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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EFETIVIDADE DO DIREITO NÚCLEO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL GUSTAVO HENRIQUE PACHECO BELUCCI A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO MAGISTRADO DA EFETIVIDADE PROCESSUAL À ANÁLISE JUDICIAL DA PROVA E AS MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA. A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA E DAS CIÊNCIAS AUXILIARES DO DIREITO NESSA OPERAÇÃO São Paulo 2014

GUSTAVO HENRIQUE PACHECO BELUCCI A FORMAÇÃO DA … Henrique... · filosofia e das ciências auxiliares do direito nessa operação. Palavras-chave: Processo civil – efetividade

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Page 1: GUSTAVO HENRIQUE PACHECO BELUCCI A FORMAÇÃO DA … Henrique... · filosofia e das ciências auxiliares do direito nessa operação. Palavras-chave: Processo civil – efetividade

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EFETIVIDADE DO DIREITO

NÚCLEO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

GUSTAVO HENRIQUE PACHECO BELUCCI

A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO MAGISTRADO – DA EFETIVIDADE

PROCESSUAL À ANÁLISE JUDICIAL DA PROVA E AS MÁXIMAS DE

EXPERIÊNCIA. A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA E DAS CIÊNCIAS AUXILIARES DO

DIREITO NESSA OPERAÇÃO

São Paulo

2014

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GUSTAVO HENRIQUE PACHECO BELUCCI

A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO MAGISTRADO – DA EFETIVIDADE

PROCESSUAL À ANÁLISE JUDICIAL DA PROVA E AS MÁXIMAS DE

EXPERIÊNCIA. A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA E DAS CIÊNCIAS AUXILIARES DO

DIREITO NESSA OPERAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo - PUC/SP, na área de

concentração Efetividade do Direito, Núcleo de

Direito Processual Civil, como requisito parcial

para a obtenção do grau de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. José Manoel de Arruda Alvim

Netto.

São Paulo

2014

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GUSTAVO HENRIQUE PACHECO BELUCCI

A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO MAGISTRADO – DA EFETIVIDADE

PROCESSUAL À ANÁLISE JUDICIAL DA PROVA E AS MÁXIMAS DE

EXPERIÊNCIA. A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA E DAS CIÊNCIAS AUXILIARES DO

DIREITO NESSA OPERAÇÃO.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, na área de concentração Efetividade

do Direito, Núcleo de Direito Processual Civil, como requisito parcial para a obtenção

do grau de Mestre em Direito.

Aprovada em ___ de __________ de ________.

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________

Prof. Dr. José Manoel de Arruda Alvim Netto

Orientador

___________________________

Prof. Dr. Everaldo Augusto Cambler

___________________________

Prof. Dr. Georges Abboud

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Dedico este trabalho em especial aos meus avôs e aos

meus pais, que sempre apoiaram o estudo visando não

só a formação do profissional, mas do ser humano. Meu

carinho eterno a vocês, que são minha fonte de

inspiração.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar aos meus avós.

Agradeço à sua lembrança e à memória dos tempos bons que vivi e do paraíso que

será sempre em minha mente quando sobre vocês repousar meus pensamentos.

Durante toda a graduação, muito tive o auxílio dos meus avós, que propiciaram não

só um ambiente calmo ao estudo, mas para a completa educação.

Agradecimentos estes que se estendem aos meus pais, e minha irmã, com a

colaboração emocional tão necessária para que os estudos pudessem ser

concluídos.

Agradeço, como não poderia esquecer, à Professora Thereza Celina Diniz de Arruda

Alvim, que durante o crédito de teoria geral do processo de conhecimento neste

curso de mestrado, entre duras e bem humoradas críticas à minha aparência,

ensinou o verdadeiro valor do esforço e a importância do estudo para se alcançar

qualquer objetivo na vida.

Agradeço também imensamente ao Professor Dr. José Manuel de Arruda Alvim

Netto, orientador do presente trabalho, cuja atenção, educação e gentileza,

simplesmente não são deste mundo.

Reúne sim, este profissional, as características mais marcantes de um professor,

dentre as quais se destaca a humildade, que é um importante alicerce para fazer os

alunos caminharem.

Agradeço também ao Professor Everaldo Augusto Cambler, que auxiliou nas críticas

e sugestões com o texto do presente trabalho, sempre com muita disposição,

atenção e cordialidade.

A todos vocês, meu muito obrigado!

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“É comum no foro, na imprensa e nas câmaras

substituírem as razões, os fatos e os algarismos pelos

adjetivos retumbantes em louvor de uma causa, ou em

vitupério da oposta. Limitam-se alguns a elevar às

nuvens os autores ou as justificativas que invocam, e a

deprimir os do adversário; os outros chamam

irretorquíveis, decisivas, esmagadoras às próprias

alegações, e absurdas, ou maldizer detratar com

veemência não é argumentar; será uma ilusão de

apaixonado, ou indício de inópia de verdadeiras razões.

A ironia leva a palma ao vitupério. O que impressiona

bem (saibam os novos, mais ardorosos e menos

experientes) é a abundância e solidez dos argumentos

aliados à perfeita cortesia, linguagem ponderada e

modéstia habitual”.1

1 Carlos Maximiliano: Hermenêutica e aplicação do direito – Apaixonar-se não é argumentar (Rio de Janeiro:

Editora Forense, 2011, p. 225/226).

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RESUMO

O tema central a ser desenvolvido situa-se na formação da convicção do magistrado

e nos elementos que formam esse convencimento, dados pelo sistema (fatores

processuais – provas em espécie), e pelas ciências afins do direito, tais como a

filosofia, sociologia, lógica, matemática, cultura, valores etc. (fatores

extraprocessuais, internos e externos do sistema), na demonstração que estes se

combinam. O trabalho parte da efetividade do processo, que será estudada no

sentido de assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos

fatos relevantes do processo e também da influência da Constituição, para estudar

como o sistema processual dispõe acerca da construção do convencimento do

magistrado, embasado na teoria geral da prova e nos fatores extraprocessuais,

filosóficos e lógicos para que então se profira decisão, que será produto não

somente da simples aplicação da lei, mas de um complexo teórico que é a formação

do convencimento do juiz. São divididos os fatores formadores da convicção em

processuais e extraprocessuais, sendo estes últimos internos e externos. Pelos

fatores processuais, podem-se indicar as provas em espécie relacionadas pelo

sistema, e como extraprocessuais, aqueles fatores internos (que são estudados

pelas regras de integração do direito) e externos da formação da convicção

(representados pela cultura e pelos valores). Estes elementos extraprocessuais

externos serão estudados tendo por base uma concepção filosófica. Optou-se,

nesse sentido, por estudar, além da filosofia do Direito de Miguel Reale, Lourival

Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, a doutrina de David Hume (século XVIII) e de

John Stuart Mill (Século XIX) em suas obras Tratado da Natureza Humana e Sobre a

Liberdade, respectivamente, pois evidenciam a influência do meio externo e da

sociedade nas pessoas e por consequência, na formação da formação da convicção

do Magistrado, relacionando um breve estudo de casos ao final dos capítulos quatro

e cinco. Serão, do mesmo modo, apresentados ao final dos capítulos, a

correspondência dos temas com o Projeto de Novo CPC (PL 8.046/2010). Por esses

motivos, optou-se pelo tema: A formação da convicção do magistrado – da

efetividade à análise judicial da prova e as máximas de experiência. A influência da

filosofia e das ciências auxiliares do direito nessa operação.

Palavras-chave: Processo civil – efetividade - formação da convicção do magistrado

– prova.

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ABSTRACT

The central theme to be developed lies in the formation of the conviction of the

magistrate and the elements that make this convincing, given by the system

(procedural factors), and the related sciences of law, such as philosophy, sociology,

logic, mathematics, etc. (extra procedural factors), in prove that these factors

combine. The working part of the effectiveness of the process, which will be studied

in order to ensure conditions conducive to accurate and complete reconstruction of

the relevant facts of the case and also the influence of the Constitution, to study how

the court system has about the construction of the conviction of the magistrate,

grounded in the general theory of proof and factors extra procedurals, philosophical

and logical to then utters decision, which will produce not only the simple application

of the law, but a complex theory which is the formation of the conviction of the judge.

The factors are divided trainers conviction on procedural and extra procedurals,

these being internal and external. By procedural factors may be indicated in the

evidence related species by the system, and how extra procedurals, those internal

factors (rules are studied by the integration of the right) and external training of

conviction (culture and values). These extra procedurals external elements shall be

studied based on a philosophical concept. It was decided, accordingly to the study,

and the philosophy of law of Miguel Reale, Lourival Vilanova e Paulo de Barros

Carvalho, the doctrine of David Hume (eighteenth century), and John Stuart Mill

(nineteenth century) in his work Treatise of Human Nature and On Liberty,

respectively, for evidence the influence of the external environment and the society

on people and consequently, the formation of the formation of the conviction of the

Magistrate, relating brief case study at the end of chapters four and five. It will be

presented, by the end of the chapters, the correspondence of the themes with the

Project of New CPC (PL 8.046/2010). For these motives, the theme chosen is: The

formation of the conviction of the magistrate - the effectiveness of judicial review of

the evidence and the maxims of experience. The influence of philosophy and the

sciences auxiliary of law in this operation.

Key-words: Civil procedure - effectiveness - formation of the conviction of the

magistrate – judicial proof - evidence.

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SUMÁRIO

Introdução ...................................................................................................... 12

1. Efetividade Processual. O processo à luz da Constituição. ..................... 19

1.1. Amplitude do conceito e delimitação. ............................................................. 19

1.2. Constituição Federal e processo. ................................................................... 24

1.3. Modelo processual civil. Atividade finalística do processo. ............................. 26

1.4. Formalismo e a participação do juiz no processo. Introdução e poderes

instrutórios do juiz. .................................................................................................... 30

1.5. O projeto de Código de processo civil – Texto do Senado x Texto da Câmara -

Formalismo, efetividade e Constituição no Projeto de Lei nº 8.046/2010. Introdução

às mudanças do Projeto. ........................................................................................... 32

2. As Provas. Elementos processuais da formação da convicação do

magistrado. .............................................................................................................. 56

2.1. Introdução e conceito. Prova como limite da cognição ................................... 56

2.2. História da prova. ............................................................................................ 59

2.3. Teoria geral das provas. ................................................................................. 65

2.3.1. A prova como direito fundamental. ................................................................. 65

2.3.2. Problema da verdade. Provas e fatos. ............................................................ 67

2.3.3. Finalidade e conteúdo da prova. ..................................................................... 70

2.3.4. As provas e os princípios do Código de processo civil. .................................. 71

2.3.5. Objeto da prova. Fatos que independem de prova. Prova impossível. ........... 73

2.4. Fontes e meios de prova. ............................................................................... 78

2.5. Momento da prova .......................................................................................... 81

2.6. Classificação da prova. ................................................................................... 82

2.7. Ônus da prova e sua distribuição. .................................................................. 83

2.8. Fato negativo e a prova da negação .............................................................. 88

2.9. Prova diabólica. .............................................................................................. 90

2.10. Inversão do ônus da prova. ............................................................................ 91

2.11. Prova emprestada. ......................................................................................... 95

2.12. Prova ilícita. .................................................................................................. 101

2.13. Provas em espécie. ...................................................................................... 105

2.13.1. Depoimento pessoal. ................................................................................... 106

2.13.2. Confissão. ................................................................................................... 107

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2.13.3. Exibição de documento ou coisa.................................................................108

2.13.4. Prova documental. ...................................................................................... 108

2.13.5. Prova testemunhal. ..................................................................................... 109

2.13.6. Prova pericial. ............................................................................................. 110

2.13.7. Inspeção judicial. ........................................................................................ 111

2.14. O Projeto de Lei nº 8.046/2010 e as provas e elementos processuais

formadores da convicção do magistrado. ................................................................ 115

3. A convicção do magistrado. ..................................................................... 124

3.1. Introdução – Conceito e problematização da cognição judicial. .................... 124

3.2. Atos do juiz. ................................................................................................... 129

3.3. Poderes, deveres e responsabilidade do juiz. ............................................... 132

3.3.1. Deveres do juiz. ............................................................................................ 132

3.3.2. Poderes do juiz. ............................................................................................ 135

3.4. Princípios constitucionais e análises específicas dos artigos 125 e seguintes

do Código de processo civil..................................................................................... 138

3.5. Impedimento e suspeição. ............................................................................ 140

3.6. A livre apreciação da prova. ......................................................................... 142

3.6.1. A cognição. Conceito e espécies. ................................................................. 142

3.6.2. O livre convenciomento motivado. Persuasão racional do juiz. .................... 145

3.6.3. Fatos intuitivos, indícios e presunções – As máximas de experiência. ......... 150

3.6.4. Prova Prima Facie. ....................................................................................... 155

3.7. O dever de decidir e a analogia, os costumes e princípios gerais de direito. A

aplicação da lei. ....................................................................................................... 156

3.8. Valoração da prova. ...................................................................................... 160

3.9. A convicção e o PL nº 8.046/2010. Atos, direitos, deveres, impedimentos e

suspeição do juiz. A livre apreciação da prova, máximas de experiência, dever de

decidir e valoração da prova no Projeto. ................................................................. 163

4. Elementos processuais e extraprocessuais da formação da convicção

do magistrado. ....................................................................................................... 168

4.1. Introdução e divisão. ..................................................................................... 168

4.2. Fatores processuais formadores da convicção. ............................................ 172

4.3. Fatores extraprocessuais formadores da convicção. .................................... 173

4.3.1. Introdução: divisão e conceituação. .............................................................. 173

4.3.2. Ciências afins do direito. ............................................................................... 175

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4.3.3. Interpretação e convicção. ............................................................................ 176

4.3.4. O Círculo de Viena. ...................................................................................... 178

4.3.5. Língua e linguagem. ..................................................................................... 181

4.3.6. A lógica e o dever-ser. .................................................................................. 185

4.4. A interpretação, a hermenêutica e a aplicação do direito. ............................. 188

4.5. As normas de integração do direito. .............................................................. 194

4.5.1. A analogia. .................................................................................................... 196

4.5.2. O costume. ................................................................................................... 200

4.5.3. Os princípios gerais de direito. ..................................................................... 202

4.5.4. A equidade. ................................................................................................... 207

4.6. Interdependência entre fatores processuais e extraprocessuais (breve proposta

de estudo de casos). ............................................................................................... 211

4.7. Fatores processuais e extraprocessuais no PL nº 8.046/2010. .................... 216

5. Fatores extraprocessuais externos da formação da convicção do

magistrado. Direito e filosofia. ............................................................................. 218

5.1. Introdução e conceituação. ........................................................................... 218

5.2. Convicção, convencimento e persuasão na ótica filosófica. ......................... 219

5.3. Elementos externos da formação da convicção do magistrado. ................... 221

5.3.1. Inteligência, hábito e instintos. ...................................................................... 221

5.3.2. Intuição e raciocínio. ..................................................................................... 223

5.3.3. Dedução. ...................................................................................................... 225

5.4. Subjetividade, tendências, desejos e comportamentos e suas relações com a

formação do convencimento e com relação ao PL 8.046/2010. .............................. 226

5.5. Valores e Cultura. ......................................................................................... 233

5.6. A formação da convicção passional e a parcialidade do ser. A filosofia de

David Hume. ............................................................................................................ 237

5.7. A influência da imprensa na formação da convicção. A filosofia de John Stuart

Mill. A influência da sociedade sobre a pessoa a a mídia. ...................................... 241

5.8. Fatores políticos e sociais e o processo legislativo. ..................................... 248

Conclusão. .................................................................................................... 256

Bibliografia. .................................................................................................... 266

Apêndice. ...................................................................................................... 272

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INTRODUÇÃO

A formação da convicção do magistrado é o ponto culminante para que a parte

obtenha no processo o provimento jurisdicional na demanda que as forçou a buscar

a solução de seus problemas perante o Estado, através do Poder Judiciário.

A formação da convicção do magistrado é por assim dizer, o clímax do processo,

pois é a partir deste momento que será decidida a pretensão posta em análise.

As partes produzem a prova de suas alegações e materialmente instruem os autos

(visando a reconstrução da “verdade” – de uma realidade fática), aguardando lhes

seja o provimento jurisdicional favorável, que resolverá a demanda e seus anseios

de justiça.

O magistrado por sua vez, incumbido da função inescusável de decidir e munido

daqueles escritos, os sopesará e condensará com o seu raciocínio, cujo produto

será o provimento judicial, resultado deste processo intelectual.

Esse provimento judicial, como busca o presente trabalho demonstrar, não é

somente o produto puro da fria análise das provas produzidas e do processo de

subsunção do fato à norma, mas deve levar em conta também fatores externos,

como a formação cultural do magistrado e elementos dados pelas ciências afins do

direito como a lógica e a filosofia, que complementam e fundamentam a posição a

ser tomada por ele.

A formação da convicção do magistrado compõe-se de um verdadeiro complexo,

que envolve não somente o sistema jurídico (as provas e o que é expressamente

disposto), mas a formação do magistrado como ser humano, sua educação, e o

juízo de valor que faz das leis e situações postas ao seu conhecimento.

Todos estes fatores na maioria dos casos se combinam e resultam na decisão

judicial que os sopesará: processuais e extraprocessuais (internos e externos).

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Nessa reconstrução da “verdade”, pode-se dizer que provas são oriundas de fatos,

uma vez que visam a reconstrução em juízo, de uma situação fática ocorrida (ou em

curso), e estes fatos serão formalizados no processo judicial e postos para análise

criteriosa do magistrado (que deverá fundamentar a posição tomada dentro do

sistema).

O professor Luiz Guilherme Marinoni,2 indicando a estatística presente no estudo de

William Twining, colhe dados interessantes, que demonstram como a análise destes

elementos - fatos e provas, estão presentes na rotina do operador do direito e seu

estudo pormenorizado é indispensável (mesmo tratando-se de dados um tanto

exagerados, como o próprio autor afirma, a lição é exemplificativa):

(...) certa vez foi sugerido que 90 por cento dos advogados gastam 90 por

cento do seu tempo lidando com fatos e que isso deveria ser refletido em

seus treinamentos. Se 81 por cento do tempo dos advogados é gasto em

uma coisa, daí decorre que 81 por cento da educação jurídica deveria ser

devota a isso. Existem alguns cursos isolados sobre descoberta dos fatos

(fact-finding) e congêneres, mas nenhum instituto tem tido um programa

completo em que a principal ênfase seja em análise dos fatos. Eu proponho

que nós centremos nosso currículo neste princípio e que nós chamemos

nosso grau um Bacharel de Fatos (TWINING, William. Rethinking evidence

– exploratory essays. Evamton: Northwestern University Press, 1994, p.12).

A análise das provas visando reconstrução da “verdade”, cuja problemática e

conceitos serão explorados em tópico próprio, culminará na decisão judicial

favorável à parte que melhor convencer o magistrado, vale dizer, aquele que melhor

reconstruir a verdade dos fatos.

Essa realidade fática é construída dentro do processo através das provas que

deverão ser interpretadas, uma vez que obrigatoriamente devem se formalizar (na

maioria das vezes por escrito) nos autos para que seja produto posterior de análise

pelo juiz.

2 Processo de Conhecimento. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 297.

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Ensina, na mesma ordem, o Professor Paulo de Barros Carvalho, que “o jurista (aqui

concebido como magistrado), exegeta das proporções inteiras deste todo

sistemático, pela atitude cognosciva de interpretação, é o ponto de intersecção

destes dois mundos sígnicos: realidade e direito positivo, em toda sua

complexidade”. 3

O presente trabalho parte, assim, para a demonstração dos aspectos até agora

tratados, da constitucionalização e da efetividade do processo, para estudar como o

sistema processual dispõe acerca da construção do convencimento do magistrado

(fato de extrema relevância para a solução do litígio, sendo estudado nas suas

minúcias), embasado na teoria geral da prova e nos fatores extraprocessuais,

filosóficos e lógicos para que então se profira decisão, que será produto não

somente da simples aplicação da lei, mas de um complexo teórico que é a formação

do convencimento do juiz (que se dá não somente pelos fatos colocados no

processo).

Pelos fatores processuais, podem-se indicar as provas em espécie relacionadas

pelo sistema, e como extraprocessuais, aqueles fatores internos (regras de

integração do direito) e externos da formação da convicção (cultura e valores).

Estes elementos extraprocessuais internos são estudados pelas regras de

integração do direito, presentes nos ensinamentos de diversos juristas de escol, tais

como o professor Arruda Alvim, Luiz Guilherme Marinoni, Fredie Didier Jr., Luiz

Rodrigues Wambier, e da obra de Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, no

campo da interpretação e lógica, dentre tantos outros não menos importantes.

Os elementos extraprocessuais externos serão estudados tendo por base uma

concepção filosófica.

Dessa forma, para tratar dos valores e da cultura, optou-se por estudar a obra do

jurista Miguel Reale - Filosofia do Direito, assim como para a hermenêutica, optou-se

3 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 206.

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pela célebre e conhecida obra do eminente Carlos Maximiliano: Hermenêutica e

aplicação do direito.

Finalmente, após apresentar estes fatores externos, tratar-se-á de demonstrar que

todo ser humano parte de um ponto de vista crítico-passional, havendo

indissociavelmente um critério de parcialidade em qualquer juízo de valor, assim

como a sociedade, através de seus clamores, também exerce uma parcela

importante de influência, quando da formação da convicção do juiz.

Com efeito, optou-se por estudar a doutrina de David Hume (século XVIII) e de John

Stuart Mill (Século XIX) em suas obras Tratado da Natureza Humana e Sobre a

Liberdade, respectivamente, pois apresentam alguns elementos de relevância no

presente trabalho e ajudam a compreender o complexo da formação da convicção

do Magistrado.

O primeiro porque quando trata extensamente sobre o conhecimento, afirma que

este seria, na prática, resultado do hábito, e este, por sua vez, seria derivado de um

processo inerente à natureza humana, de associar dois fenômenos independentes,

vinculando-os em termos de causalidade, por se terem mostrado de maneira

encadeada diante de nossos sentidos.

O segundo porque tratou acerca da natureza e os limites do poder que pode ser

exercido legitimamente pela sociedade sobre o indivíduo, ou seja, acerca da

influência que a mídia (no geral, compreendendo-se dos jornais à internet nos dias

atuais) exerce sobre os homens e quais reflexos podem e devem implicar na

interpretação e aplicação da lei.

Portanto, ao longo do trabalho propõe-se a explorar sistematicamente os temas

acima propostos, dividindo-se em cinco capítulos e uma conclusão ao final: o

primeiro capítulo destina-se à exposição e situação do tema diante da efetividade

processual.

A efetividade processual é temática atual e preocupação recorrente da doutrina. A

produção da prova, no aspecto técnico influi para a efetividade processual de duas

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maneiras principais: i) qualidade da prestação jurisdicional, com uma produção de

provas feita visando o convencimento do juiz, na formação da realidade fática,

aproximando-se da “verdade” – até mesmo porque efetividade e qualidade devem se

conjugar no processo moderno e; ii) na celeridade, com a melhor utilização dos

mecanismos postos às partes para produção da prova para a efetiva e pertinente

prova de suas alegações.

Ainda no primeiro capítulo, será tratado acerca do sistema processual civil e suas

relações com a Constituição Federal.

No segundo capítulo, são estudados os elementos processuais formadores da

convicção do magistrado: as provas em espécie no ordenamento jurídico. Será

tratada a teoria geral das provas e feita também uma análise histórica do instituto,

tendo por base a monumental obra do Professor Moacyr Amaral Santos – Prova

judiciária no Civil e no Comercial.

No terceiro capítulo, os olhos serão voltados à atividade do juiz, estudando seus

poderes, deveres, e como o sistema processual coloca que deverá formar-se a sua

convicção – o livre convencimento motivado, a fundamentação das decisões

judiciais, e como o juiz realiza a operação de análise e valoração da prova.

No quarto capítulo, serão estudados os elementos extraprocessuais formadores da

convicção do juiz. Estes elementos serão divididos neste capítulo didaticamente em

processuais e extraprocessuais, sendo estes últimos, internos, quando tem relação

com os elementos dados pelas ciências afins do direito, tais como a filosofia,

economia, sociologia, entre outras, pois, quanto a estes, nem sempre há previsão

expressa de incidência na formação da convicção, muito embora o sistema preveja

expressamente normas de integração do direito, e externos, quando tem relação

com a consciência, valores culturais e formação do juiz como ser humano.

No quinto capítulo, serão estudados estes elementos ditos externos, e explorada a

maneira como eles influenciam a formação da convicção do juiz (e em alguns casos,

até mesmo o processo legislativo).

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Ao final, no sexto capítulo, é feita a conclusão dos aspectos aqui levantados e

estudados.

Portanto, optou-se por utilizar-se da dicotomia entre fatores processuais e

extraprocessuais porque, em análise do sistema processual acerca da formação da

convicção do magistrado, constata-se que diversos elementos atuam neste

processo: a) de um lado os elementos processuais representados pelas provas em

espécie que trazem a concretude aos fatos alegados, e atuam na reconstrução da

“verdade” que será posta ao magistrado para análise; b) em seguida, será feita a

análise destes elementos dentro do sistema, e, se necessário utilizados elementos

extraprocessuais internos, como as regras de integração do direito, que dispostas

também no sistema, exigem uma parcela do magistrado de utilização de elementos

lógicos, sociológicos e das ciências afins do Direito, e finalmente também atuam

neste processo os fatores extraprocessuais externos, que são representados por

elementos tipicamente intrínsecos do magistrado, como sua formação como

profissional e ser humano, cultura e os juízos de valor que faz do mundo, podendo

inclusive atuar previamente às provas em espécie produzidas (como quando se

extingue o processo sem julgamento do mérito, que se demonstrará através de

breve estudo de casos).4

Por derradeiro das considerações introdutórias, não se buscou uma análise

exaustiva dos elementos extraprocessuais formadores da convicção, tais como a

linguagem e a lógica, como proposto por grandes juristas como Paulo de Barros

Carvalho e Lourival Vilanova, mas tão somente explicitá-las e contextualizar sua

importância no processo de formação da convicção do magistrado, motivo pelo qual,

suas minúcias e relações com outras ciências como a matemática (através da lógica

proposicional, por exemplo) não são abordados no presente trabalho (senão por

menção).

4 A dicotomia é feita embasada na lição do eminente Moacyr Amaral Santos, que diferencia prova em caráter objetivo e subjetivo: “se deu um lado os meios de prova, a prova no caráter objetivo, devem apresentar-se, na ação, sob forma que, por si só e pelo seu resultado, possam ser aquilatadas por qualquer indivíduo razoável, de outro lado, a convicção que geram no espírito do juiz, a respeito da existência ou inexistência dos fatos provados, a prova de caráter subjetivo, deve surgir como conclusão dos motivos brotados daqueles meios, por meio de longa e paciente análise dos mesmos e apuração de uma afirmação dos motivos convergentes com exclusão, por inexistentes ou inaceitáveis, dos motivos divergentes ou difamatórios” (Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 13).

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O mesmo se valeu dos conceitos de interpretação, hermenêutica e seu

aprofundamento, com teorias, classificações e modelos de interpretação propostos

pela doutrina.

Buscou-se, sempre que possível e pertinente, relacionar os posicionamentos e

teorias aqui levantadas, confrontando-as com as disposições do Projeto de Lei nº

8.046/2010 – e suas alterações - Projeto de Código de Processo Civil, atualmente

remetido ao Senado Federal através do ofício nº 558/14/SGM-P (em 9 de abril de

2014), comunicando a correção de inexatidão material verificada nas páginas 195 e

212 dos autógrafos anteriormente enviados5 (os dispositivos, por sua vez, foram

retirados da versão final encaminhada ao Senado, atualizados até a data da entrega

do trabalho – maio/julho de 20146).

Este confronto é feito ao final dos capítulos em tópico próprio; e não é feita uma

análise perfunctória destes dispositivos, com a pretensão de esgotar o tema, uma

vez que o foco do trabalho não são as mudanças trazidas pelo Projeto, mas a

formação da convicção do magistrado.

Para auxílio nesta comparação e relação, é elaborado um apêndice ao final do

trabalho, com quadros que confrontam as disposições do código vigente e do

projetado.

5 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267 6 Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/3/art20140326-01.pdf

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1. EFETIVIDADE PROCESSUAL. O PROCESSO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO.

1.1. AMPLITUDE DO CONCEITO E DELIMITAÇÃO.

Modernamente, muito se estuda o processo sob o prisma da efetividade.

Tal fato se deve não somente aos estudos acerca da filosofia do direito, teoria geral

do direito e direito constitucional, que ao processo trouxeram profundos reflexos,

mas também às novas demandas exigidas e esperadas pela sociedade brasileira

que está em constante e acelerada mudança, afinal, como bem leciona o eminente

Kazuo Watanabe, “não se organiza uma justiça para uma sociedade abstrata, e sim

para um país de determinadas características sociais, políticas, econômicas e

culturais”. 7

Atentando-se a estas peculiaridades pátrias, a efetividade, embora de conteúdo

semântico relativamente simples8, apresenta, como bem colocou a questão o ilustre

Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira, um conteúdo

juridicamente complexo, que pode ser delimitado como uma expressão multiforme e

polivalente, de rico conteúdo semântico nos contrafortes da ciência jurídica

contemporânea e nas inquietações culturais de quantos convivem com o Direito

Processual e buscam o seu aprimoramento, hoje também com marcante presença

no Direito Constitucional, especialmente ante a colocação de que as normas

constitucionais não são meramente programáticas. 9

O sistema processual, para alcançar a efetividade, pressupõe a existência de meios,

vias e mecanismos colocados à disposição das partes, para que ora demandem o

provimento judicial, ora resistam à pretensão deduzida, afastando os obstáculos

econômicos, culturais e sociais, deixando de lado também a desinformação e

qualquer restrição formal que tenha por objetivo atravancar a prestação jurisdicional.

7 O processo em evolução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 20. 8 Segundo o dicionário Houaiss, efetividade significa: “caráter, virtude ou qualidade do que é efetivo 1 faculdade de produzir um efeito real 2 capacidade de produzir o seu efeito habitual, de funcionar normalmente 3 capacidade de atingir o seu objetivo real 4 realidade verificável; existência real; incontestabilidade 5 disponibilidade real 6 possibilidade de ser utilizado para um fim...”. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009,

p. 1102. 9 A efetividade do processo e a reforma processual. Informativo Jurid. da Biblioteca Min. Oscar Saraiva, v.6,

nº 1, p. 1-70, jan/jul. 1994, p. 1.

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Há algumas razões históricas e sociais da evolução do Sistema para a busca da

efetividade10 que são dadas por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, ressaltando que

os tempos atuais são marcados pela busca incessante de fazer imergir o processo

na própria vida, rumo que tem caracterizado o notável esforço de parte significativa

da doutrina, principalmente depois da Segunda Grande Guerra, consciente dos

vínculos constitucionais do processo e dos fatores ideológicos que influenciam sua

conformação e estudo, ganhando papel de destaque nesse contexto a necessidade,

cada vez maior em consonância com o ritmo atual da humanidade, de acelerar,

tornar eficiente e efetiva a prestação jurisdicional.11

Estas preocupações atualmente refletem exemplificativamente no sistema

infraconstitucional pelo repúdio ao formalismo demasiado12, às formas sacramentais

e ainda o prestígio ao aproveitamento dos atos processuais, quando ausente o

prejuízo, ou praticados por aquele quem deu causa ao vício (pas de nullité sans

grief).13

Dessa forma, a efetividade, conforme leciona o Ministro Sálvio de Figueiredo

Teixeira “encerra conteúdo de política processual, sem embargo de não constituir

princípio autônomo”, ou seja, “orienta o intérprete e o aplicador da lei quanto à sua

10 Na explicação do eminente Carlos Maximiliano, o intuito de imprimir efetividade jurídica às aspirações, tendências e necessidades da vida de relação constitui um caminho mais seguro para atingir a interpretação correta do que o tradicional apego às palavras (Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora

Forense, 2011, p. 129). 11 Do formalismo no processo civil. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.1. 12 O processualista Humberto Theodoro Junior, nesse sentido leciona: “A técnica processual, por sua vez, reclama a observância das formas (procedimentos), mas estas se justificam apenas enquanto garantias do adequado debate em contraditório com ampla defesa. Não podem descambar para o formalismo doentio e abusivo, empregado não para cumprir a função pacificadora do processo, mas para embaraçá-la e protelá-la injustificadamente. Efetivo, portanto, é o processo justo, ou seja, aquele que, com a celeridade possível, mas com respeito à segurança jurídica (contraditório e ampla defesa), proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material. É antiga, mas nunca se cansa de repeti-la, a clássica lição de Chiovenda, segundo a qual o processo tem de dar ao litigante, tanto quanto possível, tudo o que tem direito de obter segundo as regras substanciais” (Curso de Direito Processual Civil. 54ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013. Vol. I, p. 16). 13 Nesse sentido dispõe o artigo 250 do Código de Processo Civil: O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais. Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa. Exemplificativamente se manifestou o Superior Tribunal de Justiça nesse mesmo sentido: “A certidão de intimação da decisão interlocutória agravada é peça obrigatória para que o Tribunal verifique a tempestividade do recurso, requisito de sua admissibilidade e não há dúvida de que cabe ao agravante sua adequada instrução, com todas as peças obrigatórias, além daquelas que julgar imprescindíveis para o melhor entendimento da controvérsia, segundo a nova sistemática processual advinda da Lei 9139/95. Se o agravo, no entanto, foi interposto menos de dez dias da PROLAÇÃO do ato decisório, exigir cópia de uma intimação que não ocorreu ou certidão para atestar o óbvio, como pressuposto ao seu conhecimento, fere o princípio da instrumentalidade das formas, inserto no art. 154 e 244 do Código de Processo Civil. II - Recurso conhecido e provido” (REsp nº 205.846/ES).

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melhor inteligência ou alcance, inspira o legislador na adoção de novos institutos ou

mesmo no aprimoramento e na atualização do sistema legal”.14

Conclui seu excelente estudo e também como já dava indícios na introdução

histórica ao formalismo acima indicada, acerca da necessidade de se estabelecer

um paralelo entre a Constituição Federal e a lei processual para a garantia e

consecução da efetividade, como necessário estabelecer-se um novo “método de

pensamento”, do cientista e do profissional do foro deixando posturas tradicionais

puramente teóricas e dogmáticas, típicas da fase sincretista, que já cumpriu o seu

importante ciclo de vida, abandonando-se a visão exclusivamente interna para situar

o processo em seu verdadeiro patamar, a exemplo dos processual-

constitucionalistas, que veem a Constituição como matriz das normas e princípios

que informam o processo e este como instrumento de realização da ordem

constitucional, seja sob o ângulo da jurisdição constitucional, seja quanto à jurisdição

ordinária, que se sustenta em valores constitucionalmente amparados. 15

Alguns autores, do tomo de Ada Pellegrini Grinover, enfatizam que a preocupação

com os reflexos jurídicos da Constituição no processo e por consequência na

efetividade dele, tomava contornos já em idos de 1911, com as lições de grandes

mestres como João Monteiro, João Mendes Júnior e Estevam de Almeida, cujos

estudos culminaram “numa verdadeira teoria geral do processo”, lançando bases

para compreensão do devido processo legal, uma vez que é na Constituição onde

se encontra a plataforma comum às diversas disciplinas processuais, definindo o

assim chamado direito processual constitucional como método definidor dos grandes

conceitos e estruturas do sistema16.

O processo, segundo a autora17, que até então era examinado numa visão

puramente introspectiva e visto costumeiramente como mero instrumento técnico

predisposto à realização do direito material, passou a ser examinado em suas

conotações deontológicas e teleológicas, aferindo-se os seus resultados, na vida

14 A efetividade do processo e a reforma processual. Informativo Jurid. da Biblioteca Min. Oscar Saraiva, v.6,

nº 1, p. 1-70, jan/jul. 1994, p. 4. 15 Op. cit., p. 3. 16 O processo em evolução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 8. 17 Op. cit., p. 6.

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prática, pela justiça que fosse capaz de fazer, para em seguida, passar ao direito

processual constitucional, como método supralegal de exame dos institutos do

processo, que significou sua análise a partir de dado externo, qual seja o sistema

constitucional, que nada mais é do que a resultante jurídica das forças político-

sociais existentes na nação.

Bem adverte, assim, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira a importância de se enxergar

o processo à luz da Constituição, lecionando que: “a mais grave miopia de que pode

padecer o processualista é ver o processo como medida de todas as coisas. Só

pouco a pouco a vida foi penetrando neste muro de conceitos, mesmo assim de

forma irregular e não sistemática. 18

Por isso a importância do movimento pela chamada constitucionalização do

processo, a evidenciar a natureza e a importância política do acesso à jurisdição e

do seu exercício.

A efetividade, na acepção de assegurar condições propícias à exata e completa

reconstituição dos fatos relevantes do processo, é assim, nessa seara constitucional,

ponto fundamental nas preocupações dos processualistas modernos.

A efetividade liga-se também ao importante princípio da economia processual

(previsto em diversos dispositivos ao longo do Código de Processo Civil), e na lição

do professor Arruda Alvim, se evidencia na postura do legislador no sentido de que

com o mínimo de atividade desenvolvida se consiga o máximo de rendimento,

respeitada sempre a incolumidade do direito de ação e à defesa.19

As bases teóricas da efetividade processual são dadas pelo Ilustre José Carlos

Barbosa Moreira20, como lembra Ada Pellegrini Grinover, que já a partir de ensaio

publicado em 1982, firmou os pontos essenciais deste conceito, que são

relacionados da seguinte forma: a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela

adequados a todos os direitos (e às outras posições jurídicas de vantagem)

18 Do formalismo no processo civil. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.61. 19 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 49. 20 Notas sobre o problema da efetividade do processo, in Temas de Direito Processual, Terceira Série, São

Paulo: Editora Saraiva, 1984, p. 27-42.

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contemplados pelo ordenamento, resultem eles de expressa previsão normativa, ou

inferíveis do sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis,

sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas

de vantagem), inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo dos

sujeitos; c) é preciso assegurar condições propícias à exata e completa

reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador

corresponda, tanto quanto possível, à realidade; d) em toda a extensão da

possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte

vitoriosa o gozo na utilidade específica a que faz jus segundo o ordenamento; e)

esses resultados hão de ser atingidos com o mínimo de dispêndio de tempo e

energia.

Para se alcançar no âmbito do processo a efetividade e por consequência a

satisfação da pretensão posta em Juízo21 (objeto perseguido pelo direito), busca-se,

como se verá detalhadamente mais adiante, com os meios dispostos no sistema,

formar a convicção do magistrado, para que então se convença acerca de

determinada situação e profira decisão, que tem força coercitiva e substitui a

vontade das partes, e que deverá considerar para isso as provas produzidas nos

autos (o juiz é destinatário das provas – artigo 130 do Código de Processo Civil22),

uma vez fixados os limites da lide ou do objeto litigioso, como prevê o artigo 128, do

Código de Processo Civil.

21 Uma vez que vige o princípio da inafastabilidade da jurisdição – artigo 5º, inciso XXX, da Constituição. 22 A lição do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo pondera acerca de o magistrado ser o destinatário das provas, relacionando esta destinação, inevitavelmente, à formação da sua convicção: “Neste sentido, com inteira aplicação à espécie, o v. Acórdão desta Eg. Décima Segunda Câmara de Direito Privado, relatado pelo Desembargador Cerqueira Leite, proferido no julgamento do Agravo de Instrumento n° 7.189.930-0, do qual se reproduz o seguinte trecho: "O juiz é o destinatário da prova e, na forma do art. 130 do CPC, cabe-lhe, mesmo "ex officio”, determinar as provas que forem úteis para a formação de convencimento. Ora, não há "in casu”, evidências de que a prova pericial contábil-financeira determinada seja de manifesta inutilidade. Não é porque a autora pretende a revisão de cláusulas contratuais, o expurgo da alegada capitalização de juros e que seja aplicado o Código de Defesa do Consumidor que não seja possível algum abuso na forma de cálculo e eventual onerosidade incompatível com o contrato aferíveis por intermédio de prova técnica. O juiz singular está convencido da necessidade da prova e até elaborou quesitos a serem respondidos, de modo que estaria usurpada a sua convicção íntima se fosse constrangido pelo tribunal "ad quem" a um julgamento antecipado" - Agravo de Instrumento n° 7.277.694-2, relator Des. Rebello Pinho. E também do Superior Tribunal de Justiça: “A produção de provas está vinculada à livre convicção do magistrado, nos termos do artigo 130 do Código de Processo Civil, segundo o qual "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”, e constitui meio auxiliar do juízo e, não, das partes, impondo-se o indeferimento do pedido de complementação da prova pericial quando a ação rescisória já se encontra instruída com farta documentação, suficiente ao exame da ação. 2. Agravo regimental improvido”. (AgRg na AR nº 746/SP).

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1.2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL E PROCESSO.

Neste cenário de estudos processuais, no Brasil, de acordo com o panorama

histórico traçado pela professora Ada Pellegrini Grinover23, desde cedo houve clima

para os estudos constitucionais do processo24.

Explica a ilustre professora que isso se deve porque a Constituição republicana de

1891 trasladou para o sistema jurídico muitos institutos do direito norte-americano,

desde o princípio da unidade da jurisdição e da judicial review dos atos

administrativos e legislativos, passando pelas garantias do due process of Law e

culminando com os instrumentos constitucionais de defesa das liberdades.

Os estudos do processo constitucional criaram clima metodológico para o

desenvolvimento de uma teoria geral do processo, pois é na Constituição Federal,

antes de qualquer coisa, que se encontra a plataforma comum às diversas

disciplinas processuais.

Nesse sentido, Nelson Nery Júnior, citando Konrad Hesse, complementa que a

Constituição é a ordem jurídica fundamental da coletividade: determina os princípios

diretivos, segundo os quais devem formar-se a unidade política e as tarefas estatais

a serem exercidas; regula ainda procedimentos de pacificação de conflitos no

interior da sociedade; para isso cria bases e normaliza traços fundamentais da

nossa ordem jurídica, motivo pelo qual o autor mais à frente, em sua obra, debate

acerca da distinção didática existente entre um direito constitucional processual,

conceituado como o conjunto das normas de direito processual que se encontra na

23 O processo em evolução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 6/7. 24 A propósito, é bom se ter em mente a lição de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos de Araújo Cintra, dando conta que antigos doutrinadores já afirmavam que o direito processual não poderia florescer senão no terreno do liberalismo e que as mutações do conceito de ação merecem ser estudadas no contraste entre liberdade e autoridade, sendo dado destaque à relação existente entre os institutos processuais e seus pressupostos políticos e constitucionais. Hoje acentua-se a ligação entre processo e Constituição no estudo concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico: é esse o caminho, foi dito com muita autoridade, que transformará o processo, de simples instrumento de justiça, em garantia de liberdade (...) A própria Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não mais como mero conjunto de regras acessórias de aplicação do direito material, mas, cientificamente, como instrumento público de realização da justiça (Teoria Geral do Processo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 84-86).

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Constituição, ao lado de um direito processual constitucional, que seria a reunião

dos princípios para o fim de regular a denominada jurisdição constitucional. 25

A Constituição, portanto, nas palavras do renomado autor26, como ordem jurídica

fundamental da coletividade, deverá desempenhar três tarefas fundamentais: 1)

integração: estabelecendo a unidade do Estado; 2) organização: organização dos

Poderes do Estado e; 3) direção jurídica: uma vez que a função diretiva da

Constituição consiste, principalmente, em dotar os direitos fundamentais de força

vinculante para todo o ordenamento jurídico.

Por tais motivos cita o autor, outro importante expoente jurídico, o português José

Joaquim Gomes Canotilho, definindo a Constituição dirigente (os textos

constitucionais devem estabelecer as premissas materiais fundantes das políticas

públicas num Estado e numa sociedade que se pretende continuar a chamar de

direito).

E por esta mesma razão leciona o professor Arruda Alvim que a realização da justiça

é, por excelência, uma atividade pública, praticada por um dos poderes do Estado.

Sendo assim, é compreensível que ela radique seus traços fundamentais no Direito

Constitucional. 27

Com efeito, alguns aspectos fundamentais do processo civil estão enraizados na

Constituição Federal, como é o caso de: a) a ubiquidade – a administração da

justiça, no sistema jurídico brasileiro alcança tudo e todos e também nenhuma lesão

ou ameaça de lesão será excluída da apreciação do Poder Judiciário – artigo 5º,

inciso XXXV; b) todos são iguais perante a lei – artigo 5º, caput e inciso I; c)

observância ao contraditório e ampla defesa e os meios inerentes; d) proibição dos

Tribunais de exceção – artigo 5º, inciso XXXVII; e) razoável duração do processo –

artigo 5º, inciso LXXVIII, f) juiz e promotor natural – artigo 5º, inciso XXXVII, e artigo

5º, inciso LIII; g) fundamentação das decisões judiciais e publicidade dos atos

processuais – artigo 93, inciso IX, entre outros.

25 Princípios do Processo na Constituição Federal. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.

38. 26 Op. cit., p. 39/40. 27 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 127.

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26

O professor Arruda Alvim leciona também que de nada adiantariam estas garantias

constitucionais, se o aplicador da lei não tivesse previstas proteções especiais, tanto

do ponto de vista pessoal, como funcional, quer como juiz, quer como homem.28

O renomado professor relaciona estas proteções especiais como: a vitaliciedade

(artigo 95, inciso I, da CF), inamovibilidade (inciso II) e irredutibilidade de subsídios

(inciso III).

Além disso, na mesma lição, indica o Professor, que também se encontram normas

processuais em sentido estrito na Constituição, normas estruturais do Poder

Judiciário, como a competência dos Tribunais, autonomia do Poder Judiciário, direito

de preferência de créditos contra a Fazenda Pública (artigos 96 e seguintes da

Constituição Federal).

Com estas diretrizes constitucionais, e com a breve delimitação do conceito de

efetividade, importa verificar o sistema processual civil como disposto na legislação

infraconstitucional e o modelo de sistematização adotado.

1.3. MODELO PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE FINALÍSTICA DO

PROCESSO.

O direito processual adota um sistema para sua operacionalidade29 e para o fim

colimado da efetividade. É a chamada atividade finalística do processo30.

28 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 129. 29 Nesse sentido, é importante conferir a lição de Herbert Lionel Adolphus Hart, dando conta que “em qualquer grande grupo, as regras gerais, os padrões e os princípios devem ser o principal instrumento de controle social, e não as diretivas particulares dadas separadamente a cada indivíduo. Se não fosse possível comunicar padrões gerais de conduta que multidões de indivíduos pudessem perceber, sem ulteriores diretivas, padrões estes exigindo deles certa conduta conforme as ocasiões, nada daquilo que agora reconhecemos como direito poderia existir” (O conceito de direito. 5ª Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 2007, p. 137). 30 A atividade finalística do processo é exaltada pelo professor Arruda Alvim: “Se o processo é meio a perseguir um fim – o que se aceita como axioma -, põe-se relevante que a técnica é elemento fundamental no tratamento da disciplina. O escopo do processo é, na realidade, não exclusivamente a consecução de um interesse privado das partes, mas principalmente de um interesse público de todo sociedade” (Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 125) e do Professor José Roberto dos Santos

Bedaque: “A ciência processual foi construída visando a concepção de um instrumento apto a alcançar determinados objetivos” (Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006,

p. 34).

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27

Nesse sentido, o eminente Humberto Theodoro Júnior leciona que hoje, o que

empolga o processualista comprometido com o seu tempo é o chamado processo de

resultados, ou seja, tem-se a plena consciência de que o processo, como

instrumento estatal de solução de conflitos jurídicos deve proporcionar, a quem se

encontra em situação de vantagem no plano jurídico-substancial, a possibilidade de

usufruir concretamente dos efeitos dessa proteção.31

O professor Arruda Alvim ensina que, historicamente, a estrutura do sistema

brasileiro filia-se ao continental europeu, que modelou o seu processo civil em três

seguimentos: a) conhecimento; b) execução e c) cautelar. Foi um sistema formado a

contar do último quartel do século XIX até, aproximadamente, o término da 2ª

Guerra Mundial, cuja preocupação nuclear foi a de traçar o perfil dos institutos ou

categorias jurídicas, idealizar um funcionamento harmônico e articulado dos

institutos; no plano da legislação, ter sempre presente o enquadramento sistemático

rigoroso dos institutos nas categorias doutrinárias fundamentais.32

Todo sistema, por sua vez, caracteriza-se como modelo em face das opções feitas

em relação a certos pontos de importância mais destacada. 33

Sistema aqui é compreendido na acepção dada pelo grande processualista Cândido

Rangel Dinamarco, que dedica um capítulo na sua obra no estudo do sistema e do

modelo processual, como um conjunto fechado de elementos interligados e

conjugados em vista de objetivos externos comuns, de modo que um atua sobre os

demais e assim reciprocamente, numa interação funcional para a qual é

indispensável a coerência entre todos34.

Um dado sistema processual, afirma o Mestre, considerado pelo conteúdo específico

das normas que o regem, pela concreta conformação dos órgãos que o operam e

31 Curso de Direito Processual Civil. 59ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. Vol. I, p. 15. 32 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 77. 33 Nesse sentido, leciona Pontes de Miranda, que os sistemas jurídicos são sistemas lógicos, compostos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos. Essas proposições, regras jurídicas, prevêem (ou vêem) que tais situações ocorrem, e incidem sobre elas como se as mercassem. Em verdade, para quem está no mundo em que elas operam, as regras jurídicas marcam, dizem o que há de se considerar jurídico e, por exclusão, o que se não há de considerar jurídico (Tratado de Direito Privado. Parte

Geral. Tomo III, 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 5). 34 Instituições de Direito Processual Civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. Vol. I, p. 171.

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pelo modo de ser dos institutos encadeados em razão desse objetivo constitui um

modelo processual.35

Tem-se por modelo processual, portanto, cada um dos sistemas processuais

encontrados especificamente nos diversos lugares do mundo e em tempos

diferentes. Falar em modelo processual é considerar um dado sistema processual

pelos elementos que concretamente o identificam e diferenciam de outros no tempo

e no espaço.

Ademais, para um entendimento histórico mais amplo acerca do modelo processual

civil brasileiro, conforme ensinam os insignes Ada Grinover e Cândido Dinamarco,

não se pode olvidar a passagem de Enrico Tullio Liebman pelo Brasil.

Dinamarco afirma que Liebman foi o responsável pela instalação de um pensamento

verdadeiramente científico antes inexistente, que deixou marcas até hoje, mais de

meio século depois, ainda presentes no pensamento processual nacional. 36

Bem ilustra a passagem o autor, ensinando que a doutrina brasileira tem por certa a

existência de um trinômio de questões na composição do objeto do conhecimento do

juiz, competindo-lhe decidir sobre o processo (pressupostos processuais e requisitos

de regularidade processual), sobre a ação (suas condições) e sobre o mérito (os

fatos, o valor da prova, o direito material) – enquanto que a tendência europeia

moderna é no sentido de expor somente os dados de um binômio (pressupostos

processuais e mérito). 37

Com essas premissas, o modelo processual civil brasileiro é o resultado do que

dispõem as normas constitucionais e infraconstitucionais com relação às técnicas e

categorias jurídicas predispostas à solução de conflitos e às pessoas e conjuntos de

pessoas encarregadas de pôr em ação as técnicas processuais.

35 O eminente Miguel Reale relacionava a ideia de sistema à de método e lecionava que quando se fala em método, pensa-se logo em um processo ordenatório da razão, capaz de conduzir-nos a determinados resultados certos e comprovados. A ideia de método está, portanto, sempre ligada à ideia de um desenvolvimento racional segundo uma certa ordem ou disciplina do espírito, progredindo segundo encalces e conexões. Filosofia do direito. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. Vol. I, p.117. 36 Instituições de Direito Processual Civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. Vol. I, p. 174. 37 Op. cit., p. 175.

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Portanto, divide-se o sistema de acordo com o plano constitucional e

infraconstitucional.

No plano infraconstitucional, tem o Brasil um Código de Processo Civil promulgado

no ano de 1973 e incessantemente alterado ao longo de quatro de décadas de

vigência – ao lado de enorme legislação processual extravagante atinente à tutela

jurisdicional em situações particulares (ações coletivas, falências e recuperação

judicial, locação, título de crédito etc.), adotando um modelo apto, além de outras

funções a dispor sobre medidas tendentes a assegurar a efetividade do processo,

especialmente mediante o reforço dos poderes do juiz para imposição do

cumprimento das obrigações de fazer e não fazer, como por exemplo, com o artigo

461 do CPC vigente.

Com o detalhe que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº

8046/201038, Projeto de Código de Processo Civil, cujos dispositivos serão objeto de

análise em capítulo próprio, ao longo do trabalho.

No plano constitucional, a Constituição Federal não se limita a enunciar a garantia

do devido processo legal como preceito organizatório do sistema. A Constituição

brasileira empenha-se na tutela constitucional do processo, assegurando (além de

outros, importando destacar para o presente estudo): 1) severos poderes

concedidos ao juiz, para a efetividade da tutela jurisdicional e 2) expressa adoção do

princípio do livre convencimento racional para a apreciação da prova, devendo a

decisão ser motivada (livre convencimento motivado).

Como afirmam os Ilustres Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci39, esse

caráter constitucional evidencia o perfil técnico das regras, deslocado para a

vertente constitucional, o direito processual vem moldado por duas diferentes

exigências: precisão formal e justiça substancial.

38www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=142778BC02BFAE958828AEC40A68D437.node2?codteor=831805&filename=PL+8046/2010. Acesso em 16/04/2013. 39 Constituição de 1988 e processo – regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo:

Editora Saraiva, 1989, p. 3.

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Define-se, assim, em conclusão, na acepção de Cândido Dinamarco40 o sistema

processual brasileiro como: “um modelo de processo empenhado na universalização

da tutela jurisdicional inclusive mediante a oferta da tutela coletiva e absorção de

litigantes de pequeno poder econômico”, e enfatiza “com grandes poderes do juiz

em matéria instrutória e para a efetividade do processo, com tendência à aceleração

da outorga da tutela e sendo rígido e atenuadamente oral o procedimento”,

resenhando assim, que nosso sistema busca a efetividade do processo a todo custo,

tendo normas voltadas para isto, tanto na Constituição Federal, como no Código de

Processo Civil; e o convencimento do juiz, através das formas que permite o

sistema, é ponto crucial da solução do litígio, uma vez que a efetividade está para

isto voltada.

1.4. FORMALISMO E A PARTICIPAÇÃO DO JUIZ NO PROCESSO.

INTRODUÇÃO E PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ.

Como bem evidenciado acima, há um sistema41 que compõe as regras de direito

processual civil, dispostos na legislação infraconstitucional, com inspiração e norte

dado pela Constituição Federal, tendo se estreitado cada vez mais ao longo do

tempo.

Muito embora o sistema afaste o apego exagerado à norma, o formalismo é aqui

compreendido como o mínimo necessário à organização do sistema42.

No ponto que toca o presente trabalho, importa a definição de Carlos Alberto Alvaro

de Oliveira dada ao formalismo em sentido amplo, como aquele mais abrangente e

mesmo indispensável a implicar a totalidade formal do processo, compreendendo

não só a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes,

faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade,

40 Instituições de Direito Processual Civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. Vol. I, p. 187. 41 Sistema, acrescenta-se, na lição do eminente Lourival Vilanova, é a linha tendencial do ordenamento jurídico positivo, em seu processo de racionalização. O sistema é o caso limite, o tipo ideal ou modelo de que o tipo empiricamente obtido se aproxima. A axiomatização do sistema jurídico positivo requer uma tipificação que a realidade não confirma (As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Editora Max

Limonad. 1997, p. 298). 42 Nesse sentido ensinava Pontes de Miranda, com base na lição de Von Völderndorff, que “antes da forma, o ato não é para o direito; não existe” (Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo III, 4ª ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1974, p. 346).

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ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a que sejam

atingidas suas finalidades primordiais.43

Investe-se, na lição invocada por Rudolf von Jhering - a forma, da tarefa de indicar

as fronteiras para o começo e o fim do processo, circunscrever o material a ser

formado, estabelecer dentro de quais limites devem cooperar e agir as pessoas

atuantes no processo para seu desenvolvimento. Não se trata, assim, de apenas

ordenar, mas disciplinar o poder do juiz, e, nessa perspectiva, o formalismo

processual atua como garantia de liberdade contra o arbítrio dos órgãos que

exercem o poder do Estado.44

Como foi visto, são concedidos, na ordem do processo, nas palavras de Dinamarco

severos poderes instrutórios ao juiz. 45

Estes poderes instrutórios vêm previstos nos artigos 125 e seguintes do Código de

Processo Civil vigente e segundo o professor Arruda Alvim, lá se encontram o

grosso das previsões, respeitantes ao perfil da figura do juiz, tendo em vista seu

desempenho no processo civil, incumbe, em minudeando todo o Código, traçar,

concretamente, o perfil das realidades mais genericamente previstas, dos artigos

125 ao 131, que podem ser consideradas as regras matrizes do sistema.46

Decorrem da análise destes artigos, doutrinariamente, a distinção e qualificação

didática dos poderes e deveres do juiz (uma vez que sob certo ângulo, todos os

deveres do juiz para com os litigantes, envolvem seus poderes).

E o juiz, por sua vez, neste sistema, na lição de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira,

citando Rosemberg Schwarb47, será maior contribuinte da economia processual,

pois a atividade ativa do juiz, efetivo diretor do processo, contribui sobremaneira pra

43 Do formalismo no processo civil. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 6/7. 44 Op. cit., p. 7. 45 Instituições de Direito Processual Civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. Vol. I, p. 187. 46 Comentário ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 13. 47 Do formalismo no processo civil. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.68.

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dar curso ao procedimento conforme a lei (no caso, o sistema processual) e as suas

exigências finalísticas.48

Faz-se, assim, a ligação entre a efetividade processual e o convencimento do juiz.

Conclui-se, parcialmente, que o modelo que o sistema processual criou para a

solução de conflitos, satisfação da pretensão deduzida e garantia constitucional da

efetividade é o processo e através da formação da convicção do magistrado, que se

dará, como será oportunamente estudado, pelas provas produzidas e demais

elementos dados pelas ciências auxiliares do direito, como a lógica e a filosofia,

solucionar-se-á a demanda.

1.5. O PROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – TEXTO DO SENADO X

TEXTO DA CÂMARA - FORMALISMO, EFETIVIDADE E CONSTITUIÇÃO NO

PROJETO DE LEI Nº 8.046/2010. INTRODUÇÃO DAS MUDANÇAS DO

PROJETO.

a. O Anteprojeto do Código de Processo Civil.

Diante da necessidade de atualização da lei processual, para atingir consonância

com os anseios da sociedade de celeridade (devido ao enorme número de

processos) e justiça, bem como adequar-se ao processo eletrônico, e as inovações

introduzidas nesta nova era da comunicação49, a qual o direito não pode ficar alheio,

optou-se pela criação de um novo do Código de Processo Civil.

48 Exemplo prático de atividade finalística do processo é trazida no artigo do Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, intitulado “A Sumarização razoável do processo”, em que há uma relação dos processos e da estrutura judiciária do Estado, afirmando que “Diante desta constatação, que é matemática e, por isso, inquestionável, quanto menos vezes conclusões desnecessárias ocorrerem, quanto mais seco for o processamento, por assim dizer, mais rapidamente se alcançará a função finalística do processo”. Disponível em: www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=d813f18e-08a7-4db4-857f7cd6fec5df3a&groupId=1013. Acesso em 16/04/2013. 49 Nesse sentido, bem aponta o professor Klauss Bruhn Jensem que: “a comunicação se estabeleceu como uma categoria particular da atividade humana a partir do desenvolvimento da mídia eletrônica durante a última metade do século XIX. Esse desenvolvimento encorajou pesquisadores e outros comentadores a pensar sobre as diversas práticas de interação social – face a face, através de fios, pelo ar – em termos de sua familiaridade. Na formulação oportuna de Peters (1999: 6), “a comunicação de massa se antecipou”, concedendo atenção especial e explícita às variantes da comunicação em pesquisas, assim como na sociedade como um todo. Até a invenção do telégrafo, “o transporte e a comunicação eram inseparáveis” (Carey, 1989: 15), uma vez que qualquer ato comunicativo dependia da presença física de bardos, manuscritos, livros, jornais, ou outra mídia impressa. Com as telecomunicações nasceram diferentes maneiras de interagir no tempo e no espaço. Já com as tecnologias digitais, cada vez mais presentes no cotidiano e na organização diária, chegaram novos meios de informação e comunicação, cujas implicações sociais provaram ser mais radicais que a imprensa e o telégrafo,

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Foi assim nomeada uma comissão de juristas pelo então Presidente do Senado

Federal, José Sarney, instituída através do Ato nº 379, de 200950, em janeiro de

2010, para elaborar Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, desenvolver os

princípios norteadores do Novo Código, e redigir os dispositivos, composta pelos os

professores, Luiz Fux (Presidente), Teresa Arruda Alvim Wambier (Relatora),

Adroaldo Furtado Fabrício, Humberto Theodoro Júnior, Paulo Cesar Pinheiro

Carneiro, José Roberto dos Santos Bedaque, José Miguel Garcia Medina, Bruno

Dantas, Jansen Fialho de Almeida, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Marcus Vinicius

Furtado Coelho e Elpídio Donizetti Nunes, sempre com a ideologia de conferir maior

celeridade à prestação da justiça no afã de cumprir a promessa constitucional da

“duração razoável dos processos”.

O Anteprojeto não pretendeu uma mudança extremamente radical, mas tão

somente, adequar a sistemática processual aos avanços do processo e dos recursos

que os movimentam nos Tribunais, tais como informatização, processo eletrônico,

necessidade de solução de demandas repetitivas, organização e simplicidade de

atos, de modo que a prestação jurisdicional equacione-se entre efetividade e

qualidade.

O professor Arruda Alvim leciona que a motivação de elaboração de um novo

Código reside na necessidade de se conferir coesão à legislação processual, bem

como de imprimir maior agilidade à proteção dos direitos fundamentais. Procurou-se,

assim, manter o que seria aproveitável do Código vigente, e incorporar novidades

tendo em vista uma resposta mais atual dos problemas que afligem os operadores

do direito.51

O Anteprojeto foca primordialmente o aspecto constitucional do processo e esta

situação é clara logo de cara no seu artigo 1º, e esse reflexo permaneceu,

mais uma vez exigindo que as pesquisas em comunicação revisassem os seus conceitos fundadores”. Artigo intitulado “Teoria e filosofia da comunicação”, disponível em: www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/download/193/327. 50 Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/1a_e_2a_Reuniao_PARA_grafica.pdf 51 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 101.

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inevitavelmente, após a aprovação do texto no Senado Federal e na Câmara dos

Deputados, cujo texto não sofreu modificação alguma.52

Em síntese, para a relatora-geral da Comissão, a professora Teresa Arruda Alvim

Wambier53, os três pontos fundamentais do trabalho de reforma do Código de

Processo Civil são a organicidade do processo, a capacidade de resolução dos

problemas de forma empírica e a simplificação dos trâmites processuais, ao final

afirmando:

“Queremos que o Código seja bom para a sociedade, possibilitando

processos mais simples, mais seguros e mais justos. Procuramos técnicas

que simplificam o processo, porque a discussão do método não pode ser

mais um problema a ser enfrentado pelo juiz”.

E enfoca a Professora ao final, a necessidade de se melhorar a celeridade e

desafogar o Judiciário, mas sem ferir o direito.

Essa celeridade é alvo de crítica por alguns autores que afirmam ser inegável a

preocupação excessiva do Anteprojeto com a morosidade dos processos, buscando

a celeridade a qualquer custo, mesmo que isso importe na supressão de direitos e

garantias fundamentais54.

E nesse sentido, aponta o sempre festejado Barbosa Moreira, com parcimônia que

reflete os ideais do Projeto de Novo Código, que a celeridade não é um valor que

deva ser perseguido a qualquer custo, como a relatora alerta acima, se referindo em

melhorar a prestação sem ferir o direito.

Ensina o professor que “para muita gente, na matéria, a rapidez constitui o valor por

excelência, quiçá o único. Seria fácil invocar aqui um rol de citações de autores

famosos, apostados em estigmatizar a morosidade processual. Não deixam de ter

52 Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. 53 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. In SENADO, Comissão de Juristas do. Uma Proposta para o Projeto do Novo Processo Civil. Audiência com Comissão de Juristas do Senado e outros. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia. 54. Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador:

Editora JusPodium. 2013, p. 443.

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razão, sem que isso implique – nem mesmo, quero crer, no pensamento desses

próprios autores – hierarquização rígida que não reconheça como imprescindível,

aqui e ali, ceder o passo a outros valores. Se uma justiça lenta demais é decerto

uma justiça má, daí não se segue que uma justiça muito rápida seja

necessariamente uma justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação

jurisdicional venha ser melhor do que é”. 55

Inspiraram-se também os elaborados do Anteprojeto nos ideais do ilustre José

Joaquim Gomes Canotilho, que podem ser externados na passagem que relaciona

segurança jurídica e elementos objetivos da ordem jurídica, como a própria garantia

de estabilidade, sendo que o homem necessita de segurança para conduzir,

planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde

cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança

como elementos constitutivos do Estado de Direito. Esses dois princípios –

segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados, a

ponto de alguns autores considerarem o princípio da confiança como um

subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral,

considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da

ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e

realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com os

componentes subjetivos da segurança, designadamente a calculabilidade e

previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos dos atos. 56

Em poucas palavras, explica o professor José Miguel Garcia Medina, que integrou a

Comissão, que o novo CPC busca simplificar os procedimentos processuais, na

ideia de fazer com que o cidadão participe mais do processo e que a prestação

jurisdicional seja eficiente. 57

Também foi dada especial atenção à motivação das decisões judiciais, prevendo o

Projeto que não se considera fundamentada a decisão que: a) se limita a indicação,

à reprodução ou à paráfrase de ato normativo; b) empregue conceitos jurídicos

55 O futuro da justiça: alguns mitos. Revista de Processo, v. 102, p. 228-237, abr - jun. 2001, p. 232. 56 Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2013, p. 256. 57 O texto completo e demais referências podem ser encontradas na página do Professor José Miguel Garcia Medina: http://professormedina.com.

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indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; c)

invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; e d) não

enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar

a conclusão adotada pelo julgador (artigo 499, parágrafo 1º).

Uma das grandes medidas propostas pela Comissão do Projeto, no sentido de

atribuir maior efetividade ao processo, foi a introdução do artigo 191, que disciplina a

chamada “flexibilização do processo”.58

Finalmente, é importante ressaltar a posição do Ministro Luiz Fux59, presidente da

Comissão, concedida em entrevista televisiva, que reflete o espírito e as intenções

do Novo Código, onde se indagou o Ministro que nos últimos anos, o Brasil passou

por profundas transformações econômicas, e que do ponto de vista do cidadão, que

ingressa na justiça, se houve avanço nesse terreno, respondendo que:

“Houve avanço, no seu modo de ver, no sentido da efetivação das decisões.

As decisões além de demoradas não se realizavam com efetividade. As

pessoas usavam um refrão coloquial dizendo que “ganhavam, mas não

levavam”. O juiz que condenava não era o mesmo juiz que tornava

realidade a condenação. A grande modificação cirúrgica no CPC foi no

plano da efetividade, no plano da realizabilidade prática das decisões

judiciais. Mas no campo da morosidade, o que se concebeu com muita

perfeição inclusive foi a criação das técnicas para enfrentar o volume dos

processos. A nova comissão tem uma outra ideologia que é a da celeridade

processual. O que propugnamos não é que tenhamos instrumentos para

enfrentar milhares de processos, mas antes que nós não tenhamos milhares

de processos e para isso temos que ter técnicas conducentes à redução do

número de demandas sem criar nenhum prejuízo em que a parte possa

reclamar sobre alguma ameaça ou lesão”.

58 Art. 191. Versando a causa sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. § 1º De comum acordo, o juiz e as partes podem estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa, fixando calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso. § 2º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. § 3º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário. § 4º De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão ou no qual qualquer parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. 59 FUX, Luiz. Novo Código de Processo Civil. Entrevista do ministro Luiz Fux ao programa Podcast Rio Bravo. Disponível em http://www.riobravo.com.br/podcast. Acesso em 15 de junho de 2012.

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Vejamos, dados estes aspectos gerais, como se deu o trâmite do então Anteprojeto

de Código de Processo Civil.

Inicia-se pelo Senado.

b. O trâmite e as alterações propostas no Senado Federal. O Projeto de Lei do

Senado nº 166/2010.

O Anteprojeto, após concebido, foi encaminhado ao Senado Federal em 8 de junho

de 201060 e aprovado em tempo recorde, em 15 de dezembro de 2010, pelo Plenário

do Senado, tendo sido então nomeado Projeto de Lei do Senado nº 166/10, relatado

pelo Senador Valter Pereira.

Enquanto tramitou pelo Senado (cujas modificações na íntegra podem ser

conferidas no endereço eletrônico da Casa61), foram acrescentados ao Anteprojeto

alguns dispositivos visando a ordem estrutural do julgamento, como é o caso do

artigo 12.62

Além disso, resumidamente: i) acrescentou-se o procedimento para a cooperação

internacional, nos artigos 25 e seguintes; ii) especificou-se o quantum de honorários

em casos em que a fazenda pública for vencida (artigo 87, parágrafo 3º); iii)

acrescentou-se uma causa de impedimento do advogado que exercer função de

conciliador (artigo 147, parágrafo 5º); iv) acrescenta-se um título próprio para a

Defensoria Pública (artigos 160 e seguintes); v) dispõe-se sobre atos processuais no

meio eletrônico (artigo 163, parágrafo 3º); vi) dispõe-se sobre a videoconferência

(artigo 205, parágrafo único); vii) priorizou-se a tramitação de processos em que haja

sido concedida a tutela de urgência ou evidência (artigo 275); viii) a decisão que

60 Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf 61 Disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=84496 62 Art. 12. Os juízes deverão proferir sentença e os tribunais deverão decidir os recursos obedecendo à ordem cronológica de conclusão. §1º A lista de processos aptos a julgamento deverá ser permanentemente disponibilizada em cartório, para consulta pública. §2º Estão excluídos da regra do caput: I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II – o julgamento de processos em bloco para aplicação da tese jurídica firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em recurso repetitivo; III – a apreciação de pedido de efeito suspensivo ou de antecipação da tutela recursal; IV – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; V – as preferências legais.

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concede tutela antecipada não faz coisa julgada, mas seus efeitos dependem de

decisão superveniente que os anule (artigo 284); ix) modificação do pedido pelo

autor (artigo 305); x) acrescentou-se nova figura de intervenção de terceiros, a

denunciação em garantia ( artigos 315 e seguintes); xi) aprimoraram-se alguns

aspectos da audiência de instrução e julgamento (artigos 323 e seguintes) e do

oferecimento da contestação (artigos 324 e seguintes); xii) ampliação dos poderes

de polícia do juiz em audiência (artigo 345); novas disposições acerca das provas

(artigos 353 e seguintes), como, por exemplo, a variação de ônus probatório prevista

no artigo 358), a produção antecipada de provas (artigos 367 e seguintes), a ata

notarial como meio de prova (artigo 370); incumbência ao advogado de providenciar

o comparecimento da testemunha em juízo (artigo 441); xiii) situações em que não

se considera fundamentada uma sentença ou decisão (artigo 476, parágrafo único);

xiv) novas regras acerca da liquidação (artigos 496 e seguintes) e do cumprimento

de sentença (artigos 500 e seguintes); xv) previsão da ação de exigir contas (artigos

536 e seguintes); xvi) ação de dissolução parcial de sociedade (artigos 585 e

seguintes), xvii) novo procedimento para os embargos de terceiro (artigo 660 e

seguintes); xviii) características da exigibilidade das obrigações (artigo 744); xix)

novas disposições acerca da execução (tais como o artigo 755, parágrafo único e

artigo759), penhora (artigos 799 e seguintes); xx) execução de alimentos (artigos

867 e seguintes); xxi) preferências no julgamento dos recursos (artigo 891), previsão

da reclamação (artigos 942 e seguintes), previsão do agravo de admissão (artigo

996) e modificações na sistemática dos recursos (artigos 948 e seguintes); entre

outros.

Segundo a Agência Senado63, dentre as alterações do Anteprojeto realizadas na

Casa, o deputado Valter Pereira alterou o parágrafo 1º, do artigo 59264, de forma a

que, para a elaboração de perícia, o juiz seja obrigado a nomear um perito contador.

O texto anterior falava na nomeação preferencial de um perito contabilista. Outra

alteração foi feita no parágrafo 2º, do artigo 20265. A modificação reincorporou a

63 Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=100259 64 Art. 592. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo a preço de saída. § 1º Para elaboração da perícia, o juiz nomeará perito contador.

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atribuição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de fixar multa para o advogado

que retardar a devolução dos autos do processo.

A terceira alteração proposta pelo relator foi no caput do artigo 42766. Ao citar as

testemunhas do caso, o texto fazia remissão apenas ao artigo 296, que trata das

testemunhas apresentadas pelo autor da ação. A alteração acrescentou remissão

também ao artigo 325, que menciona o rol de testemunhas do réu.

Foi também alterado o inciso VIII, do artigo 12467 do texto, prevendo a possibilidade,

já constante da Constituição, de o juiz exercer também o magistério, além da

magistratura.

A última alteração enumerada pelo Senador Valter Pereira foi feita no parágrafo 1º

do artigo 998. Por erro de digitação, foi repetido o que está no caput do referido

artigo. O parágrafo foi retirado.

Em seguida, o texto foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde foi apensado a

diversos outros Projetos de Lei, e nomeado como Projeto de Lei nº 8.046/2010, que

revoga o Código de Processo vigente, a Lei nº 5.869, de 1973.

A Comissão Especial da Câmara aprovou o texto final do Projeto de Lei nº

8.046/2010, em 17 de julho de 2013, remetendo-o para a votação pelos Deputados.

Diferentemente do que ocorreu no Senado Federal, em que o trâmite e votação do

Anteprojeto se deu em exíguo tempo, com alterações relativamente sutis ao texto

original, na Câmara dos Deputados, o texto passou por mais mudanças, além de um

trâmite mais demorado.

65 Art. 202. É lícito a qualquer interessado cobrar os autos ao advogado que exceder ao prazo legal. (...) § 2º Verificada a falta, o juiz comunicará o fato à seção local da Ordem dos Advogados do Brasil para o procedimento disciplinar e imposição de multa. 66 Art. 427. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos: I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou na colateral, em segundo grau; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. 67 Art. 124. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: (...) VIII – em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha vínculo empregatício ou para a qual já tenha exercido o magistério.

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c. O Projeto de Lei nº 8.046/2010 (“Projeto”). Constituição e eficiência.

Na Câmara dos Deputados, o Projeto sofreu as alterações que irão se debater

abaixo e ao longo do trabalho, com a comparação e oportuna transcrição dos

dispositivos, já de acordo com a redação final68, após o encaminhamento do Ofício

nº 558/14/SGM-P ao Senado Federal, comunicando a correção de inexatidão

material verificada nas páginas 195 e 212 no texto69.

Segundo informa a Agência Câmara, entre os pontos alterados na Casa, tem-se: i) a

proibição à concessão de tutela antecipada quando a decisão tiver consequências

irreversíveis; ii) manutenção da regra vigente para apelação, com o efeito

suspensivo da decisão. O texto original previa que, mesmo com a interposição de

apelação, a sentença seria executada; e iii) mantida a questão referente a

demandas repetitivas, que permite o julgamento de várias ações iguais (contra

prestadoras de serviço, por exemplo) de forma simultânea pela Justiça estadual ou

pelo Superior Tribunal de Justiça, o que aceleraria a conclusão de muitos processos.

Dessa forma, como estamos na iminência da modificação da legislação processual,

importa destacar alguns pontos deste texto e relacioná-los com a proposta do

presente trabalho.

Como se disse na introdução, os temas referentes ao Projeto serão apresentados

paulatinamente ao longo do trabalho no final dos capítulos, de acordo com a matéria

abordada (com quadros comparativos no apêndice). Fica reservada para este

momento a introdução, onde serão tratadas genericamente das mudanças e

tendências do Projeto, após aprovação nas duas Casas (estando como se disse,

apenas pendente de votação na Câmara).70

O Projeto contém cinco livros, porém com distribuição de temas diversa da proposta

vigente.

68 Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/3/art20140326-01.pdf 69 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267 70 As referências aos artigos do Projeto são retiradas do sítio da Câmara dos Deputados: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. A versão atual é a relatada pelo Deputado Paulo Teixeira em julho de 2013.

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No Livro I – Parte geral há contemplação de normas sobre os institutos

fundamentais do processo civil. Aperfeiçoa-se o sistema atual, pois no CPC em vigor

tais institutos estão impropriamente dispostos no livro “Do Processo de

Conhecimento”. No Livro II – Do processo de conhecimento e cumprimento de

sentença tem-se a composição por três títulos. O primeiro trata “Do Procedimento

Comum”, o segundo é dedicado ao “Cumprimento de Sentença” e o terceiro cuida

“Dos Procedimentos Especiais”. No Livro III – Do processo de execução tem-se a

composição por 4 títulos e 151 artigos (entre o artigo 730 e o artigo 881). No Livro IV

– Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais,

tem-se composto por 2 títulos e 116 artigos (entre o art. 882 e o art. 998). E no Livro

V – Das disposições finais e transitórias tem-se 8 artigos (artigos 999 a art. 1.007).

