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Psicologia e Saber Social, 2(1), 51-71, 2013 51

Globalizao e suas consequncias: representaes de estudantes e profissionais portugueses1

Globalization and its consequences: representations of portuguese students and

professionals

Raquel Ribeiro2

Gabrielle Poeschl3

RESUMO: A globalizao um grande tema da atualidade. A controversa que gera entre especialistas incide sobre todas as dimenses do fenmeno e suscita atitudes antagnicas sobretudo em relao s suas consequncias. O presente estudo procura compreender a opinio do cidado comum sobre a globalizao, nomeadamente respeitante s consequncias positivas e negativas do fenmeno em diferentes reas da vida social. Foram realizadas 30 entrevistas semiestruturadas com estudantes e profissionais do Norte de Portugal, que foram analisadas com o programa de anlise textual ALCESTE. O programa classificou 79.05% do material recolhido em quatro classes, evidenciando quatro dimenses importantes da globalizao: Mercado e Cultura, Cincia e Tecnologia, Ambiente, e Poltica e Abertura, dimenses que integram aspetos positivos e negativos. No que respeita s diferenas entre estudantes e profissionais, a anlise indica que os estudantes destacam particularmente as consequncias da globalizao sobre a tecnologia e o ambiente, enquanto os ativos salientam sobretudo as suas consequncias polticas ou econmicas. De forma mais geral, os resultados evidenciam que existem diferentes processos de globalizao com repercusses mltiplas e consequncias desiguais sobre a vida social.

Palavras-chave: globalizao; consequncias; desigualdades sociais; representaes sociais; Portugal. ABSTRACT: Globalization is a major present-day issue. The controversy that it creates among experts bears on all the dimensions of the phenomenon and it raises antagonistic attitudes especially in relation to its consequences. The present study aims at understanding lay peoples opinions on globalization, namely with regard to the positive and negative consequences of the phenomenon on different areas of social life. Thirty semi-structured interviews were conducted with students and professionals from northern Portugal, which were analyzed by means of the program for textual data analysis ALCESTE. The program classified 79.05% of the gathered material into four classes, evidencing four important dimensions of globalization: Market and Culture, Science and Technology, Environment, and Politics and Openness, dimensions that integrate positive and negative aspects. With regard to the differences between students and professionals, the analysis indicates that students particularly stress the consequences of globalization on technology and the environment, while professionals emphasize, above all, its political or economic consequences. More generally, the results highlight that there are different processes of globalization with multiple repercussions and unequal consequences on social life.

Keywords: globalization; consequences; social inequalities; social representations; Portugal.

1 Investigao financiada pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia (Bolsa: SFRH/BD/19261/2004) no mbito do POPH-

QREN, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior.

2 Doutorada em Psicologia, membro do Centro de Psicologia da Universidade do Porto - Porto, Portugal. E-mail:

[email protected].

3 Professora Associada com Agregao, Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade do Porto -

Porto, Portugal.

Ribeiro, R. & Poeschl, G. 52

Psicologia e Saber Social, 2(1), 51-71, 2013

A globalizao destaca-se como um dos grandes temas da atualidade. Cobrindo uma grande variedade de temticas distintas como a poltica, a economia, a cultura, o ambiente, tornou-se rapidamente numa das palavras da moda do debate poltico e acadmico atual. Contudo, apesar da vasta produo literria e cientfica sobre o assunto no existe qualquer consenso quanto sua definio, o que engloba, quando comeou ou quais os seus efeitos (Guilln, 2001).

Com o objetivo de captar a opinio do cidado comum sobre o fenmeno foram desenvolvidos um conjunto de estudos que procuraram compreender as representaes sociais da globalizao (Poeschl, Campos, & Ben Alaya, 2007; Poeschl & Viaud, 2008; Viaud, 2007). O presente trabalho, realizado a partir de entrevistas semiestruturadas, visa aprofundar o conhecimento existente acerca da forma como as pessoas leigas neste domnio

representam o fenmeno. Antes da apresentao das opinies recolhidas sobre a globalizao fazemos uma breve incurso sobre as concees convergentes e divergentes dos especialistas no que diz respeito s consequncias do fenmeno, nomeadamente ao nvel tecnolgico e cientfico, ambiental, cultural, econmico e poltico.

Globalizao

As trs ltimas dcadas foram caracterizadas por uma extrema intensificao das interaes transnacionais, levando a que alguns autores as considerassem uma rutura relativamente s anteriores formas de interao, um fenmeno designado de globalizao

(Santos, 2001).

O termo adquiriu grande popularidade sobretudo na comunidade cientfica e nas

comunidades poltica e empresarial (Reich, 1998), tornando-se num dos conceitos incontornveis dos finais do sculo XX e incios do sculo XXI. Na vasta literatura publicada sobre o assunto praticamente cada autor apresenta a sua prpria definio, o que faz da globalizao um dos tpicos mais controversos das cincias sociais (Guilln, 2001). Se h quem considere que as sociedades do mundo esto em processo de globalizao desde o incio da Histria (Rodrik, 1997), outros afirmam que o que estamos a vivenciar atualmente um fenmeno completamente novo e sem precedentes (Garrett, 2000; Soros, 2003), outros falam ainda em vagas de globalizao (Adda, 1997; Friedman, 2000; Tilly como citado em Santos, 2001).

Apesar da forte tendncia para reduzir a globalizao aos seus aspetos econmicos, trata-se contudo de um fenmeno multifacetado que abrange, para alm da dimenso econmica, dimenses sociais, polticas, culturais, etc. interligadas de modo complexo (Santos, 2001). Assim, a controvrsia acerca do significado e da origem da globalizao estende-se s consequncias associadas s suas inmeras dimenses e facetas (Held, McGrew, Goldblatt & Perraton, 1999; Reich, 1998).

Dimenso tecnolgica e cientfica

A dimenso tecnolgica e cientfica constitui um aspeto central do processo de globalizao, na medida em que este processo em larga medida definido pelas formas de

tecnologia disponveis (McMahon, 2001). Para Toffler (1999) a globalizao constitui a terceira vaga de revolues civilizacionais, iniciada na segunda metade do sculo XX. O que diferencia esta vaga das anteriores (agrcola e industrial) a rapidez exponencial com que as

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descobertas evoluem e penetram nas atividades dirias das pessoas: aproximadamente 50% dos produtos quotidianos das pessoas no incio da dcada de 1990 no existiam 25 anos antes e estima-se que 50% dos objetos que formaro o nosso universo em 10 anos no foram ainda inventados (Dreifuss, 1997).

A primeira grande transformao desta terceira vaga ter sido o desenvolvimento dos meios de comunicao de massas, estruturados em torno do potencial comunitrio universal da televiso. A sociedade de massas evoluiu para uma sociedade em rede na qual a internet constitui a espinha dorsal das novas tecnologias de informao e comunicao (Castells, 2002). Esta aplicao da tecnologia tornou possvel o conhecimento, a comunicao interpessoal e o acesso informao quase em tempo real e em qualquer parte do mundo, diminuindo a distncia entre as pessoas. D-se a consciencializao de uma

maior interconexo entre as pessoas, criando a sensao de um borderless world (Ohmae, 1990), de um mundo como aldeia global (McLuhan, 1964).

