estratégia encontrada pelo grupo de

professoras acompanhado nesta pesquisa é a mobilização de discursos que apontam para

uma agência individual do professor, uma estratégia que constrói algum sentido para a

docência em um contexto de desvalorização do professor e de crescente cobrança sobre seu

fazer. Tardif e Lessard (2005) analisam a conjuntura atual da docência, principalmente a

partir dos anos 1980 e mais fortemente depois de 1990, período em que restrições

orçamentárias atingiram os professores, e afirmam que

em vários países os docentes se sentem muitas vezes isolados, esgotados e

por toda parte sua mensagem é a mesma: eles não têm tempo para fazer

tudo e o seu nível de stress aumenta diante dos múltiplos obstáculos e

dificuldades que encontram em seu trabalho diário. No plano quantitativo

(horas, semanas de trabalho, número de alunos por grupo, etc.), a tarefa

dos docentes não variou desde os anos 1960, mas as coisas são diferentes

no plano qualitativo, pois vários fatores contribuem para torná-la mais

pesada e complexa. Por exemplo, os grupos de alunos são mais

heterogêneos do que antes e suas necessidades são mais diversificadas.

Além disso, particularmente no secundário e nos grandes

estabelecimentos, a rigidez e a fragmentação da organização do ensino

tornam mais difíceis o contato personalizado com seus alunos e o seu

enquadramento. Daí decorre que a carga de trabalho dos professores é

mais pesada do que antes e, sobretudo, mais exclusivista e mais exigente,

enquanto os meios e os financiamentos encolhem. (TARDIF, LESSARD,

2005, p. 10).

A leitura de autoajuda e a busca por mensagens moralizantes ou motivacionais

são estratégias para encontrar sentido para a docência nesse contexto cada vez mais

complexo. O sentido construído é de responsabilização individual. Como o gênero de

autoajuda encoraja a capacidade individual e a crença em si mesmo para superar qualquer

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tipo de problema, sua mobilização responde às condições da situação comunicativa

específica e a características gerais da escola, que se constituiu com base em uma ideologia

individualista, para alunos e professores.

Historicamente, a escola foi se construindo como instituição que valoriza o

trabalho individual de professores e alunos: não há espaço propício para um trabalho

colaborativo se efetuar, principalmente devido à organização de tempos e espaços

escolares, à grade de horários, à seriação, à divisão de tarefas. Dentro de uma mesma

classe, todos os alunos realizam uma mesma atividade, com os mesmos objetivos, mas a

realizam por completo e individualmente. No interior da classe, o professor também se vê

sozinho, isolado. Dessa forma, temas relacionados à capacidade individual de resolver

problemas dão alguma resposta ao professor, alguma possível possibilidade de ação,

mesmo que por força das capacidades do indivíduo.

Na HTPC do dia 07 de junho de 2011, sétima reunião acompanhada,

excepcionalmente realizada pela nova diretora da escola juntamente com a coordenadora,

outro texto de autoajuda foi lido no momento de reflexão:

Excerto 28: Preparação – motivação “Vá além dos seus limites” [07 de junho de 2011, 7ª reunião acompanhada].

1 Diretora: Nós pesquisamos e:: e assim é muito interessante vocês vão acompanhar 2 com a gente aí a/ o autor é o Doutor75 Jô Furlan então ele fala assim ((a diretora lê todo 3 o texto em anexo76, “Vá além dos seus limites”)), (...) eu acho assim na nossa vida 4 obstáculos têm todos os dias seja financeiro seja profissional seja sentimental seja na 5 saúde é obstáculos? é obstáculo. mas a gente vai deixar o obstáculo ali? Se a gente 6 pode no português dá um chute e vamo pra frente e vamos seguir vai vim outros 7 obstáculos vão vim mil obstáculos mas a vida da gente é essa a vida/ o:: o importante é 8 hoje o importante é o que você faz hoje como diz o ditado né o hoje é o que basta, o 9 amanhã a Deus pertence então se a gente pode fazer hoje com todos os obstáculos 10 da vida porque eu faço/ eu falo por mim porque eu só estou aqui porque eu batalhei 11 MU::Ito pra ta aqui se não eu não estaria (...)

75 O autor do texto assina os textos como Dr. Jô Furlan e apresenta sua formação em seu site: é médico,

professor e pesquisador de Neurociência do comportamento. Disponível em

<http://www.drjofurlan.com.br/dr_jo_furlan_mentor_da_inteligencia_comportamental.asp>. Acesso em

14/08/2013. 76 A diretora procede à leitura do texto “Vá além dos seus limites”, que está no anexo 4.4, de quase duas

páginas, durante quase três minutos e meio.

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A diretora lê o texto motivacional “Vá além dos seus limites” de autoria de Jô

Furlan (anexo 4.4) e ela mesma o comenta. Ela se autodefine como alguém que venceu na

vida, que é protagonista do seu dizer e fazer, como se nota pelo uso recorrente da primeira

pessoa do singular nas linhas 10 e 11. A diretora se constrói como modelo em sua postura

otimista, necessária para melhorar qualquer aspecto da vida, crença com base em um poder

do indivíduo para superar dificuldades: eu faço/ eu falo por mim porque eu só estou aqui

porque eu batalhei. O uso da expressão de 1ª pessoa do plural “a gente”, aliando ao verbo

modal “poder” em trechos como “a gente pode fazer hoje com todos os obstáculos da vida”,

“a gente é capaz de fazer hoje...”, apresenta o sentido de que a capacidade individual,

superadora de quaisquer limites, é faculdade inerente a todos.

Para se colocar como o modelo dos conselhos dados no texto, a diretora

revozeia suas palavras, direcionando-as às professoras. A diretora retoma os diferentes

aspectos da vida elencados no texto (trecho do primeiro parágrafo texto: “o que é que você

pode ou não realizar na sua vida, independentemente do setor, seja ele profissional, pessoal,

financeiro, familiar?”) em sua fala “na nossa vida obstáculos têm todos os dias seja

financeiro seja profissional seja sentimental seja na saúde”. Sua fala sobre os obstáculos da

vida também revozeia trechos em que o texto trata de problemas variados, como em “você

foi apresentado a um problema no seu trabalho. Se você pensar que não é capaz de resolvê-

lo, não será capaz de resolvê-lo realmente” (trecho do terceiro parágrafo do texto). Seu

relato pessoal sobre como ela mesma chegou à posição profissional (“porque eu faço/ eu

falo por mim porque eu só estou aqui porque eu batalhei MU::Ito pra ta aqui se não eu não

estaria”) funciona como exemplos de aspectos tratados no texto, como a conquista de uma

melhor remuneração no trabalho: “Olhe ao seu lado, entre as pessoas com quem você

convive. Quanto mais problemas essa pessoa é capaz de resolver, normalmente ela é mais

bem remunerada, seu trabalho é necessário, seu poder de decisão tende a crescer” (trecho

do quinto parágrafo). O revozeamento do texto e o uso da própria história profissional

como exemplo mostram a concordância da diretora com o conteúdo do texto e sua

avaliação positiva quanto a sua pertinência para as professoras.

Neste caso, em que um texto do gênero autoajuda é efetivamente utilizado para

a reflexão em HTPC (e não outro gênero que é reacentuado como portador de uma

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mensagem de aconselhamento), as possibilidades de interpretação são muito mais variadas.

Há relações do gênero com diferentes práticas sociais, tais como a mística, o testemunho, a

motivação empresarial corporativa. Vamos explorar brevemente cada uma delas, tanto com

base no texto “Vá além dos seus limites” como na fala da diretora. No excerto a seguir, a

diretora continua sua exposição após a leitura do texto de autoajuda:

Excerto 29 – Preparação - relato de superação da diretora

1 Diretora: eu não estaria aqui estaria na minha sala aguardando uma decisão eu fui além 2 disso eu vim e fiz com que eles falassem [muda o tom] “não agora você ta aqui e vai ter 3 que dá um jeito (...)”. entendeu? E assim/ eu gosto de trabalhar mu::ito com a equipe 4 mas muito porque até sexta-feira eu estava numa sala de aula eu valorizo muito o 5 profissional que eu sou professora e valorizo todas as que estão comigo e trabalharam 6 ou que estão no trabalho e então a gente procura fazer o melhor do nosso dia 7 enfrentamos mu::ita coisa, né Eli?

Como exemplo da sua argumentação (e a do autor do texto), a diretora faz um

testemunho77, gênero que também remete à esfera religiosa. O testemunho serve como um

exemplo sobre a busca de horizontes a serem conquistados via pensamento positivo e fé na

capacidade de conquista. A conquista individual pela confiança, pelo pensamento positivo e

ações individuais, base do discurso de autoajuda, constitui a fala da diretora e tece relações

com o discurso religioso. Sua fala também remete a discursos de desvalorização docente e

responsabilização de professores por maus resultados da educação pública, o que pode ser

notado pelo discurso da superação, aliado à atitude da diretora de querer valorizar as

pessoas que com ela trabalham, ou seja, seus pares, como numa equipe.

A repetida referência à esfera do trabalho, no uso recorrente de palavras como

“profissional”, “trabalho”, “trabalhar”, “professora”, “na minha sala”, pode ser relacionada

ao discurso empresarial. Este está fortemente presente na área da educação, em especial

devido ao processo histórico pelo qual a política educacional brasileira passou no período

da ditadura militar, em que empresários começaram a realizar eventos na área da Educação,

77 A fala da diretora pode ser também analisada como discurso confessional, tratado por Foucault (2004,

2007). Na sua fala, aglutina-se a narrativa sobre si e o julgamento e interpretação sobre o que é dito. Na

prática confessional, a verdade é produzida pelo jogo entre aquele que fala e aquele que escuta. Este é

encarregado de interpretar o que é enunciado – jogo de verbalização e obediência. A função daquele que

escuta (religioso, psicólogo ou psiquiatra) é exigir daquele que verbaliza que trate de ser aquilo que ele

reconhece ser.

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inseridos no acordo MEC-USAID (SAVIANI, 2008). O discurso empresarial teve

continuidade na escola com reformas educacionais de caráter neoliberal do final do século

XX, que desabilitam e desacreditam o Estado no provimento de serviços sociais, como a

educação.

A motivação e a contribuição para a autoestima são fatores bastante valorizados

em ambientes corporativos. Por exemplo, Chiavenato (2003), no livro “Introdução a Teoria

Geral da Administração”, aborda mudanças na linguagem do ambiente administrativo que

surgiram com a Teoria das Relações Humanas, situada, pelas referências citadas pelo autor,

na década de 1960. Tal mudança passa a destacar motivação, liderança, comunicação,

dinâmica de grupo etc., em detrimento de conceitos clássicos na administração empresarial

como os de hierarquia, autoridade, racionalização. A motivação do trabalhador passou a ser

entendida não somente em termos econômicos e materiais, como também por fatores

sociais e simbólicos78.

Esse discurso motivacional no ambiente de trabalho também perpassa a escola

como local de trabalho. Souza-e-Silva (2007) analisa textos da revista Você S/A (2006),

publicação especializada em emprego e empregabilidade da Editora Abril. A autora destaca

o fato de, nos números mais recentes por ela analisados no ano de 2006, os depoimentos

trazidos pela revista incluem profissionais da educação. “Considera-se o conhecimento

desenvolvido na escola nos mesmos moldes do empresarial, isto é, passageiro, está sempre

em mudança, serve para resolver problemas pontuais” (SOUZA-E-SILVA, 2007, p. 394).

Além da representação da escola como empresa e do professor como um trabalhador que,

individualmente, pode alcançar sucesso profissional, o caráter prescritivo dos textos da

revista (entrevistas, artigos, depoimentos) é destacado pela autora nas suas análises. A

autora afirma que “o funcionamento discursivo da revista assemelha-se ao de verdadeiros

manuais e mesmo de livros de autoajuda (STURM, 2006), impondo modelos de estar no

mundo e no trabalho em particular” (SOUZA-E-SILVA, 2007, p. 402).

A relação dialógica com a esfera empresarial é acentuada pelas organizadoras

da HTPC – diretora e coordenadora - desde a apresentação gráfica do texto: na cópia

78 No estudo de Cortina (2013) sobre os títulos mais vendidos no Brasil entre 1966 e 2004, os que lideram o

número de vendas são aqueles que tratam do mundo dos negócios.

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entregue para as professoras, algumas palavras foram sublinhadas. O texto, disponível na

internet79, não apresenta palavras sublinhadas, o que permite inferir que a coordenadora

e/ou a diretora as sublinharam para destacá-las. As palavras sublinhadas são: profissional,

experiência e trabalho, relacionadas ao eixo de sentido do fazer profissional das

professoras. Assim, o texto é interpretado em sua transposição para a o evento de HTPC-

aula como motivador do próprio evento e da profissão docente.

A prática da leitura de textos de autoajuda, ou reacentuados nessa direção,

posiciona as participantes como pessoas individualmente responsáveis por possíveis

problemas em suas vidas profissionais. Os textos são construídos como portadores de

verdades incontestáveis e aceitos como tal, sem abertura para questionamentos,

pressupondo-se que tais textos contribuem para a profissão docente. As professoras não

comentam os textos lidos neste momento. No caso da leitura do texto “Vá além de seus

limites”, elas só passam a falar após esta etapa de preparação ter sido encerrada pela

diretora, não mais sobre o texto. A diretora não questiona as professoras ou solicita sua

participação. O silêncio pode decorrer da construção do discurso como monologal e

autoritário, no sentido bakhtiniano, como já analisado anteriormente. Neste caso,

diferentemente da escuta da canção “Tente outra vez”, as reações nas expressões faciais e

corporais das professoras não demonstraram insatisfação: estavam todas atentas à fala da

diretora, sem olhares cúmplices de reprovação em relação à coordenadora ou à leitura,

como em outros casos.

A prática de leitura de autoajuda neste momento chamado de “reflexão” em

HTPC também apresenta similaridades com rituais de mobilização de massas, como , a

Mística80 na releitura do Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra (MST). Comerlatto

(2010) caracteriza a Mística do MST como projeto pedagógico e como criadora de

sentimento de pertença ao projeto de transformação social do movimento.

De tradição religiosa, a mística está relacionada a momentos de êxtase, de

fruição do absoluto, do mistério (COMERLATTO, 2010). “Uma utopia enquanto sonho e

79 Disponível no site do autor em

<http://www.drjofurlan.com.br/artigos_com_inteligencia_comportamental.asp>. Acesso em 13/08/2013. 80 A Mística surge como algo restrito a um grupo de iniciados na Grécia do século V a.C, depois foi

incorporada pela filosofia cristã e se tornou uma prática ascética individual e ritualística.

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motivação para a luta, que dê sentido à existência, que dá impulso à ação política” (p. 9),

operando como um apoio das lutas do grupo. Uma de suas principais características seria

possibilitar a ruptura da consciência ordinária – a experiência mística ocorreria “com o

êxtase da razão em que a mente transcende seu estado habitual” (COMERLATTO, 2010, p.

10). Essa nova racionalidade da experiência mística seria capaz de dar sentido à vida.

Reinventada dentro do MST, a Mística é uma prática que dá início aos trabalhos, do mesmo

modo que a “reflexão” prepara a reunião de HTPC, e é seguida de silêncio. Comerlatto

(2010) retoma Frei Betto, que lembra que a prática também sustentou militantes contra a

ditadura militar brasileira. O risco que sofriam levava os militantes a uma mística muito

forte, pois sabiam que poderiam enfrentar prisão, torturas e assassinato. Assim, a mística

também possibilitaria uma mudança de atitude; uma experiência de libertação individual e

transformação da própria existência, além do fortalecimento do grupo na luta contra

injustiças sociais e políticas81. Comerlatto (2010) define, então, a Mística no MST como

força motriz para o engajamento na luta contra injustiças sociais, relacionando-se

diretamente com a tendência teológica do Cristianismo da Libertação na América Latina,

acontecendo, na prática, por meio de animações voltadas ao cotidiano e aos valores gerais

do movimento, sem ser explicitamente confessional. A função de dar sentido ao fazer de

um grupo parece aproximar as duas práticas, como também o silêncio dos participantes

após a leitura ou o ritual.

A prática em HTPC de leitura de textos com final moralizante ou como

aconselhamento para professores não é um fenômeno isolado. Lima (2008) analisou

reuniões entre coordenador pedagógico e corpo docente de uma escola de Ensino

Fundamental de Alagoas, dando ênfase ao momento inicial das reuniões, também chamado

“momento de reflexão” ou “pensamento do dia”82. Segundo a autora, esse momento tem

por objetivo a construção de um clima “favorável” aos trabalhos e à produtividade do grupo

81 Por ter natureza profética, de tradição judaico-cristã, tem como pressuposto que a ação divina se dá dentro

do processo histórico a favor dos oprimidos A Igreja Católica no Brasil tem uma história de atuação em lutas

populares no Brasil, como a questão de posse de terras. 82 Em outros contextos, eventos são iniciados com um “pensamento do dia”. Por exemplo, programas

televisivos e radiofônicos, como o “Mais Você” da Rede Globo, costumam ser iniciados com a leitura pela

apresentadora de um trecho de textos de gêneros variados, nomeados sempre como “pensamento do dia”. Em

redes sociais, alguns usuários postam pela manhã o “pensamento do dia”.