Alterou-se a ordem de localização de diversos dispositivos.71

Nesse sentido, informa Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, que o arcabouço

estrutural proposto encontra-se bem articulado e detém coesão sistêmica, de modo

que facilitará o manuseio pelo operador do direito das regras e princípios

sistematizados no texto normativo que dá maior racionalidade e funcionalidade ao

sistema.72

Essa mudança será merecedora de análise individualizada nos capítulos seguintes,

quando se tratar das inovações do Projeto quanto às provas, formação da convicção

e demais temas desenvolvidos (e nos quadros comparativos ao final, no apêndice).73

Com efeito, o Projeto foca primordialmente o aspecto constitucional do processo (e

esta tendência já é enfocada desde o Anteprojeto, como se disse).

71 Segundo informa Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, do ponto de vista da estrutura técnica, do novo Código, o legislador brasileiro optou por seguir o sistema consagrado pelos principais Códigos do mundo, como o ZPO – Zivilprozessordnung e CPC italiano – Codice di procedura civile. Novas Tendências do Processo Civil. Estudos

sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Editora JusPodium. 2013, p. 449. 72 Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador:

Editora JusPodium. 2013, p. 449. 73 Afinal, como leciona Miguel Reale: “Já o nosso genial Teixeira de Freitas, inspirado nos ensinamentos de Savigny, nos ensinara, em meados do século passado, que basta a mudança de localização de um dispositivo no corpo do sistema legal, para alterar-lhe a significação. Esse ensinamento, antes de alcance mais lógico-formal, passou, com tempo, a adquirir importância decisiva, porque ligado à substância da lei, que é o seu significado, em razão de seus fins” (Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p.

286).

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Tal representação é um avanço em termos de Lei, bem como se pode afirmar que o

Projeto valeu-se da concepção que os Códigos devem ser orientados a partir da

Constituição Federal, conforme ensina o professor Arruda Alvim em lição que tratava

do Anteprojeto, que desde o art. 1º, o Projeto enfatiza o valor fundamental da

Constituição, o que representa um enfoque contemporâneo da temática do direito.

Valeu-se, portanto, da concepção de que os Códigos devem ser iluminados pelas

Constituições. Além disso, da estrutura do Projeto extrai-se, em primeiro lugar, a

intenção de imprimir-se maior organicidade e simplicidade à normativa processual

civil e ao processo, com o objetivo de fazer com que o juiz deixe, na medida do

possível, de se preocupar excessivamente com o processo, como se fosse um fim

em si mesmo, procurando deslocar o foco da atenção do julgador para o direito

material. Com isto, pretende-se descartar uma “processualidade excessiva”,

desvinculada do objetivo primordial de solução do conflito pelo direito material. 74

O professor Cássio Scarpinella Bueno75 indica este fenômeno como modelo

constitucional de processo civil, valendo dizer que todos os “temas fundamentais do

direito processual civil” só podem ser construídos a partir da Constituição. E diria, até

mesmo: devem ser construídos a partir da Constituição. Sem nenhum exagero, é

impensável falar-se em uma “teoria geral do direito processual civil” que não parta

da Constituição Federal, que não seja diretamente vinculada e extraída dela,

convidando, assim, a uma verdadeira inversão do raciocínio useiro no estudo das

letras processuais civis. O primeiro contato com o direito processual civil se dá no

plano constitucional e não no do Código de Processo Civil que, nessa perspectiva,

deve se amoldar, necessariamente, às diretrizes constitucionais.

Neste mesmo estudo, e para enaltecer a importância da constitucionalização do

processo, o professor Cássio aponta que esta é a mesma proposta adotada por Ada

Pellegrini Grinover, ainda antes do advento do Código de Processo Civil vigente

quando estudou, à luz do direito constitucional, a abrangência do direito de ação na

tese com que conquistou o Título de Livre-Docente em Direito Processual Civil

74Disponível em: http://www.arrudaalvim.com.br/. Artigo intitulado: Notas sobre o Projeto de Novo Código de Processo Civil. Acesso em 15/04/2013. 75 O modelo constitucional do direito processual civil: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. Texto integral disponível em:

http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1222960746174218181901.pdf. Acesso em 15/04/2013.

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perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, intitulada “As

garantias constitucionais do direito de ação”, em 1973.

Estes conceitos constitucionais de processo foram sopesados no Projeto e em

virtude de estudos recentes da filosofia do direito, estreitou-se também a relação

entre a teoria geral do direito e o direito constitucional, discutindo-se acirradamente

conceitos de norma, princípio, regra, garantia e direito76, encabeçando uma visão

mais moderna do direito, como preconizado no projeto de Novo Código.

Identificam-se no Projeto de forma muito clara, os princípios do contraditório,

isonomia, segurança jurídica, fundamentação das decisões e publicidade dos

julgamentos, duração razoável do processo, acesso à jurisdição e dignidade da

pessoa humana, conforme o quadro elaborado no apêndice ao final do trabalho

(quadro 1).

Reflexos da Constituição no Projeto também podem ser identificados pela

manutenção da segurança jurídica, procurando-se estabelecer uma intensa

necessidade de contraditório, sendo vedado ao juiz decidir com base em

fundamento a respeito do qual não tenha dado às partes oportunidade de se

manifestar, conforme a lição de Canotilho invocada alhures.

Esta mudança, como bem ressalta o professor Arruda Alvim, não se trata de

revogação do princípio do iura novit curia, que permite ao juiz decidir com base em

fundamentos jurídicos não invocados pelas partes, trata-se, simplesmente de

enaltecer o contraditório, evitando-se apenas que as partes sejam surpreendidas

quando da prolação da decisão.77

O Projeto enfatiza também, nesta seara Constitucional, a imprescindibilidade do

contraditório, inclusive no que diz respeito à desconsideração da personalidade

jurídica (artigo 133, do Projeto78).

76 Conforme ensina o professor Georges Abboud: Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 71. 77 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 103. 78 Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. §1º Os pressupostos de desconsideração da

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Outro ponto muito importante é destacar a intenção do Projeto de imprimir ao

processo maior organicidade e simplicidade à norma, garantindo celeridade ao

processo.79

O Projeto busca assim, afastar uma burocracia excessiva (inclusive a cartorária, com

melhor definição dos atos ordinatórios a serem praticados pelo escrivão – artigo 152,

do Projeto80).

Esquematicamente, temos alguns dos pontos que representam as mudanças que o

texto sofreu na Câmara dos Deputados, dos quais se destaca: Reforço das normas

fundamentais do processo civil, tais como: a) Princípio da boa-fé - o Projeto inicia

com dispositivos que tratam dos princípios fundamentais do processo civil,

atendendo à tendência de diversos diplomas legislativos de processo existentes no

mundo contemporâneo.

A previsão de tais princípios alinha-se com as disposições constitucionais relativas

ao processo. A Constituição Federal de 1988, na trilha das que lhe antecederam,

prevê o devido processo legal como norma fundamental do processo; b) do devido

processo legal extrai-se a conclusão de que o processo deve ser conduzido com

observância de padrões éticos minimamente exigidos.

Ademais, da ideia de Estado democrático extrai-se a boa-fé objetiva ou,

simplesmente, a boa-fé lealdade, que se relaciona com a honestidade, probidade ou

personalidade jurídica serão previstos em lei. §2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. 79 Conforme leciona o professor Arruda Alvim, da estrutura do Projeto extrai-se, em primeiro lugar, a intenção de imprimir maior organicidade e simplicidade à normativa processual civil e ao processo, com o objetivo de fazer com que o juiz deixe, na medida do possível, de se preocupar excessivamente com o processo, deslocando a atenção do julgador para o direito material - Op. cit., p. 101. 80 Art. 152. Incumbe ao escrivão ou chefe de secretaria: I – redigir, na forma legal, os ofícios, mandados, cartas precatórias e demais atos que pertencem ao seu ofício; II – executar as ordens judiciais, realizar citações e intimações, e praticar todos os demais atos que lhe forem atribuídos pelas normas de organização judiciária; III – comparecer às audiências ou, não podendo fazê-lo, designar servidor para substituí-lo; IV – manter sob sua guarda e responsabilidade os autos, não permitindo que saiam do cartório, exceto: a) quando tenham de seguir à conclusão do juiz; b) com vista a procurador, à Defensoria Pública, ao Ministério Público ou à Fazenda Pública; c) quando devam ser remetidos ao contabilista ou ao partidor; d) quando forem transferidos a outro juízo em razão de modificação da competência; V – fornecer certidão de qualquer ato ou termo do processo, independentemente de despacho, observadas as disposições referentes ao segredo de justiça; VI – praticar, de ofício, os atos meramente ordinatórios. Parágrafo único. O juiz titular editará ato a fim de regulamentar atribuição prevista no inciso VI.

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lealdade com a qual a pessoa mantém em seu relacionamento. Todos devem atuar

com retidão, colaborando para a decisão final, sendo certo afirmar que o princípio da

boa-fé atua como norma legitimadora do processo. Quer isso dizer que todos os

sujeitos do processo devem se comportar de acordo com a boa-fé. É o que se

chama de princípio da boa-fé processual. Tal princípio é extraído do texto do inciso

II, do artigo 80, do Projeto.

A tradição processual brasileira impõe que o vindouro Código de Processo Civil

pátrio alinhe-se à qualidade dos diplomas processuais que têm se destacado no

cenário mundial, contendo dispositivo atual e ajustado à metodologia

contemporânea, que valoriza a boa-fé como uma norma de conduta nas relações

jurídicas, aí incluídas as processuais.

O Código de Processo Civil português, o Código do Processo Civil suíço e tantos

outros diplomas processuais de importância no cenário mundial preveem o princípio

da boa-fé processual. O Código de Processo Civil brasileiro merece, de igual modo,

conter cláusula geral da qual se extraia o princípio da boa-fé processual e c)

Princípio da cooperação - o novo Código de Processo Civil deve estar ajustado ao

contexto contemporâneo, devendo refletir os valores e os fundamentos do Estado

Constitucional, que é, a um só tempo, Estado de direito e Estado democrático,

consoante estabelece o artigo 1º, da Constituição Federal.

O Estado Constitucional é um Estado com qualidades, sendo um Estado

democrático de direito. A principal característica do Estado democrático, sem

embargo do pluralismo político, está na prévia participação de todos. A participação,

inerente à ideia democrática, reclama que o poder seja exercido com a colaboração

de todos que se apresentem como interessados no processo de decisão. A

participação desborda dos limites estritamente políticos para se projetar em todas as

manifestações da vida em comunidade. É pela participação que se legitima a

conduta dos agentes de Estado que implementam o quanto deliberado nas

instâncias próprias.

Em outras palavras, a atuação do Estado, para ser legítima, há de decorrer das

deliberações democráticas. Inserido nesse contexto, o projeto do novo Código de

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Processo Civil consagra, em combinação com o princípio do contraditório, a

obrigatória discussão prévia da solução do litígio, conferindo às partes oportunidade

de influenciar as decisões judiciais, evitando, assim, a prolação de “decisões-

surpresa”.

Às partes deve-se conferir oportunidade de, em igualdade de condições, participar

do convencimento do juiz. O processo há, enfim, de ser cooperativo. É preciso

deixar expressa tal característica. Daí a previsão, no presente relatório, da inserção

de novo dispositivo tratando especificamente do princípio da cooperação. A

necessidade de participação, que está presente na democracia contemporânea,

constitui o fundamento do princípio da cooperação. Além de princípio, a cooperação

é um modelo de processo plenamente coerente e ajustado aos valores do Estado

democrático de direito.

Além da vedação de decisão-surpresa, o processo cooperativo impõe que o

pronunciamento jurisdicional seja devidamente fundamentado, contendo apreciação

completa das razões invocadas por cada uma das partes para a defesa de seus

respectivos interesses. É didática e pedagógica a função de dispositivo que preveja

expressamente a cooperação no processo, sendo importante sua inserção no novo

Código de Processo Civil. 81

Também tratou o Projeto de prever a desconsideração da personalidade jurídica.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é uma das boas

novidades do Projeto. De fato, embora a legislação material preveja situações que

autorizam a desconsideração, até então não havia o regramento processual deste

instituto, o que tem gerado muitos problemas práticos.

O mais importante deles é a eliminação da previsão das hipóteses de

desconsideração. Não é tarefa do CPC cuidar dos casos em que se permite a

desconsideração da personalidade jurídica; ao CPC cabe disciplinar como ela deva

ser feita. Como gera a ampliação subjetiva do processo, o incidente é,

81 Conforme noticia o relatório geral: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013.

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rigorosamente, um caso de intervenção de terceiro. Por isso, seu regramento

merece ser deslocado para este capítulo do Código, segundo enaltece o Deputado

Paulo Teixeira.82

O eminente Fábio Ulhoa Coelho leciona que há duas teorias acerca da

desconsideração da personalidade jurídica no nosso ordenamento83. Uma que ele

denomina “teoria maior”, que admitiria a desconsideração da personalidade jurídica

para evitar o mau uso desta; e outra, que chama “teoria menor”, segundo a qual a

simples insuficiência patrimonial da pessoa jurídica para arcar com suas obrigações

autorizaria a responsabilização de seus sócios. 84

A teoria menor da desconsideração dispensa raciocínio mais acurado para a

incidência do instituto, bastando que a diferenciação patrimonial da sociedade e

sócio se afigurem como obstáculo à satisfação dos credores. Dessa forma, todas as

vezes que a pessoa jurídica não tiver bens suficientes em seu patrimônio para a

satisfação do crédito ou até mesmo em razão de sua liquidez, os sócios seriam

responsabilizados.

Contudo, a aplicação da teoria não se pode resumir a aspecto tão superficial, sob

pena de abalo da segurança jurídica, necessária ao bom convivo social, pois a

estabilidade dos investidores é de curial importância para o fortalecimento da

economia do país. 85

82 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1037367&filename=Tramitacao-PL+6025/2005 83 As teorias são explicadas da seguinte forma pelo STJ: Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa executada. Desconsideração da personalidade jurídica. Inviabilidade. Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica. [...] - A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. - Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. Recurso especial provido para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente (REsp 970635/SP/ Relatora. Ministra Nancy Andrighi). 84 Manual de Direito Comercial. 25ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 35. 85 Muitas vezes assim de procede com relação às relações de consumo, conforme decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, que mesmo reconhecendo a aplicabilidade da teoria menor da desconsideração, decidiu ser necessária a tentativa de localização de bens da empresa, antes de se proceder à desconsideração: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 28, § 5º, IMPOSSIBILIDADE. 1. A aplicação da Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, prevista no CDC, dispensa a comprovação do desvio de finalidade

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A teoria maior, por sua vez, se fundamenta em maior apuro e precisão do instituto

da desconsideração da personalidade jurídica, baseando-se em requisitos sólidos

identificadores de fraude. A regra é a consideração da personalidade jurídica,

prevalecendo, sobretudo, a diferenciação patrimonial da sociedade e seus sócios,

tendo sede, apenas excepcionalmente, o mecanismo pelo qual se ignora o véu

societário, diante de situações específicas, como acentua o pai da teoria, Rolf

Serick.86

O Código de Defesa do Consumidor foi o primeiro dispositivo legal a se referir à

desconsideração da personalidade jurídica. Posteriormente, foi inserida em outras

leis: artigo 18, da Lei 8.884/1994 (Lei do CADE); artigo 4º, da Lei 9.605/98 (que

dispõe sobre as sanções derivadas de danos ao meio ambiente); e artigo 50, do

Código Civil.

O CDC adota a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica no artigo

28, parágrafo 5º.

Com efeito, entre os fundamentos legais da desconsideração em benefício dos

consumidores, encontram-se hipóteses caracterizadoras de responsabilização de

administrador que não pressupõem nenhuma superação da forma da pessoa

jurídica.

Não obstante, omite-se a fraude, principal fundamento para a desconsideração.

Assim, os fundamentos legais para a desconsideração em favor do consumidor são:

a) abuso de direito; b) excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação

dos estatutos ou contrato social; c) falência, estado de insolvência, encerramento da

atividade provocados por má administração.

e da confusão patrimonial, bastando que a personalidade da pessoa jurídica caracterize óbice ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor. 2. Não basta a dificuldade de localizar bens passíveis de penhora para deferimento da medida. Não foram exauridas as possibilidades de localizar bens da empresa agravada, de modo que a personalidade jurídica ainda não constitui empecilho à satisfação do crédito executado. Decisão mantida. Recurso não provido”. Agravo de Instrumento nº 0089263-63.2011.8.26.0000. Rel. Des. Carlos Alberto Garbi. 86 Abuso e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). In: Revista dos Tribunais. São

Paulo: RT, dez./1969, vol. 410, p. 61.

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Os Tribunais aplicam a desconsideração, no âmbito do CDC, ancorados na teoria

menor, como se pode conferir abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DISREGARD

DOCTRINE. APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO.

RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 28, § 5º, DO CDC. Não obstante a

previsão contida no art. 50 do Código Civil e no caput do art. 28 da Lei

Consumerista, também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica

sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao

ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Exegese do § 5º

do art. 28 do CDC. Sob a égide da Teoria Menor da Desconsideração,

consagrada pelo Eg. STJ, basta a mera prova de insolvência da pessoa

jurídica para o pagamento de suas obrigações, sendo irrelevante a

existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. A sua

aplicação vem calcada no disposto no § 5º do art. 28 do CDC e sua

incidência não está vinculada às disposições do caput deste dispositivo. A

parte agravada não se encontra mais no local em que declarou exercer

suas atividades, embora conste do seu cadastro como empresa ativa.

Ainda, não possui patrimônio para saldar suas obrigações. Logo, possível a

desconsideração da sua personalidade jurídica em face da insolvência para

adimplir suas obrigações, sendo irrelevante a existência de desvio de

finalidade ou de confusão patrimonial por parte da empresa. Requisitos

legais preenchidos. Precedentes do Eg. STJ e desta Corte. AGRAVO DE

INSTRUMENTO PROVIDO (Agravo de Instrumento Nº 70051959328,

Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira

Martins, Julgado em 06/12/2012).

Essas disposições do CDC são criticadas, conforme leciona Fabio Ulhoa Coelho, por

conterem no caput, do artigo 28, casos de imputação direta, que não se confundem

com desconsideração da personalidade jurídica, bem como por exigir no § 5º apenas

a existência de prejuízos ao consumidor não indenizados pela pessoa jurídica, indo

de encontro ao princípio da autonomia patrimonial87.

87 Manual de Direito Comercial. 25ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 52.

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50

Para o Código Civil, a questão vem disciplinada no artigo 50, de modo que se

autoriza, excepcionalmente, o levantamento do véu da sociedade, excepcionando-se

o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação aos sócios, toda

vez que se configurar o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio

de finalidade, ou pela confusão patrimonial, respondendo o sócio com seu

patrimônio particular pela obrigação da empresa.

Tanto que os Tribunais aplicam, com base neste dispositivo legal, a

desconsideração com certa parcimônia, tendo que esta somente se configurará

quando presentes os requisitos legais (teoria maior), confira-se:

Agravo de instrumento. Seguros. A desconsideração da personalidade

jurídica, por se tratar de medida excepcional, uma vez que pode acarretar

graves e irreversíveis prejuízos ao patrimônio particular dos sócios, não

deve ser deferida sem um mínimo de prova convincente do uso fraudulento

do princípio da autonomia da separação patrimonial. A desconsideração da

personalidade jurídica só será juridicamente admissível quando, através do

conjunto probatório, for possível denotar-se a presença de elementos que

levem à conclusão de terem os sócios agido com intenção dolosa,

infringindo preceitos legais, ou se ficar comprovada a extinção irregular da

empresa, a não integralização do capital, ou ainda nas hipóteses em que

houver confusão entre a pessoa jurídica e a pessoa física dos sócios. No

caso concreto, nada disso ocorreu. Recurso desprovido (TJ/RS – Sexta

Câmara Cível/ Agravo de Instrumento nº 70036178911/ Relator:

Desembargador Ney Wiedemann Neto).

Para a lei do CADE, tem-se que a Constituição Federal determinou em seu art. 173,

parágrafo 5º, que tanto pessoa jurídica, quanto seus membros devem ser

responsabilizados por atos praticados contra a ordem econômica e financeira e

contra a economia popular.

Esta lei traz a previsão da teoria menor da desconsideração da personalidade

jurídica no seu artigo 18.

Salienta Fábio Ulhoa Coelho que, como o legislador reproduziu nesse dispositivo o

teor do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, merecem as mesmas críticas,

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no sentido de incluir casos que não se confundem com a doutrina da

desconsideração, como no encerramento da empresa por má administração.

Os tribunais pátrios reconhecem e utilizam-se desta modalidade, conforme se

verifica no julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (AP

1592199530204002 RS. Rel. Des. Mário Chaves)88:

EMENTA: FRAUDE À EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA. Consoante o art. 18 da Lei nº 8.884, de

11.06.94, parte final, verificar-se-á a desconsideração da personalidade

jurídica, também, nas hipóteses de falência, estado de insolvência ou

inatividade da pessoa jurídica por má-administração. Constitui-se em fraude

à execução, portanto, a alienação dos bens particulares do sócio-gerente

com vista a subtrair-se aos efeitos da dívida.

No direito do trabalho, por sua vez, a desconsideração da personalidade jurídica,

embora de grande interesse prático, ainda não alcançou consenso quanto aos seus

pontos principais, seja em sede doutrinária, seja em âmbito jurisprudencial. Não

obstante isso, a teoria vem sendo amplamente aplicada nos processos trabalhistas,

"em nome da proteção do obreiro e para garantir a efetividade da prestação

jurisdicional".89

Não há qualquer dispositivo que trate expressamente da teoria da desconsideração

da personalidade jurídica.

88 Muito embora na Justiça do Trabalho, percebe-se que a desconsideração tem sido analisada, em alguns casos, com moderação. O Direito Civil, sim, é fonte indireta do Direito do Trabalho, conforme tese reconhecida pela doutrina especializada, o que engloba as regras que constam do Código Civil de 2002, particularmente os seus artigos 50 e 187. Contudo, opera-se como se observa no julgamento abaixo, muitas vezes indo no sentido contrário da teoria da desconsideração. Confira-se: “Decisão n° 032697/2003-PATR. AGRAVO DE PETIÇÃO Juiz (a): LUIZ ANTONIO LAZARIM EMENTA: EXECUÇÃO TRABALHISTA. DESPERSONALIZAÇÃO DO EMPREGADOR. OCORRÊNCIA. A DESPERSONALIZAÇÃO DO EMPREGADOR, NO ÂMBITO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO TRABALHISTA, OPERA-SE OBJETIVAMENTE, ANTE A INSOLVÊNCIA DO EMPREGADOR E A INEXISTÊNCIA DE BENS DA EMPRESA PARA GARANTIR A EXECUÇÃO, NÃO SE EXIGINDO A PROVA DE EXCESSO DE MANDATO OU DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO PELO SÓCIO, SOB PENA DE SE TRANSFERIR PARA O EMPREGADO OS RISCOS DA ATIVIDADE, EM BENEFÍCIO DO PATRIMÔNIO PESSOAL DO SÓCIO”. 89 CORREIA, Ticiana Benevides Xavier. A desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região/PE, n. 33/05, p. 162.

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Dessa forma, parte da doutrina trabalhista aponta o §2º, do artigo 2º, da CLT

(responsabilidade solidária da empresa principal)90, como fundamento para a

aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Direito do

Trabalho.

Os Tribunais, sobre a desconsideração no âmbito trabalhista, se manifestam no

sentido de proporcionar esta desconsideração sempre que a sociedade representar

um óbice ao trabalhador receber as verbas a que tem direito (dando indícios de

adoção da teoria menor, quando entende ser possível o redirecionamento da

execução em face de qualquer dos sócios, uma vez inexistentes bens da empresa):

DIREITO DO TRABALHO – DIREITO PROCESSUAL – DIREITO CIVIL –

AGRAVO DE PETIÇÃO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO

RETIRANTE. 1. Não divergem a doutrina e a jurisprudência pátrias sobre

poderem ser excutidos os bens dos sócios, pena de se alimentar a ideia de

fraude, ou, no mínimo, de não se ter como realizar ao credor o seu crédito.

Desconsidera-se, pois, a personalidade jurídica da empresa, para que não

seja utilizada com intuito fraudulento e contrário às normas destinadas à

proteção do trabalhador, garantido ao sócio citado o contraditório e a ampla

defesa constitucionalmente assegurados a todo e qualquer cidadão. O art.

50 do Código Civil positivou o princípio da desconsideração da

personalidade jurídica da empresa e o art. 1024 do mesmo Código reforça o

benefício de ordem contido no art. 596 do CPC e a possibilidade de

redirecionamento da execução a qualquer dos sócios uma vez inexistentes

bens sociais. (AP 547292010506 PE 0000547-29.2010.5.06.0121 – TRT6)

As normas do Código Civil (artigo 50) e do Código de Defesa do Consumidor (artigo

28, §5º) são fontes subsidiárias do direito material e processual do trabalho, como se

pode conferir no julgado acima, servindo neste aspecto para fornecer o

embasamento da desconsideração.

90 §2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subsidiárias.

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Para fins da Lei nº 9.605/98, tem-se a hipótese em que é a pessoa jurídica que está

sendo responsabilizada por prejuízos causados ao meio ambiente, e não seus

sócios ou membros.

Isso porque, se estes já estiverem sendo obrigados a ressarcir os danos, não

haveria falar em pessoa jurídica como obstáculo91, salvo se referidos membros

houverem transferido seus bens à pessoa jurídica, de modo a resguardá-los de

eventual execução.

Todavia, se essa transferência torná-los insolventes, ensejará a aplicação do

instituto da fraude contra credores, ou da fraude à execução, dispensando-se a

desconsideração.92

91 Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Espírito Santo: “AGRAVO DE INSTRUMENTO PRELIMINAR EX OFFICIO DE INTEMPESTIVIDADE DAS CONTRA-RAZÕES RECURSAIS - DANO AMBIENTAL - Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta - EXECUÇAO - PENHORA - BENS DE ALIENAÇAO RESTRITA - PERSONALIDADE JURÍDICA - DESCONSIDERAÇAO - TEORIA MENOR - APLICABILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. 1. O prazo para a apresentação das contrarrazões pelo Ministério Público começa a fluir da data em que é aberta vistas dos autos ao Promotor, que terá prazo simples para manifestar-se, não se aplicando o artigo 188 do Código de Processo Civil. 2. Ao ser aberta vistas dos autos ao douto representante do MP de primeiro grau, este adotou postura de requerer ao Escrivão do Cartório que certificasse a data da publicação da decisão agravada, ao invés de apresentar de plano as contrarrazões, perdendo assim a oportunidade de se manifestar tempestivamente. Contrarrazões intempestivas. 3. Considerando o entendimento consagrado neste e noutros Tribunais de que a execução move-se sempre no interesse do credor e o fato dos bens ofertados pela agravante não estarem aptos a amparar o processo executivo, já que se tratam de bens de alienação restrita, a penhora deverá recair sobre o patrimônio dos sócios da empresa recorrente, atendendo-se o escopo da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que para as questões ambientais prevê a desconsideração da personalidade jurídica mediante simples demonstração de que esta (a personalidade) mostra-se como obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. (AI 24069004133 ES 024069004133. Rel. Des. Carlos Henrique Rios do Amaral). 92 Esta distinção é bem clara no julgado do Tribunal regional Federal da 2ª Região: “DIREITO CIVIL. AÇÃO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DISTINÇÃO. ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS DO SÓCIO. TERCEIROS ADQUIRENTES. INOCORRÊNCIA DE FRAUDE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Ação pauliana ajuizada sob o fundamento de haver ocorrido fraude contra credores na venda de imóveis pertencentes a um dos sócios da pessoa jurídica Matercon, supostamente realizada no período de insolvência da sociedade empresária. 2. Na fraude contra credores, tratando-se de alienação onerosa de bens, mister se faz comprovar a existência do consilium fraudis para que haja a ineficácia do ato. 3. Ainda que restasse caracterizada a insolvência do devedor, e, assim sendo, a fraude, para que a mesma pudesse produzir o efeito desejado pela apelante, tratando-se de alienação onerosa, seria necessário a configuração do consilium fraudis, ou seja, seria necessário que restasse demonstrado que os adquirentes tinham conhecimento do estado patrimonial do alienante ou tivessem razões para ter tal conhecimento - conforme ressaltado anteriormente. 4. Para a configuração da fraude contra credores, em se tratando de negócios jurídicos de venda de imóveis, é fundamental a constatação da existência do denominado consilium fraudis, conforme previsão à época contida no art. 107, do Código Civil de 1916 (atual art. 159, do Código Civil de 2002). O Apelante apenas alegou que houve tal acordo fraudulento, mas não fez prova alguma a esse respeito. Da mesma forma, pode-se afirmar relativamente à notoriedade da insolvência da pessoa jurídica, eis que os adquirentes não tinham condições de saber ou ter conhecimento do estado patrimonial deficitário do alienante. 5. No caso concreto, o Apelante pretende que haja combinação entre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica com a fraude contra credores para alcançar a conclusão de que os imóveis devem retornar ao patrimônio do sócio e, assim, serem penhorados em execução fiscal devido à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. 6. No caso brasileiro, em razão das limitações previstas no próprio ordenamento jurídico, considera-se que a teoria da desconsideração decorre de conduta abusiva ou fraudulenta por parte de alguém que atua pela pessoa jurídica, a saber, um sócio ou um administrador. 7. O Apelante não indicou quais teriam sido os atos abusivos ou fraudulentos supostamente perpetrados através da pessoa jurídica que ocasionaram a constituição dos créditos tributários, não sendo

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De outro lado, para Fábio Ulhoa Coelho, se a pessoa jurídica não tiver bens para

arcar com o ressarcimento de prejuízos ao meio ambiente, este fato, isoladamente,

não pode ser considerado um obstáculo a autorizar a desconsideração.93

O referido autor entende que a interpretação deve ser feita de acordo com a

formulação teórica acerca da desconsideração, ou seja, é indispensável aferir a

utilização indevida da personalidade jurídica, seu desvirtuamento, para que então se

aplique o instituto.

Quanto ao instituto do amicus curiae, conta-se agora também com disposição

expressa no Projeto.

A consagração expressa de uma disciplina para a intervenção do amicus curiae foi

um dos pontos mais elogiados do Projeto do novo CPC. Convém se estabelecer que

a participação do amicus curiae possa ocorrer a seu requerimento, e não apenas a

requerimento das partes ou por determinação do órgão jurisdicional.

A arbitragem ganhou destaque.

Nesse sentido, coloca o parecer do Deputado Paulo Teixeira que “um novo CPC

deve estar em conformidade com a evolução do processo arbitral havida no Brasil

nos últimos anos. Para que se tenha uma ideia, o Brasil é, atualmente, um dos cinco

países do mundo com mais arbitragens. Assim, houve a necessidade se de

aprimorar o projeto nesse particular. Corrigiu-se a redação do art. 3.º para se evitar

interpretação que redunde em indevida contraposição entre jurisdição e arbitragem.

Prevê-se expressamente a carta arbitral como instrumento de cooperação entre o

tribunal arbitral e o juiz estatal. Regula-se expressamente, a partir da sugestão do

Ministro Cézar Peluso, o problema da fraude à execução na pendência do processo

suficiente apenas e tão somente a verificação do não recolhimento do valor correspondente ao tributo ou preço público. 8. Honorários advocatícios devem ser reduzidos com fundamento no § 4º, do art. 20, do CPC, eis que a causa não guarda tanta complexidade. 9. Recurso e remessa necessária providos parcialmente´ (AC 360738 RJ 1999.50.02.033619-9). 93 Manual de Direito Comercial. 25ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 53.

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arbitral. Cria-se a alegação autônoma de convenção de arbitragem. Trata-se de

instrumento que serve para adequar o processo às particularidades da arbitragem”.94

Também se destacou a eficácia do precedente judicial.

O relatório manteve o sistema, acolhido no Projeto aprovado pelo Senado Federal,

de atribuir eficácia vinculante aos precedentes judiciais. Buscou-se aperfeiçoá-lo,

porém. Em primeiro lugar, modifica-se topologicamente o trato do tema, levando-o

para o capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, de modo a deixar claro que

se trata de atribuir eficácia vinculante aos provimentos judiciais finais.

Aperfeiçoa-se a terminologia do Projeto, de modo a deixar clara a eficácia vinculante

dos precedentes judiciais, regulamentando-se, também, a eficácia das decisões que

superam os precedentes vinculantes, de forma a respeitar os princípios da

segurança jurídica, confiança e isonomia.

Busca-se, ainda, regular os casos em que a eficácia vinculante não incide, de modo

a permitir a correta distinção entre o caso que deu origem ao precedente vinculante

e um caso concreto posterior que, por ser diferente daquele, não deva ser julgado da

mesma maneira.

Finalmente, até a conclusão, o presente trabalho se serviu, frise-se, da redação final

encaminhada pela Câmara ao Senado em 9 de abril de 201495 (através do ofício nº

558/14/SGM-P, para a correção material das folhas 195 e 212), conforme noticiado

acima (estando o Projeto ainda pendente de aprovação final).

Com estas considerações iniciais, passa-se à análise das provas no sistema

processual pátrio e dos elementos processuais formadores da convicção do

magistrado.

94 Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20130509-07.pdf 95 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267.

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2. AS PROVAS. ELEMENTOS PROCESSUAIS DA FORMAÇÃO DA

CONVICAÇÃO DO MAGISTRADO.

2.1. INTRODUÇÃO E CONCEITO. PROVA COMO LIMITE DA COGNIÇÃO.

Dentre os elementos que o sistema processual escolheu para a formação da

convicção do magistrado, a prova (oral, testemunhal, documental etc.) é dos meios

mais estudados em seus aspectos, mas não o único. 96

Para fins deste trabalho, adota-se a posição do Professor Arruda Alvim, acerca das

normas que disciplinam as provas não pertencerem somente ao campo do direito

material, o que se daria se seu objetivo único fosse o convencimento da parte

contrária e não do juiz, que, na verdade é por excelência, o destinatário da prova.

A disciplina relativa à prova, no plano infraconstitucional, se encontra estatuída no

Código Civil de 2002, e no Código de Processo Civil e 1973. A determinação das

provas, as condições para sua admissibilidade e os apontamentos de seu valor

jurídico encontram-se regulamentados pelo Código Civil, ao passo que ao Código de

Processo Civil coube disciplinar o modo de sua constituição e de sua produção em

juízo.

Para Clóvis Beviláqua, entra na esfera do direito civil a determinação das provas, e a

indicação tanto do seu valor jurídico quando das condições de sua admissibilidade.

Ao direito processual cabe estabelecer o modo de constituir a prova e de produzi-la

em juízo.97 Diferentemente, Egas Dirceu Moniz de Aragão sustenta que os

regramentos da prova pertencem ao Código de Processo Civil, ao passo que o

Código Civil deveria cuidar das regras de forma dos negócios jurídicos.98

De todo modo, o direito se realiza pela prova99, e a formação da convicção do

magistrado, que é o destinatário delas é etapa crucial do processo de conhecimento,

96 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 931. 97 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, p. 84. 98 O Código de Processo Civil e a prova, in: Revista Forense, nº 176, Rio de Janeiro: Forense, p. 44. 99 É da exposição de motivos do Código de Processo Civil vigente, quando dispõe acerca das provas: 20. A

doutrina das provas sofreu importantes modificações. O art. 336 declara que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, serão hábeis para provar a verdade dos

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pois é onde efetivamente se materializarão as pretensões e prevalecerão as que

formarem, dentro do sistema e da lei, a convicção dele.

Com isso, nos ocuparemos neste capítulo de estudar os elementos processuais

formadores dessa convicção, que são representados pelas provas em espécie

dispostas no Código de Processo Civil.

Inicialmente, provar, para Moacyr Amaral Santos, é convencer o espírito da verdade

respeitante a alguma coisa100.

Para Humberto Theodoro Júnior, apoiado na lição de Couture, provar é demonstrar

de algum modo a certeza de um fato ou a veracidade de uma afirmação.101

Como lembram os professores Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco

e Antonio Carlos de Araújo Cintra no dizer das Ordenações Filipinas, “a prova é o

farol que deve guiar o juiz nas suas decisões” (Liv. III, Tit. 63) sobre as questões de

fato.102

Em conceito mais aprofundado, apontam os professores Luiz Rodrigues Wambier e

Eduardo Talamini, em bela introdução à análise da prova, que a norma jurídica,

produto da mente criativa do homem, derivada, por sua vez, da necessidade de

organizar a vida em sociedade é, em consequência disso, destinada a regular seu

comportamento. Nessa sua qualidade, de mecanismo regulador das relações

sociais, a norma jurídica é apenas um comando abstrato, que só encontra campo

para sua autuação concreta quando um fato da vida se mostra adequado à sua

incidência.103

fatos, em que se fundam a ação ou a defesa”. Mas não é só. Permite o Projeto que o juiz, em falta de normas jurídicas particulares, aplique as regras da experiência comum, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (art. 339). Passa depois à disciplina particular das várias espécies de provas. Trata, em seções distintas, do depoimento pessoal e da confissão (arts. 346 e seguintes). Disciplina com rigor a exibição de documento ou coisa, considerando em particular os motivos da escusa (art. 367). Dispõe sobre a força probante dos documentos (arts. 368 e seguintes), a arguição de falsidade (arts. 394 e seguintes) e a oportunidade da produção da prova documental (arts. 400 e seguintes). E confere ao juiz o poder de inspeção direta e pessoal (arts. 444 e seguintes). 100 Primeiras linhas de direito processual civil. 29ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. II, p. 326. 101 Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1, 59ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 412. 102 Teoria Geral do Processo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 371. 103 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, Vol. I, p. 494.

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E sintetizam:

Daí se dizer que o direito se origina de fatos, pois a norma jurídica, tratada

isoladamente dos fatos, conquanto possa ser estudada, criticada, elogiada,

não atua, o que ocorre apenas quando há uma situação concreta a ser por

ela regulada. É possível afirmar que as normas jurídicas dependem da

ocorrência de situações de fato, no conjunto de relações que se

estabelecem na sociedade, para que possam “criar vida”, atuando e

fazendo-se sentir na existência das pessoas em geral e, enfim, da

sociedade com toda a sua complexa teia de relações.

A prova traz, portanto, concretude aos fatos alegados e com eles se relaciona.

Prosseguem os mestres lecionando que surge nesse cenário, diante da necessidade

da atuação dos órgãos da jurisdição, o instrumento de que a parte se servirá para

buscar a tutela estatal será o processo.

O professor Arruda Alvim ensina que a prova, entendida aqui como atividade

probatória, diz respeito ao agir humano que, por definição, é finalístico; é, assim,

uma atividade intencional.104

É o processo, assim, na circunstância finalística de ocorrer o descumprimento da

norma (ou ameaça de descumprimento), o veículo através do qual a parte buscará

obter um provimento que garanta, em seu favor, a atuação da norma jurídica

material.

Para que isso ocorra, todavia, é necessário que o julgador tenha conhecimento dos

fatos que autorizam a incidência da norma, advertem Wambier e Talamini. Sem ter a

exata noção dos fatos, é impossível ao juiz dizer a solução jurídica que a situação

reclama.105

Prova para estes autores, portanto, é o modo pelo qual o magistrado forma

convencimento sobre as alegações de fatos que embasam a pretensão das partes.

104 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 942. 105 Ainda, conforme lição de Moacyr Amaral Santos, “toda pretensão tem por fundamento um ponto de fato” - Primeiras linhas de direito processual civil. 29ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. II, p .325.

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Com efeito, excelente lição é trazida pelo Ministro Luiz Fux106, nos ensinamentos do

voto na famosa Ação Penal nº 470 conceituando prova: “a prova deve ser,

atualmente, concebida em sua função persuasiva, de permitir, através do debate, a

argumentação em torno dos elementos probatórios trazidos aos autos, e o incentivo

a um debate franco para a formação do convencimento dos sujeitos do processo. O

que importa para o juízo é a denominada verdade suficiente constante dos autos; na

esteira da velha parêmia quod non est in actis, non est in mundo”.

O processo de cognição precisa de limites para a reconstituição dos fatos (para não

se perder objetividade, inclusive) e as provas representam exatamente este limite e

assim, conclui o Ilustre José Frederico Marques, que com a prova, há uma

reconstrução histórica dos acontecimentos, episódios e fatos concernentes ao

litígio.107

A teoria geral da prova vem, conforme ensina o professor Arruda Alvim,

predominantemente regulada no Código de Processo Civil, quanto aos seus tipos (=

meios de prova); à sua admissibilidade (pelo juiz), reporta-se a tais normas; à sua

produção (pelas partes e, excepcionalmente, pelo juiz – artigo 130; e ainda quanto

ao ônus da prova (art. 333 – atividade dos litigantes) e sua valoração (art. 131), que

são assuntos intrinsecamente processuais.108

Com esta introdução, vejamos a história das provas.

2.2. HISTÓRIA DA PROVA.

Antes de se tratar especificamente da teoria geral das provas e do convencimento

do juiz, faz-se um breve escorço histórico, acerca da evolução da prova, presente na

obra de fôlego do saudoso professor Moacyr Amaral Santos, intitulada “Prova

judiciária no Cível e Comercial”.

106 Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AP470VotoMinLF.pdf 107 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 1974. Vol. II, p. 175. 108 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 932.

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A prova, nos tempos mais antigos, estava intimamente ligada à religião.

Afirma Moacyr Amaral Santos, com base em Montesquieu, que tanto a lei como a

religião tendem a tornar bons os cidadãos. Ora uma, ora outra, conforme o tempo ou

lugar, predomina – ou seja, “quando uma delas se afasta de seu fim, a outra toma a

dianteira: menos exigente se torna a religião, mais repressoras se tornam as leis

civis”.109

Não se vai encontrar a prova na vida do homem primitivo, nas cavernas, isolado,

com sua família, alheio ou fugido ao que se passava com outra família distante, mas

certamente na rudimentar sociedade, que já possuía chefes, deliberava em

assembleias, expediam decretos obrigatórios a todos os seus membros e tinha, em

embrião, os fundamentos do processo judicial.

Afirma o ilustre doutrinador, que quando, nos primitivos agregados sociais, a lei era

a própria religião, e esta influía decisivamente sobre a conduta dos homens e da

própria coletividade, nada mais natural e explicável tivesse a religião atuação

imperativa nas decisões dos litígios entre particulares ou entre estes e a sociedade,

daí a instituição dos juízos de Deus, as ordálias.110

A ordália consistia em submeter alguém a uma prova, na esperança de que Deus

não o deixaria sair com vida, ou sem um sinal evidente, se não dissesse a verdade

ou fosse culpado.111 Prova de caráter religioso, numa época em que tudo, o lar, a

família, a cidade, o governo, a justiça era protegida ou mesmo presidida por um

deus, ou por Deus, a sua aplicação se enquadrava exatamente ao sistema jurídico

daqueles povos, consequência lógica da noção que tinham de direito e justiça.112

Instituíram-se provas formais, sem contraprova, diante das quais o juiz, o órgão

passivo, aguardava a justiça divina, que desconhece a malícia das acusações ou a

109 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 18. 110 Op. cit., p. 18. 111 O Supremo Tribunal Federal, quando faz menção às ordálias, refere-se a provas perversas: “(...) A premissa, plenamente aplicável ao campo cível, implica o dever do juiz de não exigir a produção de provas impossíveis, de dificílima obtenção (“ordálias" ou "provas perversas") ou impertinentes à definição de fatos relevantes para o julgamento (...)” RMS 24283 DF. Rel. Min. Joaquim Barbosa. 112 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 19.

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falsa prova, pendesse para o lado da verdade e do justo. Assim, ao juiz apenas

cabia absolver a quem levasse a prova a cabo e condenar quem fraquejasse ou

sucumbisse à experimentação.

Na Idade Média, informa o festejado Moacyr Amaral Santos, multiplicou-se esse tipo

de prova. A prova, por meio das ordálias, essencialmente formalista, não visava

formar a consciência do juiz a respeito da verdade; tinha por escopo fazer a verdade

aparecer por vontade de Deus, que a evidenciava pelo permitir pendesse o êxito, na

experimentação, para o lado do justo.113

As ordálias consistiam, juntamente com o duelo e o juramento, nas três espécies de

provas divinas da época.

O festejado autor114 organiza uma série de ordálias presentes na Idade Média, das

quais se destacam curiosamente: 1) A prova pela sorte: usada pelos germanos.

Faziam duas sortes, com dois pedacinhos de madeira, um dos quais assinalado com

uma cruz, ambos envolvidos em lã e colocados num altar. O sacerdote tirava a sorte.

Saindo a cruz, todos os juramentos eram tidos como verdadeiros e os acusados

absolvidos; 2) A prova pelo fogo: teria o acusado que passar por entre suas sarças,

vestido de camisa embebida em cera; 3) A prova pela água fervendo: consistia a

prova em tirar o litigante um ou mais objetos do fundo de uma caldeira de água a

ferver. Com relação a esta prova, afirma Montesquieu, que mediante certa soma em

dinheiro paga ao acusador, o acusado poderia livrar-se da prova, contentando-se

com o juramento de algumas testemunhas; 4) A prova pela água fria: os litigantes

deveriam atravessar a nado um rio, por diversas vezes, perdendo a causa quem

primeiro cansasse; ou atirava-se, ao rio, o acusado, com pés e mãos amarrados: era

reconhecido inocente se afundava, culpado se ficava à superfície; 5) A prova pelo

cadáver: conduzia-se o assassinado numa padiola, à presença do acusado, na

crença de que, diante deste, novamente sangrassem as feridas do cadáver, ou lhe

viessem bramidos ou espuma à boca; 6) A prova pela cruz: colocavam-se os

litigantes em pé, de braços abertos, em forma de cruz, em frente à própria cruz,

durante certo tempo, ou enquanto se rezava o Evangelho. Perdia o pleito quem

113 Op. cit., p. 20. 114 Op. cit., p. 21/24.

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primeiro deixasse cair os braços de cansado; 7) A prova do pão e queijo: devia o

acusado engolir certa quantidade de pão e queijo, ficando demonstrada a sua

culpabilidade se não conseguia; 8) A prova da Eucaristia; 9) A prova pela caldeira

pendente: suspendia o acusado uma caldeira cheia de água e pronunciava certas

orações: se culpado, a água devia agitar-se e a caldeira virar; 10) A prova do pão

bento: tomava o acusado de um pão abençoado: se era culpado, o pão devia fazer

um movimento de ondulação; caso contrário, estava provada a inocência; 11) A

prova pelas serpentes: lançava-se o acusado no meio destas, acreditando-se que

elas mordiam apenas se se tratava de criminoso.

Todas estas provas eram produzidas perante o magistrado, cuja intervenção era

totalmente nula depois que se estabelecesse a quem cumpria fazê-las. Mero

assistente das provas, o juiz ou tribunal se restringia a decidir segundo o resultado

obtido nas ordálias. Com base em Chiovenda, afirma-se, que nada mais cabia ao

juiz, senão declarar o resultado do experimento.115

O juramento, por sua vez, consistia na invocação da divindade como testemunha da

verdade do fato que alega.

Também tinha nítido caráter religioso.

Contudo, várias causas acarretaram na Idade Média o descrédito deste meio de

prova, em especial o descaso pelas vinganças divinas.

Aponta o eminente Moacyr Amaral Santos, que colocado no dilema de não jurar, o

que implicava na sua condenação, ou de jurar, embora falsamente, o que acarretava

sua absolvição, o litigante, a quem era deferido o juramento opinava por esta

situação, preferindo afrontar as vinganças destinadas ao perjuro à absoluta certeza

de perder-se.116

Como corretivo ao abuso dos juramentos falsos, surgiu e prosperou, na Idade

Média, a instituição dos conspurgadores, que consistia no juramento de outras

115 Op. cit., p. 25. 116 Op. cit., p. 26.

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pessoas em abono do prestado pelo acusado ou por quem deveria jurar. Tentou-se,

por esta forma, restabelecer o prestígio do juramento, repondo-o na superior posição

que desfrutava na antiguidade, com especialidade entre os romanos.

Mesmo assim, afirma o renomado doutrinador, que não deu a instituição,

positivamente, os resultados desejados. Por meio dela não se moralizou o

juramento. Multiplicando-se o juramento, nada mais se fizera senão multiplicar os

perjuros. Quando um instituto jurídico não surte os efeitos esperados, pelo mau uso

ou desuso, ou porque se corrompe, a necessidade cria outro em seu lugar. Foi o que

se deu com o juramento, caído em descrédito, surgiu o combate judiciário.117

O fundamento do combate visava evitar que os indivíduos não jurassem sobre fatos

obscuros ou não perjurassem.

Instituiu-se então o duelo, ou combate judiciário, a mais usada e apreciada das

ordálias, mesmo indispensável para a solução de quase todos os litígios.

Por vários séculos, o combate constituiu a prova por excelência, que servia tanto

para dirimir questões de fato como questões de direito, e à qual recorriam autores e

réus para solução dos litígios submetidos a juízo, segundo ritual obrigatório e

usando armas que lhes eram designadas pela categoria a que pertenciam.

Iniciava-se esta modalidade de prova, que era presenciada e acompanhada pelos

juízes e auxiliares da Justiça, com três promulgações: pela primeira ficavam os

presentes convidados a retirar-se; pela segunda, advertiam-se as pessoas presentes

da obrigação de se conservarem em silêncio; pela terceira, tornavam-se essas

pessoas notificadas da proibição de prestar auxílio às partes, mesmo em caso de

mortes, sob a cominação de severas penas.

Informa ainda o autor, citando Montesquieu que “o mais extraordinário é que,

desconhecendo os homens da Idade Média o recurso da apelação como existia no

117 Op. cit., p. 31.

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direito romano e no direito canônico, sempre que não se conformasse a parte com a

decisão pelo mesmo juiz, cumpria a este bater-se com o apelante”.118

Contudo, por diversos aspectos contraditórios, e principalmente com a evolução dos

povos, a ordália tendeu à abolição como meio de prova.

Assim, preciso era, extinta a ordália e com a condenação do duelo no princípio do

século XIV, se estabelecer um meio de prova que àqueles substituísse e servisse

para corrigir os vícios e abusos resultantes do mau uso do juramento.

Voltaram-se então, afirma Moacyr Amaral Santos, os povos para a prova

testemunhal. A prova testemunhal é conhecida desde a infância dos povos, porque

seu aparecimento coincidiu com os primeiros surtos para afirmação do direito

individual e todos os seus passos vieram acompanhando a infância, a adolescência,

a idade viril de todas as civilizações do mundo. Condenadas as ordálias,

desacreditado o juramento, retornou a testemunha a constituir a prova comum.

Concordam os autores em atribuir a São Luis, rei da França, quando suprimiu o

duelo dos seus domínios, a restauração da prova testemunhal como regra.119

Acompanhando a prova testemunhal, desenvolveu-se a prova literal, depois que a

escrita foi descoberta e com o encontro do Digesto120, em 1137, ressurgiu o direito

romano, com seu ensino nas escolas que se fundaram na Itália; que São Luís

mandasse traduzir as obras de Justiniano, e que Felipe, o Belo, fizesse difundir as

leis romanas – para que no processo passasse a aparecer, mais amiúde, a prova

literal. Só então, graças à repercussão das leis daqueles reinantes e à divulgação do

direito romano, começou a formar-se a arte processual, na lição de Montesquieu,

invocada por Moacyr Amaral Santos.121

Vejamos, com esta introdução histórica, a análise da teoria geral das provas.

118 Op. cit., p. 35. 119 Op. cit., p. 37. 120 Conforme definição do Dicionário Jurídico Brasileiro, de Washington dos Santos, Digesto (Subst. do adj. lat. digestu.) significa “coleção de escritos, dividida em vários livros e capítulos, em que estavam as decisões dos jurisconsultos romanos mais célebres. Justiniano, imperador do Oriente (483-565), transformou essas decisões em leis, sendo uma das quatro partes do Corpus Juris”. Disponível em: http://www.facape.br/anderson/ied/Dicionario_Juridico.pdf. Acesso em 18/04/2013. 121 Op. cit., p. 41.

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2.3. TEORIA GERAL DAS PROVAS.

Antes de se adentrar propriamente na teoria geral das provas, devemos situar a

prova como direito fundamental, como proposto por alguns doutrinadores que serão

abordados abaixo, e após discutir acerca do conceito de verdade e sua relativização

para fins processuais, que se reputa indispensável para prosseguir no tema, e então

se adentrar na teoria geral das provas.

2.3.1. A PROVA COMO DIREITO FUNDAMENTAL.

O direito à prova relaciona-se com o princípio do contraditório, acesso à justiça e ao

devido processo legal, todos dispostos na Constituição Federal (artigo 5º, inciso LV)

e erigidos a status de direito fundamental.

Esta relação entre prova e direito fundamental é bem traçada pelo mestre Luiz

Guilherme Marinoni,122 confira-se:

Como adverte TROCKER, o objetivo central da garantia do contraditório não

é a defesa entendida em sentido negativo, isto é, como oposição ou

resistência ao agir alheio, mas sim à influência, entendida como

Mitwirkungsbefugnis (Zeuner) ou Einwirkungsmölichkeit (Baur), ou seja,

como direito ou possibilidade de influir ativamente sobre o desenvolvimento

e resultado da demanda. De nada adianta, de fato, garantir uma

participação que não possibilite o uso efetivo, por exemplo, dos meios

necessários à demonstração das alegações. O direito à prova é resultado

da necessidade de se garantir ao cidadão, a estreita conexão entre as

alegações dos fatos, com que se exercem os direitos de ação e de defesa,

e a possibilidade de submeter ao juiz os elementos necessários para

demonstrar os fundamentos das próprias alegações tornou clara a influência

das normas em termos de prova sobre os direitos garantidos pelo due

process of law. A mesma conexão impõe o reconhecimento, em nível

constitucional, de um verdadeiro e próprio direito à prova (right to evidence)

em favor daqueles que têm o direito de agir ou de se defender em juízo.

122 Novas linhas de processo civil. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 258/259.

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Não somente por tais motivos, mas Fredie Didier Jr. ensina que a disposição do

parágrafo 2º, do artigo 5º, da Constituição não exclui demais direitos e garantias

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, percebendo-se que se

abre a chancela sobre outros direitos fundamentais não explícitos123, incluindo-se aí

o direito à prova.

Por outro lado, complementa o insigne Eduardo Cambi, que a partir da leitura

sistemática e teleológica das máximas e valores constitucionais, encontramos na

Constituição intrínseco o direito fundamental à prova, emanando, mais

especificamente, como um desdobramento da garantia constitucional do devido

processo legal e um aspecto fundamental das garantias processuais da ação, da

defesa e do contraditório, esclarecendo ainda, que a este direito fundamental tem

caráter instrumental, e sua finalidade é o alcance de uma tutela jurisdicional justa,

por isso deve-se sempre buscar dar efetividade a tal direito.

Verifiquemos na dicção do mestre:124

Nesse contexto, a efetividade do direito à prova significa o reconhecimento

da máxima potencialidade possível ao instrumento probatório para que as

partes tenham amplas oportunidades para demonstrar os fatos que alegam,

influindo, assim, no convencimento do juiz.

Deve-se assegurar, pois, o emprego de todos os meios de prova imprescindíveis

para a corroboração dos fatos e reconstrução da “verdade”.

Mas tal assertiva, conforme leciona Fredie Didier Jr.125, não é absoluta, podendo ser

limitado, excepcionalmente quando colida a prova em cotejo a outros valores e

princípios constitucionais, a exemplo do médico ou advogado que poderá se escusar

de colaborar com a justiça em decorrência do dever de sigilo profissional (artigo 5º,

inciso XIV, da Constituição Federal).

123 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 19. 124 Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 166. 125 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 20.

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O direito à prova vem previsto, ainda, no Pacto de San José da Costa Rica (artigo

8º, 2, f126), incorporado ao direito interno pelo Decreto 678/92, bem como no Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 9º127), incorporado ao ordenamento

jurídico pelo Decreto 592/92.128

2.3.2. PROBLEMA DA VERDADE. PROVAS E FATOS.

A prova, segundo aponta Moacyr Amaral Santos, enquanto vocábulo, significa

reconhecer por experiência, persuadir alguém de alguma coisa. É o meio pelo qual a

inteligência chega à descoberta da verdade.129

Como dito por várias vezes acima, a prova está ligada ao conceito de verdade. Esta

verdade, como também se afirmou acima não é absoluta, mas sim relativa.

Necessário, portanto, antes de prosseguir, examinar atentamente esta questão,

introduzindo também os reflexos desta problemática na convicção do magistrado,

que será explorada no capítulo seguinte.

126 Artigo 8. Garantias Judiciais (...) 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presente no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos. 127 Artigo 9. 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos. 2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e notificada, sem demora, das acusações formuladas contra ela. 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. 4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legislação de seu encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal. 5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegais terá direito à repartição. 128 Neste particular, cabe mencionar o parágrafo 3º, do artigo 5º, da Constituição, introduzido pela “Reforma do Judiciário”. Com o advento da EC 45/2004, acrescentou-se o parágrafo 3º no artigo 5º da CF, verbis: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turno, por três quintos dos votos dos respectivos membros, que serão equivalentes à emendas constitucionais”. Aludido dispositivo gerou interessantes discussões doutrinárias acerca da força que os tratados e convenções que versarem sobre direitos humanos passaram a ter. Há quem sustente que esses tratados e convenções (ratificados anteriormente ao advento da EC 45/2004 passaram a ter força de norma constitucional. Por outro lado, há também posicionamento, que reputamos mais condizente com a EC 45/2004, no sentido de que aludidos tratados e convenções, por não terem se submetido ao quórum do parágrafo 3º, do artigo 5º, da CF, continuam a vigorar com força de lei ordinária. 129 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 4.

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A verdade, segundo lição de Moacyr Amaral Santos, com base nos ensinamentos do

jurista italiano Nicola Framarino dei Malatesta (em sua obra “A lógica das provas em

matéria criminal”) é a conformidade da noção ideológica com a realidade.130

Coaduna-se, portanto com este conceito a verdade relativa, sempre procurada,

nunca alcançada.

Exatamente por este motivo, afirma o notável Mestre, que a verdade varia no tempo

e no espaço e representa uma relação de conformidade entre o nosso pensamento

e a realidade palpável e inteligível, a verdade, “por mais que busque aproximar-se

do nômeno, há de ater-se sempre ao fenômeno, sempre à aparência real das

coisas, diante dos sentidos aperfeiçoados, aparelhados e completados, na sua

inópia, pela inteligência”. Por isso mesmo, a verdade, que se busca, quase sempre,

não se apresenta ou nunca se apresenta com a brancura da verdade absoluta, mas

apenas com as cores da realidade sensível e inteligível. 131

Os meios para se chegar a esta verdade encerram, segundo o mestre, três estados

de espírito no ser humano – a certeza, a dúvida e a ignorância, que devem ser

encarados com subjetividade.132

A ignorância é o estado absolutamente negativo, que desmerece análise. A dúvida,

por sua vez, gera credulidade, credibilidade ou probabilidade, ao passo que a

certeza ocorre quando o espírito julga-se perfeitamente possuído e crente da

conformidade da noção ideológica com a realidade, isto é, possuído e crente da

verdade.

Diante destes motivos e de relatividade da verdade, afirma-se o processo civil

buscar a verdade substancial (diferentemente do processo penal nesse aspecto).133

130 Op. cit. p, 5. 131 Op. cit. p, 5. 132 Op. cit. p, 5. 133 Muito embora existam posicionamentos divergentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, como por exemplo: “PROCESSO CIVIL. Agravo no Recurso Especial. Iniciativa probatória do juiz. Perícia determinada de ofício. Possibilidade. Mitigação do princípio da demanda. Precedentes. — Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC. — A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, é amplíssima, porque é feita no

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O professor Luiz Guilherme Marinoni134, nesse sentido explica, com base em

Carnelutti, que o processo é um trabalho, e que “aquilo que é necessário saber,

antes de tudo, é que o trabalho é união do homo com a res, sendo que esta coisa

vimos estar em torno de um homo: que o homo hidicans trabalhe sobre o homo

iudicandis significa, no fundo, que deve unir-se com ele; somente através da união

ele conseguirá saber como se passaram as coisas e como deveriam passar-se, a

sua história, e o seus valor, em uma palavra a sua verdade”. Eis a razão pela qual

se tem a verdade material (ou substancial) como escopo básico da atividade

jurisdicional.

O notável Fredie Didier Jr., por seu turno, após citar músicas de famosos

compositores brasileiros que ilustram a controvérsia do tema, é enfático ao afirmar

que a verdade real é algo inatingível; que não deixa de ter um caráter místico.

Elucida em contundentes palavras135:

É utopia imaginar que se possa, com o processo, atingir a verdade real

sobre determinado acontecimento, até porque a verdade sobre algo que

ocorreu outrora é ideia antitética. Não é possível saber a verdade sobre o

que ocorreu ou algo aconteceu, ou não. O fato é verdadeiro ou falso – ele

existiu ou não. O algo pretérito está no campo ôntico, do ser. A verdade, por

seu turno, está no campo axiológico, da valoração: as afirmações ou são

verdadeiras, ou são mentiras – conhecem-se os fatos pelas impressões que

as pessoas têm deles.

Situado o problema da verdade e sua relativização, adentram-se propriamente nos

temas da teoria geral das provas.

Inicia-se pelo conteúdo e finalidade da prova.

interesse público de efetividade da Justiça” (AgRg no REsp 738.576/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T, j. em

18.08.2005, DJ 12.09.2005, p. 330). 134 Processo de Conhecimento. 11ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 299/300. 135 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 70/71.

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2.3.3. FINALIDADE E CONTEÚDO DA PROVA.

Acerca da finalidade da prova, pondera Moacyr Amaral Santos136, que a questão de

fato se decide pelas provas. Por estas se chega a verdade, à certeza dessa

verdade, à convicção. Em consequência, a prova visa, com fim último, incutir no

espírito do julgador a convicção da existência do fato perturbador do direito a ser

restaurado, “afirmando ser a finalidade da prova não outra, senão convencer o juiz,

nesta qualidade, da verdade dos fatos sobre os quais ela versa”.

Dessa forma, o destinatário da prova é, sempre, o juiz137 (contudo, doutrinadores

como Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, defendem que o destinatário

da prova é o processo138).

Nesse sentido, é a lição de Wambier e Talamini: 139

A prova não se destina ao seu autor nem à parte adversa, e uma vez

produzida passa a integrar o processo, pouco importando quem teve a

iniciativa de requerer a sua produção. Sendo a prova o modo pelo qual o

juiz passa a ter conhecimento dos fatos que envolvem a relação jurídica

posta à apreciação da jurisdição, é de todo evidente que o interesse em

provar está intimamente ligado ao interesse de dirigir ao juiz a prova, pois é

a este que cabe dizer a solução jurídica adequada, a partir do

convencimento que tiver dos fatos.

Por estes mesmos motivos, os mesmos autores, linhas adiante tratam da

irrelevância da autoria da produção das provas, pois uma vez produzida, passa a

136 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 8/9. 137 Oportuna é a lição do Desembargador Federal Tourinho Neto sobre o tema: “AGRAVO. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. PRODUÇÃO DE PROVAS. INDEFERIMENTO. JUIZ. DESTINATÁRIO DAS PROVAS. 1. O princípio da livre apreciação das provas (art. 131 do CPC) faculta ao magistrado a aprovação ou não das medidas postuladas pelas partes, podendo ele indeferir, mas sempre de maneira fundamentada, diligências que considere supérfluas, haja vista o juízo de conveniência quanto à necessidade de sua realização, que lhe é próprio e exclusivo, por ser o destinatário da prova. 2. Requerida a produção de prova, cabe a autoridade judiciária deferi-la ou não, conforme a considere necessária ou não à elucidação dos fatos ou de suas circunstâncias, evitando-se, desta forma, a realização de atos processuais desnecessários, impertinentes ou procrastinatórios. 3. Deve o juiz agir sempre dentro dos limites que lhe são conferidos, atentando-se para, no caso de indeferimento, não correr o risco de ocasionar o cerceamento de defesa. 4. Agravo não provido (AG 78021 BA 0078021-05.2012.4.01.0000, 3ª Turma, julgado em 26/03/2013). 138 Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2013, p. 606. 139 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 498.

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integrar o processo, pouco importando quem a produziu, não podendo a parte

seccionar a prova para aproveitar apenas parcela que lhe interessa, a prova é um

todo, vigendo nesse sentido, o princípio da aquisição processual, ou da comunhão

da prova.140

2.3.4. AS PROVAS E OS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Segundo a doutrina, diversos são os princípios que regem as provas no processo.

O professor Arruda Alvim, por exemplo, elenca o princípio dispositivo141 e o da

oralidade, decorrendo deste segundo, uma série de subprincípios, como o da

identidade física do juiz, da concentração dos atos processuais, da imediatidade e

da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias.142

Quanto ao princípio dispositivo, em face do que dispõe o artigo 130, do CPC, a única

limitação à atividade do juiz com relação à atividade instrutória é a de que a ele não

é dado ir além do tema probatório, ou seja, da lide ou do objeto litigioso, nem infringir

o princípio do ônus (subjetivo) da prova. Se de um lado, pode o juiz, licitamente

adentrar a atividade probatória, tendo em vista a necessidade da prova para a

formação de sua convicção, deverá sempre fazê-lo subsidiariamente, não

suprimindo as omissões da parte inerte. É justamente neste passo que deverá

aplicar as regras respeitantes ao ônus da prova.143

De qualquer forma, é fundamental que se tenha por base que o juiz nunca age em

favor de uma das partes, pois se assim o fizesse, quebraria a paridade no

tratamento e as disposições acerca do ônus da prova.

140 Op. Cit., p. 503 141 O princípio dispositivo significa que as partes devem ter a iniciativa para levar as alegações ao processo ou indicar onde encontrá-las, bem como levar material probatório que poderá ser utilizado pelo julgador para a formação do seu convencimento e fundamentação da decisão. Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo: “DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. COISA MÓVEL. COMPRA E VENDA. VÍCIO REDIBITÓRIO. PROVA. ÓNUS PROBANTE. SISTEMA LEGAL. PREDOMÍNIO DO PRINCÍPIO DISPOSITIVO. PEDIDO IMPROCEDENTE. No processo moderno predomina o princípio dispositivo que entrega às partes a diligência e o interesse em produzir as provas dos fatos alegados, assumindo o risco de perder a causa se não prová-los. Não comprovada a participação das embargantes na negociação de compra e venda de bem móvel, é descabe a indenização pleiteada. Embargos infringentes desprovidos”. Embargos infringentes n.° 0010411

59.2008.8.26.0152/50000. Rel. Des. Gilberto Leme. 142 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 948. 143 Op. cit., p. 948

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Pela adoção do princípio da oralidade, informa o professor Arruda Alvim, fala-se no

sentido do seu predomínio sobre o princípio da forma escrita. Razão essa de falar-

se, usualmente, em processo misto, com predomínio da oralidade.

Esta adoção, como se disse, implica numa série de subprincípios a caracterizar o

sistema da oralidade.

Vejamos na lição do Professor Arruda Alvim: 1) identidade física do juiz: o juiz que

instrui a causa terá que ser, necessariamente, o que venha a proferir sentença.

Entretanto, tal subprincípio encontra limite de incidência no caso de o juiz ser

convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado,

desde que esteja em meio à instrução da causa em audiência; 2) concentração dos

atos processuais: os atos processuais, particularmente os relativos à instrução oral,

devem ser o proximamente realizados uns dos outros, e, sendo possível, dever-se-á

realizar toda a instrução oral numa só audiência (artigo 455, do CPC). A audiência é

uma e contínua; 3) imediatidade: entende-se a necessidade de o juiz colher as

provas imediatamente, junto às partes e testemunhas, e receber os esclarecimentos

do perito e dos assistentes técnicos, ou seja, deve fazê-lo pessoalmente; e 4)

irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias: consiste em se criarem

recursos específicos para as decisões interlocutórias, evitando que o processo,

pelos recursos em separado, isto é, pela interposição de apelação, tenha seu fluir

obstado.144

O eminente Fredie Didier Jr.145, por sua vez, em questão de princípios aplicáveis às

provas, fala basicamente em dois modelos possíveis:

a) sistemas informados pelo princípio dispositivo, em que cabe às partes em

litígio a iniciativa probatória, com a coleta e apresentação das provas de

suas próprias alegações – que é tradicional nos países anglo-saxônicos

(common Law), o adversarial system; b) e os sistemas informados pelo

princípio inquisitivo, em que são atribuídos maiores poderes ao juiz,

cabendo-lhe uma postura mais ativa na instrução, que deve contar com a

144 Op. cit., p. 949/952. 145 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 20.

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iniciativa oficial – que é característico dos países da Europa Continental e

da América Latina (civil law), o inquisitorial system.

Além disso, o festejado doutrinador elenca uma série de outros princípios, como o

da isonomia, imparcialidade e aquisição processual.

Pela aquisição processual, o doutrinador leciona que a prova adere ao processo,

sendo irrelevante saber quem a trouxe. O que importa é sua existência, e não, sua

proveniência (origem). Quando trazida aos autos, a prova sai da esfera de

disposição daquele que a providenciou (parte, Ministério Público, terceiro ou juiz)

tornando-se pública, como e parte integrante do conjunto probatório, para favorecer

ou desfavorecer quem quer que seja.146

Finalmente, pela imparcialidade, informa José Roberto dos Santos Bedaque, que

preservar a imparcialidade do magistrado é submeter as provas que vierem aos

autos por sua iniciativa própria à apreciação, em contraditório, de ambas as partes,

para que elas participem e influam no seu convencimento a partir daqueles

elementos concretos. Além disso, a motivação das suas decisões é também uma

mostra da sua imparcialidade, afastando-se, com isso, a possibilidade de o

magistrado, por motivo de foro íntimo, tentar beneficiar esta ou aquela parte.147

2.3.5. OBJETO DA PROVA. FATOS QUE INDEPENDEM DE PROVA. PROVA

IMPOSSÍVEL.

O objeto da prova, ou na dicção do saudoso José Frederico Marques, o thema

probandum, são os fatos que devem ser demonstrados no processo para o juiz

formar sua convicção.

O renomado autor opta por dividir o objeto da prova em concreto e abstrato.

Em abstrato, o objeto da prova é tudo aquilo que a lei processual admite que deva

ou passa ser demonstrado na instrução, cabendo à lei processual fixar o que deva

ser provado. São os fatos e elementos empíricos do litígio. Em concreto, o objeto da

146 Op. cit., p. 25. 147 Poderes instrutórios do juiz. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 109.

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prova é aquilo que deva ser demonstrado no curso do processo, cabendo ao juiz

dizer da relevância da prova, quanto ao que as partes queiram demonstrar,

afastando o que seja irrelevante para o caso ou litígio a ser decidido, podendo recair,

portanto em todos os fatos debatidos no processo.148

Segundo Wambier e Talamini, devem-se provar fatos, não o direito. Pela máxima do

jura novit curia (o tribunal conhece os direitos) tem-se que o alegado não é objeto da

prova, mas apenas os fatos, ou seja, aquilo que ocorreu no mundo. Também se diz

da mihi factum, dabo tibi jus (dê-me o fato, que lhe dou o direito), para significar que

basta à parte demonstrar que os fatos ocorreram para que o juiz aplique o direito

correspondente.149

Nesse mesmo sentido leciona Moacyr Amaral Santos, ressaltando a exceção trazida

pelo artigo 337, do CPC:150

Em princípio, provam-se os fatos; por exceção prova-se o direito. Este

somente deve ser provado quando singular, estrangeiro, municipal ou

consuetudinário. Isso mesmo, com as restrições expostas, visto que a sua

prova poderá ser dispensada, por desnecessária.

O eminente Pontes de Miranda lecionava que a prova refere-se a fatos; portanto a

elementos de suporte fático, ao suporte fático e aos fatos jurídicos que de suportes

fáticos resultam. Direitos, pretensões e ações são efeitos de fatos jurídicos; é

preciso que se provem os fatos jurídicos para que se tenham por existentes, no

tempo e no espaço. 151

A doutrina mais moderna, afirma Fredie Didier Jr. com apoio em Dinamarco e

Marinoni, contudo, nega a conclusão de que os fatos da causa são objeto único da

prova.152

148 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva: 1974. Vol. II, p. 176. 149 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 499. 150 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 222. 151 Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo III, 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p.

405. 152 DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, v. 3 e MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, t. 1.

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Afirma o professor que provar é demonstrar que uma alegação é boa, correta, e,

portanto, condizente com a verdade. O fato existe ou inexiste, aconteceu ou não

aconteceu, sendo, portanto, insuscetível dessas adjetivações ou qualificações. As

alegações sim, é que podem ser verazes ou mentirosas, daí a pertinência de prová-

las, ou seja, demonstrar que são boas e vorazes, concluindo que o fato probando

deverá apresentar três características: controvertido, relevante e determinado.153

Cumpre salientar, que nem todos os fatos dependem de prova154, a teor do disposto

no artigo 334, do CPC.155

Independem de prova os fatos notórios.

Segundo José Frederico Marques, fato notório é aquele constituído por verdades

geralmente reconhecidas por se referir o fato a uma situação territorial ou

geográfica, ou a acontecimento histórico, ou ainda por tratar-se de fatos axiomáticos,

evidentes e indiscutíveis; é, em suma, o fato insuscetível de ser negado, na sua

existência ou inexistência. Todavia, a notoriedade de um fato pode exigir prova,

quando vem exigida em lei, como elemento determinante do direito.156

O eminente João Carlos Pestana de Aguiar informa que o notório é hoje

sinonimizado com o público, muito embora houvesse que se perceber uma diversa

valoração semântica dos vocábulos. O fato notório pode se cingir ao conhecimento

de um círculo, certamente conhecerá o fato. Como exemplo, os princípios

elementares a qualquer atividade profissional, não necessariamente notórios para

quem exerça a profissão. Não o serão para o juiz e dependerão de prova. Por isso,

procura a doutrina distinguir o notório oficial que diz respeito à vida forense, a que os

153 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 43. 154 Nesse sentido: “RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA EXTINTO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO - AUSÊNCIA DE JUNTADA DO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO IMPUGNADO PELOS RECORRENTES - FATO PÚBLICO E NOTÓRIO QUE INDEPENDE DE PROVA - ART. 334 DO CPC - RECURSO PROVIDO. 1. A falta de juntada do edital de concurso público impugnado pelos Recorrentes não enseja a extinção do mandado de segurança, sem julgamento de mérito. 2. Em sendo o edital do concurso ato administrativo que se tornou público e notório, mediante a devida publicação, independe, portanto, de produção de prova. Aplicação do art. 334 do CPC. 3. Recurso ordinário provido”. RMS Nº 16.055 - PE (2003/0038899-0). Relator Min. Paulo Medina. 155 Art. 334. Não dependem de prova os fatos: I - notórios; II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III - admitidos, no processo, como incontroversos; IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. 156 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva: 1974. Vol. II, p. 177.

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alemães denominam de Gerichtskundigkeit, ou seja, o fato que o juiz conhece em

razão de sua função pública, do notório geral propriamente dito (Allgemeinkundig).157

Os fatos notórios são, como se pode ver, de difícil conceituação.

O professor Arruda Alvim, em obra coletiva com os professores Eduardo Arruda

Alvim e Araken de Assis, informam alguns pontos que caracterizam os fatos como

notórios.158 Vejamos: a) não se circunscreve a notoriedade a um dado lugar, embora

o tempo possa nela influir, pois o que já foi notório poderá deixar de sê-lo; b) a

notoriedade, pois, deve abarcar, pela sua evidência, todos os membros do

Judiciário, assim como, também, a média dos homens cultos; c) não se confina,

portanto, nessa linha, a um dado grau de jurisdição, mas há de abranger todos

aqueles por onde possa tramitar a causa; d) por notório, no entanto não se haverá

de entender o que seja efetivamente conhecido, senão o que possa, facilmente e

com segurança, ser conhecível, de tal arte pelo juiz, p. ex., com acesso a qualquer

livro de história ou de geografia, possa se inteirar do fato, que por constar de

qualquer livro, é seguramente notório; (e) deve ser conhecido o fato, tendo em vista

um padrão médio de cultura, de que participa também o juiz, e, justamente por isso,

não encontrará o juiz psicologicamente inibido em fazer uso de seu conhecimento,

como aconteceria se de conhecimento privado fosse.

Também independem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela

outra.

Ressalva Fredie Didier Jr., que há um equívoco do legislador em dizer que tais fatos

independem de prova. Na verdade, a própria confissão, conforme se verá mais

adiante, é um meio de prova. Assim, mais correto seria dizer que, quando

confessado, os fatos independem de outro meio de prova.159

Bem pondera o professor Arruda Alvim, afirmando que os fatos confessados

independem de prova, desde que a demanda trate de direito disponível; se

157 Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV – arts. 332 a 443. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 65. 158 Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 521/522. 159 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 45/46.

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indisponível, a confissão da parte contrária não tem relevância alguma no contexto

das provas, senão o mero peso psicológico se conferir com o conjunto probatório.160

Igualmente, independem de prova os fatos incontroversos, que na lição de José

Frederico Marques são aqueles que por não terem sido impugnados, postos em

dúvida, ou discutidos, deverão admitir-se como verdadeiros.161 É o que ocorre com

os fatos afirmados pelo autor e que com a revelia do réu se reputarão verdadeiros

(artigo 319, do CPC) bem como aqueles narrados na petição inicial, que não forem

impugnados na contestação do réu (artigo 302, do CPC).

O doutrinador João Carlos Pestana de Aguiar, traduz inicialmente, quatro

modalidades de fato incontroverso: 1) fato incontroverso por sua admissão pela

parte contrária; 2) fato incontroverso pelo silêncio da parte contrária na contestação,

que é aquele acima indicado162; 3) fato incontroverso pelo que se deduz do

pronunciamento da parte contrária e 4) fato incontroverso por sua própria

natureza.163

Não são fatos necessariamente confessados (por via de confissão judicial ou

extrajudicial), mas simplesmente com os quais concorda o adversário, de quem os

alegou.164

Finalmente, independem de prova os fatos em cujo favor milita presunção legal de

existência ou veracidade.

