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Dialogando com a metodologia da História Oral: entre contextos e textos GLEISON OLIVO 1 Resumo Tendo como respaldo teórico principal as contribuições de Errante (2000) e Almeida e Grazziotin (2012), o presente trabalho propõe compartilhar e dialogar as suas experiências com a metodologia da História Oral. Relato que junto a um texto produzido, sempre há um contexto a ser observado e levado em conta na pesquisa, o que faz considerar a História Oral, não somente como uma metodologia, mas um evento, cercado de implicações antropológicas, éticas, políticas e epistemológicas. Palavras-chaves: história oral, metodologia, diálogos, experiências. Introdução Este artigo é proveniente das minhas experiências com a metodologia da História Oral 2 enquanto um jovem pesquisador na área da história da educação, na pesquisa realizada para a conclusão do mestrado do programa de pós-graduação em educação. Nesse sentido, os resultados desse artigo não têm o fim primeiro de descrever o que é a História Oral 3 , antes disso, visa visam dialogar e compartilhar as experiências de imersão na metodologia da HO. Nesse sentido, considerando a dimensão ampla que contempla a HO, a presente reflexão não busca exaurir as análises possíveis dessa metodologia. O objetivo é compartilhar experiências com alguns sujeitos da pesquisa e tecer algumas análises dos contextos e dos textos que emergiram na pesquisa de dissertação de mestrado em educação. Minha história com a metodologia da HO iniciou nos primeiros diálogos com minha orientadora do mestrado que, frente aos objetivos daquilo que tinha interesse em pesquisar, apresentou-me a HO como uma das alternativas para a construção de empiria. Nesse sentido, a natureza da minha dissertação foi investigar os “Sentidos e Saberes das Escolas Rurais do Vale dos Vinhedos Bento Gonçalves / RS (1928 1958). O foco investigativo da pesquisa foi averiguar quais foram os saberes escolares constituídos e como as práticas estavam fundamentadas nas escolas rurais do Vale dos Vinhedos. Além disso, investiguei quais foram as representações de 1 UCS Universidade de Caxias do Sul. Mestre em Educação. 2 Neste artigo, sempre que me referir ao conceito de História Oral, usarei a forma abreviada HO. 3 Para aprofundar os estudos sobre o que é HO, sugiro o contato com as obras de:Alberti (2005), Ferreira, Amado (2006),Prins (1992), Errante (2000).

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Dialogando com a metodologia da História Oral: entre contextos e textos

GLEISON OLIVO1

Resumo

Tendo como respaldo teórico principal as contribuições de Errante (2000) e

Almeida e Grazziotin (2012), o presente trabalho propõe compartilhar e dialogar as

suas experiências com a metodologia da História Oral. Relato que junto a um texto

produzido, sempre há um contexto a ser observado e levado em conta na pesquisa, o

que faz considerar a História Oral, não somente como uma metodologia, mas um

evento, cercado de implicações antropológicas, éticas, políticas e epistemológicas.

Palavras-chaves: história oral, metodologia, diálogos, experiências.

Introdução

Este artigo é proveniente das minhas experiências com a metodologia da

História Oral2enquanto um jovem pesquisador na área da história da educação, na

pesquisa realizada para a conclusão do mestrado do programa de pós-graduação em

educação. Nesse sentido, os resultados desse artigo não têm o fim primeiro de

descrever o que é a História Oral3, antes disso, visa visam dialogar e compartilhar as

experiências de imersão na metodologia da HO.

Nesse sentido, considerando a dimensão ampla que contempla a HO, a

presente reflexão não busca exaurir as análises possíveis dessa metodologia. O

objetivo é compartilhar experiências com alguns sujeitos da pesquisa e tecer algumas

análises dos contextos e dos textos que emergiram na pesquisa de dissertação de

mestrado em educação.

Minha história com a metodologia da HO iniciou nos primeiros diálogos com

minha orientadora do mestrado que, frente aos objetivos daquilo que tinha interesse

em pesquisar, apresentou-me a HO como uma das alternativas para a construção de

empiria. Nesse sentido, a natureza da minha dissertação foi investigar os “Sentidos e

Saberes das Escolas Rurais do Vale dos Vinhedos – Bento Gonçalves / RS – (1928 –

1958).

O foco investigativo da pesquisa foi averiguar quais foram os saberes

escolares constituídos e como as práticas estavam fundamentadas nas escolas rurais

do Vale dos Vinhedos. Além disso, investiguei quais foram as representações de

1UCS – Universidade de Caxias do Sul. Mestre em Educação.

2 Neste artigo, sempre que me referir ao conceito de História Oral, usarei a forma abreviada HO.

3 Para aprofundar os estudos sobre o que é HO, sugiro o contato com as obras de:Alberti (2005),

Ferreira, Amado (2006),Prins (1992), Errante (2000).

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sentidos que antigos alunos e professores atribuíram ao ensino rural, na época em

que decorre a pesquisa.

O ensino rural do Vale dos Vinhedos emergiu num contexto da imigração

italiana, em 1875, e foi sendo consolidado ao longo da história com uma dinâmica

cultural e social peculiar. As primeiras iniciativas ocorreram a partir da organização

dos colonos que, ao sentir a necessidade de instruir seus filhos, encontraram

alternativas e formas autônomas para suprir a escassez da oferta de um ensino

público. Muitos eram orientados pelos próprios pais e outros ou confiados àqueles

que eram considerados os mais capazes e instruídos na comunidade, sendo eleitos ou

convidados para conduzir e levar a instrução necessária aos seus filhos. O improviso

dos espaços para a escolarização parece ter sido a prática mais comum, uma vez que

as próprias residências ou capelas tornavam-se espaços para o acolhimento dos

alunos. Ressalta Luchese que:

As iniciativas para o desenvolvimento da instituição escolar precisam ser

compreendidas dentro do contexto histórico e cultural em que se

processou a ocupação da citada Região: a educação dos indivíduos era

concebida como responsabilidade e ação dos princípios familiares,

religiosos e escolares. A família era tomada como referência para os

ensinamentos considerados mais necessários para a vida. (LUCHESE,

2007, p. 118)

No entanto, investigar os saberes e os sentidos das escolas rurais deste

espaço, entre 1928 a 1958, supõe antes disso, entender essas relações, essas vivências

e referências sociais e culturais que tangenciaram o modo de vida da sua população.

Por isso, aqui se justifica a adequação e a escolha da metodologia da HO, como

principal metodologia nesta pesquisa, associada com a análise documental.