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frente às tarefas postas como pontos de pauta para determinado encontro. A leitura de uma

“mensagem” de autoajuda configura-se como uma primeira atividade do coordenador na

reunião, que seria desencadeadora do processo de reflexão nos docentes. A mensagem

poderia ser, no contexto observado por Lima (2008), um trecho de livro, de música ou de

relatos biográficos, até capas de revistas, usados para a elevação da autoestima dos sujeitos.

O discurso de autoajuda também aparece em práticas de formação relatadas por

Kleiman e Martins (2007), que analisam uma iniciativa de formação de uma Secretaria de

Educação de uma cidade do interior paulista. As autoras observaram que os textos

motivacionais têm, aparentemente, o objetivo de contribuir para a autoestima dos

professores em formação. O seu uso, visto pela Secretaria como um recurso potencial para

ensinar a agir nas complexas situações de sala de aula, pressupõe familiaridade dos

professores com esse discurso.

O discurso de autoajuda se solidificou nas práticas formativas escolares,

apoiado na ideia de que ele é necessário à consecução dos processos de aprendizagem e

formação na instituição escolar (LIMA, 2008). Corroborando o que já argumentei na

análise, podemos concluir que esse discurso pode constituir uma prática formativa no local

de trabalho do professor, relacionada à iniciação de processos de aprendizagem na

formação do professor no local de trabalho, à preparação do grupo para sua formação83 e à

construção de sentidos para a docência.

O discurso de autoajuda indica o bem fazer, ou fazer o bem, gerando uma ética

de como agir diante de situações conflitantes e complexas vivenciadas na escola, ou seja,

orientando sobre o que é “apropriado” se fazer ou como agir diante de tais situações. Ou

seja, busca-se, no momento chamado de “reflexão” na HTPC, construir um sentido para o

trabalho docente, algo que forneça sustentação ou âncoras para as professoras em uma

profissão que se configura como solitária. Nesse sentido, essa prática é também formativa.

A valorização desses temas em detrimento de uma abordagem técnica e pedagógica do

83 A leitura de textos motivacionais ou moralizantes como preparação para o momento de aprendizagem do

evento remonta à escrita na lousa e à cópia nos cabeçalhos de cadernos escolares de mensagens religiosas no

início da aula, antes de serem iniciadas as atividades de ensino-aprendizagem, também como preparação para

o evento.

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fazer docente pode ser explicada pela própria organização escolar – individualista, como já

discutido - e pela conjuntura atual dessa instituição.

A gravidade e a complexidade dos problemas com os quais o professor tem que

lidar na conjuntura atual da escola também pode ser um fator que influencia a seleção

desses gêneros para a formação do professor, nessa busca por sentidos para sua profissão.

Como não encontram apoio na formação inicial que receberam, nos saberes disciplinares e

curriculares, que não dão conta de seus objetos de trabalho e da relações com os alunos, e

na própria escola, que não fornece condições de trabalho, recursos humanos e financeiros,

nem na sociedade em geral, cujas elites não estão interessadas em educar a população, os

professores buscam temas relacionados à pró-atividade e à capacidade individual de

mudança. Tardif e Lessard (2013), após apontarem uma série de problemas relacionados à

docência na atualidade, desde a pouca valorização do professor, a diminuição de autonomia

devido ao aumento de avaliações, a formação dispersiva e pouco relacionada ao exercício

concreto da profissão, até problemas estruturais dos estabelecimentos escolares, escassos

recursos financeiros, materiais e temporais, afirmam que

fechados em suas classes, os professores não têm nenhum controle sobre

o que acontece fora delas; eles privilegiam, consequentemente, práticas

marcadas pelo individualismo, ausência de colegialidade, o recurso à

experiência pessoal como critério de competência, etc. (TARDIF,

LESSARD, 2013, p. 27).

A análise das práticas de leitura de autoajuda e de preces como contribuição à

formação individual do professor é corroborada pela fala da coordenadora Eliane em

entrevista semiestruturada realizada no ano seguinte. Quando questionada sobre o

planejamento das HTPCs e sobre a seleção de textos para o momento de reflexão, Eliane

destacou como critério o trabalho com a autoestima do professor, como destacado no

excerto transcrito a seguir:

Excerto 30: Entrevista com Eliane – autoestima das professoras [14 de setembro de 2012]

8 E: o que que elas iam fazer mas a:: a leitura compartilhada você assistiu algumas lá eu 9 buscava ao mesmo tempo é:: alguma coisa que tivesse a ver com o tema e:: uma coisa 10 assim mais pra reflexão pra trabalhar a autoestima também 11 P: a autoestima das professoras...

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12 E: é:: que normalmente é muito complicado né

A finalidade apontada pela coordenadora para os momentos em que a leitura de

textos de autoajuda era realizada é contribuir para a autoestima docente, o que tem relação

com a valorização da capacidade individual para resolver problemas ou alcançar sucesso,

temas comuns no discurso de autoajuda. Contudo, tal estratégia parece pouco eficiente

exatamente devido ao fato de esses textos focarem justamente a capacidade individual de

superação do problema, que, no caso da escola, é coletivo, social e político. O tema da

capacidade individual seria de grande valia se fosse problematizado na interação. Em vez

de agir como força centrífuga questionadora dos discursos hegemônicos que atuam como

força centrípeta, responsabilizando ou culpabilizando o professor, a escolha desses textos

faz justamente o contrário: endossa o discurso hegemônico, centralizando a solução no

professor, em vez de trazer outros elementos que poderiam ser abordados de maneira

coletiva e investigados pelo grupo.

A seleção de textos do gênero de autoajuda ou de outros gêneros com tom

moralizante indica um julgamento da coordenadora sobre o que as professoras precisam

ouvir, sobre como precisam ser e agir como professoras. Uma identidade para as

professoras como um grupo sem autoestima é construída, dialogando com o processo de

desvalorização docente em nossa sociedade.

Como as próprias professoras podem ocupar a função de coordenadoras e

supervisoras de ensino, esses textos uma vez selecionados voltam a circular nas redes de

ensino para fins semelhantes; dessa forma, as professoras vão formando um acervo de

textos “de reflexão” ao participarem das reuniões da rede de ensino. A professora Janaína,

que lecionava na escola em 2011, estava ocupando a função de coordenadora de outra

escola da rede quando realizei as entrevistas no ano de 2012 e, ao ser questionada sobre

onde e como buscava os textos para a HTPC, indicou como essa cadeia de gêneros era

construída em reuniões da rede de ensino:

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Excerto 31: Busca de textos para HTPC. Entrevista com professora Janaína.

1 Janaína: eu gostava de quando a coordenadora trazia eu percebo hoje algumas 2 diferenças... eu na coordenação eu vejo algumas diferenças assim quando eu era quando 3 eu estava na sala de aula eu gostava até tem muita coisa que as coordenadoras 4 passavam pra mim que eu guardava e hoje eu posso até usar 5 P: onde vc busca [os textos para leitura em HTPC] como coordenadora? 6 J: eu tenho algumas coisas que eu já tinha guardada que eu recebi e que eu gostei, eu 7 guardava... e eu gostava... agora:: agora eu busco com outras colegas ou até a internet 8 eu uso esse recurso... 9 P: em sites específicos ou:: ou você digita um assunto na busca? 10 J: eu digito o assunto né a mensagem que eu quero e aí vou procurando o que eu quero 11 ou com as outras colegas minhas

Com base na entrevista, vemos que há uma circulação interna dos textos, que

são usados e reutilizados em diversas reuniões de HTPC para um mesmo fim. A estratégia

de Janaína para buscar textos na internet está relacionada com mesma função que esses

inúmeros gêneros vão todos exercer na HTPC: serão lidos em busca de uma mensagem

motivacional ou moralizante.

Janaína usa várias vezes o verbo gostar relacionado à seleção de textos para a

HTPC. O verbo gostar expressa apreciações subjetivas sobre os textos. Assim, o critério

para seleção textual é particular, guiado por interesses individuais. O uso do verbo também

constrói apreciações positivas sobre seu gosto – ela é capaz de realizar apreciação estética

em relação ao que leu em outras situações e selecionar o que considera pertinente para a

HTPC84. O critério do gosto e a cadeia de enunciados usados como mensagem em HTPC na

esfera de trabalho do professor também são explicitados por Eliane em entrevista:

Excerto 32: Busca de textos para HTPC. Entrevista com Eliane.

1 Eliane: um pouco da minha prática de coisas que eu já tinha né da da/ de coisas que a 2 gente acabava recebendo também em htpc eu gostava achava interessante... porque 3 quando nós estamos falando de criança... nesse momento eu procurava assim ó pensar 4 que nós estamos falando de criança nós estamos falando de um olhar direcionado pra 5 criança voltado pra criança e eu penso que não tem como falar de criança sem falar de 6 sensibilidade sem falar de carinho sem falar de acolhimento / acolhimento eu acho que 7 é a palavra... e eu sentia as vezes que o professor estava um pouco distante dessa coisa 8 sabe desse acolhimento então esses momentos de reflexão é:: que passava por mim que

84 Vóvio (2007) analisa como alfabetizadoras populares colocam o gosto pessoal como critério para selecionar

suas leituras, valorizando sua própria apreciação estética sobre obras literárias.

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9 eu gostava que achava interessante que eu lia às vezes de livros as vezes da revista você 10 viu né de revista e de coisas assim que eu levava pra:: prática mas é isso...

Há uma espécie de acervo próprio da instituição escolar e da prática de HTPC

para a formação do professor. Os gêneros que compõem esse acervo se acomodam aos

objetivos e às funções da prática de letramento formativa em HTPC. Pelas entrevistas,

vemos que não é o professor, individualmente, que busca textos de autoajuda. É uma

prática da própria rede de ensino: textos recebidos em outras reuniões – em outras escolas

ou em reuniões de gestão, na Secretaria de Educação – são levados de volta para a HTPC.

A seleção de textos de diversos gêneros para constituírem uma mensagem

motivacional e moralizante parece fazer parte de uma cadeia de enunciados interna à rede

de ensino. Os dados mostram que, em práticas de letramento formativas em HTPC, vários

gêneros podem ser mobilizados para finalidades semelhantes. Contudo, a mobilização de

um ou outro gênero não é aleatória. No sentido bakhtiniano, o gênero não é um mero

instrumento acabado que os participantes utilizam para se engajar em um evento, como se

buscassem em um estoque a ferramenta adequada; ele se assemelha mais a uma clave que

dá o tom da interação. O que as participantes fazem na prática de letramento, como a

compreendem e como a situam sócio-historicamente delimita o conjunto de gêneros

passíveis de mobilização, as intenções comunicativas dos falantes, os projetos de dizer. O

discurso de autoajuda é monológico, dogmático, autoritário e insiste no tema da

perseverança individual, configurando-se, assim, como mecanismo de controle, atribuindo

responsabilidade individual a cada professora pelos problemas que a sociedade impinge no

seu grupo profissional.

Para compreender o entrelaçamento de gêneros em eventos de letramento, o

estudo etnográfico de Rockwell nas escolas no centro de Tlaxcala, México, traz

contribuições que me parecem relevantes. A autora destaca que gêneros específicos são

usados para representar certos conteúdos, pois as próprias formas genéricas vêm carregadas

de significados (ROCKWELL, 2000). No caso da HTPC, gêneros diversos em suas

situações de produção são interpretados como um mesmo gênero – uma mensagem

motivacional – nas práticas de leitura no momento de preparação do evento. Assim, as

práticas de leitura em HTPC no momento de reflexão e os temas construídos nessas práticas

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mostram uma concepção de formação profissional motivacional e moral, menos técnica ou

relacionada a questões didático-pedagógicas, e com efeitos de subordinação das

professoras.

Tanto as orações religiosas como os gêneros do discurso de autoajuda,

utilizados nos momentos de preparação do desenvolvimento em HTPC, trazem a tradição

religiosa e moral judaico-cristã da escola para a formação do professor. São discursos com

respostas prontas, acabadas, não contestáveis, que reafirmam a estabilidade em contextos e

atividades cada vez menos estáveis, como são a sala de aula, com problemas de indisciplina

e conflitos crescentes, e a profissão do professor. Este sofre ameaças de pais e alunos, que

não lhe permitem exercer sua profissão, é sempre alvo de novas críticas, novas cobranças,

novas iniciativas de formação, novos documentos e regulamentações85 e é diretamente

afetado por transformações sociais que incidem na a infância e a juventude de seus alunos.

A pouca valorização profissional do professor, as cobranças cada vez mais

complexas sobre seu fazer, a tão comentada crise da escola, entre outros problemas, podem

ser as razões pela busca de discursos que apresentem soluções individuais e otimistas frente

a qualquer natureza de problema. Ao recorrer à abstração das condições sociais e históricas

dos sujeitos, o discurso de autoajuda simplifica o mundo e coloca em primeiro plano a

capacidade do indivíduo de modificá-lo que acredita nessa possibilidade, sem depender de

outro (o próprio Estado, funcionários da Secretaria de Educação, o aluno, a equipe escolar,

as família etc.).

Sobral (2006), ao buscar razões socio-históricas para o surgimento e

fortalecimento do discurso de autoajuda, arrola os seguintes elementos:

esses livros atendem a imperativos do mercado na fase capitalista de

reprodução expandida do capital [cf. Harvey, 1992, 2004a 2004b]; a

questões relativas à adaptação da individualidade a esses imperativos e às

transformações sofridas pelas comunidades de que são parte os leitores; à

necessidade de novas meta-narrativas (LYOTARD, 1979) ou da

85 Nóvoa (2007) comenta o aumento de controles estatais e científicos na profissão docente como o principal

entrave para a profissão atualmente. Segundo ele, o excesso de discursos esconde uma pobreza de práticas.

Nessa profusão de discursos sobre o professor, Nóvoa chama atenção para um paradoxo: “a inflação retórica

sobre a missão dos professores implica dar-lhes uma maior visibilidade social, o que reforça seu prestígio,

mas provoca também controles estatais e científicos mais apertados, conduzindo assim a uma desvalorização

das suas competências próprias e da sua autonomia profissional” (NÓVOA, 2007, p. 4).

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permanente interpretação regrada do mythos (cf. AMORIM, 2004); ao

surgimento dos relativismos pós-modernos (cf. CONNOR, 1992; 1994);

enfim, à desestabilização geral causada não só pelo aumento do contato

entre povos, como também pelas estratégias de “desterritorialização”,

“reterritorialização”, “compressão do espaço-tempo” etc. (cf. HARVEY,

1992, 2004a; BRANDÃO, 2004). (SOBRAL, 2006, p. 31).

As desestabilizações e transformações da modernidade tardia afetariam, assim,

a literatura também destinada a professores. Silva (2012), que investigou livros de

autoajuda que tematizam a educação e têm nos professores o principal público leitor,

mostra como a autoajuda traz conselhos práticos a professores, principalmente com o

objetivo de contribuir para o que chamam de “dimensão subjetiva do professor”. A

influência dessa literatura está relacionada ao fato de a categoria docente ser cada vez mais

responsabilizada pelos mais diversos problemas enfrentados pelas escolas e pela educação

em geral, o que leva à perda de confiança em sua própria atuação, justificando a leitura de

textos que tratam, de maneira sempre positiva, o amor e o afeto como elementos que

suprem quaisquer dificuldades no trabalho do professor. Nesse sentido, Silva (2012, p. 16)

afirma que “esses textos, grosso modo, visam ‘elevar o moral’ dos educadores, numa

tentativa de valorização de aspectos ligados às dimensões pessoais do educador sem,

contudo, entrar no âmago das questões relativas ao trabalho”, pois esses textos

individualizam os sujeitos e fazem com que estes tomem para si problemas estruturais.

O gênero de autoajuda propõe alternativas a estados de falta, de carência, ou

seja, oferece respostas para problemas que dizem respeito aos indivíduos em particular.

Apesar de os problemas da escola ou relacionados ao ensino-aprendizagem não serem

individuais, a estratégia de usar autoajuda na formação do professor individualiza os

problemas. Para Cortina (2013), umas das explicações possíveis da emergência do gênero

de autoajuda em nossa sociedade é o reflexo da centralidade naquilo que é próprio do

indivíduo e não no coletivo. As obras analisadas pelo autor “reafirmam a tendência de que,

na sociedade contemporânea, identifica-se um crescente movimento para focalização dos

aspectos particulares, individuais, em detrimento dos gerais e sociais” (p. 254).

