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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza Instituto de Geociências GUSTAVO SOARES IORIO SEGURANÇA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO E GEOPOLÍTICA: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO INTERIOR NO BRASIL (1964-1969) Rio de Janeiro 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza

Instituto de Geociências

GUSTAVO SOARES IORIO

SEGURANÇA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO E GEOPOLÍTICA: A

INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO INTERIOR NO BRASIL

(1964-1969)

Rio de Janeiro

2015

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SEGURANÇA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO E GEOPOLÍTICA: A

INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO INTERIOR NO BRASIL

(1964-1969)

GUSTAVO SOARES IORIO

Tese de Doutorado apresentado ao

Programa de Pós Graduação em

Geografia como requisito parcial à

obtenção do título de Doutor em

Geografia.

Orientadora: Profª Drª Ana Maria de

Lima Daou.

Rio de Janeiro

Março de 2015

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ii

SEGURANÇA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO E GEOPOLÍTICA: A

INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO INTERIOR NO BRASIL

(1964-1969)

GUSTAVO SOARES IORIO

TESE SUBMETIDA À BANCA EXAMINADORA COMO PARTE DOS

REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM

GEOGRAFIA

Examinada por:

________________________________________________

Profª. Drª Ana Maria de Lima Daou – PPGG/UFRJ (orientadora)

________________________________________________

Profª Drª. Gisela Aquino Pires do Rio – PPGG/UFRJ (Presidente da banca)

________________________________________________

Profº Drª Lia Osório Machado (PPGG/UFRJ)

________________________________________________

Profº Drº. Antônio Carlos de Souza Lima (PPGAS/Museu Nacional/UFRJ)

________________________________________________

Profº. Drº Sérgio Luiz Nunes Pereira (DG/UFF)

________________________________________________

Profº. Drº Manoel Fernandes de Sousa Neto (DG/USP)

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

MARÇO DE 2015

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iii

Ao meu filho Caio,

concebido no decorrer desse percurso,

fez de mim uma pessoa melhor.

Amarei-te sempre, até o mundo acabar.

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v

AGRADECIMENTOS

Esta tese é devedora de muitos, sinceros e genuínos sentimentos de

agradecimento. Ela não poderia existir sem a ajuda de muitas pessoas, todas elas muito

queridas.

Começo pela minha família, que ficou maior nesses quatro anos. Meu filho

Caio, nascido no decorrer desta tese, trouxe enorme ternura para minha vida, mesmo

assim, teve que dividir minha atenção com esta tese. Minha companheira Alessandra,

me deu carinho, me deu conforto, sacrificou seus objetivos pessoais para preencher

minha ausência, muito mais frequentes do que gostaria. Minha mãe Cecilia, sempre

apoio verdadeiro e importante, minha fonte de segurança e inspiração. Minha irmã,

mesmo distante sempre presente, trouxe-me outra fonte de ternura, meu sobrinho

Benjamin, que também veio ao mundo nestes tempos recentes.

Da parte dos amigos, a gratidão é enorme. Heitor e sua família, que foram o

esteio primeiro dessa “aventura” que é o Rio de Janeiro. Carolzinha e Isabela, amigas

queridas, companheiras e conselheiras, acolhedoras na maioria das vezes, fizeram das

minhas estadas no Rio muito mais interessantes. Zé Luís e Sandrão, velhos camaradas,

amigos, companheiros de risadas e broncas, também me deram muitas acolhidas no Rio.

Léo Dupin, Léo Leite, Harry e Mateusinho, amigos fraternos. Caio e Pietro, amigos da

mais longa data, sem vocês o mundo não seria o mundo. Clarinha, Amorinha e Godi,

família amiga que me acolheu com muito carinho em Brasília, fizeram do árduo

trabalho de campo uma temporada prazerosa. Eduardo Maia, professor, interlocutor de

grandes contribuições, e amigo. A todos esses, que foram muito mais meus amigos do

que eu deles, peço desculpas pelas minhas falhas. Vocês são todos muito mais do que

importantes, são essenciais.

Ao decorrer dessa jornada muitas amizades conquistei. Meus colegas de

doutorado, Igor, Mateus, Sara, Helena, Anice, Lenice, Sávio, Faber, Diogo, Simone e

Danielle. No IFMG fiz amigos para sempre; Fernando, Jaime, Brunão, Patrício,

Venílson, Flávio, Marcos (Física).

A vida acadêmica também me reservou encontros valiosos. Ana Daou, pessoa

muito especial, orientadora, amiga zelosa, conselheira, incentivadora. Obrigado por toda

a confiança e apoio, que nunca faltaram, mesmo nos momentos mais drásticos. Sérgio

Nunes, a quem devo muito do que foi minha vida acadêmica nos últimos seis ou sete

anos. Antônio Carlos de Souza Lima e Lia Osório Machado, professores no melhor

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vi

sentido do termo, têm me acompanhado e enriquecido minhas investidas de pesquisa,

sempre com muita paciência, solicitude e inteligência. Manoel Fernandes, amigo que

conquistei nas jornadas acadêmicas Brasil afora, tenho hoje o prazer de tê-lo na minha

banca. Vincent Berdoulay, que sempre me atendeu, solicito e gentil. Agradeço também à

professora Gisela Aquino Pires do Rio, que aceitou com grande gentileza assumir as

incumbências para que essa banca ocorresse, e ainda contribuir com a leitura crítica

desta tese. Muito importantes são meus professores da graduação, especialmente

Leonardo Civale, Isabel Chrysostomo e Eduardo Maia, muito obrigado por me darem a

base necessária para trilhar essa jornada até aqui.

Gostaria ainda de agradecer aos funcionários de todas as repartições que

frequentei para realizar esta tese. Às secretárias e às bibliotecárias do PPGG e,

especialmente, à equipe de atendimento da área de consulta do Arquivo Nacional de

Brasília, sempre muito atenciosos e dispostos a ajudar, em especial à Dayse, que a tenho

como amiga, cujas sugestões foram cruciais para o rumo que tomou esta tese. Agradeço

À sociedade brasileira, em nome do CNPq, pelo financiamento deste doutoramento,

desenvolvido com bolsa de estudos em uma instituição pública que me ofereceu ensino

de qualidade.

Mais pessoas merecem meu agradecimento, a não menção a todos os nomes

não diminui meu sentimento de gratidão. Por tudo o que fizeram e são essas pessoas, o

meu imenso muito obrigado!

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“Il n´est pas moins vrai que ce que l’on désigne dans

les États moins développés comme <<absence de

structure>> ne teint pas seulement à l’absence d’une

armée de métier, d’une administration ou d’une

fiscalité, mais dépend d’une série de facteurs

géographiques, et, en particulier, de la faiblesse de la

population, de son inégale répartition, du manque de

voies de communication”.

(RATZEL, 1987[1897]. p 62)

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RESUMO

Esta tese se debruça sobre a institucionalização do Ministério do Interior (MINTER) no

Brasil (1964-1969), intervalo correspondente à criação do Ministério Extraordinário

para a Coordenação dos Organismos Regionais (MECOR) – seu precursor imediato – e

a renúncia do Ministro Afonso Augusto de Albuquerque Lima. Neste intervalo o

ministério em questão foi oficialmente criado pelo Decreto-Lei nº 200/1967 e chegou a

seu desenho institucional definitivo. Procura se demonstrar aqui que neste período o

MINTER foi definido enquanto um dispositivo de governamentalização, tributário de

um ideal de modernização do território, significado fundamentalmente pela estruturação

de dois campos de poder: o desenvolvimento e a segurança nacional. Mais do que dois

motes doutrinários, defende-se aqui, que estes dois vocábulos referem-se a campos

efetivos de poder, articulando instituições, sujeitos e discursos de escalas diversas. A

análise tem como fonte as Exposições de Motivos, expediente ministerial de

comunicação direta com o presidente da República, emitidas pelos ministros no

intervalo delimitado.

Palavras-chave: Ministério do Interior; Geopolítica; Desenvolvimento; Segurança

Nacional.

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ABSTRACT

This thesis focuses on the institutionalization of the Ministério do Interior (MINTER) in

Brazil (1964-1969), the corresponding range of the creation of the Ministério

Extraordinário dos Organismos Regionais (MECOR) - its immediate precursor - and the

resignation of Minister Afonso Augusto Albuquerque Lima. In this range the ministry

concerned was officially established by Decree-Law nº 200/1967 and reached its final

institutional design. Seeks to demonstrate that in this period the MINTER was set as a

governmentalisation device, tributary of an ideal to modernizing the territory, meant

mainly by the structuring of two fields of power: the development and national security.

More than two doctrinal motes, it is argued here, those two words refer to effective

fields of power, linking institutions, subject and speeches of various scales. The analysis

takes as source the “Exposições de Motivos”, ministerial expedient of direct

communication with the president, issued by ministers in the defined range.

Keywords: Ministério do Interior; Geopolitics; Development; National Security.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ..................................................................................................... v

RESUMO ....................................................................................................................... vii

ABSTRACT .................................................................................................................... ix

LISTA DE FIGURAS E TABELAS ............................................................................... xii

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .................................................................... xiii

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1

Contextos ...................................................................................................................... 2

O Ministério do Interior: primeiras incursões .............................................................. 4

O Ministério do Interior, a História da Geografia e a Geografia Histórica ................ 12

Sobre as fontes da pesquisa ........................................................................................ 18

Apresentação dos capítulos ........................................................................................ 27

1. O MINISTÉRIO DO INTERIOR NO CERNE DA MODERNIZAÇÃO

BRASILEIRA ................................................................................................................. 29

A modernização do país .............................................................................................. 31

Território, Estado e modernização no Brasil .............................................................. 35

A modernização segundo o Ministério do Interior ..................................................... 44

A modernização e sua antítese: identificando o atraso ............................................... 47

2. SUJEITOS, TRADIÇÕES DO CONHECIMENTO E FORMAÇÃO MILITAR: OS

FUNDAMENTOS DA GOVERNAMENTALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO ................ 54

Objetivação metodológica dos “sujeitos” ................................................................... 56

Profissionalização, corporação e intervencionismo: o Exército brasileiro na política

nacional ....................................................................................................................... 63

Os ministros do Interior .............................................................................................. 86

3. O INTERIOR ‘ATRASADO’ E A ‘FUNÇÃO ALTAMENTE CIVILIZADORA DO

DESENVOLVIMENTO’ .............................................................................................. 100

O desenvolvimento como campo de poder no Brasil ............................................... 100

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O MINTER no campo do desenvolvimento .............................................................. 111

A estruturação do desenvolvimento em bases regionais no Brasil ........................... 127

A modernização e suas contradições ........................................................................ 131

4. DESENVOLVIMENTO, SEGURANÇA NACIONAL E GEOPOLÍTICA NO

MINISTÉRIO DO INTERIOR ..................................................................................... 141

A mundialização da segurança nacional ................................................................... 142

A segurança nacional no Brasil ................................................................................ 148

Segurança nacional, desenvolvimento e geopolítica ................................................ 153

O MINTER, a segurança nacional, o desenvolvimento e a geopolítica ................... 158

Centralismo e geopolítica no Ministério do Interior ................................................ 164

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 173

FONTES DE PESQUISA ............................................................................................. 181

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 184

APÊNDICE .................................................................................................................. 194

Apêndice 1. ............................................................................................................... 194

Apêndice 2. ............................................................................................................... 195

ANEXOS ...................................................................................................................... 196

Anexo 1: Exposição de Motivos nº001/1964. .......................................................... 196

Anexo 2: Mapa “O território e a circulação” de Golbery do Couto e Silva ............. 197

Anexo 3: Quadro comparativo dos cortes de gastos segundo Albuquerque e Lima

(E.M 18/1969). ......................................................................................................... 198

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LISTA DE FIGURAS E TABELAS

Figura 1: Viagem de S.Exa. o Sr. Ministro O. Cordeiro de Farias ao Vale do S. Francisco

(setembro de 1964). p. 85

Figura 2: Afonso Augusto de Albuquerque Lima (1909-1981). p. 91

Tabela 1: Exposição de Motivos por órgão (08/07/1964-27/01/1969). p. 112

Tabela 2: Exposição de Motivos por órgão (Cordeiro de Farias - 25/06/1964 a

16/06/1966). p. 113

Tabela 3: Exposição de Motivos por órgão (João G. de Souza - 16/06/1966 a

16/02/1967). p. 113

Tabela 4: Exposição de Motivos por órgão (Albuquerque Lima - 15/03/1967 a

27/01/1969). p. 114

Tabela 5: Exposição de Motivos por assunto (08/07/1964-27/01/1969). p. 119

Tabela 6: Exposição de Motivos por assunto (Cordeiro de Farias - 25/06/1964 a

16/06/1966). p. 120

Tabela 7: Exposição de Motivos por assunto (João G. de Souza - 16/06/1966 a

16/02/1967). p. 121

Tabela 8: Exposição de Motivos por assunto (Albuquerque Lima - 15/03/1967 a

27/01/1969). p. 121

Tabela 9: Exposição de Motivos – documentos de natureza administrativa. p. 167

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABIN: Agência Brasileira de Inteligência.

ALN: Ação Libertadora Nacional.

BASA: Banco da Amazônia S.A.

BIRD: Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento.

BNB: Banco do Nordeste do Brasil S.A.

BNDE: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.

BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

BNH: Banco Nacional de Habitação.

CAT: Comissão de Assuntos Territoriais.

CM Brasil-Uruguai: Comissão Mista Brasil-Uruguai.

CCMI: Comissão Coordenadora do Ministério do Interior.

CEFF: Comissão Especial da Faixa de Fronteiras.

CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina e Caribe.

CNI: Confederação Nacional da Indústria.

CODAC: Coordenação de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo

Nacional.

CODENE: Conselho de Desenvolvimento do Nordeste.

CODES: Coordenação de Documentos escritos do Arquivo Nacional.

COREG. Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal.

CNP: Conselho Nacional do Petróleo.

CPDOC/FGV: Centro de Pesquisa de Documentação de História Contemporânea do

Brasil/Fundação Getúlio Vargas.

CMBEU: Comissão Mista Brasil-EUA.

CM Brasil-Uruguai: Comissão Mista Brasil-Uruguai.

CMN: Conselho Monetário Nacional.

COMESTRA: Comissão de Estudos de Reforma Administrativa.

DASP: Departamento Administrativo do Serviço Público.

DNOCS: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.

DNOS: Departamento Nacional de Obras de Saneamento.

DSN: Doutrina de Segurança Nacional.

ECEME: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

E.M.: Exposição de Motivos.

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xiv

EMFA: Estado Maior das Forças Armadas.

EEM: Escola do Estado Maior do Exército.

EsAO: Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.

ESG: Escola Superior de Guerra.

FAO: Food and Agriculture Organization of the United Nations.

FBC: Fundação Brasil Central.

FEB: Força Expedicionária Brasileira.

FIESP: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

FIRTOP: Fundação Interestadual para o Desenvolvimento dos Vales do Tocantins e

Araguaia e Paraguai-Cuiabá.

FUNAI: Fundação Nacional do Índio.

GERAN: Grupo Especial para Racionalização da Agro-Indústria Canavieira do

Nordeste.

GI: Grupo de Operações.

GLC: Grupo de Levantamento da Conjuntura.

GTDN: Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.

IAA: Instituto do Açúcar e do Álccol.

IBAD: Instituto Brasileiro de Ação Democrática.

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IBRA: Instituto Brasileiro de Reforma Agrária.

INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

INDA: Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário.

IPEA: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.

IPES: Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais.

IPM’s: Inquéritos Policiais Militares.

ISEB: Instituto Superior de Estudos Brasileiros.

LIDER: Liga Democrática Radical.

MACOP: Ministério da Agricultura, Comércio e Obras públicas.

MECOR: Ministério Extraordinário para Coordenação dos Organismos Regionais.

MINTER: Ministério do Interior.

MPCG: Ministério do Planejamento e Coordenação Geral.

ONU: Organização das Nações Unidas.

PAEG: Programa de Ação Econômica do Governo.

PND: Plano Nacional de Desenvolvimento.

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xv

PROTERRA: Programa de Redistribuição de Terras.

RBG: Revista Brasileira de Geografia.

RFFSA: Rede Ferroviária Federal S.A.

SEMA: Secretaria Especial do Meio Ambiente.

SENAM: Secretaria Nacional dos Municípios.

SERFHAU: Serviço Federal de Habitação e Urbanismo.

SGRJ: Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

SNI: Serviço Nacional de Informações.

SUDAM: Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia.

SUDECO: Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste.

SUDEFSO: Superintendência do Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste.

SPVERFSP: Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Região Fronteira

Sudoeste do País.

SUDENE: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.

SUDESUL: Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul.

SUNAMA: Superintendência Nacional de Abastecimento.

SUFRAMA: Superintendência da Zona Franca de Manaus.

SUVALE: Superintendência de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.

SPI: Serviço de Proteção ao Índio.

SPVEA: Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia.

TVA: Tennesse Valey Authority.

UDN: União Democrática Nacional.

USAID: United States Agency for International Development.

USARSA: United States Army School of the Americas.

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1

INTRODUÇÃO

As décadas de 1960 e 1970 foram, no Brasil, “tempos extremos”. As empresas

transnacionais, instaladas em território nacional, alteravam substancialmente a estrutura

econômica do país; movimentos migratórios do campo para a cidade concentravam a

população nas grandes metrópoles; Brasília, a nova capital, já estava erguida e em

funcionamento no longínquo Planalto Central; os conflitos sociais se acirravam com a

emergência de movimentos populares, como as Ligas Camponesas que evidenciavam

para o país as contradições entre latifundiários e segmentos sociais empobrecidos do

Nordeste; a Amazônia ainda soava como uma terra distante e desconhecida. Em 1964 se

passa uma inflexão nesse estado das coisas, o conflito, levado ao seu limite, acarretou

um desfecho autoritário. Implantou-se, por força de golpe de Estado, um governo

ditatorial que, a toque de caixa e graças à força do bastão, liquidou as contradições,

impondo uma ordem pretensamente homogênea.

As questões relativas ao território e ao seu governo estavam, como se pode ver,

no centro dos processos em curso. Os governos que se sucederam até então iam, a seu

tempo e a seu modo, implantando ações ou mesmo apenas intenções, para equacionar e

administrar o território. Órgãos, agências, Leis e Decretos foram criados de forma

dispersa, respondendo a demandas e princípios variados. A inflexão de 1964 incidiu

fortemente sobre este aspecto. Os mesmos princípios de ordem e coerência impostos no

campo social se fizeram valer também na administração e gestão das questões

territoriais. Os dispositivos dispersos foram enquadrados em um mesmo sentido, uma

mesma lógica. A tarefa de realizar este enquadramento coube ao Ministério do Interior

(MINTER), objeto de análise desta tese.