Por outro lado, a internet veio estabelecer uma nova forma de comunicao. Enquanto os meios de comunicao tradicionais (televiso, jornais, etc.) propiciavam uma comunicao de sentido nico, a internet veio permitir aos seus utilizadores serem simultaneamente produtores e recetores de informao. Qualquer pessoa com um computador e um modem pode tornar a informao acessvel a pessoas de todo o mundo, de forma relativamente fcil, a baixo custo e elevada rapidez (Olesen, 2005).

Contudo, apesar do desenvolvimento tecnolgico permitir ultrapassar obstculos de isolamento social, econmico e geogrfico, alguns autores sublinham que, devido ao enorme

fosso de informao (Anderson, 2001), a anulao tecnolgica das distncias temporais/espaciais, em vez de homogeneizar a condio humana, tende a polariz-la: enquanto emancipa certos seres humanos das restries territoriais, condena outros aos efeitos mais perversos da localidade (Bauman, 1999). De facto, as discrepncias de acesso so ainda muito grandes: os pases industrializados, com cerca de 15% da populao do planeta, representam 88% dos utilizadores da internet (Castells, 2002; Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], 1999). E se a nvel mundial o acesso divide os pases entre ricos e pobres, dentro dos pases divide tambm entre educados e iletrados, homens e mulheres, novos e velhos, urbanos e rurais (PNUD, 1999, 2007).

A expanso da internet e dos restantes meios de comunicao veio acelerar o processo

de descobertas cientficas e permitir um intercmbio mais rpido e simplificado entre a

comunidade cientfica (Castells, 2002). No entanto, a globalizao, ao fazer surgir uma economia baseada no conhecimento originou o que Murteira (2003) apelidou de conhecimento baseado na economia. O conhecimento passou a ser determinado por uma lgica de competio no mercado global no havendo lugar para a investigao no lucrativa. Por exemplo, no combate SIDA, apesar das vacinas serem mais eficazes na preveno das doenas, foi dada prioridade ao desenvolvimento de antirretrovirais que permitem rentabilizar os investimentos, tendo sido tambm impedida a sua produo a um custo mais baixo para evitar perda de lucros, quando 95% das pessoas infetadas vivem em pases em desenvolvimento (PNUD, 1999). Apenas 0.1% do oramento da pesquisa mdica e farmacutica mundial tem sido destinada malria, sendo quase a totalidade dos 26.4

bilies de dlares destinados s doenas dos pases ricos (PNUD, 2001 como citado em Santos, 2001). Assim, nos pases menos desenvolvidos a esperana mdia de vida no passa dos 44 anos por oposio a 78 anos nos pases desenvolvidos; mais de 1.1 bilies de pessoas



no tm acesso a gua potvel e a cada hora morrem 1.200 crianas de doenas evitveis (PNUD, 2005).

Dimenso ambiental

A evoluo dos conhecimentos cientficos nos finais do sculo XX colocou em evidncia numerosos riscos de carter ambiental, nomeadamente a desflorestao e a desertificao, a poluio dos oceanos e a diminuio da biodiversidade, a destruio da camada de ozono e as alteraes climticas (Hove, 2000). Por exemplo, s no perodo que vai entre 1990 e 2000 foi documentada uma perda de floresta tropical estimada em 15.2 milhes de hectares/ano, sobretudo devida expanso da agricultura, extrao de madeiras (muitas

vezes ilegal) e construo de estradas e outras infraestruturas (United Nations Environment Programme [UNEP], 2007). Os stocks de peixe esto a trs quartos do que eram (PNUD, 1999). O aumento da globalizao ameaa diminuir as variedades que so tradicionalmente utilizadas na maioria dos sistemas agrcolas: atualmente, apenas 14 espcies animais do conta de 90% da produo de gado e apenas 30 culturas dominam a agricultura global (UNEP, 2007). Ao longo de quase um sculo a utilizao de gua cresceu quase duas vezes mais rapidamente do que a populao (PNUD, 2006). Se a tendncia continuar estima-se que em 2025 cerca de 1.8 bilies de pessoas iro viver em regies com absoluta escassez de gua, e dois teros da populao mundial podero estar sobre condies de stress hdrico4.

Neste momento, o mundo est ou estar perto de atingir o nvel de temperatura mais

elevado registado no atual perodo interglacial, que comeou h cerca de 12.000 anos, e

esse aumento tem acelerado (onze dos doze anos mais quentes desde 1850 ocorreram entre 1995 e 2006). Apesar do planeta j ter tido quatro ciclos glaciais e de aquecimento, o atual ciclo de aquecimento difere dos anteriores pelo ritmo acelerado de aumento das concentraes de dixido de carbono na atmosfera (PNUD, 2007). Estima-se que, se os prximos 15 anos de emisses seguirem a tendncia dos ltimos 15, as alteraes climticas perigosas tornar-se-o inevitveis. Os cenrios mais catastrficos apontados por alguns cientistas referem como consequncias o aumento do degelo das calotes polares e dos

glaciares conduzindo a um aumento do nvel do mar em cerca de 5 metros ou a entrada do Norte da Europa numa prematura idade do gelo, devido interrupo da corrente de transmisso de gua quente no Oceano Atlntico. As perigosas alteraes climticas ameaam produzir uma deslocao humana em massa e o colapso dos meios de

subsistncia, com repercusses extensveis para alm das localidades diretamente afetadas.

A tomada de conscincia dos problemas ambientais levou a humanidade a refletir sobre o que significa fazer parte de uma comunidade ecologicamente interdependente (PNUD, 2007). A emergncia de uma world risk society (Beck, 1992) conduziu ao desenvolvimento de uma conscincia global, de uma sociedade autocrtica cada vez mais capaz de analisar os acontecimentos numa perspetiva global, em vez de apenas local ou nacional. Assim, a segunda metade do sculo XX, nomeadamente com a Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo em 1972, viu surgir o incio de um movimento ambientalista internacional e da ecologia poltica escala internacional (Delage, 2000). A Cimeira da Terra realizada no Rio de Janeiro em 1992 foi um

dos marcos mais importantes, contribuindo para uma conscientizao mais ampla do papel

4 O nvel de gua abaixo do necessrio para a agricultura, indstria, energia, ambiente e fins domsticos.



dos pases desenvolvidos na degradao do meio ambiente e da necessidade de apoiar financeira e tecnologicamente os pases em desenvolvimento a crescerem de forma sustentvel. Foi neste contexto que, em dezembro de 1997, foi aprovado o Protocolo de Quioto, no qual a maioria dos pases industrializados se comprometeu a reduzir em 5%, relativamente aos valores de 1990, as emisses de gases com efeito de estufa (Hove, 2000).

A questo ambiental ganhou mpeto nos incios do sculo XXI com a implementao da mitigao das alteraes climticas na agenda do G8 (PNUD, 2007) e com a ampla difuso dos problemas ambientais a nvel meditico. O documentrio Uma verdade inconveniente, amplamente difundido em todo o mundo, valeu a Al Gore o prmio Nobel da Paz em 2007, junto com o Painel Intergovernamental da ONU para as Alteraes Climticas, pelos seus esforos na construo e disseminao do conhecimento sobre as alteraes climticas

induzidas pelo homem, e por lanar as bases necessrias para inverter tais alteraes.

