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i
PAULA BARACAT DE GRANDE
Formação continuada no local de trabalho do professor: possibilidades de
agência e construção de sentidos para a docência
CAMPINAS
2015
ii
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM
Paula Baracat De Grande
Formação continuada no local de trabalho do professor: possibilidades de
agência e construção de sentidos para a docência
Tese de doutorado apresentada ao Instituto
de Estudos da Linguagem da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do
título Doutora em Linguística Aplicada na
área de Língua Materna.
Orientadora: Profa. Dra. Angela Del Carmen Bustos Romero de
Kleiman
CAMPINAS,
2015
iv
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vii
Resumo
A pesquisa tem como objetivo geral conhecer e compreender práticas de letramento
formativas do professor em seu local de trabalho. Mais especificamente, a investigação
busca identificar e analisar eventos de letramento de formação em reuniões de corpo
docente dos anos iniciais do Ensino Fundamental que, no Estado de São Paulo, eram
chamadas de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). A perspectiva teórica
adotada é baseada na abordagem sociocultural dos Estudos de Letramento e na concepção
dialógica de linguagem do Círculo de Bakhtin. De caráter qualitativo-interpretativista e de
cunho etnográfico, a pesquisa tem como corpus dados gerados em observação participante
realizada durante um ano com um grupo de professoras em uma escola pública do interior
paulista. Os resultados da pesquisa mostram que as professoras construíram dois tipos de
eventos bastante distintos no tempo oficialmente dedicado à sua formação no local de
trabalho: um deles, aqui chamado de HTPC-aula, ocorria entre professoras de uma mesma
unidade escolar e a coordenadora pedagógica e se aproximava de características
interacionais da aula expositiva, seguindo o padrão IRA de interação; o outro tipo de
evento, chamado HTPC-oficina, era realizado entre professoras de toda a rede de ensino
atuantes em um mesmo ano tendo em vista conteúdos cobrados em avaliações externas dos
governos estadual e federal e se assemelhava, em termos interacionais, a uma oficina, em
que as professoras encenavam situações e estratégias de ensino de sala de aula. Ao serem
colocadas no lugar e na função de formadoras de suas colegas, as professoras adotam a
brincadeira, o jogo simbólico, que atualiza os papéis de alunos e professores e dissolve
relações de poder que as colocam em papéis assimétricos. As diferenças interacionais nas
estruturas de participação de cada tipo de evento, nas relações entre as participantes e em
suas identidades construídas na interação têm reflexos nos gêneros mobilizados e nos temas
desenvolvidos, no sentido bakhtiniano. Outra prática de formação do professor bastante
presente nas HTPCs, principalmente nas reuniões que adotam como modelo de interação a
aula, era a leitura de textos dos gêneros de autoajuda e religiosos. Em um contexto cada vez
mais complexo para atuação docente, a função da autoajuda e da religião na formação do
professor é a de dar sentido à docência, de construir alternativas possíveis nos limites
postos pela realidade onde realizam suas funções. Os resultados obtidos na pesquisa podem
contribuir para que formadores de professores (re)pensem sua atuação na formação docente
inicial e continuada e para o (re)planejamento de políticas públicas que têm em vista o
professor.
Palavras-chaves: formação do professor, local de trabalho, evento de letramento.
viii
ix
Abstract
The present research aims to know and understand teachers´ formative literacy
practices at their workplace. More specifically, the investigation identifies and analyzes
literacy events in meetings designed for elementary school teacher’s continuing education
at the workplace. The theoretical perspective adopted is based on the New Literacy Studies
sociocultural approach and on the dialogical conception of language of Bakhtin´s Circle.
From a methodological perspective, the research is qualitative-interpretative and
ethnographic, with a corpus generated through participant observation carried out for over a
year with a group of teachers in a public school in the state of São Paulo. The results show
that the teachers developed two different types of events in the time officially dedicated to
their workplace continuing education: one of them, a classroom lesson event type (HTPC-
aula), occurred when the teachers belonged to the same schools, and followed the
interactional patterns of a school lesson IRA; in the second type of event, that functioned
interactionally like a workshop, teachers simulated classroom situations and teaching
strategies and occurred when the teachers of more than one school, teaching the same grade
level, were involved, with the objective of preparing their students for national and state
achievement. When trey are put in the place of instructors of their colleagues, the teachers
adopt the symbolic play, which updates the roles of students and teachers and dissolve
power relations that put them in asymmetric roles. Interactional differences in participation
structures of each type of event, in the relation among the participants and their identities
constructed in the interaction had effects on the genres mobilized and the themes, in
Bakhtin's sense, that were developed. Another practice observed, mainly in the meetings
that follow the class interaction model, was the reading of texts of the self-help genre and
religious genre. In an increasingly complex context for teaching practice, the role of self-
help and religion genres in teacher formative practices is to give meaning to teaching, to
build alternatives within the limits posed by the reality where they perform their work. The
results of the research may contribute to teachers’ conitinuing education programs and to
(re)design public policies aimed at teachers’ development and continuing education.
Key-words: teacher´s education, workplace, literacy event.
x
xi
Sumário 1. Introdução ................................................................................................................................... 1
1.1 Objetivos e perguntas de pesquisa ........................................................................................... 6
1.2 Os percursos que levaram à construção desta investigação .................................................... 7
1.3 Apresentação dos capítulos .................................................................................................... 10
2 . Formação continuada do professor: breve histórico e conjuntura atual.................................... 11
2.1 Políticas públicas e concepções de formação continuada no Brasil atual .............................. 12
2.1.1 Tipos de iniciativas de formação continuada .................................................................. 22
2.1.2 A HTPC: surgimento, regulamentação e transformações em seu caráter formativo ...... 33
3. Lugares que levam a outros lugares: perspectiva teórica adotada e conceitos para análise ....... 43
3.1 Estudos de Letramento em diálogo com o Círculo de Bakhtin: perspectiva teórico-
metodológica e alguns conceitos analíticos .................................................................................. 45
3.1.2 Construção de identidades e eventos de letramento ..................................................... 56
3.3 Concepção dialógica de linguagem e método sociológico para análise discursiva-enunciativa
....................................................................................................................................................... 63
3.4 A Esfera social investigada: esfera escolar ou esfera do trabalho do professor? ................... 70
4. Perspectiva metodológica e o campo de pesquisa ....................................................................... 81
4.1 A cidade, a escola, a reunião, as professoras ......................................................................... 85
4.2 Os eventos de formação ......................................................................................................... 98
4.2.1 A HTPC na escola ............................................................................................................. 98
4.2.2 Demanda gerada por avaliação externa ......................................................................... 99
4.2.3 Consultoria pedagógica de editora de sistema apostilado ........................................... 100
5. Eventos de letramento formativos em HTPC: o que acontece na formação no local de trabalho
do professor .................................................................................................................................... 103
5.1 Caracterização geral dos eventos: determinações institucionais e subversões ................... 103
xii
5.2 Etapas e gêneros do discurso em HTPC: aula e oficina ..................................................... 106
5.2.1 Na HTPC-aula ................................................................................................................. 106
5.2.2 Na HTPC-oficina ............................................................................................................. 122
5.3: Posicionamentos e (as)simetrias na formação no local de trabalho: análise da interação na
HTPC ............................................................................................................................................ 130
5.3.1Conflitos e assimetrias em HTPC: estrutura de interação na HTPC-aula, as relações
interpessoais e conhecimentos construídos ...................................................................... 131
5.3.2 Simetria e agência na oficina de formação ................................................................... 144
6. Vozes sociais e discursos na HTPC: apropriações e conflitos ...................................................... 161
6.1 Religião e autoajuda na formação do professor ................................................................... 161
6.2 Vozes da esfera administrativa, oficial e acadêmica ............................................................. 183
6.2.1 Esfera público-administrativa: conflito com a instância empregadora ......................... 184
6.2.2 Esfera político-educacional: tentativas de apropriação de textos oficiais .................... 189
6.2.3 Esfera acadêmica: mobilização de vozes acadêmicas para legitimação da voz docente197
Considerações Finais ....................................................................................................................... 203
Referências Bibliográficas ............................................................................................................... 211
Anexos ............................................................................................................................................. 227
xiii
Dedico este trabalho à minha família: minha mãe, Maria Sílvia, meu
pai, Archimedes, e minha irmã, Roberta, pelo apoio durante toda
minha formação; e ao meu amor, Tiago, pela compreensão durante
esta caminhada.
Dedico também aos professores da minha família e da minha vida,
meus avós, Joseph Ersen e Maria da Glória, e meus tios, Marcela e
Etti, por me mostrarem a beleza e a força dessa profissão.
xiv
xv
Agradecimentos
À Professora Dra. Angela Kleiman, por tudo que me ensinou de maneira tão
generosa durante mais de dez anos de convivência, ensinamentos estes que vão muito além
das discussões sobre as pesquisas e estudos acadêmicos. Obrigada pela leitura atenta de
meus textos e pela orientação incansável desde meu primeiro ano de graduação. Obrigada
por me ensinar que, mesmo recém ingressante no curso de Letras, eu poderia falar e ser
ouvida em um grupo de pesquisa que me acolheu, o que me ensinou também a sempre me
esforçar para ouvir o outro e me repensar.
Aos professores e funcionários do Instituto de Estudos da Linguagem, pela
dedicação, pelo trabalho sério e ético desenvolvido, por todo o suporte durante os anos de
estudo e pesquisa.
Às professoras Claudia Vóvio e Roxane Rojo, pelas contribuições dadas desde a
qualificação do projeto desta pesquisa. Aos professores Ana Lúcia Guedes Pinto, Cláudia
Vóvio, Roxane Rojo e Simone Borges da Silva, por participarem da defesa desta tese.
Ao Conselho Nacional de Pesquisa, pelo apoio ao desenvolvimento desta pesquisa.
Às minhas amigas e companheiras de pesquisa, Carol, Luanda, Marília e Sílvia, pela
parceria em estudos, publicações, eventos, discussões. E pelas risadas, que sempre me
deram mais energia para prosseguir em nossa caminhada!
Aos amigos e colegas da Pós-graduação em Linguística Aplicada do Instituto de
Estudos da Linguagem, pelas parcerias nas disciplinas que cursamos juntos, por terem
enriquecido minha formação.
Aos colegas do grupo Letramento do Professor, por terem me recebido tão bem no
grupo, por terem compartilhado suas trajetórias e me ensinado a trilhar a minha.
Às professoras participantes desta pesquisa, por não só terem permitido a realização
do campo, mas também por terem me integrado ao seu grupo, por terem apoiado meu
trabalho e confiado nele como uma possibilidade de trazer contribuições para sua formação
e atuação profissionais.
xvi
xvii
Lista de Abreviações e Siglas
ANFOPE: Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
ANPAE: Associação Nacional de Política e Administração da Educação
ANPEd: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
ATPC: Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo
CENP: Coordenadoria de Gestão da Educação Básica
ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio
FORUMDIR: Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou
Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras.
HTPC: Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo
IES: Instituição de Ensino Superior
LDB: Lei de Diretrizes e Bases
MEC: Ministério da Educação e Cultura
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais
SAEB: Sistema de Avaliação da Educação Básica
SARESP: Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
SEE: Secretaria de Educação Estadual
SME: Secretaria Municipal de Educação
xviii
xix
Convenções de Transcrição:
As convenções de transcrição são, em sua maioria, as mesmas da escrita convencional, acrescidas
das seguintes convenções1:
/ - truncamento ou interrupção abrupta da fala
... - pausa de pequena extensão
(+) – pausa breve
(+++) - pausa longa
(...) - suspensão de trecho da transcrição original ou trecho incompreensível
::: - alongamento da vogal
“aaa ” - discurso reportado
‘aspas ’ - leitura de texto
MAIÚSCULA - alterações de voz com efeito de ênfase
[ ] interrupção de um interlocutor ou falas simultâneas
((xxx)) comentário do analista
(xxx) suposição de fala sem nitidez
Para marcar a entoação, são utilizados sinais de convenção ortográfica:
vírgula (,) - pequena pausa
ponto final (.) - entoação descendente
ponto de interrogação (?) - entoação ascende, como uma pergunta.
Observação: Os nomes utilizados nas transcrições são todos fictícios, exceto o da pesquisadora.
1 As transcrições foram feitas a partir de Garcez (2002) e Marcuschi (2003).
xx
1
1. Introdução
As pesquisas sobre formação do professor e os calorosos debates sobre a prática
docente costumam voltar-se para os cursos acadêmicos de formação inicial e continuada,
em instituições públicas e particulares, ou para a sala de aula da escola básica. Em minha
atuação como professora da escola básica, pesquisadora em cursos de formação inicial e
continuada de professores na Iniciação Científica (DE GRANDE, 2007, 2009) e no
mestrado (DE GRANDE, 2010), e como formadora de professores em cursos de diversas
naturezas2, outro caminho me pareceu interessante para entender processos de formação do
professor, mostrar as demandas docentes sobre sua própria formação e contribuir para a
atuação de formadores de professores: a formação que ocorre no local de trabalho do
professor. Esta pesquisa, então, busca identificar, compreender e analisar práticas de
letramento de formação docente no local de trabalho do professor, mais especificamente,
em reuniões do corpo docente que, no Estado de São Paulo, eram chamadas, de acordo com
a Portaria da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (doravante CENP) n. 1/96,
de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo3 (doravante HTPC).
Contrariamente à ideia de que, quando se fala em aprendizagem na escola,
estamos tratando somente da relação professor-aluno, o caminho de investigação escolhido
levou-me às relações que se estabelecem entre professor-professor, professor-coordenador e
outros agentes atuantes numa formação continuada que se dá no local de trabalho do
professor. Acompanhei reuniões coletivas semanais de um grupo de professoras de uma
2 Desde 2007, tenho participado, como monitora e formadora, de cursos diversos de formação continuada ou
de especializações de professores, presenciais ou a distância, promovidos por Instituições de Ensino Superior
e por órgãos públicos, entre eles: CEFIEL (Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de
Estudos da Linguagem) da Unicamp; REDEFOR, uma parceria entre o Estado de São Paulo e a Unicamp;
CEFORTEPE, da Prefeitura de Campinas; Pós-graduação em Alfabetização e Letramento da Universidade
Padre Anchieta de Jundiaí; Especialização das Faculdades Network na cidade de Sumaré. 3 A partir de 2012, modificou-se o nome para Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC) devido a
alteração de duração: de 60 para 50 minutos, igualando ao tempo de hora-aula sobre o qual o professor recebe
seu salário. Opto por manter a nomenclatura anterior, pois nos dados gerados para esta pesquisa, tanto nos
documentos quanto nas falas das participantes, o nome utilizado era HTPC. A nomenclatura para reuniões de
corpo docente variam de local para local.
2
escola de Ensino Fundamental I – de 1º a 5º ano – de uma pequena cidade do interior de
São Paulo. Um horário remunerado para o trabalho coletivo, com seus pares e coordenação
pedagógica, não é garantido a todos os professores das redes públicas brasileiras em sua
jornada de trabalho. No caso do Estado de São Paulo, a categoria conquistou horas
remuneradas para planejamento e formação no local de trabalho entre final da década de
1980 e a primeira metade da década de 1990 (ver detalhes no capítulo 2).
Ao adentrar a escola para investigar a formação do professor em serviço, com o
intuito de conhecer e entender as práticas de letramento formativas do professor em seu
local de trabalho, escolhi como foco as reuniões semanais de HTPC, pois, além do fato de
as reuniões de HTPC serem definidas como um espaço de formação pela CENP, em minha
trajetória identifiquei neste espaço pouco investigado a possibilidade de organização de
uma autoformação do professor na relação com seus pares.
O caminho escolhido também foi traçado tendo em vista a ótica das
participantes, perspectiva adotada pelo Grupo Letramento do Professor4, que entende que a
formação do professor é um processo identitário construído em práticas de letramento
variadas e que, portanto, o letramento do professor não é um “mero instrumento para
realização do trabalho”, e sim um aspecto que constitui “sua função como formador de
novos leitores e usuários da língua escrita, ou seja, intrinsecamente ligado a sua atuação
profissional” (KLEIMAN, 2009, s/p). Pesquisas nesta perspectiva objetivam compreender
os professores em sua agentividade e heterogeneidade, enfocando o que dizem sobre si
mesmos, sobre as práticas sociais das quais participam, (re)construindo sua identidade,
mesmo que de modo circunstancial em uma situação comunicativa (VÓVIO, 2007;
VÓVIO, DE GRANDE, 2010).
O que é considerado como formação depende da situação comunicativa, o que
envolve levar em conta, em primeiro lugar, as vozes das participantes e como estas
constroem os eventos observados. Trazer a voz do outro para a pesquisa está em
consonância com a perspectiva metodológica qualitativa e etnográfica aqui adotada. Mais
4 O Núcleo de Pesquisa Letramento do Professor foi criado em 1991 e é formado por grupos de pesquisadores
que estudam as práticas de letramento de professores e outros agentes de letramento com a finalidade de
subsidiar programas de formação de professores e contribuir para a compreensão da identidade profissional
dos que ensinam a ler e escrever. <http://www.letramento.iel.unicamp.br/portal/>.
3
do que isso, essa é também uma postura ética na relação com as participantes: professoras
alfabetizadoras, que frequentemente têm suas vozes sobre seu próprio fazer silenciadas e
suas visões invisibilizadas nas discussões sobre educação.
A postura ética em relação ao outro e o próprio desenho da pesquisa, que busca
a formação realizada e organizada pelas próprias professoras, tem a ver com a abordagem
crítica, interventiva e engajada da Linguística Aplicada (doravante LA) e com a forma que
consideramos o que é fazer pesquisa em LA dentro do Grupo Letramento do Professor. Ao
discutir os rumos da pesquisa na LA do Brasil, Kleiman (2013) destaca as contribuições de
uma reflexão sobre a descolonialidade epistemológica5 na formulação de problemas de
pesquisa e participação social do linguista aplicado, o que envolve uma postura ética com
os grupos periféricos nas relações de poder e saber. Considerar a interação entre professoras
em seu local de trabalho como uma prática formativa que pode contribuir para a
universidade e para formadores acadêmicos (re)pensarem a formação que oferecem é uma
postura descolonizadora, principalmente em sua relação com os saberes valorizados pela
universidade, que geralmente considera como legítimo para a formação do professor apenas
o que ocorre no espaço acadêmico ou sob sua supervisão (como no caso dos estágios).
Em geral, saberes disciplinares (relacionados aos saberes científicos) e
curriculares (baseados nos programas escolares ou de Estado) (TARDIF, 2003) são a base
da formação profissional do professor, aos quais se tem acesso nas disciplinas teóricas em
cursos de formação inicial e continuada ou em disciplinas de estágios nas universidades e
faculdades. Em outros espaços, como as reuniões de HTPC, a discussão entre pares sobre o
fazer em sala de aula no dia a dia da escola, o compartilhamento de experiências
pedagógicas, de atividades didáticas e exemplificações de possíveis trabalhos pedagógicos
configuram-se como momentos formativos para os participantes, em que esses e outros
saberes, como os experienciais (TARDIF, 2000, 2003) são mobilizados. Tardif (2003, p.
40) afirma que, de modo geral, apesar de sua posição estratégica na sociedade, os
professores são socialmente desvalorizados entre os diferentes grupos que atuam de alguma
maneira no campo dos saberes – pesquisadores, acadêmicos, editores etc. Nas relações
5 A autora se baseia em autores como Escobar (2000, 2003), Quijano (2004, 2007) e Mignolo (2000, 2007) e
nas pesquisas do Programa Modernidade / Decolonialidade.
4
entre saberes legitimados e professores, há uma distância – social, institucional,
epistemológica – que os separa e os desapropria desses saberes, produzidos e controlados
por outros.
Os professores, principalmente as professoras alfabetizadoras, constituem um
grupo periférico em relação aos grupos que atuam na esfera da educação (acadêmicos,
editores, burocratas, “especialistas” com espaço na mídia, como alguns economistas e
jornalistas) na medida em que, primeiro, têm sua função desvalorizada pelos baixíssimos
salários em comparação com outros grupos profissionais com formação superior; segundo,
têm suas capacidades de leitura e escrita questionadas na mídia e na academia; terceiro, são
posicionados como técnicos que apenas seguem materiais didáticos cada vez mais
reguladores de sua prática (como os apostilados, que pretendem ditar aula a aula o
currículo) ou como aqueles que devem seguir, sem questionamento, resultados de pesquisas
acadêmicas ou de documentos oficiais relacionados à educação; e quarto, são representados
como as responsáveis pelo fracasso de alunos em avaliações externas, entre outros. Essa
imagem negativa do professor divulgada pela imprensa em geral e por grupos da própria
academia é questionada por pesquisas do Grupo Letramento do Professor6, que mostram a
necessidade de se considerar o letramento situado para analisar qualquer prática
profissional do professor.
Com base nessas discussões, defendo a postura ética em relação ao grupo de
professoras tomando emprestadas as palavras de Kleiman (2013, p.41), que argumenta a
favor de:
uma Linguística Aplicada crítica com uma agenda que, em consonância
com sua vocação metodológica interventiva, rompe o monopólio do saber
das universidades e outras instituições que reúnem grupos de
pesquisadores e intelectuais e toma como um de seus objetivos a
elaboração de currículos que favoreçam, por um lado, a apropriação
desses saberes por grupos na periferia dos centros hegemônicos e, por
outro, a legitimação dos saberes produzidos por esses grupos.
Para contribuir para a construção dessa agenda e subsidiar possíveis mudanças
em currículos que favoreçam saberes construídos por grupos não hegemônicos, esta
6 Para ver análises críticas que rebatem avaliações negativas em relação às professoras, ver Kleiman (2001),
Guedes-Pinto (2002), Silva (2003), Vóvio (2007), Bunzen (2009), entre outros.
5
pesquisa busca trazer e compreender essas vozes, geralmente subalternas, pois
desvalorizadas e silenciadas, na relação com outros grupos que se cruzam nas discussões
sobre educação, como acadêmicos, políticos, economistas e jornalistas, geralmente as
únicas vozes levadas em consideração nas discussões nas esferas acadêmica,
governamental e na grande imprensa. Subalterno, ou periférico, é aqui entendido como
posicionado inferiormente em relação a quem detém o monopólio do saber, a centros
hegemônicos que ditam o que conta como conhecimento (SOUSA SANTOS, 2004) ou o
que conta como letramento (STREET, 2003). Kleiman (2013) defende a proposta do grupo
de pesquisadores do Programa Modernidade/Descolonialidade, que argumentam por um
giro epistemológico para a periferia e a partir da periferia do mundo, para alterar essa lógica
e visibilizar participantes de movimentos sociais feministas, étnico/raciais, gays, dos sem-
terra, sem-teto, sem-escrita, “ou ainda, no caso dos alfabetizadores e professores, daqueles
sem movimentos sociais que os acolham e os fortaleçam” (KLEIMAN, 2013, p. 43). Esse
giro implica trazer para a pesquisa os sujeitos socio-históricos de nossa realidade social
como, nesta pesquisa, as professoras alfabetizadoras e suas epistemes em relação à sua
própria formação em serviço, legitimando os saberes por elas produzidos no cotidiano de
seu trabalho.
Assim, busco investigar práticas de letramento do professor para alcançar
compreensões sobre estas e sobre demandas profissionais docentes que possam (re)orientar
cursos de formação, principalmente na modalidade continuada, como também para discutir
a necessidade e a função dos momentos de trabalho coletivo por grupos de professores. Ao
investigar a formação do professor pela perspectiva dos Estudos de Letramento, pretendo
compreender quais eventos de letramento se configuram como formativos pelo ponto de
vista das próprias professoras, em seu local de trabalho, de maneira situada, e repensar
práticas de letramento acadêmico, que buscam ou deveriam buscar formar o professor para
seu local de trabalho conforme os objetivos e pressupostos do grupo Letramento do
Professor. Aliada à esse perspectiva, trago a concepção dialógica de linguagem do Círculo
de Bakhtin para realizar uma análise discursiva, que amplia e aprofunda a abordagem
etnográfica dos Estudos de Letramento.
6
1.1 Objetivos e perguntas de pesquisa
A pesquisa tem como objetivo geral conhecer, compreender e analisar práticas
de letramento formativas da professora alfabetizadora em seu local de trabalho. Para
alcançar o objetivo geral, proponho os seguintes objetivos específicos:
Descrever quais são os eventos de letramento formativos que ocorrem em
HTPC e como eles se estruturam.
Identificar os significados atribuídos a práticas formativas no local de trabalho
pelas professoras participantes.
Identificar os gêneros do discurso mobilizados pelas participantes nas práticas
de letramento formativas na escola.
Identificar as vozes sociais nos discursos sobre formação e atuação docentes
que constituem os diálogos entre os agentes nos eventos de letramento formativos
observados.
A partir disso, delineiam-se as seguintes perguntas de pesquisa:
1. Quais práticas de letramento relacionadas à formação docente ocorrem no
local de trabalho do professor?
1.1. Que eventos de letramento relacionados à formação em HTPC ocorrem?
Como eles se organizam?
1.2. Como os eventos são construídos e (re)significados como formativos na
interação pelas professoras participantes?
1.3. Que fatores ou demandas impulsionam ou geram esses eventos? Que
agentes estão envolvidos?
1.4. Que significados são atribuídos pelas professoras aos eventos?
2. Como a HTPC é organizada em relação à sua dinâmica, suas funções e temas
abordados?
2.1. Que gêneros do discurso são mobilizados pelos participantes desses
eventos?
2.2. Como a apropriação e a ressignificação dos gêneros são realizadas nos
eventos de letramento formativos em HTPC pelas professoras?
7
3. Que vozes sociais sobre a formação e atuação docentes emergem nesses
eventos e como elas os constituem? Que temas são construídos nas interações?
Com base nessas perguntas, a pesquisa tem como foco a descrição dos eventos
de formação em reuniões de HTPC e os significados atribuídos a tais eventos pelas
professoras, como elas os percebem e como atuam nesses eventos.
Esta pesquisa tem como corpus dados gerados em reuniões de HTPC semanal
em uma escola de EFI durante o ano de 2011, relacionadas ao cotidiano da unidade escolar
investigada, planejadas pela coordenadora da escola; e em reuniões de formação geradas
por pressões sociais externas à escola, a que tive acesso devido à minha participação na
HTPC semanal: formação organizada pela Secretaria Municipal de Ensino com foco nas
grandes avaliações externas. Nesse caso, professoras de 5º ano e as coordenadoras de toda a
rede participaram de reuniões quinzenais que tinham como intuito uma formação
direcionada às grandes avaliações externas – SARESP e Prova Brasil7.
1.2 Os percursos que levaram à construção desta investigação
Voltar à escola para investigá-la como espaço de formação não só de alunos,
mas também de professores mostrou-se um caminho pertinente para alcançar compreensões
sobre o profissional docente, sua formação e suas demandas profissionais e sobre a própria
escola como esfera social de atividade humana (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985).
Meu percurso no campo da pesquisa sobre formação do professor dentro do
escopo da LA tem início nos anos de graduação, quando passei a acompanhar
pesquisadores do grupo Letramento do Professor a partir de 2004, em cursos de formação
continuada e em parcerias entre pesquisadores e professores dentro das escolas, o que
resultou em duas pesquisas de Iniciação Científica. Nessas ocasiões, percebi que os saberes
7 Também participei de uma assessoria pedagógica oferecida por editora de material didático apostilado, a
qual não será foco de análise desta tese.
8
experienciais8 (TARDIF, 2000) - aqueles construídos na atuação profissional no cotidiano
escolar, na interação com alunos e outros profissionais da escola - eram constantemente
mobilizados no discurso docente. Assim, nos cursos de formação continuada e
especialização de professores, como pesquisadora, monitora e formadora, questões sobre
essa formação, destinada a professores em serviço, com histórias de formação e percursos
escolares longos e diferenciados (da vida escolar como alunos até sua atuação profissional)
foram surgindo, principalmente no que se refere à construção de identidades profissionais.
No mestrado (DE GRANDE, 2010), investiguei a construção de identidades
profissionais de professores em um curso de formação continuada9. Nesse contexto,
observei que diferentes vozes relacionadas a discursos teóricos concernentes à profissão
docente emergem no discurso de professores e formadores engajados no processo de
ensino/aprendizagem. A análise das interações do curso e de entrevistas realizadas com
alguns professores participantes mostrou que as identidades profissionais de professores são
(re)construídas na interação – harmoniosa ou conflituosa – entre os co-enunciadores.
As análises da pesquisa de mestrado possibilitaram perceber quais vozes eram
relevantes nesse processo de formação. Nesse trabalho de pesquisa, verifiquei que as
identidades eram construídas a partir das respostas ativas às vozes do outro no diálogo, e
que tais identidades também atualizavam vozes internamente persuasivas – as que
conformam e constituem os sujeitos (BAKHTIN, [1979]2003). Além do embate com vozes
que desvalorizavam o profissional docente, as vozes internamente persuasivas apontavam
para uma identificação de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental
participantes do curso com sistemas classificatórios dos aprendizes, baseados nas hipóteses
elaboradas pelas crianças no processo de aprendizagem da escrita propostas por Ferreiro e
Teberosky (1984), e com discursos de autoajuda.
Durante minha atuação como professora de Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental II, percebi, na aproximação com as coordenações das escolas, um predomínio
8 Definidos como o “conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da
profissão docente e que não provém das instituições de formação nem dos currículos” (TARDIF, 2002, p.48-
49). 9 Curso oferecido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em parceria com o Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL/UNICAMP), no âmbito do Programa “Teia do Saber”.
9
semelhante do discurso de autoajuda e de classificação dos aprendizes. Diante dessas
observações, passei a me questionar sobre a relevância desses discursos em outra esfera de
formação: o local de trabalho do professor.
As reuniões de corpo docente se constituem como outro espaço de formação do
professor em que esses discursos emergem. Santos e Orge (2010) mostram que, além das
iniciativas de formação continuada desenvolvidas em cursos oportunizados por gestores
públicos em parcerias com as universidades, há uma formação que se dá no cotidiano
escolar, a qual fica, muitas vezes, fora dos interesses das agências de pesquisa ou de
formação em serviço. Nela ocorrem diversos eventos de letramento que interferem na
formação profissional do professor e também podem proporcionar importantes adaptações
de experiências no sentido de melhorar a qualidade da educação básica nas escolas10.
Entender e conhecer como se dá a formação que ocorre na escola e em outras
instâncias a ela relacionadas, como, por exemplo, a secretaria municipal de ensino, e
investigar por que algumas perspectivas, valores e crenças têm eco na formação do
professor, assim como verificar como tais vozes sociais são mobilizadas pelos professores
para agir nesses contextos da profissão possibilita repensar cursos de formação. Conforme
Silva et al. (2010), os cursos de formação têm como desafio reconhecer que uma de suas
atribuições consiste na construção de identidades profissionais. As autoras defendem a
necessidade de (re)discutir tal função com base nas vozes dos profissionais docentes.
Contudo, para repensar essa formação do professor é preciso antes conhecer os discursos
que circulam em sua esfera de atuação. Kleiman (2006), ao discutir a formação de
professores para o trabalho docente, ressalta a importância de as interações acadêmicas
levarem em consideração quem é o público alvo com o qual os formadores estão lidando
nos contextos formativos. Para isso, a academia precisaria fazer o mesmo movimento que
sugere que as escolas façam com seus alunos: considerar quem é esse professor em
formação com quem ela dialoga, de quais práticas de letramento ele já participa, quais são
suas crenças e valorações da escrita (KLEIMAN, 2001; VIANNA et al., mimeo).
10 Santos e Orge (2010) relatam uma experiência de formação continuada no local de trabalho em que o grupo
de docentes lia e discutia matérias da revista Nova Escola em uma escola da rede pública de ensino do
município de Juazeiro no sertão baiano.
10
1.3 Apresentação dos capítulos
Esta tese está dividida em cinco capítulos, além desta introdução. O capítulo 2
traz discussões sobre a história do surgimento da demanda por formação específica para o
professor, inclusive por formação continuada, em serviço. Para compreender a escola na
contemporaneidade como instituição que também se encarrega da formação de professores
e as iniciativas de formação continuada atuais, vale contextualizar historicamente essa
profissão, as diferentes exigências a ela relacionadas e a identidades profissionais docentes.
No capítulo 3, apresento os principais referenciais teóricos que embasam as
reflexões desta pesquisa. São eles os Estudos de Letramento e a concepção dialógica de
linguagem do Círculo de Bakhtin. Também discuto as relações entre os conceitos de
letramento do professor, letramento escolar e letramento acadêmico e discuto conceitos e
metodologias de análise do corpus desta pesquisa.
O quarto capítulo destina-se à perspectiva metodológica desta pesquisa, de
caráter qualitativo-interpretativista e cunho etnográfico. Descrevo o campo da pesquisa, os
participantes e as reuniões dedicadas à HTPC, como também trago dados gerados por meio
de um questionário respondido pelas professoras participantes.
O capítulo 5 traz a análise de eventos de letramento formativos na HTPC, tanto
em relação à sua organização geral quanto à estrutura das interações entre as participantes
com o intuito de conhecer as práticas de letramento e as implicações de diferentes tipos de
organização dos eventos para a formação docente no local de trabalho.
O capítulo 6 traz uma análise discursiva dos eventos observados. Enfoco os
gêneros do discurso mais comumente mobilizados nos momentos formativos em HTPC e as
vozes sociais que constituem as interações no grupo docente. O capítulo enfoca os diálogos
entre diferentes esferas que incidem sobre a formação do professor em seu local de
trabalho.
Por fim, trago a síntese dos resultados da pesquisa.
11
2 - Formação continuada do professor: breve histórico e
conjuntura atual
Neste capítulo, levanto questões histórias relacionadas à profissão docente e à
emergência da demanda por formação continuada, relacionando alguns dados à realidade
investigada no campo desta pesquisa. Descrevo diferentes iniciativas de formação
continuada no Brasil na atualidade, principalmente a partir da Lei de Diretrizes e Bases de
1996, para entender o contexto mais amplo das iniciativas observadas em campo. Também
abordo o surgimento da HTPC como espaço dedicado à formação do professor na escola no
Estado de São Paulo.
De acordo com dados do Censo de Profissionais do Magistério da Educação
Básica, comentados por Gatti e Barreto (2009), entre 2007-2009 mais de 45% de um total
de 1.542.878 professores participaram de alguma atividade ou curso de formação
continuada11, presencial, semipresencial ou a distância, oferecidos por diferentes
instituições - governamentais, no âmbito dos entes federados, União, estados e municípios;
instituições de ensino superior de caráter público ou privado; empresas privadas de diversas
ordens; ONGs; sindicatos; ou ainda, pelas próprias escolas. Dentre as instituições
provedoras dessa modalidade de formação, comparecem com um número superior de
profissionais envolvidos as secretarias municipais de Educação, quando comparadas às
secretarias de Estado e a órgãos federais; também sobressaem as instituições privadas de
ensino superior em relação às públicas; e as regiões Nordeste e Sudeste, quando
confrontadas com as demais regiões do país.
De acordo com Imbernón (2010, p. 9), analisar e propor formação continuada
para professores é uma questão complexa e sempre situada, porque
11 A designação de formação continuada no estudo cobre um universo bastante heterogêneo de atividades:
desde formas mais institucionalizadas, com certificados, duração prevista e organização formal, até iniciativas
menos formais, ocupando as horas de trabalho coletivo, mais próximos do fazer cotidiano na unidade escolar
e na sala de aula.
12
não podemos falar nem propor alternativas à formação continuada sem
antes analisar o contexto político-social como elemento imprescindível na
formação, já que o desenvolvimento dos indivíduos sempre é produzido
em um contexto social e histórico determinado, que influi em sua
natureza. Isso implica analisar o conceito da profissão docente, a situação
de trabalho e a carreira docente, a situação atual das instituições
educacionais (normativa, política e estrutural, entre outras), a situação
atual da educação básica (...), uma análise do corpo docente atual (...).
Concordando com o autor, faço um desenho geral das atuais iniciativas de
formação continuada e exponho brevemente um histórico da formação docente no Brasil.
2.1 Políticas públicas e concepções de formação continuada no Brasil atual
Gatti (2008) faz uma retomada das políticas públicas para formação continuada
no Brasil de 1996 a 2007 e as identifica como novas exigências do mundo do trabalho
contemporâneo. A autora destaca que o termo “educação continuada” se tornou um grande
guarda-chuva, que abarca iniciativas muito distintas, desde cursos de extensão, passando
por formação em nível superior para professores leigos que já exercem a profissão, oficinas
ou palestras sem programa contínuo realizadas em escolas ou universidades, até
especializações lato sensu. Diante disso, sobressai a grande quantidade e diversidade de
iniciativas sob o rótulo de formação continuada por todo o Brasil. Segundo a autora, o
aumento do oferecimento deste tipo de formação
tem base histórica em condições emergentes na sociedade contemporânea,
nos desafios colocados aos currículos e ao ensino, nos desafios postos aos
sistemas pelo acolhimento cada vez maior de crianças e jovens, nas
dificuldades do dia-a-dia nos sistemas de ensino, anunciadas e enfrentadas
por gestores e professores e constatadas e analisadas por pesquisas.
Criaram-se o discurso da atualização e o discurso da necessidade de
renovação (GATTI, 2008, p. 58).
Nas últimas décadas do século XX, esses discursos tomaram força em vários
setores profissionais e universitários, principalmente nos países desenvolvidos, fazendo
emergir “a imperiosidade de formação continuada como um requisito para o trabalho”
(GATTI, 2008, p. 58) não só em relação à profissão docente. Tal discurso foi incorporado
13
por setores profissionais da educação, o que, somado a problemas na formação inicial ou
pré-serviço do professor no Brasil com a rápida expansão do ensino básico e à exigência de
licenciatura após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, impulsionou o
desenvolvimento de políticas nacionais e regionais para a formação continuada de
professores.
De acordo com Gatti (1998), desde 1995 a preocupação com a formação de
professores entrou na pauta mundial, pela conjunção de dois movimentos: as pressões de
novas condições do mundo do trabalho – cada vez mais informatizado, exigindo novos e
mais conhecimentos – e os desempenhos escolares precários de grandes parcelas da
população, constatados pelos sistemas de governo.
Contudo, a ideia de que o professor precisa de uma formação acadêmica
específica para atuar como docente, como um profissional do ensino, inclusive de maneira
contínua, não é universal nem muito antiga; datando efetivamente da época de
escolarização de massas – a partir de, aproximadamente, 1930 no Brasil. Tal concepção de
formação se articula com os processos históricos de surgimento e transformação da própria
escola como instituição de ensino universal e laica.
A necessidade de alguma formação para o professor já era considerada no
século XVII por Comenius, e o primeiro estabelecimento de ensino destinado a este fim
teria sido proposto por São João Batista de La Salle em 1684, em Reims, com o nome de
Seminário dos Mestres (SAVIANI, 2009). Mas a institucionalização da formação
profissional docente começou no século XIX, com a Revolução Francesa e a questão da
instrução popular. No Brasil, o debate sobre a formação do professor e as iniciativas a ela
destinadas emergiram mais explicitamente somente após a independência, quando se
começou a cogitar a organização de uma instrução popular (SAVIANI, 2009). Antes da
institucionalização da formação de professores no século XIX, ela ocorria por meio da
observação e do “aprender fazendo”, próprio das corporações de ofício (SAVIANI, 2009).
O alargamento das funções do professor e, consequentemente, de sua formação,
é um fato recente que Chartier (2004) situa historicamente ao questionar o suposto modelo
universal de escola e a ideia uniforme e naturalizada que temos dela, por ser uma instituição
tão presente em sociedades diversas na atualidade. Uma das questões que a autora levanta é
14
sobre as implicações da obrigatoriedade da escola, cada vez mais extensa em número de
anos que se permanece nela, e demandando um número cada vez maior de profissionais
formados para agir nos contextos mais diversos de educação formal. Ou seja, ao se voltar
para a ampliação do ensino escolar, também é preciso considerar um forte aumento de
demanda por formação do professor de qualidade, inicial e continuada, como também a
ampliação das funções deste profissional.
O processo de laicização da escola no mundo moderno ocidental, após uma
supremacia da educação religiosa, impulsionou uma formação profissional específica para
professores. O estabelecimento de uma formação docente específica é um elemento crucial
no desenvolvimento da instituição escolar, o que foi acompanhado da delimitação de
conhecimentos especializados e de um grupo autorizado a atuar como professores. Como
esclarecem Vicentini e Lugli (2009), é a difusão da escola moderna que possibilitou a
profissionalização docente, que foi se tornando cada vez mais diversificada e complexa,
passando por transformações “no que concerne à sua composição, às exigências de
formação, às condições de trabalho, às formas de organização profissional e às
representações da categoria acerca do próprio trabalho” (VICENTINI, LUGLI, 2009, p.
13).
Segundo Tanuri (2000), a institucionalização da instrução pública no mundo
moderno suscitou a criação de escolas destinadas ao preparo específico dos professores
para o exercício de suas funções. Com a Revolução Francesa, a ideia de uma escola normal
a cargo do Estado, destinada a formar professores leigos, se concretizou, ideia essa que
encontraria condições favoráveis no século XIX paralelamente à consolidação dos Estados
Nacionais e à implantação dos sistemas públicos de ensino. Tal movimento fez gerar e se
multiplicarem as escolas normais. No caso brasileiro, a constituição do magistério como
profissão se deu com a difusão da instrução escolar no século XIX, que possibilitou a
atuação docente e o desenvolvimento do grupo profissional.
Durante o século XX no Brasil, as pressões populares combinadas a demandas
da expansão industrial e do capital levaram os investimentos públicos no ensino
fundamental a crescerem e, assim, a demanda por professores também aumentou. O Brasil
passou de um atendimento educacional restrito, próprio de um país predominantemente
15
rural, a um atendimento em grande escala, acompanhando o incremento populacional e o
crescimento econômico que conduziram a altas taxas de urbanização e industrialização
(SAVIANI, 2011b). A tabela abaixo sintetiza essa expansão da década de 1930 ao final da
década de 1990:
Tabela 1: Aumento de matrículas no Brasil do século XX
Ano População geral do Brasil Número de alunos matriculados
1933 40 milhões 2.238.773 (ensino primário: 2.107.617; Ensino
Médio: 108.305; Ensino Superior: 22.851)
1998 167 milhões 44.708.589 (Primário: 35.792.554; Médio:
6.968.531; Superior: 1.947.504)
Fonte: BRASIL, 2003, p. 106 Apud SAVIANI, 2011.
Enquanto a população global quadruplicou, a matrícula geral aumentou vinte
vezes. Esse crescimento está relacionado à reforma educacional do final do século XX,
principalmente à promulgação da LDB em 1996. Apesar de grandes avanços no
oferecimento de vagas, um dos problemas devido ao grande aumento de alunos foi a
demanda por professores em um contexto – anterior à LDB – em que não havia
profissionais formados em quantidade suficiente. Para suprir a demanda por profissionais,
além da forte expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas sem preocupação
com a qualidade de formação oferecida, ocorreram várias adaptações: expansão das escolas
normais em nível médio, cursos rápidos de suprimento formativo de docentes,
complementação de formações de origens diversas, autorizações especiais para exercício do
magistério a não licenciados, admissão de professores leigos etc. (GATTI, BARRETO,
2009). Ainda sentimos o impacto na formação de professores desse período de grande
demanda por professores causada pelo crescimento recente e rápido das redes públicas e
privadas de ensino fundamental - com improvisações realizadas para responder a ela
(GATTI, BARRETO, 2009).
Dentro do conjunto de esforços para melhorar a formação dos professores para
as séries iniciais, Tanuri (2000) destaca a progressiva remodelação pela qual passou o
Curso de Pedagogia a partir dos anos 80. Na longa trajetória percorrida pelo movimento de
16
educadores que se aglutinaram em torno da Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação (ANFOPE), se consolidou a posição de que o curso de
Pedagogia deveria se encarregar da formação para a docência nos anos iniciais da
escolaridade e da formação unitária do pedagogo (TANURI, 2000; SAVIANI, 2009). Na
mesma década, o MEC propôs o Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do
Magistério (CEFAM), que visava a formar novos docentes em nível médio. Os cursos
ofereciam uma carga horária maior, em período integral, com horas-aula destinadas ao
enriquecimento curricular. Nos CEFAMs também foram planejados cursos de formação
permanente, ou o que conhecemos como formação continuada para professores egressos,
bem como assessoria pedagógica a outras escolas de formação. Os centros foram
interrompidos por trocas de governos e ministros em 1989 (VICENTINI, LUGLI, 2009).
O período de fortalecimento do curso de Pedagogia como necessidade para a
atuação de professores nos anos iniciais de escolarização – a década de 1980 - coincide
com o período, apontado por Oliveira (2003), em que se deu o debate sobre a natureza do
trabalho docente. Antes disso, os cursos de Pedagogia formavam especialistas em educação
e diretores para atuarem em Grupos Escolares. Segundo a autora, no início da década de
1980, havia uma tensão entre uma concepção de professor como um profissional
reconhecido e uma concepção de docência como sacerdócio, vocação. A abertura política
do Brasil em meados da mesma década teria contribuído para a afirmação da classe
profissional.
Ao mesmo tempo em que, com a democratização do acesso à educação básica
no Brasil, iniciada na década de 1970 e intensificada na década de 1990, a situação da
educação apresentava grandes avanços - maior oferecimento de vagas, reformas
curriculares, sistemas de ciclos, avaliação de materiais didáticos etc. -, a ampliação do
sistema gerou um desequilíbrio entre demanda e estrutura, incluindo a formação inicial de
professores, o que ajudou a impulsionar iniciativas de formação continuada. Como
destacam Kleiman (2001), Guedes-Pinto (2002) e Rojo (2009), a ampliação do acesso à
escola pública altera o perfil socioeconômico e cultural do alunado e do professorado
brasileiro, como também os letramentos que são trazidos para a escola. Não é mais uma
17
escola destinada somente aos filhos da elite, o que traz consequências para a escola e para o
professor.
Muitas das críticas ao professor e à sua formação se relacionam ao seu perfil
sociocultural e ao de seus alunos, sem levar em conta fatores como a própria instituição
escolar e o processo de democratização de acesso à educação, nem as condições oferecidas
a professores e alunos da escola pública. Nesse cenário de regulamentações, de criação de
diretrizes educacionais e avaliações externas, bem como de discursos sobre a crise da
escola e a consequente necessidade de os professores se “atualizarem”, cresceu o
investimento em iniciativas de formação de professores, a partir da segunda metade da
década de 1980, conforme mostra Magalhães (2005, p. 18):
visando à profissionalização em serviço houve, nesse período, uma
verdadeira explosão de cursos de ‘reciclagem’, ‘treinamento’,
‘capacitação’ e ‘aperfeiçoamento’, cada um com suas conotações
ideológicas concernentes à concepção que se tinha do professor.
Muitas dessas iniciativas de formação continuada de professores, sob o rótulo
de “cursos de capacitação”, partiam de uma concepção compensatória dessa modalidade
diante de uma formação inicial do professor tida como precária, semelhante ao postulado
nas abordagens pedagógicas do déficit. O próprio termo “capacitação”, para Marin (1995),
implica uma concepção pejorativa sobre a formação e do professor, como se fosse
necessário torná-lo capaz, apto a fazer algo que ainda não estaria, “visando à ‘venda’ de
pacotes educacionais ou propostas fechadas aceitas acriticamente em nome da inovação e
da suposta melhoria” (MARIN, 1995, p. 17). Vários programas foram concebidos nessa
linha, em especial na década de 1990. Cursos de capacitação costumam ser de caráter
descontínuo, oferecidos em grande quantidade, sem relações diretas com demandas de
grupos específicos de professores, organizados em palestras ou oficinas sem periodicidade
determinada e sem relações de continuidade entre si. Davis et al (2010) destacam que essa
abordagem centra-se, sobretudo, nas características que faltam aos docentes. Como
pressupõe que o professor não desenvolveu as competências, as habilidades e os
conhecimentos necessários ao trabalho docente, essa perspectiva considera que ele não tem
nada a dizer sobre sua formação continuada, assim não havendo razão para consultá-lo
18
acerca do que precisa ou espera. Consequentemente, tudo que diz respeito à formação
continuada é definido em outras instâncias e/ou por níveis hierárquicos superiores dos
sistemas de ensino.
A partir de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no
9.394/96) impulsionou o número de iniciativas de formação já existentes e os estudos sobre
elas, pois provocou os poderes públicos em relação à formação continuada. Por exemplo, o
artigo 67, em seu inciso II, especifica o aperfeiçoamento profissional continuado como uma
obrigação dos poderes públicos, propondo o licenciamento periódico remunerado para esse
fim. No artigo 87, §3º, no inciso III, explicita-se o dever de cada município em “realizar
programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para
isto, os recursos da educação a distância”.
Com a LDB, os debates em torno dessa modalidade de formação de professores
foram intensificados, e houve um incremento forte em processos chamados de educação
continuada (GATTI, 2008). A pressão por formação continuada na década de 1990 também
se sustentou na visão cada vez mais forte de que a educação é o “instrumento mais
poderoso de crescimento econômico e, por consequência, de regeneração pessoal e de
justiça social” (SAVIANI, 2009). Ao mesmo tempo em que impulsionou investimentos na
área, a LDB motivou uma explosão de propostas, nem sempre coerentes entre si: a atenção
à formação continuada é acompanhada de programas descontínuos, políticas fragmentadas,
numa supremacia de interesses políticos em detrimento de interesses educacionais (cf.
VALSECHI, 2009).
Também por conta da LDB, a educação a distância se tornou um caminho
muito valorizado nas políticas públicas para formação de professores nos últimos anos,
tanto por alcançar números maiores de profissionais em locais distantes quanto pela
flexibilidade de horários para a realização do curso (VIANNA, 2009). Outro forte
crescimento, segundo Gatti (2008), se deu nas especializações de natureza genérica, na
denominação de pós-graduação lato sensu. Anteriormente sem qualquer tipo de
regulamentação, a oferta desses cursos passou a ser balizada pela resolução n.1/07 do CNE
(de 8 de junho de 2007), que sinaliza uma preocupação inicial com a qualidade dos cursos.
19
Quanto à formação inicial do professor para atuar nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nível em que lecionam as professoras participantes desta pesquisa, a
reformulação do Curso de Pedagogia gestada durante a década de 1980, e regulamentada a
partir de 1996, elevou o nível de ensino médio a superior a formação exigida do professor
da educação infantil e do ensino fundamental nos anos iniciais (PINHEIRO,
ROMANOWSKI, 2010). Cabe destacar que a Lei nº 9.394/96 definiu este nível e
responsabilidade para o Curso Normal Superior. No entanto, o movimento de profissionais
da educação, formado por associações como ANFOPE, ANPAE, FORUNDIR, ANPEd, e
estudantes dos Centros Acadêmicos do curso de Pedagogia, interpelou os órgãos
reguladores para que a formação do professor ocorresse no curso de Pedagogia. A
interpelação tomou como pressuposto que a formação do professor necessita de uma
formação teórica e prática em docência articulada aos fundamentos pedagógicos e
sociopolíticos no contexto da organização do trabalho da escola, e não é restrita à formação
técnica, centrada no domínio dos conteúdos escolares e suas metodologias.
Sobre as mudanças na formação e atuação docentes pós LDB de 1996, Gatti e
Barreto (2009, p.81) destacam, como uma das consequências que figuram na conjuntura
das iniciativas de formação atuais, a qualidade duvidosa da formação oferecida no nível
superior, devido a um crescimento acelerado de IES, apoiado pelo MEC, com escassa ou
nenhuma tradição acadêmica. A expansão das IES particulares foi estimulada por
programas do governo federal desde a década de 1990 e continuou como política para a
Educação Superior. Por exemplo, o PROUNI (Programa Universidade para Todos) do
MEC, criado em 2004, concede bolsas12 de estudo integrais e parciais (50%) em
instituições privadas de ensino superior. Já em 2007 criou-se o REUNI, Programa de Apoio
a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, que visa à expansão da
educação superior, ampliando o acesso e a permanência no ensino superior público, nas
universidades federais.
Tais consequências sobre a formação do professor no final do século XX e
início do século XXI são relevantes para o contexto aqui investigado: as professoras
12 Para concorrer a bolsas, o candidato precisa fazer no mínimo 450 pontos no ENEM e não zerar a redação.
Para bolsas integrais, a renda familiar bruta mensal de até um salário mínimo e meio por pessoa. Para as
bolsas parciais (50%), a renda familiar bruta mensal deve ser de até três salários mínimos por pessoa.
20
participantes da pesquisa são, em sua maioria, formadas em IES privadas sem tradição
acadêmica; representam sucesso de letramento escolar em suas famílias, sendo as primeiras
a cursar o ensino superior; participam de iniciativas de formação continuada; e lidam com
as relações entre formação teórica e sua prática pedagógica em contextos cada vez mais
complexos.
Nessa conjuntura, e após um investimento na oferta de cursos, Gatti (2008, p.
67) acredita em um novo momento no que se refere à formação continuada de professores,
com o poder público mais atento às condições qualitativas de oferta, com orientações mais
claras na direção da melhor qualificação desses processos formativos. Contudo, tal
preocupação parece não se voltar para a formação do professor na escola nem para as
reuniões de corpo docente nas redes estaduais e municipais, como a HTPC que, segundo a
própria legislação, tem caráter formativo.
O interesse das pesquisas educacionais acompanhou o crescimento da oferta de
programas para a formação continuada. André (2009) focaliza a produção científica
referente ao tema da formação de professores no período de 1999 a 2003, atualizando um
mapeamento feito anteriormente sobre o mesmo tema no período de 1990 a 1998. Em
ambos os estudos, foram analisadas as dissertações e as teses defendidas nos programas de
pós-graduação em educação do país. Como havia intenção de comparar os dados das
dissertações e teses defendidas no início dos anos 2000 com as dos anos 1990, a autora
manteve as mesmas categorias de análise: formação inicial, formação continuada, formação
inicial e continuada, identidade e profissionalização docente, e acrescentou uma categoria
emergente, políticas de formação.
A análise do conteúdo dos resumos realizada por André (2009) mostrou que o
interesse dos pós-graduandos pelo tema formação de professores cresceu ao longo dos
anos: passou de 11% para 16% das pesquisas defendidas em apenas cinco anos (de 1999 a
2003). Na comparação dos temas e subtemas, André mostra que foram poucos os estudos
que abordaram os processos de aprendizagem dos alunos – futuros professores – nos cursos
de formação inicial (8). Entretanto, esse número foi bastante significativo nas pesquisas
sobre formação continuada (60). Assim, André conclui que a formação continuada e a
21
aprendizagem do professor ao longo da carreira despontaram como temas de grande
interesse.
Conhecimentos sobre a formação continuada do professor foram construídos
recentemente e, segundo Imbernón (2010), de maneira mais vertiginosa nos últimos 10 ou
15 anos. Na década de 1970, na maioria dos países latinos, os estudos sobre formação
continuada do professor começaram a se desenvolver. Na época, havia o predomínio de um
modelo individual de formação: “cada um buscava para si a vida formativa, ou seja,
primava-se pela formação inicial, que era melhor ou pior segundo a época e o território, e
se aplicava à formação continuada a ideia ‘forme-se onde puder e como puder’”
(IMBERNÓN, 2010, p. 16).
Para Imbernón, a primeira década dos anos 2000 é de busca de novas
alternativas à formação continuada de professores devido a muitas mudanças sociais,
econômicas e tecnológicas. O autor afirma que “tem-se a percepção de que os sistemas
anteriores não funcionam para educar a população deste novo século, de que as instalações
escolares não são adequadas a uma nova forma de ver a educação” (2010, p. 22). A partir
dessa insatisfação, Imbernón percebe dois tipos de iniciativas para a formação continuada
do professor: modelos mais relacionais e participativos (fugindo do foco no domínio de
disciplinas científicas) e modelos aplicativo-transmissivos (movimento chamado de “back
to basics”13 nos Estados Unidos), em que se prima por lições modelo e por uma formação
de competências supostamente necessárias ao professor.
Em grande parte dos países, em seus textos oficiais, a formação continuada é
assumida como fundamental; contudo, segundo Imbernón (2010), de forma paradoxal, há
muita formação e pouca mudança devido ao predomínio de políticas de formação baseadas
na transmissão de teorias descontextualizadas, tomadas como válidas para todos, sem
distinção. Diante disso, o autor defende que a formação continuada deve agir sobre as
situações problemáticas dos professores em contextos sociais e educacionais determinados,
e não tentar responder a problemas supostamente comuns com processos uniformes e
padronizados de formação. A mesma ideia é defendida por Soares (no prelo) em seu relato
13 Movimento em relação a diversas disciplinas escolares que defende o regresso a metodologias de ensino
tradicionais, baseadas na memorização de conteúdos, como também na defesa da 'autoridade' do professor e
da eficácia do ensino medida apenas em termos de resultados dos alunos .
22
sobre sua experiência de formação continuada de uma rede municipal de ensino. Esse tipo
de formação poderia ser desenvolvido, a meu ver, na formação que ocorre no local de
trabalho do professor, como as reuniões de HTPC; ou mesmo se basear no que os
professores trazem como questões relevantes nesses momentos de reunião de corpo
docente.
O debate sobre os formatos de formação continuada, suas vantagens e
desvantagens é um campo bastante polêmico e em aberto. Para adentrá-lo, exponho a seguir
um levantamento das principais iniciativas e dos tipos de formação continuada no Brasil.
2.1.1 Tipos de iniciativas de formação continuada
Um relatório sobre iniciativas atuais de formação continuada de professores,
intitulado “Formação Continuada de professores: uma análise das modalidades e das
práticas em Estados e Municípios Brasileiros”, foi produzido em 2011 pela Fundação
Carlos Chagas. O relatório, base de muitas informações sobre formação continuada do
professor discutidas nesta seção, envolveu, além de um breve histórico sobre políticas
públicas de formação do professor e concepções dessa formação, o estudo de iniciativas
diferenciadas de formação em dezenove órgãos – seis Secretarias de Educação Estaduais e
treze Secretarias de Educação Municipais, das quais seis são capitais e sete municípios de
médio ou pequeno porte, distribuídos nas cinco regiões do país (Norte, Nordeste, Centro-
Oeste, Sudeste e Sul).
Uma medida que impulsionou a criação de programas de formação continuada,
no início dos anos 2000, foi a substituição do Fundef (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental), que destinava recursos somente para o ensino
fundamental, pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação), que amplia os investimentos para a
educação infantil, o ensino médio, a educação de jovens e adultos e a formação de
professores. O novo fundo trouxe respaldo legal para o financiamento de cursos de
formação para professores não licenciados que exerciam funções nas redes públicas
(FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011).
23
O relatório destaca também a Conferência Nacional da Educação Básica –
Coneb, organizada em Brasília no ano de 2008, que deliberou o estabelecimento de
políticas e programas nacionais, buscando organizar e desenvolver programas de formação
continuada em regime de colaboração entre os entes federados. O documento destaca a
política de criação de polos, como centros de formação de professores, geridos de forma
tripartite: universidades, com a participação ativa das faculdades/centros de Educação,
sistemas de ensino e professores da Educação Básica.
Em 2009, por meio do Decreto nº 6.755, foi instituída a Política Nacional de
Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. O decreto dispõe sobre a
atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para
organizar, em regime de colaboração entre União, estados, Distrito Federal e municípios, a
formação inicial e continuada dos profissionais do magistério para as redes públicas de
educação básica.
Em relação aos formatos de iniciativas de formação desenvolvidas por
secretarias de educação, Davis et. al. (2010), que analisam as práticas de formação
continuada em dezenove secretarias de educação (SE), apontam que as políticas de
formação continuada de grande parte das SE investigadas estão centradas em práticas
consideradas “clássicas” (CANDAU, 1997): cursos preparados por especialista, abordando
os mesmos temas e com o mesmo formato para todos os professores. Em muitas SE,
principalmente nas estaduais e nas municipais de grande porte, coexistem diferentes
modalidades de formação continuada com diferentes objetivos. Os cursos de curta
duração, de até 60 horas, que, na sua maioria, são presenciais, são os mais frequentes. A
recorrência maior de cursos de curta duração é justificada, nas entrevistas realizadas por
Davis et. al. (2010) com funcionários das SE e diretores e coordenadores de escolas, em
função da assiduidade do professor: é difícil contar com a presença de docentes por
períodos longos. Em cursos de longa duração, as SEs investigadas recorrem a programas
propostos pelo governo federal, com destaque para os programas Gestar e Pró-letramento
(DAVIS et. al., 2010). No caso das professoras participantes desta pesquisa, algumas
participaram de cursos oferecidos por esses programas, como é o caso da coordenadora da
24
escola, chamada aqui de Eliane14, que participou do Pró-letramento e de um curso do Cefiel
(Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem), a
serem detalhados mais adiante.
Sobre as iniciativas de formação continuada no Brasil das últimas décadas, o
relatório destaca o programa de formação chamado de “Os Parâmetros Curriculares em
ação”15. A proposta de formação para que os PCN fossem implantados foi pautada em uma
ampla discussão a respeito da função docente, da prática pedagógica e do desenvolvimento
profissional dos professores, que resultou na proposta de uma nova estratégia para a
formação docente, com base no desenvolvimento de competências. De acordo com o
relatório, a proposta desse projeto tinha como objetivo “a apropriação coletiva do
conhecimento pedagógico, aperfeiçoando a formação do professor em particular e o
coletivo docente em geral, para que ambos pudessem oferecer um ensino de mais qualidade
a seus alunos” (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011, p. 36).
Outro programa de destaque nacional, e com maior continuidade no estado de
São Paulo, foi o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA),
implantado pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação a partir do
ano de 2001. De acordo com Mazzeu (2007), o PROFA surgiu como resposta da Secretaria
de Educação Fundamental (SEF) do Ministério da Educação (MEC) à necessidade de
institucionalização da formação continuada de professores, implementando alguns
programas em âmbito nacional, por intermédio das secretarias estaduais e municipais de
educação e das instituições formadoras. A abrangência do PROFA, depois chamado de
Letra e Vida no Estado de São Paulo, é grande: até outubro de 2002, cerca de 89.000
professores tinham concluído o PROFA em 1.473 municípios de 22 estados brasileiros
participantes. A base teórica do curso é construtivista, fortemente alicerçada nos estudos da
psicogênese da escrita de Emilia Ferreiro. Os materiais do programa - vídeo aulas,
14 Todos os nomes de participantes da pesquisa são pseudônimos. 15 Barbosa (2005) analisa opções teóricas assumidas pelos PCN de Língua Portuguesa e discute alguns
problemas em suas concretizações no ensino a partir de uma experiência de formação continuada dentro do
programa PCN em Ação. Um dos problemas é a própria contradição entre os materiais produzidos para o
curso “PNC em ação” pelo próprio MEC e os PCN. Enquanto estes apontam para um trabalho com gêneros
do discurso dentro da concepção bakhtiniana, numa abordagem discursiva, os materiais para o curso propõem
um trabalho de base textual dos gêneros – orientados por aportes teóricos da Linguística Textual e da
Psicologia Cognitiva.
