12
  GÊNEROS TEXTUAIS E LETRAMENTO CRÍTICO NAS PROPOSTAS DE PRODUÇÃO ESCRITA NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA Katia Bruginski Mulik (UFPR) 1  Introdução A utilização de livros didáticos (doravante LD) como suporte para o ensino e aprendizagem é uma prática comum entre os educadores em seus mais variados contextos educacionais. Assim como o livro é facilitador na organização do trabalho do  professor, auxilia o aluno a aprofundar seu conh ecimento sobre os assuntos trabalha dos, a esclarecer dúvidas quando necessário, a realizar suas lições e etc. De acordo com  Nicolaides e Tílio (2011a) o LD poder ser uma excelente ferramenta que auxilia não só no desenvolvimento da autonomia do educando, mas também da criticidade, se esses forem desejáveis por parte do aluno, já que não basta um material adequado se os ideais dos agentes do processo de ensino-aprendizagem não estiverem em consonância com a  proposta do mesmo. Os autores ainda advogam que “a autonomia não deve estar limitada ao plano individual, mas voltada sempre para o social de forma que o aprendiz esteja consciente de seu papel sócio histórico no grupo ao qual está inserido” (NICOLAIDES e TÍLIO, 2011b, p. 290). O Programa Nacional do Livro Didático (doravante PNLD) apesar de existir há mais de dez anos, apenas em 2011 integra livros de língua estrangeira moderna para o ensino médio e fundamental reconhecendo a importância da língua estrangeira moderna (LEM) como componente curricular da educação básica. O LD de LEM, de acordo com o PNLD (2011, p. 12-13), deve promover a formação de  “cidadãos críticos e reflexivos, 1  Mestranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Paraná na linha de pesquisa em  Ensino, aquisição e aprendizagem de línguas estrangeiras  com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); integrante do grupo de pesquisa  Identidade e leitura – CNPQ/UFPR coordenado pela prof.ª ª Clarissa Menezes Jordão; professora de língua inglesa na rede pública estadual – SEED-P R. Contato: [email protected]

generos textuais e letramento critico

Embed Size (px)

DESCRIPTION

generos textuais e letramento critico

Citation preview

  • GNEROS TEXTUAIS E LETRAMENTO CRTICO NAS PROPOSTAS DE

    PRODUO ESCRITA NO LIVRO DIDTICO DE LNGUA INGLESA

    Katia Bruginski Mulik (UFPR) 1

    Introduo

    A utilizao de livros didticos (doravante LD) como suporte para o ensino e

    aprendizagem uma prtica comum entre os educadores em seus mais variados

    contextos educacionais. Assim como o livro facilitador na organizao do trabalho do

    professor, auxilia o aluno a aprofundar seu conhecimento sobre os assuntos trabalhados,

    a esclarecer dvidas quando necessrio, a realizar suas lies e etc. De acordo com

    Nicolaides e Tlio (2011a) o LD poder ser uma excelente ferramenta que auxilia no s

    no desenvolvimento da autonomia do educando, mas tambm da criticidade, se esses

    forem desejveis por parte do aluno, j que no basta um material adequado se os ideais

    dos agentes do processo de ensino-aprendizagem no estiverem em consonncia com a

    proposta do mesmo. Os autores ainda advogam que a autonomia no deve estar

    limitada ao plano individual, mas voltada sempre para o social de forma que o aprendiz

    esteja consciente de seu papel scio histrico no grupo ao qual est inserido

    (NICOLAIDES e TLIO, 2011b, p. 290).

    O Programa Nacional do Livro Didtico (doravante PNLD) apesar de existir h

    mais de dez anos, apenas em 2011 integra livros de lngua estrangeira moderna para o

    ensino mdio e fundamental reconhecendo a importncia da lngua estrangeira moderna

    (LEM) como componente curricular da educao bsica. O LD de LEM, de acordo com

    o PNLD (2011, p. 12-13), deve promover a formao de cidados crticos e reflexivos,

    1 Mestranda em Estudos Lingusticos pela Universidade Federal do Paran na linha de pesquisa em Ensino, aquisio e aprendizagem de lnguas estrangeiras com bolsa da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES); integrante do grupo de pesquisa Identidade e leitura CNPQ/UFPR coordenado pela prof. Clarissa Menezes Jordo; professora de lngua inglesa na rede pblica estadual SEED-PR. Contato: [email protected]

  • desprovidos de preconceitos, capazes de respeitar a si mesmos e a outros, a sua prpria

    cultura e as dos outros, partindo de experincias crticas e reflexivas com a lngua

    estrangeira.