Dimenso cultural

A globalizao aumentou, de um modo sem precedentes, os contactos entre os povos

e os seus valores, ideias e modos de vida. Apesar das pessoas sempre terem atravessado as

fronteiras, os nmeros tm crescido ao longo das ltimas trs dcadas (PNUD, 2004): o nmero de pessoas que vivem fora do seu pas natal aumentou de 76 milhes em 1960 para 175 milhes em 2000. Na nsia de melhorar as suas perspetivas de vida a maioria dos migrantes desloca-se dos pases pobres para pases de rendimento elevado. Por exemplo, o nmero de migrantes para a Unio Europeia provenientes de fora da Europa subiu 75%

desde 1980.

Se para muitas pessoas esta nova diversidade estimulante, para outras inquietante e incapacitante. Perante o aumento de imigrantes que trazem novos costumes, muitas pessoas receiam que o seu pas esteja a tornar-se fragmentado, que os seus valores estejam a perder-se. Assim, gerir a diversidade cultural tornou-se num dos principais desafios do mundo atual, no s para alguns pases mas para a grande maioria (Castells, 2002; PNUD, 2004).

Por outro lado, a globalizao pode ser desorientadora ao fazer perder os pontos de referncia: h duas maneiras de fazer uma pessoa sentir-se sem lar, uma destruir-lhe a casa, e a outra fazer que a sua casa se torne igual casa de todas as outras pessoas

(Friedman, 2000). A estandardizao deve-se, em grande parte, ao facto da cultura ser cada vez mais investida de dinmicas de ordem econmica, sendo associada com aquilo que pode ser vendido e comercializado. Os padres de consumo tornaram-se mundiais: pesquisas de mercado identificaram uma classe mdia mundial que prefere marcas mundiais (Google, Nike, Coca-Cola, McDonalds, etc.) e uma classe de adolescentes mundiais, com uma nica cultura pop (PNUD, 2004).

Um estudo da UNESCO mostra que o comrcio de produtos com contedo cultural

triplicou entre 1980 e 1991 e continua a crescer, estando contudo a ficar concentrado nas mos de alguns. Por exemplo, ao nvel da indstria de entretenimento (filmes, msica e televiso) os Estados Unidos dominam. A indstria de Hollywood chega a todo o mundo domina 70% do mercado cinematogrfico europeu, 83% do da Amrica Latina e 50% do

Japons. Pelo contrrio, apenas 3% do mercado nos Estados Unidos est aberto para a produo estrangeira. Em contrapartida, a indstria cinematogrfica europeia tem estado



em declnio acentuado nas ltimas trs dcadas, com exceo da Frana e da Alemanha, onde h polticas de apoio indstria cinematogrfica nacional (PNUD, 1999, 2004).

O domnio internacional dos filmes norte-americanos apenas um aspeto da

disseminao da cultura ocidental de consumo. A este respeito alguns autores questionam se a globalizao cultural no deveria ser mais corretamente designada de ocidentalizao ou americanizao, dado os valores, os objetos culturais e os universos simblicos que se globalizam serem sobretudo ocidentais e, frequentemente, norte-americanos (Gouveia, 2003; Santos, 2001).

Mas se alguns autores argumentam que a globalizao um processo ideolgico impondo uma cultura global, outros salientam que apesar de os produtos culturais circularem pelo mundo as pessoas usam-nos e acolhem-nos de maneiras diferentes (PNUD,

1999). Os movimentos culturais so complexos, dinmicos e dialticos e h que contar com a resilincia e o dinamismo prprio das culturas no ocidentais. Tambm o Ocidente sofre influncias de diversas provenincias e a cultura ocidental vai absorvendo muitas componentes ou experincias oriundas de outras culturas (Gouveia, 2003). Por exemplo, algumas tradies como a msica Salsa das Carabas, a culinria asitica, entre outras, esto a difundir-se globalmente (PNUD, 1999): o prato favorito dos Britnicos que hoje vo jantar fora j no o fish and chips mas o caril. Assim, embora haja uma fora dominante (a americanizao), h tambm um fluxo subordinado em sentido contrrio (Friedman, 2000). Longe de serem o pio do povo, os instrumentos de homogeneizao trazidos pela globalizao so ativamente processados pelas pessoas e grupos, sendo devolvidos atravs

de dilogos heterogneos de soberania nacional, de livre-iniciativa, resistncia, seletividade e ironia (Appadurai, 1997 como citado em Santos, 2001).

Dimenso econmica

Na segunda metade do sculo XX, o rendimento mundial multiplicou-se sete vezes e o rendimento mdio terico por habitante trs vezes. Porm, entre 1960 e 1995, os 20% mais ricos (na sua quase totalidade habitantes nos pases do Norte) viram a sua parte de rendimento passar de 70% para 86%, enquanto a parcela correspondente aos 20% mais pobres caa de 2.3% para 1.3% (Bessis, 2000).

Neste sentido, a partir do final do sculo XX, desencadearam-se uma srie de estudos

com o objetivo de compreender se a globalizao contribui para o aumento da desigualdade global de rendimentos ou estimula, pelo contrrio, uma inverso desta tendncia (Hung & Kucinskas, 2011). Se para alguns autores a globalizao gera prosperidade geral que beneficia a maioria da populao mundial, para outros esta prosperidade est concentrada numa minoria de privilegiados, enquanto as condies de vida da restante maioria pioram. De facto, os primeiros argumentam que o crescimento promovido pela globalizao, para alm do aumento da criao de riqueza a nvel mundial, tem tido um impacto positivo nos ndices gerais de pobreza dos pases pobres (Chambre de Commerce International, 2003), enquanto os ltimos consideram que esta reduo da pobreza tem sido realizada com um aumento extraordinrio da desigualdade (Stiglitz, 2002).

Numa anlise recente Firebaugh e Goesling (2004, como citados em Hung e Kucinskas,

2011) constatam que a maior parte da reduo da desigualdade global se deve rpida industrializao da China e ndia que, no conjunto, constituem quase 40% da populao mundial. O crescimento rpido dos nveis de rendimento mdio da China e da ndia,



resultante da deslocalizao da produo para estes pases, compensam o declnio dos nveis de rendimento de muitas naes na frica e noutros lugares, originando uma reduo lquida da desigualdade entre pases. Contudo, se a China e a ndia so eliminadas da equao, a desigualdade entre pases revela uma tendncia inequvoca de crescimento.

Se h divergncia quanto ao papel da globalizao no aumento ou diminuio das desigualdades entre pases, h contudo consenso no que refere ao seu papel no aumento das desigualdades dentro de cada pas (Hung & Kucinskas, 2011). Com efeito, desde os anos 1980s, a desigualdade de rendimentos aumentou em muitos mais pases do que naqueles em que diminuiu: por cada pas onde a desigualdade diminuiu h dois pases em que aumentou (PNUD, 2010). O fosso entre ricos e pobres cresceu ao longo das duas ltimas dcadas em mais de trs quartos dos pases da OCDE e em muitos pases emergentes

(PNUD, 2011).

Para muitos autores, o aumento das desigualdades sociais propiciadas pela globalizao advm do consenso neoliberal entre pases desenvolvidos que imposto aos pases em desenvolvimento ou subdesenvolvidos e da ao preconizada pelas instituies internacionais responsveis pela ajuda externa, designadamente o Fundo Monetrio

Internacional5 (FMI) e o Banco Mundial6 (Lopes, 2011; Santos, 2001).