25
materiais para estudo e atividades para serem levadas à sala de aula - são bastante diretivos,
com atividades e planejamentos de aulas voltados à aquisição do sistema de escrita
alfabético. A secretaria municipal de educação da cidade em que gerei dados para esta
pesquisa participou de edições deste programa.
Outra iniciativa mais geral e de grande importância destacada pelo relatório foi
a criação, pelo MEC, da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de
Educação Básica – Rede, em julho de 2004. A Rede foi estruturada em um processo de
interação dos órgãos gestores, dos sistemas de ensino e das instituições de formação
(universidades públicas e comunitárias). Formada por centros de pesquisa e
desenvolvimento de Educação e de Linguagem, criados nas universidades, contava também
com a participação e coordenação da Secretaria de Educação Básica – SEB, do MEC.
Dessas parcerias, resultaram diversos cursos, bem como a produção de múltiplos materiais
destinados aos educadores em salas de aula, no ensino fundamental e na educação
infantil16.
O Pró-letramento, com início em 2010, é outro programa de amplo alcance de
formação continuada mais recente. De acordo com informações do Portal do MEC, O Pró-
Letramento - Mobilização pela Qualidade da Educação - é um programa de formação
continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e
matemática nos anos/séries iniciais do ensino fundamental. O programa é realizado pelo
MEC, em parceria com universidades que integram a Rede Nacional de Formação
Continuada e com adesão dos estados e municípios. Podem participar todos os professores
que estão em exercício nas séries iniciais do ensino fundamental das escolas públicas.
No final do ano de 2012, o governo lançou O Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa, promovido como um compromisso formal assumido pelos
governos federal, dos estados, municípios e do Distrito Federal, de assegurar que todas as
crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino
16 Como já citado, a coordenadora da escola participante dessa pesquisa, Eliane, participou de dois cursos de
formação continuada de grande abrangência: um do Programa Pró-Letramento e outro, inserido na Rede, do
Cefiel (Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem), ocasião em
que eu a conheci. Ela tinha o papel de formadora multiplicadora em seu município: realizava os cursos para
ter subsídios para formar professores da rede municipal de ensino.
26
fundamental. Dentre as ações do Pacto está a formação continuada de alfabetizadores em
curso presencial de dois anos, com carga horária de 120 horas por ano, baseado no
Programa Pró-Letramento. Os encontros com os professores alfabetizadores são conduzidos
por Orientadores de Estudo, que também são professores das redes de ensino, que fazem
simultaneamente um curso específico, com 200 horas de duração por ano, ministrado por
universidades públicas. Ou seja, os formadores de professores, também professores das
redes de ensino, multiplicam a formação que fazem nas universidades para professores de
suas redes.
Uma alternativa recentemente regulamentada no Brasil, em 2010, é o mestrado
profissional, oferecido em rede nacional como um programa de pós-graduação stricto sensu
em formato semipresencial com enfoque em diferentes disciplinas escolares, reconhecido
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tendo em
vista a qualificação de docentes do ensino básico das redes públicas. O programa apoia
financeiramente as IES para atendimento e manutenção de seus alunos regularmente
matriculados, além de conceder bolsas para professor da rede pública de educação básica.
Ao longo da década de 1990, continuando nos anos 2000, o modelo de
formação continuada desenvolvido foi o da multiplicação, ou formação em cascata, em que
“um primeiro grupo de profissionais é capacitado e transforma-se em capacitador de um
novo grupo que por sua vez capacita um grupo seguinte” (GATTI, BARRETO, 2009,
p.202).
A criação, no ano de 1991, de uma experiência piloto de educação a distância
por meio da utilização da televisão, no canal TVE Brasil, primeiramente intitulada Jornal
da Educação - Edição do Professor e posteriormente denominada Salto para o Futuro -
impulsionou o formato de multiplicação, utilizando também o formato semipresencial ou a
distância. No programa Salto para o Futuro, foram organizadas espaços de recepção
organizada (Telessalas, Teleposto), em que a mediação se dava através de um orientador da
aprendizagem, que auxiliava os professores cursistas na discussão de questões geradas no
curso. Lucio (2010) destaca que, com essa iniciativa, é inaugurado, no contexto educacional
brasileiro, no nível estadual e municipal, um novo papel na formação docente: a figura do
27
orientador de aprendizagem, docente da rede municipal ou estadual de ensino, mediador do
processo de formação continuada de professores.
A partir de então, os programas de formação continuada dão ênfase à figura do
multiplicador articulada ao uso extensivo de tutoria à distância ou semipresencial, como os
cursos da Rede, do Pró-letramento, do Pacto, entre outros. Seu desenvolvimento e
implantação se dão por uma política de editais destinados às universidades e da adesão das
secretarias municipais e estaduais de educação aos programas de formação de professores.
Geralmente, os cursos nesse formato envolvem a produção de materiais didáticos
destinados ao professor, sem utilizar diretamente a literatura acadêmica das áreas
envolvidas. Nesse contexto, há um esforço dos grupos de pesquisadores e professores da
universidades públicas em produzir materiais para o professor, em uma linguagem não
acadêmica, mas sem banalizar conteúdos e discussões17. Apesar da grande quantidade de
conteúdos produzidos tendo em vista a formação continuada de professores, no campo
desta pesquisa esses materiais não foram mobilizados nas reuniões de HTPC semanais. Nos
encontros entre professoras de 5º ano, materiais do PROFA constituíram parte de um
evento.
O sistema por adesão é criticado por Soares (no prelo), que afirma que esse
modelo, chamado por ela de “formação em rede”, é fragmentado e excludente, pois se o
município não adere, o professor também fica de fora da iniciativa. Além disso, as
propostas, em sua visão, são muito gerais e não atendem a necessidades específicas de cada
realidade. A autora contrasta essa organização com o que ela denominou “formação de
rede”: acompanhamento constante de toda uma rede de ensino, voltado para sua questões
específicas. A HTPC pode se configurar como um espaço para essa formação “de rede”,
contínua e específica, o que não necessariamente exclui a possibilidade de a rede participar
de cursos oferecidos por parcerias entre o MEC e as IES, que promovem acesso do
professor a formadores de IES de prestígio e a materiais de qualidade produzidos por eles.
Programas de formação regulares, contínuos e com grande alcance de
professores também foram desenvolvidos pelas Secretarias Estaduais de Educação. Destaco
17 Muitos materiais desenvolvidos para esses cursos estão disponíveis na Internet em formato de vídeos e de
livros de divulgação científica.
28
alguns: o Programa de Capacitação de Professores (Procap), realizado em Minas Gerais; o
Programa de Educação Continuada (PEC), oferecido inicialmente pela Secretaria Estadual
de Educação de São Paulo (SEE-SP) e, posteriormente, oferecido às redes municipais
paulistas – PEC-Municípios; o Programa de Formação de Professores em Exercício
(Proformação), desenvolvido pelo MEC para formar os professores leigos das regiões
Centro-Oeste, Norte e Nordeste; o Projeto Veredas, resultante da parceria entre o governo
de Minas Gerais e Instituições de Ensino Superior (IES) (GATTI, 2008); o Programa Teia
do Saber, promovido pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo em parceria com
IES; o Programa Ensino Médio em Rede, também da Secretaria Estadual de Educação de
São Paulo. Outro programa com maior continuidade no Estado de São Paulo, iniciado em
1996, é o Programa de Melhoria do Ensino Público da FAPESP, que apoia pesquisas que
tenham como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade do ensino público no Estado.
Mais recentemente, no Estado de São Paulo, realizou-se o Redefor, programa de pós-
graduação lato sensu a distância, uma parceria entre o governo do estado e as universidades
estaduais públicas (USP, UNICAMP e UNESP), voltado para professores e profissionais na
área de educação. Em duas edições, o Redefor ofereceu 16 cursos de especialização, 13 nas
disciplinas do currículo e 3 cursos de gestão. No Estado do Paraná, o Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE) é desenvolvido desde 2007 e configura-se como um
curso de pós-graduação para os professores do estado, também em parceria com as
universidades públicas estaduais (para mais detalhes sobre o PDE, ver VIEIRA-SILVA,
2012 e PEREIRA, no prelo).
Não faltam iniciativas de formação continuada de professores de diferentes
naturezas, tanto as aqui destacadas, de iniciativa pública, quanto de cursos na rede
particular de ensino, com especializações lato sensu destinadas a professores. Porém, a
grande diversidade de cursos de formação continuada também gera uma variedade de
problemas enfrentados nos diferentes formatos oferecidos. O relatório traz uma reflexão
sobre os problemas mais comuns relacionados a iniciativas de formação continuada a partir
dos estudos de Vezub (2005, 2007, apud FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011). Entre
os principais problemas, estão as ações isoladas, pontuais e de curta duração, também
29
apontados por pesquisas do grupo Letramento do Professor (VALSECHI, 2009). De acordo
com o relatório, esses programas
reproduzem as mesmas relações de poder/saber próprias do vínculo
escolar. Prevalecem as formações orientadas ao indivíduo, ao docente
isolado de seu contexto de trabalho, sendo poucas as propostas dirigidas a
grupos de profissionais específicos, com base na etapa de
desenvolvimento profissional em que se encontram, em seus contextos de
atuação ou, ainda, nos contextos institucionais nos quais estão inseridos.
Pesam também, nas ações de formação implementadas, o monitoramento
e as avaliações sistemáticas insuficientes, que se somam à
descontinuidade de políticas e sua desarticulação em face das adotadas na
formação inicial (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011, p. 12).
Ainda há um forte debate sobre a variedade de iniciativas de formação
continuada e a natureza dessas formações. Há iniciativas em que o professor é formado
para elaborar material didático a ser usado em sala de aula (VIEIRA-SILVA, 2012); outras
em que a formação é voltada para o letramento do professor (VALSECHI, 2009), há
formações a distância e semi-presenciais (VIANNA, 2009), assim como formações
oferecidas por editoras via assessoria pedagógica, mestrados profissionais etc.
Diante desses debates sobre os formatos de cursos de formação continuada e
sua natureza e função na atuação do professor, parece ainda mais relevante investigar
iniciativas originadas em grupos específicos de professores em seu contexto de atuação,
pois a compreensão desses esforços pode apontar demandas e propostas interessantes mais
regulares e a longo prazo. Acredito que é possível articular, numa formação na escola, os
interesses e a realidade de um grupo de professores com reflexão crítica e análise
distanciada, própria dos estudos acadêmicos. Mas, para propor tal articulação, é
interessante investigar o que já ocorre em tal contexto, como me propus a fazer nesta
pesquisa. Também defendo, como as demais pesquisas do Grupo Letramento do Professor,
que a formação deve levar em conta o aspecto identitário de ser ou se tornar um
profissional docente, processo que pode ser fortalecedor para o professor ou (re)colocá-lo
numa posição subalterna (KLEIMAN, 2001, 2006, 2009; VÓVIO, DE GRANDE, 2010;
VIANNA et. alli, 2012; KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013). Buscamos, na
30
perspectiva dos Estudos de Letramento, um olhar para a formação do professor em serviço
que possa mostrar caminhos pertinentes a esse profissional em sua formação.
Outro fator interessante do relatório em pauta é a análise de opiniões dos
envolvidos (secretários de educação, formadores, coordenadores) sobre a formação
continuada e o mapeamento das demandas desse tipo de formação. Essas opiniões apontam
para a busca de soluções aos problemas levantados, como a descontinuidade de iniciativas.
Baseando-se em dados coletados junto às Secretarias de Educação, o relatório defende que
as práticas de formação têm sido aprimoradas, na medida em que há um grande esforço
para atender às necessidades formativas dos educadores, tentando superar aquelas de
caráter isolado, pontuais e de curta duração.
Outro aspecto destacado diz respeito aos níveis de ensino atendidos pelos
programas. Historicamente, o foco da formação continuada tem sido o Ensino
Fundamental, principalmente os primeiros anos de escolarização. Contudo, o relatório
indica uma demanda crescente de programas de formação continuada para professores do
Ensino Fundamental II e do Ensino Médio.
Os temas solicitados também variam. O relatório destaca que a vulnerabilidade
dos alunos e das relações sociais que se evidencia em sala de aula gera demandas de
formação pelos professores. Desse modo, cursos sobre “como combater a violência”,
“como lidar com conflitos” ou “como conduzir as relações étnico-raciais” têm sido bastante
requisitados, apontando para preocupação com questões transversais, não conteudistas, que
incidem na qualidade das relações humanas.
Para Zaida (2003), um dos fatores dos processos inovadores na escola brasileira
e que interfere na formação docente é a ampliação das funções da escola para além da
universalização da educação. A autora afirma que o mundo atual tem exigido uma
formação mais global dos sujeitos sociais e que “a escola tem de enfrentar a diferença e a
desigualdade social, trazendo para o centro das ações e dos debates as questões relativas a
valores, à ética, à cultura, entre outras” (p. 144).
O trabalho motivacional, relacionado à autoestima docente na formação,
também foi identificado pela pesquisa nas dezenove Secretarias Estaduais do país. Em uma
Secretaria Estadual do Norte, nos encontros de início de ano, as escolas buscam trabalhar a
31
valorização profissional dos docentes, dando ênfase às relações interpessoais, contando,
para isso, com a participação de psicólogos, cuja função é discutir a dimensão humana do
trabalho e resgatar a autoestima dos professores. Na escola participante desta pesquisa,
acompanhei eventos destinados à construção de relações intragrupo e à melhora da
autoestima docente, para o qual gêneros do discurso de autoajuda eram lidos e discutidos e
dinâmicas de grupo eram realizadas (eventos analisados no sexto capítulo desta tese).
O relatório ainda indica que os cursos mais bem aceitos em cinco SEs são
aqueles cujo foco é o “como fazer”, especialmente em relação às metodologias de ensino.
Também é notável esse enfoque no “como fazer” na formação em HTPC observada nesta
pesquisa, principalmente nos encontros entre professoras dos 5º anos da rede. Tal demanda
pode ter relação com o currículo da formação inicial do professor no Brasil, já que o
enfoque da maioria dos cursos é em teoria da educação ou de áreas afins. Ou seja, a
organização de formação pelas professoras recai numa lacuna percebida por elas e por
pesquisas relacionadas ao tema, que apontam que as disciplinas destinadas a componentes
da prática pedagógica são minoria nos cursos de formação inicial de professores (GATTI,
BARRETO, 2009). Os cursos de formação continuada acabam por ter de suprir problemas
dos cursos de formação inicial, ao invés de enfocar novas aprendizagens e debates de
interesse dos professores.
Gatti e Barreto (2009), ao analisarem a grade curricular dos cursos de
Pedagogia, percebem uma grande variedade de disciplinas: 3.107 diferentes disciplinas
obrigatórias e 406 optativas. Após análise das ementas das disciplinas, as autoras chegam à
conclusão de que, como o número mínimo de horas prescrito para o curso de Pedagogia é
de 3.200, sendo que 300 horas devem ser dedicadas ao estágio, o currículo efetivamente
desenvolvido nesses cursos tem uma característica fragmentária, com um conjunto
disciplinar bastante disperso. Isso é reforçado pela constatação de que não são identificadas
articulações explícitas entre as disciplinas nas ementas analisadas.
Dentro dessa grande variedade de disciplinas, Gatti e Barreto (2009) constatam
uma quase equivalência entre a proporção de disciplinas que cumprem a função de embasar
teoricamente o curso a partir de diferentes áreas de conhecimento e aquelas ligadas à
profissionalização mais específica do professor. No entanto, ao analisarem as ementas, as
32
autoras percebem que, mesmo nas disciplinas referentes aos conhecimentos relativos à
formação profissional específica, predominam enfoques que buscam fundamentar os
conhecimentos de diversas áreas, sem explorar seus desdobramentos em práticas
educacionais, ou seja, não tratam de como ensinar. As ementas registram o quê e como
ensinar somente de forma muito incipiente. A partir dessa análise, as autoras defendem que
o desenvolvimento de habilidades profissionais específicas para a atuação nas escolas e nas
salas de aula fica bem reduzida na formação inicial do professor, ou seja, os cursos não
realizam a articulação teoria e prática tão comentada nos debates educacionais e nos
documentos legais18.
Um fato que chamou minha atenção, por se relacionar ao contexto investigado
nesta pesquisa, diz respeito a uma relação forte entre avaliações externas (estaduais,
nacionais e internacionais) e as demandas de formação nas secretarias de educação
investigadas, de acordo com os dados do relatório da Fundação Carlos Chagas. De modo
geral, nas SE, as demandas decorrem de problemas identificados no rendimento escolar dos
alunos, por meio de avaliações realizadas no país, nos estados e nos municípios (caso do
Saeb, da Prova Brasil, do Enem) e, sobretudo, do Ideb.
Um exemplo disso é a organização de formação para professoras de 5º ano no
contexto investigado. Na primeira reunião de HTPC das professoras de 5º ano19
participantes de minha pesquisa, com o objetivo de abordar questões relacionadas a duas
avaliações externas (Saresp e Prova Brasil), foram discutidos dados relacionados a essas
avaliações. Tabelas com as médias do município nas avaliações foram distribuídas por
funcionárias da secretaria de educação municipal às professoras para um debate sobre como
melhorar o desempenho dos alunos.
Essa preocupação leva algumas SE a organizar sistemas de gerenciamento de
dados. O relatório aponta SE que dispõem desses sistemas de gerenciamento, organização e
atendimento das demandas de formação. São ferramentas que têm por objetivo alcançar
18 Além disso, segundo Gatti e Barreto (2009, p. 122), essas considerações se mantêm ainda quando se leva
em conta a carga horária das disciplinas e não simplesmente o número delas: “a proporção de horas dedicadas
às disciplinas referentes à formação profissional específica é de 30%, ficando 70% para as demais. Cabe aqui
a ressalva, já feita, de que nas próprias disciplinas de formação profissional costuma predominar uma
abordagem mais genérica das questões, antes que a sua articulação com as práticas educativas”. 19 Realizada em substituição às horas dedicadas a HTPC semanal, iniciativa descrita no capítulo 3.
33
uma análise detalhada do desempenho escolar dos alunos da rede. A partir disso, o relatório
conclui que as demandas formativas advêm, principalmente, das dificuldades e das
necessidades dos alunos e dos professores, as quais são identificadas tanto por meio dos
resultados obtidos pelos alunos nas diversas avaliações a que são submetidos como
evidenciadas por meio do acompanhamento realizado junto às escolas pelas próprias SE.
2.1.2 A HTPC: surgimento, regulamentação e transformações em seu caráter formativo
Nesta seção, abordo o surgimento da Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo
(HTPC) do Estado de São Paulo e as leis que a regulamentam, discutindo seu caráter
formativo.
Em diferentes redes de ensino, estaduais e municipais, as reuniões de corpo
docente recebem diferentes denominações, regulamentações e maneiras de realização. De
maneira geral, são reuniões entre professores e coordenação da escola, tendo em vista
questões pedagógicas e de gestão escolar. Contudo, nem sempre as jornadas de trabalho
oferecidas ao professor incorporam horas destinadas ao trabalho coletivo fora da sala de
aula. A pesquisa antes mencionada em 19 SE mostrou que as horas mensais destinadas às
atividades de formação continuada podem abranger de 5 a 35% da jornada de trabalho do
professor (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011). Quatro secretarias das dezenove
investigadas dispõem de horas destinadas exclusivamente à formação em serviço. Das seis
secretarias estaduais, duas, ambas da região Norte, não tinham hora de trabalho coletivo.
Entre as treze secretarias municipais, três não possuíam horas destinadas ao trabalho
coletivo, situadas nas regiões sul, nordeste e sudeste.
No estado de São Paulo, as reuniões de corpo docente das escolas públicas,
chamadas até 2012 de HTPC, hoje ATPC, estiveram entre as demandas da categoria
docente por anos20. O contrato do professor estipula as horas de trabalho prescrito fora da
sala de aula tanto na escola quanto fora dela. A HTPC, de 2 a 3 horas semanais, deve
ocorrer na escola. A Hora de Trabalho Pedagógico Livre (HTPL), de até 4 horas semanais,
conforme a jornada do professor, pode ocorrer em local fora da escola, e se destina “à
20 Opto por usar no texto a denominação HTPC por constar essa nomenclatura nos dados, gerados em 2011.
34
preparação de aulas e à avaliação de trabalhos dos alunos” (SÃO PAULO, 1997, Artigo 13,
Parágrafo Único).
A Portaria da CENP nº 1/96 - L.C. nº 836/97 define os objetivos da HTPC nos
seguintes termos:
I. construir e implementar o projeto pedagógico da escola;
II. articular as ações educacionais desenvolvidas pelos diferentes segmentos da escola, visando a
melhoria do processo ensino aprendizagem;
III. identificar as alternativas pedagógicas que concorrem para a redução dos índices de evasão e
repetência;
IV. possibilitar a reflexão sobre a prática docente;
V. favorecer o intercâmbio de experiências;
VI. promover o aperfeiçoamento individual e coletivo dos educadores;
VII. acompanhar e avaliar, de forma sistemática, o processo ensino-aprendizagem.
Ainda segundo o documento, as reuniões de HTPC devem ser:
I. planejadas pelo conjunto dos professores, sob a orientação do diretor e do professor-coordenador
de forma a:
a) identificar o conjunto de características, necessidades e expectativas da comunidade escolar;
b) apontar e priorizar os problemas educacionais a serem enfrentados;
c) levantar os recursos materiais e humanos disponíveis que possam subsidiar a discussão e a
solução dos problemas;
d) propor alternativas de enfrentamento dos problemas levantados;
e) propor um cronograma para a implementação, acompanhamento e avaliação das alternativas
selecionadas.
II. sistematicamente registradas pela equipe de professores e coordenação, com o objetivo de
orientar o grupo quanto ao re-planejamento e à continuidade do trabalho;
III. realizadas:
a) na própria unidade escolar, e preferencialmente, durante duas horas consecutivas e;
b) eventualmente, na Oficina Pedagógica ou num outro espaço educacional, previamente definido,
através da utilização de parte ou do total de horas previstas para o mês em curso.
Tendo em vista a organicidade do currículo do Ensino Fundamental e Médio, o
documento sugere que as atividades devem ser programadas em reuniões:
I - entre professores de uma série, ciclo, área ou disciplina;
II - entre professores de todas as séries e/ou componentes curriculares.
Segundo a Portaria da CENP nº 1/96 - L.C. nº 836/97, as reuniões de HTPC são
atribuídas como parte da jornada do titular de cargo, e como carga horária para o OFA
35
(Ocupante de função atividade)21, desde que esses professores tenham, no mínimo, dez
aulas atribuídas. As horas destinadas à HTPC também podem ser utilizadas em atividades
pedagógicas e de estudo, de caráter coletivo, bem como no atendimento a pais de alunos, o
que demonstra que suas possíveis funções são bastante variadas.
A HTPC é, desta forma, um espaço destinado, em tese, para discussão e
implementação do projeto pedagógico da escola, para discussão de problemas enfrentados
pela unidade escolar e suas possíveis soluções, além de ser um espaço de reflexão docente
sobre sua prática, ou seja, envolveria eventos de formação do professor. Os itens IV, V e VI
da portaria de CENP (possibilitar a reflexão sobre a prática docente; favorecer o
intercâmbio de experiências; promover o aperfeiçoamento individual e coletivo dos
educadores) são os mais diretamente relacionados à formação de professores, mas todos
constituem aspectos da formação do profissional docente22.
A HTPC, no contexto pesquisado, foi utilizada de variadas maneiras. Com base
no trabalho de campo realizado para esta pesquisa, pude observar três tipos de HTPC em
que o grupo de professoras da escola (ou parte dele) esteve envolvido durante o ano de
2011: (1) a HTPC semanal, realizada na própria unidade escolar em horário oposto ao que
lecionam as professoras, com duração de duas horas e quinze minutos; (2) o que era
chamado pelas professoras de “HTPC coletivo”, reuniões de professoras atuantes no quinto
ano do Ensino Fundamental I de toda a rede, realizadas quinzenalmente, demandadas pelas
próprias professoras devido à iminência das avaliações externas que ocorreriam no final do
ano; (3) consultoria pedagógica com representantes da editora do material apostilado
adotado pela rede de ensino municipal para o ano seguinte, também em substituição ao
tempo dedicado à HTPC semanal, todos detalhados no capítulo 4.
As práticas de formação de professores situadas na escola são constituídas na
interação de diferentes agentes, mais especificamente, professoras e coordenadora, sujeitos
diretamente envolvidos nos eventos observados. Essa formação ocorre nas reuniões
21 Denominação destinada aos professores não concursados (servidores). Os professores concursados são
denominados titulares de cargo ou efetivos (funcionários). 22 Como será comentado e analisado mais adiante, apesar da legislação, o que se viu no campo desta pesquisa
é a tomada de grande parte do tempo de HTPC com avisos e respostas a demandas burocráticas da Secretaria
Municipal de Educação.
36
semanais de HTPC ou em iniciativas da Secretaria Municipal de Educação, como a
realização de palestras, workshops ou reuniões de HTPC com professores de toda a rede
que lecionam num mesmo ano do Ensino Fundamental.
Oliveira (2006) investigou, como pesquisadora e coordenadora pedagógica de
uma unidade escolar, a possibilidade de a HTPC ser um espaço de formação do professor
dentro da escola. A autora defende a importância da formação se dar no espaço escolar para
responder a questões específicas de uma unidade de ensino. Nesse contexto, o coordenador
pedagógico assume o papel de formador do grupo de professores.
Entre diferentes correntes no estudo e na proposição de iniciativas de formação
continuada, destacam-se estudos que discutem o papel do coordenador pedagógico como
articulador das ações formativas na escola com a finalidade de promover o
desenvolvimento da equipe pedagógica (não de cada professor) (PLACCO, ALMEIDA,
2003). Nessa perspectiva, a função do coordenador é muito mais abrangente,
compreendendo desde atividades relacionadas às disciplinas do currículo, ao processo de
ensino-aprendizagem (incluindo-se, aí, a avaliação), aos materiais didáticos e pedagógicos
até assuntos de caráter disciplinar e ético e questões relativas à interação da escola com sua
comunidade (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011). Na realidade observada nesta
pesquisa, a coordenadora tinha todas essas funções, desde as mais burocráticas até as
relacionadas ao ensino-aprendizagem dos alunos. Por exemplo, não eram incomuns
momentos em que a coordenadora olhava, junto com as professoras, cadernos de alunos.
A figura do coordenador é recente na história da escola brasileira: o apoio
técnico-pedagógico prestado ao professor no local de trabalho era quase inexistente na
década de 1990 (SOUZA, 1996). No Estado de São Paulo, em 1993, havia menos de 200
coordenadores numa rede de 6500 escolas estaduais e menos de 20 orientadores
educacionais. Hoje, todas as escolas do estado devem ter coordenadores pedagógicos, um
ou dois, a depender dos níveis atendidos pela escola. Essa figura central na formação do
professor em seu local de trabalho parece ainda carecer de atenção em relação à sua
formação e ao delineamento mais preciso de suas funções.
O papel primordial dado ao coordenador, com a tarefa de assegurar a qualidade
do processo educativo oferecido pelas escolas à população, por meio do acompanhamento e
37
da formação continuada dos professores, é alterado em situações em que políticas públicas
transferem partes substanciais de seu desenvolvimento para a coordenação das escolas. Tal
alteração se dá, principalmente, quando projetos e programas do governo assumem caráter
obrigatório, colocando em segundo plano necessidades e demandas específicas da escola.
Além disso, a carga de trabalho de gestão é grande, relegando a segundo plano o trabalho
de formação, como observado na realidade investigada para esta pesquisa (ver capítulos 5 e
6). “Dessa maneira, perde-se o caráter colaborativo e coletivo do trabalho do coordenador
uma vez que ele se vê obrigado a seguir as determinações políticas assumidas pelos
governos federal, estadual ou municipal” (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011, p. 24).
Tal sobrecarga pôde ser observada em alguns eventos na escola participante
desta pesquisa, em que a coordenadora tinha de trazer textos variados enviados pela
Secretaria de Educação, desde apresentação de projetos até avisos e demandas às
professoras, e, ao encontrar resistência do grupo docente, não conseguia dar continuidade à
pauta previamente elaborada para a HTPC. Por exemplo, na entrevista com a professora
Cristiane23, ela reclama da quantidade de demandas externas à escola e reconhece o excesso
de trabalho depositado nas mãos da coordenadora quando questionada sobre a atuação desta
na HTPC:
Cristiane: (....) eu acho ela [a coordenadora] é muito cobrada é:: é difícil separar o que a coordenação age... assim um dia desses eu vi a Estela ((coordenadora da escola em 2012)) desesperada porque ela estava se achando falha... aí eu falei exatamente porque ela tem que dar conta de nós, burocracia aí vem pai aí vem tudo... não DÁ tempo, gente... não dá... então a gente tem falta de funcionário agora tem inspetor mas ficou mu::ito tempo sem inspetor de aluno então ela tem que cobrir tudo isso não dá... eu acho que se o trabalho dela é esse ela devia estar voltada só para isso ((formação de professores)) mas não tem como/ não tem como falta funcionário
Mesmo sendo uma conquista importante dos professores, a HTPC muitas vezes
não se configura como um espaço de debate e trabalho conjunto da equipe docente, tomada
por aspectos burocráticos da rede de ensino ou por outras questões do cotidiano da
instituição escolar – como no caso do atendimento de pais de alunos, o que foi observado
em campo nesta pesquisa. Aquino (2008) identifica essa reclamação por parte de
23 Pseudônimo, como de todas as participantes de pesquisa nomeadas nesta tese.
38
professoras do Ensino Fundamental I: as professoras se queixam do “excesso de recados”
que ocorre no HTPC, o que impediria um contato maior entre as professoras e ocupa um
tempo que, para elas, poderia ser melhor aproveitado.
Mesmo em ocasiões em que o grupo de professoras manifesta interesse em
utilizar a HTPC para estudo e debate, há entraves. Silva (2003) relata sua tentativa de
desenvolver uma pesquisa colaborativa com enfoque na leitura de textos de interesse de um
grupo de professoras. Inicialmente, a pesquisadora obteve autorização da equipe escolar
para utilizar as HTPCs para este fim. A escolha do que seria lido veio das próprias
professoras: os PCN de Língua Portuguesa. No entanto, diferentemente do acordo prévio,
os encontros foram sendo um a um ocupados com atividades burocráticas ou com
atividades que pouco tinham relação com o trabalho didático ou de formação continuada
das professoras: “uma vez as professoras se ocuparam com a organização de um ‘bazar da
pechincha’; noutra, fizeram reunião de pais para organizar uma festa, cujo objetivo era
angariar dinheiro para a pintura da escola (...)” (SILVA, 2003, p. 32, 33).
A existência de um momento remunerado para se discutir os problemas da
escola e da Educação esteve na pauta das reivindicações dos professores do Estado de São
Paulo durante anos consecutivos. “Essas reivindicações começaram a ter resultados quando
os governos começaram a reconhecer que o trabalho do professor vai além de sua presença
em sala de aula, ao instituírem a HTP (hora de trabalho pedagógico) no Estatuto do
Magistério em 1985” (OLIVEIRA, 2006, p.28). Posteriormente, no interior do Projeto
Ciclo Básico, foi criada a HTPC, destacando o caráter coletivo desse trabalho.
Souza (1996) afirma que o professor da escola pública paulista na década de 80
e início dos anos 90, na legislação federal e estadual, era compreendido como um
trabalhador do espaço de sala de aula, e pouca relevância era dada a espaços coletivos de
discussão e formulação de propostas educacionais. Nos depoimentos de professores
analisados pela autora, uma constante demanda era pela existência de um espaço coletivo
com os colegas dentro da escola. O espaço coletivo, de trocas de experiências, não
compunha a jornada docente: o professor era tido como um “aulista” (SOUZA, 1996, p.
111). Ao analisar depoimentos relativos à qualificação profissional, Souza destaca a
relevância dada pelos professores para o coletivo: “[os professores] são explícitos em
39
afirmar que foi no espaço coletivo do trabalho, com colegas e os alunos, que encontraram a
possibilidade do fazer. Ou seja, superaram, no nível do coletivo, as dificuldades que se
apresentavam como individuais” (SOUZA, 1996, p. 66).
Em relação à luta dos professores pela garantia de remuneração para discutir
questões relativas à unidade escolar e às práticas pedagógicas, Oliveira (2006) destaca que
a HTPC surgiu da necessidade de existência de um espaço dentro do horário de trabalho do
professor, no qual pudesse ocorrer a discussão em grupo sobre os rumos de cada unidade
escolar e a formação do professor. Contudo, como destaca a autora, o sentido da HTPC
veio se transformando ao longo dos últimos anos e, hoje, os professores já não estão bem
certos sobre sua real utilidade, tanto que, sempre que possível foge-se dele. “É comum
ouvir dos próprios professores que esse é um espaço usado para trocar receitas”
(OLIVEIRA, 2006, p. 3).
Em contrapartida, professores continuam lutando pelo direito a formação e
estudo em sua jornada de trabalho. Os professores municipais da cidade de São Paulo, por
exemplo, em sua greve no primeiro semestre de 2014, indicavam entre os itens da pauta de
reivindicações: i) alteração das atuais formas de desenvolvimento das jornadas de trabalho,
para que, individualmente e coletivamente, seja possível o trabalho docente, estudo,
desenvolvimento e execução de projetos e ii) criação de espaços de incentivo à leitura e ao
estudo individual como condições especiais na direção do aprimoramento do trabalho
educativo. Ou seja, a categoria reconhece a importância do tempo de formação continuada
no local de trabalho e a demanda por esse tempo ainda consta nas pautas de reivindicações
da categoria.
Aquino (2008), em sua pesquisa com cinco professoras de primeiro e
segundo ano do Ensino Fundamental, destaca que, apesar de estarem juntas em HTPC,
muito do trabalho desenvolvido neste período era individual. As professoras lidavam com
tarefas práticas (recortar, colar, varrer a classe, rodar o mimeógrafo, etc.) e,
simultaneamente, aproveitavam o tempo com conversas relacionadas ao ensino, no sentido
de manifestarem suas opiniões, extravasar o que sentem em relação aos alunos, ao trabalho
da escola. Contudo, a conversa informal não as mobilizava a discutir assuntos com maior
detalhamento e profundidade com a finalidade de buscar, coletivamente, soluções,
40
alternativas etc. “Trabalham juntas, não no sentido coletivo, não junto com, mas ao lado
de” (AQUINO, 2008, p. 70). Resultados como esses mostram que, se, por um lado, os
professores demandam por momentos remunerados para discussão e formação entre seus
pares, por outro, ainda não se sabe o que fazer ao certo para que esse tempo seja realmente
aproveitado para os fins propostos. Isso poderia ser o foco de formações de equipes
gestoras, coordenadores e diretores.
Apesar das forças que atuam sobre a HTPC, desconfigurando seu aspecto
formador, pesquisas apontam a importância da formação em serviço para a transformação
da prática pedagógica. Zaida (2003) destaca que, na realidade brasileira na última década,
os professores vivem um conflito em relação à própria formação inicial recebida,
colocando-a em xeque, o que acarreta a vivência de um conjunto de contradições. Para
vivenciar essas contradições na prática e levar a movimentos de transformação, de uma
nova formação, Zaida defende duas ideias: a formação permanente e a pesquisa, contrárias
a práticas de treinamento e reciclagem. Estas se dariam na formação em serviço,
permanente, pois esta última ocorre quando o profissional e sua equipe têm de responder a
problemas colocados por essa prática. “São os problemas vivenciados que desencadeiam as
buscas, os estudos, as experimentações e o planejamento diferenciado” (ZAIDA, 2003, p.
146).
O estudo de Farinha (2004) sobre a organização de um programa de
autoformação por e para professoras de Língua Portuguesa da rede pública estadual de São
Paulo se desenvolveu durante a implementação de um conjunto de reformas do governo
Covas (1995-2002), contexto em que se instituiu a HTPC, e mostra um exemplo de que a
formação no local de trabalho pode ser bem desenvolvida no tempo destinado ao trabalho
coletivo docente na unidade escolar. Farinha, afirma que as reuniões de HTPC realizadas
no âmbito das instituições de Ensino Fundamental II (contexto em que ela desenvolveu sua
pesquisa) eram ocupadas com os recados da SEE/SP, o preenchimento de fichas de alunos e
de projetos a serem realizados na escola, o atendimento aos pais de alunos que apresentam
problemas de aprendizagem ou de comportamento e as teleconferências realizadas pelo(a)
Secretário(a) de Educação. As questões pedagógicas acabavam sem discussão ou eram
superficialmente abordadas, sempre de forma fragmentada e inconclusa, pois o tamanho
41
das pautas tornava muito difícil manter a discussão de um item por mais de uma reunião
(FARINHA, 2004, p. 45). Diante dessa constatação, as próprias professoras modificaram a
organização da HTPC tendo em vista suas demandas profissionais. O fato de haver, na
legislação, a garantia do tempo destinado a formação docente no local de trabalho
possibilitou que esse grupo de professoras de Língua Portuguesa organizasse espaços de
autoformação bastante produtivos e relacionados a suas realidades e práticas pedagógicas.
A mesma realidade pode ser encontrada na escola do interior paulista observada
para fins desta pesquisa. A todo o momento surgiam questionamentos por parte das
professoras sobre a utilidade da HTPC na interação com a coordenadora devido à grande
quantidade de questões de gestão a serem resolvidas ou que envolviam a comunidade
escolar de alguma maneira (como festas comemorativas). No entanto, o grupo aqui
investigado conseguiu desenvolver iniciativas de formação continuada. Algumas se
configuraram como eventos isolados; outras, tiveram continuidade. De qualquer forma, o
que esta investigação indica é que há possibilidades de uma organização mais eficaz do
espaço de formação na escola, o que será analisado nos capítulos 5 e 6.
42
43
3 – Lugares que levam a outros lugares: perspectiva teórica
adotada e conceitos para análise
Uma teoria é um lugar que nos leva a outro lugar e sabemos que há
muitos lugares (ZAVALA, 2013).
A perspectiva teórica adotada nesta pesquisa para compreender práticas de
formação do professor em seu local de trabalho está ancorada, principalmente, na
abordagem sociocultural e etnográfica dos Estudos de Letramento (STREET, 1984, 1993;
KLEIMAN, 1995) e no dialogismo bakhtiniano (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985;
BAKHTIN, [1952-53/1979] 2003, BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988). Neste capítulo,
exponho a que lugares essas perspectivas teóricas levam esta pesquisa, como contribuem
para a investigação sobre formação do professor.
Como destaca Matencio (2009, p. 6), “a contribuição determinante de estudos
sobre o letramento resulta de assumirem que se lida, sempre, com práticas – no plural” e
que essa perspectiva procura “flagrar e compreender as atividades de leitura e escrita no
âmbito das práticas sociais em que ocorrem” (MATENCIO, 2009, p. 5). Isto que permite a
investigação dos usos efetivos da linguagem, em diferentes grupos e por diferentes sujeitos.
Tal compreensão dos usos da língua como sempre situados coaduna-se com a compreensão
de que a linguagem nunca se dá no vazio, mas sempre numa situação histórica e social
concreta, através da interação (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985).
Antes de aprofundar as linhas teóricas que sustentam a perspectiva aqui
adotada, é importante frisar o caráter transdisciplinar e crítico desta pesquisa advindo do
campo da LA. Ao voltar-se para problemas sociais em que os usos da linguagem têm papel
central (MOITA-LOPES, 2006), os estudos em LA seguem uma postura crítica perante a
linguagem, com uma orientação explícita para o desenvolvimento de uma agenda política,
transformadora/intervencionista e ética, “decorrente da ideia de que nossas práticas
discursivas envolvem escolhas que têm impactos diferenciados no mundo social e nele
interferem de formas variadas” (FABRICIO, 2006, p.49). Assim, as escolhas teóricas aqui
44
feitas, dentre os muitos “lugares” possíveis como destaca a fala de Zavala (2013) em
epígrafe deste capítulo, têm a ver com a maneira como entendo o objeto de pesquisa, e com
os efeitos que uma determinada abordagem pode ter para o objeto e para seus participantes,
no caso, professoras alfabetizadoras.
Os objetos de pesquisa escolhidos pelo linguista aplicado, por sua
complexidade, requerem o recurso a várias áreas de conhecimento, configurando-se como
um caminho possível para dar conta dos objetivos do campo, que apresentam
compromissos sociais com realidades que envolvem demandas de grupos periféricos, que
sofrem diferentes tipos de desigualdades e de privações (CAVALCANTI, 1986;
KLEIMAN, 1992; CELANI, 1992; MOITA-LOPES, 2006; KLEIMAN, 2013; ROJO,
2013b). Assim, a busca por diálogos com outras áreas do conhecimento– Educação,
Análise do Discurso, Crítica Literária, Estudos Culturais, Antropologia, Sociologia,
Sociolinguística Interacional - para além das duas principais perspectivas aqui adotadas
tem a ver com a natureza das investigações em LA (KLEIMAN, 2013).
As questões de pesquisa escolhidas por um linguista aplicado ganham ainda
outro desenho quando consideramos a realidade brasileira. De acordo com Kleiman (2013),
um linguista aplicado brasileiro não pode esquecer o lugar em que são produzidos
conhecimentos, identidades e relações em jogo na pesquisa: “desde um espaço-tempo que
sofreu séculos de colonização, um lócus que marca os nossos corpos, as nossas palavras”
(p. 43) e, como defende a autora, deveria marcar nossas epistemes. A proletarização do
professor, a exclusão e o ensino na escola pública, conflitos e interculturalidade na
formação docente são alguns dos temas indicados por Kleiman (2013) como interessantes
para o linguista aplicado que quer investigar “com olhos do sul, para o sul, de uma posição
de vantagem porque é fronteiriça e ao mesmo tempo exterior, ocupando, assim, uma
terceira, diferente e privilegiada posição” (KLEIMAN, 2013, p.50-51).
Tendo por base esses pressupostos, como já dito, o foco desta pesquisa é um
grupo cujos saberes não são legitimados por aqueles que têm vozes poderosas socialmente,
como a academia, a grande imprensa e o Estado, e pretende servir para reorientar
formações oferecidas a professores que pouco contribuem, na ótica dos próprios sujeitos,
para o enfrentamento de questões complexas de sala de aula. Muitas vezes, a avaliação do
45
que faz o professor da escola básica se baseia em parâmetros acadêmicos, principalmente
os relacionados à escrita. Esta, como mostram pesquisas do grupo Letramento do
Professor, pode se tornar um poderoso mecanismo de constituição da subalternidade dos
docentes, como também pode ser usada para subverter essa subalternidade (KLEIMAN,
2006, 2013; VÓVIO, 2007; VALSECHI et. al., 2014; KLEIMAN, VIANNA, DE
GRANDE, 2013).
Partindo desse lugar, buscamos perspectivas que permitam ouvir essas vozes,
considerá-las como produtoras de conhecimentos que podem ser legitimados e integrados
em formações oferecidas por instituições de prestígio.
3.1 Estudos de Letramento em diálogo com o Círculo de Bakhtin: perspectiva
teórico-metodológica e alguns conceitos analíticos
A perspectiva dos Estudos de Letramento, que compreende o letramento como
um conjunto de práticas discursivas que envolvem os usos da escrita (KLEIMAN, 1995),
ajuda a entender as práticas relacionadas à formação do professor de maneira situada, sem
desconsiderar as intersecções com contextos sócio-históricos mais amplos. Isso porque essa
perspectiva, numa abordagem etnográfica de pesquisa, busca investigar as práticas sociais
de uso da língua escrita e os significados que os participantes a elas atribuem sem perder de
vista as relações de poder, as dinâmicas identitárias e as diferentes forças que atuam nos
contextos investigados. Investigar práticas de letramento envolve investigar os valores, as
significações, os conhecimentos mobilizados pelos participantes (KLEIMAN, 1995),
elementos constitutivos das práticas e que indicam aspectos sócio-históricos destas,
inclusive seus diálogos harmoniosos ou conflituosos com diferentes vozes sociais
(BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988), mais ou menos poderosas, com mais ou menos
penetração em instâncias políticas e educacionais no que se refere à formação do professor.
Para isso, mobilizo a noção de práticas de letramento, entendidas como formas
culturais de utilização da língua escrita (BARTON, HAMILTON, 2000), que envolvem
“aspectos não apenas da cultura mas também das estruturas de poder numa sociedade”
(KLEIMAN, 1995, p. 38). Essa definição permite refletir sobre a relação entre as atividades
46
que envolvam o uso da escrita na formação de professores e as estruturas sociais em que
elas estão inseridas e as quais ajudam a construir.
As práticas de letramento envolvem valores, atitudes, sentimentos e relações
sociais (STREET, 1993). Por isso, podem ser compreendidas como “os caminhos culturais
de utilização da linguagem escrita que as pessoas realizam em suas vidas: o que as pessoas,
grupos sociais e sociedades fazem com a escrita” (VÓVIO, 2008, p.02). Como afirma
Matencio (2009, p.8):
se as práticas de letramento são situações em que um “artefato” escrito é
essencial para a interação, porque integra a própria natureza da
interlocução e do processo de produção de sentido, elas implicam tanto o
que se faz quando se lê e se produz texto, quanto as concepções que lhes
são subjacentes e os modelos sócio-cognitivos que subjazem a essas
representações, dando-lhes significado.
Assim, estudar as práticas de letramento formativas no local de trabalho do
professor envolve não só investigar o que se lê e escreve, mas que valores estão em disputa
ao se ler, escrever e falar sobre o que se lê e escreve, que significações são construídas
naquela situação específica pelo grupo de professoras ao participar dessas práticas.
As práticas não são unidades observáveis de comportamento, exatamente por
envolverem também valores, atitudes, sentimentos e relações sociais. Então, para analisar e
refletir sobre as práticas de formação do professor, escolho como unidade de análise
eventos de letramento formativos nas reuniões de corpo docente na escola. O conceito,
cunhado por Heath (1982), é entendido como “ocasiões em que a língua escrita é parte
integrante da natureza das interações entre os participantes e de suas estratégias e processos
interpretativos” (HEATH, 1982, p. 50)24. Os eventos de letramento são construídos na
interação entre os participantes, o que leva a entender letramento como social e localizado
na interação interpessoal (GOFFMAN, 2001; BARTON, HAMILTON, 2000).
Nas reuniões de HTPC observadas, a escrita constitui grande parte dos eventos
de diferentes maneiras: como objeto de ensino a ser debatido (maneiras de alfabetizar,
textos escritos recomendados para o trabalho em sala de aula, dificuldades de escrita dos
24 Tradução minha de “occasions in which written language is integral to the nature of participants´
interactions and their interpretive processes and strategies”.
47
alunos etc.); como textos-base tomados como referência para a interação (documentos e
avaliações oficiais, leituras prévias das participantes) e como constitutiva da organização do
evento e de seu registro (pauta, ata, anotações no caderno de cada professora). Ou seja,
mesmo ocorrendo em grande parte oralmente, na interação entre as professoras e a
coordenadora, as reuniões também são constituídas por textos escritos, pois esses
constroem os processos interpretativos das participantes. Daí serem considerados eventos
de letramento.
Estudos mais recentes ligados aos Estudos de Letramento, situados na
perspectiva transdisciplinar e crítica da LA, têm apontado para a heterogeneidade de
práticas de letramento e para as múltiplas identidades construídas nessas práticas. Diante de
um mundo em transformações frenéticas, numa sociedade altamente letrada e
tecnologizada, as pesquisas enfatizam a necessidade de a escola preparar seus alunos para
práticas de letramentos múltiplos e muito diferenciados, relacionados a um conjunto
variado de identidades possíveis de serem construídas; letramentos valorizados ou não a
depender dos contextos, locais e globais, cotidianos e institucionais, “sempre em contato e
conflito” (ROJO, 2008, p. 584).
Contudo, com essa multiplicidade e complexidade de práticas de letramento de
nossa sociedade, as inúmeras categorizações e adjetivações do termo letramento podem
fazer com que se perca de vista o que há de comum entre práticas de letramento para
manter a especificidade do conceito e ainda podem reduzir a complexidade das relações de
poder situadas em diferentes contextos sociais. Bartlett (2003), ao criticar essa pluralização,
defende a criação de categorias totalizantes desse conjunto conceitual que se criou a partir
de “letramento”.
Por exemplo, os conceitos de letramentos dominantes e vernaculares, propostos
por Barton e Hamilton e muito retomados nas pesquisas no campo, têm a ver com o fato de
as práticas de letramento serem padronizadas por instituições sociais e relações de poder,
sendo que algumas se tornam mais dominantes, visíveis e influentes do que outras
(BARTON, HAMILTON, 2000) em determinados contextos. Hamilton (2002) define
“letramentos vernaculares” como letramentos locais, “autogerados”, com origem no fazer
cotidiano, que não são controlados ou sistematizados por instituições sociais. Os
48
letramentos dominantes seriam os institucionalizados por organizações formais, como a
escola, o local de trabalho, o comércio. Os dois seriam interdependentes, mas com poder
social distinto.
Apesar de salientar um aspecto importante das práticas de letramento em nossa
sociedade - as relações de poder entre diferentes letramentos -, a dicotomização entre
letramento dominante e letramento vernacular torna os conceitos muito estáticos. Além
disso, parece simplificador concebê-los como dominante ou vernacular somente pelo fato
de o contexto ser ou não institucional – sem considerar as relações construídas entre os
sujeitos e grupos sociais situadamente. Segundo Bartlett (2003), nessa perspectiva, os
letramentos tornam-se nominalizados e reificados, o que pouco colabora para uma
compreensão dos hibridismos das práticas. Vianna et al. (mimeo, s/p) destacam que
a dicotomização desses conceitos pode ser concebida como uma visão
ingênua, pois é questionável considerar os “letramentos vernaculares”
como “autogerados”, “marginais”, “invisíveis” representativos das
“culturas locais”, em oposição aos “institucionalizados”, “regulados”, dos
letramentos dominantes.
Essa “visão ingênua” da dicotomização a que se referem as autoras se torna
ainda mais saliente quando consideramos o mundo globalizado em que vivemos, em que,
por exemplo, comunidades consideradas locais, marginais, podem produzir um videoclipe e
divulgá-lo pela internet, misturando referências da cultura indígena com a cultura hip hop25.
Se tomarmos o caso desta pesquisa, ao enfocar práticas de letramento que ocorrem na
escola em reuniões de corpo docente, ou seja, práticas consideradas institucionais,
poderíamos considerá-las práticas de letramento dominante dentro da concepção proposta
por Barton e Hamilton (2000). Porém, apesar de situadas no espaço escolar26, essas práticas
formativas do professor costumam ser desvalorizadas e desconsideradas em relação à
formação e aos saberes acadêmicos. Tudo isso confirma que a categorização estanque entre
dominante ou vernacular não funciona quando encaramos a complexidade dos valores
25 Por exemplo, o grupo de Rap indígena Bro Mc´s, que tem clipe oficial divulgado na internet. Disponível em
< http://www.youtube.com/watch?v=oLbhGYfDmQg>. Acesso em 03/02/2014. 26 Considero que o que define uma prática de letramento como escolar é seu objetivo, qual seja: a inserção,
para fins de escolarização, de obtenção de diploma, nas práticas de uso da escrita. Portanto não é o espaço
físico onde ocorrem as práticas que as definem, mas o espaço institucional e discursivo, ou seja, a esfera de
atividade humana no sentido bakhtiniano.
49
atribuídos às práticas de letramento por diferentes sujeitos e em diferentes contextos, como
também as relações entre diferentes esferas de atividade humana.
Os valores atribuídos a práticas de letramento também são situados e
dependem do contexto relacional, tal como acontece com as identidades construídas nessas
práticas. Por isso, expressões como “letramento dominante” ou “letramento de prestígio”
ou “letramento marginal” tomadas em sentido totalizante, e as identidades a eles
relacionadas – por exemplo, aquele que sabe, que lê versus aquele não sabe, que não lê -
são contestáveis, porque o que é de prestígio ou não, o que é marginalizado ou não,
depende dos espaços de circulação, de determinada prática de letramento e dos
participantes da situação, demandando análises dos eventos situados para que se entenda
como esses letramentos são valorizados. Isso não exclui o fato de alguns valores
relacionados a usos da escrita serem mais poderosos socialmente que outros, apoiados e
veiculados pela imprensa, mesmo quando pesquisas científicas não sustentam tais
hierarquizações. Um exemplo disso é o caso da valorização da norma padrão da língua
portuguesa e do ensino da gramática normativa em detrimento de seus variados usos reais
pelos seus diversos falantes. O olhar situado permite perceber como são construídos tais
valores, como, quando e por que os sujeitos os acatam ou os subvertem e contestam.
Por isso, o destaque para pesquisas que se voltam para letramento(s) é o
olhar situado para as práticas sociais de uso da escrita em determinada esfera. Nesse
sentido, a teorização bakhtiniana é bastante fértil, pois coloca em jogo conceitos como
arena de combate, palavras e contra-palavras e forças centrífugas e centrípetas que sempre
agem nas diversas esferas de atividade humana (BAKHTIN, [1952-53/1979] 2003), e
entende o diálogo também como conflito que pode servir a subversões de padrões por
grupos minoritários.
Estudos do Letramento podem se beneficiar ao incorporar conexões entre poder
e conhecimento em sua perspectiva etnográfica (BARTLETT, 2003), ou seja, trazer um
enfoque sociológico para as pesquisas sobre os usos sociais da língua escrita. Um
movimento neste sentido se deu com o desenvolvimento do conceito de práticas de
letramento por Street (1983), concebidas como inextrincavelmente ligadas a estruturas
culturais e de poder na sociedade, como anteriormente discutido, ampliando o que se
50
investigava com base no conceito de evento. Há aqui uma mudança teórico-metodológica
que se volta para a relação do evento com práticas, contextualizando o que ocorre em
estruturas de poder e em significados culturais. O conceito de práticas de letramento, na
visão de Bartlett (2003), situa os eventos de letramento e as ações individuais em um
quadro social sólido. A autora defende que o conceito de práticas de letramento nos permite
superar as limitações da reificação e diferenciação (supergeneralizada) do conceito de
letramento.
Para abordar as questões de poder e as relações com estruturas sociais e
significados culturais, além do conceito de práticas de letramento, a teoria bakhtiniana é
mobilizada nesta pesquisa, pois agrega uma visão social e histórica sobre a linguagem,
dando destaque para como tais questões de poder estão nos enunciados concretos e são por
eles construídas27. Bakhtin/Volochinov ([1929] 1985), ao discutir a natureza da língua,
afirmam que esta é constituída pelo “fenômeno social da interação verbal, realizada através
da enunciação” (p. 123), estendendo a noção de diálogo a toda comunicação verbal. Nessa
perspectiva, qualquer discurso, escrito ou oral, é “parte integrante de uma discussão
ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as
respostas e objeções potenciais, procura apoio etc.” (p. 123).
Considerando, portanto, o(s) letramento(s) como práticas sociais situadas de
uso da escrita, que envolvem negociações entre os participantes e entre enunciados na
cadeia verbal que é a língua, nessa discussão ideológica em grande escala, a análise dos
eventos de letramento formativos é relacionada a uma análise discursiva dos enunciados. A
interação entre professoras, coordenadora e outros agentes da formação nos eventos ganha
importância no desenho desta pesquisa. Pesquisas do grupo Letramento do Professor
mostram que é na interação que se constroem identidades e papéis sociais, ressignificando
as práticas de letramento e reconfigurando o espaço discursivo de sala de aula (KLEIMAN,
27 Articulações entre os Estudos de Letramento e o Círculo de Bakhtin têm gerado esforços de
pesquisadores em LA no Brasil e propostas interessantes. Por exemplo, Cerutti-Rizzatti, Mossmann e
Irigoite (2013) propõem, como caminho metodológico-analítico para pesquisas em LA que se voltam para
a cultura escrita e para a escolarização, a noção de Simpósio Conceitual, que integra ideários de base
histórico-cultural: conceitos vigotskianos, bakhtinianos e dos estudos do letramento. As autoras desenham
um diagrama em que eventos e práticas de letramento são estudados com base nos conceitos de esfera de
atividade humana, cronotopo, interactantes, atos de dizer e estratégias linguísticas.
51
1998, 2005; SILVA, MATENCIO, 2005; SANTOS, 2005). Seguindo essa orientação,
busco compreender as dinâmicas discursivas e interacionais em outro espaço de formação,
também pelo fato de ser um espaço em que se constroem papéis sociais e identidades
profissionais para os agentes envolvidos: professoras, coordenadoras, diretoras de escolas,
funcionários da secretaria de educação e outros agentes, como a própria pesquisadora,
consultores pedagógicos e representantes de editoras de materiais didáticos.
Como corolário da perspectiva adotada, Vianna et al. (2012) defendem que o
letramento acadêmico poderia se abrir para negociar com os discursos do letramento do
professor com vistas à legitimação deste último, sem desconsiderar o trabalho daquele. É
nesse processo de negociação que se abre a possibilidade de diálogo, diferentemente de
uma prática acadêmica que, em geral, julgando relevantes apenas os seus próprios
conhecimentos, e ignorando o conhecimento do professor, exclui de suas pesquisas e dos
currículos saberes de grupos periféricos nas relações de poder a partir também de uma
perspectiva periférica28 (KLEIMAN, 2013).
Esse diálogo aqui proposto também seria profícuo quando pensamos nos
documentos oficiais, produzidos principalmente pelo MEC, que se baseiam em discursos
acadêmicos e são destinados a professores. Silva (2003) investigou a leitura dos PCNs de
Língua Portuguesa em díades com duas professoras da rede pública com o intuito de
conhecer como os conhecimentos de pesquisas das ciências da linguagem têm chegado aos
professores. Ao comparar as dificuldades das professoras participantes da pesquisa com os
trechos do documento em que estas ocorriam, a autora concluiu que essas dificuldades
estavam atreladas a problemas de textualidade no documento, no que se refere ao grau de
adequação dos materiais oficiais escritos para o professor e à retextualização de conceitos
científicos. No caso por ela investigado, o problema de inteligibilidade dos PCN encontrado
na leitura das professoras residia no fato de estes não explicitarem que tomam uma dada
teoria da enunciação como base para tratar de linguagem e não trazerem o esclarecimento
teórico necessário para sua compreensão pela professora alfabetizadora.
28 Perspectiva periférica é aqui compreendida como o reconhecimento de nosso lugar, também na
academia, na relação aos centros de produção de conhecimentos.
52
Diante das análises da leitura das professoras, a autora discute que, sem uma
discussão consistente a respeito das orientações educacionais, sem explicitação de seus
pressupostos, “as ‘inovações’ de áreas mais recentemente envolvidas na produção de
conceitos e formação dos professores alfabetizadores, como a linguística, chegam ao
professor como um modismo: não é mais para corrigir os erros dos alunos; não é para
ensinar gramática, é para ensinar letramento, etc.” (p. 8).
As reuniões de corpo docente, os cursos e oficinas oferecidos pelas Secretarias
de Educação e por editoras de materiais didáticos, práticas observadas nesta pesquisa, se
configuram como práticas de letramento do professor enquanto profissional, pois envolvem
usos da escrita relacionados a seu fazer específico e a sua formação, e nos mostram seus
interesses, suas leituras prévias, seus conhecimentos e seus valores, como também outras
forças que atuam no fazer docente (como o Estado que o emprega e o mercado editorial na
educação). Essas práticas não se igualam à formação acadêmica, ou seja, o letramento do
professor na formação que ocorre no local de trabalho não envolve, necessariamente,
práticas de letramento acadêmico. Há aí uma relação entre letramento acadêmico e
letramento do professor em um contexto ainda pouco investigado. A relação entre
letramento acadêmico e formação do professor é discutida por Kleiman (2007), que indica
que
mais do que conceitos específicos a serem aprendidos, o curso [de
formação de professores] deveria visar ao letramento do professor para o
local do trabalho, entendendo, assim, a escrita como um elemento
identitário da sua formação (KLEIMAN, 2001). Isso significa que, mais
do que a aprendizagem de determinados conceitos e procedimentos
analítico-teóricos, que mudam com as mudanças das teorias linguísticas e
pedagógicas, interessa instrumentalizar o professor para ele continuar
aprendendo ao longo de sua vida e, dessa forma, acompanhar as
transformações científicas que tratam de sua disciplina e dos modos de
ensiná-la (KLEIMAN, 2007, p. 19).
Isso quer dizer que é necessário formar um professor que está familiarizado
com práticas de letramento relacionadas ao seu fazer profissional, práticas que o autorizem
e o legitimem como professor, construindo uma identidade fortalecida, e ainda formá-lo
para buscar respostas aos desafios de sua prática pedagógica, desafios estes que mudam em
53
diferentes contextos e épocas. Ou seja, antes de saber classificar um ou outro fenômeno
linguístico, descrito em pesquisas da área, a formação do professor precisa se preocupar em
prepará-lo para planejar suas aulas, selecionar os gêneros e textos relevantes para seus
alunos, saber analisar os textos selecionados junto com seus alunos para perceber suas
compreensões e auxiliá-los a compreender efeitos de sentido de diferentes usos da língua
em textos que circulam em práticas sociais diversas, conhecer as produções dos alunos e
saber instigá-los a produzir outros textos para agir no mundo social. Além disso, formá-lo
para ler e se posicionar frente a documentos oficiais que regulam seu fazer profissional e a
textos pertencentes a gêneros científicos e de divulgação científica que discutem e teorizam
sua prática pedagógica para (re)avaliar seu fazer, as práticas cristalizadas na instituição
escolar, ou mesmo se posicionar a favor ou contra tais textos.
Nessa perspectiva, há uma distinção a se fazer entre os saberes necessários para
o uso da escrita em contextos acadêmicos e aqueles necessários para o ensino da escrita
(VIANNA et al., 2012) na educação básica. A diferença tem a ver com a forma com que
entendemos o letramento do professor, aspecto constitutivo, identitário de sua função como
formador de novos leitores e usuários da língua escrita (KLEIMAN, 2009). Não é o
conhecimento de teorias acadêmicas (as quais recheiam os cursos de formação), “por maior
que seja seu poder ou sua eficácia para explicar os fenômenos da linguagem” (KLEIMAN,
2008, p. 510), o que faz com que os professores estejam preparados para o desafio do
ensino da língua materna (VIANNA et al., 2012). A construção de uma identidade positiva
como profissional, que envolve a familiarização com práticas de letramento relacionadas ao
fazer docente, mobilizando gêneros diversos – inclusive os acadêmicos - tendo como
objetivo a prática pedagógica é mais efetiva para o professor em sala de aula.