Os motivos dessa desnecessidade são indicados por Moacyr Amaral Santos:165

O direito probatório sempre recusou prova dos fatos intuitivos ou evidentes.

Entre estes se acham os fatos reputados verdadeiros em virtude de uma

160 Op. cit., p. 522. 161 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva: 1974. Vol. II, p. 177. 162 O STJ sobre o tema se manifestou decidindo: “Se o réu oferece defesa indireta de mérito, reconhece implicitamente os fatos em que se baseia a pretensão do autor, tornando-os incontroversos e portanto, despiciendos de prova” – REsp nº 235.154/DF. Rel. Min. Nancy Andrighi. 163 Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV – arts. 332 a 443. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 69. 164 Nesse sentido, “5. Independem de prova os fatos comprovados documentalmente e admitidos, no processo, como incontroversos (art. 334, III, do CPC).” - REsp Nº 806.235 - ES (2005/0209020-9). Relator Min. Herman Benjamim. 165 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 224/225.

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presunção. Facilmente se verifica a razão deste corolário, partindo-se do

conceito de presunção. Presunções, na lição de João Monteiro, são

conjecturas que a lei ou o juiz tira, por consequência indireta, da reiteração

de fatos conhecidos para afirmar a existência do fato que se pretende

provar. Provados os fatos que servem de base à presunção, a lei, ou o juiz,

presume o fato probando. A lei, ou o juiz, o considera intuitivo.

Acerca desta modalidade, explica Fredie Didier Jr. que o legislador antecipa às

partes e faz presumir a existência de determinados fatos, como por exemplo: há

presunção de filiação quanto à criança nascida nos 180 dias após o início da

convivência conjugal ou nos 300 dias após o seu fim (artigo 1.597, do Código Civil);

há presunção de simultaneidade da morte quanto aos indivíduos falecidos numa

mesma ocasião.166

Excluem-se de forma geral, da produção de prova, conforme tratado acima, os

clamados fatos inúteis para esclarecimento das questões postas no processo.

Finalmente, o fato de provar deve ser possível.

Ensina sobre esse tema o renomado Moacyr Amaral Santos, que se repete no

direito probatório, o conhecido brocardo – não se ouve a quem alega o impossível

(impossibilem allegans, non auditur). Aliás, fácil é de compreender-se que o fato

impossível, não pode influir na decisão da causa. Com esse conceito de

impossibilidade, não se admitem à prova fatos cuja existência repugna ao espírito

esclarecido, por contrariar uma verdade universal estabelecida.167

2.4. FONTES E MEIOS DE PROVA.

Meios de prova, como o nome indica, são os instrumentos de que as partes servem

para demonstrar os fatos que aduziram.

São meios de prova aqueles estatuídos no artigo 332, do Código de Processo Civil.

166 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 46. 167 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 229.

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Sobre o dispositivo em questão, esclarece João Carlos Pestana de Aguiar, que: não

se trata de norma legal pretensiosa. Tendo por escopo a liberdade dos meios de

prova, o que visa atender precipuamente é a conhecida advertência de Carnelutti,

verbis: “quando a busca da verdade está limitada de tal modo que esta não possa

ser conhecida em todo o caso e com qualquer meio, o resultado, seja mais ou

menos rigoroso o limite, é sempre o de que não se trata já de uma busca da verdade

material, senão um processo de fixação formal dos fatos. A verdade é como água:

ou é pura, ou não é verdade”. 168

O professor Arruda Alvim ensina que como regra geral, todo e qualquer meio de

prova legalmente previsto, ou moralmente legítimo, é apto a provar a verdade dos

fatos em que se funda a ação ou a defesa (artigo 332, do CPC). Assim, são meios

de prova admitidos não apenas aqueles legalmente previstos (artigos 342/443, do

CPC, e artigo 212, do Código Civil), como também qualquer meio que se apresente

como moralmente legítimo (atipicidade dos meios de prova).169

Deve excetuar desta situação a prova ilícita – artigo 5º, inciso LVI, da Constituição

Federal, que será estudado em capítulo próprio.

Na lição de José Frederico Marques, embasado em Chiovenda, os meios de prova

podem constituir-se de provas históricas: um fato representativo de outro fato, tal

como conteúdo de um documento ou o depoimento de uma testemunha; prova

crítica: ao revés, não tem função representativa, mas apenas indicativa, pois que

não é um equivalente sensível do fato a provar; é o que sucede, verbi gratia, com os

indícios; provas reais: (ou meios de provas objetivos) são aquelas produzidas ou

deduzidas das coisas; já que as provas pessoais são aquelas produzidas por

pessoas.170

Fredie Didier Jr., em sua obra, separa os meios de prova em típicos e atípicos.

168 Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV – arts. 332 a 443. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 51. 169 Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 515. 170 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva: 1974. Vol. II, p. 178.

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Por típicos, explica que são aqueles que têm previsão expressa em lei, quais sejam:

prova pericial, prova documental, prova testemunhal, depoimento pessoal, inspeção

judicial e a confissão.171

Por atípicos, o autor se socorre dos ensinamentos do notável José Carlos Barbosa

Moreira172, conceituando como aqueles meios em que se busca a obtenção de

conhecimentos sobre fatos por formas diversas daquela prevista em lei para as

provas chamadas típicas, como, por exemplo, a prova cibernética, a prova

emprestada etc.

Com efeito, o mesmo José Carlos Barbosa Moreira faz importante distinção entre

fonte da prova e meio de prova.

Com costumeiro acerto, ilustra o insigne doutrinador173, que distinguem-se os meios

das fontes de prova: os meios são as técnicas desenvolvidas para se extrair prova

de onde ela jorra (ou seja, da fonte). São fontes de provas as coisas, as pessoas e

os fenômenos. Os meios de prova são pontes através dos quais os fatos passam

para chegar, primeiro, aos sentidos, depois à mente do juiz. De onde podem partir

essas pontes? À evidência, de tudo quando seja acessível aos comuns sentidos

humanos. Logo, os pontos de partida concebíveis são: outras pessoas, coisas e

fenômenos naturais (sucessão de dias e de noites, precipitações atmosféricas,

modificações do solo ou da paisagem devidas a movimentos tectônicos e assim por

diante) ou artificialmente provocados (v.g., uma reação química em laboratório).

Assim, são fontes de prova admitidas no processo civil brasileiro todos os seres

materiais ou imateriais capazes de gerar informações, sem nenhuma exclusão em

tese. Esses seres geradores de prova são de toda natureza que se possa imaginar -

desde pessoas ou animais vivos ou mortos, até papéis escritos, lançamentos

contábeis, fotografias, fitas sonoras ou vídeo tapes, objetos ou peças deles, discos

rígidos ou flexíveis de computador, o próprio computador se for o caso, sons,

emanações odoríferas etc.

171 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 48. 172 Provas atípicas. Revista de Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, n. 76. 173 Op. cit., p. 115

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Nenhuma espécie de fonte passiva é excluída a priori e sequer ao mais obsceno dos

escritos ou reproduções gráficas é negada a condição de fonte probatória - até

porque pode servir de prova de uma obscenidade alegada pela parte. As hipóteses

de ilicitude da prova são outras e não se ligam ao próprio modo de ser das fontes.

O Código de Processo Civil dita somente limitações, jamais a exclusão em tese de

alguma fonte de prova. Quanto às pessoas comparecendo como fontes ativas,

especialmente na qualidade de testemunhas, ele dispõe que não sejam ouvidas as

que forem incapazes, impedidas ou suspeitas nos termos do artigo 405 do Código

de Processo Civil. Limita ainda a admissibilidade de alguma fonte de prova, mas só

nas circunstâncias que descreve (testemunhas de fatos já provados por documento

ou dependentes de exame técnico, perícia a respeito de fato que não dependa de

conhecimentos técnicos etc.: artigos 400 e 420). E também limita a eficácia da prova

testemunhal em relação a contratos de valor acima de um mínimo (artigos 401 e

402). Só limitações quanto ao emprego em casos bem definidos, não exclusão de

fonte alguma.174

2.5. MOMENTO DA PROVA.

O ilustre Moacyr Amaral Santos, afirma que não parece inacertado dizer-se que, na

sua vida material, a prova passa por três momentos decisivos: o da proposição, o da

admissão e o da execução ou produção.175

174 Nesse sentido, acerca da amplitude de admissão das fontes de prova, admite-se, exemplificativamente, em algumas hipóteses até as fontes de prova ilícita: “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. INTERCEPÇÃO TELEFÔNICAS DECLARADAS ILÍ- CITAS. PROVAS DELA DERIVADAS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. De acordo com o inciso I do 2º da Lei 9.296, de 24.07.1996, é necessário que existam indícios mínimos, para haver a determinação da quebra de sigilo telefônico. Exige a lei indícios razoáveis, ou seja que exista o fumus boni iuris. Não pode ser decretada a interceptação sem que tenha havido uma investigação, não se pode partir do nada. Deve a polícia, antes de pedir a interceptação, realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos denunciados (denúncia anônima) são verdadeiros. Daí o inciso II determinar que não é possível a interceptação se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, como testemunhas, perícias, busca e apreensão. 2. Pela Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, criada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, os vícios da planta envenenada (a prova ilícita) são transmitidos aos seus frutos (as provas derivadas). 3. Provas ilícitas por derivação são, consequentemente, provas em si mesmas lícitas, mas obtidas por intermédio de prova ilicitamente colhida, às quais se transmite a ilicitude da prova originária. 4. A prova ilicitamente originária contamina todas as demais provas obtidas a partir dela (busca e a apreensão, busca domiciliar, ouvida de testemunhas mencionadas na escuta etc.), devendo, portanto, ser, também, desentranhadas do processo. 5. A teoria da fonte independente é aquela em que a prova ilícita será admitida quando é fruto de uma fonte independente. Fonte independente (artigo 157, § 1º do Código de Processo Penal) prova pela qual a autoridade encontraria a prova de uma forma ou outros meios naturais de investigação encontraria a prova’. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, HC 9432 AM 0009432-24.2013.4.01.0000. Rel. Des. Fed. Tourinho Neto. 175 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 239.

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Prosseguindo neste raciocínio, o professor Arruda Alvim leciona que se consideram

momentos da prova as etapas em que se desenvolve a atividade probatória,

promovida pelos litigantes, sob a vigilância do juiz.

Os momentos da prova consubstanciam, em verdade, num autêntico procedimento

probatório, com sua estrutura própria, isto é, uma sucessão rigorosamente

ordenada, que atinge os litigantes, determinando-lhes a lei como devem agir, de

molde a que consigam desincumbir-se do ônus de provarem os fatos que lhes

interessam.176

Explica o professor Arruda Alvim, com simetria ao ensinamento acima invocado de

Moacyr Amaral Santos, que os momentos fundamentais da prova são três.

O primeiro, o do requerimento e apresentação dos meios de prova, que se dá com a

inicial, contestação ou reconvenção, ou ainda com a especificação de provas que

pretende produzir em audiência, conforme dispõe o artigo 324, do CPC.

O segundo momento é aquele em que as provas são admitidas, o que normalmente

se dá no saneamento do processo – artigo 331, parágrafo 2º, do CPC.

E por fim, o terceiro momento é o da realização das provas, o que se dá

precipuamente na audiência de instrução e julgamento ou, excepcionalmente, em

outro momento, mas quase sempre depois do saneamento – artigo 336, do CPC.

Com isto, importa verificar a classificação das provas.

2.6. CLASSIFICAÇÃO DA PROVA.

Informa o jurista João Carlos Pestana de Aguiar, que várias são as classificações

doutrinárias acerca da prova existentes.

176 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 977.

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Somente Moacyr Amaral Santos propõe a classificação de diversos importantes

juristas de prestígio mundial, tais como: Malatesta, Carnelutti, Bentham, Neves e

Castro e João Monteiro.177

Para fins do presente trabalho, de forma direta e precisa, servimo-nos da

classificação proposta por Fredie Didier Jr.178, que as classifica da seguinte forma: 1)

quanto ao objeto da prova: a) diretas: se se referem ao próprio fato probando, ou

consistem no próprio fato. Ex: testemunha que narra o fato do acidente que assistiu;

b) indiretas: se não se refere ao próprio fato probando, mas a outro, do qual por

trabalho do raciocínio se chega aquele; 2) quanto à fonte da prova: a) pessoais: toda

afirmação pessoal consciente, destinada a fazer fé dos fatos afirmados; b) real: é a

que se deduz do estado das coisas, consistindo, pois, na atestação inconsciente,

feita por alguma coisa, das modalidades que o fato probando lhe imprimiu; 3) quanto

à preparação: a) casuais ou simples: provas preparadas no curso da demanda; b)

pré-constituídas: preparadas preventivamente; e 4) quanto à forma da prova: a)

testemunhal ou oral; b) documental e c) material: consistente em qualquer

materialidade que sirva de prova do fato probando.

Há além destes tipos, a prova composta, que resulta da concordância, entre si, de

muitos meios de prova, os quais, cada um, é insuficiente para demonstrar o alegado.

É a concordância entre si de vários meios imperfeitos de prova.179

2.7. ÔNUS DA PROVA E SUA DISTRIBUIÇÃO.

José Frederico Marques introduz o tema, lecionando que como processo, a vontade

concreta da lei só se afirma em prol de uma das partes, se demonstrando que os

fatos, de onde promanam os efeitos jurídicos que pretende, são verdadeiros, claro

está que, não comprovados tais fatos, advirá para o interessado, em lugar da vitória,

177 Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV – arts. 332 a 443. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 38. 178 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 68/69. 179 Op. cit., p. 69. Nesse mesmo sentido, a jurisprudência exemplifica: “AGRAVO REGIMENTAL. ÔNUS DA PROVA DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO. Restou amplamente provado nos autos que a reclamante laborou para o reclamado no período declinado na peça de ingresso, diante da prova documental e testemunhal, tornando-se absolutamente desnecessária prova composta de um contrato escrito como desejado pelo agravante. Recurso conhecido a que se nega provimento”. TRT 16ª Região. Processo nº 03010-2009-005-16-00-8-ARG. Relator: Des. James Magno.

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a sucumbência e o não reconhecimento do direito pleiteado. A necessidade de

provar para vencer, diz Wilhelm Kisch, tem o nome de ônus da prova.180

O Código de Processo Civil trata do regime do ônus da prova, basicamente, através

do artigo 333 e seus incisos.

Trata-se de um ônus e não um dever de provar.181

As razões desta afirmação são dadas por diversos doutrinadores de escol, como os

professores Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Araken de Assis, quando

lecionam que há ônus probatório, uma vez que não atendido, deve acarretar

consequências processuais negativas à parte que não o tiver observado, que se

traduz na perda da oportunidade processual de se provar os fatos supostamente

constitutivos da afirmação de direito contido na inicial (artigo 333, inciso I, do CPC)

ou da defesa apresentada (artigo 333, inciso II, do CPC).182

Em análise perfunctória, esclarecem Wambier e Tamamini sobre o tema

diferenciando ônus e dever:183

O ônus e o dever são figuras juridicamente distintas em pelo menos dois

aspectos: (i) o dever implica um correlato direito de outro sujeito, ou seja, é

uma conduta que a lei prescreve no interesse de outrem, enquanto que o

ônus é estabelecido no interesse do próprio onerado; (ii) o descumprimento

do dever pode implicar a incidência de uma sanção, ao passo que a

inobservância do ônus apenas faz com que o onerado eventualmente perca

a chance de desfrutar de uma situação melhor.

180 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva: 1974. Vol. II, p. 187. Sobre a relevância do tema,

José Frederico Marques, invocando a lição de Chiovenda, afirma que o ônus da prova se situa “entre os problemas vitais do processo”, e de Leo Rosemberg, quando afirma que o ônus da prova constitui a “coluna vertebral do processo civil”. 181 Nesse sentido, leciona Pontes de Miranda que “a diferença entre dever e ônus está em que: a) o dever é em relação a alguém, ainda que seja a sociedade; há relação entre dois sujeitos, um dos quais é o que deve: a satisfação é do interesse do sujeito ativo, ao passo que; b) o ônus é em relação a si mesmo; não há relação entre sujeitos: satisfazer é do interesse do próprio onerado. Não há sujeição do onerado; ele escolhe entre satisfazer, ou não ter a tutela do próprio interesse” (Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo III, 4ª ed.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 410). 182 Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 517. 183 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 504.

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O eminente Luiz Guilherme Marinoni184, apoiado na lição de Comoglio, Ferri e

Taruffo, ensina acerca do ônus da prova, que uma vez que o juiz não pode deixar de

decidir, importa determinar critérios que permitam resolver a controvérsia quando

não resulte provada a existência dos fatos principais. Tais critérios são constituídos

pelas regras que disciplinam o ônus da prova. Estas entram em jogo quando um fato

principal resultar destituído de prova. Sua função é a de estabelecer a parte que

deveria provar o fato e determinar as consequências de não tê-lo provado.

Por estes motivos, afirmam Wambier e Talamini, que o ônus da prova é de

fundamental importância quando não há prova de determinado fato no processo.

Como a prova não pertence à parte, cabe-lhe manuseá-la a seu favor, tentando

extrair dos fatos demonstrados a consequência jurídica que pretende. Se a prova

vem aos autos, independentemente de quem a produziu, compete ao juiz

reconhecer os efeitos que ela produz. Se há prova nos autos (ou seja, se ela foi

produzida, não importando por quem), as regras do ônus da prova são totalmente

desnecessárias. Provados os fatos, o juiz tão somente os adequará à norma jurídica

pertinente. Mas se não há prova, é necessário que o sistema trace os critérios a

serem trilhados pelo juiz para chegar à solução da demanda.185

Vejamos, feita esta breve introdução, as regras de distribuição do ônus da prova. 186

Inicialmente, deve-se consignar a lição de João Carlos Pestana de Aguiar, que dá

conta que é a natureza do fato jurídico que determina a distribuição do ônus da

prova; se constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo de direitos. 187

A questão é encarada por Moacyr Amaral Santos, com base em Pontes de Miranda,

que retoma os ensinamentos do direito romano, lecionando que a prova incumbe a

quem articula um fato do qual pretenda concluir a existência de uma relação de

184 Processo de Conhecimento. 11ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 315. 185 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 505. 186 Sobre o tema, lecionam Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos de Araújo Cintra, que a distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de que, visando à vitória na causa, cabe à parte desenvolver perante o juiz e ao longo do procedimento uma atividade capaz de criar em seu espírito a convicção de julgar favoravelmente (Teoria Geral do Processo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013,

p. 373). 187 Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV – arts. 332 a 443. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 56.

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direito, ou melhor – da existência para o autor, de uma situação subjetiva. Quem vai

a juízo e articula tem, por força, com intenção, mostrar que uma determinada

situação lhe é favorável. Por exemplo: se cobro a outrem uma nota promissória,

afirmo a existência de meu direito de crédito ou da obrigação do devedor. Se o réu

nega que seja ele o signatário da letra, não nega o fato, nega a existência da

obrigação por parte dele, ou do direito subjetivo do autor em relação ao réu. Foi em

tal sentido que Paulo, no Digesto (L. 2, de probat. ET de praesumpt., XXII, 3),

escreveu: ei incumbit probatio, qui dicit, non qui negat.(...) Só nas exceções incumbe

a prova ao réu, porque nelas ele afirma alguma coisa que perime a ação, ou dilata o

curso, empecendo o seguimento da instância. Em todas as exceções, há uma

afirmativa de uma situação jurídica toda outra, o que não se dá na contrariedade. Na

contrariedade nega-se, alega-se alguma coisa que se opõe ao libelo, mas que versa

sobre a mesma situação jurídica. Na exceção, ainda que o réu tenha o intuito de

negar a dívida, há essencialmente em sua alegação excessiva, a afirmação de uma

outra situação jurídica, que exclui a ação (transação, quitação) ou que apenas dilata

a demanda (prevenção, incompetência). 188

Portanto, pode-se afirmar que compete, em regra, a cada uma das partes, o ônus de

fornecer os elementos de prova das alegações de fato que fizer – a chamada

distribuição estática do ônus da prova (diz aqui em regra, pois serão exploradas

abaixo, em tópicos adiante, as hipóteses de inversão do ônus da prova).

A parte que alega deve buscar os meios necessários para convencer o juiz da

veracidade do fato deduzido como base se sua pretensão ou exceção, afinal, é a

maior interessada no seu reconhecimento e acolhimento.

O professor Fredie Didier Jr., ensina que o Código de Processo Civil, ao distribuir o

ônus da prova, levou em consideração três fatores: a) a posição da parte na causa

(se autor, se réu); b) a natureza dos fatos em que se funda sua pretensão/exceção

(constitutivo, extintivo, impeditivo ou modificativo do direito deduzido e; c) o interesse

em provar o fato.189

188 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 102. 189 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 77.

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Assim, de acordo com a regra estatuída no artigo 333, do CPC, ao autor cabe o

ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova do fato extintivo,

impeditivo ou modificativo deste mesmo direito.

Na mesma lição de Fredie Didier Jr, tem-se que: i) o fato constitutivo é o fato gerador

do direito afirmado pelo autor em juízo. Compõe o suporte fático que, enquadrado

em dada hipótese normativa, constitui uma determinada situação jurídica, de que o

autor afirma ser titular; ii) o fato extintivo é aquele que retira a eficácia do fato

constitutivo, fulminando o direito do autor e a pretensão de vê-lo satisfeito – tal como

o pagamento, a compensação, a prescrição, a exceção do contrato não cumprido, a

decadência legal; iii) o fato impeditivo é um fato de natureza negativa; é a falta de

uma circunstância (causa concorrente) que deveria concorrer para que o fato

constitutivo produzisse seus efeitos normais. Por isso em qualquer caso, tanto a

presença de fatos constitutivos (causa eficiente), como a ausência de fatos

impeditivos (presença de causa concorrente) são igualmente necessárias à

existência do direito e; iv) o fato modificativo, a seu turno, é aquele que, tendo por

certa existência do direito, busca, tão somente, alterá-lo – tal como a moratória

concedida ao devedor. 190

Finalmente, o Código de Processo Civil dispõe que as partes poderão convencionar

sobre o ônus da prova (artigo 333, Parágrafo Único, incisos I, e II, por interpretação

a contrário senso).

Será nula está convenção, se recair sobre direito indisponível da parte (inciso I), ou

se tornar excessivamente difícil a uma das partes exercer o seu direito (inciso II).191

190 Op. cit., p. 78/79. 191 Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “8. O art. 333, parágrafo único, inciso II, do CPC regulamenta os casos nos quais as partes, por convenção, alteram as regras ordinárias do ônus probatório, qual seja, a de que compete ao autor comprovar o fato constitutivo de seu direito e ao réu comprovar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Na hipótese, trata-se de situação diversa, isto é, de um título executivo extrajudicial exarado por um ente de direito público, em que cabe ao embargante desconstituir sua presunção de liquidez, exigibilidade e certeza. (...) Quanto ao art. 333, parágrafo único e inciso II, do CPC, o apelo também não merece acolhida, pois esse dispositivo não tem aplicabilidade sobre a hipótese dos autos, que versa sobre aplicação de multa por infração contra normas técnicas editadas pelo Inmetro. Aquele preceito legal regulamenta os casos nos quais as partes, por convenção, alteram as regras ordinárias do ônus probatório, qual seja, a de que cabe ao autor comprovar o fato constitutivo de seu direito e ao réu comprovar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” (REsp Nº 1.138.722 – PR. Relator: Min. Castro Meira.

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Há também previsão de nulidade de convenção trazida no artigo 51, Inciso VI, do

Código de Defesa do Consumidor.192

Acerca do dispositivo, trata-se de regra complementar ao CPC, lecionando o

professor Nelson Nery Jr., que este dispositivo não proíbe a convenção sobre ônus

da prova, mas, sim, tacha de nula a convenção, se trouxer prejuízo ao

consumidor.193

2.8. FATO NEGATIVO E A PROVA DA NEGAÇÃO.

Desde as lições invocadas por José Frederico Marques194, não é exato, como

outrora se ensinava, que a negativa não exige prova, de forma que o ônus probandi

é sempre de quem afirma.

Historicamente, informam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, que em

razão da antiga regra de Paulo, segundo a qual a prova incumbe a quem alega, e

não a quem nega, entendeu-se que os fatos negativos não precisam ser provados,

porque a negativa da parte excluía dela o ônus de prová-lo (negativa non sunt

probanda). A doutrina hoje entende não ser bem assim, porque se a negativa, de

alguma forma, consistir em alegação cuja declaração negativa se pretende obter,

impõe-se à parte que nega, o ônus da prova.195

Com fundamento em Eduardo Couture, leciona José Frederico Marques, que tanto a

doutrina como a jurisprudência superaram a complexa construção do direito antigo

acerca da prova dos fatos negativos. Nenhuma regra positiva ou lógica dispensa o

litigante de produzir prova de suas alegações.196

192 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; 193 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 10ª ed. Rio de

janeiro: Forense, 2011, p. 416. 194 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva: 1974. Vol. II, p. 188. 195 Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2013, p. 609. 196 Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ARTIGO 333, DO CPC. SÚMULA 07/STJ. 1. O acórdão recorrido asseverou que: "O acervo probatório carreado aos autos, não deixa dúvidas quanto as alegações do recorrido, pois que demonstra, à saciedade, quão desarrazoado se configurou o pleito da apelante, ao cobrar dívidas já quitadas. (...) Entrementes, quando o réu contesta apenas negando o fato em que se baseia a pretensão do autor, todo o ônus probatório recai sobre este. Mesmo sem

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Os chamados fatos negativos, portanto, segundo a melhor doutrina, leciona o

professor Arruda Alvim,197 são não acontecimentos, que por si só não são

impossíveis de serem provados, pois, em muitos casos, uma negativa pode ser

convertida facilmente em uma afirmativa. Pode-se dizer que são insuscetíveis de

prova os fatos absolutamente negativos, ao passo que é possível a prova dos

relativamente negativos.

Na dicção de Moacyr Amaral Santos verifica-se, a propósito, que muitas vezes um

fato negativo pode vir a se tornar um fato positivo:198

Não é porque um fato venha apresentado sob a forma negativa que seja um

fato negativo; não é porque a frase se revista de forma negativa que deixe

de afirmar alguma coisa. A facilidade com que a maior parte das

proposições negativas se transformam em proposições afirmativas

contrárias tem feito duvidas que, verdadeiramente haja fatos negativos.

Para efeito de prova, Wambier e Talamini, à semelhança do que fez Fredie Didier

Jr., apontam a necessidade de se distinguir fato negativo definido e indefinido (ou

absolutamente e relativamente negativos, como preferem outros autores).

A questão, independente da nomenclatura que se adote, é ilustrada por Wambier e

Talamini, com muita clareza, exemplificando, que à primeira vista, parece impossível

a prova de um fato não ocorrido. Mas assim não é. É preciso distinguir entre fato

negativo definido e fato negativo indefinido, pois somente este não pode ser objeto

de prova. Se o locatário não desocupa o imóvel quando notificado, basta que se

prove que ainda se encontra ocupando-o; se o empreiteiro não executou a obra

nenhuma iniciativa de prova, o réu ganhará a causa, se o autor não demonstrar a veracidade do fato constitutivo de seu pretenso direito. Actore non probante absolvitur reus. (...) No caso dos autos, veja-se, ocorreu o inverso. Provou o autor o que alegara. Anexou aos autos todos os comprovantes dos pagamentos pelos quais estava sendo novamente demandado. Quanto à demandada, nada comprovou. Serviu-se apenas de alegações vagas, de que ainda estaria em débito o demandado. (...) Contestando a ação, pois, como o fez, por simples negação, não comprovou o demandado suas afirmativas, inadvertido, por certo, da lição de que não é exato, como outrora se ensinava, que a negativa não exige prova, de forma que o onus probandi é sempre de quem afirma. A doutrina como a jurisprudência, de há muito, superaram esta construção do direito antigo acerca da prova dos fatos negativos. Nenhuma regra positiva ou lógica dispensa o litigante de produzir prova de suas alegações." 3. Deveras, analisar os motivos ensejadores da inversão do ônus da prova resultaria cognição do contexto fático-probatório dos autos, interditada ao STJ por força da Súmula 07. 4. Agravo regimental desprovido”. AgRg no

REsp 697447 CE 2004/0151114-8. Rel. Min. Luiz Fux. 197 Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 518. 198 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 174.

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contratada, pode-se provar que o material foi entregue, mas a construção não se

realizou. São todos fatos negativos definidos. O fato negativo indefinido, que não

comporta prova, é aquele que demonstra uma universalidade de inocorrência. Não

se pode provar que alguém jamais viajou para Roma, ou que nunca possuiu um

anel. A indefinição é que não se prova, e não o fato negativo. 199

Relacionado ao tema, vejamos agora a prova diabólica.

2.9. PROVA DIABÓLICA.

Inicialmente, cumpre destacar que a prova diabólica (Probatio Diabolica ou Devil’s

Proof) é aquela modalidade de prova impossível ou excessivamente difícil de ser

produzida como, por exemplo, a prova de um fato negativo.

Sendo assim, é importante salientar que prova diabólica é uma expressão utilizada

nas hipóteses em que a prova da veracidade da alegação a respeito de um fato é

extremamente difícil de ser produzida. Ou seja, nenhum meio de prova possível é

capaz de permitir tal demonstração. Dessa maneira, a prova diabólica, muitas vezes,

ocorre nos casos em que se tem que provar algo que não ocorreu, constituindo-se

em uma autêntica prova negativa.200

Cumpre destacar o aviso de Fredie Didier Jr., com base nos ensinamentos do

Professor Alexandre de Freitas Câmara, de que comumente a Jurisprudência usa a

expressão prova diabólica para designar a prova de algo que não ocorreu, ou seja, a

prova de fato negativo.

Sucede que nem toda prova diabólica se refere a fato negativo, basta pensar, por

exemplo, que nem sempre o autor terá acesso à documentação que corrobora a

199 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 507. 200 Nesse sentido, indica o STJ: “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEÇA OBRIGATÓRIA. CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. FORMALISMO EXCESSIVO. PROVA DIABÓLICA. MEIO DIVERSO DE VERIFICAÇÃO DA TEMPESTIVIDADE. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1 - Em homenagem ao princípio da instrumentalidade, a ausência da certidão de intimação da decisão agravada pode ser suprida por outro instrumento hábil a comprovar a tempestividade do agravo de instrumento. 2 - Exigir dos agravados a prova de fato negativo (a inexistência de intimação da decisão recorrida) equivale a prescrever a produção de prova diabólica, de dificílima produção. Diante da afirmação de que os agravados somente foram intimados acerca da decisão originalmente recorrida com o recebimento da notificação extrajudicial, caberia aos agravantes a demonstração do contrário”. (AgRg no AgRg no REsp 1187970/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi)

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existência de um vínculo contratual (fato positivo), em sede de uma ação revisional.

E nem todo fato negativo é impossível de ser provado, demandando prova diabólica

– afinal, viu-se acima, que os fatos relativamente negativos são perfeitamente

susceptíveis de serem provados, bem como os fatos absolutamente negativos, em

alguns casos, também são (ex: certidões negativas emitidas por autoridade fiscal).201

2.10. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

Já foi visto acima, que mediante a distribuição do ônus da prova, estabelecem-se

regras destinadas a nortear a atividade do julgador e sistematizar o procedimento

probatório, evitando-se diligências desnecessárias, indesejáveis e até

procrastinatórias.

Na lição de Wambier e Talamini, como se viu acima, as normas sobre ônus

probatório, são por um lado, regras de julgamento, isto é, são dirigidas ao julgador,

no momento de sentenciar. Por outro, fornecem parâmetros para as partes

previamente estabelecerem sua estratégia probatória: autor e réu primeiramente se

concentrarão em provas os fatos sobre os quais recaem seus respectivos ônus da

prova.202

Contudo, a regra da distribuição estática do ônus da prova, prevista no artigo 333,

do CPC comporta exceções.

O Código de Defesa do Consumidor inovou, ao possibilitar, com grande amplitude, a

inversão do ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII203).

Segundo leciona o professor Arruda Alvim204, trata-se da chamada teoria dinâmica

da distribuição do ônus da prova, segundo a qual, em determinadas hipóteses, o

201 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 90/91. 202 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 505. 203 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; 204 Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 519.

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ônus probatório deve recair sobre aquele que tem melhores condições de produzi-

la.205

Por esta teoria leciona o emérito professor206, que de acordo com as circunstâncias

do caso concreto, pode o magistrado afastar o rigor do disposto no artigo 333, e

determinar a produção da prova necessária à solução do litígio a quem tenha melhor

possibilidade de produzi-la, uma vez que a teoria dinâmica da distribuição do ônus

da prova, apesar de não estar expressamente prevista no CPC brasileiro, vem

sendo admitida pela doutrina e pelos Tribunais, na busca de um processo efetivo e

de resultado justo.

Com relação à classificação, servimo-nos daquela indicada pelo Professor Fredie

Didier Jr., dividindo a inversão do ônus da prova em normas de inversão legal (ope

legis) e normas de inversão judicial (ope iudicis).207

A inversão ope legis é a determinada pela lei, aprioristicamente, isto é,

independentemente do caso concreto e da autuação do juiz. A lei determina que,

numa dada situação, haverá uma distribuição do ônus da prova diferente do

regramento comum previsto no artigo 333, do CPC. Bem pensadas as coisas, a

inversão ope legis do ônus da prova é um caso de presunção legal relativa. A parte

que alega o fato está dispensada de prová-lo. Cabe a outra parte o ônus da prova de

que o fato não ocorreu.208

Bem diferente é a inversão ope iudicis, esta sim verdadeira inversão do ônus da

prova. Em casos tais, o legislador não excepciona a regra geral sobre o onus

probandi, mas abre a oportunidade para que o magistrado, no caso concreto,

constatando a presença dos requisitos exigíveis para tanto, o inverta (ex.: artigo 6º,

205 Exemplificativamente decidiu o STJ: “PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. DEPÓSITOS EM CONTAS CORRENTES. NATUREZA SALARIAL. IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA QUE CABE AO TITULAR. 1. Sendo direito do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro (art. 655, inciso I, do CPC), a impenhorabilidade dos depósitos em contas correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo. 2. Ademais, à luz da teoria da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de modo a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria. 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (RE nos EDcl no REsp nº 619.148. Relator: Min. Feliz Fischer). 206 Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 520. 207 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 80. 208 Op. cit., p. 80.

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inciso VIII, do CDC). Assim, prevalece, a priori, a regra geral do artigo 333 do CPC,

podendo o juiz, no caso concreto, a depender das circunstâncias, excepcioná-la,

dispondo que forma será redistribuído o ônus da prova.209

O Código de Defesa do Consumidor permite a inversão do ônus da prova em duas

oportunidades.

A primeira é diante da verossimilhança das alegações, segundo as regras ordinárias

de experiência.

A lição de Kazuo Watanabe210 é utilizada aqui também com reflexos no próximo

capítulo do trabalho, acerca da inversão do ônus da prova tendo em vista a

verossimilhança das alegações e as regras de experiência:

O que ocorre, como bem observa Leo Rosemberg, é que o magistrado com

a ajuda das máximas de experiência e das regras da vida, considera

produzida a prova que incumbe a uma das partes. Examinando as

condições de fato com base nas máximas de experiência, o magistrado

parte do curso normal dos acontecimentos e, porque o fato é ordinariamente

a consequência ou pressuposto de um outro fato, em caso de existência

deste, admite também aquele como existente, o mesmo que a outra parte

demonstre o contrário. Assim, não se trata de autêntica hipótese de

inversão do ônus da prova.

A segunda é com relação à hipossuficiência probatória.

Verificando o juiz que o consumidor se encontra em situação de fragilidade e

hipossuficiência probatória, sem dispor de condições materiais, técnicas, sociais ou

financeiras de produzir prova do alegado, devendo supor serem suas alegações

verdadeiras, determinando que a contraparte atente para o encargo da prova

contrária.211

209 Op. cit., p. 81 210 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 10ª ed. Rio de

janeiro: Forense, 2011, p. 617. 211 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 82.

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Em ambos os casos, a inversão é sempre um critério do juiz, que deverá considerar

as peculiaridades de cada caso concreto.

Finalmente, deve-se tratar do momento da inversão do ônus da prova.

Há alguma divergência, seja em sede jurisprudencial, seja no âmbito doutrinário, a

respeito do momento apropriado para o juiz determinar a inversão do ônus da prova.

O cuidado que deve ter o magistrado, leciona o professor Eduardo Cambi, que ao

inverter o ônus da prova, deve fazê-lo sobre fato ou fatos específicos, referindo-se a

eles expressamente. Deve evitar a inversão do onus probandi para todos os fatos

que beneficiam o consumidor, de forma ampla e indeterminada, pois acabaria

colocando sobre o fornecedor o encargo de provar negativa absoluta/indefinida, o

que é imposição diabólica.212

Na posição do professor Arruda Alvim213, tem-se que o momento oportuno para a

inversão é o saneamento do processo (posição majoritária).

Nesse sentido, oportuno destacar o julgado do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - CONSUMIDOR - INVERSÃO

DO ÔNUS DA PROVA - MOMENTO OPORTUNO - INSTÂNCIA DE

ORIGEM QUE CONCRETIZOU A INVERSÃO, NO MOMENTO DA

SENTENÇA - PRETENDIDA REFORMA - ACOLHIMENTO - RECURSO

ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. -

A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de

Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de

Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente

fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá

antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra

só quando da sentença proferida” (Resp nº 881.651/BA. Rel. Min. Hélio

Quaglia Barbosa).

212 A Prova Civil: Admissibilidade e Relevância. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 420. 213 Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 520.

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Sem prejuízo, outros julgados entendem que o momento oportuno é o da sentença

(posição minoritária):

“A inversão do ônus da prova é regra de juízo e não de procedimento,

sendo irrelevante a decisão em agravo de instrumento afastando a inversão

do ônus probatório no curso do processo, pois é na sentença o momento

adequado para o juiz aplicar as regras sobre o ônus da prova” (REsp nº

11.970/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi).

Contudo, esclarece o professor Arruda Alvim, que o entendimento de que a inversão

do ônus da prova diz com ato do juízo e pode ser determinada quando da prolação

da sentença, além de ferir o senso comum, é inconstitucional, por violação do

princípio do contraditório. E isto porque a regra geral, mesmo em caso de relação de

consumo, é a do artigo 333, do CPC. Caso se altere esta regra, mudando o ônus e

as expectativas das partes, deve-se sinalizar essa mudança, para que a parte sobre

a qual venha a pesar o ônus não seja surpreendida pela decisão.214

2.11. PROVA EMPRESTADA.

Embora em regra a prova seja produzida dentro do processo onde os fatos foram

alegados, é possível, dentro de certas condições, a utilização de prova obtida em

outro processo, o que se denomina prova emprestada.

Todos os meios legais de prova, bem como moralmente legítimos (artigo 332, do

Código de Processo Civil) produzidos em um processo podem ser transladados para

outro, tomando sempre a forma documental (não importando qual tenha sido sua

natureza no processo originário). Isso porque, conforme ensina Moacyr Amaral

Santos, as provas trazidas documentalmente de outro processo, mediante certidão

ou cópias autenticadas das folhas em que foram produzidas na demanda original.215

Nesse sentido, Eduardo Talamini216 ensina que mesmo que assuma a forma

documental, a prova emprestada não terá necessariamente a força probante desse

214 Op. cit., p. 521. 215 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 352. 216 Prova emprestada no processo civil e penal, Revista de Informação Legislativa, p. 146.

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meio de prova. Em regra, o valor dessa prova seria o mesmo valor que teve no

processo que em tomou-se por empréstimo:

Terá a potencialidade de assumir exatamente a eficácia probatória que

obteria no processo em que foi originariamente produzida. Ficou superada a

concepção de que a prova emprestada receberia, quando muito, valor de

documento, "prova inferior" ou "ato extrajudicial". O juiz, ao apreciar as

provas, poderá conferir à emprestada precisamente o mesmo peso que esta

teria se houvesse sido originariamente produzida no segundo processo. Eis

o aspecto essencial da prova trasladada: apresentar-se sob a forma

documental, mas poder manter seu valor originário. É tal diversidade que

confere à prova emprestada regime jurídico específico – o qual não se

identifica com o da prova documental nem com o da prova que se

emprestou, em sua essência de origem.

Na lição de Eduardo Cambi, a prova emprestada é instituto que garante a economia

processual. Permite que, com o mínimo da atividade processual, seja alcançado o

maior resultado possível, vez que a parte pode valer-se da prova já produzida em

outro processo, sem a necessidade de produzi-la.217

O professor Arruda Alvim ensina que existem requisitos para a admissão da prova

emprestada218, tais como: a) identidade da relação fática; e b) as mesmas partes:

deve-se admitir, em princípio a prova produzida em outro feito, tanto mais admissível

quanto mais difícil a sua realização. A respectiva valoração, todavia, poderá,

dependentemente do poder de convicção que carreguem, sofrer esta ou aquela

restrição.219

217 A Prova Civil: Admissibilidade e Relevância. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 53. 218 Nesse sentido já se manifestou o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “Cobrança de despesas de condomínio Prova pericial emprestada Admissibilidade, uma vez presentes os requisitos - Valores cobrados se encontram devidamente especificados nos autos, não existindo qualquer dúvida quanto à certeza do débito Sentença mantida Recurso improvido. (...) Não procede a alegação do apelante quanto ao cerceamento de defesa, ante a utilização de prova pericial emprestada, uma vez presentes os requisitos para tanto. A prova emprestada efetivamente tem valor em juízo quando produzida em outra causa entre as mesmas partes e sobre a mesma relação de direito, o que se vislumbra no caso vertente. A perícia foi realizada em ação de cobrança de despesas condominiais promovida pelo apelado em face da apelante, cuja causa de pedir é idêntica à da presente demanda. Apenas o período da cobrança é diverso. Extrai-se do laudo pericial que à apelante foi dada oportunidade para indicação de assistente técnico e oferta de quesitos (fls. 22/41). Vê-se, portanto, que foi observado o contraditório para sua produção” (Apelação com Revisão n. 0323890-46.2010.8.26.0000 – TJ/SP. Rel. Des. Cristiano Ferreira Leite). 219 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 176.

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Oportuna também é a consideração dos professores Nelson Nery Jr. e Rosa Maria

de Andrade Nery, que refletiu na redação da prova emprestada no Projeto de Novo

Código, acerca da importância da sujeição da prova emprestada ao contraditório.220

Essa importância pode ser verificada no julgado abaixo, que rejeitou a prova

emprestada, uma vez que seria impossível submetê-la ao contraditório:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPERGS. LAUDO PERICIAL. PROVA

EMPRESTADA. IMPOSSIBILIDADE. Não se pode utilizar prova emprestada

produzida entre terceiros, mesmo que em processo similar, diante da

necessidade de ser oportunizado o contraditório e a ampla defesa.

AGRAVO PROVIDO DE PLANO (Agravo de Instrumento Nº 70018868083,

Terceira Câmara Especial Cível. Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de

Oliveira Martins).

Sobre esta necessidade do contraditório, o professor Luiz Guilherme Marinoni,

ensina que se trata de que questão maior, que acarretaria legitimidade à prova

emprestada:221

A legitimidade da prova emprestada depende da efetividade do princípio do

contraditório. A prova pode ser trasladada de um processo a outro desde

que as partes do processo para o qual a prova deve ser trasladada tenham

participado adequadamente em contraditório do processo em que a prova

foi produzida originariamente.

No que toca à prova emprestada, feitas estas considerações, é interessante

observar a possibilidade de utilização da prova emprestada no juízo criminal para o

cível.

Eduardo Cambi entende que respeitado o contraditório no processo anterior, a prova

emprestada do juízo criminal para o cível deve ser considerada válida.

220 “A condição mais importante para que se dê validade e eficácia à prova emprestada é a sua sujeição às pessoas dos litigantes, cuja consequência primordial é a obediência ao contraditório. Vê-se, portanto, que a prova emprestada do processo realizado entre terceiros é res inter alios e não produz nenhum efeito senão para aquelas partes”. (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 13ª ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 605). 221 Processo de Conhecimento. 11ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 323.

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Por essa razão, ensina o professor que "exigir que o contraditório, no processo

originário, tenha sido instruído perante o mesmo juiz da segunda causa significaria

tornar vazia a fórmula da prova emprestada que é utilizada, com frequência, para

trasladar provas produzidas no juízo criminal para o cível, e vice-versa". E

prossegue, "desde que a garantia do contraditório tenha sido respeitada no processo

anterior, a prova deve ser considerada válida".222

Nesse sentido, a propósito, se manifestam os Tribunais:

APELAÇÃO CÍVEL. POLICIAL MILITAR. LICENCIAMENTO EX OFFICIO A

BEM DA DISCIPLINA. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO.

UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA, LEGITIMAMENTE PRODUZIDA

NO JUÍZO CRIMINAL. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE DA

SANÇÃO APLICADA. FALTAS GRAVES E INCOMPATÍVEIS COM O

EXERCÍCIO DA FUNÇÃO POLICIAL. RECURSO DESPROVIDO. I –

Segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, não há óbice para que o

processo administrativo disciplinar seja instruído com provas obtidas em

interceptações telefônicas legitimamente produzidas no juízo criminal,

mormente se observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

II – O envolvimento de policial militar em crimes de posse de munição de

uso restrito e permitido e a constatação de que ele emprestava seu

aparelho celular para que detentos se comunicassem com o mundo exterior

são condutas incompatíveis com a função exercida e que ofendem o

pundonor policial militar e o decoro da classe, autorizando, assim, o

licenciamento ex officio do servidor a bem da disciplina, inexistindo qualquer

desproporcionalidade ou inadequação na penalidade aplicada. III – Apelo

desprovido (APL 4460820088070016 DF)

São trechos interessantes deste Acórdão, que demonstram a plena utilização da

prova emprestada produzida no âmbito penal, no cível, observado o contraditório

(além de decisão do Supremo Tribunal Federal, que será objeto de análise abaixo):

Não merece prosperar a irresignação do recorrente quanto à utilização da

prova oriunda de interceptação telefônica, devidamente autorizada pelo

juízo criminal, em sede de processo administrativo, pois o Supremo Tribunal

Federal, órgão tutor da norma constitucional, já assentou tal possibilidade,

222 A Prova Civil: Admissibilidade e relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 55.

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in verbis: (...) Ainda que assim não fosse, compulsando os autos, constata-

se que a cópia do inteiro teor do processo criminal em epígrafe foi anexada

ao Processo Administrativo de Licenciamento e que, a fim de observar a

ampla defesa e o contraditório, foi dada vista destes ao recorrente,

conforme consta às fls. 87, 192 e 194 do Vol. I dos documentos juntados

por linha. Outrossim, o próprio apelante reconheceu, perante a Comissão

processante do processo administrativo, que permitira a utilização de seu

telefone celular por um dos detentos (...).

Para alguns doutrinadores penalistas, como o eminente Antonio Scarance

Fernandes também é possível a utilização da prova penal no cível. Embora a

questão seja discutível; é colocada da seguinte maneira: de um lado tem-se a

Constituição, que veda a utilização de interceptação para se obter prova fora do

âmbito criminal. O transplante da prova representaria forma de se contornar a

vedação constitucional quanto à interceptação para fins não penais. Há, contudo,

razoável entendimento no sentido de que a prova poderia ser aceita porque a

intimidade, valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações

telefônicas, já teria sido violada de forma lícita. Não haveria razão, então, para se

impedir a produção da prova, sob o argumento de que por via obliqua seria

desrespeitado o texto constitucional223 (muito embora doutrinadores como Vicente

Greco Filho, se posicionam em sentido contrário224).

Ainda pertinente a este tema, no que tange à possibilidade de utilização das

interceptações telefônicas como prova emprestada no processo civil, a questão é

polêmica.

Há previsão expressa no artigo 1º, da Lei nº 9.296/96225 (que regulamenta o inciso

XII, parte final, do artigo 5° da Constituição Federal), que restringe a utilização das

interceptações somente para fins de investigação criminal e processual penal.

223 Processo Penal Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 110/111. 224 Em contrário está a posição de Vicente Greco Filho: “Poderia a prova obtida com a interceptação legalmente realizada para fins de investigação criminal servir em processo civil como prova emprestada? Cremos que não, porque, no caso, os parâmetros constitucionais são limitativos. A finalidade da interceptação, investigação criminal e instrução processual penal, é, também, a finalidade da prova, e somente nessa sede pode ser utilizada”. Interceptação telefônica. Considerações sobre a Lei 9.294/96. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

39. 225 Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz

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A questão apresenta forte controvérsia tendo em vista a interpretação prima facie do

artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal226, levando inicialmente à conclusão de

que não seria possível essa importação, na medida em que dispõe a Constituição,

expressamente, que essa prova somente pode ser utilizada para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal.

Contudo, tem-se que é cabível a utilização da interceptação telefônica com

finalidade de prova emprestada em processo civil (muito embora autores como

Eduardo Talamini entendam que esta questão deve ser tratada restritivamente,

justamente por representar exceção à garantia constitucional fundamental da

privacidade227).

O eminente Guilherme de Souza Nucci228, ao explicar a questão da interceptação

telefônica, “não vê razão para se interpretar a regra constitucional restritivamente”,

partindo do pressuposto que não há direito ou garantia fundamental em caráter

absoluto (questão que não se aprofundará neste trabalho), motivo pelo qual muitas

vezes é admitida, por exemplo, a violação de correspondência, a forma do artigo

240, parágrafo 1º, aliena f, do Código de Processo Penal229.

José Carlos Barbosa Moreira, por sua vez, admite a utilização da interceptação

telefônica como prova emprestada no processo cível, sustentando que "sacrificado o

direito da parte à preservação da intimidade, não faria sentido que continuássemos a

preocupar-nos com o risco de arrombar um cofre já aberto".

competente da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. 226 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; 227 Prova emprestada no processo civil e penal, Revista de Informação Legislativa, p. 157/158. 228 Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.

721. 229 Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal. § 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para: (...) f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

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E prossegue na lição, "a sentença penal é título executivo judicial no âmbito cível e o

devedor-executado não poderá formular qualquer objeção no sentido de que a

sentença se fundara em interceptação telefônica, que não pode ter eficácia no juízo

cível (a eficácia preclusiva da coisa julgada impediria essa conduta)". 230

A lição de Barbosa Moreira encontra guarida no artigo 63, do Código de Processo

Penal231 que dispõe que transitada em julgado a sentença condenatória, poderão

promover-lhe a execução no juízo cível, para efeito de reparação do dano, o

ofendido, representante legal ou herdeiro, artigo 91 inciso I, do Código Penal232, que

dispõe, como efeito da condenação, tomar certa a obrigação de indenizar o dano

resultante do crime e artigo 935, do Código Civil.233

Esta orientação têm prevalecido na jurisprudência, inclusive tendo o Supremo

Tribunal Federal já admitido a utilização de interceptação telefônica obtida mediante

autorização judicial para fins não penais:

"INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - OBJETO - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

- NOTÍCIA DE DESVIO ADMINISTRATIVO DE CONDUTA DE SERVIDOR.

A cláusula final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal - "... na

forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução

processual penal" - não é óbice à consideração de fato surgido mediante a

escuta telefônica para efeito diverso, como é exemplo o processo

administrativo-disciplinar. (...)" (STF, RMS 24956/DF, Relator Min. MARCO

AURÉLIO, Primeira Turma, DJ 18-11-2005).

A questão prossegue, tratando-se agora da prova ilícita.

2.12. PROVA ILÍCITA.

Tratada acima a questão a prova emprestada, feita a análise da admissibilidade da

prova produzida no juízo criminal ser emprestada para o cível e da possibilidade da

230 A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Temas de direito processual: 6ª série, p. 120-121. 231 Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros. 232 Art. 91 - São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; 233 Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

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utilização das interceptações telefônicas como prova, trata-se agora das provas

ilícitas, questão de amplo debate no meio jurídico.

O ordenamento jurídico veda, expressamente, a utilização da prova obtida por meio

ilícito, através da previsão do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, ao dispor

serem inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (e aqui se

lembra que contra a literalidade não há interpretação, e, mesmo diante desta

disposição, a questão da ilicitude da prova tem suscitado um ferrenho debate no

meio jurídico, sendo admitidas no processo civil e criminal, por algumas teorias,

como se tratará abaixo, sem pretender uma análise perfunctória e exaustiva do

tema).

O conceito de prova ilícita é obtido através da análise por exclusão do disposto no

artigo 332, do CPC, que admite que todos os meios legais de prova, moralmente

legítimos, ainda que não especificados no Código, são hábeis a fazer prova dos

fatos.

Com relação ao artigo 332, do CPC234, para se evitar confusões, como bem adverte

Luiz Guilherme Marinoni, é de se esclarecer inicialmente a distinção entre prova

ilícita e prova atípica, como feito acima anteriormente.

Prova atípica ou inominada é aquela que não está tipificada no ordenamento

jurídico, enquanto a prova ilícita é um conceito que pode atingir tanto a prova típica

como a atípica. Em outras palavras, não é porque a prova é atípica ou inominada, ou

seja, não prevista no ordenamento jurídico, que ela será ilícita, pois a prova pode se

típica, isto é, tipificada no ordenamento jurídico, e considerada ilícita. Tratando-se de

prova atípica, deve o juiz dar atenção especial ao princípio do contraditório, evitando

sua violação, e empregar corretamente os critérios racionais da valoração da

credibilidade e da eficácia da prova.235

234 Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa. 235 Processo de Conhecimento. 11ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 324/325.

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São exemplos de provas ilícitas: a confissão obtida sob tortura, o depoimento da

testemunha sob coação moral, a obtenção de prova documental mediante furto, a

obtenção de prova mediante invasão de domicílio, entre outros.

Quanto ao momento de avaliação da ilicitude da prova, por assim dizer, indica

Fredie Didier Jr., que essas regras excludentes do direito à prova operam,

principalmente, no momento preliminar à elaboração da prova, no seu juízo de

admissibilidade. Aqui há uma valoração prévia de todo o material que irá adentrar o

processo e ser objeto de consideração pelo julgador, refutando-se aquele que é

proveniente de fontes indignas, ou que tenha sido produzido por meios reprováveis,

bem como aquele que possa induzir o juiz a uma equivocada cognição acerca dos

termos da demanda. Quanto a este último aspecto, temos que tal valoração tem

finalidade eminentemente processual, à medida que se volta ao resultado da

percepção do órgão judicante sobre os fatos deduzidos. Em relação aos outros

critérios (fontes indignas e meios de produção reprováveis), percebemos que o fim

por eles colimado é o resguardo dos direitos materiais, sobretudo os de índole

constitucional, dentre eles, os fundamentais. 236

A admissibilidade da prova ilícita no processo deve ser vista, porém, como algo

excepcional, como boa parte da doutrina afirma.

Tendo em vista a expressa vedação constitucional, para que seja admitida no

processo, leciona Fredie Didier Jr., é necessário que sejam atendidos alguns

critérios: i) imprescindibilidade: somente pode ser aceita quando se verificar, no caso

concreto, que não havia outro modo de se demonstrar a alegação de fato objeto da

prova ilícita, ou ainda quando o outro modo existente se mostrar extremamente

gravoso/custoso para a parte, a ponto de inviabilizar, na prática, o seu direito à

prova; ii) proporcionalidade: o bem da vida objeto da tutela pela prova ilícita deve

mostrar-se, no caso concreto, mais digno de proteção que o bem da vida violado

pela ilicitude da prova; iii) punibilidade: se a conduta da parte que se vale da prova

ilícita é antijurídica/ilícita, o juiz deve tomar as providências necessárias para que

seja ela punida nos termos da lei de regência (penal, administrativa, civil etc.); iv)

236 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 32/33.

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utilização pro reo no direito penal: no direito penal tem-se entendido que a prova

ilícita somente pode ser aceita se for para beneficiar o réu/acusado, jamais para

prejudicá-lo.237

Sobre esta admissibilidade da prova ilícita e aceitação do tema na doutrina e

jurisprudência pátrias, para fins de utilização no processo civil, indicam Wambier e

Talamini, três correntes atuais de pensamento.238

A primeira é denominada obstativa e considera inadmissível a prova obtida por meio

ilícito, em qualquer hipótese e sob qualquer argumento, não cedendo mesmo

quando o direito em debate mostra elevada relevância. Derivação desse

entendimento é a “teoria dos frutos da árvore envenenada”, que considera que o

ilícito na obtenção da prova contamina não apenas o resultado havido, mas até as

provas subsequentes que só puderam ser produzidas graças à obtenção da prova

ilícita.

A segunda denomina-se permissiva e aceita a prova assim obtida, por entender que

o ilícito se refere ao meio de obtenção da prova, não a seu conteúdo. Entende que

aquele que produziu o meio de prova ilícito deve ser punido, mas o conteúdo

probatório aproveitado.

E finalmente, a terceira corrente, intermediária, que admite a prova ilícita,

dependendo dos valores jurídicos e morais em jogo, aplicando-se o princípio da

proporcionalidade.

Do mesmo modo são repelidas pela doutrina e pela jurisprudência, as provas ilícitas

por derivação, a chamada teoria dos frutos da árvore venenosa (fruits of the

poisonous tree), que são provas em si lícitas, mas produzidas a partir de outra

ilegalmente obtida – exemplo: a interceptação telefônica autorizada por juiz com

base em documento falso.

237 Op. cit., p. 34. 238 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 507/508.

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A questão é controvertida, tendo o Supremo Tribunal Federal em alguns casos

manifestado afeição à admissão de provas ilícitas239, noutros refutando-as240.

Muito embora a aferição da questão da ilicitude da prova deva ser realizada caso a

caso (diante da vedação constitucional), entendemos ser possível a utilização da

prova ilícita no processo, assim como as provas produzidas no juízo criminal no

processo cível, uma vez respeitada a proporcionalidade e o conteúdo da prova, tais

com a segunda e terceira correntes acima invocadas rezam.

A questão da aplicação da lei pelo magistrado, bem como a problemática existente

na possibilidade de implicação em decisão contrária à lei (tendo em vista a

disposição constitucional que veda expressamente a utilização das provas ilícitas),

quando admitidas as provas ilícitas no processo será realizado adiante, no capítulo

3, em tópico próprio.

Por ora, prossegue-se no estudo das provas.

2.13. PROVAS EM ESPÉCIE.

Com este sintético panorama dado acerca da teoria geral das provas, implica neste

momento, prosseguindo no estudo dos elementos processuais formadores da

convicção do Magistrado, avaliar as provas em espécie.

239 “HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido. (RE 74.599-SP. Rel. Min. Ilmar Galvão). 240 “Constitucional. Penal. Prova ilícita: "degravação" de escutas telefônicas. C.f., art. 5., xii. Lei n. 4.117, de 1962, art. 57, ii, e, "habeas corpus": exame da prova. I. - o sigilo das comunicações telefônicas poderá ser quebrado, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (c.f., art.5., xii). Inexistência da lei que tornara viável a quebra do sigilo, dado que o inciso xii do art. 5. Não recepcionou o art. 57, ii, e, da lei 4.117, de 1962, a dizer que não constitui violação de telecomunicação o conhecimento dado ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste. E que a constituição, no inciso xii do art. 5., subordina a ressalva a uma ordem judicial, nas hipóteses e na forma estabelecida em lei. II. - no caso, a sentença ou o acórdão impugnado não se baseia apenas na "degravação" das escutas telefônicas, não sendo possível, em sede de "habeas corpus", descer ao exame da prova. III - H.C. indeferido” (HC 69.912-RS. Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

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Não se alongará neste tópico. Apenas para concatenação lógica das ideias e como

será abordado mais a frente acerca da influência das provas no convencimento do

magistrado, achou-se por bem tratar das provas em espécie ainda que brevemente,

pois a elas se fará referência à frente.

As provas em espécie estão distribuídas no Código de Processo Civil, nos artigos

342 a 443, na seguinte ordem: i) depoimento pessoal – artigos 342 a 347; ii)

confissão – artigos 348 a 354; iii) exibição de documento ou coisa – artigos 355 a

363; iv) prova documental – artigos 364 a 399; v) prova testemunhal – artigos 400 a

419; vi) prova pericial – artigos 420 a 439 e; vii) a inspeção judicial – artigos 440 a

443.

Vejamos rapidamente estas sete modalidades, sem, contudo, traçar as minúcias

doutrinárias e jurisprudenciais.

2.13.1. DEPOIMENTO PESSOAL.

O depoimento pessoal vem previsto nos artigos 342 e seguintes, do CPC.

Consiste na oitiva da parte, solicitada pela outra parte (não pode a parte requerer o

seu próprio depoimento perante o juiz da causa).

O depoimento tem lugar na instrução oral do processo, ou, mais precisamente, na

audiência de instrução e julgamento.

Seu objetivo principal é a obtenção da confissão acerca de fatos relevantes da

causa. Para tanto, deverá ser a parte intimada para prestar depoimento pessoal, e,

para que aplique a pena de confesso, deverá do mandado de intimação constar a

advertência do parágrafo 1º, do artigo 343.241

241 Art. 343. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento. § 1o A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor.

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Será tomado o depoimento da parte à semelhança do que se faz na inquirição de

testemunhas (artigo 344, do CPC).242

Apesar dos dizeres literais do artigo 344 do CPC, equiparando o modo de tomada do

depoimento pessoal ao depoimento das testemunhas, é defeso ao advogado da

parte que vai depor lhe fazer perguntas (conforme dispõe o caput do artigo 343, do

CPC).

2.13.2. CONFISSÃO.

A confissão é prevista nos artigos 348 e seguintes, do CPC.

A confissão diz respeito apenas a fatos, contrários aos interesses do confitente e

favoráveis à outra parte.

Estes fatos deverão, comumente, terem sido afirmados pela parte contrária, pois se

o fossem primeiramente pelo confitente, seriam fatos alegados por ele e prejudiciais

a si próprio.

Os fatos que foram alegados por uma parte, e que são desfavoráveis ao confitente,

podem ser por ele confessados.

A confissão é, portanto, o depoimento do confitente que vai contra seus interesses e

a favor dos interesses da outra parte.

A jurisprudência informa que só é possível a confissão de fatos relativos a direitos

disponíveis, a contrário senso do que dispõe o artigo 351, do CPC243.

242 Art. 344. A parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição de testemunhas. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu: “Da Lei nº. 11.690 de 2008 extrai-se que as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha. Porém, nas mudanças trazidas no art. 212 do Código de Processo Penal, não se constata qualquer vedação ao Juiz inquirir diretamente as testemunhas ou as partes, quando tal for necessário à formação de seu convencimento”. ACR 70050298215 RS. Rel. Des. Laura Louzada

Jaccottet. 243 Art. 351. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis. A propósito, nesse sentido, decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “Civil. Reconhecimento de união estável post mortem. Ausência de coabitação. Dado relevante. Affectio societatis familiar. Continuidade da união. Ausência de provas. Improcedência do pedido. 1. Ainda que a coabitação não constitua requisito essencial para o reconhecimento de união estável, sua configuração representa dado relevante para se determinar a intenção de constituir família, devendo a análise, em processos dessa natureza, centrar-se na conjunção de fatores

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2.13.3. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO OU COISA.

A exibição de documento ou coisa está prevista nos artigos 355 e seguintes, do

CPC.

O juiz pode determinar à parte que exiba documento ou coisa que esteja em seu

poder, salvo as hipóteses legais de recusa (artigo 363, do CPC).

O professor Arruda Alvim244 explica que quando a lei fala em documento deve-se

entender tanto os escritos como os não escritos, bem como documentos produzidos

por meio eletrônico, em face do disposto na Lei nº 11.419/06 (que dispõe sobre a

informatização do processo judicial).245

Já no que tange a coisas compreendem-se nessa expressão os bens materiais,

móveis ou semoventes.

2.13.4. PROVA DOCUMENTAL.

A prova documental vem regulada nos artigos 364 e seguintes, do CPC e divide-se

entre documentos públicos, documentos que valem como públicos e documentos

particulares.

O documento público presume-se autêntico, tendo-se, além disso, como verdadeiros

os fatos que o tabelião ou funcionário declarar que ocorreram na sua presença.246

presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a fidelidade, a continuidade da união, entre outros, nos quais se inclui a habitação comum. 2. A admissão dos fatos por parte dos requeridos, - filhos em comum do casal -, não implica necessariamente a procedência do pedido; tratando-se de direito indisponível, incide a norma do art. 351 do CPC, segundo a qual não vale como confissão a admissão de fatos relativos a direitos indisponíveis”. APC 20120310076725 DF 0007547-96.2012.8.07.0003. Rel. Des. Flávio Rostirola. 244 Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 544. 245 Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. DPVAT. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO VIA MEIO ELETRÔNICO. CABIMENTO. TEMPO HÁBIL PARA RESPOSTA. EXISTÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA. Se o objetivo da presente exibição de documentos tem por finalidade a propositura de futura ação, cuja posse, obviamente, detém a ré-apelada, perfilha este Colegiado que detém a recorrente interesse processual em ajuizar a presente exibitória. Válido qualquer pedido elaborado por meio eletrônico, independente se for via e-mail ou via Fale Conosco, já que se trata de ferramenta de contato disponibilizada pela própria seguradora”. EI 70051420529 RS. Rel. Des. Luís Augusto Coelho Braga. 246 Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Processo Civil. Prova. O documento público faz prova dos fatos que o tabelião declarou ter ocorrido na sua presença (CPC, art. 364). Pelo conteúdo da declaração, todavia, responde que a emitiu. Nessa linha, se o vendedor declarou inexistir débitos condominiais, havendo-as,

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O artigo 365, do CPC, indica um rol de documentos que valem como públicos em

seus incisos.

Com relação ao documento particular, desde que escrito e assinado, as declarações

constantes do mesmo presumem-se verdadeiras em relação ao signatário (art. 368,

caput)247.

Em outras palavras, não podem ser invocados contra terceiros, como têm decidido o

Superior Tribunal de Justiça.248

2.13.5. PROVA TESTEMUNHAL.

A prova testemunhal é prevista nos artigos 400 e seguintes, do CPC.

O professor Arruda Alvim conceitua a testemunha como aquela pessoa estranha ao

processo (na verdade, distinta dos sujeitos processuais) que depõe em juízo sobre

os fatos controvertidos pelas partes a respeito dos quais tem conhecimento.249

o adquirente do imóvel tem pretensão e ação contra ele, não contra o condomínio. Agravo Regimental desprovido” (REsp nº 653.907/RJ. Rel. Min. Ari Pargendler). 247 Art. 368. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. 248 Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ADESÃO A ACORDO. DOCUMENTO FIRMADO PELO SINDICATO. VALIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA N.º 07 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. POSSIBILIDADE. LITISPENDÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE PREQUESTIONAR DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESPECIAL. 1. A contradição ensejadora de ofensa ao mencionado dispositivo legal deve ser aquela verificada no bojo do decisum atacado, ou seja, aquela existente entre os fundamentos utilizados para embasá-lo e a sua conclusão, e não entre a fundamentação e a tese defendida pela parte, mostrando-se infundada essa alegação, porquanto a fundamentação do acórdão recorrido encontra-se em perfeita congruência com o resultado final do julgamento. 2. O documento particular faz prova da declaração, mas não do fato declarado; seu conteúdo é invocável apenas em relação aos subscritores e não a terceiros; e que a veracidade das declarações nele contidas são de natureza juris tantum. 3. Tribunal a quo concluiu que o documento apresentado foi impugnado oportunamente e que não foi evidenciado, ainda que por outros meios de prova permitidos em direito, ser inexistente o crédito que se visa executar, portanto, a pretendida inversão do julgado encontra óbice na Súmula n.º 07 do Superior Tribunal de Justiça. 4. A liquidação e a execução da sentença de tutela coletiva podem ser realizadas coletiva ou individualmente pelos interessados. 5. A esta Corte é vedada a análise de dispositivos constitucionais em sede de recurso especial, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência da Suprema Corte. Precedentes. 6. Agravo regimental desprovido”. (REsp nº 1.088.781/MG. Rel. Min. Luarita Vaz). 249 Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 576.

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A testemunha tem o dever de atender à determinação do juiz, diferentemente da

parte, quando o seu depoimento pessoal é pedido, a qual tem apenas o ônus de

atender à ordem judicial.

Dispõe o artigo 405, do CPC, que todas as pessoas podem depor como

testemunhas, com exceção dos incapazes, os impedidos e os suspeitos.

Pela regra do artigo 406, do CPC, a testemunha também não é obrigada a depor

sobre fatos que lhe acarretem dano ou aos seus familiares, ou naqueles casos em

que guarda sigilo profissional.250

2.13.6. PROVA PERICIAL.

A prova pericial está prevista nos artigos 420 e seguintes, do CPC.

A perícia poderá consistir em exame (inspeção, por meio de perito, de pessoas,

coisas móveis ou semoventes, visando a apuração de fatos ligados à causa), vistoria

(quando o objeto da inspeção for um imóvel) ou avaliação (quando o objeto

destinado a constatar valor, em moeda, referentemente a coisas, direitos e

obrigações.

Poderá, ainda, realizar-se por carta (precatória, rogatória ou de ordem), caso em que

a nomeação do perito poderá realizar-se pelo próprio juízo ao qual se atribui a

perícia.251

Deve-se consignar, com relação à prova pericial, que o juiz não está adstrito ao

laudo, na forma que estabelece o artigo 436, do CPC.252

250 Exemplificativamente: “Advogado. Testemunha em processo. Sigilo profissional. Assunto que lhe foi confiado pelo constituinte. Inexistência com relação a outros fatos” (RT, 559/99). 251 Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 598. 252 Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. A propósito, nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALEGAÇÃO DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. LAUDO PERICIAL. DESCONSIDERAÇÃO. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. SÚMULA 83/STJ. 1. O julgador não está adstrito à conclusão do laudo pericial, em atenção ao princípio do livre convencimento do juiz. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento”. REsp nº 8.590 – PR. Rel. Min. Luis Felipe Salomão.

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Segundo leciona o professor Arruda Alvim, o juiz é o peritus peritorum (perito dos

peritos). Todavia, mesmo que disponha de conhecimentos técnicos em área

estranha ao direito, deverá valer-se de perito, de molde, inclusive a proporcionar a

possibilidade das partes impugnarem o laudo pericial, valendo-se do

acompanhamento dos seus respectivos assistentes técnicos.253

2.13.7. INSPEÇÃO JUDICIAL.

A inspeção judicial está prevista nos artigos 440 e seguintes, do CPC vigente.

De modo prático, segundo leciona Moacyr Amaral Santos, apoiado em Chiovenda,

através da inspeção judicial, o juiz recolhe diretamente, por seus próprios sentidos,

as observações sobre as pessoas ou coisas que são objeto da lide ou que com ela

se relacionam.254

E, na mesma toada, apoiado em Rosemberg, define: é a percepção sensorial direta

do juiz, a fim de se esclarecer quanto a fato, sobre qualidades ou circunstâncias

corpóreas de pessoas ou coisas.255

Implica dizer que o juiz, a qualquer tempo (inclusive antes da citação do réu256),

poderá inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que

interesse à decisão da causa e poderá ser determinada de ofício ou em razão de

requerimento da parte, e em qualquer fase do processo.257 É também cabível no

processo de execução258 e em Segundo Grau259.

253 Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 613. 254 Primeiras linhas de direito processual civil. 29ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. II, p .489. 255 Op. cit. p. 491. 256 “Prova. Inspeção judicial. Realização antes da citação. Interposição de exceção de suspeição do magistrado. Inadmissibilidade. Ato que pode ser atacado por recurso próprio. Hipótese, ademais, em que referida prova foi realizada para evitar a mudança na situação fática da lide. Exceção rejeitada. Aplicação do art. 440, do CPC” (RT nº 628/82) 257 Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “2. Falência. Inspeção judicial. Pode o juiz, em qualquer fase do processo, determinar diligência, que interesse a decisão da causa (CPC, art. 440) (...)” (RMS nº 35/SP. Rel. Min. Nilson Naves). 258 Civil e Processo Civil. Prejuízo. Demonstração. Ausência. Dano Moral. Nexo Causal. Serviço Não Prestado. Valor Pago. Devolução. Onus Probandi. Processo De Execução. Providências Específicas. Sucumbência Recíproca. Produção Antecipada De Provas. Honorários Periciais. Depósito. Inspeção Judicial. Prova Complementar. Testemunha. Desconfiança. Efetiva Comprovação. Agravo Retido. Conhecimento. (AC 20000110496559 DF) 259 Leciona Luís Fernando Nardelli que é irrefutável a possibilidade da realização da inspeção judicial em segundo grau de jurisdição, ora no exercício da competência recursal, ora no da competência originária. Os magistrados dos órgãos superiores, quando determinam a inspeção judicial, tem o objetivo de formar o próprio

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Do mesmo modo, a inspeção judicial só deverá ser determinada quando o juiz tiver

motivos de dúvida, no que diz respeito a fato controvertido e, para eliminar essa

dúvida, deverá examinar, inspecionar, pessoas ou coisas quando entender que,

mercê de inspeção judicial, puder se esclarecer.260

Concluída a diligência, deverá ser lavrado auto circunstanciado mencionando tudo o

quanto for útil ao julgamento da causa (podendo ser instruído com gráficos ou

fotografias), já se tendo decidido que sem este auto, a inspeção perde seu valor

como prova.261

De forma mais aprofundada, João Carlos Pestana de Aguiar, ensina que a inspeção

judicial é considerada como valioso meio de prova, tendo raízes históricas no direito

romano, e por esse motivo, torna-se árido considerar a ausência de regulação no

Código de 1939 do instituto262, tendo somente sido regulamentado como meio de

prova no Código vigente.263

Pode-se perceber que ao redigir os dispositivos dos artigos 440 e 442 do CPC

vigente, o legislador do CPC vigente utilizou-se de cláusulas gerais.

convencimento e não o do juiz inferior, já que ambos gozam da mesma liberdade de convencimento. Para Arruda Alvim, o âmbito de aplicabilidade do art. 131 do CPC é geral e, conquanto se refira a juiz e a sentença, aplica-se também a tribunal e a acórdão. Ao encarregarem os juízes inferiores da realização desse meio de prova, estarão os órgãos colegiados a descaracterizar o próprio instituto da inspeção judicial. Indelegáveis as impressões; ademais, ainda, se na inspeção judicial não há intermediário entre o sujeito da inspeção e a fonte da prova, o juiz de direito figuraria, na espécie, como intermediário entre o desembargador e a fonte da prova. Mattirolo não divisa meio-termo: "Si el Tribunal no puede ver y observar con los ojos de uno de sus Jueces, la finalidad de la inspección ocular es fallida". Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/inspecao-

judicial/1443 260 “Prova. Inspeção judicial. Realização facultada ao julgador. Inexistência de obrigatoriedade, ainda que demonstrada sua conveniência. Aplicação do princípio do livre convencimento do juiz” (RT nº 629/206). 261 STJ, Ag 14.646/MG, 1ºT. 262 Nesse sentido, aponta Luís Fernando Nardelli que o Código de Processo Civil de 1939 não incluiu a inspeção judicial nos meios de prova e os doutrinadores à época divergiam no tocante à admissibilidade ou não da inspeção. A falta dessa regulamentação não impediu que os juízes acudissem à inspeção judicial e por ainda carecer no direito positivo o nomen juris de inspeção judicial, a jurisprudência a chamava de várias formas: inspeção ocular, inspeção pessoal, verificações pessoais do juiz. O CPC de 1939 previa a inspeção pessoal do juiz em duas situações, a saber, no interrogatório do interditando e na ação de demarcação. Somente a partir do Código de Processo Civil de 1973, a inspeção judicial atinge a maioridade para tornar-se meio típico de prova com previsão nos arts. 440 a 443. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/inspecao-judicial/1443 263 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. IV – Arts. 332 a 443. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 383.

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As cláusulas gerais são, segundo leciona Fredie Didier Jr., em artigo específico

sobre o tema264, uma espécie de texto normativo, cujo antecedente (hipótese fática)

é composto por termos vagos e o consequente (efeito jurídico) é indeterminado.

O professor complementa o conceito com a posição de Judith Martins-Costa,

afirmando que do ponto de vista da técnica legislativa, a cláusula geral constitui uma

disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem aberta, fluída ou

vaga, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, para que à

vista do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante

o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do sistema.

É uma técnica legislativa que vem sendo cada vez mais utilizada, exatamente

porque permite uma abertura do sistema jurídico a valores ainda não expressamente

protegidos legislativamente, a “standards” (um tipo de comportamento aceitável em

determinada situação), máximas de conduta, arquétipos exemplares de

comportamento, de deveres de conduta não-previstos legislativamente.265

Embora tenha se desenvolvido no âmbito do direito privado (boa-fé, função social da

propriedade, função social do contrato), no direito processual, também leciona

Fredie Didier Jr., que a cláusula geral funciona como elemento de conexão,

permitindo ao juiz fundamentar a sua decisão em casos previamente julgados.

São exemplos de cláusulas gerais previstas no Código de Processo Civil vigente, i) o

devido processo legal; ii) cláusula geral executiva (art. 461, § 5º, CPC); iii) poder

geral de cautela (art. 798 do CPC); iv) cláusula geral do abuso do direito do

exequente (art. 620 do CPC); v) cláusula geral da boa-fé processual (art. 14, II,

CPC); vi) cláusula geral de publicidade do edital de hasta pública (art. 687, § 2º,

CPC); vii) cláusula geral de adequação do processo e da decisão em jurisdição

voluntária (art. 1.109 do CPC) etc.

264 Disponível em: http://www.frediedidier.com.br/pdf/clausulas-gerais-processuais.pdf. Acesso em 2 de julho de 2014. 265 Disponível em: http://www.frediedidier.com.br/pdf/clausulas-gerais-processuais.pdf. Acesso em 2 de julho de 2014.