De facto, a globalizao da economia alicerou-se num papel crescente do FMI, do

Banco Mundial e da Organizao Mundial do Comrcio7 (OMC) na definio das polticas econmicas e das regras do comrcio internacional (PNUD, 1999). As principais medidas adotadas sob o chamado Consenso de Washington8 visam a disciplina fiscal; o

redirecionamento dos gastos pblicos; a liberalizao do comrcio; a abertura ao investimento direto estrangeiro (IDE)9; a privatizao das empresas estatais; a desregulamentao (abolio de regulamentos que impedem a entrada ou limitam a concorrncia); e a segurana jurdica dos direitos de propriedade (World Bank, 2001), trazendo implicaes diretas para as polticas econmicas desenvolvidas pelos Estados nacionais (PNUD, 1999).

Uma das transformaes mais importantes da globalizao econmica foi a crescente concentrao do poder econmico pelas empresas multinacionais: das 100 maiores economias do mundo, 47 so empresas multinacionais; 70% do comrcio mundial controlado por 500 empresas multinacionais; 1% das empresas multinacionais detm 50% do IDE (Clarke, 1996 como citado em Santos, 2001).

5 Fundado em 1945 e administrado pelos governos dos seus 188 pases membros, tem como principal objetivo assegurar a

estabilidade do sistema monetrio internacional. Com este intuito presta assessoria aos pases membros analisando as suas polticas e indicando medidas a adotar.

6 Trata-se de um grupo de instituies financeiras cujo principal objetivo consiste em fomentar o crescimento econmico e

a cooperao escala global contribuindo para a promoo do processo de desenvolvimento econmico dos pases em desenvolvimento membros dessas instituies.

7 Fundada a 1 de janeiro de 1995 integra 159 pases. Trata-se de uma instituio internacional que visa regular o comrcio

internacional a nvel mundial garantindo que o comrcio flua da forma mais livre possvel com o objetivo ltimo de aumentar a prosperidade dos pases membros.

8 Nome pelo qual ficaram conhecidas um conjunto de recomendaes de polticas econmicas formuladas por economistas

de instituies financeiras situadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, para promover o ajustamento macroeconmico de pases em dificuldades econmicas.

9 Investimento de capital num pas diferente do pas de origem da empresa.



Apesar das multinacionais contriburem para atenuar o desemprego e melhorar os salrios nos pases em desenvolvimento, pela passagem do setor agrcola para o setor industrial, nos pases desenvolvidos, para alm de conduzirem ao aumento do desemprego pelas deslocalizaes do processo produtivo, levam tambm a uma presso sobre os salrios e a concesses quanto organizao do trabalho (Andreff, 2001).

Outra caracterstica da globalizao econmica atual a posio ocupada pelos

mercados financeiros enquanto espinha dorsal da nova economia global. Com efeito, o comrcio internacional perdeu importncia relativa face integrao financeira e internacionalizao do IDE (Castells, 2002). Friedman (2000) salienta as consequncias desta transio apelidando os investidores annimos de aes, ttulos e divisas de rebanho eletrnico, e refere que este rebanho como a cauda de um tiranossauro: quando se agita

remodela o mundo sua volta (p. 146).

De facto, os ltimos trinta anos foram assinalados por diversas crises financeiras. A crise monetria do sudeste asitico (1997-99) foi considerada a primeira grande crise dos mercados globalizados e alertou para a fragilidade dos mercados financeiros baseados em taxas de confiana e risco fornecidas por empresas especializadas (como por exemplo a Standard & Poors, a Fitch ou a Moodys). Em vez de serem incidentes isolados, as crises financeiras tornaram-se cada vez mais frequentes no deixando nenhum pas de fora (PNUD, 1999). disso exemplo a ltima crise mundial, iniciada nos Estados Unidos em 2007, com a crise do mercado hipotecrio Subprime10.

Assim, a nova pobreza globalizada no resulta de falta de recursos humanos ou

materiais, mas to s do desemprego, da destruio das economias de subsistncia e da minimizao dos custos salariais escala mundial (Santos, 2001, p. 41).

Dimenso poltica

O Estado surgiu na Europa Ocidental com o fim do feudalismo e tornou-se, durante o sculo XX, a figura representativa da organizao poltica, o elemento fundamental da coeso das sociedades (Chevallier, 2000). Ao Estado cabia a afirmao e defesa da identidade coletiva, a proteo e salvaguarda da ordem social e a harmonizao dos comportamentos e resoluo dos conflitos sociais. A realizao destas funes pressupunha o estabelecimento de fronteiras que delimitavam o espao sobre o qual o Estado podia

exercer a sua soberania.

Alguns autores salientam que a globalizao conduz, no campo poltico, a um

esvaziamento progressivo do espao de deciso dos governos nacionais, pela transferncia do poder para entidades supranacionais, regionais ou locais (Bauman, 1999; Mansfield, 2005). So disso exemplo, como j referimos, a crescente importncia das organizaes internacionais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, mas tambm de formas de governo supraestatais como a Unio Europeia, a NAFTA11, o Mercosul12, a ASEAN13, ou a mais

10

Subprime lending refere-se ao crdito com elevado risco de incumprimento por parte do tomador.

11 Acordo de Comrcio Livre da Amrica do Norte (em ingls North American Free Trade Agreement) constitui uma zona

comercial entre o Canad, Mxico e os Estados Unidos.

12 Unio aduaneira do Sul, integra pases como a Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela.

13 Associao das Naes do Sudeste Asitico (em ingls Association of Southeast Asian Nations) organizao geopoltica e

econmica entre pases do sudeste asitico como a Indonsia, Malsia, Filipinas, Singapura, Tailndia ou Vietnam.



recentemente criada Unio Africana14, na definio das polticas nacionais, conduzindo a uma maior homogeneizao internacional, tanto nos pases mais desenvolvidos como nos pases em vias de desenvolvimento (Cravinho, 2000). Tambm a forte concorrncia entre pases para atrair IDE veio condicionar a poltica fiscal ao nvel das grandes multinacionais, e a existncia de parasos fiscais (e.g. Bahamas, Liechtenstein, Madeira, etc.) veio retirar aos Estados importantes receitas fiscais (Christensen, 2012).

Por outro lado, os novos espaos de cidadania que se vo constituindo pem em causa a pretenso do Estado exclusividade. A identidade divide-se agora entre identidades de proximidade e laos de solidariedade que se desenvolvem para alm do Estado-Nao (Chevallier, 2000). Assim, as fronteiras fsicas e simblicas que delimitavam a esfera de influncia e interveno do Estado tornaram-se fluidas, a capacidade dos Estados-Nao

para conduzir ou controlar os fluxos de pessoas, bens, capital ou ideias, como fazia no passado, tem vindo a diminuir (Santos, 2001).

Estes aspetos tm levado alguns autores a falar do fim ou definhamento dos Estados-Nao e das suas implicaes para o prprio futuro da democracia (Bauman, 1999; McGrew, 1993). Enquanto a democracia se est a expandir por todo o mundo15, nas

democracias maduras existe uma enorme desiluso quanto aos processos democrticos (Giddens, 2002). Na maioria dos pases ocidentais os nveis de confiana nos polticos tm vindo a decrescer nos anos recentes, h cada vez menos pessoas a votar e cada vez mais pessoas, em especial entre as geraes mais jovens, que se dizem desinteressadas da poltica (Cabral, 1997; Freire, 2003; Giddens, 2002). Contudo, este desinteresse no parece

corresponder a uma perda de f nos processos democrticos, mas antes a uma crtica classe poltica (Giddens, 2002) vista como corrupta e motivada por interesses pessoais (Poeschl & Ribeiro, 2010), e ao sistema representativo existente que j no parece suficiente, por si s, para responder s exigncias democrticas de uma sociedade em que cidados e governantes partilham os mesmos meios de informao (Giddens, 2002). Em defesa de uma cidadania mais ativa, a globalizao e as novas redes de telecomunicaes permitiram o aparecimento de novos atores na cena poltica internacional, nomeadamente pequenos atores como as organizaes no-governamentais (PNUD, 1999).