Desse modo, associado às fontes documentais históricas, o uso da história

oral tornou-se um elo fundamental entre o passado e o presente para a reconstrução

daquilo que foi vivido “e guarda o mérito de trazer à tona nuances do passado, que

podem estar esquecidas e que, por vezes, encontram-se inatingíveis em outras formas

de documentação, além de dar visibilidade aos sujeitos na construção da história”

(ALMEIDA, 2007, p. 63). Assim, o uso da memória dos antigos sujeitos escolares,

tornou-se nessa pesquisa, uma das principais trilhas percorridas nos referenciais

metodológicos.

As entrevistas que compuseram a empiria da minha pesquisa foram realizadas

com antigos professores e alunos que exerceram a condição de sujeitos escolares no

período temporal em que transcorre a pesquisa. Foram selecionados três professoras,

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e nove alunos. As professoras também foram entrevistadas na condição de ex-alunas,

pois todas foram alunas do Vale dos Vinhedos e, mais tarde, “foram feitas”

professoras da própria comunidade em que viviam. Em relação aos antigos alunos, a

maioria daqueles que foram entrevistados se mantiveram no meio rural e tornaram-se

agricultores. Um deles tornou-se padre e outro, agricultor e escritor. São sujeitos que

variam de oitenta e três anos a cento e nove anos. Além disso, a escolha final dos

entrevistados precisou respeitar o critério de que eles deveriam abranger o máximo

possível das comunidades que integram o Distrito do Vale dos Vinhedos.

Espera pelo inesperado

Quando se propõe a fazer uma pesquisa a partir do trabalho da HO, exige

antes de tudo, “conhecimento de quem se propõe a fazê-lo “ (GRAZZIOTIN;

ALMEIDA, 2012, p. 36). No entanto, embora possamos ter o máximo de

informações sobre do que se trata HO e como ela metodologicamente está

constituída quando iniciamos uma pesquisa ou estreamos o uso dessa metodologia

(assim como foi meu caso), jamais conseguiremos saber previamente as suas

interfaces e os resultados da sua aplicabilidade. Tudo é inesperado! Os referenciais

teóricos que somos convidados a conhecer ajudam-nos a teorizar sobre, entendendo

sua metodologia, esclarecendo o que é, como surgiu, quais os seus objetivos, seus

limites e possibilidades. No entanto, os resultados para aquilo que se espera coletar,

tudo é imprevisível e desconhecido.

Frente a isso, diria que enquanto pesquisador, quando imergimos nessa

metodologia, estamos constantemente numa postura ou condição de “espera pelo

inesperado”. A história a ser investigada não é propriedade minha. Ela não me

pertence. Devo estar a todo tempo despretensiosamente imune de conclusões e

achismos. Ou seja, estamos verdadeiramente entregues pelas memórias do outro e

“no contexto em que se investiga” (GRAZZIOTIN; ALMEIDA, 2012, p. 37).

Na relação com o entrevistado, no entanto, não se trata de um jogo de poder

em que seja passível estabelecer uma hierarquização, uma graduação de quem é o

sujeito mais ou menos importante, se é o pesquisador/entrevistador ou o entrevistado.

De acordo com Grazziotin e Almeida (2012) o entrevistado

detém um saber fundamental para quem o escuta, pois, na situação da

pesquisa de campo, possui os conhecimentos que se busca; o que ele diz

se transforma em documento de pesquisa. [...] No entanto, quem indaga

também tem um poder, pois representa um outro tipo de saber, uma

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determinada instituição; seu trabalho visa uma problematização de teor

científico” (GRAZZIOTIN; ALMEIDA, 2012, p. 38).

Um dos primeiros equívocos enquanto jovem pesquisador foi acreditar que

previamente eu poderia escrever aquilo que eu tinha intenção. Por um momento,

acreditei que minhas primeiras impressões sobre o ensino rural no Vale dos

Vinhedos já fossem suficientes ou possíveis para estabelecer um roteiro daquilo que

pretendia tecer na dissertação e serem as “respostas” ao meu problema de pesquisa.

Grande equívoco! Na prática, é a partir do contato com as fontes, da coleta e da

categorização dos dados, que uma pesquisa passa a tomar um norte, a ter consistência

e cientificidade.

Na história oral, os dados coletados são as narrativas dos sujeitos que, depois

de transcritos, se transformam em documentos. A partir daí, os caminhos da

investigação vão ganhando corpo. Assim como na elaboração de um vinho, em que o

enólogo segue rigorosamente o passo a passo da sua elaboração, obedecendo ao

tempo e as condições da matéria prima, também é a produção de uma pesquisa a

partir da história oral. A produção da minha escrita, dos meus resultados deve

obedecer minha matéria prima (narrativas transcritas). É a partir da materialidade que

está em nossas mãos que o produto deve ser gerado. Ocorre que podemos ter a

tentação de querer produzir outro produto (sumário), de acordo com aquilo que

precipitadamente “esperávamos”, quando na verdade, os resultados das transcrições e

na categoria de análise, fazem surgir surgem em nossas mãos uma materialidade

muitas vezes oposta, totalmente inesperada diante daquilo que esperávamos

encontrar inicialmente.

Desse modo, embora os teóricos da HO defendam a necessidade de que toda

entrevista seja feita a partir de roteiros previamente definidos, isso não significa que

os resultados das respostas dos nossos questionamentos sejam aquilo que

esperávamos. Diria que, tão importante quanto à elaboração prévia de um roteiro

para as entrevistas, é a clareza do objetivo e do problema da pesquisa. Digo isso

porque o ato de entrevistar não deve ser compreendido como um evento para

responder questionários. Roteiro de entrevista e questionário de entrevista são,

portanto, movimentos e propostas diferentes. Por isso, tem que se ter claro que a

elaboração de um roteiro prévio para fazer entrevistas é um caminho que visa

estreitar os resultados da coleta de documentos com aquilo que está implícito no

objetivo e no problema da pesquisa, previamente estabelecido. A propósito,

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independentemente se nos apropriamos de documentos orais ou de outros

documentos escritos, a condição do pesquisador deve ser sempre aquela de

estabelecer um processo de criação de documentos. Eles nunca estão prontos.