Cortina (2013) constata que, ao analisar os livros mais vendidos de 1966 e 2004

no Brasil, o maior número de obras, que ocupavam as primeiras posições, eram de

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autoajuda. Esta seria, para o autor, um fenômeno sócio-histórico cada vez mais difundido

em nossa sociedade. Do ponto de vista do conteúdo temático, o gênero propõe mostrar ao

sujeito leitor como adquirir um saber para ajudar a si próprio. Características do estilo e da

estrutura composicional variam na amostra analisada por Cortina (23 livros). Alguns são

manuais de comportamento, construídos como textos injuntivos. Outros são narrativas que

apontam opções para o leitor atingir um estado de satisfação. Há ainda casos que se

aproximam do discurso profético, do sermão e da parábola.

Já para Fornari e Silva (2001), a literatura do gênero autoajuda é formada,

sobretudo, por manuais e textos de instrução, que contêm basicamente uma “metodologia”

para a conquista do sucesso material e espiritual, acompanhadas de narrativas em primeira

pessoa. Silva (2012) analisa 18 livros de autoajuda, relacionados à educação, de dois

autores brasileiros86, que têm como principal público alvo os professores. Os livros, pela

descrição de Silva (2012), apresentam características semelhantes às observadas nos

eventos analisados nesta pesquisa, como a utilização de fábulas, contos de fadas e histórias

populares como um recurso para sustentar argumentos relacionados a fatores necessários

para solucionar, individualmente, uma diversidade de problemas, principalmente por meio

do amor, do afeto, da positividade.

Podemos concluir que a presença do discurso de autoajuda na formação de

professores no local de trabalho está relacionada a uma situação socio-histórica mais geral

sobre a própria instituição escolar e sobre como nossa sociedade vê e pensa o trabalho e

como vê e pensa os indivíduos87. Seu funcionamento remete aos efeitos de verdade e das

práticas de si de que tratou Foucault (2004, 2007). Ao se construir como portador de uma

verdade, o gênero autoajuda produz efeitos de verdade por mecanismos estratégicos de

poder presentes nas práticas sociais. Na relação com o professor, a necessidade de

persistência individual como solução de problemas funciona para justificar relações de

poder tecidas na educação básica brasileira, em que professores são subalternizados. A

86 Augusto Cury e Gabriel Chalita, este ex-secretário da educação do Estado de São Paulo. 87 A entrada desses discursos na escola e na formação do professor é uma interessante questão para futuras

pesquisas. Há possibilidades levantadas nessa tese, como a tradição religiosa da escola, a crescente influência

do mundo empresarial, a influência de figuras como Gabriel Chalita, escritor de autoajuda e ex-secretário da

educação no Estado de São Paulo, ou ainda o crescimento de adeptos de religiões neopentecostais dentro do

quadro das redes de ensino.

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prática de leitura de textos de autoajuda também remete ao sentido de governo de si, um

governo da individualização.

Retomando, a principal função formativa dessa prática é a construção de um

sentido para a docência. O uso de textos de autoajuda na HTPC, por um lado, reforça a

ideia de isolamento do trabalho docente, ao investir na ideia da capacidade individual de

solucionar problemas da classe e, devido a seu caráter prescritivo em relação ao

comportamento do outro, ao enfatizar a responsabilidade individual sobre atos e resultados.

Por outro lado, o caráter místico e universal do discurso de autoajuda parece destituir a

validade de saberes científicos no fazer pedagógico ao se sustentar na crença de que há algo

maior/universal em quem o indivíduo pode se apoiar para superar todos os problemas.

Esses dois aspectos do discurso de autoajuda na formação do professor apontam para uma

relação com a própria posição social do professor em um contexto de trabalho degradado,

com péssimas condições para sua realização. Nessa conjuntura, as possibilidades de

mudança recaem sobre o indivíduo e suas atitudes.

6.2 Vozes da esfera administrativa, oficial e acadêmica

A formação do professor em seu local de trabalho trava relações harmoniosas

ou conflituosas com esferas que incidem diretamente na atuação docente, como a esfera

administrativo-pública, a político-educacional (por meio de documentos reguladores e

parametrizadores do trabalho docente, divulgados pelo MEC e também por órgãos

governamentais das esferas municipal e estadual) e a acadêmica (também por meio de

documentos parametrizadores, que retextualizam textos acadêmicos, e textos de divulgação

científica). É possível analisar essas relações por meio das vozes sociais que constituem a

voz do professor nas interações em HTPC, além do discurso religioso e do discurso de

autoajuda já tratados.

Na perspectiva bakhtiniana, vozes sociais são lugares de enunciação, pontos de

vista específicos sobre o mundo, que estão sempre em contato e conflito na corrente

ininterrupta de enunciados que é a linguagem em sua concepção dialógica (BAKHTIN,

1988, 2003). Identificar as vozes trazidas por professoras e outros agentes na formação do

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professor no local de trabalho, para assim constituir sua própria voz, possibilita perceber

disputas de poder entre grupos e suas visões de mundo, as forças que atuam no exercício e

formação docentes, os sentidos construídos para essa formação, como também a construção

de identificações com diferentes grupos. A fim de analisar essas questões, mobilizo, além

do conceito de vozes sociais, outros conceitos bakhtinianos como palavra, contrapalavra,

discurso alheio, discurso de autoridade e discurso internamente persuasivo, retomados ao

longo da seção quando relevantes à análise.

6.2.1 Esfera público-administrativa: conflito com a instância empregadora

A relação das professoras deste estudo com a esfera público-administrativa, no caso,

com a Secretaria Municipal de Educação, costumava ser marcada pelo conflito. Esta, como

já vimos, enviava uma série de demandas a serem cumpridas em HTPC, o que gerava

bastante reclamação por parte das professoras, como ilustra o excerto transcrito a seguir, de

uma reunião de HTPC-aula:

Excerto 33: Conflito entre demandas da Secretaria e professoras [HTPC-aula, 31/05/2011, 6ª reunião acompanhada]

1 Eliane: gente eu preciso fazer com vocês rapidinho pretende ser um bate bola um 2 levantamento de nossos problemas pedagógicos é assim o que atrapalha o nosso 3 pedagógico? quais os aspectos que atrapalham o nosso pedagógico que vocês sentem... 4 que atrapalha o nosso pedagógico ((risos)) que? o HTPC? ((risos)) 5 Prof: não, brincadeirinha 6 Coord: vamos gente rapidinho senão a gente não vai sair daqui ((com papel e caneta em

mãos para fazer a lista)) 7 Cristiane: muito papel muito papel pra preencher 8 Rute: burocracia 9 Cristiane: muito papel 10 Coord: parte burocrática? 11 Natália: papel, papelada pra preencher 12 Coord: que mais? (++) 13 Rute: os projetos também 14 Cristiane: também acho 15 Jéssica: muitos projetos 16 Rute: no ano precisava selecionar e pegar os mais importantes 17 Cristiane: porque a gente todo ano fala esse ano vai ser menos só que no fim é todo a 18 é mesma coisa

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A coordenadora inicia o tópico marcando sua obrigação de realizar um

determinado levantamento com as professoras – “eu preciso fazer com vocês...”. Sua

apreciação valorativa das demandas da Secretaria como obrigações também é reforçada

pelo uso do adjetivo “rapidinho” usado duas vezes: deve cumprir a demanda, mas não quer

que tome muito tempo da reunião. Novamente, o uso do diminutivo para salientar que a

tarefa será breve parece uma desculpa ou justificativa da coordenadora por trazer demandas

da Secretaria. Na voz das professoras, as demandas da Secretaria – papelada, burocracia,

muitos projetos – são um entrave a seu fazer ‘pedagógico’. A fala de Cristiane (linhas 17 e

18) mostra que esta é uma reclamação recorrente por parte das professoras, e nunca

atendida. Há um embate entre as funções do professor como funcionário público com seu

fazer bastante regulado, que também tem que realizar trabalhos burocráticos, e sua função

como professor responsável pelo ensino-aprendizagem dos alunos – o “pedagógico”.

Chartier (2004), em sua análise histórica das imagens do professor e

concepções e funções da escola, retoma a identidade de professor como funcionário

público. Na França do final do século XIX, o ideal republicano transforma o objetivo da

escola: esta passa a ter como função a salvação da nação republicana e a formação dos

futuros eleitores. A escola se torna laica, gratuita e obrigatória. Nela, os professores

“devem convencer a geração mais nova deste projeto político e, portanto, tornam-

se funcionários públicos” (CHARTIER, 2004, p. 29). Nesse contexto, além de ensinar os

saberes da modernidade científica e a consciência nacional, o professor acumula funções do

funcionalismo público, respondendo a demandas da instância da administração pública.

Seria essa concepção de docente e de escola que constitui o conflito explicitado na

interação entre professoras e coordenadora.

O conflito mais direto com a instância empregadora é notável na primeira

oficina entre professoras de 5º anos, realizada pela supervisora de educação Augusta, que

apresenta a proposta dos encontros de formação e explica como os próximos encontros

aconteceriam. A voz de Augusta, como representante da secretaria municipal de educação,

coincide na interação com a voz da administração pública, que emprega o professor da rede

municipal. O excerto abaixo consta dos primeiros 5 minutos do evento:

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Excerto 34: HTPC-oficina – reflexão “A tarefa da escola” [18 pessoas presentes entre professoras, coordenadoras e funcionários da secretaria de educação, além da pesquisadora. 30 de maio de 2011]

1 Augusta: pra ser um professor eu não sou mais aquele que não entende de processo de

2 ensino-aprendizagem eu tenho que ENTENder como funciona a aprendizagem do meu

3 aluno toda a atividade que eu vou dar/ hoje estive em uma pré- escola e a professora

4 falou “ai, não sei planejar no papel”aí montei e falei assim “qual o seu objetivo maior

5 aqui?” isso que falta o professor não sabe aonde ele quer chegar era apenas identificar,

6 reconhecer / “isso tudo você vai fazer pra que, meu amor?” ((tom bastante ríspido))

7 pra identificar e conhecer o alfabeto o professor não sabe aonde ele quer chegar não

8 sabe sistematizar então ele se perde então acontece o que nós tamo vendo aqui chega

9 aluno que não lê chega aluno que não escreve gente um pedreiro quando vocês vão

10 fazer alguma coisa na casa de vocês e vocês falam “aquele pedreiro lá? (...) caiu tudo,

11 não quero ele”, pintor? nem pensar... vocês querem qualidade então nossos alunos

12 também merecem qua-li-dade (+) o professor que não é educador ele não pode mais

13 estar por aqui não tem mais espaço não sou eu que estou falando não é o secretário

14 que está falando não é a supervisora... os pais nos procuram e falam “não dá, que

15 professor é aquele que você tem na rede?” entendeu? o próprio sistema exclui/

Augusta mobiliza vozes sociais que situam sua fala sobre o professor e sua

valorização profissional numa arena discursiva tensa. Primeiro, ela enuncia como se fosse

professora – “eu não sou mais aquele... eu tenho que entender como a aprendizagem do

meu aluno” – num movimento de identificação com suas interlocutoras, professoras da

rede. Ela passa a relatar em seguida uma conversa com uma professora, citando as palavras

desta para caracterizar o professor que não sabe ensinar. O trecho de discurso reportado

contrasta a professora que não sabe com a supervisora de educação, que seria aquela que

sabe algo que é específico do trabalho docente.

Augusta reproduz, assim, vozes sociais que julgam o professor como um

profissional que não domina seu fazer, e que seria ainda o responsável único pela não

aprendizagem do aluno. Para reforçar seu posicionamento, a supervisora cita atores sociais

que poderiam ser os enunciadores dessa voz: ela mesma, o secretário, os pais dos alunos.

As reiteradas falhas do professor nas negativas enunciadas (“não entende o processo”, “o

professor não sabe aonde quer chegar”, “não sabe sistematizar”, “não sei planejar”, “que se

perde”) constroem o eixo de sentido de falta, de falha, de ausência de saberes das

professoras. A fala de Augusta dialoga com vozes comuns na mídia, na opinião pública e

em certos contextos acadêmicos, reacentuando a condição histórica de desvalorização do

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professor, e não coloca a profissão em um quadro mais geral dos problemas da educação

(individualizando a questão, assim como o discurso de autoajuda). Após a fala de Augusta,

o secretário da educação toma o turno, e tenta de relativizar a crítica às professoras.

Excerto 35: HTPC-oficina – Cobrança e IDEB [30 de maio de 2011; 1º encontro realizado].

1 Secretário: e também elogiam os que realmente são (...) 2 Augusta: e também tem isso vai lá e “eu quero meu filho vá naquele porque aquele é 3 ótimo” (...) fazer de conta que dá aula acabou-se, é planejar / por que? é necessário... 4 criança não gosta de cobrança? pra educar o filho não precisa de limites? É ou não é? 5 então nós também precisamos de cobrança (...) é cutucar mesmo pra gente sair da 6 Mesmice 7 Eliane: mas há quanto tempo já a Lúcia XXXX (?) falava isso quanto tempo, hein? ela 8 falava isso então ela fazia os cursos dela lá em Campinas ela falava “gente, professor 9 que não gosta da escola devia estar fora e fazer outra coisa” 10 ((vozes ao fundo)) (...) 11 Secretário: isso que a Eli fala os primeiros anos ((passa a falar de outra cidade, difícil de 12 entender)) é o primeiro IDEB da região e aí chegou sabia ler escrever assim excelente aí 13 até na primeira reunião a mãe dela foi assim parabenizar então você vê que satisfação 14 (...) a gente sabe que o professor tem que acreditar mesmo...

Com a intervenção do secretário, Augusta passa a utilizar a primeira pessoa do

plural e redireciona sua crítica, agora não só às professoras, mas a todos, como uma

“cobrança” geral que seria necessária a todos, inclusive a ela (“nós precisamos de

cobrança”). Eliane reporta a fala de uma estudiosa e cita cursos. O secretário cita dados

oficiais relacionados à educação, o IDEB. Essas vozes sociais – senso comum, acadêmica,

do Estado - que emergem nessa arena são todas de cobrança, responsabilização e

desvalorização docente. Mesmo quando elogiam um ou outro professor por meio do

discurso reportado dos pais (linhas 2 e 3), o fazem tomando a qualidade como exceção

entre docentes.

Diferentemente das outras oficinas subsequentes, em que o compartilhamento

de experiências, a encenação de como fazer, o rodízio de professoras responsáveis pelos

encontros e o objetivo delimitado dos encontros – em que se constroem relações simétricas,

que favorecem a co-construção de conhecimentos (visto no capítulo 4), no primeiro

encontro a supervisora se coloca numa relação assimétrica bastante marcada com as

professoras. O mecanismo de posicionamento subalterno das interlocutoras (pela

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caracterização negativa) é rompido quando as próprias professoras passam a organizar e

realizar os encontros de formação.

As identidades docentes construídas na relação com o outro – a supervisora, o

secretário, as vozes sociais da mídia, da academia - na primeira oficina e nas subsequentes

são contrastivas. Quando o outro é um representante da esfera administrativa, as vozes

trazidas para interação são as de responsabilização e desvalorização docentes. Quando não

há representantes dessa esfera, e a relação é entre professoras, todas colegas, a interação se

altera e as vozes sociais que ecoam nas suas palavras e que contribuem para sua

constituição identitária na situação são muito diferentes, pois são trazidas para elaborar uma

identidade docente positiva e fortalecida, mesmo que para isso vozes prestigiadas

socialmente também constituam esse processo, como veremos nos próximos exemplos.

No excerto a seguir, as participantes partem do pressuposto de que suas

interlocutoras são profissionais formadas, experientes, e por isso já podem partilhar

encenações de possíveis abordagens de conteúdos em sala de aula, sem explicações longas

sobre conceitos ou metodologias. As professoras valorizam seu próprio fazer ao colocá-lo

como referência (“mais fácil filmar minhas aulas”) e tomá-lo como compartilhado entre as

participantes, em oposição à identidade de profissional daquele que têm falhas de formação,

que não sabe, na fala da supervisora de ensino:

Excerto 36: Prática pedagógica como referência [05 de setembro de 2011]

1 Marina: eu acho que a maioria nos conhece né... eu me chamo Marina né estou como

2 coordenadora na escola XXXX ... o que a gente pensa que é socializar é um assunto que

3 a gente já trabalha em sala de aula

4 Tânia: não é desconhecido

5 Marina: não é desconhecido eu/ eu to vendo como essas capacitações que nós já

6 tivemos que vamos ter pra frente né as de hoje e as demais como assim uma:: a pra::

7 Tânia: revisão NÉ

8 Marina: tá guardado e a gente tem que relembrar o que a gente já viu no profa

9 [curso de formação continuada] que nós já vimos em ahn:: outras capacitações então

10 não vai ter novidade a gente vai tá lembrando e falei pra Guta assim que:: eu acho que

11 eu deveria ter/ é mais fácil filmar minhas aulas filmar as aulas e passar pra vocês

12 depois do que a gente ficar falando porque é difícil assim falar (...)/ então o que a gente

13 vai apresentar aqui é o que a gente fez fazia né e sugere pra todos estar fazendo em

14 sala de aula e que vocês também já fazem tá?