Se h ento autores que apregoam o fim dos Estados-Nao, outros salientam contudo

que estas alteraes no significam que o Estado esteja ultrapassado como forma de organizao poltica. Apesar dos novos intervenientes, a sociedade internacional continua a

ser dominada pelos Estados e a sua configurao depende, antes de mais, das desigualdades de poder e das rivalidades entre eles (Chevallier, 2000). Para Hirst e Thompson (1998) os Estados nacionais, nomeadamente nas economias avanadas, esto to robustos e integrados como antes ou ainda mais. Com efeito, o retraimento do Estado preconizado pelo Consenso de Washington e as alianas transnacionais so obtidos apenas atravs de uma forte interveno estatal (Held, 2000; Santos, 2001).

Concluindo, a globalizao um processo dialtico na medida em que no traz uma srie generalizada de mudanas actuando numa direo uniforme, mas consiste em tendncias que se opem mutuamente (Giddens, 1998, p. 45). tambm um processo

14

Criada em 2000, com base no modelo da Unio Europeia e do NAFTA, composta pela maioria dos pases africanos.

15 Entre 1980 e 1990 cerca de 81 pases deram passos significativos no sentido da democracia. Atualmente, 140 dos quase

200 pases do mundo tm eleies multipartidrias (PNUD, 2002).



desigualmente experienciado no tempo e no espao. Esta desigualdade reflete a estrutura assimtrica de poder, quer entre naes quer dentro delas, que a globalizao tende a reforar (seno mesmo a aumentar), reproduzindo as hierarquias globais de privilgio, controlo e excluso (McGrew, 1993), constituindo uma arena para o conflito entre grupos sociais (Santos, 2001). De facto, a anlise das consequncias da globalizao tem posto em evidncia os conflitos e divergncias nas relaes entre pases pobres e pases ricos; entre pases desenvolvidos e pases subdesenvolvidos ou em desenvolvimento; e dentro dos pases entre ricos e pobres, letrados e iletrados, ou mais concretamente, entre grupos com poder e grupos sem poder para determinar o curso da globalizao.

A globalizao enquanto objeto de representaes sociais

A globalizao no alvo de debate apenas nos meios polticos e acadmicos, mas

constitui tambm um objeto de reflexes e de trocas de opinio junto do grande pblico. Ora, quando um novo conceito, uma ideia nova, aparece no espao social, a necessidade de lidar com as questes abstratas e complexas que so colocadas, conduz formao de representaes sociais (Clmence, 2001). Numa primeira fase observa-se uma difuso de informao acerca do conceito que produz um conjunto de pontos de referncia comuns. Estes pontos de referncia constituem os aspetos consensuais e partilhados das representaes que desempenham importantes funes, nomeadamente transformar conceitos abstratos, estranhos em saberes familiares. a criao deste saber comum que possibilita a comunicao entre os agentes sociais (Moscovici, 1961).

Uma segunda fase ocorre quando grupos especficos intervm, organizando a rede de contedos de acordo com a sua posio social, o seu conhecimento e as suas crenas. Nesta fase, os grupos elaboram diferentes representaes de forma a justificar e orientar as atitudes, os comportamentos e as relaes que tm com outros grupos, e criar ou manter uma identidade social e pessoal gratificante (Poeschl, 2003). Procura-se uma forma de pensar, de se posicionar relativamente ao debate que entretanto se desenvolve (Clmence, 2001).

Com o objetivo de captar as representaes sociais da globalizao foi conduzido, em 2002, um estudo exploratrio em Portugal. Numa questo de associao livre includa neste estudo, a globalizao apareceu como um conceito centrado na unificao escala mundial,

caracterizado pela ausncia de fronteiras, partilha de informao, unio e uniformizao, mas tambm enquanto processo multidimensional que abrange aspetos econmicos, culturais, ambientais, tecnolgicos e polticos (Ribeiro & Poeschl, 2006).

Em 2003 foi realizado um segundo estudo junto de 503 estudantes de cinco pases de

trs continentes (Portugal, Frana, Brasil, Mxico e Tunsia). Neste estudo foi utilizado um questionrio misto composto de uma tarefa de associao livre de palavras e de escalas de opinio destinadas a medir a atitude e o grau de implicao para com a globalizao (para uma descrio detalhada do instrumento ver Viaud, 2007).

De acordo com a perspetiva desenvolvida pela Escola de Genebra sobre representaes sociais (por exemplo, Doise, 1985), a anlise dos dados realizada por Poeschl et al. (2007) procurou identificar, de entre a diversidade de opinies individuais, os tipos de

posies suscetveis de serem partilhadas por um determinado nmero de respondentes, e em que medida essas posies eram representativas dos diferentes pases participantes no estudo. Atravs de uma anlise de classificao automtica realizada sobre as respostas s



variveis de atitude (favorabilidade, avaliao positiva, preocupao, ameaa) e implicao (ao individual, ao coletiva, envolvimento, informao) foram captados trs posicionamentos distintos face ao fenmeno: a simpatia, a oposio e a indiferena. Os simpatizantes caracterizavam-se por uma maior favorabilidade e uma menor preocupao, sendo os que se diziam melhor informados e consideravam ter maior possibilidade de ao pessoal. Os oponentes, por seu lado, eram os menos favorveis, os que se sentiam mais preocupados e ameaados e que mais acreditavam na possibilidade de uma ao coletiva sobre a globalizao. Os indiferentes eram mediamente favorveis, mas os menos informados e preocupados e os que pensavam menos que se pode agir sobre o fenmeno. No contexto dos cinco pases estudados, os estudantes portugueses encontravam-se representados sobretudo no grupo dos pases mais favorveis globalizao, juntamente

com os estudantes brasileiros. Os estudantes do Mxico encontravam-se representados principalmente no grupo dos indiferentes, dividindo-se os estudantes da Tunsia entre os simpatizantes e os oponentes e os estudantes franceses entre os oponentes e indiferentes (Poeschl et al., 2007).

A anlise temtica realizada sobre o discurso captado atravs da tarefa de associao livre realizada por Viaud, Uribe e Acosta (2007) ops claramente o discurso dos simpatizantes (e, portanto, dos estudantes portugueses e brasileiros), ao discurso dos oponentes e indiferentes (ou seja, o discurso dos estudantes franceses e mexicanos), estando os estudantes tunisinos representados em ambos os discursos. Assim, enquanto o discurso dos simpatizantes remetia para trs dimenses da representao: o progresso tecnolgico como fator de civilizao, a unificao e a sociedade de comunicao, o discurso

dos oponentes e dos indiferentes remetia para a americanizao, o comrcio, a oposio entre ricos e pobres, o mercado e o trabalho, e o capitalismo americano.