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As cláusulas gerais encontram-se também presentes no texto do Projeto de CPC, de

maneira expressa no artigo 8º, que mescla algumas disposições dos artigos 421 e

seguintes do Código Civil (“fins sociais”) e do artigo 37, “caput”, da Constituição

Federal (“legalidade, publicidade e eficiência”). Confira-se:

Artigo 8º: Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins

sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a

dignidade da pessoa humana, e observando a proporcionalidade, a

razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Neste contexto, e tendo em vista a necessidade de normas flexíveis no direito

processual que permitam atender às especiais circunstâncias do caso concreto, a

inspeção judicial confere um papel mais ativo do magistrado na formação da sua

convicção.

Através da disposição de conceitos vagos na redação do artigo, permite-se um

amplo campo ao magistrado para decidir o que é pertinente ou não ao

desenvolvimento da causa, podendo questioná-la, e aferir condições de pessoas ou

coisas (a própria expressão lançada no caput do artigo 440, do CPC vigente - a fim

de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa – é demais subjetiva).

A inspeção judicial é um instituto inovador, inserido no Código de 1973, sem,

contudo, ser muito utilizado pelos magistrados mais de 20 anos depois de sua

previsão.

Há julgados, por absurdo que seja, que indeferiram a realização de inspeção judicial,

uma vez que a medida trata-se de “raridade, quase em extinção na prática

judiciária”, provocando a revisão da sentença pelo Tribunal de Justiça de

Pernambuco (Apelação Cível nº 0037470-9):

Destarte, se os apelantes diziam que o apelado não tinha cumprido o

acordo, ao passo que este dizia tê-lo feito, a inspeção judicial – arts. 440 a

443, do CPC – era a medida mais salutar a ser adotada pelo juiz condutor

da causa, até mesmo de ofício. Nesse diapasão, verifico que as razões

aduzidas pelo togado monocrático para indeferir a produção da prova

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carecem de razoabilidade, chegando a afirmar em uma delas que a

inspeção judicial, hodiernamente, é uma medida quase em extinção, rara na

prática judiciária (fl. 18). Como se vê, de toda absurda a razão acima

transcrita, não cabendo ao juízo indeferir a produção de determinada prova,

sob o argumento de que ela é pouco utilizada, se existe expressa previsão

legal para a sua realização, até hoje em vigor.

Inclusive, o eminente Luís Fernando Nardelli afirma que para seu uso mais

frequente, faz-se mister pôr de lado a concepção francesa antiga, emergente do

Código de Processo Civil napoleônico de 1806, do figurino inerte e passivo do juiz,

do juiz bonifrate ou autômato que ficava à mercê do impulso das partes.

No processo civil moderno, alvorece a figura do juiz ativo, participante, e não do

mero espectador, do juiz passivo, sossegado e indiferente, daquela figura apagada e

estática, do convidado de piedra como qualifica Sentís Melendo. Ao fim e ao cabo,

"tanto melhor e mais forte se forma a convicção, quanto mais diretamente sejam as

provas no sentido objetivo examinadas por quem as aprecia".266

2.14. O PROJETO DE LEI Nº 8.046/2010 E AS PROVAS E ELEMENTOS

PROCESSUAIS FORMADORES DA CONVICÇÃO DO MAGISTRADO.

Dado que um breve quadro geral acerca das mudanças do Projeto de Novo Código

de Processo Civil foi colocado no capítulo 1, reserva-se esta parte para estudar

especificamente como o Projeto trata das provas e dos elementos processuais

formadores da convicção do juiz.

Para o devido cotejo das disposições vigentes, com as novidades do Projeto, é

elaborada uma tabela de correspondência, destacando-se as alterações do texto,

que podem ser conferidas ao final, no apêndice do trabalho.

Segundo aponta o professor Arruda Alvim, a inovação mais significante no sistema

das provas do Projeto, reside na possibilidade de antecipar-se a sua produção,

tendo em vista possível litígio, como mera faculdade das partes.

266 A entrevista na íntegra está disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/inspecao-judicial/1443.

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Informa o professor, que a possibilidade de produção antecipada de prova, antes da

propositura do processo de conhecimento destinado ao reconhecimento de direito,

fora das hipóteses em que haja receio de se tornar impossível ou muito difícil a

verificação dos fatos na pendência da ação futura, traz consigo uma modificação

paradigmática no instituto da prova.

Em lugar de se atribuir à atividade probatória a finalidade exclusiva de formar a

convicção do juiz sobre os fatos do litígio passa-se a atribuir-lhe também a função de

influenciar o próprio juízo que fazem as partes das perspectivas de êxito num

eventual processo judicial. Esse novo propósito da atividade probatória, que, de

certa forma, situa também as partes como destinatárias da prova, tem como objetivo

prevenir a propositura de ações infundadas ou fadadas ao insucesso, porque

desprovidas de respaldo fático.267

Observa também o professor que, por outro lado, da análise que é feita pelas partes

sobre a prova produzida antecipadamente não resultar que se evite o processo

judicial, é bem possível que a produção antecipada de provas proporcione ao autor e

ao réu melhor desempenho na defesa de seus direitos, uma vez que suas alegações

já estarão amparadas nos elementos probatórios colhidos. Sob esse prisma,

concretiza-se o objetivo jurídico do processo de, por meio do contraditório e da

busca da verdade, possibilitar a prolação de uma sentença justa e consentânea com

a realidade dos fatos.268

Esta previsão vem prevista nos artigos 388 e seguintes do Projeto (que pode ser

conferida no apêndice, no quadro comparativo 2.1).

Permite-se a antecipação da prova sem o pressuposto da urgência: qualquer prova

pode ser produzida antecipadamente.

267 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 105. 268 Op. cit., p. 105.

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Conforme dispõe o relatório geral do Projeto, unifica-se o regime da justificação com

o da produção antecipada de prova, exatamente em razão da desnecessidade de

demonstração da urgência para sua produção.269

Com este detalhe, vejamos agora outras inovações no sistema das provas.

A teoria geral da prova no Projeto está presente nos artigos 376 e seguintes e as

provas em espécie, por sua vez, são relacionadas nos artigos 391 e seguintes.

Inicialmente, pela redação do artigo 376, do Projeto, percebe-se que o texto

modernizou-se (vide apêndice – quadro 2.2).

Com relação ao ônus da prova, a regra do artigo 333 e incisos do CPC,

permaneceu incólume, sendo agora relacionada no artigo 380.

O Parágrafo Único, do artigo 333, do CPC, que tratava da convenção do ônus da

prova, igualmente não se alterou, contudo, foi passado ao artigo 380, parágrafo 3º,

do Projeto.

Grande inserção de fato, foi a inversão do ônus da prova no Projeto, consagrando a

teoria da distribuição dinâmica.

Conforme o relatório geral do Projeto propõe-se, na nova redação sobre o ônus da

prova se consagrar: a) a regra geral de distribuição do ônus da prova; b) a

possibilidade de redistribuição, nos casos de prova diabólica ou de maior facilidade

de obtenção da prova contrária; c) possibilidade de redistribuição consensual do

ônus da prova.

Com esse regramento, o Brasil passa a ter o código com a disciplina mais minuciosa

e tecnicamente correta sobre a distribuição do ônus da prova de que se tem notícia

(vide apêndice – quadro 2.3).270

269 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013.

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Contudo, desde já se vislumbra que o Projeto não previu o momento da inversão do

ônus da prova, questão altamente controvertida tanto na doutrina como na

jurisprudência (como se demonstrou anteriormente, deixando o tema ainda pendente

de solução legal definitiva).

Os fatos que independem de prova permanecem idênticos à previsão atual do

artigo 334, do CPC, sendo agora trazidos no artigo 381, do Projeto.

Com relação aos deveres das partes e prova do direito municipal, estadual,

estrangeiro ou consuetudinário, nada se alterou, sendo que os artigos 337 a 340,

do CPC, correspondem aos 383 e seguintes, do Projeto.

A novidade do Projeto neste aspecto fica por conta da faculdade do juiz de impor

multas e outras medidas coercitivas no caso de descumprimento de algum destes

deveres (Parágrafo único, do artigo 387 – vide apêndice – quadro 2.4).

Com relação às espécies de prova, acrescentou-se a ata notarial lavrada por

tabelião, prevista no artigo 391, que já era anteriormente amplamente aceita como

prova271.

Não se trata de verdadeiro novo meio de prova, mas de espécie de prova

documental que, por ser cada vez mais utilizada, mereceu atenção especial do

legislador.

Em razão disso, aprimorou-se a redação do dispositivo, de modo a deixar claro que

não há necessidade de o fato a ser atestado ser controvertido. Além disso, previu-se

270 Conforme noticia o relatório geral: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013. 271 Nesse sentido se manifesta o Superior Tribunal de Justiça: “Vigora no direito brasileiro a regra de que não existe em lei rol restritivo dos meios de prova, sendo essa conclusão fundamentada no expresso texto do art. 332 do CPC. Os meios de prova previstos no diploma processual são meramente exemplificativos, admitindo-se que outros meios não previstos também sejam considerados, desde que não contrariem a norma legal. Trata-se da chamada prova atípica, sendo indicados como exemplos: prova emprestada, constatações realizadas pelo oficial de justiça, inquirição de testemunhas técnicas (expert witness), declaração escrita de terceiro, e ata notarial. Resp nº 261.373 – PE. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho.

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a possibilidade de se constar, na ata, dados, sons ou imagens gravados em arquivos

eletrônicos (vide apêndice – quadro 2.5).272

O depoimento pessoal sofreu poucas alterações substanciais. Vem previsto no

Projeto nos artigos 392 a 395.

O ponto interessante fica a cargo do acréscimo de duas excludentes à obrigação de

depor: a que implique em desonra própria ou de sua família, ou que coloque

qualquer destes em risco de vida (vide apêndice – quadro 2.6).

A confissão teve seu texto aprimorado, contudo sem mudanças substanciais, sendo

previsto nos artigos 396 e seguintes do Projeto.

Em primeiro lugar, são ajustadas ao Código Civil, que regula a invalidação da

confissão de maneira diferente e mais adequada do que a que consta do Projeto.

Além disso, dá-se redação mais simples ao dispositivo que cuida da eficácia da

confissão extrajudicial (vide apêndice – quadro 2.7).273

A exibição de documento ou coisa teve a mesma sorte, sendo prevista no Projeto,

nos artigos 403 e seguintes (vide apêndice – quadro 2.8).

No que se refere à prova documental, a força probante dos documentos

permanece a mesma do CPC atual, com mínimas alterações na redação do texto,

que não trazem mudanças radicais ou inovações – artigos 412 e seguintes do

Projeto, o mesmo valendo para a produção da prova documental, trazidas nos

artigos 441 e seguintes do Projeto (vide apêndice – quadro 2.9).

272 Conforme noticia o relatório geral: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013. 273 Conforme noticia o relatório geral: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013.

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Haverá, de acordo com a redação do artigo 420, do Projeto, a previsão do

revestimento de autoridade de coisa julgada na declaração sobre a falsidade do

documento, que deverá constar na parte dispositiva da sentença.

Também é novidade do Projeto, a previsão da utilização de documentos

eletrônicos, que vem prevista nos artigos 446 e seguintes (vide apêndice – quadro

2.10).

Contudo, dependerão eles da conversão na forma impressa e de verificação de

autenticidade por lei no processo convencional. Compreende-se aqui processo

convencional aquele não eletrônico, que ainda tramita por meio físico (aqueles não

abrangidos pela Lei nº 11.419/06).274

O processo eletrônico vem sendo implantado nas Comarcas de São Paulo, inclusive

em algumas cidades do interior, com processos totalmente digitais (por exemplo, na

Comarca de Guarulhos, os processos somente são distribuídos por via eletrônica,

quase que eu sua totalidade).

Essa evolução, do papel ao meio eletrônico, a propósito, é bem explorada em

cartilha fornecida pela Ordem dos Advogados do Brasil, da Seção de São Paulo em

interessante introdução:275

Vivemos em um momento de verdadeira revolução na administração da

Justiça, com a introdução do uso da tecnologia no processo judicial. A

quebra de paradigma do papel é a grande mudança, mas que tem efeitos

gerais extremamente importantes, muitos dos quais sequer são possíveis

de se identificar neste momento. O papel, que milenarmente é utilizado pela

sociedade para perenizar manifestações de vontade, passou a ser

combatido nas últimas décadas. Além de frágil, sujeito a traças, à ação do

tempo e de intempéries, a água e o incêndio, o papel é caro para produzir e

para armazenar, difícil de indexar, e sua produção tem sério impacto sobre

274 “O que é o processo eletrônico? É processo sem papel, onde os atos processuais, como petições despachos, sentenças, etc., são praticados, comunicados, armazenados e disponibilizados por meio eletrônico. A grande mudança do paradigma se dá em relação ao papel, sendo dispensado seu uso no processo eletrônico, adotando-se, como padrão, o documento eletrônico. A informatização do processo é regida Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006”. Manual de noções básicas do processo eletrônico. OAB/SP. Disponível em:

http://www.oabsp.org.br/noticias/ManualProcessoEletronico1.pdf. 275 Disponível em: http://www.oabsp.org.br/noticias/ManualProcessoEletronico1.pdf. Acesso em 25/04/2013.

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o meio ambiente. Em busca de alternativas ao papel, legislações em todo

mundo vem concedendo a mesma eficácia jurídica ao documento eletrônico

assinado digitalmente, pois, conceitualmente, traz elementos que permitem

identificar sua autoria e a sua integridade.

A prova testemunhal vem prevista nos artigos 428 e seguintes do Projeto.

Importantes e inovadores acréscimos foram feitos à disciplina da colheita da prova

testemunhal.

Previu-se expressamente o chamado testemunho técnico, meio de prova

amplamente difundido no direito estrangeiro e no processo arbitral. Cuida-se de

meio de prova que fica entre o testemunho tradicional e a prova pericial. Disciplina-

se, com mais minúcia, o procedimento da acareação de testemunhas (vide apêndice

– quadro 2.11).

Regulamenta-se o depoimento testemunhal das autoridades, na linha do que já

estabelece o Supremo Tribunal Federal em seus precedentes jurisprudenciais.

Harmoniza-se o rol dos incapazes para o testemunho com o determinado pelo

Código Civil. Com isso, evitam-se antinomias desnecessárias. Finalmente,

atendendo a proposta feita em diversas emendas parlamentares, elimina-se a regra

que impunha a apresentação do rol de testemunhas juntamente com a petição inicial

ou a contestação.276

Há previsão, à semelhança do que ocorre em alguns casos no processo penal, da

oitiva da testemunha por videoconferência, ou qualquer outro recurso de

transmissão à distância, devendo ainda os juízos manter equipamento para essa

transmissão e recepção de sons e imagens.

A prova pericial vem prevista nos artigos 471 e seguintes do Projeto (vide apêndice

– quadro 2.12).

276 Conforme noticia o relatório geral: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013.

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São feitas inúmeras melhorias nas regras sobre a perícia, tanto no que diz respeito à

escolha do perito, como também em relação à apresentação do laudo pericial, cujos

requisitos de validade passam a constar expressamente do Projeto (vide apêndice).

Além disso, cria-se a possibilidade de uma perícia consensual, figura jurídica ainda

inexistente no direito brasileiro, mas que vem sendo reclamada por parcela da

doutrina. Trata-se de inovação em consonância com o princípio da cooperação, que

orienta todo o Projeto.277

Com relação às perícias realizadas por órgão público, está disposto que estes

deverão observar os prazos para entrega de laudos e exames.

O órgão poderá requerer prazo, desde que o faça motivadamente.

Isto se deve ao fato da morosidade de tais órgãos em realizar os exames pericias, a

exemplo do que ocorre no Estado de São Paulo com o IMESC, que em muitos casos

demora anos para agendar e realizar as perícias e remeter os exames aos autos.

Tal fato inclusive motivou o Ministério Público ingressar com ação civil pública contra

o governo do Estado de São Paulo e o Instituto de Medicina Social e de Criminologia

(IMESC), por conta dos atrasos na realização de perícias médicas em favor dos

beneficiários da assistência judiciária gratuita.278

277 Conforme noticia o relatório geral: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013. 278 A ação é resultado de inquérito civil instaurado para apurar as condições de funcionamento do IMESC, uma autarquia do governo do Estado que realiza, por exemplo, exames de DNA para instruir processos judiciais de investigação de paternidade. Desde 2009 a Promotoria vem recebendo dezenas de peças de informação provenientes de diferentes varas judiciais do Estado, todas relatando atrasos do IMESC em atender às requisições judiciais provenientes de processos em que as partes eram beneficiárias da justiça gratuita, o que vinha prejudicando o andamento daquelas causas, resultando no retardamento da solução dos processos. De acordo com a ação, proposta pelo promotor de Justiça Eduardo Ferreira Valério, durante as apurações do MP junto ao IMESC foram realizadas várias tentativas de se resolver extrajudicialmente as deficiências do órgão. Em março de 2010, a Promotoria encaminhou ao órgão uma proposta de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas o compromisso não foi assinado. Na ACP é feito um pedido liminar para que a Justiça obrigue o IMESC a finalizar o seu contingente de perícias provenientes de requisições recebidas até o final do ano de 2010, nos seguintes prazos: todos os casos de 2006 deverão estar concluídos até 30 de novembro de 2011; e todos os casos de 2007, 2008, 2009 e 2010 deverão estar concluídos até 31 de dezembro de 2012. Também é pedido que a Justiça obrigue o IMESC a manter, durante o período dedicado ao atendimento das requisições atrasadas, a rotina estabelecida para todos os casos novos, tanto de investigação de paternidade como de medicina legal, cumprindo em prazos razoáveis as requisições judiciais de agendamento de perícias e de emissão de laudos, inclusive de complementação de quesitos. A Promotoria também pede que o governo do Estado destine os recursos orçamentários e financeiros necessários para que o órgão possa realizar as perícias em tempo compatível com os prazos pedidos na liminar. Disponível em:

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A inspeção judicial vem prevista nos artigos 491 e seguintes do Projeto e não

apresentou alteração significativa (vide apêndice – quadro 2.13).

A valoração da prova, para fins do presente trabalho, será tratada ao final do

capítulo 3, depois de apresentar as formas de convencimento do juiz e os princípios

a ela inerentes.

Com isso, parte-se para o estudo da convicção do juiz, no capítulo 3, para após

prosseguir na análise dos elementos extraprocessuais formadores da convicção,

diferenciando-os no capítulo 4.

http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/noticias/publicacao_noticias/2011/agosto_2011/MP%20aju%C3%ADza%20a%C3%A7%C3%A3o%20para%20obrigar%20IMESC%20a%20agilizar%20per%C3%ADcias%20m%C3%A9dicas%20em%20atraso. Acesso em 09 de julho de 2013.

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3. A CONVICÇÃO DO MAGISTRADO.

3.1. INTRODUÇÃO – CONCEITO E PROBLEMATIZAÇÃO DA COGNIÇÃO

JUDICIAL.

A convicção é numa das suas muitas acepções, a “crença ou opinião firme a

respeito de algo, com base em provas ou razões íntimas, ou como resultado da

influência ou persuasão de outrem; convencimento”.279

Para formular essa crença e se chegar à convicção, na lição de Moacyr Amaral

Santos, “o espírito se funda no conhecido, na prova produzida, e por meio do

raciocínio se conduz ao desconhecido, ou seja, à verdade. Diante do conhecido,

percebe-o, sente-o, examina-o, analisa-o, relaciona o afirmante ao afirmado,

delibera, rejeita as possibilidades de erro e conclui: estou certo”.280

E prossegue a lição do renomado jurista:281

Mas a certeza é uma crença. É a crença na conformidade entre a noção

ideológica e a realidade ontológica. É a afirmação preliminar da verdade.

Quem diz: estou certo, não faz mais do que afirmar as grandes, mas não

absolutas relações de conformidade entre o pensamento próprio e a

verdade objetiva: não faz senão afirmar preliminarmente a suficiência dos

motivos em favor da verdade. Não satisfeito por se não achar seguro, o

espírito volta a perscrutar o conhecido, examina os motivos convergentes e

divergentes, confronta-os com a certeza, que deles extraiu; novamente

avalia e pesa os motivos que determinaram a certeza e somente quando

esta permanece íntegra, inteiriça, o espírito, com o assentimento seguro e

definitivo da vontade, esclarecida pela razão, se considera possuído de

certeza: eis a convicção.

No direito, e mais precisamente no sistema processual, como visto detalhadamente

no capítulo 1, o elemento que forma a convicção do Magistrado é a prova (mas não

279 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 828. 280 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 350/351. 281 Op. cit., p. 351.

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somente o único, o que será tratado no capítulo seguinte). A influência na persuasão

de outrem do conceito explorado acima é dada por fatos e provas.

Sinteticamente, consignou-se no capítulo anterior, que o juiz é o destinatário da

prova, e a prova visa o seu convencimento e não necessariamente a verdade em

si282.

A prova, acima de tudo, destina-se a provocar uma convicção no juiz.

Desta forma, num certo processo, em que houve diligências probatórias de ambas

as partes, e o juiz dá ganho de causa a uma delas, há que se considerar que, nessa

hipótese, a prova produzida por ambas produziu efeitos para o juiz. Efetivamente, a

prova que ganhou formou-lhe a convicção. Assim, sob o prisma da pessoa do juiz, a

prova de ambos tem relevância jurídica. Certamente sob o prisma do demandante

perdedor da demanda, a sua prova produziu resultados negativos.283

Para que seja proferida decisão judicial, portanto, é necessário que o magistrado se

convença com os elementos trazidos pelas partes ao processo e decida,

fundamentadamente, como exige a Constituição Federal, aplicando o direito ao caso

concreto.

Fredie Didier Jr., com posição definida e bem humorada, afirma que qualquer que

seja o ambiente em que tenha sido proferida (em um baile de carnaval, em um

shopping Center, ou em um processo jurisdicional), a decisão é resultado de um

convencimento produzido a partir do exame de diversas circunstâncias, (de fato ou

não); é baseada em diversos elementos de prova.284

282 Nesse sentido, ensina o professor Arruda Alvim, que a verdade, no processo, deve ser sempre buscada pelo juiz, mas o legislador, embora se preocupe com a busca da verdade, não a coloca como fim absoluto em si mesmo. - Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 932.

Além disso, a questão da verdade foi tratada no item 2.3.2 deste trabalho. 283 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 243. 284 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 17.

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Contudo, adverte e complementa Moacyr Amaral Santos, com didática que lhe é

peculiar, acerca da importância de não se guiar somente por impressões pessoais,

dado que todos estão à mercê de ilusões e falsos juízos:285

Não pode o juiz, na apreciação dos fatos controvertidos, guiar-se, para

nortear e fazer gerar a sua convicção a respeito deles, apenas pela sua

consciência, suposições, impressões pessoais, ou usar de processos ou

medidas que correspondam a atentados a direitos legítimos e merecedores

de amparo da própria Justiça. A livre consciência, do homem mais

aperfeiçoado, sempre está à mercê de erros e ilusões. Disposições

especiais ou particulares do espírito do juiz, bem como influencias externas

qual delas mais perigosa, seu temperamento, força dos seus hábitos,

inclinações, prevenções, perturbam-lhe a serenidade e, de conseguinte,

conduzem-no, mesmo sinceramente ao erro mais grosseiro.

Dessa forma, conforme os ensinamentos do mestre José Frederico Marques “os

fatos afirmados pelas partes precisam ser demonstrados para que sobre eles forme

o juiz a sua convicção. E a prova constitui o meio e modo de que usam os litigantes

para convencer o juiz da verdade da afirmação de um fato – bem como o meio e

modo de que se serve o juiz para formar sua convicção sobre os fatos que

constituem a base empírica da lide”286.

A prova auxiliará o juiz na reconstrução dos fatos, e nesta reconstrução dos fatos

formará o seu convencimento.

Leciona, a propósito, o professor Luiz Guilherme Marinoni, que a reconstrução de

um fato ocorrido no passado sempre é influenciado por aspectos subjetivos das

pessoas que o assistiram, ou ainda daquele que (como juiz) há de receber e valorar

a evidência concreta. Sempre, o sujeito que percebe uma informação (seja

providenciando diretamente o fato, ou conhecendo-o através do meio), altera seu

real conteúdo, absorve-o à sua maneira, acrescentando-lhe um toque pessoal que

distorce (se é que essa palavra pode ser aqui utilizada) a realidade.287

285 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 11. 286 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 1974. Vol. II, p. 175. 287 Processo de Conhecimento. 11ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 303.

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No mesmo sentido, o professor indica a observação de Hans-Georg Gadamer, uma

vez que “a interpretação não é um ato posterior e oportunamente complementar à

compreensão, porém, compreender é sempre interpretar e, por conseguinte, a

interpretação é a forma explícita de compreensão”.288

Por este motivo, conclui o professor que:289

Não é objetivo concreto do juiz encontrar a verdade (absoluta) no processo.

Conquanto possa essa meta continuar como elemento mítico – e objetivo

utópico – da atividade jurisdicional (mesmo para que se possa assegurar a

qualidade da pesquisa efetivada pelo magistrado e, consequentemente, do

resultado obtido), não se pode acreditar que, concretamente, esse ideal seja

realizado no processo ou mesmo que ele a isto se destina. Todavia, se isso

é correto, qual seria então a função da prova no processo? Constitui-se ao

que parece, como meio retórico, indispensável ao debate judiciário. O

processo deve ser visto como palco de discussões; a tópica é o método da

atuação jurisdicional e o objetivo não é a reconstrução de um fato, mas o

convencimento dos demais sujeitos processuais sobre ele.

O juiz apreciará e valorará a prova, conforme as disposições do CPC, de acordo

com seu livre convencimento, o que significa, que ele valorará o resultado da prova,

independentemente de quaisquer padrões previamente fornecidos pela lei.

O magistrado, segundo o professor Arruda Alvim, não está jungido às provas, cujo

valor probante tenha sido previamente estabelecido no sistema, pois, em regra, não

mais há provas aprioristicamente valoradas. Tem o juiz liberdade, como regra geral,

de valorar as diversas provas e até de mandar completá-las, desde que isto seja

necessário ao seu convencimento, nos casos em que a atividade produtora da

prova, pelos litigantes, não resolva suficientemente as questões de fato (com

exceção da prova legal)290.

Ensina também o professor Arruda Alvim que a livre apreciação da prova outorga

grande poder ao juiz, que consiste em sopesar as provas independentemente de um

288 Op. cit., p. 303. 289 Op. cit., p. 304. 290 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 934.

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valor legal que lhe seja previamente dado, isto é, em função de um precedente

tarifamento das provas.

O preço, todavia, que o juiz há de pagar nessa sua livre apreciação, há de ser a

exaustiva motivação dos fatos e circunstâncias que lhe formaram o convencimento,

em proceder por este ou por aquele caminho, como sendo o convincente, mercê do

qual reputou, suscetível de convencimento, este tipo de prova, para um dado fato,

ou que o conjunto probatório levou-o a entender de certa forma291.

Moacyr Amaral Santos, acerca da formação do convencimento, e esta será a tônica

do capítulo seguinte, ensina que se de um lado os meios de prova, a prova no

caráter objetivo, devem apresentar-se, na ação, sob forma que, por si só e pelo seu

resultado, possam ser aquilatadas por qualquer indivíduo razoável, de outro lado, a

convicção que geram no espírito do juiz, a respeito da existência ou inexistência dos

fatos provados, a prova de caráter subjetivo, deve surgir como conclusão dos

motivos brotados daqueles meios, por meio de longa e paciente análise dos mesmos

e apuração de uma afirmação dos motivos convergentes com exclusão, por

inexistentes ou inaceitáveis, dos motivos divergentes ou difamatórios.292

Esta dicotomia entre prova no sentido subjetivo e objetivo é bem ilustrada a seguir, e

será objeto de análise adiante:293

Compreendida, assim, a prova, como um todo, reunindo os seus dois

caracteres, o objetivo e o subjetivo, que se completam e não podem ser

tomados separadamente; compreendida a prova como um inteiro, uno e

indivisível, apreciada objetiva e subjetivamente, como fato e como indução

lógica, como “meio com que se estabelece a existência positiva ou negativa

do fato probando e como a própria certeza dessa existência, justo é que a

sua definição abranja os dois elementos que a constituem e integram.

Para que esta análise e a correlata conclusão por uma afirmação não se percam

pelo critério exclusivista do julgador, mas sejam, ou possam ser, apreciadas pela

crítica de todos os demais julgadores, denominem-se estes sociedade ou seus

291 Op. cit. p. 239. 292 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 13. 293 Op. cit., p. 15.

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magistrados, a doutrina e a lei estabelecem princípios pelos quais se guia o

processo destinado a formar o convencimento.

O saudoso professor indica, assim, seis parâmetros pelos quais entende formar-se o

convencimento do juiz: 1) A certeza é uma e não pode deixar de ser uma só. A

convicção não tem graduações. Em matéria de certeza, não existe meio termo; 2) A

convicção deve ser formada no exame direto das provas, as quais, quando possível,

devem apresentar-se diretamente aos sentidos do juiz; 3) A convicção deve resultar

de provas para as quais não haja limitação preestabelecida de valor quanto ao

objeto provado; 4) A prova deve ser subjetivamente livre, no sentido de que o sujeito

da prova, a pessoa que depõe, não esteja submetida a condições físicas ou

psíquicas capazes de desnaturar a verdade; 5) Como cautela contra o arbítrio do

juiz, deve viger o princípio da publicidade; e 6) A convicção deve ser obtida pela

produção da melhor prova, no sentido subjetivos, objetivo ou formal. É prova

formalmente melhor aquela que é produzida diretamente na presença do juiz sobre

aquela que é trazida ao Juízo por interposta pessoa. 294

Sobre a fundamentação e motivação, também se explorará ao final do capítulo as

mudanças do Projeto neste aspecto.

Com esta introdução, estudemos primeiro os atos do juiz, para após adentrar

deveres, poderes e responsabilidades do juiz no processo, e entender como este

valora a prova e por consequência, forma seu convencimento.

3.2. ATOS DO JUIZ.

O juiz, na lição de José Frederico Marques, é a figura central do processo, é o

sujeito piu eminente da relação processual, como o disse Manzini, pois atua como

órgão do Estado no poder ou função jurisdicional.295

Emprega-se o vocábulo juiz para indicar, de modo genérico, o órgão da função

jurisdicional. Em sentido mais restrito, o juiz é a pessoa física investida de

294 Op. Cit., p. 13/16. 295 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1974. Vol. I, p. 172.

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atribuições jurisdicionais, ou como órgão monocrático do Judiciário (juiz singular), ou

como integrante de órgão judiciário colegiado.

Com relação à tarefa e atividade do juiz no processo, serve-se a lição do professor

Moacyr Amaral Santos, que invocando Kohler e Espínola, cita que o juiz deve ser

um gentleman que procede com dignidade e reserva; não deve escutar as paredes,

nem ser um detetive que surpreende os segredos; não deve deixar-se determinar

por meio de cartas anônimas, nem dar ouvidos nos clubes e restaurantes a todos os

boatos populares; deve dirigir o processo com aquela reserva, própria do seu cargo,

a qual não pode abandonar um juiz imparcial. Aquilo que ele, em seu círculo, sem

recorrer a tais fontes impuras, sabe com segurança, de tomar em consideração

porque pertence ao notório. Ainda mais se deve dizer: o notório não fica pendente

de uma afirmação das partes, o juiz admite-o porquê é um homem dotado de razão

e tem de julgar racionalmente.296

O juiz, como qualquer outro sujeito processual, no desempenhar de sua atividade,

pratica atos dentro do processo.

Os atos do juiz podem dividir-se em atos jurídicos (no processo - estão previstos no

artigo 162, do CPC297), e atos materiais relevantes para a instrução do processo,

que consistem nas inspeções, confrontos de provas, interrogatórios das partes etc.

Com brilhante escorço histórico, ensina o professor Hélio Tornaghi acerca dos atos

do juiz que:298

Para o direito romano sententia era algo diversíssimo da interlocutio. Depois

de que as partes haviam dito o que tinham para dizer sobre todas as

questões, o juiz definia o mérito por meio da sententia, expressão do

sentimento, da opinião, da maneira de encará-lo. A ideia de sentença

estava ligada ao sentir, ao perceber, ao pensar, ao julgar (sentio, is, si sum,

296 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 362/363. 297 Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. § 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. § 3o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma. 298 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. II – Arts. 154 a 269. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 24.

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ire – sentir). (...) Antes da sentença, o juiz ia resolvendo as questões

surgidas em meio às várias locuções das partes e que, por isso mesmo, se

chamavas interlocutiones. O direito germânico deu a essas decisões a

mesma forma das sentenças, passando essa palavra a significar decisão de

qualquer controvérsia, relativa ao processo, à ação ou ao mérito. Falou-se,

então, em sentença que define o mérito (definitiva) e sentença pronunciada

no curso do processo (interlocutória). A extensão do nome (sentença) levou

a comunicar as interlocuções as propriedades das sentenças

(recorribilidade, e trânsito em julgado), para o que contribuiu também a

supervalorização medieval do elemento lógico da sentença.

Impõe-se, antes de prosseguir, tratar também do artigo 165, do CPC299, que traz os

requisitos da sentença e a necessidade da fundamentação, ainda que de modo

conciso.

Esta questão será tratada ao final, uma vez que este tema especificamente, como

será tratado abaixo, representou uma mudança significativa no Projeto, visando

afastar a celeuma causada por sentenças por demais concisas ou deficientemente

fundamentadas.

Acerca da concisão, importante trazer novamente a lição do eminente Hélio

Tornaghi, que afirma: se a decisão não põe termo ao processo, basta que ela

contenha fundamentação concisa, ou seja, cerrada, curta, lacônica, sucinta. O juiz

se limita ao essencial, desprezando os acidentes e omitindo os pormenores. A

concisão não é o mesmo que a precisão, mas não a dispensa. Caedo, is cecidi,

caesum, cedere, cortar, é o verbo latino de que provêm essas duas palavras.

Preciso é o que está recortado com os contornos que deve ter (praecidire). Uma

figura será precisamente um quadrado se tiver quatro lados iguais que se tocam em

ângulo reto. Será precisamente uma circunferência se for uma linha curva fechada

cujos pontos distam igualmente de um ponto central. Conciso é o que corta tudo

quanto é supérfluo, não contém outros sinais além dos estritamente imprescindíveis

para a manifestação da ideia. A lei, evidentemente não quer a concisão com dano

da precisão. O juiz não há de, por amor à concisão, empregar expressões genéricas

em lugar das específicas. Não deve, por exemplo, dizer que o réu detém uma coisa

299 Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.

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do autor, apenas para ser conciso; deve dizer que o réu detém em seu poder os

documentos tais, ou tais máquinas, e assim por diante. Às vezes, a concisão varia

na razão inversa da precisão: dizer que o autor pretende um anel é mais conciso do

que afirmar que ele exige um anel de ouro cravejado de brilhantes; mas é menos

preciso, e o juiz não deve sacrificar a precisão apenas para ser conciso.

Portanto, pode-se concluir que maneira alguma a concisão implica em lacunosa ou

deficiente fundamentação.

3.3. PODERES, DEVERES E RESPONSABILIDADE DO JUIZ.

Os poderes, deveres e responsabilidades do juiz estão relacionados nos artigos 125

e seguintes do CPC.

Contudo, há poderes e deveres do magistrado ao longo de todo o Código.

O professor Arruda Alvim ensina que efetivamente nos artigos 125 a 131 do CPC,

encontram-se o grosso das previsões, respeitantes ao perfil da figura do juiz, tendo

em vista seu desempenho no processo civil, incumbe, em minudeando todo o

Código, traçar, concretamente, o perfil das realidades mais genericamente previstas,

que podem ser consideradas regras matrizes do sistema.300

Vejamos agora cada hipótese.

3.3.1. DEVERES DO JUIZ.

Os poderes e deveres do juiz estão presentes nos ordenamentos jurídicos dos mais

diversos países.

O professor Arruda Alvim, em longo estudo comparado, relaciona dispositivos dos

mais diversos países, evidenciando que poderes e deveres do juiz estão presentes

de forma expressa nos mais diferentes sistemas jurídicos do mundo, dos mais

300 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 13.

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desenvolvidos como Alemanha, Itália e França até os países menos desenvolvidos

como Bolívia e Colômbia.301

Segundo o professor leciona, os deveres dos juízes configuram o comportamento

que devem ter os magistrados em relação às partes, bem como tendo em vista

outras pessoas ligadas à atividade jurisdicional (peritos, oficiais de justiça etc.),

sendo que todo dever que compete ao juiz, se dá em virtude do poder que foi a ele

investido. 302

Bem sintetiza a questão, acerca da correlação entre deveres e poderes do juiz, a

bela conclusão de Moacyr Amaral Santos:303

O dever do juiz é dizer e investigar a verdade. Para isso se acha munido de

poderes extensos, concedidos pela sociedade, e encontra auxiliares nos

próprios litigantes, que estão obrigados a fornecer-lhe os meios de

investigação. Exatamente porque o dever do juiz é obter todas as provas de

parte a parte, da melhor forma possível, compará-las e decidir segundo a

sua força probante, nunca deixando de ser acertada a proposição de

BENTHAM, que por si só resume a importância do assunto: a arte do

processo não é senão a arte de administrar as provas.

Dessa forma, relacionam-se, os deveres do juiz prescritos no Código, conforme

proposto pelo Professor Arruda Alvim304: há o dever de prestar a tutela jurisdicional

(dever de operar uma função pública). Está previsto no artigo 2º, do CPC.305 No

entanto, a obrigação de o juiz prestar a tutela jurisdicional ao autor haverá de

obedecer, rigorosamente, aos casos e formas legais, pois, do contrário, deverá ela

indeferir, mesmo liminarmente, a solicitação do autor especificamente a ele dirigida.

O juiz é originalmente inerte. Vale dizer, somente age por provocação de uma parte

ou de interessado (jurisdição voluntária). A iniciativa procedimental é condicio sine

qua non ao início da atividade jurisdicional. Assim, o juiz tem o dever de fiscalizar,

oficiosamente, os assuntos respeitantes ao processo, seja quanto à sua existência,

301 Op. cit., p. 5/13. 302 Op. cit. p. 14. 303 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 9/10. 304 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 15/20. 305 Art. 2o Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.

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seja relativamente à sua validade. Ex: participação do Ministério Público no feito, sob

pena de nulidade absoluta.

Também é dever do juiz o de exercer os seus poderes, exclusivamente, nos limites

de sua competência, ou melhor, nos limites da competência do órgão por ele

ocupado, se o não fizer e se o vício da incompetência do órgão por ele ocupado; se

o não fizer e se o vício da incompetência do órgão por ele ocupado for absoluta,

proferirá decisões nulas. O juiz deverá ficar, precipuamente subordinado (jugulado)

ao ordenamento jurídico, aplicando as leis, não podendo, de forma alguma eximir-se

de sentenciar, ou de decidir qualquer incidente (artigo 126, do CPC) e, para tanto,

deverá aplicar a norma jurídica, à qual o fato ou fatos sejam subsumíveis em seu

entender.

Coloca-se como qualidade pessoal, inerente ao desempenho da judicatura, a

imparcialidade do juiz, tendo o mesmo o dever de abstenção, nos casos de

suspeição e impedimento, ressalvando-lhe a lei, contudo o direito de se despojar do

processo, quando íntimo seja o motivo. O juiz tem o dever de emprestar

autenticidade aos atos que pratica, conferindo-lhes indispensável validade, com a

sua assinatura, indicativa de que é o responsável por ditos atos (artigo 164, do

CPC).

Respeitante ao movimento de relação processual diante das lacunas da lei

processual, ou mesmo diante de prazos dilatórios, impõe-lhe a lei o dever de fixar

prazos, designados como judiciais (artigos 177, 182 e 182, Parágrafo Único), como,

ainda, prorrogando prazos legais diante de motivos tidos, pelo sistema, como

justificáveis, para levar à respectiva dilação. Há o dever fundamental de observar a

paridade de tratamento, a ser proporcionada aos litigantes (artigo 125, inciso I, do

CPC).

Outro dever fundamental do juiz é o de, em conhecendo o sistema jurídico aplicar a

lei ao caso concreto, decidindo e sentenciando e por fim, dever de dirimir a lide, para

o juiz confina-se exatamente nos limites da própria lide tais como postos pela

determinação volitiva intransponível do autor (artigo 128, do CPC), sob pena de, em

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o juiz decidindo além, aquém, ou fora dos limites da lide, padecer a sua sentença de

nulidade e, se transitada em julgado, ficar sujeita à ação rescisória.

3.3.2. PODERES DO JUIZ.

Antes da análise específica dos poderes do juiz, deve-se fazer uma breve reflexão

acerca do poder-dever como binômio.

Esta reflexão é feita com base na lição do professor Arruda Alvim, que ensina que

quando aludimos a que o juiz tem poder e tem dever, depende da perspectiva em

que nos situemos. Sob certo ângulo, todos os deveres do juiz para com os litigantes,

envolvem poderes do juiz. Se se diz que o juiz tem o dever de prestar tutela

jurisdicional, ipso facto, está a se significar que o mesmo juiz tem tal poder. Será

dever, no sentido de as partes poderem aspirar, juridicamente, à prestação da tutela

jurisdicional, mas, do ponto de vista objetivo de o juiz ter o poder de prestá-la, é

curial que ele o faz porque lhe foi atribuído dito poder. Desta forma, portanto, o

enfoque dos deveres do juiz há de ser dúplice, ou seja, se se inverter o ângulo da

perspectiva pelo qual se visualiza dito dever, é ele redutível a um poder. Na

realidade, pois, inexiste um dever, sem que exista, no plano do direito público, o

respectivo poder correspondente. Poder-dever constituem-se num binômio que se

concretiza através da atividade pública judicante. Nesse sentido, pois, poder e dever

constituem-se o verso e o reverso da mesma medalha. 306

Portanto, sempre que dizemos que o juiz tem um dever, este corresponde também a

um poder e vice versa, residindo aí o dito caráter dúplice dos poderes e deveres do

juiz.

É possível, também, com base nestas lições307 listar alguns poderes do juiz.

O juiz tem o poder de decidir todos os incidentes do processo, bem como a lide. O

próprio sistema pode limitar totalmente o conhecimento do juiz, tangentemente a

306 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 21. 307 Op. cit., p. 21/25

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uma lide, a respeito da qual se admita compromisso (artigo 1.024, do CPC),

remanescendo-lhe, in casu, exclusivamente, o poder de, em homologando o laudo

arbitral, conferir-lhe a indispensável juridicidade complementar, inclusive dotando-o

só então de eficácia.

Usualmente, para evitar decisões colidentes, deverá utilizar-se o juiz do poder

oficioso, de que dispõe, para levar à junção de causas conexas, ou da causa contida

à continente, proposta ulteriormente (na hipótese inversa trata-se de assunto

redutível à litispendência parcial), como, ainda, haverá de impedir a pendência

simultânea de dois processos com lides idênticas (mesmo objeto, mesma causa

petendi) e entre as mesmas partes, ideia esta que assenta no princípio do resguardo

da atividade jurisdicional no pertinente à certeza jurídica (casos de conexão e

continência, hipótese de litispendência) à qual, além da certeza jurídica, se alia o

princípio da economia da atividade jurisdicional). Conforme a hipótese, poderá ter,

circunstancialmente, sua competência hipertrofiada, nos casos do art. 108, do CPC.

Tem o juiz, respeitado o princípio da paridade de tratamento das partes, um poder

de controle instrutório geral, como ainda, quando em dúvida, o de determinar, a

realização da prova pelas partes (perícia) ou de realizá-las por si. Saliente-se que

nos casos de jurisdição voluntária tem ele maiores poderes do que aqueles

constantes no art. 130, bastando para se perceber isso, contrastar-se este

dispositivo com o consubstanciado no art. 1.107, do CPC. Investe-lhe o sistema o

poder de, livremente, avaliar as provas embora lhe impondo o dever correlato de

motivar suas decisões.

Tem o poder-dever de declarar-se suspeito por motivo íntimo (artigo 135, Parágrafo

Único, do CPC), sem mesmo ter de revelar a ninguém o fato que o tenha levado a

isso. Tem ele poder sobre o Oficial de Justiça (artigo 143, inciso II, do CPC), bem

como sobre o escrivão (artigos 144, inciso I, e 193, do CPC), como ainda o de

nomear perito (artigo 145, do CPC), devendo obrigatoriamente fazê-lo quando o

caso requeira conhecimento técnico específico de que careçam os magistrados, ou

nos casos que a lei expressamente o exija (artigos 145 e 151, inciso I, do CPC).

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137

É-lhe afeto, ainda, o poder de determinar segredo de justiça, seja esse poder

exercido com índole discricionária, nos casos em que o exija interesse público

(artigo 155, inciso I, do CPC), seja nos casos taxativos (artigo 155, inciso II, do CPC)

na lei processual, lembrando-se, ainda, outras hipóteses em que deverá haver

outorga de medidas cautelares, a serem concedidas sem audiência preliminar da

parte contrária, embora precedidas de justificação ou não.

No que respeita ao processo incumbem-lhe ainda poderes especiais, quais sejam: a)

o de admitir exclusivamente o uso de vernáculo, seja nos escritos do processo, seja

tendo em vista a documentação que se pretenda produzir nos autos (artigo 157, do

CPC), lembrando-se ainda o disposto no artigo 151, inciso II, do CPC; b) deve impor

uma disciplina formal de ordem ao processo e, para tanto, tem o poder de

determinar sejam riscadas cotas marginais e interlineares (artigo 161, do CPC).

Quanto ao lapso de tempo reservado ao exercício dos poderes decisórios, no

processo, haver-se-ão de exercer à luz da ocorrência dos pressupostos que

condicionam a sua prática, assim: 1º) os despachos de expediente deverão ser

proferidos dentro de dois dias e as decisões em 10 dias (artigo 189, do CPC); 2º) o

julgamento antecipado da lide, nos vários casos regulados pelo sistema ocorrerá

quando se configurarem alguns pressupostos que lhes deem causa e diante de

cujas hipóteses, o juiz exercerá seu poder decisório.

Tem o juiz um poder de polícia discriminado no artigo 445, do CPC, vale dizer,

incumbe-lhe assegurar a ordem e a disciplina dos trabalhos forenses e, no processo

de execução, de velar severamente pela dignidade da justiça (artigo 600, do CPC).

Os poderes do juiz, na lição de Humberto Theodoro Júnior, engendram a figura do

juiz ativo, mas não do juiz autoritário, como adverte Michele Taruffo. Sua

participação na busca da verdade não tem o fito de anular ou impedir a iniciativa

própria das partes. Trata-se de atividade integrativa e supletória, de modo que,

quando estas exercitam seus poderes para produzir todas as provas disponíveis e o

munem dos elementos suficientes para a comprovação dos fatos relevantes da

causa, não há nenhuma necessidade de que o magistrado use seus poderes

instrutórios. Cabe, contudo, ao juiz usar dos poderes de iniciativa, na espécie,

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sempre que algum meio de prova a seu alcance possa ser empregado para o melhor

conhecimento dos fatos fundamentais do conflito, mesmo que os litigantes não o

requeiram. Nesse passo, seu compromisso não é com a posição de nenhuma das

partes, mas com a verdade, sem a qual não se consegue fazer justiça, para cuja

realização se idealizou a tutela jurisdicional no Estado Democrático de Direito.308

Com relação ao poder de polícia, distingue e leciona José Frederico Marques que o

poder de polícia exercido pelo juiz no processo não se confunde com os poderes

disciplinares sobre os funcionários judiciais: estes são de ordem administrativa,

emanam dos poderes de autogoverno da magistratura e recaem sobre pessoas

ligadas por dependência hierárquica ao juízo; o primeiro incide sobre pessoas do

público e ainda sobre os que participam do processo, sem vinculação funcional com

o juiz.309

Uma vez convencido que nenhuma prova é mais necessária ao deslinde da causa,

poderá o juiz julgar antecipadamente a lide310, na forma estabelecida no artigo 330,

do CPC, sendo a questão unicamente de direito, ou quando ocorrer a revelia - artigo

319, do CPC).

3.4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E ANÁLISES ESPECÍFICAS DOS

ARTIGOS 125 E SEGUINTES DO CPC.

O disposto no artigo 125, inciso I, do CPC, está vinculado ao princípio constitucional

da igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição Federal).

O professor Arruda Alvim aponta que há uma dinâmica social envolvida à

configuração da ideia de igualdade e sua concretização sucessiva, uma vez que, ao

308 Curso de Direito Processual Civil. 59ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. Vol. I, p. 419. 309 Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1974. Vol. I, p. 311. 310 Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “LOCAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA PORFALTA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. O julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa quando os elementos de instrução constantes dos autos são suficientes para a solução da controvérsia” (Apelação nº 0035664-86.2010.8.26.0602. Rel. Des. Antonio Rigolin).

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longo de toda história, verificou-se uma ideia fundamental motriz, em função da qual

se modificam ao longo do tempo os ordenamentos jurídicos.311

E assim, uma das ideias fundamentais que informam todo o constitucionalismo

contemporâneo, é a da chamada ideia cristalizada no princípio da igualdade de

todos perante a lei. Consistiu essa ideia, num epílogo, na principal resultante de uma

revolução social triunfante, monolítica em seus princípios e fins, que foi a Revolução

Francesa. A ideia de igualdade de todos perante a lei, em realidade, através de

todos os mecanismos de que ela se serviu informou e informa todo o direito

constitucional ocidental.312

O consagrado professor aponta algumas condições que auxiliam e proporcionam o

funcionamento mecânico e harmônico da igualdade de todos perante a lei, como a

plenitude do ordenamento jurídico e sua ligação com o princípio da igualdade, uma

vez que o ordenamento positivo pretende açambarcar a totalidade dos

comportamentos humanos e das condutas, sem quaisquer distinções muito

sensíveis, tendo em vista os destinatários das normas; o princípio do pleno acesso

ao judiciário; as leis, discriminando situações, se projetando para cada grupo dos

discriminados em situações, em si mesmas, de igualdade; a presença do método

dialético, enquanto argumentativo do processo, umas vez que as partes devem

argumentar a respeito das situações jurídicas, colocadas no processo, devendo ser,

pelo menos, observada a igualdade formal de tratamento das partes, isto é, todos os

autores hão de ser tratados igualmente, da mesma forma que todos os réus hão de

ter tratamento homogêneo.313

Quanto ao zelo pela rápida solução do litígio, há aspectos intimamente ligados à

celeridade, tais como o princípio da oralidade, o das preclusões e o da preparação

escrita do processo, e agora, modernamente a inserção do processo eletrônico no

ordenamento jurídico.

311 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 27. 312 Op. cit., p. 28. 313 Op. cit., p. 55/60.

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140

O juiz também deverá prevenir os atos atentatórios contra a dignidade da Justiça,

elencados no artigo 600, do CPC.

Ao juiz não é dado eximir-se de decidir alegando haver lacuna ou obscuridade na Lei

– artigo 126, do CPC. Contudo esta questão e como se opera a analogia no CPC

serão reservados ao capítulo 4.

Do mesmo modo, o juiz somente poderá aplicar a equidade, nos casos estritamente

previstos em lei (artigo 127, do CPC).

No sistema jurídico brasileiro, a jurisdição alcança a tudo e a todos, conforme dispõe

o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Como consequência, decorre

deste artigo o princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional, uma vez que

de nada adianta garantir a todos o acesso ao Judiciário se o juiz, diante do caso

concreto, pudesse, por qualquer motivo eximir-se de decidir.314

Finalmente, o juiz também decidirá a lide nos limites que foi proposta pelo pedido do

autor, sendo defeso conhecer de questões não suscitadas, que deverão ser trazidas

ao processo por iniciativa das partes (artigo 128, do CPC - vedação dos julgamentos

infra, extra e ultra petita).

3.5. IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO.

As causas de impedimento e suspeição estão previstas nos artigos 134 a 138, do

CPC e dizem respeito à imparcialidade do juiz no exercício de sua função.

É um dos deveres do juiz declarar-se impedido ou suspeito, podendo alegar motivos

de foro íntimo.315

314 Nesse sentido, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça: “Equidade. Art. 127 do CP. A proibição de que o juiz decida pro equidade, salvo quando autorizado por lei, significa que não haverá de substituir a aplicação direta objetiva por seu critérios pessoais de Justiça. Não há de ser entendido, entretanto, como vedando se busque alcançar justiça no caso concreto com atenção ao disposto na artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil” (RESP nº 48.176/SP. Rel. Min. Eduardo Ribeiro. 315 Nesse sentido decidiu o Tribunal Superior do Trabalho: “NULIDADE. SUSPEIÇÃO. IMPEDIMENTO.1. É nulo o processo em que o juiz que o preside, a um primeiro momento declara-se suspeito, por motivo de foro íntimo, após proferir a sentença de mérito e, não obstante, depois participa do julgamento de embargos de declaração interpostos contra o acórdão proferido pelo Tribunal em sede de recurso ordinário. Há aí duplo vício processual: infração às normas que vetam o juiz suspeito (artigos 134, inciso III, e 135, parágrafo único, do CPC).2. Os

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141

O impedimento tem caráter objetivo, enquanto que a suspeição tem relação com o

subjetivismo do juiz.

A imparcialidade do juiz é um dos pressupostos processuais subjetivos do

processo.316

Cumpre destacar, também, que o juiz incorrerá em responsabilidade pessoal por

perdas e danos317, e eventualmente, a responsabilidade administrativa e

eventualmente até penal, sempre que incidir nas hipóteses do artigo 133, do CPC318.

efeitos da declaração espontânea de suspeição retroagem para invalidar o processo -ab initio- se o magistrado, ao firmar suspeição, não declara que o faz por motivo superveniente. 3. Convicção que se robustece ao evidenciar-se comportamento no mínimo estranhável do magistrado na direção do processo, antes de declarar-se suspeito, retratado no abrupto encerramento da instrução probatória e na circunstância de compor o então Colegiado no julgamento da exceção de suspeição que lhe fora dirigida, de resto protocolizada e rejeitada no mesmo dia. 4. Configurados, pois, o impedimento e a suspeição do Juiz, impõe-se a anulação de todos os atos processuais decisórios por ele praticados, a partir da audiência de instrução. 5. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento”. (RR 419004219985070024 41900-42.1998.5.07.0024. Rel. Min. João Oreste Dalazen). 316 Decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSO CIVIL. JUIZ. QUESTIONAMENTO ACERCA DOS LIMITES DE SUA ATUAÇÃO JURISDICIONAL. QUEBRA DA IMPARCIALIDADE. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. - Não tendo o Juiz exercido qualquer juízo de valor acerca do mérito do acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça, mas sim questionado os limites da sua atuação jurisdicional, por entender que a decisão do Tribunal não era plenamente exeqüível, não há de se falar em quebra de imparcialidade que deve sempre nortear a atuação do julgador. - Na espécie, Juíza interpôs recurso especial e extraordinário contra decisão que julgou procedente reclamação na qual se discute se ela descumpriu decisão do Tribunal de Justiça. Considerando que a Juíza jamais questionou o acerto ou não do acórdão, tendo se limitado a buscar esclarecimentos acerca do efetivo alcance da decisão, inclusive para não usurpar da competência daquele Tribunal, bem como que seus recursos visam justamente a confirmar seu intento, sua conduta não dá ensejo a qualquer dúvida quanto à sua imparcialidade. - As hipóteses de impedimento do Juiz estão fundadas em critérios objetivos, sendo certo que o rol do art. 134 do CPC é exaustivo, não comportando ampliação analógica. Recurso especial não conhecido” REsp nº 1080859/AC. Rel. Min. Nancy Andrighi. 317 Nesse sentido há exemplificativamente a posição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. OFENSAS VERBAIS DE JUIZ DE DIREITO CONTRA ADVOGADO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PARÂMETROS DA CÂMARA. Não havendo dolo ou fraude, não há responsabilidade pessoal do juiz, conforme preceitua o art. 133, inciso I, do Código de Processo Civil e o art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Por outro lado, não pode o Magistrado agir com excessos e perder a serenidade ao presidir audiência, deixando de tratar os advogados com urbanidade. Todavia, fica afastado o dolo na conduta do Magistrado, não respondendo ele pessoalmente por perdas e danos, se a prova demonstra não ter agido dolosamente no intuito de menoscabo ao advogado, mas apenas para agilizar o procedimento das audiências. A conduta insistente, até mesmo irritante do advogado, indica que houve culpa concorrente. Verificando-se que o Magistrado se excedeu, proferindo ofensas ao advogado durante audiência, o Estado deve ser responsabilizado pelos danos morais causados ao causídico. Segundo os parâmetros da Câmara, as peculiaridades do caso concreto, a razoabilidade e a proporcionalidade, o montante de 30 salários mínimos nacionais é adequado para indenizar os prejuízos causados por afirmações ofensivas a advogado. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU”. (Apelação Cível Nº 70007280613, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 26/04/2006) 318 Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.

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3.6. A LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.

3.6.1. A COGNIÇÃO. CONCEITO E ESPÉCIES.

Como se definiu acima, o convencimento é a crença ou opinião firme a respeito de

algo, com base em provas ou razões íntimas. Com esta definição, importa verificar o

conceito de cognição para prosseguir na análise do livre convencimento motivado

para os fins do trabalho.

A cognição, segundo Kazuo Watanabe é prevalentemente um ato de inteligência,

consistente em considerar, analisar e valorizar as alegações e as provas produzidas

pelas partes, vale dizer, as questões de fato e de direito que são deduzidas no

processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do iudicium, do julgamento do

objeto litigioso do processo.319

Fredie Didie Jr., por sua vez, ensina que a cognição é um dos mais importantes

núcleos metodológicos para o estudo do processo moderno (junto com o

procedimento e a tutela jurisdicional, cujos conceitos estão intimamente relacionados

com o de cognição). Basta ver que a própria noção que se tem de cada tipo de

processo (conhecimento, cautelar e execução) estrutura-se a partir do grau de

cognição judicial que se estabelece em cada um deles.320

A análise da cognição judicial consiste, portanto, no exame da técnica pela qual o

magistrado tem acesso e resolve as questões que lhe são postas para apreciação,

sendo seu objeto formado por essas questões.

Vejamos agora no que consistem tais questões.

Na lição de José Carlos Barbosa Moreira, considera-se questão de fato toda aquela

relacionada aos pressupostos fáticos da incidência; toda questão relacionada à

existência e às características do suporte fático concreto, pouco importa se,

examinada a perspectiva do objeto, é questão de fato ou questão de direito. Por

319 Da cognição no processo civil. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 41. 320 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 293.

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exemplo: toda questão relacionada à causa de pedir será considerada questão de

fato. Será questão de direito toda aquela relacionada com a aplicação da hipótese

de incidência no suporte fático; toda questão relacionada à tarefa de subsunção do

fato (ou conjunto de fatos) à norma.321

O mesmo autor relaciona também que há questões que devem ser examinadas

antes, pois a sua solução precede logicamente à outra. O exame das questões

prévias sempre pressupõe a existência de ao menos duas questões: a que precede

e subordina e a que sucede e é subordinada. Quando entre duas ou mais questões

houver relação de subordinação, dir-se-á que a questão subordinante é uma

questão prévia. As questões prévias dividem-se em prejudiciais e preliminares. É

importante lembrar que entre duas ou mais questões, pode existir uma relação de

coordenação: no sentido de que as duas questões, ou mais exatamente as soluções

que se lhe deem, estão ordenadas a um fim comum.322

A professora Thereza Alvim, em sua obra, indica que não se distinguem questões

prévias pelo seu conteúdo (mérito e não mérito). O que importa, portanto, para esta

distinção, entre prejudicial e preliminar, não é, assim, a natureza da questão

vinculada, mas o teor de influência que a questão vinculante terá sobre aquela

vinculada.323

Do mesmo modo, há questões preliminares, que na lição de José Carlos Barbosa

Moreira, são questões, cuja solução, conforme o sentido em que se pronuncie, cria

ou remove obstáculo à apreciação da outra. A própria possibilidade de apreciar-se a

segunda depende, pois, da maneira que se resolve a primeira. A preliminar é uma

espécie de obstáculo que o magistrado deve ultrapassar no exame de uma

determinada questão.

A questão prejudicial, por sua vez, é aquela de cuja solução dependerá não a

possibilidade nem a forma do pronunciamento sobre a outra questão, mas o teor

321 Considerações sobre a causa de pedir na ação rescisória. Temas de Direito Processual – quarta série.

São Paulo: Saraiva, 1989, p. 208. 322 Questões prejudiciais e questões preliminares. Direito processual civil – ensaios e pareceres. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1971, p. 76. 323 Questões prévias e limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977, p.

15.

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144

mesmo desse pronunciamento. A segunda questão depende da primeira não no seu

ser, mas no seu modo de ser.324

Finalmente, com estas distinções e conceitos, deve-se esclarecer, no ensinamento

de Kazuo Watanabe, que o fenômeno cognitivo pode ser visualizado em dois planos:

em primeiro lugar, o plano horizontal (extensão), que diz respeito à extensão e à

amplitude das questões que podem ser objeto da cognição judicial.

Aqui se definem quais as questões podem ser examinadas pelo magistrado. A

cognição, assim, pode ser: a) plena: não há limitação ao que o juiz conhecer; b)

parcial ou limitada: limita-se o que o juiz pode conhecer. O procedimento comum é

pleno, na medida em que não há qualquer restrição da matéria ser posta sob

apreciação; o rito da desapropriação, no entanto, é de cognição limitada, porquanto

não se possa, em seu bojo, discutir a validade do ato expropriatório. A limitação da

cognição normalmente favorece à celeridade processual, daí a razão de muitos

procedimentos especiais terem por característica exatamente a limitação

cognitiva.325

Fredie Didier Jr. combina esta classificação de Kazuo Watanabe, lecionando que

esta combinação serve para a formação dos procedimentos.326

324 Questões prejudiciais e questões preliminares. Direito processual civil – ensaios e pareceres. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1971, p. 87. 325 Da cognição no processo civil. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 84/94. 326 Leciona o professor que há procedimentos de cognição plena e exauriente, que são a regra. A solução dos conflitos de interesse é buscada através do provimento que se assente em procedimento plenário quanto à extensão do debate das partes e da cognição do juiz, e completo quanto à profundidade desta mesma cognição. Decisões proferidas aqui são, por exemplo, aquelas dos procedimentos comuns (ordinário, sumário, ou dos Juizados Especiais Cíveis), passíveis de produção de coisa julgada material. Prestigia-se o valor da segurança. A cognição pode ser parcial e exauriente: a limitação é apenas do que; quanto às questões que podem ser resolvidas, a cognição é exauriente, de sorte que a sentença (julgado) tem aptidão para produzir coisa julgada material. Ao estabelecer as limitações, o legislador leva em conta: a) as peculiaridades do direito material e/ou; b) a necessidade de tornar o processo mais célere. Ressalva-se, todavia, o direito de questionar as questões controvertidas excluídas em demanda autônoma. Há o prestígio dos valores certeza e celeridade, na medida em que se permite o surgimento de uma sentença em tempo inferior àquele que seria necessário. A cognição poderá ser, ainda, plena e exauriente “secundum eventum probationis”: será limitação à extensão da matéria a ser

debatida em juízo, mas com o condicionamento da profundidade da cognição à existência de elementos probatórios suficientes. Trata-se de técnica processual para conceber procedimentos simples e céleres: a) com supressão da fase probatória específica; ou b) procedimento em que as questões prejudiciais são resolvidas ou não conforme os elementos de convicção; c) ou ainda, serve como instrumento de política legislativa, pois evita, quando em jogo interesse coletivo e indisponível, a formação de coisa julgada material, a recobrir juízo de certeza fundado em prova insuficiente. Pode-se vislumbrar, ainda a cognição eventual, plena ou limitada, e exauriente (secundum eventum defensionis): somente haverá cognição se o demandado tomar iniciativa do contraditório, eis porque eventual. Exemplos: ação monitória e ação de prestação de contas.A cognição sumária (possibilidade de o magistrado decidir sem exame profundo) é permitida, normalmente, em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou da evidência (demonstração processual) do direito pleiteado, ou de ambos, em conjunto. No plano vertical, a diferença entre as modalidades de cognição está

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Pode-se concluir que a decisão definitiva da questão principal fica condicionada à

profundidade da cognição que o magistrado conseguir, eventualmente, com base na

prova existente dos autos (e permitida para o procedimento) efetivar.

Vejamos agora, os princípios que regem a formação da convicção do magistrado, o

livre convencimento motivado e a ausência de vinculação do magistrado às provas

produzidas.

3.6.2. O LIVRE CONVENCIOMENTO MOTIVADO. PERSUASÃO RACIONAL DO

JUIZ.

O princípio do livre convencimento motivado está previsto no artigo 131, do CPC e

significa, na realidade, sem maiores digressões doutrinárias e sem adentrar outros

sistemas de valoração da prova que o precederam, que o critério predominante no

CPC vigente é o da persuasão racional - a livre apreciação motivada da prova -, isto

é, o juiz valorará o resultado da prova, independentemente de quaisquer padrões

previamente estabelecidos em lei, devendo indicar os motivos que formaram seu

convencimento.

A propósito, a expressão “livremente” está disposta por todo o Código vigente e

sempre associada à apreciação de provas, à exemplo do que ocorre nos artigos 353

(livre apreciação da confissão); 386 (quando dispõe da apreciação da prova

documental); 439 (relativamente à perícia).

Historicamente, ensina o Professor Arruda Alvim, que os critérios para avaliação da

prova podem ser considerados fundamentalmente, como três: o critério vinculante

positivo ou legal, ou mais claramente, o critério emergente da prova legal; o critério

da livre apreciação e, finalmente o chamado critério da persuasão racional, adotado

pelo nosso Código de Processo Civil.327

apenas na maneira como o magistrado enxerga as razões das partes (causa de pedir). Vejamos o exemplo da ação possessória: o juiz ao examinar a inicial, analisa, sumariamente, se houve posse e o esbulho/turbação, para fim de concessão de medida liminar, na sentença, examinará as mesmas questões, desta feita em cognição exauriente. Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 305/306. 327 Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 240.

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A livre apreciação motivada, na lição do renomado professor, envolve de um lado

uma ideia de conjunto e de outro, o exame específico de uma prova que tenha tido

maior influência na convicção do juiz; ainda, tal ideia é oriunda de certa margem

insuprível de subjetividade.328

Pode-se dizer ideia de conjunto, pois o magistrado avaliará as provas produzidas

como um todo, mesmo que algumas desconsidere quando proferir decisão (ficando

aqui condicionada à motivação), e a margem insuprível de subjetividade é

consistente na sua própria avaliação, que como ser humano, varia de acordo com a

formação, vivência, e demais elementos de cunho sociológico, que serão tratados no

capítulo seguinte.

A livre apreciação motivada da prova outorga um grande poder ao juiz, que consiste

em valorar as provas independentemente de um valor legal que lhe seja

previamente dado, isto é, em função de um precedente tarifamento de provas. O

preço, todavia, que o juiz há de pagar nessa sua livre apreciação, há de ser a

exaustiva motivação dos fatos e circunstâncias que lhe formaram o convencimento,

em propender por este ou por aquele caminho, como sendo o convincente, mercê do

qual reputou, suscetível de convencimento este tipo de prova, para um dado fato, ou

que o conjunto probatório levou-o a entender de certa forma.329

Esse poder conferido ao juiz se consubstancia na liberdade de valoração, para que o

mesmo utilizando-a consiga extrair dos diversos tipos de prova, ou de uma prova em

especial, a sua convicção.

Esta liberdade que se concede ao juiz reside na faculdade que tem de estimar a

prova através da convicção que qualquer delas produz em seu espírito,

preponderando sobre as demais, por lhe merecer mais crédito e apresentar, ao seu

ver, maiores indícios de verossimilhança, e, portanto, de superioridade sobre as

outras.330

328 Op. cit., p. 239. 329 Op. cit., p. 236. 330 Op. cit., p. 360/361.

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Esta liberdade encontra limites na motivação, uma vez que por força de disposição

da Constituição Federal, todas as decisões proferidas pelo Poder Judiciário deverão

ser fundamentadas (artigo 93, inciso IX).

O emérito jurista José Joaquim Gomes Canotilho, coloca inclusive esta

fundamentação como garantia constitucional reconhecida aos magistrados, e leciona

que a “exigência da motivação de sentença exclui o caráter voluntarístico e subjetivo

do exercício da atividade jurisdicional, possibilita o conhecimento da racionalidade e

coerência da argumentação do juiz e permite às partes interessadas invocar perante

as instâncias competentes os eventuais vícios e desvios das decisões dos juízes”.331

Por esse sistema adotado pelo Código, e na lição de Moacyr Amaral Santos332,

pode-se concluir que a convicção fica então condicionada a quatro elementos: a)

aos fatos nos quais se funda a relação jurídica controvertida; b) às provas desses

fatos, colhidas na causa; c) às regras legais e as máximas de experiência; e, por

isso que é condicionada; d) deve ser motivada.

Adentremos nestes elementos fornecidos, que auxiliam na compreensão do livre

convencimento motivado.

Em primeiro lugar, se é dos fatos que se faz a prova, é neles que vai encontrar o juiz

os primeiros motivos formadores de sua consciência. Por outro lado, o juiz não pode

deixar de condicionar a convicção aos fatos, porque é a respeito deles que vai

extrair a relação jurídica que fixará na sentença.

Ao juiz não é lícito formar sua convicção fora das provas colhidas, está ele

condicionado a isto. Afinal, não se pode olvidar que aquilo que não está nos autos,

não existe no mundo333 (mesmo que esta questão não seja tão absoluta, quando se

têm em vista as máximas de experiência).

331 Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 2013, p. 759. 332 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 359. 333 A propósito: “APELAÇÃO CÍVEL -REINTEGRAÇÃO DE POSSE -AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA POSSE -IRRELEVÂNCIA POR INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA -CERCEAMENTO DE DEFESA PELA NÃO-PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL -PRECLUSÃO LÓGICA -AUSÊNCIA DE PROVA -AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE POR USUCAPIÃO -MERA DETENÇÃO -RECURSO IMPROVIDO. Se o recorrente manteve-se

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Além disso, a convicção deverá estar condicionada às regras legais e às máximas

de experiência, importando dizer que o juiz não pode considerar-se convicto porque

entende que a verdade é esta e não aquela, conquanto o direito e as máximas de

experiência digam a ele que é errado.

Finalmente, é na motivação, segundo o renomado professor, que reside a única

garantia possível da justiça e das partes de que o juiz decidiu segundo allegata et

probata, eis que ela se assegura da legitimidade das fontes do convencimento.334

Com essa condição da motivação, também insculpida como princípio na

Constituição Federal, se evita possa o juiz fundar-se na sua ciência privada na

formação do convencimento e se dá também, quando for o julgamento renovado na

instância superior, por via de recurso, meio ao juiz ad quem indagar e se

compenetrar da sinceridade, ou insinceridade, da apreciação do juiz de cujo

julgamento de recorre.

É pela motivação que se apura o trabalho intelectual desenvolvido pelo juiz na

apreciação da prova.335

A finalidade destas características, segundo o professor, é apresentar diretrizes de

convicção, e com a motivação desta na sentença, fica restringido, dentro do

possível, o perigo decorrente da variedade de caracteres, das impressões e dos

critérios arbitrários dos julgadores, assegurando-se igualmente, dentro do possível,

uma consciência formada na verdade, resultante dos fatos e circunstancias

constantes do processo.336

inerte na maioria dos atos processuais, por não se ter manifestado sobre o auto de constatação e perícia realizada, bem como por ter requerido expressamente o julgamento antecipado da lide quando da contestação, não merece prosperar a alegação de cerceamento de defesa em razão de a matéria probatória estar calcada na preclusão lógica e pela impossibilidade de declaração de nulidade por quem deu causa a ela (artigo 243 do Código de Processo Civil). Se a parte que trouxe defesa de mérito indireta (fato modificativo do direito do autor) somente alegou e nada provou, deixou incidir o princípio: o que não está nos autos não está no mundo (quod non est in actis non est in mundo), por incidência da regra do ônus da prova (artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil). A posse que gera usucapião é unicamente a exercida a título de dono. Apenas a detenção da posse, mesmo continuada e pacífica, não autoriza a aquisição do domínio. Não induzem posse ad usucapionem atos de mera permissão, tolerância, cessão gratuita ou ocupação consentida pelo proprietário”. (Apelação Cível TJ/MS - Proc. Especiais - N. -Dourados - Rel. Des. Hamilton Carli -26.1.04 -3ª Turma Cível). 334 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 365. 335 Op. cit., p. 365. 336 Op. cit., p. 366.

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O sistema vigente elege o princípio do livre convencimento motivado em regra geral,

pois que, as provas legais são excepcionais.

Pressupõe-se a existência de provas legais, no sentido de provas admitidas pela lei

e produzidas, na causa, segundo a forma também pela lei prescrita.

A prova legal, na lição do Professor Arruda Alvim, é disciplinada por normas

imperativas, cujo desrespeito acarretará a impossibilidade de se ter como provado o

fato jurídico a que esta prova se refere, concluindo que, nessa hipótese, não cabe

opção ao juiz, o qual fica rigorosamente adstrito a, uma vez apresentada a prova

legal, e desde que a mesma tenha sido tida por válida, ter como verdadeiro

determinado fato, ou deverá reconhecer a eficácia respectiva.337

A prova legal é situação de exceção à hierarquia dos meios de prova. Está

disciplinada nos artigo 366 e 401, do CPC, e em alguns dispositivos do Código Civil,

como o artigo 230338.

Conclui o professor Arruda Alvim, nesse quadro acerca da livre apreciação motivada

da prova, lecionando que atualmente, tendo em vista as garantias de que está

revestida a magistratura, o ingresso por concurso e a preparação em carreira a que

estão submetidos os juízes, é manifestamente preferível o critério da persuasão

racional, ou do livre convencimento motivado, eis que a certeza do direito repousa

na competência intelectual dos juízes. Só lhes é negada esta, como se viu, nos

casos taxativos da prova legal, menos função de qualquer desconfiança relativa à

magistratura, porém, tendo em vista que o comércio jurídico não pode, em certos

casos, prescindir de um formalismo absoluto.339

O juiz há, para encher o significado do livre convencimento motivado, de se utilizar

das regras de experiência, das verdades científicas indisputáveis, sendo sempre

obrigado, porém, a fundamentar o porquê da sua convicção, o que viabiliza o

337 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 436. 338 Art. 230. As presunções, que não as legais, não se admitem nos casos em que a lei exclui a prova testemunhal. 339 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 242.

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controle idôneo da mesma, na forma preconizada pela Constituição Federal (artigo

93, inciso IX).

Vejamos agora estas regras de experiência no ordenamento.

3.6.3. FATOS INTUITIVOS, INDÍCIOS E PRESUNÇÕES – AS MÁXIMAS DE

EXPERIÊNCIA.

O Código de Processo Civil vigente prevê no artigo 335340, as chamadas máximas

de experiência.

Parte-se inicialmente, da observação atenta de Miguel Reale:341

Não é uma frase convencional a de Holmes quando nos adverte que o

Direito tem sido e há de ser cada vez mais experiência, o que começa a ser

reconhecido também pelo legislador, conforme se depreende do art. 335, do

Código de Processo Civil, segundo o qual, no caso de existirem normas

jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum

subministradas pela observação do que ordinariamente acontece.

As máximas de experiência são, na lição de Wambier e Talamini, aquelas noções

gerais da vida prática, dominadas por qualquer pessoa de cultura média, e inserida

no ambiente social em que vive. São estas regras que permitem ao juiz – assim

como a qualquer sujeito minimamente inserido no lugar e época em que vive – inferir

a ocorrência de determinados fatos a partir de outros já provados.342

Na lição de José Carlos Barbosa Moreira, máximas de experiência são as noções

que refletem o reiterado perpassar de uma série de acontecimentos semelhantes,

autorizando, mediante raciocínio indutivo, a convicção de que, se assim costumam

apresentar-se as coisas, também assim devem elas, em igualdade de

340 Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial. 341 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 298. 342 Curso Avançado de Processo Civil. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 509.

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circunstâncias, apresentarem-se no futuro, possuem as características da

generalidade e abstração.343

Na definição de Fredie Didier Jr., as máximas de experiência são o conjunto de

juízos fundados sobre a observância do que de ordinário acontece, podendo

formular-se em abstrato por aquela de nível mental médio. São regras criadas por

método indutivo.344

Distinguem-se, na dicção do autor, as máximas de experiência dos fatos notórios,

dos indícios e das presunções.345

Esta distinção, para fins do presente trabalho nos é útil.

Os fatos notórios são aqueles que ocorreram, e de cuja existência tem acesso, de

maneira geral, as pessoas que vivem no ambiente sociocultural que se acha inserido

o juiz. Regra de experiência e fato notório compõem, porém, um gênero: o saber

privado do juiz.

O indício é o fato conhecido, que por via de raciocínio, sugere o fato probando, do

qual é causa ou efeito. É o fato ou parte de fato certo, que se liga a outro fato que se

tem de provar, ou a fato que, provado, dá ao indício valor relevante na convicção do

juiz, como homem. Por si só, o indício não tem qualquer valor. No entanto, como

causa ou efeito de outro fato suscita o indício uma operação por via da qual poder-

se-á chegar ao conhecimento desse outro.346

A presunção, por sua vez, não é meio de prova, nem fonte desta. Trata-se de

atividade do juiz, ao examinar as provas, ou do legislador, ao criar regras jurídicas a

ser aplicadas (presunções legais) sempre ou quase sempre, conforme o caso.

Exatamente por não se tratar de meio de prova, não é admissível venha a lei a

343 Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados – Temas de direito processual –

segunda série. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 62. 344 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 53. 345 Op. cit., p. 54/59. 346 Na lição de Pontes de Miranda, “os indícios são dados de fatos que indiciam algum fato. Alude-se, implicitamente, à incerteza subjetiva e à que os elementos de prova não bastam. Daí a gradação deles, desde os indícios fortes, ditos veementes, o que ainda trai a alusão à incerteza subjetiva” (Tratado de Direito Privado.