    O LD, assim como qualquer outro material didtico, precisa levar em

    considerao os pressupostos tericos que atendem as exigncias atuais para o ensino

    discutidas nas mais variadas pesquisas, congressos e simpsios de lingustica aplicada e

    ensino de lnguas elencando pressupostos tericos apresentados nos documentos oficiais

    tais como os PCNs e as DCEs, buscando estar em consonncia com os objetivos

    educacionais propostos para a educao bsica brasileira.

    Tendo isso em vista, o propsito deste artigo consiste na discusso e anlise das

    propostas de produo escrita do LD Keep in mind (trinio 2011-2013) verificando se

    estas propostas atendem aos pressupostos do ensino por letramento crtico e se

    procuram desenvolver no educando o despertar para a produo de gneros textuais

    compatveis com as possibilidades de uso dos alunos. Um dos fatores que motivou a

    escolha do livro para esta anlise deu-se pelo fato de que o mesmo integra o

    PNLD/2011 o que o torna comum como material de apoio em diversas escolas pblicas

    brasileiras. Alm disso, o referido LD utilizado pela autora deste artigo em suas aulas

    de lngua inglesa ministradas em uma escola pblica da rede estadual do Paran. Outro

    aspecto que chamou a ateno e despertou interesse foi em relao a crticas em parecer

    tcnico que a prpria Secretaria Estadual de Educao (SEED- PR) fez ao referido livro

    e que sero discutidas ao longo do texto. Como aporte terico deste estudo

    imprescindvel o tratamento de questes relacionadas ao conceito de gneros textuais,

    produo escrita na escola e letramento crtico que sero discutidos nos pressupostos

    tericos seguidos da seo de apresentao da obra, da anlise e das consideraes

    finais.

    Gneros textuais, produo escrita e o PNLD de lngua estrangeira

    Segundo Marcuschi (2008) os estudos que enfatizam a questo dos gneros

    textuais no novo, e nas palavras do autor est na moda. O autor explica que no

    Ocidente estes estudos j tm pelo menos vinte e cinco sculos e que se considerarmos

  • observaes sistemticas estas iniciaram com a tradio potica de Plato e a tradio

    retrica de Aristteles. Marcuschi (2008, p. 149) afirma que a anlise dos gneros

    textuais engloba uma anlise do texto e do discurso e uma descrio da lngua e viso

    da sociedade, e ainda tenta responder a questes de natureza sociocultural no uso da

    lngua de maneira geral. A compreenso dos gneros se relaciona com o trato da lngua

    utilizada cotidianamente nas suas diversas formas que so materializadas em gneros

    orais e escritos.

    Os gneros textuais possuem formatos prprios que, embora sejam plsticos, ou

    seja, mutveis ao longo do tempo e das transformaes socioculturais, so produzidos

    de maneira bem similar por diferentes usurios. Isso se explica pelo fato de cada gnero

    possuir um propsito comunicacional previamente definido e dessa forma seus usurios

    utilizam-se de estratgias convencias para atingir estes propsitos. Este propsito alm

    de definir o formato dos textos determina tambm sua esfera de circulao, ou seja, o(s)

    domnio(s) atuante(s) desse texto, quem sero seus leitores, onde estaro esses leitores e

    em que suporte tecnolgico esse texto ser fixado. Cada gnero tem uma funo e uma

    forma, mas a determinao se d muito mais em relao funo comunicacional do

    que da forma. O trabalho com gneros textuais nas aulas de LE promove uma maior

    conscincia lingustica nos aprendizes alm de promover usos reais da lngua.