Para se compreender o significado da implantação de um ministério com a

forma e o conteúdo em que se desenhou o MINTER, é preciso antes situa-lo do ponto

de vista mais amplo, i.e., localizá-lo na ordem política e econômica que se construía no

mundo e no Brasil nesta segunda metade do século XX.

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2

Contextos

Nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, até meados da década de

1970, houve um grande crescimento econômico e uma difusão deliberada das relações

capitalistas de produção mundo afora, o que Hobsbawm (1995) chamou de “a era de

ouro” do capitalismo. Pari passu ao desenvolvimento das forças produtivas, a Doutrina

Truman e a “Guerra Fria” que ia se definindo, provocaram o acirramento ideológico

que, no espectro ocidental, elegeu o comunismo como o maior inimigo.

O Brasil não esteve à parte desse contexto. Por aqui houve um recrudescimento

no combate ao comunismo e uma euforia com os horizontes apresentados pelo

desenvolvimentismo capitalista. Os anos áureos do capitalismo chegaram nesse país

através de corporações transnacionais que reestruturaram a ordem produtiva,

alicerçando-a a níveis expressivos de crescimento econômico e diversificação do parque

industrial. A base econômica foi efetivamente transformada (OLIVEIRA, 2011). A

presença das grandes corporações agravou ainda mais a concentração política e

econômica. Segundo Oliveira (1981), esse é o momento de formação do capital

monopolista no Brasil, com forte participação do Estado enquanto investidor direto e

facilitador político.

Politicamente, o pós-guerra repercutiu por aqui no esgotamento do modelo

político do Estado Novo (1937-1945), a ditadura comandada por Getúlio Vargas, que

ficou muito associada aos regimes nazifascistas derrotados pelos Aliados. Mas

perseverou o formato “populista”, substanciado no apoio das camadas populares como

fonte e base do poder político, lançado por Vargas nos derradeiros anos de seu governo

estadonovista. Com o retorno do sufrágio como meio de escolha do presidente, este

formato se manteve através do pacto populista de dominação, acordado entre as

tradicionais elites agrárias, sobretudo do Nordeste do país, e as elites urbanas do

Sudeste, o “Brasil desenvolvido”. Esse pacto se perpetuava através da popularidade do

voto e a política econômica de substituição de importações, acompanhado sempre de

perto pelo poder militar, em uma relação mais ou menos tensa.

Dada o dinamismo e a força das circunstâncias, este pacto mostrou-se

demasiadamente frágil e incapaz de acomodar os interesses rivais que se confrontavam.

Três fatores decretaram o fim do pacto: i) exaustão do modelo político-econômico; ii)

mudanças na economia que fugiram ao controle do Estado; iii) e o crescimento

populacional do sudeste, que provocou um desequilíbrio no pacto de dominação

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3

vigente, provocando um imobilismo político (LAFER, 1974). As elites políticas ficaram

desencontradas e a instabilidade foi incontornável.

O desfecho desta história foi o golpe de Estado em março/abril de 1964 posto

em prática pelas Forças Armadas com o suporte de setores da sociedade civil. O ideário

conservador e anticomunista prevaleceu em um ambiente político, econômico e

ideologicamente conturbado. A “limpeza política” suprimiu os “elementos

indesejáveis”. João Goulart, o então presidente e herdeiro do trabalhismo varguista, foi

deposto. O receio da emergência de um regime comunista no Brasil, a exemplo da

Revolução Cubana de 1959, aproximou dos militares os investidores internacionais, o

empresariado brasileiro e parte da classe média. A partir de então, se instalou no Brasil

um governo ditatorial. Esse governo estava mantido através de um novo pacto de poder

sustentado em dois polos; i) positivo, oriundo dos bons resultados econômicos, e ii)

negativo, proveniente da coerção física no combate às oposições (LAFER, op.cit.).

O novo protagonismo político dava o modelo político “populista” como preso à

imobilidade graças às suas características estruturais, favorecendo a “politicagem”1 em

detrimento da eficiência administrativa. A alta inflação e outros problemas

macroeconômicos eram apontados como a prova da incapacidade que condenava o país.

Contra o “estado de desordem”, os agentes do novo regime prometiam uma reordenação

do Estado e da administração pública, mesmo que “medidas corretivas2” fossem

necessárias. Essa foi a preocupação central no governo do general Castello Branco

(1964-1967), e em nome dela adotou uma política econômica de austeridade e equilíbrio

macroeconômico e reestruturou a máquina pública através da Reforma Administrativa

de 1967 (BRASIL, 1967).

A inserção do Brasil nos “ditosos” caminhos do capitalismo mundial se dá,

portanto, através do endurecimento da política ao ponto da supressão dos procedimentos

da democracia representativa, tão cara ao espírito de liberdade da qual se envaidece o

sistema de mercado. Uma nova racionalidade econômica só pôde ser instaurada através

de mudanças bruscas tocadas através de uma intervenção brusca e autoritária através da

tomada do governo do Estado, convertendo sua ação em medidas vigorosas e

centralizadoras (MACHADO, 1992).

1 Termo comumente utilizado pelos generais de 1964 para se referir ao período político anterior. Ver as

memórias de Cordeiro de Farias (FARIAS, 2001). 2 “Medidas corretivas”, eufemismo para repreensão violenta, foi o termo utilizado por Márcio de Souza e

Mello, ministro da Aeronáutica em 1968, ao dar seu parecer a favor do Ato Institucional nº5 na reunião

do Conselho de Segurança Nacional. (Ver transcrição da reunião em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/reuniao/index.html>.

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4

O regime autoritário tratou cuidadosamente do território, também através de

forte intervenção estatal associada ao capital nacional e internacional. O que se passou

foi um processo de fixação de valor (SOJA, 1993)3 impregnado de alto conteúdo

tecnológico que reconfigurou o território nacional, adequando-o aos imperativos

modernizantes do novo modelo de acumulação do capital (MACHADO, 1987;

SANTOS, SILVEIRA, 2011; BECKER, 1988, 1991, 2002, 2005). Mas essa tarefa não

foi simples, ao contrário, impôs uma readequação do dispositivo administrativo com

que contava o Estado para gestar o território. Os órgãos dispersos precisariam de um

formato coerente, articulado, dinâmico e próprio para atender aos novos imperativos.

Assim fez-se o MINTER.

O Ministério do Interior: primeiras incursões

Em termos gerais, o MINTER tem sido notado na bibliografia pertinente como

um ministério envolvido no cerne da produção e apropriação territorial do período

correspondente, e de fato ele o foi. Para Antônio C. R. Moraes (2005):

Essa visão centrada no território fica bem evidente na estrutura

institucional do aparelho de Estado adotada pela ditadura, com o

agrupamento de todas as políticas territoriais – pela primeira e única

vez na história brasileira – num único órgão executor, no caso o

Ministério do Interior, que englobava agências tão distintas (como o

INCRA, a Funai, o BNH, a Sema, as Superintendências de

Desenvolvimento Regional, entre outras), sendo o nexo entre tais

instituições o fato de todas operarem políticas de produção e

organização do espaço ( p. 100)

A assertiva parece válida, mas há de se notar um pouco de exagero no que

concerne ao “agrupamento de todas as políticas territoriais”, o que seria subestimar, por

exemplo, o papel seminal do Ministério dos Transportes, marcante para a visão de

integração nacional com a construção da rodovia Transamazônica (BR 230). Berta

Becker (1981) observa isso:

A malha do MINTER é apenas uma parte da malha imposta pelo

Estado. A malha urbana, programada igualmente ao nível nacional, os

pólos industriais também foram componentes-chave na estratégia

espacial do governo rompendo a organização econômica, social e

espacial preexistente. (BECKER, 1981. p. 118)

A transformação territorial que toma curso no Brasil pós-1964 é bem mais

ampla e complexa do que aquilo que se pode enquadrar no bojo de atribuições do

3 Ou valorização do espaço, como preferem Moraes e Costa (1999).

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5

MINTER, mas este fato não invalida o reconhecimento desse ministério como um órgão

essencialmente voltado para a administração e gestão da produção territorial. Este fato é

notável ao examinar a sua institucionalização. Formalmente criado pelo Decreto-Lei nº

200 de fevereiro de 1967, sua gênese remonta a 1964, nos primeiros momentos de

implantação do regime militar, quando em 21 de junho de 1964 foi criado o cargo de

Ministro extraordinário através da Lei nº 4344. Não se sabe ao certo o que motivou o

surgimento deste ministério totalmente novo, aventa-se inclusive que poderia estar

ligada a uma “cortesia pessoal” do presidente nomeado, Castello Branco, para seu

antigo companheiro da Força Expedicionária Brasileira (FEB), Cordeiro de Farias, o

primeiro a assumir esse ministério. Esta hipótese é levantada pelo próprio Cordeiro de

Farias no registro de suas memórias:

Isso foi em junho, dois meses após a posse de Castello [Branco,

Presidente da República]. Eu me pergunto: terá sido idéia de um

Geisel, de um Golbery ou de em Ademar de Queirós? Auxiliares

diretos do presidente, não se conformavam com minha situação. Terão

eles tido a iniciativa de propor a criação do novo ministério, levando

minha indicação ao Castello? Ou terá sido idéia do próprio Castello?

Não sei, não tenho como sabê-lo. Geisel, Golbery e Tico-Tico4, muito

ligados ao Castello, jamais me diriam, caso a iniciativa tivesse partido

deles. Não iriam expor o presidente. De qualquer forma, eu percebia

em Castello uma sensação de desconforto diante de mim;

provavelmente sentia-se em falta comigo, com dores de consciência.

(FARIAS, 2001. p. 498)

Fato é que o ministério foi criado, e a ele se confiou as seguintes atribuições:

Art. 1º É criado um cargo de Ministro Extraordinário, ao qual caberá

coordenar as atividades dos seguintes órgãos e serviços, que lhe ficam

subordinados:

a) Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia;

b) Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Fronteira

Sudoeste do País;

c) Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste;

d) Comissão do Vale do São Francisco;

e) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;

f) Fundação Brasil Central;

g) Administração dos Territórios Federais;

h) Serviço Nacional de Municípios;

i) Comissão de Desenvolvimento do Centro Oeste;

j) Comissão Especial de Faixa de Fronteiras;

l) Parque Nacional do Xingu.

4 Na publicação não há maiores esclarecimentos sobre a identidade formal da pessoa chamada por

Cordeiro de Farias de “Tico-Tico”.

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6

No mês subsequente ele é renomeado, passa a ser o Ministério Extraordinário

para a Coordenação dos Organismos Regionais (MECOR) através da Lei nº 54026 de

17 de julho de 1964, com as mesmas atribuições. Basicamente, o ministério

extraordinário assumia para si onze órgãos agrupados em torno da alcunha “organismos

regionais”. Estes organismos refletem contextos, propósitos e modo de funcionamento

diferentes.

Estão aí dispostos o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

[Decreto-Lei nº 218/1938] e a Fundação Brasil Central (FBC) [Decreto-lei nº

5.878/1943], criados em pleno Estado Novo; aquele com o desafio de fornecer base

segura de dados sobre o país e este um projeto de natureza pouco clara, inserido no

espírito da “Marcha para Oeste”, uma primeira tentativa de institucionalizar um aparato

estatal de ocupação e apropriação territorial (MAIA, 2010; VELHO, 1979). Deste

mesmo contexto se tem a Comissão Especial da Faixa de Fronteiras (Decreto-Lei Nº

4.265/1939), política varguista que chamava para o governo central o poder de conceder

terras em zona fronteiriça, retirando dos governos estaduais essa prerrogativa em nome

da segurança nacional.

Perfilam junto a eles a Comissão do Vale do São Francisco (Lei nº 541/1948) e

a Comissão de Assuntos Territoriais (CAT) [Decreto nº 44.491/1958] que expressam

políticas territoriais muito antigas no Brasil, como o combate às secas (RIBEIRO, 2003)

e a administração dos Territórios Federais5. Está também a Comissão de

Desenvolvimento do Centro-Oeste (Decreto nº 50741/1961), órgão pouco ambicioso

decretado pelo presidente Jânio Quadros; o Serviço Nacional de Municípios (SENAM)

[Decreto 50.334/ 1961], órgão mediador entre os governos da união e dos municípios.

Acrescente-se aí o Parque Nacional do Xingu, criado em 1961 (Decreto nº 50.455/1961)

como parte da política indígena que reproduzia as linhas de trabalho do antigo Serviço

de Proteção ao Índio (SPI) de tutela e aculturação6.

Mas as entidades mais destacadas eram as Superintendências, inicialmente

foram as Superintendências de planos de valorização econômica, da Amazônia

5 Território Federal foi uma modalidade administrativa utilizada no Brasil pra conferir regime especial de

administração de determinadas unidades da federação, diretamente subordinada ao governo da União. Foi

previsto pela primeira vez em 1926,regido e regulamentado pela Constituição de 1937 (ver Porto, 2000). 6 “Figura inexistente na legislação da época, que fundiria a imobilização de uma imensa quantidade de

terras com o fim duplo de preservar a flora e a fauna, e de criar uma espécie de ‘estufa’ para que os

grupos da região pudessem se aculturar paulatina e espontaneamente à experiência, sem paralelo até

aquele momento, de implantar o Parque Indígena do Xingu parece ter sido nodal para os planos e a ação

tutelar”. (LIMA, 1995. p.295)

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7

(SPVEA) [Lei nº 1806/53] e da Fronteira Sudoeste do País (SPVEFSP) [Lei nº

2.976/1956]; esforços deliberados de planejamento e intervenção econômica, mas

frágeis devido à falta de instrumentos concretos de ação e metas objetivas e claras. Esta

fragilidade fora revertida com a criação em 1959 da Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) [Lei nº 3692/1959]. Para além de “planos de

valorização econômica”, a SUDENE apresenta um projeto claro de desenvolvimento e

os mecanismos adequados para esse fim.

Este foi o conjunto considerado como “organismos regionais”, anteriormente

dispersos, a maioria deles diretamente subordinados à presidência da República,

exceção feita ao CAT, atrelado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Seria

precipitado dizer o que efetivamente sustentou esse arranjo sem uma pesquisa mais

detida sobre o assunto. O nexo territorial explica o que ficou dentro, mas o não que

ficou de fora, outras entidades poderiam estar nessa mesma classificação. Uma

curiosidade sobre a montagem do ministério está no caso do IBGE, que em 1964 estava

acoplado ao MECOR, mas no Decreto-Lei nº 200/1967, que formaliza o MINTER,

aparece subordinado ao Ministério do Planejamento. O que ocasionou esse fato,

segundo o testemunho de José de Nazaré Teixeira Dias, um dos principais componentes

da comissão responsável por elaborar o projeto da Reforma de 1967 (a Comissão de

Estudos de Reforma Administrativa – COMESTRA7), foi:

o Roberto Campos [então ministro do Planejamento] me chamou e

disse: ‘Você vai ao ministro [Cordeiro de Farias], e vai fazer o

seguinte: Vamos negociar com o ministro. Eu quero que o IBGE - que

estava lá – passe para o Planejamento e eu passe para lá esse Banco

Nacional de Habitação. Isso foi agregado aqui pelo governo porque

não tinha outro lugar onde pendurar.’ [então eu fui ao ministro e

disse:] ‘Ministro, eu trouxe aqui uma missão do ministro Roberto

Campos, a de trazer uma proposta para o senhor. o Banco de

Habitação ficou ligado lá no Planejamento, pendurado, e o IBGE está

aqui. No entanto o Ministério do Planejamento tem que funcionar com

estatísticas. É fundamental. Eu lhe proponho uma troca. Passe o IBGE

para lá, e o plano de habitação aqui. (DIAS, 1991. pp 274-275. )

Cordeiro de Farias parece ter outra versão sobre o fato. Em seus arquivos

pessoais depositados no Centro Brasileiro de Pesquisa e Documentação de História

Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV)8 há um

documento manuscrito (CFa 64.05.11 tv IV-1) de onde se extraiu a seguinte passagem:

7 A Comissão foi instituída pelo Decreto nº 54401 de 9 de outubro de 1964.

8 A explicação geral sobre as fontes de pesquisa está tratada mais adiante, nesta mesma introdução.

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8

O IBGE estaria mal situado no Ministério do Interior. É (rasura) uma

autarquia, de âmbito nacional (federal), coletora e manipuladora de

dados, com o fim de registrar a realidade nacional. Assim, por

proposta nossa, deverá (rasura) ser colocado no Ministério do

Planejamento e Coordenação Econômica onde, a nosso ver, melhor se

situa. (p.26. riscos e rasuras no original)9

Nesta investigação, as razões que explicam o primeiro arranjo institucional do

MECOR interessam menos do que o que se sucede depois. O foco dessa pesquisa se

dirige muito mais para a institucionalização do MINTER, configurado por uma prática

de governamentalização do território cujo sentido e significado é o que pretende

compreender esta tese. Por ora, é mais importante observar o arranjo institucional

formal.

O MECOR torna-se MINTER através da Reforma Administrativa desenhada

pelo Decreto-Lei nº 200/1967, inserido no rol denominado “Setor econômico”,

qualificado com as seguintes atribuições:

I - Desenvolvimento regional.

II - Radicação de populações, ocupação do território. Migrações

internas.

III - Territórios federais.

IV - Saneamento básico.

V - Beneficiamento de áreas e obras de proteção contra sêcas (sic) e

inundações. Irrigação.

VI - Assistência às populações atingidas pelas calamidades públicas.

VII - Assistência ao índio.

VIII - Assistência aos Municípios.

IX - Programa nacional de habitação. (BRASIL, 1967)

Essa é a definição básica das atribuições que competem ao MINTER.

Organizacionalmente, aos moldes do que ficou estabelecido com a Reforma

Administrativa, ele também se dispôs em administração direta e indireta através do

Decreto 66.882/1970:

Art. 2º A estrutura básica do Ministério do Interior compreende os

seguintes órgãos da administração direta:

I - Órgãos de assistência direta e imediata ao Ministro:

a) Gabinete

b) Consultoria Jurídica

c) Divisão de Segurança e Informações

II - Órgãos Centrais de planejamento, coordenação e contrôle [sic]

financeiro:

a) Secretária Geral

9 No documento não há referência direta do que se trata o manuscrito. A suposição que parece mais

aceitável, pela leitura do documento, é de que se trata da preparação de uma conferência ou algo do

gênero para a Escola Superior de Guerra (ESG).

