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Entendendo Gêneros Textuais Denise Moura de Oliveira (resumo do texto: “Gêneros textuais no ensino e na língua” – Marcuschi) Nos últimos anos no Brasil, tem-se discutido muito sobre o uso de gêneros textuais na escola. Diferentes correntes linguísticas contemporâneas que influenciam o ensino da Língua Portuguesa apresentam o uso de gêneros textuais como uma ferramenta de interação social. Por se tratar de um assunto atual, existem hoje trabalhos de diversos autores brasileiros como, Rojo, Marcuschi, Cristovão, Bonini, Meurer entre outros que exploram e esclarecem o tema. A intenção destes autores é informar, oferecer fonte de leitura e auxiliar o professor em sua formação orientando, assim, o ensino da Língua Portuguesa centrado em gêneros textuais. GÊNEROS NA HISTÓRIA Apesar de aparentemente atual este tema, já existe há mais de vinte e cinco séculos. Como menciona Marcuschi em seu livro Produção textual, análise de gêneros e compreensão, hoje existe uma nova visão sobre gêneros, mas Platão inicia este estudo, firma-se com Aristóteles passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, Renascimento e Modernidade até início do século XX. O termo gênero foi emprestado da literatura poética e retórica com Platão e Aristóteles. Mas atualmente ao utilizarmos a palavra gêneros estamos referindo a qualquer tipo de discurso escrito ou falado podendo ser literário ou não. Aristóteles procura sistematizar os estudo de gêneros e sobre análise do discurso ao apresentar elementos que estruturam a retórica. Para ele, o discurso seria composto por três elementos: 1. aquele que fala;

Gêneros textuais

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Entendendo Gêneros Textuais

Denise Moura de Oliveira

(resumo do texto: “Gêneros textuais no ensino e na língua” – Marcuschi)

Nos últimos anos no Brasil, tem-se discutido muito sobre o uso de gêneros textuais na

escola. Diferentes correntes linguísticas contemporâneas que influenciam o ensino da Língua

Portuguesa apresentam o uso de gêneros textuais como uma ferramenta de interação social. Por

se tratar de um assunto atual, existem hoje trabalhos de diversos autores brasileiros como, Rojo,

Marcuschi, Cristovão, Bonini, Meurer entre outros que exploram e esclarecem o tema. A intenção

destes autores é informar, oferecer fonte de leitura e auxiliar o professor em sua formação

orientando, assim, o ensino da Língua Portuguesa centrado em gêneros textuais.

GÊNEROS NA HISTÓRIA

Apesar de aparentemente atual este tema, já existe há mais de vinte e cinco séculos.

Como menciona Marcuschi em seu livro Produção textual, análise de gêneros e compreensão,

hoje existe uma nova visão sobre gêneros, mas Platão inicia este estudo, firma-se com Aristóteles

passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, Renascimento e Modernidade até início do

século XX. O termo gênero foi emprestado da literatura poética e retórica com Platão e

Aristóteles. Mas atualmente ao utilizarmos a palavra gêneros estamos referindo a qualquer tipo

de discurso escrito ou falado podendo ser literário ou não.

Aristóteles procura sistematizar os estudo de gêneros e sobre análise do discurso ao

apresentar elementos que estruturam a retórica. Para ele, o discurso seria composto por três

elementos:

1. aquele que fala;

2. aquilo sobre o que se fala;

3. aquele a quem se fala.

No início do século XX, Bakhtin apresenta a teoria da enunciação e de gêneros textuais e

empresta esta estrutura de Aristóteles ampliando o estudo sobre o discurso. Para Bakhtin, a

minha fala nunca é minha, falo para quem está ouvindo. Portanto, o estudo de gêneros trata a

respeito da análise do texto, do discurso e do uso língua numa situação de comunicação. Os

gêneros são um instrumento de ação social e cultural, pois fazem parte integrante da estrutura

comunicativa de uma sociedade.