    Koch e Elias (2007) apontam que o estudo da classificao e levantamento dos

    gneros textuais existentes de forma estanque no pode ser feito devido prpria

    dinamicidade dos mesmos, pois sendo prticas sciocomunicativas sofrem variaes

    constantes em sua composio/constituio. As autoras argumentam que o

    desenvolvimento da competncia metagenrica o que possibilita a interao dos

    indivduos nas diversas prticas sociais. Tal competncia possibilita a produo e a

    compreenso de gneros textuais, e at mesmo que os denominemos (KOCH e ELIS,

    2007, p. 102).

    Em relao produo escrita, o PNLD (2011) apresenta alguns critrios que

    devem ser levados em considerao no que diz respeito escolha de um LD adequado

    neste quesito:

    - Produo escrita encarada como processo interativo;

    - Envolvimento de diferentes gneros textuais;

  • - Abordagem de caractersticas scio-discursivas dos gneros, explicitao do

    contexto e condies de produo: interlocutores e suporte de veiculao;

    - Tomada de regras que regem o funcionamento lingustico: ortografia, morfologia,

    semntica, sintaxe, estilstica, retrica e etc;

    - O trabalho recorre a utilizao de mecanismos de coeso e coerncia inteligveis e

    adequados ao contexto;

    - Oportuniza a reflexo das etapas do processo de produo por parte do aluno.

    Letramento crtico em lngua estrangeira

    H uma relao estreita entre o ensino por meio do letramento crtico e a

    utilizao de gneros textuais no ensino. O LC concebe lngua como discurso, ou seja,

    como prtica social e assim o texto visto como uma construo discursiva scio e

    historicamente situada. Assim o texto no tem valorao de sentido em si mesmo, fora

    das condies em que foi produzido dependendo totalmente do propsito

    comunicacional, da intencionalidade e dos participantes envolvidos (interlocutores).

    Souza (2011, p. 288) ao definir linguagem coloca que sua construo social e

    cultural, [...] nunca abstrata, descontextualizada, [...] nunca a mesma para toda a

    nao, todo um mundo, todo um cosmos [...], a escrita uma atividade de construo

    social de significados.

    A efetivao de prticas de letramento em sala de aula implica no trabalho com

    leitura de textos que faam sentido aos sujeitos aprendizes, tal conceito de texto no se

    restringe ao verbal falado ou escrito, mas tambm ao imagtico, sonoro, oral, visual e ao

    hipertexto. Diante da prpria concepo de texto, a concepo de leitura tambm se

    expande como um processo interpretativo. Como proposta educacional o letramento

    expande a ideia de leitura crtica da palavra para leitura crtica do mundo. No h

    mundo sem palavras e nem palavras sem mundo, assim as palavras so capazes de

    construir mundos (EDMUDO, 2010).

    Consoante a Souza (2011) o fenmeno da globalizao traz consigo o desafio do

    enfretamento das diferenas e de situaes de conflito, assim cabe aos professores

    preparar aprendizes para confrontos com diferenas de toda espcie [...] que pode ser

  • alcanado atravs do letramento crtico (SOUZA, 2011 no paginado). O letramento

    crtico prope que as verdades e os valores so atrelados as comunidades e as suas

    histrias. O enfretamento de situaes de conflito pede o aprendizado da escuta, ou seja,

    escutar o outro e aprender a escutar a si mesmo ouvindo o outro e as implicaes desses

    processos.

    Em relao ao processo de leitura e como este entendido na perspectiva do

    letramento crtico, Souza (2011 no paginado) advoga que o processo de ler

    criticamente envolve aprender a escutar no apenas o texto e as palavras que o leitor

    estiver lendo, mas tambm [...] aprender a escutar as prprias leituras de textos e

    palavras. Dentro dessa tica, cabe ao aluno percepo de como o autor produziu

    determinados significados no texto, os quais tm origem em um contexto especfico, e

    como esse contexto se torna integrado ao contexto em que o texto foi lido e aos

    significados que foram construdos nessa leitura. Nessa trama, tanto o autor quando o

    leitor produtor de significado os quais so feitos por meio da linguagem. Tais

    significados e valores tem sua gnese nas comunidades em que os sujeitos pertencem.