Consequentemente, é evidente que nos resultados

há marcas da subjetividade. São escolhas, produzidas a partir de

questionamentos, marcados pela presença e uso de documentos,

ordenados e tecidos pela trama textual produzida pelo historiador. É

preciso saber fazer perguntas, questionar e dialogar com os documentos,

pois somente com perguntas é que podemos avançar na produção do

conhecimento histórico. (LUCHESE, 2014, p. 138)

Nesse sentido, durante minha imersão na metodologia da HO, elaborei uma

lista com inúmeras perguntas que estavam ligadas diretamente com o problema e

objetivo da minha pesquisa. Hoje, com uma maturidade maior, percebo que meu

roteiro foi extenso e não precisava contar com mais de 50 questões. Acreditava no

entanto que, se não todas, a maioria das questões seriam respondidas durante as

entrevistas. Mais um engano! Realmente, tive a confirmação de que essas questões

previamente definidas serviram como um facilitador, como um apoio e um norte para

o diálogo, não como uma regra de execução rígida e determinista. Uma boa

entrevista nunca poderá ser um processo rígido, mas um evento permeado por trocas

e relações de “cumplicidade, escuta sensível e respeito à fala do outro”

(GRAZZIOTIN; ALMEIDA, 2012, p. 36). Thompson (1992) acrescenta ainda que:

Há algumas qualidades essenciais que o entrevistador bem-sucedido deve

possuir: interesse e respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade

nas reações em relação e eles; capacidade de demonstrar compreensão e

simpatia pela opinião deles; e, acima de tudo, disposição para ficar

calado e escutar. (THOMPSON, 1992, p. 254).

Ainda sobre a circunstância do roteiro para a entrevista, Alberti (2005) nos

recorda que:

A função do roteiro é auxiliar o entrevistador, no momento da entrevista,

a localizar, no tempo, e a situar, com relação ao tema investigado, os

assuntos tratados pelo entrevistado. Por essa razão, é bom organizar os

dados de forma tópica, para facilitar sua visualização no momento da

gravação (ALBERTI, 2005, p.177).

Voltando ao propósito desse subtítulo, assim como já ressaltei inicialmente,

quando adentramos ao processo da coleta de entrevistas, nossa condição enquanto

pesquisador comprometido com a história real, verdadeira, deve ser aquela da

“espera pelo inesperado”. Não podemos supor ou induzir respostas que gostaríamos

ouvir. O máximo que podemos fazer é levantar perguntas para atender aos objetivos

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daquilo que estamos pesquisando. As respostas sempre devem ser inesperadas. Se

soubéssemos as respostas aos nossos questionamentos, a pesquisa não teria sentido,

nem mesmo, teríamos um problema na pesquisa, pois as questões já estavam

esclarecidas. Diria que entregues pelas memórias dos outros nunca conseguiremos ter

conhecimentos prévios. O papel do pesquisador torna-se assim, um elo entre a

história passada que queremos conhecer com a intimidade da memória daqueles que

verbalizam nossos questionamentos.

Os breves apontamentos que mencionei sobre algumas impressões que

constatei e continuo contestando acerca daquilo que devemos esperar e nos

posicionar frente a uma entrevista ou aos seus resultados, nos ajudam a compreender

uma série de fatores e implicações metodológicas que contemplam a HO. Estas

circunstâncias apresentadas não são somente sinônimos de achados e descobertas que

auxiliam na produção do conhecimento. Junto a isso, aprendemos que nessa

metodologia, também as frustrações identificadas são histórias que precisam ser

consideradas e não excluídas. As contradições também fazem parte da história e

devem ser legitimadas no nosso modo de entendê-las. Nossas expectativas frustradas

e nossas idealizações precisam ser redimensionadas constantemente, com um olhar

natural e, ao mesmo tempo, crítico, sem exclusões ou seletividades de fatos e versões

que somente nos interessam.

Outro aspecto a considerar na HO é que, tão importante quanto a condução de

uma entrevista e suas análises é a eleição dos sujeitos a entrevistar. No caso da minha

pesquisa de dissertação, ressalto que o quadro apresentado dos sujeitos selecionados

como fonte para as pesquisas não se restringiram somente àqueles que foram

expostos acima. Selecionar quem você irá entrevistar e as entrevistas que serão

aproveitadas faz parte de um movimento de escolhas para aquelas que melhor

contribuem e apresentam munição de material de acordo as perguntas e o objetivo da

investigação.

Como já mencionado, o corpus empírico da minha pesquisa foi formada por

antigos professores e alunos que exerceram a condição de sujeitos escolares no

período temporal que transcorre a pesquisa. Esse movimento de escolhas talvez tenha

sido percorrido ou acontecido antes mesmo da decisão de fazer o mestrado. Quando

vim morar no Vale dos Vinhedos, há dez anos, deparai-me com as primeiras histórias

da população local, principalmente com as pessoas mais idosas, que me inspiraram e

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despertaram minha curiosidade sobre o seu passado, o seu cotidiano, suas vivências e

relações no meio rural.

Tendo em vista minha relação prévia com algumas pessoas do local em que

residia, tornei-as “pessoas chaves” para iniciar e criar minha teia de sujeitos a serem

consultados para a entrevista. Essa motivação inicial tornou-se, assim, o primeiro

critério de escolha das pessoas para que possivelmente viessem a ser entrevistadas.

Por ter mais contato e proximidade por questões de vizinhança, as primeiras buscas e

consultas orais ocorreram com Dona Lourdes Marcatto, moradora da comunidade do

Vinosul, popularmente conhecido como Busa4.

Entretanto, meu primeiro contato com esta senhora não foi para tratar das

questões centrais da pesquisa. Antes disso, queria encontrar caminhos de

investigação. Por isso, inicialmente minhas perguntas foram outras, tais como: Além

da senhora, você sabe se ainda existem outras professoras que trabalharam no Vale

dos Vinhedos nesse período? Quem são e onde moram seus ex-alunos? Há alguém

que a senhora possa indicar que conheça a história do processo educacional do Vale

dos Vinhedos? Lembra-se de alguém que possa contribuir com essas questões

históricas do Vale dos Vinhedos?

De encontros iniciais como esse, surgiu a indicação de outros nomes que, em

contato, tive a mesma postura enquanto pesquisador-investigador, ou seja, mapear

os possíveis entrevistados. Desta forma, tanto os resultados das narrativas, quanto

àqueles que a produzem, são frutos de construções e relações “inesperadas”.

Esse processo levou então a pesquisa à metodologia conhecida como

snowball. No Brasil, essa metodologia ficou amplamente difundida como “bola de

neve”, a qual consiste na indicação de novos sujeitos a partir dos sujeitos

entrevistados, ou seja, os possíveis entrevistados suscitam outros nomes durante o

próprio processo de entrevistas. Segundo Souza:

Como propõe o método da “bola de neve”, a escolha do número de

pessoas bem diferenciadas, mas dentro de uma base comum, garante a

possibilidade de analisar, de forma ampla, os diferentes aspectos a serem

estudados. Isso se faz colhendo informações, ou mesmo, através do

fenômeno “bola de neve” fato de que uns surgem outros, adquirindo, por

vezes, uma representação estruturada em forma de rizomas. (SOUZA,

2015, p. 38)

4 A denominação “Busa” no dialeto italiano significa “buraco”.

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Dentro desse percurso, construíram-se dois trilhos distintos de consulta da

história oral. Uma relacionada ao grupo social de professoras e outra, relacionada ao

grupo social de ex-alunos, também vinculados ao período em questão.