Por seu lado, Ben Alaya e Campos (2007), seguindo a perspetiva estrutural das representaes sociais (por exemplo, Abric, 1994), procuraram identificar a natureza central e perifrica dos contedos evocados e evidenciar os temas que organizam as associaes entre os elementos da representao. A anlise dos contedos hierarquizados, que cruza a frequncia de ocorrncia e a ordem mdia de importncia dos elementos, permitiu identificar como elementos centrais da representao dos estudantes portugueses o capitalismo, a economia, a comunicao, a unio e o mundo. Por seu lado, a anlise de semelhana, definida a partir do nmero de ligaes entre os elementos e da sua

intensidade medida atravs do ndice de coocorrncia, sugeriu que a representao se

organizava em torno do elemento unio, volta do qual se agregavam diversas preocupaes pluridimensionais, como a perda de identidade mas tambm o desenvolvimento, e condies que poderiam conduzir a essa unio, como a comunicao e o poder.

Tal como na representao dos estudantes portugueses, na representao dos

estudantes brasileiros, capitalismo e unio surgiam como elementos centrais aliados ao desenvolvimento, organizando-se a representao em torno de trs temas: economia, unificao e trocas. Nas representaes dos estudantes franceses e mexicanos a economia constitua um dos elementos centrais, mas enquanto os franceses salientavam a influncia da americanizao no comrcio mundial, fonte de desigualdades, de

reaes antiglobalizao e de uniformizao cultural, os mexicanos referiam, como efeito nefasto do liberalismo econmico e comercial, a criao de relaes de dominao (poder) e as desigualdades sociais (pobreza). A representao dos estudantes tunisinos



assumia um carter contraditrio e ambivalente, expresso nos elementos pertencentes ao ncleo central: dominao e desenvolvimento e que se traduzia, pela coexistncia de dois elementos organizadores de conotaes antagnicas, o progresso pela abertura ao mundo vs. a dominao pela economia, remetendo para o passado colonial de dominao.

As representaes divergentes encontradas nos diversos pases participantes

salientaram a importncia de elementos culturais, histricos e civilizacionais no posicionamento face globalizao. Contudo, as diferenas de posicionamento encontradas no interior de cada pas sugeriram tambm a existncia de outros elementos explicativos do posicionamento face globalizao (Poeschl et al., 2007). Para tentar identificar estes elementos explicativos e colmatar a limitao da utilizao de uma amostra constituda

apenas por estudantes, foi realizado outro estudo em 2005 que procurou explorar o efeito da insero social (estudantes vs. profissionais de baixo ou elevado rendimento) e do sistema de valores individuais nas representaes captadas (Poeschl & Viaud, 2008). Os resultados revelaram uma relao entre os diferentes posicionamentos e o sistema de valores dos indivduos, sendo que os respondentes que atribuam uma maior importncia aos valores universalistas (igualdade, harmonia, realizao, respeito) e/ou securitrios (paz, segurana familiar, segurana nacional) foram aqueles que se mostraram menos favorveis e mais preocupados pela globalizao, enquanto aqueles que se mostravam mais favorveis ao fenmeno atribuam maior importncia obteno de um nvel de vida satisfatrio (vida confortvel, reconhecimento social, etc.) (Poeschl, 2008).

Apesar de ter sido interrogada tambm uma populao profissionalmente ativa, os resultados encontrados foram semelhantes aos de 2003, quer ao nvel da composio nacional dos diferentes grupos de posicionamento quer ao nvel dos contedos evocados pelos grupos. Com efeito, os resultados revelaram uma permanncia dos respondentes portugueses no grupo mais favorvel globalizao, juntamente com os respondentes brasileiros, e confirmaram a centralidade da unificao fundamentada na comunicao e no acesso informao e nos aspetos econmicos. Os resultados sugeriram ainda que a insero social profissional no corresponde a um tipo particular de posicionamento e que no h considerveis variaes em termos de posicionamento consoante estas categorias sociais (Poeschl, 2008).

As metodologias utilizadas nos estudos referidos associao livre de palavras e

escalas de opinio apresentam vantagens ao nvel da economia de tempo e da comparabilidade dos dados. Contudo, estas metodologias no permitem compreender como so articuladas as diferentes dimenses da representao da globalizao nos sistemas de pensamento das pessoas, nem como so resolvidas eventuais contradies relativamente ao impacto dessas dimenses. O presente estudo procurou, portanto, aceder, atravs da realizao de entrevistas semiestruturadas, s lgicas de raciocnio subjacentes s representaes formadas por pessoas no especialistas na questo da globalizao. Mais concretamente, procurou explorar as opinies relativas s consequncias, positivas e negativas, da globalizao em diferentes reas da vida social e identificar variaes nas representaes captadas em funo de diversas inseres sociais.



Mtodo

Participantes

Participaram neste estudo 30 pessoas, 15 homens e 15 mulheres, repartidos igualmente por trs categorias de insero social constitudas com base na atividade profissional e no nvel de formao acadmica: 10 estudantes, 10 profissionais de baixa insero social e 10 profissionais de elevada insero social16.

Os estudantes, com idades compreendidas entre os 18 e os 23 anos (20 anos em mdia, DP = 1.76), frequentam o ensino superior nos cursos de Psicologia, Direito, Enfermagem, Gesto e Engenharia. Os respondentes de baixa insero social tm idades compreendidas entre os 29 e os 58 anos (42 anos em mdia, DP = 9.38), 40% tm o diploma

do 3 ciclo do ensino bsico e 50% o diploma do ensino secundrio. Na sua maioria so empregados da administrao e servios (70%). Os ativos de insero social elevada tm idades compreendidas entre os 30 e os 50 anos (41 anos em mdia, DP = 6.44), 80% possuem uma licenciatura e 20% o doutoramento. So maioritariamente quadros superiores (50%) e mdios (40%) da administrao e servios e do comrcio e indstria.

Instrumento

O estudo foi realizado atravs de entrevistas semiestruturadas. Aps a apresentao dos objetivos do estudo e do consentimento informado para a gravao da entrevista, esta seguia, dividida em cinco partes: opinio geral sobre a globalizao; definio e

caracterizao do fenmeno; posies de diferentes pases relativamente globalizao; papel da globalizao nas discrepncias mundiais; e possibilidade de ao. As questes abordadas na segunda parte constituem o objeto do presente artigo.

Nesta parte da entrevista, comeava-se por pedir aos respondentes para darem a sua opinio sobre a origem da globalizao, quando que esta comeou. Posteriormente procurava-se saber a opinio das pessoas relativamente s consequncias do fenmeno, nomeadamente se a globalizao tem ou no consequncias - a nvel pessoal, nacional (para

Portugal), para a Unio Europeia ou para o mundo de forma geral e em que dimenses: econmica, cultural, poltica, ambiental e cientfica. Por ltimo, auscultava-se a opinio das pessoas relativamente preocupao suscitada pelo fenmeno e qual o futuro esperado, ou seja, em que sentido consideram que a globalizao vai evoluir.

Procedimento

Aps a realizao de um pr-teste as entrevistas foram efetuadas nas instalaes da Universidade ou na residncia dos entrevistados. Cada entrevista teve uma durao mdia de aproximadamente 1 hora, num mnimo de 45 minutos at um mximo de 2 horas.