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Marina e Tânia se autoidentificam como professoras experientes. Marina,

coordenadora da rede em 2011, coloca em relevo sua identidade de professora ao apresentar

sua função de coordenadora como uma condição provisória (“estou como coordenadora”).

A apresentação, baseada no que fazem em sala de aula, é descrita como uma revisão,

indiciando com isso a intenção ou desejo de atribuir esse conhecimento ao grupo. Não

questionar o saber e o saber-fazer do professor, partindo do pressuposto de que aquele é um

grupo coeso de profissionais capazes, é uma estratégia de fortalecimento do grupo que

enfraquece vozes sociais de desvalorização docente como as revozeadas por Augusta no

encontro de abertura desse tipo de evento formativo.

A necessidade de reafirmar várias vezes que as colegas já sabem o assunto

abordado e já realizam um trabalho em sala de aula condizente com o que será apresentado

(linhas 3, 4, 5, 7, 8 e 9) mostra a disputa pela palavra na arena discursiva

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995). O discurso das professoras atua como força

centrífuga, na tentativa de suavizar o poder do discurso hegemônico (BAKHTIN, 1988),

resistindo à construção de uma identidade depreciadora de sua profissão, como a construída

por Augusta nos dados anteriores. Há aí uma disputa entre identidades do professor e um

conflito entre vozes sociais que se chocam nessa arena. Desse modo, as próprias

professoras, quando encarregadas de sua formação, respondem a vozes que as

desqualificam e constroem identidades fortalecidas para sua comunidade.

6.2.2 Esfera político-educacional: tentativas de apropriação de textos oficiais

Vozes da esfera político-educacional perpassaram as oficinas quinzenais desde

o início, pois estas surgiram para dar conta de uma demanda dessa esfera: as avaliações

externas de nível estadual e federal. Trechos de referenciais curriculares, como os PCNs e

as Matrizes das avaliações externas, integram as interações, principalmente em alguns

slides de PowerPoint usados pela dupla responsável para introduzir o assunto do encontro.

Nesta seção, analiso uma proposta do grupo de professoras de 5º ano de basear as

discussões em textos oficiais.

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Cabe ressaltar que as avaliações externas se configuram hoje como uma força

propulsora de atividades de formação do professor em serviço. Gatti e Barreto (2009)

comentam um estudo sobre o papel da avaliação do estado de São Paulo nas políticas de

formação continuada, que examinou os avanços e os limites na utilização dos resultados do

Saresp para balizar ações de formação continuada de professores das escolas da capital

paulista (BAUER, 2006, Apud GATTI, BARRETO, 2009). De acordo com as autoras, a

Secretaria de Educação do Estado analisada por Bauer criou um mecanismo de acesso aos

dados da avaliação pelas escolas, induzindo-as a utilizá-los no planejamento e na formação

continuada de seus professores. As Diretorias Regionais de Ensino se encarregam da

formação continuada com base nos resultados do Saresp, com a função de levar a

compreender os princípios do programa de avaliação e a trabalhar com indicadores

quantitativos e com as interpretações do desempenho dos alunos para fins pedagógicos.

Segundo os resultados da pesquisa de Bauer (2006), a relação avaliação-

formação mostrou-se positiva apenas nos casos em que as diretorias regionais tiveram

efetivas oportunidades de serem preparadas para a ação de “capacitar” os professores e

quando esta atividade se articulava no âmbito de um programa de educação continuada

(PEC), que aliava os resultados do Saresp a outras informações, como taxas de evasão e

repetência, diagnóstico e avaliação das condições e necessidades das escolas. O trabalho de

algumas equipes, entretanto, era prejudicado pela dificuldade de interpretar

pedagogicamente os resultados da avaliação (GATTI, BARRETO, 2009).

Uma das oficinas destinou-se particularmente à discussão das matrizes de

referência que regem uma dessas avaliações, a Prova Brasil. Apesar de elaborados e

destinados para o professor, documentos oficiais não cumprem seu papel como documento

de referência ou de formação, pois não dialogam com saberes docentes e tomam conceitos

especializados da área da linguagem como pressupostos, o que dificulta a leitura por parte

de professores, mesmo daqueles acostumados a leituras acadêmicas (cf. SILVA, 2003).

O interlocutor especificado na carta de abertura do documento lido pelas

professoras em HTPC é um professor ou diretor de escola como destinatário (a

apresentação começa com “Prezado(a) diretor (a), prezado(a) professor(a),”). O objeto da

enunciação construído é o próprio fazer do professor: o que ele deve ensinar a seus alunos

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até o final do nível de ensino em foco. Contudo, apesar de o documento ser escrito para um

destinatário específico, não é adequado a esse público-alvo – professoras do Ensino

Fundamental I (e não acadêmicos da área da linguagem), e, assim, a construção de sentidos

sobre o objeto, por parte das professoras, é dificultada. Retomo, no quadro 3, os trechos do

documento lidos em que os conceitos de texto, gêneros e tipos textuais são definidos,

conceitos que foram objeto de debate entre as professoras em uma das HTPC - oficina:

Quadro 3 – Trecho das Matrizes da Prova Brasil

4.2. Texto

De acordo com os PCNs, o eixo central do ensino da língua deve se instalar no texto, como

realização discursiva do gênero e, assim, explicar o uso efetivo da língua.

Alguns linguistas referem-se assim ao texto: ’texto’ emprega-se igualmente com um valor mais

preciso, quando se trata de apreender o enunciado como um todo, como constituindo uma

totalidade coerente. O ramo da linguística que estuda essa coerência chama-se precisamente

‘linguística textual’. Com efeito, tende-se a falar de ‘texto’ quando se trata de produções

verbais orais ou escritas, estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a

circularem longe de seu contexto original. É por isso que, no uso corrente, fala-se, de

preferência, de ‘textos literários’, “textos jurídicos”.

4.3. Gêneros do discurso

“Os gêneros do discurso pertencem a diversos tipos de discursos associados a vastos

setores de atividade social. [...]”

Koch (2005) afirma que os falantes/ouvintes sabem distinguir o que é adequado ou

inadequado em cada uma de suas práticas sociais. Eles sabem diferenciar determinados

gêneros textuais como, por exemplo, anedota, poema, conversa telefônica etc. Para a

autora,

“Há o conhecimento, pelo menos intuitivo, de estratégias de construção e interpretação de

um texto. A competência textual de um falante permite-lhe, ainda, averiguar se em um texto

predominam seqüências de caráter narrativo, descritivo, expositivo e/ou argumentativo.

Não se torna difícil, na maior parte dos casos, distinguir um horóscopo de uma anedota

ou carta familiar, bem como, por outro lado, um texto real de um texto fabricado, um

texto de opinião de um texto predominantemente informativo e assim por diante...”.

4.4. Tipos textuais

Classificação que toma como critério a organização lingüística, o conjunto de

estruturas lingüísticas utilizadas no plano composicional do texto.

O plano composicional é constituído por palavras, frases, orações etc.

A partir de Longrace, (apud Bonini, 1999), tipos textuais passaram a ser abordados

como modalidades retóricas ou modalidades discursivas que constituem as estruturas e as

funções textuais tradicionalmente reconhecidas como narrativas, descritivas,

argumentativas, procedimentais e exortativas. (BRASIL, 2009, p. 20)

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As definições de conceitos centrais para a avaliação, que vão compor os

tópicos que serão cobrados na Prova Brasil, são recortados dos PCN e de outras

referências da área da linguística, sem as devidas explicações, e justapostos, sem

explicitar relações entre as partes. No item 4.3, uma definição de gêneros do discurso é

citada sem as devidas referências e sem explicitação de suas relações com o que se segue,

a discussão sobre o reconhecimento dos gêneros por parte dos falantes/ouvintes segundo

Koch. O problema de textualidade – falta de coesão entre trechos recortados de diferentes

fontes – é um primeiro aspecto que dificulta a compreensão dos conceitos por parte das

professoras alfabetizadoras.

O texto supracitado faz recortes de textos fonte, numa relação intertextual

bastante estreita com estes. Sem o conhecimento compartilhado das fontes, não é possível

construir a coerência para o texto, configurando-se, assim, mais um problema de

inteligibilidade. Ao tratar de gêneros do discurso, o documento traz uma citação de Koch

em que ela aborda a diferenciação entre tipos de sequências textuais, sendo que na oração

anterior o texto tratava da diferenciação entre gêneros (“Eles sabem diferenciar determinados

gêneros textuais como, por exemplo, anedota, poema, conversa telefônica etc.”), o que torna

bastante confusa a definição e discussão sobre o conceito em foco no tópico 4.3. Além

disso, a justaposição da tipologia de sequencias textuais de Koch e o questionamento

dessa tipologia por Longrace nos leva a questionar a clareza de objetivos desse texto:

resumir diversas posições sobre tipologias, introduzir o conceito de gênero, relacionar

como o conceito de texto em diferentes correntes teóricas? Os mesmos termos são usados

em diferentes trechos, para diferentes objetivos e definindo conceitos diferentes – gêneros

e tipos textuais – o que também atenta contra a inteligibilidade do texto.

Há outras remissões a conceitos especializados, como enunciado, esfera,

modalidades retóricas, modalidades discursivas, plano composicional do texto, entre

outros, que compõem o trecho sem qualquer esclarecimento sobre seu significado ou sua

relevância para o ensino de leitura na escola, foco da avaliação em questão. Ademais, essas

expressões, para quem não tem estudos ou leituras especificas da área da linguagem, são

signos esvaziados de sentido. As definições das Matrizes de Referência de Temas, Tópicos

e Descritores da Prova Brasil primeiro relacionam o conceito de texto com o conceito de

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enunciado; depois relacionam o conceito de texto com esferas de atividade (textos

literários, textos jurídicos) sem explicitar tal relação.

No encontro destinado a discutir as Matrizes da Prova Brasil, as professoras

juntam esforços para compreender conceitos apresentados no documento, mas a falta de

explicações de conceitos da área da linguagem no próprio documento gera mal-entendidos

(trecho integral lido das Matrizes está também em anexo):

Excerto 37: Lendo as Matrizes da Prova Brasil. HTPC-oficina, 15/08/2011.

1 Carol: (...) então a Prova Brasil ela avalia a leitura e a escrita como a Eliane falou não só 2 a leitura::... ler por ler, digamos assim, mas sim uma leitura interpretativa uma leitura 3 crítica do aluno né uma escrita uma produção de texto que não tenha assim/ o professor 4 ele passa né um um:: um gênero textual ou um tipo/ tipologia, né, de escrita, né 5 ((direciona o olhar para Eliane, balançando a cabeça pra cima e pra baixo)), tipos de 6 escrita/ 7 Eliane: é, que ela comentou um pouquinho lá... 8 Carol: é::: então o que acontece, a criança ali já f/ já dominou o conceito aí o que 9 acontece? ele vai ter a habilidade de produzir aquilo... (+) ao/ assim com maior 10 autonomia (...)

Quando Carol passa a explorar os conceitos que estariam na base do ensino de

língua portuguesa, surgem problemas na compreensão de conceitos da área da linguagem

como os de tipo textual e gênero (ver no anexo 4.10 as páginas revozeadas pela professora),

para cujo esclarecimento parece buscar a ajuda da coordenadora, Eliane (gestos de olhar e

acenar). A coordenadora remete a uma outra situação em que essa diferenciação já teria

sido comentada, porém não esclarece a dúvida. Os conceitos de gênero e tipo textual

passam a funcionar como sinônimos na fala de Carol, que os ressignifica por meio de uma

sequencia de substituições, como tipos de escrita (“o professor ele passa né, um um:: um

gênero textual ou um tipo/ tipologia, né, de escrita, né, tipos de escrita”). Quando Carol

passa a tratar os dois conceitos como um, está revozeando o próprio documento, que não

esclarece cada um deles nem os diferencia com clareza.

No documento lido no evento, as definições dos conceitos não estão claras, o

que justifica os esforços das professoras em tentar dar sentido a eles por meio de

exemplificações relacionadas ao trabalho pedagógico, como Carol faz, tal qual mostramos

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no seguinte excerto, em que tenta conceituar um trecho lido do documento por meio de

exemplo de trabalhos já realizados pelas professoras:

Excerto 38: Lendo as Matrizes da Provar Brasil. HTPC-aula, 15/08/2011.

1 Carol: produção e compreensão de textos de diversos gêneros como eu falei 2 “Diferentes situações comunicativas tanto na escrita como na oral”88 (+) 3 né então que nem nós trabalhamos muito cartas, né, as/ são comunicações, é um tipo 4 de meio de comunicação quem é o remetente? Quem é o destinatário? Né, como 5 havia falado... ahn::: é::: qual personagem está falando o que? Qual é o tema? Qual é o 6 assunto? Então é bem por aí, língua portuguesa é muito complexa na avaliação da Prova 7 Brasil. (...)

O conceito de situação social de comunicação é ressignificado por Carol como

meios de comunicação e exemplificado com a carta. Como o texto-base não oferece

elementos que relacionem os conceitos com atividades pedagógicas, é Carol que articula

essa relação. O esforço para compreender do texto oficial em discussão faz emergir o eixo

de sentido da complexidade da Prova Brasil. Ou seja, a professora não identifica problemas

no documento e atribui a dificuldade em compreendê-lo a complexidade da Prova Brasil.

Na sua avaliação, a dificuldade de apropriação dos conceitos deve-se à complexidade da

prova, o que dificultaria a compreensão do documento que a regulamenta. Mesmo sem

apropriação dos conceitos, há uma atitude responsiva ativa da professora ao documento,

mas que fica muito aquém da oposição, de uma contrapalavra.

A compreensão desse jogo de forças que atua sobre a palavra permite-nos

conhecer a apreciação valorativa (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995) das professoras sobre

o documento e os sentidos atribuídos por elas ao objeto do discurso. No excerto a seguir, as

professoras discutem o que são os descritores da Prova Brasil:

Excerto 39: Lendo as Matrizes da Prova Brasil – os descritores

1 Rita: isso é:: se vocês olharem no livro de vocês acho que é página vinte e dois [Carol: 2 página vinte e dois e vinte e três] nos descritores de língua portuguesa o que são esses 3 descritores? nós né gente bateu o olho aqui e achamos que seriam os objetivos mas

88 Trecho do tópico 4.1. Aprendizagem em Língua Portuguesa: “Daí a importância de promover-se o

desenvolvimento da capacidade do aluno para produzir e compreender textos dos mais diversos gêneros e em

diferentes situações comunicativas, tanto na modalidade escrita quanto na modalidade oral” (BRASIL, 2009,

p. 19).

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4 vamos lá... saber o que são descritores dentro desse livro aqui é o [lendo] “detalhamento 5 de uma habilidade cognitiva em termos de grau e complexidade e está sempre associado 6 a um conteúdo que o estudante deve dominar em cada etapa do ensino”(...) 7 Carol: e os descritores eles fazem uma análise uma avaliação bem ali minuciosa né 8 complexa de cada tó::pico de cada tema (...)

Rita faz uma pergunta retórica (“o que são esses descritores?”) que ela mesma

responde: seriam os objetivos. A palavra, como produto da interação entre interlocutores,

“é sempre acompanhada por um acento apreciativo determinado”. (VOLOCHINOV/

BAKHTIN, [1929]1995, p.132). Após relatar a primeira compreensão de um termo técnico

central, Rita usa a expressão “mas vamos lá”. O operador argumentativo “mas”, que

contrapõe argumentos para conclusões contrárias (GUIMARÃES, 2002; KOCH, 1992;

MAINGUENEAU, 2002), aponta para uma compreensão da professora de que sua

interpretação não seria válida, o que a leva a propor a busca da definição no documento: “o

que são descritores dentro desse livro aqui”.

Apesar dos problemas de legibilidade do documento, as professoras tentam

entender as vozes sociais de órgão oficiais de Educação, num processo que não questiona

sua legitimidade. Tais vozes continuam sendo alheias, não por falta de empenho coletivo

entre as professoras, mas por problemas de textualidade do texto. Como voz de autoridade,

o documento se torna impenetrável, porque o interlocutor não é o professor – parece ser o

acadêmico. Para legitimar sua voz de autoridade, o Estado, por meio do documento

parametrizador, reproduz, de maneira entrecortada, outra voz poderosa, a acadêmica.