Vianna et al. (2012), ao contrastarem os conceitos de letramento acadêmico e
letramento do professor a partir da perspectiva adotada por nosso grupo de pesquisa
Letramento do Professor, ressaltam que programas de formação de professores devem se
basear na análise das práticas de letramento no local de trabalho, levando em conta as
exigências da comunicação na sala de aula, bem como considerar as relações de poder aí
constituídas e sua ligação com o contexto social mais amplo. Expandindo essa
consideração, com base nesta investigação, defendo que a análise de práticas de formação
54
do professor no seu local de trabalho também oferece subsídios para se repensar o
letramento acadêmico em cursos de pedagogia, licenciaturas e cursos de formação
continuada de professores. De acordo com as autoras:
acreditamos que enriquecer a formação continuada com o letramento
acadêmico, ou seja, favorecer a participação do professor em práticas
acadêmicas que estejam de alguma forma relacionadas ao seu contexto de
atuação pode, sim, ajudar a instrumentalizar o professor para sua atuação.
O que não quer dizer, entretanto, estudar ou aprender teorias para aplicá-
las em sala de aula. É esta, a propósito, a representação equivocada que
muitas vezes os professores têm de o que seria um curso de formação
inicial ou continuada (VIANNA et. al., 2012, s/p.).
Observar as práticas de letramento formativas no local de trabalho docente se
torna interessante para entender as demandas de formação do professor e suas apreciações
valorativas sobre sua formação e atuação profissionais, bem como sobre teorias linguísticas
e educacionais que chegam a ele. Além disso, espaços coletivos de trabalho docente
constituem sua identidade profissional. De acordo com Souza (1996), em sua pesquisa
sustentada na metodologia da história oral, é na escola que os professores se constroem
como classe, ao vivenciarem conflitos reconhecidos como comuns. Os professores se
reconhecem no cotidiano compartilhando uma identidade, a de ser professor.
São muitas as perspectivas para estudar a formação do professor, seja em cursos
de formação, na interação com formadores acadêmicos, seja no cotidiano do trabalho do
professor, na interação com seus pares29. Compartilho a compreensão de Tardif e Lessard
(2008), que definem a docência uma forma particular de trabalho sobre o humano,
essencialmente social, e que se dá por meio de interações humanas: o professor se dedica a
seu “objeto” de trabalho, que é outro ser humano e sua formação. Para os autores, essas
características são suficientemente originais e particulares para distinguir a docência de
outras formas de trabalho, sobretudo daqueles com a matéria inerte.
29 Um conjunto grande de estudos na Linguística Aplicada, por exemplo, toma o ensino como trabalho e o
trabalho do professor como “métier” (MACHADO, 2004, 2010; AMIGUES, 2004), utilizando como
arcabouço teórico-metodológico as Ciências do Trabalho, tais como Psicologia do trabalho, Ergonomia da
atividade, Ergologia, Psicologia Sócio-histórica. Essa perspectiva enfoca, em geral, o fazer do professor
realizado em sala de aula na relação entre o prescrito, o planejado e o realmente executado.
55
Souza (1996) investigou representações do trabalho docente em um grupo de
professores do Ensino Médio de uma escola da cidade de São Paulo em meados da década
de 90. Seu estudo defende que há representações sobre o trabalho docente que não o
compreendem somente como força de trabalho, mas como portador de outras dimensões,
tais como a possibilidade de mudança social, de criação e transformações culturais e de
ação política. Isso porque o processo de trabalho do professor não pode ser entendido
somente nas dimensões de controle e autonomia de seu fazer, pois envolve outras
dimensões, como a formação de novas gerações para além de conteúdos a serem
ensinados/aprendidos. Segundo a autora, ao analisar depoimentos de professores, mais de
dois terços dos professores consideram-se trabalhadores especiais, por serem portadores de
possibilidades de transformação social. Por isso, não consideram o trabalho docente
comparado ao fabril ou outras ocupações, pois seu conteúdo não se materializa numa
“coisa”, num produto.
A adoção dos conceitos eventos e práticas de letramento para abordar a
formação do professor em seu local de trabalho traz como possibilidades explorar também
conhecimentos, saberes, valores e relações sociais que constituem essas práticas e que não
são apenas da escola; são socio-históricos, o que permite explicar, por exemplo, os ecos do
trabalho religioso na formação do professor em seu local de trabalho (como veremos nos
capítulos 5 e 6).
Um conceito relevante é o de agência, adotado nas análises e reflexões desta
pesquisa e outras da perspectiva dos Estudos de Letramento (KLEIMAN, 2006; SITO,
2010; ZAVALA 2011), que se relaciona à ideia de agente social, que age na coletividade,
exercendo sua ação em função dos objetivos de um grupo social de maneira estratégica,
mesmo que influenciado pela subjetividade dos sujeitos e pelos discursos disponíveis num
dado contexto. Ou seja, nessa perspectiva, é possível focalizar melhor o que os sujeitos
fazem, o que realizam diante de uma dada conjuntura, e o que mobilizam para fazê-lo.
A necessidade de levar em conta as significações dos professores, possibilitado
pela perspectiva dos Estudos de Letramento, sustenta-se nos pressupostos do grupo
Letramento do Professor em relação à formação. Acreditamos que uma proposta de
formação continuada, para não perpetuar uma concepção limitadora de letramento - que o
56
vê como processo autônomo e lhe atribui qualidades universais (STREET, 1995), precisa
questionar as relações de poder que definem a interação entre acadêmicos e professores
(KLEIMAN, 2005; VALSECHI, 2009; VIANNA, 2009; DE GRANDE, 2010), entre os que
têm suas leituras legitimadas e os que não as têm (VÓVIO, 2007), para não reproduzir a
hierarquia social, continuar conferindo autoridade às elites e garantir a reprodução de
valores que são, muitas vezes, “contrários aos interesses de vários grupos, inclusive o dos
alfabetizadores e professores” (KLEIMAN, 2005, p. 11).
3.1.2 Construção de identidades e eventos de letramento
Considero que as práticas de letramento relacionadas à formação do professor
no local de trabalho podem ser lugares de negociação e transformação de saberes,
identidades e práticas profissionais (KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013). Parto de
uma concepção identitária do letramento, em oposição a uma concepção instrumental,
funcional da escrita, “que se centra geralmente nas capacidades individuais de uso da língua
escrita em cotejo com uma norma universal do que é ser letrado” (KLEIMAN, 2010, p.
376). Práticas de letramento estão associadas a diferentes status sociais em função das
identidades que podem ser nelas e por elas construídas, pois diferentes formas de leitura e
escrita que aprendemos e usamos estão associadas, entre outros fatores, a identidades e
expectativas sociais acerca de modelos de ação e papéis que desempenhamos (STREET,
2006), o que também muda dependendo das condições efetivas de uso da escrita.
Em práticas de letramento, por meio do trabalho, do ativismo político, dos
relacionamentos pessoais etc., “estamos assumindo – ou recusando – as identidades
associadas a essas práticas” (STREET, 2006, p. 470). Nas mais variadas práticas de
letramento, é na interação que os participantes negociam sentidos e identidades. Segundo
Kleiman (2010, p. 388, 389),
os processos que contribuem para as construções identitárias são
discursivos. Para além das identidades nacionais, étnicas, de gênero, são
construídas discursivamente identidades profissionais, como as de
professor, médico, advogado; identidades reguladoras e avaliativas, como
as que classificam e dividem uma turma em alunos bons ou ruins; com ou
sem ‘futuro’; bons meninos e delinquentes. O processo acontece
diuturnamente em instituições formadoras, como a escola, as faculdades,
57
enfim, nos espaços onde se ensina aos alunos a falar e pensar como os
membros do grupo social, ou profissional, a que aspiram pertencer. Nesse
processo, a interação é determinante, pois permite que os participantes se
posicionem e sejam posicionados pelo outro segundo relações de poder,
status, hierarquia, gênero, etnia.
Assim, é na interação que os participantes negociam quem são, que se
diferenciam de uns e se identificam com outros. Pesquisas etnográficas apontam que as
pessoas em diferentes posições podem rejeitar e negociar as identidades que lhes são
atribuídas na relação com o outro. O fato de a identidade sempre ser construída em relação
ao outro e depender da situação comunicativa é o que faz Cuche (2002) afirmar que a
identidade é sempre relacional. Woodwad (2000) também defende que a identidade
depende de uma oposição com o outro, é marcada pela diferença, mas destaca que algumas
diferenças são vistas como mais importantes que outras, em lugares particulares e em
momentos particulares. O caráter relacional da identidade é uma marcação simbólica em
relação a outras identidades num determinado contexto, ou seja, há sempre o movimento de
diferenciação com o outro para a construção da identidade de um eu ou um nós. A
alteridade constitui a identidade.
No mundo pós-moderno da segunda metade do século XX, o sujeito é
considerado fragmentado e não se concebe uma identidade única, essencial ou interior ao
sujeito, que seria composto de várias identidades, algumas contraditórias ou não-
resolvidas. Nessa conjuntura, a identidade se constitui como uma associação a um grupo,
sendo as escolhas identitárias mais políticas, mais “associativas” que designadas (HALL,
2006, p. 64). Além disso, uma identidade particular não pode ser definida apenas por si só,
por sua presença e conteúdo, pois “todos os termos da identidade dependem do
estabelecimento de limites – definindo o que são em relação ao que não são” (HALL, 2006,
p. 81). Andreson e Zuiker (2010, p. 293) definem identidade como uma construção social
alcançada através da interação de dois fatores:
(1) performances micro-interacionais por meio das quais os indivíduos se
posicionam a si mesmos e aos outros, como também sua participação em
práticas à luz de (2) significados disponíveis dessa participação relativos à
58
mediação de contextos macrossociais (ex. curriculum, instituição,
ideologias do conhecimento)30.
Com base nisso, considero que as identidades são construídas pela participação
em práticas que são situadas e por discursos disponíveis no contexto sócio-histórico
observado. Essa perspectiva assume que a identidade é construída no discurso, pelos usos
da linguagem, mas que essas construções não são completamente livres (KLEIMAN,
1998), não se dão no vazio, pois a própria linguagem nunca se dá no vazio em sua realidade
dialógica e social e toda prática social situada está inserida, é influenciada e influencia o
contexto sócio-histórico mais amplo (BAKHTIN, [1934, 1935] 1988,
BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985).
Bauman (2005), que considera o mundo pós-moderno como “líquido”, defende
que as instituições e relações líquidas tornam a identidade um conjunto de problemas,
questões, e não uma campanha de tema único. O autor salienta o aspecto de batalha que
sempre envolve a questão da identidade. Para ele, “sempre que se ouvir essa palavra
[identidade], pode-se estar certo de que está havendo uma batalha” (BAUMAN, 2005, p.
83). Dessa forma, é possível entender identidade como um construto ideológico e político;
refeita permanentemente; território da luta social, em que um diz ao outro o que é e o que
não é (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]1985). E, como a identidade é negociável,
também é manipulável: um traço de identidade pode ser mais útil em determinado
momento e, então, é destacado.
Também com base nos estudos do Círculo de Bakhtin, Cerutti-Rizzatti,
Mossmann e Irigoite (2013) rejeitam a ideia de identidades múltiplas, se afastando de
abordagens pós-modernas, e as concebem nas movências das relações sociais que o sujeito
estabelece na história entre o ontem e o hoje e entre o hoje e o amanhã. As autoras
compreendem a identidade nos encontros, conceito que tomam de Ponzio (2010), ou seja,
enfocam a relação dialógica com a alteridade, o encontro da outra palavra com a palavra
outra. A definição de identidade na alteridade não é entendida, pelas autoras, em uma
perspectiva dicotômica – ser ou não ser, e sim nas movências, considerando ancoragens
30 Tradução do original: “(1) micro-interactional performances through which individuals position themselves,
each other, and their participation in practices in light of (2) available meanings of such participation relative
to mediating macrosocial contexts (e.g., curriculum, institution, ideologies of knowing)”.
59
identitárias sempre temporárias, “tanto quanto movimentos de deslocamento das âncoras,
nas busca de novos pontos temporários de fixidez” (CERUTTI-RIZZATTI, MOSSMANN
e IRIGOITE, 2013, p. 53). Considero tal perspectiva relevante, na medida em que permite
associar o caráter movente e de negociação da identidade à história dos sujeitos e aos
discursos a eles disponíveis nas esferas de atividade humana.
Na pesquisa de Vóvio (2007), alfabetizadores de jovens e adultos, sem
formação específica para lecionar, constroem identidades leitoras no alinhamento a práticas
de letramento variadas, “ora sustentando e reafirmando a cultura tomada como legítima, ora
mesclando-a com valores locais, ora rompendo ou resistindo a ela” (VÓVIO, 2007, p. 246).
O outro no processo de construção identitária, nesse caso, é a cultura tomada como
legítima, a leitura de cânones literários, utilizada de diferentes maneiras nesses processos de
identificação e diferenciação. As análises de interações entre educadores e pesquisadora em
rodas de conversa mostram o papel do letramento na construção identitária. Nesse processo,
as imagens de si dos educadores populares convergiram para um processo de
autolegitimação, no qual se apresentavam como leitores competentes, capazes de formar
outros leitores. Os discursos dos educadores investigados por Vóvio
estão saturados tanto da expressão de suas identidades leitoras como da
imagem de si que produziram, implicando tanto configurações locais,
relacionadas aos status e lugares que ocupam na situação, como outras
mais amplas relacionadas a configurações culturais, profissionais e
societárias. Objetivar-se como leitor ou conceber-se como um leitor-tipo
exigiu dos educadores participantes reunirem um conjunto de traços e
características (atributos e propriedades) que estabelecem fronteiras entre
nós e eles e constroem pontes com os outros (com os quais se
identificam), com comunidades que se deseja instaurar ou das quais se
deseja participar. Esses enunciados se referem tanto ao pertencimento a
um determinado grupo (daqueles que dizem e valoram certas práticas, que
as realizam de modos situados, com pessoas e com determinados objetos e
instrumentos culturais), como à credibilidade do pertencimento declarado
(a plausibilidade daquilo que dizem e afirmam ser). Expressam, portanto,
a avaliação apreciativa e o posicionamento dos sujeitos diante dos objetos
de seu discurso e diante das posições de outros que influem no seu dizer.
(VÓVIO, 2007, p. 245, 246).
Para se afirmar como pertencente a um grupo, construir uma identidade e ser
reconhecido nesta, há um jogo de disputas e significações tanto com o outro de quem se
60
quer diferenciar quanto em relação a avaliações e posicionamentos sobre determinados
objetos de discurso, conforme aponta Vóvio (2007). Assim, os objetos discursivos tratados
na formação do professor em seu local de trabalho e o posicionamento das participantes
sobre eles são elementos relevantes na análise de suas identidades como professoras e são
elementos que as participantes usam para afirmarem quem são naquela situação
comunicativa e como projetam seus interlocutores.
A configuração dos eventos de letramento e os gêneros31 atualizados nos
eventos de formação do professor podem ser estratégias dos sujeitos para se afirmarem
nessas situações comunicativas, utilizados para se (re)posicionar frente a discursos sobre
sua profissão e sua formação, para negociar identidades. Isso quer dizer que eventos e os
gêneros neles mobilizados podem ter como objetivo responder a outros discursos sobre o
professor, autorizar-se a si mesmos, criar espaços para agência32 (KLEIMAN, 2000, 2006;
HOLLAND et al., 2003; KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013) dentro de um
contexto complexo de grande importância social como é a escola.
Em um evento de letramento, um ou mais gêneros são mobilizados na interação
entre os participantes. O conceito de evento de letramento proposto por Heath (1982) está
baseado no conceito de “evento de fala”, desenvolvido por Hymes na Etnografia da
Comunicação, que, por sua vez, tomou o termo emprestado de Roman Jakobson
(GUMPERZ, 2008). O enfoque nessa tradição de pesquisa é no funcionamento da
linguagem em eventos de fala documentados, em detrimento de um enfoque nas relações
entre normas culturais de uma comunidade e estruturas linguísticas abstratas, este
preponderante na época em que Hymes propôs seu enfoque (HYMES, 1972; GUMPERZ,
COOK-GUMPERZ, 2008).
Essa perspectiva teórico-metodológica iniciou pesquisas que combinavam o
trabalho de campo etnográfico com a análise linguística. O termo “evento de fala” foi
31 As questões relativas aos gêneros serão aprofundadas na próxima seção. 32 Varghese et al (2005) definem agência como uma categoria que permite dar ênfase ao indivíduo como ser
intencional, como um elemento crucial na formação de identidades, opondo-se a modos deterministas de
percebê-lo. Para Kleiman (2006), interessa para a formação do professor o conceito de agente social
(ARCHER, 2000): aquele que age na coletividade, em função dos objetivos de um grupo social, com
capacidade para articular os interesses partilhados pelos membros da coletividade, organizar o grupo para a
ação conjunta, gerar movimentos sociais.
61
adotado como um “nível intermediário de análise que fornece acesso ao processo
interpretativo que motiva as ações dos participantes” (GUMPERZ, COOK-GUMPERZ,
2008, p. 536). Os eventos são tomados como unidades de análise para examinar práticas
interpretativas em detalhe. Assim, eventos são concretamente disponíveis para a
investigação etnográfica e constituem unidades de interação sujeitas à análise direta por
meios empíricos estabelecidos (GUMPERZ, 2008).
O foco em eventos leva em consideração não só os dados linguísticos, como
também o cenário, os gestos, os silêncios, entre outras ações dos participantes. A tradição
da Sociolinguística Interacional contribui para esse enfoque ao tomar o evento como
unidade de análise e caracterizá-lo como enunciados sequencialmente ligados, isolados para
a análise quando, diferenciáveis de outras unidades no material gravado, por meio de algum
nível de coerência temática, inícios e fins detectáveis através de mudanças no conteúdo,
prosódia, estilo ou outras marcas formais dos enunciados (GUMPERZ, 2008). Como
explica Gumperz (2008), a Sociolinguística Interacional (SI) é uma abordagem à análise da
fala que tem suas origens na busca por métodos de análise qualitativa para explicar a
habilidade de interpretar dos participantes em práticas comunicativas cotidianas, se
concentrando nas situações concretas de fala ou nos eventos de fala. Interagir é se engajar
em um processo de negociação de sentidos num dado evento.
Ribeiro e Garcez (2002) definem, evento de fala como
definição social da atividade de fala que se desenvolve na situação,
dependendo das oportunidades e das restrições à interação proporcionadas
pela mudança dos participantes e/ou do objeto da interação. Os eventos se
desenvolvem ao redor de um tópico ou no máximo de um âmbito limitado
de tópicos e se distinguem por suas estruturas sequenciais. Eles são
marcados por rotinas de abertura e fechamento estereotipadas e, portanto,
reconhecíveis (p. 261, 262).
Um evento de fala, assim como um evento de letramento, tem um começo e um
fim identificáveis. Envolve atividades que são governadas por regras e normas da fala
(HYMES, 1977). Para participarem de interações verbais – como as ocorridas em HTPC, os
participantes envolvidos utilizam regras interacionais, que se baseiam em seus
62
conhecimentos práticos sobre a configuração de um dado evento e sobre como agir em
eventos relacionados à mesma prática social (MATENCIO, 1999).
Nos eventos, são construídos não só os objetos do discurso como também
lugares e funções sociais dos interlocutores (MATENCIO, 1999). Dessa forma, a análise
dos eventos formativos na HTPC ajuda a compreender o que é priorizado como conteúdo
relevante na formação do professor no local de trabalho e os papéis e funções – suas
identidades - assumidos pelas professoras, coordenadoras e funcionárias da secretaria
municipal de educação. As identidades assumidas, construídas e (re)negociadas também
possibilitam ou interditam a agência das professoras em sua própria formação.
De acordo com Santos (2012)33, o evento tem uma ligação estreita com a ação,
e esta tem resultados imprevisíveis, pois, ao se dar sobre um meio, há uma combinação
complexa e dinâmica que tem o poder de deformar o impacto da ação. O evento seria,
então, uma interpretação dessa autonomia da ação, sua realização. Retomando Lefebvre
(1958) para quem um evento, tomado como momento, é a tentativa visando à realização
total de uma possibilidade, para Santos “os eventos são, todos, Presente. Eles acontecem
em um dado instante, uma fração de tempo que eles qualificam. (...) Os eventos são,
simultaneamente, a matriz do tempo e do espaço” (p. 145). Ao ressaltar a localização do
evento na relação tempo e espaço, Santos (2012) diferencia presente de instantâneo,
afirmando que o evento é sempre presente, mas tem uma duração. Os eventos, quando
acontecem, esgotam suas possibilidades; não se repetem; e se situam com precisão nas
coordenadas do espaço e do tempo. Na perspectiva de Santos (2001, p. 145), “os eventos
são, pois, todos novos. Quando eles emergem, também estão propondo uma nova história”
(p. 145). A característica de serem sempre novos não quer dizer que os eventos não se
relacionem e tenham continuidade entre si, pois, apesar de serem sempre atuais e absolutos,
na medida em que se estendem uns sobre os outros, participando uns dos
outros, eles estão criando a continuidade do mundo vivente e em
movimento (Leslie Paul, 1961, p. 126), ou, em outras palavras, a
continuidade temporal e a coerência espacial (SANTOS, 2012, p. 156).
33 Outras tradições em pesquisa voltam-se para a análise de eventos e suas reflexões podem contribuir para os
fins desta pesquisa. Na geografia, Milton Santos (2012) coloca a noção de evento como central para
interpretação geográfica dos fenômenos sociais.
63
Com base nos autores acima comentados, tomo evento como uma ocasião
única, irrepetível, nova, situada no tempo e no espaço, em que os interlocutores constroem
interpretações sobre o conteúdo do evento, ou seja, sobre o que está acontecendo no “aqui e
agora”, sobre si e sobre os demais participantes, que se desenvolve ao redor de um tópico
ou no máximo de um âmbito limitado de tópicos relacionados, com início e fim marcados,
(re)criando continuidades sócio-históricas.
3.3 Concepção dialógica de linguagem e método sociológico para análise
discursiva-enunciativa
Na investigação dos usos efetivos da língua escrita, os Estudos de Letramento,
ao enfocar os eventos, podem examinar a interação entre os sujeitos nas práticas sociais em
que ocorrem. Como vimos, devido ao olhar etnográfico e ao enfoque nos eventos, essa
perspectiva, em algumas pesquisas, deixa de lado a inserção sócio-histórica dos eventos em
determinadas práticas culturais e acabam por cair em uma diferenciação infindável entre
“tipos” de letramento. Para evitar, conforme defende Bartlett (2003), a reificação e
superdiversificação do conceito, é necessário examinar a produção cultural em face das
limitações e possibilidades históricas e estruturais, em vez de policiar fronteiras entre
letramentos, o que faço recorrendo às contribuições da perspectiva dialógica do Círculo de
Bakhtin.
A interação, central em estudos do campo do Letramento, possibilita uma
interface com a concepção de linguagem do Círculo de Bakhtin, pois a linguagem em sua
concepção dialógica é compreendida como um lugar de interação e negociações. Esse
conceito de linguagem possibilita entender que as práticas de letramento se concretizam em
um contexto sócio-histórico determinado e que os enunciados nelas produzidos estão
sempre em diálogos constantes com outros enunciados, numa cadeia ininterrupta,
ampliando, assim, a abordagem anteriormente detalhada.
A perspectiva sócio-histórica bakhtiniana complementa a análise da interação
na perspectiva etnográfica discutida anteriormente. Isso porque nas mais variadas práticas
64
de letramento, no uso da palavra, agimos discursivamente por meio de algum gênero do
discurso, compreendido aqui como uma matriz sócio-cognitiva e cultural (MATENCIO,
2003) que permite participar de eventos de fala e de letramento. O conhecimento do gênero
ou dos gêneros permite participar de eventos de diversas instituições e realizar as atividades
próprias dessas instituições com legitimidade. Os usos da língua, sempre por meio de
algum gênero, atravessam e compõem os eventos. Os eventos abarcam também o espaço e
os participantes e seus objetivos.
Ao compreender a linguagem como dialógica, a realidade da língua se
configura como uma cadeia verbal, sendo que cada elo dessa cadeia é social, assim como
toda a dinâmica de sua evolução. Com base na perspectiva do Círculo, a verdadeira
substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal, sendo que o
diálogo, no sentido estrito do termo, é apenas uma das formas de interação, já que “pode-se
compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido amplo, isto é, não apenas como a
comunicação face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 1985, p. 123).
O dialogismo constitutivo da linguagem, na concepção bakhtiniana, opera em
uma dupla dimensão: um enunciado se constitui em relação aos enunciados que o precedem
e também em relação aos que o sucedem na cadeia de enunciação. A dialogicidade se
encontra tanto no discurso alheio que constitui um enunciado – os já ditos – como na
orientação de todo enunciado a um discurso-resposta futuro: “ao se constituir na atmosfera
do ‘já dito’, o discurso é orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda não
foi dito, discurso, porém, que foi solicitado a surgir e que já era esperado” (BAKHTIN,
[1934-35/1975] 1988, p. 89).
O enunciado é tomado como a real unidade da comunicação discursiva que,
independentemente de sua extensão, conteúdo e construção composicional, apresenta
peculiaridades e limites precisos que o definem. De acordo com Bakhtin (2003), a
alternância dos sujeitos do discurso e a conclusibilidade do enunciado, que marca a
possibilidade de responder a ele, são os critérios que o definem. Assim, um enunciado tem
sentido pleno em determinadas condições concretas de comunicação que possibilitam uma
resposta ativa do outro.
65
A dialogicidade constitutiva de todo enunciado e os sentidos sócio-históricos
em embate se refletem e refratam na própria palavra. Encarada como parte do processo de
interação, a palavra acumula entoações do diálogo vivo dos interlocutores com valores
sociais e é o indicador mais sensível de toda transformação social; “as palavras são tecidas
a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais
em todos os domínios” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 1985, p. 41). Dessa forma, na
concepção de Bakhtin/Volochinov, a palavra é uma ponte, um território comum entre os
participantes, ou uma arena de luta, como afirma o autor:
cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se
entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A
palavra revela-se, no momento de sua expressão, como o produto de
interação viva das forças sociais (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]
1985, p.66).
A palavra, signo ideológico, ao refletir e refratar os sentidos sócio-
historicamente construídos, é tomada como campo de batalha pelo sentido. É nela que se dá
o embate por possíveis sentidos dos discursos relacionados à formação e à prática docentes,
pois a palavra sempre carrega acentuações valorativas dos interlocutores e a carga de outras
apreciações já feitas. Ou seja, ela nunca é neutra. A palavra aponta para uma realidade
externa a ela, mas sempre de modo refratado, sempre construindo diversas interpretações
desse mundo, através de diferentes apreciações valorativas, inerentes aos enunciados. No
uso da palavra, sempre nos posicionamos axiologicamente e adentramos uma corrente
ininterrupta de interações.
Sobre a apreciação axiológica de todo enunciado, Bakhtin ([1934-35/1975]
1988) faz considerações sobre a linguagem das profissões, os jargões profissionais. O autor
afirma que as possibilidades intencionais da língua
são realizadas em direções definidas (...), unem-se a determinados objetos,
âmbitos expressivos de gêneros e profissões. Dentro desses âmbitos, isto
é, para os próprios falantes, estas linguagens de gêneros e estes jargões
profissionais são diretamente intencionais – plenamente significativos e
espontaneamente expressivos; do lado de fora, para os não participantes
desta perspectiva intencional, essas linguagens podem parecer objetais,
66
características, pitorescas, etc. (BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988, p.
97).
A intenção do enunciado, a apreciação axiológica de todo enunciado, dentro da
perspectiva bakhtinina, tem relação com o conceito de vozes sociais. De acordo com
Bakhtin ([1934-35/1975] 1988, p. 106), “todas as palavras e formas que povoam a
linguagem são vozes sociais e históricas, que lhe dão determinadas significações
concretas”. Voz pode ser entendida, assim, como a vontade discursiva, a intenção, o tom
dado ao enunciado. O conceito de voz social foi desenvolvido por Bakhtin para abordar o
romance como plurilíngue. A relevância do conceito para a análise dos mais variados
enunciados em outros gêneros é o fato de que, ao teorizar sobre o romance, Bakhtin (1988)
sustenta que este reflete o plurilinguismo social, ou seja, é composto de diferentes vozes
sociais sempre presentes em quaisquer usos da linguagem.
O conceito de vozes sociais está ligado à concepção dialógica da linguagem do
Círculo de Bakhtin. Nesta, considera-se que os diferentes discursos admitem uma variedade
de lugares de enunciação, ou de vozes sociais. Segundo Bakhtin ([1934-35/1975] 1988, p.
96) “a vida social viva e a evolução histórica criam, nos limites de uma língua nacional
abstratamente única, uma pluralidade de mundos concretos, de perspectivas literárias,
ideológicas e sociais”. Essas várias linguagens do plurilinguismo, apesar de suas
contradições sócio-ideológicas, não se excluem umas as outras, mas se interceptam de
várias maneiras; são pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua interpretação
verbal (BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988).
Ao conceber a linguagem como dialógica, o enunciado é compreendido como
produto da interação social, ligado a uma situação material concreta e também ao contexto
mais amplo das condições de vida de uma comunidade linguística dada. Por isso, em cada
esfera social de atividade humana surgem e circulam diferentes gêneros do discurso
(BAKHTIN, [1952-53/1979] 2003). Apesar de sempre surgirem e circularem em um
gênero do discurso, os enunciados são únicos, pois além de refletirem situação material
concreta e o contexto mais amplo das condições de vida de uma comunidade linguística
dada, envolvem a apreciação valorativa dos interlocutores e as vozes sociais que são
trazidas para o enunciado no momento da enunciação.
67
De acordo com Rojo (2005), a teoria dos gêneros do discurso centra-se no
estudo tanto das situações de produção dos enunciados quanto nos seus aspectos sócio-
históricos. Os gêneros do discurso constituem nossos usos da linguagem, nossa experiência,
como destaca Bakhtin ([1952-53/1979] 2003, p. 282, 283):
as formas da língua e as formas típicas dos enunciados, i. e, os gêneros do
discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e
estritamente vinculadas. Aprender a falar significa aprender a construir
enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e,
evidentemente, não por palavras isoladas).
O conceito de gênero na obra bakhtiniana já se encontra em elaboração no texto
do Volochinov de 1929, “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, com alguma diferença
terminológica34: “cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso
na comunicação socioideológica. A cada grupo de formas pertencentes ao mesmo gênero,
isto é, a cada forma de discurso social corresponde um grupo de temas”
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 1985, p. 43).
A relativa estabilidade dos gêneros – relacionada às esferas sociais e à
possibilidade de ação e comunicação entre sujeitos - é constantemente ameaçada por forças
de mudança, que podem ser mais ou menos fortes, a depender do gênero e da esfera social.
Além disso, os gêneros podem servir ao controle social e exercício de poder, pois é de seu
domínio e manipulação que depende o reconhecimento social em determinada situação de
comunicação. Por isso, quem somos em diferentes esferas de atividade humana depende
dos gêneros que usamos e dominamos. Considerando esse aspecto de conflito e disputa nos
usos da língua, as noções de forças centrípetas e forças centrífugas na análise da construção
dos sentidos situadamente também se tornam relevantes. Em toda situação de uso da língua,
agem forças de estabilização e cristalização – as forças centrípetas – e as forças de
desestabilização e mudança – as forças centrífugas (BAKHTIN, 2003).
34 Rodrigues (2005) comenta a flutuação terminológica nas obras do Círculo, que não corresponde
necessariamente a uma flutuação conceitual. Há duas razões para essa flutuação: i) as inúmeras traduções, e
ii) a própria busca pensadores do Círculo por uma terminologia adequada que melhor capturasse a a natureza
do conceito. Para o conceito de gêneros, seriam utilizados também os termos: modos de discurso, tipos de
enunciados, tipos de interação verbal, formas de enunciado, formas de discurso social e gêneros do discurso
(RODRIGUES, 2005).
68
Por exemplo, no caso do contexto investigado, uma força centrípeta que age na
formação do grupo de professoras em seu local de trabalho são as avaliações externas. Os
índices gerados com base nessas avaliações, de âmbito estadual e federal, incidem no
cotidiano escolar, pois as professoras se sentem cobradas para que os alunos obtenham boas
notas. Tal pressão foi expressa pelo Secretário de Educação do município em uma HTPC
em que esteve presente na escola, dando como bons exemplos cidades que tinham adotado
sistemas apostilados de ensino e que tinham aumentado suas notas nas avaliações
padronizadas. As professoras de nossa pesquisa se organizaram para uma formação tendo
em vista esse tipo de teste padronizado, mas, no grupo de pares, criticavam o formato da
prova, sua extensão e a própria cobrança que incidia sobre elas nos anos em que as provas
eram aplicadas.
Em outro contexto, Zavala (2012) percebe uma situação de dilema do professor
semelhante. A autora analisa a prática de dois professores considerados de sucesso no
contexto da educação bilíngue no Peru, que sabem que têm de ensinar leitura em quéchua
para cumprir com a política oficial de ensino bilíngue, mas também sabem que devem
priorizar o castelhano para cumprir com a política nacional que exige do aluno um teste
medição de compreensão leitora em castelhano. Tendo essa cobrança em vista, um dos
professores em análise no estudo de Zavala (2012) realiza atividades com testes de múltipla
escolha frequentemente. Seus alunos eram familiarizados com o formato de testes
padronizados e ficavam menos ansiosos para resolver os exercícios. Além disso, a dinâmica
de trabalho com este tipo de exercício era tão estabelecida que as crianças não faziam
perguntas sobre o que fazer ou como.
Gêneros não são formatos estáveis para o emprego da língua em situações
específicas. O gênero em que se dá um enunciado define possibilidades de formas de
composição do enunciado, conteúdos temáticos e seu estilo, mas o desenvolvimento de tais
características ocorre em função da construção de um tema, ou seja, “de certos efeitos de
sentido visados pela vontade enunciativa do locutor e dependentes de sua apreciação de
valor sobre significações ou parceiros interlocutores” (ROJO, 2013ª, p. 28).
A situação comunicativa imediata e as relações – institucionais ou interpessoais
- entre os interlocutores estão sempre situadas em esferas sociais, que podem ser
69
compreendidas como “formas de organização e de distribuição dos lugares sociais nas
diferentes instituições e situações sociais de produção dos discursos” (ROJO, 2005, p. 197).
As esferas condicionam os lugares sociais dos interlocutores, as relações entre eles, os
temas abordados e as apreciações de valor sobre o tema e sobre as relações entre as
pessoas. É nas esferas que os gêneros vão se estabilizando historicamente, “viabilizando
regularidades nas práticas sociais de linguagem” (ROJO, 2005, p. 197). Dessa forma, os
gêneros correspondem a situações de interação verbal típicas dentro de uma esfera social.
Mas é importante destacar que as esferas não determinam a produção de enunciados:
a enunciação não é determinada mecanicamente pelo funcionamento
social das esferas, pois o que vai substancialmente definir a significação e
o tema de um enunciado/ texto é sobretudo a apreciação de valor ou a
avaliação axiológica (ética, política, estética, afetiva;
BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981[1929]) que os interlocutores fazem uns
dos outros e de si mesmos ou de seus lugares sociais e do conteúdo
temático em pauta, que apreciado valorativamente, transforma-se em tema
(irrepetível) do enunciado (ROJO, 2013a, p. 13).
Assim, o uso da palavra em algum gênero do discurso sempre apresenta uma
apreciação valorativa do sujeito, tanto em relação aos sentidos dos enunciados quanto em
relação aos interlocutores, como esclarecem Bakhtin/Volochinov ([1929]1985, p.132): “(...)
quando um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre
acompanhado por um acento apreciativo determinado. Sem acento apreciativo, não há
palavra”. Nesta pesquisa, tomo gênero não só em suas características mais estáveis,
relacionadas à esfera comunicativa, mas também em suas instabilidades, advindas das
apreciações valorativas dos interlocutores e de outras forças centrífugas que atuam nas
práticas de letramento formativas investigadas.
Com base na concepção dialógica de língua, Bakhtin/Volochinov ([1929]1985)
afirmam que qualquer enunciado é “uma fração de uma corrente verbal ininterrupta” (p.
123) e disso decorre o fato de que o estudo de qualquer comunicação verbal envolve
considerar os elos nessa corrente, ou seja, recuperar as relações não só com a situação
imediata da enunciação como também o contexto social mais amplo. “A comunicação
verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles
70
sobre o terreno comum da situação de produção. Não se pode, evidentemente, isolar a
comunicação verbal dessa comunicação global em perpétua evolução” (p. 124).
Dessa ininterruptabilidade tanto no contexto social mais amplo quanto na
situação comunicativa imediata, Bakhtin/Volochinov (1985) propõem uma ordem
metodológica para o estudo da língua:
1.As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições
concretas em que se realiza. [situação de produção] 2.As formas das
distintas enunciações, dos atos de fala isolados (enunciados), em ligação
estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as
categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a
uma determinação pela interação verbal [gênero e discurso]. 3. A partir
daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual
(p. 124).
Para este “exame das formas da língua”, último ponto abordado, para a análise
das interações nas reuniões de HTPC, recorro às contribuições da Sociolinguística
Interacional e da Análise da Conversa, que fornecem um arcabouço analítico para analisar a
estrutura composicional e do estilo das reuniões de HTPC, como também os
posicionamentos e conflitos que se dão na interação. Para análise dos eventos,
principalmente no capítulo 5, tomei como base as discussões sobre a estrutura da aula de
Matencio (1999) para propor a divisão do evento de HTPC. A autora identifica e diferencia
as etapas interacionais da aula (abertura e encerramento), que não têm relação direta com o
objeto de estudo, das etapas instrumentais (preparação, desenvolvimento e conclusão), estas
relacionadas a um ou mais objetos de estudo, com objetivos didáticos.
3.4 A Esfera social investigada: esfera escolar ou esfera do trabalho do professor?
Adoto, nesta pesquisa, o conceito de “esfera”, também advindo dos estudos
do Círculo de Bakhtin, para compreender as práticas de letramento formativas do professor.
A adoção de tal conceito implica considerar o tempo e lugar históricos em que os
enunciados são produzidos, os participantes e as relações sociais que mantêm entre si e os
71
gêneros utilizados na interação, enfocando como esses fatores se articulam na produção de
significados no interior dessas práticas. Como argumentam Vianna et al. (2012), “faz
sentido estudarmos as práticas letradas, materializadas nos eventos de letramento,
considerando-as como pertencentes aos “letramentos acadêmicos”, “letramentos escolares”,
“letramentos do local de trabalho”, uma vez que a esfera de circulação é o elemento central
na modalização desses conceitos”, e não qualificar os letramentos em relação a tecnologias
envolvidas ou ainda conhecimentos e habilidades requeridos para sua participação. Esses
elementos estão implicados no letramento e são dele decorrentes, mas definir letramento
tomando-os como base gera uma infinidade de categorias, algumas que servem para muitos
usos sociais da linguagem e que pouco contribuem para definir letramento, como, por
exemplo, “visual” ou “imagético”35.
Como os encontros por mim observados costumavam ocorrer no espaço da
escola, poderia considerá-los eventos de letramento escolar ou da esfera escolar. Contudo, o
qualificador escolar para tratar da esfera de formação do professor na escola pode causar
confusões e descaracterizar a especificidade das práticas de letramento da HTPC. Não é
qualquer prática que ocorre na escola que pode ser automaticamente considerada como
pertencente à esfera escolar. Práticas escolares como a tarefa ou dever de casa podem ser
realizadas no lar, em uma biblioteca pública ou num banco de praça. O fato de a HTPC
ocorrer na maioria das vezes no espaço físico da escola não impede que a prática ocorra em
outros locais, como na sede da Secretaria de Educação do município. Relacionar
diretamente esfera a um espaço físico reduz o conceito bakhtiniano, que se refere a um
campo de atividade humana caracterizado discursivamente. Além disso, o letramento do
professor também não se restringe ao que ocorre na escola como espaço físico – ele pode
preparar aulas em diferentes locais, fazer cursos de formação na universidade, entre outros.
Por isso, considero as práticas observadas em campo como da esfera do
trabalho do professor, que está intimamente relacionado à esfera escolar e é dela
35 Os inúmeros qualificadores para letramento são criticados por Bartlet (2003) e retomados por Vianna et al.
(2012) quando não há um critério claro para tal qualificação e tudo passa a ser aceito, descaracterizando o
conceito. Knobel e Lankshear (2011) afirmam que essa profusão de adjetivações acabara associando
letramento à linguagem per se, como em “letramento oral”, “letramento visual”, “letramento da informação”,
“letramento do meio”, “letramento da ciência”, “letramento emocional”.
72
inseparável, pelo motivo de que o trabalho do professor tem especificidades advindas da
esfera escolar e de sua função como principal agência de letramento de nossa sociedade.
Para especificar o que ocorre na HTPC, opto por qualificadores da esfera e dos letramentos
sob investigação a expressão “do trabalho do professor” para delimitar com maior precisão
o objeto sob investigação, já que os eventos de letramento no espaço escolar são inúmeros e
não poderiam ser todos considerados nesta pesquisa.
As esferas se interpenetram, dialogam entre si, se sobrepõem; gêneros
produzidos em uma esfera migram para outras, são destinados à circulação em diferentes
esferas, podem ser apropriados e reacentuados em situações comunicativas de esferas
variadas. Por exemplo, um documento oficial do Estado que regulamenta ou oferece
parâmetros à educação tem usos variados na esfera do trabalho do professor, na esfera
escolar ou ainda na esfera acadêmica. Por isso, nas análises, é relevante abordar as inter-
relações entre vozes sociais de diferentes esferas, como a escolar, a acadêmica e a do
Estado. Para visualizar essa ideia, proponho o organograma a seguir, que expõe as inter-
relações entre as principais esferas que constituem, de alguma maneira, a HTPC e o
letramento do professor36:
Figura 1: Principais esferas que constituem o letramento do professor no contexto da pesquisa
36 Outras esferas se relacionam à esfera escolar e ao letramento do professor. Destaco no organograma aquelas
que, pelos discursos que circulam na HTPC, a constituem.
Esfera escolar
Esfera do trabalho do professor
Esfera acadêmica
Esfera oficial ou do Estado
Esfera editorial
73
O conceito de espaço de Milton Santos (2012), da perspectiva da Geografia,
ajuda a compreender essas relações e influências entre esferas. Segundo o autor, o espaço é
formado por um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações,
reunindo a materialidade e a vida que a anima. Os sistemas de objetos e os sistemas de
ações que compõem um espaço sempre interagem, como explica Santos (2102, p. 63): “de
um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro, o
sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É
assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma”.
Se pensamos em um gênero como objeto, ao migrar de uma esfera a outra e
compor um novo sistema de objetos, o gênero altera o espaço, condiciona novas ações e por
elas é modificado. Por exemplo, a coordenadora levou, em uma das reuniões de HTPC
semanal acompanhadas, folhetos de supermercado para sugerir um trabalho didático com
esse gênero. A função do objeto/texto – dar a conhecer preços promocionais de produtos
vendidos em um supermercado em determinado período –alterou-se ao ser levado para uma
reunião entre professores e compor uma sugestão de atividade de sala de aula. Por sua vez,
a presença desse objeto na reunião também altera o que se realiza na HTPC, o que é
considerado como sistema de objetos que constituem esse espaço.
Essa relação indissociável entre objetos e ações no enfoque de Santos não
compreende aspectos físicos e objetos de um espaço como coleções, simples reuniões de
objetos, pois a utilidade atual, passada ou futura destes vem de seu uso combinado por
grupos humanos, das ações que os modificam. Assim, o fato de a formação aqui em foco
ocorrer, majoritariamente, na escola, ou em espaços de atuação profissional do professor e
da rede municipal pública de ensino, com seus próprios sistemas de objetos, influencia as
ações do que ocorre na HTPC, e estas ações influenciam o sistema de objetos escolares. Ou
seja, por se dar na escola (ou na Secretaria Municipal de Ensino), a HTPC como prática de
letramento do professor pressupõe a esfera escolar e as práticas de letramento escolar, pois
estas são constitutivas do trabalho docente e são, muitas vezes, objetos do discurso nos
eventos formativos investigados. Contudo, os discursos que compõem a HTPC – uma
74
esfera é definida discursivamente – não são só discursos escolares, como veremos nos
capítulos 5 e 6.
Santos (2012) também faz uma reflexão sobre as relações entre espaço e
processos históricos, afirmando que velhos objetos que compõem um espaço podem
permanecer nele com novas funções, pois estas são definidas pela rede de relações em que
os objetos estão inscritos. Por isso, afirma que o padrão espacial, na conjugação entre um
sistema de ações e um sistema de objetos, não é só morfológico, também é funcional. Os
objetos podem perdurar no tempo, mas sua significação é alterada pelas relações
estabelecidas em eventos concretos, situados. Assim, “as ações não são indiferentes à
realidade do espaço, pois a própria localização dos eventos é condicionada pela estrutura do
lugar” (SANTOS, 2012, p. 160). Diante dessas considerações, o espaço em que a formação
do professor ocorre – no caso, uma unidade escolar ou a Secretaria Municipal de Educação
- interfere nas ações das participantes nos eventos observados e pode modificar os objetos
que compõem esse espaço em sua funcionalidade. Em outras palavras, a esfera, como
campo discursivo, não se restringe à ideia de espaço, mas sofre influências dos conjuntos de
objetos e ações prototípicas do espaço em que as interações ocorrem: os gêneros
selecionados pelas participantes para compor a reunião não são aleatórios, pois se
relacionam com as funções do evento e os objetivos das participantes agindo em sua
identidade de professoras e coordenadora. Aliás, os mesmos sujeitos que participam da
HTPC semanal na escola em que trabalham, ao se reunirem em outro espaço e com outros
sujeitos (professoras de 5º ano que se organizaram para discutirem conteúdos das
avaliações externas) alteram as práticas de letramento que constituem a HTPC, suas
maneiras de participação nos eventos e os objetos mobilizados.
O conceito de esfera contempla tanto a situação específica quanto o tempo
histórico (cronotopo, na perspectiva bakhtiniana) em que os enunciados são produzidos, ou
seja, é situada historicamente. Conforme aponta Rojo (2013a, p.12):
o funcionamento das esferas de circulação dos discursos define os
participantes possíveis da enunciação (locutor e seus interlocutores) assim
como suas possibilidades (interpessoais e institucionais). Define também
um leque de conteúdos temáticos possíveis (...) (não se pode falar de
qualquer coisa em qualquer lugar) (...) O funcionamento de uma esfera
75
também define “maneiras específicas de dizer/enunciar”, de discursar,
cristalizadas e típicas desse campo social – os gêneros do discurso.
Se comparamos a HTPC com a sala de aula, os participantes possíveis da
enunciação e suas identidades construídas são outros, como também o são as relações
interpessoais e institucionais: uma professora e sua turma de alunos em sala de aula versus
grupo de professoras, coordenadora e, às vezes, a diretora ou ainda funcionários da
Secretaria Municipal da Educação em HTPC.
Além das esferas que determinam a enunciação, há outro elemento central na
definição do enunciado, as apreciações valorativas. Bakhtin ([1934-35/1975] 1988)
defende que todo enunciado encontra o objeto para o qual está voltado já “desacreditado,
contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos
discursos de outrem que já falaram sobre ele” (p. 86). Ou seja, o objeto já está penetrado
por apreciações e entoações de outros, e o enunciado concreto sempre adentra um meio
dialogicamente perturbado e tenso de outros discursos. Um enunciado concreto, num dado
momento social e histórico, sempre toca os milhares de outros discursos sobre o objeto,
sendo sempre um participante ativo do diálogo social:
a orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o
discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em
todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se
encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com
ele, de uma interação viva e tensa (BAKHTIN, [1934-35/1975] 1988, p.
88).
Quando um interlocutor profere um enunciado que adentra esse emaranhado
de fios, cria-se um novo significado, único, que também modifica a esfera de atividade em
que é produzido e circula. Como explica Rojo (2013a):
a enunciação não é determinada mecanicamente pelo funcionamento
social das esferas, pois o que vai substancialmente definir a significação e
o tema de um enunciado/ texto é sobretudo a apreciação de valor ou a
avaliação axiológica (ética, política, estética, afetiva;
BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981[1929]) que os interlocutores fazem uns
dos outros e de si mesmos ou de seus lugares sociais e do conteúdo
76
temático em pauta, que apreciado valorativamente, transforma-se em tema
(irrepetível) do enunciado (ROJO, 2013a, p. 13).
Bunzen (2009, p. 28) defende que a escola não é somente uma instituição
que transfere saberes, práticas e objetos de ensino produzidos fora dela, pois nela
observam-se “processos de apropriação, de singularidades e de (re)criações de um sistema
escolar”. A partir da perspectiva do dialogismo bakhtiniano, que considera que nossos
enunciados estão sempre numa cadeia de interação verbal, sempre como réplica a outros
enunciados e gerando novas réplicas, o autor defende que não é possível reduzir práticas
escolares e julgá-las como “tradicionais” ou “inovadoras” sem considerar questões sócio-
históricas dessa instituição e a cadeia de enunciados que dialogam nessa esfera,
consideração que, a meu ver, se aplica também à formação do professor no seu local de
trabalho.
Por isso, conforme afirma Bunzen (2009, p. 29), “a escola moderna constrói
seus próprios tipos de saberes e habilidades conforme modelos de elaboração cuja lógica
pode ser encontrada dentro dos próprios sistemas educacionais e nas relações com outras
instâncias (CHERVEL, 1990, HÉBRARD, 1999)”. Apesar de o autor refletir sobre os
saberes e práticas direcionadas ao ensino de língua portuguesa para crianças e jovens, é
possível pensar que a escola e a rede de ensino como local de trabalho do professor também
constroem seus próprios saberes e práticas em relação à formação do professor.
A escola pode ser compreendida como agência de letramento (KLEIMAN,
1995), que tem por objetivo inserir os alunos em práticas letradas valorizadas em nossa
sociedade, e como local de trabalho (de professores, coordenadores, diretores, funcionários
da limpeza, merendeiras etc.). Contudo, as práticas desses diferentes profissionais são de
naturezas distintas, relacionadas ou não às práticas didático-pedagógicas da escola como
agência de letramento. Por essa complexidade, há definições de letramento escolar que
consideram como práticas de letramento na escola, tanto as destinadas ao ensino-
aprendizagem dos alunos quanto as relacionadas ao trabalho dos mais diferentes agentes
que atuam nesse espaço, assim como há definições que restringem o termo a práticas
relacionadas ao ensino-aprendizagem dos alunos. Bunzen (2009), por exemplo, ao definir
77
“letramento escolar”, defende a ideia de que a escola moderna é uma esfera de
comunicação humana que
possibilita a produção, a utilização e a recepção de determinados gêneros
do discurso nas variadas atividades de linguagem que se dão em
espaçotempos sócio-históricos. A escola é, portanto, um lugar em que
práticas discursivas socioprofissionais (como as dos professores,
coordenadores, gestores, nutricionistas, etc.) emergem em colaboração
com outros sujeitos (especialmente aqueles que são chamados “alunos”).
Ou seja, a escola é um lugar da produção de textos (com fins pedagógicos
e/ou para andamento da própria esfera) por sujeitos que possuem papéis
sociais, status e funções a eles relacionados (fazer chamada, copiar da
lousa, ler em voz alta, preparar reuniões de HTPC, etc.) (BUNZEN, 2009,
p. 109).
Na definição de Bunzen (2009), a escola é entendida como uma esfera em que
“práticas discursivas socioprofissionais” são construídas na relação com práticas de
letramento destinadas ao ensino-aprendizagem dos alunos. No caso de minha pesquisa,
acredito que, no espaço escolar, há práticas de diferentes esferas discursivas que se
interpenetram, se influenciam, se alteram e considero mais produtivo diferenciar práticas
de letramento formativas das professoras em reuniões de HTPC, próprias da esfera do
trabalho docente, de práticas pedagógicas da esfera escolar, sem perder de vista as
relações que as constituem.
Corroboro a posição de Bunzen (2010, p. 104) no que diz respeito à relação
entre práticas de letramento e esfera de criação ideológica, o que possibilita refletir sobre
o contexto social mais amplo e os microcontextos, analisando o letramento como um
conjunto de práticas discursivas que envolvem o uso da escrita de maneira situada, não
como um modelo fixo e universal. Contudo, para recorte de meu objeto de análise,
diferencio o letramento escolar do letramento do professor, e esfera escolar de esfera do
trabalho do professor, apesar de considerar que essas práticas são sempre inter-
relacionadas, se sobrepondo muitas vezes. Meu interesse recai em práticas de letramento do
professor específicas: práticas de letramento formativas em seu local de trabalho, em
relação estreita com as práticas de letramento escolar, mas não incluindo-as num mesmo
subconjunto. Não observo a sala de aula, e sim as reuniões de corpo docente que, é claro,
tomam como um de seus temas as práticas que acontecem em sala de aula.
78
Ao entender as práticas de letramento formativas do professor em seu local de
trabalho na relação com a escola também como esfera sócio-histórica, os significados
construídos pelas participantes nessas práticas são analisados de maneira situada, sem
tomar como referência uma dada formação acadêmica para julgar se um evento de
letramento é ou não formativo. Em conformidade com minha perspectiva situada de
letramento, o fator para considerar um evento formativo é seu funcionamento como tal para
as participantes, dentro dessa esfera, de suas dinâmicas e das interações entre os sujeitos, de
seus diálogos com outros discursos e vozes sociais. Ao descrever e investigar os eventos de
letramento formativos no local de trabalho do professor, se faz necessário abordar quais
gêneros são produzidos, circulam e são ressignificados na escola em espaços de formação
de professores e que (re)acentuações valorativas (BAKHTIN, 2003) recebem dos
participantes desses eventos de letramento.
Nas reuniões de HTPC, por exemplo, textos de autoajuda ou reportagens
jornalísticas compõem a dinâmica da reunião em momentos de leitura e “reflexão” sobre a
atividade docente. Numa concepção bakhtiniana, em que o dialogismo constitui os
enunciados e, por conseguinte, as relações entre os sujeitos, para além de textos trazidos
para os eventos de letramento, a relação com outras esferas e com vozes sociais diversas
também se instala na interação entre os sujeitos, em decorrência das esferas discursivas que
os gêneros instanciam - no caso do interesse desta pesquisa, na interação entre professoras,
coordenadora e diretora nas reuniões de HTPC. Os textos de autoajuda e reportagens
jornalísticas são interpretados e reacentuados pelas participantes, relacionando-os com seu
fazer profissional.
Dayrell (2001), ao abordar a instituição escolar, ressalta “a dimensão do
dinamismo, do fazer-se cotidiano” efetivado por sujeitos sociais e históricos. Considerar o
papel dos sujeitos na trama social que constitui a escola, enquanto instituição, implica,
segundo o autor, uma tensão entre duas dimensões: as práticas institucionais e o cotidiano
escolar. Baseando-se em Ezpeleta e Rockwell (1986), Dayrell (2001) afirma que a escola
seria o resultado de um confronto de interesses entre a organização oficial do sistema
escolar, que define conteúdos, espaços e tempos, hierarquias, e os sujeitos – alunos,
79
professores, funcionários, coordenador, diretor – que fazem da escola um processo
permanente de construção social – como o é qualquer esfera de atividade humana:
a escola, como espaço sócio-cultural, é entendida, portanto, como um
espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente,
por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a
ação de seus sujeitos. Cotidianamente, por uma complexa trama de
relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e
conflitos, imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de
transgressão e de acordos (DAYRELL, 2001, p. 137).
Considero que essa dinâmica ocorre em qualquer esfera social, nas práticas
sociais, como na HTPC, na medida em que agem, sobre os discursos que a constituem,
forças centrífugas e centrípetas (BAKHTIN, 2003), de unidade e diferenciação. As forças
que agem sobre os discursos produzidos na formação do professor em seu local de trabalho
e as relações dessa formação com os espaços em que ocorre e com as esferas discursivas
que a constituem serão analisadas nos capítulos 5 e 6. Antes, contudo, no próximo capítulo,
descrevo de maneira mais detalhada o contexto em que esta pesquisa foi desenvolvida, as
participantes envolvidas e a perspectiva metodológica adotada.
80
81
4 – Perspectiva metodológica e o campo de pesquisa
Uma pesquisa acadêmica que entende as histórias locais
como mecanismo de (re)configuração de outras identidades
e sistemas de conhecimentos por sujeitos que estão na
periferia em relação aos centros de poder, contrapõe-se a
teorias que caracterizam essas identidades como debilitadas,
dilaceradas, fragilizadas. É uma postura fortalecedora dos
sujeitos, portanto, ética. (KLEIMAN, 2013)
Este capítulo apresenta a perspectiva metodológica desta pesquisa, descreve o
trabalho de campo realizado e o contexto em que se desenvolveu.
Adoto a abordagem qualitativo-interpretativista de pesquisa, de cunho
etnográfico. Como discuti em De Grande (2011), as pesquisas em LA, por sua preocupação
com questões sociais e por seu interesse voltado para os usos reais da linguagem, têm
adotado metodologias de caráter qualitativo-interpretativista, escolha esta que não é
aleatória, pois decorre de uma compreensão sobre o que é fazer pesquisa, sobre o objeto de
pesquisa, sobre o que está implicado na relação entre pesquisador e pesquisados, tudo isso
articulado aos objetivos e pressupostos teóricos da pesquisa.
O paradigma qualitativo-interpretativista é a opção aqui privilegiada,
especialmente porque tem a ver com os modos pelos quais o pesquisador se relaciona com
o mundo, como ele vê a sua função de pesquisador. Segundo Mason (1998), a pesquisa
qualitativa está preocupada em saber como o mundo social é interpretado e experienciado,
entendido e produzido, baseando-se em métodos de geração de dados flexíveis e sensíveis
ao contexto social em que o dado foi gerado. A LA, além de incorporar métodos
interpretativos decorrentes da preocupação com a descoberta da realidade social, tem
compromissos com a utilidade social da pesquisa (MOITA LOPES, 2006; FABRICIO,
2006). Por isso, há a preocupação em dar retornos aos participantes desta pesquisa e para
formadores de professores como um compromisso de sua utilidade social.
Como afirma Silva (2003), há uma relação dialética entre a natureza do objeto e
a perspectiva responsável pelo desenho da pesquisa: se, por um lado, a dimensão teórico-
metodológica ajuda a delimitar o objeto de pesquisa e a visualizar a perspectiva de análise
82
das questões, por outro, a própria concepção do objeto de estudo aponta para o tipo de
pesquisa a ser desenvolvida.
A perspectiva sócio-antropológica dos Estudos de Letramento ajuda a delimitar
a metodologia em associação à natureza do objeto e aos objetivos desta pesquisa. Práticas
de letramento são situadas em contextos de poder e ideologia, não são uma habilidade
neutra e técnica (STREET, 1984, 1993, 2006), o que o leva a reconhecer uma
multiplicidade de letramentos. Essa perspectiva dos Estudos de Letramento implica olhar e
interpretar as práticas sociais que envolvem a escrita a partir da situação em que ocorrem,
em consonância com o objeto de estudo da presente pesquisa.
Adotar uma perspectiva etnográfica em estudos sobre letramento é assumir,
segundo Street (1993, p. 1), “uma compreensão de letramento que requer explicações
detalhadas, aprofundadas de práticas em diferentes contextos culturais”37. Esse olhar
detalhado possibilita enfocar os modos pelos quais “a aparente neutralidade de práticas de
letramento disfarça sua importância para a distribuição de poder e de relações de autoridade
na sociedade”38 (STREET, 1993, p. 2). O olhar etnográfico, ao revelar os mais diversos
usos da escrita em diferentes práticas culturais, possibilita enxergar a heterogeneidade de
letramentos. E, como destaca Kleiman (1998b, p. 66), possibilita “construir descrições
iluminadoras da realidade social, o que nos permite ver com novos olhos fenômenos
cotidianos de uso da linguagem”.
Então, para observar as práticas de letramento de formação do professor em seu
local de trabalho e construir descrições iluminadoras dessa realidade, adoto uma
metodologia qualitativo-interpretativista de cunho etnográfico. O olhar etnográfico,
direcionado para os detalhes sobre o uso da escrita, possibilita descrever o que é, o que está
acontecendo, o que as pessoas fazem com a escrita, ao invés de julgar o que os sujeitos não
fazem a partir de uma norma pré-estabelecida39.
37 Tradução minha de “an understanding of literacy requires detailed, in-depth accounts o factual practice in
different cultural settings”. 38 Tradução minha de “the apparent neutrality of literacy practices disguises their significance for distribution
of power in society and for authority relations”. 39 Brian Street em palestra intitulada “Etnografia e pesquisa no campo dos estudos do letramento”, proferida
no Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, em 15 de agosto de 2008.
83
Segundo Chizzotti (1991), a etnografia se caracteriza por promover a interação
direta do pesquisador com o(s) pesquisado(s) em seu cotidiano, ou seja, em seus contextos
naturais, a fim de compreender suas práticas, comportamentos, motivações, concepções,
além dos significados atribuídos a tais práticas. A etnografia, enquanto abordagem
naturalística à pesquisa social, procede por observações diretas de situações concretas
(ERICKSON, 1988). Adotar uma perspectiva etnográfica é ter uma abordagem mais
focada, mais local, para estudar aspectos particulares do cotidiano, práticas culturais e
rotineiras de um grupo social (GREEN; BLOOME, 1997).
Eu adotei, nesta pesquisa, métodos de geração de dados etnográficos dentro de
um trabalho de campo em contexto naturalístico. Bloomaert e Jie (2010, p.1), ao definir
etnografia e o trabalho de campo, salientam que os dados gerados na perspectiva
etnográfica são fundamentalmente diferentes de dados gerados em grande parte de outras
abordagens de pesquisa, pois a perspectiva etnográfica considera que
as pessoas não são catálogos culturais ou linguísticos, e a maior parte do
que vemos como seu comportamento cultural e social é realizado sem
refletir sobre isso e sem uma consciência ativa de que isso seja algo que
elas façam. Consequentemente, não é algo sobre o qual tenham uma
opinião, nem uma questão que possa ser confortavelmente posta em
palavras quando perguntamos a respeito. O trabalho de campo etnográfico
visa a descobrir coisas que geralmente não são vistas como importantes,
mas que pertencem a estruturas implícitas da vida das pessoas
(BLOMAERT; JIE, 2010, p. 3)40.