Desse movimento, mapiei dezoito sujeitos. No entanto, somente quatorze

desses contatos foram selecionado para as entrevistas e apenas nove delas foram

aproveitadas.

Dialogando sobre os contextos na relação entre historiador e narrador

Sinalizadas considerações sobre o portar-se do pesquisador com a produção

de narrativas e os seus resultados, pretendo agora dialogar e compartilhar os

contextos em que coletei e produzi as fontes orais para minha pesquisa.

O primeiro aspecto que concluí acerca da HO é que, quando nos pomos a

coletar narrativas, estamos ao mesmo tempo coletando identidades. “Sabemos que

todas as narrativas, sejam orais ou escritas, pessoais ou coletivas, oficiais ou não-

oficiais, são narrativas de identidades (ANDERSON, 1991).

Desse modo, nessa jornada na HO tenho aprendido que, além das memórias

coletadas serem marcadas por processos identitários, a história e o modo em que

cada sujeito evoca suas memórias também deve passar pelo crivo de entender e

respeitar as identidades em que cada um apresenta. Cada sujeito tem o seu modo de

vida, suas tradições e costumes, por isso, penso que o cuidado com essas questões

são caras para a HO.

Essas percepções sobre os contextos de identidades em que se dá a HO eu não

compreendia plenamente. Fui compreendendo sobre todas as implicações implícitas

nessa metodologia, à medida que fazia cada contato com os sujeitos da entrevista.

Por isso, Errante (2000) afirma que a prática de identidade na história oral, não é

somente descrições de eventos, mas eventos em si mesmos. Ou seja, os processos

identitários não podem ser reduzidos e vistos somente a partir do produto final das

entrevistas.

Antes de compartilhar os contextos em que minhas experiências na HO se

deram durante a pesquisa, considero pertinente apresentar um pequeno esboço do

contexto do cenário em que transcorre a pesquisa, sobre a identidade do espaço em

que residem os personagens da pesquisa, a fim de que meu leitor esteja provido com

uma maior compreensão de quem e do que minha pesquisa tratou. Entendo que o

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processo identitário do espaço da minha pesquisa está implicado numa dimensão

étnica. A partir das análises e estudos da pesquisa, ficou claro que o viés histórico

dolócus da pesquisa (Vale dos Vinhedos) e seu município, transcorrem de forma

predominante pelos aspectos étnicos italianos.

A história de Bento Gonçalves começa com o processo emigratório italiano,

ocorrido a partir de 1875, por conta dos diversos desafios econômicos, políticos e

sociais que a Itália vivia no final do século XIX. O “Vale dos Vinhedos” faz parte de

uma área rural do município e teve sua exploração no período referenciado acima,

protagonizados da mesma forma pelos imigrantes italianos. Desse modo, quando me

refiro ao termo Vale dos Vinhedos, ressalto que estou tratando de um conjunto de

comunidades rurais históricas, de aproximadamente 140 anos, povoadas

predominantemente por imigrantes italianos. Recebe, portanto esse nome, por se

tratar de um local em que predomina a força econômica do cultivo da uva, da sua

transformação em vinhos, sucos e espumantes, bem como pela exploração

econômica dessas atividades por meio do turismo.

Há de se ressaltar que, embora o tempo que separa desde o surgimento das

comunidades até o tempo presente seja muito longo, as identidades e a cultura étnica

italiana da população ainda são preservadas e muito presentes na memória dos

descendentes daqueles que ocuparam esse espaço.

Nesse cenário em que a ordem social dos imigrantes nas primeiras

comunidades do Vale dos Vinhedos foi sendo constituída, a religião e a educação

tornaram-se os aspectos centrais das comunidades rurais. Sob este ponto de vista,

pode-se afirmar que Família – Igreja – Escola tornaram-se, desde tão cedo, o tripé

essencial da vida social dos imigrantes. Enfim, falar da história desse espaço é o

mesmo que falar de identidades, de representações de vidas, de histórias de vidas, de

famílias, das comunidades e de pessoas anônimas que deixaram seu legado na

história.

No entanto, a maior parte dos resultados dessa pesquisa foram possíveis por

intermédio da HO. Nela, tive o privilégio de encontrar sujeitos com idades bem

longevas, que puderam e ofereciam condições de serem sujeitos que testemunharam

os fatos os quais me dispus a investigar.

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Dentre todos os sujeitos entrevistados, apresento o contexto em que surgiram

ou foram produzidas as narrativas de Lídia Zaffari Parmegiani, uma senhora

descendente direta de italianos de 109 anos de idade.

Quando considerava que o quadro de sujeitos orais para a pesquisa estava

formado, eis que surge meio que inesperadamente a figura de Lídia Zaffari

Parmegiani. Esse contato surgiu durante uma substituição de aula que dava à minha

orientadora da dissertação. Analisando e assessorando as graduandas de pedagogia,

que tinham como trabalho coletar informações de pessoas acima de setenta anos que

viveram o ensino em nossa região, pude ouvir de uma graduanda a expressão: “na

verdade, meu desejo era entrevistar uma senhora bem idosa, que tem mais de 100

anos e mora perto da casa de meus parentes, lá na colônia, no Vale dos Vinhedos”.

Essa colocação me encheu os olhos! Então, perguntei que ela falasse mais sobre essa

senhora. Na ocasião, disse que não sabia muita coisa e nem a conhecia, somente

sabia que seu nome era Lídia e morava num local bem retirado, próximo a

comunidade tal.

Ouvindo isso, considerei que essa senhora, conhecida pelo acaso, poderia se

tornar uma potencial fonte para minha pesquisa, pois a princípio, aparentemente

contemplava todos os aspectos que exigiam minha pesquisa. Pertencia ao meio rural,

ao lócus e ao recorte temporal daquilo que propunha a dissertação.

Feito isso, numa certa manhã, ainda desprovido de informações mais

concisas, lancei-me ao encontro de Lídia. Fui em direção ao local que se aproximava

das informações que tinha previamente e quando me aproximava da área rural em

que ela residia, parei à beira de uma estrada na qual alguns colonos se encontravam

na lida com os parreirais e pedi se eles conheciam uma senhora de nome Lídia, com

mais de 100 anos. Então, logo disseram que sim e que deveria seguir a frente e que

ainda havia um bom percurso para se chagar na comunidade em que ela morava.

Após mais algumas paradas e desencontros, cheguei à casa de Lídia.