Assim, as palavras continuam sendo alheias ao professor, no sentido apontado

pelos teóricos do Círculo de Bakhtin (BAKNTIN, 1988, BAKHTIN, 2003,

BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995). Isso ocorre, pois o documento, ao se distanciar de seus

interlocutores e utilizar definições breves, com vocabulário especializado, sem

exemplificação pedagógica, não favorece a apropriação de palavras alheias, mas sua

simples repetição, como faz Rita ao ler a definição de descritores. O próprio documento

está apenas reproduzindo trechos de diversos textos acadêmicos, justapondo-os, mas não

ressignificando-os para uma nova situação

O discurso autoritário contrasta com o discurso internamente persuasivo, que

favorece o processo de apropriação, ou seja, de tornar próprias as palavras alheias. O

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processo de apropriação é explicado por Bakhtin ([1979]2003)89 da seguinte maneira: as

palavras são inicialmente palavras de outras pessoas (principalmente palavras da mãe).

Depois, essas “palavras alheias” são reelaboradas dialogicamente em “minhas-palavras-

alheias” no encontro com outras “palavras alheias” e então apropriadas e tornadas minhas

palavras (com perda de aspas, como explica Bakhtin). Nesse processo, nos esquecemos dos

autores das palavras alheias, elas se tornam anônimas e a consciência se monologiza. Rojo

(2007) sintetiza o processo de apropriação no seguinte organograma:

Figura 1: Organograma do processo de apropriação

Fonte: Rojo (2007)

O discurso de autoridade mantém as palavras como alheias, dificultando o

processo de apropriação, o que, contudo, não impede as professoras de responderem

ativamente ao documento, recontextualizando suas definições com base em exemplos de

suas práticas pedagógicas.

Nas múltiplas vozes que constituem a voz do professor em sua formação no

local de trabalho, vozes do Estado e também da academia por meio dos documentos oficiais

estão entre elas (diferentemente do que muitas vezes é dito na mídia, no senso comum e na

própria academia: “o professor não lê”, “não domina textos relacionados a sua profissão”).

A mobilização dessas vozes depende da situação comunicativa. No caso analisado, a

oportunidade de organizar uma autoformação sobre as avaliações externas faz com que as

89 No texto “Metodologia nas Ciências Humanas”, escrito em 1979, publicado no livro “Estética da Criação

Verbal”, edição de 2003.

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professoras recorram a essas vozes. Como veremos a seguir, a leitura de textos acadêmicos

também pode compor diretamente a prática formativa no local de trabalho do professor.

6.2.3 Esfera acadêmica: mobilização de vozes acadêmicas para legitimação da voz

docente

Esse processo ocorre também na mobilização do discurso acadêmico

realizada pelas professoras de 5º ano sobre o tema por elas apresentado a seus pares a cada

encontro. Nas HTPC-aula, textos científicos ou de divulgação científica não são lidos e

discutidos pelas professoras.

No caso da reunião do excerto a seguir, as citações lidas são de Fiad e Mayrink-

Sabinson (1991). O modo de uso não é o da prática letrada acadêmica: a referência não

apareceu nos slides preparados pelas professoras, compostos apenas de trechos recortados

do texto-fonte90:

Excerto 40: Reescrita [HTPC-oficina, 15/09/2011]

1 Marina: ((lendo)) ‘a reescrita permite apropriação dos gêneros textuais a diferenciação 2 dos gêneros textuais / aplicação dos gêneros textuais a situações contextuais de escrita’ 3 então se a criança tem domínio daquele conhecimento... conhecimento da história é 4 muito fácil fazer uma reescrita uma produção né/ isso eles escrevem sem/ eu falo assim 5 sem medo sem nada então já tá todo o conhecimento dele sem preocupação de a 6 formalidade da pontuação tudo NE 7 Tânia: e a importância de eles saberem diferenciar um gênero e outro né essa prática 8 social que a gente tanto fala (++) 9 Marina: ((lendo)) “com o trabalho continuado no processo de reescritura de textos os 10 alunos passam a se preocupar mais com a forma com que os leitores lerão seu texto... 11 perceber a importância da reescrita perceber as possíveis modificações tornar o texto 12 mais claro e adequado à leitura do receptor” quando eles vão é:: reler o texto que eles 13 fizeram é óbvio que vão reconhecer alguns erros né então isso faz ele tomar mais 14 cuidado na hora de escrever porque ele tem que escrever pro outro entender não só pra 15 ele né e:: muitas vezes na hora que eles vão tá lendo pra gen/ pra nós né você percebe 16 que ele já reconhece o erro ali é uma atividade eu falo assim que não é fácil

90 Identifiquei a fonte após o encontro, em busca pela internet com base nos trechos citados pelas professoras.

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As professoras trazem trechos de um texto sobre a reescrita – não somente

para definir conceitos (como de gênero ou prática social), mas para dar a base para reflexão

sobre práticas pedagógicas que envolvam a reescrita. O discurso acadêmico é citado de

maneira direta. As palavras são repetidas, o que indica que esse é um discurso “estrangeiro”

para elas, mas de cuja legitimação precisam em uma prática de formação.

A professora ressignifica o conceito de reescrita, relacionando-o diretamente

com sua experiência junto a seus alunos. Para Marina, a reescrita tem um sentido diferente

do que é proposto no texto acadêmico; ela mobiliza eixos semânticos relativos à omissão de

erros formais e sua erradicação na revisão: forma(lidade), pontuação, reler, percepção de

erro, cuidado ao reescrever, sendo que o texto base focaliza a revisão e a reescrita tendo em

vista a situação comunicativa e o gênero. A professora usa o mesmo termo – reescrita –

mas revozeia outra perspectiva no que se refere ao ensino de produção textual, mais

relacionado ao domínio do código e de convenções ortográficas. Apesar de sua

interpretação se distanciar do sentido de reescrita como adequação do gênero à situação

comunicativa e se aproximar do sentido de correção, o evento pode ser considerado

fortalecedor do grupo, pois a voz acadêmica é mobilizada para legitimar o dizer (o o saber)

da professora.

As professoras se posicionam como detentoras de um saber a ser compartilhado

com suas colegas de profissão. A natureza desse saber e a maneira de compartilhá-lo

mostra uma especificidade deste contexto de formação: os saberes se referem ao como

abordar conteúdos em sala de aula, em que sequência, de que maneiras interagir com os

alunos para entenderem o conteúdo; são oferecidas sugestões e exemplificações concretas,

inclusive com encenação de atividades, em alguns casos.

Para abordar as Matrizes da Prova Brasil, as professoras também recorrem a

citações de textos acadêmicos:

Excerto 41: Lendo as Matrizes da Provar Brasil. Competências e Habilidades. HTPC-oficina,

15/08/2011

1 Rita: (...) Então competência e habilidade na Prova Brasil o que vem a nossa mente 2 quando a gente joga esse tema? (+++) 3 Prof Clarice: posso? (+) habilidades nós temos inúmeras habilidades a serem

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4 desenvolvidas se forem bem trabalhadas adquiriremos a competência (...) (++) 5 Carol: alguma dúvida? mais alguém? (+) segundo Perrenoud que todos conhecem o 6 pensador da educação “competências são diferentes modalidades estruturais” tá dando 7 pra ler? “diferentes modalidades estruturais da inteligência que compreendem 8 determinadas operações que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os 9 objetos físicos, conceitos, situações, fenômenos e pessoas” ou seja foi claramente o que 10 a Clarice mencionou é a valorização do que? do que a criança já tem de sua HAbilidade 11 do seu meio né do conhecimento IN-formal e onde ele chega com o que? com alguns 12 conhecimentos alguns conceitos mas dentro da escola o que que isso vai acontecer? 13 isso vai FORMAlizar para um conhecimento o que? mais apto adquirido (...)

A resposta de Clarice à pergunta de Rita (“o que vem a nossa mente quando a

gente joga esse tema?”) não gera discussões no grupo que, questionado por Carol,

permanece em silêncio. Sua resposta é validada por meio da citação acadêmica. A definição

do conceito pelo teórico da educação é bastante diferente daquela dada pela professora. A

voz da academia permanece alheia, é apenas repetida, sem acentuação pessoal, pois após

sua leitura, a fala de Carol se aproxima mais da definição de Clarice.

A mobilização de vozes acadêmicas em práticas de letramento formativas,

mesmo sem apropriação do discurso do outro, contesta a crença comum de que o professor

não lê textos acadêmicos. Essa crença está presente, por exemplo, em Mourão (2012) que,

ao investigar a própria prática como formadora de professores em serviço, afirma que

textos profissionais – textos acadêmicos, teóricos ou relativos a resultados de pesquisa,

escritos por pesquisadores da educação e ciências afins e textos de caráter teórico-didático e

de divulgação científica direcionados especificamente a professores – não são selecionados

e lidos pelos professores:

a despeito de todos os argumentos em favor da leitura dos textos

profissionais, ela raramente se cumpre conforme as expectativas dos

formadores, criando tensões entre eles e os professores. Os formadores

reclamam que os professores não leem os textos propostos e, por

compreenderem essa atividade como constitutiva de sua proposta, se

perguntam por que resistem ao próprio processo de formação. Os

professores, por sua vez, reclamam dos textos propostos, alegando, muitas

vezes, que essas leituras, além de serem de difícil compreensão, não lhes

trazem contribuições para a atuação cotidiana em sala de aula

(MOURÃO, 2012, p. 8).

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Mais do que essa oposição entre a leitura de textos profissionais e sua total

ausência, os nossos dados mostram que práticas de leitura acadêmica compõem a formação

do professor em seu local de trabalho como no evento aqui estudados. As professoras

responsáveis por conduzir a reunião trazem vozes acadêmicas para se autolegitimarem

como formadoras. Ou seja, a situação comunicativa gera a leitura e a mobilização de textos

acadêmicos, mesmo que permaneça como discurso de autoridade.

A questão é se e como a leitura de textos dos gêneros do discurso acadêmico

chegam aos professores. O que os dados mostram é que não corre a apropriação dos textos

acadêmicos e oficiais lidos, o que pode indicar a falta de diálogo efetivo entre universidade

e escola e entre Estado e escola.

A não apropriação se dá pelo fato de que os textos são escritos por

pesquisadores acadêmicos e têm como interlocutores outros pesquisadores acadêmicos,

formando uma cadeia enunciativa entre pares, como mostram os estudos de letramento

acadêmico (STREET; LEA, 1998, LILLIS; SCOTT, 2007). Assim, os “de fora” dessa

cadeia, incluindo os professores da escola básica, não os compreendam. Essa relação

assimétrica se baseia em uma “prática institucional do mistério” do letramento acadêmico,

como trata Lillis (2001), que é essencialmente monológica, no sentido bakhtiniano do

termo e, por isso, se configura como discurso de autoridade (BAKHTIN, 2003). Contudo,

mesmo um texto escrito, em tese, para o professor, como as Matrizes de Referência da

Prova Brasil, permanece alheio devido a problemas de textualidade e de adequação do texto

a seus objetivos e interlocutores.

Sem negar a importância da leitura de textos profissionais para a formação, é

preciso considerar que a supervalorização destas iniciativas de formação destituem os

professores como produtores de saberes sobre sua própria profissão e como capazes de

selecionar o que lhes interessa como “textos profissionais”.

No caso das HTPC-aula, imbricadas no cotidiano escolar, há total ausência de

textos acadêmicos. Os gêneros que aparecem, além dos relacionados à gestão, são aqueles

que podem se tornar objeto de ensino (como no caso do gênero resenha abordado pelas

professoras), ou que motivem o professor a agir nesse contexto (discurso de autoajuda). Em

entrevista, a professora Cristiane faz essa relação entre a leitura e discussão de um texto de

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divulgação científica ou acadêmico e demandas mais urgentes do cotidiano escolar quando

questionada pela pesquisadora sobre as leituras em HTPC:

Excerto 40: Leitura em HTPC versus demandas imediatas. Entrevista com Cristiane.

4 C: então às vezes uma leitura que está fora do... não::: vai acrescentar em nada... você 5 pode trazer uma coisa linda mas ela não vai te ajudar ali então a gente chega “olha eu 6 preciso saber o que eu vou fazer com esse aluno”

Os problemas cotidianos, o contexto complexo que é uma escola ou uma sala de

aula, acabam direcionando a formação no local de trabalho para demandas mais imediatas.

Mesmo que a leitura sobre pesquisas relacionadas ao trabalho docente possa contribuir para

sua formação, a leitura de textos acadêmicos ou de divulgação científica não constitui a

formação do professor no local de trabalho no contexto das reuniões de HTPC-aula. A

busca pelo modo de fazer em sala de aula, por respostas para questões práticas, é

identificada por Mourão (2012) na leitura dos professores do que ela chamou de textos

profissionais:

ao lerem um texto teórico, uma proposta pedagógica ou um relato de

experiência, os professores colocavam-se sempre em uma mesma

perspectiva interacional: eles liam procurando por respostas para questões

práticas vividas na sala de aula, por modos de proceder. Em resumo:

esperavam sempre que essas leituras lhes trouxessem contribuições diretas

às suas práticas. No entanto, preocupações práticas nem sempre figuram

entre os objetivos estabelecidos pelos autores de textos acadêmicos e

teóricos, da mesma forma que nem sempre os professores estão entre os

leitores projetados pelos autores, quando da produção de seus textos (p.

15).

O problema que se desenha aqui é o mesmo embate em vários contextos de

formação de professores: a separação entre teoria e prática. Essa separação é reforçada

tanto pelas professoras, que, nas HTPCs-aula, não reconhecem nos textos acadêmicos

contribuições para sua prática cotidiana, como pelos acadêmicos, que mesmo atuando em

áreas afins à educação, não colocam preocupações da prática pedagógica como relevantes

em muitas de suas produções. Contudo, os conflitos entre as participantes, os

descontentamentos por elas demonstrados em suas reuniões na escola como também a

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organização de uma autoformação por um grupo de docentes mostra que as próprias

professoras sentem necessidade de uma configuração para a HTPC que contribua de

maneira mais efetiva para sua formação e atuação.

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Considerações Finais

Os caminhos possíveis para compreender a formação e a atuação docentes são

muitos, tendo em vista a complexidade dessa profissão e dos contextos a ela relacionados: a

escola, as secretarias de educação, as universidades e faculdades, as editoras de materiais

didáticos etc. Também são variadas as perspectivas teórico-metodológicas construídas na

área de pesquisa em formação do professor que podem ser adotadas para compreender

facetas da formação docente. Escolhi percorrer um caminho que começou na própria

escola, com um grupo de professoras de Ensino Fundamental I em suas reuniões semanais

em seu local de trabalho, desenvolvendo uma pesquisa de cunho etnográfico com base na

perspectiva sócio-cultural dos Estudos de Letramento, adotando uma perspectiva de usos da

língua como sempre sociais e dialógicos, como arena de combate entre palavras e contra-

palavras, baseada na concepção de linguagem do Círculo de Bakhtin. O caminho escolhido

me permitiu chegar a alguns lugares que retomo nessas considerações finais. Esses lugares

podem levar a outros caminhos a serem percorridos para contribuir para a formação

docente, para o fazer de formadores de professores e para o fortalecimento profissional do

professor.

O ponto de partida da pesquisa, seu principal objetivo, foi conhecer,

compreender e analisar práticas de letramento formativas da professora alfabetizadora em

seu local de trabalho, mais especificamente, nas reuniões de corpo docente. A escolha por

observar a HTPC obedeceu motivos como a minha própria participação como professora da

escola básica em reuniões de corpo docente, as indicações de pesquisas que apontam as

reuniões docentes e as secretarias municipais como espaços preponderantes de iniciativas

de formação continuada no Brasil (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011, DAVIS ET.

AL., 2010) e as mudanças valorativas que parecem envolver essa prática. A conquista por

um momento de trabalho coletivo na escola foi fruto de uma luta da categoria docente e

envolveu uma discussão sobre a história e concepção de seu trabalho, que não se limita a

um “aulista”, como discutido no capítulo 1. Contudo, a função, a utilidade e a eficácia das

reuniões de corpo docente são hoje contestadas pelos professores de redes municipais e da

rede estadual de ensino.

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A extensão das reuniões de corpo docente como parte da jornada de trabalho do

professor aparece em demandas de professores em greve na atualidade, o que mostra que,

apesar de contestarem aspectos da iniciativa, os professores querem mais tempo de trabalho

coletivo. Dessa forma, o problema parece ser o que se faz nesse espaço-tempo – tomado

por avisos e demandas da secretaria, por aberturas motivacionais e cobranças individuais. O

caráter realmente “coletivo” fica esquecido na maior parcela de tempo das reuniões

observadas na escola-campo dessa pesquisa. Apesar disso, as professoras participantes

desse estudo nos mostram que é possível construir um coletivo com o qual possam se

identificar em momentos efetivos para sua formação no local de trabalho.