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USOS SOCIAIS DOS GÊNEROS TEXTUAIS

A nossa comunicação está inserida numa sociedade estruturada. As necessidades

comunicativas que surgem numa sociedade são um fato social. Segundo Marcuschi (p.150), um

fato social é aquilo em que as pessoas acreditam e passam a tomar como se fosse verdade,

agindo de acordo com essa crença. Os gêneros emergem neste contexto. O gênero é

socialmente convencionado para atender a determinada situação de fala, ou seja, utilizo um tipo

de discurso que seja próprio para determinado momento ou situação. Este discurso apresenta

características e estruturas específicas para atender determinado propósito. Por isso, todos os

gêneros têm uma forma e uma função, um estilo e um conteúdo, mas o que principalmente

determina um gênero é a sua função. Isto é, a forma é subordinada a função. Bhatia, reforça este

argumento ao afirmar que o uso é provavelmente um dos fatores mais relevantes para dar conta

de sua popularidade atual. Em suma, apesar de todo gênero textual assumir uma forma ou

estrutura, mais importante que isto é a finalidade do gênero.

Ao estudarmos gêneros verificamos que contribuem para ordenar e estabilizar as atividades

comunicativas do dia a dia. Como a sociedade em que vivemos não é estanque, os gêneros

textuais e discursivos também não se compõem de uma estrutura rígida e nem enrijecedora da

ação criativa. Ao contrário disto, podemos ver os gêneros como elementos dinâmicos cuja

demarcação e limites são flexíveis. Por possuírem esta característica, o estudo de gêneros

textuais é um campo fértil para a interdisciplinaridade. Áreas como a sociologia, linguística,

etnografia, antropologia, entre outras fazem uso dos gêneros textuais para análise e estudo.

DELIMITAÇÃO

Para compreendermos a abrangência do que são gêneros textuais e discursivos e sua

utilização no contexto sociocultural, Meurer define:

Gêneros textuais são tipos específicos de texto de qualquer natureza, literários ou não. Tanto na forma oral como na escrita, os gêneros textuais são caracterizados por funções específicas e organização retórica mais ou menos típica. São reconhecíveis pelas características funcionais e organizacionais que exibem e pelos contextos onde são utilizados. Gêneros textuais são formas de interação, reprodução e possível alteração social que constituem, ao mesmo tempo, processos e ações sociais e envolvem questões de acesso (quem usa quais textos) e poder.(MEURER, 2000,p.150)

O estudo de gêneros discursivos iniciada por Bakhtin e alimentada pela teoria

socioconstrutivista de Vigotsky ofereceu uma abertura para uma abordagem educativa de língua

materna desenvolvida pelos pesquisadores de Genebra, Dolz e Schneuwly apoiando-se no

interacionismo sociodiscursivo de Bronckart. Esta é uma perspectiva do estudo de gêneros que

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interessa aos professores de Língua Portuguesa, pois os estudos de Bakhtin oferecem apenas

uma base teórica. Portanto, entre tantas perspectivas teóricas em curso no Brasil citadas por

Marcuschi, destacaria especialmente duas que considero interessantes para o estudo da

linguagem no âmbito do Ensino Fundamental nível 1:

a) Perspectiva interacionista e sociodiscursiva de caráter psicolingüístico e atenção didática voltada para a língua materna (Bronckart, Dolz, Schneuwly): com vinculação psicológica (influências de Bakhtin e Vygotsky estão preocupados em particular com o ensino dos gêneros na língua materna. Preocupação maior com o ensino fundamental e tanto com a oralidade como a escrita. A perspectiva geral é de caráter psicolingüístico ligado ao sociointeracionismo.

b) Perspectiva sociorretórica/sócio-histórica e cultural (C. Miller, Bezerman, Freedman): escola americana influenciada por Bakhtin, mas em especial pelps antropólogos, sociólogos e etnógrafos, preo cupada-se com a organização social e as relações de poder que os gêneros encapsulam. Tem uma visão histórica de gêneros e os toma como altamente vinculados com as instituições que os produzem. A atenção não se volta para o ensino e sim para a compreensão do funcionamento social e histórico, bem como sua relação com o poder. (Marcuschi, 2008)

USOS E FUNÇÕES

Uma das teses levantadas no estudo de gêneros é a de que, sempre que nos

comunicamos, usamos um gênero verbal. Quando dominamos um gênero textual, não

dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos

específicos em situações sociais particulares. Portanto, para viver em uma sociedade letrada é

imperial que o sujeito se aproprie dos gêneros para prática do ato comunicativo.