Importante ressaltar que, nesse primeiro encontro, não fui com a intenção de

fazer a entrevista. Acreditava que, antes disso, deveria entender o contexto em que se

encontrava a possível fonte oral. A HO apresenta algumas fronteiras na produção

documental. Quando tratamos de memórias de sujeitos com idade mais avançada, por

exemplo, como é o meu caso, devemos fazer uma análise prévia se a pessoa a qual

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estamos mantendo contato goza de uma saúde mental boa, com capacidade para

descrever os fatos com consciência lógica e responsabilidade com a verdade.

Com isso, ao chegar à casa de Lídia, fui recebido pela sua filha de nome

Umbelina, uma professora aposentada que exerceu o magistério na cidade de Bento

Gonçalves e, após a sua aposentadoria, retornou ao interior para cuidar da sua mãe.

Toda gentil, convidou-me para entrar em sua casa onde pude me apresentar e falar

das razões da minha pesquisa.

Esse momento da apresentação pessoal e dos objetivos da pesquisa, considero

sempre um período de certa tensão, pois você precisa ser muito cuidadoso na

maneira como se aproxima e aborda as pessoas, como também, expõe seus

interesses que, por vezes, podem despertar desconfiança de quem é você realmente e

dos reais interesses da sua pesquisa. Isso ainda é muito mais sensível quando os

sujeitos das entrevistas são pessoas de idade mais avançada e não estão tão

habituadas a receberem pessoas “de fora”. Por isso, considero que esse instante pode

ser decisivo para a pesquisa. A forma como nos apresentamos e a relação que

criamos nos primeiros momentos podem agradar ou desagradar, ou melhor, podem

promover uma relação de confiança ou desconfiança da pessoa que buscamos fazer

entrevista.

Diria que neste meu primeiro contato com Dona Lídia, faltou-me algumas

sensibilidades básicas. Deveria me dar conta que o horário que estabeleço para minha

rotina, poderia ser muito diferente de uma senhora de 109 anos de idade e que

nossos tempos seriam diferentes. Menciono isso porque minha visita à residência de

Lídia foi num sábado de manhã, ainda no período de inverno, às 9h da manhã,

quando esta ainda se encontrava dormindo. Contudo, depois de alguns bons minutos

de conversa, Umbelina, sua filha, decide que irá acordar a mãe para tomar o seu café

e me conhecer. Confesso que essa situação gerou em mim, inicialmente, um certo

desconforto, pois me transpareceu que estava sendo um pouco invasivo com a rotina

dela, gerando transtornos e não era este o meu interesse. Perguntava-me a todo

momento: Por que vim tão cedo? Ainda mais com frio? Supostamente, penso que

isso também possa ter gerado algum desconforto a sua filha e, por isso, poderia não

promover esse encontro, achando não ser adequado que ela falasse comigo ou que

voltasse “qualquer outra hora”. Porém, tive a sorte de estar em contato com uma

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pessoa de espírito tolerante, gentil e generoso em compreender meus interesses e

talvez, minhas falhas.

Foi então, a partir desse contexto inicial, que Lídia acordou e se dirigiu até a

cozinha. De longe, pelos fundos do corredor avistava uma senhora que vinha ao meu

encontro na cozinha, com seus cabelos um pouco molhados, com os sinais visíveis

das marcas do pente e com um cheirinho suave de perfume. Ainda de longe, percebi

que ela cruzou seu olhar curioso até onde estava para poder me enxergar. Apoiada

numa bengala veio então à minha direção com certa firmeza e com ritmo muito mais

rápido do que meu imaginário tinha construído sobre ela. Fui logo percebendo que

seu semblante era de uma pessoa altiva, disposta e de sorriso fácil.

Frente ao contexto de uma cena como essa, daqueles que se apropriam da HO

para as suas pesquisas, ver uma senhora de 109 anos, portanto, um encontro raro,

diria que isso provoca involuntariamente uma certa vibração interior no possível

entrevistador. Afinal, não é tão comum estarmos em contato com pessoas tão

longevas que podem testemunhar fatos históricos tão longínquos, gozando de boas

condições de interação com o pesquisador.

A primeira expressão que saiu de Lídia foi um saudoso buongiorno (bom

dia), com sorriso fácil. Ali, somente nessa expressão utilizada para me cumprimentar,

pude identificar que muito provavelmente se tratava de um sujeito com marcas

identitárias étnico-italianas ainda bem preservadas, embora sabemos os processos

identitários dos sujeitos não se restringem somente a língua os quais eles se

comunicam. Associado a isso, antes mesmo de Lídia vir até a cozinha para poder se

apresentar, observando a sua casa já era possível tecer inúmeras considerações sobre

os processos identitários que faziam parte da história daquela família. Na cozinha, a

cadeira da matriarca próxima ao fogão a lenha, as toalhas e cortinas bordadas pela

filha, os diversos quadros fotográficos antigos dos inúmeros personagens que

estavam expostos na cozinha e se espalhavam pelo corredor e sala adentro, os

inúmeros objetos religiosos na parede e nos armários, quadros, imagens, orações

expostas davam a entender um conjunto de materialidades que representava a

identidade daquela família que me acolhia.

Antes de perguntar sobre a vida de Lídia, considerei compartilhar quem eu

era, o que fazia, onde trabalhava, minhas histórias de vida, de que “gente eu era”

(expressão que a população local tem ao se referir à família que você pertence).

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Essas questões, desde que vim residir em Bento Gonçalves, percebi que são

culturalmente impostas de forma “protocolar” quando os sujeitos se põem a

conversar um com o outro e conhecer suas identidades.

Tendo um sucinto conhecimento no dialeto vêneto italiano, fui utilizando

desse recurso linguístico para poder me comunicar e me aproximar dela, usando

algumas expressões e palavras a fim de que despertasse nela alguma simpatia pela

minha pessoa e assim, poder ao longo da conversa dar o seu aceite para ser uma das

minhas entrevistadas.

Nesse primeiro encontro, busquei ter uma relação com o narrador de muita

proximidade, sem deixar evidente uma postura de observador, de pesquisador, como

aquele que está atento a todos os detalhes, invadindo sua privacidade e coletando

todos os dados possíveis. Não queria que ela ficasse inibida ou tivesse qualquer

receio com minha pessoa. Meu único interesse era portar-me como um bom

companheiro para conversar. Nesse breve momento de conversa falamos coisas

sérias, mas acima de tudo, brincamos e rimos com algumas coisas que ela relatou

sobre a sua vida, todavia, sem um rigor científico nas nossas conversações. Não

apresentei gravadores, nem mesmo disse que iria gravá-la num outro momento.