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9

b) Inspetoria Geral de Finanças

III - Órgão Central de direção superior:

a) Departamento de Administração

§ 1º São vinculadas ao Ministério do Interior as seguintes entidades da

administração indireta:

I - Entidades de coordenação e planejamento regional:

a) Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM;

b) Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE;

c) Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste -

SUDECO;

d) Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul - SUDESUL;

II - Entidades de desenvolvimento sub-regional:

a) Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA;

b) Superintendência do Vale do São Francisco - SUVALE;

c) Departamento Nacional de Obras Contra as Sêcas - DNOCS;

III - Entidades relacionadas com o desenvolvimento urbano e local

integrado e a melhoria das condições do meio ambiente:

a) Banco Nacional de Habitação - BNH;

b) Serviço Federal de Habitação e Urbanismo - SERFHAU;

c) Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS.

IV - Entidades regionais e sub-regionais de financiamento:

a) Banco da Amazônia S.A. - BASA;

b) Banco do Nordeste S.A. - BNB;

c) Banco de Roraima S.A.

V - Entidade de integração sócio-econômica ao processo de

desenvolvimento:

a) Fundação Nacional do Índio - FUNAI.

§ 2º Os Territórios Federais, unidades descentralizadas da

Administração Federal, a nível sub-regional, com autonomia

administrativa e financeira, equiparados, para os efeitos legais, às

entidades da administração indireta, são vinculados ao Ministério do

Interior para os fins de supervisão ministerial de que tratam o Decreto-

lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, e as demais leis e regulamentos

pertinentes ao assunto. (BRASIL, 1970)

As diferenças entre os textos de 1964 e de 1970 são sensíveis. A primeira delas

já se falou sobre, a saída do IBGE. As superintendências dos planos de valorização e a

Comissão do Vale do São Francisco são extintas e dão lugar às superintendências de

desenvolvimento regional e sub-regional, todas conforme o modelo criado com

SUDENE. É criada a SUVALE, a SPVEA torna-se SUDAM, a SPVEFSP divide-se

entre a SUDESUL e a SUDECO, que abarca ainda a Comissão de Desenvolvimento do

Centro-Oeste e a Fundação Brasil Central, que deixam de existir. Mesmo destino tem o

CAT, os governadores dos Territórios Federais ficam subordinados diretamente ao

ministro do Interior. A SERFHAU, criada pela Lei nº 4380/64, transfere-se para o

MINTER – assim como o BNH, criado pela mesma Lei – e assume as funções da

extinta SENAM, convertida em um Departamento dentro da Superintendência. O

Parque Nacional do Xingu passa a ser dirigido pela nova entidade responsável pela

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10

política indígena, a FUNAI, que substitui o antigo SPI, que não estava no formato

original do MECOR. A Comissão Especial da Faixa de Fronteiras deixa o MINTER e

passa a ser coordenada pela Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional

(CSN).

Trata-se de mudanças substanciais, muito mais do que mera nomenclatura. O

texto de 1970 apresenta um arranjo institucional muito mais coerente e coordenado de

entidades, que se uniformizam no que tange a modos de operação e metas a atingir. O

desenvolvimento se torna o caráter central desse ministério, suprimi qualquer

ambiguidade; fato visível pela proliferação de superintendências de desenvolvimento

justapostas aos bancos regionais, a maioria deles existentes previamente. Ao caráter

central soma-se a política voltada para os municípios e a política indígena. A política

migratória, prevista no Decreto-Lei de 1967 só será estabelecida efetivamente no

MINTER após 1970. O caráter e o sentido do MINTER ao longo de toda sua trajetória

são definidos em seus aspectos estruturais neste intervalo entre 1964 e 1970, doravante

chamado de fase de institucionalização.

Desde a criação do MECOR até a sua definitiva revogação, o MINTER teve

um total de nove ministros (sem contar os provisórios)10

, quase todos eles (até 1985)

militares, exceção feita a Maurício Rangel Reis (15/03/1974 a 15/03/1979), economista,

ministro durante o governo do general. Ernesto G. Geisel (03/1974 a 03/1979). A base

instituída em 1970 sofreu alterações em alguns aspectos específicos somente em 1975

através do Decreto 75.444, mas a estrutura geral se mantém. Em 1985 o MINTER perde

as funções relativas ao desenvolvimento urbano e meio ambiente11

pelo Decreto nº

91145/1985, em 1990 são extintas as superintendências de desenvolvimento regional e

outros órgãos subordinados ao MINTER via Medida Provisória nº 151/1990 e pela Lei

nº 8028 de abril de 1990 o ministério é definitivamente extinto.

Nestes primeiros anos duas figuras proeminentes das Forças Armadas estão

entre os ocupantes do cargo de ministro: o mar. Oswaldo Cordeiro de Farias (de junho

de 1964 a junho de 1966) e o gal. Afonso Augusto de Albuquerque Lima (abril de 1967

a janeiro de 1969). Entre eles, de junho de 1966 e abril de 1967, assume o cargo o

agrônomo João Gonçalves de Souza, superintendente da SUDENE enquanto Cordeiro

de Farias era o ministro.

10

Ver apêndice 1. 11

O MINTER foi pioneiro na formação de um aparato burocrático-administrativo voltado para a política

ambiental com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) através do Decreto nº

73.030/1973. Para outras informações sobre a SEMA ver Iorio (2010).

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11

Esses anos revelam também dois estilos político-ideológicos de certa maneira

distintos: os “castellistas” de Cordeiro de Farias, e os “linha-dura”12

de Albuquerque e

Lima (SKIDMORE, 1988). Ambos renunciaram ao cargo por divergências políticas; o

primeiro por discordar do processo sucessório do mar. Humberto de Castello Branco,

quando eleito o mar. Arthur da Costa e Silva, e o segundo por discordar da política

econômica em vigor pelo então ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto. Com a

renúncia de Albuquerque Lima, assume o MINTER José da Costa Cavalcanti, outro

militar que até então ocupava o cargo de ministro das Minas e Energias. Quando José da

Costa Cavalcanti assume o cargo, a institucionalização da pasta e sua forma de ação já

estavam assentadas em bases claras. No exercício de João de Souza, o sentido geral da

institucionalização do MINTER impresso pelo seu ex-superior se manteve. Na

mensagem presidencial de sua posse, Castello Branco menciona:

Cabe a Vossa Excelência substituir o General Oswaldo Cordeiro de

Farias no Ministério da Coordenação dos Organismos Regionais. É

uma garantia de continuidade administrativa, de continuado esforço na

conquista de objetivos já planejados e de mesma eficiência.

Temos certeza dessa não solução de continuidade, porque conhecemos

o desempenho que Vossa Excelência deu ao cargo de Superintendente

da SUDENE e como enquadrou a sua gestão na orientação e nas

decisões do Ministro Cordeiro de Farias. (BIBLIOTECA DA

PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 1964)

O período entre a posse de Cordeiro de Farias e a renúncia de Albuquerque

Lima é o intervalo temporal da análise a que se propõe esta tese. O ministro João de

Souza não impôs uma marca própria à institucionalização do MINTER e, por esta razão,

não será analisado com a mesma efetividade. Não que este recorte seja representativo de

todo o exercício do MINTER, mas é nele que se define o conteúdo substantivo da

prática de governamentalização do território que irá ser praticada ao longo de seus vinte

e seis anos de existência.

12

Na verdade, a clivagem de “linha dura” denota um segmento diversificado e nem tão articulado de

militares, e a posição de Albuquerque Lima não converge plenamente com estes. Para uma análise mais

profunda que evidencia a pluralidade a não organicidade do que se convencionou chamar de “linha-dura”

ver Chirio (21012). Para o enquadramento dos segmentos políticos das Forças Armadas e das lutas

ideológicas na sociedade como um todo ver o capítulo dois desta tese.

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12

O Ministério do Interior, a História da Geografia e a Geografia Histórica

Esta investigação enquadra-se, como gostaria de sugerir, numa apreciação da

história da geografia do Brasil. Não se trata, porém, de uma história das “teorias

teóricas”13

, criticada por Bourdieu (2007a); mas da história da geografia em sua forma

concreta; narrativa carregada de intencionalidade e significados, inserida em disputas e

conflitos simbólicos e concretos (op.cit.). O discurso geográfico14

sobre a ordem

espacial, a composição intelectual de nexos articulando as formas e os conteúdos

espaciais (GOMES, 2006) prescreve e orienta ações objetiva nas formações sociais,

inclusive nos próprios processos de territorialização (ou produção do espaço), ao que

David Harvey (1990), chamaria de estudo das representações geográficas como parte do

movimento geral de reprodução social.

Os discursos sobre o território convergem com a formação territorial em si,

implicando, do ponto de vista analítico, que os estudos de história da geografia se

encontrem com aqueles da geografia histórica (ZUSMAN, 2000). Essa confluência

destacou o papel das práticas, sujeitos e instituições que protagonizam a construção da

representação geográfica do mundo, manifestadas nas formações territoriais de fato15

. A

formação social brasileira em muito passa pela constituição de seu território, e a

formulação de um vasto e diverso imaginário geográfico do país atravessa esse processo

(MORAES, 2000). O discurso sobre a ordem espacial é parte da legitimação dos

projetos territoriais:

É possível que fique óbvio o fato de que, a certa formação territorial,

deva proceder uma modalidade discursiva e um conteúdo substantivo

e que, por intermédio de ambas, viabilize-se a legitimidade ideológica

e a consecução prática daquele projeto que o construiu

materialmente.” (ESCOLAR, 1996. p. 141)

13

“Diferentemente da teoria teórica – discurso profético ou programático que tem em si mesmo o seu

próprio fim e que nasce e vive da defrontação com outras teorias –, a teoria científica apresenta-se como

um programa de percepção e de acção só revelado no trabalho empírico em que se realiza. Construção

provisória elaborada para o trabalho empírico e por meio dele, ganha menos com a polémica teórica do

que com a defrontação com novos objetos” (BOURDIEU, 2007a. p. 59) 14

Emprego o termo “discurso geográfico” de forma genérica e maleável, sem preocupação nem intenção

de referência a um conceito estável e bem delimitado. Para este debate, ver Escolar (1996) e Moraes

(2002). 15

O trabalho de Zusman (op.cit.) sobre a fronteira é bastante ilustrativo neste sentido: “Las prácticas

materiales y discursivas respecto de la frontera se producen sobre las prácticas materiales y discursivas

del outro. Geografías materiales, discursivas, imaginadas, se yuxtaponen en la definición política de la

frontera”. (As práticas materiais e discursivas sobre a fronteira se produzem sobre as práticas materiais e

discursivas do outro. Geografias materiais, discursivas, imaginadas, se justapõem na definição política da

fronteira [Tradução Livre]) (ZUSMAN, op.cit., p. 46).

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13

As modalidades discursivas de que fala Marcelo Escolar são instrumentos e

meios de ação e realização do poder simbólico convertido em poder de conformação da

realidade social. É relevante atentar para o fato de que, no campo científico ou fora dele,

as teorias e discursos ganham ou perdem legitimidade não somente pela sua eficácia

interna, mas também pelos instrumentos de ação e penetração sociais mais eficazes que

as teorias concorrentes (BERDOULAY, 2008).

A historiografia da geografia tem avançado na compreensão do significado de

seus enunciados nas formações sociais concretas. Compreender as histórias da geografia

através da análise de seus discursos concretos é uma tarefa empregada por Félix Driver

(1992) por meio da concepção segundo a qual as modalidades discursivas são práticas

sociais situadas:

Broadening the scope of the critical history of geography during the

age of empire would allow us to consider more directly the cultural

and political dimensions of geographical knowledge during this

period. This is not necessarily to abandon a materialist approach; the

development of ‘knowledge’ would instead be grasped as a situated

social practice rather than a spontaneous reflex of the imperatives of

economic development. (p.28)16

A meu ver, a concepção do discurso geográfico como prática social situada

resume o que foi dito até então nesta seção. Esta noção implica em reconhecer as

modalidades discursivas em seus sentidos intencionais e relacionais, visualizar os

sujeitos portadores e sua dinâmica íntima de produção. Este horizonte analítico também

é apontado por Vincent Berdoulay (1981) em sua abordagem contextual. O contexto a

qual se refere Berdoulay é mais objetivo do que aquele de que trata Harvey (op.cit.), não

está focado majoritariamente na escala ampla (que para Harvey é a da reprodução do

capital), atenta-se para questões mais palpáveis e bastante significativas. No foco da

análise sobre a história da geografia estão aspectos de continuidade e descontinuidade

de ideias; o resgate de “ideias vencidas”, tendências significativas à época abordada que

não podem ser negligenciadas; o contexto social mais amplo; os intercâmbios e debates

de pensamento e, por fim, as razões que justificam o uso destas ou daquelas ideias.

As investigações derivadas desta perspectiva metodológica têm se afastado da

busca pelos grandes sistemas teóricos no universo restrito das ideias, direcionando-se

16

“Ampliar o escopo da história crítica da geografia durante a era dos impérios poderia nos permitir

considerar mais diretamente as dimensões culturais e políticas do conhecimento geográfico durante este

período. Isto não é necessariamente abandonar uma abordagem materialista, o desenvolvimento do

‘conhecimento’ seria ao invés apreendido como uma prática social situada mais do que um reflexo

espontâneo dos imperativos do desenvolvimento econômico.” (Tradução Livre)

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para os “pequenos usos” na história da geografia. Por “pequenos usos” – na falta de

expressão melhor – entenda-se os enunciados concretos, contextualizados, socialmente

situados por agentes reais em circunstâncias empíricas da formação social e territorial.

Esta abordagem historiográfica enriquece a análise da geografia histórica das formações

sociais em si, e também fornecem um instrumental capaz de acessar a riqueza e a

diversidade das ideias. Isto porque, em contextos concretos, as ideias são sempre

reinventadas, nunca são simples reprodução, cópias fiéis de concepções teóricas

anteriormente formuladas. Berdoulay (1988) expõe o caráter criativo com que ideias

distintas – mesmo que contraditórias entre si – são combinadas e ajustadas ao contexto

material e simbólico em que estão dadas, ganhando conteúdos novos em relação aos

originais17

. As tradições do conhecimento (LIMA, 2002, 2008), os conjuntos de saberes,

modos de ver e decodificar o mundo que funcionam como matrizes interpretativas,

formas de levantar questões e equacionar explicações são sempre recriadas nas

situações concretas em que são chamadas, nunca são tomadas em estado puro, mas sim

em resposta aos imperativos da ocasião e ajustadas aos conglomerados ideológicos já

estabelecidos (MACHADO, 2000).

As tradições são constantemente recriadas em novas modalidades discursivas

na medida em que se apresentam em cada contexto, orientado pela intencionalidade de

quem a emite. Representações formadas a partir destas tradições são materializadas

através dos mecanismos de poder (BOURDIEU, op.cit.), convertendo-se em objetos

ativos e prescritivos da vida social18

.

Por esta trilha a história da geografia é enriquecida não só quando é posta ao

lado da geografia histórica, mas também quando se dá conta das multiplicidades de

sujeitos que reinventam as tradições do conhecimento, ofertando grande diversidade de

discursos geográficos a serem investigados. Uma das linhas de investigações mais

17

“La façon dont ces idées sont utilisées ou invoquées n’implique pas toujours qu’elles le soient selon la

conception générale qu’en avait leur premier auteur. Elles peuvent très bien être coupées de leurs

ramifications avec la pensée totale du maître. C’est pourquoi elles ne dessinent pas, seules, une

configuration stable comme celle que la notion de paradigme a essayé de saisir. Leurs recompositions et

articulations changeantes avec des idées issues d’autres sources ne leur donne pas une structure durable. »

(p. 406). (“A forma cuja essas ideias são utilizadas ou evocadas não implica sempre que elas saiam

segundo a concepção geral que tinha seu primeiro autor. Elas podem muito bem ser cortadas de suas

ramificações com o pensamento total do mestre. É porque elas não desenham, sozinhas, uma

configuração estável como aquela que a noção de paradigma tentou alcançar. Suas recomposições e

articulações cambiáveis com ideias procedentes de outros autores fornecedores não lhes dá uma estrutura

durável.” Tradução Livre) 18

“na realidade, as lutas que tem lugar no campo intelectual têm o poder simbólico como coisa em jogo,

quer dizer, o que nelas está em jogo é o poder sobre um uso particular de uma categoria particular de

sinais e, deste modo, sobre a visão e o sentido do mundo natural e social” (BOURDIEU, 2007a. p. 72

nota 16)

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15

profícuas e instigantes que se abre é sobre o papel dos discursos geográficos como

mediação no processo de formação dos Estados e das nações, tarefa que tem sido

buscada pela historiografia da geografia brasileira.

O Estado se faz através das relações sociais que o compõem. A afirmativa

parece óbvia, e de fato o é. Entretanto, é comum deparamos com certas análises que

acabam por reproduzir uma visão reificada do Estado, reduzindo suas funções e os seus

sentidos práticos a uma atitude pretensamente racional, apartada dos conflitos e dos

jogos de poder presentes na chamada “sociedade civil”. A concepção relacional do

Estado (ABRAMS, 1988) o interpreta como objeto em disputa, cuja natureza só pode

ser identificada em seu contexto social concreto.

Tomar o Estado como relações sociais implica também reconhecê-lo como

objeto em movimento, ou, dito de outra forma, processo em formação. Por isso Antônio

Carlos de Souza Lima (1995), inspirado em Michel Foucault, prefere falar de processos

de estatização ao invés de Estado. Os processos de estatização ocorrem através das

disputas operadas no interior do campo político19

, mas também além dele. Envolvem-se

nesse processo capitais simbólicos e econômicos. Tradições de conhecimento

convertem-se em formas estatais. O dispositivo estatal é montado por processos de

estatização, de diversas fontes sociais, em momentos históricos dispersos, e seu arranjo

atual é a acomodação entre as heranças do passado e os imperativos do presente. A

execução deste aparato, a maneira pela qual ela é exercida como mediação entre

governo e aqueles definidos como objeto de sua ação (a “sociedade civil”) é a

governamentalização do Estado20

. Dito de outra forma, a governamentalização do

Estado se faz em um complexo campo de disputas onde se define o objeto da ação, seus

meios e suas metas. A este campo chamarei de “campo de poder”. Refiro-me

diretamente à teoria dos campos de Bourdieu (op.cit.):

A teoria geral da economia dos campos permite descrever e definir a

forma específica de que se revestem, em cada campo, os mecanismos

e os conceitos mais gerais (capital, investimento, ganho), evitando

assim todas as espécies de reducionismo, a começar pelo

economicismo, que nada mais conhece além do interesse material e a

19

“O campo político é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes em que nele se acham

envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos,

entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher, com

probabilidades de mal-entendidos tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção.”