    Para Shor (1997) o letramento crtico questiona a construo social de si mesmo,

    assim, o sujeito letrado criticamente, examina o seu desenvolvimento no mundo, bem

    como seu posicionamento subjetivo que d sentido e o faz agir no mundo. O

    conhecimento nessa perspectiva parcial e incompleto ao passo que construdo dentro

    de culturas, experincias e contextos. Alm disso, o letramento crtico no se refere a

    noo dominante do certo e do errado (ANDREOTTI, 2008), mas d possibilidade de

    construo e transformao do conhecimento e dos modos de agir e de pensar o mundo.

    Apresentao de obra

    O livro Keep in mind possui quatro volumes (do 6 ao 9 ano do ensino

    fundamental). Para a anlise, neste artigo optou-se por trabalhar com o volume do 9

    ano, em razo da prpria apresentao dos volumes na Assessoria Pedaggica da

    coleo. Os autores entendem que a produo textual em lngua inglesa e lngua

    materna depende de conhecimentos relativos organizao textual e a construo

    apropriada de sentenas e contedo, ou seja, so poucos gneros textuais que podem ser

  • elaborados com to pouco conhecimento vocabular e organizacional. Tendo isso em

    vista, os autores preferem fornecer esses subsdios aos alunos ao longo do ensino

    fundamental e por isso, preconizam, nos primeiros volumes, atividades de escrita que se

    limitam a produo de frases ou preenchimento de informaes adotando o que eles

    chamam de desenvolvimento de micro-habilidades da escrita (micro-skills for writing).

    Assim, apenas no vol. do 9 ano que a produo de gneros textuais encarada e

    exigida efetivamente: no 9 ano que se concretiza por completo a noo de produo

    escrita como processo (process writing), como uma prtica intensiva por parte dos

    alunos no qual se refere organizao textual (CHIN e ZAOROB, 2009, p. 41).

    Em parecer tcnico destinado aos professores de LEM com relao escolha dos

    LD, a SEED-PR afirmou que ambas as colees direcionadas ao ensino fundamental

    no eram condizentes com as propostas e a concepo de lngua defendida nas

    Diretrizes Curriculares Estaduais LEM:

    As duas colees, Keep in Mind e English for teens links no apresentam aproximaes com as orientaes contidas nas Diretrizes Curriculares de lngua Estrangeira Moderna do Estado do Paran, ou seja, no concebem a lngua como discurso, como prtica social. No contemplam as prticas discursivas - oralidade, escrita e leitura - e o trabalho com a lngua se estabelece, to somente, com o desenvolvimento das habilidades de ler, escrever, falar e ouvir. Nas abordagens de anlise da lngua no h reflexo quanto s escolhas lingustico-discursivas feitas para compor os textos, nem sobre a importncia destas escolhas para a compreenso do texto e da estrutura da lngua alvo (PARAN, 2010 - online).

    Realmente a concepo de lngua que a coleo Keep in mind adota no a

    mesma proposta pelas DCE-LEM. Na Assessoria Pedaggica da coleo posto que os

    autores trabalham com a lngua como sistema e como prtica scio discursiva assim

    defendido que:

    os alunos dificilmente conseguiro se engajar em atos discursivos em ingls sem se apropriar de fundamentos bsicos dessa lngua, inversamente, de nada lhes servir aprender o ingls sem desenvolver a competncia discursiva necessria para interagir com os outros por meio dele. Com efeito, se a lngua a base sobre a qual se constri o discurso, o processo discursivo o meio pelo qual se realiza o

  • potencial significador da lngua, ou seja, o meio pelo qual se produz sentido com ela (CHIN e ZAOROB, 2009, p. 8).

    Embora a coleo apresente uma viso de lngua um pouco distinta do que as

    DCE-LEM propem notvel que a sugesto de propostas que enfatizam a elaborao

    de gneros textuais se materializa nas atividades de produo escrita. Com isso, a

    anlise desse artigo se justifica em razo da possibilidade de investigar a natureza

    desses gneros sugeridos, bem como se estes possibilitam prticas de letramento

    levando em considerao os alunos usurios desse LD.