Parte Geral. Tomo III, 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 454).

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regular-lhe a aplicabilidade, pois, sendo um mecanismo da inteligência do

magistrado, torna-se supérflua a regra de lei que autorize ou proíba o juiz de

pensar.347

Diante destes motivos, o autor concluir que as máximas de experiência exercem as

seguintes funções no processo: a) apuração de fatos, a partir de indícios; b)

valoração da prova, servindo para que o magistrado possa confrontar as provas já

produzidas (dar mais valor a um testemunho do que outro, por exemplo); c)

aplicação dos enunciados normativos, auxiliando no preenchimento do conteúdo dos

chamados conceitos jurídicos indeterminados (preço vil, por exemplo); d) limite ao

livre convencimento motivado: o magistrado não pode decidir apreciar as provas em

desconformidade com as regras de experiência.348

O eminente João Carlos Pestana de Aguiar, ao tratar das máximas de experiência,

afirma que a teoria foi elaborada pelo alemão Stein e fundada numa base

vivencial.349 Apoia-se em Chiovenda, referindo-se às máximas como elementos de

interpretação legal, que escreve que toda norma jurídica implica, para poder ser

aplicada, uma série de juízos gerais de fatos, insistindo em outra passagem que a

norma legal os reclama para saber se é ou não, aplicável. 350

Relaciona o autor as máximas de experiência à cultura, tratando-se a cultura em

sentido lato, compreendendo-se nesse conceito não só as noções que se aprendem

na escola e que constituem o resultado de estudos científicos – como as que o juiz,

o médico, o mestre-escola, o pintor devem ter adquirido – como também o conjunto

de conhecimentos empíricos, vindos da experiência ou da tradição de cada homem,

que vive em sociedade, possui em consequência de sua participação a determinada

347 Contudo, leciona Humberto Theodoro Júnior, acerca da prova por presunção, mas adverte que as presunções correspondem mais a um tipo de raciocínio do que propriamente a um meio de prova. Com elas pode-se chegar a uma noção acerca de determinado fato, sem que este seja diretamente demonstrado. Usa-se na operação chamada prova indireta. Presunção, nesta ordem de ideias, é a consequência ou ilação que se tira de um fato conhecido (provado) para deduzir a existência de outro, não conhecido, mas que se quer provar. O fato realmente provado não é objeto de indagação, é um caminho lógico para alcançar-se o que em verdade se deseja demonstrar. De tal sorte, as presunções são as conseqüências que resultam dos constantes efeitos de um fato (Curso de Direito Processual Civil. 59ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. Vol. I, p. 426). 348 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 54/55. 349 A propósito, João Carlos pestana de Aguiar destaca que alguns autores entendem que as máximas de experiência como fonte normal do direito, destacando a tese de livre docência de Fernando Pinto, “Jurisprudência Fonte Formal do Direito brasileiro”, princípio que o artigo 335 consagra irrestritamente. 350 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. IV – Arts. 332 a 443. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 76.

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esfera de pessoa, tendo como estas – pelos mais variados motivos: de tempo, lugar,

de profissão, de religião, de condições econômicas, etc. – comunhão de interesses

e, pois, comunhão de conhecimentos aptos a satisfazê-los351.

Além da previsão expressa do CPC, as máximas de experiência são consagradas

na Lei que cria os Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), no seu artigo 5º352, dispondo

que o juiz dará atenção especial às regras de experiência comum ou técnica.

As máximas de experiência destacam-se no sistema, exercendo influências

importantes no julgamento de processos, como se pode conferir a exemplo da

Apelação nº 7007090798, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande

Do Sul, julgado em 19 de novembro de 2003, da Relatoria do Des. Luís Augusto

Coelho Braga, assim ementado:

DANO MORAL. CIGARROS. CAUSAS MORTAIS QUE PODEM ORIGINAR:

‘ENFISEMA PULMONAR’, ‘ARRITMIA CARDÍACA’ E ‘CÂNCER

PULMONAR’, ENTRE OUTRAS. NEXO CAUSAL COMPROVADO, FACE

AO CONSUMO DO CIGARRO E O EVENTO MORTE. PRINCÍPIO DA BOA

FÉ OBJETIVA QUE SE APLICA AO CCv/16, INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR (arts. 6º, incisos I, III, IV, VI e VIII, e 12, par.

1º) E ART. 159 DO CCv/16, NA MODALIDADE OMISSÃO NA AÇÃO.

APLICAÇÃO DO ART. 335 DO CPC: “REGRAS DE EXPERIÊNCIA

COMUM”. INDENIZAÇÃO DEVIDA. (PRECEDENTE: Apelação Cível n.

70000144626, Redator para o acórdão Des. Adão Sérgio do Nascimento

Cassiano, j. em 29.10.03, 9ª. Câmara Cível). APELO PARCIALMENTE

PROVIDO. UNÂNIME.

Neste julgado, condenou-se a Souza Cruz S.A. a pagar um total de 1.700 salários

mínimos, sendo 500 para a autora T.R.S.P., viúva, e 300 salários mínimos para cada

um dos filhos, levando-se em conta o sofrimento de ambos com relação aos efeitos

do fumo no estado de saúde do falecido L.V., que teria começado a fumar ainda

jovem, com 12 anos de idade, induzido pela propaganda enganosa da demandada,

e foi acometido de câncer de pulmão, doença que o levou à morte em 2000.

351 Op. cit. p. 77. 352 Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.

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A sentença de primeiro grau havia julgado improcedente a demanda.

A fundamentação baseou-se nas máximas de experiência. Vejamos os trechos do

voto do relator (vale a pena conferir na íntegra a decisão brilhantemente

fundamentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul):

Além disso, a prova testemunhal (Ruben Rodrigues, fl. 1051, e Leandro

Reus Cezar, fl 1053) caracterizou também o nexo causal entre o hábito e

dependência química de fumar e o dano causado ao falecido pai e marido

dos autores, eis que tais testemunhas asseguraram que o falecido era

considerado fumante pesado, e tinha preferência pela marca “Hollywood”.

Caso tivesse sido feita, pela ré, a prova da não existência do nexo causal, a

lide poderia ter resultado em morte súbita, por carência de ação, face à

eventual impossibilidade jurídica do pedido dos autores. Reforço o

entendimento a respeito da formação do nexo causal, com as regras de

experiência comum que formei na minha vida profissional iniciada, como

magistrado, em agosto de 1982, bem como pelos anos vividos em contínua

convivência com viciados em cigarro, que iniciou bem antes de ingressar na

carreira jurídica. Observei, nestes anos todos, a dependência que causa o

tabagismo e as consequências na saúde dos usuários, sendo que, na

própria família, convivi com fumantes inveterados que consumiam até três

maços de cigarro por dia. Observei, em todos esses anos de vida, a

preferência que tinham a respeito de determinadas marcas de cigarro e, por

isso, não fico admirado com a escolha dos litigantes em acionar esta ou

aquela indústria fumageira, pois, conforme o gosto pelo cigarro, somente

fumavam outras marcas caso não tivesse disponível para venda a preferida.

E com base nas lições invocadas de José Carlos Barbosa Moreira, o relator

pondera: “As regras de experiência, enfim, demonstram que o exame do nexo

causal pode ser ampliado pelo que se tem conhecimento da vida, relativamente ao

uso do cigarro, o mal que tem causado aos seus usuários e que estão a nos rodear,

trazendo consequências maléficas irreversíveis em muitos casos. Tudo pelo uso

inadequado dos dependentes químicos e psíquicos, sem que haja qualquer

responsabilização das indústrias fabricantes de cigarros, que apenas lucram com o

seu agir e em nada contribuem para amenizar o mal que causam à saúde pública

deste País”.

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O Superior Tribunal de Justiça, contudo, reformou a decisão, tendo afastado a

indenização, embora em discussão não tão aprofundada, por não entender

configurado o nexo causal, por Acórdão transitado em julgado em 24 de junho de

2010 (REsp nº 703575. Rel. Min. Honildo Amaral Castro Filho).

3.6.4. PROVA PRIMA FACIE.

Nesse cenário, aponta João Carlos Pestana de Aguiar, que as máximas de

experiência são fonte da chamada prova prima facie, teoria surgida na Alemanha ao

limiar deste século, por obra de Rumelin.353

A chamada prova prima facie, prossegue o autor, consiste na formação do

convencimento do juiz através de princípios práticos da vida e da experiência

daquilo que geralmente acontece (id quod plerumque accidit). Embora seja um juízo

de raciocínio lógico formado fora dos elementos de prova constantes nos autos, não

se pode afirmar que se trata de um juízo baseado na ciência privada. É sobre certo

ângulo de visão, uma exceção à regra do quod non est in actis non este in mundo,

mas que se forma por meio de noções pertencentes ao patrimônio cultural comum,

eis que se sustém naquilo que de ordinário acontece354.

Na visão de Fredie Didier Jr., com fundamento em Leo Rosemberg, a prova prima

facie é o resultado de uma presunção judicial (atividade mental) que se constrói a

partir da experiência da vida, à luz do que normalmente acontece355. É aquela que

se constrói a partir de um raciocínio judicial arrimado em regras de experiência.356

353 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. IV – Arts. 332 a 443. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 77. 354 Op. cit. p. 79. 355 Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “Embargos monitórios. Contratos de desconto de duplicatas. Preliminar de carência de ação. Petição inicial instruída com prova documental suficiente à demonstração prima facie da existência do crédito em cobro. Art. 1.102-A do CPC. Preliminar rejeitada. Impugnação da taxa de juros pactuada. Art. 192, § 3º, da CF. Norma de eficácia limitada. Não aplicação. Lei da Usura. Não incidência sobre os contratos bancários. Súmula 596 do STF. Apelo não provido” (Apelação nº 9172758-51.2008.8.26.0000. Rel. Des. Rômulo Russo). 356 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 66.

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Parte-se, portanto, da ideia de que alguns setores da experiência produzem com

certa regularidade eventos típicos que, considerados à luz das máximas de

experiência, permitem extrair conclusões acerca do fato que se queira provar.

Por tais motivos, costuma-se dizer que as regras de experiência geram a chamada

prova prima facie.357

3.7. O DEVER DE DECIDIR E A ANALOGIA, OS COSTUMES E PRINCÍPIOS

GERAIS DE DIREITO. A APLICAÇÃO DA LEI.

Não obstante as minúcias da analogia e demais temas deste tópico serem

analisadas no capítulo seguinte, introduz-se o tema neste momento, de modo

cronológico, por força da disposição do artigo 126, do CPC.

O artigo 126, do CPC, estabelece, na lição do professor Arruda Alvim, três regras

fundamentais da atividade jurisdicional: 1º) a da obrigatoriedade do juiz decidir lato

sensu – o juiz é jugulado pelo sistema a proferir despachos de mero expediente,

despachos que não sejam de mero expediente, a emanar decisões interlocutórias e

finalmente a sentenciar, seja julgado o mérito ou não; 2º) ademais, em decidindo,

desde o limiar do processo, até o seu término, haverá de fazê-lo fundamentalmente

e 3º) ainda, se porventura, o sistema jurídico positivo não contiver precisão expressa

da hipótese, faltante a norma escrita o juiz deverá socorrer-se da analogia, se,

contudo, inexistir norma análoga, passará o juiz a perquirir se está subsumível ou

não à norma costumeira e finalmente, se não conseguir solucionar o problema pela

357 Nesse sentido, é oportuna a lição do Tribunal de Justiça do Paraná: “A essência das presunções de fato, a denominada prova prima facie, é assim fixada pelo genial Chiovenda: "Quando, segundo a experiência que temos da ordem normal das coisas, um fato constitui causa ou efeito de outro, ou de outro se acompanha, nós, conhecida a existência de um dos dois, presumimos a existência do outro. A presunção equivale, pois, a uma convicção fundada sobre a ordem normal das coisas e que dura até prova em contrário. Sem dúvida, nas ações de indenização, o fundamento do direito não é o simples fato do réu, mas o fato culposo ilícito, e, portanto, cabe ao autor provar a culpa e não ao réu a ausência de culpa. Mas isto não quer dizer que o juiz não possa, recorrendo às máximas da experiência, e por meio de uma presunção de fato ou natural, considerar que existe o grau de probabilidade necessário para supor verificado um fato (culposo ilícito), e com ele realizada a sua prova (prova prima facie), prova essa que tem importante missão no campo da culpabilidade e do nexo de causalidade, segundo a observação de Adolfo Schönke...". 2 Ora, quando a situação normal, adquirida, é a ausência de culpa, o autor não pode escapar à obrigação de provar toda vez que, fundadamente, consiga o réu invocá-la. Mas se, ao contrário, pelas circunstâncias peculiares à causa, outra é a situação-modelo, isto é, se a situação normal faz crer na culpa do réu, já aqui se invertem os papéis: é ao responsável que incumbe mostrar que, contra essa aparência, que faz surgir a presunção em favor da vítima, não ocorreu culpa de sua parte. Em tais circunstâncias, como é claro, a solução”. Apelação nº 845.915-4. Rel. Des. Albino Jacomel Guerios.

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analogia e se, inexistir costume, ingressará o julgador no campo dos princípios

gerais do direito.358

Por esta razão fala o professor Arruda Alvim que o artigo 126, do CPC, estabeleceu

uma hierarquia de utilização obrigatória.359

Disposições similares constam em outras leis ordinárias federais, tais como a Lei de

Introdução às Normas de Direito Brasileiro (artigo 4º)360; Código de Processo Penal

(artigo 3º)361; e Consolidação das Leis do Trabalho (artigo 8º)362.

Leva-se, pois a que não se admita o non liquet – ou seja, o não decidir do

magistrado diante de eventual alegação de inexistência de norma regente à espécie,

seja processual, seja material.

Nesse sentido, o professor Arruda Alvim conclui que a obrigação do Estado-juiz

decidir encontra sua causa final na sentença de mérito, ou seja, naquela sentença

que, apreciando a lide e as questões levantadas pelo réu, definitivamente suprima

da sociedade o conflito de interesses subjacente à lide. Esta é a finalidade normal do

processo, e, precipuamente, para isso foi ele criado pelo sistema jurídico.363

E prossegue lecionando:364

Resulta, portanto, que o juiz decide sempre num processo; é este o

elemento fundamental de trabalho do juiz, auxiliado pelas partes. Inexiste

decisão fora do processo. Segue-se disto, porém que envolvendo o

processo uma discussão, que incumbe ao juiz decidir todas as questões

358 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 114/115. 359 Op. cit., p. 116 360 Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 361 Art. 3o A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. 362 Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. 363 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 120. 364 Op. cit., p. 120.

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processuais, lato sensu (incluindo os pressupostos processuais e condições

da ação), bem como, a final, o mérito. A palavra decidir, portanto, existente

no art. 126, haverá de ser entendida no seu sentido real, qual seja de que o

juiz deve proferir tantas decisões, quantas necessárias sejam, no processo,

sempre teleologicamente voltado à ratio essendi do processo, onde exercita

a sua função. Neste sentido, portanto, podem-se considerar as várias

decisões de um processo como tributárias e subordinadas à finalidade

última, do processo, que á prolação da sentença final de mérito.

No entanto, adverte o professor Arruda Alvim, que o juiz somente poderá decidir do

mérito desde que ocorrentes os pressupostos específicos, pois, do contrário, será

obrigado a não decidir o mérito, pondo ao processo fim, sem resolver a questão

fundamental, ou a lide. A tanto é obrigado pela sua subordinação ao ordenamento

jurídico de um modo global, servindo-se da clássica frase de Stammler – quando

alguém aplica um artigo do Código, aplica todo o Código.365

Dito isto, e muito embora o presente trabalho busque somente a análise da

formação do convencimento do magistrado, deve-se tratar aqui também, somente

para fins de diferenciação e delimitação, ainda que brevemente, da questão da

aplicação da lei.

O juiz deve, indubitavelmente, aplicar a lei quando formar sua convicção, tendo em

vista o disposto no artigo 97 da Constituição Federal366, e na Súmula vinculante nº

10 do Supremo Tribunal Federal367 (muito embora alguns autores tratem desta

questão com flexibilidade quando estão, por exemplo, diante das provas ilícitas e

sua admissibilidade), não lhe cabendo inovações legislativas.

A função da criação da lei cabe somente ao Poder Legislativo. Ao juiz fica reservada

sua interpretação e aplicação.368

365 Op. cit., p. 120. 366 Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão

especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. 367 Súmula Vinculante 10. Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário

de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. 368 Nesse sentido, escreve Sérgio Bermudes, que “a criação da lei não é função do juiz, preso ao dever formal de obrar, que está à base da sua função específica, como ensina Pontes de Miranda, o maior jurista do Brasil, acentuando, em comentário ao citado artigo 126, que o juiz é o funcionário que não tem o direito de duvidar ou de, ainda diante da mais monstruosa incorreção do texto legal, escusar-se de despachar ou sentenciar no

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A atividade que o juiz exerce é puramente vinculada369 – seu comportamento, a

forma dos atos que realiza, e sua conduta vem disciplinadas na lei processual,

contudo seu raciocínio é discricionário, podendo-se formar com os mais

diversificados elementos.

Nesse contexto, a possibilidade de ocorrência de decisão judicial contrária à lei deve

ser vista na forma como lecionou Carlos Maximiliano, sendo que a função do juiz,

quanto aos textos, é dilatar, completar e compreender, porém não alterar, corrigir e

substituir. Pode melhorar o dispositivo, graças à interpretação larga e hábil, porém

não negar a lei, decidir o contrário do que a mesma estabelece. A jurisprudência

desenvolve e aperfeiçoa o direito, porém como que inconscientemente, com o intuito

de o compreender e bem aplicar. Não cria, reconhece o que existe, não formula,

descobre e revela o preceito em vigor adaptável à espécie.370

Ou seja, não se pode admitir que o juiz decida contrariamente à lei (e aqui

novamente frisa-se que há posicionamento em sentido contrário, admitindo

flexibilização desta questão). Não significa que o magistrado deve estar alheio à

sociedade. Sopesará toda sua formação e anseios quando formar sua convicção,

em etapa anterior à aplicação da lei propriamente dita.

Tanto é que se estudará a partir do capítulo 5, o modo como a movimentação social,

os ideais, e a cultura afetam esta formação da convicção, mas nunca poderão servir

de motivação para o juiz deixar de aplicar a lei, ou modificar lhe o sentido, a ponto

de atender necessidades momentâneas ou de minorias (muito embora não se negue

também a existência de ativismo judicial em alguns casos).

processo. Eis por que, atuando fora da lei ou contra ela, para cortejar a opinião pública, o juiz a desobedece, fazendo ilícita a função jurisdicional. Não se concebe possa ele, no estado democrático, desobedecer à lei, regularmente elaborada segundo as regras de criação da norma, para sobrepor-lhe a opinião da rua. A compreensão disto dará razão à máxima romana: Somos servos da lei para que possamos ser livres”. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-jun-25/juiz-nao-desobedecer-lei-favor-opiniao-ruas 369 Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: "atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma". Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 266-267. 370 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 65.

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160

Passamos, com isso, após este estudo que tratou do convencimento e suas regras

pertinentes, da valoração da prova.

3.8. VALORAÇÃO DA PROVA.

A valoração da prova371 consiste na avaliação da capacidade de convencer, de que

sejam dotados os elementos de prova contidos no processo372.

Como visto acima, o juiz apreciará livremente a prova, ficando vinculado a motivar

suas decisões, com os limites vistos acima (provas produzidas nos autos, sendo-lhe

também vedado decidir de forma diametralmente contrária às provas produzidas;

decisão contrária à lei etc.).

O juiz aprecia os elementos probatórios, menos considerando aprioristicamente as

fontes ou meios de prova como categorias abstratas e mais sob a influência que

cada prova efetivamente produzida possa exercer sobre seu espírito crítico (esta

será a tônica explorada nos capítulos seguintes).

Aqui reside a característica do subjetivismo na apreciação da prova, na lição do

professor Arruda Alvim vista linhas acima.

A regra do livre convencimento provavelmente representa o mais importante entre

todos os pilares do direito probatório.

371 A valoração da prova é explicada por Lourival Vilanova da seguinte maneira: “Quando estendemos o âmbito de incidência de uma norma jurídica, passando dos casos previstos para os casos não previstos, fazemos a seleção valorativa da norma que vai exercer o papel de premissa maior (tomando o argumento como silogismo num sentido amplo). Depois, para construirmos a premissa menor, onde se afirma a semelhança, tomamos posição valorativa. Valoramos a semelhança como relevante, separamos certas notas como essências e pomos entre parênteses notas dessemelhantes” (As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo:

Editora Max Limonad, 1997, p. 252). 372 Não obstante alguns julgados tragam a distinção entre avaliação e valoração da prova, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DISTINÇÃO ENTRE VALORAÇÃO E AVALIAÇÃO DA PROVA. Se o tribunal a quo aplica mal ou deixa de aplicar norma legal atinente ao valor da prova, incorre em erro de Direito, sujeito ao crivo do recurso especial; tem-se um juízo acerca da valoração da prova, quando, por exemplo, se discute a propósito da validade de contrato de compra e venda de imóvel ajustado verbalmente. O que, todavia, a instância ordinária percebe como fatos da causa (ainda que equivocadamente) resulta da avaliação da prova, que não pode ser refeita no julgamento do recurso especial. Espécie em que a reforma do julgado demanda a reavaliação da prova, inviável nesta instância. Agravo regimental desprovido” (AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 117.059 – PR. Rel. Min. Ari Pargendler) e também AgRg no REsp 1174621 RJ 2010/0005121-3. Rel. Min. Laurita Vaz.

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Esta regra tem por premissas a necessidade de julgar segundo as imposições da

justiça em cada caso e a consciência da inaptidão do legislador a prever tão

minuciosamente todas as situações possíveis, que lhe fosse factível editar tabelas

tarifárias indicando o valor probatório de cada fonte ou meio de prova, em cada

situação imaginável.

Contudo, nessa valoração da prova, não há que sopesar como se disse, apenas as

provas em espécie, mas considerar que existem elementos extraprocessuais postos

à disposição do juiz no sistema, que são informados pela filosofia, pela lógica,

ciências que guardam estreita relação com o direito, vez que também, a convicção

do juiz não está desvinculada de um critério de subjetividade373 (este critério se

pretende ser estudado com elementos dados pelas ciências afins no capítulo 4 em

diante).

O festejado Moacyr Amaral Santos374, em sua célebre obra, indica estes elementos

quando explica as máximas de experiência, chamando-os de noções extrajudiciais

para a formação da convicção do magistrado:

O juiz, como homem culto e vivendo em sociedade, no encaminhar as

provas, no avaliá-las, no interpretar e aplicar o direito, no decidir, enfim,

necessariamente usa de uma porção de noções extrajudiciais, fruto de sua

cultura, colhida de seus conhecimentos sociais, científicos, artísticos ou

práticos, dos mais aperfeiçoados aos mais rudimentares. São as noções a

373 Esta questão se dá em dois momentos, como informa a jurisprudência: 1) O Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “2. A fixação da pena base é um processo judicial de discricionariedade juridicamente vinculada visando estabelecer sanção suficiente e necessária para prevenção e reprovação do delito. E o juiz detém margem para externar a convicção íntima não totalmente imune ao subjetivismo, que deve ser tolerado quando o somatório da avaliação das circunstâncias judiciais apresente justificação bastante para a quantificação da pena base acima do mínimo legal”. APR 2427220098070001. Rel. Des. João Timóteo de Oliveira; e 2) o Superior Tribunal de Justiça: “10 - Ainda que assim não fosse, quanto ao valor da indenização, não obstante o grau de subjetivismo que envolve o tema, uma vez que não existem critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, reiteradamente tem se pronunciado esta Corte no sentido de que a reparação do dano deve ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro lado, enriquecimento indevido. Com a apreciação reiterada de casos semelhantes, concluiu-se que a intervenção desta Corte ficaria limitada aos casos em que o quantum fosse irrisório ou exagerado, diante do quadro fático delimitado em primeiro e segundo graus de jurisdição (REsp. 331.221/PB, relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 04.02.2002, e REsp. 280.219/SE, relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 27.08.2001). Em consequência, a 3ª Turma deste Tribunal assentou o entendimento de que somente se conhece da matéria atinente aos valores fixados pelos Tribunais recorridos quando o valor for teratológico, isto é, de tal forma elevado que se considere ostensivamente exorbitante, ou a tal ponto ínfimo, que, em si, objetivamente deponha contra a dignidade do ofendido. Não é o caso dos autos, em que houve a fixação do valor de indenização por dano moral, em R$ 10.000,00 (dez mil reais), para o dano decorrente de acidente automobilístico, consideradas as circunstâncias do caso e as condições econômicas das partes”. REsp nº 157.611 – SC. Rel. Min. Sidnei Beneti. 374 Primeiras linhas de direito processual civil. 29ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. II, p .337.

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que se acostumou, por iniciativa do processualista STEIN, denominar

máximas de experiência, ou regras de experiência, isto é, juízos formados

na observação do que comumente acontece e que, como tais, podem ser

formados em abstrato por qualquer pessoa de cultura média.

A propósito, o renomado jusfilósofo Miguel Reale, inaugura sua obra Lições

Preliminares de Direito375, já indicando o paralelismo entre o direito e as ciências

afins na formação da convicção do magistrado, quando afirma e posteriormente

questiona-se que “a quarta missão da nossa disciplina consiste em localizar o Direito

no mundo da cultura no universo do saber humano. Que relações prendem o Direito

à Economia? Que laços existem entre o fenômeno jurídico e o fenômeno artístico?

Que relações existiriam e ainda existem entre o Direito e a Religião? Quais os

influxos e influências que a técnica e as ciências físico-matemáticas exercem sobre

os fatos jurídicos? E encerra: “É preciso que cada qual conheça o seu mundo, o que

é uma forma de conhecer-se a si mesmo”.

No estudo das relações entre direito e cultura, o jusfilósofo utiliza-se do conceito do

“dado” e do “construído”, afirmando que o dado seria o elemento natural e o

construído, aquele que o homem acrescenta à natureza, através do conhecimento

de suas leis visando a atingir determinado fim376.

Neste mesmo raciocínio, utilizado agora para o sistema da produção da prova –

convencimento - decisão, considerando-se a lei, os elementos probatórios, que são

aqui compreendidos como “dado” o juiz formará seu conhecimento a partir destes

elementos (considerando também a subjetividade do ato de decidir como lembra o

professor Arruda Alvim377) e proferirá decisão, que é aqui compreendido como

“construído”.

A análise pormenorizada da interação das ciências afins do direito com a decisão

judicial e a formação da convicção, bem como o estudo dos elementos integradores

da norma jurídica (analogia, costumes e princípios gerais de direito), dicotomia entre

elementos extraprocessuais internos e externos serão reservados ao capítulo 4.

375 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 9/10. 376 Op. cit. p. 24. 377 Comentário ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 239.

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3.9. A CONVICÇÃO E O PL Nº 8.046/2010. ATOS, DIREITOS, DEVERES,

IMPEDIMENTOS E SUSPEIÇÃO DO JUIZ. A LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA,

MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA, DEVER DE DECIDIR E VALORAÇÃO DA PROVA

NO PROJETO.

Tratemos agora, antes de prosseguir, das previsões e inovações do Projeto acerca

dos temas tratados no Capítulo 3.

Os atos do juiz, anteriormente previstos no artigo 162, do CPC, agora são trazidos

no artigo 203, do Projeto, sob a nomenclatura pronunciamentos do juiz.

Algumas modificações podem ser observadas à primeira vista. A alteração da

nomenclatura “atos” por “pronunciamentos” do juiz parece mais acertada e mais

técnica à atividade desempenhada pelo magistrado no processo.

Esse tecnicismo é evidenciado gramaticalmente, uma vez que o ato é tido como

exercício da faculdade de agir, ou seu resultado378, e o pronunciamento já é ligado à

manifestação de opinião, emissão de juízo de valor, declaração, condizente com

atividade despendida no processo.379

A redação do conceito de sentença também se modernizou e está mais técnico. O

conceito da decisão interlocutória é agora trazido por exclusão ao de sentença. Os

despachos pouco se alteraram conceitualmente, ao passo que os atos meramente

ordinatórios permanecem idênticos (vide apêndice – quadro 3.1).

Contudo, para efeito deste capítulo, a primeira grande alteração do Projeto fica por

conta da fundamentação e motivação das decisões judiciais.

Em primeiro lugar, o artigo 11 do Projeto copia quase a literalidade do que dispõe o

artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.380

378 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ªed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 336. 379 Op. cit., p. 2311. 380 Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

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Além disso, o Parágrafo único, do artigo 499, do Projeto, agora indica (a contrário

senso) os requisitos, as condições, para que se considere uma decisão

fundamentada.

Tratam-se de imperativos que impõem tanto ao Legislativo, quanto ao Judiciário

velarem para que a exigência da motivação seja efetivada em seu mais alto grau de

otimização, ainda mais porque esta garantia não se dirige somente à sentença, mas

a todo ato decisório do Poder Judiciário.

Essa inovação evidencia a obrigatoriedade de o magistrado manifestar-se sobre

todos os argumentos das partes que infirmem ou confirmem a tese que adotou para

resolver o caso.

Nesta análise perfunctória, leciona Beclaute Oliveira Silva, que se percebe que o

termo fundamentar evoca a ideia de fundamento, de motivo ou de razão, de

explicação, de justificação e de demonstração. Mais. A lista (dos incisos do

Parágrafo primeiro, do artigo 499, do Projeto) não é exaustiva. Para cada significado

a que a expressão remete, há referência a outros conceitos que necessitam de

densificação. A fundamentação é categoria que não existe abstratamente só. Ela

positiva valores (justiça, segurança jurídica etc.), mas necessita sempre do concreto.

E a concreção sempre exige complementação, que normalmente não é

determinada, mas determinável.381

Através desta modificação382, surgiu o texto que estipula o que não é uma decisão

fundamentada: uma tentativa de indicar caminhos para a efetividade da

fundamentação.383

381 Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador:

Editora JusPodium. 2013, p. 195. 382 A propósito, ensina André Vasconcelos Roque, com base em Barbosa Moreira, que a doutrina já há muito tempo aponta que as principais finalidades do dever de motivação das decisões judiciais estava na contenção do arbítrio judicial. Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo

Civil. Salvador: Editora JusPodium. 2013, p. 252. 383 Nesse sentido, explica Beclaute Oliveira Silva, que até hoje coube ao Poder Judiciário, destinatário da norma de estrutura que ordena a fundamentação, definir os contornos de uma decisão fundamentada. Para isso, muitas vezes, fez-se uso da denominada, mas rechaçada por muitos fundamentação per relationem, que ocorre quando

o julgador, em vez de construir as razões que o levaram a decidir acerca de uma questão em sentido amplo, prefere se reportar a decisão anteriormente produzida. A casuística da fundamentação per relationem pode ser assim resumida: a) o Tribunal adota como seus fundamentos da decisão de 1º grau rechaçada; b) o Magistrado

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Interessante notar que o legislador projetista não pretende dizer o que é

fundamentação. Apenas aponta para o que não considera uma decisão

fundamentada. Cria para isso uma norma de estrutura que irá balizar a conduta do

Magistrado, no ato de produzir a decisão judicial. Antes não havia tal parâmetro,

ficando ao Judiciário a aptidão de, no caso concreto, estabelecer o que era ou não

uma decisão fundamentada, atentando para uma melhor e máxima efetivação da

garantia constitucional (vide apêndice – quadro 3.2).

Oportunamente, deve-se destacar que tal dispositivo poderá ser reputado

incompatível com a Constituição, já que estabelece parâmetros e limites para o

julgador, não presentes no texto Supremo. 384

Com relação aos direitos e deveres do magistrado, houve alterações substanciais.

Jamais, em nossa história, se viu um Projeto de lei que atribuísse ao magistrado

tantos deveres.

O parecer apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira, assim coloca a questão:

A disciplina dos poderes do juiz foi alvo de muitas críticas, sobretudo em

razão de ela supostamente aumentar excessivamente o papel do órgão

jurisdicional na condução do processo. De fato, alguns ajustes hão de ser

feitos. Em primeiro lugar, é preciso melhorar a redação da cláusula geral

executiva. O § 5.º do art. 461 do CPC em vigor já a prevê desde 1994.

Trata-se de enunciado bastante conhecido e aplicado, portanto. O projeto

oriundo do Senado Federal transfere essa cláusula para o rol dos poderes

do juiz, o que é tecnicamente correto. Mas tal transferência se deu com

alteração da redação do enunciado, que o deixou prenhe de imprecisões

capazes de dar margem a arbitrariedades. Assim sendo, este Relatório-

Geral propôs uma nova redação para o inciso III do art. 118 na versão do

projeto. Em segundo lugar, é preciso eliminar o poder de determinar o

adota como seus motivos apresentados por outro juízo – inclusive os que remetem à jurisprudência ou à súmula; c) o Magistrado adota como suas as razões produzidas por qualquer das partes ou manifestação do MP; d) decisão em juízo de retratação; e) a hipótese do artigo 285-A, do CPC (Novas Tendências do Processo Civil.

Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Editora JusPodium. 2013, p. 195/196). 384 Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador:

Editora JusPodium. 2013, p. 197/198.

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pagamento imediato da multa fixada liminarmente: isso porque a regra é

incompatível com o sistema de execução de multa fixada provisoriamente,

além de dar azo a inúmeras iniquidades. Finalmente, é preciso colocar,

neste rol, o poder-dever de velar pela igualdade das partes.

Parcela da doutrina afirma haver grande polêmica acerca dos poderes do

Magistrado concedidos em demasia.

Afirmam estes autores que se permite ao juiz dilatar os prazos e alterar os meios de

prova adequando-os à necessidade do conflito, há um excesso de privilégio à

atividade criativa do juiz, além de uma valorização colocada como excessiva da

jurisprudência.

Enfim, apontam uma série de conteúdos normativos que podem ser apontados como

componentes de uma linha teórica de supervalorização do papel dos juízes e

aceleração da decisão secundum conscientiam.385

Contudo, Fredie Didier Jr. faz forte crítica a tal posicionamento, defendendo o texto

do Projeto, enaltecendo seu cunho democrático, definindo-o como “Código das

partes” (em resposta à revista Veja e ao professor Antônio Cláudio da Costa

Machado):386

Este Código, no futuro, será inevitavelmente apelidado de “Código das Partes”.

Basta lê-lo sem pré-compreensões, que isso se revela com muita clareza. Não é fácil

elaborar um código em regime democrático. Como podem opinar, todos sempre

terão algo para divergir e criticar. O projeto não pode ser chamado de autoritário

porque não se concorda com alguns de seus dispositivos – que são, por óbvio,

opções políticas construídas pelo debate parlamentar. Eu mesmo tenho as minhas

críticas: há muita coisa que eu não colocaria no projeto. Mas isso é bom; melhor: é

fundamental. O simples fato de que ninguém está totalmente satisfeito é o quanto

basta para demonstrar que este projeto é resultado de um processo legislativo

democrático. Como não estamos acostumados com isso, não sabemos reconhecer

essa grande qualidade.

Com relação aos deveres, deve-se respeitar a jurisprudência e mantê-la estável,

assim como a previsão de julgamento de causas repetitivas.

385 Op. cit., p. 465/467. 386 Disponível na íntegra em: https://www.facebook.com/FredieDidierJr?ref=ts&fref=ts. Acesso em 13/06/2013.

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Há dever de prevenir as partes sobre defeitos processuais, evitando, com isso,

decisões de inadmissibilidade mesquinhas e desnecessárias; dever de ouvir as

partes sobre qualquer ponto relevante para a sua decisão, mesmo que se trate de

ponto a respeito do qual poderia conhecer de ofício – versão substancial do

contraditório (conforme artigos 8º a 10 do Projeto, na tabela do capítulo 1, item 1.5).

Os poderes instrutórios sofreram uma reorganização, mantendo-se a livre

apreciação motivada da prova, reforçando sobremaneira a ideia de

fundamentação da decisão (vide apêndice – quadro 3.3).

As causas de impedimento e suspeição pouco se alteraram.

Além da atualização gramatical do texto, incluiu-se como causa de impedimento do

juiz, a atuação em processo de instituição de ensino que o empregue (vide apêndice

– quadro 3.4).

Com relação à suspeição, as novidades ficaram somente por conta de pequenas

alterações do texto, sem grandes significados substanciais.

Há vedação expressa da criação de causa superveniente de impedimento do juiz.

A paridade de tratamento e demais deveres do artigo 125, do CPC, estão agora

previstos no artigo 7º do Projeto de maneira mais ampla (afinal, como se viu no

capítulo 1, item 1.5, há nítido enfoque constitucional do processo no Projeto):

Art. 7º. É assegurado às partes paridade de tratamento no curso do

processo, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório.

As máximas de experiência, previstas no artigo 335, do CPC, também não se

alteram no Projeto, sendo agora previstas no artigo 381 (vide apêndice – quadro

3.5).

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4. ELEMENTOS PROCESSUAIS E EXTRAPROCESSUAIS DA FORMAÇÃO DA

CONVICÇÃO DO MAGISTRADO.

4.1. INTRODUÇÃO E DIVISÃO.

Como foi visto linhas acima, e conforme ensina Moacyr Amaral Santos, a prova tem

por finalidade convencer o juiz quanto à existência ou inexistência dos fatos sobre

que versa a lide, que é o objeto da prova.387

Estes elementos dispostos no sistema foram vistos no capítulo 2, através da teoria

geral da prova, que compõe os fatores processuais formadores da convicção do juiz.

Com efeito, também foi visto, no capítulo 3, que por força do artigo 126, do CPC, o

juiz não poderá se eximir de decidir, nem nos casos em que a lei for lacunosa.

Nestes casos, deverá o juiz se utilizar das regras de integração da norma jurídica.

Exemplificativamente, o eminente Miguel Reale lecionava que a todo instante

apareciam problemas de que os legisladores do Código Civil não haviam cogitado.

Por mais que os intérpretes forcejassem em extrair dos textos uma solução para a

vida, a vida sempre deixava um resto. Foi preciso então, excogitar outras formas de

adequação da lei à existência concreta.388

A necessidade de utilização destas regras de integração é enfatizada também pelo

ilustre Washington de Barros Monteiro, uma vez que não se pode prever, dentro do

universo humano, todas as situações aptas de ocorrência, ou de reflexos na seara

jurídica, lecionando que:389

O legislador não pode mostrar-se dispersivo. Por isso, não consegue prever

todas as hipóteses que virão a ocorrer na vida real. Esta, nas suas

polimorfas e infinitas manifestações, cria a todo instante situações que o

legislador não lograra encerrar ou captar em meras fórmulas legislativas ou

disposições legais. Esse desnível entre a lei e os fatos, entre a previsão do

387 Primeiras linhas de direito processual civil. 29ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. II, p .333. 388 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 277. 389 Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 39.

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legislador e as ocorrências da vida, levou Lacerda de Almeida, a atribuir

“pernas curtas ao legislador”. Mas não é só. Tem este de expressar-se

através de textos genéricos e abstratos. Seus conceitos hão de ser os mais

gerais. Se assim não sucedesse, teria transformado o Código em obra

extensíssima, caracterizada pela prolixidade, em que se acumulariam

preceitos casuísticos, com real prejuízo para a sua clareza, segurança e

inteligência. Devida a esta concisão proposital, inerente ao estilo legislativo,

inúmeras situações fatalmente surgirão, não previstas de modo específico

pelo legislador e que reclamam sua adequação à vida por parte do juiz ou

do jurista.

Estes fatores de adequação utilizados pelo juiz dão a ideia inicial do conceito dos

fatores extraprocessuais da formação da convicção.

Além da atividade de interpretação, cuja necessidade é evidenciada pela lição

acima, e que será analisada abaixo em tópico próprio, didaticamente, pode-se

classificar, portanto, os fatores que formam a convicção do magistrado em

processuais e extraprocessuais.

Na formação da sua convicção, além dos fatores já vistos até aqui, uma vez que não

pode se eximir de julgar o feito por não haver lei aplicável, bem como na apreciação

das provas e na formação da sua convicção, o magistrado indissociavelmente

sopesa seus ideais, a interpretação que faz das leis (uma vez que ela varia de

pessoa para pessoa), levando ainda em consideração as máximas de experiência, a

valoração subjetiva que faz em cada caso, e as influências das ciências auxiliares e

afins do direito, como a filosofia, que são os ditos fatores extraprocessuais (que

conforme será objeto de análise no capítulo seguinte, se dividem em internos e

externos).

Por tais motivos, Fredie Didier Jr, ao tratar das máximas de experiência destaca que

o juiz, como homem culto, no decidir e aplicar o direito, necessariamente usa de

uma porção de noções extrajudiciais, fruto de sua cultura, colhida de seus

conhecimentos sociais, científicos e artísticos ou práticos, dos mais aperfeiçoados

aos mais rudimentares.390

390 Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013. Vol. II, p. 53.

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Já advertia, assim, Moacyr Amaral Santos, com base nos ensinamentos de Athos

Gusmão Carneiro, em sua monumental obra acerca da prova, dando indícios desta

distinção, sob a nomenclatura de prova no sentido objetivo e subjetivo, lecionando

que:391

Se na crença da certeza dos fatos alegados em Juízo está a sua prova no

sentido subjetivo, nos meios admitidos ou impostos pela lei para chegar-se

a esta convicção está a prova no sentido objetivo. Tomada naquele caráter,

a prova é a própria convicção da verdade sobre os fatos alegados, a

“própria certeza da existência positiva ou negativa do fato probando”, “a

certeza da verdade do alegado produzida pela demonstração”, “é a

afirmação da existência positiva ou negativa de um fato”. Tomada neste

caráter, é o meio – pessoa, coisa ou documento – por que a verdade chega

ao espírito de quem a aprecia; são os meios de demonstração da verdade

dos fatos sobre os quais versa a ação.

A prova no sentido subjetivo associa-se aos fatores extraprocessuais, ao passo que

no sentido objetivo aos fatores processuais.

A propósito, outra não é a lição do Desembargador Rui Portanova, do Egrégio

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que nesta toada vai além, e expõe três

ordens de motivação para a sentença judicial: probatória, pessoal e ideológica.

Sobre as motivações pessoais, leciona o jurista que “as contradições, os exageros,

ou as omissões das testemunhas podem embasar com alguma objetividade o

convencimento judicial”. São motivações pessoais: interferências (psicológicas,

sociais e culturais), personalidade, preparação jurídica, valores, sentimento de

justiça, percepção da função, ideologia, estresse, remorsos, intelectualização. 392

De outro lado, como se disse, não se pode negar que o sistema de codificação é por

excelência, escrito e aqui surge a importância da interpretação.

Como sistema processual e legislativo escrito de normas a que o juiz tem à

disposição para a formação da sua convicção, não se pode olvidar os ensinamentos

391 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 10/11. 392 Motivações ideológicas da sentença. 5ª ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2003.

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de Villém Flusser trazidos por Paulo de Barros Carvalho, uma vez que “nada

aconteceu antes da invenção da escrita, tudo apenas ocorria”.

É justamente na dicotomia entre o acontecer e o ocorrer que o filósofo tcheco separa

tudo quanto nos é perceptível tão somente pela intuição sensível que simplesmente

ocorre e se esvai; daquilo que, por meio da linguagem pode ser percebido e então

compreendido pelo homem, isto é, ordenado em condições de tempo e espaço

como realidade, afirma o professor Paulo de Barros Carvalho393.

Portanto, não se pode negar a importância da interpretação, da linguagem e também

da hermenêutica na formação da convicção do magistrado, como aspectos dos

fatores extraprocessuais, e estas ficam evidentes, diante da necessidade de

utilização das ciências afins, para a formação da sua convicção, sistemática que se

coaduna com a disposição do artigo 126, do CPC, artigo 4º, da LINDB, e demais

previsões legais (os extraprocessuais, como se verá adiante, podem ser internos e

externos).

Os elementos processuais, por sua vez, consubstanciam-se nas provas em espécie,

que confrontados com os poderes instrutórios do juiz, tem-se o poder de direção do

processo, cabendo a ele definir quais, dentre todas que o sistema disponibiliza, as

mais adequadas à solução da demanda.

Esta distinção, deve-se entender deste já, é didática, e serve para a demonstração

que nem sempre o juiz está adstrito somente às provas para a solução judicial, mas

lança-se sobre diversos outros elementos presentes na sua vida cotidiana e nas

ciências afins para formar seu convencimento e satisfazer seu espírito.

Dizemos ser didática, pois muitas vezes, senão na maioria (até mesmo por força da

necessidade de fundamentação das decisões), o juiz mescla fatores processuais e

extraprocessuais para a prolação da decisão e para a sua fundamentação.

393 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 152.

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Não obstante sejam conceitualmente distintos, são elementos que se

complementam e integram a formação da convicção.

Examinemos agora cada um destes elementos separadamente.

4.2. FATORES PROCESSUAIS FORMADORES DA CONVICÇÃO.

Temos por fatores processuais, aqueles produzidos tipicamente dentro do processo.

Diz-se isto, pois os fatores extraprocessuais nem sempre estão constantes

expressamente nos autos, como quando, por exemplo, o juiz decide a lide com base

nas máximas de experiência, quando formou seu convencimento por elementos que

não estavam necessariamente nos autos.

Utiliza-se aqui do conceito do professor Moacyr Amaral Santos, acerca da prova no

sentido objetivo, consistindo os fatores processuais nos meios admitidos ou

impostos pela lei para chegar-se a convicção do juiz.394

Como foi visto no capítulo 2, o juiz tem à mão as provas judiciais em espécie para se

valer e formar seu convencimento.

São elas, a prova documental, pericial, testemunhal, inspeção judicial, depoimento

pessoal, confissão e a exibição de documento ou coisa, valendo aqui também as

disposições acerca da prova legal (vista no item 3.6.2).

São os meios ordinários de formação do convencimento, por assim dizer.

Como cada modalidade foi vista extensivamente no capítulo 2, reserva-se a

discussão mais profunda para os fatores extraprocessuais.

394 Prova Judiciária no Cível e Comercial. 3ª ed. São Paulo: Editora Max Limonad, 1968, p. 10/11.

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4.3. FATORES EXTRAPROCESSUAIS FORMADORES DA CONVICÇÃO.

4.3.1. INTRODUÇÃO: DIVISÃO E CONCEITUAÇÃO.

Os fatores extraprocessuais, como dito acima, refletem a cultura e os valores do

magistrado e podem ser internos e externos.

Quando tem relação com os elementos dados pelas ciências afins do direito, tais

como a filosofia, economia, sociologia, entre outras (como evidencia Miguel Reale)

são internos.

Internos, pois, quanto a estes, nem sempre há previsão expressa de incidência na

formação da convicção, muito embora o sistema preveja expressamente normas de

integração do direito, como visto no capítulo anterior (tem-se a ideia de internos em

relação ao sistema).

A propósito, nesse sentido, há algumas evidências no sistema que garantem ao

magistrado a liberdade de interpretação, além das máximas de experiência

anteriormente discutidas. Exemplo disto é o artigo 4º, da LINDB, que expressamente

coloca que ao juiz não é dado deixar de decidir por não haver lei, ou esta ser

omissa.

Com efeito, foi visto que a verdade não é um conceito absoluto e unânime em direito

(especialmente em processo). 395

Há nítida interação entre o fato, prova e o direito.

395 Leciona nesse sentido, o eminente Luiz Guilherme Marinoni, com base na lição de Michele Taruffo, que no processo, a verdade não constitui um fim em si mesma, contudo insta buscá-la enquanto condição para que se dê qualidade à justiça ofertada pelo Estado. Assim, nota-se que a ideia (ou ideal) de verdade no processo exerce verdadeiro papel de controle da atividade do magistrado; é a busca incessante da verdade absoluta que legitima a função judicial e também serve de válvula regulatória de sua atividade, na medida em que a atuação do magistrado somente será legítima dentro dos parâmetros fixados pela verdade por ele reconstruída no processo. Em outros termos, a questão da verdade (e assim, da prova) deve orientar-se pelo estudo do mecanismo que regula o conhecimento humano dos fatos. Processo de Conhecimento. 11ª ed. São Paulo. Editora Revista dos

Tribunais, 2013, p. 300.

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Nessa interação entre fato, prova e direito, oportuna é a lição do eminente Lourival

Vilanova, que ensina que o jurista não pretende, mesmo o mais decididamente

objetivo e neutro ante o fato do direito, conhecer por conhecer. Mesclam-se no seu

ofício o saber teórico e o saber de manipulação. Pode, numa espécie de ascese

intelectual, recurvar-se sobre o seu conhecimento puro: essa, a sua atividade

intencional. Mas, como que se desprendendo dessa linha direciona, lá adiante

retoma o processo sua integridade de aspectos: é a direção preterintencional, que

vai além da intenção original, e vemos como estas suas teorias inserem-se nos

fatos, passando a compô-los.396

Já temos aqui indícios da necessidade do auxílio da filosofia no processo de

interpretação da norma, do qual a formação do convencimento é um dos degraus.

Assim, surge, por consequência, o caráter subsidiário das ciências afins do Direito

como a sociologia e a filosofia, conforme enfoque dado pelo renomado jurista Carlos

Maximiliano, para o magistrado formar seu convencimento e aplicar a norma,

proferindo decisão, sendo este mesmo raciocínio utilizado na apreciação e valoração

da prova:397

O indivíduo inclina-se, num ou noutro sentido, de acordo com o seu

temperamento, produto do meio, da hereditariedade e da educação. Crê

exprimir o que pensa, mas esse próprio pensamento é socializado, é

condicionado pelas relações sociais e exprime uma comunidade de

propósitos. Por outro lado, as ideias emanam do ambiente, não surgem

desordenadamente, segundo capricho ou fantasiado do que lhes dá forma

concreta. São ritmos e movimentos de todos, inclusive os sociais e os das

doutrinas que estes acompanham.

Os extraprocessuais externos ou ideológicos são tidos, por sua vez, e como

evidenciado na lição de Carlos Maximiliano, como aqueles que fazem parte da

formação intelectual do juiz, fatores externos ao direito, da influência que o meio

exerce sobre ele, como se tratará adiante, tendo por base a filosofia.

396 Escritos jurídicos e filosóficos. 1ª ed. São Paulo: Editora Axis Mundi, 2003, p. 415. 397 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 15.

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175

Os fatores processuais externos serão estudados com o auxílio da filosofia no

capítulo 5. Fica reservada aqui a análise pormenorizada dos elementos

extraprocessuais internos, iniciando-se pelas ciências afins do direito.

4.3.2. CIÊNCIAS AFINS DO DIREITO.

O Direito é uma ciência. Apesar de tal classificação, não trabalha sozinho, isolado

das outras ciências.

Uma ciência auxiliar é aquela que funciona como suporte de outra ciência para que

esta cumpra com as suas metas e os seus objetivos.398 Trata-se de disciplinas

científicas que podem complementar uma ciência em alguns casos específicos.

Brevemente, indicam-se algumas relações propostas pelo eminente Miguel Reale

acerca da relação do Direito com algumas das ciências afins: a) Direito e sociologia:

“Pode-se dizer que a Sociologia tem por fim o estudo do fato social na sua estrutura

e funcionalidade, para saber, em suma, como os grupos humanos se organizam e

se desenvolvem, em função dos múltiplos fatores que atuam sobre as formas de

convivência. Suas conclusões são indispensáveis a quem tenha a missão de

modelar os comportamentos humanos, para considerá-los lícitos ou ilícitos”; b)

Direito e economia: “Entre os fins motivadores da conduta humana destacam-se os

relativos à nossa própria subsistência e conservação, tendo as exigências vitais

evidente caráter prioritário. Se o conteúdo dos atos humanos é econômico, a sua

forma é necessariamente jurídica”; c) Direito e cultura: “Cultura é o conjunto de tudo

aquilo que, nos planos material e espiritual, o homem constrói sobre a base da

natureza, quer para modificá-la, quer para modificar-se a si mesmo. É, desse modo,

398 Exemplificativamente, o Superior Tribunal de Justiça, utiliza-se das ciências auxiliares da seguinte forma: “(...) Mas, voltando à origem do princípio, CLAUS ROXIN, ao integrá-lo ao ordenamento, diz que o Direito Penal não deve se preocupar com condutas insignificantes, incapazes de lesar bem jurídico penalmente tutelado, ainda que tipificado. Destarte, a causa supra legal porque não prevista em lei há que ser reconhecida pelo aplicador do direito com modicidade e prudência. E como se olvidar da recente "Teoria das janelas quebradas no Direito Penal"? Ora, tal orientação, que é oriunda dos Estados Unidos da América, vem se alastrando, ligada à criminologia, ciência auxiliar do Direito Penal e que o socorre na identificação de fatores conducentes à prática de crime. E em que consiste tal experiência alçada à teoria auxiliar do Direito Penal? Com efeito, estudo desenvolvido para verificar se pobreza é fator estimulante do crime veio a ser elaborado. Dois automotores foram disponibilizados em bairros distintos, um de classe abastada e outro em periferia pobre. Aqui houve danificação imediata, com pronta subtração de peças e acessórios. Ao outro nada ocorreu, de sorte que a inicial conclusão advinda do estudo desenvolvido foi no sentido de que pobreza, de fato, é fator estimulante ao crime. O estudo aqui não estagnou e por tal razão é que se tornou teoria que ganha relevância” (HC nº 249.512 – SP. Rel. Min. Laurita Vaz).

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o conjunto de utensílios e instrumentos, das obras e serviços, assim como das

atitudes espirituais e formas de comportamento que o homem veio formando e

aperfeiçoando, através da história, como cabedal ou patrimônio da espécie humana.

Homem culto é aquele que tem seu espírito de tal maneira conformado, através de

meditações e experiências que, para ele, não existem problemas inúteis ou

secundários, quando eles se situam nos horizontes de sua existência”. 399

O Direito tem, assim, ampla relação com outras ciências que a auxiliam na precisão

em campos específicos do conhecimento humano.

4.3.3. INTERPRETAÇÃO E CONVICÇÃO.

Os fatores extraprocessuais ditos internos requerem, também, um estudo acerca da

interpretação e da linguagem, uma vez que, como se disse, o direito é um sistema

escrito.

Inicialmente, deve-se estabelecer que por ser um sistema escrito, o Direito está

sujeito à interpretação, e esta interpretação aponta a consequência trazida pelo

professor Paulo de Barros Carvalho, uma vez que o intérprete instaura o fato jurídico

e relata seus efeitos prescritivos, consubstanciados no laço obrigacional que vai

atrelar os sujeitos da relação, como órgão habilitados para o seu exercício,

concluindo que a mesma norma pode incidir sobre acontecimentos diferentes,

produzindo, com isso, fatos jurídicos distintos. Paralelamente, normas diferentes

podem incidir sobre o mesmo suporte fático, engendrando também fatos

juridicamente diversos.400

Por este motivo, ensina o jurista Carlos Maximiliano, que há desproporção entre a

norma legislativa, ou consuetudinária, e o Direito propriamente dito, cuja natureza

complexa não pode ser esgotada por uma regra abstrata. Cabe ao exegeta

recompor o conjunto orgânico, do qual a lei oferece apenas uma das faces401.

399 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 19 e seguintes. 400 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 175. 401 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 9.

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Aponta o mestre uma provável origem da problematização da questão, uma vez que

por mais hábeis que sejam os elaboradores de um Código, logo depois de

promulgado surgem dificuldades e dúvidas sobre a aplicação de dispositivos bem

redigidos. Afinal, uma centena de homens cultos e experimentados seria incapaz de

abranger em sua visão lúcida a infinita variedade dos conflitos de interesse entre os

homens.

Importante advertência fazia o eminente Miguel Reale, lecionando que não se deve

deformar a lei, mas ao contrário, reproduzir a intenção do legislador no momento da

sua decisão. Uma vez verificado, porém que a lei, na sua pureza originária, não

corresponde mais aos fatos supervenientes, devemos ter a franqueza de reconhecer

que existem lacunas na obra legislativa e procurar, por outros meios supri-las.402

Surge então o magistrado, como elo entre as alegações das partes (muitas vezes

externadas por provas orais, documentais e periciais) e a interpretação da situação

fática no complexo jurídico, para então com base nos elementos ali dispostos,

formar seu convencimento, para decidir fundamentadamente resolvendo o conflito

(na forma como determina a Constituição Federal – artigo 93, inciso IX), de maneira

célere e efetiva.

A atividade de aplicação do direito e a formação da convicção do magistrado são,

portanto, atividades de comunicação e de valoração de juízos e fatos, que

apresentam também dois importantes pontos dados pelo professor Paulo de Barros

Carvalho403: i) o direito como sistema comunicacional: “certo é que o direito, tomado

como um grande fato comunicacional, é concepção relativamente recente, tendo em

vista a perspectiva histórica, numa análise longitudinal da linguagem. Situa-se, como

não poderia deixar de ser, no marco da filosofia da linguagem, mas pressupõe

interessante combinação entre o método analítico e a hermenêutica, fazendo

avançar seu programa de estruturação de uma nova e instigante Teoria do direito

que se ocupa das normas jurídicas enquanto mensagens produzidas pela autoridade

competente e dirigidas aos integrantes da comunidade social. Tais mensagens vêm

animadas pelo tom da juridicidade, isto é, prescritivas de condutas, orientando o

402 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 280. 403 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 177.

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comportamento das pessoas de tal modo que se estabeleçam os valores presentes

na consciência coletiva”; e ii) o direito como atividade de valoração (também

estudado por Miguel Reale): “como pondera Tércio, são valores que filtram outros

valores. A ideologia vem se formando com a consolidação de valores em posição de

preeminência, de tal modo que definida a composição desse bloco axiológico, passa

ele a submeter outros valores que pretendam ingressar no sistema de estimativas do

indivíduo, selecionando-o em função de sua compatibilidade com aquela camada

que fundamenta a estrutura. É a experiência de vida de cada um que vai,

paulatinamente, tecendo a configuração desse esquema seletor, em organizações

que podem ser categorizadas e reconhecidas por aspectos peculiares, somente

seus”.

Apontam-se, assim, como elementos extraprocessuais internos formadores da

convicção do magistrado: primeiramente, a lógica e a linguagem (e suas nuances),

uma vez que a compreensão do texto, em vernáculo, pelo magistrado, é

indispensável para que se estabeleça um ponto de partida na formação da

convicção; e em seguida as normas de integração do direito; tais como analogia,

costumes e princípios gerais de direito (dispostos no artigo 126, do CPC, e artigo 4º,

da LINDB) e por fim, se necessário, elementos dados pela filosofia.

Vejamos, antes de ver cada um destes elementos individualizados, a importância da

lógica e da linguagem e onde se originou a preocupação com a linguagem e com a

interpretação no Direito.

4.3.4. O CÍRCULO DE VIENA.

O professor Paulo de Barros Carvalho, aponta, quando leciona acerca da lógica,

língua e linguagem, a necessidade de se tomar noções fundamentais, antes de

prosseguir.

Estas noções fundamentais constituem um escorço histórico acerca de como se

desenvolveu o chamado neopositivismo lógico a partir do Círculo de Viena e do

estudo dos seus membros e participantes, raiz destas preocupações com a

linguagem e estrutura formal do texto.

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O renomado professor aponta que podemos entender a importância essencial que o

movimento do Círculo de Viena atribuiu à linguagem como instrumento de

excelência do saber científico. E, mais ainda, como a própria linguagem vai servir de

modelo de controle dos conhecimentos por ela produzidos. Chegam, por isso, a

proposições afirmativas como esta: compor um discurso científico é verter em

linguagem rigorosa os dados do mundo, de tal sorte que ali onde não houver

precisão linguística não haverá ciência. Na verdade, perceberam os neopositivistas

lógicos que a linguagem natural, com os defeitos que lhe são imanentes, como por

exemplo, a ambiguidade, jamais traduzida adequadamente os anseios cognoscitivos

do ser humano, donde a necessidade de partir-se para a elaboração de linguagens

artificiais, em que os termos imprecisos fossem substituídos por vocábulos novos,

criados estipuladamente, submetendo-se ao processo de elucidação.404

Diversos foram os expoentes que participavam das reuniões do famoso Círculo, tais

como Rudolf Carnap, Hans Hahn, Otto Neurath (fundadores, sob a organização de

Moritz Schlick), Max Planck, Ludwig Wittgenstein, e até mesmo Hans Kelsen em

alguns encontros, entre outros ilustres cientistas de sua época.

A obra de Wittgenstein, o Tractatus Logicus-philosophicus, especificamente, exerceu

grande influência sobre o Círculo, sendo, segundo o professor Paulo de Barros

Carvalho, um marco decisivo na história do pensamento humano.

Leciona o professor:405

Há quem diga que Wittgenstein acreditasse, de maneira apaixonada, que

tudo de importante na vida seria precisamente aquilo sobre o que

deveríamos calar. Seja como for, interessa-me agora a asserção “falar uma

linguagem faz parte da atividade de uma forma de vida”. A nova concepção,

dando origem à filosofia da linguagem ordinária, provocou aquilo que veio a

chamar-se giro linguístico, movimento dentro do qual estamos imersos,

cada vez com maior intensidade, segundo penso.

404 Op. cit., p. 22. 405 Op. cit., p. 26.

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Por estes motivos e pela influência do movimento em questão na filosofia e no

Direito contemporâneo, o ilustre Georges Abboud afirma haver uma alteração no

conceito de verdade jurídica e na relação entre verdade e fundamento, lecionando

que a tradição filosófica cunhou dois tipos de conceito de verdade, um chamado

correspondencial, sendo aquele que acredita ser a verdade o produto da

correspondência da coisa ao intelecto. Nesse novo conceito, a verdade passa a ser

uma construção subjetiva do sujeito cognoscente, possibilitando-se falar em um

conceito subjetivista de verdade. Dito de outro modo, a questão do fundamento

repousa numa dimensão objetivista a priori; e subjetivista a posteriori.406

Estes reflexos estendem-se também ao conceito moderno de sentença, de modo

que ela não é mais um simples ato silogístico407.

Novamente Georges Abboud, amparado na lição de Carlos De La Vega Benayas,

afirma que conceber a sentença como simples silogismo é conceituá-la como um ato

meramente lógico, embasado num paradigma racionalista lógico-matemático, pois

crer que o fato determinado pode simplesmente ser solucionado por lógica é algo

completamente ingênuo. Nesse sentido, conceituar a sentença como silogismo

reduz a atividade judicial a uma operação meramente mecânica orientada pelos

imperativos da lógica. Essa justificativa seria a propensão humana de descansar na

lógica como uma garantia de segurança. O silogismo judicial cria uma atitude

reconfortante para o intérprete, que passa a se iludir ao crer que a lei, ou a súmula

vinculante, traz consigo a norma já pronta para a solução dos casos futuros,

restando ao juiz a simples tarefa de acoplar o suporte fático ao texto normativo. Esse

raciocínio simplista comete o equívoco de confundir texto e norma; dessa forma não

reproduz a realidade e a verdade de uma decisão judicial (sentença), concluindo

com peculiaridade.408

406 Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.

53/54. 407 Na concepção de Lourival Vilanova, o silogismo (Aristóteles) é visto da seguinte maneira: “a sentença mesma, como norma individual, não dispensa a hermenêutica, que incide sobre o sentido objetivo do ato decisório. Mas, o que importa, nos limites estritos da análise do formal-lógico é o seguinte: o processo hermenêutico, que culmina na decisão, pode ser montado como uma estrutura argumental: a premissa maior é a norma geral; a premissa menor, que constata a existência do fato e sua qualificação jurídica (a conformidade ao fato típico, descrito na hipótese, die Tatbestandmaessigkeit) e a proposição conclusiva concreta, como subsunção do indivíduo à classe ou tipo (conjunto) que o abrange”. (As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo.

São Paulo: Editora Max Limonad, 1997, p. 316). 408 Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 71.

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O fato de externamente a sentença judicial revestir-se de aparência lógica,

pela exigência legal do artigo 458, do CPC, de um relatório, uma

fundamentação e um dispositivo, tem contribuído para este superficial

equívoco (de se conceber a sentença como mera subsunção do fato à

norma). Essa estrutura externa, porém, não tem fundamento nem finalidade

lógica, e, sim, meramente prática, porque dessa forma concretiza-se em

uma garantia para as partes como uma facilidade para a interposição do

recurso e seu julgamento pelo tribunal ad quem. A sentença judicial não é

um ato meramente silogístico, pelo contrário, ela é o modelo fundamental na

qual se fundem a compreensão da norma e a sua relevância aplicativa. A

norma é fruto do conhecimento vivo proveniente da atividade interpretativa

criadora do jurista.

Por isto, diz-se a concepção pós-positivista da sentença.

Vejamos agora, primeiramente, dada a importância de se compreender a formação

do convencimento em amplos aspectos, as questões que envolvem a lógica e a

linguagem.

4.3.5. LÍNGUA E LINGUAGEM.

As noções de língua, linguagem e fala são indissociáveis.

Na conceituação do professor Paulo de Barros Carvalho, apoiando-se nos

ensinamentos de Ferdinand de Saussure, afirma-se que a fala consiste no ato

individual de seleção e de atualização, em face da primeira, que é instituição e

sistema: o tesouro depositado pela prática nos indivíduos pertencentes a uma

mesma comunidade, ao passo que a linguagem significa a capacidade do ser

humano para comunicar-se por intermédio de signos cujo conjunto sistematizado é a

língua.409

409 Op. cit., p. 31/32

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Interessante, nessa toada, acrescentar a lição de Lênio Luiz Streck, que faz um elo

entre linguagem, palavras e significação das coisas:410

Note-se: não é nas palavras que devemos buscar os significados do mundo

(ou do direito, para ser mais específico) mas é para significar o direito que

necessitamos das palavras. É para isso que as palavras servem: para dar

significado às coisas! Para haver compreensão, basta que a articulação do

significado dado às coisas (ou ao Direito) esteja provido de sentido. Isto

significa dizer: o Dasein, em seu modo prático de ser no mundo, desde

sempre já se move – compreensivamente – em um todo de significados –

que em ser e tempo recebe o nome de significância – e é desta relação

fática de compreensão afetivamente disposta que brotam as significações

das palavras. Dito de outro modo: articulamos as palavras que temos

disponíveis projetando sentidos a partir desde todo de significados. Ou seja,

o discurso - que é o modo de manifestação da linguagem – é articulado

sempre imerso nesta dimensão de (pré) compreensibilidade da

significância.

A importância da linguagem levou Wittgenstein a elaborar a célebre proposição 5.6.

do Tractatus Logicus-philosophicus: “Os limites da minha linguagem significam os

limites do meu mundo” e também, mais tarde, resultou nas afirmações categóricas

do eminente Tércio Sampaio Ferraz Jr.: “A realidade, o mundo real, não é um dado,

mas uma articulação linguística mais ou menos num contexto social” e “fato não é,

pois, algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma

situação existencial como realidade”.411

A linguagem, para fins deste trabalho, e na visão do Professor Paulo de Barros

Carvalho, é tida como instrumento do saber científico, empregada pelo intérprete

jurídico na constituição do direito positivo.412

Além disso, o Professor Paulo de Barros Carvalho aponta, na lição de Roman

Jakobson, que a linguagem exerce a interação comunicacional, indispensável para

que se estabeleça a comunicação, podendo ser dividida em seis componentes:413

410 Verdade e consenso: Constituição Hermenêutica e as Teorias Discursivas. 4ª ed. São Paulo: Editora

Saraiva, 2011 p. 491. 411 Introdução ao Estudo do Direito, 7º ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 245/253. 412 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 66/67. 413 Op. cit., p. 38

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O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser eficaz a mensagem

requer um contexto a que se refere (ou referente, em outra nomenclatura, algo

ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de

verbalização, um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário

(ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem e,

finalmente, um contato, um canal físico e uma conexão psicológica entre o

remetente e o destinatário, que a capacite a entrarem e permanecerem em

comunicação).

Nessa analogia, o remetente seria o legislador, que “remete” a lei, depois de

promulgada, para vigência; a mensagem, que consistiria na lei em si, no comando

que se pretende impor à sociedade e o destinatário no caso poderá ser tanto o juiz

que irá interpretá-la e aplicar o direito, bem como às partes que se sujeitarão à

decisão judicial, uma vez transitada em julgado.

O contexto, por sua vez, pode ser conhecido como o sistema de normas, sendo que

a lei promulgada que entrar em vigor deve estar de acordo com a Constituição

Federal, e, portanto, “contextualizada”. O Código pode ser compreendido como o

meio pelo qual a lei se impõe e é colocada à observância de toda sociedade, ou

seja, o meio escrito, positivado e finalmente o contato, que é o elemento mais

delicado desta relação, e pode ser assim compreendido como a interpretação

daquele que opera a lei faz, amplamente sujeito ao subjetivismo do intérprete (daí o

motivo de se dizer o mais delicado dos elementos).

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça encampa a tese aqui discutida, e

enaltece a importância da linguagem na decisão judicial e na formação do

convencimento, como se pode conferir no julgamento do REsp nº 1.241.509 – RJ, da

relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão.

São trechos do voto do Ministro relator:

A sua vez o juiz não é uma máquina silogística nem o processo, como

fenômeno cultural, presta-se a soluções de matemática exatidão. Impõe-se

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rejeitar a tese da mecanicista aplicação do direito. [...] Claro, contudo, que a

solução haverá de estar dentro do próprio sistema, pois, nessa matéria,

como visto anteriormente, mostra-se inconveniente a atribuição de ampla

liberdade ao órgão judicial. No domínio do direito processual, aliás, revela-

se particularmente importante o papel do sistema, enquanto capaz de

traduzir e realizar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem

jurídica. Entendimento contrário desviaria a questão do plano metodológico

para situá-la, de forma indesejada, no domínio da simples ideologia, terreno

em que as circunstâncias concretas passam a ter um significado excessivo,

tudo dependendo do contexto geral em que se inserem, consoante subjetiva

valoração atribuída ao status quo. O capricho pessoal, insista-se, não só

poderia pôr em risco a realização do direito material (pense-se na hipótese

de o juiz impedir, a seu bel-prazer, a realização de certas provas) como

também fazer periclitar a igualdade das partes no processo, sem falar na

afronta das garantias fundamentais do cidadão em face do arbítrio estatal.

Nesse aspecto, influi também a excessiva valorização do rito, com

afastamento completo ou parcial da substância, conduzindo à ruptura com o

sentimento de justiça.414

Contudo, o pensar científico, no intuito de precisar a descrição da mensagem

legislada, exige métodos que assegurem a estrutura sintética rígida e bem

organizada, que, no plano semântico caminhem ao encontro de termos dotados de

uma e somente uma significação.

A linguagem, também, leciona o professor Lourival Vilanova, funciona em várias

direções. Ora expressa estados interiores ao sujeito, ora expressa situações e

414 E prossegue no voto: Todavia, esse mesmo sentimento de justiça - apanágio do verdadeiro juiz- pode servir para eliminar a distância entre a abstração da norma e a concretude do caso trazido a juízo. O sentimento do justo concreto conduz ao problema da equidade com função interpretativa-individualizadora. Essa função da equidade constitui recurso normal posto à disposição do operador jurídico no processo de aplicação das normas, com vistas à ponderação das particularidades do caso. Tal entendimento decorre da atividade conatural ao ato de julgar, expressa na compreensão equitativa da regra de lei, e mais amplamente do direito a aplicar no momento da decisão. Parece adequada a imagem de que nessa aplicação da regra legal, do direito tout court, o sistema funcione como uma língua, isto é, como um sistema de regras de uso das palavras da linguagem jurídica na qual se nomeiam os fatos a serem apreciados e julgados. E isso porque os significados expressos na língua jurídica, empregada na aplicação operativa do direito, são tão ambíguos e opináveis como as regras de uso da língua jurídica ditada pelas normas. Nessa perspectiva, o juízo de legalidade constata as características essenciais e comuns, enquanto o juízo de equidade ocupa-se com a compreensão das características acidentais e particulares da hipótese individual verificada, mas sempre levando em conta o sistema em que inserido. Assim, legalidade e equidade apresentam-se como dois aspectos distintos, mas logicamente indissociáveis da linguagem jurídica e do significado dos signos nela empregados, de sorte que convivem numa relação necessária e inafastável, um não existindo sem o outro. No fundo, portanto, verifica-se uma falsa contraposição entre o formalismo excessivo e informalismo arbitrário, já que todos os juízos são ou devem ser mais ou menos equitativos, ou iníquos, segundo o seu grau de compreensão das conotações específicas e diferenciadas da hipótese posta à apreciação do juiz.

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objetos que compõe a textura do mundo externo. Nem sempre funciona com fim

cognoscitivo, como linguagem de objetos. À vezes é veículo de ordens, no sentido

genérico, pretendendo alterar o estado das coisas, outras vezes, faltando a

suficiente parcela de experiência dos objetos, é transmissora de perguntas, à

semelhança da atividade jurisdicional.415

São necessários, portanto, outros elementos para a compreensão deste processo de

formação da convicção no que tange aos fatores extraprocessuais, que serão

estudados a seguir.

4.3.6. A LÓGICA E O DEVER-SER.

A lógica é estudada em seguida à interpretação, uma vez que, conforme leciona o

eminente Lourival Vilanova, a análise lógica vem, historicamente, depois do

conhecimento dos objetos (especialmente o conhecimento científico). E significa

uma reconstrução dos passos dados, numa direção, por assim dizer retrocessiva e

recompositiva do já feito.416

Na visão do professor Paulo de Barros Carvalho, a lógica integra a parte da filosofia

que trata do conhecimento. Entre os gregos, inicialmente, assumiu a feição de arte

ou dom de produzir argumentos de maneira habilidosa, com o fito de organizar a

mensagem, ensejando o convencimento. Evoluiu em seguida, para tornar-se um

conjunto de proposições cujo objetivo ia mais além, oferecendo critérios para a

determinação da própria validade dos esquemas intelectuais que buscavam o valor-

verdade. Tomada como ciência, a lógica consiste num discurso linguístico que se

dirige a determinado campo de entidades.417

Assim, conclui o Professor que diante deste poderoso instrumental descritivo que é a

lógica, o exegeta do direito encontrará racionalidade no discurso jurídico, sendo

capaz, pela utilização das leis e estruturas lógicas a apontar uma infinidade de

características, vícios e contradições no ordenamento normativo.418

415 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Editora Max Limonad. 1997, p. 39 416 Op. cit., p. 42 417 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 67/68. 418 Op. cit., p. 70.

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Oportunamente, o jurista Miguel Reale, bem ressalta a importância da lógica para o

direito, quando leciona que é difícil separar a experiência jurídica das estruturas

lógicas, isto é, das estruturas normativas nas quais elas se processam.419

A lógica só vai existir onde houver linguagem, uma vez que o pensamento humano

encontra-se indissociavelmente jungido a ela, como meio exclusivo de fixa o produto

da atividade cognoscitiva e de transmiti-lo nas situações comunicacionais.

A importância da lógica também é tratada na obra do jurista Carlos Maximiliano, o

qual tece preciosas lições sobre o tema, invocando o direito romano, e indicando

caracteres históricos deste instituto, que desde então é considerado na interpretação

e aplicação da lei:420

O processo lógico tem mais valor do que o simplesmente verbal. Já se

encontrava em textos positivos antigos e em livros civilistas, brasileiros ou

reinícolas, este conselho sábio: “Deve-se evitar a supersticiosa observância

da lei que, olhando só a letra dela, destrói a sua intenção”. Por outras

palavras, o direito romano chegara a conclusão idêntica: declara: age em

fraude da lei aquele que, ressalvadas as palavras da mesma, desatende ao

seu espírito – contra legam facit, qui id facit quod Lex prohibet: in fraudem

vero, qui, salvis, verbis legis, sententiam ejus circumvenit. O Apóstolo São

Paulo lançara na segunda Epístola aos Coríntios a frase que se tornou

clássica entre os jurisconsultos: “A letra mata; o espírito vivifica” – littera

occidit; espiritus vivificat.

A lógica jurídica, por sua vez, na lição do professor Paulo de Barros Carvalho é uma

expressão ambígua, utilizada para mencionar a linguagem prescritiva do direito

posto, mas também empregada para fazer referência à linguagem da ciência do

direito e ao estudo do complexo de formas de argumentação que surpreende o

sentido retórico das comunicações jurídicas.421

419 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 3. 420 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, P. 100/101. 421 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 71.

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Por tais motivos, leciona o saudoso professor Geraldo Ataliba, em brilhante prefácio

à obra do professor Lourival Vilanova: que a lógica jurídica importa ao jurista, quer

na sua atividade profissional prática, quer na sua atividade docente ou de pesquisa

científica – momentos que, fecundamente, se entrelaçam. Também ao prático

interessa. Não que a lógica jurídica venha a ser uma coletânea de regras para bem

manipular o direito positivo, adestrando o jurista profissional no caminho do melhor

êxito. Interessa-lhe porque o ajuda a atuar, realizando o Direito e colaborando para

seu melhor nível científico. Por outro lado, o manuseio dos problemas lógicos não

deixa de ofertar ao profissional a técnica do raciocínio correto, a técnica da

exposição racional na realização do direito. O jurista é par excellence, um homem do

discurso, onde o racional tem sua expressão. Seu mister é colaborar na realização

do direito, sempre argumentando, fundamentando, demonstrando, definindo,

classificando, indo-e-vindo das normas e fatos. Por isso, faz lógica, quer o pretenda,

quer não. 422

A lógica, nesta definição, adverte o professor Paulo de Barros Carvalho, não altera o

ordenamento jurídico, mas serve para descrever em linguagem formalizada,

transformando o objeto cultural, que é o direito positivo, em objetos ideais, próprios

das ciências lógicas, sendo uma ampliação dos horizontes culturais existentes.423

Ressaltemos também, enaltecida a importância da lógica como ciência auxiliar da

formação da convicção judicial e da interpretação do direito, que não se deve,

contudo, incorrer em logicismo.