(BOURDIEU, 2007a. p. 164) 20

Segundo Foucault (1981): “O que é importante para nossa modernidade, para nossa atualidade, não é

tanto a estatização da sociedade mas o que chamaria de governamentalização do Estado” (p.292)

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16

busca da maximização do lucro monetário. Compreender a génese

social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade

específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se

joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é

explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-

motivado os actos dos produtores e as obras por eles produzidas e não,

como geralmente se julga, reduzir ou destruir. (p.69. grifo no original)

Conceber o poder como campo implica em reconhecer a ordem dos conflitos e

os instrumentos das disputas. Significa lançar luz aos aspectos disjuntivos e conjuntivos,

os elementos que agremiam e os que sectarizam, conformando grupos de afinidades21

e

rivais. Lança luz também sobre as hierarquias e as posições de subordinação e

dominação, fazendo necessário compreender os fatores constitutivos de tudo isso.

Recuperar estes fatos constitutivos demanda uma análise genealógica. Conforme

Foucault (1981):

A questão de todas as genealogias é: o que é o poder […]? O que é o

poder, ou melhor – quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos,

em suas relações, os diversos dispositivos de poder que se exercem a

níveis diferentes da sociedade, em domínios e com extensões tão

variados? (p.174)

Assim como os processos de estatização e governamentalização do Estado não

se limitam ao campo político propriamente dito, sua análise também requer a

compreensão de um campo mais amplo, que abarque de maneira intercruzada o campo

intelectual, o político, o econômico, o profissional entre outros. Este entrecruzamento

também pode ser entendido como um campo em si mesmo, com seu próprio capital,

seus dispositivos peculiares.

Esta é a abordagem que orienta a análise do MINTER nesta tese. O MINTER é

uma prática de governamentalização do território, um mecanismo de ação cujo sentido

pode ser buscado através de seu significado enquanto dispositivo dentro de campos de

poder. Neste ponto se impõe uma questão escalar importante. Os campos de poder são

objetivados por agentes sociais cuja ação remonta a níveis diferentes, p.ex.; empresas

multinacionais, agências internacionais, órgãos governamentais nacionais, regionais,

estaduais e municipais, técnicos e empresários locais, etc. Todos esses agentes se

relacionam e através dessa relação forjam campos de poder. Para a compreensão desta

unidade exige-se o reconhecimento de toda aquela multiplicidade, fato que impõe a

21

A ideia de grupos de afinidades está aqui aplicada em sentido parecido aos círculos de afinidades que

Vincent Berdoulay usa em sua análise da formação da escola francesa de geografia(2008) em que se

revelam as interações e os princípios compartilhados entre os intelectuais e outros agentes sociais, como

os políticos e outras pessoas em posição de poder.

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17

consideração da escala como relação social objetiva (MACKINNON, 2010) e a

multiescalaridade (BENSA, 1996).

Ao analisar a prática de governamentalização do MINTER é evidente que

fatores de ordens diferentes mas interdependentes são acionados. Na fase de

institucionalização do ministério – contemplado nessa pesquisa – é perceptível que a

montagem do desenho institucional do ministério responde a imperativos geopolíticos

relativos ao movimento de mundialização do capitalismo, assim como questões

específicas da formação social brasileira e também aspectos próprios dos sujeitos

envolvidos e seus agrupamentos políticos mais diretos. Não quero sugerir com isso um

“encaixe” entre escalas pré-estabelecidas (local, nacional, global, p.ex.), ao modelo do

russian dolls22

, que simplifica as menores escalas a meros arranjos simplificadores do

processo global. Esta concepção escalar pressuporia uma hierarquia entre os níveis da

análise, do mais simples ao mais complexo (o nested hierarchies23

), o que não me

parece apropriado.

A formação de um campo de poder se faz em diferentes níveis, mas não

sobrepostos uns aos outros. Seria, na minha concepção, tanto errôneo reduzir esse

fenômeno às determinações da ordem mundial de reprodução do capital, quanto ignorar

este fato e reduzir o processo aos desígnios de seus sujeitos proponentes pura e

simplesmente. A compreensão do fenômeno não está nem em um nem noutro, mas em

ambos a uma só vez. E a simultaneidade não reside no encaixe, mais sim na

continuidade. Dito de outra forma, todas as escalas se encontram em uma coisa (ou um

processo) que só que se explica por fenômenos oriundos de diferentes níveis.

O exemplo da institucionalização da prática de governamentalização do

MINTER pode ser elucidativo. Ocorrido na segunda metade da década de 1960, ele

enquadra-se perfeitamente no contexto da Guerra Fria no Brasil, no fortalecimento das

empresas transnacionais. Por outro lado, se vertemos a mirada para a formação social e

territorial brasileira, percebe-se que o mesmo ministério é caudatário de uma longa

tradição de esforços no sentido de modernização do país e de seu território. Se, de outra

feita, contempla-se o MINTER pelos seus ministros, Cordeiro de Farias e Albuquerque

Lima, se nota uma visão do país marcada pelo peso de sua instituição profissional (o

Exército brasileiro) e pelas suas relações pessoais e políticas particulares. Todos estes

22

“Bonecas russas”, em referência ao brinquedo. Trata-se de uma metáfora muito utilizada na bibliografia

mais recente sobre escala para criticar as concepções escalares rígidas. Para esta crítica ver Marston,

Jones III, Woodward (2005). 23

“Ninhos hierarquizados” é a metáfora utilizada por Howitt (2008).

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18

prismas representam muito mais que escalas sobrepostas, são múltiplas dimensões de

um mesmo processo. Os ministros são parte da Guerra Fria, assim como esta se define

em alguma medida pela ação daqueles; ambos também são significados pelos elementos

da formação territorial do Brasil que, por sua vez, ganha novo sentido a partir de então.

Não são três processos que somados formam uma unidade, é um só processo.

Desta forma, chegamos à delimitação definitiva dos contornos teórico e

metodológicos desta pesquisa. Interessa-me investigar o processo de institucionalização

do MINTER (1964-1969) enquanto uma prática de governamentalização do território e

dispositivo dentro de campos de poder. O que explica esta institucionalização? Ao que

pude examinar, o conteúdo e o significado deste processo pode ser explicado através da:

i) formação social e territorial brasileira e seus aspectos particulares da segunda metade

do século XX; ii) a posição social, política e institucional dos sujeitos que o encabeçam

(os ministros); iii) a lógica de dois campos de poder complementares, edificados a partir

do ocaso da Segunda Guerra Mundial: o do desenvolvimento e da segurança nacional.

Nesta prática de governamentalização não interessa investigar suas

consequências materiais, isto é, o que se fez e o que não se fez sobre o território.

Tampouco interessam as grandes planificações, que revelam um conjunto articulado e

abstrato de intenções. Apesar de serem ambas as hipóteses matéria valiosa para muitas

análises possíveis, nesta investigação pretendo alcançar o nível mais concreto da

governamentalização, sem perder a dimensão do plano. Situo minha análise no imediato

encontro entre a planificação e a execução, sem ser efetivamente nem um nem outro.

Entendo esse encontro como a governamentalização em si, fato que se revela nos

projetos de ação (LIMA, op.cit.). A apreciação sobre a base documental em que repousa

a análise pode contribuir ao esclarecimento dessa perspectiva.

Sobre as fontes da pesquisa

Meu contato com a documentação do MINTER vem da minha pesquisa de

mestrado, desenvolvida entre Março de 2008 e Março de 2009. Esta pesquisa (IORIO,

2010) estudou a revista INTERIOR, uma publicação oficial desse ministério editada

entre 1974 e 1989, em um total de setenta edições. Na ocasião, fui ao Arquivo Nacional

em Brasília, a instituição arquivística24

em que oficialmente está depositada a

documentação do MINTER. Pretendia nesta busca encontrar fontes relevantes que me

24

Expressão usada por Castro (2008).

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19

pudessem esclarecer algo sobre a revista, o porquê de sua criação, orçamento, pessoal,

etc. A busca não logrou êxito, e pouco pude extrair dos documentos examinados;

felizmente consegui contatar a editora-chefe da revista, Valéria Velasco, que me

forneceu uma entrevista importante para responder muitas das perguntas que me

guiavam. A opção metodológica da pesquisa foi refeita a partir de então.

Ao ingressar no doutorado, desta vez disposto a pesquisar o MINTER em si,

pressupus esse mesmo arquivo como minha base fundamental de onde se extrairiam os

documentos que consubstanciariam a pesquisa. Foi munido da intenção de buscar

elementos suficientes para examinar a prática de governamentalização do MINTER que

me dirigi ao Arquivo Nacional novamente. Antes, foram necessárias algumas reflexões

de ordem metodológica.

As práticas de governamentalização não poderiam ser reduzidas à bases

legislativas, aos pronunciamentos e discursos; ou às compilações de dados, números e

estatísticas sobre ações e inversões. Seria necessária uma base documental que dê conta

de revelar no cotidiano do ministério aspectos que fundamentam os modos de ver e

conceber sua prática. Neste sentido, é pertinente e enriquecedora para a análise sobre a

administração pública a sugestão de Lima (1995):

Sua análise [da administração pública] não pode, porém, se resumir a um

trabalho de arrolamento de leis e regulamentos administrativos, muitas

vezes sem sequer declarar seu estatuto diferencial e limites de atribuição.

Ainda que estes sejam matérias-primas importantes não se pode nem

desprezá-los nem autonomizar o estudo do texto da lei, prescindindo-se

de interpretá-los como peças de projetos de ação, cujo sentido só pode

ser melhor apreendido em estudos que considerem também – mas não só

– sua execução, perceptível através de investigações específicas. (p.96.

grifo nosso.)

Esta base documental está em geral depositada em instituições arquivísticas,

responsáveis pela organização e disposição dos documentos, tarefas fundamentais que

se refletem nas possibilidades de alcance das pesquisas. A pesquisa arquivística é uma

maneira de “dar voz” a sujeitos históricos a partir daquilo que se quer compreender

contemporaneamente; é uma reconstrução histórica que tem como fim inserir o passado

no presente25

(ZUSMAN, 2000). Há aí dois extremos: os sujeitos que produziram a

25

“Pero también podríamos preguntarnos si este interés por la reconstrucción histórica no supone, de

manera contraria entonces, la necessidad actual de que el passado se inmiscuya em nuestro presente.”

(Mas também poderíamos perguntar se este interesse pela reconstrução histórica não supõe, de maneira

contrária então, à necessidade atual de que o passado se imiscua em nosso presente [Tradução Livre])

(ZUSMAN, op.cit. p.106).

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20

documentação em suas práticas e o pesquisador que se dirige a essa documentação com

perguntas que são dele, e não do sujeito primeiro. Há ainda um terceiro elemento que é

a mediação entre os dois extremos, representada pela instituição arquivística, com seus

procedimentos próprios, regidos por princípios técnicos adaptados às especificidades

dos documentos geridos.

Vários encontros e desencontros resultam desta tripla incidência. Em primeiro

lugar, o pesquisador procura por algo que não forçosamente foi formulado de maneira

clara e objetiva pelo seu sujeito pesquisado, com isso, a resposta para o inquérito do

investigador estará, provavelmente, disperso em documentos avulsos, e não em um

documento pronto, definitivo e conclusivo. Em segundo lugar, o acesso a esses

documentos dispersos se dará por intermédio dos critérios de organização escolhidos

pelo arquivador; não necessariamente coincidentes com aqueles do sujeito e – menos

provável ainda – com os do pesquisador. Os princípios de ordenação do arquivamento

precisarão ser minimamente decifrados para facilitar o acesso àquilo que se busca.

Por todo este complexo percurso, os arquivos revelam aquilo que eles mostram

e também o que não mostram. O investigador carece de zelo para não reproduzir

acriticamente i) a intenção do sujeito, ao refletir justamente o que ele quis mostrar e

silenciar sobre o que não foi pronunciado; ii) ou os princípios e conceitos do arquivador,

que impôs (mesmo que de forma técnica, e não totalmente arbitrária) seus critérios de

ordem sobre os documentos.

Este zelo, recomenda Antônio C. de Souza Lima (op.cit.), implica em que o

pesquisador esteja munido de perguntas seguras, assentadas em critérios claros para que

o objetivo da consulta logre êxito. Em função de a lógica de ordenação dos documentos

serem alheias aos interesses de pesquisa, a clareza sobre aquilo que se busca auxilia o

pesquisador a encontrar as trilhas dos documentos necessários para responder sua

própria questão. Na medida em que vão se revelando os conteúdos dos documentos,

outras questões relevantes surgem, o que parece enriquecedor para a análise; mas há que

se ter sempre a precaução em não reproduzir princípios alheios à investigação.

Esses cuidados foram valiosos no enfrentamento da documentação do

MINTER. Os primeiros contatos com o arquivo passaram a nítida impressão de que eu

era um “geógrafo em terra estrangeira”, tão inusitada me era a “situação de campo” em

arquivo público. Lidar com arquivos é uma prática comum em outras disciplinas, daí

decorre certa familiaridade com pesquisas documentais, estranha à formação de um

geógrafo, ou mais particularmente à minha formação, em que não fui incitado a esta

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21

prática, muito menos à reflexão teórica sobre ela. De toda sorte, busquei nos arquivos

por alguma base de documentos que revelasse a governamentalização praticada pelo

MINTER a partir de sua lógica própria. Como estava intencionado em verter a análise

para os projetos de ação, e não para as “grandes planificações” nem para o inventário de

obras e gastos, me era necessário encontrar algo que estivesse no intermédio destes dois

extremos. Busquei principalmente algo que pudesse ser organizado em sequências

seriadas, algo que identificasse sistematicamente uma prática.

A documentação disponível estava organizada em uma base digitalizada, mas a

consulta ao sistema de busca e aos documentos em si só pode ser efetuada na sede do

Arquivo Nacional de Brasília. Esta base chegou ao Arquivo Nacional via Ministério do

Planejamento, instituição responsável por organizar os documentos quando o MINTER

foi extinto, em 1990. No sistema digital a busca se faz por entradas livres nas

categorias: fundo, subfundo, grupo e subgrupo. Preenchi o fundo “Ministério do

Interior” com praticamente todas as combinações possíveis entre as demais categorias.

Desta busca deu-se uma primeira seleção de cerca de cinco mil documentos, a maioria

deles examinei pelas ementas e outros tantos pelo documento físico.

Fundamentalmente, estes documentos diziam respeito a pareceres jurídicos de projetos,

anteprojetos de leis, convênios e parcerias com prefeituras (para construir obras, liberar

recursos de assistência, projetos comunitários, etc.). Há também convênios com

institutos de pesquisa, como o IBGE, esboços de regimentos dos órgãos subordinados, e

coisas do gênero. Alguns documentos emitiam conteúdos que poderiam parecer mais

substantivos, mas estavam sempre isolados, o que dificultou os contextualizar e, a partir

daí, extrair qualquer significado. Além disso, esses documentos me forneciam uma

visão muito parcial e fragmentada da prática de governamentalização do MINTER. Não

encontrei ali qualquer possibilidade de seriação mais sistemática. Os documentos de

mesma natureza tinham procedências diversas ou intervalos temporais muito longos.

Trabalhei com essa documentação por dois anos, tentando estruturar alguma

base consistente e que me fornecesse conteúdos substantivos sobre a prática de

governamentalização do MINTER. Estava com muitas dificuldades, e as possibilidades

de se extrair elementos suficientes para realização da tese não eram animadoras; a

discrepância entre os documentos disponíveis e os propósitos da pesquisa era gritante.

Foram procurados relatórios ministeriais, atas de reuniões, cartas de ministros a seus

superiores ou subordinados, ou qualquer outro material que indicasse os propósitos que

orientaram a prática de governamentalização do MINTER. Entretanto, é flagrante a

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22

ausência de documentos de conteúdos mais substantivos. Segundo Torres (1989), o

MINTER primou cuidadosamente da administração dos documentos produzidos26

,

porém, o trabalho dela se refere à prática de documentação iniciada já no fim da década

de 1970, quando já se passavam mais de dez anos de funcionamento desse ministério.

De toda forma, mesmo considerando a documentação a partir deste período, a flagrante

ausência de documentos com a natureza desejada permanece válida.

Esta me parecia uma situação incontornável, um empecilho difícil de superar e

que comprometeria forçosamente o bom andamento de minhas pesquisas. Cheguei a

crer que estes documentos poderiam não mais existir. Imaginei isso frente ao que

prescrevia o Decreto nº 79.099 de 06 de janeiro de 1977, assinado pelo então presidente

da República Ernesto Geisel e seu ministro da Justiça Armando Falcão. Este decreto

trata da salvaguarda de assuntos sigilosos, sua tipologia e aplicação, na seção seis

“Destruição” do capítulo IV “DOCUMENTOS SIGILOSOS” a prática de destruição de

documentos está prescrita da seguinte maneira:

Destruição

Art. 70. À autoridade que elabora documento ULTRA-SECRETO,

SECRETO ou CONFIDENCIAL, ou autoridade superior, compete

julgar da conveniência da respectiva destruição e ordená-la

oficialmente.

§ 1º Os documentos RESERVADOS não controlados serão destruídos

por ordem da autoridade que os tenha sob custódia, desde que, perdida

a oportunidade ou a utilidade, sejam por ela julgados desnecessários.

§ 2º A autorização para destruir documentos sigilosos constará do seu

registro.

Art. 71. Os documentos sigilosos serão destruídos pelo responsável

por sua custódia, na presença de duas testemunhas.

Art. 72. Para a destruição de documentos ULTRA-SECRETOS e

SECRETOS, bem como de CONFIDENCIAIS e RESERVADOS

controlados, será lavrado um correspondente "Termo de Destruição",

assinado pelo responsável por sua custódia e pelas testemunhas, o

qual, após oficialmente transcrito no registro de documentos sigilosos,

será remetido à autoridade que determinou a destruição e ou à

repartição de controle interessada. (BRASIL, 1977)

Frente a este decreto, imaginei que os documentos que buscava poderiam ter

sido objeto de destruição. Mesmo que tenha sido oficializado já no fim da década de

1970, quando já se tinham aí treze anos de funcionamento do MINTER (contando sua

26

“É importante salientar que o controle e a preservação da produção documentária do MINTER sempre

se constituiu numa grande preocupação para a Coordenadoria de Documentação - COD. Já em 1977, sua

programação incluía projetos voltados para esses aspectos. Haja visto o Projeto do Módulo Documentos

Oficiais do Sistem Eu. (sic) Documentação do Ministério do Interior, que definiu a política de

identilicaçao (sic), reunião, controle, normalização, tratamento técnico, distribuição e disseminação de

seus documentos oficiais.”(TORRES, 1989. p.188)

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23

existência como MECOR), esse decreto revela uma prática oficial de destruição que

poderia se imaginar vinha sendo adotada corriqueiramente.