Deixei isso para os “finalmentes”.

Desse primeiro encontro de aproximadamente uma hora, algumas conclusões

foram possíveis estabelecer: Percebi que minha comunicação em português com a

Lídia não era tão eficiente quanto em italiano. Dei-me conta que, quando buscava

falar em italiano ela respondia com mais facilidade e também, sentia-se mais a

vontade para responder. Em perguntas em dialeto italiano, ela tinha maior fluidez nas

repostas e no seu raciocínio. Ao contrário, quando me comunicava em português,

percebi que o tempo entre a pergunta feita por mim e o início da sua fala era marcada

por uma pausa, um silenciamento. Inicialmente fiquei confuso se isso seria um

problema de baixa audição, se estava falando de forma muito complexa ou se ela

estava cansada. Então, depois de um tempo, fui me dando conta que junto a mim,

enquanto “entrevistador”, estava sendo apoiado pela própria filha que intervinha na

nossa conversa e traduzia as minhas perguntas para o italiano quando eram feitas em

português. Indaguei a filha, perguntando se a mãe estava entendendo e ela me expôs

duas circunstâncias as quais precisei, a partir de então, ter mais atenção. Primeiro,

disse que a mãe tinha realmente um certo grau de baixa audição em um ouvido e por

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segundo, compartilhou que às vezes a mãe fica sem jeito quando não consegue

responder ou se expressar em português com pessoas “estranhas”, tendo uma certa

vergonha de dizer que não entendeu algumas coisas. Segundo Umbelina, sua mãe só

fala no dialeto italiano com a família e com a vizinhança. Foi então que entendi as

razões das suas pausas e os seus silenciamentos com algumas perguntas que eram

feitas na língua portuguesa. Como se portar, com esse contexto na metodologia da

história oral? Quais as implicâncias práticas dessas questões nos resultados das

narrativas?

Esse movimento de aproximação e socialização com o sujeito que descrevi

acima, vai ao encontro daquilo que Errante (2000) descreve como a necessidade de

criar uma “ponte interpessoal” entre o pesquisador e o narrador. Caso optasse em

realizar a entrevista de forma mais imediata, apressada, naquele mesmo dia,sem

essas “pontes”, acredito que isso acarretaria algumas implicâncias e obstáculos no

processo metodológico das narrativas e impediria alguns resultados. Errante aponta

que

Essa ponte interpessoal torna o fluxo possível. Dependendo das

circunstâncias do trabalho, contudo, pode não haver oportunidade para

construir uma relação entre narrador e historiador antes da entrevista. O

evento da história oral em si mesmo deve fomentar esse senso de

confiança, de respeito e validação à medida que a rememoração, o ato de

contar, a audição e a investigação se desenvolvem. Tanto o narrador

quanto o historiador devem construir essa ponte. (ERRANTE, 2000, p.

153).

Ao chegar nessas conclusões prévias, pedi se Lídia tinha interesse de

participar da minha pesquisa sobre o ensino rural no Vale dos Vinhedos. No entanto,

por ser uma pessoa com idade bem avançada e estar aos cuidados diretos de uma

outra familiar, considerei ser adequado, nesse caso, ter o aceite de ambas, a fim de

não ter futuramente surpresas inesperadas. Decidi então que voltaria num outro dia,

agora com dia e hora marcada. Ao me despedir, após perceber que Lídia tinha uma

relação muito estreita com a religião católica, perguntei à filha se a mãe estava

conseguindo se deslocar até a igreja da comunidade para receber a comunhão. Disse

que nem sempre, pois como o Padre passava só uma vez por mês na comunidade, às

vezes, quando ele vinha não se encontrava com condições de ir. Disse então que caso

ela permitisse, poderia resolver isso no próximo encontro, trazendo junto comigo um

ministro da eucaristia. Percebi que tanto a filha quanto a senhora Lídia aceitaram

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esse encontro para receber a eucaristia de forma imediata, sentindo-se privilegiadas

por essa oportunidade.

Quando apresentei essas possibilidades, além de ser um gesto de afeto pessoal

a elas, cientificamente tinha compreensão de que essas minhas ações eram táticas

que, de acordo com Certeau (1998) é uma

[...] ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. A

tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o

terreno que lhe é imposto [...] tática é movimento. [...] ela opera golpe

por golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões” e delas depende.

Este não-lugar lhe permite sem dúvida mobilidade. (CERTEAU, 1998, p.

100).

Além disso, como já mencionei sucintamente acima, esses movimentos e

artifícios na metodologia da HO entre narrador e o entrevistado são tratados por

Errante como “pontes interpessoais” pois ela cria um "vínculo emocional que liga as

pessoas... Tal ponte envolve confiança e viabiliza experiências de vulnerabilidade e

abertura. A ponte torna-se um veículo para facilitar compreensão mútua, crescimento

e mudança". (ERRANTE, 2000, p. 153).

A partir desse viés metodológico, as primeiras horas do segundo encontro

com Lídia foram dedicadas a essas “táticas” e “pontes interpessoais”. Sabendo das

suas devoções pessoais e espírito religioso, assim como havia previamente informado

no primeiro encontro, convidei-a a fazer um momento de espiritualidade comigo e

com o Ministro da Eucaristia que havia levado junto. Primeiramente, presenteei-a

com suvenires religiosos, terço, medalhas de santos da sua devoção e estampas

religiosas. Ao receber o terço, disse que por ser grande, iria pô-lo no pescoço a fim

de ficar bem protegida por Nossa Senhora. Logo em seguida, começamos uma breve

celebração, em que a família pode receber a eucaristia, assim como é possível ver na

figura abaixo:

Figura 1 – Movimentos de aproximação com Lídia Zaffari Parmegianni, em sua casa, antes da entrevista.

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Fonte: Acervo do autor (2016)

Fazendo referência ao trabalho de Portelli (1981) Grazziotin e Almeida

(2012) recordam que o ato da entrevista,

é uma invasão à privacidade do outro, afinal, interfere-se no cotidiano

das pessoas e toma-se seu tempo. O autor defende a importância de o

pesquisador, durante a entrevista, mostrar-se aberto, [...] evitar atitudes

impessoais e distantes e manter uma abordagem cortês como uma espécie

de protocolo para o trabalho de campo. [...] assim, fica clara a natureza

interpessoal da entrevista. (GRAZZIOTIN, ALMEIDA, 2012, p. 39)

Claro que estes contextos preliminares, tramatizados intencionalmente antes

da entrevista para reforçar as “pontes” entre mim e o narrador, a princípio podem ser

considerados um movimento dissociado da entrevista, da coleta de documentos

(memórias) para a pesquisa, porém esse movimento não pode ser excludente e

dissociado da HO. Conforme atestam Grazziotin e Almeida (2012) devo considerar

que a HO deve ir “além das formas de utilização do gravador, métodos de elaboração

e transcrição de entrevista ou conservação de acervos (GRAZZIOTIN, ALMEIDA,

2012, p. 36). Lang (1996) reforça essa mesma compreensão sobre a HO ao afirmar

que, o trabalho de história oral não se esgota na realização, gravação, transcrição e no

arquivamento da entrevista (LANG, 1996b, p. 3).