Para perceber as relações entre as práticas de linguagem e a sociedade,
pesquisas que adotam uma abordagem etnográfica envolvem um grau de atenção ao
pequeno detalhe na interação humana. Tal perspectiva também é adotada por pesquisas
inseridas na abordagem dos Estudos de Letramento, que entendem as práticas de letramento
como práticas sociais situadas que envolvem, de alguma maneira, o uso da escrita. Barton
(2000) ressalta que a teoria sociocultural do letramento favorece maneiras particulares de
fazer pesquisa, as quais priorizam o exame detalhado de instâncias particulares de práticas
40 Tradução minha de: “People are not cultural or linguistic catalogues, and most of what we see as their
cultural and social behavior is performed without reflecting on it and without an active awareness that this is
actually something they do. Consequently, it is not a thing they have an opinion about, nor an issue that can
be comfortably put in words when you ask about it. Ethnographic fieldwork is aimed at finding out things that
are often not seen as important but belong to the implicit structures of people´s life”.
84
sociais. Essa abordagem, que toma as práticas sociais de uso da escrita como situadas,
considera que os letramentos são posicionados em relação a instituições sociais, como a
escola (instituição de atuação do professor) e o Estado (instituição que o emprega), e as
relações de poder que as sustentam.
A abordagem etnográfica também apresenta o potencial e a capacidade de
desafiar visões estabelecidas sobre determinadas realidades sociais, pois é capaz de
construir um discurso que difere das normas e expectativas estabelecidas, tomando essas
normas e expectativas mais como problemas do que como fatos. Nesse aspecto, a
abordagem etnográfica se torna uma iniciativa crítica ao desconstruir um imaginário social
sobre a função atribuída a recursos específicos (BLOMAERT; JIE, 2010, p. 10, 11).
Ao adotar uma perspectiva etnográfica em investigações sobre os usos sociais
da escrita, pesquisas no campo dos Estudos de Letramento recorrem a uma série de
métodos de geração de dados, como a observação participante, a entrevista, o diário de
campo, em combinação com dados documentais, entre outros (VÓVIO; SOUZA, 2005). Os
dados que serão analisados nos próximos capítulos foram gerados a partir dos seguintes
métodos: observação participante, diário de campo, entrevistas (informais e semi-
estruturadas), coleta de documentos de circulação nos eventos observados e questionário41.
Este, além de traçar o perfil socioeconômico das participantes da pesquisa, busca também
inventariar práticas de leitura, acervos e autopercepção sobre leitura e escrita por meio de
declaração.
A escolha da escola participante foi decorrente de uma rede de contatos com
professores e coordenadores que participaram de cursos de formação continuada oferecidos
pelo Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem
(CEFIEL)42 em que, como pesquisadora do grupo Letramento do Professor, atuei como
monitora. Quatro professoras foram contatadas por e-mail, solicitando a participação na
pesquisa. Uma professora respondeu prontamente, demonstrando interesse em conhecer o
41 Questionário desenvolvido por Claudia Vóvio, adaptado e utilizado pelo Grupo Letramento do Professor. 42 O CEFIEL congregava professores da área da linguagem do Instituto de Estudos da Linguagem da
UNICAMP, e sua implantação foi coordenada por Angela Kleiman, em 2004/2005. O Centro fazia parte da
“Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica” do Ministério da Educação e
Cultura (MEC). Participavam da Rede Nacional de Formação Continuada mais outras dezoito universidades,
públicas e particulares (VIANNA, 2010).
85
projeto. Apenas outra professora respondeu a esse contato inicial, contudo o fez por volta
de um mês depois de o trabalho de campo já ter sido iniciado.
A professora Eliane, que respondeu o e-mail, em 2009, na época em que
participamos do curso referido – eu como monitora e ela como professora multiplicadora,
trabalhava como formadora da rede municipal de ensino de seu município. Após sua
primeira resposta positiva, trocamos outros e-mails, com mais detalhes sobre a pesquisa.
Em 2011, Eliane atuava como coordenadora de uma escola municipal de ensino
fundamental. Ela falou com o grupo de professoras da escola em que estava atuando sobre
meu projeto e, depois do consentimento do grupo em um primeiro encontro (ver em anexo
1 o termo de consentimento esclarecido de pesquisa; ver em anexo 2 o parecer do Comitê
de Ética da Unicamp), passei a participar de reuniões de HTPC.
4.1 A cidade, a escola, a reunião, as professoras
A escola em que esta pesquisa se desenvolveu, uma Escola Municipal de
Ensino Fundamental I, está situada em uma pequena cidade do interior paulista. De acordo
com a pesquisa do IBGE de 2010, a cidade fica a 40 quilômetros de uma grande cidade do
interior paulista, tem pouco mais de 44 mil habitantes, sendo 6789 deles alunos
matriculados no Ensino Fundamental em escolas públicas e particulares, e por volta de 300
professores atuantes nesse nível de ensino, no ano de 2009.
A cidade possuía, no ano de 2010, nove Escolas Municipais de Ensino
Fundamental. Todas as escolas municipais são equipadas com lousas digitais, projetores e
computadores portáteis, um para cada sala de aula.
No final do ano de 2011, ano em que desenvolvi o trabalho de campo, a
Secretaria Municipal de Educação adotou um sistema apostilado de material didático de
uma grande editora do sul do país para toda a rede43, da Educação Infantil ao 5º ano do
Ensino Fundamental, a ser implantado em 2012, seguindo uma tendência de outras
pequenas cidades da região. Em uma reunião do primeiro semestre de 2011, a terceira de
43 O Sistema Positivo de Ensino, da Editora Positivo.
86
que participei, em que o secretário da educação esteve presente, o grupo comentou a adoção
do mesmo material por duas outras cidades vizinhas. O secretário e algumas professoras
elogiaram a adoção do material por essas cidades. Na ocasião, o secretário propôs uma
pesquisa de opinião com as professoras, em que elas registraram em pequenas cédulas se
gostariam ou não de adotar o método apostilado. No segundo semestre de 2011, soube pela
coordenadora que a maioria das professoras da rede tinha respondido que gostariam de
adotar o método apostilado, e o acordo foi fechado. Há uma expansão de adoções de
sistemas apostilados por prefeituras, em detrimento da escolha de materiais didáticos pelo
PNLD, processo de privatização o que se configura como um outro dado da situação de
produção dos discursos analisados no contexto investigado nesta pesquisa.
A escola em que os dados para esta pesquisa foram gerados se situa em um
bairro periférico da cidade. Tinha 292 alunos de 1º a 5º ano. Contudo, em setembro, devido
à reforma de uma unidade de Educação Infantil de um bairro próximo, passou a receber
duas turmas a mais de alunos desse nível de ensino. As professoras atuantes no Ensino
Fundamental I eram dezesseis, sendo três delas professoras auxiliares44. Esse número se
alterou ao longo do ano com a saída de uma professora auxiliar. Nove delas trabalhavam
com as turmas da manhã, sete com as turmas da tarde.
Com base em um questionário (anexo 3) respondido pela coordenadora e pelo
grupo de professoras que davam aulas pela manhã, acompanhado mais de perto durante a
pesquisa, levantei algumas características gerais do grupo de participantes desta pesquisa.
Ao todo, oito participantes responderam o questionário: sete professoras e a
coordenadora. A faixa etária do grupo vai de 41 a 57 anos (uma das professoras que não
entregou o questionário, a mais nova do grupo, tinha 30 anos). A maioria (sete) é nascida
no estado de São Paulo e uma em Minas Gerais. Todas se declararam brancas, são casadas,
têm entre um e três filhos, e renda familiar média de R$2000,00 (por volta de 3,5 salários
mínimos na época). Cruzando dados da renda familiar, posse de itens e instrução familiar,
as professoras se enquadram nas classes C e D45. Apesar de sete das oito professoras terem
44 Profissionais que trabalham com alunos considerados com algum tipo de dificuldade de aprendizagem no
contra turno das aulas regulares. 45 Com base nas classificações do Critério Brasil (da Associação Brasileira de Empresas de pesquisa de 2011)
e do IBGE.
87
curso superior e três delas terem afirmado que o chefe de família possuía ensino superior, a
maior parte permanece entre as classes média baixa e baixa.
Também cabe destacar que as professoras participantes desta pesquisa
representam uma história de sucesso escolar, sendo a primeira geração a continuar os
estudos ao nível Médio e Superior, o que corrobora outras pesquisas sobre o perfil do
professorado brasileiro (BATISTA, 1998; ALMEIDA, 2001; KLEIMAN, 2001). Na
resposta sobre o nível de escolaridade do pai ou pessoa do sexo masculino que as criaram,
quatro informaram primário incompleto e quatro, primário completo. As profissões citadas
foram lavrador (3), agricultor (2), empresário (1) e aposentado (2). Sobre o nível de
escolaridade da mãe ou pessoa do sexo feminino que as criaram, uma respondeu analfabeta,
três selecionaram a opção primário incompleto, e quatro, primário completo. As profissões
citadas neste caso foram doméstica (4), lavradora (2), merendeira (1), professora (1) e dona
de casa (1).
Outro dado relacionado à instrução familiar é o fato de sete das oito professoras
terem afirmado que todas as pessoas da casa, mesmo sem ou com pouca escolaridade,
sabiam ler e escrever ou tinham frequentado a escola; somente uma delas indicou que
somente os homens da casa, o pai e o irmão, sabiam ler ou frequentavam a escola em sua
infância. Gatti e Barreto (2009), que analisaram dados sobre os estudantes de licenciaturas
brasileiras, destacam a escolaridade dos pais dos estudantes. Em um país de escolarização
tardia como o Brasil, em torno de 10% deles têm pais analfabetos e, se somados esses aos
que têm pais que frequentaram apenas até a 4ª série do ensino fundamental, chega-se
aproximadamente à metade dos licenciados. Assim, os docentes representam um claro
processo de ascensão desse grupo geracional a altos níveis de formação.
Ao serem questionadas sobre as práticas cotidianas de leitura e escrita dos pais
ou responsáveis durante a infância, cinco das oito professoras afirmaram vê-los lendo ou
escrevendo cartas ou acompanhando crianças nos estudos. Nenhuma delas respondeu ter
visto os pais ou responsáveis lendo ou escrevendo para tarefas do trabalho, nem mesmo a
que afirmou que a mãe era professora. Essa resposta tece relações com a maneira como se
concebe o letramento do professor para o local do trabalho. Práticas de leitura e escrita dos
pais e responsáveis como as descritas no gráfico a seguir não são reconhecidas como
88
práticas de letramento do trabalho docente (no caso da professora que tinha a mãe também
professora).
Gráfico 1: Práticas de letramento dos pais ou responsáveis durante sua infância
A escolaridade da família formada pelas professoras é maior, conforme dados
sobre o grau de escolaridade do chefe de família (elas mesmas ou o marido); somente uma
professora declarou que o chefe de família é analfabeto ou com o primário incompleto; uma
declarou que o chefe da família tem primário completo e ginasial incompleto; duas, ginasial
completo e colegial incompleto; uma, colegial completo e superior incompleto; e três
declararam superior completo.
Sobre a formação escolar do grupo de professoras, apenas uma entre as oito que
responderam ao questionário frequentou creche. Três das professoras interromperam os
estudos por três meses ou mais para depois retomá-los, sendo que duas delas o fizeram mais
0
1
2
3
4
5
6
89
de uma vez. Todas fizeram a maior parte dos estudos da Escola Básica (Ensino
Fundamental e Médio) na escola pública. A maioria (seis) cursou o Ensino Superior em
instituição privada de pequeno porte, duas cursaram em universidade pública.
A maioria das professoras do grupo participante frequentou instituições de
ensino superior privadas isoladas, sem oportunidades de trocas e experiências de pesquisa
possibilitadas em uma universidade de grande porte, principalmente as públicas. Gatti e
Barreto (2009), ao investigarem os cursos de formação inicial de professores, destacam que
há um percentual não desprezível dos cursos (21,6%) que são realizados em faculdades ou
institutos isolados em que as oportunidades de trocas culturais tendem a ser mais pobres.
Na região Sudeste, 90,1% dos cursos de Licenciatura I [Pedagogia] são oferecidos por
mantenedoras privadas, setor em que estão 87,4% das matrículas neste curso no Brasil.
Sobre a formação profissional das professoras, a maioria – sete - cursou Curso
normal ou magistério de 2º grau, sendo que destas, seis cursaram também licenciatura em
pedagogia, e uma, licenciatura em outra área. Cinco das oito professoras fizeram ou
estavam fazendo curso de especialização.
Gráfico 2: Formação Profissional
Gatti e Barreto (2009) afirmam que a maioria dos professores brasileiros possui
formação adequada do ponto de vista do grau de escolaridade exigido para os níveis de
0 2 4 6 8 10
Normal ou Magistério (2º Grau)
Normal Superior
Licenciatura em Pedagogia
Bacharelado em Pedagogia
Licenciatura em outras áreas
Outro curso superior voltado à…
Pós-graduação (especialização,…
Não fiz
Cursando
Completo
90
ensino em que trabalha, sobretudo quando se tem em conta que até 1996 o curso mínimo
requerido por lei para o exercício da docência na educação infantil e nas quatro primeiras
séries do ensino fundamental era o magistério de nível médio. Em 2009, no Ensino
Fundamental I, 41,3% dos ocupantes dessas funções possuía somente a formação de nível
médio46.
Outros itens do questionário abordavam as práticas de letramento das
professoras no cotidiano, para o estudo e para o trabalho, como também questionavam
sobre o acervo de material escrito que possuíam. As respostas a essas questões fornecem
dados relacionados às práticas de letramento formativas observadas em campo, já que é
possível perceber uma semelhança entre estas, principalmente na seleção de textos levados
para discussão nas reuniões de HTPC.
Todas afirmam ler para estudar, para aprender alguma coisa ou para o trabalho.
Textos encontrados na internet, materiais didáticos e apostilas são os mais declarados na
lista de textos lidos para estudar (tabela 3). Na tabela 2, é possível notar que quatro
professoras afirmam ler artigos, ensaios e livros da área da educação para o trabalho, opção
que é selecionada apenas por uma professora na questão sobre leituras para estudo (tabela
3), apesar do número elevado de professoras com pós-graduação. Para o trabalho (tabela 2),
todas afirmam ler materiais didáticos e sete das oito declaram ler literatura infantil. Jornais
e revistas relacionados à educação também são materiais relevantes entre as declarações,
assim como textos em geral relacionados à educação buscados em sites da internet
(assinalados por 6 e 5 professoras nas leituras para o trabalho, respectivamente). Esse dado
se relaciona com eventos observados em campo, já que mensagens audiovisuais digitais,
que circulam por e-mails e blogs na internet47, eram utilizadas em momentos chamados de
“mensagem” ou “reflexão”, durante o HTPC:
46 Gatti e Barreto (2009) ressaltam que as demandas por formação adequada ao exigido na legislação são
muito diferentes segundo os níveis e etapas de ensino e as regiões do país. 47 Em entrevista com três professoras e com a coordenadora, perguntei como buscam textos na internet para
estudo ou para a HTPC. Todas escolhem uma palavra-chave que seria o tema buscado e consultam os sites
que aparecem até encontrarem um texto que consideram adequado para ser lido na reunião.
91
Tabela 2: leituras para o trabalho
Materiais didáticos 8
Literatura infantil 7
Jornais e revistas relacionados à educação 6
Textos em geral de sites da internet relacionados à educação 5
Artigos, ensaios e livros da área da educação ou relacionados 4
Livros religiosos 2
Livros de autoajuda 0
Tablea 3: Tipos de textos lidos para estudo
Textos em geral encontrados na internet 6
Livros didáticos 5
Apostilas 4
Livros de literatura 2
Revistas 2
Matérias, esquemas, textos ou exercícios no caderno 2
Livros técnicos, teóricos ou ensaios 1
Livros de autoajuda 1
Jornais 1
Enciclopédias 0
Dicionários ou manuais de gramática 0
Outro fato a destacar é que cinco professoras leem jornais e revistas pela
internet, sendo que todas afirmam usar o computador (a maioria em casa, apenas uma
afirmou utilizar no trabalho). Dados como esses apontam que o acesso a tecnologias
digitais não é um problema para o grupo de professoras e compõe suas práticas de
letramento.
Chama atenção no desenho esboçado por tais dados a presença de textos
religiosos, mesmo quando a leitura se destina ao estudo, ao trabalho ou ao cotidiano. Ao
serem questionadas sobre que tipo de revistas que costumam ler, todas informaram que
leem revistas informativas semanais. Cinco declaram ler revistas educacionais e quatro das
oito declaram ler revistas religiosas e especializadas:
92
Tabela 4: Tipos de revistas que costumam ler
De informação semanal (Veja, Época, Isto É) 7
Educacionais (destinadas a professores e profissionais da educação como Nova Escola) 5
Especializadas (saúde, informática, esportes, viagem) 4
De religião 4
Quadrinhos, gibi, humor 3
De culinária, corte e costura, tricô e crochê ou artesanato 2
Fofocas e novelas (Caras, Contigo, Amiga) 1
Femininas (Cláudia, Nova, Marie Claire) 1
Infantis 1
Sobre seus acervos, as professoras indicaram que possuem materiais escritos
variados. Ao observarmos os dados mais detidamente, destaca-se o fato de todas afirmarem
que possuem a Bíblia ou livros religiosos, mesmo que uma delas tenha afirmado não
praticar nenhuma religião nem frequentar igrejas (quatro se declararam católicas e três,
protestantes ou neopentecostais). Os materiais escolares e dicionários também se destacam:
Tabela 5: Acervo de materiais escritos em casa
Álbuns de fotografia
Bíblia ou livros religiosos
Folhinha, calendários
Catálogos e lista telefônica
Dicionário
Livros de receitas
Todas as professoras (8)
Livros didáticos ou apostilas escolares 7 professoras
Guias de rua e serviços
Cartilhas, carta do ABC ou livros escolares
Livros de literatura
Revistas
Livros infantis
6 professoras
Livros técnicos ou especializados
Manuais de instrução
Enciclopédias
5 professoras
Livros de autoajuda 4 professoras
Folhetos, apostilas ou livretos de movimentos sociais, de partidos
políticos ou grupos religiosos
Jornais
3 professoras
Livros ou Folhetos de Literatura de cordel 2 professoras
93
Seus acervos na vida adulta são mais variados do que os acervos da casa em
que viveram na infância, conforme declaração no questionário. Na infância, os materiais
mais presentes são semelhantes: todas as professoras afirmaram que havia a Bíblia ou livros
religiosos na casa em que passaram a infância, sete afirmaram que havia álbuns de
fotografia e seis afirmaram que havia cartilhas, carta do ABC ou livros escolares. Livros
técnicos, revistas, manuais e livros de literatura e infantis, declarados pela maioria das
professoras na vida adulta, não compunham os acervos da infância da maioria das
professoras ou não as marcaram o suficiente para citarem no questionário. A ampliação do
acervo pode decorrer do processo mais longo de escolarização das professoras, incluindo a
formação em nível superior e pós-graduação, o que demanda livros técnicos, por exemplo;
da participação em políticas públicas de distribuição de livros nas escolas, como o PNLD
(Programa Nacional do Livro Didático) e o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da
Escola)48, e do contato com editoras no contexto desses programas.
Ao serem questionadas sobre os livros de que gostaram ou que foram
marcantes, as professoras destacam títulos religiosos e de autoajuda. Os autores mais
citados, respectivamente quatro e duas vezes, são Augusto Cury e Içami Tiba. Os dois são
médicos psiquiatras, vendem milhões de livros no Brasil, geralmente classificados como de
autoajuda. Apesar de ter dois livros citados, a autora de Best-sellers Stephenie Meyer não
teve seu nome anotado pelas professoras. Do total de livros citados, sete títulos são
religiosos e seis são de autoajuda:
48 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), desenvolvido desde 1997, tem promove a distribuição
de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência para alunos e professores. A construção do
acervo do professor é realizada com a aquisição de obras de referência para os professores da educação básica
regular e da educação de jovens e adultos tendo em vista a preparação dos planos de ensino e a aplicação de
atividades em sala de aula com os alunos.
94
Tabela 6: Livros que gostaram ou que as marcaram
Pais brilhantes, professores fascinantes – Augusto Cury 3 Autoajuda
Bíblia Sagrada 2 Religioso
A cabana – Willian Young 2 Religioso
Filhos brilhantes, alunos fascinantes – Augusto Cury 1 Autoajuda
O futuro da humanidade – Augusto Cury 1 Autoajuda
O semeador de ideias – Augusto Cury 1 Autoajuda
Quem ama educa – Içami Tiba 1 Autoajuda
Disciplina, limite na medida certa – Içami Tiba 1 Autoajuda
O caso dos 10 negrinhos – Agatha Cristie 1 Romance
Antes do baile verde – Ligia Fagundes Telles 1 Romance
Dom Casmurro – Machado de Assis 1 Romance
Pequeno Príncipe – Saint Exupery 1 Romance
Jardim secreto – Francis H Burnett 1 Romance
Crepúsculo – Stephenie Meyer 1 Romance
Lua Nova – Stephenie Meyer 1 Romance
Terço da Libertação 1 Religioso
Ágape – Padre Marcelo Rossi 1 Religioso
Nada é por acaso – Zíbia Gaspareto 1 Religioso
O desejado de todas as nações – Ellen G. White Estate 1 Religioso
Atos dos apóstolos 1 Religioso
A vida de Jesus 1 Religioso
Ciência do bom viver 1 Manual de
alimentação
Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado – Ana Beatriz B.
Silva
1 Psicologia
Padre ou pastor, junto com professor ou professora e mãe foram, cada um,
citados duas vezes como a pessoa que mais influenciou as professoras em seu gosto pela
leitura. Também são padres, pastores e professores as pessoas lembradas como aquelas que
lhes indicam livros:
95
Tabela 7: Quem indica os livros que leem
Normalmente, quem indica os livros que você lê?
Padre ou pastor da minha religião 4
Outras professoras, colegas de trabalho. 4
Um professor ou professora, apenas como sugestão. 3
Meus Amigos 3
Não sigo indicações, faço escolhas sozinho(a). 2
Um professor ou professora, como leitura obrigatória de um curso. 1
Tabela 8: Com quem conversam sobre os livros que leem
Você costuma conversar sobre os livros que lê?
Sim, com colegas de trabalho, do grupo ou associação que tomo parte ou da religião que sou
adepta
5
Sim, converso com professores ou colegas de trabalho 4
Sim, converso com meus pais ou parentes ou pessoas que vivem comigo 3
Sim, com amigos ou namorado(a) 1
Não costumo conversar sobre livros que leio 0
Da questão “Você participa ou já participou de quais destas associações ou
organizações?”, cinco das oito professoras participam de igreja ou grupo religioso, sendo
que seis delas vão pelo menos uma vez por semana a cultos, missas ou reuniões religiosas.
A participação em outros tipos de grupo é menor:
96
Gráfico 3: Participação em grupos, associações ou organizações
Tabela 9: Frequência em que vai a cultos, missas ou reuniões religiosas
Com que frequência você costuma ir a cultos, missas ou reuniões religiosas?
1. Duas vezes por semana 3
2. Uma vez por semana 3
3. Duas vezes por mês 1
4. Uma vez por mês 0
5. De vez em quando 0
6. Não frequento cultas, missas ou reuniões religiosas 1
As três professoras que afirmaram frequentar duas vezes por semana se
declararam protestantes (o que inclui as Igrejas neopentecostais em crescimento no Brasil),
sendo que uma delas realiza pregação uma vez por mês a pedido do pastor e outra é líder do
encontro de casais de sua igreja.
O destaque das práticas de letramento religiosas se reflete na presença de textos
religiosos nas HTPCs, como também na prática de rezar um Pai Nosso no início das
reuniões.
0
1
2
3
4
5
6
97
As professoras podem ser caracterizadas como seguras a respeito de suas
habilidades de leitura e escrita, pois todas responderam que a forma como leem e escrevem
as ajuda muito em suas atividades domésticas e profissionais.
Sobre outras práticas sociais e culturais das quais participam fora do trabalho, a
maioria, cinco, assiste frequentemente a noticiários televisivos. Um dado que chama a
atenção é que sete deles nunca ou raramente vão a museus e exposições e seis nunca ou
raramente vão ao cinema. Tal fato pode estar relacionado ao porte da cidade, que não
apresenta muitas opções de lazer: a cidade, de pequeno porte, possui biblioteca municipal;
contudo, não possui museus nem salas de cinema. Ou seja, as professoras têm que se
deslocar do município para participar de tais práticas.
Os dados corroboram outros dados sobre o acesso a bens culturais do brasileiro
de uma maneira geral. Por exemplo, Abreu (2003), que analisa dados sobre esse acesso dos
entrevistados recenseados em 2001 pelo INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo
Funcional), destaca que 83% da população da amostra nunca foi ao teatro, 78% nunca foi a
um museu e 68% nunca foi ao cinema, sendo que 59% nunca aluga filmes; 50% nunca vai a
show e 45% nunca vai a exposições ou feiras. As práticas relacionadas à televisão e ao
rádio, são mais presentes: 81% assiste TV e 78% ouve rádio.
A caracterização socioeconômica do grupo de professoras e o desenho de suas
práticas de letramento e acervos de leitura têm impactos quando nos voltamos para a
reflexão sobre as políticas públicas de formação continuada. As professoras são das classes
C e D, primeira geração de escolaridade mais longa em suas famílias, com letramentos que
envolvem práticas escolares, religiosas, de cultura de massa (best-sellers, autoajuda,
televisão) e digitais (uso do computador e da internet), e em comunidades de práticas
específicas (grupos religiosos, e não grupos profissionais ou políticos, como o sindicato).
Tal caracterização deveria ser levada em conta no planejamento de políticas públicas que
têm em vista o professorado. No caso da HTPC, a regulamentação do Estado garante um
espaço-tempo para a formação do professor em seu local de trabalho, mas não propõe ou
discute o que se fazer nesse espaço-tempo nem possibilita que se amplie o acesso do
professor a letramentos mais variados relacionados a sua profissão a partir das práticas de
letramento já familiares a ele ou em diálogo com essas práticas.
98
4.2 Os eventos de formação
4.2.1 A HTPC na escola
Na escola participante desta pesquisa, a HTPC ocorria às terças-feiras, em dois
períodos: de manhã para as professoras que lecionam à tarde, das 9h45 às 12h, e à tarde
para aquelas que lecionam pela manhã, das 12h15 às 14h30.
Na primeira entrada em campo, apresentei-me, falei sobre o projeto e pedi a
permissão dos dois grupos de professoras – de manhã e à tarde – para observar as reuniões.
Avisei que levaria, na semana seguinte, um termo de consentimento livre e esclarecido
(Anexo 1) para que se informassem melhor sobre o projeto. Todas as professoras
preencheram o termo e não se opuseram à gravação em áudio, iniciada na terceira
participação nas reuniões. Contudo, em alguns momentos, principalmente os de brincadeira
e descontração, durante as reuniões, as professoras costumavam pedir para desligar o
gravador, o que era feito prontamente.
Eventualmente, a diretora e a vice-diretora participavam das reuniões. Em
alguns casos específicos, outras pessoas, convidadas pela coordenação e direção, também
participavam. Participei de três reuniões com pessoas convidadas: uma com o então
secretário de educação do município, uma com uma especialista em ecologia e cultivo
sustentável, e outra com uma professora aposentada da rede municipal.
Nas reuniões de HTPC de manhã, participavam por volta de sete professoras,
sendo uma auxiliar. Na parte da tarde, eram por volta de nove professoras, sendo duas
auxiliares. No início do ano de 2011, comecei a pesquisa de campo, com observação
participante nas reuniões dos dois períodos. Na segunda metade do mês de abril, optei por
observar somente a turma de professoras que lecionava de manhã e tinha as reuniões à
tarde. Tal procedimento se deu por dois motivos: a pauta das duas reuniões sempre era a
mesma, então optei por acompanhar somente um grupo, porém de forma aprofundada; no
grupo que se reunia à tarde estavam três professoras que atuavam no 5º ano e passaram a
participar, quinzenalmente, de reuniões com professoras de 5º ano de toda a rede municipal,
outro tipo de evento de formação de interesse para esta pesquisa, que também passei a
acompanhar.
99
4.2.2 Demanda gerada por avaliação externa
Em uma das reuniões de HTPC na escola de que participei, Eliane trouxe um
informe da Secretaria Municipal de Educação para as professoras de 5º ano: reuniões
quinzenais com professoras de toda a rede atuantes nesse ano iriam ser realizadas por uma
demanda, segundo a coordenadora, das próprias professoras para abordar temas
relacionados a avaliações externas – a Prova Brasil49 e o Saresp50 - tendo em vista a
aplicação de ambas ao final do ano. Pedi a Eliane para participar dessas reuniões. Ela disse
que não via problemas, mas iria consultar a secretaria. Na mesma semana, Eliane me
enviou um e-mail com a resposta positiva e as informações de data e horário do primeiro
encontro.
Os encontros foram iniciados por volta de seis meses antes das avaliações
externas. Com apoio de assessoras e supervisoras da Secretaria de Educação, as professoras
e coordenadoras organizavam-se nas reuniões para debater assuntos relacionados às duas
avaliações.
Segundo a legislação, a HTPC também pode ser utilizada para reuniões,
atividades pedagógicas e de estudo, de caráter coletivo, bem como para atendimento a pais
de alunos; por isso, as professoras não participavam da reunião na escola nas semanas em
que participavam da reunião de professoras dos quintos anos. Como são professoras de
diferentes escolas da rede, elas se reuniam em uma unidade escolar ou na secretaria
49 A Prova Brasil é uma avaliação para diagnóstico, em larga escala, desenvolvida pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC). De acordo com o site do Ministério da
Educação, a Prova Brasil tem o objetivo de “avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional
brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos”. Os testes são de língua
portuguesa e matemática, aplicados nos quinto e nono anos do ensino fundamental. Em língua portuguesa, o
foco é a leitura. Ainda segundo o website do MEC, a partir das informações da Prova Brasil, “o MEC e as
secretarias estaduais e municipais de Educação podem definir ações voltadas ao aprimoramento da qualidade
da educação no país e à redução das desigualdades existentes, promovendo, por exemplo, a correção de
distorções e debilidades identificadas e direcionando seus recursos técnicos e financeiros para áreas
identificadas como prioritárias”. As médias de desempenho nessas avaliações subsidiam o cálculo do Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). 50 O Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP envolve todas as
escolas da rede pública estadual que oferecem ensino regular a alunos do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio. Cada edição envolve a aplicação de provas aos alunos e questionários respondidos pelos pais, alunos,
professores e gestores do ensino. As provas são aplicadas a alunos do 3º, 5º, 7º e 9º ano do Ensino
Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio. Os componentes curriculares a serem avaliados são Língua
Portuguesa, Matemática e Ciências Humanas (História e Geografia), além da prova de redação. Informações
do site http://saresp.fde.sp.gov.br/2011/
100
municipal de educação em horários em que não estavam em sala de aula, o que tornava o
evento somente formativo, pois não estava relacionado a demandas de gestão ou problemas
cotidianos de nenhuma escola em específico.
As reuniões de HTPC das professoras de quinto ano se organizavam de maneira
colaborativa: uma dupla de professoras (que também poderiam estar na função de
coordenação) desenvolvia uma palestra ou oficina sobre um tema escolhido previamente
pelo grupo. Os temas foram propostos na primeira reunião a partir das sugestões das
professoras presentes. Os temas deveriam estar relacionados à Língua Portuguesa ou à
Matemática, disciplinas avaliadas nas duas avaliações externas.
O quinto ano do ensino fundamental é o último oferecido em escolas
municipais. A partir do terceiro ciclo do Ensino Fundamental de nove anos, ou seja, a partir
do 6º ano, os alunos passam a estudar em escolas estaduais. Nesse ano, os alunos também
passam por exames de avaliação de aprendizagem em nível estadual e federal, gerando
índices sobre a qualidade do ensino do município, o que costuma ser uma grande
preocupação das Secretarias de Educação. Ao participar de uma das reuniões na escola
observada, o Secretário de Educação da cidade explicitou sua preocupação com as
cobranças e reclamações que vêm das escolas estaduais sobre os alunos que lá chegam no
6º ano, como também dos indicativos dos exames. Por outro lado, as professoras que
lecionam no 5º ano reclamavam da cobrança que recai toda, segundo elas, nos 5º anos.
Além de observar as reuniões, fui convidada, junto com a coordenadora da
escola observada, Eliane, a contribuir com uma palestra sobre o trabalho com gêneros
discursivos em sala de aula, mais precisamente sobre o gênero resenha, um dos temas de
interesse das professoras. Essas reuniões contavam com mais ou menos 30 participantes,
entre professoras, coordenadoras e funcionárias da secretaria de educação.
4.2.3 Consultoria pedagógica de editora de sistema apostilado
No segundo semestre de 2011, a Secretaria Municipal de Educação fechou
contrato com um sistema apostilado para toda a rede municipal – da Educação Infantil ao
último ano do Ensino Fundamental I (o 5º ano). Com isso, a editora do material didático
101
passou a oferecer “capacitações”51 para as professoras. No primeiro e único encontro de
2011, ocorreram duas palestras: das 8h às 12h com uma consultora de Língua Portuguesa, e
das 13 às 17horas, com uma consultora de Matemática. No caso deste primeiro evento, a
Secretaria solicitou que as duas tratassem dos conteúdos da Prova Brasil para as professoras
do 5º ano, dentro das ações da formação organizada para essa demanda específica. Com o
acordo firmado, outros eventos como esse poderiam ser solicitados pela secretaria.
Esses eventos, pelo observado nesse primeiro encontro, são destinados a
tratar de demandas diretamente relacionadas ao trabalho do professor com exemplos
baseados no material apostilado. No caso do evento observado, as duas consultoras deram
aulas expositivas, tratando de conceitos e exemplificando com atividades didáticas
(presentes no material didático adotado).
Sobre a adoção de apostilados por secretarias municipais de educação,
Andrade (2010) destaca, primeiramente, a contradição de sua adoção com políticas de
seleção e avaliação do livro didático, programa do Ministério da Educação (Programa
Nacional do Livro Didático - PNLD). Ao comprar os métodos apostilados, gera-se um não
alinhamento entre políticas públicas municipais, guiadas pelo privado, e as traçadas pelo
ministério. Os materiais apostilados ou “sistemas de ensino” produzidos por esses grupos
privados não são avaliados pelos programas do Ministério da Educação nem envolvem a
escolha de materiais pelo docente. Como não são adquiridos pelo MEC, uma parte da verba
da Fundeb do município acaba destinada a esse fim. Assim, gasta-se duas vezes – uma
verba federal e outra municipal – para compra de materiais didáticos52.
Além disso, os sistemas apostilados envolvem uso integral compulsório do
material, muitas vezes com prazos a serem cumpridos pelo docente, aula a aula,
independentemente da realidade e demanda da turma de alunos. Avaliações chegam
prontas, o que resulta no sistema apostilado definindo o currículo. Também há em jogo o
interesse e abordagem comercial de grandes grupos que atuam no campo da educação, em
uma forte disputa entre editoras para conquistar mais clientes, sustentada no discurso de
que o material que está nas escolas privadas deveria ser adotado pela escola pública.
51 Nomenclatura utilizada pelas consultoras da editora ao se referirem aos encontros com as professoras. 52 No caso de escolas da Rede Estadual de São Paulo, ainda há os Cadernos, outro material didático produzido
para serem desenvolvidos em todas as escolas estaduais.
102
Só pude acompanhar um encontro desse tipo. Esse fator e o formato do
evento – semelhante a uma palestra, constituída de exemplificação do próprio material
didático, com pouquíssima participação das professoras – levou-me a não integrá-lo às
análises dos próximos capítulos.
Diante dessa descrição geral, passo à descrição mais detalhada e à análise de
cada um deles para responder as perguntas de pesquisa aqui propostas.
103
5 - Eventos de letramento formativos em HTPC: o que
acontece na formação no local de trabalho do professor
Neste capítulo, analiso eventos formativos em HTPC nas reuniões semanais que
ocorrem na escola com professoras atuantes em todos os anos do Ensino Fundamental I e
nas reuniões de HTPC quinzenais entre professoras atuantes no 5º ano de toda a rede de
ensino do município participante desta pesquisa. O objetivo é descrever os dois tipos de
eventos, prestando especial atenção às diferenças entre eles no que diz respeito às
estruturas, aos modos interacionais e ao conteúdo desenvolvido, o que tem implicações no
engajamento das professoras em sua própria formação no local de trabalho e nos temas
construídos nos eventos. Vou me valer, na análise da estrutura dos eventos e do fluxo de
interação, das contribuições da Sociolinguística Interacional e Análise da Conversa, sem
perder de vista a situação comunicativa, os discursos e as relações de poder que atuam nas
interações sob análise.
5.1 Caracterização geral dos eventos: determinações institucionais e subversões
Para analisar o que ocorre nos eventos formativos em HTPC, que práticas são
mobilizadas e que relações são nelas construídas, recorro à microanálise da interação.
Analiso tanto a organização global do evento e suas rotinas comunicativas – abertura,
desenvolvimento e fechamento – como a estrutura das interações entre as participantes e
sua relação com o tema (no sentido bakhtiniano) construído na interação.
De acordo com Kerbrat-Orecchioni (2006), as interações verbais são regidas
por regras que permitem a gestão da alternância dos turnos de fala, que regem a
organização estrutural da interação e que intervêm no nível da relação interpessoal, o que
é considerado nas análises deste capítulo ao enfocar os eventos formativos em HTPC.
Eventos podem ser mais ou menos ritualizados. Configuram-se com base em
rotinas comunicativas, pois a interação entre os participantes no evento tem um código
ritual (GOFFMAN, [1974] 2011), mas há eventos “cujas rotinas comunicativas que
104
constituem suas unidades funcionais são mais rígidas do que as encontradas em outros”
(MATENCIO, 1999, p. 65). Os fatores que influenciam na maior ou menor espontaneidade
na organização comunicativa de um evento são tanto relacionados ao estatuto dos
interlocutores e às relações entre eles estabelecidas quanto a determinações institucionais,
relacionadas ao espaço-tempo em que os eventos ocorrem.
No caso da HTPC, alguns fatores são pré-determinados: horário de início e fim,
duração do evento, interlocutores autorizados a participar e seus papéis ou funções
(professoras, coordenadora e, esporadicamente, diretora). A própria portaria que
regulamenta a HTPC restringe as características do evento. Por exemplo, complementando
a Portaria nº 1/96 - L.C. nº 836/97, a CENP esclarece e reitera objetivos e formas de
organização da HTPC em comunicados53 que delimitam duração, participantes e suas
funções nos eventos, assim como modos de agir (elaborar pauta, dividir tarefas etc.),
artefatos a serem usados (ata, caderno, diário de bordo) gêneros a serem mobilizados pelos
participantes (debate, oficina, reunião, pauta, ata), como indicam os trechos a seguir:
Quadro 1: Comunicados CENP sobre HTPC
“Comunicado CENP de 29/01/2008 (...) 1 – As Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo deverão ser planejadas e organizadas pelo Professor Coordenador de cada segmento do ensino fundamental e médio, em sintonia com toda a equipe gestora da escola, com vistas a integrar o conjunto de professores do segmento, objeto da coordenação; (...) ” . “Comunicado CENP, de 06/02/2009
(...) 4 - No planejamento, na organização e na condução das HTPCs, é importante: - considerar as demandas dos professores frente às metas e prioridades da escola; - elaborar previamente a pauta de cada reunião, definida a partir das contribuições dos participantes; - dividir entre os participantes as tarefas inerentes às reuniões (registro, escolha de textos, organização dos estudos); - planejar formas de avaliação das reuniões pelo coletivo dos participantes; - prever formas de registro (ata, caderno, diário de bordo, e outras) das discussões, avanços, dificuldades detectadas, ações e intervenções propostas e decisões tomadas; - organizar as ações de formação continuada com conteúdos voltados às metas da escola e à melhoria do desempenho dos alunos, com apoio da equipe de supervisão e oficina pedagógica da DE. 5 - O horário do cumprimento d as HTPCs, a ser organizado pelo Professor Coordenador,
53 Disponíveis em http://www.dersv.com/legislacao.htm Acesso em 09/08/2013.
105
deverá assegurar que todos os professores do respectivo segmento de ensino participem num único dia da semana, em reuniões de, no mínimo, duas horas consecutivas”.
Os participantes dos eventos — professores de um mesmo segmento do ensino
e professor coordenador, — são especificados pela legislação, que também, ao especificar
funções dos participantes, determina hierarquias assimétricas nessas relações de lugares e
nos papéis dos participantes. O coordenador deve planejar e organizar as HTPCs, conforme
o primeiro comunicado, “em sintonia com a equipe gestora”, ou seja, com outros
coordenadores e diretores da rede de ensino, o que envolve todas as ações detalhadas no
quarto tópico do segundo comunicado, que se relacionam ao planejamento, organização e
condução de HTPCs. Os professores ficam subordinados ao coordenador, pois é este que
avalia “as demandas dos professores frente às metas e prioridades da escola”. Também é
ele que deve “organizar as ações de formação continuada”.
Os documentos que regulamentam a HTPC contemplam como interlocutor
apenas o professor coordenador. O coordenador é referido várias vezes no documento como
o agente da HTPC, mesmo nas construções na voz passiva: “As Horas de Trabalho
Pedagógico Coletivo deverão ser planejadas e organizadas pelo Professor Coordenador”,
“O horário do cumprimento das HTPCs, a ser organizado pelo Professor Coordenador”.
O professor não é tomado como interlocutor – não há explicitações de suas funções na
HTPC, somente o dever de comparecer à reunião e seguir decisões alheias, e não é
posicionado como agente, somente como objeto de ações de outros: é ao coordenador a
quem compete “considerar as demandas dos professores frente às metas”, “dividir entre
os participantes as tarefas inerentes às reuniões”, “com vistas a integrar o conjunto de
professores do segmento, objeto da coordenação”. A HTPC, para o professor, é construída
como uma tarefa a ser cumprida, um cumprimento de horas previstas em seu trabalho.
Assim, uma relação assimétrica entre Coordenador e Professores na HTPC é
determinada pelos próprios documentos oficiais. Os documentos preveem uma rígida
estrutura nos eventos, sempre tendo o professor coordenador como responsável pela sua
realização, com pauta previamente elaborada, duração e horário fixos. Essa rigidez se
reflete nas HTPCs semanais observadas, em sua condução pela coordenadora e na
participação das professoras. Já nas HTPCs quinzenais, as professoras e coordenadoras
106
participantes subvertem essa regulação, alterando local, horário e organização: elas se
revezam, em duplas, na organização e realização dos encontros.
A institucionalização do evento não impede que alguns aspectos sejam
negociados na interação, como a assimetria das relações de lugares e papéis dos
participantes. Até mesmo tempo e espaço da HTPC são negociados e modificados, como no
caso dos encontros quinzenais no contexto desta pesquisa: o grupo de professoras de 5º ano
de todo o município não participava da HTPC de sua escola, e sim se reunia em um mesmo
local, em horário alternativo, durante 2 horas, para discutir uma pauta específica
relacionada à exigência de avaliações externas54 desse ano de ensino. A pauta com tópico
único dessas reuniões, diferentemente da pauta da HTPC na escola, não era preparada pela
coordenadora, mas era negociada por todas as professoras, e preparada por uma dupla
composta por professoras ou professora e coordenadora.
5.2 Etapas e gêneros do discurso em HTPC: aula e oficina
Nesta seção, descrevo a organização global dos eventos em suas etapas e nos
gêneros que os compõem, separando a análise por tipo de evento: primeiro, descrevo as
HTPCs semanais, ocorridas na escola; posteriormente, descrevo a HTPC quinzenais entre
professoras de 5º ano. A descrição separada dos dois tipos de evento busca caracterizar
cada um de maneira detalhada para perceber o que cada um possibilita em termos da
formação continuada do professor em seu local de trabalho.
5.2.1 Na HTP-aula
Participei, durante o ano de 2011, de dezessete reuniões de HTPC semanal.
Devido a suas similaridades interacionais com a aula expositiva, analisadas neste capítulo,
passo a denominá-las HTPC-aula.
54 A portaria da CENP que regulamenta a HTPC prevê possibilidades de uso das horas destinadas à reunião
semanal na escola para alguns fins relacionados à gestão escolar e à formação docente – ver capítulo 3.
107
Em todas elas, há uma organização e uma dinâmica comuns, poucas vezes
rompida por algum fator externo ou por uma das participantes. Pela pauta reproduzida
abaixo, podemos recuperar sua organização usual:
Quadro 2: Pauta de HTPC-aula [15ª reunião acompanhada]
Podemos dividir, com base na pauta, a HTPC-aula em três principais etapas, de
acordo com proposta de Matencio (1999) para estudo da aula, marcadas nas ações e na
interação das participantes:
Tabela 10: Estrutura global do evento HTPC-aula
Abertura Desenvolvimento Fechamento
Preparação Gestão e Questões
pedagógicas
Planejamento
Distribuição
de pauta;
cumprimento
informal.
Atividade de
motivação
(mensagem,
reflexão).
Avisos e cobranças de
gestão da unidade
escolar e da Secretaria
de Educação;
discussão de questões
didáticas e
pedagógicas
(conteúdos para o
bimestre, dificuldades
de alunos específicos,
como trabalhar
conteúdos específicos
etc.);
Planejamento
semanal (individual
ou pequenos
grupos).
Dispersão de
professoras;
algumas
despedidas;
assinatura do
ponto e do livro
ata.
108
As etapas de abertura e fechamento têm como função indicar início e fim do
evento. Já o desenvolvimento se relaciona ao conteúdo planejado para o evento e sua
função institucional. Em sua análise da aula, Matencio (1999) chamou essa etapa de
instrumental, destinada ao ensino-aprendizagem de determinado conteúdo ou
procedimento, sendo as etapas de abertura e fechamento denominadas interacionais. Na
HTPC, o desenvolvimento é a etapa em que as funções delimitadas oficialmente para o
evento ocorrem: gestão escolar e formação docente, principalmente. A subetapa de
preparação do desenvolvimento pode ser considerada uma abertura em termos
instrumentais, ou seja, relacionada aos objetivos do encontro, que são desenvolvidos nas
outras subetapas do desenvolvimento (gestão, questões pedagógicas, planejamento). A
função da preparação do desenvolvimento é dar sentido à docência e à própria reunião,
como veremos no capítulo 6.
Abertura
Em três das dezessete reuniões acompanhadas, o grupo realizou a oração do Pai
Nosso antes de qualquer outra atividade, apesar de a escola pública brasileira ser,
constitucionalmente, laica55. Não houve, em nenhuma ocasião, qualquer questionamento ou
resistência expressa sobre essa prática, o que indica que é naturalizada pelas participantes.
A discussão sobre o discurso religioso nas práticas de letramento do professor será mais
desenvolvida no próximo capítulo.
Na abertura, durante os cumprimentos informais, cada professora, inclusive a
pesquisadora56, recebia da coordenadora uma cópia da pauta no início da reunião. Em todas
as reuniões observadas, as professoras recortavam as margens em branco ao redor da pauta
e colavam-na em seus cadernos, nos quais também colavam cópias de outros textos que
55 Em duas ocasiões, antes das reuniões, acompanhei os alunos, todos juntos no pátio da escola antes de
iniciar as aulas, rezando o Pai Nosso orientados por professoras e pela diretora da unidade. 56 Fui integrada à rotina dos eventos. Recebia os mesmos textos distribuídos às professoras, lia em voz alta
partes dos textos em leituras compartilhadas, era questionada sobre os assuntos discutidos e participava das
conversas informais sobre assuntos nem sempre relacionados à prática da HTPC. Essa integração não quer
dizer que minha presença era neutra ou não interferia no comportamento das outras participantes.
109
eram utilizados durante a HTPC e tomavam notas. O caderno configura-se, assim, como um
suporte de diversos gêneros que circulam na HTPC.
Além dessas ações recorrentes das participantes – entrega da pauta pela
coordenadora, recorte e colagem da pauta nos cadernos pelas professoras - a ritualização da
abertura da HTPC-aula na escola era indicada por marcadores interacionais, exemplificados
no excerto abaixo:
Excerto 1 – Abertura ritual em HTPC-aula [10 de maio 2011; 4ª reunião acompanhada]
1 Coordenadora: meninas, boa tarde 2 Professoras: boa tarde, boa tarde... 3 Coord: hoje a pauta está bem curtinha 4 ((Som dos alunos ao fundo. As cópias de pauta vão passando de mão em mão, cada uma 5 pega uma, recorta as margens e cola em um caderno. Professoras comentam outros 6 assuntos, sobre animais de estimação etc.)). 7 Coord: nós vamos começar com a reflexão “A Borboleta Azul”, alguém lê, por favor?
A abertura do evento é sinalizada por cumprimentos informais (linhas 1 e 2)
pela coordenadora. É ela que descreve a pauta e introduz a primeira atividade, a “reflexão”,
que consiste na leitura e discussão do texto intitulado “A Borboleta Azul”, uma fábula –
etapa de preparação do desenvolvimento do evento. O verbo “começar” assinala que, a
partir daquele momento, tem início a HTPC em termos instrumentais (MATENCIO, 1999).
A coordenadora também solicita a participação das professoras (“alguém lê, por favor?”,
linha 7), distribuindo os papéis no evento, centralizando a organização e realização da
HTPC, e regulando o comportamento das participantes.
Vejamos mais um exemplo:
Excerto 2 – Abertura em HTPC-aula [31 de maio 2011; 6ª reunião acompanhada]
1 Coordenadora: Meninas, boa tarde/ nossa pauta está bem recheadinha mas tem 2 lembretes aqui só... hoje a reflexão ((professoras falam concomitantemente sobre 3 outros assuntos)) hoje nossa reflexão... ((professoras falam ao fundo, não voltam sua 4 atenção para a coordenadora, não estão olhando para ela; cópias da pauta são 5 distribuídas enquanto coordenadora faz a fala inicial)).
Esta fala de abertura está marcada por embreantes, ou elementos dêiticos, que
ancoram o enunciado ao tempo e espaço da situação de comunicação (MAINGUENEAU,
110
2013). O vocativo “meninas”, a referência à pauta impressa, o uso de dêiticos espaciais
(aqui) e temporais (hoje) e o uso dos verbos no presente do indicativo tornam a fala da
coordenadora embreada à enunciação57.
Essa estrutura de abertura é recursiva. As possibilidades registradas são:
cumprimentos, distribuição e apresentação da pauta, apresentações de convidados (quando
havia). Nas 17 reuniões acompanhadas, a coordenadora cumprimenta as professoras pelo
vocativo “meninas” e introduz a pauta em 12 reuniões, às vezes qualificando-a, como no
excerto 2 (“está bem recheadinha”) e no excerto 1 (“a pauta está bem curtinha”), para
depois passar à preparação do desenvolvimento, a chamada “reflexão”.
As caracterizações da pauta pela coordenadora mostram tentativas desta de
justificar seu próprio fazer (é ela que prepara a pauta), que é imposto pelas normas que
regem a HTPC. Ela realiza ressalvas sobre a extensão da pauta ou dos pontos selecionados,
o que pressupõe um descontentamento por parte das professoras caso a pauta se estendesse.
No caso do excerto 2, o uso do operador argumentativo “mas” marca a ressalva (“Nossa
pauta está bem recheadinha mas tem lembretes aqui só...”). O tema da interação nos
excertos transcritos é atribuir adjetivos à pauta que contra-argumentem ou corroborem as
apreciações valorativas das professoras sobre a HTPC e os pontos da pauta, que devem ser,
então, cumpridos rapidamente. Conforme já discutido, na perspectiva bakhtiniana, o tema
de um enunciado envolve as apreciações valorativas em qualquer uso da palavra, que nunca
é neutra (BAKHTIN, 1988; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995). Assim, o questionamento
sobre a legitimidade do que ocorre em HTPC é refletido nesses usos da palavra.
Há exceções a essa configuração de abertura. Elas ocorreram poucas vezes e
ocorreram das seguintes maneiras: a coordenadora não cumprimentou as professoras e já
pediu a participação na reflexão; e a coordenadora iniciou apresentando convidadas (em
duas ocorrências). Em uma das reuniões, a coordenadora estava ausente e a vice-diretora
ocupou suas funções, abrindo a HTPC já com a leitura da reflexão após conversas
informais.
Desenvolvimento
57 Características do que Bronckart (1999) chama de discurso interativo.
111
O desenvolvimento da HTPC-aula consistia de três partes: (1) preparação,
envolvendo a leitura de um texto para reflexão, seguido ou não de atividade de pergunta-
resposta; (2) gestão e questões pedagógicas, em geral abrangendo avisos e tomada de
decisões coletivas - sobre a organização de atividades escolares e discussão sobre eventos
da escola como datas para festas e viagens com os alunos, datas para aplicação de
avaliações, horários de cada turma para uso de espaços coletivos (sala de jogos, biblioteca,
parquinho, quadra de esportes), - e sugestão de atividades pedagógicas pela coordenadora
para atender a projetos da escola ou a conteúdos curriculares programados, seguida ou não
de pergunta-resposta; e (3) trabalho em duplas, pequenos grupos ou individual para
planejamento semanal. A coordenadora, em algumas ocasiões, acompanhava as professoras
no planejamento. Vejamos exemplos de cada uma destas subetapas do desenvolvimento.
No momento de reflexão, com ocorrência em todas as HTPCs, um texto era
distribuído para as professoras ou projetado na lousa digital para leitura (item 1 da pauta)
ou ainda, no caso de canções, reproduzido para escuta das participantes. Os textos, de
diferentes gêneros, costumavam ser lidos em busca de uma “mensagem”, geralmente
motivacional ou moralizante.
Excerto 3: Preparação 1 – reflexão e acervo do professor [10 de maio de 2011; 4ª reunião
acompanhada. Texto lido em anexo].
1 Coord: nós vamos começar com a reflexão “A Borboleta Azul”, alguém lê, por favor?
2 Prof Janaína: eu não recebi, Eli 3 Coord: vamos começar?
(+++) 4 Pesquisadora: Posso começar 5 ((passa a ler em voz alta o primeiro parágrafo do texto entregue a todas – anexo 4. A
partir de então, cada professora lê um parágrafo até terminar o texto)). 6 Coord: Alguém quer fazer algum comentário? já conheciam?
7 [Várias: já, já] 8 Prof Rute: já tinha visto o do passarinho 9 Prof Amélia: Já demos até para os alunos 9 Prof Jéssica: demos para os alunos 10 Prof Edna: é a do passarinho da borboleta eu não conhecia só do passarinho
(++)
O uso do verbo “começar” duas vezes pela coordenadora (linhas 1 e 3) marca o
início do desenvolvimento do evento: começar a seguir os pontos da pauta. A atividade de
112
reflexão funciona como preparação para as atividades do desenvolvimento, com a leitura de
um texto para que o grupo refletisse sobre alguma questão, geralmente relacionada a
valores morais ou motivação profissional e pessoal, preparando o grupo para o restante do
desenvolvimento do evento58. A função da reflexão é de preparar as participantes para as
tarefas propriamente ditas e para a própria docência, reorganizando comportamentos e
antecipando possíveis materiais e temas.
No exemplo citado, nenhuma professora se dispõe a iniciar a leitura. O
silêncio mais longo do que o esperado, que marca a não participação das professoras,
incomoda a pesquisadora, que, mesmo não querendo participar diretamente da interação
sem ser solicitada, se oferece para ler59.
Após a leitura em voz alta do texto, a coordenadora faz perguntas genéricas
sobre o texto lido, sem delimitar um enfoque para a reflexão (“alguém quer fazer algum
comentário? Já conheciam?”); são perguntas pró-forma, seguindo o modelo consagrado na
esfera escolar: realizar perguntas após a leitura de um texto. As professoras respondem
somente à segunda pergunta da coordenadora (“já, já”; “já tinha visto o do passarinho”),
informando que já conheciam, inclusive já trabalharam o texto em sala de aula com os
alunos. Isso sugere que o texto para reflexão pode ter como finalidade também a construção
do acervo do professor. Não há mais discussão sobre o texto. O interesse pela discussão dos
textos para reflexão varia, uns sendo mais comentados e discutidos, outros, quase sem
comentários, como ocorreu na situação em discussão.
O gênero, uma fábula, não é nomeado; o texto é apresentado como uma
“reflexão”, assim como são todos os textos selecionados para compor a etapa de preparação
do desenvolvimento. Esses textos eram de gêneros diversos, geralmente produzidos em
esferas não escolares. Há uma predominância de textos relacionados ao discurso de
autoajuda; os que não pertencem a esse discurso são (re)interpretados para tal objetivo nos
eventos. A seleção de textos com teor moralizante ou a interpretação de textos de diversos
gêneros como uma “mensagem” motivacional prepara as participantes na intenção de dar
58 Análise sobre as leituras realizadas neste momento será desenvolvida no capítulo 6. 59 Os papéis assumidos pelas participantes nessa configuração serão discutidos na próxima seção.
113
sentido à profissão docente e à própria HTPC (essa discussão será aprofundada no capítulo
6).
Em seis reuniões, o texto para leitura no momento de reflexão consistiu em
artigos, poemas ou trechos de livros de autoajuda (o que pode ser recuperado pela autoria e
gênero do livro original de publicação, embora essas informações fossem raramente
fornecidas nas cópias distribuídas)60. Das 17 reflexões em HTPC observadas, 14
consistiram de momentos de busca de uma mensagem motivacional ou moralizante. O
gráfico 4 detalha os gêneros utilizados para reflexão:
Gráfico 4: Textos lidos no momento de "reflexão" da HTPC-aula
Além dos textos de autoajuda, que têm por finalidade o aconselhamento e a
motivação do leitor, textos de vários outros gêneros foram utilizados na busca por uma
mensagem motivacional ou moral, como é o caso das fábulas, lidas em três HTPCs, e
canções ou trechos de canções, em duas ocorrências. Uma crônica de jornal, de autoria de
Rubem Alves, também foi comentada pela coordenadora, e posteriormente pelas
60 Os textos entregues ou lidos na projeção da lousa digital ou ainda escutados (como as canções), em sua
maioria, não tinham dados sobre publicação, data e autoria. Em alguns casos, como um trecho de um texto de
Délia Lerner, a autoria é referida, mas não se tem informações sobre a publicação: se é trecho de um livro, de
um artigo científico, de uma entrevista ou reportagem de divulgação científica.
Trecho de livro, artigo de
autoajuda6
Fábula, 3Canção, 2
Paródias de conto de fadas;
1
Livro infantil, 1
Crônica, 1
Anedota, 1
trecho de texto acadêmico, 1
Reportagem ou trecho de
reportagem de revista
educacional, 1
114
professoras, em busca de uma mensagem motivacional. Uma anedota, intitulada “Cometa
Halley”, sem dados de autoria ou via de publicação, foi objeto de comentários de reflexão
individual motivacional, como também o foi um livro infantil e uma sátira de um conto de
fadas. Inclusive um trecho de um texto acadêmico, de autoria de uma educadora argentina
Délia Lerner, foi comentado em busca de uma mensagem motivacional na abertura da
HTPC (todos no anexo 4). A busca por mensagens motivacionais em variados gêneros,
mesmo naqueles que não têm, em sua esfera de produção, essa função, parece indicar
tentativas das professoras em construir sentidos para seu fazer.
Nos momentos do desenvolvimento destinados a questões didático-
pedagógicas, a coordenadora centraliza a interação. Sempre é ela que traz os exemplos,
mesmo quando retoma trabalhos já realizados pelas professoras presentes, como
exemplifica o excerto 4, a seguir:
Excerto 4: Desenvolvimento – sugestão de trabalho didático-pedagógico com gênero panfleto de supermercado – HTPC-aula [10 de maio de 2011; 4ª reunião acompanhada].
1 Coord: então, pra gente não::: não se atrasar muito eu vou direto ao assunto aqui... 2 que é ainda o nosso projeto do meio ambiente agora nesse segundo bimestre a gente 3 vai começar a::: o::: agir, o julgar e agir... então eu queria:: assim sugerir pra vocês o 4 trabalho com os panfletos de supermercado, né os primeiros anos já começaram tá e:::
O marcador “então”, em início de turno, assinala a tomada de turno e
também tem como função envolver ou chamar a atenção do(s) interlocutor(es)
(GALEMBECK, CARVALHO, 1997). A coordenadora dá prosseguimento ao evento,
regulando o tempo (“pra gente não::: não se atrasar muito”) e a participação das
professoras, que só falam quando questionadas pela coordenadora. Mesmo o tópico sendo
um projeto coletivo (linha 2) já iniciado por parte das professoras (linha 4), somente a
coordenadora sugere possibilidades de trabalho.
A preocupação com o tempo se relaciona com as ressalvas sobre a extensão das
pautas, como analisado anteriormente nos excertos 1 e 2. Havia, por parte das professoras,
uma demanda por mais tempo destinado ao planejamento de aulas, que ocorria no período
final da HTPC, o que pode ser um fator que explique essa constante preocupação da
coordenadora. Além disso, o projeto de meio ambiente do qual a coordenadora trata no
115
excerto é uma demanda da Secretaria Municipal de Educação; não é um projeto das
próprias professoras. As demandas de várias naturezas vindas da Secretaria agem como
discurso autoritário, no sentido bakhtiniano, tanto para professoras quanto para a própria
coordenadora que, na função de porta-voz da Secretaria na escola, sempre faz ressalvas
sobre pontos da pauta.
Essa etapa do desenvolvimento variava em relação aos temas abordados e às
dinâmicas do evento. Em cinco HTPCs observadas, foram distribuídas cópias de atividades
relacionadas a conteúdos curriculares, sem discussão posterior; em outras três, a
coordenadora pediu ideias e sugestões das professoras sobre conteúdos ou projetos da
escola ou colocou opções de possíveis alternativas em debate; em três, a coordenadora
trouxe sugestões prontas de atividades de sala de aula e as expôs às professoras, como no
excerto 4, acima.
Os avisos e questões de gestão ocuparam, em cinco reuniões, a maior parte do
tempo do desenvolvimento da HTPC. A maioria dos avisos e demandas era da Secretaria
Municipal, repassados para as professoras pela coordenadora ou pela vice-diretora, ou
questões da organização da unidade escolar, como no exemplo a seguir:
Excerto 5: Desenvolvimento – Avisos e decisões coletivas de gestão escolar [10 de maio de 2011; 4ª reunião acompanhada].