Em minha terceira visita ao arquivo, no último ano da pesquisa, em 2014,

vivia-se um movimento de elevação dos ânimos em relação às pesquisas e investigações

debruçadas sobre os arquivos do período do regime militar. Isto por duas razões

principais: i) porque neste ano completaram quarenta anos do golpe de 1964,

reacendendo o assunto na opinião pública em geral; ii) em função do andamento dos

trabalhos realizados pelo projeto “Memórias Reveladas” 27

. Este projeto, segundo a

página “Histórico” de seu site, começou em 2005 através do Decreto nº 5.584, que

transferiu a guarda dos documentos do Conselho de Segurança Nacional (CSN) da

Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para o Arquivo Nacional. Mas foi entre

agosto de 2013 e março de 2014 que cerca de treze milhões destes documentos, depois

de um longo processo, foram digitalizados. Esta digitalização facilitou a consulta aos

documentos. Interesses acadêmicos, de pesquisa, ou pessoais, sobre perseguição,

processos, etc., voltaram-se para estes documentos. Minha pesquisa que também

versava sobre o regime militar, estava agora em um ambiente mais favorável.

Assim, nesta terceira visita, alguns pesquisadores do projeto trabalhavam no

próprio prédio do Arquivo Nacional, em uma sala reservada ao lado da sala de consulta

pública28

. Durante um dos intervalos da busca, em uma conversa despretensiosa com a

funcionária do Arquivo que me atendeu29

, falávamos sobre o trabalho desses

pesquisadores e a questionei sobre a possiblidade deles encontrarem algo que poderia

ser do meu interesse. Foi desta questão que avançamos a conversa sobre a base em que

estava trabalhando, mencionei toda a dificuldade que estava encontrando e ela referiu-se

27 Segundo o site do programa:

“O Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado "Memórias Reveladas", foi

institucionalizado pela Casa Civil da Presidência da República e implantado no Arquivo Nacional com a

finalidade de reunir informações sobre os fatos da história política recente do País.

Dando continuidade a iniciativas dos últimos governos democráticos, em novembro de 2005, o Presidente

Lula assinou decreto regulamentando a transferência para o Arquivo Nacional dos acervos dos extintos

Conselho de Segurança Nacional, Comissão Geral de Investigações e Serviço Nacional de Informações,

até então sob custódia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e passou à Casa Civil a coordenação

do recolhimento dos arquivos.

O Centro constitui um marco na democratização do acesso à informação e se insere no contexto das

comemorações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um pedaço de nossa história

estava nos porões. O ‘Memórias Reveladas’ coloca à disposição de todos os brasileiros os arquivos sobre

o período entre as décadas de 1960 e 1980 e das lutas de resistência à ditadura militar, quando imperaram

no País censura, violação dos direitos políticos, prisões, torturas e mortes. Trata-se de fazer valer o direito

à verdade e à memória.” 28

Nas outras vezes em que estive no Arquivo Nacional de Brasília não notei a presença desses

pesquisadores, não sei dizer com exatidão se estavam lá ou não. 29

A funcionária chama-se Deyse, a quem agradeço fortemente.

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24

à existência de alguns documentos de naturezas diversas que estavam dispersos e

depositados em outra base, oriundos de outra entrada, mas que ela sabia que encontraria

material do MINTER lá.

Esta base – doravante segunda base – (ARQUIVO NACIONAL, 2000) está

organizada em dois grandes fichários (o conteúdo não está digitalizado) que elencam

verbetes de entrada, agrupados em ordem crescente pelas caixas em que estão

depositados os documentos (1, 2, 3,…). Não foi possível, no entanto, acessar qualquer

pista sobre os critérios de ordenação das caixas. Segundo o guia de fundos do Arquivo

Nacional, em sua página 23, o Fundo/Coleção MINISTÉRIO DO INTERIOR foi

organizado pela Coordenação de Documentos Escritos (CODES) e Coordenação de

Documentos Audiovisuais e Cartográficos (CODAC) do Arquivo Nacional, e

identificada pela Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal

(COREG). A consulta aí foi difícil, a organização dos arquivos é intrincada, os referidos

fichários acusavam entradas as mais diversas. Mas o universo documental contido nesta

segunda base veio a ser, para os fins desta pesquisa, muito mais rico que o anterior. Aí

foram encontrados registros a respeito das Comissões Coordenadoras do Ministério do

Interior (CCMI)30

, atas sobre propostas de reforma do ministério, entre outros tantos

documentos que podem ser úteis às pesquisas de variados interesses, se houver

paciência e persistência para situar-se no arquivo.

Deste universo variado, considerei como material mais valioso para o que

estava buscando foram os cadernos com as Exposições de Motivos do MINTER.

Segundo o Manual de Redação da Presidência da República (BRASIL, 200231

), em seu

item 4:

Exposição de motivos é o expediente dirigido ao Presidente da

República ou ao Vice-Presidente para:

a) informá-lo de determinado assunto;

b) propor alguma medida; ou

c) submeter a sua consideração projeto de ato normativo.

Em regra, a exposição de motivos é dirigida ao Presidente da

República por um Ministro de Estado.

30

As CCMI’s eram comissões cuja finalidade era a de criar um espaço de interlocução entre as diferentes

esferas do MINTER com apresentações dos chefes do gabinete do ministro e dos órgãos subordinados, os

encontros ocorriam duas vezes ao ano, a partir de 1971. Tinha conhecimento prévio da existência destas

Comissões pelo trabalho que já vinha desenvolvendo sobre o MINTER e a revista INTERIOR (IORIO,

2010) e desde então busquei insistentemente informações sobre ela na primeira base de dados, em vão. 31

Uso uma definição atual de Exposição de Motivos por não ter encontrado a definição em manuais

contemporâneos ao período histórico estudado. De toda forma, ao acompanhar a definição do conceito

nos manais da década de 1990 para cá não houve nenhuma alteração, o que leva a crer que se trata de uma

definição consensual.

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25

Nos casos em que o assunto tratado envolva mais de um Ministério, a

exposição de motivos deverá ser assinada por todos os Ministros

envolvidos, sendo, por essa razão, chamada de interministerial. (s/n)

Este foi um canal direto entre ministros e presidentes da República, através

dele aqueles se apresentam em seus princípios a este. Matérias como: pedidos de revisão

de orçamento, apresentação de anteprojetos de lei, movimentação de funcionários e tudo

o mais que o ministro julgue relevante de ser comunicado, solicitado ou reclamado

passa pelas E.M. Ao exporem seus motivos, os ministros revelaram quais as prioridades,

o que entendem como demandas, quais as formas de equacioná-las; em suma, a

orientação política com a qual coordenam sua pasta e também como esta se relaciona

com a orientação geral do governo.

Ao me deparar com as E.M. convenci-me que estes documentos estavam mais

próximos dos propósitos desta investigação. As E.M. expressam a comunicação entre o

planejamento e a execução, estão na imediata interface entre ambos. Elas são algo mais

palpável que os planejamentos que se fazem periodicamente baseados em intenções, ou

os discursos e escritos que idealmente tratam do que é e do que deveria ser feito. Ao

mesmo tempo, são mais abstratas, mais próximas do nível teórico do que um inventário

de obras, ou um orçamento de gastos e investimentos; seria a forma mais concreta dos

planos de ação de governamentalização. Dadas estas possibilidades, optei por tomar

definitivamente as E.M. como base de análise e abandonar o esforço feito até então, que

não havia surtido efeitos maiores, considerando a qualidade e a dispersão do material,

como já observado. Outras escolhas metodológicas precisaram ser feitas diante desse

material, como extrair dele as respostas às perguntas que eu carregava?

As E.M. do MINTER estão organizadas em brochuras por ano e distribuídas

em pastas. Para cada ano há cadernos suplementares distribuídos por setores (pessoal,

organização, administração geral, obras e orçamento) replicando os documentos

arquivados no caderno geral. Têm um formato padrão: cabeçalho com a data, lugar e

identificação da E.M.; cumprimento respeitoso ao presidente; o texto expondo os

argumentos; cumprimento formal e assinatura do ministro32

. O tamanho era variável,

entre uma lauda até cinquenta ou sessenta, mas a maioria tinha entre duas e três. Os

conteúdos também eram diversos, tratavam de questões relativas ao funcionalismo, de

obras e compra de equipamentos, anteprojetos de lei, demandas orçamentários, pedidos

32

Ver a E.M. nº01/1964 como exemplo no Anexo 1.

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26

de isenção fiscal, relatórios ministeriais, prestação de contas e coisas afins33

.

O material, tomado em conjunto, tinha algumas vantagens evidentes. A

primeira delas é a anteriormente explicitada, a natureza do documento, que permite ao

analista observar o propósito do ministério, suas intenções e sentidos; mas sem assumi-

los em um nível demasiadamente abstrato. Outro ponto positivo é o fato deles estarem

dispostos de maneira seriada e numerada. Isto me ofereceu um conjunto unitário, uma

sequência segura, sem lacunas. As lacunas e a falta de sequência tinham me parecido

um grande empecilho na primeira base pesquisada, pois dificultava seguir as

recomendações de Perla Zusman (op.cit.) e evitar reproduzir uma visão parcial dos

documentos, cuja parcela visível poderia ser exatamente aquela que o sujeito produtor

do documento ou o organizador quis evidenciar; ou então mero acidente, nunca se

poderia saber. Também para evitar reproduzir a intenção dos produtores dos

documentos, optei por me debruçar sobre os cadernos principais, com todas as E.M.,

descartando os cadernos temáticos, o que totalizou mil cento e sessenta documentos no

intervalo entre oito de julho de 1964 e vinte e sete de janeiro de 1969.

Desenvolvi a análise dos documentos lendo-os individual e integralmente. Os

sistematizando em um quadro sintético a partir da sua finalidade (orçamento,

institucionalização, isenções fiscais, funcionalismo, etc.) procedências (órgão

interessado), descrição do conteúdo e observações suplementares, quando relevantes.

Este quadro ofereceu uma visão geral sobre o processo em análise. Esta organização me

permitiu ainda tomar o universo documental em seus aspectos tanto de conjunto quanto

individualmente, quando havia algo substantivo explicitado.

A visão do conjunto associada aos conteúdos individuais dos documentos mais

substantivos me permitiu buscar as respostas às minhas perguntas com mais segurança,

possibilitou que acompanhasse os planos de ação no cotidiano do ministério, defrontado

com as dificuldades e possibilidades impostas, como restrições orçamentárias,

desacordos com outros setores do governo ou alterações nos planos iniciais. Enfim, foi

possível, a partir daí, verificar a operacionalização dos planos de governo em planos de

ação de governamentalização propriamente ditos.

Além das E.M., vali-me também de documentos consultados em outras fontes.

Valioso foi o arquivo pessoal de Cordeiro de Farias disponível no arquivo do

CPDOC/FGV no Rio de Janeiro. Nesta base encontrei pronunciamentos e impressões

33

Os documentos foram organizados em tabelas que estão expostas nos capítulos três e quatro.

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pessoais do ex-ministro do MECOR sobre sua própria atuação e o sentido que procurou

imprimir ao ministério que ele conduzia. A base documental que está sendo montada

pelo programa “Memórias Reveladas”, também do Arquivo Nacional, foi aproveitada

sobretudo pelos documentos relativos a Albuquerque e Lima. Alguns desses

documentos estão disponíveis na internet, outros estão digitalizados mas só podem ser

consultados nas sedes do Arquivo Nacional (de Brasília e do Rio de Janeiro), outros não

estão digitalizados. Utilizei ainda memórias, depoimentos e textos de autoria dos

ministros envolvidos, assim como de pessoas relacionadas diretamente com a

institucionalização do MINTER. Todo este material que concebi como documental está

referenciado na parte de “Fontes de Pesquisa”.

Apresentação dos capítulos

A disposição em capítulos obedece à ordem metodológica da investigação. A

tese está organizada em quatro capítulos, cada um deles corresponde a uma dimensão da

análise. A continuidade de uns aos outros se dá pelo princípio da multiescalaridade. O

capítulo um tem por finalidade contextualizar o MINTER em uma prática de

governamentalização mais geral, a saber, a governamentalização do território no Brasil.

Opera-se aqui em um nível bastante amplo e abstrato. O segundo capítulo pretende ser

uma genealogia dos sujeitos principais desta investigação, Cordeiro de Farias e

Albuquerque Lima. Atêm-se aí às suas respectivas posições e condições de classe

(BOURDIEU, 2007a). Importa compreender o significado da corporação militar no

país, das suas respectivas posições dentro da corporação, seus agrupamentos políticos

dentro das Forças Armadas, fora dela na sociedade como um todo e, principalmente, nas

articulações entre os dois níveis.

O capítulo três dedica-se à apreciação da prática de governamentalização do

MINTER através da genealogia do desenvolvimento enquanto campo de poder.

Interessa compreender como o MINTER configura-se enquanto dispositivo de poder

encarregado de fazer difundir e aprofundar o desenvolvimento, este entendido em sua

significação interna ao campo constituído em torno de si. O capítulo quatro faz

semelhante esforço que o anterior, entretanto o foco recai sobre a segurança nacional

como campo de poder. Explora-se aí o enraizamento deste campo, suas confluências e

divergências com o desenvolvimento (considerado como um campo de poder correlato)

e a geopolítica. Nestes dois últimos capítulos exploro mais detidamente a base

documental principal, as E.M. Encerro a discussão com algumas considerações finais.

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29

1. O MINISTÉRIO DO INTERIOR NO CERNE DA MODERNIZAÇÃO

BRASILEIRA

A governamentalização do território pelo Estado é uma prática inerente à

formação dos estados e das nações. A formação social brasileira, pela sua herança

colonial, tem um peso ainda maior do processo de apropriação e valorização do

território (MORAES, 2000; 2005). Visto a partir de uma escala abrangente, o processo

de formação territorial brasileiro segue os imperativos da progressiva inserção

geopolítica do país no capitalismo mundial. Desta forma, é possível afirmar que a

constituição do território deve ser entendida, em caráter geral, a partir da lógica do

“fazer-se moderno”, ou, dito de outra forma, da modernização do país.

Por modernidade me refiro, grosso modo, a todos os processos adjacentes ao

advento e à estabilização do capitalismo moderno (HARVEY, 1992), cujas instituições

básicas seriam “o estado-nação e a produção capitalista sistemática” (GIDDENS,

1991. p. 173). Neste processo operou-se uma dissociação entre o tempo e o espaço, o

“desencaixe” de Giddens. Se tradicionalmente o tempo era preenchido por relações

sociais localizadas (em múltiplas e inter-relacionadas escalas, há de se reconhecer), que

só fazem sentido em um lugar específico (tempo de uma colheita, de uma estação do

ano, de um deslocamento, etc.), o quando inseparável do onde; modernamente o tempo

se associa ao espaço global, não ao lugar; introduz-se o tempo universalizado do

relógio, desprovido de seu conteúdo espacial; genérico, que mede e assenta no mesmo

patamar relações sociais em lugares distintos, acompanhando o processo de expansão e

mundialização do capitalismo.

A instituição deste “tempo universal” teria possibilitado a emergência de uma

socialização mundializada, moderna, em oposição àquela outra, localizada, tradicional.

Importante ressaltar que esta universalização não se deu através de um processo pacífico

que irradia de um ponto privilegiado para atingir outros lugares receptáculos (o “resto”

do mundo). Ao contrário do que prega a versão eurocêntrica da modernidade, a

formação do capitalismo e dos estados nacionais são entendidos aqui como um processo

difuso e correlacionado através de assimétricas geometrias do poder (MASSEY, 2009)

donde se estabeleceu a Europa Ocidental (identidade esta forjada nesse processo) como

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30

centro de comando1. Fator decisivo foi o modelo de racionalidade empregado:

Com raízes que podem ser localizadas nas Utopias do século XVI,

mas sobretudo com o debate filosófico e teórico-social do século XVII

e com maior clareza no século XVIII, a nova entidade/identidade que

se constitui como Europa Ocidental, já sob o crescente predomínio das

regiões centro-norte, se assume e se identifica como moderna, ou seja:

como o mais novo e o mais avançado da história humana. E o signo

distintivo dessa modernidade da emergente identidade europeu-

ocidental é sua específica racionalidade. (QUIJANO, 2005. p. 22)

A racionalidade que emerge no âmago da modernidade se fundamenta na

filosofia do progresso e o crescente desencantamento da natureza, separada do sujeito e

submetida a uma lógica instrumental e operacional, transposta rapidamente para o

fenômeno humano, equiparado à natureza como objeto desencantado da razão,

sucumbido à prerrogativa do controle e do domínio (ADORNO; HORKHEIMER,

1985).

Acrescente-se a isso um caráter essencialmente transformador que caracteriza

os tempos modernos como essencialmente dinâmicos, alimentados pelo incessante

processo de alargar-se, aprofundar-se, transformar-se (inerente à própria dinâmica de

reprodução do capital), substituir o antigo pelo novo – a “destruição criativa”

(HARVEY, op.cit.; 2006). Já a modernização seria o processo adjacente à modernidade,

o caminho para atingi-la (HAESBAERT, 1997). Enquanto a modernidade é um fim

(intangível, poderia se dizer?), a modernização é um meio, um caminho indefinido que

se pavimenta no próprio caminhar2. É nesse caminhar também que se evocam

repertórios distintos de tradições do conhecimento que sustentam os projetos e se

enquadram aos imperativos das circunstâncias.

A tradição, por outro lado, é o que é negado (no sentido dialético) pela

modernidade. Não se trata daquela tradição evocada pelas comunidades nacionais e

outros grupos sociais que se ritualiza, torna-se rígida e cumpre função simbólica que

remete à continuidade com um passado (HOBSBAWM, 2008). Importante que fique

claro que, no mais das vezes, a expressão tradição está empregada neste texto para

1 “Em outros termos, do mesmo modo que a centralização do desenvolvimento do capital ,a centralidade

da Europa Ocidental na produção da modernidade era uma expressão da colonialidade do poder, isto é,

colonialidade e modernidade/racionalidade foram desde o início, e não deixaram de sê-lo até hoje, duas

faces da mesma moeda, duas dimensões inseparáveis de um mesmo processo histórico” (QUIJANO,

2005. p. 23) 2 Faz lembrar o poeta: “Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se

hace camino al andar”. (Caminhante, são suas pegadas o caminho e nada mais, caminhante, não há

caminho, se faz o caminho ao andar. [Tradução Livre]). Antônio Machado, poema: “Caminante, no hay

camino”.