O indivíduo em sua prática diária utiliza consciente ou inconscientemente o gênero. Para

cada situação o gênero possui uma função e forma específicas; como por exemplo: uma receita é

para preparar um prato culinário, um bilhete, uso para comunicar algo a alguém, um classificado

no jornal é para venda ou compra de algum item. Cada um desses apresenta uma forma peculiar

que deve ser observada pelo locutor visto estar em uma sociedade que já organizou e estruturou

o estilo de cada gênero. Reafirmando esta idéia, Marcuschi (2008,p.161) comenta:

Os gêneros são atividades discursivas socialmente estabilizadas que se prestam aos mais variados tipos de controle social e até mesmo ao exercício do poder. Pode-se, pois dizer que os gêneros textuais são nossa forma de inserção, ação e controle social no dia-a-dia.

Este controle pode cercear o desenvolvimento da linguagem e também organizam os atos

comunicativos. Isto é, os gêneros surgem ou são criados a partir de uma necessidade social.

Para Marcuschi, uma sociedade é caracterizada por estar em constante mudança e como os

gêneros textuais fazem parte desta sociedade possuem um caráter flexível e maleável. Portanto

para este autor, os gêneros orientam a prática discursiva numa sociedade, mas não são

deterministas.

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Para Bakhtin, os gêneros têm uma estrutura relativamente estável e passível de interpretação.

“Desde que nos constituímos como seres sociais, nos achamos envolvidos numa máquina

sociodiscursiva. E um dos instrumentos mais poderosos dessa máquina são os gêneros textuais,

sendo que de seu domínio e manipulação depende boa parte da forma de nossa inserção social e

de nosso poder social.” Marcuschi(2008,p162)

Por esta característica flexível do uso dos gêneros analisaremos a questão da

intergenericidade e intertextualidade. Quando um gênero se mistura a outro assumindo uma

nova função e forma, podemos dizer que existe uma intergenecidade acontecendo. Observamos

isto em alguns rótulos, por exemplo. Um rótulo têm uma função de dar informações específicas

ao consumidor: nome do produto, fabricante, valor nutricional, etc. Mas muitas vezes podemos

encontrar uma receita inserida na embalagem. Então classificamos da seguinte forma:

Gênero híbrido – mistura de gêneros;

Gêneros intercalado – um gênero aparece dentro de outro maior que se intercalam e se

relacionam;

Intergênero – gênero com uma função dentro de outra forma.

SUPORTE

Neste momento é importante destacarmos a questão do suporte para podermos classificar o

gênero. O suporte ajuda a identificarmos o gênero. Como define Baltar professor da UCS, os

suportes textuais são espaços físicos e materiais onde estão grafados os gêneros textuais, como

por exemplo, o livro, o jornal, o computador, o folder, o manual de instrução, a folha da bula de

remédio, etc.

Então podemos dizer:

Propaganda (gênero) outdoor (suporte)

Receita (gênero) livro de receita (suporte)

GÊNEROS ORAIS

Comentaremos sobre os gêneros textuais orais, pois muitas vezes não são claros em

nossa prática educativa, talvez por existirem poucos estudos sobre este tipo de gênero. O gênero

oral é uma prática cotidiana dos falantes que apóiam-se em características gerais e situações

rotineiras para identificá-lo. Tudo indica que existe um saber social comum pelo qual os falantes

se orientam em suas decisões acerca do gênero de texto que estão produzindo ou que devem

produzir em cada contexto comunicativo. (Marcuschi, p. 187)

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O gênero oral possui uma característica intuitiva porque o falante age através de

observações das falas do seu cotidiano. Os falantes de um idioma criam as estruturas orais

necessárias à comunicação com seus pares. Dependendo do momento comunicativo em que

estamos, usamos um ou outro estilo de gênero pertinente aquela situação de interação.

Historicamente são constituídos pela prática e pelo tempo, características específicas que

oferecem ao interlocutor informações que o prepararão para receber a mensagem em

determinada situação, por exemplo:

Ao telefone - “Alô, quem fala?