1 Eliane: meninas, agora ((professoras continuam comentando assunto anterior)) olha 2 escola / feito isso nós vamos passar para a escola de pais a escola de pais por que que eu 3 coloquei na pauta a escola de pais? Só pra discutir uma coisinha com vocês (+) a::: aqui 4 pra nós professores será um dia letivo e:: dia catorze, né? E vai começar às oito nós 5 vamos cobrir das oito às onze depois eu a Natália as meninas vamos sentar as auxiliares 6 comigo pra gente fazer um cronograma mais ou menos e distribuir quem vai fazer o que 7 nesse dia vai ter muita coisa pra fazer mas vai ter que tomar conta da ata da ata de visitas 8 Natália: alguém na entra::da... 9 Eliane: recepcionar os pais e:: (...)
O vocativo, o dêitico de tempo e o verbo no imperativo “olha” introduzem o
novo ponto da pauta. As ressalvas e justificativas sobre os pontos da pauta e sua duração na
reunião também estão presentes na fala da coordenadora. Características como essa
apontam que o lugar e o papel da coordenadora no evento não estão legitimados e
reconhecidos pelas participantes nem por ela mesma, apesar de institucionalmente
116
atribuídos. O diminutivo para se referir ao ponto da pauta evidencia que a própria
coordenadora não o considera tão relevante para ocupar a pauta da reunião. A apreciação
valorativa, que constrói o tema da interação (BAKHTIN, 1988), é de que esses pontos de
gestão são de menor importância. Contudo, devido a demandas principalmente da
Secretaria Municipal de Educação e à própria configuração burocrática da escola pública,
são pontos compulsórios à HTPC.
Após as discussões coletivas, com o cumprimento dos pontos da pauta, as
professoras espontaneamente se juntavam em pequenos grupos ou duplas por ano de
atuação ou trabalhavam individualmente no planejamento semanal.
Nas HTPC-aula, não havia marcas do fechamento do evento nas falas das
participantes, somente nos corpos, pelas suas ações. Quando dava o horário do final da
HTPC, as professoras se levantavam, assinavam o ponto na secretaria da escola e iam
embora, com despedidas dispersas entre elas. Essa forma de encerramento não aconteceu
somente nas duas reuniões em que havia convidadas externas, em que despedidas formais e
agradecimentos foram realizados.
A organização geral das reuniões de HTPC-aula mostra que o desenvolvimento
do evento se constitui de: i) momentos motivacionais ou moralizantes destinados a uma
“reflexão” coletiva; ii) questões e demandas daquela semana pertinentes à unidade escolar;
iii) demandas mais gerais da secretaria para o ano letivo como um todo, ou relacionadas a
políticas públicas daquele período; iv) questões didáticas e de planejamento de aulas. Essas
funções de caráter diverso se refletem nos gêneros que compõem os eventos, bastante
variados, de esferas de produção também bastante diversas, o que contribui para um efeito
de dispersão dessas reuniões: há muito a ser cumprido em pouco tempo, as questões
abordadas têm pouco de comum entre si (por exemplo, o desenvolvimento de um projeto
com os alunos e o preenchimento de documentos demandados pela Secretaria de Educação)
e os encontros não têm continuidade entre si.
A noção de sistema de gêneros de Bazerman (2011) parece adequada para
analisar os gêneros que compõem as HTPCs. O autor aborda os gêneros pela perspectiva da
nova retórica de base pragmática, partindo da interação situada histórico-culturalmente.
Bazerman defende que profissões, situações e organizações sociais estão associadas a um
117
conjunto delimitado de gêneros e que a produção, circulação e uso ordenados de textos
desses gêneros constituem a própria atividade e organização de grupos sociais. Assim, a
escolha de um gênero não só introduz diferentes tópicos, mas também diferentes atividades,
padrões interativos, atitudes e relações.
Para Bazerman (2011), os gêneros não são apenas um conjunto de traços
textuais, pois há diferenças na sua percepção e compreensão pelos participantes, além de
envolverem o uso criativo da comunicação para satisfazer novas necessidades em novas
circunstâncias. Nessa perspectiva, os gêneros emergem nos processos sociais para que as
pessoas coordenem atividades e compartilhem significados, se compreendam umas as
outras, com vistas a seus propósitos práticos. Em suas análises, o autor dá destaque aos
gêneros escritos, sua emergência, mudanças ao longo do tempo e relação com as situações
organizadas em que são utilizados.
Para abordar como os gêneros se configuram e se enquadram em organizações,
papéis e atividades mais amplas, Bazerman recorre ao conceito de “sistema de gêneros”,
que compreende “conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas de
forma organizada, e também as relações padronizadas que se estabelecem na produção,
circulação e uso” desses gêneros (BAZERMAN, 2011, p. 33, 34). O sistema de gêneros
também envolve considerar as sequências regulares com que um gênero segue um outro
gênero, responde a um outro gênero61.
Alguns gêneros da HTPC são obrigatórios, pois constitutivos de reuniões
oficiais de qualquer tipo de colegiado, associação, etc., como a pauta e ata, que estabelecem
relações entre as participantes: não são quaisquer pessoas reunidas, e sim professoras em
reunião oficial, institucional, que faz parte de suas respectivas cargas de trabalho e precisa
ser registrada. Esses dois gêneros abrem e fecham o sistema de gêneros em uma reunião de
HTPC: inicia-se com a pauta e fecha-se com a assinatura da ata (eventualmente, as
professoras e a coordenadora não registravam a ata durante a reunião, que era elaborada
posteriormente e assinada na HTPC da semana seguinte).
61 Na perspectiva do autor, sistemas de gêneros fazem parte de sistemas de atividades: “ao definir o sistema de
gêneros em que as pessoas estão envolvidas, você identifica também um frame que organiza o seu trabalho,
sua atenção e suas realizações” (BAZERMAN, 2011, p. 35).
118
Em um primeiro levantamento, foram identificados 40 diferentes gêneros
escritos e digitais nas 17 reuniões de HTPC-aula acompanhadas. A grande variedade de
gêneros se deve a fatores como os seguintes: i) qualquer gênero pode, a princípio, ser
objeto de ensino em sala de aula e compor a HTPC à guisa de sugestão de atividade
didática; ii) sem temas pré-selecionados ou um programa com leituras relacionadas, as
reuniões não tinham continuidade entre si no que se refere à formação do professor, sendo
que a cada reunião um texto diferente, sem qualquer relação com outros da semana anterior,
poderia ser selecionado; iii) as demandas da Secretaria de Educação e da diretoria da escola
também variavam bastante, precisando da mobilização de diferentes gêneros para serem
atendidas.
Com base na tabela 11 a seguir, é possível notar essa diversidade de gêneros
que constituem o sistema de gêneros da HTPC. Gêneros com funções diferentes em suas
situações de produção originais são trazidos para a HTPC, funcionando nesta situação de
comunicação de maneiras semelhantes uns aos outros, a depender do momento de que
participam e que constituem na HTPC, ou seja, de acordo com o sistema de atividades, de
maneira semelhante ao que ocorre na aula: gêneros diversos são recontextualizados como
objetos de ensino e recebem tratamento bastante semelhante. Em outras palavras, gêneros
como a fábula, o panfleto de supermercado ou a canção podem ter a função na HTPC de
compor sugestões para uso didático ou ainda para reflexão docente.
Tabela 11: Sistema de gêneros da HTPC-aula
Momento da HTPC Gênero Função no evento Quantidade de vezes que circulou em HTPC
Abertura Pauta Administrativa. Apresentação dos pontos a serem tratados na reunião.
17
Preparação do desenvolvimento do
evento
Mensagem religiosa em apresentação de PowerPoint enviada como corrente por e-mail; retirada de livro de
Motivação, moralização e reflexão.
2
119
autoajuda
Fábula Motivação, moralização e reflexão.
3
Canção ou trecho de canção
Motivação, moralização e reflexão.
2
Artigo de Autoajuda (disponível em site de autor de autoajuda)
Motivação, moralização e reflexão.
2
Poema (disponível em site sem autoria identificada)
Motivação, moralização e reflexão.
2
Reportagem de revista educacional
Motivação, moralização e reflexão.
1
Paródia de conto de fadas Motivação, moralização e reflexão.
1
Crônica Motivação, moralização e reflexão.
1
Artigo de divulgação científica na área da educação (trecho)
Motivação, moralização e reflexão.
1
Anedota Motivação, moralização e reflexão.
1
Livro Infantil Motivação, moralização e reflexão.
1
Desenvolvimento da HTPC - Gestão
Aviso Informe à equipe docente da escola sobre decisões da Secretaria de Educação e da equipe gestora e sobre ocorrências da unidade escolar.
17
Lista (de alunos, de conteúdos para o bimestre, de problemas pedagógicos etc.)
Controle e registro de dados e informações da unidade escolar.
10
Enquete sobre adoção de sistema apostilado de ensino
Pesquisa de opinião com professoras da rede.
1
Registro da coordenadora sobre alunos.
Controle e registro de dados e informações da unidade escolar.
5
Projeto da secretaria municipal de educação (em apresentação de PowerPoint)
Informe à equipe docente da escola sobre projeto da Secretaria de Educação.
1
Questões de Avaliação Debate sobre conteúdos de 1
120
externa avaliações externas e preparação de alunos.
Calendário escolar Controle e registro do ano letivo.
1
Convite para evento escolar
Informe à equipe docente sobre preparação de evento na unidade escolar.
1
Manual de comportamento
Discussão sobre atitudes de alunos e possíveis medidas disciplinares.
1
Resultados e avaliação do ano letivo (apresentação de PowerPoint)
Registro e informe à equipe docente de trabalhos didáticos realizados na unidade escolar.
1
Desenvolvimento da HTPC – questões
pedagógicas
Jornal escolar Objeto a ser ensinado em sala de aula.
2
Fábula Formação de acervo do professor.
2
Resenha de livro infantil Objeto a ser ensinado em sala de aula.
2
Texto de livro didático (explicação sobre um conteúdo específico)
Objeto a ser ensinado em sala de aula.
4
Verbete de curiosidade de revista infantil
Objeto a ser ensinado em sala de aula.
1
Paródia de conto de fadas Objeto a ser ensinado em sala de aula.
1
Crônica Formação de acervo do professor.
1
Piada Formação de acervo do professor.
1
Artigo de revista educacional
Discussão de questões pedagógicas entre professoras.
2
Panfleto de supermercado Objeto a ser ensinado em sala de aula.
2
Embalagem de produtos alimentícios
Objeto a ser ensinado em sala de aula.
2
Rótulo de produtos alimentícios
Objeto a ser ensinado em sala de aula.
2
Planejamento Semanal
Prova escolar Preparação pelas professoras de provas a serem aplicadas em suas turmas.
3
121
Desenhos produzidos pelos alunos
Organização e avaliação de trabalhos realizados pelos alunos.
6
Redação escolar Organização e avaliação de trabalhos realizados pelos alunos.
5
Texto de livro didático (explicação sobre um conteúdo específico)
Preparação de aulas. 7
Atividade de livro didático Preparação de aulas. 5
Exercício didático (mimeografado)
Preparação de aulas. 5
Fechamento Ata Registro da reunião e de seus participantes.
17
Por exemplo, no momento de preparação do desenvolvimento, havia a chamada
reflexão. Nesse momento, os diferentes gêneros trazidos têm a finalidade de motivar o
professor, aumentar sua autoestima (tanto na vida profissional quanto na pessoal), fazê-lo
refletir sobre diversas questões do cotidiano, ou até mesmo contribuir para o seu acervo de
textos para a sala de aula (como exemplifica o excerto 3, já apresentado). Tanto é que os
gêneros neste momento não são nomeados diferentemente – todos são tratados como
“reflexão”, como já destacado. Assim, os gêneros são transformados para o contexto,
dentro de dinâmicas de grupo que aparecem na reunião.
A diversidade de gêneros na HTPC-aula reflete, portanto, as inúmeras funções
que são atribuídas a essa reunião semanal nos documentos oficiais. Como especifica a
portaria da CENP (ver capítulo 4), além de objetivos formativos, a HTPC pode ser utilizada
para fins bastante diversos, como atendimento a pais de alunos, organização de eventos
escolares, contato com a equipe gestora (diretores e coordenadores da rede de ensino). A
falta de foco e o escasso espaço para questões formativas decorrem também do excesso de
atribuições das reuniões de HTPC.
A HTPC-aula se aproxima da organização da aula tradicional: uma pessoa é a
única responsável pelo planejamento e realização do evento (professor na aula,
coordenadora na HTPC); ela tem seu turno garantido e é quem distribui os turnos; vários
gêneros são transformados para atender objetivos didático-formativos. A similaridade com
122
a aula também se reflete na estrutura da interação em HTPC-aula, analisada em detalhe na
seção 5.3. Antes, analiso a organização geral dos eventos de HTPC-oficina.
A denominação escolhida para esse tipo de evento se deve à forma e à estrutura
de participação nas interações, conforme as análises deste capítulo. Mesmo adotando o
termo “aula”, as práticas de letramento continuam situadas, a meu ver, na esfera do trabalho
do professor, e não na esfera escolar. Isso porque o objetivo dos eventos é a formação
profissional do professor e a gestão. Tendo em vista a função do evento - que não é a de
ministrar aula para alunos -, seus participantes são professoras e a coordenadora da escola,
ainda que desempenhem o papel de alunos e professor internacionalmente em alguns
momentos. O evento de letramento se aproxima do gênero aula expositiva, tradicional, e,
talvez em parte por isso, pouco mobilize ou colabore para a formação profissional do
professor. Além disso, eventos formativos em cursos de formação variados podem também
se aproximar da aula tradicional sem ter qualquer relação com a esfera escolar.
5.2.2 Na HTPC-oficina
A organização dos eventos de HTPC com professoras de 5º ano de toda a rede e
coordenadoras das escolas apresenta algumas diferenças relevantes para esta análise, que
apontam para subversões do que é determinado nos documentos oficiais, o que gera outras
possibilidades de formação docente em serviço, especificamente algumas que envolvem a
agência das professoras participantes. Uma diferença importante entre este tipo de reunião,
que chamarei de oficina, é a existência de um foco específico – a formação do professor
tendo em vista avaliações externas a que seus alunos são submetidos. O foco restringe, de
fato, as funções do evento, os gêneros nele mobilizados e a seleção de temas a serem
discutidos.
Os encontros, exceto o primeiro, organizado diretamente por funcionárias da
Secretaria de Educação, tinham uma pauta única. Também não havia ata, somente uma lista
de presença, nem avisos da Secretaria ou outras atividades relativas à gestão. Com base na
lista de temas produzida no primeiro encontro, por sugestão do grupo, uma dupla de
professoras preparava o encontro. Geralmente, a dupla responsável por cada encontro era
123
formada por uma professora e a coordenadora de sua escola ou por duas professoras de uma
mesma escola. O local de realização das oficinas mudava: ocorriam ou em uma escola da
rede ou na sede da secretaria, a depender da disponibilidade dos espaços. Conforme Santos
(2012), o espaço é formado por um sistema de objetos e um sistema de ações que se
influenciam mutuamente, como já comentado no capítulo 3. Decorre disso que a mudança
de espaço físico da reunião altere as ações das participantes e os papéis a cumprir – por
exemplo, no espaço da sede da Secretaria de Educação, a supervisora se vê no papel de
responsável pela abertura do evento, mesmo que não participe dele em sua continuidade.
Assim, as restrições institucionais que operam nesses eventos são mais frouxas
que aquelas da HTPC-aula em uma unidade escolar, exceto no primeiro encontro, devido à
presença de supervisoras da Secretaria de Educação (nas outras oficinas, elas não estavam
presentes ou só davam início ao evento e já deixavam o local). O próprio fato de não haver
uma única pessoa responsável por organizar os encontros - a coordenadora da escola na
HTPC-aula -, influencia na estrutura do evento, na sua configuração interacional e na
seleção e tratamento de temas pelo grupo. Essas características da situação de produção
abrem a possibilidade de uma formação docente realizada pelas próprias professoras tendo
em vista suas demandas profissionais, seus conhecimentos e seus interesses.
A organização das oficinas pode ser assim resumida:
Tabela 12: Estrutura global do evento HTPC-oficina
Abertura Desenvolvimento Fechamento
Preparação Questões didático-
pedagógicas
Conclusão
Cumprimento
informal,
apresentação
das
responsáveis
pelo encontro.
Apresentação
do tema do
encontro;
eventualmente
oração.
Encenação de
atividades de sala de
aula; leitura e
discussão de:
documentos oficiais;
trechos de artigos
científicos ou de
divulgação
científica; materiais
de cursos de
formação
continuada.
Breve retomada
do tema;
eventualmente
leitura de texto
literário, ou
reprodução de
um breve vídeo.
Agradecimento
e despedida.
124
Abertura
Nas oficinas, a abertura é também ritualizada, marcada por cumprimentos
breves recorrentes em todos os eventos. A dupla responsável se colocava em pé, a frente da
sala, e o grupo se sentava nas carteiras organizadas geralmente em meia lua. Em três das
oito reuniões acompanhadas, a supervisora da Secretaria de Educação, Augusta, esteve
presente. Nesses casos, ela abria o evento, apresentava o tema e a dupla que iria abordá-lo:
Excerto 6: Abertura: iniciação pela supervisora de educação – HTPC-oficina [05 de setembro, 6º encontro observado]
1 Augusta: bom pessoal (...) tenho certeza que as duas aqui estão bem preparadas que 2 juntas nessas trocas de experiência a gente possa cada vez mais melhorar nossa prática 3 tá bom? então boa tarde pra vocês fiquem bem a vontade 4 Marina: vamos fazer uma oração?
É a supervisora que cumprimenta e recepciona o grupo (“bom pessoal”; “boa
tarde pra vocês fiquem bem a vontade”), porque neste dia o evento ocorreu na sede da
Secretaria Municipal de Educação. O marcador discursivo “bom” - verificado em processos
de abertura de tópicos, coincidentes ou não com abertura de turnos - tem função de encerrar
conversas paralelas, marcando o envolvimento mútuo dos locutores para o início do evento
(RISSO, 1999). Já o marcador “então”, neste caso, tem como função articular os segmentos
textuais e dar sequencia ao tópico, simultaneamente dando continuidade à interação. O
turno é tomado por uma das professoras responsáveis pelo encontro, que, neste caso, realiza
uma oração religiosa. Nem sempre a reza ocorria na abertura: em cinco dos sete eventos
observados, houve apenas cumprimentos e apresentação da dupla.
Não há o momento de reflexão com função moralizante, como o que consta na
pauta de toda HTPC-aula. As rezas funcionam também como preparação para as atividades
didático-pedagógicas propriamente ditas (como proposto por Marina na linha 4).
Desenvolvimento
As professoras apresentam o tema e logo passam a exemplificar atividades a
serem realizadas com os alunos, que são encenadas com o grupo de professoras presentes.
Não há uma descrição de como uma atividade poderia ser feita, e sim uma encenação de
125
sala de aula, o que aproxima o desenvolvimento do evento a uma oficina, como vemos no
excerto a seguir:
Excerto 7: Encenação de aula sobre fração e percentagem. Dinâmica para ensinar fração “Bolo favorito da turma”. [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011, 4º encontro observado. Priscila e Daniela em frente da sala, professoras em sentadas em semicírculo. Após abordar os conceitos de fração e percentagem, propõem uma dinâmica]. 1 Pri: então depois dessa ideia nós vamos entrar numa dinâmica vocês podem fazer com
2 as crianças algumas já conhe::cem é:: então posso começar? (...) que tipo de bolo vocês
3 gostam? (...) eu quero assim umas ideias umas quatro ou cinco ideias
4 Pri: chocola::te ((várias falam ao mesmo tempo))
5 Dani: ela gosta de recheado
6 Maria: é recheado
7 Pri: tá... rechea::do, bolo de chocolate, cenoura... (...)
8 Regina: bolinho de fubá
9 Pri: então vamos lá agora vocês podem fazer isso com os alunos que dá muito certo
10 agora quero que vocês só pode uma vez vou (...) só uma vez quantas nós estamos em?
11 quantas ((conta)) dezessete comigo e com a Dani dezenove (+) quem prefere bolo
12 recheado? pode levantar a mão bem alto... três
13 Sílvia: tem que escolher um só?
14 Dani: só UM
Expressões como “nós vamos entrar” e “então posso começar?” apontam para o
início de uma nova etapa do desenvolvimento: uma dinâmica em que todas as participantes
encenam uma atividade didática. O marcador discursivo “então” em posição inicial (linhas
1 e 9) pode não só assinalar a tomada de turno como também tem a função de chamar a
atenção do interlocutor para o que vai ser discutido ou exposto (GALEMBECK ,
CARVALHO, 1997); ou seja, as responsáveis pelo evento assumem o papel de animadoras
da interação. A interação passa a ser uma encenação de sala de aula para construir um
modelo de aula que as professoras podem aplicar nas suas turmas (linha 9). Há momentos
em que Priscila retoma o turno para relembrar a finalidade da dinâmica (“então vamos lá”,
linha 9) e para direcionar o fazer das participantes, animando a interação. Na linha 12,
Priscila solicita que levantem a mão “bem alto”, de modo semelhante ao que os alunos
fazem em sala de aula.
A encenação de uma aula, como modelo para o desenvolvimento de uma
atividade que pode ser tomada como referência ou objeto de reflexão das professoras,
126
caracteriza o evento como uma oficina, pois as participantes realizam o modelo sugerido.
Vivenciar uma situação semelhante à vivida em sala de aula é uma estratégia de formação
interessante para mobilizar os saberes experienciais das professoras (TARDIF, 2000) e
elaborar novas maneiras de agir em sala de aula, pois, além de encenar, as professoras
discutem a prática encenada e os conteúdos a serem ensinados. Essa organização também
possibilita a construção de relações mais simétricas, como veremos mais detidamente na
próxima seção.
Na conclusão do desenvolvimento, a dupla costumava anunciar o esgotamento
do assunto. No caso do encontro em discussão, Priscila conclui o desenvolvimento
anunciando seu término: “então gente é isso, nós terminamos...” e depois inicia os
agradecimentos e despedidas do fechamento. Em três conclusões da etapa do
desenvolvimento, há uma retomada breve do tema; em duas, somente a indicação do
término da discussão, como fez Priscila. Nas outras duas reuniões observadas, a conclusão
foi marcada, em uma delas, pela leitura em voz alta de um poema de Carlos Drummond de
Andrade, e na outra, pela reprodução de um vídeo com um poema, com função semelhante
ao momento de reflexão na HTPC-aula:
Excerto 8: Conclusão de desenvolvimento em HTPC-oficina [05 de setembro de 2011]
1 Tânia: agora para nós encerrarmos porque já são vinte pras oito essa pergunta aqui nós 2 não vamos responder nós vamos assistir o vídeo e ela vai ficar aí pra nós pra gente ver o 3 que nós estamos fazendo QUAL nossa função dentro da escola? somente alfabetizar? 4 ((vídeo é reproduzido; é a declamação do poema “O que é letramento”, 5 acompanhado de imagens. Seguem agradecimento e despedida))
Marcadores como “agora” e “encerrarmos” indicam a conclusão do
desenvolvimento, que é logo seguida do fechamento do evento. O poema declamado em
vídeo não é comentado, deixado como “mensagem” às professoras, semelhante ao que
ocorre em alguns momentos de “reflexão” na HTPC-aula.
Em contraste com o sistema de gêneros da HTPC-aula, o sistema de gêneros
das oficinas apresenta menor variedade. São quinze gêneros escritos ou digitais em sete
encontros dessa natureza, sendo que três deles só foram utilizados na primeira reunião deste
tipo. O sistema de gêneros nesse contexto se concentra em gêneros das esferas escolar,
127
acadêmica e oficial (documentos parametrizadores), voltados para a formação do professor,
e alguns da esfera administrativa escolar para validar a reunião como parte integrante da
carga horária das professoras (pauta, lista de presença).
Tabela 13: Gêneros que circularam nas reuniões de HTPC-oficina
Momento da HTPC Gêneros Tema / Função Quantidade
Abertura Pauta Administrativa 1
Lista de presença Administrativa 7
Preparação do desenvolvimento
Lista de temas para os encontros
Administrativa 1
Reza Preparação, motivação para
o evento.
2
Desenvolvimento - Questões didático-pedagógicas
Exposição didática - Apresentação em PowerPoint sobre tema do encontro
Formativa -pedagógica
6
Atividades didáticas Didática e pedagógica - Objeto a ser ensinado em sala de aula.
6
Gráficos com resultados do município em avaliações externas
Informativa. Regulação do
trabalho docente.
1
Questões das provas externas Formativa – análise de tipos de questões e
conteúdos
5
Artigo científico ou de divulgação científica (trechos)
Formativa - pedagógica
4
Jogos didáticos Objeto a ser ensinado em sala de aula.
2
Exercício de livro didático Objeto a ser ensinado em sala de aula.
5
Matrizes de referência das avaliações
Verificação e análise de
pontos a serem cobrados na
avaliação
1
128
externa
PCN (trecho) Formativa – pedagógica
2
Atividades didáticas de material de um curso de formação continuada de professores
Objeto a ser ensinado em sala de aula.
2
Canção Objeto a ser ensinado em sala de aula.
1
Conclusão do desenvolvimento
Poema (declamados pela professora ou em vídeo)
Motivação, moralização e
reflexão.
2
Trecho de livro de autoajuda projetado em datashow
Motivação, moralização e
reflexão.
1
Fechamento
Os gráficos com resultados do município em avaliações externas foram
abordados pelo Secretário da educação e as supervisoras no primeiro encontro, destinado a
determinar como, quando e em torno de quais temas os próximos encontros ocorreriam.
Cópias dos gráficos com as notas no SARESP de Língua Portuguesa e Matemática dos 3º e
5º anos das escolas do município foram distribuídas às professoras62. A pauta, a lista de
temas e os gráficos só foram utilizados nesse primeiro encontro, não organizado pelas
professoras.
Além da apresentação desses informes, o primeiro encontro, diferente dos
demais, foi constituído de discussão e votação sobre dias e horários para os encontros
quinzenais. Depois, a supervisora de ensino da secretaria de educação, Augusta, passou a
questionar as professoras sobre os temas que poderiam ser abordados nos encontros
relacionados à Língua Portuguesa e Matemática. Enquanto as professoras falavam, ela ia
escrevendo uma lista de temas na lousa. Ao final, ficou decidido que uma dupla de
professoras e/ou coordenadoras organizaria a reunião com um dos temas escolhidos pelo
grupo a cada quinze dias, em encontros de 2 horas de duração, das 18h às 20h.
62 No caso dos 5º anos, dados de maior interesse para o grupo, as médias das notas dos alunos do município
em LP variavam de 173 a 206 (média estadual é de 195) e em matemática, de 184,1 a 227,2 (média estadual é
209), numa escala de 0 a 400.
129
Em praticamente todos os encontros realizados a partir desse momento, a
dupla responsável preparava uma breve apresentação em PowerPoint com considerações
gerais sobre os temas tratados e, às vezes, citações de teóricos da educação, da linguagem
ou da matemática a respeito do tópico selecionado, como também trechos dos PCNs ou das
diretrizes para avaliações externas.
A grande parte dos eventos deste tipo era destinada à demonstração prática de
atividades didáticas, como vimos no excerto 7, uma atividade que não costuma compor
cursos de formação acadêmicos. Um gênero bastante recorrente nesses encontros é o item
de prova/exame retirado da avaliação externa, baseado em questões já utilizadas em
aplicações anteriores do SARESP e da Prova Brasil.
As professoras responsáveis pelo encontro traziam cópias de textos didáticos,
atividades e exercícios didáticos relacionados ao tema daquela HTPC, semelhante ao que a
coordenadora fazia na reunião HTPC-aula. Esses materiais eram retirados de diferentes
fontes e passavam a compor um acervo do professor. Diferentemente das HTPCs-aula, as
professoras resolviam as atividades, liam os textos, respondiam as questões e depois
debatiam as respostas.
Fechamento
Após o desenvolvimento e conclusão de atividade de sala de aula, as oficinas
eram encerradas com agradecimentos da dupla responsável pelo encontro e das
participantes, finalizada com uma salva de palmas, como num seminário ou palestra:
Excerto 9: Fechamento de HTPC 5º ano [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011, 4º evento observado]
1 Pri: (...) eu espero que::... 2 Dani: Nós temos certeza que muitas sabem até MUIto mais do que isso tá gente a gente 3 tem a certeza disso a gente só veio aqui passar alguma coisinha pra vocês tá a gente 4 espera poder ter contribuído aí a gente sabe que em equipe a gente faz muito mais 5 Eliane: com certeza ((palmas))
Excerto 10: Fechamento de HTPC 5º ano [HTPC-oficina, 05 de setembro de 2011, 6º encontro obervado]
1 Tânia: então nós agradecemos vocês e esperamos que tenha contribuído pra prática de 2 vocês... 3 Marina: e lembrando que é só uma parte do assunto vamos dizer... [palmas]
130
Excerto 11: Fechamento de HTPC 5º ano [HTPC-oficina, 26 de setembro de 2011, 7º encontro observado]
1 Flávia: então meninas é isso aí a gente espera ter passado um pouquinho o que a 2 gente também aprendeu agora pra vocês... nós vamos disponibilizar o:: Powerpoint 3 pra vocês e agora um pequeno mimo 4 Prof: uhu:: ((distribuição de bombons)) 5 Regina: A gente espera que vocês tenham gostado também
Os encerramentos são marcados por agradecimentos (“nós agradecemos a
vocês”) e autoavaliações (“a gente só veio passar alguma coisinha”, “é só uma parte do
assunto vamos dizer”) ou expectativas de avaliações das participantes (“esperamos que
tenha contribuído”). A relação mais horizontal entre as participantes nesses eventos é
marcada no encerramento, em que é ressaltado o aprendizado recíproco, o conhecimento
parcial da professora responsável pelo encontro e a possibilidade de alternância neste papel
nos eventos em questão (o que será analisado na próxima seção).
Além disso, o destaque para a aprendizagem mútua e para o fato de que as
participantes “sabem até muito mais que isso” podem se configurar como uma réplica aos
cursos de formação e a documentos parametrizadores. Há uma relação de oposição ao
modo como as professoras são posicionadas em situação de formação com pessoas externas
à escola, como especialistas acadêmicos, por exemplo, em que o lugar ocupado pelas
professoras é daqueles que sabem menos. As professoras, ao invés disso, expõem como
fazem em sala de aula e destacam que esse saber é coletivo entre elas.
Analisaremos a seguir a estrutura da interação de cada um dos tipos de HTPC,
que aproxima a HTPC semanal da aula tradicional e a HTPC quinzenal de oficinas de
formação. Essa diferença traz implicações para as relações construídas entre as
participantes e para a formação promovida em cada um dos tipos de evento.
5.3: Posicionamentos e (as)simetrias na formação no local de trabalho: análise da
interação na HTPC
Os posicionamentos, simetrizações e assimetrias construídos na interação estão
relacionados às relações de lugares, ou posições hierárquicas, dadas em parte oficialmente
131
pelos documentos que regulamentam a HTPC; e aos papéis interlocutivos, ou funções dos
participantes nos eventos, que também são determinados em parte pela instituição
(coordenadora, professoras). As relações de lugares e papéis, mesmo reguladas
institucionalmente, podem ser alteradas e reconstruídas na interação, a depender dos
posicionamentos das participantes na interação e dos temas desenvolvidos por eles.
A relação hierárquica entre coordenadora e professoras é, inicialmente, dada
pela regulamentação oficial da CENP para HTPC, que determina que cabe à coordenadora
planejar, organizar e realizar as reuniões.
5.3.1Conflitos e assimetrias em HTPC: estrutura de interação na HTPC-aula, as relações
interpessoais e conhecimentos construídos
No excerto a seguir, no momento de preparação do desenvolvimento, a
coordenadora Eliane pede silêncio para colocar a música “Tente outra vez”, de Raul Seixas
(letra da canção no anexo 4.2):
Excerto 12: Preparação – canção “Tente outra vez” [17 de maio de 2011; 5ª reunião acompanhada]
1 Coord: meninas, o meu convite é pra que a gente faça um pouquinho de silêncio só 2 pra ouvir uma música, ta? (+++) ((voz baixa, fala pausadamente)) 3 ((vozes enquanto a coordenadora arruma o som, uma professora vai ajudá-la)) 4 ((mais de 5 minutos e meio de gravação e a reunião não prossegue. Professoras 5 conversam sobre assuntos variados – aniversário, festas, roupas – enquanto a 6 coordenadora tenta arrumar o aparelho de som)). 7 ((A música escolhida pela coordenadora para iniciar a reunião é “Tente outra vez” de 8 Raul Seixas, começa a tocar. Termina na canção)). 9 Coord: então é isso/ acho que o recado foi dado ((olhares entre as professoras)) É:: 10 meninas a pauta vai ser bem rapidinha nós vamos continuar com nosso código 11 disciplinar do aluno e perfil do professor que queremos pra hoje. Por quê? (...)
É sempre a coordenadora que dá início ao evento. O vocativo “meninas”,
comum na fala da coordenadora ao se dirigir às professoras (ver excertos 1 e 2 na seção
anterior), marca uma relação assimétrica, de infantilização e feminilização das participantes
132
(é como se falasse com alunas), o que é ressaltado pelo uso frequente de diminutivos (“faça
um pouquinho de silêncio”). O uso de diminutivos para qualificar a pauta também é comum
e indica sempre uma avaliação positiva se a pauta for breve ou uma ressalva quando não é.
Nesses usos de qualificadores no diminutivo para caracterizar a pauta, Eliane parece se
desculpar pela própria HTPC ou pelos pontos selecionados para a pauta.
A coordenadora atenua a ordem (façam silêncio) apresentando seu ato de fala
como um convite ou solicitação indireta (“o meu convite é para que a gente faça um
pouquinho de silêncio”), enunciado com o uso do coletivo “a gente”, que a inclui. Essas
estratégias – uso do vocativo “meninas”, emprego de diminutivos, formulação indireta do
ato de solicitar, uso do inclusivo “a gente” – são maneiras de atenuar as relações
hierárquicas de papéis e lugares na interação e preservar a face das professoras para o que
viria a seguir: a escuta da canção, que funciona como uma crítica ou ordem da
coordenadora às professoras, como é sinalizado pela conclusão da coordenadora (“acho que
o recado foi dado”) e pelos olhares entre as professoras63.
A noção de preservação de faces criada por Goffman ([1974] 2011) foi utilizada
por Brown e Levinson (1987) para tratar dos princípios de polidez, que exercem pressões
fortes sobre a produção dos enunciados. Esses princípios sustentam que há aspectos do
discurso que são regidos por regras cuja função é preservar o caráter harmonioso da relação
interpessoal. Nessa perspectiva, todo indivíduo possui duas faces na interação: i) a face
negativa, que seria o que o locutor não quer expor, aspectos pessoais e íntimos que não
deseja por em jogo na interação; ii) face positiva, que seria a imagem projetada pelos
interlocutores na interação, o que querem mostrar. Então, na interação entre dois
participantes, quatro faces estão em jogo. Durante a interação, cada um dos atos de fala
pode se configurar como ameaça potencial para uma ou outra dessas quatro faces64.
Contudo, para que não haja rompimento da interação pela ameaça à face do
interlocutor, os participantes tendem a recorrer a estratégias de preservação de faces. Para
63 A letra da canção diz ao interlocutor que tenha fé, que tente outra vez, que acredite, com uso de verbos no
imperativo. No contexto utilizado, o uso da canção implica que faltaria às professoras mais tentativas, mais
esforço, mais fé, mais desejo. Para ilustração, um trecho da canção é: “Queira! (Queira!)/ Basta ser sincero/ E
desejar profundo/ Você será capaz/ De sacudir o mundo/ Vai! / Tente outra vez!”. 64 Brown e Levinson (1987) propõem a expressão “face threatening act” para designar atos que ameaçam as
faces.
133
que suas ações não impliquem perda diante de ninguém, nem de si mesmo, o falante recorre
ao que Brown e Levinson chamam de estratégias de polidez. A polidez aparece então como
uma forma de conciliar o mútuo desejo de preservação das faces com o fato de que a
maioria dos atos de fala são potencialmente ameaçadores para uma das faces. Somado a
isso, haveria atos fortalecedores de face, como os elogios, os agradecimentos, que também
agem nas regras no nível das relações interpessoais na interação, como ressalta Kerbrat-
Orecchioni (2006).
Assim, para suavizar a tentativa de regular o comportamento das
professoras, Eliane recorre a elementos amenizadores tanto verbais como não verbais:
introduz a atividade por um vocativo que demonstra proximidade (apesar de ter o potencial
de infantilizar as professoras); coloca o seu pedido de maneira indireta e geral; usa o
diminutivo (“pouquinho”), tudo isso utilizando de um tom de voz baixo e falando
pausadamente. Após a canção, o seu enunciado, que expõe o conflito entre ela e o grupo de
professoras, sem dar espaço para o debate (“então é isso”, “acho que o recado foi dado”) e
que pode ameaçar a face das interlocutoras, é seguido por recursos semelhantes: o mesmo
vocativo e o uso do diminutivo, que funcionam como elementos suavizadores ou
atenuadores do conteúdo do enunciado (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).
Como o papel da coordenadora é imposto, sua legitimidade está em
questionamento, pois não foi construída com ou pelo grupo. A legitimação de seu papel é
dada pela legislação, mas não é legitimada como líder pelo grupo. Nessa configuração, o
discurso construído é autoritário e monologal, no sentido de que deve ser repetido, sem
possibilidade de respostas contrárias, como indica a avaliação da coordenadora sobre a
canção (“o recado foi dado”).
O recurso a tais elementos ocorre, pois uma situação de tensão, de conflito já é
prevista pela coordenadora, pela falta de legitimidade junto ao grupo, como a análise das
interações mostra. Diferentemente do que faz em outros momentos de preparação do
evento, na ocasião da qual o excerto 12 foi retirado, Eliane não abre a possibilidade de as
professoras comentarem acerca da canção escutada. O clima de tensão é registrado em
diário de campo desde a primeira observação participante:
134
“Terça-feira, 29 de março de 2011. Chego à escola às 9h20 minutos. A primeira reunião de HTPC começa às 9h45. São duas reuniões no mesmo dia, uma de manhã com as professoras que dão aula à tarde; e outra à tarde com as professoras que dão aula de manhã. Passo na secretaria e sou encaminhada à sala dos professores, onde se encontra a coordenadora da escola, Eliane. Nós conversamos por um tempo, ela pede para eu dizer mais sobre meu projeto de pesquisa. Ela fala sobre a pauta da HTPC e diz que vai passar uns slides enviados pela Secretaria de Educação. Ela diz que sabe que as professoras reclamam do constante envio de material pela secretaria e que ela fica no “fogo cruzado”. Também me diz que a turma da reunião da manhã é bem interessada, mais receptiva, mas que à tarde não é fácil, há muita resistência, professoras que não concordam com a HTPC. (...)
A segunda reunião começa às 12h20 com nove professoras, a coordenadora e eu. As professoras vieram direto da aula, não almoçaram. A diretora vem dar recados logo no início da reunião, o que também gera discussões. As discussões levam tempo, outras questões da administração surgem no debate: horário da HTPC, falta de professor de educação física, problemas com horários de atendimento individual de alunos com alguma dificuldade etc. A coordenadora passa a olhar repetidas vezes para o relógio em seu pulso enquanto a diretora e as professoras debatem. Quando a diretora sai, Eliane não faz a leitura compartilhada prevista em pauta, só indica a leitura e o motivo dela para as professoras. Logo inicia a apresentação dos slides. Poucas professoras fazem anotações e várias também recortam e colam os textos nos cadernos, como na parte de manhã. Durante a apresentação de slides65, há risos e trocas de olhares e expressões ditas em tom baixo como “Ai, meu Deus”. A coordenadora passa a falar de uma ação dentro do projeto de meio-ambiente que é a coleta de óleo de cozinha usado para fazer sabão e diz que “é um problema importante aqui pra nós de XXX (nome da cidade)”. Uma professora diz a outra: “Pra mim, não”. A coordenadora passa pelos slides muito rapidamente. Uma professora pergunta a outra: “Pra que ela está passando isso?”. Os slides terminam. Surgem questões polêmicas sobre datas nos próximos pontos da pauta, há um desentendimento entre a coordenadora e as professoras. Quando professoras contestam o assunto ou a proposta de calendário, a coordenadora adia algumas questões, afirmando “vamos pensar, vamos pensar...”. Natália, uma das professoras auxiliares, passa uma barra de chocolate para todas se servirem, uma delas passa e diz “Não consigo comer quando estou nervosa”. A reunião também termina com os planejamentos das aulas da semana. Fico junto a um grupo de três professoras. Ao final, Rute me diz que as professoras sempre precisam de mais tempo para o planejamento semanal, o que nunca é atendido nas HTPCs”.
O trecho do diário de campo registra o conflito entre o grupo de professoras e a
coordenadora. O conflito já tinha sido previsto pela coordenadora na conversa inicial
comigo, quando afirma ficar em um “fogo cruzado” quando traz os materiais da Secretaria
de Educação para a HTPC. Ela já prevê um jogo de forças, no qual ela deverá se impor ao
invés de convencer, negociar, explicar as razões que a levaram a trazer o material em
questão. Durante toda a apresentação dos slides da secretaria, a coordenadora é questionada
e desafiada pelas professoras mesmo que indiretamente (pelos olhares, risos e comentários
65 Os slides detalhavam as etapas do projeto sobre meio ambiente que deveria ser desenvolvido em todas as
escolas da rede municipal de ensino.
135
paralelos). Eliane não justifica suas ações, o que leva a mais questionamentos por parte das
professoras (uma delas pergunta “pra que ela está passando isso?”, sem resposta). O clima
de tensão é tanto que uma das professoras afirma estar “nervosa”. Um dos motivos para o
antagonismo e a tensão parece ser a discordância em relação ao objetivo da HTPC: as
professoras reclamam do tempo gasto com questões de gestão, enviadas e solicitadas pela
secretaria, já que gostariam de ter mais tempo de planejamento coletivo de aulas, como foi
dito para mim pela professora Rute na saída da escola nesse dia e por outras professoras em
outras ocasiões. Como as razões de se passar pelos slides e não se ter mais tempo para o
planejamento não estão claras e não são postas em discussão, apesar dos questionamentos
das professoras, o discurso da coordenadora é autoritário, no sentido que se impõe às
professoras, sem se tornar internamente persuasivo (BAKHTIN, [1979] 2003).
Diante dessa situação, das imposições da Secretaria sobre pontos da pauta e
sobre o próprio papel da coordenadora na HTPC, o discurso construído por ela é autoritário,
no sentido que se impõe às professoras sem ser apropriado, sem se tornar internamente
persuasivo (BAKHTIN, [1979] 2003).
Há fatores externos que influenciam a geração de conflito e a tensão nas
interações em HTPC. Os cargos de direção e coordenação nas escolas da rede municipal de
ensino eram comissionados até 2010, quando isso passou a ser proibido. No início de 2011,
a prefeitura demitiu todos os diretores e coordenadores e abriu concurso público para os
cargos. Por isso, as coordenadoras e diretoras atuais não voltaram a trabalhar na mesma
escola dos anos anteriores e começaram a trabalhar um mês após o início do ano letivo,
fatores que prejudicaram a integração do grupo docente, pois a decisão interrompeu
relações profissionais já antigas, com as ex-coordenadoras que não foram aprovadas no
concurso ou foram direcionadas a outra escola.
Os conflitos ficam também evidenciados pela pouca participação das
professoras nas propostas da coordenadora, como exemplificado no trecho gravado na sexta
reunião após a leitura do texto “A escola de bichos”, a seguir:
136
Excerto 13: Conflito em HTPC – silêncio das professoras após leitura [31 de maio de 2011; 6ª reunião acompanhada] 1 Coord: vocês querem fazer algum comentário antes do meu? Porque eu quero 2 comentar... (+++) o que dá pra trazer pra nós assim pra escola pra vida que que dá pra 3 pensar? ((após 7 segundos de silêncio, alguns suspiros)) Que silê::ncio ((risos)) 4 Cristiane: posso perguntar uma coisa que não é disso?/ 5 Lourdes: ((fala sobreposta a de Cristiane)) as pessoas e entender elas como elas são. A 6 Raquel não pode ser igual a mim senão não teria graça... 7 Cristiane: ainda bem né que cada um tem sua personalidade ainda bem senão seria uma 8 mesmice danada 9 Lourdes: (...) então a gente tem que entender essas diferenças
Eliane tenta animar a interação, propondo questões, indicando sua intenção de
envolver as professoras numa discussão. O silêncio que segue após a coordenadora oferecer
o turno às professoras é indicativo de uma “falha” na interação. Na perspectiva interacional
de Kerbrat-Orecchioni, as falhas na interação no que se refere à alternância de turnos
(silêncios ou sobreposições) são inevitáveis e frequentes e podem ser atribuídas, primeiro, a
um fracasso involuntário, pois os índices das regras de alternância entre falantes são
frouxos ou, segundo, a uma violação deliberada, pois os parceiros em presença não estão
todos necessariamente dispostos a se submeter a esses sinais. O silêncio prolongado entre
dois turnos, chamado de gap, pode ser atribuído ao fato de que os sinais de fim de turno
foram mal percebidos, ou ao fato de que os potenciais sucessores não têm o desejo ou os
meios de assegurar o encadeamento requerido (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).
Adicionando a essa compreensão uma perspectiva discursiva, o silêncio mostra o conflito
entre as professoras e a coordenadora na intenção das professoras em não participar.
Ao fazer uma pergunta seguida de pausa, Eliane deixa claro que está passando o
turno para as professoras. O silêncio prolongado entre os turnos é uma violação deliberada,
que mostra o não engajamento das professoras na interação (comentado pela coordenadora:
“que silê::ncio”). A falta de interesse ou engajamento é ressaltado pela proposta de
mudança de tópico por Cristiane (linha 4). A não participação imediata pode ter relação não
só com a pertinência das questões selecionadas pela coordenadora para compor a reunião e
com fatores externos que incidem sobre os objetivos da HTPC, mas também com os
posicionamentos gerados pela estrutura de participação na interação: as professoras
137
percebem a interação como uma troca assimétrica, em que devem responder a perguntas e
seguir propostas feitas pela coordenadora, que estaria assumindo uma posição professoral:
Cristiane pede permissão para mudar de tópico (o que não acontece, porque Lourdes pega o
turno e responde à coordenadora).
Esse posicionamento é marcado na interação que ocorre no padrão IRA -
Iniciação-Resposta-Avaliação (CAZDEN, 2001), muito comum na interação entre
professor e alunos na sala de aula.
Excerto 14: Avaliação e animação da interação [31 de maio de 2011; 6ª reunião acompanhada]
1 Lourdes: (...) então a gente tem que entender essas diferenças aprender a conviver com 2 elas 4 Coord: i::sso... que mais? 4 Cristiane: respeitar, né? respeitá-las. 5 Rachel: o mais gostoso é quando a gente é bem recebido em um lugar independente do:: 6 de qualquer coisa que seja então é tão gostoso você ser bem recebido 7 Coord: com certeza então é:: que mais?
A coordenadora assume na interação funções semelhantes às analisadas como
cardinais do professor (DABÈNE, 1984): a de informador, a de animador e a de avaliador.
Ao longo de uma aula, como analisa Matencio (1999), o professor tem a função de
informar os alunos quanto ao objeto de estudo, a de animar a interação, no sentido de
direcioná-la e mantê-la em contínuo movimento, e a de avaliar a produção dos alunos.
Além de assumir essas funções, a interação ocorre no padrão IRA de interação (CAZDEN,
2001) – iniciação, resposta, avaliação.
A coordenadora, na HTPC-aula, informa as professoras sobre o objeto
discursivo (seleciona e propõe a leitura do texto “A escola de bichos”), anima a interação,
interpelando as professoras a participarem (“querem fazer algum comentário antes do
meu?”; “que mais?”) e avalia as participações das professoras (“isso”, “com certeza”). A
carga informativa das falas da coordenadora varia: em alguns casos, como no recorte do
excerto 14, os papéis de animador e avaliador se destacam.
Das 17 reuniões acompanhadas, em oito a coordenadora trouxe sugestões de
atividades didáticas. Em setes destas, a interação foi organizada como uma aula, utilizando
o padrão IRA. O padrão IRA posiciona coordenadora e professoras em uma relação vertical
138
assimétrica: a coordenadora mantém o turno, controla os pontos de transição de turno e
retoma o turno com uma posição avaliativa das intervenções das professoras, o que pode
prejudicar as oportunidades de as professoras assumirem responsabilidades pelo seu
processo de formação e contribuir para os conflitos observados. Essa configuração
interativa é outro elemento que contribui para a construção do discurso como autoritário, e
não internamente persuasivo, o que prejudica a construção e apropriação do grupo com
base nas propostas de Eliane e da Secretaria de Educação.
Excerto 15: Padrão IRA e posicionamento das professoras em abordagem de panfletos como objetos de ensino [10 de maio de 2011; 4ª reunião acompanhada]
1 Coord: (...) Preços então nem se fala né? matemática aqui dá pra trabalhar bastante... 2 além disso vou falar bem rapidinho hoje pra depois vocês poderem discutir além disso o 3 que que a gente pode estar pensando onde nós encontramos esses panfletos aqui (+++) 4 onde nós encontramos esses panfletos? 5 Prof Raquel: nos supermercados na rua 6 Prof Janaína: nas casas 7 Coord: isso... tem muita:: muito entregador né?... ele chega e põe na gradinha da 8 nossa casa e aí? Como é que é isso assim?
O marcador “né”, utilizado duas vezes pela coordenadora, geralmente tem por
função a busca de aprovação discursiva (URBANO, 1999) e o marcador “então” em
posição medial têm por função chamar a atenção do ouvinte para o que vai ser discutido ou
exposto (GALEMBECK, CARVALHO, 1997). O uso de ambos mostra as tentativas da
coordenadora em envolver as professoras na interação, de animá-la. No excerto 15, a
coordenadora inicia a interação, informando às professoras sobre o objeto discursivo,
questiona as professoras, que respondem e têm suas respostas avaliadas (linha 7, “isso...”).
É a coordenadora que continua a animar a interação, fazendo novas perguntas. Apesar de
Eliane verbalizar a preocupação em não se estender em sua fala (linha 2), ela centraliza o
turno e se estende, continuando na estrutura IRA.
As participantes, coordenadora e professoras, não conseguem subverter a
relação assimétrica estabelecida pela regulamentação da CENP e reforçada pelo espaço
escolar em que o evento acontece: a coordenadora se posiciona como aquela responsável
pelo evento, envolvida em demonstrar que sabe para legitimar seu lugar; as professoras não
cooperam com suas propostas, não reagem às suas demandas, mas tão pouco subvertem o
139
que é proposto por Eliane (tanto em termos interacionais como em relação aos conteúdos
selecionados para compor os eventos) e não propõem outra organização ou outros temas
para a interação.
A estrutura de participação observada, com funções e papéis interacionais
bastante assimétricos, posiciona as professoras como alunas na interação, como sugerem
suas perguntas no excerto 16:
Excerto 16: Interação no padrão IRA – perguntas/respostas em proposição de trabalho didático com panfletos [10 de maio de 2011, 4ª reunião acompanhada]
1 Coord: isso... tem muita:: muito entregador né ele chega e põe na gradinha da nossa 2 casa e aí? Como é que é isso assim? O tratamento ((uma professora suspira alto)) dos 3 panfletos... ((suspiros)) 4 Prof Raquel: nas ruas no carro das pessoas que estão trabalhando fica no parabrisa 5 Coord: e daí desse local ele vai...? 6 Profa Raquel: pra casa 7 Prof Cristiane: pro lixo ((tom de voz ríspido, fala rápida))
A iniciação da coordenadora busca a complementação por parte das professoras
por meio de perguntas de demonstração ou exibição (display questions), aquelas com
respostas conhecidas por quem as realiza com o objetivo de provocar ou exibir estruturas
particulares, principalmente para complementar a fala do professor (como na linha 5), ou de
‘perguntas teste’ (test questions), apenas para checar a compreensão dos alunos ou
controlar sua participação (CAZDEN, 2001). Em contraste, haveria as ‘perguntas sinceras’
ou “perguntas verdadeiras”, cujas respostas o professor desconhece e que buscam promover
a discussão, o que costuma alterar a estrutura de participação em IRA para outros padrões.
As ‘perguntas demonstração’ da coordenadora não aprofundam a discussão (por
exemplo, os motivos para o trabalho com o gênero em pauta; o que seria interessante que os
alunos aprendessem com base neste trabalho, ou ainda a relevância das perguntas numa
abordagem de gêneros com os alunos).
Há uma relação entre a estrutura de participação na interação e o
desenvolvimento de conteúdos. Fazendo um paralelo com o discurso de sala de aula,
estudos mostram que a linguagem usada pelo professor e pelos alunos determina o que é
aprendido e como (ERICKSON, 1982, CAZDEN, 2001, SAWYER, 2004). Nos termos de
140
Erickson (1982), a negociação de sentido na interação depende tanto da estrutura de
participação social como da estrutura da tarefa acadêmica. Esta última está relacionada
aos conteúdos a serem aprendidos pelos alunos. O discurso de sala de aula, ou, no caso, de
HTPC, depende de ajustes entre a estrutura da participação social e da estrutura da tarefa
acadêmica específica, relacionada às concepções do professor, ou coordenador, sobre o
objeto de discurso (CARNEIRO, 1997). Por isso, a estrutura de participação na interação
restringe ou possibilita a construção ou não de determinados conhecimentos.
Nos estudos sobre o discurso de sala de aula, as análises mostram que, em uma
aula muito controlada interacionalmente pelo professor, os alunos não podem co-construir
seus próprios conhecimentos (ERICKSON, 1982, SAWYER, 2004). Quando a fala entre
professor e alunos é uma “improvisação coletiva” (ERICKSON, 1982), ela não tem um
final determinado e os participantes podem contribuir de maneira igualitária ao fluxo da
interação. Quando o professor controla os turnos, também controla os possíveis impactos
que as contribuições dos alunos podem ter na construção do conhecimento. Outra
possibilidade, numa perspectiva sociocultural de ensino-aprendizagem (SAWYER, 2004),
acontece quando o professor interage com os alunos dando-lhes liberdade para construir
criativamente seu próprio conhecimento, enquanto fornece os elementos para tal
construção, os ‘andaimes’ na perspectiva neovygotskyana.
A análise da interação em HTPC revela que a estrutura de participação em
IRA, controlada pela coordenadora, determina também a estrutura da tarefa acadêmica, ou
seja, os conhecimentos possíveis de serem construídos na interação. Como as professoras
tem pouca oportunidade de contribuir igualitariamente para o fluxo da interação, elas pouco
agem na construção de seus conhecimentos. Também considero que a falta de legitimidade
do papel da coordenadora pelos motivos da situação de comunicação já explicitados –
chegada na unidade escolar após o início do ano letivo; assunção do papel de porta-voz da
Secretaria de Educação dando avisos e fazendo demandas que desagradam as professoras;
aparente incoerência, consideradas as reclamações por parte das professoras, entre os seus
objetivos para a HTPC (planejamento pedagógico) e os objetivos da secretaria ou da
coordenadora (questões de gestão) – contribui para essa configuração interacional e tem
implicações nos temas construídos pelas participantes.
141
Há outros elementos, não verbais, que marcam e recriam na interação essa
relação vertical assimétrica. Conforme Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 70), “a relação de
lugares depende da produção de algumas unidades particularmente pertinentes, nesse
sentido: os ‘relacionemas verticais’, que chamaremos de taxemas, distinguem-se, a rigor,
em ‘taxemas de posição alta’ e ‘taxemas de posição baixa’”. Os dois principais taxemas não
verbais indicados pela autora são a posição relativa dos participantes na organização física
do espaço comunicativo e a natureza e disposição dos assentos. Na HTPC-aula, as
professoras se sentavam em semicírculos e a coordenadora ficava na frente da sala em pé;
as professoras muitas vezes se viravam para os lados, conversavam entre si, ou curvavam o
corpo, lançando o olhar para baixo, para materiais escritos escolares ou outros materiais, até
mesmo para uma lixa de unha; eram raros os momentos em que o olhar das participantes se
concentravam na coordenadora.
A configuração da organização física do espaço comunicativo das HTPCs-aula
reporta à sala de aula e estabelece uma posição alta à coordenadora e uma posição baixa às
professoras. Essa configuração nunca é alterada; nem pela coordenadora nem pelas
professoras (exceto em um dos encontros em que havia uma convidada externa).
A organização dos turnos de fala (quantitativa e qualitativamente) e a
organização estrutural da interação (importância no nível das iniciativas – ser responsável
pela abertura e pela conclusão – indica posição alta) são também taxemas importantes
(KERBTRAT-ORECCHIONI, 2006). Na organização estrutural, as professoras em HTPC
tem atitude essencialmente reativa – é a coordenadora que sempre inicia, o que pode ser
explicado pelo fato de a pauta ter de ser sempre preparada pela coordenadora. Mais um
exemplo canônico do padrão interacional calcado na sala de aula é o trecho a seguir:
Excerto 17: Padrão IRA de interação em HTPC [10 de maio de 2011; 4ª reunião acompanhada]
1 Coord: ...então eu quero como nosso planejamento é na matemática aqui trabalhar o 2 nosso planejamento do segundo bimestre a sugestão é que trabalhe as situações 3 problema com é:: envolvendo a:: situações contextualizadas e significativas então eu 4 pensei nesse:: esses panfletos do supermercado porque aqui dá pra trabalhar muita 5 coisa inclusive nós vamos precisar direcionar que que cada professor pretende trabalhar 6 com o panfleto... Matemática tem aqui? ((ela mesma respondeu)) Muita. Ciências tem? 7 Profs: tem 8 Coord: linguagens tem?
142
9 Profs: tem 10 Coord: ta tudo aqui. (...)
O turno da coordenadora é maior e é finalizado com perguntas às professoras,
avaliadas na troca de turnos pela coordenadora. Da linha 6 a 10, a troca de turnos entre
coordenadora e professores segue o padrão IRA de interação, com as perguntas-teste66
semelhantes às realizadas em sala de aula para alunos. Essas perguntas de informação
conhecida, perguntas-teste ou perguntas para demonstração apontam para o caráter
institucional do que se está fazendo naquilo que reconhecemos como sendo fala-em-
interação de sala de aula. A avaliação se torna a finalidade da interação, ou seja, a pergunta,
como tem resposta conhecida por quem a realiza, só serve para avaliar o outro. Por isso,
não promove debate, discussão nem engajamento das participantes.
A formação se constrói como uma aula expositiva de Eliane, sem uma
construção coletiva do grupo de professoras, mesmo em um espaço privilegiado para a
discussão de questões particulares de um grupo de profissionais de uma mesma instituição.
O discurso é, dessa maneira, autoritário, e a palavra permanece estrangeira, sem sofrer
apropriação, no sentido bakhtiniano. Bakhtin/Volochinov ([1929] 1995) tratam sobre o
papel organizador grandioso da palavra estrangeira como força na conquista de um
território. Os autores retomam que, historicamente, a palavra estrangeira é associada às
ideias de poder, força, santidade, verdade, que não pode ser contestada, modificada,
apropriada pelo outro. É nesse sentido, de repetição e não contestação, que o discurso da
coordenadora funciona como palavra estrangeira nessa configuração da HTPC.
O fato de a coordenadora posicionar-se como professora e as professoras, como
alunas constrói significados para o evento. Numa relação tradicional professor-aluno,
expressa na configuração interacional, a coordenadora estaria na HTPC para transmitir
informações e conhecimentos às professoras, que estariam ali para adquirir informações e
conhecimentos. Assim, o evento não se estrutura como um espaço de debate, de construção
coletiva de conhecimentos interessantes à formação e à atuação docentes. A formação
66 As chamadas “perguntas retóricas” se assemelham apenas em parte às perguntas de informação conhecida
que aparecem na iniciação da sequência IRA. As perguntas retóricas são aquelas respondidas pelo próprio
perguntador ou avaliadas por ele mesmo (GARCEZ, 2006).
143
docente na HTPC, nessa configuração, seria entendida como transmissão de saberes e
informação.
As práticas previstas em eventos de HTPC e sua configuração - o que são esses
eventos e como se deve agir neles - são construídas na participação nos próprios eventos.
Como este é um espaço ainda recente no local de trabalho do professor, não é uma prática
estabelecida como espaço de formação docente e pouco discutida pela própria equipe, há
mais instabilidade sobre a configuração dos eventos. Por isso, as participantes recorrem à
configuração de eventos conhecidos: a coordenadora recorre à aula (lembrando que a
função de coordenação é sempre ocupada por uma professora da rede, ou seja, Eliane, que
se aposentou em final de 2011, teve toda uma carreira de professora de Ensino
Fundamental I).
Os problemas com essa estruturação não passam despercebidos por Eliane. Ao
ser questionada em entrevista sobre como melhorar a formação em HTPC-aula, avaliada
por ela como “complicada”, a coordenadora acredita que é preciso que esta seja mais
democrática:
Excerto 18: Entrevista com Eliane – HTPC democrático [14 de setembro de 2012]
1 Eliane: mas pra isso eu ainda penso:: que falta:: muita democracia sabe? o gestor não 2 querer para si uma responsabilidade que é muito grande... eu costumo dizer assim eu 3 costumo pensar que... é:: quanto mais pessoas é:: melhor (+) então quem que eu trago 4 pra discutir educação do meu município? quem que eu trago pra discutir a educação da 5 minha escola? Essa visão de fora sabe? e muitas vezes o gestor tem medo não sei do que 6 né de perder a estabilidade de perder o cargo de perder não sei o que e reluta ainda em 7 trazer peSSOAS pra discutir em deixar o professor por exemplo falar por medo de 8 repente que o professor traga:: uma questão que nem ele está preparado pra discutir 9 então enquanto não tiver essa abertura também do gestor e o gestor não for uma pessoa 10 realmente comprometida e com uma visão aberta e com uma visão AMPLA do que é 11 educação eu acho que as coisas vão continuar desse jeito mesmo pensando pequeno
A contradição entre os modos de interagir com as professoras e sua análise
sobre a qualidade desses eventos, em que faltaria democracia, a maior participação de
outros agentes e do próprio professor, pode indicar que Eliane recorre à configuração da
aula expositiva por não ter outras referências sobre como realizar a HTPC. Sobre a
realização de um evento, Santos afirma que:
144
o evento, para se realizar, encaixa-se na forma disponível mais adequada a
que se realizem funções de que é portador. Por outro lado, desde o
momento em que o evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha
uma outra significação, provinda desse encontro (SANTOS, 2012, p. 103)
A HTPC-aula no contexto observado encaixa-se na forma de aula expositiva e
constrói para a formação do professor em seu local de trabalho uma significação que o
destitui de agência, colocando-o em uma posição sempre reativa. As interações não
constroem um coletivo para o grupo, que poderia se autofortalecer e recriar sua formação
no local de trabalho.