Para compreender como as participantes construíam iniciativas de formação em

seu local de trabalho, voltei-me para os eventos de letramento formativos em HTPC,

descrevendo sua organização geral e suas estruturas de participação na interação (capítulo

4) e analisando as vozes sociais e discursos que os constituem (capítulo 5). Nos dois

enfoques, busquei as relações estabelecidas entre os participantes dos eventos, a agência

das professoras em sua própria formação e o jogo de forças entre esferas que atuam, de

alguma maneira, na formação e atuação docentes.

O conceito de esfera e a delimitação da HTPC como uma prática da esfera do

trabalho do professor foi um dos passos dados para compreender e analisar as práticas

formativas do contexto observado. Optei pela expressão “do trabalho do professor”, e não

“escolar”, para qualificar a esfera e os letramentos sob investigação. Isso se deu por dois

motivos: pelo fato de o conceito de esfera estar ligado a características discursivas, e não

físicas e espaciais, e pela maior precisão dada ao objeto investigado, já que os eventos de

letramento no espaço escolar são inúmeros e não poderiam ser todos considerados nesta

pesquisa. Essa opção não ignora que a esfera do trabalho do professor e os letramentos

envolvidos estão intimamente relacionados à esfera escolar e são dela inseparáveis. Tal

ligação é salientada pelo conceito de espaço de Milton Santos (2002), detalhado no capítulo

2 desta tese: formado por um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de

ações, reunindo a materialidade e a vida que a anima, o espaço influencia as ações dos

participantes. Ao ocorrer no espaço escolar, a HTPC interage com seus sistemas de objetos

e ações e é parte deles.

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No campo (espaço) da pesquisa, dois tipos de reunião - ou eventos formativos -

foram se delineando: a reunião semanal na unidade escolar em que as professoras

trabalhavam, no contraturno de suas aulas; a reunião quinzenal, entre professoras de toda a

rede de ensino municipal atuantes no 5º ano, que ocorria nas dependências da Secretaria

Municipal de Educação ou em uma escola da rede. A análise dos dois tipos de evento

mostra que eles são organizados e construídos na interação de maneira bastante diversa.

Apesar de alguns dos sujeitos participantes dos dois eventos serem os mesmos (como a

coordenadora da escola observada e as professoras de 5º ano desta unidade), elas assumem

papéis diferentes nos dois tipos de eventos e constroem, conjuntamente aos outros

participantes, temas muito diferentes, que indicam considerações importantes para a

formação do professor e para formadores de professores. Uma delas diz respeito a maneiras

de promover a agência de professores em sua própria formação, em que elas próprias

selecionam o que é relevante, o que responde a suas demandas formativas.

As reuniões de HTPC semanais no contexto observado, denominadas neste

trabalho HTPC–aula, seguiam as regulamentações da CENP: sempre organizadas pela

coordenadora, com pautas que reuniam uma série de demandas de gestão da própria

unidade escolar e da Secretaria Municipal de Educação, como também de questões

relacionadas à formação docente. Esse tipo de evento é marcado por relações bastante

assimétricas entre as participantes, coordenadora e professoras. A grande maioria das

interações seguia o padrão IRA, próprio das aulas expositivas, que se baseia numa

concepção transmissiva de conhecimento. O tempo destinado aos pontos da pauta,

principalmente os avisos e demandas da Secretaria, e o próprio lugar e a função social da

coordenadora na interação eram questionados pelas professoras, que expressavam o

conflito pela não participação nas propostas da coordenadora, que se justificava e se

desculpava em vários momentos por ter de cumprir alguns pontos da pauta, geralmente os

de gestão. As restrições institucionais atuantes na HTPC-aula e a pulverização de objetivos

fazem com que não haja engajamento das professoras na reunião e nos momentos mais

relacionados à sua formação.

Nas reuniões entre professoras de 5º ano, as HTPC–oficina, o objetivo comum

– preparar seus alunos para as avaliações sistêmicas – e a alternância da responsabilidade

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pela organização e realização dos eventos foram fatores que promoveram interações mais

simétricas entre as participantes. A diferença na forma dos enunciados, seu estilo e

estrutura composicional em termos bakhtinianos, tem implicações no tema construído. As

relações mais simétricas favorecem discussões concernentes ao fazer do professor e a

demandas formativas do grupo. Como as professoras têm oportunidade de contribuir

igualitariamente para o fluxo da interação, elas têm mais agência na construção de

conhecimentos que consideram relevantes para sua formação.

O interesse bastante específico desse grupo promoveu a alteração na estrutura

de participação, na natureza da formação promovida e nas aprendizagens desenvolvidas

pelo grupo. O mesmo ocorre quando algumas restrições institucionais da HTPC-aula são

suspensas (grupo menor, debatendo um único tópico de interesse coletivo): em poucos

momentos, as participantes constroem uma relação mais simétrica e as professoras agem

em sua própria formação, se construindo identitariamente de maneira mais fortalecida como

grupo profissional.

Os gêneros que compõem os dois tipos de evento observados em campo

também variam. Na HTPC- aula, pela diversidade de pontos da pauta e fragmentação da

reunião em objetivos variados e de natureza diferente, há uma maior variedade nos gêneros

que a compõem, o que reflete e refrata a dispersão desse tipo de evento. Quando as próprias

professoras organizam os eventos, tendo em vista somente sua própria formação, uma

menor variedade de gêneros é mobilizada e a seleção de gêneros, assim como suas funções

no evento são mais direcionadas às finalidades das participantes, como ocorre nas HTPC-

oficina. A seleção tem em vista, principalmente, o como fazer em sala de aula, o que

promove, em vários momentos, a encenação de aulas já dadas a seus alunos.

As encenações de aula se configuram, assim, como uma estratégia de formação

pelas participantes dessa pesquisa. Ao serem colocadas no lugar e na função de formadoras

de suas colegas, as professoras adotam a brincadeira, o jogo simbólico, que atualiza os

papéis de alunos e professores. Para isso, as professoras mobilizam saberes experienciais e

enxergam sua sala de aula por meio do jogo simbólico. O “faz-de-conta” também entra

como outro fator que contribui para relações simétricas na HTPC-oficina: quando as

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relações e as sugestões do fazer pedagógico são levadas para o “faz-de-conta” e para o

lúdico, o poder é mais equitativamente distribuído.

A natureza dos saberes mobilizados, aqueles mais relacionados à prática, às

experiências docentes das participantes, também favorece a participação nas HTPC-

oficina, pois todas têm experiências a compartilhar. Saberes técnicos são também

mobilizados, mas sempre em função dos modos de fazer em sala de aula, presente em todas

as reuniões desse tipo. O diálogo com saberes disciplinares e curriculares ocorre,

principalmente com instâncias oficiais por meio de documentos parametrizadores das

avaliações sistêmicas.

O modelo de formação adotado na HTPC-oficina, que permitiu a constituição

de uma comunidade de aprendizagem, de compartilhamento de experiências e de dúvidas,

mostrou-se mais efetivo para a formação das participantes em comparação ao modelo

transmissivo da aula tradicional. O fato de estar num espaço do sistema escolar mais neutro

com um grupo formado por professoras de diferentes escolas reunidas em torno de uma

proposta semelhante, de um objetivo comum, sem uma coordenadora ou uma diretora com

poder para tomar o tempo com recados e demandas de gestão, faz com que a HTPC-oficina

envolva as participantes e possibilite sua agência em sua própria formação, sendo mais

produtiva.

Nas HTPC-oficina as professoras fazem dos encontros eventos formativos no

local de trabalho tendo em vista suas demandas profissionais, mais relacionados àquilo que

se espera de uma reunião de formação de professores. Esse tipo de evento em comparação

com a HTPC-aula também mostra como os avisos e solicitações burocráticas podem

prejudicar o tempo destinado à formação no local de trabalho do professor, o que tem

decorrências para pensarmos sobre políticas públicas e para as funções de coordenador e

diretor escolar. É preciso garantir que a HTPC seja um espaço-tempo formativo, criando

outros mecanismos para comunicados, avisos e solicitações de gestão.

De qualquer forma, nos dois casos, muitos dos eventos de formação analisados

são gerados pela necessidade de resolução de problemas emergentes da prática de sala de

aula e têm como principal meta aprender a ensinar. As participantes são muito criativas

para dar conta dessa necessidade, mobilizando esforços para desenvolver estratégias usando

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suas potencialidades, imaginação, habilidades e experiências profissionais. E esses esforços

se dão em uma conjuntura social e histórica de desprestígio e desvalorização da profissão

docente, em uma escola com poucos recursos materiais e humanos e que concentra

inúmeros problemas sociais, ao mesmo tempo em que crescem as cobranças por uma

escolarização extensiva e de qualidade.

A necessidade de lidar com essa complexidade relacionada à sua profissão e os

esforços para fazê-lo são fatores que influenciam outra prática de formação do professor

bastante presente nas HTPCs, principalmente nas reuniões que adotam como modelo de

interação a aula: a leitura de textos do gênero de autoajuda. Chamado pelas próprias

professoras de “reflexão”, o momento de leitura desses textos ocorria na preparação para o

desenvolvimento do evento e, geralmente, não promovia debates. Sua configuração como

discurso autoritário e monologal tinha como resposta o silêncio. A função de motivar e

responsabilizar individualmente o professor condiz com a ideia de superação e com a

necessidade constante de criar estratégias para a formação e atuação docentes. A leitura de

autoajuda, a encenação de sala de aula, a discussão de trechos de documentos

parametrizadores são estratégias construídas pelas professoras para conseguir promover sua

própria formação em seu local de trabalho. A análise traz como resultado que a função da

autoajuda na formação do professor é a de dar sentido à docência, de construir alternativas

possíveis nos limites postos pela realidade onde realizam suas funções.

Os significados atribuídos pelas professoras aos eventos de letramento

formativos em sala de aula são de busca de sentido para a profissão e busca de maneiras de

fazer em sala de aula. Tais significados são coerentes tanto com a situação do trabalho

docente e da escola contemporânea como com a formação inicial oferecida,

majoritariamente realizada em instituições isoladas de pequeno porte, com cursos de apenas

três anos de duração, e com enfoque em disciplinas de fundamentos da educação e das

disciplinas escolares (GATTI, BARRETO, 2009), com pouco enfoque na prática

pedagógica.

Contudo, apesar de conseguirem formar um coletivo para se identificar e

conseguirem promover formação em seu local de trabalho, tanto o recurso ao faz-de-conta

da encenação como a de apelo a textos de autoajuda apresentam desvantagens, pois

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dificultam a entrada da reflexão teórica e crítica sobre a prática docente, sobre a escola,

sobre os alunos. Isso ocorre porque o foco é mostrar como realizam atividades em sala de

aula e dar sentido à sua função, sem questionamentos sobre por que acontece dessa

maneira, por que não fazer de outra, por exemplo.

Textos de autoajuda dizem como agir, mesmo que de maneira geral, e fornecem

segurança ao afirmar, em um discurso construído como uma certeza incontestável, que tudo

dará certo se se acredita em si mesmo ou em uma força superior. A solidão e o isolamento

do professor em sala de aula encontram nesse gênero a sensação de segurança necessária

para agir. A autoajuda e o discurso religioso, também mobilizado nas práticas observadas,

procuram a estabilidade. Já o discurso acadêmico ou de divulgação científica costumam

desestabilizar.

Quando as próprias professoras organizam sua formação, elas mobilizam

diversas vozes, a depender da situação comunicativa, para se autolegitimarem e se

fortalecerem. Para a construção de conhecimentos, elas partem da troca de experiências

profissionais, mobilizando também vozes acadêmicas e oficiais em função da prática

pedagógica. Mas, nos casos observados, essas vozes são tomadas como discurso de

autoridade, são mantidas como palavras alheias, não são apropriadas pelas professoras a

ponto de contribuírem efetivamente para sua formação. Esse fato não é só explicado pela

presença de outros discursos e estratégias mais estabilizantes, como também pela

configuração dos gêneros acadêmicos e parametrizadores. Estes últimos pressupõem

conhecimento de uma rede de outros textos acadêmicos, como analisado na prática de

leitura das professoras de Matrizes de referência de uma avaliação externa (capítulo 5). Os

gêneros do discurso acadêmico, por sua vez, são escritos por pesquisadores acadêmicos e

têm como interlocutores outros pesquisadores acadêmicos, formando uma cadeia

enunciativa entre pares. Os professores da escola básica, de fora dessa cadeia, não os

compreendem.

Do ponto de vista dos sujeitos, a HTPC é formativa e contribui para sua

atuação. Contudo, as práticas não ocorrem sem resistências, descontentamentos e conflitos

revelados pela análise. Esses fatores mostram que, também do ponto de vista das

professoras, a HTPC pode ser mais bem aproveitada. Das iniciativas observadas, a

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construção de um coletivo fortalecido, em que as professoras compartilham e

complementam experiências profissionais e encenam como fazer em sala de aula, aponta

para uma configuração que parece interessar às professoras e responde a demandas

formativas, principalmente relacionadas ao como ensinar.

A demanda pelo modelo de fazer nas práticas observadas não envolve reflexões

mais críticas sobre esse fazer, que possam clarear motivos pelos quais se ensina de uma

forma ou de outra e as implicações de diversos modos de ensinar e de selecionar conteúdos.

Tal espaço poderia ser ocupado por discussões realizadas na formação inicial e continuada

promovida pelas universidades. Para isso, é preciso reorientar objetivos dos cursos

oferecidos tendo em vista o letramento do professor, ou seja, o conjunto de conhecimentos

teóricos, didático-pedagógicos e socioculturais, e subjetivos, advindos de suas experiências

profissionais (KLEIMAN, SILVA, 2008). Essa interação entre diversos conhecimentos não

é simples nem automática e é nesse sentido que os cursos de formação de professores e os

formadores de professores podem contribuir: promover o debate, o encontro e o conflito

entre tais conhecimentos tendo em vista o letramento para e no local de trabalho do

professor.

A pesquisa mostrou que os professores, em sua formação no local de trabalho,

buscam um sentido para a docência e priorizam os modos de ensinar, desafios postos no dia

a dia escolar. Tendo em vista essas demandas, as pesquisas na área da formação do

professor e os cursos destinados a esses profissionais precisam estar atentos a possíveis

lacunas relacionadas à profissionalização docente (que leva à falta de sentido para a

docência) e à prática de sala de aula. Formadores de professores e instituições de Ensino

Superior podem promover mudanças nos currículos e instigar discussões que atendam a tais

demandas, ressignificando o que se pode fazer nas práticas de letramento formativas. Ao

invés de esgotar discussões sobre conceitos do campo da filosofia da educação, da

psicologia da educação ou da linguística, por exemplo, formações destinadas aos

professores poderiam selecionar conceitos teóricos relevantes dentro do conjunto de

conhecimentos (teóricos, didático-pedagógicos, socioculturais e experienciais) com o

objetivo de construir sentidos mais coletivos e profissionais para a docência e

instrumentalizar o professor para saber buscar o que e como ensinar a seus alunos.

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Anexos

Anexo 1 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa.

Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do

estudo, assine ao final deste documento. Uma via do documento ficará com você e a outra

com a pesquisadora. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto: Práticas de Letramento do Professor e Formação Continuada no local

de trabalho: o que nos dizem as professoras em reuniões de HTPC

Pesquisador Responsável: Paula Baracat De Grande

Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (19) 98177-2828

O projeto de pesquisa “Práticas de Letramento do Professor e Formação Continuada

no local de trabalho: o que nos dizem as professoras em reuniões de HTPC” tem como

objetivo observar e entender as reuniões entre coordenação e corpo docente para investigar

a formação do professor que ocorre na escola, em seu local de trabalho. Pretende-se

acompanhar reuniões de HTPC e outras que ocorrerem e que tenham relação com a

formação profissional do professor durante todo um ano letivo, realizando gravações em

áudio e anotações em diário de campo, como também coleta documental.

Comprometo-me em preservar todos os nomes dos profissionais envolvidos na

pesquisa, como também não usar o nome da unidade escolar. Comprometo-me também em

divulgar o desenvolvimento e os resultados da pesquisa com todos os interessados da

comunidade escolar. Nenhum dado gerado na unidade escolar será utilizado como

avaliação do trabalho dos docentes ou da coordenação.

A pesquisa pretende contribuir para a formação do professor, principalmente no que

se refere aos cursos oferecidos pelas secretarias de ensino e universidade a partir do que

ocorre na escola.

Não há riscos aos participantes devido ao desenho da pesquisa, qualitativa-

interpretativista e etnográfica, sem qualquer intervenção. Como possíveis benefícios,

conhecer e compreender práticas e as demandas de um grupo de professores pode servir

para informar e repensar cursos de formação inicial ou continuada oferecidos na

universidade, como também indicar melhoras em políticas públicas para a formação do

professor em serviço. Para minimizar possíveis desconfortos e garantir a confidencialidade,

garanto aos participantes total sigilo em relação a nomes dos participantes, da unidade

escolar, da cidade em que esta se encontra. Serão usados pseudônimos.