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evocar um suposto atraso, e não uma referência simbólica de identidade. Quando o

sentido referido for este e não aquele, virá acompanhado de prévio aviso.

Nesta parte da investigação interessam estes projetos de modernização, algo

conclamado corriqueiramente nos projetos para o país e seu território (MORAES,

2005), mas de definição imprecisa, de semântica vaga; ainda que eficiente enquanto

mote político. Sinteticamente, por modernização me refiro a: i) um processo de

transformação social capitalista – um desvincular do tradicional; ii) que legitima e se faz

legitimado pela racionalidade adjacente; iii) e se enquadrada em alguma medida pela

lógica do estado-nação, ainda que os objetivos pretendidos sejam apresentados como

universais, cosmopolitas.. Que formas se assumirá, o que é o tradicional a ser

transformado, como se darão as transformações (do ponto de vista político, econômico e

social), quais os objetivos que se almeja, a quem incidirá, etc.; é exatamente esse bojo

de questões que animará os projetos e os planos de ações que, aliado às circunstâncias

históricas, imputarão particularidade ao processo em si3.

Conforme anteriormente dito, modernidade e modernização não serão

examinadas na experiência de institucionalização do MINTER com a finalidade de

decifrar seu conteúdo substantivo, de precisar uma definição conceitual (o que é a

modernidade) – mesmo porque não há indícios de que sequer os protagonistas tenham

clareza o suficiente a respeito disso. Ao invés, interessa compreender como esse ideal é

objetivamente posto e operacionalizado enquanto um plano de ação e

governamentalização para o território brasileiro.

A modernização do país

No Brasil, o processo de modernização deu-se por uma contraditória via

consagrada na bibliografia mais crítica como “modernização conservadora”. O processo

de transformação capitalista não se deu por aqui através de rupturas profundas com a

ordem social anteriormente vigente. Este fenômeno foi observado largamente pelo

pensamento social brasileiro, quando o papel do legado ibérico dividia americanistas e

iberistas (VIANNA, 1991). Já na década de 1930, o célebre historiador Sérgio Buarque

de Holanda4 apontava:

3 “Foram modos de pensar diferenciados que se puseram em confronto com situações arcaicas, pré-

industriais, peculiares a cada formação. Desse jogo de forças modernizantes e tradicionais, situado no

tempo e no espaço, teriam resultado estilos nacionais de desenvolvimento” (BOSI, 1992. p. 275) 4 Segundo Antônio Cândido (1995), em seu Prefácio ao livro de Sérgio Buarque de Holanda, este autor

foi uma das três maiores referências intelectuais dos “jovens de esquerda” de sua geração, ao lado de

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A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido.

Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-

la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos

privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da

burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à

situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa,

alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram

exaltados nos livros e discursos. (HOLANDA, 1995. p. 160)

A modernização brasileira ocorre em contradição aos ideais reformistas que

pautaram a transformação capitalista alhures. Segundo Florestan Fernandes (2005), a

formação do capitalismo no Brasil esteve submetida a uma lógica dupla de apropriação

do produto econômico: no plano interno, por parte de uma estrutura inexoravelmente

desigual, e externamente através de uma submissão orgânica à burguesia internacional.

Isto teria conduzido à constituição de um modelo “autocrático-burguês”, liberal no

plano econômico mais autoritário no âmbito político, impedindo transformações

radicalmente modernizantes, mantendo em vigor tradições arcaicas:

A dupla articulação faz com que vários focos de desenvolvimento

econômico pré ou sub-capitalistas mantenham, indefinidamente,

estruturas socioeconômicas e políticas arcaicas ou semiarcaicas

operando como impedimento à reforma agrária, à valorização do

trabalho, à proletarização do trabalhador, à expansão do mercado

interno etc. (p. 356)

Empregando a sugestiva expressão do “poder do atraso”, José de Souza

Martins (1994) reforça a interpretação anterior:

Na verdade, porém, tanto a experiência do desbloqueio representado

pela abolição da escravatura, quanto a do ocorrido com a Revolução

de 1930, quando, ainda, o do procurado e realizado pelo governo

Kubitschek, a constatação é uma só: as grandes mudanças sociais e

econômicas do Brasil contemporâneo não estão relacionadas com o

surgimento de novos protagonistas sociais e políticos, portadores de

um novo e radical projeto político e econômico. As mesmas elites

responsáveis pelo patamar de atraso em que se situavam numa

situação histórica anterior, protagonizaram as transformações sociais.

(MARTINS, 1994. p. 58)

A isto Otávio Velho (1979) chama de capitalismo autoritário, modalidade em

que o político prevalece sobre o econômico5. Velho alega que o capitalismo no Brasil é

eminentemente autoritário, independente de um governo autoritário ou não. Capitalismo

Gilberto Freyre e Caio Prado Jr., em oposição aos “jovens de direita”, afeitos a Oliveira Vianna e Alberto

Torres. 5 “[…] no que se refere à articulação entre o político e o econômico, o capitalismo autoritário caracteriza-

se em comparação com o capitalismo burguês por uma dominação particularmente intensa da instância

política.” (VELHO, op.cit., p. 43)

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autoritário não se equivale a regime autoritário, aquele não prescinde deste.

Todas estas análises focalizam a modernização brasileira como uma ambígua –

mas coerente – conciliação com formas tradicionais. Do ponto de vista destes autores, o

moderno estaria caracterizado pelas relações de produção e forças produtivas típicas do

capitalismo (capital e trabalho, mediados pelo salário e a exploração do mais-valor), o

tradicional estaria associado às formas não tipicamente capitalistas, notadamente o

latifúndio e a renda da propriedade da terra.

Basicamente, estes autores (exclui-se Sérgio Buarque) se valem de uma

inspiração predominantemente marxista para interpretar a transformação capitalista

(MARX, 20136). Adjacente a esta inspiração está a influência da concepção sobre a

estratificação social advinda da economia política clássica, formulada sistematicamente

por David Ricardo (1978), que identifica três classes sociais: o proprietário fundiário, o

capitalista e o trabalhador; estes últimos tipicamente capitalistas e o primeiro pré-

capitalista, fadado a desaparecer na medida em que se aprofunda o engendramento das

relações capitalistas de produção. O proprietário fundiário aparece como agente nocivo

ao desenvolvimento capitalista7. Este seria o projeto típico (i.e. eurocêntrico) de

modernização, uma transformação capitalista plena.

O caráter excepcional da formação do capitalismo no Brasil seria o fato de que

o proprietário fundiário e o capitalista, ao invés de antagonizarem-se até a completa

transformação, fundiram-se em uma modernização contida, que concilia a

transformação capitalista com formas não capitalistas (tradicionais)8, alijando a classe

trabalhadora. Estas análises são de grande valor, indicam um caráter geral, relevante

para a compreensão dos processos particulares, mas não respondem além desse nível

mais abstrato. Resta saber objetivamente como se operacionalizou esta modernização

conservadora, como foi convertida em práticas diversas, p.ex., as interpretações dos

intelectuais, as peças de divulgação e vulgarização, as ações dos statemakers e de

governamentalização, etc.. Ou seja, é necessário particularizar os processos, períodos,

6 Sobre a transformação capitalista ver mais especificamente o Capítulo 24 “A assim chamada

acumulação primitiva” (MARX, op.cit.). 7 “Segue-se daqui que o interesse do proprietário de terras é sempre oposto ao interesse de todas as

demais classes da sociedade. Sua situação nunca é tão próspera como quando os alimentos são escassos e

caros, ao passo que para todos os demais indivíduos o fato de se poder contar com alimentos baratos é

altamente proveitoso.” (RICARDO, 1978. pp. 206-207). 8 “A determinação histórica do capital não destrói a renda nem preserva o seu caráter pré-capitalista –

transforma-a, incorporando-a, em renda capitalizada. Fiz dessa constatação uma hipótese que abrangesse

não apenas relações pré-capitalistas, mas o que o próprio Marx e, mais tarde, Rosa Luxemburgo

definiram como relações não capitalistas.” (MARTINS, 2004.p.3)

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instituições e também instâncias distintas do fenômeno. Pesquisas empíricas têm

respondido a esta demanda, e esta tese segue essa linha.

Os projetos de modernização elaborados a partir deste amálgama tiveram que

lidar concretamente com o desafio de redefinir o objeto “tradição”, o arcaico; nomear e

mirar em um atrasado a ser superado. Efetivamente este desafio se fez refletir nas

interpretações da realidade brasileira. A intelectualidade nacional meditou sobre os mais

variados aspectos do país com o fito de formular teoricamente a passagem para a

modernidade, produzindo um profícuo repertório de tradições do conhecimento.

Aspectos como as instituições políticas, o regime de governo, a raça e o território foram

debatidos e estiveram no centro do ideal de modernização. Concomitantemente, os

processos de estatização aproveitaram estas tradições do conhecimento, converteram-

nas em governamentalização, planos de ação.

O MINTER é um desses casos de modernização promovidos pelo Estado que

projetava sobre o território nacional uma prática de governamentalização escorada em

tradições do conhecimento arregimentadas, acomodadas e reinventadas pelos

responsáveis maiores pela sua execução. Toda prática de governamentalização só tem

sentido se nomeia um objeto intervenção:

Estas coisas, de que o governo deve se encarregar, são os homens, mas

em suas relações com as coisas que são as riquezas, os recursos, os

meios de subsistência, o território em suas fronteiras, com suas

qualidades, clima, seca, fertilidade, etc.; os homens em suas relações

com as outras coisas que são os costumes, os hábitos, as formas de

agir ou de pensar, etc.; finalmente, os homens em suas relações com

outras coisas ainda que podem ser os acidentes ou as desgraças como

a fome, a epidemia, a morte, etc. (FOUCAULT, 1981.p. 282)

O MINTER teve o seu objeto, o território e seus conteúdos, entre as quais se

podem citar, além das listadas por Foucault, a produção, o consumo, o governo, etc. O

território como questão atravessa as ideias e os projetos de modernização do Brasil,

alimenta um vasto imaginário e consagra modos de ver e pensá-lo. O intuito deste

capítulo é trabalhar em escala ampla a parte deste legado que conflui para o

enquadramento do MINTER enquanto projeto de modernização do território nacional.

Na próxima seção é possível ver mais de perto certo modus operandi de lidar com a

questão que converge para uma prática semelhante à do ministério, busca-se – da

maneira mais sintética possível – apresentar as relações históricas entre modernização,

Estado e território no Brasil. Em seguida discute-se o projeto de modernização na

formação do ministério. Encerra este capítulo uma seção dedicada a debater a

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imaginação espacial9 que alimentou teoricamente esta prática modernizante.

Território, Estado e modernização no Brasil

A interpretação crítica da modernidade, que tem nas noções de tempo e espaço

um dos pontos cruciais, foi trazida para o debate na geografia brasileira por Edward

Soja (1993), com ponderações dirigidas ao que ele chama de imaginação histórica

predominante na teoria social crítica, uma forma de pensar que se restringe à noção de

tempo como o único agente transformador:

Foi justamente o valor crítico e potencialmente emancipatório da

imaginação histórica, de pessoas ‘que fazem a história’, em vez de

presumi-la como certa, que a tornou tão compulsivamente atraente. A

constante reafirmação de que o mundo pode ser modificado pela ação

humana, pela práxis, sempre foi o eixo central da teoria social crítica,

sejam quais forem sua fonte e sua ênfase particularizadas. (p.22)

Mesmo as incursões baseadas em “insights teóricos”10

de autores como Michel

Foucault e John Berger não teriam, segundo Soja, logrado resultados satisfatórios na

inversão do historicismo dominante na teoria crítica. Exceção exclusiva seria a o

trabalho de Henri Lefebvre, o único que teria conseguido avançar uma interpretação

contundentemente espacial com formulações analíticas além de “demonstrativas” (Soja

emprega este vocábulo para se referir à espacialização de Foucault).

Essas formulações, mesmo que incompletas, teriam contribuído para o spatial

turn na teoria social no fin de siècle do século XX que indicaria uma nova forma de

entender a realidade social não só a partir da história mais também da geografia. Neste

ponto, é relevante a advertência de Felix Driver (1992), para quem esta “nova forma”

não seria tão nova assim, ao contrário, reclama ele que Soja parte uma noção de

pensamento social demasiadamente restritiva11

, ignorando o papel do conhecimento

geográfico, por exemplo, no imperialismo europeu no fin de siècle do XIX, um século

9 Emprego o termo “imaginação espacial” com o mesmo sentido de “discurso geográfico”, já explicitado

na Introdução desta tese. 10

Expressão do próprio autor. 11

Cabe dizer, para se fazer justiça a Soja, que este autor diz refletir especificamente sobre o que ele

considera como o pensamento social crítico, excluindo, por consequência, as teorias coloniais e

imperialistas: “[A teoria social crítica] busca de uma compreensão prática do mundo como meio de

emancipação, em contraste com a manutenção do status quo. As teorias sociais que meramente

racionalizam as condições existentes e, com isso, servem para promover o comportamento repetitivo, a

reprodução contínua das práticas sociais aceitas, não se enquadram na definição da teoria crítica” (SOJA,

op.cit. p 22)

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36

antes, portanto12

.

Um exame breve da modernização brasileira, em seus aspectos relativos à

formação do Estado, do capitalismo e de seu pensamento social, dá razão à advertência

de Driver. Em um país de origem colonial, o ímpeto da conquista de espaços e a

formação territorial são centrais para a sua própria definição enquanto estado-nação

(MORAES, 2000; 1991). Para Antônio Moraes (2005), a reflexão sobre o território

esteve no centro dos debates intelectuais sobre a formação social do Brasil, sempre,

segundo ele, de um ponto de vista conservador, projetando o país pelo seu espaço e não

pelo seu povo. João Maia (2008) discorda, para ele o imaginário geográfico13

serviu não

só como projeto conservador, mas também de forma inventiva, prospectiva, a pensar o

nacional como um processo em construção, não como um essencialismo originário. Ao

invés de conservador, o espaço seria antes exatamente o recurso do qual se valeu certo

pensamento social brasileiro para pluralizar a modernidade, particulariza-la a cada

sociedade.

Aparentemente contraditórias entre si, as colocações de Moraes e Maia

parecem bastante oportunas, pois refletem o contraditório no processo de modernização

brasileira. O caráter conservador salientado por Moraes não exclui – a princípio – o

conteúdo inventivo, transformador. Lia Osório Machado bem observou isso no debate

intelectual da virada do século XIX para o XX:

Embora a introdução de ideias geográficas possa ser atribuída aos

intelectuais aos intelectuais que compartilhavam da crença na filosofia

do progresso, o processo de adoção dessas ideias mostra uma

coalescência com aspectos críticos do pensamento conservador.

(MACHADO, 2000. p.12)

Conforme se viu, o conservador está amalgamado na transformação

modernizante do Brasil. Não se tratam de duas interpretações divergentes, mais de duas

características imanentes, intrínsecas ao processo; o progressista e o retrógrado

caminham juntos, endossando a tese de que os projetos de modernização do território no

país sempre se coadunaram de alguma maneira com a ordem social tradicional.

O conhecimento geográfico esteve intimamente associado à modernização do

12

“Whereas Soja claims this period as the decisive moment of geography’s subordination, I would

suggest an alternative focus on the place that geographical knowledge has had in the construction of

modernity” (p. 25). (“Enquanto Soja reclama este período como o momento decisivo da subordinação da

geografia, eu sugeriria um foco alternativo no lugar que o conhecimento geográfico teve na construção da

modernidade”. [Tradução Livre].) 13

João Maia utiliza a noção de “terra” como sinônimo de “imaginação espacial”.

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país, seja em seus aspectos econômicos ou tangíveis à constituição do Estado. José

Veríssimo da Costa Pereira (1956) relata a proliferação de viagens e explorações para

inventariar as terras do que hoje é o Brasil, inclusive as comissões de demarcação

territorial, como as do Tratado de Santo Ildefonso (1977), que acabaram por contribuir

para definir a posse portuguesa pelos princípios das fronteiras naturais e posteriormente

do utis possidetis (MAGNOLI, 1997) . Esta constatação foi fundamental para

aprofundar as bases econômicas da inserção daquele território no sistema do capitalismo

colonial. Função esta racionalizada pelo primeiro Vice-rei do Brasil, Marquês de

Pombal (1750-1777), orientado por um projeto modernizador da colônia e atento para

uma “forma mais funcional de controle do território” (MACHADO, 1997.p.21).

Estabelece-se com Pombal o equacionamento território, Estado e modernização já na

antevéspera do Brasil.

Manoel Fernandes de Sousa Neto (2012) se atenta para um momento

importante de aprofundamento da relação território, Estado e modernidade no Brasil: o

Segundo Império (1840-1889), onde as instituições brasileiras se viram forçadas a lidar

com o dilema entre o moderno e atrasado, este figurado pela persistência da Monarquia,

do escravismo e do latifúndio, e aquele almejado pela difusão do capitalismo mundial, a

emergência de uma nova elite econômica ligada ao café que se encantava pela

modernidade Europeia, a República, a abolição da escravatura e, em alguns casos, o

industrialismo. Outro aspecto do arcaísmo colocado em xeque foi a dispersão territorial

da população e a ausência de vias de comunicação entre elas, provocando uma

sociabilidade frágil.

Essa faceta do arcaico foi muito bem acusada por um grupo de profissionais

que começavam a reivindicar posição social mais destacada se propondo justamente

como os portadores da modernidade, os competentes para superar o atraso: os

engenheiros. Forma-se um corpo de técnicos que conformam uma classe profissional

especializada, delimitada e distinta das demais profissões pelo saber matemático. Surge

a figura de um novo intelectual, oriundo das classes médias, distantes das elites

tradicionais, que se legitimam na necessidade do saber técnico exclusivo. Essa classe

emerge econômica, politica e socialmente, introduzindo uma nova dinâmica à ordem

social, mas se adequa aos limites da sociedade estabilizada, compatibilizando ciência,

técnica e modernização com oligarquia agrário-exportadora, latifundiária e escravocrata.