O padrão IRA, naturalizado em sala de aula (GARCEZ, 2006), gera interações
muito assimétricas, com distribuição de poder muito desigual, o que têm reflexos na
construção de conhecimentos das participantes. Do mesmo modo que ocorre em sala de
aula (CARNEIRO, 1997), as relações assimétricas estabelecidas dificultam a incorporação
da perspectiva dos participantes aos processos de interação. Formas de participação mais
equilibradas parecem favorecer o confronto de perspectivas, importante para a busca
conjunta de situações de formação do grupo de professoras e de construção de
conhecimentos relevantes à comunidade provisoriamente constituída nos eventos, como
veremos na próxima seção.
5.3.2 Simetria e agência na oficina de formação
Nas oficinas realizadas por e para professoras de 5º ano, o objetivo comum do
grupo e o rodízio entre coordenadoras e professoras para organizar os encontros e abordar
os temas escolhidos pelo grupo são fatores que parecem favorecer a emergência de um
espaço de agência das professoras em sua própria formação. O fato de não haver apenas
uma pessoa, sempre a mesma, responsável pelo evento e a concentração em uma única
finalidade possibilitam a organização da interação de maneira diversa daquela comum em
sala de aula, que constituiu o modelo majoritariamente adotado na HTPC-aula. Em
contraste com a estrutura em que as professoras têm pouco espaço para serem ouvidas
sobre o que querem discutir, reuniões que levam em conta essa voz docente inovam as
145
formas de interação. São momentos menos assimétricos em que a interação configura-se
como mais colaborativa, e as professoras têm a oportunidade de se posicionarem como
profissionais da educação, construindo um grupo, mesmo que provisoriamente.
Nas oficinas, as professoras também se sentavam num semicírculo, com a dupla
responsável pelo encontro em pé em frente da sala. Mas essa organização não se mantinha
durante todo o evento: no desenvolvimento, as professoras se levantavam, realizavam
atividades, conversavam entre si sobre o tópico em questão.
O revezamento de professoras e coordenadoras na preparação dos encontros
gerava uma fala comum das professoras que assumem esse papel de formadoras das outras
professoras: sempre realizavam algum tipo de ressalva sobre esse papel provisório que
estavam ocupando:
Excerto 19: Fechamento de HTPC 5º ano [HTPC-oficina, 15 de agosto de 2011]
1 Carol: agradecemos a vocês a atenção que eu sei assim que a gente também aprende 2 muito com vocês acho que aprendemos muito mais até né conhecimento são diferenças 3 né as diferenças estão sendo muito gratificantes isso eu também creio que vocês 4 professoras vão estar aqui na frente não é verdade Claudia? Vocês também vocês são 5 maravilhosas e têm GRANdes habilidades aqui 6 Rita: chegará o momento 7 Carol: com certeza chegará o momento ((palmas))
Como não há uma determinação institucional sobre quem deve preparar e
organizar esse tipo de HTPC, as professoras justificam os lugares e papéis assumidos no
evento, relembrando a relação simétrica entre elas (todas são professoras e podem “estar
aqui na frente”, como diz Carol) e construindo identidades positivas para as professoras que
ainda não assumiram o papel de formadoras (linhas 4 e 5).
A construção de relações mais simétricas pode ser percebida nas modalizações
utilizadas na apresentação de atividades e conteúdos.
Excerto 20: Modalização na abordagem de atividades e conteúdos [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011]
1 Daniela: ah/só voltando um pouquinho pessoal em números decimais acho que a melhor 2 forma deles aprenderem é através da moeda do dinheirinho né porque é:: ele tem um 3 real que seria o inteiro então eu acho que como dinheiro é algo que faz parte do dia a dia 4 e acho que a nossa função é pensar nisso né que ele faça uso disso no dia a dia eu acho 5 que o:: dinheiro trabalhar com moeda né? Vai ser a melhor forma dele estar 6 relacionando e compreendendo...
146
Daniela faz uma sugestão de materiais e atividades para o ensino de números
decimais. Para fazer a sugestão a seus pares, outras professoras de EFI como ela, Daniela
modaliza seu enunciado com modalizadores epistêmicos (“eu acho”), que assinalam um
comprometimento e engajamento menores do locutor com relação ao seu enunciado, algum
grau de incerteza com relação aos fatos enunciados, assim abrindo espaço para objeções,
complementações, discordâncias por parte de suas colegas. Além disso, ela usa
recursivamente o marcador discursivo “né”, um marcador interacional que indicia uma
busca pela concordância dos interlocutores (URBANO, 1999).
A professora Daniela avalia como a “melhor forma” de ensinar o conteúdo em
questão o uso “da moeda, do dinheirinho”. Ou seja, é essa sua apreciação valorativa sobre
como o conteúdo deve ser ensinado. Os modalizadores indicam que Daniela apresenta o
conteúdo de seu enunciado como uma sugestão, como uma possibilidade, e não como uma
verdade incontestável. Lembremos que a modalização pode indicar não só a atitude do
falante em relação aos enunciados que produz (KOCH, 1997, 2005, BRONCKART, 1999,
MAINGUENEAU, 2013,), mas também sua relação com os interlocutores (HOFFNAGEL,
1997, CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2008, CARRASCOSSI, 2013)67. No caso em
questão, a modalização permite perceber a intenção do enunciador em estabelecer relações
simétricas com seus interlocutores.
Essa relativização da sua palavra mostra, parece-me, a apreciação valorativa da
professora sobre a palavra de suas interlocutoras: são iguais entre si, podem ter outras
formas de fazer que não a dela, o que a impede de impor sua maneira de fazer ou enunciá-la
como verdade absoluta. O “acento apreciativo” que sempre acompanha o uso da palavra, na
perspectiva bakhtiniana, é sempre produto da interação verbal, “expressão a um em relação
ao outro” e, “em última análise, em relação à coletividade” (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
67 Categorias mais tradicionais do estudo da modalidade são a alética, a epistêmica e a deôntica. A
modalidade alética costuma se restringir aos estudos lógicos, por não apresentar casos claros de sua
ocorrência na linguagem usual. Koch (2005) define os modalizadores dessas categorias da seguinte maneira:
i) modalizadores aléticos são aqueles que se referem à necessidade ou possibilidade atribuídas à própria
existência dos estados de coisas no mundo; ii) modalizadores epistêmicos são os que assinalam o
comprometimento/engajamento do locutor com relação ao seu enunciado, o grau de certeza com relação aos
fatos enunciados; iii) modalizadores de caráter deôntico indicam o grau de imperatividade/facultatividade
atribuído ao conteúdo proposicional. Bronckart (1999) propõe outra categorização. Ele considera quatro
subconjuntos de modalizações: lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas. O que mais tradicionalmente se
considera como alética e epistêmica estão no que ele chama de modalização lógica.
147
1995, p.113). A análise da modalização permite conhecer a apreciação valorativa
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995) das professoras não só sobre os objetos do discurso,
como sobre suas interlocutoras e sobre si mesmas.
O uso da modalidade epistêmica por Daniela indica a construção ou
manutenção de relações interpessoais, ou seja, pode indicar menos uma dúvida do falante,
como mostra Hoffnagel (1997), do que uma tentativa de preservação de faces (BROWN;
LEVINSON, 1987). As formas modais epistêmicas são usadas para preservar a face
negativa, para não incomodar ou afrontar os interlocutores, que são seus pares e podem ter
outras formas de fazer diferentes das dela. Principalmente na conversação entre iguais, pesa
mais a finalidade de manter boas relações sociais. Daniela, colocada na posição de
formadora de professoras, mas sendo também professora como suas interlocutoras, para
manter a boa relação entre iguais, coloca sua proposição na forma de hipótese para não
ameaçar sua face e a face das interlocutoras, para reduzir a força do enunciado e assim
proteger as faces de todas: ela mesma e suas interlocutoras.
A relação mais simétrica entre as participantes das oficinas também aparece na
própria estrutura de participação das interações. Geralmente, os encontros são organizados
com dinâmicas que simulam a sala de aula, e as professoras são colocadas para agir nesse
tipo de encenação, realizando reflexões sobre os conteúdos, sobre a prática pedagógica e
sobre a aprendizagem dos alunos antes ou após as encenações.
No excerto abaixo, Priscila e Daniela, as responsáveis pelo encontro, orientam a
participação das professoras na dinâmica para ensino de fração, que poderia ser reproduzida
em sala de aula. Logo antes do trecho transcrito, as participantes realizaram uma votação
sobre os sabores preferidos de bolo. Nesse momento, Priscila e Daniela pedem que as
professoras se levantem e formem grupos pelo sabor escolhido, posicionando-se em um
círculo desenhado no chão. Cada grupo dentro do círculo é separado do outro com
barbantes.
148
Excerto 21: Estrutura de participação em oficina – Dinâmica para ensinar fração “Bolo favorito da turma” (logo após professoras terem votado em sabores de bolo que preferem) [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011. 4º encontro observado].
1 Pri: certo gente vai fazendo com as crianças vamos ver se todo mundo votou... certinho
2 Dani: agora vou pedir para que todas se levantem vamos fazer um círculo aqui
3 ((professoras se levantam)) juntinho, juntinho... ((inaudível, muitas vozes, professoras se
4 posicionam no centro da sala))
5 Pri: cenoura aqui ((vai desenhando um círculo no chão com barbante pelos sabores e
6 cada um que votou no sabor fica na parte correspondente)) como se fosse um
7 compasso...
8 Prof: oh que lega::l
9 Pri: pode entrar no círculo, fubá ((risos))
10 Dani: aí pode entrar na roda... ((forma-se um gráfico em formato de pizza com as
11 pessoas, os barbantes ficam no chão formando o gráfico))
12 Pri: podem sentar [palmas] ((passam a falar sobre o gráfico formado no chão))
As professoras responsáveis pelo encontro propõem a encenação de uma
atividade para construção de um gráfico do tipo pizza no chão com o posicionamento dos
alunos em pé e em grupos separados por barbantes. Daniela e Priscila agem como se
estivessem em sala de aula com os alunos, indicando o início de uma etapa da atividade
(“agora”) e orientando o comportamento e a ação das participantes (“juntinho, juntinho”,
“se levantem”, “pode entrar no círculo”). Não há uma descrição de uma atividade didática,
mas sua realização concreta, como acontece em oficinas.
A encenação parece compor o discurso profissional-didático que parte da
experiência das professoras. Conforme Tardif (2000), é o saber experiencial que orienta
principalmente o fazer do professor. Neste caso, outros saberes, como o disciplinar e o
curricular, compõem a sugestão de atividade, mas o foco principal do evento é a
exemplificação do como fazer em sala de aula com base em experiências didáticas
anteriores das professoras.
A encenação, como jogo simbólico em que as participantes assumem papéis
que geralmente não são a elas atribuídos – os de alunos — atualiza o que é ser professor e o
que é ser aluno para essas professoras. As participantes, por meio da brincadeira, atualizam
os papéis e suas visões sobre alunos e professores. Assim, além de mobilizar os saberes
experienciais das professoras, a encenação possibilita que as professoras juntas enxerguem
149
sua sala de aula por meio do jogo simbólico e se repensem como docentes. O jogo
simbólico cria papéis mais equilibrados, o que, neste caso, contribuiu para que o poder de
quem estava a cargo do encontro fosse redistribuído e compartilhado na brincadeira. O jogo
de “faz-de-conta” resulta na criação de relações mais simétricas entre as participantes.
Contudo, o jogo também dificulta a reflexão teórica: o foco é mostrar como realizam
atividades em sala de aula, sem questionamentos sobre por que acontece dessa maneira, por
exemplo.
Apesar de enfocarem mais os modos de fazer, as professoras comparam
sugestões de atividades e possíveis metodologias para ensinar determinados conteúdos
curriculares. Após a dinâmica, as duas professoras que prepararam o encontro abordam a
metodologia de ensino da fração em sala de aula: não precisa registrar no caderno no
primeiro momento, só proceder oralmente:
Excerto 22: Reflexão após Dinâmica para ensinar fração “Bolo favorito da turma” [HTPC-oficina, 01 de agosto de 2011. 4º encontro observado. Priscila e Daniela em frente da sala, professoras em sentadas em semicírculo]
1 Dani: nós não precisamos ainda assim conceituar dar no caderno pra ele fazer adição de 2 fração mas se a gente perguntar agora aqui pra eles “olha quantos pedaços foi dividido 3 aqui? Se somasse tudo, não daria dezessete novamente? É o nosso inteiro” mas eu 4 preciso colocar pra ele lá no caderninho que tem que ser isso mais isso para dar adição 5 de fração? Não nesse momento mas só através da oralidade a gente já está dando o 6 conceito... 7 Pri: também gente levar a criança a perceber neste momento que o todo aqui é 8 dezessete não é cem... né? 9 Dani: que nosso cem por cento ((outras falam)) cem por cento é dezessete quer dizer 10 depois que ele aprendeu toda aquela parte aprendeu o que é o cem por cento a gente já 11 passa para um todo diferente daquele cem o nosso todo não é mais o CEM o nosso todo 12 agora é dezessete em cima do dezessete nós fracionamos 13 Clarice: você falou pra não cobrar ahn:: mas eu gostaria de saber... 14 Dani: o que será cobrado [nas avaliações externas]? 15 Clarice: é exatamente... no sexto ano/ porque se eles cobrarem / eu costumo expor as 16 duas partes para achar o denominador comum... (...) simplificação vai ou não? 17 Dani: não... o que vai ser cobrado na avaliação é isso 18 Pri: depois vem a quinta série a sexta série né ... 19 Dani: lógico no quarto bimestre a gente vai... aprofundar um pouco mais mas nesse 20 momento o terceiro bimestre o que cobrar... 21 Clarice: ó mas eu vou falar uma coisa pra você/ a gente tem visto... se nós/ se a nossa 22 turma permitir avançar a turma avançar a gente tem que fazer sim porque eles vão pra 23 quinta série as classes superlotadas e os professores acham que eles têm obrigação de
150
24 saber TU:::DO 25 Profs: é mesmo, é sim
Para discutir abordagens de sala de aula e conteúdos a serem abordados,
Daniela se utiliza da modalidade deôntica, que regula o comportamento do interlocutor,
mas enuncia a sua pertença no coletivo (“nós não precisamos”), o que atenua o grau de
imperatividade ao mesmo tempo em que constrói a ideia de que o grupo pode trabalhar de
maneira semelhante, reforçando a coletividade. A dúvida que enuncia em primeira pessoa e
já responde (“eu preciso colocar...?”) é colocada como uma dúvida de todas.
O enfoque é o saber-fazer do professor em sala de aula, passando também por
uma explicação desse fazer, que demanda reflexão sobre a prática. As professoras
participantes intervêm e mudam o tema (no sentido bakhtiniano): a relevância da franção
como conteúdo se define pela cobrança na avaliação e pelo que se espera do aluno no
próximo segmento de ensino, não pelos conceitos que abrange e que devem ser revisados
ou ensinados às crianças (inteiro, percentagem e número total) nem pelo modo de ensiná-
los (notas no caderno, oralmente). A configuração do encontro como uma oficina, em que
profissionais, numa relação simétrica, demonstram e debatem possibilidades de trabalho
pedagógico, permite essa mudança radical do tema pela professora Clarice, que enuncia
como alguém que sabe o que será cobrado dos alunos nas fases subsequentes da
escolarização (linhas 23 e 24), utilizando a modalidade deôntica (“a gente tem que fazer
sim”).
A organização dos encontros como oficinas, com realização prática de
atividades didáticas e debates sobre estas, é sustentada por saberes experienciais das
professoras, direcionada para suas próprias demandas de formação e relacionada com
questões profissionais por elas selecionadas como relevantes. A HTPC voltada
exclusivamente para a formação do professor, sem discussão de questões de gestão escolar,
e organizadas e coordenadas pelas próprias professoras, entre iguais, apresenta mais
participação das professoras, que se colocam como debatedoras, intervém, tomam o turno
da dupla que realiza o encontro, contestam, relacionam o tema a outros conhecimentos
profissionais e até podem mudar o tema etc.
151
Tendo em vista a resolução de um problema ou demanda educacional, as
professoras criam uma comunidade que prioriza trocas de experiências e saberes, e, com
essa organização, formador e formando se configuram como papéis dinâmicos, assumidos
por diferentes participantes (NÓVOA, 1995). A prática de compartilhar experiências do
trabalho e discuti-las se constituiu como uma prática de letramento formativa interessante
nesse contexto, pois nos mostra demandas de formação docente em seu local de trabalho e
as estratégias68 utilizadas pelas próprias professoras para responder a ela, assim como os
tópicos que as motivam.
A simetria desse tipo de evento também se reflete na organização interacional,
menos centralizada, com mais debate entre as participantes. O excerto abaixo ocorre após
uma longa fala de Marina sobre revisão e reescrita de textos em sala de aula. Quando passa
a abordar o tópico relativo aos modos de fazer, as professoras iniciam o debate:
Excerto 23: Estrutura de participação em oficina: compartilhando como fazer [HTPC-oficina, 05 de
setembro de 2011, Marina e Tânia em frente da sala, professoras em semicírculo]
1 Eliane: uma questão também pra gente pensar um pouco dessa:: revisão textual que ela 2 é tão ou mais importante que a produção né que às vezes a gente escreve escreve 3 escreve e não para nunca pra revisar lógico que eu to falando bem uma coisa bem assim 4 né... mas a revisão ela é tão importante ou até mais que a produção e tirar o foco muito 5 do professor deixar também a revisão entre alunos o professor vai ser o orientador o 6 mediador disso mas ela vai em determinado momento deixar essa revisão nas duplas 7 Marina: é:: troca NE 8 Cristiane: eu coloco em duplas com o dicionário do lado 9 Marina: olha que sugestão boa 10 Carolina: então eu fazia uma lista de palavras e pedia pra eles fizessem revisão 11 ortográfica aí pedia que colocassem em ordem alfabética e “agora vamos utilizar o 12 dicionário?” às vezes tinha palavra que lógico não tinha nada a ver e “não gente essa 13 palavra significa tal coisa assim procura se está correto assim do jeito que está escrito” 14 nossa em dupla em trio e ia embora... 15 Marina: então eu já cheguei a falar assim [Carolina: foi muito bom] nossa hoje não tem 16 nada parece que não dei nada mas é porque é uma atividade que pega bastante tempo é 17 uma atividade/ mas você vê que tem resultado 18 Fernanda: a lousa digital é um recurso interessante por exemplo a gente pode escanear o 19 texto de um aluno jogar lá e usar cada cor pra corrigir uma coisa e eles vão vendo o erro e 20 vão ajudando você
68 Utilizo o termo no sentido de ações planejadas pelos sujeitos para agir de maneira eficiente em um
determinado contexto, próximo ao conceito de agente social, discutido a seguir. Não mobilizo os conceitos de
estratégia e tática de Miguel de Certau.
152
21 Marina:a gente tá fazendo isso eu to digitalizando e algumas professoras elas tão dando 22 assim bem diversificado é coletivo é:: escolher uma porque pegar de todo mundo às 23 vezes não dá então tem várias maneiras 24 Gabriela: mesmo se não escanear dá pra digitar o próprio texto com os mesmos erros e ir 25 mexendo...
Na troca no exemplo, as professoras enunciam suas apreciações valorativas
sobre como trabalhar escrita e reescrita, construindo posicionamentos de profissionais com
experiências a serem compartilhadas (“é tão ou mais importante”, “olha que sugestão boa”,
“foi muito bom”, “interessante”). Os adjetivos com função de modalizadores avaliativos
indiciam a positividade das apreciações valorativas das professoras sobre o objeto de
discurso e sobre si mesmas e suas colegas.
No debate, a troca de turnos é constante e os interlocutores ocupam posições
relativamente simétricas. Não há uma participante que distribui os turnos ou os controla,
não há marcadores de alguma relação hierárquica. As participantes tomam o turno
consecutivamente, uma respondendo a outra, sem passar pelas professoras responsáveis
pela oficina. A intervenção de Eliane aborda maneiras de se realizar a revisão e a reescrita
de textos, tema escolhido para o encontro deste dia. Eliane, coordenadora da escola
acompanhada nesta pesquisa, está sentada entre as professoras, pois não há distinção entre
professoras e coordenadora nas oficinas. Eliane avalia como “mais importante” a reescrita
do que a produção de texto e faz a sugestão de realizar a revisão em duplas de alunos (linha
6 -7). Essa sugestão é retomada por Cristiane (linha 8), que complementa a sugestão com
sua maneira de fazer: com o uso do dicionário. As formas de participação de Eliane e
Cristiane diferem muito se comparadas com a participação em HTPC-aula: são os mesmos
sujeitos, que constroem relações e temas muito diferentes nos dois tipos de evento.
Marina, uma das responsáveis pelo evento, avalia a contribuição (linha 9), mas
não centraliza nem distribui os turnos; várias professoras fazem breves relatos de maneiras
de fazer a revisão textual em sala de aula, compartilhando experiências e avaliando suas
próprias sugestões e as sugestões das outras professoras. Carolina avalia sua própria prática
pedagógica (“foi muito bom”). Fernanda avalia o uso da lousa digital (“recurso
interessante”).
153
Nas oficinas, as professoras se posicionam como sujeitos ativos com
motivações para atingir um objetivo (ARCHER, 2000), no caso, o ensino-aprendizagem da
reescrita: isso indicaria que estão exercendo agência em sua formação. Na maioria das
intervenções, as professoras se utilizam do pronome de autorreferência eu, colocando-se
como agentes de suas atividades profissionais de sala de aula, como sujeitos de suas
enunciações (“eu coloco em duplas”, “eu fazia uma lista”, “eu já cheguei a falar”, “eu to
digitalizando”).
Nota-se uma busca por construção coletiva de conhecimento para agirem em
seu contexto profissional, o que pode proporcionar um posicionamento das professoras
como agentes de letramento que, conforme Kleiman (2006), é aquele que atua de maneira
direcionada para as ações coletivas, buscando a co-construção do conhecimento. Dentro
dessa concepção, “todos os participantes da interação são potencialmente mediadores, ao
mobilizarem recursos de outros eventos, outras situações, outras práticas sociais”
(KLEIMAN, 2006, p. 81).
O conceito de agência social se refere a atividades reais de indivíduos atuando
no mundo social, através da ação coletiva. Primeiramente, relaciona-se à noção de agente
humano (ARCHER, 2000). Todos somos agentes neste sentido, pois o agente humano é
aquele que exerce ações sobre objetos no mundo, que faz coisas, que se engaja em ações
autônomas e é responsável por elas. O agente humano está em contraposição ao paciente ou
ao sujeito coagido. Como destaca Kleiman (2006), se todos somos agentes humanos, nem
todos somos agentes sociais: aqueles que agem na coletividade, exercendo sua ação em
função dos objetivos de um grupo social, influenciando os seus membros. De acordo com
Archer (2000), a agência social69 implica se engajar e promover ações coletivas. Os agentes
sociais são sujeitos ativos, que agem estrategicamente, tendo em vista objetivos específicos
de um grupo. Eles articulam os interesses de membros do grupo, os organizam para a ação
conjunta, para exercitar influência como coletividade. Como sintetiza Kleiman (2006, p.
415)
um agente teria a capacidade de decidir sobre um curso de ação, de
interagir com outros agentes e seria capaz de modificar ou mudar seus
69 Archer (2000) chama a agência social de corporativa (corporate agency).
154
planos segundo as ações, e mudanças resultantes dessas ações, do grupo e
faria isso “estrategicamente”, de uma forma que não seria entendida como
a soma de interesses de membros individuais da coletividade.
Diferentemente da agência humana, agir socialmente pressupõe reflexão e
estratégia - no sentido utilizado por Archer (2000) e Kleiman (2006), mesmo que também
influenciada pela subjetividade dos sujeitos e pelos discursos disponíveis num dado
contexto. Zavala (2011) define agência social como capacidade socioculturalmente
mediada que os indivíduos escolhem para agir sob os efeitos das forças ideológicas que
construíram sua subjetividade. Mesmo que perpassados pela subjetividade e por ideologias,
que influenciam os atos escolhidos, um agente social é sempre ativo, nunca um mero
receptor de ações alheias (ARCHER, 2000; KLEIMAN, 2006; ZAVALA, 2011;
KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013). Ele também nunca é solitário, pois precisa da
ação coletiva para atingir os objetivos traçados.
Nesse sentido, as professoras em sua própria formação em seu local de trabalho,
nas reuniões de HTPC-aula, têm poucas oportunidades para exercer agência, na
configuração interativa analisada, em contraste com as possibilidades geradas nas oficinas,
pois “a posição autor, isto é, a capacidade de encontrar sua voz no coro de vozes que é a
comunicação humana, está estreitamente ligada ao conceito da agência nos movimentos
coletivos” (KLEIMAN, VIANNA, DE GRANDE, 2013). Em outras palavras, a forma da
interação interfere nos temas construídos, no sentido bakhtiniano: os conteúdos construídos
nos eventos e as apreciações valorativas das professoras sobre eles e sobre suas colegas
contrastam fortemente, mesmo quando os mesmos participantes, no caso de Eliane e
Cristiane, estão envolvidos. Por isso, considerando o método sociológico do Círculo de
Bakhtin (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 1995), analisar a situação comunicativa
imediata e mais ampla é fundamental para compreender os sentidos construídos pelos
enunciados.
Houve, entre os encontros observados na HTPC-aula, uma exceção, em que a
estrutura de interação teve configuração semelhante ao que ocorreu nas oficinas, com
possibilidades de construção de uma identidade de agente de letramento do professor em
sua própria formação. No evento do dia 17 de maio, quinta reunião semanal acompanhada
155
por mim, após a reunião com todo o grupo, três professoras que atuam no 5º ano, a
coordenadora e a pesquisadora se reuniram para discutir modos de trabalhar um conteúdo
que seria solicitado em uma das avaliações externas ao final do ano letivo – a produção
escrita de uma resenha literária. O trabalho com o gênero foi solicitado para os quintos anos
de toda a rede de ensino municipal. A coordenadora pediu que a pesquisadora participasse e
a ajudasse. As outras professoras se reuniram em grupos, também por ano, para fazer o
planejamento semanal.
Excerto 24: Construindo o objeto de ensino “resenha” [HTPC-aula. Grupo de 3 professoras, coordenadora e pesquisadora. 17 de maio de 2011, 5ª reunião acompanhada]
1 Coord Eliane ((olhando para a pesquisadora)): nos quintos anos, né... porque nós estamos 2 passando por vário::s gêneros textuais tal...
3 Cristiane: pra nós é confuso porque tem resumo, resenha foi o que eu falei pra Eli (...) daí
4 a outra expôs pra mim a resenha seria um resumo com uma opinião é::
5 Pesquisadora Paula: é::
6 Cris: pra gente é confuso
7 Amanda: (...) de uma forma assim mais prática pra gente entender
8 Cris: como assim Eli voCÊ passaria pra eles a diferença?
9 Eliane: ahn:: porque assim o resumo o resumo do livro você vai ser fiel ao né ao::
10 Cris: só o que tem no livro
11 Elaine: ao conteú::do e tal agora na resenha na resenha você vai se colocar
12 Cris: então aí é que ta
13 Paula: ahan eu acho também você vai se colocar
14 Elaine: vai se colocar porque a resenha existe a resenha crítica eu vou fazer aí tem a
15 resenha comparativa que é...
A coordenadora começa introduzindo para a pesquisadora o trabalho realizado
pelas professoras. Cristiane intervém e já coloca em discussão o interesse específico
daquele grupo – o gênero resenha, e não o trabalho com gêneros em geral. Diferentemente
dos outros excertos de interação em HTPC-aula, a professora se sente autorizada para tomar
o turno da coordenadora, intervir na interação e demandar uma explicação da coordenadora,
que, por isso, não seleciona o que vai explicar sem qualquer debate com as professoras. O
uso de pronomes de primeira pessoa do plural ou expressões com a mesma função (“nós”,
“a gente”) mostra o início da construção de um coletivo entre as professoras: a questão não
é de interesse de uma delas ou só da coordenadora, e sim do grupo.
156
No decorrer da interação, como vemos no excerto transcrito a seguir, a
coordenadora faz um relato de prática que é, a todo momento, debatido pelas professoras:
Excerto 25: Relato de prática e construção colaborativa do objeto resenha [HTPC-aula. Grupo de 3 professoras, coordenadora e pesquisadora. 17 de maio de 2011, 5ª reunião acompanhada] 1 Eliane: como eu fazia na sala (...) na roda da leitura na roda da leitura os alunos vão ler 2 tal aí ele vai dar a opinião então “como você indicaria para o seu colega você leu/” então
3 Janaína: oralmente
4 Eliane: tudo oralmente
5 Cristiane ((olhando para a pesquisadora)): do livro e do filme é resenha? ou é resumo?
6 Janaína: então pra nós é confuso é isso que eu to falando
7 Paula: (...) do filme eles chamam de sinopse mas eu acho que se aproxima a uma resenha
8 Cristiane: é
9 Eliane: é porque é uma indicação
10 Paula: porque é um breve resumo do filme mas não é só um resumo é uma indicação
11 [Cristiane: tem que ser coisa pra eles, né do filme] 12 Amanda: tem que ser coisa prática pra gente mostrar Né 13 Janaína: então tem a opinião de quem ta escrevendo... 14 Paula: tem tem tem os pontos positivos...
Eliane faz um breve relato de suas experiências profissionais anteriores para
fornecer às professoras subsídios para que desenvolvam sua própria prática. As professoras
fazem perguntas cujas respostas – de real interesse e não conhecidas previamente por
nenhuma participante, inclusive a coordenadora – são construídas pelo grupo. As
professoras indicam o que acham necessário ou obrigatório no trabalho a ser desenvolvido
em sala de aula ao utilizarem a modalidade deôntica (linhas 11 e 12). As relações
hierárquicas são subvertidas pelas professoras, que se posicionam como iguais entre si, pela
alternação nas tomadas de turno, pelos turnos de tamanho mais equitativo e pela natureza
das questões postas e das respostas construídas. O grupo, constituído como comunidade
com interesses comuns, elabora seus próprios conhecimentos para atuação profissional.
As professoras intervêm colocando questões à coordenadora e à pesquisadora, e
também respondendo umas as outras, chegando a suas próprias conclusões, como faz
Janaina (linha 13). As participantes constroem coletivamente tanto o objeto de ensino – o
que é resenha literária, qual sua especificidade em relação a outros gêneros semelhantes
(linhas 6 a 15) - quanto às etapas iniciais de um planejamento de atividades para ensinar o
157
gênero resenha (iniciar “oralmente”), reacentuando as palavras alheias, se apropriando
delas e tornando-as próprias (linhas 11, 12 e 13).
O processo de apropriação do conceito de resenha e de maneiras de ensiná-lo, a
criação de um coletivo para que isso ocorresse e o tipo de participação na interação
desenham possibilidades de agência social (ARCHER, 2000; KLEIMAN, 2006) das
professoras em sua formação, como mostra a continuação da interação deste grupo no
próximo excerto:
Excerto 26: Planejamento coletivo oral em HTPC – continuação da discussão sobre resenha
[HTPC-aula. Grupo de 3 professoras, coordenadora e pesquisadora. 17 de maio de 2011]
1 Eliane: aí eu começaria assim, meninas, eu começaria como eu já vi já fiz e já vi muito 2 resultado na roda da leitura um aluno indicando pro outro aí vocês vão puxando “por 3 que que você está indicando esse livro aí eu anotei algumas coisas aqui por quê?” nós 4 sabemos que a apropriação de um gênero textual não é de uma hora pra outra nem 5 pra nós... 6 Todas: é, não, não mesmo... 7 Eliane: nem pra nós na faculdade quantas vezes a gente se depara com um trabalho 8 que ((muda tom de voz)) “Ai meu Deus como é que é isso?” né fica naquela dúvida 9 então que que eu fiz é:: eu fazia primeiro isso depois eu fazia um mural de indicações 10 Janaína: mas aí Eli não é uma coisa longa, é? 11 Eliane: não::: 12 Amanda: eu pensei é dois três parágrafos 13 Elaine: vocês vão perceber gente da dificuldade deles 14 Janaína: porque eles ficam presos nisso [tamanho do texto], NE 15 Cristiane: ficam 16 Eliane: sim, ficam 17 Janaína: “professora, quantas linhas?” 18 Eliane: a primeira produção será coletiva 19 Cristiane: ai, tem que ser 20 Elaine: e você o escriba... 21 Amanda: mas tem que ser um livro que todo mundo já leu, NE 22 Eliane: sim de repente essa roda da leitura (...) 23 Cristiane: porque a gente faz a hora do conto 24 Amanda: o meu foi a semana passada 25 Janaína: o meu não pegou tudo igual 26 Cristiane: igual a gente faz a hora do conto na entrada eu posso pegar um desses 27 Eliane: isso (...) e é o que falo a gente vai tentando vai fazendo tentativas que jeito que 28 é melhor pra turma né (...)
158
Na construção de uma interação mais horizontal, há um deslocamento do lugar
das professoras na interação, antes posicionadas subalternamente, numa posição somente
reativa, para o de profissionais experientes, que podem oferecer sugestões aos demais
membros de sua comunidade e debatê-las, assumindo uma postura ativa na construção de
saberes. O grupo – professoras e coordenadora - (re)planeja suas ações ao refletir
coletivamente sobre elas – exercendo agência em sua formação.
A coordenadora, em seu uso da primeira pessoa do singular e de verbos
relacionados ao fazer (“eu já vi já fiz”, “eu fiz é:: eu fazia primeiro isso depois eu fazia”),
também se posiciona como agente social, e sua experiência serve para mobilizar e orientar
interesses e necessidades do grupo. O uso do pronome de autorreferência eu, que imprime
subjetividade aos usos da língua, é indicativo de que ela rememora sua atuação como a de
uma protagonista em controle do processo de ensino-aprendizagem de seus alunos. Não só
a coordenadora utiliza o pronome de primeira pessoa do singular: Amanda (linha 12) e
Cristiane (linha 26) também o fazem, o que indica a simetria na interação – são docentes
debatendo o que fazem ou o que faziam em sala de aula e construindo saberes sobre o que
pode ser feito com base nas experiências e conhecimentos mútuos. Os relatos de ações sob
sua responsabilidade parece apontar para um reposicionamento que as autoriza a debater
entre iguais, profissionais da educação.
Mesmo que a coordenadora seja quem mais toma os turnos e que seja a sua
prática a referência inicial, essa interação difere das interações nos eventos de HTPC
analisadas na seção 4.3.1, aproximando-se do que ocorre nos debates das oficinas.
Primeiramente, a estrutura de participação não segue o padrão IRA; há mais trocas de
turnos, que não são mais controlados por Eliane; o próprio objeto de discurso é negociado
pelas participantes (Cristiane intervém e coloca a sua principal dúvida para ser debatida
naquele evento). O discurso construído também contrasta, numa mudança de um discurso
autoritário, que se impõe e silencia as atitudes responsivas, para um discurso internamente
persuasivo, que promove a apropriação das palavras alheias como palavras próprias,
integrando-as.
O fato de haver um objetivo bastante específico e delineado desse grupo, de
todas conhecido, pode ter sido um fator que promoveu a alteração na estrutura de
159
participação e na natureza da formação promovida. Quando algumas restrições
institucionais da HTPC são suspensas e o debate se centra em um único tópico de interesse
coletivo, relevante a todas as participantes, a relação é mais simétrica e as professoras agem
em sua própria formação. O mesmo fator incidem sobre as oficinas entre professoras de 5º
anos.
A delimitação das oficinas como momentos de formação tendo em vista às
avaliações externas, um objetivo bastante preciso, e a alternância de participantes do grupo
assumindo o papel de formadora, parecem contribuir para uma interação mais colaborativa
e a formação de um grupo coeso, com interesses em comum. A natureza dos saberes
mobilizados, aqueles mais relacionados à prática, às experiências docentes das
participantes, também favorecem a participação, pois todas têm experiências a
compartilhar. Saberes técnicos são também mobilizados, mas sempre em função do saber-
fazer70. O enfoque das participantes e suas demandas focalizam os modos de fazer em sala
de aula, foco presente em todas as reuniões desse tipo, o que não exclui o diálogo com
saberes disciplinares e curriculares, principalmente com instâncias oficiais por meio de
documentos parametrizadores, como veremos no próximo capítulo.
As relações mais simétricas estabelecidas nas interações em oficina e na
interação sobre o ensino da resenha permite uma construção colaborativa de saberes
profissionais das professoras. Entendo essa prática como colaborativa no sentido de um
processo de produção compartilhado (COLLINS, 1993, PINHEIRO, 2011). Pinheiro
(2011), com base em Ibiapina (2008), ressalta que o fato de a colaboração apresentar
relações mais igualitárias não significa que não possa haver liderança e até assimetrias na
interação. O mais relevante é o fato de todas as participantes terem “voz e vez” no evento
construído de maneira mais simétrica.
A construção de um coletivo para se identificar – docentes em busca de
respostas a necessidades imediatas de ensino-aprendizagem de seus alunos – favorece a
70 Autores que se voltam para concepções de formação do professor como Schön (2000) e Pérez Gómez
(1995) diferenciam o saber fazer do saber explicar o que se faz. Saber fazer trata-se de um conhecimento que
supõe interagir com as situações problemáticas para intervenções concretas, enquanto saber explicar o que se
faz é um metaconhecimento sobre a ação. No caso analisado, as professoras mobilizam os dois tipos de
saberes em sua formação continuada.
160
formação das professoras em seu local de trabalho. Esse reposicionamento de uma posição
subalterna para uma posição de autorização em relação a seu dizer e seu fazer parece se
sustentar na construção dessa voz coletiva A delimitação de um interesse comum e a
criação de um coletivo que se autofortalece favorecem uma interação simétrica e uma
formação em que as próprias professoras exercem agência, direcionando-a para suas
demandas. Essa simetria e a possibilidade de agência engajam as professoras em sua
própria formação, tornando-a mais efetiva para os interesses dessas profissionais.
De qualquer forma, nos dois casos, muitos dos eventos de formação analisados
são gerados pela necessidade de resolução de problemas emergentes da prática de sala de
aula, tendo como meta aprender a ensinar. O tratamento dos tópicos (resenha, frações,
reescrita) mostra modos de produção de conhecimentos orientados pela experiência.
Nas oficinas organizadas pelas professoras e em alguns momentos da HTPC-
aula, chamam atenção os esforços das participantes a fim de desenvolver estratégias para
abordar os temas selecionados pelo grupo, usando suas potencialidades, imaginação,
criatividade e experiências profissionais. Trata-se de construir alternativas possíveis nos
limites postos pela realidade onde realizam suas funções. Essa construção de alternativas
possíveis em um contexto cada vez mais desafiador, como é a escola contemporânea,
parece também tecer relações com o discurso de autoajuda, bastante mobilizado pelas
participantes em HTPC, o que é aprofundado no próximo capítulo.
161
6 - Vozes sociais e discursos na HTPC: apropriações e
conflitos
Neste capítulo, desenvolvo uma análise discursiva da HTPC, com enfoque nas
vozes sociais do professor e de outros agentes que atuam em sua formação. Com base na
perspectiva bakhtiniana, analiso as apropriações, as palavras e contrapalavras (BAKHTIN,
1988, BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995) que se expressam nas práticas de letramento
formativas em HTPC e na constituição identitária do professor. Abordo como os discursos
em HTPC constroem sentidos para a docência em um contexto cada vez mais desafiador
como é a educação básica.
6.1 Religião e autoajuda na formação do professor
Como vimos no capítulo anterior, na abertura e na preparação do
desenvolvimento nos eventos de HTPC observados, era comum a leitura de textos de
autoajuda, ou de textos moralizantes ou, ainda, a realização de preces. A mobilização de
gêneros de discurso religioso ou moral está relacionada a uma tentativa de construção de
sentido para o evento e para a própria docência pelas professoras, coordenadora e diretora
na formação que se dá na unidade escolar investigada.
Contudo, apesar de apresentarem a mesma função interacional nos eventos, o
uso de gêneros religiosos e de gêneros de autoajuda têm construções de sentido diferentes.
As maneiras como as professoras se engajam nas práticas de letramento compostas pelos
dois gêneros são diferentes – sem conflitos, no caso das preces; com tensões, no caso da
autoajuda. A responsabilização pelos fatos relacionados à profissão também divergem: num
caso, a responsabilidade é divina; no outro, humana e individual de cada professora. Esses
discursos, ao comporem os eventos formativos, têm implicações para a formação docente e
para as identidades construídas pelas participantes, o que é discutido nesta seção.
A crise da escola e da profissão docente traz para o centro da formação do
professor que ocorre em seu local de trabalho a necessidade de criar sentidos para a
docência. Conforme Tardif e Lessard (2005), a instituição escolar não fornece mais
162
modelos fortes de referência, o que leva a uma situação em que os docentes são
abandonados a si mesmos, em sua relação diária com os alunos e na construção do sentido
que eles tentam encontrar ou dar à sua experiência. As estratégias utilizadas, no caso
observado, para responder a essa crise e tentar criar esses sentidos, são a leitura e a escuta
de gêneros do discurso religioso e de autoajuda, que servem à construção de duas ideias: a
responsabilização divina (e, neste caso, não há o que se fazer além de ter fé); e a capacidade
individual para solucionar os problemas nas péssimas condições de trabalho do professor
(e, neste caso, cada professor está sozinho na empreitada). A autoajuda e a religião
fornecem as ideias de estabilidade, conforto, persistência e perseverança, necessárias para
enfrentar situações cada vez mais desafiadoras do cotidiano escolar na atualidade como
veremos nas análises a seguir.
No caso da realização de preces, na HTPC-aula e na HTPC-oficina, há uma
relação com a preparação para o evento, ocorrendo antes do início do tratamento dos
tópicos da pauta. Em uma oficina, a professora Carol introduz o evento com uma oração:
Excerto 27: Preparação religiosa em HTPC-oficina [professoras Carol e Rita a frente da sala, por
volta de 15 professoras presentes. 15 de agosto de 2011]
1 Carol: bom uma oração né se com Deus já é difícil sem ele então meu Deus o que 2 seremos de nós né seremos consumidos então eu quero agradecer este momento de 3 estarmos aqui um compartilhando com o outro o conhecimento né em prol da educação 4 principalmente a formação e desenvolvimento das nossas crianças santo deus amado pai 5 muito obrigado por este curso por estarmos reunidos aqui em prol da educação venha 6 senhor abrir nossos conhecimentos dar-nos discernimento em nome de Jesus amém 7 Profs: amém ((começam a rezar o Pai Nosso))
Carol introduz a realização da oração como agradecimento pelo evento e como
uma estratégia para enfrentar situações difíceis. A oração tem como função preparar as
professoras para o evento, para estas terem “discernimento”, para “abrir” seus
conhecimentos. A busca por uma sustentação para o evento e para a própria docência (neste
caso, Deus) é explicitada por Carol (“se com Deus já é difícil sem ele então...”). Ou seja, a
prece tem como função, além da preparação para o evento, dar sustentação ao fazer do
professor. Nas ocasiões em que preces foram propostas, nos dois tipos de evento, as
163
participantes não demonstraram qualquer estranhamento, resistência ou descontentamento
com a prática.
A reza é um gênero apartado dos objetivos didático-pedagógicos, mas dialoga
com a história da escola, instituição que esteve sob responsabilidade da Igreja Católica e a
serviço dela por séculos no Brasil. A prece mostra a penetração de práticas de letramento
religioso na escola laica brasileira71. Chartier (2004) analisa imagens e finalidades
relacionadas à docência em uma perspectiva histórica, que permanecem válidas ao que é ser
professor hoje. A primeira imagem destacada pela autora é a da escola religiosa e do
professor catequista. A missão desse professor era a educação cristã através da
catequização de massas. Na Europa do século XVI, a Reforma protestante e a Contra-
reforma católica impulsionaram a ideia de que não só os clérigos, mas também os leigos
deveriam instruir-se em sua fé cristã. As igrejas passaram a ensinar a ler a seus fiéis para
estes terem acesso aos livros da Sagrada Escritura. Padres e pastores exerceram a função de
professores.
Louro (2003, p. 98) também retoma a figura do professor como religioso ao
discutir as representações de professoras e professores a partir da ideia de que essas
representações “dizem algo sobre esses sujeitos, delineiam seus modos e traços, definem
seus contornos, caracterizam suas práticas, permitem-nos, enfim, afirmar se um indivíduo
pode ou não ser identificado como pertencendo a esse grupo”. A autora destaca a imagem
ligada à figura do mestre, que representa a docência como sacerdócio. Tal referência, que
remonta aos séculos XVI, XVII e XVIII, é evocada dialogicamente em discursos que
destacam a necessidade de dedicação incondicional do professor, por vocação. Esse
discurso da docência como sacerdócio e vocação (e, na atualidade, sacrifício) permanece
em práticas comuns na escola laica72. Tardif e Lessard (2005) afirmam que há três
concepções preponderantes do trabalho docente desde sua origem: vocação, ofício e
profissão. Estas não se apresentam como sucessão de etapas históricas lineares, mas são
reveladoras de dimensões fundamentais da docência, que se interpenetram e se sobrepõe na
formação e na atuação do professor. Dessa forma, a presença de preces na formação do
71 Presenciei também a realização de rezas com todos os alunos da escola no pátio antes de sua entrada em
sala de aula para o período da tarde. 72 É necessário reforçar que práticas religiosas na escola pública brasileira são inconstitucionais.
164
professor está relacionada a concepção de docência como vocação, como sacerdócio, sendo
uma das possíveis alternativas para se criar sentido à profissão ainda na atualidade.
Já a leitura de textos de autoajuda73 na preparação das HTPC-aula traz um teor
moralizante, de aconselhamento e se baseia em uma abstração de questões sociais, políticas
e econômicas ao ser relacionada à formação docente, investindo em concepções de
dedicação e da confiança incondicional em uma força superior. Neste caso, essa força não é
mais “Deus”, e sim a própria capacidade individual, a persistência e o pensamento positivo.
Diversos textos, com diferentes funções em suas esferas de produção, podem
servir como autoajuda nos momentos de reflexão em HTPC (ver gráfico 4 no capítulo 4).
Por exemplo, na etapa da preparação, o texto lido para reflexão na quarta reunião de HTPC-
aula observada foi, como já indicamos, a fábula “A Borboleta Azul”, de autoria não
identificada. O texto, em seu trecho final, busca aconselhar o leitor, como pode ser visto no
Quadro 2, a seguir:
Quadro 2: Trecho final do texto “A borboleta azul”
73 O surgimento de gêneros do discurso de autoajuda é registrado em diferentes marcos e datas na literatura, a
depender da definição de autoajuda adotada. Brunelli (2004), com base em Chagas (1999), afirma que a
literatura de autoajuda teria surgido em meados do século XIX, no momento em que se caracteriza o culto à
singularidade do indivíduo moderno, quando ele passa a ter um valor supremo e central na cultura do
Ocidente e, ao mesmo tempo, perde referências de coletividade, que não oferecem mais um mundo seguro,
ordeiro e estável. Para Sobral (2006), por sua vez, ao se concentrar em livros de autoajuda da corrente que
chamou de “psico-espiritual”, o gênero de autoajuda surge com a chamada Nova Era, advinda da cultura
enfeixada no slogan “Paz e Amor” dos anos 1960, no contexto norteamericano. Silva (2012) afirma que a
categoria autoajuda surgiu na metade do século XIX e foi retomada com mais força a partir da década de 90
do século XX. O marco do surgimento seria o livro do médico escocês Samuel Smiles, “Self Help”, em 1859,
em que se discute o bem que cada um pode fazer a si mesmo.
Assim é a nossa vida, o nosso presente e o nosso futuro. Não devemos culpar ninguém quando algo dá errado. Somos nós os responsáveis por aquilo que conquistamos (ou não conquistamos). Nossa vida está em nossas mãos, como a borboleta azul... Cabe a nós escolher o que fazer com ela. “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.
165
Para a construção do sentido do texto como uma verdade incontestável e como
um conselho valioso ao leitor, algumas estratégias de modalização são utilizadas. A
modalização deôntica, expressa por meio dos verbos modais dever e caber, ativa o eixo de
sentido da responsabilização individual e de controle do comportamento do outro nos
trechos “Não devemos culpar ninguém quando algo dá errado” e “Cabe a nós escolher o
que fazer com ela”. O objetivo é regular a vida do leitor, aquele que deve se autoajudar. A
modalização desses textos parte da afirmação da certeza, em que o enunciador se
compromete com a verdade do que diz sem explicitar, contudo, por meio de adjetivos ou
advérbios indicadores de certeza, que considera certo o conteúdo do seu enunciado. Os
enunciados construídos como verdades incontestáveis – como em “O valor das coisas não
está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem” e “Nossa vida está
em nossas mãos, como a borboleta azul” - assemelham-se a provérbios ou máximas
religiosas e concorrem para o mesmo efeito de sentido, servindo como justificativas para o
discurso autoritário dos enunciados com modalização deôntica. Esses enunciados mostram
um sujeito-enunciador que nunca manifesta incerteza com relação às fórmulas que propõe,
o que notamos pelo uso de enunciados declarativos no presente do indicativo. O presente
do indicativo pode ter valor gnômico, conforme Bronckart (1999), que confere aos
processos verbalizados uma validade geral, independente de qualquer temporalidade
particular74.
O conteúdo do texto lido no momento de reflexão da HTPC é apresentado
como indiscutível, e seu uso na prática de leitura do evento obedece esse efeito de sentido,
pois é uma leitura linear, sem discussão, sem possibilidades de contestação, como mostra o
excerto 6.3, que transcreve o trecho de interação logo após a finalização da leitura do texto
“A borboleta azul”:
74 Maingueneau (2013) chama de enunciados não embreados aqueles construídos como se estivessem
isolados da situação de comunicação, procurando construir universos autônomos.
166
Excerto 6.3: Preparação 1 – reflexão e acervo do professor [10 de maio de 2011; 4ª reunião
acompanhada].
1 Coord: ((terminada a leitura do texto “A borboleta azul” anexo 4.)). alguém quer fazer algum comentário? Já conheciam?
2 [Várias: já, já] 3 Prof Rute: já tinha visto o do passarinho 4 Prof Amélia: já demos até para os alunos 5 Prof Jéssica: demos para os alunos 6 Prof Edna: é a do passarinho da borboleta eu não conhecia só do passarinho
(++)
Ao se construir como um discurso monologal, que apaga toda marca do
dialogismo que constitui todo e qualquer enunciado (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995), a
leitura do texto selecionado não gera discussões nem engajamento na interação, tendo
reflexos na organização da interação nesse momento da HTPC. Essa característica torna o
discurso autoritário, aquele que é apenas repetido, que não admite apropriações,
contestações e modificações.
Na quinta reunião acompanhada, a reflexão é proposta após a escuta da
canção “Tente outra vez” de Raul Seixas (ver anexo 4). Características da letra da canção e
da interação após sua escuta permitem concluir que o texto constitui-se nesta situação
também como do gênero de autoajuda. Vejamos por que.
Em primeiro lugar, porque o discurso exortativo que encontramos em todas as
estrofes da letra da canção tem como objetivo encorajar a persistência do destinatário e
alimentar sua crença nas próprias capacidades: “Queira! (Queira!) / Basta ser sincero / E
desejar profundo / Você será capaz / De sacudir o mundo / Vai! Tente outra vez!”,
“Tente! Levante sua mão sedenta / E recomece a andar/ Não pense
Que a cabeça aguenta / Se você parar / Não! Não! Não!”. Em segundo lugar, encontramos o
uso de formas linguísticas como o imperativo e o futuro simples do indicativo, que
reforçam a modalização regulatória do comportamento do outro neste momento de reflexão
da HTPC. A construção da letra da canção é realizada por meio de promessas ou ameaças
sobre o futuro, a depender de atitudes do destinatário e de sua crença em sua capacidade
individual.
167
A interação logo antes e após a escuta da canção estabelece-se ao longo do eixo
de sentido da reflexão e responsabilização individual – porém sem debate, como vemos na
transcrição a seguir:
Excerto 12: Preparação – canção “Tente outra vez” [17 de maio de 2011; 5ª reunião acompanhada]
1 Coord: meninas, o meu convite é pra que a gente faça um pouquinho de silêncio só 2 pra ouvir uma música, ta? (+++) ((voz baixa, fala pausadamente)) 3 ((vozes enquanto a coordenadora arruma o som, uma professora vai ajudá-la)) 4 ((mais de 5 minutos e meio de gravação e a reunião não prossegue. Professoras 5 conversam sobre assuntos variados – aniversário, festas, roupas – enquanto a 6 coordenadora tenta arrumar o aparelho de som)). 7 ((A música escolhida pela coordenadora para iniciar a reunião, “Tente outra vez” de 8 Raul Seixas, começa a tocar. Termina na canção)). 9 Coord: então é isso/ acho que o recado foi dado ((olhares entre as professoras)) é:: 10 meninas a pauta vai ser bem rapidinha nós vamos continuar com nosso código 11 disciplinar do aluno e perfil do professor que queremos pra hoje. por quê? (...)
A fala da coordenadora após a escuta da canção (“acho que o recado está dado”,
sem abertura para discussão coletiva) contribui para a configuração da reflexão como
momento individual apesar de as professoras estarem reunidas em grupo. O discurso da
capacidade individual tem reflexos na materialidade da interação e nela se refrata: o
silêncio das professoras e a centralização dos turnos pela coordenadora refletem o processo
de monologalização do discurso, apagando a possibilidade de réplicas explícitas, de diálogo
como interação entre dois ou mais participantes do evento. O momento chamado pelas
participantes de “reflexão” é, então, um momento individual, apesar da reunião em grupo,
individualização esta que é reforçada pelas características do gênero selecionado, que
valoriza a responsabilização e capacidade individuais dos sujeitos.
A busca de textos que tematizam atitudes positivas individuais frente à vida
também tem relação com o caráter do trabalho do professor em suas condições na
atualidade. Sobral (2006), ao retomar algumas vertentes da autoajuda, afirma que todas elas
se baseiam em uma crença da existência, no mundo contemporâneo, de uma ampla crise:
uma crise cósmica, no caso da autoajuda psico-espiritual, crise do Estado-nação, crise nos
valores morais, crise na escola etc. A percepção dessa crise geral afeta não somente o
mundo como um todo, mas, de modo específico, o modelo das denominadas profissões de
168
ajuda (medicina, psiquiatria, psicologia, religião, docência etc.). A autoajuda viria como
uma busca individual de soluções, já que não se pode mais contar com certezas que antes
davam sustentação à vida (SOBRAL, 2006).
Ao relacionarmos essa crise geral à escola, o professor tem papel central na
busca por soluções aos problemas da instituição, principalmente por ser a docência um
trabalho solitário, em que o professor se percebe como único responsável pelo
funcionamento da classe (TARDIF, LESSARD, 2005). Essa percepção de solidão pode
construir sentidos de autonomia e responsabilidade, mas também de isolamento e
vulnerabilidade. Na busca por soluções, uma estratégia encontrada pelo grupo de
professoras acompanhado nesta pesquisa é a mobilização de discursos que apontam para
uma agência individual do professor, uma estratégia que constrói algum sentido para a
docência em um contexto de desvalorização do professor e de crescente cobrança sobre seu
fazer. Tardif e Lessard (2005) analisam a conjuntura atual da docência, principalmente a
partir dos anos 1980 e mais fortemente depois de 1990, período em que restrições
orçamentárias atingiram os professores, e afirmam que
em vários países os docentes se sentem muitas vezes isolados, esgotados e
por toda parte sua mensagem é a mesma: eles não têm tempo para fazer
tudo e o seu nível de stress aumenta diante dos múltiplos obstáculos e
dificuldades que encontram em seu trabalho diário. No plano quantitativo
(horas, semanas de trabalho, número de alunos por grupo, etc.), a tarefa
dos docentes não variou desde os anos 1960, mas as coisas são diferentes
no plano qualitativo, pois vários fatores contribuem para torná-la mais
pesada e complexa. Por exemplo, os grupos de alunos são mais
heterogêneos do que antes e suas necessidades são mais diversificadas.
Além disso, particularmente no secundário e nos grandes
estabelecimentos, a rigidez e a fragmentação da organização do ensino
tornam mais difíceis o contato personalizado com seus alunos e o seu
enquadramento. Daí decorre que a carga de trabalho dos professores é
mais pesada do que antes e, sobretudo, mais exclusivista e mais exigente,
enquanto os meios e os financiamentos encolhem. (TARDIF, LESSARD,
2005, p. 10).
A leitura de autoajuda e a busca por mensagens moralizantes ou motivacionais
são estratégias para encontrar sentido para a docência nesse contexto cada vez mais
complexo. O sentido construído é de responsabilização individual. Como o gênero de
autoajuda encoraja a capacidade individual e a crença em si mesmo para superar qualquer
169
tipo de problema, sua mobilização responde às condições da situação comunicativa
específica e a características gerais da escola, que se constituiu com base em uma ideologia
individualista, para alunos e professores.
Historicamente, a escola foi se construindo como instituição que valoriza o
trabalho individual de professores e alunos: não há espaço propício para um trabalho
colaborativo se efetuar, principalmente devido à organização de tempos e espaços
escolares, à grade de horários, à seriação, à divisão de tarefas. Dentro de uma mesma
classe, todos os alunos realizam uma mesma atividade, com os mesmos objetivos, mas a
realizam por completo e individualmente. No interior da classe, o professor também se vê
sozinho, isolado. Dessa forma, temas relacionados à capacidade individual de resolver
problemas dão alguma resposta ao professor, alguma possível possibilidade de ação,
mesmo que por força das capacidades do indivíduo.
Na HTPC do dia 07 de junho de 2011, sétima reunião acompanhada,
excepcionalmente realizada pela nova diretora da escola juntamente com a coordenadora,
outro texto de autoajuda foi lido no momento de reflexão:
Excerto 28: Preparação – motivação “Vá além dos seus limites” [07 de junho de 2011, 7ª reunião acompanhada].
1 Diretora: Nós pesquisamos e:: e assim é muito interessante vocês vão acompanhar 2 com a gente aí a/ o autor é o Doutor75 Jô Furlan então ele fala assim ((a diretora lê todo 3 o texto em anexo76, “Vá além dos seus limites”)), (...) eu acho assim na nossa vida 4 obstáculos têm todos os dias seja financeiro seja profissional seja sentimental seja na 5 saúde é obstáculos? é obstáculo. mas a gente vai deixar o obstáculo ali? Se a gente 6 pode no português dá um chute e vamo pra frente e vamos seguir vai vim outros 7 obstáculos vão vim mil obstáculos mas a vida da gente é essa a vida/ o:: o importante é 8 hoje o importante é o que você faz hoje como diz o ditado né o hoje é o que basta, o 9 amanhã a Deus pertence então se a gente pode fazer hoje com todos os obstáculos 10 da vida porque eu faço/ eu falo por mim porque eu só estou aqui porque eu batalhei 11 MU::Ito pra ta aqui se não eu não estaria (...)
75 O autor do texto assina os textos como Dr. Jô Furlan e apresenta sua formação em seu site: é médico,
professor e pesquisador de Neurociência do comportamento. Disponível em
<http://www.drjofurlan.com.br/dr_jo_furlan_mentor_da_inteligencia_comportamental.asp>. Acesso em
14/08/2013. 76 A diretora procede à leitura do texto “Vá além dos seus limites”, que está no anexo 4.4, de quase duas
páginas, durante quase três minutos e meio.
170
A diretora lê o texto motivacional “Vá além dos seus limites” de autoria de Jô
Furlan (anexo 4.4) e ela mesma o comenta. Ela se autodefine como alguém que venceu na
vida, que é protagonista do seu dizer e fazer, como se nota pelo uso recorrente da primeira
pessoa do singular nas linhas 10 e 11. A diretora se constrói como modelo em sua postura
otimista, necessária para melhorar qualquer aspecto da vida, crença com base em um poder
do indivíduo para superar dificuldades: eu faço/ eu falo por mim porque eu só estou aqui
porque eu batalhei. O uso da expressão de 1ª pessoa do plural “a gente”, aliando ao verbo
modal “poder” em trechos como “a gente pode fazer hoje com todos os obstáculos da vida”,
“a gente é capaz de fazer hoje...”, apresenta o sentido de que a capacidade individual,
superadora de quaisquer limites, é faculdade inerente a todos.
Para se colocar como o modelo dos conselhos dados no texto, a diretora
revozeia suas palavras, direcionando-as às professoras. A diretora retoma os diferentes
aspectos da vida elencados no texto (trecho do primeiro parágrafo texto: “o que é que você
pode ou não realizar na sua vida, independentemente do setor, seja ele profissional, pessoal,
financeiro, familiar?”) em sua fala “na nossa vida obstáculos têm todos os dias seja
financeiro seja profissional seja sentimental seja na saúde”. Sua fala sobre os obstáculos da
vida também revozeia trechos em que o texto trata de problemas variados, como em “você
foi apresentado a um problema no seu trabalho. Se você pensar que não é capaz de resolvê-
lo, não será capaz de resolvê-lo realmente” (trecho do terceiro parágrafo do texto). Seu
relato pessoal sobre como ela mesma chegou à posição profissional (“porque eu faço/ eu
falo por mim porque eu só estou aqui porque eu batalhei MU::Ito pra ta aqui se não eu não
estaria”) funciona como exemplos de aspectos tratados no texto, como a conquista de uma
melhor remuneração no trabalho: “Olhe ao seu lado, entre as pessoas com quem você
convive. Quanto mais problemas essa pessoa é capaz de resolver, normalmente ela é mais
bem remunerada, seu trabalho é necessário, seu poder de decisão tende a crescer” (trecho
do quinto parágrafo). O revozeamento do texto e o uso da própria história profissional
como exemplo mostram a concordância da diretora com o conteúdo do texto e sua
avaliação positiva quanto a sua pertinência para as professoras.
Neste caso, em que um texto do gênero autoajuda é efetivamente utilizado para
a reflexão em HTPC (e não outro gênero que é reacentuado como portador de uma
171
mensagem de aconselhamento), as possibilidades de interpretação são muito mais variadas.
Há relações do gênero com diferentes práticas sociais, tais como a mística, o testemunho, a
motivação empresarial corporativa. Vamos explorar brevemente cada uma delas, tanto com
base no texto “Vá além dos seus limites” como na fala da diretora. No excerto a seguir, a
diretora continua sua exposição após a leitura do texto de autoajuda:
Excerto 29 – Preparação - relato de superação da diretora
1 Diretora: eu não estaria aqui estaria na minha sala aguardando uma decisão eu fui além 2 disso eu vim e fiz com que eles falassem [muda o tom] “não agora você ta aqui e vai ter 3 que dá um jeito (...)”. entendeu? E assim/ eu gosto de trabalhar mu::ito com a equipe 4 mas muito porque até sexta-feira eu estava numa sala de aula eu valorizo muito o 5 profissional que eu sou professora e valorizo todas as que estão comigo e trabalharam 6 ou que estão no trabalho e então a gente procura fazer o melhor do nosso dia 7 enfrentamos mu::ita coisa, né Eli?