Dessa forma, defendo que mais do que uma metodologia, a HO é um evento

que contempla inúmeros caminhos a serem percorridos entre pesquisador e

entrevistador que, na tentativa de conceituá-la, recorre também ao posicionamento de

Ferreira e Amado (2006) ao frisar que “[...] é possível reduzir a três as principais

posturas a respeito do status da história oral. A primeira defende ser a história oral

uma técnica; a segunda, uma disciplina; e a terceira, uma metodologia” (FERREIRA;

AMADO, 2006, p. xii). Ou ainda, como descreve o pesquisador francês, Trebitsch

(1994), diante das incertezas epistemológicas da história oral, descreve-a com a

seguinte definição: ”mais do que uma ferramenta, e menos que uma disciplina”

(TREBITSCH, 1994, p. 19).

Frente a esses contextos de aproximações executados com a entrevistada e

considerando-os como parte integrante da HO, iniciei a entrevista com Lídia. Por

uma questão de transparência, informei-a que conversaríamos a partir de então coisas

mais específicas sobre a sua vida e que estaria gravando a sua voz. No entanto,

considero que a forma que deveria utilizar e operar esse instrumento, deveria ser de

forma discreta, visto que meus entrevistados eram todos de idade bem avançada e o

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uso de recursos tecnológicos por eles, praticamente inexistia, podendo inibi-los e

considerarem-se reféns do aparelho, caso fizesse o movimento de aproximação

quando estivessem fazendo o uso da palavra. Considerei, portanto, que a falta de

inabilidade e intimidade com aparelhos tecnológicos ao grupo dos meus

entrevistados poderia trazer estranheza com a espontaneidade no diálogo. Decidi que

o aparelho seria usado de forma discreta, sem ser o primeiro plano à frente daqueles

que narravam suas histórias e daquele que indagava, podendo perfeitamente estar

num lugar qualquer, ao lado, com tanto que cumprisse o papel de gerar a gravação

dos dados a serem coletados. Afinal, considerava que na HO, tão importante quanto

o gravador, é a figura do indagador e do narrador, e que se deve “preservar a

natureza interpessoal da entrevista, pois pesquisador e narrador estabelecem uma

relação dialógica em que ambos podem perguntar e responder” (GRAZZIOTIN,

ALMEIDA, 2012, p. 39). Por isso, penso também que a condição do pesquisador

estar de posse do aparelho gravador em mãos, poderá dependendo dos sujeitos,

transparecer uma relação de poder sobre o entrevistado, deixando-o inibido e numa

relação somente de passividade no diálogo.

Entretanto, a garimpagem de memórias da entrevista deve sempre partir de

um roteiro pré-definido a partir dos objetivos da sua pesquisa. Na “conversa” com

Lídia, iniciei a garimpagem suscitando memórias de forma mais ampla, sobre a sua

vida, seu contexto familiar, memórias sobre sua infância e aos poucos fui afunilando

para questões centrais, o ensino rural, provocando e estimulando lembranças sobre

sua relação com o contexto escolar.

No entanto, é muito comum na HO que, durante a entrevista, os seus sujeitos

tomem direção oposta àquilo que você perguntou. É importante não interromper a

sua fala, nem mesmo desconsiderá-los. Você precisa entender primeiramente o

porquê o narrador talvez esteja se portando desse modo. É possível que ele talvez não

tenha entendido a sua pergunta ou, propositivamente interponha outros assuntos

distintos daquilo você havia questionado como forma de fuga, porque há alguns

assuntos ou fatos que o narrador prefere silenciar ou guardar no esquecimento. Devo

então, ter a sensibilidade em compreender de que alguns assuntos podem ser

interessantes ao pesquisador, mas não ao narrador. O mais importante é deixar

algumas coisas guardadas em sigilo, intocadas pela memória, pois não são marcas

importantes para a sua vida. Na dúvida, por algumas vezes, tomei a decisão de

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refazer alguns questionamentos em que não havia tido a resposta coerente com a

pergunta, num outro momento, a fim de não transparecer que estava sendo incisivo

com alguns aspectos ou querendo induzir ou forçar respostas.

Com a Lídia Parmegiani, concluí que em algumas vezes as perguntas ela não

havia realmente compreendido aquilo que havia sido pedido, circunstância muito

natural e compreensiva para uma senhora de 109 anos de idade. Outras, no entanto,

percebi que ela realmente não fazia questão de rememorar, pois trazia pausas e

silenciamentos, seguido por uma narrativa posterior de queixas e sofrimentos sobre

alguns aspectos da sua vida escolar. É muito perceptível durante as entrevistas a

relação de intimidade que o narrador estabelece consigo mesmo e sua memória. As

pausas, as reflexões silenciosas, as lágrimas, os suspiros seguidos da verbalização

daquilo que está sendo rememorado, devem ser respeitados e conduzidos com a

devida “importância de estar atento aos mínimos detalhes durante as entrevistas e de

não abrir mão de registros escritos que enriquecem as análises”(GRAZZIOTIN,

ALMEIDA, 2012, p. 39). Percebi que essas circunstâncias ocorridas na entrevista

com Lídia eram permeadas de narrativas que não faziam questão de ser recordadas,

pois eram recorrentes expressões como:

Nem é bom falar sobre isso! A gente queria ir para a escola aprender e

ela colocava a gente de castigo. A gente ia para a escola com dores

porque não se tinha calçado e roupa para vestir, espinho nos pés, pisava

no gelo no inverno, fazia foguinho na estrada para esquentar os pés e

ainda tinha que decorar tudo o que ela ensinava[...] Às vezes se sentia

faceira, quando acertava, quando que parecia que se sabia. Mas se

parecia que não sabia e não decorava, meu Deus, quanta tristeza e

castigos daquela mulher.(PARMEGIANI, 2016).

Frente a isso, tenho compreendido que o exercício de fazer memória para

cada sujeito é diferente. O ato de memorizar pode representar para alguns uma tarefa

fácil, e para outros, uma atividade de sacrifício. Para Lídia, mesmo no auge dos seus

cento e nove anos, as dificuldades encontradas para memorização estavam associadas

às questões de vulnerabilidade social em que viveu na sua época e ao sistema rígido

de aprendizagem adotado pela sua professora, legitimado pelos seus pais e por toda

a comunidade rural.