Interpreto os Planos Viários estudados por Sousa Neto com peças de planos de ação

sobre o território cujo conteúdo se vincula à modernização conservadora.

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A partir daí o ímpeto modernizador ganha progressivamente mais densidade:

dispersão espacial e intensificação das relações capitalistas de produção, adensamento

do estado com maior penetração na economia e na sociedade nacional, maior

valorização da ciência e suas instituições Proliferam-se instituições de cunho científico,

como por.):o Clube de Engenharia (1880), a Escola Central (1858) e o Instituto

Politécnico (1862) – todas elas de formação ou congregação de engenheiros – (SOUSA

NETO op.cit.) e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ) em 1883

(PEREIRA, 2005). O território vai sendo “desvendado”14

e os projetos de modernização

que o tem como objeto, adequando-o à expansão mundial do capitalismo, vão se

sofisticando, com grande inserção na máquina pública (vide o caso dos engenheiros e

seus saberes técnicos no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas -

MACOP [SOUSA NETO, op.cit.]). Estado, capitalismo e ciência se conjugam de

maneira cada vez mais intensa e os projetos de ação sobre o território ganham em vigor.

A passagem do século XIX para o XX foi determinante para a equação

território, Estado e modernização no século XX (MACHADO, 2000; 2002). Trata-se de

um momento chave na construção da identidade nacional brasileira, quando é extinta a

figura do Imperador, que representava a unidade nacional e emerge a República, sem

uma referência simbólica suficiente para manter a coesão nacional. Na ausência de uma

profundidade histórica e diante de uma latente fragmentação social devido ao

escravismo (ainda muito vivo) e à dispersão espacial, o recurso ao território e à

geografia como um todo foi supervalorizado na conformação do discurso que buscava

solidificar a unidade nacional (MORAES, 1991).

Os debates desse período remetiam ao ideal da civilização, compreendendo

questões sobre a natureza física do território e sua influência na composição social

brasileira. (MACHADO, 2000; 2002):

De fato, o pensamento geográfico esteve presente nos debates sobre a

natureza físico-climática do território, a adaptação do indivíduo ao

meio, as características raciais dos habitantes, e as possíveis

conseqüências desses aspectos sobre a formação social do povo

brasileiro. Em síntese, a questão principal era o estabelecimento do

potencial e dos limites da natureza física, social e política do país

diante das idéias programáticas do “progresso”. (MACHADO, 2002.

p. 310)

14

Os embates a respeito das nascentes do Rio Xingu, protagonizadas pelo viajante alemão Karl Von den

Steinen e Francisco Antônio Pimenta Bueno no seio da SGRJ evidenciam esse “desvendar” do território

(PEREIRA, op. cit.).

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Olhar as raças e os povos do Brasil e determinar quais áreas eram mais ou

menos propensas para a modernização era o principal objetivo dessas reflexões que

tomaram a intelectualidade nativa naquele período. Esses intelectuais se voltaram a

teorias, conceitos e métodos já em voga na Europa para formar discursos sobre os

limites e as possibilidades de “civilizar” o país (MACHADO, 2000). Em geral, autores

como Silvio Romero (CONCEIÇÃO, 2000), Roquette-Pinto, Capistrano de Abreu,

Oliveira Vianna e Euclides da Cunha vão se valer das leituras de Le Play, Ratzel, La

Blache, Jean Brunhes, Lucien Febvre, entre outros, para inserir as condições ambientais

no balizamento da história e na projeção do progresso.

A geografia apresenta-se como um recurso de legitimação científica do

discurso da viabilidade do progresso (e, por extensão, da modernização). O viés

explicativo repousa em um artificio de conjugar fenômenos físicos e sociais, assentar

em bases naturais a interpretação do elemento humano. As fontes inspiradoras dessa

intelectualidade já estavam assentadas nesta base: a cosmografia Humboldtiana, a

antropogeografia de Ratzel e a noção de meio e adaptação lamarckista de La Blache e a

escola francesa (CLAVAL, 1981; MORAES, 1990; CAPEL, 1981; BERDOULAY,

2008; BERDOULAY, SOUBEYRAN, 1991).

O pensamento social brasileiro, através desses intérpretes, desvia o foco da

questão racial – que lhes era desfavorável, devido ao preceito da “raça degenerada” –

para as condições ambientais, geográficas, do progresso (MACHADO, 2000). Sobre

Vicente Licínio e Euclides da Cunha, João Maia (2008) enfatiza o esforço e o otimismo

em se projetar a modernização nacional através de seu território (que, vale lembrar, ele

prefere chamar de terra, ver nota 13):

O mergulho de ambos no mundo da terra não implicava, pois, rejeição

ao moderno, ou mesmo um ajuste de contas com uma identidade

nacional já fixada, mas antes a constatação de que o Brasil compunha-

se de um conjunto de espaços novos e periféricos, afinados com a

nova geografia do Ocidente. [...] A ‘energia inconsciente’ da terra

atraía-os, pois ambos enxergavam e vivenciavam o Brasil como uma

forma civilizatória a ser construída, numa combinação entre

pragmatismo, invenção e pedagogia que forjam o núcleo da

experiência que associo à expressão ‘Rússia Americana’.15

(p. 190)

15

Por “Rússia Americana” o autor se refere a uma matriz civilizacional própria do Brasil, elaborada pelos

autores que ele analisa, como inspiração na síntese dos casos russo e americano. Do caso americano teria

sido proclamada a valorização do inventivo, criador, e móvel, como simbolizaria a fronteira; ao mesmo

tempo a valorização da tradição para a constituição de uma matriz própria, com no caso russo.

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Esse ponto é fundamental para a compreensão das interações entre território,

Estado e modernização desde então. A discussão sobre as possibilidades e os limites

impostos pelo meio (milieu16

) disponível para o progresso e a civilização no Brasil

orientou o imaginário social, os projetos e os planos de ação para a modernização

nacional. Estas discussões estabilizaram – ou mesmo estandardizaram – matrizes

interpretativas que resistiram aos idos e vindos do século XX, se afirmando nas

interpretações sobre o país e nos projetos e planos de ação sobre o território. Esta

longevidade das ideias equacionadas nesse contexto fazem com que elas sejam

particularmente importantes, e fazem desta passagem um momento histórico de inflexão

na formação social brasileira.

Outro ponto de inflexão extremamente significativo na equação que orienta

esta seção foi a década de 1930, quando ocorre uma inversão do protagonismo político

no Brasil, começa a emergir uma classe burguesa-industrial em detrimento das camadas

oligárquicas (sempre aos moldes da modernização conservadora). A sociedade brasileira

se transforma, se redefine o mote de modernização, a população começa a se acumular

nas grandes cidade, as indústrias empregam parte relevante da população e geram

parcela considerável da recita nacional, o Estado se complexifica, se avolumam as

funções tecno-burocráticas, esmiuçando cada vez mais ciência e Estado, concretizado

pelo mote do planejamento. O modelo de Estado burguês começa a ser perseguido, mais

nunca alcançado plenamente. (IANNI, 1971). As palavras de Getúlio Vargas, alçado ao

cargo de presidente pelo movimento de 1930 são emblemáticas do que passa a se dar a

partir de então:

O problema da ocupação do nosso território é um postulado da própria

criação do Estado Nacional. Estamos fazendo a estruturação dos

núcleos básicos do nosso crescimento, não apenas ao longo da faixa

marítima, mas abrangendo a totalidade do País. E essa obra, que há de

ser o maior título de glória da geração atual, porque significa unir e

entrelaçar as forças vivas da Nação, retomou o sentido dos paralelos e

renovou o lema bandeirante da marcha para o Oeste. (VARGAS, apud

IANNI, op.cit. p. 64)

O vínculo entre formação do Estado, da Nação e do território não poderia estar

mais claro. O desafio de modernizar o território é colocado explicitamente ao lado da

própria modernização do país, e o feito encarado como “o maior título de glória da

geração atual”. É este mesmo contexto em que surge o IBGE, criado em 1938 como

16

Emprego o termo milieu do francês para diferenciar o significado a ideia de meio do sentido dado à

noção de meio ambiente, muito frequente no léxico atual.

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parte desta estrutura tecno-burocrática em expansão, uma inovação na interação

território, Estado e modernização:

Se considerarmos, no entanto, o marco político-administrativo da

Revolução de 1930, podemos argumentar que os responsáveis pelo

gerenciamento do aparato de Estado do governo Vargas foram

insuperáveis na preocupação com as questões referentes ao controle

do território de forma mais abrangente. Esta afirmação se justifica

ainda mais se levarmos em conta que a questão da unidade político-

territorial brasileira do final da República Velha era um assunto

delicado, pois as elites de estados fortes no campo político e militar,

como São Paulo ,Minas Gerais ou Rio Grande do Sul, poderiam criar

movimentos emancipatórios que colocariam em risco a unidade

nacional (como São Paulo e Rio Grande do Sul criaram efetivamente,

no início dos anos 30). (ALMEIDA, 2002-2003. p.120 )

O IBGE funde em si atribuições diversas associadas à modernização do

território nacional. Uma delas, desvendar o território nacional, literalmente, o que

significava assumir a precariedade das informações prévias disponíveis sobre o país.

Outra, se incumbir das estatísticas, fundamentalmente os Censos, prerrogativa básica da

construção das “comunidades imaginadas” nacionais (ANDERSON, 2008). Necessário

se fez também estabelecer bases comuns para a formulação da política de gestão e

controle do território, como revela o clássico texto de Fábio Macedo Guimarães, na

Revista Brasileira de Geografia [RBG] (publicada pelo próprio IBGE) em 1941, no qual

ele institui as “bases corretas” (a região natural, inspirada, segundo ele próprio, pela

geografia francesa, notadamente Camille Vallaux e Lucien Febvre, os mais citados) para

a divisão regional do Brasil que servirá para o planejamento estatal17

. A grandeza do

IBGE seria tal que teria impressionado pesquisadores internacionais renomados, como

Étienne Juillard, que teria dito ser uma “fábrica de geografia” (PEREIRA; BOMFIM,

2014).

Em 1943, no “começo do fim” do Estado Novo (a ditadura varguista de 1937-

1945), é criada uma das formas estatais do século XX mais claramente voltadas para a

produção do território, a Fundação Brasil Central (FBC). A ideia de Brasil Central18

adjacente à FBC está, segundo João Maia (2010), ancorada em ideias cristalizadas no

pensamento social brasileiro, em especial de Couto Magalhães, Everaldo Backheuser e

Nelson Werneck Sodré, para quem o Brasil Central era um lugar rústico, impregnado de

17

Relevante notar que o IBGE ao longo do século XX notabilizou-se em grande parte pelas

regionalizações oficiais que de lá partiram. Sobre estas regionalizações ver Contel (2014). 18

Sérgio Nunes Pereira,(2010) apresenta o quão vago e impreciso era a ideia de Brasil Central na

primeira metade do século XX, em contradição com a frequente evocação ao termo.

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relações produtivas arcaicas (tradicionais) a serem substituídas pelas relações de

produção modernas (capitalistas).

A FBC, na verdade, fez parte de um programa maior do governo varguista, a

proclamada “Marcha para o Oeste”, que segundo Otávio Velho, teve mais eficácia

simbólica do que concreta. Para este autor, esse programa reinventou o mito

bandeirante, reificado como herói nacional, ou mais ainda, como a própria essência do

“caráter nacional”. Valendo-se de seu conceito de capitalismo autoritário, Velho é muito

feliz com a qualificação que faz da empreitada varguista – propagandeada por Cassiano

Ricardo, que assume a função intelectual da jornada – com o sugestivo rótulo de

“Turner autoritário”. Seria a reencarnação do mito da fronteira de Turner, que atribuiu a

este fenômeno a origem democrática e afeita à liberdade dos EUA, mas reformada pela

modalidade autoritária do capitalismo brasileiro, quer dizer, com domínio político

acentuado pelo Estado sobre o campesinato, teoricamente o sujeito social propício a se

aventurar na fronteira. A “Marcha para Oeste” possibilitaria a efetiva ocupação do

território nacional até então reservado pela oligarquia escravista, sem enfrenta-la nem

incorrer no risco do campesinato ascender a pequenos burgueses, transformando a

estrutura social. Este parece ser um dos exemplos mais agudos da modernização

conservadora conduzida pelo Estado e mediada através do território.

Curioso notar que, em pleno ímpeto modernizador, substanciado cada vez mais

pela racionalidade econômica que vai configurando o IBGE e o Estado Novo como um

todo, a RBG lança uma seção em 1939 intitulada “Tipos e Aspectos do Brasil”,

ilustrações feitas pelo desenhista Percy Lau que retratavam “paisagens do Brasil”, onde

se fundiam tipos sociais e os meios que lhe eram particulares. Assumindo uma função

pedagógica, o IBGE se esforçava em difundir um imaginário nacional, fortalecer o

sentimento patriótico. O interessante é que, para isto, a série reproduz uma leitura

tradicional do Brasil, foca prioritariamente em paisagens rurais e tipos sociais

enraizados no território que remetem a uma tradição nacional. Ana Daou (2008) observa

que mais uma vez o território vem associado a uma modernização contraditória,

contida:

No mapa do Brasil composto pelo artista Percy Lau, as imagens

selecionadas sugerem a consonância desejada, a convivência

harmônica e a cooperação voluntária entre brasileiros inseridos em um

mundo de permanências e lentas transformações (DAOU, 2008. pp

147-148).

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Essas imagens, os tipos e os aspectos, tomaram vida própria, ganhando livros

didáticos e mídia de grande circulação, sendo bem sucedida em sua eficácia como

imagem de representação (DAOU, op.cit.).

A formação social brasileira, sobretudo a partir da segunda metade do século

XIX, é indelevelmente marcada pela tensão constante de projetos modernizantes que

perpassam o território e o Estado. Neste sentido, o MINTER está desenhado em uma

“longa duração”19

de práticas discursivas, planos de ação e de governamentalização que

se apresentam deliberadamente como modernizantes e transformadoras. Entretanto, uma

vez aceita a ideia de que modernização implica em aprofundar as relações de produção

tipicamente capitalistas, sob os auspícios da ciência e da técnica no âmbito de um

Estado-Nação, então o que estas práticas revelam é a modernização conservadora e todo

o seu conteúdo contraditório.

Se o MINTER é efetivamente novo na máquina administrativa do Estado

brasileiro, em hipótese alguma é uma novidade em termos de ação estatal

modernizadora da sociedade projetada sobre e através do território. Outras práticas

poderiam ter sido citadas, como a “tutela aos índios” (LIMA, 1995) ou o combate às

secas no Nordeste (RIBEIRO, 2003), com maior ou menor ênfase na modernização e no

território em si.

O primeiro desenho institucional do ainda “Ministério Provisório”, depois o

MECOR e finalmente o MINTER evidenciam esta confluência nitidamente, basta um

olhar sobre as atribuições a ele incumbidas: “gestão”20

dos índios, ocupação do

território e as superintendências de desenvolvimento regional, que seriam um

aprofundamento do viés modernizante21

. O IBGE é um caso à parte. Acoplado ao

MECOR inicialmente, na Reforma Administrativa de 1967 ele aparece subordinado ao

MPCG. O porquê desta passagem não foi trabalhado pela historiografia do instituto

(pelo menos não que se tenha conhecimento), mas a partir do que se discute nesta tese é

possível formular alguns entendimentos. Por ora, na próxima e derradeira seção deste

capítulo, discute-se o caráter modernizador do MINTER, o que, em termos gerais22

, se

almeja como plano de ação sob a insígnia de modernização.

19

Pego emprestado o termo consagrado de Fernand Braudel. 20

Para uma contumaz e contundente crítica à esta noção de gestão e tutela dos índios no antigo Serviço de

Proteção ao Índio (SPI), antecessor da Funai, ver o trabalho de Antônio Souza Lima (1995). 21

Para as atribuições do MINTER ver a Introdução, para o desenvolvimento como aprofundamento da

ótica modernizante do território, ver capítulo três. Quanto ao IBGE, sobre o “pedido” de Roberto Campos

(ministro do MPCG) ver a Introdução. 22

Neste capítulo se faz esta discussão em termos gerais, nos capítulos três e quatro em termos objetivos.

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44

A modernização segundo o Ministério do Interior

Foi visto que a modernização brasileira se reveste de um caráter todo

particular, no qual estão conjugadas de maneira contraditórias forças opostas,

modernizantes e tradicionais. Foi visto ainda que as práticas discursivas e as de

governamentalização sobre o território também expressam este caráter dúbio e

contraditório. O MINTER é mais uma destas práticas, além disso, o conteúdo de seu

plano de ação reproduz o caráter do governo em que foi formulado. Mesmo com a

advertência de Velho (op.cit.), segundo a qual a modalidade autoritária do capitalismo

brasileiro independe de um regime autoritário propriamente dito23

, é preciso ter em

conta a natureza do governo militar, suas relações exatas com o conservadorismo e o

autoritarismo.

Fernando H. Cardoso (1972) analisa o caráter do regime de 1964 questionando

se seu significado seria conservador/restaurador ou revolucionário/transformador

(poder-se-ia dizer: tradicional ou moderno):

Neste sentido, não fosse para evitar a confusão semântica e a

manipulação política óbvia que ela permite, seria mais correto dizer

que o golpe de 64 acabou por ter consequências ‘revolucionárias’, no

plano econômico. (p. 53)

A inflexão política representada pelo golpe de Estado em 1964 levou à

máquina estatal um grupo de tecnocratas como Roberto Campos, Antônio Gouveia de

Bulhões, Antônio Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen, João Paulo dos Reis Veloso,

etc., nos altos e médios escalões do governo (MARTINS, 1985). Ao longo do período, a

política econômica oscilou entre contração, como na vigência do Programa de Ação

Econômico do Governo (PAEG) que controlou a inflação, arrochou os salários e

diminuiu os déficits públicos; e o expansionismo, como no “milagre econômico” (1969-

1973), com grandes aportes de investimentos.

A política econômica dos tecnocratas transformou e diversificou a economia

brasileira, aprofundando as relações capitalistas de produção no país. Neste sentido ela

foi indubitavelmente modernizante. Todavia, eles só puderam implantar esta

transformação capitalista com o respaldo das baionetas dos militares, que os deixavam

imunes à pressão popular. Decorrente disso, Cardoso (op.cit.) apresenta o contraditório:

23

“Os regimes autoritários no contexto do capitalismo autoritário […] podem ser necessários para

reforça-lo, particularmente durante momentos cruciais do seu desenvolvimento, tal qual como em seus

estágios iniciais. Todavia, não se deve confundir um com o outro.” (VELHO, 1979. p. 136)

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45

Efetivamente, o movimento de 64, em si mesmo e nos seus

desdobramentos, buscou e conseguiu consolidar a ordem social por

intermédio da repressão. Neste sentido ele teve consequências

claramente reacionárias (p. 68)

E continua:

Trata-se, pois, de um conservantismo moderno, que, no plano

ideológico, quer manter socialmente aberta uma sociedade

politicamente fechada que se baseia no dinamismo da empresa

capitalista, pública ou privada. (p. 67. grifo nosso.)