Anlise dos dados

O material recolhido atravs das entrevistas foi transcrito e analisado com o programa de anlise de dados textuais Alceste. Este programa permite estudar a estrutura formal da

16

Os profissionais de escolaridade superior e que desempenhavam profisses de quadro mdio ou superior foram categorizados no nvel de insero elevado enquanto os entrevistados com menor grau de escolaridade ou que desempenhavam funes abaixo de quadros mdios foram codificados no nvel de insero baixo.



coocorrncia das palavras num determinado corpus, efetuando uma classificao hierrquica descendente, baseada na distncia do qui-quadrado, numa tabela de palavras que cruza o conjunto das formas lematizadas (reduzidas raiz) em provenincia dos discursos expressos (Poeschl, Mrias, & Costa, 2004).

Para examinar o efeito da pertena social foram includas as variveis demogrficas sexo (masculino vs. feminino) e insero social (estudantes vs. profissionais de baixa insero social vs. profissionais de elevada insero social) como variveis independentes.

Resultados

O corpus da entrevista consagrado caracterizao da globalizao sua origem, consequncias, dimenses, preocupao e evoluo foi dividido em 30 unidades de contexto iniciais, correspondentes ao nmero de participantes, que foram subdivididas em 2855 unidades de contexto elementares (UCE) de 12.48 palavras em mdia. Estas unidades de contexto elementares foram definidas pelo programa e correspondem a duas ou trs linhas de texto, ou seja, mais ou menos a uma frase. Das 2855 UCE foram classificadas 2257, o que representa 79.05% do material recolhido. A anlise de classificao hierrquica levou a uma partio das formas reduzidas em quatro classes.

Classe 1: Mercado e cultura

A primeira classe composta de 442 UCE (19.58% das unidades). Inclui, mais particularmente, as palavras: empresas, produtos, baratos (2 > 100.00); comprar, Espanha, lojas, alimentar, filhos, preos, Portugal, estrangeiro, fbricas, fechar, mo de obra, trabalhar, vender, roupa, comer, McDonalds (2 > 40.00). Estas palavras so significativamente mais evocadas pelos profissionais de baixa insero social (2 = 34.35) e menos evocadas pelos estudantes (2 = 19.75).

A anlise das unidades de contexto elementar mais representativas revela diversas

consequncias ao nvel da economia de mercado como resultado da produo nos pases emergentes: aparecem artigos que vm da China, muito mais baratos e a o consumidor beneficiado, porque consegue artigos baratos (entrevista 21, insero baixa, homem);

trabalham 24 horas por dia ou 16 horas por dia, ou 18 horas por dia, ou o que , no pagam impostos, por conseguinte os produtos so mais baratos (entrevista 11, insero baixa, homem). Os entrevistados referem tambm aspetos culturais que se prendem com a imigrao: pessoas que vm de fora e que tiram muitas vezes o lugar de certos empregos a pessoas que esto aqui desempregadas procura de emprego e que no conseguem arranjar (entrevista 21, insero baixa, homem) ou a alterao de costumes: hoje entra numa empresa, muitas vezes so apresentados doutores, engenheiros mecnicos, seja qual for a sua profisso. No sei se o Manuel, o Fernando, se o qu? [] Perdeu-se o relacionamento, o dizer bons dias (entrevista 23, insero baixa, homem).

Classe 2: Cincia e tecnologia

Na segunda classe, que inclui 389 UCE, ou seja 17.24% das unidades, encontram-se, dentro das palavras mais frequentes: cincia, internet, tecnologia, acesso, informao (2 > 100.00); comunicao, conhecimento, programas, facilidade, rapidamente, troca, televiso,



telemvel, contacto (2 > 60.00); descoberta, computador, evoluir, permitir, aprender, conhecer, estudar, investigao (2 > 40.00). um discurso mais patente nos estudantes (2

= 10.51) e nos respondentes do sexo feminino (2 = 5.87).

Trata-se de um discurso essencialmente positivo que reflete uma estreita ligao entre a globalizao e o desenvolvimento cientfico e tecnolgico, originando-se mutuamente: a globalizao permitiu o desenvolvimento da cincia e das tecnologias (entrevista 6, estudante, mulher); por causa da revoluo informtica, com a internet, os satlites, as coisas comearam a ficar muito mais globalizadas porque a internet permite-nos ter acesso a tudo o que se passa no mundo [] num curto espao de tempo (entrevista 8, estudante, mulher); penso que a cincia e a tecnologia do um grande contributo globalizao porque mais fcil aceder-se informao, mais fcil o intercmbio de ideias, podem estar

duas pessoas, uma na Europa e outra na sia e conseguem comunicar [] podem discutir ideias (entrevista 9, estudante, homem).

Classe 3: Ambiente

A terceira classe rene 7.89% das unidades de contexto (178 UCE) e inclui sobretudo as palavras: ambiente, poluio (2 > 400.00); gua, reciclagem, camada do ozono (2 > 100.00); efeito de estufa, lixo, gases, estragar, diminuir, melhorar, problemas, Quioto, potvel, Amaznia, sade, rios, escassez, implementar, impacto (2 > 50.00). As palavras foram sobretudo mencionadas pelos respondentes do sexo feminino (2 = 12.84),

principalmente estudantes (2 = 9.54), estando significativamente menos presentes nos respondentes de elevada insero social (2 = 6.98).

O discurso revela que os entrevistados consideram que a globalizao desempenha um papel ativo no agravamento dos problemas ambientais: Por exemplo o efeito de estufa, eu acho que tem muito a ver com a globalizao. Porque l est, somos todos ns que contribumos para isso, no s um pas (entrevista 10, mulher, estudante); o impacto ambiental que a globalizao tem para o planeta, o efeito de estufa, o buraco do ozono, a

desflorestao da prpria Amaznia [] uma consequncia negativa da globalizao, esta nsia de crescimento, [] de produzir (entrevista 1, homem, estudante). Contudo tambm consideram que a globalizao contribui para a sensibilizao para as questes ambientais: a globalizao tenta alertar para esses mesmos problemas, para que as pessoas no poluam

tanto, para que poupem a gua porque a gua diz respeito a todos (entrevista 6, mulher, estudante). A globalizao desempenha ainda um papel na regulamentao das medidas ambientais a adotar atravs dos acordos internacionais: tem a ver com o ambiente porque tambm h aquelas cimeiras em que muitos pases participam para combater a poluio, assinam acordos (entrevista 8, mulher, estudante); o protocolo de Quioto em que quase todos, menos alguns que no assinaram, mas a grande maioria assinou o protocolo de Quioto sobre as emisses de gases (entrevista 5, homem, estudante).

Classe 4: Poltica e abertura

A quarta classe, a maior de todas, com 1248 UCE, isto 55.29% das unidades de contexto elementares, inclui sobretudo as palavras: poltica, economia, Unio Europeia (2 > 50.00); consequncias, unir, futuro, ricos, vista (2 > 20.00). Este discurso, que reflete as consequncias no futuro das polticas adotadas, est mais presente nos ativos de elevada



insero social (2 = 22.12), do sexo masculino (2 = 18.99). Est significativamente ausente do discurso dos ativos de baixa insero social (2 = 18.52).

O discurso revela a importncia da dimenso poltica no processo de globalizao enquanto algo positivo: eu acredito ou quero acreditar que as medidas polticas fruto dessa globalizao que so tomadas tm o intuito e o objetivo de melhorar a nossa qualidade de vida e proporcionar-nos de facto melhores condies a todos os nveis (entrevista 15, insero elevada, homem); foi tudo uma deciso tomada pela poltica, pela poltica ou pelos polticos [] foi muito bom porque de facto, como estvamos muito fechados, que era o que acontecia anteriormente antes do 25 de Abril, quando vivamos em ditadura (entrevista 14, insero elevada, mulher). Relativamente ao que esperar do futuro da globalizao os respondentes referem a esperana de uma evoluo positiva: a globalizao

neste momento poderia ser digamos uma forma de vivermos num mundo melhor (entrevista 19, insero elevada, homem) e a continuao do alargamento e da abertura: eu acredito sinceramente que o espao Schengen um dia poder ser global e ns poderemos ir a qualquer parte, a qualquer pas do mundo (entrevista 1, estudante, homem).