Portanto, durante a entrevista, embora se tenha um roteiro pré-estabelecido, o

fluxo das narrativas acontece, muitas vezes, de forma imprevista, tomando direção e

caminhos diferentes daquele que havíamos traçado pois, “em cada entrevista, o

primeiro encontro é quase um momento de catarse, e [...] muitas vezes, podem não

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coincidir os objetivos do entrevistado com o entrevistador. [...] quem decide o que

falar e o que calar é o entrevistado. ” (GRAZZIOTIN, ALMEIDA, 2012, p. 38).

Errante (2000) ratifica essa realidade ao dizer que “os narradores não somente

escolhem o que vão rememorar e contara você; eles também participam negociando

o contexto da rememoração” (ERRANTE, 00, p. 150).

Dialogando com o texto

Depois de realizada a entrevista, dá-se início então ao processo de transcrição,

análise e uso das narrativas que passam a ser tratadas como documentos.

Como mencionei, a entrevista com Lídia teve a necessidade ser ajustada à

língua em que ela era habituada a falar. Portanto, ela foi iniciada em português e

concluída no dialeto italiano. Isso exigiu de mim, um movimento de mais atenção e

trabalho no processo de transcrição das suas narrativas. As implicâncias frente ao

contexto da entrevista, também revelam um rosto sobre o texto que emerge.

Ocorre que algumas perguntas foram feitas por mim tanto no português,

quanto no dialeto. Outras necessitaram durante a entrevista da interferência da

tradução da filha ou do ministro da eucaristia na tradução daquilo que estava falando,

de modo que ela pudesse entender melhor. Contudo, durante a transcrição, essas

questões mereceram um grande cuidado. Encontrei dificuldades em traduzir ou até

mesmo de compreender algumas palavras usadas pela minha narradora. Prezando

pelo rigor científico da transcrição, evitando os “achismos” diante das dúvidas,

precisei revisar muitos áudios recorrendo ao auxílio do ministro da eucaristia que

havia me acompanhado no dia da entrevista, pois além dele ter testemunhado e

participado da entrevista, tinha domínio completo da língua em questão.

Outro exercício de aprendizado e amadurecimento aconteceu à medida que eu

podia me ouvir durante as transcrições, enquanto interlocutor da entrevista. Nela, era

possível ver minhas potencialidades como também minhas fraquezas e erros a serem

superados enquanto pesquisador. Confesso que fazer o exercício de ouvir a si

mesmo, não é algo tão prazeroso. Causa estranheza! Quando fiz a entrevista com

Lídia, já havia realizado e feito a transcrição de algumas outras. Talvez, nessa altura

,já tivesse alcançado uma grau de maturidade um pouco superior em relação às

demais. Uma das principais críticas que fazia sobre minha postura de entrevistador é

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que por vezes, ouvia mais a minha voz do que do entrevistado, me delongava demais

em contextualizações. Fazia muitas interferências sobre o narrador, auxiliando-o

quando este pausava a sua fala para encontrara “palavra certa” ao formular as suas

ideias. Por vezes, também percebia que o narrador não havia concluído todo o seu

raciocínio e as brechas do diálogo eram aproveitadas por mim para interpelar outras

questões. Isso me causava indignação! Contudo, aos poucos, fui aprendendo aquilo

que Errante considerava ser tão caro na metodologia de conduzir uma entrevista na

HO, em que

Eu queria que minha voz fosse minimamente ouvida durante o evento da

história oral, e minha abordagem era fazer as mínimas perguntas

possíveis que solicitassem a informação que eu estava procurando. Eu

estava interessada em como os narradores organizavam suas

experiências e, por isso, eu lhes permitia4 falar tanto quanto quisessem

sobre algo que eles queriam lembrar, mesmo quando isso não parecia

particularmente relevante para o meu estudo.(ERRANTE, 00, p. 149)

Após ter feito a transcrição das narrativas e a família ter assinado o termo de

consentimento, iniciei a categoria de análise em que, a partir daquilo que emergiu

como aspectos fortes da narrativa, foram devidamente categorizados.

Os resultados desse texto que emergiu na HO e foram cotejados com outras

empirias, dialogando com o objeto de estudo da pesquisa, precisou ser passível de

análise e de crítica, caso contrário, não seria perceptível a postura investigativa do

narrador. Segundo Burke, “[...] os historiadores culturais têm de praticar a crítica das

fontes, questionando como um determinado texto ou imagem veio a existir, e se, por

exemplo, seu propósito era convencer o público a realizar alguma ação” (BURKE,

2008, p. 33).

Enfim, compreendo que minha imersão às fontes, aos textos narrados e

coletados, puderam revelar ao longo do percurso investigativo, respostas tanto

singulares como plurais, inéditas ou não, óbvias ou inesperadas, pois “práticas

sociais podem valer como discursos, silêncios falam, ausências revelam presenças,

coisas portam mensagens, imagens de segundo plano revelam funções, canções e

músicas revelam sentimentos” (PESAVENTO, 2012, p. 71). Enfim, o processo de

análise do corpus documental da pesquisa, sobre o ensino rural do Vale dos

Vinhedos, requereu de mim enquanto pesquisador uma postura tanto de aproximação

como de distanciamento, a fim de que não houvesse interpretações descabidas ou

conclusões equivocadas, garantindo um esforço atento e cuidadoso no rigor científico

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da narrativa na História Oral. Desse movimento, a construção e o diálogo com os

textos produzidos e apresentados na pesquisa, sempre estiveram atentos com aquilo

que Le Goff (1996) tanto nos alertava, enquanto historiadores, sobre o modo como

devemos nos apropriar e interpretar os documentos, alertando-nos que “nenhum

documento é inocente. Deve ser analisado. Todo documento é um monumento que

deve ser des-estruturado, des-montado” (Le Goff, 1996, p. 110).Desse modo, finalizo

apontando que os textos aos quais produzimos ou que temos contato na produção da

nossa pesquisa, devem ser considerados que:

o trabalho do historiador não é o de juntar documentos e escrever a

partir deles a História. Todos os documentos que nos chegam do passado

são plenos de relações, de jogos de sentido e significação, construídos e

preservados no tempo para as gerações futuras. Memórias fragmentadas

de um tempo que não conseguiremos jamais tomá-lo em sua totalidade.

(LUCHESE, 2014, p. 149).

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RELATO ORAL:

PARMEGIANI, Lidia Zaffari. Entrevista. Bento Gonçalves, 2016. Entrevista

concedida a Gleison Olivo.