Uma receita – coloque 3 colheres de .... acrescente....

Isto mostra que os gêneros são padrões comunicativos socialmente constituídos. Numa

sociedade mais desenvolvida onde a prática da escrita é utilizada como registro, gêneros orais

como gritos de guerra, cantos medicinais são praticamente desconhecidos. Muito da oralidade do

nosso cotidiano também pode fazer parte da nossa cultura e usos sociais, também.

GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA

Atualmente a escola está preocupada em atender a necessidade vigente de utilizar uma

variedade de gêneros textuais como um recurso didático. Os PCNs abordam a importância deste

recurso como apoio ao professor em sala de aula e listam algumas sugestões de gêneros a

serem explorados pela escola.

Schneuwly compreende o gênero textual como uma ferramenta, isto é, como um instrumento

que possibilita exercer uma ação linguística sobre a realidade. Para ele, o uso de uma

ferramenta resulta em dois efeitos diferentes de aprendizagem: desenvolve as capacidades

individuais do usuário; amplia seus conhecimentos a respeito do objeto sobre o qual a ferramenta

é utilizada.

Assim, no plano da linguagem, o ensino dos diversos gêneros que socialmente circulam entre

nós, além de ampliar sobremaneira a competência linguística e discursiva dos alunos, aponta-

lhes inúmeras formas de participação social que eles, como cidadãos, podem estar fazendo uso

da linguagem. O uso dos gêneros discursivos em sala de aula prepara o aluno não somente

para eventuais práticas linguísticas, mas também amplia sua compreensão da realidade,

apontando-lhe formas concretas de participação social como cidadão.

O quadro abaixo apresenta uma distribuição dos gêneros textuais organizada por Dolz e

Schneuwly com o objetivo de direcionar o trabalho do professor em sala de aula.

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Domínio sociais de comunicaçãoASPECTOS TIPOLÓGICOS

Capacidade de linguagem dominantesExemplos de gêneros orais e escritos

1. Cultura literária ficcional:

NARRAR – mimeses da ação através da criação de intriga no domínio do verossímil

Conto maravilhosoConto de fadasFábulaNarrativa de aventuraNarrativa de ficção científicaNarrativa de enigmaNarrativa míticaSketch ou história engraçadaBiografia romanceadaRomanceRomance históricoNovela fantásticaContoCrônica literáriaAdivinhaPiada

2. Documento e memorização das ações humanas:

RELATAR – representação pelo discurso de experiências vividas, situação no tempo.

Relato de experiência vividaRelato de viagemDiário íntimoTestemunhoAnedota ou casoAutobiografiaCurrículo vitaeNotíciaReportagem Crônica socialCrônica esportivaHistóricoRelato históricoEnsaio ou perfil biográficoBiografia

3. Discussão de problemas sociais controversos:

ARGUMENTAR – sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição

Texto de opiniãoDiálogo argumentativoCarta de leitorCarta de reclamaçãoDeliberação informalDebate regradoAssembléiaDiscurso de defesaDiscurso de acusaçãoResenha crítica Artigos de opinião ou assinadosEditorialEnsaio

4. Transmissão e construção de saberes:

EXPOR – apresentação textual de diferentes formas de saberes

Texto expositivo (em livro didático) Exposição oralSeminárioConferênciaComunicação oralPalestraEntrevista de especialistaVerbeteArtigo enciclopédico

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Texto explicativoTomada de notasResumo de textos expositivos ou explicativosResenhaRelatório científicoRelatório oral de experiência

5. Instruções e prescrições:

DESCREVER ações – regulação mútua de comportamentos

Instruções de montagemReceitaRegulamentoRegras de jogoInstruções de usoComandos diversosTextos prescritivos

Fonte: Joaquim Dolz, Michele Noverraz e Bernard Schneuwly (2004: 121).

Referência bibliográfica

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. SP: Parábola Ed., 2008.

SCHNEUWLY. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:Mercado das letras,2004

http://hermes.ucs.br/cchc/dele/ucs-produtore/pages/sobregeneros.htm - acessado em 19/1/09