Trata-se de expressão utilizada pelo professor Lourival Vilanova para designar o

excesso de lógica na aplicação do direito, o que entende ser extremamente nocivo

para o intérprete, dada a dinâmica do direito e das relações sociais.

Leciona o professor: é impotente para escolher a premissa maior, isto é, a

proposição normativa geral. Não é potente para essa seleção, justamente porque

não tem meios para decidir sobre o conteúdo normativo da proposição jurídica.

Digamos que a proposição (protocolar) que determina individualmente o fato e o

422 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Editora Max Limonad. 1997, p. 19. 423 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 69.

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qualifica como juridicamente relevante – como correspondente ao fattispecie legal –

encontre, no sistema de proposições, várias proposições que tenham o mesmo

suporte fático, como ponto de incidência da mesma hipótese, e que difiram quanto

às consequências normativas ligadas a essa mesma hipótese: qual destas

proposições normativas será a premissa maior, onde se subsumir o dado de fato?

Essa seleção guia-se por critérios não formais lógicos, sim por pontos de vista

axiológicos. 424

4.4. A INTERPRETAÇÃO, A HERMENÊUTICA E A APLICAÇÃO DO DIREITO.

A interpretação da norma jurídica é diferente da interpretação nos demais ramos da

ciência (embora a interpretação da lei processual civil não seja diferente das outras

leis em geral).

O eminente Miguel Reale lecionava, com base no ensinamento de Emílio Betti, que

o intérprete do direito, consoante demonstrações convincentes, não fica preso ao

texto como o historiador aos fatos passados, e tem mesmo mais liberdade do que o

pianista diante da partitura. Se o executor de Beethoven pode dar-lhe uma

interpretação própria através dos valores de sua subjetividade, a música não pode

deixar de ser a de Beethoven. No direito, ao contrário, o intérprete pode avançar

mais, dando à lei uma significação imprevista, completamente diversa da esperada

ou querida pelo legislador, em virtude de sua correlação com outros dispositivos, ou

então pela sua compreensão à luz de novas valorações emergentes no processo

histórico.425

A aplicação do direito envolve a adequação de uma norma jurídica a um ou mais

fatos particulares, o que põe o delicado problema de saber como se opera o

confronte entre uma regra abstrata e um fato concreto, para concluir pela adequação

deste àquela ou pela inadequação. Esta função representa o cerne da atividade

jurisdicional, pois é função primordial do magistrado dizer qual é o Direito em

424 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Editora Max Limonad. 1997, p. 317. 425 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 287/288.

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concreto, quando alguém propõe uma ação postulando o reconhecimento de um

interesse legítimo.426

Na lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, só se aplica o que antes se explica. O

termo aplicabilidade tem origem, etimologicamente, no verbo applicare, que, por sua

vez, resulta de ad-plicare. Plicare significa dobrar e o sufixo ad é uma preposição de

acusativo que acompanha as circunstâncias de lugar, proximidade, tanto no sentido

espacial (onde) quando no sentido temporal (quando). Daí o sentido original de

applicare reportar-se à ideia de enroscar, juntar numa certa direção, envolvendo, em

consequência, uma finalidade. Na linguagem jurídica, por isso, aplicar a norma vai

significar pô-la em contato com um referente objetivo (fatos e atos). A aplicabilidade

exige, assim, interpretação.427

A atividade de aplicação do direito, além de pressupor a interpretação, na lição do

jurista Carlos Maximiliano, consiste no enquadrar um caso concreto na norma

jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real; procura

e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras palavras: tem por

objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse

humano.428

Esta adaptação de um preceito o caso concreto pressupõe: a) a crítica, a fim de

apurar a autenticidade e, em seguida, a constitucionalidade da lei, regulamento ou

ato jurídico; b) a interpretação, a fim de descobrir o sentido e o alcance do texto; c) o

suprimento das lacunas, com o auxilio da analogia e dos princípios gerais de direito;

d) o exame das questões possíveis sobre ab-rogação, ou simples derrogação de

preceitos, bem como acerca da autoridade das disposições relativamente ao espaço

e ao tempo.429

Carlos Maximiliano apresenta, nesta lição, dois fatores interessantes que compõe a

necessidade de interpretação da lei.

426 Op. cit., p. 296/297. 427 Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas, 1990, p. 14. 428 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 5. 429 Op. cit., p. 6.

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De um lado há o legislador.

O legislador não tira nada do nada, como se fora um Deus; é apenas o órgão da

consciência nacional. Fotografa, objetiva, a ideia triunfante; não inventa, reproduz,

não cria, espelha, concretiza, consigna.430

De outro o indivíduo, que se inclina, num ou noutro sentido, de acordo com o seu

temperamento, produto do meio, da hereditariedade e da educação. Crê exprimir o

que pensa; mas esse próprio pensamento é socializado, é condicionado pelas

relações sociais e exprime uma comunidade de propósitos. As ideias emanam do

ambiente; não surgem desordenadamente, segundo o capricho ou fantasia do que

lhes dá forma concreta.

E nesse processo de aplicação do Direito, dá o autor a devida importância ao

pensamento humano: “o pensamento humano não se mantém escravo da vontade,

conserva a independência própria; não é apenas individual; eleva-se à altura de

fenômeno sociológico; não representa o trabalho de uma inteligência apenas e, sim,

algo de ilimitado, infinito, o produto do esforço cerebral de séculos, no âmago

encerra conceitos de que o próprio autor aparente não se percebe às vezes”.431

E ao final concluiu que o próprio direito positivo é resultado de ação lenta e reação

oportuna. O ambiente age sobre a inteligência, moderando-a, imprimindo-lhe

caracteres determinados; afinal o indivíduo reage sobre a natureza, dominando-a,

por sua vez, com a sua atividade modificadora, transformadora, indiscutivelmente

eficiente.432

O aplicador do direito extrai da fórmula concreta tudo o que ela pode dar implícita ou

explicitamente, não só a ideia direta, clara, evidente, mas também a indireta, ligada

à primeira por mera semelhança, deduzida por analogia. Eis por que se diz “a lei é

430 Op. cit., p. 18. Por esta razão, o mesmo autor afirma páginas antes que: “ante a impossibilidade de prever todos os casos particulares, o legislador prefere pairar nas alturas, fixar princípios, estabelecer preceitos gerais, de largo alcance, embora claros e precisos” (p. 11). 431 Op. cit., p. 16. 432 Op. cit., p. 17.

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mais sábia que o legislador”; ela encerra em si um infinito conteúdo de cultura, por

isso também, raras vezes, o respectivo autor seria o seu melhor intérprete. 433

Por este motivo, outra não é a lição de Miguel Reale:434

O primeiro dever do intérprete é analisar o dispositivo legal para captar o

seu pleno valor expressional. A lei é uma declaração de vontade do

legislador e, portanto, deve ser reproduzida com exatidão e fidelidade. Para

isto, muitas vezes é necessário indagar do exato sentido de um vocábulo ou

do valor das proposições do ponto de vista sintático.

A hermenêutica435 tem, portanto, por objeto, o estudo e a sistematização dos

processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do

direito436. É, nas palavras de Carlos Maximiliano, a tarefa primordial do executor da

pesquisa da relação entre o texto e o abstrato e o caso concreto, entre a norma

jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito.437

A atividade de interpretação leva à construção.

433 Op. cit., p. 23. 434 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 275. 435 Num sentido bem amplo, segundo o Houaiss, a hermenêutica pode ser compreendida como: “1 ciência, técnica que tem por objeto a interpretação de textos religiosos ou filosóficos, esp. Das Sagradas Escrituras 2 interpretação dos textos, do sentido das palavras 3 teoria, ciência voltada à interpretação dos signos e dos seu valor simbólico...”. Editora Objetiva. 1ª Edição: Rio de Janeiro: 2001, p. 1519. 436 Oportunamente, temos a ilustrativa decisão do Superior Tribunal de Justiça: “HERMENÊUTICA JURÍDICA. SOCIEDADE ANÔNIMA. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DOS ATOS SOCIETÁRIOS EM JORNAL EDITADO NA LOCALIDADE DA SEDE DA EMPRESA. EXTENSÃO DA EXPRESSÃO "LOCALIDADE". 1.- A Lei das Sociedades Anônimas, ao exigir que a publicação dos atos societários se faça não apenas em diários oficiais, mas também em jornal de grande circulação editado preferencialmente na localidade (art. 289), não se referiu ao mesmo município em que sediada a companhia, mas à região em que localizado esse município. 2.- Matéria que não pode, como posta nos autos, ser julgada diante de acionamento realizado pelo jornal interessado, só podendo, a validade da publicidade do ato, ser questionada pelas partes nele interessadas. 3.- Admite-se, assim, que a publicação se dê em jornal de grande circulação editado em município vizinho. 4.- Recurso Especial provido”. São trechos do voto do Ministro relator: “Veja-se, contudo, que, no caso, não se tem situação objetivamente matemática, inexigente de interpretação, como o seria se se tratasse de imposição de publicação de atos societários de empresa situada em município (local, localidade) dotado de jornal nele editado (confeccionado, elaborado, feito), de grande circulação (disponível mediante assinaturas ou em comércio trajetício comum, como nas bancas e quiosques de jornais). Tem-se, aqui, jornal, faticamente reconhecido como de grande circulação, mas editado em município diverso (Gravataí), dos Municípios para os quais a Autora, dele proprietária, exige exclusividade nas publicações. Quer dizer: há, no caso, razoável margem de perquirição a respeito da validade, ou não, de publicações realizadas em outros jornais, também de grande circulação na localidade, nos quais tenha havido,ou em que venha a haver, publicações de atos societários atinentes ao registro na Junta Comercial em causa (...) De acordo com a exegese proposta pelo Tribunal de origem, segundo a qual a expressão "localidade" significa apenas município, a publicação terá de ocorrer em qualquer jornal de grande circulação local, mas não necessariamente editado na região. Assim, será possível que ela se faça em um jornal de circulação nacional editado em município a milhares de quilômetros de distância. Se, ao contrário, se entender que a expressão "localidade" significa região, a Junta Comercial estará, obrigada, nessa mesma situação, a dar preferência ao jornal de grande circulação editado em município vizinho, que integre a mesma região...”. (REsp nº 1.042.944 – RS. Rel. Min. Sidnei Beneti). 437 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 1.

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Essa construção pode ser bem observada na lição do Professor Lourival Vilanova,

ressaltando a atividade de construção do juiz como pressuposto da interpretação da

norma e dos juízos que faz dela:438

Pressuposto dessa construção é que o sistema confira competência ao juiz

para criar norma individual sem relação lógica de subalteração a uma

proposição normativa geral. Se o juiz julga sem lei, e mesmo contra a lei (lei

em sentido amplo), inovando para atender às necessidades emergentes,

explícita ou implicitamente o sistema habilitou o juiz. Assim, como

juridicamente, vale a decisão judicial inovadora ficaria como fato inserindo-

se na hipótese de outra norma que o tomasse como pressuposto de

ilicitude: convertendo-se num caso de antijuridicidade, fato, pois jurídico.

Nesse sentido, o jurista Carlos Maximiliano, explorando as atribuições do juiz

moderno, afirma que existe entre o legislador e o juiz a mesma relação entre o

dramaturgo e o ator. Deve este atender às palavras da peça e inspirar-se no seu

conteúdo; porém, se é verdadeiro artista, não se limita a uma reprodução pálida e

servil, dá vida ao papel, encarna de modo particular a personagem, imprime um

traço pessoal à representação, empresta às cenas um certo colorido, variações de

matiz quase imperceptíveis, e de tudo faz ressaltarem aos olhos dos espectadores

maravilhados com belezas inesperados, imprevistas.439

O magistrado, portanto, não formula o direito, ele o interpreta. Essa interpretação

somente se faz quando surge a dúvida em processo judicial (uma vez que vige o

princípio da inércia da jurisdição – artigo 2º, do CPC). Nem o juiz expõe seu

pensamento por meio de disposições.440

Assim, conclui Carlos Maximiliano que, os juízes, oriundos do povo, devem ficar ao

lado dele, e ter inteligência e coração atentos aos seus interesses e necessidades. É

o magistrado, em escala reduzida, um sociólogo em ação, um moralista em

438 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Editora Max Limonad, 1997, p. 225. 439 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 49. 440 Nesse sentido, outra não era a lição do eminente jurista John Marshall da Suprema Corte dos Estados Unidos: “Por se considerarem meramente como constituindo um tribunal regular para decidir controvérsias perante eles trazidas sob a forma preestabelecida em lei, acharam estes cavalheiros fora do propósito penetrar no campo da política, em declarando suas opiniões sobre questões não oriundas de casos judiciários submetidos ao seu vereditum” (Willoughby – The Supreme Court of the United States, 1890, p. 79).

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exercício; pois a ele incumbe vigiar pela observância das normas reguladoras da

coexistência humana, prevenir e punir as transgressões das mesmas e a liberdade

de exegese a eles atribuída vem desde a época romanista, cujos pretores não se

limitavam a aplicar o que o legislativo quis, mas o que queria, como se tivesse

prevista o caso em apreço, deixando assim, um campo vastíssimo reservado ao

alvedrio judiciário.441

A classificação dos critérios de interpretação (métodos) não é unânime na

doutrina.442

Apenas a título de menção, temos, na proposta de Tércio Sampaio Ferraz Jr., alguns

métodos: gramatical que permite desvendar o significado da norma, enfrentando

dificuldades léxicas e de relações entre as palavras; lógico: que permite resolver

contradições entre termos numa norma jurídica, chegando-se a um significado

coerente; sistemático: que analisa normas jurídicas entre si, pressupondo que o

ordenamento é um todo unitário, sem incompatibilidades, permite escolher o

significado da norma que seja coerente com o conjunto; histórico, que se assemelha

à busca da vontade do legislador, recorrendo aos precedentes normativos e aos

trabalhos preparatórios, que antecedem a aprovação da lei, tenta encontrar o

significado das palavras no contexto de criação da norma; sociológico, por seu turno,

assemelha-se à busca da vontade da lei, focando o presente, tenta verificar o

sentido das palavras imprecisas analisando-se os costumes e os valores atuais da

sociedade; teleológico busca os fins da norma legal e; axiológico, que busca

explicitar os valores que serão concretizados pela norma.443

441 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 50/52. 442 O professor Arruda Alvim, por exemplo, refere alguns meios: 1º) o gramatical, que atenta para o sentido literal (ou mais amplamente, lingüístico) das palavras, e que é o mais precário e pobre de todos. Na verdade a interpretação gramatical assimila-se mais à idéia de pressuposto interpretativo do que à de método; 2º) o lógico, que se serva da contribuição dos elementos da lógica, para a construção mental da inteligência do preceito; 3º) o sistemático, que exige a consideração da lei sempre dentro do sistema de que ela, apenas, uma parte, embora maior parte, pois a lei é linguagem do Direito; 4º) o histórico que tem presente ser a lei o produto de uma vivência e experiência humanas, nela sintetizadas. Para entender tal síntese existencial-histórica da lei, muitas vezes será necessário remontar as causas que a determinaram; 5º) o teleológico, que procura identificar qual é a finalidade da norma, a fim de, com isso, realizar a vontade do legislador (Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 179/180). 443 Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão e Dominação. 7º ed. São Paulo: Atlas, 2013 (capítulo

5)

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Em resumo, o grande jurista Miguel Reale conclui seu estudo da interpretação,

destacando como pontos essenciais: a) toda interpretação jurídica é de natureza

teleológica (finalística) fundada na consistência axiológica (valorativa) do direito; b)

toda interpretação jurídica dá-se numa estrutura de significações, não de forma

isolada; e c) cada preceito significa algo situado no todo do ordenamento jurídico.444

4.5. AS NORMAS DE INTEGRAÇÃO DO DIREITO.

Uma vez utilizados sem resultado os critérios interpretativos vistos acima, cumpre ao

aplicador da lei suprir a lacuna encontrada, uma vez que não é lícito eximir-se de

sentenciar ou despachar, a pretexto de obscuridade ou omissão da norma.445

Para suprir esta lacuna446, o aplicador utilizará das normas de integração do direito;

regras presentes no artigo 4º, da LINDB447, e, como se viu, em todo ordenamento

jurídico, como no artigo 126, do CPC, artigo 3º, do CPP e artigo 8º, da CLT.

As normas de integração do direito têm origem, segundo aponta Carlos Maximiliano,

no artigo 4º, do Código Civil Francês448:

Article 4

Le juge qui refusera de juger, sous prétexte du silence, de l'obscurité ou de

l'insuffisance de la loi, pourra être poursuivi comme coupable de déni de

justice.449

444 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 287. 445 Com efeito, oportuna é a lição de Lourival Vilanova: “O juiz não tem o indeclinável dever de julgar porque o sistema já é completo, mas o sistema é completável, se o juiz deve julgar qualquer conflito de interesses que chegue processualmente ao seu conhecimento” (As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São

Paulo: Editora Max Limonad. 1997, p. 246). 446 Importante destacar a lição de Washington de Barros Monteiro, apoiada em Kelsen, que afirma que “para muitos juristas, as lacunas não existem, nem verdadeiramente podem existir, porquanto o ordenamento jurídico oferece recursos para regular todos os casos possíveis, previstos e imprevistos, presentes e futuros” (Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I., p. 43). 447 Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 448 Sobre essa gênese leciona Miguel Reale, que: “Já dissemos que a Revolução Francesa atinge um ponto culminante com a publicação do Código Civil de Napoleão. É um monumento da ordenação da vida civil, projetado com grande engenho e não menor arte. Portalis, um de seus grandes elaboradores, prudentemente reconhecera a existência de insuficiências e lacunas no Código, mas assim não pensaram os seus primeiros intérpretes, os quais pretenderam que não havia parcela da vida social que não tivesse sido devida e adequadamente regulada, razão pela qual haviam sido revogadas todas as ordenações, usos e costumes até então vigentes. Compreende-se essa atitude. A Revolução Francesa vinha declarar a igualdade de todos perante a lei e, ao mesmo tempo esfacelava os núcleos nos quais ainda subsistiam sistemas jurídicos particularistas com pretensão de soberania perante o Estado” (Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2009, p. 273).

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O professor Arruda Alvim leciona que as normas de integração do direito surgem

uma vez que por mais incansável que seja a busca do ideal de plenitude jurídica na

previsão e regulamentação específica de todos os fatos possíveis de acontecer no

plano do real, é impossível, dado que a vida humana não é possível de ser

integralmente abrangida ou açambarcada por um mero sistema normativo, enquanto

se pretende lê-lo como se exaurindo nos textos de lei.450

Nesse sentido, em lição prévia, bem esclarece Washington de Barros Monteiro, que

possui realmente a lei, como sinônimo de direito, a faculdade de auto integração, a

faculdade de completar-se a si mesma através de processos científicos

preexistentes, manipulados, ou trabalhados pelo julgador.451

Estes processos científicos preexistentes consubstanciam-se na analogia, nos

costumes e nos princípios gerais de direito.

Contudo, o artigo 126, do CPC, estabelece uma hierarquia entre estes processos

científicos.

Essa hierarquia decorre da ideia de que, de um ponto de vista estritamente lógico,

as leis devem ter, num dado momento histórico, um único entendimento. Esta é a

realidade desejável, porque este único entendimento significa que, entendendo-se a

lei de uma única maneira, temos aí, um dos maiores atributos da ordem jurídica,

qual seja, a certeza do direito.

Leciona, nesse sentido, o professor Arruda Alvim,452 que de um ponto de vista lógico

e dogmático a analogia deve ter preferência ao costume, em nome do princípio

constitucional da igualdade de todos perante a lei. Efetivamente, é mandamento

nuclear, em nosso sistema jurídico, que a lei deverá tratar a todos igualmente, ou

seja, todos aqueles abrangidos por uma mesma lei. Poderá acontecer, entretanto,

449 Numa tradução livre: “Um juiz que se recusa a julgar, sob o pretexto de silêncio, obscuridade ou insuficiência da lei pode ser processado como culpado por denegar a justiça”. 450 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 166. 451 Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 40. 452 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 125.

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que pelos termos de uma dada norma, certas situações jurídicas não tenham sido

cogitadas pelo legislador, quando de sua edição. Tais situações, entretanto,

assemelham-se à situação expressamente prevista na norma. Isto ocorrendo, a

regra da igualdade de todos perante a lei recomenda a aplicação analógica – se não

fossem, entre nós, o dispositivo expresso – exatamente pela circunstância de que o

caso concreto, similar ao caso regulado, deverá ter tratamento idêntico àquele que o

sistema dá ao caso regulamentado expressamente.

Contudo, a realidade é que às mesmas leis são dadas interpretações diversas, ou

seja, lhes atribuem significados e entendimentos diferentes. Isto decorre da

circunstância de que na ordem jurídica, aqueles que aplicam a lei e aqueles que a

entendem, além de outros fatores, trazem algo de si, ou seja, agregam algo de si à

lei, e, exatamente em decorrência deste algo de si, que somam à lei, tem ela na

ordem empírica, isto é, no plano de sua aplicabilidade concreta, iniludível e

indesejavelmente, mas inexoravelmente, mais de uma inteligência num mesmo

momento histórico, o que o professor Arruda Alvim coloca como o problema da

unicidade de inteligência do sistema.453

Vejamos agora cada um destes processos de integração do direito.

4.5.1. A ANALOGIA.

O grande jurista Carlos Maximiliano ensina que coincidem a ordem jurídica e a vida

do homem em comunidade, por isso, toda legislação, graças à unidade do objetivo,

que é disciplinar a utilidade social, e à unidade da ideia fundamental, que é

assegurar a justiça, constitui um organismo com forças latentes de adaptação e

expansão, encerra o germe de uma série de normas não expressas, porém vivazes

e implícitas do sistema. O mesmo princípio contido numa regra legal é logicamente

estendido a outras hipóteses não previstas. Deste modo, o direito positivo regula,

ora direta, ora indiretamente, todas as relações sociais presentes e futuras, visadas

ou não pelos elaboradores dos Códigos.454

453 Op. cit., p. 31. 454 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 170.

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Com efeito, não podem os repositórios de normas dilatar-se até a exagerada

minúcia, prever todos os casos possíveis no presente e no futuro. Sempre haverá

lacunas no texto, embora o espírito do mesmo abranja órbita mais vasta, todo o

assunto inspirador do Código, a universalidade da doutrina que o mesmo concretiza.

Esta se deduz não só da letra expressa, mas também da falta de disposição

especial. Até o silêncio se interpreta; até ele traduz alguma coisa, constitui um índice

do Direito, um modo de dar a entender o que constitui, ou não, o conteúdo da

norma.455

Washington de Barros Monteiro, com peculiaridade, explicitava que a analogia

consiste em aplicar a hipótese, não prevista especialmente em lei, disposição

relativa a caso semelhante. Ela se constituiu de um poderoso adminículo de que se

serve o legislador para amparar o juiz, perplexo entre as relações sociais não

expressamente reguladas, a fim de guardar-lhes a vitalidade, pressupondo a

semelhança de relações.456

A analogia457, na lição do eminente Miguel Reale, atende ao princípio de que o

Direito é um sistema de fins. Pelo processo analógico, estendemos a um caso não

previsto aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de

razões. Se o sistema do Direito é um todo que obedece a certas finalidades

fundamentais, é de pressupor que, havendo identidade de razão jurídica, haja

identidade de disposição nos casos análogos, segundo um antigo e sempre novo

ensinamento: onde há a mesma razão, deve haver a mesma disposição de direito

(ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio).458

Pode-se dizer, portanto, na conclusão do professor, que o pressuposto do processo

analógico é a existência reconhecida de uma lacuna na lei.459

455 Op. cit., p. 169/170. 456 Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 40. 457 O grande jurista Carlos Maximiliano, ao tratar da analogia, utilizava-se da lição de Stuart Mill: “Quando duas situações são exatamente semelhantes, a lei da uniformidade da natureza leva-nos a conseqüências idênticas” (Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 168). 458 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 292. 459 Op. cit., p. 297.

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198

Não obstante, há alguns requisitos, elencados por Washington de Barros Monteiro,

que se exigem para a utilização da analogia, a saber: a) é preciso que o fato

considerado não tenha sido especificamente objetivado pelo legislador; b) este, no

entanto, regula situação que apresenta ponto de contato, relação de coincidência ou

algo idêntico ou semelhante; c) requer-se, como ponto comum das duas situações, a

prevista e a não prevista, que haja sido o elemento determinante ou decisivo na

implantação da regra concernente à situação considerada pelo julgador. Verificado o

simultâneo concurso destes requisitos, legitimado está o emprego da analogia, na

lição do autor.460

Cabe, nesse sentido, a advertência do professor Arruda Alvim461, no sentido de que

a analogia não pode ser aplicada, jamais, contra o sistema jurídico; noutro ângulo

menor, contra uma dada lei.

A analogia é assim, exemplificativamente, utilizada pelos Tribunais pátrios, como no

julgamento do HC 116.205 pelo Ministro Enrique Ricardo Lewandowski do Supremo

Tribunal Federal:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.

RECORRENTES SENTENCIADOS POR MAGISTRADO DIVERSO

DAQUELE QUE PRESIDIU A INSTRUÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DO

PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO OCORRÊNCIA.

APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 132 DO CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL. CONCLUSÃO DOS AUTOS QUANDO O JUIZ TITULAR

ENCONTRAVA-SE EM GOZO DE FÉRIAS. RECURSO IMPROVIDO. I – O

princípio da identidade física do juiz (art. 399, § 2º, do CPP) deve ser

aplicado com temperamentos, de modo que a sentença só deverá ser

anulada nos casos em que houver um prejuízo flagrante para o réu ou uma

incompatibilidade entre aquilo que foi colhido na instrução e o que foi

decidido. Precedentes. II – Os autos foram conclusos para sentença quando

o magistrado titular encontrava-se em gozo de férias, situação que se

enquadra na expressão “afastado por qualquer motivo” disposta no art. 132

do Código de Processo Civil, que deve ser aplicado por analogia ao

processo penal (art. 3º do CPP). III – Recurso ordinário improvido (...)

460 Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 40. 461 Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 128.

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199

Entretanto, o aludido princípio não tem aplicabilidade absoluta, já que a

prestação jurisdicional dos magistrados investidos na competência para o

processo e julgamento das ações penais passaria a ser, obrigatoriamente,

contínua, impedindo-os de se afastar de suas funções por determinado

período, seja por motivo de férias, licença médica e até mesmo em virtude

de progressão funcional, que é inerente à própria carreira. Para contornar

tal situação, em decorrência da falta de outras normas regulamentado o

postulado em exame, a jurisprudência das Cortes pátrias vem admitindo a

mitigação do princípio da identidade física do juiz nos casos de convocação,

licença, férias, promoção ou de motivo outro que impeça o juiz que tiver

presidido a instrução de sentenciar o feito, mediante a aplicação permitida,

por analogia, pelo art. 3º do Código de Processo Penal, da regra contida no

art. 132 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: 'Art. 132. O juiz,

titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver

convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou

aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.

Finalmente, cumpre esclarecer que a utilização da analogia não é ilimitada.

O jurista Washington de Barros Monteiro462 leciona que a utilização da analogia não

é admitida: a) nas leis penais, pois estas restringem a liberdade do indivíduo e não

se deseja por isso que o juiz acrescente outras limitações além das previstas pelo

legislador. Em matéria penal cabe analogia apenas quando se beneficia a defesa463;

b) nas leis excepcionais: os casos não previstos pelas normas de exceção são

disciplinados pelas de caráter geral, inexistindo, pois, motivo que justificaria, o apelo

à analogia, que pressupõe não esteja contemplado em lei alguma o caso a

462 Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 41. 463 Nesse sentido se manifestou o Tribunal de Justiça de São Paulo: “EXECUÇÃO PENAL - PEDIDO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL - PENAL INFERIOR A DOIS ANOS -REÚ REINCIDENTE - APLICAÇÃO DA ANALOGIA IN BONAM PARTEM DO ARTIGO 83 DO CÓDIGO PENAL - CONCESSÃO - CABIMENTO. Em virtude da ausência da lacuna legislativa para concessão de benefícios penais ao reeducando, reincidente e condenado a pena inferior a dois anos, aplica-se a analogia in bonam partem do artigo 83 do Código Penal para conceder-lhe o benefício do livramento condicional. (...) Ocorre, porém, situações em que o réu condenado a pena inferior a dois anos por ser reincidente não faz jus à substituição pela pena restritiva de direito (artigo 44 do Código Penal) e a suspensão da execução da pena (artigo 77 do Código Penal), por falta de preenchimento dos requisitos legais, de sorte que, se cumprida mais da metade da pena, deverá ser-lhe concedido o livramento condicional, em obediência ao princípio da razoabilidade que visa a atender os ideais de Justiça, solidariedade, ordem e paz. Para tanto, adota-se o instituto da analogia e sua aplicação in bonam partem para integrar a norma jurídica para colmatar uma lacuna sobre a situação concreta do apenado inferior a 02 (dois) anos e reincidente. Justifica-se a medida porque a legislação, por mais abrangente e completa, não é capaz de prevê todas as hipóteses concretas da complexa vida social que, aliás, é cibernética. Atento a essa situação, o legislador instituiu a analogia, com a função integrativa da norma jurídica. Na lição de Cezar Roberto Bitencourt, "com a analogia se preocupa aplicar determinado preceito ou mesmo os próprios princípios gerais de direito a uma hipótese não contemplada no texto legal, isto é, com ela se busca colmatar uma lacuna da lei" (in "Tratado de Direito Penal" - Parte Geral 1", Saraiva, 10a Ed. 2006, pág. 197) (Agravo em execução n° 990.09.287333-4. Rel. Des. Willian Campos).

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200

decidir464. No tema das exceções não se pode admitir interpretação analógica, e c)

nas leis fiscais.465

4.5.2. O COSTUME.

O costume é definido pelo eminente Carlos Maximiliano, como uma norma jurídica

sobre determinada relação de fato e resultante da prática diurna e uniforme, que lhe

dá força de lei. Ao conjunto de tais regras não escritas chama-se direito

consuetudinário.466

Referências aos costumes são encontradas no direito comparado, como na

expressa previsão do Código Civil suíço, que atribui ao costume a autoridade de

direito subsidiário; prescreve que ele complete o texto, preencha as lacunas e supra

as deficiências (na falta de disposição legal aplicável, o juiz decide conforme o

Direito Consuetudinário):

464 Nesse sentido se manifesta o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: “APELAÇÃO CÍVEL CUMULATIVIDADE DE REMUNERAÇÃO DE CARGO PÚBLICO COM PROVENTOS DE APOSENTADORIA TAMBÉM DERIVADA DO REGIME PUBLICISTA – IMPOSSIBILIDADE – ARGUMENTO DE INEXISTÊNCIA DE INSTITUTO PREVIDENCIÁRIO MUNICIPAL – IRRELEVÂNCIA – A VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL À ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS NÃO POSSUI QUALQUER CORRELAÇÃO COM O REGIME PREVIDENCIÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO – PEDIDO DE APLICAÇÃO DE ANALOGIA COM SITUAÇÃO PRIVADA – DESPROPÓSITO – SOMENTE CABE ANALOGIA NO VÁCUO DA NORMA E NÃO CONTRA LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – REQUERIMENTO PELA APLICAÇÃO DE ENTENDIMENTO SIMILAR AO RESERVADO AOS PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE– DESCABIMENTO – EXCEÇÃO CONSTITUCIONAL TAXATIVAMENTE PREVISTA - APELAÇÃO IMPROVIDA” (Apelação nº 744.085-5. Rel. Des. Luiz Sergio Neiva de Lima Vieira). 465 Nesse sentido é a posição do Superior Tribunal de Justiça: “Tributário. ICM. Vendedor e comprador sediados em estados-membros diversos. Fato gerador. Local da fatura da nota fiscal. Alíquota interna. ctn, arts. 97, iii, 102, 108 e 114. Del. 406/1968 (art. 1º.). Leis estaduais/mg 6.763/1975 e 7.164/1977. 1. A definição do fato gerador corresponde a situação definida em lei, sintonizando a nota fiscal ou a fatura (expressão da tradição) o local da saída para a entrega ao consumidor final, espelhando o envolvimento do ato mercantil. 2. Repudio a saída ficta e a analogia para justificação de compreensão fiscalista na venda direta ao consumidor. 3. A ingerência da legislação estadual em assunto reservado a lei complementar e sementeira de violação dos limites legais a criação de tributação. 4. No caso, o ICM tem como local de incidência aquele de onde saiu a mercadoria para o consumidor. 5. Precedentes jurisprudenciais. 6. Recurso provido” (STJ - 1ª Turma - RESP-87862/MG - Min. MILTON LUIZ PEREIRA j. 27/02/1997 - DJU 24/03/1997) e também “TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇOS ACESSÓRIOS PRESTADOS POR BANCOS. NÃO INCIDÊNCIA. LISTA ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68. TAXATIVIDADE. Os serviços bancários não incluídos na lista anexa ao Decreto-lei nº 406/68 não possuem caráter autônomo, pois inserem-se no elenco das operações bancárias originárias, executadas, de forma acessória, no propósito de viabilizar o desempenho das atividades-fim inerentes as instituições financeiras. A lista de serviços anexa ao Decreto-lei nº 406/68 é taxativa, não se admitindo, em relação a ela, o recurso a analogia, visando a alcançar hipóteses de incidência diversas das ali consignadas. Precedentes. Recurso improvido, sem discrepância”. (STJ – 1ª Turma - RESP-192635/RJ - Min. DEMÓCRITO REINALDO – j. 29/04/1999 - DJ 31/05/1999). 466 Leciona também que para os romanos, o Direito não escrito era o resultado das máximas que o uso tinha introduzido, e de cuja redação a autoridade pública se não tinha ainda ocupado (Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 253).

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201

Art. 1

1 La loi régit toutes les matières auxquelles se rapportent la lettre ou

l’esprit de l’une de ses dispositions.

2 A défaut d’une disposition légale applicable, le juge prononce selon

le droit coutumier et, à défaut d’une coutume, selon les règles qu’il

établirait s’il avait à faire acte de législateur.

3 Il s’inspire des solutions consacrées par la doctrine et la jurisprudence.467

Para o jurista Carlos Maximiliano, o costume foi, no passado, e é ainda, no presente,

considerado ótimo intérprete das leis, por ter sido uma lei entendida e executada por

uma só forma, ou modo, por tanto tempo quando é necessário para constituir uso,

ou costume geral.468

O professor Arruda Alvim adverte que o costume para ser juridicamente relevante,

tem de contar com dois elementos: um exterior e o outro interior. Como elemento

exterior, entende-se o fato de o costume ter de se constituir num hábito, num uso,

isto é, tem de se traduzir na vida por meio de determinados atos constantes e

sistematicamente praticados.469

Nesse sentido, os Tribunais pátrios acerca dos costumes assim se manifestam:

Inicialmente, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível

nº 0023646-56.2010.8.26.0562, da relatoria do Desembargador Jurandir de Sousa

Oliveira, assim ementado:

TRANSPORTE MARÍTIMO. Ação de cobrança. Sobreestadia. Ação julgada

improcedente. RECURSO DA AUTORA. Pedido de inversão do julgado,

invocando a aplicação dos usos e costumes comerciais. Cobrança da

'demurrage' que decorre dos usos e costumes. Observância do Direito

consuetudinário marítimo. O artigo 5º do Decreto 80.145/77 dispõe que

"container" não constitui embalagem das mercadorias e sim parte ou

467 Em tradução livre: Art. 1. 1 A lei rege todas as matérias às quais se informam ou o espírito de uma das suas disposições. 2 Na ausência de uma disposição legal, o juiz decidirá de acordo com o Direito Consuetudinário e, na ausência de costumes, de acordo com as regras se tivesse que estabelecer como legislador. 3 Ele é baseado em soluções consagradas na doutrina e jurisprudência. 468 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 155. 469 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 169.

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202

acessório do veículo transportador. Cobrança procedente. Sentença

reformada. RECURSO PROVIDO.

E o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação cível nº

70036670321, da relatoria do Desembargador Sérgio Roque Menine, assim

ementado:

AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. COMPRA E

VENDA DE IMÓVEL. I - Segundo a jurisprudência, o direito à percepção da

comissão não decorre somente da aproximação pessoal e tratativas

realizadas pelo profissional, mas, sim, pelo resultado útil do trabalho, com a

conclusão da venda do imóvel. II - No caso, restou comprovada o serviço

prestado pelo apelado ao apelante. III - Ante a não convenção escrita pelas

partes de honorários pela corretagem, deve-se aplicar os usos e costumes.

IV - Honorários redistribuídos e majorados conforme disposto no art. 20 do

CPC. APELAÇÃO DESPROVIDA E RECURSO ADESIVO PROVIDO.

Conclui o professor Arruda Alvim, acerca do estudo dos costumes que no direito

processual civil, o costume é de especial importância, pois há uma série de atos que

não estão regulados em lei, sendo além de fonte do direito processual civil, fonte do

direito em geral, como estabelece o artigo 4º, da LINDB.470

4.5.3. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO.

Antes de tratar dos princípios gerais de direito, cumpre tratar da distinção entre

norma, princípio e regra no ordenamento jurídico.

Para tanto, servem-se das lições de Humberto Ávila na obra Teoria dos Princípios.

As normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a

partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os

dispositivos se constituem no objeto da interpretação, e as normas no seu

resultado.471

470 Op. cit., p. 170. 471 Teoria dos Princípios. 12ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 31.

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203

Os princípios, por sua vez, na lição de Josef Esser invocada por Humberto Ávila são

aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento

seja encontrado, e podem ser definidos como normas de grande relevância para o

ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para

a interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente,

normas de comportamento.472

Ao contrário das regras, os princípios possuiriam um conteúdo axiológico explícito e

careceriam, por isso, de regras para sua concretização. Os princípios, portanto,

receberiam seu conteúdo de sentido somente por meio de um processo dialético de

complementação e limitação e não determinariam consequências normativas de

forma direta ao contrário das regras.473

Já as regras são normas, que podem ou não podem ser realizadas. Quando uma

regra vale, então é determinado fazer exatamente o que ela exige, nada mais e nada

menos.474

O eminente Humberto Ávila, apoiado em Dworking, complementa a abordagem das

regras, afirmando que as regras são aplicadas de modo tudo ou nada, no sentido de

que, se a hipótese de uma regra é preenchida, ou e a regra válida e a consequência

normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. Os princípios, ao

contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contém

fundamentos, que devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de

outros princípios.475

Dito isto, esclarece-se que não existe nada mais tormentoso para o intérprete que a

explicação dos princípios gerais de direito, não especificados pelo legislador,

conforme leciona o eminente Washington de Barros Monteiro.

Informa o professor que diversas são as correntes que tentam explicar o tema: a)

para uns, são eles constituídos pelo direito comum dos séculos passados; b) para

472 Op. cit. , p. 36. 473 Op. cit. , p. 37. 474 Op. cit. , p. 38. 475 Op. cit. , p. 44.

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204

outros, é o direito romano puro; c) para outros ainda, é o direito natural; d) são os

constantes ensinamentos da jurisprudência; e) dessumem-se do ordenamento do

Estado; f) é a equidade, nos seus diferentes sentidos.476

Os princípios gerais de direito não se confundem com os princípios constitucionais.

Nesse sentido, bem leciona Alexandre de Freitas Câmara, que para diferenciar os

princípios constitucionais dos princípios gerais de direito, basta ver o que estabelece

o artigo 126, do CPC, que, diante da lacuna da lei, deverá o juiz se valer da

analogia, não havendo norma que possa ser aplicada analogicamente, o julgador se

valerá dos costumes e, por fim, não havendo costume que se aplique ao caso, será

a decisão baseada nos princípios gerais de direito. Ora, a se aceitar a ideia de que

esses princípios gerais são os princípios constitucionais, ter-se-ia de admitir que os

princípios constitucionais são aplicados em último lugar, depois da lei e das demais

fontes de integração das lacunas. Isto, porém, não corresponde à verdade. Os

princípios constitucionais devem ser aplicados em primeiro lugar (e não em último), o

que decorre da supremacia das normas constitucionais sobre as demais normas

jurídicas. Entende-se por princípios gerais de direito aquelas regras que, embora

não se encontrem escritas, encontram-se presentes em todo o sistema, informando-

o.477

Miguel Reale em sábias palavras coloca na sua visão no que consistem os

princípios gerais de direito:478

Eles se abrem num leque de preceitos fundamentais, desde a

intangibilidade dos valores da pessoa humana, vista como fulcro de todo o

ordenamento jurídico, até os relativos à autonomia da vontade e à liberdade

de contratar; à boa-fé como pressuposto da conduta jurídica; à proibição de

locupletamentos ilícitos; ao equilíbrio dos contratos, com a condenação de

todas as formas de onerosidade excessiva para um dos contratantes; à

preservação da autonomia da instituição familiar; à função social da

propriedade; à economia das formas e dos atos de procedimento; à

subordinação da atividade administrativa aos ditames legais; à proteção da

476 Curso de Direito Civil. 37ª e d. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 42. 477 Lições de Direito Processual Civil. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, V. I, p. 20 e 33. 478 Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 301.

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rápida circulação das riquezas e à crescente formalização de crédito; à

exigência de justa causa nos negócios jurídicos; aos pressupostos da

responsabilidade civil ou penal.

Conclui o grande jurista, nesta ordem de ideias, que a maioria dos princípios gerais

de direito, porém, não constam de textos legais, mas representam contextos

doutrinários, ou, de conformidade com terminologia usual, são modelos doutrinários

ou dogmáticos fundamentais.479

Os princípios gerais de direito desempenham não somente a função de suprir

lacunas encontradas na legislação, mas representam, na lição do jurista Miguel

Reale, os alicerces e vigas mestras do ordenamento jurídico480.

O professor Arruda Alvim leciona e adverte que importa indagar, nesse contexto, a

respeito do ponto mais difícil do problema, a saber, qual é a metodologia adequada

à percepção desses princípios gerais de direito.

Aponta o professor que para a construção científica recomenda-se: a) em primeiro

lugar, que o trabalho se faça em torno do sistema jurídico positivo, equivale dizer, do

sistema jurídico nacional, no sentido de aí identificar e recolher o princípio geral do

direito respectivo; b) depois, se esta pesquisa não produzir resultados, há de

recorrer-se às leis cientificadas do Direito, isto é, à Ciência do Direito; c) se nem

mesmo mediante esta “ordem crescente de generalização” se conseguir resolver o

problema, passa-se à “filosofia do Direito, que, com o Direito natural, reúne os

princípios primeiros e fundamentais inspiradores de todos os ramos da ciência

jurídica, formando a unidade do conhecimento do Direito”.481

Por tais motivos, indica Washington de Barros Monteiro que, podem ser

mencionados os seguintes princípios gerais de direito: a) ninguém pode transferir

479 Op. cit., p. 301 480 O renomado jurista ensina, com base na advertência de Roscoe Pound: “em verdade, toda experiência jurídica e, por conseguinte, a legislação que a integra, repousa sobre princípios gerais de direito, que podem ser considerados os alicerces e as vigas mestras do edifício jurídico. Consoante advertência de Roscoe Pound, que foi um dos mestres mais lúcidos da jurisprudência norte-americana, o Direito é experiência desenvolvida pela razão e razão provada pela experiência, residindo a sua parte vital nos princípios e não nas regras” (Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 311). 481 Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 170/171.

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mais direitos do que tem; b) ninguém deve ser condenado sem ser ouvido; c)

ninguém pode invocar a própria malícia; d) quem exercita o próprio direito não

prejudica ninguém; e) o contrato faz lei entre as partes, e f) o brocardo “quod initio

vitiosum est non potest tractu temporis convelescere”.482

A jurisprudência, por sua vez, reconhece a importância dos princípios gerais de

direito, sua aplicabilidade e a necessidade de respeitá-los, como se depreende do

julgamento do agravo de instrumento nº 0264870-90.2011.8.26.0000, da 1ª Câmara

Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, da relatoria

do eminente Desembargador Manuel de Queiroz Pereira Calças:

Agravo. Recuperação judicial. Recurso contra decisão que, em face da

aprovação do plano pela Assembleia Geral de Credores pelo quórum legal,

concede a recuperação. A Assembleia Geral de Credores só é reputada

soberana para a aprovação do plano se este não violar os princípios gerais

de direito, os princípios e regras da Constituição Federal e as regras de

ordem pública da Lei nº 11.101/2005. Proposta que viola princípios gerais

de direito, normas constitucionais, regras de ordem pública e o postulado da

"pars conditio creditorum", ensejando a manipulação do quórum

assemblear, é nula. Proibição de ajuizamento de ações e execuções contra

as recuperandas e seus garantidores e a extinção de tais ações viola a

Constituição Federal. Cláusulas que consubstanciam abuso de direito,

violação dos princípios gerais de direito, da Carta da República e das leis de

ordem pública são nulas. Agravo provido para decretar a nulidade da

deliberação da AGC, com determinação de apresentação de outro plano, no

prazo de 30 (trinta) dias, a ser elaborado em consonância com os princípios

gerais do direito, a Constituição Federal e a Lei nº 11.101/2005, a ser

submetido à Assembleia Geral de Credores no prazo de 60 (sessenta) dias,

sob pena de decreto de falência.

Passa-se, assim, finalmente ao estudo da equidade.

482 Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 43.

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4.5.4. A EQUIDADE483.

Na lição de Carlos Maximiliano, a equidade desempenha um duplo papel: de

suprimir as lacunas dos repositórios de normas, e auxiliar a obter o sentido e

alcance das disposições legais, servindo, assim, à hermenêutica e à aplicação do

direito.

Nas palavras do Mestre, a equidade tem algo de superior a toda fórmula escrita ou

tradicional: é um conjunto de princípios imanentes, constituindo de algum modo a

substância jurídica da humanidade, segundo a sua natureza e o seu fim, princípios

imutáveis no fundo, porém cuja forma se adapta à variedade dos tempos e países.

Fruto de condições especiais de cultura, noção de justiça generalizada na

coletividade, ideia comum do bem, predominante no seio de um povo em dado

momento da vida social; a Equidade abrolhou de princípios gerais preexistentes e

superiores à lei, da fonte primária do Direito. É um sentimento subjetivo e

progressivo, porém não individual, nem arbitrário; representa o sentir de, maior

número, não o do homem que alega ou decide. Entretanto, se não pode prescindir,

em absoluto, do coeficiente pessoal; não se evita que o indivíduo que inquire e

perscruta, embora empenhado em agir com isenção de ânimo, em realizar a justiça

dentro dos moldes traçados pelos Códigos e pelos costumes, sofra o ascendente,

quase imperceptível para ele, das suas preferências teóricas; entre duas soluções

possíveis se incline para a que melhor se coaduna com os seus pendores morais,

anelos, preconceitos. A ideia sofre a influência do órgão por meio do qual passa da

abstração à realidade prática484.

Por tais motivos, não é outra a lição de Washington de Barros Monteiro, quando

afirma que a equidade é a mais nítida manifestação do idealismo jurídico, personifica

sinteticamente a justiça no caso concreto.485

483 Segundo o Houaiss, a equidade consiste em: “1 apreciação, julgamento justo 1.1 respeito à igualdade de direito de cada um, que independe da lei positiva, mas de um sentimento do que se considera justo, tendo em vista as causas e as intenções 2 virtude de quem ou do que (atitude, comportamento, fato etc.) manifesta senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos 3 correção, lisura na maneira de proceder, julgar, opinar, retidão ...” (Editora Objetiva. 1ª Edição: Rio de Janeiro: 2001, p. 1183). 484 Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 140/141. 485 Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 44.

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Através da equidade, o juiz suaviza o rigor da norma abstrata, tendo em vista as

circunstâncias peculiares do caso concreto.486

Contudo, não é sempre que o magistrado pode se socorrer da equidade, uma vez

que só poderá fazê-lo, quando expressamente autorizado pelo legislador487, a rigor

do que dispõe o artigo 127, do CPC.

Nas palavras do professor Arruda Alvim, o juiz aplica a equidade, e o faz

precisamente diante da circunstância de saber, antecipadamente, da difícil, senão

impossível, irredutibilidade de certas realidades fáticas, morais, em suma valorativas

e circunstanciais, a um esquema legal apriorístico e rígido. Assim, a utilização da

discricionariedade pelo legislador, tem por escopo conferir intencionalmente a

alguém uma esfera de liberdade, não porque se deseje conferir, presenteando a

esse alguém com tal liberdade, mas pelo contrário, instrumentalizando-o para,

munido de tal liberdade, poder cumprir efetivamente o que tenha sido desejado pelo

legislador.488

Enquadrando a equidade no sistema jurídico brasileiro, relaciona-se a sempre

oportuna lição do Professor, que engloba também as regras de integração do Direito

até aqui estudadas: A grande regra do sistema jurídico brasileiro, afinado com o

sistema do direito continental europeu, é a do legalismo, ou melhor, da plenitude

lógica e eficacial do sistema jurídico. Segue-se, portanto, que para a solução dos

486 A propósito, o professor Arruda Alvim conceitua equidade como um instituto situado pelo legislador brasileiro como autêntico sentimento de justiça, experimentado pelo juiz, que há de traduzi-lo ao caso concreto. Sendo a equidade utilizável em nosso direito diante da lei que expressamente o admita, a sentença fundada na equidade, o que ocorrerá é que o juiz em tal caso, então, transfundirá no caso concreto, seu sentimento de justiça, que certamente, não será aquele necessariamente deduzido no sistema jurídico positivo, mas sim, o que atenda às peculiaridades do caso concreto (Comentário ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 140). 487 Nesse sentido, é oportuna a observação de alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PREQUESTIONAMENTO. OMISSÃO. ART. 535 DO CPC. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. ALVARÁ. EXPEDIÇÃO IMEDIATA. POSSIBILIDADE. I - Não é nula a decisão que rejeita os embargos declaratórios, opostos com a finalidade de prequestionamento, se não havia omissão a ser suprida, não se caracterizando, dessa forma, a recusa à apreciação da matéria. II - Em se tratando de procedimento de jurisdição voluntária, em que não há necessidade de se observar a legalidade estrita, podendo o juiz decidir por eqüidade (art. 1.109 do CPC), a expedição imediata de alvará, antes do término do prazo para a interposição de recurso, não configura ofensa à lei processual. (Precedente) Recurso não conhecido” (REsp nº 251.693-GO; Rel. Min. Felix Fischer) e também: “Não há de cogitar de infração ao princípio da legalidade, se o acórdão limitou-se a emprestar, ao texto legal, o entendimento que os julgadores tiveram como adequado, tendo em vista a razão de ser da norma e o contestante do art. 5º, da Lei de Introdução do Código Civil” (Edcl no Resp

nº 197.329/SP. Rel. Min. Eduardo Ribeiro). 488 Comentário ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 135.

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litígios de que há o juiz de se servir será, antes de tudo, aquela representada pelas

normas legais. Inexistentes estas, passará o juiz, então, à analogia, examinando a

hipótese de fato com uma dada hipótese legal e, à luz da analogia do caso concreto,

para com aquele abstratamente definido na norma, embora não abrangente do caso

concreto, em nome da analogia constatada, aplicará a lei, precisamente, por causa e

em nome da analogia. Trata-se, como se vê, de uma solução intra-sistemática,

porquanto não se sai do sistema jurídico para resolver o caso concreto.

Sucessivamente, inocorrente qualquer aplicação analógica, em segundo lugar,

passará ao costume eventualmente aplicável à espécie, em existindo o mesmo. Aqui

trata-se de uma solução, em certo sentido, extra sistemática, porquanto o costume,

embora reconhecido pelo sistema jurídico, não se pode dizer criado pelo sistema,

senão reconhecido pelo mesmo. E, finalmente, sendo inviável a solução pela

aplicação da norma costumeira, volta-se à solução do caso pelos princípios gerais

de direito, existentes e previstos no próprio sistema, cuja previsão fornece dados

existentes fora dele mesmo, pois haver-se-ão de compreender em tais princípios

gerais de direito, o direito comparado, o direito histórico, os grandes lineamentos dos

institutos etc., embora tais dados estejam encampados pelo sistema, desde que

ocorram os pressupostos de aplicabilidade. 489

Por estes motivos, e tendo em vista a ordem hierárquica estabelecida no artigo 126,

do CPC, conclui o Professor que a equidade não é hipótese de suprir ao que

usualmente se denomina de lacuna da lei, mas sim quando da equidade se tratar,

haverá lei expressa, intencional e deliberadamente estabelecendo o julgamento por

equidade. E nesta hipótese, de previsão de julgamento de mérito, pela equidade, só

se poderá julgar com fundamento na mesma, pois, então, caso contrário, estar-se-ia

cometendo uma ilegalidade.490

Washington de Barros Monteiro491 dá alguns exemplos de hipóteses em que se

aplica a equidade no nosso ordenamento, dos quais se cita a título de exemplo: a) a

Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 8º - As autoridades administrativas e a

Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão,

489 Op. cit., p. 137. 490 Op. cit., p. 137. 491 Curso de Direito Civil. 37ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. Vol. I, p. 45.

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conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios

e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo

com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum

interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”; b) o Decreto-

lei nº 3.855/41 – Estatuto da lavoura canavieira, que dispõe: “Art. 112º No

julgamento dos conflitos a que se refere o artigo 107º, aplicar-se-á a legislação

especial à economia açucareira, a equidade e, subsidiariamente, o direito comum e

os usos e costumes, em tudo quanto não contrarie àquela”; e c) o Código de águas:

“Art. 73. Se o prédio é simplesmente banhado pela corrente e as águas não são

sobejas, far-se-á a divisão das mesmas entre o dono ou possuidor dele e o do

prédio fronteiro, proporcionalmente a extensão dos prédios e as suas necessidades.

Parágrafo único. Devem-se harmonizar, quanto possível, nesta partilha, os

interesses da agricultura com os da indústria; e o juiz terá a faculdade de decidir "ex-

bono et aequo".

A regra da equidade também vem estampada no artigo 20, parágrafo 4º, do CPC492

vigente.

Além dos fatores vistos até aqui, não se pode olvidar a importância, finalmente, da

filosofia em todo este processo, o que será estudado no capítulo seguinte, a partir da

reflexão feita acerca das regras de integração do direito vistas acima.

Conclui-se parcialmente, portanto, com base no que foi tratado até aqui, que os

elementos processuais e extraprocessuais na maioria das vezes se condensam para

formar a convicção do magistrado e este desempenha distintas atividades neste

processo.

Oportuna nesse sentido, a lição do professor Arruda Alvim493, com base em

Reinhold Zippelius acerca da atividade que o juiz realiza na formação da sua

492 Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários

advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (...) § 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. 493 Comentário ao Código de Processo Civil – Vol. V – Arts. 125 a 133. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1974, p. 124.

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convicção, afirmando que o direito há de ser sempre e necessariamente entendido,

e, para tal há o juiz de se servir da hermenêutica, útil para o entendimento dos

problemas concretos, para o entendimento da própria norma, abstratamente

interpretada. O juiz não poderá ignorar os valores, que se pretendem estejam

traduzidos no ordenamento jurídico, porquanto estes, através de um autêntico

consenso, acabam se alojando na experiência jurídica concreta e ocupando aí, um

lugar definitivo. O juiz ou juízes, ocupam no sistema um autêntico papel de

construtores do direito, porquanto, o direito vive através dos pronunciamentos

jurisdicionais. A tarefa maior dos juízes, será, em realidade, o entendimento do

direito, que lhes é dado pelo Estado-legislador. Se de uma parte cabe aos juízes o

entendimento do ordenamento jurídico, ou do direito, de outra parte, a tarefa dos

juízes acaba, através da jurisprudência, incorporando ao direito uma outra

linguagem que vive ao lado daquela de que se utilizou o legislador.

4.6. INTERDEPENDÊNCIA ENTRE FATORES PROCESSUAIS E

EXTRAPROCESSUAIS (Breve proposta de estudo de casos).

Muito embora estes elementos se conjuguem na maioria das vezes para resultar no

provimento judicial, em alguns casos, a convicção do magistrado, por assim dizer, é

formada antes mesmo do oferecimento da contestação, contraprovas e

angularização processual.

É feito o presente estudo de casos, para demonstrar que a convicção do magistrado

varia de acordo com o modo com que se formou, ou seja, do grau de convicção que

lhe imprimiram os autos (e também existem fatores externos, alheios ao

ordenamento, mas que influenciam sobremaneira no processo de formação da

convicção do magistrado, que serão analisados no capítulo seguinte).

É o que se observa nos casos de indeferimento da inicial, reconhecimento de

inépcia, tutela antecipada (sem oitiva da parte contrária) e inversão do ônus da

prova.

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Observemos, por exemplo, inicialmente, no caso de indeferimento da petição inicial,

relatado no julgado abaixo (Apelação nº 0011901-58.2011.8.26.0590, da 28ª

Câmara da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo):

Porque da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão da

inicial, proclama-se a inépcia, decretando-se a extinção do processo sem

exame de mérito. (...) Em outras palavras e para não se falar da ausência

de pedido condenatório ao cumprimento da obrigação de fazer, tem-se que

da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão da inicial, o que

se traduz em inépcia, ora reconhecida, com a extinção do processo sem

exame de mérito, que se decreta (CPC, art. 267, I, e 295, I, parágrafo único,

II).

No caso em questão, pode-se observar que o processo foi extinto sem julgamento

do mérito, antes mesmo do oferecimento da contestação.

Não há a angularização processual, assim como não oferecido o contraditório e

ampla defesa, princípios constitucionais do processo, como se viu em capítulo

próprio, mas tão somente incidiu aí o convencimento do magistrado.

Mesmo nesse quadro, foi proferida decisão judicial, que através de um raciocínio

lógico e embasado no conhecimento pessoal do direito e da interpretação que faz

das regras, reputou que não havia pedido lógico que embasasse a pretensão,

extinguindo-se assim o processo.

Com a decisão que confere a tutela antecipada, sem a oitiva da parte contrária esta

distinção, e uso somente de sua convicção, obviamente embasado na lei, fica mais

nítido:

Vistos. 1) Em análise compatível com a presente fase processual, defiro em

parte a antecipação de tutela pleiteada. Pleiteia a autora que a requerida

tome as providências necessárias para que seja submetida a cirurgia

bariátrica por videolaparoscopia. A autora possui 47 anos, 1,64m e 145kg,

com IMC 53,94, tendo trazido aos autos relatório de equipe multidisciplinar,

indicando a necessidade e adequação da realização da cirurgia. Entretanto,

não há indicação específica do médico que a acompanha para que o

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procedimento seja feito por videolaparoscopia e, à evidência, tal opção cabe

tão somente ao profissional médico. Por outro lado, há risco de morte na

demora na realização do procedimento. Isto posto, por ora CONCEDO em

parte a tutela antecipada para que a requerida indique 5 cirurgiões

especializados em gastroplastia redutora por videolaparoscopia e 5

hospitais equipados com UTI que realizem tal procedimento, autorizando,

no prazo de 5 dias a realização de todos os exames necessários para a

cirurgia e disponibilizando clínicas ou laboratórios para sua realização no

prazo máximo de 30 dias. 2. Expeça-se ofício ao Dr. José Luis Lopes

Corrêa para que preste informações sobre o estado clínico da paciente, seu

diagnóstico, procedimento indicado para a cura e necessidade ou não de

cirurgia por meio de videolaparoscopia. Os demais pedidos liminares serão

analisados após a resposta do médico responsável. 3. Ante a urgência do

caso, defiro a expedição de ofício à ré, a ser encaminhado pelo próprio

patrono da autora, caso seja de seu interesse. 4. Providencie a autora o

recolhimento das custas iniciais e diligências, no prazo de 48h, sob pena de

cancelamento da distribuição. Após, cite-se. Int.

No caso acima (processo nº 224.01.2012.079603-6, da 8ª Vara Cível de Guarulhos),

foi conferida a tutela antecipada para a realização de procedimento que não estava

sequer dentro da área geográfica contratada, sem oitiva da parte contrária, e mesmo

assim, convicto, o juiz concedeu a medida limiar.

Contudo, há casos em que o magistrado opta pela indispensabilidade da oitiva da

parte contrária, mesmo quando se tratar de antecipação de tutela (Agravo de

instrumento nº 0200973-54.2012.8.26.0000, da 1ª Câmara de Direito Privado do

Tribunal de Justiça de São Paulo):

TUTELA ANTECIPADA. Ação de exoneração de alimentos. Filha. Decisão

que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela sem a oitiva da parte

contrária. Descabimento. Imprescindível o contraditório para exoneração da

pensão. Súmula 358 do STJ. Decisão alterada. Recurso provido.

Em outros casos, o magistrado acha prudente aguardar o oferecimento da

contestação para decidir (Agravo de instrumento nº 0551502-72.201 0, da 10ª

Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo):

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AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação ordinária com pedido de tutela

antecipada "inaudita altera pars" para exclusão imediata de sócios da

sociedade, bem como para realização de perícia contábil para apuração do

estado financeiro da empresa e apuração dos haveres societários -

Indeferimento - Insurgência - Necessidade da oitiva da parte contrária, com

Instauração do contraditório - Questão não preclusa, pois poderá vir

reapreciada, eventualmente, depois da contestação - Recurso improvido,

com observação.

Evidencia-se, assim, que se trata de uma questão puramente de formação da

convicção, podendo variar de caso a caso, de acordo com os elementos que melhor

convir ao juiz.

Semelhante fenômeno pode ser observado na inversão do ônus da prova, que

embora haja expressa previsão legal do instituto, o momento em que esta inversão

se dará evidencia que o magistrado utilizou uma maior parte de elementos

extraprocessuais para formar seu convencimento.

Exemplificativamente, na Comarca de Guarulhos, a carta de citação e intimação do

Juizado Especial Cível já consta a disposição (processo nº 3003973-

65.2013.8.26.0224, da 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Guarulhos):

Tratando-se de relação de consumo, fica a (o) ré (u), ainda, advertida (o)

quanto aos termos do artigo 6º, inciso VIII, do CDC (inversão do ônus da

prova).

Com relação à desconsideração da personalidade jurídica, o mesmo ocorre.

Há estritos requisitos legais que autorizam a desconsideração (artigo 50, do Código

Civil494). Nesse sentido se manifesta o Superior Tribunal de Justiça (REsp

744107/SP, 4ª Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves):

494 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

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RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

JURÍDICA ("disregard doctrine"). HIPÓTESES. 1. A desconsideração da

personalidade jurídica da empresa devedora, imputando-se ao grupo

controlador a responsabilidade pela dívida, pressupõe - ainda que em juízo

de superficialidade - a indicação comprovada de atos fraudulentos, a

confusão patrimonial ou o desvio de finalidade. 2. No caso a

desconsideração teve fundamento no fato de ser a controlada (devedora)

simples longa manus da controladora, sem que fosse apontada uma das

hipóteses previstas no art. 50 do Código Civil de 2002. 3. Recurso especial

conhecido.

Com efeito, muitas vezes, a personalidade jurídica é desconsiderada por mero

despacho, por exemplo, a pedido do Ministério Público em ação civil pública.

Confira-se (processo nº 198.01.2010.004453-3, da 2ª Vara Cível de Franco da

Rocha):

Por fim, verifica-se, ainda, que uma das empresas acionadas só se encontra

desativada e a outra interditada, não se vislumbrando até final decisão

destes autos, hipótese de reversão do caso. Assim, diante do acima

exposto e com base no ordenamento jurídico vigente, atendendo aos

fundamentos que demonstram suficientemente, para esta fase do processo,

em que ainda não se ouviram os argumentos contrários, ilegalidade e

nocividade na atividade desenvolvida pelos requeridos, que provocaram

danos que serão irreparáveis no caso de a medida ser concedida somente a

final, defiro a liminar e determino a desconsideração da personalidade

jurídica das empresas indicadas na inicial, parta que o patrimônio de seus

sócios seja atingido, garantindo-se, assim, futura execução.

Também é pertinente de se mencionar as decisões contrárias à súmula vinculante.

Por tais motivos, o Ministro Gilmar Mendes inclusive julgou procedentes as

Reclamações (RCL) 10284 e 10321, ajuizadas pelo Ministério Público do Estado do

Rio Grande do Sul (MP-RS) e cassou decisões da Sexta Câmara Criminal do

Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS), que afastaram a incidência de dispositivo

legal sem a submissão da matéria ao Plenário ou ao Órgão Especial.495

495 A notícia completa pode ser visualizada no site do Supremo Tribunal Federal, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=239444&tip=UM. Acesso em 27/05/2013.

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216

Segundo o Ministro, as decisões apontavam para violação do artigo 97 da

Constituição Federal (cláusula de reserva de plenário) e da Súmula Vinculante 10 do

STF.

4.7. FATORES PROCESSUAIS E EXTRAPROCESSUAIS NO PROJETO DE LEI

Nº 8.046/2010.

Da mesma forma que o Código vigente, o Projeto mantém a sistemática atual em

vigor, dispondo sobre as provas em espécie nos artigos 391 e seguintes (teoria geral

das provas/fatores processuais), as regras de integração do direito, analogia,

costumes e princípios gerais no artigo 139 e seguintes, as máximas de experiência

no artigo 381 (fatores extraprocessuais internos) e a cultura e os valores continuam

incidindo na aplicação da norma e no processo de formação da convicção (fatores

extraprocessuais externos).

Estes temas foram relacionados ao final do capítulo 3 (item 3.9).

Como influência da linguagem no Projeto, podemos citar as ideias de criação do

direito (advindas do commom law, o que segundo aponta o eminente Luiz Guilherme

Marinoni, são frutos da inação do legislativo496) e também a já vista necessidade de

fundamentação das decisões judiciais.

Nesse sentido, há o dever dos tribunais de manter a jurisprudência estável (questão

também tratada no capítulo 5, quando será vista a concepção filosófica de

tendência).

Segundo apontam Nelson Nery Jr. e Georges Abboud, o apego ao efeito vinculante

é tamanho no Projeto e na cultura jurídica, que atualmente já se atribui à súmula

496 O professor explica também que o civil law criou o dogma de que o juiz se limita a atuar a lei, enquanto o common law jamais precisou negar o poder criativo dos juízes. Lembre-se que, logo após a revolução francesa, lei revolucionária proibiu os juízes de interpretar a lei, obrigando-lhes, em caso de dúvida interpretativa, a recorrer a uma comissão formada por legisladores. A célebre corte de cassação, instituída no mesmo ano de 1790, teve igual propósito, pois objetivou cassar as decisões destoantes da lei, compreendidas como as que pudessem comprometer os avanços desejados pelo Parlamento, isto é, pelo novo poder. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-nov-11/cpc-esquece-equidade-decisoes-judiciais. Acesso em: 18/06/2013.

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vinculante status superior ao da legislação e, com o Projeto, estende-se esta

supremacia à grande parcela das decisões dos tribunais superiores. O Projeto

manteve-se na crença de que a imposição do efeito vinculante às decisões dos

Tribunais Superiores seria a solução para desafogar o judiciário.497

A equidade, na visão de Luiz Guilherme Marinoni, e devido ao mencionado apego

ao efeito vinculante, ficou esquecida no Projeto:498

O sistema brasileiro - que adota o controle difuso de constitucionalidade -,

não se deu conta de que esta forma de poder judicial coloca em risco a

coerência da ordem jurídica, a segurança e a igualdade, valores

fundamentais em qualquer Estado de Direito. A ordem jurídica deve ser

coerente. A ordem jurídica, como é obvio, não é formada apenas pelas leis,

mas também pelas decisões judiciais. Como diz Neil MacCormick, fidelidade

ao Estado de direito requer que se evite qualquer variação frívola no padrão

decisório de um tribunal para o outro. Múltiplas decisões para casos iguais

revelam uma ordem jurídica incoerente.

Estes reflexos, ainda que indiretamente, afetam as regras de integração do direito,

vistas acima.

Contudo, mais detalhes destas questões serão tratados no confronto dos

dispositivos do Projeto no capítulo 5.

497 Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador:

Editora JusPodium. 2013, p. 487/488. 498 Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-nov-11/cpc-esquece-equidade-decisoes-judiciais. Acesso em: 18/06/2013.

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5. FATORES EXTRAPROCESSUAIS EXTERNOS DA FORMAÇÃO DA

CONVICÇÃO DO MAGISTRADO. DIREITO E FILOSOFIA.

5.1. INTRODUÇÃO E CONCEITUAÇÃO.

Façamos agora, antes de prosseguir, um rápido resumo dos capítulos vistos até

então.

No capítulo primeiro, foi vista a introdução do tema, bem como se situou a formação

da convicção do magistrado diante da efetividade processual, da

constitucionalização do processo, e do sistema processual, que elegeu as provas

como instrumento por excelência destinado a formar a convicção do magistrado.

No segundo capítulo, estudaram-se estas provas em sua história, sua teoria geral e

espécies, demonstrando-as como fatores processuais de formação do

convencimento.

No capítulo terceiro, objetivou-se demonstrar os mecanismos que o sistema

processual coloca à disposição do magistrado para decidir, bem como deverá

apreciar e valorar as provas produzidas, seus poderes e deveres.

No quarto capítulo, foi visto que há elementos processuais e elementos

extraprocessuais que formam a convicção do magistrado, bem como estudadas as

regras de integração do direito.

Consignou-se, em síntese, os elementos processuais consubstanciam-se nas

provas em espécie, expressamente previstas no ordenamento jurídico (seja no

Código de Processo ou no Código Civil).

Foi feita a dicotomia com relação aos fatores extraprocessuais, dividindo-os,

didaticamente, em internos e externos, sendo estudados propriamente os internos,

bem como regras de interpretação, lógica e linguagem, visando demonstrar que

existe uma série de recursos não estritamente legais que atuam no processo de

formação da convicção.

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Ao final, foi feito um breve estudo de casos, onde se buscou apontar alguns indícios

de que existem fatores externos que contribuem para a formação da convicção do

magistrado e que esta se amolda de acordo com o caso apreciado, sendo reservada

a análise dos fatores extraprocessuais externos para o presente capítulo.

Os elementos extraprocessuais externos ou ideológicos, são tidos como aqueles

que fazem parte da formação intelectual do juiz, fatores externos ao direito499, como

se tratará adiante, tendo por base a filosofia e também, como será visto ao final do

capítulo, segundo estudo realizado na Universidade Federal do Paraná intitulado:

Ideologia pessoal define decisões de juízes, destacar-se-ão as características dos

fatores extraprocessuais externos.

Estes elementos externos representam, de certa forma, uma extensão dos

elementos extraprocessuais, que são o conjunto das regras de linguagem, lógica,

hermenêutica e filosofia, de modo que se evidencia que a formação da convicção é

um complexo processo.

Por tais motivos, ensina Carlos Maximiliano que a jurisprudência constitui, ela

própria, um fator do processo de desenvolvimento geral; por isso a Hermenêutica

não se pode furtar à influência do meio no sentido estrito e na acepção lata; atende

às consequências de determinada exegese: quando possível a evita, se vai causar

dano, econômico ou moral à comunidade.500

5.2. CONVICÇÃO, CONVENCIMENTO E PERSUASÃO NA ÓTICA

FILOSÓFICA.

A convicção puramente é produto não só do que é dado (como as leis, por exemplo),

mas de uma série de juízos prévios que qualquer pessoa faz ao raciocinar.

499 Com efeito, exemplificativamente, Carlos Maximiliano ensina: “Quantas vezes um simples artigo de jornal influi mais nas deliberações de um congresso do que orações parlamentares!” (Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 19). 500 Op. cit., p. 129.

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220

A propósito, na dissertação de Marco Antonio Sousa Alves, da Universidade Federal

de Minas Gerais, intitulada “A argumentação filosófica”501, bem se explora a questão

da filosofia no trinômio persuasão – convencimento e convicção:

A persuasão ocorre no nível sensível, da opinião humana (doxa), que está

ligado às paixões e emoções, enquanto o convencimento racional ocorre no

nível inteligível, do conhecimento verdadeiro (episteme), que se acessa pelo

uso da razão, que realiza um exercício dialético. No convencimento, o

interlocutor é consciente, passando de um estado de ignorância ao

conhecimento de algo, enquanto na persuasão ele é apenas levado,

manipulado, conduzido numa direção através de sugestões e recursos

emotivos.

Neste mesmo trabalho, explora-se a posição de Immanuel Kant, uma vez que este

considera que a convicção pode ser tanto uma certeza lógica como quando nos

convencemos através de provas objetivas, ou quando já possuímos uma convicção

“prática”, baseada em crenças morais. Já a persuasão seria um convencimento não

suficiente, construindo-se assim apenas uma opinião. A persuasão forma-se a partir

de opiniões, enquanto o convencimento pode ser tanto baseado em um saber –

convicção lógica – quanto em uma crença – convicção prática.

Kant introduz uma ideia interessante ao associar a convicção ou convencimento à

validade universal, mas mantém o dualismo platônico entre emoção e razão, como

duas faculdades inscritas na alma humana, relacionando o primeiro termo a algo

puramente privado e incomunicável, fruto de um sentimento meramente subjetivo –

determinado por inclinações sensíveis – e ligando o segundo a razão objetiva, válida

universalmente e conhecida a priori – independentemente de qualquer elemento

empírico.

Ensinava o eminente Pontes de Miranda, por sua vez, sob o tema psique e Direito,

que o direito só se interessa pelo inter-humano; por isso, regra relações, cria-as,

modifica-as e extingue-as. O inter-humano que se exterioriza em palavras ou atos

dificilmente cairia sob o seu regramento. Em todo caso, o direito tenta colher o que é

501 Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/ARBZ-7FXHZA. Acesso em 30 de maio de 2013.

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221

vontade, ou pensamento, ou sentimento, sempre que, não exteriorizado de todo, há

elementos para a pesquisa. Seja como for, outros processos sociais de adaptação

se incumbem de tentar a disciplina inteira e o próprio direito leva em conta intenções

e opiniões das pessoas sobre fatos e circunstâncias.502

5.3. ELEMENTOS EXTERNOS DA FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO

MAGISTRADO.

Como já visto acima, existem fenômenos externos que contribuem para a formação

da convicção do magistrado.

Vejamos, alguns destes aspectos.

5.3.1. INTELIGÊNCIA, HÁBITO E INSTINTOS.

Segundo Nicolai Hartmann, a inteligência é definida como a função que adapta os

meios aos fins. Uma conduta inteligente apresenta-se como um conjunto de

operações que não são indeterminadas, mas que estão subordinadas a um fim,

visando à solução de um problema.503

Contudo, este conceito é insuficiente para caracterizar a inteligência, na medida em

que o instinto e o hábito, também são comportamentos orientados para um fim,

adaptados a um objetivo, ou seja, são maneiras de resolver um problema; todavia,

distinguem-se da inteligência em diversos aspectos.

O mais importante destes aspectos é a flexibilidade, a plasticidade de

comportamento que caracteriza a inteligência.

A habilidade instintiva é estritamente especializada. A este instinto estritamente

especializado opõe-se a inteligência, instrumento universal capaz de resolver

problemas novos, de adaptar-se a outras condições de existência (os camponeses

502 Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo III, 4ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p.

133. 503 Curso moderno de filosofia: Introdução à Filosofia das Ciências. 7ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1980, p. 14.

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que vivem nas montanhas, por exemplo, quando a neve cobre os campos, fabricam

delicadas peças de relojoaria).

A inteligência do homem propicia-lhes uma adaptação flexível, na medida de todas

as circunstâncias possíveis. Enquanto o instinto parece-se desencadear um

comportamento pré-fabricado – sempre o mesmo numa espécie dada – a

inteligência escolhe seus processos, o que, aliás, implica numa grande diversidade

de soluções adotadas (indivíduos inteligentes frequentemente resolvem o mesmo

problema por diferentes processos), implicando também na necessidade de

aprendizagem, na existência de tentativas.504

A inteligência apresenta-se, assim, como uma adaptação a novas situações.

O hábito, por sua vez, não é como o instinto, uma disposição inata: é, ao contrário, e

por definição, adquirido; portanto, pode ter a inteligência na sua origem, mas uma

vez constituído, o hábito assemelha-se ao instinto505.

Como o instinto, o hábito é especializado, ou seja, é possível ser um excelente

patinador e não saber nadar. O hábito, como o instinto, resolve automaticamente o

problema determinado para o qual foi adquirido. A inteligência, ao contrário, é, antes

de tudo, inovadora: intervém precisamente quando se apresentam novas

dificuldades que a rotina é incapaz de resolver.

É nessa medida da inteligência que toca o raciocínio do magistrado para a atividade

de aplicar a lei (especialmente diante das lacunas, quando se utiliza de regras de

integração vistas no capítulo anterior).

Diferentemente da inteligência animal, a inteligência humana pode dominar o tempo,

ou seja, o homem evoca o passado que não é mais e o futuro que poderá ser. O

homem forma lembranças e projetos, ele é, na ótica de Martin Heidegger, o ser dos

longínquos.506

504 Op. cit., p. 15. 505 Op. cit., p. 15. 506 Op. cit., p. 18.

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Com efeito, a inteligência humana é capaz de se desligar do real concreto, isto é, do

presente – de pensar as coisas na sua ausência; de representar o mundo

interiormente.

Karl Marx, nesse sentido, coloca que a diferença entre o arquiteto mais inepto e a

abelha mais perita, é que o arquiteto, antes de tudo, traz a casa na sua mente.507

Vejamos agora o que ocorre com a intuição e o raciocínio.

5.3.2. INTUIÇÃO E RACIOCÍNIO.

A intuição é um conhecimento imediato, uma visão (tueri, em latim, significa

primitivamente ver).

Há diversos tipos de intuição.

A intuição sensível é o conhecimento imediato que é dado pelos órgãos dos

sentidos: sinto que faz calor, que o bloco de papel em que escrevo é branco etc.