    Anlise e discusso dos dados

    A anlise das propostas de produo escrita no LD Keep in mind deu-se com

    base em alguns princpios norteadores que regem a produo de um gnero textual tais

    como: indicao do gnero, tratamento de um possvel destinatrio propsitos

    comunicacionais e orientaes especficas de elaborao. Alm desses princpios

    discute-se se as prticas textuais sugeridas condizem com a proposta do ensino por

    letramento crtico.

    O volume escolhido para anlise composto por 12 unidades sendo que cada

    uma delas trabalha com atividades de lintening, speaking, reading e writing. Como j

    foi dito anteriormente, sero focalizados nesse artigo os aspectos relacionados s

    atividades de escrita, mais especificamente as propostas de produo. Para isso,

    selecionou-se trs propostas da seo Lets write do livro em questo buscando verificar

    os aspectos supramencionados.

    A primeira proposta sugere a produo de uma biografia (short biography), o

    tema apropriado pelo fato de que nas duas unidades anteriores so trabalhados

    aspectos relacionados aos verbos no passado e a organizao de fatos nesse tempo

    verbal. A proposta se divide em trs etapas. Inicialmente sugerida aos alunos a escrita

    de uma biografia de um de seus antepassados (av, av, bisav ou bisav). Na primeira

    etapa propem-se a coleta de informaes sobre os eventos da vida da pessoa escolhida

    a serem preenchidas em uma tabela tambm fornecida no exerccio. Na segunda etapa

  • sugerido que os alunos faam a escrita da biografia tendo como base as informaes

    completadas anteriormente. Por fim, na terceira etapa, sugerida a discusso do texto

    com os colegas e a leitura do mesmo fazendo comparaes e a reflexo sobre a vida no

    futuro.

    Diante disso, possvel verificar que a proposta considera a escrita como

    processo, pois sugere a coleta de dados iniciais antes da produo. Alm disso, focaliza

    um gnero textual definido que possui leitores reais (os colegas da classe). No entanto,

    no so informadas as caractersticas desse gnero nem mesmo retomadas, no caso de j

    terem sido trabalhas anteriormente. Tambm no informada a extenso que esse texto

    deve ter (quantidade de linhas possveis para a produo), j que delimitada como uma

    short biography, os aspectos que devem ser mencionados no texto, nem mesmo o tipo

    de linguagem que pode/ deve ser adotada, ou seja, no sugerido um momento de

    reflexo do prprio uso da linguagem. Como essas orientaes no so postas para os

    alunos, provavelmente a efetivao da produo ser composta de frases isoladas feitas

    na pr-escrita, pois o aluno no ter base sobre como compor sua produo se no

    houver auxlio e sugestes de como faz-lo. Pode-se dizer que as lacunas de reflexo

    quanto ao uso da linguagem e o posicionamento do aluno enquanto produtor de textos e

    construtor de significados empobrece a produo sugerida e desfavorece ao aluno a

    adoo de um posicionamento crtico e letrado.

    A segunda proposta escolhida para anlise sugere o trabalho com o gnero

    recado (telefone message). Nesta proposta os alunos precisam ouvir alguns recados

    deixados na secretaria eletrnica e posteriormente escolherem uma mensagem para

    fazerem anotaes do que ouviram no caderno. A produo consiste em trs etapas: a

    escuta das mensagens, a transcrio da mensagem escolhida e o compartilhamento do

    que foi ouvido e transcrito com os colegas de classe. Verifica-se que a produo escrita

    esta sendo compreendida nessa proposta como a transcrio de informaes. Embora

    essa prtica seja constante nas prticas sociais cotidianas visto que no se exige a

    produo real, criativa e autntica por parte do aluno. Esse exerccio poderia se

    enquadrar melhor se estivesse na seo de listening do livro (Lets listen) uma vez que

    no houve produo do gnero textual, com destinatrio pr-definido, a escrita no

    encarada como processo e no h espao na atividade para a reflexo do uso da lngua.

  • Nesse sentido a proposta no favorece na produo de prticas de letramento pelo fato

    de conceber a produo textual como transcrio de informaes, uma vez que no h

    espao para o posicionamento do aluno enquanto construtor do texto e agente

    modificador desse texto atravs de suas experincias e interpretaes nesse tipo de

    atividade.