Como exemplo da sua argumentação (e a do autor do texto), a diretora faz um
testemunho77, gênero que também remete à esfera religiosa. O testemunho serve como um
exemplo sobre a busca de horizontes a serem conquistados via pensamento positivo e fé na
capacidade de conquista. A conquista individual pela confiança, pelo pensamento positivo e
ações individuais, base do discurso de autoajuda, constitui a fala da diretora e tece relações
com o discurso religioso. Sua fala também remete a discursos de desvalorização docente e
responsabilização de professores por maus resultados da educação pública, o que pode ser
notado pelo discurso da superação, aliado à atitude da diretora de querer valorizar as
pessoas que com ela trabalham, ou seja, seus pares, como numa equipe.
A repetida referência à esfera do trabalho, no uso recorrente de palavras como
“profissional”, “trabalho”, “trabalhar”, “professora”, “na minha sala”, pode ser relacionada
ao discurso empresarial. Este está fortemente presente na área da educação, em especial
devido ao processo histórico pelo qual a política educacional brasileira passou no período
da ditadura militar, em que empresários começaram a realizar eventos na área da Educação,
77 A fala da diretora pode ser também analisada como discurso confessional, tratado por Foucault (2004,
2007). Na sua fala, aglutina-se a narrativa sobre si e o julgamento e interpretação sobre o que é dito. Na
prática confessional, a verdade é produzida pelo jogo entre aquele que fala e aquele que escuta. Este é
encarregado de interpretar o que é enunciado – jogo de verbalização e obediência. A função daquele que
escuta (religioso, psicólogo ou psiquiatra) é exigir daquele que verbaliza que trate de ser aquilo que ele
reconhece ser.
172
inseridos no acordo MEC-USAID (SAVIANI, 2008). O discurso empresarial teve
continuidade na escola com reformas educacionais de caráter neoliberal do final do século
XX, que desabilitam e desacreditam o Estado no provimento de serviços sociais, como a
educação.
A motivação e a contribuição para a autoestima são fatores bastante valorizados
em ambientes corporativos. Por exemplo, Chiavenato (2003), no livro “Introdução a Teoria
Geral da Administração”, aborda mudanças na linguagem do ambiente administrativo que
surgiram com a Teoria das Relações Humanas, situada, pelas referências citadas pelo autor,
na década de 1960. Tal mudança passa a destacar motivação, liderança, comunicação,
dinâmica de grupo etc., em detrimento de conceitos clássicos na administração empresarial
como os de hierarquia, autoridade, racionalização. A motivação do trabalhador passou a ser
entendida não somente em termos econômicos e materiais, como também por fatores
sociais e simbólicos78.
Esse discurso motivacional no ambiente de trabalho também perpassa a escola
como local de trabalho. Souza-e-Silva (2007) analisa textos da revista Você S/A (2006),
publicação especializada em emprego e empregabilidade da Editora Abril. A autora destaca
o fato de, nos números mais recentes por ela analisados no ano de 2006, os depoimentos
trazidos pela revista incluem profissionais da educação. “Considera-se o conhecimento
desenvolvido na escola nos mesmos moldes do empresarial, isto é, passageiro, está sempre
em mudança, serve para resolver problemas pontuais” (SOUZA-E-SILVA, 2007, p. 394).
Além da representação da escola como empresa e do professor como um trabalhador que,
individualmente, pode alcançar sucesso profissional, o caráter prescritivo dos textos da
revista (entrevistas, artigos, depoimentos) é destacado pela autora nas suas análises. A
autora afirma que “o funcionamento discursivo da revista assemelha-se ao de verdadeiros
manuais e mesmo de livros de autoajuda (STURM, 2006), impondo modelos de estar no
mundo e no trabalho em particular” (SOUZA-E-SILVA, 2007, p. 402).
A relação dialógica com a esfera empresarial é acentuada pelas organizadoras
da HTPC – diretora e coordenadora - desde a apresentação gráfica do texto: na cópia
78 No estudo de Cortina (2013) sobre os títulos mais vendidos no Brasil entre 1966 e 2004, os que lideram o
número de vendas são aqueles que tratam do mundo dos negócios.
173
entregue para as professoras, algumas palavras foram sublinhadas. O texto, disponível na
internet79, não apresenta palavras sublinhadas, o que permite inferir que a coordenadora
e/ou a diretora as sublinharam para destacá-las. As palavras sublinhadas são: profissional,
experiência e trabalho, relacionadas ao eixo de sentido do fazer profissional das
professoras. Assim, o texto é interpretado em sua transposição para a o evento de HTPC-
aula como motivador do próprio evento e da profissão docente.
A prática da leitura de textos de autoajuda, ou reacentuados nessa direção,
posiciona as participantes como pessoas individualmente responsáveis por possíveis
problemas em suas vidas profissionais. Os textos são construídos como portadores de
verdades incontestáveis e aceitos como tal, sem abertura para questionamentos,
pressupondo-se que tais textos contribuem para a profissão docente. As professoras não
comentam os textos lidos neste momento. No caso da leitura do texto “Vá além de seus
limites”, elas só passam a falar após esta etapa de preparação ter sido encerrada pela
diretora, não mais sobre o texto. A diretora não questiona as professoras ou solicita sua
participação. O silêncio pode decorrer da construção do discurso como monologal e
autoritário, no sentido bakhtiniano, como já analisado anteriormente. Neste caso,
diferentemente da escuta da canção “Tente outra vez”, as reações nas expressões faciais e
corporais das professoras não demonstraram insatisfação: estavam todas atentas à fala da
diretora, sem olhares cúmplices de reprovação em relação à coordenadora ou à leitura,
como em outros casos.
A prática de leitura de autoajuda neste momento chamado de “reflexão” em
HTPC também apresenta similaridades com rituais de mobilização de massas, como , a
Mística80 na releitura do Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra (MST). Comerlatto
(2010) caracteriza a Mística do MST como projeto pedagógico e como criadora de
sentimento de pertença ao projeto de transformação social do movimento.
De tradição religiosa, a mística está relacionada a momentos de êxtase, de
fruição do absoluto, do mistério (COMERLATTO, 2010). “Uma utopia enquanto sonho e
79 Disponível no site do autor em
<http://www.drjofurlan.com.br/artigos_com_inteligencia_comportamental.asp>. Acesso em 13/08/2013. 80 A Mística surge como algo restrito a um grupo de iniciados na Grécia do século V a.C, depois foi
incorporada pela filosofia cristã e se tornou uma prática ascética individual e ritualística.
174
motivação para a luta, que dê sentido à existência, que dá impulso à ação política” (p. 9),
operando como um apoio das lutas do grupo. Uma de suas principais características seria
possibilitar a ruptura da consciência ordinária – a experiência mística ocorreria “com o
êxtase da razão em que a mente transcende seu estado habitual” (COMERLATTO, 2010, p.
10). Essa nova racionalidade da experiência mística seria capaz de dar sentido à vida.
Reinventada dentro do MST, a Mística é uma prática que dá início aos trabalhos, do mesmo
modo que a “reflexão” prepara a reunião de HTPC, e é seguida de silêncio. Comerlatto
(2010) retoma Frei Betto, que lembra que a prática também sustentou militantes contra a
ditadura militar brasileira. O risco que sofriam levava os militantes a uma mística muito
forte, pois sabiam que poderiam enfrentar prisão, torturas e assassinato. Assim, a mística
também possibilitaria uma mudança de atitude; uma experiência de libertação individual e
transformação da própria existência, além do fortalecimento do grupo na luta contra
injustiças sociais e políticas81. Comerlatto (2010) define, então, a Mística no MST como
força motriz para o engajamento na luta contra injustiças sociais, relacionando-se
diretamente com a tendência teológica do Cristianismo da Libertação na América Latina,
acontecendo, na prática, por meio de animações voltadas ao cotidiano e aos valores gerais
do movimento, sem ser explicitamente confessional. A função de dar sentido ao fazer de
um grupo parece aproximar as duas práticas, como também o silêncio dos participantes
após a leitura ou o ritual.
A prática em HTPC de leitura de textos com final moralizante ou como
aconselhamento para professores não é um fenômeno isolado. Lima (2008) analisou
reuniões entre coordenador pedagógico e corpo docente de uma escola de Ensino
Fundamental de Alagoas, dando ênfase ao momento inicial das reuniões, também chamado
“momento de reflexão” ou “pensamento do dia”82. Segundo a autora, esse momento tem
por objetivo a construção de um clima “favorável” aos trabalhos e à produtividade do grupo
81 Por ter natureza profética, de tradição judaico-cristã, tem como pressuposto que a ação divina se dá dentro
do processo histórico a favor dos oprimidos A Igreja Católica no Brasil tem uma história de atuação em lutas
populares no Brasil, como a questão de posse de terras. 82 Em outros contextos, eventos são iniciados com um “pensamento do dia”. Por exemplo, programas
televisivos e radiofônicos, como o “Mais Você” da Rede Globo, costumam ser iniciados com a leitura pela
apresentadora de um trecho de textos de gêneros variados, nomeados sempre como “pensamento do dia”. Em
redes sociais, alguns usuários postam pela manhã o “pensamento do dia”.
175
frente às tarefas postas como pontos de pauta para determinado encontro. A leitura de uma
“mensagem” de autoajuda configura-se como uma primeira atividade do coordenador na
reunião, que seria desencadeadora do processo de reflexão nos docentes. A mensagem
poderia ser, no contexto observado por Lima (2008), um trecho de livro, de música ou de
relatos biográficos, até capas de revistas, usados para a elevação da autoestima dos sujeitos.
O discurso de autoajuda também aparece em práticas de formação relatadas por
Kleiman e Martins (2007), que analisam uma iniciativa de formação de uma Secretaria de
Educação de uma cidade do interior paulista. As autoras observaram que os textos
motivacionais têm, aparentemente, o objetivo de contribuir para a autoestima dos
professores em formação. O seu uso, visto pela Secretaria como um recurso potencial para
ensinar a agir nas complexas situações de sala de aula, pressupõe familiaridade dos
professores com esse discurso.
O discurso de autoajuda se solidificou nas práticas formativas escolares,
apoiado na ideia de que ele é necessário à consecução dos processos de aprendizagem e
formação na instituição escolar (LIMA, 2008). Corroborando o que já argumentei na
análise, podemos concluir que esse discurso pode constituir uma prática formativa no local
de trabalho do professor, relacionada à iniciação de processos de aprendizagem na
formação do professor no local de trabalho, à preparação do grupo para sua formação83 e à
construção de sentidos para a docência.
O discurso de autoajuda indica o bem fazer, ou fazer o bem, gerando uma ética
de como agir diante de situações conflitantes e complexas vivenciadas na escola, ou seja,
orientando sobre o que é “apropriado” se fazer ou como agir diante de tais situações. Ou
seja, busca-se, no momento chamado de “reflexão” na HTPC, construir um sentido para o
trabalho docente, algo que forneça sustentação ou âncoras para as professoras em uma
profissão que se configura como solitária. Nesse sentido, essa prática é também formativa.
A valorização desses temas em detrimento de uma abordagem técnica e pedagógica do
83 A leitura de textos motivacionais ou moralizantes como preparação para o momento de aprendizagem do
evento remonta à escrita na lousa e à cópia nos cabeçalhos de cadernos escolares de mensagens religiosas no
início da aula, antes de serem iniciadas as atividades de ensino-aprendizagem, também como preparação para
o evento.
176
fazer docente pode ser explicada pela própria organização escolar – individualista, como já
discutido - e pela conjuntura atual dessa instituição.
A gravidade e a complexidade dos problemas com os quais o professor tem que
lidar na conjuntura atual da escola também pode ser um fator que influencia a seleção
desses gêneros para a formação do professor, nessa busca por sentidos para sua profissão.
Como não encontram apoio na formação inicial que receberam, nos saberes disciplinares e
curriculares, que não dão conta de seus objetos de trabalho e da relações com os alunos, e
na própria escola, que não fornece condições de trabalho, recursos humanos e financeiros,
nem na sociedade em geral, cujas elites não estão interessadas em educar a população, os
professores buscam temas relacionados à pró-atividade e à capacidade individual de
mudança. Tardif e Lessard (2013), após apontarem uma série de problemas relacionados à
docência na atualidade, desde a pouca valorização do professor, a diminuição de autonomia
devido ao aumento de avaliações, a formação dispersiva e pouco relacionada ao exercício
concreto da profissão, até problemas estruturais dos estabelecimentos escolares, escassos
recursos financeiros, materiais e temporais, afirmam que
fechados em suas classes, os professores não têm nenhum controle sobre
o que acontece fora delas; eles privilegiam, consequentemente, práticas
marcadas pelo individualismo, ausência de colegialidade, o recurso à
experiência pessoal como critério de competência, etc. (TARDIF,
LESSARD, 2013, p. 27).
A análise das práticas de leitura de autoajuda e de preces como contribuição à
formação individual do professor é corroborada pela fala da coordenadora Eliane em
entrevista semiestruturada realizada no ano seguinte. Quando questionada sobre o
planejamento das HTPCs e sobre a seleção de textos para o momento de reflexão, Eliane
destacou como critério o trabalho com a autoestima do professor, como destacado no
excerto transcrito a seguir:
Excerto 30: Entrevista com Eliane – autoestima das professoras [14 de setembro de 2012]
8 E: o que que elas iam fazer mas a:: a leitura compartilhada você assistiu algumas lá eu 9 buscava ao mesmo tempo é:: alguma coisa que tivesse a ver com o tema e:: uma coisa 10 assim mais pra reflexão pra trabalhar a autoestima também 11 P: a autoestima das professoras...
177
12 E: é:: que normalmente é muito complicado né
A finalidade apontada pela coordenadora para os momentos em que a leitura de
textos de autoajuda era realizada é contribuir para a autoestima docente, o que tem relação
com a valorização da capacidade individual para resolver problemas ou alcançar sucesso,
temas comuns no discurso de autoajuda. Contudo, tal estratégia parece pouco eficiente
exatamente devido ao fato de esses textos focarem justamente a capacidade individual de
superação do problema, que, no caso da escola, é coletivo, social e político. O tema da
capacidade individual seria de grande valia se fosse problematizado na interação. Em vez
de agir como força centrífuga questionadora dos discursos hegemônicos que atuam como
força centrípeta, responsabilizando ou culpabilizando o professor, a escolha desses textos
faz justamente o contrário: endossa o discurso hegemônico, centralizando a solução no
professor, em vez de trazer outros elementos que poderiam ser abordados de maneira
coletiva e investigados pelo grupo.
A seleção de textos do gênero de autoajuda ou de outros gêneros com tom
moralizante indica um julgamento da coordenadora sobre o que as professoras precisam
ouvir, sobre como precisam ser e agir como professoras. Uma identidade para as
professoras como um grupo sem autoestima é construída, dialogando com o processo de
desvalorização docente em nossa sociedade.
Como as próprias professoras podem ocupar a função de coordenadoras e
supervisoras de ensino, esses textos uma vez selecionados voltam a circular nas redes de
ensino para fins semelhantes; dessa forma, as professoras vão formando um acervo de
textos “de reflexão” ao participarem das reuniões da rede de ensino. A professora Janaína,
que lecionava na escola em 2011, estava ocupando a função de coordenadora de outra
escola da rede quando realizei as entrevistas no ano de 2012 e, ao ser questionada sobre
onde e como buscava os textos para a HTPC, indicou como essa cadeia de gêneros era
construída em reuniões da rede de ensino:
178
Excerto 31: Busca de textos para HTPC. Entrevista com professora Janaína.
1 Janaína: eu gostava de quando a coordenadora trazia eu percebo hoje algumas 2 diferenças... eu na coordenação eu vejo algumas diferenças assim quando eu era quando 3 eu estava na sala de aula eu gostava até tem muita coisa que as coordenadoras 4 passavam pra mim que eu guardava e hoje eu posso até usar 5 P: onde vc busca [os textos para leitura em HTPC] como coordenadora? 6 J: eu tenho algumas coisas que eu já tinha guardada que eu recebi e que eu gostei, eu 7 guardava... e eu gostava... agora:: agora eu busco com outras colegas ou até a internet 8 eu uso esse recurso... 9 P: em sites específicos ou:: ou você digita um assunto na busca? 10 J: eu digito o assunto né a mensagem que eu quero e aí vou procurando o que eu quero 11 ou com as outras colegas minhas
Com base na entrevista, vemos que há uma circulação interna dos textos, que
são usados e reutilizados em diversas reuniões de HTPC para um mesmo fim. A estratégia
de Janaína para buscar textos na internet está relacionada com mesma função que esses
inúmeros gêneros vão todos exercer na HTPC: serão lidos em busca de uma mensagem
motivacional ou moralizante.
Janaína usa várias vezes o verbo gostar relacionado à seleção de textos para a
HTPC. O verbo gostar expressa apreciações subjetivas sobre os textos. Assim, o critério
para seleção textual é particular, guiado por interesses individuais. O uso do verbo também
constrói apreciações positivas sobre seu gosto – ela é capaz de realizar apreciação estética
em relação ao que leu em outras situações e selecionar o que considera pertinente para a
HTPC84. O critério do gosto e a cadeia de enunciados usados como mensagem em HTPC na
esfera de trabalho do professor também são explicitados por Eliane em entrevista:
Excerto 32: Busca de textos para HTPC. Entrevista com Eliane.
1 Eliane: um pouco da minha prática de coisas que eu já tinha né da da/ de coisas que a 2 gente acabava recebendo também em htpc eu gostava achava interessante... porque 3 quando nós estamos falando de criança... nesse momento eu procurava assim ó pensar 4 que nós estamos falando de criança nós estamos falando de um olhar direcionado pra 5 criança voltado pra criança e eu penso que não tem como falar de criança sem falar de 6 sensibilidade sem falar de carinho sem falar de acolhimento / acolhimento eu acho que 7 é a palavra... e eu sentia as vezes que o professor estava um pouco distante dessa coisa 8 sabe desse acolhimento então esses momentos de reflexão é:: que passava por mim que
84 Vóvio (2007) analisa como alfabetizadoras populares colocam o gosto pessoal como critério para selecionar
suas leituras, valorizando sua própria apreciação estética sobre obras literárias.
179
9 eu gostava que achava interessante que eu lia às vezes de livros as vezes da revista você 10 viu né de revista e de coisas assim que eu levava pra:: prática mas é isso...
Há uma espécie de acervo próprio da instituição escolar e da prática de HTPC
para a formação do professor. Os gêneros que compõem esse acervo se acomodam aos
objetivos e às funções da prática de letramento formativa em HTPC. Pelas entrevistas,
vemos que não é o professor, individualmente, que busca textos de autoajuda. É uma
prática da própria rede de ensino: textos recebidos em outras reuniões – em outras escolas
ou em reuniões de gestão, na Secretaria de Educação – são levados de volta para a HTPC.
A seleção de textos de diversos gêneros para constituírem uma mensagem
motivacional e moralizante parece fazer parte de uma cadeia de enunciados interna à rede
de ensino. Os dados mostram que, em práticas de letramento formativas em HTPC, vários
gêneros podem ser mobilizados para finalidades semelhantes. Contudo, a mobilização de
um ou outro gênero não é aleatória. No sentido bakhtiniano, o gênero não é um mero
instrumento acabado que os participantes utilizam para se engajar em um evento, como se
buscassem em um estoque a ferramenta adequada; ele se assemelha mais a uma clave que
dá o tom da interação. O que as participantes fazem na prática de letramento, como a
compreendem e como a situam sócio-historicamente delimita o conjunto de gêneros
passíveis de mobilização, as intenções comunicativas dos falantes, os projetos de dizer. O
discurso de autoajuda é monológico, dogmático, autoritário e insiste no tema da
perseverança individual, configurando-se, assim, como mecanismo de controle, atribuindo
responsabilidade individual a cada professora pelos problemas que a sociedade impinge no
seu grupo profissional.
Para compreender o entrelaçamento de gêneros em eventos de letramento, o
estudo etnográfico de Rockwell nas escolas no centro de Tlaxcala, México, traz
contribuições que me parecem relevantes. A autora destaca que gêneros específicos são
usados para representar certos conteúdos, pois as próprias formas genéricas vêm carregadas
de significados (ROCKWELL, 2000). No caso da HTPC, gêneros diversos em suas
situações de produção são interpretados como um mesmo gênero – uma mensagem
motivacional – nas práticas de leitura no momento de preparação do evento. Assim, as
práticas de leitura em HTPC no momento de reflexão e os temas construídos nessas práticas
180
mostram uma concepção de formação profissional motivacional e moral, menos técnica ou
relacionada a questões didático-pedagógicas, e com efeitos de subordinação das
professoras.
Tanto as orações religiosas como os gêneros do discurso de autoajuda,
utilizados nos momentos de preparação do desenvolvimento em HTPC, trazem a tradição
religiosa e moral judaico-cristã da escola para a formação do professor. São discursos com
respostas prontas, acabadas, não contestáveis, que reafirmam a estabilidade em contextos e
atividades cada vez menos estáveis, como são a sala de aula, com problemas de indisciplina
e conflitos crescentes, e a profissão do professor. Este sofre ameaças de pais e alunos, que
não lhe permitem exercer sua profissão, é sempre alvo de novas críticas, novas cobranças,
novas iniciativas de formação, novos documentos e regulamentações85 e é diretamente
afetado por transformações sociais que incidem na a infância e a juventude de seus alunos.
A pouca valorização profissional do professor, as cobranças cada vez mais
complexas sobre seu fazer, a tão comentada crise da escola, entre outros problemas, podem
ser as razões pela busca de discursos que apresentem soluções individuais e otimistas frente
a qualquer natureza de problema. Ao recorrer à abstração das condições sociais e históricas
dos sujeitos, o discurso de autoajuda simplifica o mundo e coloca em primeiro plano a
capacidade do indivíduo de modificá-lo que acredita nessa possibilidade, sem depender de
outro (o próprio Estado, funcionários da Secretaria de Educação, o aluno, a equipe escolar,
as família etc.).
Sobral (2006), ao buscar razões socio-históricas para o surgimento e
fortalecimento do discurso de autoajuda, arrola os seguintes elementos:
esses livros atendem a imperativos do mercado na fase capitalista de
reprodução expandida do capital [cf. Harvey, 1992, 2004a 2004b]; a
questões relativas à adaptação da individualidade a esses imperativos e às
transformações sofridas pelas comunidades de que são parte os leitores; à
necessidade de novas meta-narrativas (LYOTARD, 1979) ou da
85 Nóvoa (2007) comenta o aumento de controles estatais e científicos na profissão docente como o principal
entrave para a profissão atualmente. Segundo ele, o excesso de discursos esconde uma pobreza de práticas.
Nessa profusão de discursos sobre o professor, Nóvoa chama atenção para um paradoxo: “a inflação retórica
sobre a missão dos professores implica dar-lhes uma maior visibilidade social, o que reforça seu prestígio,
mas provoca também controles estatais e científicos mais apertados, conduzindo assim a uma desvalorização
das suas competências próprias e da sua autonomia profissional” (NÓVOA, 2007, p. 4).
181
permanente interpretação regrada do mythos (cf. AMORIM, 2004); ao
surgimento dos relativismos pós-modernos (cf. CONNOR, 1992; 1994);
enfim, à desestabilização geral causada não só pelo aumento do contato
entre povos, como também pelas estratégias de “desterritorialização”,
“reterritorialização”, “compressão do espaço-tempo” etc. (cf. HARVEY,
1992, 2004a; BRANDÃO, 2004). (SOBRAL, 2006, p. 31).
As desestabilizações e transformações da modernidade tardia afetariam, assim,
a literatura também destinada a professores. Silva (2012), que investigou livros de
autoajuda que tematizam a educação e têm nos professores o principal público leitor,
mostra como a autoajuda traz conselhos práticos a professores, principalmente com o
objetivo de contribuir para o que chamam de “dimensão subjetiva do professor”. A
influência dessa literatura está relacionada ao fato de a categoria docente ser cada vez mais
responsabilizada pelos mais diversos problemas enfrentados pelas escolas e pela educação
em geral, o que leva à perda de confiança em sua própria atuação, justificando a leitura de
textos que tratam, de maneira sempre positiva, o amor e o afeto como elementos que
suprem quaisquer dificuldades no trabalho do professor. Nesse sentido, Silva (2012, p. 16)
afirma que “esses textos, grosso modo, visam ‘elevar o moral’ dos educadores, numa
tentativa de valorização de aspectos ligados às dimensões pessoais do educador sem,
contudo, entrar no âmago das questões relativas ao trabalho”, pois esses textos
individualizam os sujeitos e fazem com que estes tomem para si problemas estruturais.
O gênero de autoajuda propõe alternativas a estados de falta, de carência, ou
seja, oferece respostas para problemas que dizem respeito aos indivíduos em particular.
Apesar de os problemas da escola ou relacionados ao ensino-aprendizagem não serem
individuais, a estratégia de usar autoajuda na formação do professor individualiza os
problemas. Para Cortina (2013), umas das explicações possíveis da emergência do gênero
de autoajuda em nossa sociedade é o reflexo da centralidade naquilo que é próprio do
indivíduo e não no coletivo. As obras analisadas pelo autor “reafirmam a tendência de que,
na sociedade contemporânea, identifica-se um crescente movimento para focalização dos
aspectos particulares, individuais, em detrimento dos gerais e sociais” (p. 254).
Cortina (2013) constata que, ao analisar os livros mais vendidos de 1966 e 2004
no Brasil, o maior número de obras, que ocupavam as primeiras posições, eram de
182
autoajuda. Esta seria, para o autor, um fenômeno sócio-histórico cada vez mais difundido
em nossa sociedade. Do ponto de vista do conteúdo temático, o gênero propõe mostrar ao
sujeito leitor como adquirir um saber para ajudar a si próprio. Características do estilo e da
estrutura composicional variam na amostra analisada por Cortina (23 livros). Alguns são
manuais de comportamento, construídos como textos injuntivos. Outros são narrativas que
apontam opções para o leitor atingir um estado de satisfação. Há ainda casos que se
aproximam do discurso profético, do sermão e da parábola.
Já para Fornari e Silva (2001), a literatura do gênero autoajuda é formada,
sobretudo, por manuais e textos de instrução, que contêm basicamente uma “metodologia”
para a conquista do sucesso material e espiritual, acompanhadas de narrativas em primeira
pessoa. Silva (2012) analisa 18 livros de autoajuda, relacionados à educação, de dois
autores brasileiros86, que têm como principal público alvo os professores. Os livros, pela
descrição de Silva (2012), apresentam características semelhantes às observadas nos
eventos analisados nesta pesquisa, como a utilização de fábulas, contos de fadas e histórias
populares como um recurso para sustentar argumentos relacionados a fatores necessários
para solucionar, individualmente, uma diversidade de problemas, principalmente por meio
do amor, do afeto, da positividade.
Podemos concluir que a presença do discurso de autoajuda na formação de
professores no local de trabalho está relacionada a uma situação socio-histórica mais geral
sobre a própria instituição escolar e sobre como nossa sociedade vê e pensa o trabalho e
como vê e pensa os indivíduos87. Seu funcionamento remete aos efeitos de verdade e das
práticas de si de que tratou Foucault (2004, 2007). Ao se construir como portador de uma
verdade, o gênero autoajuda produz efeitos de verdade por mecanismos estratégicos de
poder presentes nas práticas sociais. Na relação com o professor, a necessidade de
persistência individual como solução de problemas funciona para justificar relações de
poder tecidas na educação básica brasileira, em que professores são subalternizados. A
86 Augusto Cury e Gabriel Chalita, este ex-secretário da educação do Estado de São Paulo. 87 A entrada desses discursos na escola e na formação do professor é uma interessante questão para futuras
pesquisas. Há possibilidades levantadas nessa tese, como a tradição religiosa da escola, a crescente influência
do mundo empresarial, a influência de figuras como Gabriel Chalita, escritor de autoajuda e ex-secretário da
educação no Estado de São Paulo, ou ainda o crescimento de adeptos de religiões neopentecostais dentro do
quadro das redes de ensino.
183
prática de leitura de textos de autoajuda também remete ao sentido de governo de si, um
governo da individualização.
Retomando, a principal função formativa dessa prática é a construção de um
sentido para a docência. O uso de textos de autoajuda na HTPC, por um lado, reforça a
ideia de isolamento do trabalho docente, ao investir na ideia da capacidade individual de
solucionar problemas da classe e, devido a seu caráter prescritivo em relação ao
comportamento do outro, ao enfatizar a responsabilidade individual sobre atos e resultados.
Por outro lado, o caráter místico e universal do discurso de autoajuda parece destituir a
validade de saberes científicos no fazer pedagógico ao se sustentar na crença de que há algo
maior/universal em quem o indivíduo pode se apoiar para superar todos os problemas.
Esses dois aspectos do discurso de autoajuda na formação do professor apontam para uma
relação com a própria posição social do professor em um contexto de trabalho degradado,
com péssimas condições para sua realização. Nessa conjuntura, as possibilidades de
mudança recaem sobre o indivíduo e suas atitudes.
6.2 Vozes da esfera administrativa, oficial e acadêmica
A formação do professor em seu local de trabalho trava relações harmoniosas
ou conflituosas com esferas que incidem diretamente na atuação docente, como a esfera
administrativo-pública, a político-educacional (por meio de documentos reguladores e
parametrizadores do trabalho docente, divulgados pelo MEC e também por órgãos
governamentais das esferas municipal e estadual) e a acadêmica (também por meio de
documentos parametrizadores, que retextualizam textos acadêmicos, e textos de divulgação
científica). É possível analisar essas relações por meio das vozes sociais que constituem a
voz do professor nas interações em HTPC, além do discurso religioso e do discurso de
autoajuda já tratados.
Na perspectiva bakhtiniana, vozes sociais são lugares de enunciação, pontos de
vista específicos sobre o mundo, que estão sempre em contato e conflito na corrente
ininterrupta de enunciados que é a linguagem em sua concepção dialógica (BAKHTIN,
1988, 2003). Identificar as vozes trazidas por professoras e outros agentes na formação do
184
professor no local de trabalho, para assim constituir sua própria voz, possibilita perceber
disputas de poder entre grupos e suas visões de mundo, as forças que atuam no exercício e
formação docentes, os sentidos construídos para essa formação, como também a construção
de identificações com diferentes grupos. A fim de analisar essas questões, mobilizo, além
do conceito de vozes sociais, outros conceitos bakhtinianos como palavra, contrapalavra,
discurso alheio, discurso de autoridade e discurso internamente persuasivo, retomados ao
longo da seção quando relevantes à análise.
6.2.1 Esfera público-administrativa: conflito com a instância empregadora
A relação das professoras deste estudo com a esfera público-administrativa, no caso,
com a Secretaria Municipal de Educação, costumava ser marcada pelo conflito. Esta, como
já vimos, enviava uma série de demandas a serem cumpridas em HTPC, o que gerava
bastante reclamação por parte das professoras, como ilustra o excerto transcrito a seguir, de
uma reunião de HTPC-aula:
Excerto 33: Conflito entre demandas da Secretaria e professoras [HTPC-aula, 31/05/2011, 6ª reunião acompanhada]
1 Eliane: gente eu preciso fazer com vocês rapidinho pretende ser um bate bola um 2 levantamento de nossos problemas pedagógicos é assim o que atrapalha o nosso 3 pedagógico? quais os aspectos que atrapalham o nosso pedagógico que vocês sentem... 4 que atrapalha o nosso pedagógico ((risos)) que? o HTPC? ((risos)) 5 Prof: não, brincadeirinha 6 Coord: vamos gente rapidinho senão a gente não vai sair daqui ((com papel e caneta em
mãos para fazer a lista)) 7 Cristiane: muito papel muito papel pra preencher 8 Rute: burocracia 9 Cristiane: muito papel 10 Coord: parte burocrática? 11 Natália: papel, papelada pra preencher 12 Coord: que mais? (++) 13 Rute: os projetos também 14 Cristiane: também acho 15 Jéssica: muitos projetos 16 Rute: no ano precisava selecionar e pegar os mais importantes 17 Cristiane: porque a gente todo ano fala esse ano vai ser menos só que no fim é todo a 18 é mesma coisa
185
A coordenadora inicia o tópico marcando sua obrigação de realizar um
determinado levantamento com as professoras – “eu preciso fazer com vocês...”. Sua
apreciação valorativa das demandas da Secretaria como obrigações também é reforçada
pelo uso do adjetivo “rapidinho” usado duas vezes: deve cumprir a demanda, mas não quer
que tome muito tempo da reunião. Novamente, o uso do diminutivo para salientar que a
tarefa será breve parece uma desculpa ou justificativa da coordenadora por trazer demandas
da Secretaria. Na voz das professoras, as demandas da Secretaria – papelada, burocracia,
muitos projetos – são um entrave a seu fazer ‘pedagógico’. A fala de Cristiane (linhas 17 e
18) mostra que esta é uma reclamação recorrente por parte das professoras, e nunca
atendida. Há um embate entre as funções do professor como funcionário público com seu
fazer bastante regulado, que também tem que realizar trabalhos burocráticos, e sua função
como professor responsável pelo ensino-aprendizagem dos alunos – o “pedagógico”.
Chartier (2004), em sua análise histórica das imagens do professor e
concepções e funções da escola, retoma a identidade de professor como funcionário
público. Na França do final do século XIX, o ideal republicano transforma o objetivo da
escola: esta passa a ter como função a salvação da nação republicana e a formação dos
futuros eleitores. A escola se torna laica, gratuita e obrigatória. Nela, os professores
“devem convencer a geração mais nova deste projeto político e, portanto, tornam-
se funcionários públicos” (CHARTIER, 2004, p. 29). Nesse contexto, além de ensinar os
saberes da modernidade científica e a consciência nacional, o professor acumula funções do
funcionalismo público, respondendo a demandas da instância da administração pública.
Seria essa concepção de docente e de escola que constitui o conflito explicitado na
interação entre professoras e coordenadora.
O conflito mais direto com a instância empregadora é notável na primeira
oficina entre professoras de 5º anos, realizada pela supervisora de educação Augusta, que
apresenta a proposta dos encontros de formação e explica como os próximos encontros
aconteceriam. A voz de Augusta, como representante da secretaria municipal de educação,
coincide na interação com a voz da administração pública, que emprega o professor da rede
municipal. O excerto abaixo consta dos primeiros 5 minutos do evento:
186
Excerto 34: HTPC-oficina – reflexão “A tarefa da escola” [18 pessoas presentes entre professoras, coordenadoras e funcionários da secretaria de educação, além da pesquisadora. 30 de maio de 2011]
1 Augusta: pra ser um professor eu não sou mais aquele que não entende de processo de
2 ensino-aprendizagem eu tenho que ENTENder como funciona a aprendizagem do meu
3 aluno toda a atividade que eu vou dar/ hoje estive em uma pré- escola e a professora
4 falou “ai, não sei planejar no papel”aí montei e falei assim “qual o seu objetivo maior
5 aqui?” isso que falta o professor não sabe aonde ele quer chegar era apenas identificar,
6 reconhecer / “isso tudo você vai fazer pra que, meu amor?” ((tom bastante ríspido))
7 pra identificar e conhecer o alfabeto o professor não sabe aonde ele quer chegar não
8 sabe sistematizar então ele se perde então acontece o que nós tamo vendo aqui chega
9 aluno que não lê chega aluno que não escreve gente um pedreiro quando vocês vão
10 fazer alguma coisa na casa de vocês e vocês falam “aquele pedreiro lá? (...) caiu tudo,
11 não quero ele”, pintor? nem pensar... vocês querem qualidade então nossos alunos
12 também merecem qua-li-dade (+) o professor que não é educador ele não pode mais
13 estar por aqui não tem mais espaço não sou eu que estou falando não é o secretário
14 que está falando não é a supervisora... os pais nos procuram e falam “não dá, que
15 professor é aquele que você tem na rede?” entendeu? o próprio sistema exclui/
Augusta mobiliza vozes sociais que situam sua fala sobre o professor e sua
valorização profissional numa arena discursiva tensa. Primeiro, ela enuncia como se fosse
professora – “eu não sou mais aquele... eu tenho que entender como a aprendizagem do
meu aluno” – num movimento de identificação com suas interlocutoras, professoras da
rede. Ela passa a relatar em seguida uma conversa com uma professora, citando as palavras
desta para caracterizar o professor que não sabe ensinar. O trecho de discurso reportado
contrasta a professora que não sabe com a supervisora de educação, que seria aquela que
sabe algo que é específico do trabalho docente.
Augusta reproduz, assim, vozes sociais que julgam o professor como um
profissional que não domina seu fazer, e que seria ainda o responsável único pela não
aprendizagem do aluno. Para reforçar seu posicionamento, a supervisora cita atores sociais
que poderiam ser os enunciadores dessa voz: ela mesma, o secretário, os pais dos alunos.
As reiteradas falhas do professor nas negativas enunciadas (“não entende o processo”, “o
professor não sabe aonde quer chegar”, “não sabe sistematizar”, “não sei planejar”, “que se
perde”) constroem o eixo de sentido de falta, de falha, de ausência de saberes das
professoras. A fala de Augusta dialoga com vozes comuns na mídia, na opinião pública e
em certos contextos acadêmicos, reacentuando a condição histórica de desvalorização do
187
professor, e não coloca a profissão em um quadro mais geral dos problemas da educação
(individualizando a questão, assim como o discurso de autoajuda). Após a fala de Augusta,
o secretário da educação toma o turno, e tenta de relativizar a crítica às professoras.
Excerto 35: HTPC-oficina – Cobrança e IDEB [30 de maio de 2011; 1º encontro realizado].
1 Secretário: e também elogiam os que realmente são (...) 2 Augusta: e também tem isso vai lá e “eu quero meu filho vá naquele porque aquele é 3 ótimo” (...) fazer de conta que dá aula acabou-se, é planejar / por que? é necessário... 4 criança não gosta de cobrança? pra educar o filho não precisa de limites? É ou não é? 5 então nós também precisamos de cobrança (...) é cutucar mesmo pra gente sair da 6 Mesmice 7 Eliane: mas há quanto tempo já a Lúcia XXXX (?) falava isso quanto tempo, hein? ela 8 falava isso então ela fazia os cursos dela lá em Campinas ela falava “gente, professor 9 que não gosta da escola devia estar fora e fazer outra coisa” 10 ((vozes ao fundo)) (...) 11 Secretário: isso que a Eli fala os primeiros anos ((passa a falar de outra cidade, difícil de 12 entender)) é o primeiro IDEB da região e aí chegou sabia ler escrever assim excelente aí 13 até na primeira reunião a mãe dela foi assim parabenizar então você vê que satisfação 14 (...) a gente sabe que o professor tem que acreditar mesmo...
Com a intervenção do secretário, Augusta passa a utilizar a primeira pessoa do
plural e redireciona sua crítica, agora não só às professoras, mas a todos, como uma
“cobrança” geral que seria necessária a todos, inclusive a ela (“nós precisamos de
cobrança”). Eliane reporta a fala de uma estudiosa e cita cursos. O secretário cita dados
oficiais relacionados à educação, o IDEB. Essas vozes sociais – senso comum, acadêmica,
do Estado - que emergem nessa arena são todas de cobrança, responsabilização e
desvalorização docente. Mesmo quando elogiam um ou outro professor por meio do
discurso reportado dos pais (linhas 2 e 3), o fazem tomando a qualidade como exceção
entre docentes.
Diferentemente das outras oficinas subsequentes, em que o compartilhamento
de experiências, a encenação de como fazer, o rodízio de professoras responsáveis pelos
encontros e o objetivo delimitado dos encontros – em que se constroem relações simétricas,
que favorecem a co-construção de conhecimentos (visto no capítulo 4), no primeiro
encontro a supervisora se coloca numa relação assimétrica bastante marcada com as
professoras. O mecanismo de posicionamento subalterno das interlocutoras (pela
188
caracterização negativa) é rompido quando as próprias professoras passam a organizar e
realizar os encontros de formação.
As identidades docentes construídas na relação com o outro – a supervisora, o
secretário, as vozes sociais da mídia, da academia - na primeira oficina e nas subsequentes
são contrastivas. Quando o outro é um representante da esfera administrativa, as vozes
trazidas para interação são as de responsabilização e desvalorização docentes. Quando não
há representantes dessa esfera, e a relação é entre professoras, todas colegas, a interação se
altera e as vozes sociais que ecoam nas suas palavras e que contribuem para sua
constituição identitária na situação são muito diferentes, pois são trazidas para elaborar uma
identidade docente positiva e fortalecida, mesmo que para isso vozes prestigiadas
socialmente também constituam esse processo, como veremos nos próximos exemplos.
No excerto a seguir, as participantes partem do pressuposto de que suas
interlocutoras são profissionais formadas, experientes, e por isso já podem partilhar
encenações de possíveis abordagens de conteúdos em sala de aula, sem explicações longas
sobre conceitos ou metodologias. As professoras valorizam seu próprio fazer ao colocá-lo
como referência (“mais fácil filmar minhas aulas”) e tomá-lo como compartilhado entre as
participantes, em oposição à identidade de profissional daquele que têm falhas de formação,
que não sabe, na fala da supervisora de ensino:
Excerto 36: Prática pedagógica como referência [05 de setembro de 2011]
1 Marina: eu acho que a maioria nos conhece né... eu me chamo Marina né estou como
2 coordenadora na escola XXXX ... o que a gente pensa que é socializar é um assunto que
3 a gente já trabalha em sala de aula
4 Tânia: não é desconhecido
5 Marina: não é desconhecido eu/ eu to vendo como essas capacitações que nós já
6 tivemos que vamos ter pra frente né as de hoje e as demais como assim uma:: a pra::
7 Tânia: revisão NÉ
8 Marina: tá guardado e a gente tem que relembrar o que a gente já viu no profa
9 [curso de formação continuada] que nós já vimos em ahn:: outras capacitações então
10 não vai ter novidade a gente vai tá lembrando e falei pra Guta assim que:: eu acho que
11 eu deveria ter/ é mais fácil filmar minhas aulas filmar as aulas e passar pra vocês
12 depois do que a gente ficar falando porque é difícil assim falar (...)/ então o que a gente
13 vai apresentar aqui é o que a gente fez fazia né e sugere pra todos estar fazendo em
14 sala de aula e que vocês também já fazem tá?
189
Marina e Tânia se autoidentificam como professoras experientes. Marina,
coordenadora da rede em 2011, coloca em relevo sua identidade de professora ao apresentar
sua função de coordenadora como uma condição provisória (“estou como coordenadora”).
A apresentação, baseada no que fazem em sala de aula, é descrita como uma revisão,
indiciando com isso a intenção ou desejo de atribuir esse conhecimento ao grupo. Não
questionar o saber e o saber-fazer do professor, partindo do pressuposto de que aquele é um
grupo coeso de profissionais capazes, é uma estratégia de fortalecimento do grupo que
enfraquece vozes sociais de desvalorização docente como as revozeadas por Augusta no
encontro de abertura desse tipo de evento formativo.
A necessidade de reafirmar várias vezes que as colegas já sabem o assunto
abordado e já realizam um trabalho em sala de aula condizente com o que será apresentado
(linhas 3, 4, 5, 7, 8 e 9) mostra a disputa pela palavra na arena discursiva
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995). O discurso das professoras atua como força
centrífuga, na tentativa de suavizar o poder do discurso hegemônico (BAKHTIN, 1988),
resistindo à construção de uma identidade depreciadora de sua profissão, como a construída
por Augusta nos dados anteriores. Há aí uma disputa entre identidades do professor e um
conflito entre vozes sociais que se chocam nessa arena. Desse modo, as próprias
professoras, quando encarregadas de sua formação, respondem a vozes que as
desqualificam e constroem identidades fortalecidas para sua comunidade.
6.2.2 Esfera político-educacional: tentativas de apropriação de textos oficiais
Vozes da esfera político-educacional perpassaram as oficinas quinzenais desde
o início, pois estas surgiram para dar conta de uma demanda dessa esfera: as avaliações
externas de nível estadual e federal. Trechos de referenciais curriculares, como os PCNs e
as Matrizes das avaliações externas, integram as interações, principalmente em alguns
slides de PowerPoint usados pela dupla responsável para introduzir o assunto do encontro.
Nesta seção, analiso uma proposta do grupo de professoras de 5º ano de basear as
discussões em textos oficiais.
190
Cabe ressaltar que as avaliações externas se configuram hoje como uma força
propulsora de atividades de formação do professor em serviço. Gatti e Barreto (2009)
comentam um estudo sobre o papel da avaliação do estado de São Paulo nas políticas de
formação continuada, que examinou os avanços e os limites na utilização dos resultados do
Saresp para balizar ações de formação continuada de professores das escolas da capital
paulista (BAUER, 2006, Apud GATTI, BARRETO, 2009). De acordo com as autoras, a
Secretaria de Educação do Estado analisada por Bauer criou um mecanismo de acesso aos
dados da avaliação pelas escolas, induzindo-as a utilizá-los no planejamento e na formação
continuada de seus professores. As Diretorias Regionais de Ensino se encarregam da
formação continuada com base nos resultados do Saresp, com a função de levar a
compreender os princípios do programa de avaliação e a trabalhar com indicadores
quantitativos e com as interpretações do desempenho dos alunos para fins pedagógicos.
Segundo os resultados da pesquisa de Bauer (2006), a relação avaliação-
formação mostrou-se positiva apenas nos casos em que as diretorias regionais tiveram
efetivas oportunidades de serem preparadas para a ação de “capacitar” os professores e
quando esta atividade se articulava no âmbito de um programa de educação continuada
(PEC), que aliava os resultados do Saresp a outras informações, como taxas de evasão e
repetência, diagnóstico e avaliação das condições e necessidades das escolas. O trabalho de
algumas equipes, entretanto, era prejudicado pela dificuldade de interpretar
pedagogicamente os resultados da avaliação (GATTI, BARRETO, 2009).
Uma das oficinas destinou-se particularmente à discussão das matrizes de
referência que regem uma dessas avaliações, a Prova Brasil. Apesar de elaborados e
destinados para o professor, documentos oficiais não cumprem seu papel como documento
de referência ou de formação, pois não dialogam com saberes docentes e tomam conceitos
especializados da área da linguagem como pressupostos, o que dificulta a leitura por parte
de professores, mesmo daqueles acostumados a leituras acadêmicas (cf. SILVA, 2003).
O interlocutor especificado na carta de abertura do documento lido pelas
professoras em HTPC é um professor ou diretor de escola como destinatário (a
apresentação começa com “Prezado(a) diretor (a), prezado(a) professor(a),”). O objeto da
enunciação construído é o próprio fazer do professor: o que ele deve ensinar a seus alunos
191
até o final do nível de ensino em foco. Contudo, apesar de o documento ser escrito para um
destinatário específico, não é adequado a esse público-alvo – professoras do Ensino
Fundamental I (e não acadêmicos da área da linguagem), e, assim, a construção de sentidos
sobre o objeto, por parte das professoras, é dificultada. Retomo, no quadro 3, os trechos do
documento lidos em que os conceitos de texto, gêneros e tipos textuais são definidos,
conceitos que foram objeto de debate entre as professoras em uma das HTPC - oficina:
Quadro 3 – Trecho das Matrizes da Prova Brasil
4.2. Texto
De acordo com os PCNs, o eixo central do ensino da língua deve se instalar no texto, como
realização discursiva do gênero e, assim, explicar o uso efetivo da língua.
Alguns linguistas referem-se assim ao texto: ’texto’ emprega-se igualmente com um valor mais
preciso, quando se trata de apreender o enunciado como um todo, como constituindo uma
totalidade coerente. O ramo da linguística que estuda essa coerência chama-se precisamente
‘linguística textual’. Com efeito, tende-se a falar de ‘texto’ quando se trata de produções
verbais orais ou escritas, estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a
circularem longe de seu contexto original. É por isso que, no uso corrente, fala-se, de
preferência, de ‘textos literários’, “textos jurídicos”.
4.3. Gêneros do discurso
“Os gêneros do discurso pertencem a diversos tipos de discursos associados a vastos
setores de atividade social. [...]”
Koch (2005) afirma que os falantes/ouvintes sabem distinguir o que é adequado ou
inadequado em cada uma de suas práticas sociais. Eles sabem diferenciar determinados
gêneros textuais como, por exemplo, anedota, poema, conversa telefônica etc. Para a
autora,
“Há o conhecimento, pelo menos intuitivo, de estratégias de construção e interpretação de
um texto. A competência textual de um falante permite-lhe, ainda, averiguar se em um texto
predominam seqüências de caráter narrativo, descritivo, expositivo e/ou argumentativo.
Não se torna difícil, na maior parte dos casos, distinguir um horóscopo de uma anedota
ou carta familiar, bem como, por outro lado, um texto real de um texto fabricado, um
texto de opinião de um texto predominantemente informativo e assim por diante...”.
4.4. Tipos textuais
Classificação que toma como critério a organização lingüística, o conjunto de
estruturas lingüísticas utilizadas no plano composicional do texto.
O plano composicional é constituído por palavras, frases, orações etc.
A partir de Longrace, (apud Bonini, 1999), tipos textuais passaram a ser abordados
como modalidades retóricas ou modalidades discursivas que constituem as estruturas e as
funções textuais tradicionalmente reconhecidas como narrativas, descritivas,
argumentativas, procedimentais e exortativas. (BRASIL, 2009, p. 20)
192
As definições de conceitos centrais para a avaliação, que vão compor os
tópicos que serão cobrados na Prova Brasil, são recortados dos PCN e de outras
referências da área da linguística, sem as devidas explicações, e justapostos, sem
explicitar relações entre as partes. No item 4.3, uma definição de gêneros do discurso é
citada sem as devidas referências e sem explicitação de suas relações com o que se segue,
a discussão sobre o reconhecimento dos gêneros por parte dos falantes/ouvintes segundo
Koch. O problema de textualidade – falta de coesão entre trechos recortados de diferentes
fontes – é um primeiro aspecto que dificulta a compreensão dos conceitos por parte das
professoras alfabetizadoras.
O texto supracitado faz recortes de textos fonte, numa relação intertextual
bastante estreita com estes. Sem o conhecimento compartilhado das fontes, não é possível
construir a coerência para o texto, configurando-se, assim, mais um problema de
inteligibilidade. Ao tratar de gêneros do discurso, o documento traz uma citação de Koch
em que ela aborda a diferenciação entre tipos de sequências textuais, sendo que na oração
anterior o texto tratava da diferenciação entre gêneros (“Eles sabem diferenciar determinados
gêneros textuais como, por exemplo, anedota, poema, conversa telefônica etc.”), o que torna
bastante confusa a definição e discussão sobre o conceito em foco no tópico 4.3. Além
disso, a justaposição da tipologia de sequencias textuais de Koch e o questionamento
dessa tipologia por Longrace nos leva a questionar a clareza de objetivos desse texto:
resumir diversas posições sobre tipologias, introduzir o conceito de gênero, relacionar
como o conceito de texto em diferentes correntes teóricas? Os mesmos termos são usados
em diferentes trechos, para diferentes objetivos e definindo conceitos diferentes – gêneros
e tipos textuais – o que também atenta contra a inteligibilidade do texto.
Há outras remissões a conceitos especializados, como enunciado, esfera,
modalidades retóricas, modalidades discursivas, plano composicional do texto, entre
outros, que compõem o trecho sem qualquer esclarecimento sobre seu significado ou sua
relevância para o ensino de leitura na escola, foco da avaliação em questão. Ademais, essas
expressões, para quem não tem estudos ou leituras especificas da área da linguagem, são
signos esvaziados de sentido. As definições das Matrizes de Referência de Temas, Tópicos
e Descritores da Prova Brasil primeiro relacionam o conceito de texto com o conceito de
193
enunciado; depois relacionam o conceito de texto com esferas de atividade (textos
literários, textos jurídicos) sem explicitar tal relação.
No encontro destinado a discutir as Matrizes da Prova Brasil, as professoras
juntam esforços para compreender conceitos apresentados no documento, mas a falta de
explicações de conceitos da área da linguagem no próprio documento gera mal-entendidos
(trecho integral lido das Matrizes está também em anexo):
Excerto 37: Lendo as Matrizes da Prova Brasil. HTPC-oficina, 15/08/2011.
1 Carol: (...) então a Prova Brasil ela avalia a leitura e a escrita como a Eliane falou não só 2 a leitura::... ler por ler, digamos assim, mas sim uma leitura interpretativa uma leitura 3 crítica do aluno né uma escrita uma produção de texto que não tenha assim/ o professor 4 ele passa né um um:: um gênero textual ou um tipo/ tipologia, né, de escrita, né 5 ((direciona o olhar para Eliane, balançando a cabeça pra cima e pra baixo)), tipos de 6 escrita/ 7 Eliane: é, que ela comentou um pouquinho lá... 8 Carol: é::: então o que acontece, a criança ali já f/ já dominou o conceito aí o que 9 acontece? ele vai ter a habilidade de produzir aquilo... (+) ao/ assim com maior 10 autonomia (...)
Quando Carol passa a explorar os conceitos que estariam na base do ensino de
língua portuguesa, surgem problemas na compreensão de conceitos da área da linguagem
como os de tipo textual e gênero (ver no anexo 4.10 as páginas revozeadas pela professora),
para cujo esclarecimento parece buscar a ajuda da coordenadora, Eliane (gestos de olhar e
acenar). A coordenadora remete a uma outra situação em que essa diferenciação já teria
sido comentada, porém não esclarece a dúvida. Os conceitos de gênero e tipo textual
passam a funcionar como sinônimos na fala de Carol, que os ressignifica por meio de uma
sequencia de substituições, como tipos de escrita (“o professor ele passa né, um um:: um
gênero textual ou um tipo/ tipologia, né, de escrita, né, tipos de escrita”). Quando Carol
passa a tratar os dois conceitos como um, está revozeando o próprio documento, que não
esclarece cada um deles nem os diferencia com clareza.
No documento lido no evento, as definições dos conceitos não estão claras, o
que justifica os esforços das professoras em tentar dar sentido a eles por meio de
exemplificações relacionadas ao trabalho pedagógico, como Carol faz, tal qual mostramos
194
no seguinte excerto, em que tenta conceituar um trecho lido do documento por meio de
exemplo de trabalhos já realizados pelas professoras:
Excerto 38: Lendo as Matrizes da Provar Brasil. HTPC-aula, 15/08/2011.
1 Carol: produção e compreensão de textos de diversos gêneros como eu falei 2 “Diferentes situações comunicativas tanto na escrita como na oral”88 (+) 3 né então que nem nós trabalhamos muito cartas, né, as/ são comunicações, é um tipo 4 de meio de comunicação quem é o remetente? Quem é o destinatário? Né, como 5 havia falado... ahn::: é::: qual personagem está falando o que? Qual é o tema? Qual é o 6 assunto? Então é bem por aí, língua portuguesa é muito complexa na avaliação da Prova 7 Brasil. (...)
O conceito de situação social de comunicação é ressignificado por Carol como
meios de comunicação e exemplificado com a carta. Como o texto-base não oferece
elementos que relacionem os conceitos com atividades pedagógicas, é Carol que articula
essa relação. O esforço para compreender do texto oficial em discussão faz emergir o eixo
de sentido da complexidade da Prova Brasil. Ou seja, a professora não identifica problemas
no documento e atribui a dificuldade em compreendê-lo a complexidade da Prova Brasil.
Na sua avaliação, a dificuldade de apropriação dos conceitos deve-se à complexidade da
prova, o que dificultaria a compreensão do documento que a regulamenta. Mesmo sem
apropriação dos conceitos, há uma atitude responsiva ativa da professora ao documento,
mas que fica muito aquém da oposição, de uma contrapalavra.
A compreensão desse jogo de forças que atua sobre a palavra permite-nos
conhecer a apreciação valorativa (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995) das professoras sobre
o documento e os sentidos atribuídos por elas ao objeto do discurso. No excerto a seguir, as
professoras discutem o que são os descritores da Prova Brasil:
Excerto 39: Lendo as Matrizes da Prova Brasil – os descritores
1 Rita: isso é:: se vocês olharem no livro de vocês acho que é página vinte e dois [Carol: 2 página vinte e dois e vinte e três] nos descritores de língua portuguesa o que são esses 3 descritores? nós né gente bateu o olho aqui e achamos que seriam os objetivos mas
88 Trecho do tópico 4.1. Aprendizagem em Língua Portuguesa: “Daí a importância de promover-se o
desenvolvimento da capacidade do aluno para produzir e compreender textos dos mais diversos gêneros e em
diferentes situações comunicativas, tanto na modalidade escrita quanto na modalidade oral” (BRASIL, 2009,
p. 19).
195
4 vamos lá... saber o que são descritores dentro desse livro aqui é o [lendo] “detalhamento 5 de uma habilidade cognitiva em termos de grau e complexidade e está sempre associado 6 a um conteúdo que o estudante deve dominar em cada etapa do ensino”(...) 7 Carol: e os descritores eles fazem uma análise uma avaliação bem ali minuciosa né 8 complexa de cada tó::pico de cada tema (...)
Rita faz uma pergunta retórica (“o que são esses descritores?”) que ela mesma
responde: seriam os objetivos. A palavra, como produto da interação entre interlocutores,
“é sempre acompanhada por um acento apreciativo determinado”. (VOLOCHINOV/
BAKHTIN, [1929]1995, p.132). Após relatar a primeira compreensão de um termo técnico
central, Rita usa a expressão “mas vamos lá”. O operador argumentativo “mas”, que
contrapõe argumentos para conclusões contrárias (GUIMARÃES, 2002; KOCH, 1992;
MAINGUENEAU, 2002), aponta para uma compreensão da professora de que sua
interpretação não seria válida, o que a leva a propor a busca da definição no documento: “o
que são descritores dentro desse livro aqui”.
Apesar dos problemas de legibilidade do documento, as professoras tentam
entender as vozes sociais de órgão oficiais de Educação, num processo que não questiona
sua legitimidade. Tais vozes continuam sendo alheias, não por falta de empenho coletivo
entre as professoras, mas por problemas de textualidade do texto. Como voz de autoridade,
o documento se torna impenetrável, porque o interlocutor não é o professor – parece ser o
acadêmico. Para legitimar sua voz de autoridade, o Estado, por meio do documento
parametrizador, reproduz, de maneira entrecortada, outra voz poderosa, a acadêmica.
Assim, as palavras continuam sendo alheias ao professor, no sentido apontado
pelos teóricos do Círculo de Bakhtin (BAKNTIN, 1988, BAKHTIN, 2003,
BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995). Isso ocorre, pois o documento, ao se distanciar de seus
interlocutores e utilizar definições breves, com vocabulário especializado, sem
exemplificação pedagógica, não favorece a apropriação de palavras alheias, mas sua
simples repetição, como faz Rita ao ler a definição de descritores. O próprio documento
está apenas reproduzindo trechos de diversos textos acadêmicos, justapondo-os, mas não
ressignificando-os para uma nova situação
O discurso autoritário contrasta com o discurso internamente persuasivo, que
favorece o processo de apropriação, ou seja, de tornar próprias as palavras alheias. O
196
processo de apropriação é explicado por Bakhtin ([1979]2003)89 da seguinte maneira: as
palavras são inicialmente palavras de outras pessoas (principalmente palavras da mãe).
Depois, essas “palavras alheias” são reelaboradas dialogicamente em “minhas-palavras-
alheias” no encontro com outras “palavras alheias” e então apropriadas e tornadas minhas
palavras (com perda de aspas, como explica Bakhtin). Nesse processo, nos esquecemos dos
autores das palavras alheias, elas se tornam anônimas e a consciência se monologiza. Rojo
(2007) sintetiza o processo de apropriação no seguinte organograma:
Figura 1: Organograma do processo de apropriação
Fonte: Rojo (2007)
O discurso de autoridade mantém as palavras como alheias, dificultando o
processo de apropriação, o que, contudo, não impede as professoras de responderem
ativamente ao documento, recontextualizando suas definições com base em exemplos de
suas práticas pedagógicas.
Nas múltiplas vozes que constituem a voz do professor em sua formação no
local de trabalho, vozes do Estado e também da academia por meio dos documentos oficiais
estão entre elas (diferentemente do que muitas vezes é dito na mídia, no senso comum e na
própria academia: “o professor não lê”, “não domina textos relacionados a sua profissão”).
A mobilização dessas vozes depende da situação comunicativa. No caso analisado, a
oportunidade de organizar uma autoformação sobre as avaliações externas faz com que as
89 No texto “Metodologia nas Ciências Humanas”, escrito em 1979, publicado no livro “Estética da Criação
Verbal”, edição de 2003.
197
professoras recorram a essas vozes. Como veremos a seguir, a leitura de textos acadêmicos
também pode compor diretamente a prática formativa no local de trabalho do professor.
6.2.3 Esfera acadêmica: mobilização de vozes acadêmicas para legitimação da voz
docente
Esse processo ocorre também na mobilização do discurso acadêmico
realizada pelas professoras de 5º ano sobre o tema por elas apresentado a seus pares a cada
encontro. Nas HTPC-aula, textos científicos ou de divulgação científica não são lidos e
discutidos pelas professoras.
No caso da reunião do excerto a seguir, as citações lidas são de Fiad e Mayrink-
Sabinson (1991). O modo de uso não é o da prática letrada acadêmica: a referência não
apareceu nos slides preparados pelas professoras, compostos apenas de trechos recortados
do texto-fonte90:
Excerto 40: Reescrita [HTPC-oficina, 15/09/2011]
1 Marina: ((lendo)) ‘a reescrita permite apropriação dos gêneros textuais a diferenciação 2 dos gêneros textuais / aplicação dos gêneros textuais a situações contextuais de escrita’ 3 então se a criança tem domínio daquele conhecimento... conhecimento da história é 4 muito fácil fazer uma reescrita uma produção né/ isso eles escrevem sem/ eu falo assim 5 sem medo sem nada então já tá todo o conhecimento dele sem preocupação de a 6 formalidade da pontuação tudo NE 7 Tânia: e a importância de eles saberem diferenciar um gênero e outro né essa prática 8 social que a gente tanto fala (++) 9 Marina: ((lendo)) “com o trabalho continuado no processo de reescritura de textos os 10 alunos passam a se preocupar mais com a forma com que os leitores lerão seu texto... 11 perceber a importância da reescrita perceber as possíveis modificações tornar o texto 12 mais claro e adequado à leitura do receptor” quando eles vão é:: reler o texto que eles 13 fizeram é óbvio que vão reconhecer alguns erros né então isso faz ele tomar mais 14 cuidado na hora de escrever porque ele tem que escrever pro outro entender não só pra 15 ele né e:: muitas vezes na hora que eles vão tá lendo pra gen/ pra nós né você percebe 16 que ele já reconhece o erro ali é uma atividade eu falo assim que não é fácil
90 Identifiquei a fonte após o encontro, em busca pela internet com base nos trechos citados pelas professoras.
198
As professoras trazem trechos de um texto sobre a reescrita – não somente
para definir conceitos (como de gênero ou prática social), mas para dar a base para reflexão
sobre práticas pedagógicas que envolvam a reescrita. O discurso acadêmico é citado de
maneira direta. As palavras são repetidas, o que indica que esse é um discurso “estrangeiro”
para elas, mas de cuja legitimação precisam em uma prática de formação.