Fala-se em intuição mística a propósito dos efeitos que, no Paraíso, veem Deus

diretamente. O tato do homem de sociedade que sabe prontamente o que deve ou

não dizer no meio em que é recebido, também é de ordem intuitiva. A intuição

adivinhadora é a do sábio, do engenheiro, do romancista quando repentinamente

surge uma nova hipótese, um esquema de estrutura inédita, um tema romanesco

original em sua mente.508

O eminente Miguel Reale lecionava que o processo primordial de conhecimento

imediato é-nos dado pela intuição sensível, que marca o contato do sujeito

cognoscente com algo graças às impressões dos sentidos e à percepção. A intuição

sensível está na base de todo conhecimento empírico e, a rigor, põe-nos em relação

com algo realmente existente, com os elementos do mundo real, distinguindo-se por

507 Op. cit., p. 18. 508 Op. cit., p. 24.

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ser particular, pessoal e intransferível, valendo no âmbito mesmo da experiência do

sujeito.509

Leciona também que o homem é um ser que pensa, sente e age, distinguindo-se

três forças fundamentais do ser espiritual: racional, emocional e volitiva.510

E conclui o renomado jurista com perfeição nesta ordem de ideias e em paralelo

com a atividade jurisdicional, que sentenciar não é apenas um ato racional, porque

envolve, antes de mais nada, uma atitude estimativa do juiz diante da prova.511

O raciocínio, por sua vez, distingue-se efetivamente da intuição porque ele exige

diligências, mediações que a intuição precisamente exclui.

O raciocínio, diferentemente da intuição, procede por mediação. Chega a concluir

depois de ter elaborado toda uma cadeia de razões. Enquanto a intuição nos revela

realidades singulares, seres concretos, o raciocínio progride através dos conceitos,

das ideias gerais e abstratas. A ideia de homem é geral e abstrata: abstrata porque

representa uma característica dos indivíduos, isolada pelo espírito; geral

precisamente pelo fato de ser abstrata.512

Oportunamente, indica-se o posicionamento do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina (Revisão Criminal nº 2008.038277-9, da relatoria da Des. Salete Silva

Sommariva), que bem relaciona os últimos tópicos vistos a seguir, e enfatiza a

necessidade da intuição e dedução no trabalho do magistrado:

Não é preciso grande esforço para se demonstrar que na vida diuturna da

judicatura nunca o juiz dispensou aquelas verdadeiras fontes: a intuição e a

dedução. Todo convencimento deve ser o produto não de um reflexo do

sensório, de uma percepção puramente visual ou material, mas, do esforço

da inteligência posta ao serviço da verdade. Em face dessas considerações,

é absurdo que o nosso legislador queira, quando faculta a revisão em

presença de uma divergência entre a sentença condenatória e a evidência

509 Filosofia do direito. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. Vol. I, p. 118. 510 Op.cit., p. 120. 511 Op.cit., p. 122. 512 Curso moderno de filosofia: Introdução à Filosofia das Ciências. 7ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1980, p. 25.

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dos autos, que esta fique circunscrita à "materialidade" da prova, impedindo

ao juiz de auscultar pelo seu raciocínio a verdade que da prova ressalta.

Com isto, vejamos agora a dedução.

5.3.3. DEDUÇÃO.

A dedução, na lição de Miguel Reale, é um processo de raciocínio, que implica

sempre na existência de dois ou mais juízos, ligados entre si por exigências

puramente formais.513

A dedução está intimamente ligada ao silogismo.

O raciocínio silogístico, tal como analisamos anteriormente é uma dedução, uma

operação pela qual se conclui rigorosamente de uma ou várias proposições tomadas

como premissas, uma proposição que é sua consequência necessária em virtude

das regras lógicas.514

A dedução, nesta ordem de ideias é assim entendida pela jurisprudência, a exemplo

do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação criminal nº

70045516838, da relatoria do Des. João Batista Marques Tovo:

O raciocínio envolvido no elemento indiciário, segundo reiterada lição

doutrinária, é dedutivo - parte-se de uma premissa maior (P), regra da

ciência ou da experiência, passando por uma premissa menor (p), que é o

fato conhecido e provado, ou indício, para alcançar uma conclusão ou fato

indicado. Um bom exemplo de regra da ciência é o álibi cujo raciocínio é

assim demonstrado: (P) ninguém pode estar em dois lugares ao mesmo

tempo, (p) o réu estava em Portugal, logo não é o autor do fato cometido no

Brasil. Como é fácil perceber, a força probante da conclusão indiciária

ou fato indicado (seu vigor lógico) depende do grau de probabilidade ou

certeza das duas premissas.

Oportunamente, relaciona-se também a lição do eminente Guilherme de Souza

Nucci, que afirma que ao pronunciar uma sentença, o julgador leva em conta tanto a

513 Filosofia do direito. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. Vol. I, p. 131. 514 Curso moderno de filosofia: Introdução à Filosofia das Ciências. 7ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1980, p. 31.

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indução, quanto a dedução, a intuição e o silogismo. Quanto ao processo indutivo,

ele (julgador) seleciona os dados singulares interessantes ao seu conceito de justo,

conforme sua experiência de vida e seus valores, determinando formação de um

raciocínio próprio. Para condenar ou absolver o réu, julgando procedente ou

improcedente uma causa, o magistrado pode trabalhar com a indução

generalizadora de dois modos diversos, fazendo a conclusão caminhar para um lado

(condenação ou procedência) ou para outro (absolvição ou improcedência). Ele

pode usar, ainda, inicialmente a intuição (sentindo se o réu é ou não culpado),

caminhar para a indução e findar com a dedução.515

5.4. SUBJETIVIDADE, TENDÊNCIAS, DESEJOS E COMPORTAMENTOS E

SUAS RELAÇÕES COM A FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO E COM

RELAÇÃO AO PL 8.046/2010.

Para a filosofia, as tendências são forças, mas não forças comuns.516

São forças orientadas para fins. A tendência é, simultaneamente, caracterizada por

um impulso e por uma direção. Pode-se dizer que ela é uma intenção, no sentido

etimológico da palavra, uma tensão do ser vivo em direção a um objeto. A palavra

intenção designa, no caso, não só, como na linguagem corrente, um projeto

consciente, e sim, mais geralmente, toda orientação, mesmo inconsciente, de nossa

atividade psíquica. A necessidade de alimentação, o apetite sexual, o instinto e até o

entusiasmo que nos leva a procurar a verdade ou admirar uma obra de arte são

tendências.517

Verdadeiramente, afirma-se, portanto, que só há tendência quando, bem longe de

afastar um objeto, desejamos aproximá-lo de nós, quando tendemos para um objeto,

tal qual faz o magistrado ao formar seu convencimento e prolatar decisão judicial

diante de um caso posto à sua interpretação (pode ser traduzido como a ideia de

equidistância do magistrado com relação às partes no processo).

515 Código de Processo Penal Comentado. 12ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. 516 Colocam os autores Denis Huisman e André Vergez, que a distinção entre as palavras tendência, necessidade, desejo, instinto, nem sempre é precisa – Curso moderno de filosofia: Introdução à Filosofia das Ciências. 7ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1980, nota (1), p. 157. 517 Op. cit., p. 157.

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Quer se trate de tendências alimentares, sexuais, estéticas e até intelectuais, o

homem, se dirige a um objeto exterior, exprimindo ao ser vivo o sentimento de uma

lacuna que somente pode um objeto pode preencher. Toda tendência autêntica é,

portanto, tendência para qualquer coisa, procura de um objeto ou de um ser

complementar, é, pois a orientação espontânea de certo número de necessidades

para os objetos que asseguram a satisfação.518

É o que ocorre analogicamente com o instituto da uniformização da jurisprudência,

previsto no artigo 476 e seguintes do CPC.

Na lição do professor Arruda Alvim, a orientação divergente decorrente de Turmas e

Câmaras, dentro de um mesmo Tribunal, no mesmo momento histórico e a respeito

da aplicação de uma mesma lei, representa grave inconveniente, gerador de

incerteza do direito, que é o inverso do que se objetiva com o comando contido

numa lei, nascida para ter um só entendimento. Em síntese larga, os ordenamentos

buscam tornar razoavelmente previsíveis os julgamentos de casos similares, em

substância análogos, e, assim, impedir que a sorte de um determinado processo, no

todo ou em parte, dependa da álea intrínseca da distribuição para este ou aquele

Tribunal. A falta de uniformização nos julgamentos, sem mudanças significativas no

esquema de fato ou de direito porventura aplicável à espécie, derivada e calcada tão

só na interpretação discrepante dos julgadores, desaponta e revolta os destinatários

da atividade jurisdicional.519

O legislador cria mecanismos para solucionar tal impasse, como é o caso da

uniformização da jurisprudência.

Assim opera-se a uniformização no Tribunal, a exemplo do julgamento da Apelação

Cível nº 1999.61.17.000070-6, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OBSCURIDADE,

OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO NÃO CARACTERIZADAS.

518 Op. cit., p. 160. 519 Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012, p. 742.

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IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DA CAUSA. EMBARGOS

REJEITADOS. (...) 5. Não se pode ignorar, por fim, que os títulos executivos

elásticos e em contrariedade com a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal haverão de passar pelo crivo do disposto no artigo 741, § único, do

Código de Processo, dentro da tendência atual de uniformização de

jurisprudência, necessária para pôr termo à insegurança jurídica vigente no

país. 6. Embargos de declaração a que se nega provimento.

Na ótica filosófica, despida de uma argumentação jurídica exacerbada, temos na

uniformização e estabilidade da jurisprudência, uma manifestação da tendência, pois

visa direcionar o entendimento acerca de um tema (que é verificado no incidente de

solução de demandas repetitivas, previsto no PL nº 8.046/2010, no artigo 988, vide

apêndice – quadro 4.1).

O incidente de resolução de demandas repetitivas, na dicção do relatório-geral

apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira é a principal inovação do Projeto do novo

CPC. Trata-se do instituto mais comentado em todas as audiências públicas. Há

consenso quanto à necessidade de sua criação. Mas o Projeto precisa de alguns

aperfeiçoamentos, muitos dos quais provieram das audiências públicas realizadas

por todo o Brasil. Em primeiro lugar, os dispositivos precisam ser mais bem

organizados, de modo a se lhes conferir encadeamento lógico. Ademais, é preciso

deixar claro que o incidente deve ser tratado como incidente de uma causa que já se

encontre no Tribunal – não se pode suscitar um incidente em tribunal se não há

nenhuma causa que esteja em trâmite nesse órgão jurisdicional. Outro ponto

importantíssimo diz respeito à competência para o julgamento do incidente. De um

lado, é preciso garantir que essa competência seja determinada pelo regimento

interno do Tribunal; de outro, é preciso indicar que tal competência deve observar a

natureza da questão que se busca resolver.520

Ensina, a propósito, Bruno Dantas, que o Projeto procurou enfrentar dois dos

maiores males que afligem atualmente a sociedade brasileira na seara jurídica: a

fragmentação e a instabilidade da jurisprudência. Ou seja, explica o professor que

normal é a jurisprudência dos tribunais orientar a atuação dos juízes inferiores.

520 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013.

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Anormal são os tribunais oferecerem o insumo da imprevisibilidade e da insegurança

jurídica para os magistrados inferiores e a sociedade em geral.521

Também discorre o professor, que modernamente, o juiz assume o papel de realizar

a ordem jurídica, mediante a investigação da solução mais justa e adequada para

cada caso, dando concretude a regras e princípios que compõem o ordenamento

jurídico, dessa criatividade judicial é natural que decorram interpretações

conflitantes. O que não é natural, todavia, é que essas decisões conflitantes se

cristalizem, ensejando a quebra do princípio da igualdade de todos perante a lei.522

Por tais motivos, também, como se viu, o Projeto busca essa uniformização, com a

tentativa de inclusão da teoria do precedente no ordenamento.523

O relatório manteve o sistema, acolhido no Projeto aprovado pelo Senado Federal,

de atribuir eficácia vinculante aos precedentes judiciais. Busca-se aperfeiçoá-lo,

porém. Em primeiro lugar, modifica-se topologicamente o trato do tema, levando-o

para o capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, de modo a deixar claro que

se trata de atribuir eficácia vinculante aos provimentos judiciais finais.524

Aperfeiçoa-se a terminologia do Projeto, de modo a deixar clara a eficácia vinculante

dos precedentes judiciais, regulamentando-se, também, a eficácia das decisões que

superam os precedentes vinculantes, de forma a respeitar os princípios da

segurança jurídica, confiança e isonomia.

Busca-se, ainda, regular os casos em que a eficácia vinculante não incide, de modo

a permitir a correta distinção entre o caso que deu origem ao precedente vinculante

521 Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador:

Editora JusPodium. 2013, p. 125/131. 522 Op. cit., p. 137/138. 523 Ensinam Nelson Nery Jr. e Georges Abboud, que após a promulgação da EC 45/2003, que instituiu a súmula vinculante em nosso ordenamento, passou-se a falar que teria sido introduzido, em nosso sistema jurídico, o precedente judicial e a regra do stare decisis do common law (contudo, perante esse cenário, realizaram estudos demonstrando que a súmula vinculante não pode ser confundida com o precedente do common law, posto que consiste em figura assemelhada aos já superados assentos portugueses). Novas Tendências do Processo Civil. Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Editora JusPodium. 2013, p.

485/486. 524 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios. Acesso em 09 de julho de 2013.

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e um caso concreto posterior que, por ser diferente daquele, não deva ser julgado da

mesma maneira (vide apêndice – quadro 4.2).

A tendência também se verifica com a edição das Súmulas vinculantes.

Criada em 2004 com a Emenda Constitucional 45, constante atualmente do artigo

103-A da Constituição Federal525, a súmula vinculante é um mecanismo que obriga

juízes de todos os tribunais a seguirem o entendimento adotado pelo Supremo

Tribunal Federal sobre determinado assunto com jurisprudência consolidada. 526

Com a decisão do Supremo Tribunal Federal, a súmula vinculante adquire força de

lei e cria um vínculo jurídico, não podendo mais, portanto, ser contrariada.

Busca-se, com essa medida, assegurar o princípio da igualdade nesse tipo de

julgamento, evitando que a mesma norma seja interpretada de formas distintas para

situações idênticas, gerando distorções na aplicação da lei.

O mecanismo foi criado ainda para desafogar o Supremo Tribunal Federal, evitando

que o tribunal continuasse a analisar grande número de processos gerados pelo

mesmo fato, apesar da decisão tomada anteriormente pelos seus ministros, gerando

o efeito vinculante. 527

525 Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 526 Disponível em: http://www12.senado.gov.br/noticias/entenda-o-assunto/sumula-vinculante. Acesso em 04/06/2013. 527 O glossário do Supremo Tribunal Federal coloca que o efeito vinculante é aquele pelo qual a decisão tomada pelo tribunal em determinado processo passa a valer para os demais que discutam questão idêntica. No STF, a decisão tomada em Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade ou na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental possui efeito vinculante, ou seja, deve ser aplicada a todos os casos sobre o mesmo tema. As Súmulas Vinculantes aprovadas pela Corte também conferem à decisão o efeito vinculante, devendo a Administração Pública atuar conforme o enunciado da súmula, bem como os juízes e desembargadores do país. Os demais processos de competência do STF (habeas corpus, mandado de segurança, recurso extraordinário e outros) não possuem efeito vinculante, assim a decisão tomada nesses processos só tem validade entre as partes. Entretanto, o STF pode conferir esse efeito convertendo o entendimento em Súmula Vinculante. Outro caminho é o envio de mensagem ao Senado Federal, a fim de informar o resultado do julgamento para que ele retire do ordenamento jurídico a norma tida como inconstitucional. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=461. Acesso em 04/06/2013.

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231

Oportunamente, temos como exemplo a Proposta de Súmula Vinculante nº 34, da

relatoria do Ministro Eros Grau:

1. Trata-se de proposta interna de edição de súmula vinculante que enuncie

a competência da Justiça Comum Estadual para julgar as causas entre

consumidor e empresa concessionária de serviço público de telefonia

sempre que a Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL não for

litisconsorte passiva necessária ou assistente. Publicado edital para ciência

de eventuais interessados (fls. 8-9), manifestou-se tempestivamente a

Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL (fls. 11-17). Por força do

de fl. 20, determinei que a Secretaria submetesse os autos,

sucessivamente, aos demais integrantes desta Comissão para que

pudessem se manifestar sobre a adequação formal da presente proposta,

tudo conforme o art. 1º da Resolução STF 388, de 05.12.2008. Os

eminentes Ministros Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa,

respectivamente às fls. 24-25 e 28, consideraram a proposição ora em

exame formalmente adequada. 2. Verifico que a presente proposta interna

está suficientemente fundamentada e devidamente instruída com a

indicação dos precedentes em que este Supremo Tribunal Federal decidiu a

questão constitucional em tela. 3. Ante o exposto, também eu manifesto-me

pela formal adequação da proposta. Encerrada a atuação desta Comissão

de Jurisprudência, encaminhe a Secretaria os presentes autos ao Senhor

Presidente, o eminente Ministro Gilmar Mendes, após o cumprimento das

providências previstas no art. 2º da Resolução STF 388/2008. Publique-se.

Brasília, 30 de setembro de 2009. Ministra Ellen Gracie Presidente da

Comissão de Jurisprudência.

E vejamos como ela se opera no âmbito dos Tribunais, evidenciando a tendência

adotada. Confira-se no julgamento do Recurso de Revista nº 208800-

05.2007.5.15.0015, da relatoria do Ministro Augusto César Leite de Carvalho:

RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE

CÁLCULO. SÚMULA VINCULANTE 4 DO STF. Após a edição da Súmula

Vinculante 4 do STF, até que sobrevenha nova lei dispondo sobre a base de

cálculo do adicional de insalubridade, e não havendo previsão normativa

nesse sentido, tal parcela deverá continuar sendo calculada sobre o salário-

mínimo nacional. Recurso de revista conhecido e provido.

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232

Identifica-se o caráter filosófico da tendência na formação da convicção do

magistrado.

Aqui também se pode identificar exemplificativamente parcela da influência dos

desejos e “modulações comportamentais” com o chamado “ativismo judicial”.

O ativismo judicial, na lição do Ministro Luís Roberto Barroso, 528 consiste em uma

participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins

constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois

Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que

incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente

contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador

ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do

legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva

violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder

Público, notadamente em matéria de políticas públicas. 529

Sobre o ativismo judicial, também merece nota a consideração do eminente Lênio

Luiz Streck, que leciona que o ativismo e judicialização são temas que frequentam

as grandes discussões da teoria jurídica brasileira. O acentuado protagonismo do

Poder Judiciário vem despertando, não só no Brasil, um conjunto de pesquisas que

buscam a explicação desse fenômeno. Nesse sentido, a formação de uma

“juristocracia” (ou judiciariocracia) — chamemos assim a esse fenômeno — não

pode ser analisada como uma consequência exclusiva da vontade de poder (no

sentido da Wille zur Macht, de Nietzsche) manifestada pelos juízes, mas, ao mesmo

tempo, deve-se levar em consideração a intrincada relação interinstitucional entre os

528 Artigo intitulado: Judicalização, Ativismo judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em:

http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em 03/06/2013. 529 Na lição do professor, o oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. Até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criação livre do Direito. A auto-contenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas. Judicalização, Ativismo judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em:

http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em 03/06/2013.

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233

três poderes. Em síntese, todas essas questões apontam para um acentuado

protagonismo do Poder Judiciário no contexto político atual. 530

5.5. VALORES E CULTURA.

O jurista Miguel Reale em sua obra, leciona acerca da dificuldade de se conceituar

valor.

Nessa tentativa, afirma o renomado professor, que se fosse o propósito de uma

definição rigorosa, valor se pode dizer apenas que vale. O seu “ser” é o “valer”. Da

mesma forma que dizemos que o “ser” é, temos de dizer que o “valor” vale. Isto

porque o ser e valer são duas categorias fundamentais, duas posições primordiais

do espírito perante a realidade531.

O valor se caracteriza por ser sempre bipolar. Essa bipolaridade para nós, resulta da

dinâmica do Direito, dessa polaridade estimativa, por ser o Direito concretização de

elementos axiológicos: há o direito e o torto, o lícito e o ilícito, de forma que a força

contraditória que anima a vida jurídica, em todos os seus campos reflete a

bipolaridade dos valores que a informam.532

Toda sociedade, por sua vez, obedece a uma tábua de valores, de maneira que a

fisionomia de uma época depende da forma como os seus valores se distribuem ou

se ordenam. É aqui encontrada outra característica do valor, sua possibilidade de

ordenação ou graduação preferencial ou hierárquica.533

A cultura, por sua vez, é histórica e não pode ser concebida fora da história.

Segundo aponta o eminente Miguel Reale, examinando as diferentes expressões da

cultura no tempo, verificamos que elas são governadas pela apreciação dominante

530 Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-13/senso-incomum-ativismo-existe-ou-imaginacao-alguns. Acesso em: 17/06/2013. 531 Filosofia do direito. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. Vol. I, p. 168. 532 Op. cit., p. 169/170. 533 Op. cit., p. 171.

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de um valor em relação a outros. Este fato é devido a serem os valores suscetíveis

de ordenação ou hierarquia.534

A cultura pode ser assim considerada um patrimônio de espiritualidade constituído

pela espécie humana através do tempo.

Na cultura contém-se tudo aquilo que o homem adicionou à natureza, afeiçoando às

suas tendências fundamentais.535

Cultura não é senão a concretização ou atualização da liberdade, do poder que tem

o homem de reagir aos estímulos naturais de maneira diversa ao que ocorre com os

outros animais, cujas reações são de antemão predeterminadas pela natureza de

seu ser, círculo de suas necessidades imediatas.536

Ao magistrado não é dado eximir-se de analisar elementos culturais quando da

formação da sua convicção.

A este respeito, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no Ag

691979 MS 2005/0114697-1, da relatoria da Desembargadora convocada Alderita

Ramos de Oliveira, deixa bem clara esta hipótese:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA

MOBILIDADE NAMÃO DIREITA. TRABALHADOR BRAÇAL.

INCAPACIDADE LABORAL. IMPOSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO

PROFISSIONAL. REQUISITOS OBJETIVOS ECIRCUNSTÂNCIAS

PESSOAIS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1.

O magistrado, na verificação dos requisitos para a concessão de

aposentadoria por invalidez, não está adstrito aos requisitos previstos no

art. 42 da Lei 8.213/91, devendo analisar, também os aspectos

socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, para fins de

aferição de sua incapacidade laboral. 2. Agravo Regimental a que se nega

provimento.

534 Op. cit., p. 205. 535 Op. cit., p. 216. 536 Op. cit., p. 220.

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E estes elementos culturais também influenciam na decisão judicial, confira-se, a

este respeito, o julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - Apelação Civil nº

2006.021493-7, da relatoria do Desembargador Stanley da Silva Braga, onde se

decidiu acerca da necessidade de produção de prova pericial, eis que ela extrapola

os conhecimentos culturais ordinários do magistrado:

3. "A prova pericial é admissível quando se necessite demonstrar no

processo algum fato que dependa de conhecimento especial que não seja

próprio ao 'juiz médio', ou melhor, que esteja além dos conhecimentos que

podem ser exigidos do homem e do juiz de cultura média. Não importa que

o magistrado que está tratando da causa, em virtude de capacitação técnica

individual e específica (porque é, por exemplo, formado em engenharia

civil), tenha conhecimento para analisar a situação controvertida. Se a

capacitação requerida por essa situação não estiver dentro dos parâmetros

daquilo que se pode esperar de um juiz, não há como se dispensar a prova

pericial, ou seja, a elucidação do fato por prova que participe perito -

nomeado pelo juiz -, e em que possam atuar assistentes técnicos indicados

pelas partes, a qual deve resultar em laudo técnico-pericial, que por estas

poderá ser discutido. Lembre-se que o resultado de uma prova pericial só é

legítimo quando tiver sido facultado às partes participar em contraditório de

sua formação. A elucidação de fato que requer conhecimento técnico não

interessa apenas ao juiz, mas fundamentalmente às partes, que têm o

direito de discutir de forma adequada a questão técnica, mediante, se for o

caso, a indicação de assistentes técnicos." (Marinoni, Luiz Guilherme;

Arenhart, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento.

v.2. 7.ed. São Paulo: RT, 2008. p. 380/381) 4. In casu, sendo a perícia

grafotécnica inexistente, deverão os autos retornar a origem para

necessária produção da prova técnica.

Situação semelhante se verifica com os valores do magistrado quando da avaliação

da situação de pobreza do requerente, como enfatiza o Tribunal de Justiça de São

Paulo, no julgamento do agravo de instrumento nº 0285369-95.2011.8.26.0000, da

relatoria do Desembargador Helio Faria:

Agravo de instrumento. Justiça gratuita. Declaração de pobreza que goza

de presunção de veracidade, mas sujeito ao juízo de valor do magistrado.

Suplicante que possui rendimento mensal incompatível com a concessão do

benefício, que deve ser concedido somente aos efetivamente necessitados,

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sob pena de desvirtuamento da finalidade da lei e do princípio da isonomia.

Necessidade de expedição de ofício ao Serasa, em antecipação de tutela,

uma vez comprovada a negativação. Recurso parcialmente provido.

Indispensável para o presente trabalho, nesse momento, é apresentar o estudo

polêmico realizado pela Universidade Federal do Paraná, que dá conta de que a

ideologia pessoal dos juízes influencia mais na decisão do que o direito em si.537

Oportunamente, relaciona-se o depoimento do Desembargador do Tribunal de

Justiça do Paraná, José Maurício Pinto de Almeida, colhido neste estudo, que dá

conta de que sempre estará presente carga cultural e formação. Num primeiro olhar,

esse mecanismo estaria normalmente obedecendo ao aforismo da mihi factum, dabo

tibi jus, significando que o magistrado aplica o Direito ao fato, ainda que aquele (o

Direito) não tenha sido invocado na petição. E, se invocado, o juiz pode conferir aos

fatos qualificação jurídica diversa da atribuída pelo autor da demanda. O direito

brasileiro prestigia esse aforismo, conjuntamente com o jura novit curia (o juiz

conhece o direito). O tema traz à tona, uma vez mais, a neutralidade e a

imparcialidade do juiz. A imparcialidade é, sim, princípio de rigor observância nos

julgamentos (o juiz não pode ser suspeito ou impedido para determinado

julgamento). Todavia, tem-se considerado um mito o juiz neutro, na visão de que,

como produto cultural de seu meio, suas decisões receberão a influência de sua

formação jurídica, de suas crenças religiosas, de sua personalidade e de sua

condição econômica. Há estudos sobre o perfil da magistratura (origem econômica e

social do magistrado) e suas consequências na interpretação das leis ou, a melhor

dizer, na aplicação do direito ao caso concreto. Por tudo isso, encontramos decisões

diferentes para situações semelhantes, uma vez que, na interpretação dos fatos e da

lei, sempre estará presente a carga cultural e a formação do magistrado.

E também é do presente estudo a posição do professor da Universidade Federal do

Paraná, Emerson Gabardo, que explica que em vez de alguns julgadores buscarem

o Direito para encontrar a solução, eles buscam a solução dentro daquilo que

entendem como Justiça para depois buscarem o Direito, constata o professor. Para

537 A matéria intitulada “Ideologia pessoal define decisões de juízes”, em sua íntegra pode ser visualizada em: http://consultor-juridico.jusbrasil.com.br/noticias/3174579/ideologia-pessoal-define-decisoes-de-juizes-diz-estudo-da-ufpr. Acesso em 17/06/2013.

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Gabardo, entre os magistrados há uma busca da sentença que faça justiça no caso

concreto, em detrimento de decisões que procurem justificar teorias doutrinárias. A

mesma constatação é feita na prática diária por advogados que percebem que

alguns entendimentos de tribunais variam de caso para caso, de julgador para

julgador, e, em alguns casos, de dia para dia. Um mesmo relator em casos análogos

foi capaz de aplicar duas teorias diferentes para a resolução do mesmo problema,

sem nem ao mesmo mencionar que houve mudança de entendimento, disse um

advogado, que pediu para não ser identificado. Decisões que levam muito mais em

conta as circunstâncias do caso concreto no convencimento dos magistrados são,

explica Gabardo, em parte, influenciadas pela mudança de paradigma das teorias do

chamado neo-constitucionalismo ou pós-positivismo, que abrem as possibilidades

hermenêuticas do magistrado fazendo com que os princípios constitucionais também

funcionem como regras. Antes haviam padrões mais bem estabelecidos e a

vinculação formal à lei era um mecanismo de segurança jurídica importante. Para

ele, atualmente os juízes estão muito mais preocupados, conscientemente ou não, a

fazer a justiça conforme seus próprios critérios subjetivos. É paradoxal, mas a

abertura para os princípios acaba acarretando uma ampliação da influência da

consciência na decisão. Formalmente a decisão é objetiva, materialmente não. Isso

já acontecia no auge do positivismo, mas de forma muito mais tímida e controlável,

compara.

Com isso, serão estudados agora, dois filósofos em particular, cuja filosofia reflete

sobre o tema do presente trabalho – David Hume e John Stuart Mill.

5.6. A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO PASSIONAL E A PARCIALIDADE DO

SER. A FILOSOFIA DE DAVID HUME.

David Hume538 foi um filósofo, historiador e ensaísta escocês que se tornou célebre

por seu empirismo radical e seu ceticismo filosófico.

538 Em breve história, de família escocesa, David Hume nasceu em 7 de maio de 1711, em Edimburgo, e morreu na mesma cidade em 25 de agosto de 1776. Em 1734 viajou para a França, depois de uma experiência sem sucesso no comércio, atividade a que se dedicou com a intenção de recuperar-se de um intenso esgotamento intelectual. Permaneceu na França até 1737, completando a redação de seu "Tratado", iniciado com pouco mais de vinte anos de idade. Retornando à Grã-Bretanha, ocupou cargos públicos, incluindo o de secretário de Estado (1768). Antes, entre 1763 e 1765, serviu na França como secretário da embaixada inglesa. Ao falecer, revelou extraordinária tranqüilidade diante da morte. Disponível em http://plato.stanford.edu/entries/hume/#LifWor. Acesso em 05/06/2013.

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Viveu em Edimburgo, no período de 7 de Maio de 1711 a 25 de Agosto de 1776.

Tratou extensamente sobre o conhecimento na sua obra Tratado da Natureza

Humana, e afirmou que este seria, na prática, resultado do hábito, e este, por sua

vez, seria derivado de um processo inerente à natureza humana, de associar dois

fenômenos independentes, vinculando-os em termos de causalidade, por se terem

mostrado de maneira encadeada diante de nossos sentidos.

Identifica-se na doutrina de Hume, o instrumentalismo, que declara que uma ação é

razoável se e somente se ela serve os objetos e desejos do agente, quaisquer que

estes sejam, inspirando, sob aspectos filosóficos, a sistemática proposta no Código

de Processo Civil.

Hume afirma ainda, e aqui é traçado um paralelo entre sua filosofia e a formação da

convicção do magistrado, que os homens se constituem passionalmente por algo

que não pode ser propriamente qualificado de egoísmo, mas sim por algo que ele

nomeia parcialidade (e é a partir desta parcialidade, que todo raciocínio humano é

construído).

Silvia Regina da Silva Costa, em artigo publicado nos cadernos da EMARF,

Fenomenologia e Direito, bem explora esta questão e afirma que este conceito de

parcialidade é o mais adequado às relações que mantemos com o mundo e com os

outros, haja vista que o egoísmo é termo que não as leva bem em consideração,

muito embora suponha, por sua própria definição.539

A parcialidade é termo que compreende uma maior atenção a nós mesmos, mas

que não exclui a relação que mantemos segundo nossas paixões.

Nas palavras de Hume:540

539 A Justiça empirista segundo David Hume. Cadernos da EMARF, Fenomenologia e Direito. Rio de Janeiro,

v.4, n. 1, p. 151/152. Disponível em: ifcs.ufrj.br/~sfjp/revista/downloads/a_justica_empirista.pdf. Acesso em: 05/06/2013. 540 Tratado da Natureza Humana. São Paulo: UNESP, 2001, p. 529.

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Ora, é manifesto que, na estrutura original da nossa mente, nosso maior

grau de atenção se dirige a nós mesmos; logo abaixo, está a atenção que

dirigimos a nossos parentes e amigos; e só o mais leve grau se volta para

estranhos e as pessoas que nos são indiferentes.

Esta questão da paixão é explorada extensamente por Hume, afirmando que o

objetivo maior do homem (e o juiz, obviamente, é homem) é satisfazer suas paixões.

Já que em vez de abrir mão de nossos interesses próprios, ou do interesse dos

nossos amigos mais próximos, abstendo-nos dos bens alheios, não há melhor meio

de atender a ambos que por essa convenção, porque é desse modo que mantemos

a sociedade, tão necessária a seu bem estar e subsistência, como também aos

nossos.541

Nesse sentido, conclui com precisão Silvia Regina da Silva Costa, que para que

surjam ideias de justiça e injustiça, e até mesmo para que se institua a sociedade

civil, é necessária, pois, a reflexão de nossas paixões singulares, é preciso que a

nossa parcialidade encontre pelo senso comum do interesse os modos de sua

integração e satisfação comum. O senso comum do interesse revela a aptidão

humana para a vida em sociedade, e é apresentado por Hume como primeira paixão

ou impressão refletida da parcialidade capaz de estabelecer a comunidade de

natureza humana, trazendo consigo as ideias ou paixões gerais que lhe são

imprescindíveis.542

Esse senso comum de interesse deve dar vazão ao interesse próprio, motivo original

para o estabelecimento da justiça e segundo Hume, foi, portanto, uma preocupação

com o nosso próprio interesse e com o interesse público que nos fez estabelecer as

leis da justiça; e nada pode ser mais certo que o fato de que não é uma relação de

ideias o que nos dá essa preocupação, mas nossas impressões e sentimentos, sem

os quais tudo na natureza nos seria indiferente e incapaz de nos afetar, por menos

que fosse. O senso de justiça, portanto, não se funda em nossas ideias, mas em

nossas impressões.543

541 Op. cit., p. 530. 542 A Justiça empirista segundo David Hume. Cadernos da EMARF, Fenomenologia e Direito. Rio de Janeiro,

v.4, n. 1, p. 157. 543 Tratado da Natureza Humana. São Paulo: UNESP, 2001, p. 536.

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Identifica-se a presença da filosofia de Hume no julgamento de processos no

Tribunal (mesmo que não precisamente sobre os temas aqui levantados), como o

caso do recurso criminal em sentido estrito nº 2009.70.00.000979-3/PR, da relatoria

do Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus, do Tribunal Regional

Federal da 4ª Região, quando se utilizou do filósofo em questão para relacionar o

processo de indução, causa e efeito:

Enfim: mesmo Zaffaroni parece apelar, ao cabo, para o bom senso dos

Juízes, diante da ausência de critérios inequívocos para apartar atos

preparatórios de atos de execução. A teoria também foi esposada por Hans-

Heinrich Jescheck (Tratado de Derecho Penal: parte general, Comares, p.

555). Uma vez mais: a distinção é artificial, porquanto não corresponde a

qualquer característica imanente aos entes; à natureza das coisas.

Sobremodo em tipos penais de conduta livre (p.ex., art. 121, CPB), que

admitem uma variegada gama de formas/meios de execução. Aliás, mesmo

condutas eticamente neutras podem sinalizar - conforme o contexto - para

atos de execução, a vingar uma leitura ampliativa da Lei (p.ex., a compra de

uma faca de cozinha poderia ser tomada como ato de execução de um

futuro homicídio, caso esse fosse o plano do autor)... Por sinal, a noção de

' causa e efeito' é mera indução; questão de grau (como já sabido desde

David Hume).

E também se faz presente no julgamento de causas de responsabilidade civil, como

na Apelação Cível nº 2764643 PR, do Tribunal de Justiça do Paraná, da relatoria do

Desembargador Wilde de Lima Pugliesi:

Resta o pleito de indenização por dano moral. Não se ignora que a

suscetibilidade das pessoas deve ser tomada na devida conta, sendo que

desde a Antiguidade a Humanidade perquire os fundamentos da moral,

terreno fértil para infindáveis argumentações. Leia-se, a título de ilustração,

o texto de David Hume (1711-1776), a respeito do sentimento moral. "Outro

princípio de nossa constituição que traz um grande reforço ao sentimento

moral é o amor pela fama, que reina com total autoridade em todos os

espíritos elevados e é muitas vezes o motivo supremo de cada um de seus

planos e realizações. Em nossa busca tenaz e sincera de um caráter, um

nome, uma reputação no mundo, passamos frequentemente em revista

nosso procedimento e conduta, e consideramos como eles aparecem aos

olhos daqueles que nos estão próximos e nos observam. Este constante

hábito de nos inspecionarmos, por assim dizer, pela reflexão, mantém vivos

todos os sentimentos do certo e do errado, e engendra, nas naturezas mais

nobres, uma certa reverência por si mesmo e pelos outros que é a mais

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segura guardiã de toda virtude." (HUME, David. Uma Investigação Sobre os

Princípios da Moral. Campinas: Unicamp. 1995. p. 161-162). Portanto, a

moral se refere ao foro íntimo e diz respeito a subjetividade de cada um,

recebendo influência dos usos e costumes locais, sendo próprio de cada

pessoa formar um arcabouço de valores próprios, que constitui a sua

própria ideologia. É terreno tão vasto quanto a imensidão do Planeta, sendo

tão diversificado quanto o número de seus habitantes, o que impede a

aferição da suscetibilidade de cada um. Por sua vez, o direito é uma ciência

normativa humana e moral e sua finalidade específica é ordenar a conduta

social dos homens no sentido de possibilitar a convivência. Desta forma o

ordenamento jurídico de cada País positiva leis protegendo os bens

considerados fundamentais, cuja ofensa não pode ser tolerada de forma

alguma. Assim o direito somente se ocupa do foro externo, sendo

considerado como uma ética objetiva enquanto que a moral é uma ética

subjetiva.

Vejamos, com isso, alguns aspectos da filosofia de Stuart Mill.

5.7. A INFLUÊNCIA DA IMPRENSA NA FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO. A

FILOSOFIA DE JOHN STUART MILL. A INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE SOBRE A

PESSOA E A MÍDIA.

John Stuart Mill544 foi um filósofo e economista inglês, e um dos pensadores liberais

mais influentes do século XIX. Foi um defensor do utilitarismo, a teoria ética

proposta inicialmente por Jeremy Bentham, outro grande filósofo.

Nasceu em Londres em 20 de Maio de 1806 e viveu até 8 de Maio de 1873, quando

faleceu em Avignon, cidade ao sul da França.

544 Em rápida introdução, John Stuart Mill teve a sua educação orientada e dirigida, desde cedo, dentro do utilitarismo e das obras de Jeremy Bentham (1748-1832), para quem o egoísmo, a ação utilitária e a busca do prazer são princípios capazes de fundamentar uma moral e orientar os comportamentos humanos na direção do bem. Revelando-se precoce, Stuart Mill foi separado, por seu pai, das crianças da mesma idade e submetido a rígida disciplina intelectual. Conforme escreveu em sua Autobiografia, aos 15 anos queria trabalhar para reformar o mundo. Aos vinte anos, contudo, sofre uma forte crise nervosa, rompendo com as idéias que lhe eram impostas. Busca, então, apoio na leitura dos poetas líricos, convencido de que o ser humano não é apenas puro intelecto. Logo depois, volta a sofrer nova crise, dessa vez sentimental, vivendo um romance com Harriet Taylor, com a qual só pôde se casar 21 anos depois, tendo de enfrentar os preconceitos da sociedade de seu tempo. Tal fato iria marcá-lo para o resto da vida, refletindo-se em sua filosofia, sempre inconformista, contra as convenções sociais, tornando-o, inclusive, um dos precursores da liberação da mulher. Disponível em: http://plato.stanford.edu/entries/mill/. Acesso em 05/06/2013.

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Para fins do presente trabalho, ativemo-nos à obra de Stuart Mill intitulada Sobre a

Liberdade (On Liberty).

Nesta obra, o filósofo tratou acerca da natureza e os limites do poder (aqui

entendido como os instrutórios do juiz) que pode ser exercido legitimamente pela

sociedade sobre o indivíduo, ou seja, acerca da influência que a mídia (no geral,

compreendendo-se dos jornais à internet) exerce sobre os homens e quais reflexos

podem implicar na interpretação e aplicação da lei.545

A posição de Mill e de sua filosofia é bem clara na sua obra, quando descreve a

Inglaterra do século XIX, com precisão que em muito se aplica aos dias de hoje,

especialmente na tendência e na influência de massa:546

Nos dias de hoje, os indivíduos estão perdidos na multidão. Em política, é

quase uma trivialidade dizer que agora a opinião pública governa o mundo.

O único poder que merece esse nome é o das massas e o dos governos,

que constituem o órgão das tendências e instintos de massa. Isso vale tanto

para as relações morais e sociais da vida privada, como para as transações

públicas. O que se chama de opinião pública nem sempre é a opinião da

mesma espécie de público: nos Estados Unidos, o público é toda população

branca; na Inglaterra, principalmente a classe média. Porém formam

sempre uma massa, isto é, uma mediocridade coletiva. E o que é uma

novidade ainda maior, a massa não recebe suas opiniões de dignitários da

igreja e do Estado, de líderes manifestos ou de livros. O que pensam é

criado por homens muito semelhantes a eles mesmos, os quais se dirigem a

ele ou falam em seu nome, impulsivamente, por meio dos jornais.

A filosofia de Stuart Mill também está presente na fundamentação de julgados, como

no caso do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento do agravo de

instrumento nº 2009.04.00.006214-8/SC, da relatoria do Desembargador Federal

Valdemar Capeletti:

545 Mill afasta-se da visão empirista de David Hume, para quem a origem de todo conhecimento humano reside na experiência. Para Mill, apenas a discussão pública dos pressupostos da prática empírica é capaz de orientar a conduta individual da sociedade. 546 Sobre a Liberdade. Lisboa: Editora Almedina, 2006, p. 101.

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A proteção da liberdade de expressão, nesta tradição jurídica, tem

conhecido muitos fundamentos ao longo da história, como sumariam John

Nowak e Ronald Rotunda (Op. cit., p. 991-993). Inicialmente, como

mecanismo de combate ao erro e à ignorância (John Milton); depois, como

forma de descobrir, no seio da comunidade, por meio do debate livre, a

verdade (John Stuart Mill); depois foi comparada à dinâmica da liberdade de

mercado, na qual a verdade de uma ideia seria resultado da competição

entre as várias visões, sem entraves governamentais (Justice Oliver

Wendell Holmes). A liberdade de expressão também encontrou assento na

possibilidade de os indivíduos colaborarem para o bem estar coletivo,

expressando seus próprios pontos de vista, bem como na necessidade de

impedir abusos governamentais, sempre tendentes a suportar as visões

majoritárias diante de pontos de vista impopulares. A lembrança destes

fundamentos e a recordação das funções da liberdade de comunicação são

relevantes para a solução do caso concreto. Com efeito, na maior parte dos

casos, os tribunais se perguntam a respeito da constitucionalidade das

restrições à liberdade de comunicação, vale dizer, das hipóteses em que o

governo quer silenciar. No caso concreto, todavia, a questão é diversa: a

transmissão obrigatória não impede o exercício da liberdade de

comunicação pelos concessionários. Eles têm ao seu dispor possibilidades

de comunicação muito superiores àquelas aproximadamente cinco horas

semanais ocupadas pela Voz do Brasil. Das 168 horas semanais

fisicamente disponíveis à radiodifusão, para livremente manifestar sua voz,

apenas 5 horas são ocupadas pelo Poder Público, isto sem considerar os

feriados em que não há transmissão obrigatória.

Além disso, os professores Denis Huisman e André Vergez, para demonstrar como a

sociedade (e o meio) influencia o indivíduo, propõem um interessante ponto de

partida.

Descrevem que o homem se preocupa em conhecer o mundo e atuar sobre as

coisas antes de se voltar para si mesmo, de refletir sobre a fonte do conhecimento e

da ação. Todo homem, entretanto, seja o mais frívolo, o mais inclinado a se

esquecer na ação, a se divertir, como dizia Blaise Pascal, se encontrou mais uma

vez, uma ora de dissabor, a só consigo mesmo. Como o poeta, ele disse para si: eis-

te aí. Os convidados já se foram, na escada já não mais ressoa o rumor de seus

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risos; encontramo-nos, brusca e unicamente, em face de nós mesmos. E nos

interrogamos: quem sou eu? E quem é esse eu que existe?547

E em seguida propõem a resposta e o caminho dela:548

Essas duas perguntas não são idênticas e a primeira nos faz, muito

facilmente, esquecer a segunda. Quem sou? A resposta é bastante fácil.

Indicaríamos nossa profissão, nossos hábitos, nosso caráter. Um psicólogo

que nos submetesse à prova dos testes, precisaria essa imagem de nós

mesmos. Mas tudo isso, o problema metafísico do eu não é abordado.

Trata-se apenas de fazer a análise do conteúdo do eu, de explorar sua

personalidade, não de definir porque somos uma pessoa. Daí a segunda

pergunta, a verdadeira indagação filosófica: que é esse eu que existe: Pois

se cada um de nós possui uma personalidade diferente, cujas

características concretas a psicologia pode descrever, nós nos

reconhecemos, por outro lado, como pessoa. Todos dizemos eu. Tratemos,

aqui, da personalidade sob esse ângulo, isto é, não como conteúdo

determinado (objeto da psicologia), mas como unidade formal – cada um de

nós é pessoa e não coisa, sujeito e não objeto.

Explicam os professores, que todo ser vivo – e não somente a pessoa humana é,

essencialmente, unidade. O ser vivo surge como um indivíduo, como qualquer coisa

indivisível, que forma um todo. O ser vivo não é, portanto, uma coleção de

elementos justapostos sem qualquer laço entre si.

A sociedade não está, pois, menos presente, na origem do sentimento do eu, no

adulto.

A ideia de responsabilidade (aqui entendida como poderes e deveres do juiz, vistos

no terceiro capítulo) pela qual hoje nos reconhecemos autores dos nossos atos de

ontem é, em grande parte, de origem social. Na responsabilidade temos que

responder e, para responder, não é possível estar só, é preciso que os outros nos

tenham feito perguntas (como em audiência de conciliação, instrução e julgamento),

547 Curso moderno de filosofia: Introdução à Filosofia das Ciências. 7ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1980, p. 303. 548 Op. Cit., p. 303.

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nos tenham pedido para desempenhar uma tarefa (princípio da investidura e inércia

da jurisdição).

A sociedade não deixa de nos obrigar a uma autovigilância, pois estamos cercados

de testemunhas que nos observam; ela nos força a estar atentos aos nossos atos,

sobre aos qual a atenção de outrem se dirige. A própria memória sem a qual não

haveria continuidade pessoal através do tempo estaria vinculada ao fato da

narração, que é um ato de origem social (os outros que nos pedem que expliquemos

o que fizemos). É curioso observar que a única lembrança que nunca podemos nos

arriscar a perder (porque a perguntam a qualquer propósito) não é objeto de uma

experiência íntima, mas a recebemos diretamente da sociedade. Essa lembrança é

a data do nosso nascimento (o esquecimento da data do nascimento para o

psiquiatra, um elemento do diagnóstico de graves perturbações da personalidade).

Em último caso, poderemos dizer: minha identidade é minha carteira de identidade,

meu certificado militar etc.549

O psicanalista, sociólogo e filósofo norte-americano, de origem alemã Erich Fromm,

que tratou com propriedade da moldagem do indivíduo pela sociedade, em sua obra

O medo à liberdade (14ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983) faz uma

análise da patologia da alienação psíquica inconsciente da sociedade industrial, que

se caracteriza pelo comportamento social consumista e pelo sistema patriarcalista

autoritário, reclamando uma necessidade ética urgente de mudanças nas

determinações socioeconômicas.

Essa moldagem se dá, segundo ele, com o centro gravitacional da cultura capitalista

é o consumismo passivo. O consumo, no entanto, é próprio da vida, do crescimento

biológico e das relações humanas; afinal, precisa-se comer, vestir, trocar valores de

uso econômico e outros. O homem contemporâneo, com seu avançado

conhecimento intelectual, desconhece-se enquanto totalidade espiritual, não sabe

bem o que deseja e por isso não consegue satisfazer-se plenamente, sentindo-se

vazio de realizações.

549 Curso moderno de filosofia: Introdução à Filosofia das Ciências. 7ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1980, p. 306.

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A mídia550, a seu turno, também exerce influência na formação da convicção.

A mídia consiste basicamente, na atividade de veicular informação, e à medida que

a sociedade evolui, esses meios de comunicação vão se tornado cada vez mais

eficientes.

O advogado Francisco Neves Serrano, por sinal, bem colocava uma interessante

questão acerca da influência da mídia em processo judicial:551

A imprensa conhece ao processo criminal muito por baixo, muito

elementarmente. Joga, quase sempre, apenas com informações, sempre

tendenciosas ou parciais (resultantes de diálogos com autoridades ou

agentes policiais, advogados e parentes das partes etc.) Ora, se assim é,

crônica ou a critica, em tais circunstâncias, é, por via de consequência, às

vezes injusta, não raro distorcida, quase sempre tendenciosa. Portanto, à

vista de episódios que serão encaminhados ao Judiciário, ou que neste já

se encontrem, cabe ao jornalista, por sem dúvida, a tarefa de aperfeiçoar a

sua prudência.

Esta influência exercida pela mídia na formação da convicção é mais nítida no

processo criminal, onde por sinal, há diversos trabalhos sobre o tema (dos quais se

podem citar: Marcio Thomaz Bastos. Júri e Mídia in Tribunal do Júri. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais; Ana Lúcia Menezes Vieira. Processo Penal e Mídia.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, dentre outros).

Nesse sentido, Ana Lúcia Menezes Vieira bem leciona que esta influência da mídia

no processo, acaba por gerar, expressões comuns utilizadas no cotidiano com

cunho de desprestigiar a justiça:552

É comum como também, os meios de comunicação noticiam uma prisão

temporária ou cautelar de uma determinada pessoa, elevando o provimento

550 Segundo o Houaiss, a mídia é todo suporte de difusão de informação que constitui um meio intermediário de expressão capaz de transmitir mensagens; meios de comunicação social de massa não diretamente interpessoais (como as conversas, diálogos públicos e privados). Abrangem esses meios o rádio, o cinema, a televisão, a escrita, em livros, revistas, boletins, jornais, computador, de um modo geral, os meios eletrônicos e telemáticos de comunicação em que se incluem também as diversas telefonias. Editora Objetiva. 1ª Edição: Rio de Janeiro: 2001, p. 1919. 551 Disponível em: http://www.oab.org.br/historiaoab/primeiros_anos.htm. Acesso em 05/06/2013. 552 Processo Penal e Mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 109.

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jurisdicional a categoria definitiva. Verificada a necessidade do arresto

cautelar a noticia de liberdade do suspeito ou acusado gera na opinião

publica uma descrença da atividade da justiça. Dai surgirem os chamados

clichês: “a policia prende a justiça solta”, “só pobre vai para a cadeia”, “o

crime compensa”, entre outros. Sem dizer desde logo, dos resultados da

opinião pública, ameaçados a dignidade do preso.

A propósito desta influência, bem aponta o professor Luiz Roberto Barroso em lição

magistral que integra todos estes elementos externos vistos até agora, que há quem

sustente ser mais fácil saber um voto ou uma decisão pelo nome do juiz do que pela

tese jurídica aplicável. Essa visão cética acarreta duas consequências negativas:

deslegitima a função judicial e libera os juízes para fazerem o que quiserem. Há uma

razão subjetiva e outra objetiva que se pode opor a esse ponto de vista. A primeira:

é possível assumir, como regra geral, que juízes verdadeiramente vocacionados têm

como motivação primária e principal a interpretação adequada do Direito vigente,

com a valoração imparcial dos elementos fáticos e jurídicos relevantes. Não se deve

minimizar esse sentido de dever que move as pessoas de bem em uma sociedade

civilizada. Em segundo lugar, o direito – a Constituição, as leis, a jurisprudência, os

elementos e métodos de interpretação – sempre desempenhará uma função

limitadora. O discurso normativo e a dogmática jurídica são autônomos em relação

às preferências pessoais do julgador. Por exemplo: o desejo de punir uma

determinada conduta não é capaz de superar a ocorrência de prescrição. O ímpeto

de conhecer e julgar uma causa não muda a regra sobre legitimação ativa. De modo

que o sentimento pessoal de cumprir o próprio dever e a força vinculante do Direito

são elementos decisivos na atuação judicial. Mas há que se reconhecer que não são

únicos. De fato, em múltiplas hipóteses, a solução para determinados problemas

jurídicos não será encontrada pronta no ordenamento. Nesses casos, que envolvem

ambiguidades da linguagem normativa, colisões de direitos ou desacordos morais

razoáveis, o juiz precisará construir argumentativamente a solução mais adequada,

do ponto de vista constitucional. Estudos empíricos recentes, oriundos, sobretudo,

da ciência política, confirmam o que sempre foi possível intuir: nesses casos, os

valores pessoais e a ideologia do intérprete passam a ter influência decisiva no

resultado dos julgamentos.553

553 E prossegue a lição: “Por exemplo: na apreciação da constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, a posição contrária à lei que as autorizava foi liderada por Ministro ligado historicamente ao

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5.8. FATORES POLÍTICOS E SOCIAIS E O PROCESSO LEGISLATIVO.

Vejamos agora a questão da influência dos fatores externos no processo legislativo

(que irá elaborar as leis para ao aplicador do Direito interpretar posteriormente).

Segundo leciona o Ministro Gilmar Ferreira Mendes554, o Processo Legislativo555

começa com a iniciativa, ou seja, quando alguém ou algum ente toma a iniciativa de

propor uma nova lei. A iniciativa pode ser comum (ou concorrente); quando puder

pensamento e à militância católica, sendo certo que a Igreja se opõe às investigações científicas dessa natureza. Nos Estados Unidos, fez parte da estratégia conservadora, iniciada com a posse de Ronald Reagan, em 1981, nomear para a Suprema Corte Ministros que pudessem reverter decisões judiciais consideradas progressistas, em temas como ações afirmativas, aborto e direitos dos acusados em processos criminais. É certo, porém, que eventuais preferências políticas do juiz são contidas não apenas por sua subordinação aos sentidos mínimos das normas constitucionais e legais, como também por fatores extrajurídicos e extrajudiciais. Tribunais não são guardiães de um Direito que não sofra o influxo da realidade, das maiorias políticas e dos múltiplos atores de uma sociedade plural. Órgãos, entidades e pessoas que se mobilizam, atuam e reagem. Dentre eles é possível mencionar, exemplificativamente, os Poderes Legislativo e Executivo, o Ministério Público, os Estados da Federação e entidades da sociedade civil. Todos eles se manifestam, nos autos ou fora deles, procurando fazer valer seus direitos, interesses e preferências. Atuam por meios formais e informais. E o Supremo Tribunal Federal, como a generalidade das cortes constitucionais, não vive fora do contexto político-institucional sobre o qual sua atuação repercute. Diante disso, o papel e as motivações da Corte sofrem a influência de fatores como, por exemplo: a preservação e, por vezes, a expansão de seu próprio poder; a interação com outros Poderes, instituições ou entes estatais; e as consequências práticas de seus julgados, inclusive e notadamente, a perspectiva de seu efetivo cumprimento. A esses fatores devem se somar, ademais, as circunstâncias internas dos órgãos colegiados. O modelo de deliberação, no Supremo Tribunal Federal, segue um padrão agregativo e não propriamente deliberativo. Vale dizer: a decisão é produto da soma de votos individuais e não da construção argumentativa de pronunciamentos consensuais ou intermediários. Nada obstante isso, não é incomum um Ministro curvar-se à posição da maioria, ao ver seu ponto de vista derrotado. Por vezes, os julgadores poderão procurar, mediante concessões em relação à própria convicção, produzir um resultado de consenso. Alinhamentos internos, em função da liderança intelectual ou pessoal de um Ministro, podem afetar posições. Por vezes, até mesmo um desentendimento pessoal poderá produzir impacto sobre a votação. Também podem influenciar decisivamente o resultado de um julgamento o relator sorteado, a ordem de votação efetivamente seguida ou mesmo um pedido de vista. Por igual, o método de seleção de casos a serem conhecidos e a elaboração da própria pauta de julgamentos envolve escolhas políticas acerca da agenda da corte a cada tempo. Por fim, a opinião pública se tornou, nos últimos anos, outro fator que exerce influência nas decisões judiciais que envolvam questões políticas ou morais relevantes. O poder de juízes e tribunais, como todo poder político em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Embora tal assertiva seja razoavelmente óbvia, do ponto de vista da teoria democrática, a verdade é que a percepção concreta desse fenômeno é relativamente recente. O distanciamento em relação ao cidadão comum, à opinião pública e aos meios de comunicação fazia parte da auto compreensão do Judiciário e era tido como virtude. O quadro, hoje, é totalmente diverso. De fato, a legitimidade democrática do Judiciário, sobretudo quando interpreta a Constituição, está associado à sua capacidade de corresponder ao sentimento social. Cortes constitucionais, como os tribunais em geral, não podem prescindir do respeito, da adesão e da aceitação da sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos. Se os tribunais interpretarem a Constituição em termos que divirjam significativamente do sentimento social, a sociedade encontrará mecanismos de transmitir suas objeções e, no limite, resistirá ao cumprimento da decisão”. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-dez-15/retrospectiva-2009-ativismo-judicial-mobiliza-justica-sociedade. Acesso em 05/06/2013. 554 Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 916/922. 555 Na lição do eminente José Afonso da Silva, “por processo legislativo entende-se o conjunto dos atos (iniciativa, emenda, votação, sanção, veto) realizados pelos órgãos legislativos, visando a formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos. Tem, pois, por objeto, nos termos do art. 59, a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções (...) É o conjunto de atos preordenados visando a criação de normas de Direito” (Curso de Direito Constitucional Positivo. 36ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013,

p. 452).

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ser apresentada por qualquer membro do Congresso Nacional, pelo Presidente de

República, e ainda pelos cidadãos no caso de iniciativa popular, e reservada,

quando a Constituição reserva a possibilidade a dar início ao processo de criação a

somente determinadas autoridades ou órgãos: privativa de órgãos do judiciário,

quando for iniciativa privativa dos tribunais (Supremo Tribunal Federal, Tribunais

Superiores e Tribunais de Justiça); privativa do Ministério Público, quando couber

somente à ele; privativa da Câmara dos Deputados, do Senado e do Tribunal de

contas da União; e por fim privativa do Presidente da República, quando, por

exemplo, se refere à leis que fixem ou modifiquem as Forças Armadas, que

disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na

Administração Pública, que tratem sobre a organização administrativa e judiciária,

matéria tributária e orçamentária, dentre outros.556

Após esta fase inicial, o Projeto de lei será debatido nas comissões e nos plenários

da Câmara dos Deputados e do Senado, dando início à fase de discussão ou

constitutiva.

O Projeto normativo deverá ser apreciado nas duas casas do Congresso Nacional

(Casa Iniciadora e Revisora), separadamente, e em um turno de discussão e

votação (no plenário), necessitando de maioria relativa em cada uma delas. Podem

ser formuladas emendas que alterem os projetos, podendo estas sofrer restrições.

Terminadas as discussões e debates, o Presidente recebe o Projeto de lei aprovado

no Congresso Nacional com ou sem emendas, para que a sancione ou a vete.

556 Assim dispõe o artigo 61 e seguintes da Constituição Federal: Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. § 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

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Ocorre que algumas leis são promulgadas sob o prisma sensacionalista ou

motivadas por algum clamor social, fatos que muitas vezes aceleram o processo

legislativo em alguns aspectos, e os desaceleram para outros.

Verificamos que nestes casos, há uma evidente influência externa midiática no

processo legislativo e que acarretará reflexos na esfera judicial, quando o

magistrado decidirá e formará sua convicção com base nesses preceitos oriundos

de clamor social.

Embora não se tenha a pretensão de problematizar a questão criminal

doutrinariamente, nem as circunstâncias que erigem um fato como crime, mas tão

somente o modo com que as leis chegaram à promulgação, o caso pode ser

percebido na seara penal, exemplificativamente, com a edição da lei de crimes

hediondos557.

Interessante estudo realizado na Faculdade de Direito de Varginha/MG, dá conta de

que no afã de conter a devastadora onda de criminalidade que assolava a sociedade

brasileira no final da década de 80, atingindo patamares nunca antes vistos no país,

o legislador constituinte estabeleceu norma, constante do Capítulo dos Direitos e

Garantias Fundamentais, que previa um tratamento diferenciado a determinada

espécies de delitos que eram considerados mais graves.558

Foi então promulgada a Lei nº 8.072/90, uma tentativa de resposta à violência,

embasada no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição, que estabelece que "a lei

considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da

tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos

como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os

que, podendo evitá-los, se omitirem".

557 Afinal, como bem ressalta Débora Pinho, editora do site Consultor Jurídico, acerca da criação da Lei de crimes hediondos e a morte da atriz Daniella Pereza: O crime abalou o país pela violência — Daniella foi morta aos 22 anos com 18 golpes de tesoura — e pelos personagens envolvidos em questão. A atriz, além de ser filha de Glória Perez, era casada com o ator da Globo Raul Gazolla. E, na época, fazia par romântico com seu assassino na novela De Corpo e Alma, da TV Globo. O caso teve tanta repercussão e comoção nacional que Glória Perez colheu 1,3 milhão de assinaturas na tentativa de mudar a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), editada pelo governo Fernando Collor em 1990. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-jul-09/imagens-historia-crime-fez-mudar-lei-crimes-hediondos. 558 Disponível em: http://www.fadiva.edu.br/Documentos/publicacoes/2007/9.pdf. Acesso em 27 de maio de 2013.

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No mesmo ano, surgiu a lista de crimes hediondos, que classificou como

inafiançáveis os crimes de extorsão mediante sequestro, latrocínio (roubo seguido

de morte) e estupro e negou aos seus autores os benefícios da progressão de

regime, obrigando-os a cumprir a pena em regime integralmente fechado, salvo o

benefício do livramento condicional com 2/3 da pena.

A Lei foi alterada em 1994, através da lei 8.930/1994, em que se incluiu o homicídio

qualificado na Lei dos Crimes Hediondos.

Em fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal, por seis votos a cinco,

considerou inconstitucional o §1º do artigo 2º da lei, que vedava a possibilidade de

progressão de regime. Dessa forma, a obrigação de cumprir 2/5 da condenação em

regime fechado não deve ser mais aplicada.

Esta lei teve grande repercussão na mídia (questões que sabidamente não se

podem incluir na ciência penal559), pois teria sido criada por iniciativa popular,

encabeçada pela novelista Glória Perez, depois do assassinato de sua filha a

atriz Daniella Perez, dois anos antes.

Ocorre que, não obstante a colheita de 1,3 milhões de assinaturas, o mencionado

Projeto de Lei foi encaminhado pelo Presidente da Comissão Estadual de Defesa da

Criança e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro. Portanto, em sua origem,

essa lei não é de iniciativa popular.560

559 Nesse sentido se manifesta o Superior Tribunal de Justiça: “CRIMINAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE GENÉRICA DO DELITO. CLAMOR SOCIAL. PRESUNÇÕES ABSTRATAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA. I. Não se aplica a vedação do art. 44 da Lei nº 11.343/06, que obstrui a concessão de liberdade provisória aos acusados pelo delito de tráfico ilícito de entorpecentes, em hipótese na qual o flagrante foi relaxado por inexistência do estado de flagrância. II. A prisão preventiva é medida excepcional que deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade,sob pena de antecipar a reprimenda e a ser cumprida quando da condenação. III. O simples juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao recorrente, assim como o volume de drogas apreendidas -cerca de 105 gramas - ou o clamor social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar, se desvinculados de qualquer fator concreto ensejador da configuração dos requisitos do art. 312 do CPP. IV. Ordem concedida, nos termos do voto do relator” (HC 211700 CE 2011/0152555-5. Relator. Min. Gilson Dipp). 560 Conforme consta no site do Planalto: “Houve a coleta de assinaturas porém o Projeto de lei foi encaminhado através da indicação legislativa nº 1, pelo presidente da comissão estadual de defesa da criança e do adolescente do estado do rio de janeiro, aprovada por unanimidade do colegiado. Portanto, em sua origem não é

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Contudo, para os penalistas, esta lei representou um retrocesso e um equívoco no

processo de humanização do direito penal, além de claramente ter atendido a

clamores sociais na sua elaboração.

Tal equívoco é evidenciado pela doutrina, que leciona que a Lei 8.072/90 representa

um retrocesso em face do processo histórico de humanização do Direito Penal,

refletindo-se as ideias do movimento da “Lei e da Ordem”, que considera a

criminalidade uma doença infecciosa a ser combatida e o criminoso um ser daninho.

Suas penas severas e duradouras, eram vistas como um meio de repressão e

castigo aos condenados. O nosso sistema punitivo se baseia na progressão de

regime prisional, visando à readaptação do condenado à vida social. Sendo este

benefício proibido pela Lei 8.072/90, no entanto, em março deste ano entrou em

vigor a Lei 11.464/07 que alterou o texto do Artigo 2º, considerado inconstitucional

por vários doutrinadores, permitindo a progressão de regime. Diante do crescimento

da criminalidade fica difícil questionar a dignidade do apenado, mas a sociedade e

as autoridades responsáveis pela custodia do preso devem tratá-lo de maneira que

não modifique a sua condição humana. O tratamento degradante só o ajudará a

embrutecer, contribuindo para que ao sair do cárcere retorne em condições piores

ao convívio social. É certo que no Brasil, os presos vivem em constante associação

para fins de rebeliões ou motins, mas o que esperar de pessoas que vivem em

cadeias malcheirosas, sem respeito a sua intimidade, a sua integridade física, sem

trabalho. São celas superlotadas e espaços físicos exíguos até mesmo para

necessidades fisiológicas. A Lei 8.072/90 afrontava o princípio da dignidade

humana, primeiro em razão das condições subumanas do cárcere e, segundo por

representar a prisão indevida um verdadeiro apenamento. 561

Também interessante mencionar, na esfera penal, o caso da Lei nº 12.737, de 30 de

novembro de 2012, sancionada em 3 de dezembro de 2012, que dispõe sobre a

tipificação criminal de delitos informáticos e que alterou dispositivos do Código

Penal, passando a prever como infração penal, a invasão de dispositivo informático,

considerado de iniciativa popular. Plc 113, de 1994 e pl 4.146, de 1993. Exposição de motivos nº 397/mj, de 25/08/1993”. 561 Disponível em: http://www.fadiva.edu.br/Documentos/publicacoes/2007/9.pdf. Acesso em 27 de maio de 2013.

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a interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático,

telemático ou de informação de utilidade pública e a falsificação de cartão de crédito

ou débito (artigos 154-A, 154-B, parágrafos 1º e 2º, do artigo 266 e Parágrafo Único

do artigo 298, todos do Código Penal562), que ficou conhecida como “Lei Carolina

Dieckman”.

O apelido da lei faz referência à atriz, que teve 36 fotos íntimas roubadas de seu

computador e divulgadas na internet em maio de 2012, sendo chantageada por e-

mail e exigido o pagamento de dez mil reais para que as imagens não fossem

divulgadas.563

A referida lei tipificou os chamados delitos ou crimes informáticos.

A legislação é oriunda do Projeto de Lei 2.793/2011564, apresentado em 29 de

novembro de 2011, pelo Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que tramitou em regime

de urgência e em tempo "record" no Congresso Nacional, em comparação com

outros projetos sobre delitos informáticos que as casas apreciavam (como, por

562 Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. § 1o Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. § 2o Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. § 3o Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. § 4o Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. § 5o Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: I - Presidente da República, governadores e prefeitos; II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos. (...) Art. 266 - Interromper ou perturbar serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico, impedir ou dificultar-lhe o restabelecimento: Pena - detenção, de um a três anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o restabelecimento.§ 2o Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública. (...) Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito ou débito. 563 Mais notícias podem ser encontradas em http://blogs.estadao.com.br/radar-tecnologico/2013/04/02/lei-carolina-dieckmann-e-lei-azeredo-entram-em-vigor-hoje-saiba-onde-denunciar/. Acesso em 27 de maio de 2013. 564 O trâmite do Projeto de Lei e demais documentos, podem ser conferidos no site da Câmara dos Deputados: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=529011. Acesso em 27 de maio de 2013.

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exemplo, o PL 84/1999565, a "Lei Azeredo", também transformado em lei ordinária

12.735/2012 em 3 de dezembro de 2012, que tramitava desde 1999!).

Apesar de ter sido criada sob a cinematografia e clamor da mídia, as novas leis de

crimes informáticos vieram a satisfazer as necessidades de criminalização de

condutas praticadas pela internet.

O professor Auriney Brito, em estudo divulgado em seu site, bem observa nesse

sentido que:566

À propósito, o caso da atriz Carolina Dieckmann, foi que deu velocidade à

tramitação do processo legislativo que deu ensejo à mudança. Em que pese

esse não ter sido o primeiro caso de extorsão e divulgação de conteúdo

sigiloso na internet, foi o que deu maior repercussão midiática, que, sem

dúvidas, é o fundamento da maior parte das ultimas criações legislativas do

âmbito penal. Divulgou-se amplamente que no mês de maio de 2012, fotos

da atriz foram divulgadas na internet após terem sido copiadas do seu

computador por crackers. Os responsáveis pela divulgação, após copiarem

as fotos, extorquiram a vítima para que não expusessem suas imagens na

internet, como a mesma não aceitou o trato, as imagens foram divulgadas.

A Lei em questão vem merecendo críticas de juristas, peritos, especialistas e

profissionais de segurança da informação, pois seus dispositivos são amplos,

confusos e podem gerar dupla interpretação, ou mesmo interpretação subjetiva, o

que pode ser utilizado para enquadramento criminal de condutas triviais ou mesmo

para a defesa e respaldo de infratores cibernéticos, o que tornaria a lei injusta e

ineficaz. Para outra corrente, ainda, as penas são pouco inibidoras, sendo muitas

situações enquadráveis nos procedimentos dos Juizados Especiais, o que poderia

contribuir para a não eficiência no combate ao crime cibernético no Brasil.

Não somente por estes fatos, mas a criação de uma lei, sem franquear a todos os

responsáveis, a devida oportunidade para se forrar dos riscos, necessidades e

565 O trâmite do Projeto de Lei e demais documentos podem ser conferidos no site da Câmara dos Deputados: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15028. Acesso em 27 de maio de 2013. 566 Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/aurineybrito/2013/04/03/analise-da-lei-12-73712-lei-carolina-dieckmann/. Acesso em 27 de maio de 2013.

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consequências da sua edição é um procedimento extremamente danoso para a

sociedade; que suportará as consequências e deverá se sujeitar a tal lei, até que

outra a revogue, ou que seja declarada inconstitucional (como ocorreu com a

progressão de regime em matéria de crimes hediondos).

Também é digno de nota, os movimentos atuais de reivindicação de redução de

passagens e protestos contra a corrupção, que organizados pelas chamadas redes

sociais, tiveram aceitação massificada da população, que passou em uníssono a

caminhar nesse sentido (contudo, não existe proposta de lei no sentido das

manifestações).

Em decorrência destes movimentos e paralisações, diversos projetos que estavam

parados para votação, tanto na Câmara, como no Senado, foram aprovados a toque

de caixa567, como por exemplo, o Projeto de lei que altera o Código Penal para

aumentar a punição para corrupção e tornar esse tipo de delito crime hediondo,

considerado de maior gravidade.

O texto aprovado no Senado determina que a corrupção ativa (quando é oferecida a

um funcionário público vantagem indevida para a prática de determinado ato de

ofício) passa ter pena de 4 a 12 anos de reclusão, além de multa – atualmente, a

reclusão é de 2 a 12 anos. A mesma punição passa a valer para a corrupção

passiva (quando funcionário público solicita ou recebe vantagem indevida em razão

da função que ocupa).

O juiz não está imune a todo este “movimento social”, sendo que as leis assim

aprovadas serão postas em vigência, colocadas dentro do sistema para serem

analisadas e interpretadas pelo magistrado, quando formar seu convencimento e

proferir alguma decisão.

567 Para se ter idéia, no período entre todo o mês de junho e a primeira semana de julho, Câmara e Senado votaram juntos neste ano 37 propostas entre projetos de lei, propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias e projetos de resolução (que criam cargos e destina verba a órgãos públicos). No mesmo período do ano passado, as duas Casas votaram 32 propostas. Em 2011, primeiro ano da atual legislatura, tinham sido 33. http://www.portalaz.com.br/noticia/politica_nacional/271493_apos_protestos_congresso_produz_mais_e_prioriza_projetos_sociais.html. Acesso em 15 de julho de 2013.

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CONCLUSÃO.

Como visto ao longo do trabalho, a formação da convicção e o ato de decidir não

são apenas atos puramente racionais, mas representam uma atividade estimativa do

juiz diante da prova.

A qualidade e o conteúdo da decisão judicial, qualquer que seja ela, depende

fatalmente do modo como o juiz formou sua convicção.

O sistema não informa “como” a formação do convencimento se dará, mas tão

somente “onde” - no processo e através dele, e “quando” - de acordo com a fase do

processo, se despacho; decisão interlocutória ou sentença.

O magistrado deverá, além de fazer o elo entre a realidade e o direito positivo, como

proposto pelo professor Paulo de Barros Carvalho, no exercício da jurisdição, na

condução do processo e na formação da sua convicção desempenhar distintas

atividades como se tratou ao longo do trabalho, das quais se relaciona:

1) Compreender: compreensão correta dos fatos. O Código de processo civil coloca

no artigo 282, os requisitos da petição inicial, que visam indicar elementos mínimos

para que se compreenda o cerne da pretensão deduzida, o que dará conotação

jurídica ao texto produzido – discurso jurídico568, estando ainda sujeitas as

pretensões que não se adequarem a esta norma, às consequências do artigo 295 do

mesmo diploma.

Conforme assevera o grande processualista Humberto Theodoro Júnior, como se

não bastasse, a petição inicial, em uma análise mais ampla, representa o próprio

exercício do direito de ação, pois é ato introdutório do processo, ao qual todos os

demais irão se seguir e manter estreita correlação com o objetivo de alcançar seu

fim maior, qual seja, a tutela jurisdicional através da sentença de mérito. O veículo

de manifestação formal da demanda é a petição inicial, que revela ao juiz a lide e

568 Nesse sentido, transcreve-se oportuna posição do Superior Tribunal de Justiça: “Processual civil. Agravo no recurso especial. Julgamento extra petita. Inocorrência. - Cabe ao julgador a interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na petição inicial a partir de uma análise de todo o seu conteúdo. Agravo não provido”. AgRg no REsp nº 914.981 – RN. Rel. Min. Nancy Andrighi.

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contém o pedido da providência jurisdicional, frente ao réu, que o autor julga

necessária para compor o litígio. 569

2) Problematizar: pois o magistrado, após receber e despachar uma petição inicial

apta a produzir seus efeitos, dá ensejo ao início do processo de conhecimento, onde

se adequarão as pretensões à lei, seguindo também o que é formalmente

institucionalizado no direito positivo para viabilizar a solução de conflitos, conforme

leciona, a propósito, com distinção José Carlos Barbosa Moreira. 570

3) Interpretar: atribuir sentido, uma vez que a lei é composta de palavras e que as

palavras servem para dar significado às coisas e por consequência, lembra o

Professor Paulo de Barros Carvalho571 as palavras de Ludwig Wittgenstein na

famosa proposição 5.6 do Tractatus logicus-philosophicus: asseverando que: “os

limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”.

Oportuna também é a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr, que nos dá fortes indícios

da necessidade de interpretação na aplicação do direito, uma vez que a realidade é

produto de articulação linguística: 572

A realidade, o mundo real, não é um dado, mas uma articulação linguística

mais ou menos num contexto social (...) Fato, não é, pois, algo concreto,

sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação

existencial como realidade;

4) Controlar: como, por exemplo, no caso do controle difuso de constitucionalidade –

artigo 97, da CF, que embora não seja objeto do trabalho, também esta presente na

atividade do magistrado. 573

569 Curso de Direito Processual Civil. 54ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013. 570 “Com esse despacho liminar de conteúdo positivo, sempre que não haja prévia distribuição, é que a ação, no caso de deferimento da inicial, se considera proposta (art. 263, 1ª parte). Em tal momento operam-se os efeitos atribuídos pela lei à propositura, ressalvados os de que trata o art. 219, cuja produção se subordina à condição (legal) suspensiva da realização da citação (art. 263, 2ª parte)”. O novo processo civil brasileiro – exposição sistemática do procedimento. 29ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 27. 571 Direito Tributário, Linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013, p. 25. 572 Introdução ao Estudo do Direito. 7º ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 245. 573 Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

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Na dicção de Mauro Cappelletti574, controle difuso é aquele em que o poder de

controle pertence a todos os órgãos do judiciário de um ordenamento jurídico, que o

exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência,

em oposição ao sistema concentrado, em que o poder de controle se concentra em

um único órgão judiciário.

5) Produzir (construir): em casos como o das máximas de experiência e experiência

comum, previstas no artigo 335 do CPC575, afinal, como pondera José Carlos

Barbosa Moreira, nem sempre convém, e às vezes é impossível, que a lei delimite

com traços de absoluta nitidez o campo de incidência de uma regra jurídica, isto é,

que descreva em termos pormenorizados e exaustivos todas as situações fáticas a

que há de ligar-se este ou aquele efeito no mundo jurídico.576

Isso sem contar as funções tipicamente de condução e ordem do processo, dados

pela lei processual, os chamados poderes instrutórios do juiz – artigos 125 e

seguintes do Código de processo civil.

O magistrado, nesse cenário, está vinculado tão somente a fundamentar sua

decisão, seja qual foi o embasamento ou motivo que se utilizou, ou a quem esta

decisão beneficiará (autor ou réu).

Nesse complexo caminho que é a formação da convicção o juiz muitas vezes se

guiará pela prova, outras vezes, em especial como se viu no estudo da Universidade

Federal do Paraná no capítulo 5, se guiará somente pela sua intuição (com aspectos

externos ao sistema).