Discusso

Os discursos produzidos relativamente definio e caracterizao do fenmeno globalizao origem, consequncias e dimenses, preocupao e futuro , sem

contrariarem a representao da globalizao enquanto unificao fundamentada na comunicao, no acesso informao e nos aspetos econmicos (Poeschl & Viaud, 2008), remetem para a multidimensionalidade do conceito (Ribeiro & Poeschl, 2006). Nos discursos captados podem-se identificar as principais consequncias apresentadas na literatura, nomeadamente os aspetos econmicos, tecnolgicos, culturais, ambientais e polticos, sendo contudo praticamente ausentes as referncias quanto origem da globalizao, talvez devido menor relevncia social deste aspeto da discusso sobre o fenmeno.

Os discursos captados revelam que as consequncias percecionadas da globalizao esto associadas insero social das pessoas entrevistadas. Num discurso positivo, os estudantes salientam as vantagens da globalizao tecnolgica, a importncia da partilha de conhecimento, a possibilidade de viajar e estudar em diferentes pases e culturas, aliadas ao

desenvolvimento dos meios de informao e comunicao. Referem tambm os aspetos ambientais, nos quais a globalizao pode desempenhar um papel tanto negativo como positivo. Os estudantes so pouco sensveis s consequncias que advm da globalizao dos mercados, ao contrrio dos ativos de baixa insero social. O discurso, ambivalente, destes profissionais salienta sobretudo o acesso a produtos mais baratos, mas tambm o risco do desemprego pelas crescentes deslocalizaes do processo produtivo para pases emergentes como a China ou a ndia, evocando menos os aspetos polticos. Os ativos de elevada insero social, apesar de menos despertos para as consequncias ambientais da globalizao, partilham as preocupaes sociais e econmicas, distinguindo-se dos outros respondentes pela importncia atribuda dimenso poltica, vista como positiva, da

globalizao. Com efeito, este grupo social parece apostar na globalizao como meio para reduzir as assimetrias e augura um futuro positivo para o processo.

O facto de a classe poltica e abertura reunir a maioria do material analisado e ser mais representativa do discurso dos ativos de elevada insero social e dos entrevistados do sexo



masculino, pode dever-se maior produo discursiva destes grupos sociais (estudantes: 31.528 palavras; ativos baixa insero social: 40.815 palavras; ativos elevada insero social: 44.700 palavras; homens: 60.566 palavras; mulheres: 56.477 palavras). O facto de os grupos entrevistados no mostrarem a mesma fluidez de expresso, ou seja a mesma facilidade de se exprimirem acerca deste objeto social, poder dever-se maior relevncia da globalizao para os grupos sociais em situao econmico-social privilegiada ou dominante. Com efeito, resultados relativos aos dados portugueses recolhidos em 2005 (Ribeiro, 2011) revelam que a globalizao constitui um objeto social mais saliente, ou seja, que produz maior pensamento, discursos e procura de informao, para os profissionais de elevado rendimento do que para os profissionais de baixo rendimento ou para os estudantes, e mais saliente para os homens do que para as mulheres.

A salincia dos aspetos informacionais e comunicacionais no discurso dos estudantes ilustra o fosso de informao (Anderson, 2001) referido na parte terica deste trabalho, salientando as discrepncias entre jovens e velhos, letrados e iletrados no acesso sociedade de informao propiciada pela globalizao. Por seu lado, a opinio contrastante entre estudantes e ativos de baixa insero social relativamente ao intercmbio cultural e circulao de pessoas entre pases evidencia como, consoante a posio social, esta mesma possibilidade de circulao e intercmbio pode ser perspetivada como estimulante ou inquietante (PNUD, 2004).

O facto de serem tambm sobretudo os ativos de baixa insero social a referirem as consequncias negativas da globalizao para a economia ilustra como a globalizao

favorece o aumento das desigualdades sociais dentro dos pases atravs dos seus efeitos diferenciados no mercado de trabalho. Com efeito, enquanto a globalizao do mercado de trabalho qualificado (gestores de topo, analistas financeiros, cientistas, estrelas desportivas, etc.) propicia a melhoria das condies salariais, estmulos progresso e relativa estabilidade, o emprego assente na produo intensiva da fora de trabalho da classe trabalhadora enfrenta graves consequncias a nvel nacional, quer pela deslocalizao do processo produtivo para pases com vantagens comparativas em termos dos custos de mo de obra e sociais, quer pela presso sobre os salrios e a precarizao dos vnculos laborais (Andreff, 2001; Castells, 2002; PNUD, 1999).

Por ltimo, o facto de as mulheres referirem mais os aspetos ambientais e os homens privilegiarem os aspetos polticos vai de encontro a diversos estudos que mostram que as

mulheres so mais preocupadas do que os homens relativamente a questes ambientais, como a reciclagem (Executive Digest, 2009) e menos interessadas pela poltica (Cabral, 1997; Freire, 2003).

Em suma, apesar de os estudos internacionais referidos anteriormente no terem salientado, globalmente, diferenas significativas nas representaes da globalizao em funo da insero social e do sexo dos respondentes, os resultados aqui encontrados apontam para uma diferenciao ao nvel da salincia e importncia das dimenses e consequncias do fenmeno: Os discursos captados remetem claramente para a importncia das posies que os grupos ocupam na sociedade na formao das representaes sociais, nomeadamente as que esto ligadas s prticas sociais.

Assim, estes discursos revelam que a atitude relativamente favorvel obtida em estudos anteriores sobretudo devida importncia dos aspetos comunicacionais proporcionados pelo desenvolvimento tecnolgico na representao dos portugueses por



ns inquiridos. Contudo, existem tambm aspetos negativos e ambivalentes nessa representao que se referem sobretudo s consequncias econmicas, culturais e ambientais da globalizao. Por um lado, a ambivalncia pode provir de estarmos numa fase de emergncia da representao (Ben Alaya, 2008; Campos, 2008), o que poderia explicar que as representaes se revelam pouco ou mal estruturadas e que se encontram tanto inquietudes junto dos sujeitos mais favorveis como expectativas positivas junto dos mais desfavorveis (Campos, 2008). Por outro lado, pode revelar, como referem alguns autores (Pimenta, 2004; Santos, 2001), que no estamos face a um fenmeno nico de globalizao, mas diante de diferentes processos de globalizao, que avanam a ritmos muito diferentes com consequncias, em muitos casos, de sentidos opostos sobre diferentes grupos sociais.

Nesta perspetiva, seria importante poder construir, na sociedade civil, uma conscincia

dos riscos e potencialidades que os processos de globalizao podem trazer para o conjunto dos cidados e para cada um dos grupos sociais em particular, para que os cidados que geralmente no tm voz sejam capazes de reivindicar por uma governao melhor e mais justa e contribuir ativamente na conduo do curso da globalizao.

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Apresentao: 13/05/2013

Aprovao: 13/07/2013

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