    A terceira proposta analisada sugere a produo de uma resposta no Yahoo!

    Answers. A pergunta se refere a um turista que deseja visitar o Brasil nas frias de julho

    e quer saber quais so os melhores lugares para visitar e que tipo de roupas deve trazer.

    A produo da resposta se divide tambm em trs etapas. Primeiramente os alunos

    devero ler a questo, em seguida se preparam para a produo atravs da discusso das

    informaes que precisam fornecer ao turista com os colegas da classe. Nessa etapa h

    uma tabela para auxiliar nessa produo em que se deve completar os lugares (pontos

    tursticos), o clima (temperatura desses lugares no ms de julho) e as roupas apropriadas

    para usar. Preenchida a tabela e realizada essas duas etapas, os alunos so convidados a

    fazerem um rascunho da resposta para finalmente postarem o texto no Yahoo! Answers.

    A proposta bem completa e contextualizada, pois parte de um texto autntico

    inserido em um suporte tecnolgico real e com um leitor real. A produo sugerida em

    etapas as quais proporcionam a reflexo do contedo em que deve ser produzido, sendo

    que o mesmo discutido colegas. O texto original no colocado no livro ( colocado

    um texto adaptado em termos de formato com o mesmo contedo) o que acaba sendo

    uma perda em termos de trabalho com o formato do gnero. O endereo para a

    postagem da pergunta, bem como o lugar de onde foi retirada tambm no fornecido,

    porm em uma nota para o professor colocado que as perguntas no Yahoo tm

    rotatividade, ou seja, so retiradas aps certo tempo, mas que caso isso tenha ocorrido o

    professor pode criar uma pergunta e fornecer o endereo para os alunos.

    Dentro das trs propostas analisadas, a terceira a que mais se adequa dentro do

    que o trabalho com gneros textuais e o que a perspectiva do letramento crtico prope.

    As trs propostas analisadas apresentam caractersticas comuns. Primeiramente por ter

    em mente o trabalho com um gnero textual, segundo pelo fato de ser sugerida a

    realizao em etapas. Nas trs propostas a questo da reflexo da linguagem, algo que

    deixa a desejar, pois se discute mais o contedo do que o resgate de como a lngua ou

  • pode ser utilizada nesses textos. O gnero como principio norteador contribui para a

    reflexo sobre a materializao da lngua o que corrobora com prticas de letramento.

    No entanto, no basta que eles sejam sugeridos ou sirvam de apoio na produo, pois

    assim a texto se transforma em pretexto e no contedo lingustico. preciso cuidado

    ao se afirmar que se esta ensinando a trabalhar com gneros textuais se no h um

    estudo sobre seus aspectos e se no h exigncia quanto produo autntica e criativa

    por parte do aluno, pois dentro das trs propostas apenas a terceira enfatiza essa

    produo e d alguns subsdios para que ela ocorra favorecendo no posicionamento do

    aluno enquanto produtor de significados.

    Consideraes finais

    A partir da anlise das propostas de produo do LD - Keep in mind foi possvel

    perceber que o trabalho com gneros textuais se faz presente no material e nesse sentido

    o livro cumpre com o que propem na Assessoria Pedaggica. No entanto, essas

    propostas de produo, embora sugiram o trabalho com gneros, no se efetiva nos

    enunciados das produes a reflexo sobre o uso da lngua, bem como o possvel

    destinatrio tendo algumas vezes a produo escrita concebida como o reporte de

    informaes. claro que isso tambm trabalhar com a lngua e utiliz-la em situaes

    reais, porm se o momento (leia-se a seo de produo escrita Lets write)

    destinado para que os alunos produzam textos esse tipo de abordagem acaba no sendo

    adequado. Assim o gnero textual que indicado na seo utilizado de forma

    camuflada.