574 O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. 2ª ed. São Paulo: Editora

Saraiva, 1992. 575 Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo coloca a questão: “Apelação - Inicial Indeferimento - Contrato bancário. Revisão. Exclusão dos encargos. Alegação de que o contratante não tinha intenção de tratar cláusula resolutória ou mesmo penal. Decisão acertada. Princípio da boa fé que deve nortear os contratantes. Aplicação e interpretação do artigo 421 do Código Civil. Inicial da ação que aponta para o valor do empréstimo e da prestação demonstrando o conhecimento da parte acerca do valor a ser pago e por consequência, dos encargos. Ausência da apresentação do contrato escrito que não prejudica a boa interpretação do ajuste diante das máximas de experiência. Indeferimento mantido. Recurso improvido”. Apelação nº 0082241-

68.2009.8.26.0114. 16ª Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Miguel Petroni Neto. 576 Regras da experiência e conceitos juridicamente indeterminados. In: Temas de Direito Processual.

Segunda série. São Paulo: Editora Saraiva, 1980.

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Muito embora tenha sido proposto um estudo de interdependência dos fatores

processuais e extraprocessuais no capítulo 4, estes fatores na maioria das vezes se

combinam para a formação da convicção do juiz.

O sistema processual garante nesse sentido uma ampla liberdade ao magistrado

para formar sua convicção, daí o fato de ela ser um complexo, pois é formada por

diversos fatores que se combinam, completam e estão previstos tanto dentro do

sistema, como fora dele.

Por esta ampla liberdade conferida, tem-se considerado um “mito” o juiz neutro, que

como produto cultural de seu meio, de sua formação jurídica, personalidade e

condição econômica (ou seja, perfis diferentes de pessoas); resultará no impacto

diretamente proporcional na interpretação que faz dos fatos, na maneira como

sopesará as leis e as aplicará.

Essa diferença de formação (não só acadêmica, mas como ser humano) também

fica evidente quando se tratar do ideal de justiça de cada um e na sua busca, afinal,

não raro se busca a justiça, antes mesmo de se amoldar o caso na lei; e esse ideal

de justiça perseguido pelo ser humano se encontra entre diversos princípios e

diversos juízos de valor que se faz do mundo e das circunstancias postas à análise.

Julgar e aplicar o direito é; antes de mais nada, um exercício de interpretação e de

linguagem, e deste exercício, diversos tipos de decisão poderão surgir, que serão

servas não só do que se produziu e está acostado aos autos, mas do que está

induzido no íntimo do juiz, que é seu critério de avaliação.

Também é de se ressaltar que aos atentos olhos da filosofia de David Hume, todo

homem parte de um juízo de parcialidade ao avaliar os fatos postos a sua análise e

o juiz não é exceção a esta consideração.

Do mesmo modo, Stuart Mill, anos mais tarde, para fins do presente trabalho foi

além da percepção de Hume. Mill afirma que não só o homem parte do juízo de

parcialidade que lhe é inerente, mas também sofre as pressões do meio em que vive

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e da sociedade, em especial através da mídia, e dos meios de comunicação em

massa.

Há, nesse cenário, portanto, uma distinção entre fatos processuais e

extraprocessuais formadores da convicção.

O Código de Processo Civil, inclusive, encampa esta dicotomia e podemos ter uma

ideia com a tabela abaixo:

Fatores processuais Fatores extraprocessuais

Internos Externos

Característica / definição

Provas em espécie /

Teoria geral da prova:

provas existenciais,

geralmente físicas

acostadas aos autos.

Ex: termo de oitiva de

testemunha, laudo

pericial, documentos

em geral.

Representados pelas

regras de integração do

direito, que dispostas

também no sistema,

exigem uma parcela do

magistrado de utilização

de elementos lógicos,

sociológicos e das

ciências afins do Direito

para sua aplicação.

Nem sempre estão

acostadas aos autos. São

produto de uma série de

fatores: sociais, culturais

que formam o magistrado

como ser humano. Nas

palavras de Carlos

Maximiliano, o indivíduo

inclina-se, num ou noutro

sentido, de acordo com o

seu temperamento,

produto do meio, da

hereditariedade e da

educação.

Fundamentação teórica e

doutrinária

Doutrina processual

clássica: Arruda Alvim,

Fredie Didier Jr., Luiz

Guilherme Marinoni,

José Miguel Garcia

Medina, Moacyr

Amaral Santos, entre

outros.

Miguel Reale, Carlos

Maximiliano, Paulo de

Barros Carvalho, Lourival

Vilanova, entre outros.

Miguel Reale, Carlos

Maximiliano, David Hume,

John Stuart Mill, entre

outros.

Previsão legal Artigos 400 e

seguintes do CPC.

Vedação do non liquet –

artigo 126, do CPC,

regras de integração do

direito – artigo 4º, da

Não há previsão legal

expressa.

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261

LINDB e máximas de

experiência – artigo 335

do CPC, etc. Além da

lógica, e demais ciências

auxiliares do direito.

Previsão no PL 8.046/2010

Artigos 376 e

seguintes, do Projeto.

Artigos 139 e seguintes e

381, ambos do Projeto.

Não há previsão legal

expressa.

Conclui-se, que os fatores processuais consubstanciam-se nas provas físicas e vão

posteriormente servir de base para a fundamentação da decisão, como impõe o

artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Os fatores extraprocessuais externos, por sua vez, estão no íntimo do juiz, mesmo

antes do contato com os autos.

Muito embora eles nem sempre constem na fundamentação, pois são fatores que

refletem os ideais do juiz, tem papel crucial na formação da convicção e valoração

da prova, baseada no conhecimento humano, necessária para proferir decisão,

resolvendo a lide.

O magistrado ainda mais nos tempos atuais, onde o fluxo de informação é

gigantesco, não pode ficar restrito aos meios ordinários de formação do

convencimento.

Parcela de seus instintos e impressões sempre integram suas sentenças, calcando o

ideal de justiça.

Tem-se, portanto que:

a) toda decisão judicial depende da qualidade da convicção

que se formou no juiz;

b) a formação da convicção do magistrado, desta forma, é

um importante passo na efetividade do processo, eis que a sob a

ótica processual, a efetividade caminha ao lado da qualidade;

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262

c) a convicção é formada por fatores intrínsecos do

processo: fatores processuais e fatores extraprocessuais: tanto

internos (presentes no sistema) como externos (presentes no íntimo

de todo ser humano);

d) estes fatores processuais e extraprocessuais se

combinam e se complementam (muito embora seja possível

diferenciá-los didaticamente como feito no capítulo 4);

e) o juiz sopesa seus ideais, sua cultura, e sua condição

econômica quando interpreta as leis e situações fáticas postas à sua

análise;

f) o juiz, como todo ser humano sofre a influência do meio

em que vive e da sociedade;

g) estes fatores extraprocessuais, tanto externos, como

internos, e essa influência do meio serão refletidos nas decisões do

magistrado e no seu ideal de busca por Justiça;

h) por consequência, a resposta do Poder Judiciário dada à

sociedade, a satisfação da pretensão colocada em juízo, será

produto complexo, elaborado não só pela formação do juiz como ser

humano, mas da influência e do anseio de justiça que a própria

sociedade lhes imprime, que influi no intimo do juiz e elaborará o seu

próprio ideal de Justiça, para proferir uma decisão justa.

Embora se reconheça que invariavelmente o magistrado sofre influências do meio

externo em suas decisões, juntamente com as influências da filosofia no processo

de formação da convicção, estes elementos sociais de influência não devem ser

extremados.

Deve-se evitar, como proposto pelo jurista Carlos Maximiliano, o fenômeno do bom

juiz Magnaud quando leciona acerca do tema que intitula jurisprudência sentimental,

fazendo o magistrado da sua convicção e por consequência, do processo, veículo

para externar sua ideologia pessoal: “ser forte e severo com os poderosos e ter

brandura com os miseráveis”.577

577 Segundo explica Carlos Maximiliano, imbuído de ideias humanitárias avançadas, o magistrado francês (1889-1904) redigiu sentenças em estilo escorreito, lapidar, porém afastadas dos moldes comuns. Mostrava-se

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263

E finalmente, no que se refere ao Projeto, tem-se a seguir as últimas novidades do

texto em discussão na comissão especial da Câmara dos Deputados em relação ao

documento anterior que era do Deputado Sérgio Barradas.

O parecer atual é apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira, apresentado em 2 de

julho de 2013578 e aponta como principais mudanças: 1. Definição das regras sobre

honorários em causas envolvendo a Fazenda Pública (art. 85, §§ 3º e 4º). 2.

Equacionamento da regra sobre os honorários recursais (art. 85, §11):

esclarecimento de que os honorários recursais não podem extrapolar os limites

gerais de fixação dos honorários de sucumbência. 3. Eficácia da procuração (art.

105, §4º): acolhe-se sugestão encaminhada pelo IASP, para esclarecer a eficácia da

procuração para todas as fases do processo, salvo se houver determinação

expressa em sentido contrário, prevista no próprio instrumento. 4. Aperfeiçoamento

do procedimento para apuração de excesso de prazo pelo órgão jurisdicional (art.

235). 5. Aperfeiçoamento das regras sobre citação com hora certa (art. 253, §2º). 6.

Proibição de tutela antecipada quando a decisão tiver consequências irreversíveis

(art. 301, §3º). 7. Preclusão para as questões prejudiciais expressamente decididas

e que tenham sido objeto de contraditório efetivo, com a eliminação da ação

declaratória incidental (art. 514, §§1º e 2º). 8. Esclarecimento das formas de

impugnação da coisa julgada contrária ao entendimento do STF em matéria

constitucional (arts. 539, §11; art. 549, §6º): esclarece-se quando cabe ação

rescisória e quando cabe defesa na própria execução, suprindo lacuna existente há

mais de dez anos. 9. Fixação de tempo de posse de mais de seis meses para a

aplicação do procedimento especial de ação possessória envolvendo conflitos

coletivos (art. 579, §5º). 10. Ajustes na ação monitória, para seguir o modelo

atualmente existente em relação à defesa neste procedimento (arts. 715-717). 11.

Eliminação da possibilidade de penhora de salários em execuções não alimentícias

clemente e atencioso para com os fracos e humildes, enérgico e severo com opulentos e poderosos. Nas suas mãos a lei variava segundo a classe, mentalidade religiosa, ou inclinações políticas das pessoas submetidas à sua jurisdição (...) O fenômeno Magnaud foi apenas retumbante manifestação de ideologia pessoal: atravessou o firmamento jurídico da Europa como um meteoro; da sua trajetória curta e brilhante não ficaram vestígios. Quando o magistrado se deixa guiar pelo sentimento, a lide degenera em loteria, ninguém sabe como cumprir a lei a coberto de ordenações forenses (Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2011, p. 68). 578 Notícia disponível: http://atualidadesdodireito.com.br/joseherval/2013/03/21/as-ultimas-novidades-do-projeto-do-novo-cpc-apresentadas-em-20-de-marco-de-2013/. Acesso em 17 de junho de 2013.

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(retirada do antigo §4º do art. 849). 12. Possibilidade expressa de substituição da

penhora em dinheiro, feita eletronicamente, por fiança bancária ou seguro garantia

judicial (§1º do art. 851). 13. Reformulação da regra que permite o parcelamento na

execução, para deixar claro que o executado deve apresentar razões que justifiquem

esse parcelamento (art. 932). 14. Prazo mínimo de cinco dias para a intimação da

pauta de julgamento em tribunal (art. 948, §1º). 15. Esclarecimento de que o

incidente de inconstitucionalidade se refere ao controle difuso (art. 960, caput). 16.

Possibilidade de incidente de resolução de demandas repetitivas para a solução de

questão de fato controvertida (art. 988, §9º). 17. Cabimento da apelação contra

decisão interlocutória de mérito (art. 1.022, §1º). 18. Criação de regra expressa que

consagra a fungibilidade entre o agravo de instrumento e a apelação (art. 1.022, §3º;

art. 1.028, §2º). 19. Criação de dever de o tribunal criar protocolo descentralizado em

todas as comarcas, seções e subseções judiciárias (art. 1.023, §8º). 20.

Esclarecimento quanto ao efeito suspensivo da apelação (art. 1.025, caput e §1º): a

interposição da apelação impede a eficácia imediata da sentença. 21.

Estabelecimento de regra de transição para a contagem de prazo para as ações

rescisórias parciais (art. 1.070). 22. Corrigiram-se erros de remissão, digitação e

ortográficos. 23. Aperfeiçoou-se a redação de vários enunciados, sem promover

mudanças substanciais.

Chama a atenção, como ressalta José Herval Sampaio Júnior, o item número 20 que

era uma das maiores novidades quanto à efetividade do direito via processo, pois

como cediço desde o Anteprojeto do novo CPC e na realidade desde a primeira

grande reforma do CPC, ainda no ano de 1994, já existia um Projeto de lei nunca

aprovado no sentido de retirar o efeito automático de suspensão dos efeitos da

sentença através de apelação, deixando para a autoridade judicial, a partir das

peculiaridades de cada caso concreto e agora após uma grande pressão, mais uma

vez essa ideia inovadora é retirada.579

Ressaltadas, essas últimas alterações feitas no Projeto, indicadas genericamente,

passa-se às conclusões sobre o tema do estudo realizado e o PL 8.046/2010.

579 Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/joseherval/2013/03/21/as-ultimas-novidades-do-projeto-do-novo-cpc-apresentadas-em-20-de-marco-de-2013/. Acesso em 17/06/2013.

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265

Muito embora a formação do convencimento e a inteligência permaneçam

obviamente as mesmas, fatores extraprocessuais internos, como a cultura e

influência do meio nas decisões, jamais deixarão de influir nessa decisão, mesmo no

Projeto.

Nesse sentido, é importante ressaltar que o fortalecimento do precedente e o dever

de respeito à jurisprudência e à súmula vinculante evidenciam, num quadro

extremado, que a própria lei assumiria um papel secundário no sistema, ficando em

primeiro lugar a analogia que o magistrado faz do caso, com o leading case.

Nesse sentido, o juiz de Direito Thiago Baldani Gomes de Filippo580, leciona que na

Civil Law o papel da doutrina assume grande relevância, pois atua para, de certa

forma, direcionar a interpretação da legislação, no sistema da Common Law ela

possui relevância secundária, pois a interpretação do sistema (dictum) encontra-se

nos próprios fundamentos da decisão, cuja ratio decidendi tem força de lei.581

Quanto mais se aproximar o Projeto deste sistema, mais elementos

extraprocessuais influenciarão no julgamento dos processos, que força o juiz a

fundamentar a resolução não somente na lei ali escrita, mas se embasar no leading

case, com suas particularidades, que demandam uma porção maior destes

elementos, como no uso da analogia, filosofia e ciências auxiliares.

580 Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13487/adocao-de-um-sistema-de-precedentes-no-brasil-como-reflexo-da-atual-ordem-constitucional. Acesso em 17/06/2013. 581 Também ressalta que é bom que se frise que na Common Law o Poder Legislativo também faz leis, as quais são hierarquicamente superiores às judge-made laws (precedentes de observância obrigatória). Entretanto, elas serão aplicadas apenas nas lacunas destas. Assim, apesar de gozarem de primazia, elas são residuais, pois apenas vão completar os vácuos deixados pela ausência de julgado relativo a determinado caso. Nesse aspecto, Guido Fernando Silva Soares arremata: "Embora seja o case law a principal fonte do direito, pode ele ser

modificado pela lei escrita que, nos EUA, lhe é hierarquicamente superior; diz-se, então, que um case foi ´reversed by statute´" (1999, p. 38). Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/13487/adocao-de-um-sistema-de-precedentes-no-brasil-como-reflexo-da-atual-ordem-constitucional. Acesso em 17/06/2013.

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272

APÊNDICE.

Quadros comparativos entre os dispositivos do Código de Processo Civil Projetado e

do vigente/Constituição Federal mencionados no texto582.

1. Capítulo 1: Efetividade processual. O processo à luz da Constituição.

Identificação de princípios fundamentais da Constituição Federal dispostos

no Projeto.

Princípios Artigo do Projeto Correspondente na Constituição Federal

Contraditório, isonomia e

segurança jurídica.

Art. 7º. É assegurado às partes

paridade de tratamento no curso do

processo, competindo ao juiz velar pelo

efetivo contraditório.

Art. 9º. Não se proferirá decisão contra

uma das partes sem que esta seja

previamente ouvida. Parágrafo único. O

disposto no caput não se aplica à tutela

antecipada de urgência e às hipóteses

de tutela antecipada da evidência

previstas no art. 306, incisos II e III.

Art. 10. Em qualquer grau de jurisdição,

o órgão jurisdicional não pode decidir

com base em fundamento a respeito do

qual não se tenha oportunizado

manifestação das partes, ainda que se

trate de matéria apreciável de ofício.

Art. 12. Os órgãos jurisdicionais

deverão obedecer à ordem

cronológica de conclusão para proferir

sentença ou acórdão.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes: (...) LV - aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo,

e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e ampla defesa, com os meios e

recursos a ela inerentes;

Fundamentação das

decisões e publicidade de

julgamentos.

Art. 11. Todos os julgamentos dos

órgãos do Poder Judiciário serão

públicos, e fundamentadas todas as

decisões, sob pena de nulidade.

Parágrafo único. Nos casos de segredo

de justiça, pode ser autorizada somente

a presença das partes, de seus

advogados, de defensores públicos ou

do Ministério Público.

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do

Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o

Estatuto da Magistratura, observados os

seguintes princípios: (...) IX - todos os

julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário

serão públicos, e fundamentadas todas as

decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei

limitar a presença, em determinados atos, às

próprias partes e a seus advogados, ou somente

a estes, em casos nos quais a preservação do

direito à intimidade do interessado no sigilo não

582 Os dispositivos foram retirados da redação final do Projeto, cuja última tramitação foi a remessa ao Senado Federal através do Of. nº 558/14/SGM-P, comunicando a correção de inexatidão material verificada nas páginas 195 e 212 dos autógrafos anteriormente, em 9 de abril de 2014, sendo que até então não houve movimentação: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267. A redação final pode ser conferida na integra em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/3/art20140326-01.pdf.

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prejudique o interesse público à

informação; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004).

Duração razoável do

processo.

Art. 4º As partes têm direito de obter em

prazo razoável a solução integral do

processo, incluída a atividade

satisfativa.

Art. 8º Todos os sujeitos do processo

devem cooperar entre si para que se

obtenha a solução do processo com

efetividade e em tempo razoável.

Art. 5º (...) LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e

administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a

celeridade de sua tramitação. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Acesso à jurisdição. Art. 3º Não se excluirá da apreciação

jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

Art. 5º (...) XXXV - a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça

a direito;

Dignidade da pessoa

humana.

Art. 6º Ao aplicar o ordenamento

jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais

e às exigências do bem comum,

resguardando e promovendo a

dignidade da pessoa humana e

observando a proporcionalidade, a

razoabilidade, a legalidade, a

publicidade e a eficiência.

Art. 37. A administração pública direta e indireta

de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá

aos princípios de legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência e, também,

ao seguinte: (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 19, de 1998) (...) § 6º - As

pessoas jurídicas de direito público e as de

direito privado prestadoras de serviços públicos

responderão pelos danos que seus agentes,

nessa qualidade, causarem a terceiros,

assegurado o direito de regresso contra o

responsável nos casos de dolo ou culpa.

2. Capítulo 2: As provas. Elementos processuais da formação da convicção do

magistrado.

2.1. Produção antecipada de provas:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Sem correspondência. Art. 388. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que: I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar tentativa de conciliação ou de outro meio adequado de solução do conflito; III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. § 1º O arrolamento de bens observará o disposto nesta seção quando tiver por finalidade apenas a realização de documentação e não a prática de atos de apreensão. § 2º A produção antecipada da prova é da competência do juízo do foro onde esta deva ser produzida ou do foro de domicílio do réu. § 3º A produção antecipada da prova não previne a competência do juízo para a ação que venha a ser proposta. § 4º O juiz estadual tem competência para produção antecipada de prova requerida em face da União, entidade autárquica ou empresa pública federal se, na localidade, não houver vara federal. § 5º Aplica-se o disposto nesta Seção àquele que pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, para simples documento e sem caráter contencioso, que exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção.

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2.2. Teoria geral das provas:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Art. 376. As partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

2.3. Ônus da prova:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Art. 380. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.

2.4. Imposição de medidas coercitivas pelo juiz:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz. Art. 338. A carta precatória e a carta rogatória suspenderão o processo, no caso previsto na alínea b do inciso IV do art. 265 desta Lei, quando, tendo sido requeridas antes da decisão de saneamento, a prova nelas solicitada apresentar-se imprescindível. Parágrafo único. A carta precatória e a carta rogatória, não devolvidas dentro do prazo ou concedidas sem efeito suspensivo, poderão ser juntas aos autos até o julgamento final. Art. 339. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade. Art. 340. Além dos deveres enumerados no art. 14, compete à parte: I - comparecer em juízo, respondendo ao que Ihe for interrogado; II - submeter-se à inspeção judicial, que for julgada necessária; III - praticar o ato que Ihe for determinado. Art. 341. Compete ao terceiro, em relação a qualquer pleito: I - informar ao juiz os fatos e as circunstâncias, de que tenha conhecimento; II - exibir coisa ou documento, que esteja em seu poder.

Art. 383. A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar. Art. 384. A carta precatória, a carta rogatória e o auxílio direto suspenderão o julgamento da causa no caso previsto no art. 314, inciso V, alínea b, quando, tendo sido requeridas antes da decisão de saneamento, a prova nelas solicitada apresentar-se imprescindível. Parágrafo único. A carta precatória e a carta rogatória não devolvidas no prazo ou concedidas sem efeito suspensivo poderão ser juntadas aos autos a qualquer momento. Art. 385. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade. Art. 386. Além dos deveres previstos neste Código, incumbe à parte: I – comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado; II – colaborar com o juízo na realização de inspeção judicial que for considerada necessária; III – praticar o ato que lhe for determinado. Art. 387. Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer pleito: I – informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento; II – exibir coisa ou documento que esteja em seu poder. Parágrafo único. Poderá o juiz, em caso de descumprimento, determinar, além da imposição de multa, outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias.

2.5. Ata notarial como meio de prova:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Sem correspondência. Art. 391. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

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275

2.6. Excludentes à obrigação de depor:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 342. O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa. Art. 343. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento. § 1o A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor. § 2o Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz Ihe aplicará a pena de confissão. Art. 344. A parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição de testemunhas. Parágrafo único. É defeso, a quem ainda não depôs, assistir ao interrogatório da outra parte. Art. 345. Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que Ihe for perguntado, ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor. Art. 346. A parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos adrede preparados; o juiz Ihe permitirá, todavia, a consulta a notas breves, desde que objetivem completar esclarecimentos. Art. 347. A parte não é obrigada a depor de fatos: I - criminosos ou torpes, que Ihe forem imputados; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. Parágrafo único. Esta disposição não se aplica às ações de filiação, de desquite e de anulação de casamento.

Art. 392. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de ser interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício. § 1° Se a parte, pessoalmente intimada e advertida da pena de confesso, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2° É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3º O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. Art. 393. Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor. Art. 394. A parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos anteriormente preparados; o juiz lhe permitirá, todavia, a consulta a notas breves, desde que objetivem completar esclarecimentos. Art. 395. A parte não é obrigada a depor sobre fatos: I – criminosos ou torpes que lhe forem imputados; II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo; III – a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível; IV – que coloquem em perigo a vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III. Parágrafo único. Esta disposição não se aplica às ações de estado e de família.

2.7. Regras da confissão:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 348. Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial. Art. 349. A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. Da confissão espontânea, tanto que requerida pela parte, se lavrará o respectivo termo nos autos; a confissão provocada constará do depoimento pessoal prestado pela parte. Parágrafo único. A confissão espontânea pode ser feita pela própria parte, ou por mandatário com poderes especiais. Art. 350. A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes. Parágrafo único. Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge não valerá sem a do outro. Art. 351. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis. Art. 352. A confissão, quando emanar de erro, dolo ou coação, pode ser revogada: I - por ação anulatória, se pendente o processo em que foi feita; II - por ação rescisória, depois de transitada em julgado a sentença, da qual constituir o único fundamento. Parágrafo único. Cabe ao confitente o direito de propor a ação, nos casos de que trata este artigo; mas, uma vez iniciada, passa aos seus herdeiros. Art. 353. A confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; feita a terceiro, ou contida em testamento, será livremente apreciada pelo juiz. Parágrafo único. Todavia, quando feita verbalmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal. Art. 354. A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que Ihe for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente Ihe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.

Art. 396. Há confissão, judicial ou extrajudicial, quando a parte admite a verdade de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. Art. 397. A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. § 1º A confissão espontânea pode ser feita pela própria parte ou por representante com poder especial. § 2º A confissão provocada constará do termo de depoimento pessoal. Art. 398. A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes. Parágrafo único. Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge ou companheiro não valerá sem a do outro, salvo se o regime de casamento for de separação absoluta de bens. Art. 399. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis. § 1º A confissão será ineficaz se feita por quem não for capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados. § 2º A confissão feita por um representante somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado. Art. 400. A confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação. Parágrafo único. A legitimidade para a ação prevista no caput é exclusiva do confitente e pode ser transferida a seus herdeiros se ele falecer após a propositura. Art. 401. A confissão extrajudicial será livremente apreciada pelo juiz. Parágrafo único. A confissão extrajudicial, quando feita oralmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal. Art. 402. A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte que a quiser invocar como prova aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente lhe aduzir fatos novos, capazes de constituir fundamento de defesa de direito.

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2.8. Regras da exibição de documento ou coisa:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 355. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache em seu poder. Art. 356. O pedido formulado pela parte conterá: I - a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa; II - a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento ou a coisa; III - as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha em poder da parte contrária. Art. 357. O requerido dará a sua resposta nos 5 (cinco) dias subseqüentes à sua intimação. Se afirmar que não possui o documento ou a coisa, o juiz permitirá que o requerente prove, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade. Art. 358. O juiz não admitirá a recusa: I - se o requerido tiver obrigação legal de exibir; II - se o requerido aludiu ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de constituir prova; III - se o documento, por seu conteúdo, for comum às partes. Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar: I - se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357; II - se a recusa for havida por ilegítima. Art. 360. Quando o documento ou a coisa estiver em poder de terceiro, o juiz mandará citá-lo para responder no prazo de 10 (dez) dias. Art. 361. Se o terceiro negar a obrigação de exibir, ou a posse do documento ou da coisa, o juiz designará audiência especial, tomando-lhe o depoimento, bem como o das partes e, se necessário, de testemunhas; em seguida proferirá a sentença. Art. 362. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz lhe ordenará que proceda ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o embolse das despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência. Art. 363. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa: I - se concernente a negócios da própria vida da família; II - se a sua apresentação puder violar dever de honra; III - se a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal; IV - se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo; V - se subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição. Parágrafo único. Se os motivos de que tratam os ns. I a V disserem respeito só a uma parte do conteúdo do documento, da outra se extrairá uma suma para ser apresentada em juízo.

Art. 403. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa que se encontre em seu poder. Art. 404. O pedido formulado pela parte conterá: I – a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa; II – a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento ou a coisa; III – as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha em poder da parte contrária. Art. 405. O requerido dará a sua resposta nos cinco dias subsequentes à sua intimação. Se afirmar que não possui o documento ou a coisa, o juiz permitirá que o requerente prove, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade. Art. 406. O juiz não admitirá a recusa se: I – o requerido tiver obrigação legal de exibir; II – o requerido aludiu ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de constituir prova; III – o documento, por seu conteúdo, for comum às partes. Art. 407. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: I – o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 410; II – a recusa for havida por ilegítima. § 1º Sendo necessário, pode o juiz adotar medidas coercitivas ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido. § 2º Contra a decisão que resolver o incidente antes da sentença cabe agravo de instrumento. Art. 408. Quando o documento ou a coisa estiver em poder de terceiro, o juiz ordenará sua citação para responder no prazo de quinze dias. Art. 409. Se o terceiro negar a obrigação de exibir ou a posse do documento ou da coisa, o juiz designará audiência especial, tomando-lhe o depoimento, bem como o das partes e, se necessário, de testemunhas; em seguida proferirá decisão, contra a qual caberá agravo de instrumento. Art. 410. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que proceda ao respectivo depósito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de cinco dias, impondo ao requerente que o embolse das despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas coercitivas ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão. Parágrafo único. Contra a decisão proferida com fundamento no caput caberá agravo de instrumento. Art. 411. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa, se: I – concernente a negócios da própria vida da família; II – a sua apresentação puder violar dever de honra; III – a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau ou lhes representar perigo de ação penal; IV – a exibição acarretar a divulgação de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo; V – subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição; VI – houver disposição legal que justifique a recusa da exibição. Parágrafo único. Se os motivos de que tratam os incisos I a VI do caput disserem respeito só a um item do documento, a parte ou terceiro exibirá a outra em cartório, para dela ser extraída cópia reprográfica, de tudo sendo lavrado auto circunstanciado.

2.9. Prova documental:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença. Art. 365. Fazem a mesma prova que os originais: I - as certidões textuais de qualquer peça dos autos, do protocolo das audiências, ou de outro livro a cargo do escrivão, sendo

Art. 412. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença. Art. 413. Quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta. Art. 414.

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extraídas por ele ou sob sua vigilância e por ele subscritas; II - os traslados e as certidões extraídas por oficial público, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas; III - as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais. IV - as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade. V - os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem; VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização. § 1o Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação rescisória. § 2o Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria. Art. 366. Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta. Art. 367. O documento, feito por oficial público incompetente, ou sem a observância das formalidades legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do documento particular. Art. 368. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato. Art. 369. Reputa-se autêntico o documento, quando o tabelião reconhecer a firma do signatário, declarando que foi aposta em sua presença. Art. 370. A data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito. Mas, em relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular: I - no dia em que foi registrado; II - desde a morte de algum dos signatários; III - a partir da impossibilidade física, que sobreveio a qualquer dos signatários; IV - da sua apresentação em repartição pública ou em juízo; V - do ato ou fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento. Art. 371. Reputa-se autor do documento particular: I - aquele que o fez e o assinou; II - aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado; III - aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e assentos domésticos. Art. 372. Compete à parte, contra quem foi produzido documento particular, alegar no prazo estabelecido no art. 390, se Ihe admite ou não a autenticidade da assinatura e a veracidade do contexto; presumindo-se, com o silêncio, que o tem por verdadeiro. Parágrafo único. Cessa, todavia, a eficácia da admissão expressa ou tácita, se o documento houver sido obtido por erro, dolo ou coação. Art. 373. Ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo anterior, o documento particular, de cuja autenticidade se não duvida, prova que o seu autor fez a declaração, que Ihe é atribuída. Parágrafo único. O documento particular, admitido expressa ou tacitamente, é indivisível, sendo defeso à parte, que pretende utilizar-se dele, aceitar os fatos que Ihe são favoráveis e recusar os que são contrários ao seu interesse, salvo se provar que estes se não verificaram. Art. 374. O telegrama, o radiograma ou qualquer outro meio de transmissão tem a mesma força probatória do documento particular, se o original constante da estação expedidora foi assinado pelo remetente. Parágrafo único. A firma do remetente poderá ser reconhecida pelo tabelião, declarando-se essa circunstância no original depositado na estação expedidora. Art. 375. O

O documento feito por oficial público incompetente ou sem a observância das formalidades legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do documento particular. Art. 415. As declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência de determinado fato, o documento particular prova a ciência, mas não o fato em si, incumbindo o ônus de prová-lo ao interessado em sua veracidade. Art. 416. A data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito. Em relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular: I – no dia em que foi registrado; II – desde a morte de algum dos signatários; III – a partir da impossibilidade física que sobreveio a qualquer dos signatários; IV – da sua apresentação em repartição pública ou em juízo; V – do ato ou do fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento. Art. 417. Considera-se autor do documento particular: I – aquele que o fez e o assinou; II – aquele por conta de quem foi feito, estando assinado; III – aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros empresariais e assentos domésticos. Art. 418. Considera-se autêntico o documento quando: I - o tabelião reconhecer a firma do signatário; II – a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação; III – não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o documento. Art. 419. O documento particular de cuja autenticidade não se duvida prova que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída. Parágrafo único. O documento particular admitido expressa ou tacitamente é indivisível, sendo vedado à parte que pretende utilizar-se dele aceitar os fatos que lhe são favoráveis e recusar os que são contrários ao seu interesse, salvo se provar que estes não ocorreram. Art. 420. O telegrama, o radiograma ou qualquer outro meio de transmissão tem a mesma força probatória do documento particular, se o original constante da estação expedidora foi assinado pelo remetente. Parágrafo único. A firma do remetente poderá ser reconhecida pelo tabelião, declarando-se essa circunstância no original depositado na estação expedidora. Art. 421. O telegrama ou o radiograma presume-se conforme com o original, provando as datas de sua expedição e do recebimento pelo destinatário. Art. 422. As cartas e os registros domésticos provam contra quem os escreveu quando: I – enunciam o recebimento de um crédito; II – contêm anotação que visa a suprir a falta de título em favor de quem é apontado como credor; III – expressam conhecimento de fatos para os quais não se exija determinada prova. Art. 423. A nota escrita pelo credor em qualquer parte de documento representativo de obrigação, ainda que não assinada, faz prova em benefício do devedor. Parágrafo único. Aplica-se essa regra tanto para o documento que o credor conservar em seu poder como para aquele que se achar em poder do devedor ou de terceiro. Art. 424. Os livros empresariais provam contra seu autor. É lícito ao empresário, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos. Art. 425. Os livros empresariais que preencham os requisitos exigidos por lei provam a favor do seu autor no litígio entre empresários. Art. 426. A escrituração contábil é indivisível; se, dos fatos que resultam dos lançamentos, uns são favoráveis ao interesse de seu autor e outros lhe são contrários, ambos serão considerados em conjunto, como unidade. Art. 427. O juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos livros empresariais e dos documentos do arquivo: I – na liquidação de sociedade; II – na sucessão por morte de sócio; III – quando e como determinar a lei. Art. 428. O juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e dos documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas. Art. 429. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas

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telegrama ou o radiograma presume-se conforme com o original, provando a data de sua expedição e do recebimento pelo destinatário. Art. 376. As cartas, bem como os registros domésticos, provam contra quem os escreveu quando: I - enunciam o recebimento de um crédito; II - contêm anotação, que visa a suprir a falta de título em favor de quem é apontado como credor; III - expressam conhecimento de fatos para os quais não se exija determinada prova. Art. 377. A nota escrita pelo credor em qualquer parte de documento representativo de obrigação, ainda que não assinada, faz prova em benefício do devedor. Parágrafo único. Aplica-se esta regra tanto para o documento, que o credor conservar em seu poder, como para aquele que se achar em poder do devedor. Art. 378. Os livros comerciais provam contra o seu autor. É lícito ao comerciante, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos. Art. 379. Os livros comerciais, que preencham os requisitos exigidos por lei, provam também a favor do seu autor no litígio entre comerciantes. Art. 380. A escrituração contábil é indivisível: se dos fatos que resultam dos lançamentos, uns são favoráveis ao interesse de seu autor e outros Ihe são contrários, ambos serão considerados em conjunto como unidade. Art. 381. O juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos livros comerciais e dos documentos do arquivo: I - na liquidação de sociedade; II - na sucessão por morte de sócio; III - quando e como determinar a lei. Art. 382. O juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas. Art. 383. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida Ihe admitir a conformidade. Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial. Art. 384. As reproduções fotográficas ou obtidas por outros processos de repetição, dos documentos particulares, valem como certidões, sempre que o escrivão portar por fé a sua conformidade com o original. Art. 385. A cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a conformidade entre a cópia e o original. § 1o - Quando se tratar de fotografia, esta terá de ser acompanhada do respectivo negativo. § 2o - Se a prova for uma fotografia publicada em jornal, exigir-se-ão o original e o negativo. Art. 386. O juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento, quando em ponto substancial e sem ressalva contiver entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento. Art. 387. Cessa a fé do documento, público ou particular, sendo-lhe declarada judicialmente a falsidade. Parágrafo único. A falsidade consiste: I - em formar documento não verdadeiro; II - em alterar documento verdadeiro. Art. 388. Cessa a fé do documento particular quando: I - lhe for contestada a assinatura e enquanto não se Ihe comprovar a veracidade; II - assinado em branco, for abusivamente preenchido. Parágrafo único. Dar-se-á abuso quando aquele, que recebeu documento assinado, com texto não escrito no todo ou em parte, o formar ou o completar, por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário. Art. 389. Incumbe o ônus da prova quando: I - se tratar de falsidade de documento, à parte que a argüir; II - se tratar de contestação de assinatura, à parte que produziu o documento. Art. 390. O incidente de falsidade tem lugar em qualquer tempo e grau de jurisdição, incumbindo à parte, contra quem foi produzido o documento, suscitá-lo na contestação ou no prazo de 10 (dez) dias, contados da intimação da sua juntada aos autos. Art. 391. Quando o documento for oferecido antes de encerrada a instrução, a parte o argüirá de falso, em petição dirigida ao juiz da causa, expondo os motivos em que funda a sua pretensão e os meios com que provará o alegado. Art. 392. Intimada a parte, que produziu o documento, a responder no prazo de 10 (dez) dias, o juiz ordenará o exame pericial. Parágrafo único. Não se procederá ao exame pericial, se a parte, que produziu o documento, concordar em retirá-lo e a parte contrária não se

representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada por aquele contra quem foi produzida. § 1º A fotografia digital e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens que reproduzem; se impugnadas, deverá ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia. § 2º Se se tratar de fotografia publicada em jornal ou revista, será exigido um exemplar original do periódico, caso impugnada a veracidade pela outra parte. § 3° Aplica-se o disposto no artigo à forma impressa de mensagem eletrônica. Art. 430. As reproduções fotográficas ou obtidas por outros processos de repetição, dos documentos particulares, valem como certidões, sempre que o escrivão ou chefe de secretaria certificar sua conformidade com o original. Art. 431. A cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a conformidade entre a cópia e o original. Art. 432. Fazem a mesma prova que os originais: I – as certidões textuais de qualquer peça dos autos, do protocolo das audiências ou de outro livro a cargo do escrivão ou chefe de secretaria, sendo extraídas por ele ou sob sua vigilância e por ele subscritas; II – os traslados e as certidões extraídas por oficial público de instrumentos ou documentos lançados em suas notas; III – as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais; IV – as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade; V – os extratos digitais de bancos de dados públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem; VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração. § 1º Os originais dos documentos digitalizados mencionados no inciso VI deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para propositura de ação rescisória. § 2º Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar seu depósito em cartório ou secretaria. Art. 433. O juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento, quando em ponto substancial e sem ressalva contiver entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento. Art. 434. Cessa a fé do documento público ou particular sendo-lhe declarada judicialmente a falsidade. Parágrafo único. A falsidade consiste: I – em formar documento não verdadeiro; II – em alterar documento verdadeiro. Art. 435. Cessa a fé do documento particular quando: I – lhe for impugnada a autenticidade e enquanto não se lhe comprovar a veracidade; II – assinado em branco, lhe for impugnado o conteúdo, por preenchimento abusivo. Parágrafo único. Dar-se-á abuso quando aquele que recebeu documento assinado com texto não escrito no todo ou em parte o formar ou o completar por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário. Art. 436. Incumbe o ônus da prova quando: I – se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à parte que a arguir; II – se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento. Art. 437. A falsidade deve ser suscitada na contestação, na réplica ou no prazo de quinze dias, contado a partir da intimação da juntada aos autos do documento. Parágrafo único. Uma vez arguida, a falsidade será resolvida como questão incidental, salvo se a parte requerer que o juiz a decida como questão principal, nos termos do inciso II do art. 19. Art. 438. A parte arguirá a falsidade expondo os motivos em que funda a sua pretensão e os meios com que provará o alegado. Art. 439. Depois de ouvida a outra parte no prazo de quinze dias, será realizada a prova pericial. Parágrafo único. Não se procederá ao exame pericial, se a parte que produziu o documento concordar em retirá-lo. Art. 440. A declaração sobre a

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opuser ao desentranhamento. Art. 393. Depois de encerrada a instrução, o incidente de falsidade correrá em apenso aos autos principais; no tribunal processar-se-á perante o relator, observando-se o disposto no artigo antecedente. Art. 394. Logo que for suscitado o incidente de falsidade, o juiz suspenderá o processo principal. Art. 395. A sentença, que resolver o incidente, declarará a falsidade ou autenticidade do documento. Art. 396. Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações. Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos. Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias. Art. 399. O juiz requisitará às repartições públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição: I - as certidões necessárias à prova das alegações das partes; II - os procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, o Estado, o Município, ou as respectivas entidades da administração indireta. § 1o Recebidos os autos, o juiz mandará extrair, no prazo máximo e improrrogável de 30 (trinta) dias, certidões ou reproduções fotográficas das peças indicadas pelas partes ou de ofício; findo o prazo, devolverá os autos à repartição de origem. § 2o As repartições públicas poderão fornecer todos os documentos em meio eletrônico conforme disposto em lei, certificando, pelo mesmo meio, que se trata de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou do documento digitalizado.

falsidade do documento, quando suscitada como questão principal, constará da parte dispositiva da sentença, de que, necessariamente, dependerá a decisão do mérito, e sobre ela incidirá também autoridade de coisa julgada. Art. 441. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar-lhe as alegações. Parágrafo único. Quando o documento consistir numa reprodução cinematográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput, mas a sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as partes. Art. 442. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos. Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente. Em qualquer caso, caberá ao órgão jurisdicional avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5º. Art. 443. A parte, intimada a falar sobre documento constante dos autos, poderá: I – impugnar a admissibilidade da prova documental; II – impugnar a sua autenticidade; III – suscitar a sua falsidade, com ou sem deflagração do incidente de arguição de falsidade; IV – manifestar-se sobre o seu conteúdo. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, a impugnação terá de basear-se em argumentação específica, não se admitindo alegação genérica de falsidade. Art. 444. Sobre os documentos anexados à inicial, o réu manifestar-se-á na contestação; sobre os documentos anexados à contestação, o autor manifestar-se-á na réplica. § 1º Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra parte, que disporá do prazo de quinze dias para adotar qualquer das posturas indicadas no art. 443. § 2º Poderá o juiz, a requerimento da parte, dilatar o prazo para manifestação sobre a prova documental produzida, levando em consideração a quantidade e a complexidade da documentação. Art. 445. O juiz requisitará às repartições públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição: I – as certidões necessárias à prova das alegações das partes; II – os procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios ou entidades da administração indireta. §1º Recebidos os autos, o juiz mandará extrair, no prazo máximo e improrrogável de um mês, certidões ou reproduções fotográficas das peças que indicar e das que forem indicadas pelas partes; findo o prazo, devolverá os autos à repartição de origem. § 2º As repartições públicas poderão fornecer todos os documentos em meio eletrônico, conforme disposto em lei, certificando, pelo mesmo meio, que se trata de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou do documento digitalizado.

2.10. Utilização de documentos eletrônicos:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Sem correspondência. Art. 446. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e de verificação de sua autenticidade, na forma da lei. Art. 447. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor. Art. 448. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.

2.11. Prova testemunhal:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição

Art. 449. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. Art. 450. O juiz indeferirá a

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de testemunhas sobre fatos: I - já provados por documento ou confissão da parte; II - que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados. Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados. Art. 402. Qualquer que seja o valor do contrato, é admissível a prova testemunhal, quando: I - houver começo de prova por escrito, reputando-se tal o documento emanado da parte contra quem se pretende utilizar o documento como prova; II - o credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, depósito necessário ou hospedagem em hotel. Art. 403. As normas estabelecidas nos dois artigos antecedentes aplicam-se ao pagamento e à remissão da dívida. Art. 404. É lícito à parte inocente provar com testemunhas: I - nos contratos simulados, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; II - nos contratos em geral, os vícios do consentimento. Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. § 1o São incapazes: I - o interdito por demência; II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; III - o menor de 16 (dezesseis) anos; IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que Ihes faltam. 2o São impedidos: I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; II - o que é parte na causa; III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes. § 3o São suspeitos: I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença; II - o que, por seus costumes, não for digno de fé; III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo; IV - o que tiver interesse no litígio. § 4o Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz Ihes atribuirá o valor que possam merecer. Art. 406. A testemunha não é obrigada a depor de fatos: I - que Ihe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. Art. 407. Incumbe às partes, no prazo que o juiz fixará ao designar a data da audiência, depositar em cartório o rol de testemunhas, precisando-lhes o nome, profissão, residência e o local de trabalho; omitindo-se o juiz, o rol será apresentado até 10 (dez) dias antes da audiência. Parágrafo único. É lícito a cada parte oferecer, no máximo, dez testemunhas; quando qualquer das partes oferecer mais de três testemunhas para a prova de cada fato, o juiz poderá dispensar as restantes. Art. 408. Depois de apresentado o rol, de que trata o artigo antecedente, a parte só pode substituir a testemunha: I - que falecer; II - que, por enfermidade, não estiver em condições de depor; III - que, tendo mudado de residência, não for encontrada pelo oficial de justiça. Art. 409. Quando for arrolado como testemunha o juiz da causa, este: I - declarar-se-á impedido, se tiver conhecimento de fatos, que possam influir na decisão; caso em que será defeso à parte, que o incluiu no rol, desistir de seu depoimento; II - se nada souber, mandará excluir o seu nome. Art. 410. As testemunhas depõem, na audiência de instrução, perante o juiz da causa, exceto: I - as que prestam depoimento antecipadamente; II - as que são inquiridas por carta; III - as que, por doença, ou outro motivo relevante, estão impossibilitadas de comparecer em juízo (art. 336, parágrafo único); IV - as designadas no artigo seguinte. Art. 411. São inquiridos em sua residência, ou onde exercem a sua função: I - o Presidente e o Vice-Presidente da

inquirição de testemunhas sobre fatos: I – já provados por documento ou confissão da parte; II – que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados. Art. 451. É admissível a prova testemunhal, quando houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova. Art. 452. Também se admite a prova testemunhal, quando o credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, depósito necessário, hospedagem em hotel ou em razão das práticas comerciais do local onde contraída a obrigação. Art. 453. É lícito à parte provar com testemunhas: I – nos contratos simulados, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; II – nos contratos em geral, os vícios de consentimento. Art. 454. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. § 1º São incapazes: I – o interdito por enfermidade ou deficiência intelectual; II – o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; III – aquele que tenha menos de dezesseis anos; IV – o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam. § 2º São impedidos: I – o cônjuge, o companheiro, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; II – o que é parte na causa; III – o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes. § 3º São suspeitos: I – o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo; II – o que tiver interesse no litígio. § 4º Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer. Art. 455. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos: I – que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. Art. 456. Salvo disposição especial em contrário, as testemunhas devem ser ouvidas na sede do juízo. Parágrafo único. Quando a parte ou a testemunha, por enfermidade ou por outro motivo relevante, estiver impossibilitada de comparecer, mas não de prestar depoimento, o juiz designará, conforme as circunstâncias, dia, hora e lugar para inquiri-la. Art. 457. O rol de testemunhas conterá, sempre que possível, o nome, a profissão, o estado civil, a idade, o número do cadastro de pessoa física e do registro de identidade e o endereço completo da residência e do local de trabalho. Art. 458. Depois de apresentado o rol de que tratam os §§4º e 5º do art. 364, a parte só pode substituir a testemunha: I – que falecer; I – que, por enfermidade, não estiver em condições de depor; III – que, tendo mudado de residência ou de local de trabalho, não for encontrada. Art. 459. Quando for arrolado como testemunha, o juiz da causa: I – declarar-se-á impedido, se tiver conhecimento de fatos que possam influir na decisão, caso em que será vedado à parte que o incluiu no rol desistir de seu depoimento; II – se nada souber, mandará excluir o seu nome. Art. 460. As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto: I – as que prestam depoimento antecipadamente; II – as que são inquiridas por carta. § 1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciárias diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. §2º Os juízos deverão manter equipamento para a transmissão e recepção dos sons e imagens a que se refere o §1º. Art.

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República; II - o presidente do Senado e o da Câmara dos Deputados; III - os ministros de Estado; IV - os ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho e do Tribunal de Contas da União; V - o procurador-geral da República; Vl - os senadores e deputados federais; Vll - os governadores dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal; Vlll - os deputados estaduais; IX - os desembargadores dos Tribunais de Justiça, os juízes dos Tribunais de Alçada, os juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais Regionais Eleitorais e os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal; X - o embaixador de país que, por lei ou tratado, concede idêntica prerrogativa ao agente diplomático do Brasil. Parágrafo único. O juiz solicitará à autoridade que designe dia, hora e local a fim de ser inquirida, remetendo-lhe cópia da petição inicial ou da defesa oferecida pela parte, que arrolou como testemunha. Art. 412. A testemunha é intimada a comparecer à audiência, constando do mandado dia, hora e local, bem como os nomes das partes e a natureza da causa. Se a testemunha deixar de comparecer, sem motivo justificado, será conduzida, respondendo pelas despesas do adiamento. § 1o A parte pode comprometer-se a levar à audiência a testemunha, independentemente de intimação; presumindo-se, caso não compareça, que desistiu de ouvi-la. § 2o Quando figurar no rol de testemunhas funcionário público ou militar, o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir. § 3o A intimação poderá ser feita pelo correio, sob registro ou com entrega em mão própria, quando a testemunha tiver residência certa. Art. 413. O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente; primeiro as do autor e depois as do réu, providenciando de modo que uma não ouça o depoimento das outras. Art. 414. Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarando o nome por inteiro, a profissão, a residência e o estado civil, bem como se tem relações de parentesco com a parte, ou interesse no objeto do processo. § 1o É lícito à parte contraditar a testemunha, argüindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição. Se a testemunha negar os fatos que Ihe são imputados, a parte poderá provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até três, apresentada no ato e inquiridas em separado. Sendo provados ou confessados os fatos, o juiz dispensará a testemunha, ou Ihe tomará o depoimento, observando o disposto no art. 405, § 4o. § 2o A testemunha pode requerer ao juiz que a escuse de depor, alegando os motivos de que trata o art. 406; ouvidas as partes, o juiz decidirá de plano. Art. 415. Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado. Parágrafo único. O juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem faz a afirmação falsa, cala ou oculta a verdade. Art. 416. O juiz interrogará a testemunha sobre os fatos articulados, cabendo, primeiro à parte, que a arrolou, e depois à parte contrária, formular perguntas tendentes a esclarecer ou completar o depoimento. § 1o As partes devem tratar as testemunhas com urbanidade, não Ihes fazendo perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias. § 2o As perguntas que o juiz indeferir serão obrigatoriamente transcritas no termo, se a parte o requerer. Art. 417. O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação. § 1o O depoimento será passado para a versão datilográfica quando houver recurso da sentença ou noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte. §2o Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o do art. 169 desta Lei. Art. 418. O juiz pode ordenar, de ofício ou a requerimento da parte: I - a inquirição de testemunhas referidas nas declarações da parte ou das testemunhas; II - a acareação de duas ou mais testemunhas ou de alguma delas com a parte, quando, sobre fato determinado, que possa influir na decisão da causa, divergirem as suas declarações. Art. 419. A testemunha pode requerer ao juiz o pagamento da despesa que efetuou

461. São inquiridos em sua residência ou onde exercem a sua função: I – o presidente e o vice-presidente da República; II – os ministros de Estado; III – os ministros do Supremo Tribunal Federal, os conselheiros do Conselho Nacional de Justiça, os ministros do Superior Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho e do Tribunal de Contas da União; IV – o procurador-geral da República e os conselheiros do Conselho Nacional do Ministério Público; V – o advogado-geral da União, o procurador-geral do Estado, o procurador-geral do Município, o defensor público-geral federal e o defensor público-geral do Estado; VI – os senadores e os deputados federais; VII – os governadores dos Estados e do Distrito Federal; VIII – o prefeito; IX – os deputados estaduais e distritais; X – os desembargadores dos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais Regionais Eleitorais e os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal; XI – o procurador-geral de justiça; XII – o embaixador de país que, por lei ou tratado, concede idêntica prerrogativa ao agente diplomático do Brasil. § 1º O juiz solicitará à autoridade que designe dia, hora e local a fim de ser inquirida, remetendo-lhe cópia da petição inicial ou da defesa oferecida pela parte que a arrolou como testemunha. § 2º Passado um mês sem manifestação da autoridade, o juiz designará dia, hora e local para o depoimento, preferencialmente na sede do juízo§ 3º O juiz também designará dia, hora e local para o depoimento, quando a autoridade não comparecer, injustificadamente, à sessão agendada para a colheita do seu testemunho, nos dia, hora e local por ela mesma indicados. Art. 462. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha que arrolou do local, do dia e do horário da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo. § 1º A intimação deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento, cumprindo ao advogado juntar aos autos, com antecedência de pelo menos três dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento. § 2º A parte pode comprometer-se a levar à audiência a testemunha, independentemente da intimação de que trata o § 1º; presume-se, caso a testemunha não compareça, que a parte desistiu de sua inquirição. § 3º A inércia na realização da intimação a que se refere o § 1º importa desistência da inquirição da testemunha. § 4º A intimação será feita pela via judicial quando: I – frustrada a intimação prevista no § 1º deste artigo ou quando a sua necessidade for devidamente demonstrada pelo juiz; II – quando figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em que o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir; III – a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública; IV – a testemunha for uma daquelas previstas no art. 461. § 5º A testemunha que, intimada na forma do § 1º ou do § 4º, deixar de comparecer sem motivo justificado, será conduzida e responderá pelas despesas do adiamento. Art. 463. O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente, primeiro as do autor e depois as do réu, e providenciará para que uma não ouça o depoimento das outras. Parágrafo único. O juiz poderá alterar a ordem estabelecida no caput se as partes concordarem. Art. 464. Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarará ou confirmará os seus dados apresentados na inicial ou na contestação e informará se tem relações de parentesco com a parte ou interesse no objeto do processo. § 1º É lícito à parte contraditar a testemunha, arguindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição. Se a testemunha negar os fatos que lhe são imputados, a parte poderá provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até três, apresentadas no ato e inquiridas em separado. Sendo provados ou confessados os fatos, o juiz dispensará a testemunha ou lhe tomará o depoimento como informante. § 2º A testemunha pode requerer ao juiz que a escuse de depor, alegando os motivos previstos neste Código; ouvidas as partes, o juiz decidirá de plano. Art. 465. Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado. Parágrafo único.

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para comparecimento à audiência, devendo a parte pagá-la logo que arbitrada, ou depositá-la em cartório dentro de 3 (três) dias. Parágrafo único. O depoimento prestado em juízo é considerado serviço público. A testemunha, quando sujeita ao regime da legislação trabalhista, não sofre, por comparecer à audiência, perda de salário nem desconto no tempo de serviço.

O juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem faz afirmação falsa, cala ou oculta a verdade. Art. 466. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, começando pela que a arrolou, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com as questões de fato objeto da atividade probatória ou importarem repetição de outra já respondida. § 1º O juiz poderá inquirir a testemunha depois da inquirição feita pelas partes. § 2º As testemunhas devem ser tratadas com urbanidade, não se lhes fazendo perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias. § 3º As perguntas que o juiz indeferir serão transcritas no termo, se a parte o requerer. Art. 467. O depoimento poderá ser documentado por meio de gravação. Quando digitado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores. § 1º O depoimento será passado para a versão digitada quando, não sendo eletrônico o processo, houver recurso da sentença, bem como em outros casos nos quais o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte. § 2º Tratando-se de autos eletrônicos, observar-se-á o disposto neste Código e na legislação específica sobre a prática eletrônica de atos processuais. Art. 468. O juiz pode ordenar, de ofício ou a requerimento da parte: I – a inquirição de testemunhas referidas nas declarações da parte ou das testemunhas; II – a acareação de duas ou mais testemunhas ou de alguma delas com a parte, quando, sobre fato determinado que possa influir na decisão da causa, divergirem as suas declarações. §1º Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergência, reduzindo-se a termo o ato de acareação. §2º A acareação pode ser realizada por videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real. Art. 469. A testemunha pode requerer ao juiz o pagamento da despesa que efetuou para comparecimento à audiência, devendo a parte pagá-la logo que arbitrada ou depositá-la em cartório dentro de três dias. Art. 470. O depoimento prestado em juízo é considerado serviço público. A testemunha, quando sujeita ao regime da legislação trabalhista, não sofre, por comparecer à audiência, perda de salário nem desconto no tempo de serviço.

2.12. Prova pericial:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação. Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando: I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico; II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas; III - a verificação for impraticável. Art. 421. O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo. § 1o Incumbe às partes, dentro em 5 (cinco) dias, contados da intimação do despacho de nomeação do perito: I - indicar o assistente técnico; II - apresentar quesitos. § 2o Quando a natureza do fato o permitir, a perícia poderá consistir apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assistentes, por ocasião da audiência de instrução e julgamento a respeito das coisas que houverem informalmente examinado ou avaliado. Art. 422. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que Ihe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição. Art. 423. O perito pode escusar-se (art. 146), ou ser recusado por impedimento ou suspeição (art. 138, III); ao aceitar a escusa ou julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo perito. Art. 424. O perito pode ser substituído quando: I - carecer de conhecimento técnico ou científico; II - sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que Ihe foi assinado. Parágrafo único. No caso previsto no inciso II, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo

Art. 471. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação. § 1º O juiz indeferirá a perícia quando: I – a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico; II – for desnecessária em vista de outras provas produzidas; III – a verificação for impraticável. § 2º De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à prova pericial, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade. § 3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição pelo juiz de especialista sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico. § 4º O especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá, ao prestar seus esclarecimentos, valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos na causa. § 5º A remuneração do especialista será arbitrada previamente pelo juiz, devendo ser adiantada pela parte que requerer seu depoimento ou rateada pelas duas partes quando requerida por ambas ou determinado de ofício pelo juízo. Art. 472. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo. § 1º Incumbe às partes, dentro de quinze dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito: I – indicar o assistente técnico; II – apresentar quesitos. § 2º Ciente da nomeação, o perito apresentará em cinco dias: I – sua proposta de honorários; II – seu currículo, com a comprovação de sua especialização; III – seus contatos

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decorrente do atraso no processo. Art. 425. Poderão as partes apresentar, durante a diligência, quesitos suplementares. Da juntada dos quesitos aos autos dará o escrivão ciência à parte contrária. Art. 426. Compete ao juiz: I - indeferir quesitos impertinentes; II - formular os que entender necessários ao esclarecimento da causa. Art. 427. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes. Art. 428. Quando a prova tiver de realizar-se por carta, poderá proceder-se à nomeação de perito e indicação de assistentes técnicos no juízo, ao qual se requisitar a perícia. Art. 429. Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer peças. Art. 430. (Revogado pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992) Art. 431. (Revogado pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992)) Art. 431-A. As partes terão ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova. (Incluído pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001) Art. 431-B. Tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente técnico. (Incluído pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001) Art. 432. Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o laudo dentro do prazo, o juiz conceder-lhe-á, por uma vez, prorrogação, segundo o seu prudente arbítrio. Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992) Art. 433. O perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento. (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992) Parágrafo único. Os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo comum de 10 (dez) dias, após intimadas as partes da apresentação do laudo. (Redação dada pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001) Art. 434. Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento, ou for de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados. O juiz autorizará a remessa dos autos, bem como do material sujeito a exame, ao diretor do estabelecimento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) Parágrafo único. Quando o exame tiver por objeto a autenticidade da letra e firma, o perito poderá requisitar, para efeito de comparação, documentos existentes em repartições públicas; na falta destes, poderá requerer ao juiz que a pessoa, a quem se atribuir a autoria do documento, lance em folha de papel, por cópia, ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de comparação. Art. 435. A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assistente técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob forma de quesitos. Parágrafo único. O perito e o assistente técnico só estarão obrigados a prestar os esclarecimentos a que se refere este artigo, quando intimados 5 (cinco) dias antes da audiência. Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. Art. 437. O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não Ihe parecer suficientemente esclarecida. Art. 438. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu. Art. 439. A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira. Parágrafo único. A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra.

profissionais, em especial o endereço eletrônico, para onde serão dirigidas as intimações pessoais. § 3º As partes serão intimadas da proposta de honorários, para, querendo, manifestar-se no prazo comum de cinco dias; após isso, o juiz arbitrará o valor, intimando-se as partes para os fins do art. 95. § 4º O juiz poderá autorizar o pagamento de até cinquenta por cento dos honorários arbitrados a favor do perito no início dos trabalhos; o que remanescer, será pago apenas ao final, depois de entregue o laudo e prestados todos os esclarecimentos necessários. § 5º Quando a perícia for inconclusiva ou deficiente, o juiz poderá reduzir a remuneração inicialmente arbitrada para o trabalho. § 6º Quando tiver de realizar-se por carta, poderá proceder-se à nomeação de perito e indicação de assistentes técnicos no juízo ao qual se requisitar a perícia. Art. 473. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou suspeição. Parágrafo único. O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de cinco dias. Art. 474. O perito pode escusar-se ou ser recusado por impedimento ou suspeição; ao aceitar a escusa ou julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo perito. Art. 475. O perito pode ser substituído quando: I – faltar-lhe conhecimento técnico ou científico; II – sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado.§ 1º No caso previsto no inciso II, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso no processo.§ 2º O perito substituído restituirá, no prazo de quinze dias, os valores recebidos pelo trabalho não realizado, sob pena de ficar impedido de atuar como perito judicial pelo prazo de cinco anos.§ 3º Não ocorrendo a restituição voluntária de que trata o § 2º, a parte que tiver realizado o adiantamento dos honorários poderá promover execução contra o perito fundada na decisão que determinar a devolução do numerário, que se processará na forma o art. 528 e seguintes deste Código. Art. 476. As partes poderão apresentar quesitos suplementares durante a diligência, que poderão ser respondidos pelo perito previamente ou na audiência de instrução e julgamento. Parágrafo único. O escrivão dará à parte contrária ciência da juntada dos quesitos aos autos. Art. 477. Incumbe ao juiz: I – indeferir quesitos impertinentes; II – formular os quesitos que entender necessários ao esclarecimento da causa. Art. 478. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que: I – sejam plenamente capazes; II – a causa possa ser resolvida por autocomposição. § 1º As partes, ao escolherem o perito, já devem indicar seus assistentes técnicos para acompanharem a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciado. § 2º O perito e os assistentes técnicos devem entregar respectivamente seu laudo e seus pareceres em prazo fixado pelo juiz. § 3º A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz. Art. 479. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes. Art. 480. O laudo pericial deverá conter: I – a exposição do objeto da perícia; II – a análise técnica ou científica realizada pelo perito; III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou; IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, elas partes e pelo órgão do Ministério Público. § 1º No laudo, o perito deve apresentar a sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões. §2º É vedado ao perito ultrapassar os limites da sua designação, bem assim emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia. §3º Para o desempenho de sua função,

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o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia. Art. 481. As partes terão ciência da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova. Art. 482. Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente técnico. Art. 483. Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o laudo dentro do prazo, o juiz poderá conceder-lhe, por uma vez, prorrogação pela metade do prazo originalmente fixado. Art. 484. O perito protocolará o laudo em juízo, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos vinte dias antes da audiência de instrução e julgamento. §1º As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no prazo comum de quinze dias. Em igual prazo, o assistente técnico de cada uma das partes poderá apresentar seu respectivo parecer. §2º O perito do juízo tem o dever de, no prazo de quinze dias, bem esclarecer ponto: I – sobre o qual exista divergência ou dúvida de qualquer das partes, do juiz ou do órgão do Ministério Público; II – divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte. §3º Se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma de quesitos. §4º O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos dez dias de antecedência da audiência. Art. 485. Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento ou for de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados. O juiz autorizará a remessa dos autos, bem como do material sujeito a exame ao diretor do estabelecimento. § 1º Nas hipóteses de gratuidade de justiça, os órgãos e as repartições oficiais deverão cumprir a determinação judicial com preferência, no prazo estabelecido. § 2º A prorrogação desses prazos pode ser requerida motivadamente. § 3º Quando o exame tiver por objeto a autenticidade da letra e da firma, o perito poderá requisitar, para efeito de comparação, documentos existentes em repartições públicas; na falta destes, poderá requerer ao juiz que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento lance em folha de papel, por cópia ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de comparação. Art. 486. Além do disposto nesta Seção X, o exame psicológico ou biopsicossocial deve observar as seguintes regras: I - o laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos do processo, histórico do relacionamento familiar, cronologia de incidentes e avaliação da personalidade dos sujeitos envolvidos na controvérsia; II - a perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitado, exigida, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico. Art. 487. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 378, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito. Art. 488. O juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida. Art. 489. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu. Art. 490. A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira. Parágrafo único. A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra.

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2.13. Inspeção judicial:

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 440. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa. Art. 441. Ao realizar a inspeção direta, o juiz poderá ser assistido de um ou mais peritos. Art. 442. O juiz irá ao local, onde se encontre a pessoa ou coisa, quando: I - julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar; II - a coisa não puder ser apresentada em juízo, sem consideráveis despesas ou graves dificuldades; Ill - determinar a reconstituição dos fatos. Parágrafo único. As partes têm sempre direito a assistir à inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações que reputem de interesse para a causa. Art. 443. Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, mencionando nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa. Parágrafo único. O auto poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia.

Art. 491. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que interesse à decisão da causa. Art. 492. Ao realizar a inspeção, o juiz poderá ser assistido por um ou mais peritos. Art. 493. O juiz irá ao local onde se encontre a pessoa ou a coisa quando: I – julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar; II – a coisa não puder ser apresentada em juízo, sem consideráveis despesas ou graves dificuldades; III – determinar a reconstituição dos fatos. Parágrafo único. As partes têm sempre direito a assistir à inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações que considerem de interesse para a causa. Art. 494. Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, mencionando nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa. Parágrafo único. O auto poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia.

3. Capítulo 3: A convicção do magistrado.

3.1. Atos do juiz.

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. § 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. § 3o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma. § 4o Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários. Art. 163. Recebe a denominação de acórdão o julgamento proferido pelos tribunais. Art. 164. Os despachos, decisões, sentenças e acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes. Quando forem proferidos, verbalmente, o taquígrafo ou o datilógrafo os registrará, submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura. Parágrafo único. A assinatura dos juízes, em todos os graus de jurisdição, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei. Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.

Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 495 e 497, põe fim ao processo ou a alguma de suas fases. § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre na descrição do § 1º. § 3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte. § 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário. Art. 204. Recebe a denominação de acórdão o julgamento colegiado proferido pelos tribunais. Art. 205. Os despachos, as decisões, as sentenças e os acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes. § 1º Quando os pronunciamentos previstos no caput forem proferidos oralmente, o servidor os documentará, submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura.

3.2. Requisitos da sentença.

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem.

Art. 499. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo; II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar

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seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o órgão jurisdicional deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada.

3.3. Poderes do juiz.

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela rápida solução do litígio; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. Art. 127. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei. Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes. Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I – assegurar às partes igualdade de tratamento; II – velar pela duração razoável do processo; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias; IV – determinar, de ofício ou a requerimento, todas as medidas coercitivas ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão judicial e a obtenção da tutela do direito; V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito; VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais; VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso; IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais; X - quando deparar-se com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados à ação coletiva para, se for o caso, promover sua propositura. Parágrafo único. A dilação de prazo prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes do início do prazo regular. Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá sentença que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé. Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de dez dias.

3.4. Causas de impedimento e suspeição.

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário: I - de que for parte; II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha; III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão; IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consanguíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau; V - quando cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral,

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: I – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha; II – de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido qualquer decisão; III – quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; IV – quando for parte no feito ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente,

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até o terceiro grau; VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa. Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz. Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo. Art. 136. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal. Art. 137. Aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes (art. 304). Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição: I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135; II - ao serventuário de justiça; III - ao perito; IV - ao intérprete. § 1o A parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o arguido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido. § 2o Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente.

consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; V – quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica parte na causa; VI – quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes; VII – em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços. § 1º Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o advogado, defensor público ou membro do Ministério Público já integrava a causa antes do início da atividade judicante do magistrado. § 2º É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz. § 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo. Art. 145. Há suspeição do juiz: I – amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; II – que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; III – quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; IV – interessado no julgamento de causa em favor de qualquer das partes. § 1º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões. § 2º Será ilegítima a alegação de suspeição quando: I – houver sido provocada por quem a alega; II – a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido. Art. 146. No prazo de quinze dias, a contar do conhecimento do fato, a parte alegará o impedimento ou a suspeição, em petição específica dirigida ao juiz da causa, na qual indicará o fundamento da recusa, podendo instruí-la com documentos em que se fundar a alegação e com rol de testemunhas. § 1º Se reconhecer o impedimento ou a suspeição ao receber a petição, o juiz ordenará imediatamente a remessa dos autos a seu substituto legal; caso contrário, determinará a autuação em apartado da petição e, no prazo de quinze dias, apresentará suas razões, acompanhadas de documentos e de rol de testemunhas, se houver, ordenando a remessa do incidente ao tribunal. § 2º Distribuído o incidente, o relator deverá declarar os efeitos em que é recebido. Se o incidente for recebido sem efeito suspensivo, o processo voltará a correr; se com efeito suspensivo, permanecerá suspenso o processo até o julgamento do incidente. § 3º Arguido impedimento ou suspeição, a tutela de urgência será requerida ao substituto legal. § 4º Verificando que a alegação de impedimento ou de suspeição é improcedente, o tribunal rejeitá-la-á. Acolhida a alegação, tratando-se de impedimento ou de manifesta suspeição, condenará o juiz nas custas e remeterá os autos ao seu substituto legal; neste caso, pode o juiz recorrer da decisão. § 5º Reconhecido o impedimento ou a suspeição, o tribunal fixará o momento a partir do qual o juiz passou a atuar com parcialidade. § 6º O tribunal decretará a nulidade dos atos do juiz, se praticados quando já presente o motivo de impedimento ou de suspeição. Art. 147. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, o primeiro que conhecer da causa impede que o outro atue no processo, caso em que o segundo se escusará, remetendo os autos ao seu substituto legal. Art. 148. Aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição: I – ao membro do Ministério Público; II – aos auxiliares da justiça; III – aos demais sujeitos imparciais do processo. § 1º A parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão do processo, ouvindo o arguido no prazo de quinze dias e facultando a produção de prova, quando necessária. § 2º Da decisão que julgar o incidente referido no § 1º cabe agravo de instrumento. § 3º Nos tribunais, a arguição a que se refere o § 1º será disciplinada pelo

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regimento interno. § 4º O disposto no § 1º não se aplica à arguição de impedimento ou de suspeição de testemunha.

3.5. Máximas de experiência.

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

Art. 382. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

4. Capítulo 5583: Fatores extraprocessuais externos da formação da convicção do

magistrado. Direito e filosofia.

4.1. Uniformização e estabilidade da jurisprudência.

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas. Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo. Art. 477. Reconhecida a divergência, será lavrado o acórdão, indo os autos ao presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento. A secretaria distribuirá a todos os juízes cópia do acórdão. Art. 478. O tribunal, reconhecendo a divergência, dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposição fundamentada. Parágrafo único. Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público que funciona perante o tribunal. Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência. Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.

Art. 988. É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito ou de direito e de fato. § 1º O incidente pode ser suscitado perante Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal. § 2º O incidente somente pode ser suscitado na pendência de qualquer causa de competência do tribunal. § 3º O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente do tribunal: I – pelo relator ou órgão colegiado, por ofício; II – pelas partes, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela pessoa jurídica de direito público ou por associação civil, por petição. § 4º O ofício ou a petição a que se refere o § 3º será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente. § 5º A desistência ou o abandono da causa não impedem o exame do mérito do incidente. § 6º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e poderá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono. § 7º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez presente o pressuposto antes considerado inexistente, seja o incidente novamente suscitado. § 8º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. § 9º O incidente pode ser instaurado quando houver decisões conflitantes sobre mesma questão de fato. Art. 989. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça. § 1º Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro. § 2º Para possibilitar a identificação das causas abrangidas pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados. § 3º Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário. Art. 990. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos

583 O capítulo 4 não apresenta quadros.

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pressupostos do art. 988. § 1º Admitido o incidente, o relator: I – suspenderá os processos pendentes que tramitam no estado ou na região, conforme o caso; II – poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de quinze dias; III – intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de quinze dias. § 2º A suspensão de que trata o inciso I do § 1º será comunicada aos juízes diretores dos fóruns de cada comarca ou seção judiciária, por ofício. § 3º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. § 4º O interessado pode requerer o prosseguimento do seu processo, demonstrando a distinção do seu caso, nos termos do § 10 do art. 521. O requerimento deve ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. A decisão que negar o requerimento é impugnável por agravo de instrumento. § 5º Admitido o incidente, suspender-se-á a prescrição das pretensões nos casos em que se repete a questão de direito. Art. 991. O julgamento do incidente caberá ao órgão do tribunal que o regimento interno indicar. § 1º O órgão indicado deve possuir competência para uniformização de jurisprudência dentre suas atribuições. § 2º Sempre que possível, o órgão competente deverá ser integrado, em sua maioria, por desembargadores que componham órgãos colegiados com competência para o julgamento da matéria discutida no incidente. § 3º A competência será do plenário ou do órgão especial do tribunal quando ocorrer a hipótese do art. 960 no julgamento do incidente. Art. 992. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de quinze dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida; em seguida, no mesmo prazo, manifestar-se-á o Ministério Público. Parágrafo único. Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria. Art. 993. Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente. Art. 994. O incidente será julgado com a observância das regras previstas neste artigo. § 1º Feita a exposição do objeto do incidente pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao autor e ao réu do processo originário, e ao Ministério Público, pelo prazo de trinta minutos, para sustentar suas razões. Considerando o número de inscritos, o órgão julgador poderá aumentar o prazo para sustentação oral. § 2º Em seguida, os demais interessados poderão manifestar-se no prazo de trinta minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com dois dias de antecedência. Havendo muitos interessados, o prazo poderá ser ampliado, a critério do órgão julgador. § 3º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários. Art. 995. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal. § 1º A tese jurídica será aplicada, também, aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do respectivo tribunal, até que esse mesmo tribunal a revise. § 2º Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão ou à agência reguladora competente para fiscalização do efetivo cumprimento da decisão por parte dos entes sujeitos a regulação. § 3º O tribunal, de ofício, e os legitimados mencionados no art. 988, § 3º, inciso II poderão pleitear a revisão da tese jurídica, observando-se, no que couber, o disposto no art. 508, §§ 1º e 2.º. § 4º Contra a decisão que julgar o incidente caberá recurso especial ou recurso extraordinário, conforme o caso. § 5º Se houver recurso e a matéria for apreciada, em seu mérito, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem no território nacional. § 6º Julgado o incidente

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na hipótese do art. 988, § 9º, a solução da questão fática será aplicada a todos os processos em que essa questão seja relevante para resolução da causa. Art. 996. O incidente será julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. § 1º Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art. 990, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário. § 2º O disposto no § 1º aplica-se, no que couber, à hipótese do art. 997. Art. 997. Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 988, § 3º, inciso II, poderá requerer ao tribunal competente para conhecer de recurso extraordinário ou recurso especial a suspensão de todos os processos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado. § 1º independentemente dos limites da competência territorial, a parte em processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no caput. § 2º Cessa a suspensão a que se refere o caput se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente. Art. 998. O recurso especial ou extraordinário interposto contra a decisão proferida no incidente tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional discutida. Art. 999. Interposto recurso especial ou extraordinário, os autos serão remetidos ao tribunal competente, independentemente da realização de juízo de admissibilidade na origem. Art. 1.000. Não observada a tese adotada pela decisão proferida no incidente, caberá reclamação para o tribunal competente.

4.2. Julgamento de demandas repetitivas.

Disposição do CPC vigente Disposição do Projeto

Sem correspondência.

Art. 520. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Parágrafo único. Na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, os tribunais devem editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante. Art. 521. Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem ser observadas: I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os juízes e tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante e os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; IV – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e tribunais seguirão os precedentes: a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional; b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta ordem, em matéria infraconstitucional; V – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal seguirão os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem; VI – os juízes e órgãos fracionários de tribunal de justiça seguirão, em matéria de direito local, os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem. § 1º A modificação de entendimento sedimentado poderá realizar-se: I – por meio do procedimento previsto na Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando tratar-se de enunciado de súmula vinculante; II – por meio do procedimento previsto no regimento interno do tribunal respectivo, quando tratar-se de enunciado de súmula da jurisprudência dominante; III –

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incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou na causa de competência originária do tribunal, nas demais hipóteses dos incisos II a VI do caput deste artigo. § 2º A modificação de entendimento sedimentado poderá fundar-se, entre outras alegações, na revogação ou modificação de norma em que se fundou a tese ou em alteração econômica, política ou social referente à matéria decidida. § 3º A decisão sobre a modificação de entendimento sedimentado poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 4º O órgão jurisdicional que tiver firmado a tese a ser rediscutida será preferencialmente competente para a revisão do precedente formado em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, ou em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos. § 5º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de precedente, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos. § 6º A modificação de entendimento sedimentado, sumulado ou não, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 7º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado. § 8º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo os fundamentos: I – prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão; II – não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda que relevantes e contidos no acórdão. § 9º O precedente ou jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa. § 10. Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. Art. 522. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos o: I – do incidente de resolução de demandas repetitivas; II – dos recursos especial e extraordinário repetitivos. Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.