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Por fim, coloco-me a disposição dos participantes da pesquisa para maiores

esclarecimentos, como para contribuir com as reuniões de HTPC conforme for possível.

Reitero a garantia de sigilo e o direito de retirar o consentimento a qualquer tempo.

Esta pesquisa não terá nenhum ônus e também nenhum beneficio financeiro. Sua

participação é voluntária, ou seja, não é obrigatória e você poderá sair da pesquisa a

qualquer momento, sem nenhum prejuízo.

Todos os participantes terão uma cópia deste termo assinado, como previsto na

Resolução CNS/MS 196/96. Poderão ser solicitados, em qualquer momento,

esclarecimentos sobre a pesquisa e para isso, os pesquisadores poderão ser contatados pelo

telefone (19) 98177-2828. O Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp pelo telefone: (19)

3521-8936, poderá ser consultado em caso de denúncia, ou ainda pelo e-

mail: [email protected]. Segue endereço do Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp:

Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126

Distrito de Barão Geraldo

Campinas – SP

CEP: 13083-887

Nome e Assinatura do pesquisador: ________________________________

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO

Eu, _____________________________________________________, RG no.

_________________________, abaixo assinado, concordo em participar do estudo

______________________________________________________________________,

como participante de pesquisa. Fui devidamente informado e esclarecido pelo pesquisador

_____________________________________ sobre a pesquisa, os procedimentos nela

envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação.

Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto

leve a qualquer penalidade.

Local e data ___________________/________/________/__________/

Nome: ____________________________________

Assinatura do sujeito ou responsável: ____________________________________

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Anexo 2: Parecer do Comitê de Ética da UNICAMP

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233

Anexo 3 – Questionário formulado por Cláudia Lemos Vóvio, no contexto de sua pesquisa

de doutorado, e utilizado pelo grupo Letramento do Professor.

Projeto: Formação do professor em serviço: letramentos, gêneros discursivos e identidades

profissionais na escola

Pesquisadora: Paula Baracat De Grande

Telefone: (19) 8177-2828 e-mail: [email protected]

Identificação

Nome:__________________________________________________________

Telefone: _________________ e-mail:_______________________________

Data:___/____/___

Instruções para o preenchimento

• Primeiramente, folheie todo o questionário e veja como ele está organizado.

• A seguir, responda às questões, na ordem que você preferir, procurando responder a todas as

perguntas.

• Em cada pergunta, leia todas as alternativas e marque apenas uma alternativa de resposta, a não

ser que a pergunta indique “Pode assinalar mais de uma”.

• Circule o número correspondente à resposta escolhida.

Ressalto que as informações pessoais (nome, endereço etc.) não serão divulgadas. Peço que

preencham para posterior conversa sobre o questionário.

1. Sexo:

1. Masculino

2. Feminino

2. Qual a sua idade? ____ anos

3. Onde você nasceu?

1. Na cidade de: _______________________ 2. Estado: _______________________________

4. Em qual das seguintes cores ou raças você se incluiria?

1. Branca

2. Negra (Preta)

3. Parda

4. Amarela

5. Indígena

6. Nenhuma dessas. Qual? __________________

5. Qual o número de pessoas que vive em seu domicílio?

1. uma pessoa (vive sozinho (a))

2. duas pessoas

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3. três pessoas

4. quatro pessoas

5. cinco pessoas

6. mais de cinco pessoas

6. Assinale o grau de instrução do/da chefe de sua família?

1. Analfabeto/Primário incompleto

2. Primário completo/Ginasial incompleto

3. Ginasial completo/Colegial incompleto

4. Colegial completo/Superior incompleto

5. Superior completo

7. Assinale quais dos serviços ou bens abaixo você tem seu domicílio e a quantidade:

0 1 2 3 4 5 6 ou +

TV em cores

Vídeo cassete ou DVD

Rádio

Banheiro

Automóvel

Empregada mensalista

Aspirador de pó

Máquina de lavar

Geladeira

Freezer (independente ou parte da geladeira duplex)

8. Qual a renda familiar bruta no mês passado? R$_________________ (renda familiar bruta

é a soma de todos os rendimentos sem descontos recebidos pelas pessoas que vivem em seu

domicílio)

9. Qual o seu estado civil?

1. Solteiro (a)

2. Casado (a), mora com companheiro (a)

3. Separado (a), divorciado (a), viúvo (a)

10. Se na sua casa moram crianças com idade entre 4 e 14 anos, você costuma ajudar alguma

destas crianças nas tarefas escolares que realizam em casa?

1. Não moro com crianças nessa faixa etária

2. Sempre ajudo

3. De vez em quando

4. Raramente

5. Nunca ajudo

11. Em seu dia-a-dia, quais dessas atividades você costuma fazer?(Pode assinalar mais de

uma)

1. Consulto catálogo telefônico

2. Consulto guia de rua

3. Faço listas de coisas que preciso fazer

4. Uso agenda para marcar compromissos

5. Deixo bilhetes com recados para alguém de casa

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6. Escrevo cartas para amigos ou familiares

7. Leio cartas de amigos ou familiares

8. Leio correspondência impressa que chega em casa

9. Faço listas de compras

10. Procuro ofertas ou promoções em folhetos e jornais

11. Verifico a data de vencimento dos produtos que compro

12. Comparo preços entre produtos antes de comprar

13. Faço compras a prazo com crediário

14. Pago contas em bancos ou casas lotéricas

15. Faço depósitos ou saques em caixas eletrônicos

16. Leio manuais para instalar aparelhos domésticos

17. Reclamo por escrito sobre produtos ou serviços que adquiri

18. Leio bulas de remédios

19. Copio ou anoto receitas

20. Copio ou anoto letras de música

21. Escrevo histórias, poesias ou letras de música (de sua autoria)

22. Escrevo diário pessoal

23. Leio em voz alta para crianças (filhos, netos) que moram comigo

24. Leio e escrevo e-mails.

25. Consulto sites na internet.

12. Quando precisa lembrar-se de compromissos, contas a pagar e receber ou atividades

familiares, o que você costuma fazer? (Pode assinalar mais de uma)

1. Memorizo

2. Tomo notas em folhas soltas

3. Uso agenda

4. Marco em folhinhas ou calendários

5. Anoto em programas de computador

6. Uso outros meios para lembrar. Quais? ________________________

7. Não preciso me lembrar de compromissos.

13. Quais destes materiais há em sua casa? (Pode assinalar mais de uma)

1. Álbuns de fotografia

2. Bíblia ou livros religiosos

3. Cartilhas, carta do ABC ou livros escolares

4. Livros ou Folhetos de Literatura de cordel

5. Dicionário

6. Enciclopédias

7. Folhetos, apostilas ou livretos de movimentos sociais, de partidos políticos ou grupos religiosos

8. Folhinha, calendários

9. Guias de rua e serviços

10. Catálogos e lista telefônica

11. Jornais

12. Livros de receitas

13. Livros de literatura

14. Livros didáticos ou apostilas escolares

15. Livros infantis

16. Livros técnicos ou especializados

17. Livros de autoajuda

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18. Manuais de instrução

19. Revistas

20. Outros. Quais? __________________________________________________________

21. Não tenho nenhum desses materiais

14. Na sua opinião, a forma como você lê e escreve ajuda ou atrapalha em suas atividades

domésticas?

1. Ajuda muito

2. Ajuda um pouco

3. Nem ajuda nem atrapalha

4. Atrapalha um pouco

5. Atrapalha muito

15. Qual o nível de escolaridade completo mais alto de seu pai, ou responsável do sexo

masculino que o criou?

1. Analfabeto

2. Sabe ler e escrever mas não cursou a escola

3. Primário incompleto (1a até a 3a série)

4. Primário completo (4a série)

5. Ginásio incompleto (5a até a 7a série)

6. Ginásio completo (8a série)

7. Ensino Médio ou 2o grau incompleto (1a e 2a série)

8. Ensino Médio ou 2o grau completo (3a série)

9. Ensino Superior incompleto

10. Ensino Superior Completo

11. Pós-graduação (lato sensu, especialização, mestrado ou doutorado)

12. Não sei.

16. Qual é (ou foi) a ocupação profissional principal do seu pai ou responsável do sexo

masculino?

_____________________________________________________________________________

17. Qual o nível de escolaridade completo mais alto de sua mãe, ou responsável do sexo

feminino que o criou?

1. Analfabeta

2. Sabe ler e escrever mas não cursou a escola

3. Primário incompleto (1a até a 3a série)

4. Primário completo (4a série)

5. Ginásio incompleto (5a até a 7a série)

6. Ginásio completo (8a série)

7. Ensino Médio ou 2o grau incompleto (1a e 2a série)

8. Ensino Médio ou 2o grau completo (3a série)

9. Ensino Superior incompleto

10. Ensino Superior Completo

11. Pós-graduação (lato sensu, especialização, mestrado ou doutorado)

12. Não sei

18. Qual é (ou foi) a ocupação profissional principal da sua mãe ou responsável do sexo

feminino?

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_____________________________________________________________________________

19. Quantas pessoas moravam com você, durante sua infância?

1. duas pessoas

2. três pessoas

3. quatro pessoas

4. cinco pessoas

5. mais de cinco pessoas

20. Dessas pessoas, quais sabiam ler e escrever ou frequentavam a escola?

________________________________________________________________________

21. Quando você era criança, costumava ver seus pais ou responsáveis fazendo alguma dessas

atividades? (Pode assinalar mais de uma)

1. Lendo revistas

2. Lendo jornais

3. Lendo folhetos

4. Lendo livros

5. Lendo ou escrevendo cartas

6. Lendo ou escrevendo receitas

7. Lendo ou escrevendo tarefas do trabalho

8. Ensinando ou acompanhando as crianças em tarefas escolares

9. Lendo cartilhas, carta do ABC ou livros escolares

11. Não me lembro de vê-los fazendo essas atividades

22. Quando você era criança, costumava ver seus irmãos ou outras crianças que moravam

com você fazendo alguma dessas atividades? (Pode assinalar mais de uma)

1. Lendo revistas

2. Lendo jornais

3. Lendo folhetos

4. Lendo livros

5. Lendo ou escrevendo cartas

6. Lendo ou escrevendo receitas

7. Lendo ou escrevendo tarefas do trabalho

8. Fazendo tarefas escolares

9. Lendo cartilhas, carta do ABC ou livros escolares

11. Não me lembro de vê-los fazendo essas atividades.

23. Na casa onde você passou a sua infância havia algum destes materiais? (Pode assinalar

mais de uma)

1. Álbuns de fotografia

2. Bíblia ou livros religiosos

3. Cartilhas, carta do ABC ou livros escolares

4. Literatura de cordel

5. Dicionário

6. Enciclopédias

7. Folhetos, apostilas ou livretos de movimentos sociais, de partidos políticos ou grupos religiosos

8. Folhinha, calendários

9. Guias de rua e serviços

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10. Catálogos e listas telefônica

11. Jornais

12. Livros de receitas

13. Livros de literatura

14. Livros didáticos ou apostilas escolares

15. Livros infantis

16. Livros técnicos ou especializados

17. Manuais de instrução

18. Revistas

19. Outros. Quais? __________________________________________________________

20. Não tinha nenhum desses materiais

24. Você acha que, quando você era criança, seu pai (ou responsável do sexo masculino):

1. Não sabia ler

2. Lia com grande dificuldade

3. Lia com alguma dificuldade

4. Não tinha nenhuma dificuldade para ler

25. Você acha que, quando você era criança, sua mãe (ou responsável do sexo feminino):

1. Não sabia ler

2. Lia com grande dificuldade

3. Lia com alguma dificuldade

4. Não tinha nenhuma dificuldade para ler

26. Você costuma ler jornais?

1. Não costumo ler jornal (Pule para a pergunta 29)

2. Costumo ler todos os dias

3. Costumo ler algumas vezes por semana

4. Costumo ler uma vez por semana

5. Leio de vez em quando

27. Habitualmente, como você obtém o(s) jornal(is) que lê? (Pode assinalar mais de uma)

1. Compro o jornal

2. Tenho assinatura pessoal

3. Está disponível em minha casa

4. Está disponível no trabalho, escola/faculdade ou outro lugar público

5. Empresto de colegas ou amigos

6. Ganho brinde ou exemplar de cortesia

7. Consulto a internet

8. Obtenho de outras formas. Quais? __________________________________________________

28. Você costuma ler revistas?

1. Não costumo ler revista (Pule para pergunta 41)

2. Leio todos os dias.

3. Leio algumas vezes por semana.

4. Leio uma vez por semana.

5. Leio eventualmente/De vez em quando.

29. Habitualmente, como você obtém a(s) revista(s) que lê?

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1. Compro a revista

2. Tenho assinatura pessoal

3. Está disponível em minha casa

4. Está disponível no trabalho, escola/faculdade ou outro lugar público

5. Empresto de colegas ou amigos

6. Ganho brinde ou exemplar de cortesia

7. Consulto a internet

8. Obtenho de outras formas. Quais? __________________________________________________

30. Qual ou quais dos tipos abaixo de revistas você costuma ler?

1. De informação semanal (Veja, Época, Isto É)

2. Fofocas e novelas (Caras, Contigo, Amiga)

3. Femininas (Cláudia, Nova, Marie Claire)

4. De culinária, corte e costura, tricô e crochê ou artesanato

5. Especializadas (saúde, informática, esportes, viagem)

6. De religião

8. Quadrinhos, gibi, humor

9. De música

10. Infantis

11. Educacionais (destinadas a professores e profissionais da educação como Nova Escola)

12. Outras. Quais? _________________________________________________________

31. Você costuma ler livros?

1. Não costumo ler livros

2. Leio menos de um livro por ano

3. Leio um ou dois livros por ano

4. Leio de três a seis livros por ano

5. Leio um livro por mês

6. Leio dois livros por mês

7. Leio mais de dois livros por mês

32. Dos livros que já leu, você lembra de alguns de que tenha gostado muito ou que tenham

sido marcantes? Escreva o título do livro e do autor, se você lembrar, caso contrário pule para

a próxima pergunta.

Título do livro Nome do autor

1.

2.

3.

4.

5.

33. Você conhece autores de literatura que considera bons ou importantes? Se lembrar,

escreva os nomes abaixo, caso contrário pule para a próxima pergunta.

34. Normalmente, quem indica os livros que você lê? (Pode assinalar mais de uma)

1. Um professor ou professora, como leitura obrigatória de um curso.

2. Um professor ou professora, apenas como sugestão.

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3. Meu pai

4. Minha mãe

5. Meus Irmãos

6. Meus Avós ou tios

7. Meus Amigos

8. Padre ou pastor da minha religião

9. Outras professoras, colegas de trabalho.

10. Outras pessoas com quem convivo. Qual (is)?_____________________________________

11. Não sigo indicações, faço escolhas sozinho(a).

35. Você costuma conversar sobre os livros que lê? (Pode assinalar mais de uma)

1. Não costumo conversar sobre livros que leio

2. Sim, converso com meus pais ou parentes ou pessoas que vivem comigo

3. Sim, converso com professores ou colegas de trabalho

4. Sim, com amigos ou namorado(a)

5. Sim, com colegas de trabalho, do grupo ou associação que tomo parte ou da religião que sou

adepto

36. Onde você costuma ler livros? (Pode assinalar mais de uma)

1. No local onde trabalho

2. Na escola ou faculdade onde estudo

3. Em casa

4. No transporte (ônibus, lotação, automóvel)

5. Em uma biblioteca pública

5. Em organizações comunitárias, associações, clubes ou entidades religiosas

6. Em outro lugar. Qual (is)? _____________________________________

37. Você costuma realizar leituras para seu trabalho? Se sim, que leituras você realiza?

1. Literatura infantil.

2. Jornais e revistas relacionadas à educação

3. Artigos, ensaios e livros da área da educação ou relacionados.

4. Textos em geral de sites da internet relacionados à educação.

5. Livros religiosos.

6. Livros de autoajuda.

7. Materiais didáticos.

8. Outros. Qual(ais)?____________________________________________

38. Você poderia citar um (ou mais) livro(s) ou material(is) que tenha lido para fins

profissionais? Se lembrar do autor, colocar o nome.