    Dentro dessa perspectiva possvel afirmar que as propostas de produo textual

    no LD analisado so parcialmente adequadas atentando ao fato de no levar em

    considerao aspectos elementares na produo de gneros textuais assumindo certa

    artificialidade na produo uma vez que o aluno pode se sentir desmotivado a produzir

    textos que estejam fora de sua realidade, alm de as propostas desfavorecerem, em

    algumas situaes, o uso real da lngua que conduz a prticas de letramento. Diante

    disso, sugere-se ao professor usurio deste e de qualquer outro LD a reflexo e anlise

    do que se coloca nas propostas metodolgicas e da efetivao dessas propostas

  • materializadas nas atividades. Para isso, fazem-se necessrias anlises e estudos em

    parcerias com outros professores no momento de escolha do LD alm de uma postura

    crtica por parte do professor que no pode se deixar enganar por propostas que na

    teoria postulam uma coisa, mas nas atividades materializam outras.

    Referncias

    ANDREOTTI, Vanessa. Innovative methodologies in global citizenship education: the

    OSDE initiative. In: GIMENEZ, T.; SHEEHAN, S.. (Org.). Global citizenship in the

    English language classroom. 1 ed. : , 2008, v. 1, p. 40-47.

    BRASIL. Guia nacional do livro didtico - PNLD 2011: Lngua Estrangeira Moderna

    ensino fundamental. Braslia: Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica,

    2010. Disponvel em: http://www.portal.mec.gov.br. Acesso em: 09 jun. 2012.

    CHIN, Elizabeth; ZAOROB, Maria Lucia. Assessoria Pedaggica. So Paulo: Scipione,

    2009. In: CHIN, Elizabeth; ZAOROB, Maria Lucia. Keep in mind - 9 ano: lngua

    estrangeira moderna ingls. So Paulo: Scipione, 2009.

    EDMUNDO, Eliana Santiago. O ensino de ingls na escola pblica sob a perspectiva

    do letramento crtico. Dissertao de Mestrado. Programa de Ps-graduao em Letras:

    Estudos Lingusticos, 2010. Disponvel em:

    http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/handle/1884/24961 Acesso em: 10 jun. 2011.

    KOCH, Ingedore Villaa; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do

    texto. 2 ed. So Paulo: Contexto, 2007.

    MARCUSCHI, Luiz Antnio. Produo textual, anlise de gneros e compreenso.

    So Paulo: Parbola Editorial, 2008.

  • NICOLAIDES, Christiane; TLIO, Rogrio. O material didtico na promoo da

    aprendizagem autnoma de lnguas por meio do letramento crtico. In: SZUNDY, Paula

    T. C.; ARAJO. Jlio C.; NICOLAIDES, Christine S.; SILVA, Kleber A. (Orgs).

    Lingustica aplicada e sociedade: ensino e aprendizagem de lnguas no contexto

    brasileiro. Campinas, SP: Pontes editores, 2011a.

    _____. A perspectiva do desenvolvimento da autonomia do aprendiz de lnguas em

    livros didticos de ingls: reflexes e desafios para a formao do professor de lnguas.

    In: SILVA, Kleber A.; DANIEL, Ftima de C.; KANEKI-MARQUES, Sandra M.;

    Salomo, Ana C. B. (Orgs). A formao de professores de lnguas: novos olhares

    volume I. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011b.

    PARAN. Secretaria de Estado da Educao. Diretrizes Curriculares da Educao

    Bsica: Lngua Estrangeira Moderna. Curitiba, PR: SEED, 2008.

    _____. Parecer tcnico: PNLD 2011- Lngua Estrangeira Moderna/ Ingls. PR:

    Secretaria Estadual de Educao, 2010. Disponvel em:

    http://www.nre.seed.pr.gov.br/uniaodavitoria/arquivos/File/Equipe/PNLD/Pareceres_Te

    cnicos/LEM_ingles_PNLD_2011.doc Acesso em: 9 jun. 2012.

    SHOR, Ira. What is critical literacy?. Journal of Pedagogy, Pluralism and Practice.

    1997. Disponvel em: http://www.lesley.edu/journals/jppp/4/shor.html Acesso em: 11

    jun. 2012.

    SOUZA, Lynn Mario Menezes de. Por uma redefinio de Letramento Crtico: conflito

    e produo de significao. Disponvel em: http://usp-

    br.academia.edu/LynnMarioMenezesdeSouza/Papers/599422/Para_um_redefinicao_de_

    letramento_critico_conflito_e_producao_de_significacao Acesso em: 11 jun. 2012.