A professora ressignifica o conceito de reescrita, relacionando-o diretamente
com sua experiência junto a seus alunos. Para Marina, a reescrita tem um sentido diferente
do que é proposto no texto acadêmico; ela mobiliza eixos semânticos relativos à omissão de
erros formais e sua erradicação na revisão: forma(lidade), pontuação, reler, percepção de
erro, cuidado ao reescrever, sendo que o texto base focaliza a revisão e a reescrita tendo em
vista a situação comunicativa e o gênero. A professora usa o mesmo termo – reescrita –
mas revozeia outra perspectiva no que se refere ao ensino de produção textual, mais
relacionado ao domínio do código e de convenções ortográficas. Apesar de sua
interpretação se distanciar do sentido de reescrita como adequação do gênero à situação
comunicativa e se aproximar do sentido de correção, o evento pode ser considerado
fortalecedor do grupo, pois a voz acadêmica é mobilizada para legitimar o dizer (o o saber)
da professora.
As professoras se posicionam como detentoras de um saber a ser compartilhado
com suas colegas de profissão. A natureza desse saber e a maneira de compartilhá-lo
mostra uma especificidade deste contexto de formação: os saberes se referem ao como
abordar conteúdos em sala de aula, em que sequência, de que maneiras interagir com os
alunos para entenderem o conteúdo; são oferecidas sugestões e exemplificações concretas,
inclusive com encenação de atividades, em alguns casos.
Para abordar as Matrizes da Prova Brasil, as professoras também recorrem a
citações de textos acadêmicos:
Excerto 41: Lendo as Matrizes da Provar Brasil. Competências e Habilidades. HTPC-oficina,
15/08/2011
1 Rita: (...) Então competência e habilidade na Prova Brasil o que vem a nossa mente 2 quando a gente joga esse tema? (+++) 3 Prof Clarice: posso? (+) habilidades nós temos inúmeras habilidades a serem
199
4 desenvolvidas se forem bem trabalhadas adquiriremos a competência (...) (++) 5 Carol: alguma dúvida? mais alguém? (+) segundo Perrenoud que todos conhecem o 6 pensador da educação “competências são diferentes modalidades estruturais” tá dando 7 pra ler? “diferentes modalidades estruturais da inteligência que compreendem 8 determinadas operações que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os 9 objetos físicos, conceitos, situações, fenômenos e pessoas” ou seja foi claramente o que 10 a Clarice mencionou é a valorização do que? do que a criança já tem de sua HAbilidade 11 do seu meio né do conhecimento IN-formal e onde ele chega com o que? com alguns 12 conhecimentos alguns conceitos mas dentro da escola o que que isso vai acontecer? 13 isso vai FORMAlizar para um conhecimento o que? mais apto adquirido (...)
A resposta de Clarice à pergunta de Rita (“o que vem a nossa mente quando a
gente joga esse tema?”) não gera discussões no grupo que, questionado por Carol,
permanece em silêncio. Sua resposta é validada por meio da citação acadêmica. A definição
do conceito pelo teórico da educação é bastante diferente daquela dada pela professora. A
voz da academia permanece alheia, é apenas repetida, sem acentuação pessoal, pois após
sua leitura, a fala de Carol se aproxima mais da definição de Clarice.
A mobilização de vozes acadêmicas em práticas de letramento formativas,
mesmo sem apropriação do discurso do outro, contesta a crença comum de que o professor
não lê textos acadêmicos. Essa crença está presente, por exemplo, em Mourão (2012) que,
ao investigar a própria prática como formadora de professores em serviço, afirma que
textos profissionais – textos acadêmicos, teóricos ou relativos a resultados de pesquisa,
escritos por pesquisadores da educação e ciências afins e textos de caráter teórico-didático e
de divulgação científica direcionados especificamente a professores – não são selecionados
e lidos pelos professores:
a despeito de todos os argumentos em favor da leitura dos textos
profissionais, ela raramente se cumpre conforme as expectativas dos
formadores, criando tensões entre eles e os professores. Os formadores
reclamam que os professores não leem os textos propostos e, por
compreenderem essa atividade como constitutiva de sua proposta, se
perguntam por que resistem ao próprio processo de formação. Os
professores, por sua vez, reclamam dos textos propostos, alegando, muitas
vezes, que essas leituras, além de serem de difícil compreensão, não lhes
trazem contribuições para a atuação cotidiana em sala de aula
(MOURÃO, 2012, p. 8).
200
Mais do que essa oposição entre a leitura de textos profissionais e sua total
ausência, os nossos dados mostram que práticas de leitura acadêmica compõem a formação
do professor em seu local de trabalho como no evento aqui estudados. As professoras
responsáveis por conduzir a reunião trazem vozes acadêmicas para se autolegitimarem
como formadoras. Ou seja, a situação comunicativa gera a leitura e a mobilização de textos
acadêmicos, mesmo que permaneça como discurso de autoridade.
A questão é se e como a leitura de textos dos gêneros do discurso acadêmico
chegam aos professores. O que os dados mostram é que não corre a apropriação dos textos
acadêmicos e oficiais lidos, o que pode indicar a falta de diálogo efetivo entre universidade
e escola e entre Estado e escola.
A não apropriação se dá pelo fato de que os textos são escritos por
pesquisadores acadêmicos e têm como interlocutores outros pesquisadores acadêmicos,
formando uma cadeia enunciativa entre pares, como mostram os estudos de letramento
acadêmico (STREET; LEA, 1998, LILLIS; SCOTT, 2007). Assim, os “de fora” dessa
cadeia, incluindo os professores da escola básica, não os compreendam. Essa relação
assimétrica se baseia em uma “prática institucional do mistério” do letramento acadêmico,
como trata Lillis (2001), que é essencialmente monológica, no sentido bakhtiniano do
termo e, por isso, se configura como discurso de autoridade (BAKHTIN, 2003). Contudo,
mesmo um texto escrito, em tese, para o professor, como as Matrizes de Referência da
Prova Brasil, permanece alheio devido a problemas de textualidade e de adequação do texto
a seus objetivos e interlocutores.
Sem negar a importância da leitura de textos profissionais para a formação, é
preciso considerar que a supervalorização destas iniciativas de formação destituem os
professores como produtores de saberes sobre sua própria profissão e como capazes de
selecionar o que lhes interessa como “textos profissionais”.
No caso das HTPC-aula, imbricadas no cotidiano escolar, há total ausência de
textos acadêmicos. Os gêneros que aparecem, além dos relacionados à gestão, são aqueles
que podem se tornar objeto de ensino (como no caso do gênero resenha abordado pelas
professoras), ou que motivem o professor a agir nesse contexto (discurso de autoajuda). Em
entrevista, a professora Cristiane faz essa relação entre a leitura e discussão de um texto de
201
divulgação científica ou acadêmico e demandas mais urgentes do cotidiano escolar quando
questionada pela pesquisadora sobre as leituras em HTPC:
Excerto 40: Leitura em HTPC versus demandas imediatas. Entrevista com Cristiane.
4 C: então às vezes uma leitura que está fora do... não::: vai acrescentar em nada... você 5 pode trazer uma coisa linda mas ela não vai te ajudar ali então a gente chega “olha eu 6 preciso saber o que eu vou fazer com esse aluno”
Os problemas cotidianos, o contexto complexo que é uma escola ou uma sala de
aula, acabam direcionando a formação no local de trabalho para demandas mais imediatas.
Mesmo que a leitura sobre pesquisas relacionadas ao trabalho docente possa contribuir para
sua formação, a leitura de textos acadêmicos ou de divulgação científica não constitui a
formação do professor no local de trabalho no contexto das reuniões de HTPC-aula. A
busca pelo modo de fazer em sala de aula, por respostas para questões práticas, é
identificada por Mourão (2012) na leitura dos professores do que ela chamou de textos
profissionais:
ao lerem um texto teórico, uma proposta pedagógica ou um relato de
experiência, os professores colocavam-se sempre em uma mesma
perspectiva interacional: eles liam procurando por respostas para questões
práticas vividas na sala de aula, por modos de proceder. Em resumo:
esperavam sempre que essas leituras lhes trouxessem contribuições diretas
às suas práticas. No entanto, preocupações práticas nem sempre figuram
entre os objetivos estabelecidos pelos autores de textos acadêmicos e
teóricos, da mesma forma que nem sempre os professores estão entre os
leitores projetados pelos autores, quando da produção de seus textos (p.
15).
O problema que se desenha aqui é o mesmo embate em vários contextos de
formação de professores: a separação entre teoria e prática. Essa separação é reforçada
tanto pelas professoras, que, nas HTPCs-aula, não reconhecem nos textos acadêmicos
contribuições para sua prática cotidiana, como pelos acadêmicos, que mesmo atuando em
áreas afins à educação, não colocam preocupações da prática pedagógica como relevantes
em muitas de suas produções. Contudo, os conflitos entre as participantes, os
descontentamentos por elas demonstrados em suas reuniões na escola como também a
202
organização de uma autoformação por um grupo de docentes mostra que as próprias
professoras sentem necessidade de uma configuração para a HTPC que contribua de
maneira mais efetiva para sua formação e atuação.
203
Considerações Finais
Os caminhos possíveis para compreender a formação e a atuação docentes são
muitos, tendo em vista a complexidade dessa profissão e dos contextos a ela relacionados: a
escola, as secretarias de educação, as universidades e faculdades, as editoras de materiais
didáticos etc. Também são variadas as perspectivas teórico-metodológicas construídas na
área de pesquisa em formação do professor que podem ser adotadas para compreender
facetas da formação docente. Escolhi percorrer um caminho que começou na própria
escola, com um grupo de professoras de Ensino Fundamental I em suas reuniões semanais
em seu local de trabalho, desenvolvendo uma pesquisa de cunho etnográfico com base na
perspectiva sócio-cultural dos Estudos de Letramento, adotando uma perspectiva de usos da
língua como sempre sociais e dialógicos, como arena de combate entre palavras e contra-
palavras, baseada na concepção de linguagem do Círculo de Bakhtin. O caminho escolhido
me permitiu chegar a alguns lugares que retomo nessas considerações finais. Esses lugares
podem levar a outros caminhos a serem percorridos para contribuir para a formação
docente, para o fazer de formadores de professores e para o fortalecimento profissional do
professor.
O ponto de partida da pesquisa, seu principal objetivo, foi conhecer,
compreender e analisar práticas de letramento formativas da professora alfabetizadora em
seu local de trabalho, mais especificamente, nas reuniões de corpo docente. A escolha por
observar a HTPC obedeceu motivos como a minha própria participação como professora da
escola básica em reuniões de corpo docente, as indicações de pesquisas que apontam as
reuniões docentes e as secretarias municipais como espaços preponderantes de iniciativas
de formação continuada no Brasil (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2011, DAVIS ET.
AL., 2010) e as mudanças valorativas que parecem envolver essa prática. A conquista por
um momento de trabalho coletivo na escola foi fruto de uma luta da categoria docente e
envolveu uma discussão sobre a história e concepção de seu trabalho, que não se limita a
um “aulista”, como discutido no capítulo 1. Contudo, a função, a utilidade e a eficácia das
reuniões de corpo docente são hoje contestadas pelos professores de redes municipais e da
rede estadual de ensino.
204
A extensão das reuniões de corpo docente como parte da jornada de trabalho do
professor aparece em demandas de professores em greve na atualidade, o que mostra que,
apesar de contestarem aspectos da iniciativa, os professores querem mais tempo de trabalho
coletivo. Dessa forma, o problema parece ser o que se faz nesse espaço-tempo – tomado
por avisos e demandas da secretaria, por aberturas motivacionais e cobranças individuais. O
caráter realmente “coletivo” fica esquecido na maior parcela de tempo das reuniões
observadas na escola-campo dessa pesquisa. Apesar disso, as professoras participantes
desse estudo nos mostram que é possível construir um coletivo com o qual possam se
identificar em momentos efetivos para sua formação no local de trabalho.
Para compreender como as participantes construíam iniciativas de formação em
seu local de trabalho, voltei-me para os eventos de letramento formativos em HTPC,
descrevendo sua organização geral e suas estruturas de participação na interação (capítulo
4) e analisando as vozes sociais e discursos que os constituem (capítulo 5). Nos dois
enfoques, busquei as relações estabelecidas entre os participantes dos eventos, a agência
das professoras em sua própria formação e o jogo de forças entre esferas que atuam, de
alguma maneira, na formação e atuação docentes.
O conceito de esfera e a delimitação da HTPC como uma prática da esfera do
trabalho do professor foi um dos passos dados para compreender e analisar as práticas
formativas do contexto observado. Optei pela expressão “do trabalho do professor”, e não
“escolar”, para qualificar a esfera e os letramentos sob investigação. Isso se deu por dois
motivos: pelo fato de o conceito de esfera estar ligado a características discursivas, e não
físicas e espaciais, e pela maior precisão dada ao objeto investigado, já que os eventos de
letramento no espaço escolar são inúmeros e não poderiam ser todos considerados nesta
pesquisa. Essa opção não ignora que a esfera do trabalho do professor e os letramentos
envolvidos estão intimamente relacionados à esfera escolar e são dela inseparáveis. Tal
ligação é salientada pelo conceito de espaço de Milton Santos (2002), detalhado no capítulo
2 desta tese: formado por um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de
ações, reunindo a materialidade e a vida que a anima, o espaço influencia as ações dos
participantes. Ao ocorrer no espaço escolar, a HTPC interage com seus sistemas de objetos
e ações e é parte deles.
205
No campo (espaço) da pesquisa, dois tipos de reunião - ou eventos formativos -
foram se delineando: a reunião semanal na unidade escolar em que as professoras
trabalhavam, no contraturno de suas aulas; a reunião quinzenal, entre professoras de toda a
rede de ensino municipal atuantes no 5º ano, que ocorria nas dependências da Secretaria
Municipal de Educação ou em uma escola da rede. A análise dos dois tipos de evento
mostra que eles são organizados e construídos na interação de maneira bastante diversa.
Apesar de alguns dos sujeitos participantes dos dois eventos serem os mesmos (como a
coordenadora da escola observada e as professoras de 5º ano desta unidade), elas assumem
papéis diferentes nos dois tipos de eventos e constroem, conjuntamente aos outros
participantes, temas muito diferentes, que indicam considerações importantes para a
formação do professor e para formadores de professores. Uma delas diz respeito a maneiras
de promover a agência de professores em sua própria formação, em que elas próprias
selecionam o que é relevante, o que responde a suas demandas formativas.
As reuniões de HTPC semanais no contexto observado, denominadas neste
trabalho HTPC–aula, seguiam as regulamentações da CENP: sempre organizadas pela
coordenadora, com pautas que reuniam uma série de demandas de gestão da própria
unidade escolar e da Secretaria Municipal de Educação, como também de questões
relacionadas à formação docente. Esse tipo de evento é marcado por relações bastante
assimétricas entre as participantes, coordenadora e professoras. A grande maioria das
interações seguia o padrão IRA, próprio das aulas expositivas, que se baseia numa
concepção transmissiva de conhecimento. O tempo destinado aos pontos da pauta,
principalmente os avisos e demandas da Secretaria, e o próprio lugar e a função social da
coordenadora na interação eram questionados pelas professoras, que expressavam o
conflito pela não participação nas propostas da coordenadora, que se justificava e se
desculpava em vários momentos por ter de cumprir alguns pontos da pauta, geralmente os
de gestão. As restrições institucionais atuantes na HTPC-aula e a pulverização de objetivos
fazem com que não haja engajamento das professoras na reunião e nos momentos mais
relacionados à sua formação.
Nas reuniões entre professoras de 5º ano, as HTPC–oficina, o objetivo comum
– preparar seus alunos para as avaliações sistêmicas – e a alternância da responsabilidade
206
pela organização e realização dos eventos foram fatores que promoveram interações mais
simétricas entre as participantes. A diferença na forma dos enunciados, seu estilo e
estrutura composicional em termos bakhtinianos, tem implicações no tema construído. As
relações mais simétricas favorecem discussões concernentes ao fazer do professor e a
demandas formativas do grupo. Como as professoras têm oportunidade de contribuir
igualitariamente para o fluxo da interação, elas têm mais agência na construção de
conhecimentos que consideram relevantes para sua formação.
O interesse bastante específico desse grupo promoveu a alteração na estrutura
de participação, na natureza da formação promovida e nas aprendizagens desenvolvidas
pelo grupo. O mesmo ocorre quando algumas restrições institucionais da HTPC-aula são
suspensas (grupo menor, debatendo um único tópico de interesse coletivo): em poucos
momentos, as participantes constroem uma relação mais simétrica e as professoras agem
em sua própria formação, se construindo identitariamente de maneira mais fortalecida como
grupo profissional.
Os gêneros que compõem os dois tipos de evento observados em campo
também variam. Na HTPC- aula, pela diversidade de pontos da pauta e fragmentação da
reunião em objetivos variados e de natureza diferente, há uma maior variedade nos gêneros
que a compõem, o que reflete e refrata a dispersão desse tipo de evento. Quando as próprias
professoras organizam os eventos, tendo em vista somente sua própria formação, uma
menor variedade de gêneros é mobilizada e a seleção de gêneros, assim como suas funções
no evento são mais direcionadas às finalidades das participantes, como ocorre nas HTPC-
oficina. A seleção tem em vista, principalmente, o como fazer em sala de aula, o que
promove, em vários momentos, a encenação de aulas já dadas a seus alunos.
As encenações de aula se configuram, assim, como uma estratégia de formação
pelas participantes dessa pesquisa. Ao serem colocadas no lugar e na função de formadoras
de suas colegas, as professoras adotam a brincadeira, o jogo simbólico, que atualiza os
papéis de alunos e professores. Para isso, as professoras mobilizam saberes experienciais e
enxergam sua sala de aula por meio do jogo simbólico. O “faz-de-conta” também entra
como outro fator que contribui para relações simétricas na HTPC-oficina: quando as
207
relações e as sugestões do fazer pedagógico são levadas para o “faz-de-conta” e para o
lúdico, o poder é mais equitativamente distribuído.
A natureza dos saberes mobilizados, aqueles mais relacionados à prática, às
experiências docentes das participantes, também favorece a participação nas HTPC-
oficina, pois todas têm experiências a compartilhar. Saberes técnicos são também
mobilizados, mas sempre em função dos modos de fazer em sala de aula, presente em todas
as reuniões desse tipo. O diálogo com saberes disciplinares e curriculares ocorre,
principalmente com instâncias oficiais por meio de documentos parametrizadores das
avaliações sistêmicas.
O modelo de formação adotado na HTPC-oficina, que permitiu a constituição
de uma comunidade de aprendizagem, de compartilhamento de experiências e de dúvidas,
mostrou-se mais efetivo para a formação das participantes em comparação ao modelo
transmissivo da aula tradicional. O fato de estar num espaço do sistema escolar mais neutro
com um grupo formado por professoras de diferentes escolas reunidas em torno de uma
proposta semelhante, de um objetivo comum, sem uma coordenadora ou uma diretora com
poder para tomar o tempo com recados e demandas de gestão, faz com que a HTPC-oficina
envolva as participantes e possibilite sua agência em sua própria formação, sendo mais
produtiva.
Nas HTPC-oficina as professoras fazem dos encontros eventos formativos no
local de trabalho tendo em vista suas demandas profissionais, mais relacionados àquilo que
se espera de uma reunião de formação de professores. Esse tipo de evento em comparação
com a HTPC-aula também mostra como os avisos e solicitações burocráticas podem
prejudicar o tempo destinado à formação no local de trabalho do professor, o que tem
decorrências para pensarmos sobre políticas públicas e para as funções de coordenador e
diretor escolar. É preciso garantir que a HTPC seja um espaço-tempo formativo, criando
outros mecanismos para comunicados, avisos e solicitações de gestão.
De qualquer forma, nos dois casos, muitos dos eventos de formação analisados
são gerados pela necessidade de resolução de problemas emergentes da prática de sala de
aula e têm como principal meta aprender a ensinar. As participantes são muito criativas
para dar conta dessa necessidade, mobilizando esforços para desenvolver estratégias usando
208
suas potencialidades, imaginação, habilidades e experiências profissionais. E esses esforços
se dão em uma conjuntura social e histórica de desprestígio e desvalorização da profissão
docente, em uma escola com poucos recursos materiais e humanos e que concentra
inúmeros problemas sociais, ao mesmo tempo em que crescem as cobranças por uma
escolarização extensiva e de qualidade.
A necessidade de lidar com essa complexidade relacionada à sua profissão e os
esforços para fazê-lo são fatores que influenciam outra prática de formação do professor
bastante presente nas HTPCs, principalmente nas reuniões que adotam como modelo de
interação a aula: a leitura de textos do gênero de autoajuda. Chamado pelas próprias
professoras de “reflexão”, o momento de leitura desses textos ocorria na preparação para o
desenvolvimento do evento e, geralmente, não promovia debates. Sua configuração como
discurso autoritário e monologal tinha como resposta o silêncio. A função de motivar e
responsabilizar individualmente o professor condiz com a ideia de superação e com a
necessidade constante de criar estratégias para a formação e atuação docentes. A leitura de
autoajuda, a encenação de sala de aula, a discussão de trechos de documentos
parametrizadores são estratégias construídas pelas professoras para conseguir promover sua
própria formação em seu local de trabalho. A análise traz como resultado que a função da
autoajuda na formação do professor é a de dar sentido à docência, de construir alternativas
possíveis nos limites postos pela realidade onde realizam suas funções.
Os significados atribuídos pelas professoras aos eventos de letramento
formativos em sala de aula são de busca de sentido para a profissão e busca de maneiras de
fazer em sala de aula. Tais significados são coerentes tanto com a situação do trabalho
docente e da escola contemporânea como com a formação inicial oferecida,
majoritariamente realizada em instituições isoladas de pequeno porte, com cursos de apenas
três anos de duração, e com enfoque em disciplinas de fundamentos da educação e das
disciplinas escolares (GATTI, BARRETO, 2009), com pouco enfoque na prática
pedagógica.
Contudo, apesar de conseguirem formar um coletivo para se identificar e
conseguirem promover formação em seu local de trabalho, tanto o recurso ao faz-de-conta
da encenação como a de apelo a textos de autoajuda apresentam desvantagens, pois
209
dificultam a entrada da reflexão teórica e crítica sobre a prática docente, sobre a escola,
sobre os alunos. Isso ocorre porque o foco é mostrar como realizam atividades em sala de
aula e dar sentido à sua função, sem questionamentos sobre por que acontece dessa
maneira, por que não fazer de outra, por exemplo.
Textos de autoajuda dizem como agir, mesmo que de maneira geral, e fornecem
segurança ao afirmar, em um discurso construído como uma certeza incontestável, que tudo
dará certo se se acredita em si mesmo ou em uma força superior. A solidão e o isolamento
do professor em sala de aula encontram nesse gênero a sensação de segurança necessária
para agir. A autoajuda e o discurso religioso, também mobilizado nas práticas observadas,
procuram a estabilidade. Já o discurso acadêmico ou de divulgação científica costumam
desestabilizar.
Quando as próprias professoras organizam sua formação, elas mobilizam
diversas vozes, a depender da situação comunicativa, para se autolegitimarem e se
fortalecerem. Para a construção de conhecimentos, elas partem da troca de experiências
profissionais, mobilizando também vozes acadêmicas e oficiais em função da prática
pedagógica. Mas, nos casos observados, essas vozes são tomadas como discurso de
autoridade, são mantidas como palavras alheias, não são apropriadas pelas professoras a
ponto de contribuírem efetivamente para sua formação. Esse fato não é só explicado pela
presença de outros discursos e estratégias mais estabilizantes, como também pela
configuração dos gêneros acadêmicos e parametrizadores. Estes últimos pressupõem
conhecimento de uma rede de outros textos acadêmicos, como analisado na prática de
leitura das professoras de Matrizes de referência de uma avaliação externa (capítulo 5). Os
gêneros do discurso acadêmico, por sua vez, são escritos por pesquisadores acadêmicos e
têm como interlocutores outros pesquisadores acadêmicos, formando uma cadeia
enunciativa entre pares. Os professores da escola básica, de fora dessa cadeia, não os
compreendem.
Do ponto de vista dos sujeitos, a HTPC é formativa e contribui para sua
atuação. Contudo, as práticas não ocorrem sem resistências, descontentamentos e conflitos
revelados pela análise. Esses fatores mostram que, também do ponto de vista das
professoras, a HTPC pode ser mais bem aproveitada. Das iniciativas observadas, a
210
construção de um coletivo fortalecido, em que as professoras compartilham e
complementam experiências profissionais e encenam como fazer em sala de aula, aponta
para uma configuração que parece interessar às professoras e responde a demandas
formativas, principalmente relacionadas ao como ensinar.
A demanda pelo modelo de fazer nas práticas observadas não envolve reflexões
mais críticas sobre esse fazer, que possam clarear motivos pelos quais se ensina de uma
forma ou de outra e as implicações de diversos modos de ensinar e de selecionar conteúdos.
Tal espaço poderia ser ocupado por discussões realizadas na formação inicial e continuada
promovida pelas universidades. Para isso, é preciso reorientar objetivos dos cursos
oferecidos tendo em vista o letramento do professor, ou seja, o conjunto de conhecimentos
teóricos, didático-pedagógicos e socioculturais, e subjetivos, advindos de suas experiências
profissionais (KLEIMAN, SILVA, 2008). Essa interação entre diversos conhecimentos não
é simples nem automática e é nesse sentido que os cursos de formação de professores e os
formadores de professores podem contribuir: promover o debate, o encontro e o conflito
entre tais conhecimentos tendo em vista o letramento para e no local de trabalho do
professor.
A pesquisa mostrou que os professores, em sua formação no local de trabalho,
buscam um sentido para a docência e priorizam os modos de ensinar, desafios postos no dia
a dia escolar. Tendo em vista essas demandas, as pesquisas na área da formação do
professor e os cursos destinados a esses profissionais precisam estar atentos a possíveis
lacunas relacionadas à profissionalização docente (que leva à falta de sentido para a
docência) e à prática de sala de aula. Formadores de professores e instituições de Ensino
Superior podem promover mudanças nos currículos e instigar discussões que atendam a tais
demandas, ressignificando o que se pode fazer nas práticas de letramento formativas. Ao
invés de esgotar discussões sobre conceitos do campo da filosofia da educação, da
psicologia da educação ou da linguística, por exemplo, formações destinadas aos
professores poderiam selecionar conceitos teóricos relevantes dentro do conjunto de
conhecimentos (teóricos, didático-pedagógicos, socioculturais e experienciais) com o
objetivo de construir sentidos mais coletivos e profissionais para a docência e
instrumentalizar o professor para saber buscar o que e como ensinar a seus alunos.
211
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Anexos
Anexo 1 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa.
Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do
estudo, assine ao final deste documento. Uma via do documento ficará com você e a outra
com a pesquisadora. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Práticas de Letramento do Professor e Formação Continuada no local
de trabalho: o que nos dizem as professoras em reuniões de HTPC
Pesquisador Responsável: Paula Baracat De Grande
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (19) 98177-2828
O projeto de pesquisa “Práticas de Letramento do Professor e Formação Continuada
no local de trabalho: o que nos dizem as professoras em reuniões de HTPC” tem como
objetivo observar e entender as reuniões entre coordenação e corpo docente para investigar
a formação do professor que ocorre na escola, em seu local de trabalho. Pretende-se
acompanhar reuniões de HTPC e outras que ocorrerem e que tenham relação com a
formação profissional do professor durante todo um ano letivo, realizando gravações em
áudio e anotações em diário de campo, como também coleta documental.
Comprometo-me em preservar todos os nomes dos profissionais envolvidos na
pesquisa, como também não usar o nome da unidade escolar. Comprometo-me também em
divulgar o desenvolvimento e os resultados da pesquisa com todos os interessados da
comunidade escolar. Nenhum dado gerado na unidade escolar será utilizado como
avaliação do trabalho dos docentes ou da coordenação.
A pesquisa pretende contribuir para a formação do professor, principalmente no que
se refere aos cursos oferecidos pelas secretarias de ensino e universidade a partir do que
ocorre na escola.
Não há riscos aos participantes devido ao desenho da pesquisa, qualitativa-
interpretativista e etnográfica, sem qualquer intervenção. Como possíveis benefícios,
conhecer e compreender práticas e as demandas de um grupo de professores pode servir
para informar e repensar cursos de formação inicial ou continuada oferecidos na
universidade, como também indicar melhoras em políticas públicas para a formação do
professor em serviço. Para minimizar possíveis desconfortos e garantir a confidencialidade,
garanto aos participantes total sigilo em relação a nomes dos participantes, da unidade
escolar, da cidade em que esta se encontra. Serão usados pseudônimos.
228
Por fim, coloco-me a disposição dos participantes da pesquisa para maiores
esclarecimentos, como para contribuir com as reuniões de HTPC conforme for possível.
Reitero a garantia de sigilo e o direito de retirar o consentimento a qualquer tempo.
Esta pesquisa não terá nenhum ônus e também nenhum beneficio financeiro. Sua
participação é voluntária, ou seja, não é obrigatória e você poderá sair da pesquisa a
qualquer momento, sem nenhum prejuízo.
Todos os participantes terão uma cópia deste termo assinado, como previsto na
Resolução CNS/MS 196/96. Poderão ser solicitados, em qualquer momento,
esclarecimentos sobre a pesquisa e para isso, os pesquisadores poderão ser contatados pelo
telefone (19) 98177-2828. O Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp pelo telefone: (19)
3521-8936, poderá ser consultado em caso de denúncia, ou ainda pelo e-
mail: [email protected]. Segue endereço do Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp:
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126
Distrito de Barão Geraldo
Campinas – SP
CEP: 13083-887
Nome e Assinatura do pesquisador: ________________________________
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO
Eu, _____________________________________________________, RG no.
_________________________, abaixo assinado, concordo em participar do estudo
______________________________________________________________________,
como participante de pesquisa. Fui devidamente informado e esclarecido pelo pesquisador
_____________________________________ sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação.
Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto
leve a qualquer penalidade.
Local e data ___________________/________/________/__________/
Nome: ____________________________________
Assinatura do sujeito ou responsável: ____________________________________
229
Anexo 2: Parecer do Comitê de Ética da UNICAMP
230
231
232
233
Anexo 3 – Questionário formulado por Cláudia Lemos Vóvio, no contexto de sua pesquisa
de doutorado, e utilizado pelo grupo Letramento do Professor.
Projeto: Formação do professor em serviço: letramentos, gêneros discursivos e identidades
profissionais na escola
Pesquisadora: Paula Baracat De Grande
Telefone: (19) 8177-2828 e-mail: [email protected]
Identificação
Nome:__________________________________________________________
Telefone: _________________ e-mail:_______________________________
Data:___/____/___
Instruções para o preenchimento
• Primeiramente, folheie todo o questionário e veja como ele está organizado.
• A seguir, responda às questões, na ordem que você preferir, procurando responder a todas as
perguntas.
• Em cada pergunta, leia todas as alternativas e marque apenas uma alternativa de resposta, a não
ser que a pergunta indique “Pode assinalar mais de uma”.
• Circule o número correspondente à resposta escolhida.
Ressalto que as informações pessoais (nome, endereço etc.) não serão divulgadas. Peço que
preencham para posterior conversa sobre o questionário.
1. Sexo:
1. Masculino
2. Feminino
2. Qual a sua idade? ____ anos
3. Onde você nasceu?
1. Na cidade de: _______________________ 2. Estado: _______________________________
4. Em qual das seguintes cores ou raças você se incluiria?
1. Branca
2. Negra (Preta)
3. Parda
4. Amarela
5. Indígena
6. Nenhuma dessas. Qual? __________________
5. Qual o número de pessoas que vive em seu domicílio?
1. uma pessoa (vive sozinho (a))
2. duas pessoas
234
3. três pessoas
4. quatro pessoas
5. cinco pessoas
6. mais de cinco pessoas
6. Assinale o grau de instrução do/da chefe de sua família?
1. Analfabeto/Primário incompleto
2. Primário completo/Ginasial incompleto
3. Ginasial completo/Colegial incompleto
4. Colegial completo/Superior incompleto
5. Superior completo
7. Assinale quais dos serviços ou bens abaixo você tem seu domicílio e a quantidade:
0 1 2 3 4 5 6 ou +
TV em cores
Vídeo cassete ou DVD
Rádio
Banheiro
Automóvel
Empregada mensalista
Aspirador de pó
Máquina de lavar
Geladeira
Freezer (independente ou parte da geladeira duplex)
8. Qual a renda familiar bruta no mês passado? R$_________________ (renda familiar bruta
é a soma de todos os rendimentos sem descontos recebidos pelas pessoas que vivem em seu
domicílio)
9. Qual o seu estado civil?
1. Solteiro (a)
2. Casado (a), mora com companheiro (a)
3. Separado (a), divorciado (a), viúvo (a)
10. Se na sua casa moram crianças com idade entre 4 e 14 anos, você costuma ajudar alguma
destas crianças nas tarefas escolares que realizam em casa?
1. Não moro com crianças nessa faixa etária
2. Sempre ajudo
3. De vez em quando
4. Raramente
5. Nunca ajudo
11. Em seu dia-a-dia, quais dessas atividades você costuma fazer?(Pode assinalar mais de
uma)
1. Consulto catálogo telefônico
2. Consulto guia de rua
3. Faço listas de coisas que preciso fazer
4. Uso agenda para marcar compromissos
5. Deixo bilhetes com recados para alguém de casa
235
6. Escrevo cartas para amigos ou familiares
7. Leio cartas de amigos ou familiares
8. Leio correspondência impressa que chega em casa
9. Faço listas de compras
10. Procuro ofertas ou promoções em folhetos e jornais
11. Verifico a data de vencimento dos produtos que compro
12. Comparo preços entre produtos antes de comprar
13. Faço compras a prazo com crediário
14. Pago contas em bancos ou casas lotéricas
15. Faço depósitos ou saques em caixas eletrônicos
16. Leio manuais para instalar aparelhos domésticos
17. Reclamo por escrito sobre produtos ou serviços que adquiri
18. Leio bulas de remédios
19. Copio ou anoto receitas
20. Copio ou anoto letras de música
21. Escrevo histórias, poesias ou letras de música (de sua autoria)
22. Escrevo diário pessoal
23. Leio em voz alta para crianças (filhos, netos) que moram comigo
24. Leio e escrevo e-mails.
25. Consulto sites na internet.
12. Quando precisa lembrar-se de compromissos, contas a pagar e receber ou atividades
familiares, o que você costuma fazer? (Pode assinalar mais de uma)
1. Memorizo
2. Tomo notas em folhas soltas
3. Uso agenda
4. Marco em folhinhas ou calendários
5. Anoto em programas de computador
6. Uso outros meios para lembrar. Quais? ________________________
7. Não preciso me lembrar de compromissos.
13. Quais destes materiais há em sua casa? (Pode assinalar mais de uma)
1. Álbuns de fotografia
2. Bíblia ou livros religiosos
3. Cartilhas, carta do ABC ou livros escolares
4. Livros ou Folhetos de Literatura de cordel
5. Dicionário
6. Enciclopédias
7. Folhetos, apostilas ou livretos de movimentos sociais, de partidos políticos ou grupos religiosos
8. Folhinha, calendários
9. Guias de rua e serviços
10. Catálogos e lista telefônica
11. Jornais
12. Livros de receitas
13. Livros de literatura
14. Livros didáticos ou apostilas escolares
15. Livros infantis
16. Livros técnicos ou especializados
17. Livros de autoajuda
236
18. Manuais de instrução
19. Revistas
20. Outros. Quais? __________________________________________________________
21. Não tenho nenhum desses materiais
14. Na sua opinião, a forma como você lê e escreve ajuda ou atrapalha em suas atividades
domésticas?
1. Ajuda muito
2. Ajuda um pouco
3. Nem ajuda nem atrapalha
4. Atrapalha um pouco
5. Atrapalha muito
15. Qual o nível de escolaridade completo mais alto de seu pai, ou responsável do sexo
masculino que o criou?
1. Analfabeto
2. Sabe ler e escrever mas não cursou a escola
3. Primário incompleto (1a até a 3a série)
4. Primário completo (4a série)
5. Ginásio incompleto (5a até a 7a série)
6. Ginásio completo (8a série)
7. Ensino Médio ou 2o grau incompleto (1a e 2a série)
8. Ensino Médio ou 2o grau completo (3a série)
9. Ensino Superior incompleto
10. Ensino Superior Completo
11. Pós-graduação (lato sensu, especialização, mestrado ou doutorado)
12. Não sei.
16. Qual é (ou foi) a ocupação profissional principal do seu pai ou responsável do sexo
masculino?
_____________________________________________________________________________
17. Qual o nível de escolaridade completo mais alto de sua mãe, ou responsável do sexo
feminino que o criou?
1. Analfabeta
2. Sabe ler e escrever mas não cursou a escola
3. Primário incompleto (1a até a 3a série)
4. Primário completo (4a série)
5. Ginásio incompleto (5a até a 7a série)
6. Ginásio completo (8a série)
7. Ensino Médio ou 2o grau incompleto (1a e 2a série)
8. Ensino Médio ou 2o grau completo (3a série)
9. Ensino Superior incompleto
10. Ensino Superior Completo
11. Pós-graduação (lato sensu, especialização, mestrado ou doutorado)
12. Não sei
18. Qual é (ou foi) a ocupação profissional principal da sua mãe ou responsável do sexo
feminino?
237
_____________________________________________________________________________
19. Quantas pessoas moravam com você, durante sua infância?
1. duas pessoas
2. três pessoas
3. quatro pessoas
4. cinco pessoas
5. mais de cinco pessoas
20. Dessas pessoas, quais sabiam ler e escrever ou frequentavam a escola?
________________________________________________________________________
21. Quando você era criança, costumava ver seus pais ou responsáveis fazendo alguma dessas
atividades? (Pode assinalar mais de uma)
1. Lendo revistas
2. Lendo jornais
3. Lendo folhetos
4. Lendo livros
5. Lendo ou escrevendo cartas
6. Lendo ou escrevendo receitas
7. Lendo ou escrevendo tarefas do trabalho
8. Ensinando ou acompanhando as crianças em tarefas escolares
9. Lendo cartilhas, carta do ABC ou livros escolares
11. Não me lembro de vê-los fazendo essas atividades
22. Quando você era criança, costumava ver seus irmãos ou outras crianças que moravam
com você fazendo alguma dessas atividades? (Pode assinalar mais de uma)
1. Lendo revistas
2. Lendo jornais
3. Lendo folhetos
4. Lendo livros
5. Lendo ou escrevendo cartas
6. Lendo ou escrevendo receitas
7. Lendo ou escrevendo tarefas do trabalho
8. Fazendo tarefas escolares
9. Lendo cartilhas, carta do ABC ou livros escolares
11. Não me lembro de vê-los fazendo essas atividades.
23. Na casa onde você passou a sua infância havia algum destes materiais? (Pode assinalar
mais de uma)
1. Álbuns de fotografia
2. Bíblia ou livros religiosos
3. Cartilhas, carta do ABC ou livros escolares
4. Literatura de cordel
5. Dicionário
6. Enciclopédias
7. Folhetos, apostilas ou livretos de movimentos sociais, de partidos políticos ou grupos religiosos
8. Folhinha, calendários
9. Guias de rua e serviços
238
10. Catálogos e listas telefônica
11. Jornais
12. Livros de receitas
13. Livros de literatura
14. Livros didáticos ou apostilas escolares
15. Livros infantis
16. Livros técnicos ou especializados
17. Manuais de instrução
18. Revistas
19. Outros. Quais? __________________________________________________________
20. Não tinha nenhum desses materiais
24. Você acha que, quando você era criança, seu pai (ou responsável do sexo masculino):
1. Não sabia ler
2. Lia com grande dificuldade
3. Lia com alguma dificuldade
4. Não tinha nenhuma dificuldade para ler
25. Você acha que, quando você era criança, sua mãe (ou responsável do sexo feminino):
1. Não sabia ler
2. Lia com grande dificuldade
3. Lia com alguma dificuldade
4. Não tinha nenhuma dificuldade para ler
26. Você costuma ler jornais?
1. Não costumo ler jornal (Pule para a pergunta 29)
2. Costumo ler todos os dias
3. Costumo ler algumas vezes por semana
4. Costumo ler uma vez por semana
5. Leio de vez em quando
27. Habitualmente, como você obtém o(s) jornal(is) que lê? (Pode assinalar mais de uma)
1. Compro o jornal
2. Tenho assinatura pessoal
3. Está disponível em minha casa
4. Está disponível no trabalho, escola/faculdade ou outro lugar público
5. Empresto de colegas ou amigos
6. Ganho brinde ou exemplar de cortesia
7. Consulto a internet
8. Obtenho de outras formas. Quais? __________________________________________________
28. Você costuma ler revistas?
1. Não costumo ler revista (Pule para pergunta 41)
2. Leio todos os dias.
3. Leio algumas vezes por semana.
4. Leio uma vez por semana.
5. Leio eventualmente/De vez em quando.
29. Habitualmente, como você obtém a(s) revista(s) que lê?
239
1. Compro a revista
2. Tenho assinatura pessoal
3. Está disponível em minha casa
4. Está disponível no trabalho, escola/faculdade ou outro lugar público
5. Empresto de colegas ou amigos
6. Ganho brinde ou exemplar de cortesia
7. Consulto a internet
8. Obtenho de outras formas. Quais? __________________________________________________
30. Qual ou quais dos tipos abaixo de revistas você costuma ler?
1. De informação semanal (Veja, Época, Isto É)
2. Fofocas e novelas (Caras, Contigo, Amiga)
3. Femininas (Cláudia, Nova, Marie Claire)
4. De culinária, corte e costura, tricô e crochê ou artesanato
5. Especializadas (saúde, informática, esportes, viagem)
6. De religião
8. Quadrinhos, gibi, humor
9. De música
10. Infantis
11. Educacionais (destinadas a professores e profissionais da educação como Nova Escola)
12. Outras. Quais? _________________________________________________________
31. Você costuma ler livros?
1. Não costumo ler livros
2. Leio menos de um livro por ano
3. Leio um ou dois livros por ano
4. Leio de três a seis livros por ano
5. Leio um livro por mês
6. Leio dois livros por mês
7. Leio mais de dois livros por mês
32. Dos livros que já leu, você lembra de alguns de que tenha gostado muito ou que tenham
sido marcantes? Escreva o título do livro e do autor, se você lembrar, caso contrário pule para
a próxima pergunta.
Título do livro Nome do autor
1.
2.
3.
4.
5.
33. Você conhece autores de literatura que considera bons ou importantes? Se lembrar,
escreva os nomes abaixo, caso contrário pule para a próxima pergunta.
34. Normalmente, quem indica os livros que você lê? (Pode assinalar mais de uma)
1. Um professor ou professora, como leitura obrigatória de um curso.
2. Um professor ou professora, apenas como sugestão.
240
3. Meu pai
4. Minha mãe
5. Meus Irmãos
6. Meus Avós ou tios
7. Meus Amigos
8. Padre ou pastor da minha religião
9. Outras professoras, colegas de trabalho.
10. Outras pessoas com quem convivo. Qual (is)?_____________________________________
11. Não sigo indicações, faço escolhas sozinho(a).
35. Você costuma conversar sobre os livros que lê? (Pode assinalar mais de uma)
1. Não costumo conversar sobre livros que leio
2. Sim, converso com meus pais ou parentes ou pessoas que vivem comigo
3. Sim, converso com professores ou colegas de trabalho
4. Sim, com amigos ou namorado(a)
5. Sim, com colegas de trabalho, do grupo ou associação que tomo parte ou da religião que sou
adepto
36. Onde você costuma ler livros? (Pode assinalar mais de uma)
1. No local onde trabalho
2. Na escola ou faculdade onde estudo
3. Em casa
4. No transporte (ônibus, lotação, automóvel)
5. Em uma biblioteca pública
5. Em organizações comunitárias, associações, clubes ou entidades religiosas
6. Em outro lugar. Qual (is)? _____________________________________
37. Você costuma realizar leituras para seu trabalho? Se sim, que leituras você realiza?
1. Literatura infantil.
2. Jornais e revistas relacionadas à educação
3. Artigos, ensaios e livros da área da educação ou relacionados.
4. Textos em geral de sites da internet relacionados à educação.
5. Livros religiosos.
6. Livros de autoajuda.
7. Materiais didáticos.
8. Outros. Qual(ais)?____________________________________________
38. Você poderia citar um (ou mais) livro(s) ou material(is) que tenha lido para fins
profissionais? Se lembrar do autor, colocar o nome.
39. Habitualmente, como você obtém o(s) livro(s) que lê? (Pode assinalar mais de uma)
1. Compro
2. Tenho em minha casa
3. Tenho disponível no trabalho
4. Tenho disponível na escola/faculdade
5. Empresto de colegas ou amigos
241
6. Pego emprestado de amigos
7. Pego emprestado de pessoas que participam do mesmo grupo ou associação
8. Pego emprestado de biblioteca
9. Ganho brinde ou exemplar de cortesia
10. Obtenho de outras formas. Quais? _______________________________________________
40. Você gosta de ler?
1. Não gosto (pule para a pergunta 43)
2. Gosto muito
3. Gosto mais ou menos
41. Quem você acha que mais influenciou seu gosto pela leitura? (Escolha até duas opções)
1. Meu pai ou responsável do sexo masculino
2. Minha mãe ou responsável do sexo feminino
3. Um parente
4. Um professor
5. Um amigo
6. Um colega ou superior no trabalho
7. Um Padre/pastor ou líder religioso
8. Um colega ou líder comunitário ou líder sindical
9. Outra pessoa. Quem? _________________________________________________________
10. Adquiri o gosto pela leitura sozinho.
42. Você costuma utilizar computador?
1. Nunca uso. (Pule para a pergunta 45)
2. Sim, todos os dias da semana.
3. Sim, quase todos os dias da semana.
4. Sim, um ou dois dias por semana.
5. Sim, de vez em quando.
43. Em qual destes locais você costuma usar computador com mais frequência? (Escolha até
duas opções)
1. Em casa.
2. Na escola.
3. No trabalho.
4. Em centros comunitários
5. Em locais públicos (bibliotecas, telecentros etc.)
6. Em locais privados (cybercafés, agências de correio etc.)
7. Na casa de amigos ou parentes
8. Em outro local. Qual? ____________________________________________________
44. No computador, o que você costuma fazer? (Pode assinalar mais de uma)
1. Escrevo relatórios e outros textos
2. Escrevo trabalhos escolares
3. Organizo agendas ou lista de tarefas
4. Digito dados ou informações
5. Elaboro planilhas ou monto bancos de dados
6. Consulto e pesquiso
7. Montar páginas ou fazer programas de computador
242
8. Faço cursos à distância
9. Pago contas e movimento contas bancárias
10. Envio e recebo e-mails
11. Compro pela Internet
12. Jogo ou desenho
13. Navego por diversos sites
14. Copio músicas em CD ou arquivo eletrônico
15. Entro em sites de bate-papo e discussão
16. Preparo aulas.
17. Outras. Qual(is)? _______________________________________________________________
45. Indique com que frequência você:
1 Frequentemente, 2 Às vezes, 3 Raramente, 4 Nunca
54a.Vai ao cinema 1 2 3 4
54b. Vai ao teatro 1 2 3 4
54c. Assiste a shows de música ou dança 1 2 3 4
54d. Ouve noticiário no rádio 1 2 3 4
54e. Ouve outros programas no rádio 1 2 3 4
54f. Assiste a vídeos e DVD em casa 1 2 3 4
54g. Assiste noticiário na TV 1 2 3 4
54h. Assiste filmes na TV 1 2 3 4
54i. Assiste outros programas na TV 1 2 3 4
54j. Vai a museus ou exposições de arte 1 2 3 4
46. Você frequentou creche ou pré-escola?
1. Sim
2. Não
47. Com que idade você iniciou a primeira série do ensino fundamental
(primário)?_______________
48. Você alguma vez interrompeu os estudos por mais de três meses e retomou depois?
1. Não
2. Sim, apenas uma vez
3. Sim, mais de uma vez
4. Não lembro
49. A maior parte de seus estudos da Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio) você
fez:
1. Em escolas públicas
2. Em escolas particulares
50. Você alguma vez estudou em cursos supletivos?
1. Sim. Quais séries? _________________________________________________________
2. Não.
51. Você está participando ou participou de cursos pré-vestibulares?
1. Sim, em um curso privado
2. Sim, em um curso organizado por universidades ou universitários
243
3. Sim, em um curso organizado por associações de moradores ou organizações comunitárias
4. Não.
52. Você costuma ler para estudar ou para aprender alguma coisa?
1. Sim.
2. Não. (Pule para pergunta 55)
53. Quando você lê para estudar, o que você costuma fazer?(Assinale até três opções)
1. Escrevo comentários nas margens do texto
2. Sublinho partes do texto
3. Anoto as ideias mais importantes
4. Copio partes do texto
5. Faço resumos
6. Faço esquemas com as idéias principais do texto
7. Faço outras atividades. Quais? ____________________________________________________
8. Não faço nada.
54. Quais dos tipos de texto abaixo você costuma ler para estudar? (Assinale até três opções)
1. Livros didáticos
2. Livros técnicos, teóricos ou ensaios
3. Livros de literatura
4. Jornais
5. Revistas
6. Dicionários ou manuais de gramática
7. Enciclopédias
8. Apostilas
9. Textos ou exercícios em folhas avulsas
10. Matérias, esquemas, textos ou exercícios no caderno
11. Folhetos
12. Livros de autoajuda
13. Textos em geral encontrados em sites da internet.
14. Outros. Quais? _____________________________________________________________
15. Nenhum destes
55. Você já fez algum curso além da escolarização formal (técnico, formação continuada etc.)?
1. Não
2. Sim. Indique quais e a duração:
Curso Duração
56. Indique quais dos cursos abaixo você completou ou está cursando:
1 Completei; 2 Estou cursando; 3 Não fiz
70a. Normal ou Magistério (2º Grau) 1 2 3
70b. Normal Superior 1 2 3
70c. Licenciatura em Pedagogia 1 2 3
70d. Bacharelado em Pedagogia 1 2 3
70e. Licenciatura em outras áreas 1 2 3
70f. Outro curso superior voltado à educação
70g. Pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado)
244
57. Se fez ou está fazendo curso superior, foi em instituição:
1. pública.
2. privada.
58. Quais das tarefas abaixo você costuma ou costumava fazer no seu trabalho? (Pode
assinalar mais de uma)
1. Coordeno e supervisiono o trabalho de outras pessoas
2. Atendo o público
3. Participo em reuniões para planejar ou avaliar o trabalho
4. Participo em treinamentos e cursos
5. Participo em congressos ou feiras
6. Pesquiso, estudo e busco de informações
7. Dou palestras, cursos, oficinas ou aulas
8. Participo em eventos culturais
9. Faço reuniões com empresas, instituições, associações etc.
10. Outras. Quais? _____________________________________________________________
11. Não faço ou não fazia nenhuma dessas atividades
59. Na sua opinião, a forma como você lê e escreve ajuda ou atrapalha em suas atividades
profissionais?
1. Ajuda muito
2. Ajuda um pouco
3. Nem ajuda nem atrapalha
4. Atrapalha um pouco
5. Atrapalha muito
60. Você participa ou já participou de quais destas associações ou organizações? (Pode
assinalar mais de uma)
1. Não participo ou já participei (Pule para a pergunta 93)
2. Partido político
3. Clube ou grupo esportivo
4. Grupos de música, grafite, dança, teatro etc.
5. Sociedade de amigos de bairro
6. Cooperativa
7. Sindicato
8. Igreja ou grupo religioso
9. Grêmio estudantil
10. Outro tipo. Qual? ______________________________________________________________
61. Qual a sua religião?
1. Não pratico nenhuma religião (Entregue o questionário)
2. Sou católica
3. Sou protestante
4. Sou adepto de religiões afro-brasileiras (Candomblé, Umbanda etc.)
5. Sou espírita
6. Sou adepto de religiões pentecostais
7. Outra: ________________________
8. Não quero declarar
245
62. Com que frequência você costuma ir a cultos, missas ou reuniões religiosas?
1. Duas vezes por semana
2. Uma vez por semana
3. Duas vezes por mês
4. Uma vez por mês
5. De vez em quando
6. Não freqüento cultas, missas ou reuniões religiosas
63. Nas atividades religiosas de que participa, o que você costuma fazer? (Pode assinalar mais
de uma)
1. Sigo folheto ou livro na missa ou culto
2. Leio folhetos ou textos em voz alta durante a missa ou culto
3. Leio a Bíblia, livros sagrados ou religiosos
4. Leio apostilas ou folhetos para estudo sobre religião
5. Escrevo algo para atividades da minha religião
6. Dou palestras ou dar testemunhos
7. Dou aulas ou cursos de religião
8. Participo de grupos de estudo, de leitura de textos religiosos ou de discussão de temas religiosos
9. Participo de jornadas religiosas
10. Participo de congressos, encontros, assembléias etc.
11. Canto no coro ou em grupos durante os cultos
12. Faço sermões
13. Toco instrumentos e participo de bandas
14. Organizo festas e eventos
15. Aconselho membros da comunidade religiosa
16. Faço outras atividades. Quais? ___________________________________________________
246
247
Anexo 4 – Exemplos de textos utilizados em HTPC
4.1 Fábula “A Borboleta Azul”
248
249
4.2 Canção “Tente Outra Vez” de Raul Seixas
Veja!
Não diga que a canção
Está perdida
Tenha fé em Deus
Tenha fé na vida
Tente outra vez!
Beba! (Beba!)
Pois a água viva
Ainda tá na fonte
(Tente outra vez!)
Você tem dois pés
Para cruzar a ponte
Nada acabou!
Não! Não! Não!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Tente!
Levante sua mão sedenta
E recomece a andar
Não pense
Que a cabeça aguenta
Se você parar
Não! Não! Não!
Não! Não! Não!
Há uma voz que canta
Uma voz que dança
Uma voz que gira
(Gira!)
Bailando no ar
Uh! Uh! Uh!
Queira! (Queira!)
Basta ser sincero
E desejar profundo
Você será capaz
De sacudir o mundo
Vai!
Tente outra vez!
Humrum!
Tente! (Tente!)
E não diga
Que a vitória está perdida
Se é de batalhas
Que se vive a vida
250
Han!
Tente outra vez!
251
4.3 Escola dos bichos91
Era uma vez um grupo de animais que quis fazer alguma coisa para resolver os problemas do mundo.
Para isto, eles organizaram uma escola.
A escola dos bichos estabeleceu um currículo de matérias que incluía correr, subir em árvores, em
montanhas, nadar e voar.
Para facilitar as coisas, ficou decidido que todos os animais fariam todas as matérias.
O pato se deu muito bem em natação; até melhor que o professor !
Mas quase não passou de ano na aula de voo, e estava indo muito mal na corrida. Por causa de suas
deficiências, ele precisou deixar um pouco de lado a natação e ter aulas extras de corrida.
Isto fez com que seus pés de pato ficassem muito doloridos, e o pato já não era mais tão bom nadador como
antes.
Mas estava passando de ano, e este aspecto de sua formação não estava preocupando a ninguém
- exceto, claro, ao pato.O coelho era de longe o melhor corredor, no princípio, mas começou a ter tremores
nas pernas de tanto tentar aprender natação.
O esquilo era excelente em subida de árvore, mas enfrentava problemas constantes na aula de vôo, porque o
professor insistia que ele precisava decolar do solo, e não de cima de um galho alto.
Com tanto esforço, ele tinha câimbras constantes, e foi apenas "regular" em alpinismo, e fraco em corrida.
A águia insistia em causar problemas, por mais que a punissem por desrespeito à autoridade.
Nas provas de subida de árvore era invencível, mas insistia sempre em chegar lá da sua maneira...
Na natação deixou muito a desejar... Cada criatura tem capacidades e habilidades próprias, coisas que faz
naturalmente bem.
Mas quando alguém o força a ocupar uma posição que não lhe serve, o sentimento de frustração e até culpa,
provoca mediocridade e derrota total.
Um esquilo é um esquilo; nada mais do que um esquilo.
Se insistirmos em afastá-lo daquilo que ele faz bem, ou seja, subir em árvores, para que ele seja um bom
nadador ou um bom corredor, o esquilo vai se sentir um incapaz.
A águia faz uma bela figura no céu, mas é ridícula numa corrida a pé.
No chão, o coelho ganha sempre. A não ser, é claro, que a águia esteja com fome !
O que dizemos das criaturas da floresta vale para qualquer pessoa.
Deus não nos fez iguais. Ele nunca quis que fôssemos iguais.
Foi Ele quem planejou e projetou as nossas diferenças, nossas capacidades especiais !
Descubra seus dons naturais...
91 O autor é Rubem Alves. A informação foi omitida na cópia entregue em HTPC.
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4.4. Artigo de autoajuda
Vá além dos seus Limites
Você já parou para pensar quais são os seus limites? O que é que você pode ou não realizar
na sua vida, independentemente do setor, seja ele profissional, pessoal, financeiro, familiar?
Onde aprendemos o que é ou não possível fazer?
Normalmente aprendemos isso na nossa educação familiar, escolar e profissional. Além
disso, no decorrer da nossa vida isso também acontece em relação às pessoas com as quais
convivemos, respeitamos e admiramos. Isso com certeza ajuda a cada um de nós a melhorar
nossa capacidade de interação com as pessoas em geral, pois a grande maioria continua
definindo seus limites baseados nisso. Porém, você já parou para pensar que só existe uma
pessoa como você? Podem existir pessoas parecidas, talvez assustadoramente iguais, mas
não são iguais. A sua existência é única. Você é único. A estrada da sua vida é sua e de mais
ninguém. É resultado de suas escolhas, experiências e aprendizagem e daquilo em que você
acredita ou não.
Acontece exatamente dessa forma, como você percebe e se relaciona com mundo em que
vive é fruto de como você vê o mundo e você vê o mundo baseado naquilo que acredita sobre
ele. Imagine a seguinte situação: Você foi apresentado a um problema no seu trabalho. Se
você pensar que não é capaz de resolvê-lo, não será capaz de resolvê-lo realmente. Vou
explicar: quando você determina para a sua mente um comando, ela naturalmente busca
como realizar a tarefa. Se a primeira informação que ela recebe é de que você não é capaz de
fazer isso, sua criatividade se fecha, pois, afinal, não vai adiantar nada, não dá pra fazer
mesmo e suas sensações físicas tendem a ser de desconforto, irritação e até de mau humor.
Emoções limitadoras são ativadas reforçando sua incapacidade realizar aquela atividade,
projeto ou mesmo uma meta de produção. E com todo o seu corpo e mente jogando contra,
vai ser muito difícil ganhar esse jogo. Dessa forma, utilizamos todo o grande potencial
humano para não realizar as tarefas, ou resolver problemas e, assim, passamos a ter mais um
problema, pois começamos a acreditar que não somos bons o suficiente. A sua auto-estima
começa a ser comprometida, seu grau de certeza em relação à vida fica abalado. Você pode
se perguntar se acontece tudo isso apenas por causa de um problema que pensou não ser
capaz de realizar. Sim, em segundos isso ocorre, e cada vez mais você vai ter menor
capacidade de resolver problemas, atingir objetivos e realizar metas.
Olhe ao seu lado, entre as pessoas com quem você convive. Quanto mais problemas essa
pessoa é capaz de resolver, normalmente ela é mais bem remunerada, seu trabalho é
necessário, seu poder de decisão tende a crescer. Isso ocorre porque essa pessoa acredita que
é capaz de fazer aquilo a que se propõe. Cada vez mais coisas que antes pareciam ser
improváveis, de serem realizadas, serão realizadas. Situações adversas serão resolvidas por
quem acredita ser capaz de realizar e busca os recursos necessários para isso. Talvez você
seja assim, talvez não, mas o fantástico é que você pode mudar isso se quiser. Sim, se você
acreditar que pode, da mesma forma sua mente começará a trabalhar para viabilizar aquilo
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que você deseja. Opções começarão a aparecer, você perceberá mais claramente o que tem de
aprender para realizar aquilo que deseja, pois o alicerce já foi formado. Você acreditou no
seu poder de superação e realização.
Henry Ford, o criador da Ford e das linhas de produção, no início do século passado já nos
dizia: “se você pensa que pode, ou se você pensa que não pode, não importa. De qualquer
forma você está certo”.
Agora, nesse exato momento que você está lendo este artigo, você pode ir além dos seus
limites. Convido você a tomar uma decisão: Vou fazer desse dia um grande dia! Vou
escolher emoções positivas que me permitam aprimorar as minhas habilidades empresariais,
comerciais, de relacionamento com clientes e colegas de trabalho para que eu seja capaz de
realizar mais do que estou normalmente acostumado a realizar. Dessa forma, você começa a
expandir o seu padrão de comportamento. Que emoções são essas? Alegria, entusiasmo, bom
humor, positividade (otimismo) são alguns exemplos. Associe a isso determinação,
coragem, comprometimento, amor e a disposição de continuar crescendo e se superando
e descobrirá como você é capaz de ir além dos seus limites.
Dr. Joseraldo Furlan - 16/06/04
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4.5 Trecho de texto acadêmico
“...o desafio é criar na escola um ambiente em que as crianças precisem aprender para resolver
problemas que lhes são colocados, para que possam produzir conhecimento em lugar de consumi-
lo. Assim, a autoridade intelectual do professor não pode ser usada para impor suas ideias, mas
para gerar boas questões, para criar pontes entre os conhecimentos elaborados pelas crianças e
os saberes socialmente válidos..”.
Délia Lerner92
92 O trecho lido não consta informações da publicação.
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4.6 Anedota
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4.7 Conto de fadas
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4.8 Fábula
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4.9 Trecho de livro de autoajuda
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4.10 Trecho das Matrizes de referência, temas, tópicos e descritores. 2009. Páginas 19
a 23.
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