39. Habitualmente, como você obtém o(s) livro(s) que lê? (Pode assinalar mais de uma)

1. Compro

2. Tenho em minha casa

3. Tenho disponível no trabalho

4. Tenho disponível na escola/faculdade

5. Empresto de colegas ou amigos

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6. Pego emprestado de amigos

7. Pego emprestado de pessoas que participam do mesmo grupo ou associação

8. Pego emprestado de biblioteca

9. Ganho brinde ou exemplar de cortesia

10. Obtenho de outras formas. Quais? _______________________________________________

40. Você gosta de ler?

1. Não gosto (pule para a pergunta 43)

2. Gosto muito

3. Gosto mais ou menos

41. Quem você acha que mais influenciou seu gosto pela leitura? (Escolha até duas opções)

1. Meu pai ou responsável do sexo masculino

2. Minha mãe ou responsável do sexo feminino

3. Um parente

4. Um professor

5. Um amigo

6. Um colega ou superior no trabalho

7. Um Padre/pastor ou líder religioso

8. Um colega ou líder comunitário ou líder sindical

9. Outra pessoa. Quem? _________________________________________________________

10. Adquiri o gosto pela leitura sozinho.

42. Você costuma utilizar computador?

1. Nunca uso. (Pule para a pergunta 45)

2. Sim, todos os dias da semana.

3. Sim, quase todos os dias da semana.

4. Sim, um ou dois dias por semana.

5. Sim, de vez em quando.

43. Em qual destes locais você costuma usar computador com mais frequência? (Escolha até

duas opções)

1. Em casa.

2. Na escola.

3. No trabalho.

4. Em centros comunitários

5. Em locais públicos (bibliotecas, telecentros etc.)

6. Em locais privados (cybercafés, agências de correio etc.)

7. Na casa de amigos ou parentes

8. Em outro local. Qual? ____________________________________________________

44. No computador, o que você costuma fazer? (Pode assinalar mais de uma)

1. Escrevo relatórios e outros textos

2. Escrevo trabalhos escolares

3. Organizo agendas ou lista de tarefas

4. Digito dados ou informações

5. Elaboro planilhas ou monto bancos de dados

6. Consulto e pesquiso

7. Montar páginas ou fazer programas de computador

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8. Faço cursos à distância

9. Pago contas e movimento contas bancárias

10. Envio e recebo e-mails

11. Compro pela Internet

12. Jogo ou desenho

13. Navego por diversos sites

14. Copio músicas em CD ou arquivo eletrônico

15. Entro em sites de bate-papo e discussão

16. Preparo aulas.

17. Outras. Qual(is)? _______________________________________________________________

45. Indique com que frequência você:

1 Frequentemente, 2 Às vezes, 3 Raramente, 4 Nunca

54a.Vai ao cinema 1 2 3 4

54b. Vai ao teatro 1 2 3 4

54c. Assiste a shows de música ou dança 1 2 3 4

54d. Ouve noticiário no rádio 1 2 3 4

54e. Ouve outros programas no rádio 1 2 3 4

54f. Assiste a vídeos e DVD em casa 1 2 3 4

54g. Assiste noticiário na TV 1 2 3 4

54h. Assiste filmes na TV 1 2 3 4

54i. Assiste outros programas na TV 1 2 3 4

54j. Vai a museus ou exposições de arte 1 2 3 4

46. Você frequentou creche ou pré-escola?

1. Sim

2. Não

47. Com que idade você iniciou a primeira série do ensino fundamental

(primário)?_______________

48. Você alguma vez interrompeu os estudos por mais de três meses e retomou depois?

1. Não

2. Sim, apenas uma vez

3. Sim, mais de uma vez

4. Não lembro

49. A maior parte de seus estudos da Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio) você

fez:

1. Em escolas públicas

2. Em escolas particulares

50. Você alguma vez estudou em cursos supletivos?

1. Sim. Quais séries? _________________________________________________________

2. Não.

51. Você está participando ou participou de cursos pré-vestibulares?

1. Sim, em um curso privado

2. Sim, em um curso organizado por universidades ou universitários

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3. Sim, em um curso organizado por associações de moradores ou organizações comunitárias

4. Não.

52. Você costuma ler para estudar ou para aprender alguma coisa?

1. Sim.

2. Não. (Pule para pergunta 55)

53. Quando você lê para estudar, o que você costuma fazer?(Assinale até três opções)

1. Escrevo comentários nas margens do texto

2. Sublinho partes do texto

3. Anoto as ideias mais importantes

4. Copio partes do texto

5. Faço resumos

6. Faço esquemas com as idéias principais do texto

7. Faço outras atividades. Quais? ____________________________________________________

8. Não faço nada.

54. Quais dos tipos de texto abaixo você costuma ler para estudar? (Assinale até três opções)

1. Livros didáticos

2. Livros técnicos, teóricos ou ensaios

3. Livros de literatura

4. Jornais

5. Revistas

6. Dicionários ou manuais de gramática

7. Enciclopédias

8. Apostilas

9. Textos ou exercícios em folhas avulsas

10. Matérias, esquemas, textos ou exercícios no caderno

11. Folhetos

12. Livros de autoajuda

13. Textos em geral encontrados em sites da internet.

14. Outros. Quais? _____________________________________________________________

15. Nenhum destes

55. Você já fez algum curso além da escolarização formal (técnico, formação continuada etc.)?

1. Não

2. Sim. Indique quais e a duração:

Curso Duração

56. Indique quais dos cursos abaixo você completou ou está cursando:

1 Completei; 2 Estou cursando; 3 Não fiz

70a. Normal ou Magistério (2º Grau) 1 2 3

70b. Normal Superior 1 2 3

70c. Licenciatura em Pedagogia 1 2 3

70d. Bacharelado em Pedagogia 1 2 3

70e. Licenciatura em outras áreas 1 2 3

70f. Outro curso superior voltado à educação

70g. Pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado)

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57. Se fez ou está fazendo curso superior, foi em instituição:

1. pública.

2. privada.

58. Quais das tarefas abaixo você costuma ou costumava fazer no seu trabalho? (Pode

assinalar mais de uma)

1. Coordeno e supervisiono o trabalho de outras pessoas

2. Atendo o público

3. Participo em reuniões para planejar ou avaliar o trabalho

4. Participo em treinamentos e cursos

5. Participo em congressos ou feiras

6. Pesquiso, estudo e busco de informações

7. Dou palestras, cursos, oficinas ou aulas

8. Participo em eventos culturais

9. Faço reuniões com empresas, instituições, associações etc.

10. Outras. Quais? _____________________________________________________________

11. Não faço ou não fazia nenhuma dessas atividades

59. Na sua opinião, a forma como você lê e escreve ajuda ou atrapalha em suas atividades

profissionais?

1. Ajuda muito

2. Ajuda um pouco

3. Nem ajuda nem atrapalha

4. Atrapalha um pouco

5. Atrapalha muito

60. Você participa ou já participou de quais destas associações ou organizações? (Pode

assinalar mais de uma)

1. Não participo ou já participei (Pule para a pergunta 93)

2. Partido político

3. Clube ou grupo esportivo

4. Grupos de música, grafite, dança, teatro etc.

5. Sociedade de amigos de bairro

6. Cooperativa

7. Sindicato

8. Igreja ou grupo religioso

9. Grêmio estudantil

10. Outro tipo. Qual? ______________________________________________________________

61. Qual a sua religião?

1. Não pratico nenhuma religião (Entregue o questionário)

2. Sou católica

3. Sou protestante

4. Sou adepto de religiões afro-brasileiras (Candomblé, Umbanda etc.)

5. Sou espírita

6. Sou adepto de religiões pentecostais

7. Outra: ________________________

8. Não quero declarar

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62. Com que frequência você costuma ir a cultos, missas ou reuniões religiosas?

1. Duas vezes por semana

2. Uma vez por semana

3. Duas vezes por mês

4. Uma vez por mês

5. De vez em quando

6. Não freqüento cultas, missas ou reuniões religiosas

63. Nas atividades religiosas de que participa, o que você costuma fazer? (Pode assinalar mais

de uma)

1. Sigo folheto ou livro na missa ou culto

2. Leio folhetos ou textos em voz alta durante a missa ou culto

3. Leio a Bíblia, livros sagrados ou religiosos

4. Leio apostilas ou folhetos para estudo sobre religião

5. Escrevo algo para atividades da minha religião

6. Dou palestras ou dar testemunhos

7. Dou aulas ou cursos de religião

8. Participo de grupos de estudo, de leitura de textos religiosos ou de discussão de temas religiosos

9. Participo de jornadas religiosas

10. Participo de congressos, encontros, assembléias etc.

11. Canto no coro ou em grupos durante os cultos

12. Faço sermões

13. Toco instrumentos e participo de bandas

14. Organizo festas e eventos

15. Aconselho membros da comunidade religiosa

16. Faço outras atividades. Quais? ___________________________________________________

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Anexo 4 – Exemplos de textos utilizados em HTPC

4.1 Fábula “A Borboleta Azul”

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4.2 Canção “Tente Outra Vez” de Raul Seixas

Veja!

Não diga que a canção

Está perdida

Tenha fé em Deus

Tenha fé na vida

Tente outra vez!

Beba! (Beba!)

Pois a água viva

Ainda tá na fonte

(Tente outra vez!)

Você tem dois pés

Para cruzar a ponte

Nada acabou!

Não! Não! Não!

Oh! Oh! Oh! Oh!

Tente!

Levante sua mão sedenta

E recomece a andar

Não pense

Que a cabeça aguenta

Se você parar

Não! Não! Não!

Não! Não! Não!

Há uma voz que canta

Uma voz que dança

Uma voz que gira

(Gira!)

Bailando no ar

Uh! Uh! Uh!

Queira! (Queira!)

Basta ser sincero

E desejar profundo

Você será capaz

De sacudir o mundo

Vai!

Tente outra vez!

Humrum!

Tente! (Tente!)

E não diga

Que a vitória está perdida

Se é de batalhas

Que se vive a vida

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Han!

Tente outra vez!

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4.3 Escola dos bichos91

Era uma vez um grupo de animais que quis fazer alguma coisa para resolver os problemas do mundo.

Para isto, eles organizaram uma escola.

A escola dos bichos estabeleceu um currículo de matérias que incluía correr, subir em árvores, em

montanhas, nadar e voar.

Para facilitar as coisas, ficou decidido que todos os animais fariam todas as matérias.

O pato se deu muito bem em natação; até melhor que o professor !

Mas quase não passou de ano na aula de voo, e estava indo muito mal na corrida. Por causa de suas

deficiências, ele precisou deixar um pouco de lado a natação e ter aulas extras de corrida.

Isto fez com que seus pés de pato ficassem muito doloridos, e o pato já não era mais tão bom nadador como

antes.

Mas estava passando de ano, e este aspecto de sua formação não estava preocupando a ninguém

- exceto, claro, ao pato.O coelho era de longe o melhor corredor, no princípio, mas começou a ter tremores

nas pernas de tanto tentar aprender natação.

O esquilo era excelente em subida de árvore, mas enfrentava problemas constantes na aula de vôo, porque o

professor insistia que ele precisava decolar do solo, e não de cima de um galho alto.

Com tanto esforço, ele tinha câimbras constantes, e foi apenas "regular" em alpinismo, e fraco em corrida.

A águia insistia em causar problemas, por mais que a punissem por desrespeito à autoridade.

Nas provas de subida de árvore era invencível, mas insistia sempre em chegar lá da sua maneira...

Na natação deixou muito a desejar... Cada criatura tem capacidades e habilidades próprias, coisas que faz

naturalmente bem.

Mas quando alguém o força a ocupar uma posição que não lhe serve, o sentimento de frustração e até culpa,

provoca mediocridade e derrota total.

Um esquilo é um esquilo; nada mais do que um esquilo.

Se insistirmos em afastá-lo daquilo que ele faz bem, ou seja, subir em árvores, para que ele seja um bom

nadador ou um bom corredor, o esquilo vai se sentir um incapaz.

A águia faz uma bela figura no céu, mas é ridícula numa corrida a pé.

No chão, o coelho ganha sempre. A não ser, é claro, que a águia esteja com fome !

O que dizemos das criaturas da floresta vale para qualquer pessoa.

Deus não nos fez iguais. Ele nunca quis que fôssemos iguais.

Foi Ele quem planejou e projetou as nossas diferenças, nossas capacidades especiais !

Descubra seus dons naturais...

91 O autor é Rubem Alves. A informação foi omitida na cópia entregue em HTPC.

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4.4. Artigo de autoajuda

Vá além dos seus Limites

Você já parou para pensar quais são os seus limites? O que é que você pode ou não realizar

na sua vida, independentemente do setor, seja ele profissional, pessoal, financeiro, familiar?

Onde aprendemos o que é ou não possível fazer?

Normalmente aprendemos isso na nossa educação familiar, escolar e profissional. Além

disso, no decorrer da nossa vida isso também acontece em relação às pessoas com as quais

convivemos, respeitamos e admiramos. Isso com certeza ajuda a cada um de nós a melhorar

nossa capacidade de interação com as pessoas em geral, pois a grande maioria continua

definindo seus limites baseados nisso. Porém, você já parou para pensar que só existe uma

pessoa como você? Podem existir pessoas parecidas, talvez assustadoramente iguais, mas

não são iguais. A sua existência é única. Você é único. A estrada da sua vida é sua e de mais

ninguém. É resultado de suas escolhas, experiências e aprendizagem e daquilo em que você

acredita ou não.

Acontece exatamente dessa forma, como você percebe e se relaciona com mundo em que

vive é fruto de como você vê o mundo e você vê o mundo baseado naquilo que acredita sobre

ele. Imagine a seguinte situação: Você foi apresentado a um problema no seu trabalho. Se

você pensar que não é capaz de resolvê-lo, não será capaz de resolvê-lo realmente. Vou

explicar: quando você determina para a sua mente um comando, ela naturalmente busca

como realizar a tarefa. Se a primeira informação que ela recebe é de que você não é capaz de

fazer isso, sua criatividade se fecha, pois, afinal, não vai adiantar nada, não dá pra fazer

mesmo e suas sensações físicas tendem a ser de desconforto, irritação e até de mau humor.

Emoções limitadoras são ativadas reforçando sua incapacidade realizar aquela atividade,

projeto ou mesmo uma meta de produção. E com todo o seu corpo e mente jogando contra,

vai ser muito difícil ganhar esse jogo. Dessa forma, utilizamos todo o grande potencial

humano para não realizar as tarefas, ou resolver problemas e, assim, passamos a ter mais um

problema, pois começamos a acreditar que não somos bons o suficiente. A sua auto-estima

começa a ser comprometida, seu grau de certeza em relação à vida fica abalado. Você pode

se perguntar se acontece tudo isso apenas por causa de um problema que pensou não ser

capaz de realizar. Sim, em segundos isso ocorre, e cada vez mais você vai ter menor

capacidade de resolver problemas, atingir objetivos e realizar metas.

Olhe ao seu lado, entre as pessoas com quem você convive. Quanto mais problemas essa

pessoa é capaz de resolver, normalmente ela é mais bem remunerada, seu trabalho é

necessário, seu poder de decisão tende a crescer. Isso ocorre porque essa pessoa acredita que

é capaz de fazer aquilo a que se propõe. Cada vez mais coisas que antes pareciam ser

improváveis, de serem realizadas, serão realizadas. Situações adversas serão resolvidas por

quem acredita ser capaz de realizar e busca os recursos necessários para isso. Talvez você

seja assim, talvez não, mas o fantástico é que você pode mudar isso se quiser. Sim, se você

acreditar que pode, da mesma forma sua mente começará a trabalhar para viabilizar aquilo

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que você deseja. Opções começarão a aparecer, você perceberá mais claramente o que tem de

aprender para realizar aquilo que deseja, pois o alicerce já foi formado. Você acreditou no

seu poder de superação e realização.

Henry Ford, o criador da Ford e das linhas de produção, no início do século passado já nos

dizia: “se você pensa que pode, ou se você pensa que não pode, não importa. De qualquer

forma você está certo”.

Agora, nesse exato momento que você está lendo este artigo, você pode ir além dos seus

limites. Convido você a tomar uma decisão: Vou fazer desse dia um grande dia! Vou

escolher emoções positivas que me permitam aprimorar as minhas habilidades empresariais,

comerciais, de relacionamento com clientes e colegas de trabalho para que eu seja capaz de

realizar mais do que estou normalmente acostumado a realizar. Dessa forma, você começa a

expandir o seu padrão de comportamento. Que emoções são essas? Alegria, entusiasmo, bom

humor, positividade (otimismo) são alguns exemplos. Associe a isso determinação,

coragem, comprometimento, amor e a disposição de continuar crescendo e se superando

e descobrirá como você é capaz de ir além dos seus limites.

Dr. Joseraldo Furlan - 16/06/04

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4.5 Trecho de texto acadêmico

“...o desafio é criar na escola um ambiente em que as crianças precisem aprender para resolver

problemas que lhes são colocados, para que possam produzir conhecimento em lugar de consumi-

lo. Assim, a autoridade intelectual do professor não pode ser usada para impor suas ideias, mas

para gerar boas questões, para criar pontes entre os conhecimentos elaborados pelas crianças e

os saberes socialmente válidos..”.

Délia Lerner92

92 O trecho lido não consta informações da publicação.

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4.6 Anedota

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4.7 Conto de fadas

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4.8 Fábula

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4.9 Trecho de livro de autoajuda

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4.10 Trecho das Matrizes de referência, temas, tópicos e descritores. 2009. Páginas 19

a 23.

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