O caráter moderno do regime reside na esfera positiva de sua legitimidade

(LAFER, op.cit.) – o desenvolvimento; o conservantismo, por sua vez, se manifesta pela

forma política truculenta, inadequada ao ideal da democracia burguesa, mas também

pela composição das classes sociais. Fundamental para a sustentabilidade do governo

tecnocrático/modernizante foi a conciliação com as classes oligárquicas tradicionais, o

que inviabilizou o avanço da reforma agrária (uma pauta considerada importante para o

aproveitamento “mais racional” da terra) a despeito do Estatuto da terra (Lei nº

4504/64), que operacionalizou o conceito de latifúndio, facilitando conceitualmente a

desapropriação, inviabilizada pela prerrogativa da indenização aos proprietários

(MARTINS, 1994).

Um dos principais alvos da modernização pós 1964 foi a própria estrutura

administrativa, reformada em 1967 (Decreto-lei nº 200/64). O Decreto 54401/6424

criou

a COMESTRA, composta por doze membros – oito civis e quatro militares – com

Roberto Campos, ministro extraordinário do planejamento, como presidente (DIAS,

1969). A Reforma Administrativa foi elaborada quase que exclusivamente sob a tutela

do governo, sem participação social significativa, provendo ampla e segura liberdade de

ação à tecnocracia, que pôde atuar de maneira desimpedida de maiores pressões

(BARBOSA E SILVA. s/d). Os princípios básicos que nortearam o processo foram

inspirados nos ritos administrativos próprios da inciativa privada, com a finalidade de

racionalizar e dinamizar o funcionamento da máquina estatal.

O planejamento foi eleito como o instrumento por excelência dessa

racionalização, a descentralização de responsabilidades do executivo e a flexibilização

operacional assumiram papel central, ampliando e aprofundando o campo de

intervenção da tecnocracia no governo (MARTINS, 1985; DREIFUSS, 1981). A

24

Em seu livro sobre a Reforma, José N. Dias, que participou de sua formulação, se refere ao Decreto nº

54501, com a mesma data. Já na base de consulta do site do Senado esse Decreto se refere a outra

natureza, e o competente à Reforma é mesmo o nº 54401. (DIAS, 1969)

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46

administração pública foi fragmentada em duas categorias: direta e a indireta. À

competência da primeira, os órgãos diretamente subordinados a presidência, já a

segunda estariam as autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, com

autonomia de gestão mantida através de um vínculo mínimo ou meramente formal à

presidência ou algum ministério. Esta nova modalidade criada – a administração

indireta – foi um dos elementos centrais dessa reforma no sentido de imprimir ao setor

público a lógica operacional do setor privado, inclusive da competitividade25

.

Seguindo a mesma lógica, o princípio da flexibilização deu maior autonomia

ao funcionamento administrativo, desburocratizando o serviço público. Na prática,

segundo Barbosa e Silva (op.cit.), o que se passou foi uma intensificação do poder de

influência do capital através dos setores empresariais, que passaram a ter acesso mais

fácil, rápido e isento de explicações (devido ao caráter fechado do regime) aos

tomadores de decisões do governo.

O fato mais notado na bibliografia sobre a Reforma administrativa de 1967 é a

criação Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (MPCG), que institucionaliza

definitivamente o planejamento como procedimento básico de governo. Ao gosto da

tecnocracia, o MPCG seria a concretização dos desejados princípios de racionalização e

planejamento do governo, dotado inclusive de um instrumento muito particular, alocado

no próprio ministério, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a esfera

privilegiada de produção do saber técnico especializado voltado diretamente para

instrumentalizar a gestão. O MPCG assume funções de coordenação sobre todos os

demais setores do governo, uma espécie de “superministério” esvaziando o antigo

Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), que exercia função

semelhante desde 1938.

No âmbito econômico, o qual é dado a maior ênfase da Reforma

Administrativa, merece destaque a institucionalização de um novo sistema de gestão

econômica e financeira, com centralidade para o Conselho Monetário Nacional (CMN)

e o Banco Central. O CMN era composto por todos os ministros do setor econômico

(inclusive o MINTER) e tinha responsabilidades de grande envergadura, como a

regulamentação dos incentivos monetários (recurso importante em todo o regime

militar) e a administração de programas como o Programa de Redistribuição de Terras

(PROTERRA).

25

“A lógica da administração indireta é estabelecer um vínculo estreito com o setor privado, sendo que a

livre iniciativa terá importante papel da atuação do Estado” (BARBOSA E SILVA. op. cit. p. 7).

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47

Em suma, a Reforma Administrativa de 1967 foi um marco na formação de um

modo de governo muito próximo dos setores empresariais. Barbosa e Silva (op.cit.)

sintetiza bem o seu caráter geral:

A reforma administrativa de 1967 foi um fenômeno com duas faces

não necessariamente antagônicas. De um lado, correspondeu a um

esforço em preparar a máquina estatal para que pudesse responder

satisfatoriamente às demandas do modelo de desenvolvimento

associado ao capital externo. Para tanto, institucionalizou o

planejamento e buscou a eficiência administrativa. De outro lado,

abriu uma perigosa janela para a expansão estatal que, associada às

dificuldades de controle da administração indireta, contribuiu para a

expansão dos interesses privados no interior do Estado. (p. 14)

O economicismo é hegemônico na instalação do aparato governamental; em

torno do crescimento econômico se ajustam todas as demais funções. Modernizar

significou fundamentalmente proliferar o desenvolvimento. Mas o desenvolvimento não

é tangível pelo modelo liberal das revoluções burguesas clássicas, é necessária uma

força ativa, capaz de superar as debilidades do sistema econômico, social e político

local: o Estado centralizado, oposto ao federalismo e imune às coerções externas da

sociedade civil. O desenvolvimento é o vetor da modernização, mas, de acordo com os

planos de ação apresentados, é inviável da maneira moderna.

A partir desta ótica se dá o esforço em se identificar os “problemas brasileiros”

e as soluções objetivas para eles. Esta metodologia era difundida na Escola Superior de

Guerra (ESG) (SVARTMAN, 2006) – e foi significativa na formação de ambos os

ministros compreendidos nesta análise Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima – e

consistia em elencar os problemas para o desenvolvimento nacional e apontar o que

deveria ser feito para reverter estes problemas. Este “o que fazer” se pretendia

meramente técnico, visando o bem comum, acima dos interesses políticos. Foi por esta

metodologia dos “problemas brasileiros” que o MINTER projetou a modernização

desejada (não só este ministério, mais todo o governo) e orientou sua

governamentalização para superar os atrasos.

A modernização e sua antítese: identificando o atraso

A modernização conservadora mirou prioritariamente a transformação de

algumas instâncias da sociedade, como o Estado e as relações produtivas, visando

sempre superar através do desenvolvimento o que se objetivou como o atraso. Quase

que invariavelmente este atrasado foi identificado a uma categoria de fundamento

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espacial, basicamente o Nordeste e a Amazônia, mas também a Fronteira Sudoeste, o

“Brasil Central”, os espaços “sub-regionais”, etc. O espaço geográfico foi primordial na

definição conceitual do atraso, lhe emprestou precisão e objetividade. Este fato, que na

maioria das análises passa despercebido, acaba por reiterar uma definição conceitual

problemática, uma obliteração de relações e sujeitos “ausentes” (SOUSA SANTOS,

2007) em nome de uma classificação que abstrai os seus conteúdos, como a região o foi

neste contexto (BOURDIEU, 2007a). Cabe uma análise mais detida sobre essa

imaginação espacial.

A filosofia do progresso imputou à racionalidade moderna a primazia do

tempo. A ele se associou o caráter fundamental da mudança (SOJA, op.cit.). O espaço

foi relegado a um caráter secundário, um produto mais do que um processo. As divisões

e categorizações espaciais foram alçadas a um nível quase que “natural”, intrínsecas,

reflexos dos movimentos da sociedade ao invés de substantiva deles. As formas

territoriais da modernidade eurocêntrica, dividida em espaços fechados de soberania

estatal que reproduzem a mesma lógica taylorista de divisão social do trabalho

(POULANTZAS, 2000), e a construção das identidades nacionais estreitamente

atreladas ao pertencimento a um território (HOBSBAWM, 1990), cristalizaram as

divisões territoriais como categorias intrínsecas.

O espaço esteve associado à estagnação, oposto ao dinamismo do tempo. Por

esta estagnação, foi convertido em representação, modelo congelado de uma dada

situação que só pode ser visualizada fora do fluxo incessante do tempo. O tempo seria

caótico por ser movimento, o espaço seria coerente por ser o repouso:

Para começar, notem que há duas coisas acontecendo aqui:

primeiramente, a questão de que a representação, necessariamente,

fixa e, portanto, amortece e deprecia o fluxo da vida; e, segundo, que

o produto desse processo de amortecimento é o espaço (MASSEY,

2008. p.52)

Condenado à condição de estável, as diferenças geográficas tornam-se

essencializadas, com estatuto ontológico próprio:

A conceituação do espaço moderna, territorial, compreende a

diferença geográfica como sendo constituída, primariamente, através

de isolamento e separação. A variação geográfica é pré-constitutiva.

(Idem, Ibid., p.106)

Forjada sob a clausura de partes perfeitamente delimitadas e justapostas, a

exemplo de um quebra-cabeça onde as peças se encaixam simetricamente, sem

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sobreposição; as unidades compartimentadas da geografia são ainda expostas a uma

hierarquização cujo critério básico seria a localização no tempo. As diferenças

geográficas são reduzidas, por essa operação, por sequências em uma mesma evolução

histórica, uma história linear e universal:

Além disso, sob a modernidade, não apenas o espaço foi concebido

como dividido em lugares delimitados, como esse sistema de

diferenciação foi também organizado de uma maneira particular.

Resumindo, a diferença espacial era concebida em termos de

sequencia temporal. ‘Lugares’ diferentes eram interpretados como

estágios diferentes em um único desenvolvimento temporal. Todas as

estórias de progresso unilinear, modernização, desenvolvimento, a

seqüência de modos de produção…representam esta operação. A

Europa Ocidental é ‘avançada’, outras partes do mundo encontram-se

‘um pouco atrás’, e outras, ainda, são ‘atrasadas’. ‘A África’ não é

diferente da Europa Ocidental, é (apenas) atrasada. […] Requalificar

eufemisticamente ‘atrasado’ como ‘em desenvolvimento’, e assim por

diante, não contribui em nada para alterar o significado, e a

importação da manobra fundamental: a de tornar a heterogenia

espacial coexistente uma única série temporal (Idem, Ibid., p. 107)

Toma-se o espaço pelo tempo. O MINTER é emblemático desse imaginário.

Pode-se citar, por exemplo, o excerto a seguir, extraído de um artigo da revista

INTERIOR26

que faz referência a Roberto Cavalcanti de Albuquerque27

, técnico do

IPEA e Secretário Geral do MINTER entre 1979 e 1985, quando a pasta era comandada

por Mario David Andreazza, é reveladora:

E a dimensão espacial só vem preocupar quando se diagnosticam

desequilíbrios de níveis ou ritmos de desenvolvimento, especialmente

quando se localizam, regionalmente, defasagens ‘temporais’ de

crescimento, ou seja, ‘atrasos’ relativos, localizados na dinâmica do

processo econômico-social. (INTERIOR, n. 28, Setembro/Outubro de

1979. p. 4.)

A passagem de Roberto Albuquerque pelo MINTER não coincide com o

intervalo temporal exposto a esta análise. A bem dizer, ela é muito mais representativa

de um momento do ministério em que ele já estava muito mais adequado à linguagem e

o pensamento tecnocrático ortodoxo, muito mais familiarizado à ortodoxia econômica

do que à geografia. De toda forma, ela torna-se ilustrativa da prática do ministério com

26

A revista INTERIOR foi uma publicação bimestral editada pelo MINTER entre 1974 e 1989 e

distribuída gratuitamente para escolas e departamentos públicos de todos os municípios do Brasil. Ela foi

muito aproveitada como material informativo e até didático, nas escolas. Minha dissertação de mestrado

foi toda ela dedicada à revista (IORIO, 2010). 27

A matéria de onde se extraiu o excerto não traz identificação de autor, mas dá a entender que Roberto

Cavalcanti de Albuquerque é o autor das ideias veiculadas.

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tal clareza que não havia até então, sobretudo no seu período de montagem e

institucionalização, que aqui se analisa mais pormenorizadamente.

Três anos depois, o mesmo autor retoma o mesmo tema na mesmíssima

INTERIOR para reforçar a crença na variável espacial:

O planejamento está comumente mais à vontade com a perspectiva

temporal do que com a dimensão espacial do desenvolvimento. Seus

métodos, seus modelos de análise têm se revelado mais aptos para

captar, compreender e explicar sua evolução no tempo do que sua

projeção no espaço.

Essa historicidade do planejamento ocorre tanto no plano teórico

como no aplicado: frequentemente faz-se abstração da variável

espaço, projetando-se, no tempo – passado e futuro –, todo esforço de

análise e previsão. E a dimensão espacial somente preocupa quando se

diagnosticam desequilíbrios de níveis ou de ritmos de

desenvolvimento – sintomaticamente, quando se localizam,

regionalmente, defasagens ’temporais’ de crescimento, ‘atrasos’

relativos localizados na dinâmica do processo econômico-social.

(INTERIOR, n. 43, Março/Abril de 1982. p. 33)

Perceba-se que há uma sutil diferença na perspectiva apresentada no primeiro

excerto. Esta diferença fica mais clara algumas páginas posteriores:

Essa inserção da variável espacial, no entanto, torna-se mais fácil

quando a preocupação obsessiva pelo desempenho se mescla com a

consideração da questão da repartição de seus benefícios (Ibid,

Ibidem. p.38)

O conjunto de excertos é sintomático. A imaginação desenvolvimentista é

inequivocamente temporal, o espaço deve ser percebido quando algum lugar “ficou para

trás”, e ficar para trás significa não estar de acordo com os imperativos da modernidade,

ser atrasado. Desenvolver é fazer avançar no tempo, como se o tempo fosse algo como

um circuito a ser percorrido.

Esse imaginário espacial foi muito bem acomodado no plano de modernização

conservadora que estava sendo empregado pelo MINTER e pelo regime militar como

um todo. A transformação capitalista proposta identificou a sua antítese a ser superada,

preservando determinadas relações sociais e mirando outras. O espaço adequou-se como

o enquadramento perfeito para tornar o atraso algo palpável sem nomear atores sociais

específicos, o que incorreria no risco de afrontar interesses poderosos: era preciso

desenvolver o Nordeste, ocupar a Amazônia, enfim, transformar os lugares atrasados.

Esta transformação visava recuperar defasagens temporais mensuradas basicamente pela

eficiência no ciclo de reprodução do capital. Os lugares modernos eram eficientes na

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conversão do investimento em lucro, ao passo que os atrasados eram pouco dinâmicos

nesse sentido.

De fato, houve uma transformação técnica do território: “Objetivamente,

tratou-se de uma eficácia técnica inédita, na maneira através da qual se deram a infra-

estrutura setorial e as formas de intervenção do Estado no território” (BOMFIM, 2007.

p.338). A máxima geopolítica de “fazer coincidir o espaço econômico ao espaço da

nação” (Ibidem. p. 277) se fez valer. Avolumou-se a infraestrutura de circulação e

transportes, majoritariamente através das vias rodoviárias que cortaram o território do

país de Norte a Sul e de Leste a Oeste; no tocante às energias, um setor particularmente

relevante naquele contexto haja vista a crise internacional em curso, houveram

investimentos maciço em hidrelétricas (as alternativas, como a nuclear, não produziram

grandes resultados, e o álcool só foi pensado estrategicamente mais tarde); ocorreu

também um desenvolvimento quantitativo e qualitativo das telecomunicações,

propiciando vias de comunicação dentro do território muito mais eficientes que as

rodovias; na agricultura deu-se a intensa mecanização e avanço das fronteiras agrícolas;

na indústria se viu a implementação de um complexo de indústria de base,

principalmente de insumos básicos. Não se pode ignorar que esta modernização se deu a

expensas de custos significativos: a proliferação e o aprofundamento de conflitos

sociais, perseguições políticas, desapropriação de colonos e ribeirinhos nas áreas de

fronteira, empobrecimento da população através dos arrochos salariais e concentração

cada vez maior de renda.

Esta lógica de modernização teve por pretensão “aniquilar o espaço pelo

tempo” (HARVEY, 1992), pensar o espaço para diminuir suas fricções, favorecer o fluir

do capital. O tempo se conjugou à fluidez da modernidade e o espaço à resiliência do

atraso. Objetivamente, o discurso dos desequilíbrios regionais se norteou pela premissa

de homogeneização do espaço enquanto eficiente plataforma de produção do lucro.

Mas isso não foi suficiente para delimitar o atraso, pois se incluiria nesta

categoria as relações produtivas baseadas na propriedade da terra. Estas formas foram

preservadas, e os fazendeiros capitalizados e convertidos em empresários. Já os grupos

com menor expressão política, como índios, ribeirinhos e todas as formas da agricultura

familiar, foram vorazmente combatidos. A arbitrariedade desta escolha pôde ser

legitimada pela obliteração dos sujeitos representados por suas unidades geográficas

estáveis e essencializadas, situadas à frente ou atrás na corrida do tempo. A tomada do

espaço pelo tempo foi a expressão territorial da modernização conservadora, da

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transformação social tutelada, na medida em que possibilitou definir o atraso sem

especificar relações sociais.

* * *

O que se procurou evidenciar neste capítulo foi a política de modernização –

por modernização entenda-se transformações sociais em direção ao aprofundamento das

relações capitalistas de produção baseadas na esfera política do estado-nacional

ancoradas na racionalidade moderna – levada a cabo pelo MINTER. Tentou-se mostrar

que esta modernização nunca foi plena (de acordo com a noção conceitual do termo), no

sentido de que nunca rompeu radicalmente com a sociabilidade precedente. O território

foi situado como fator de primeira ordem para a viabilidade desta política de

transformação/conciliação. Ele foi bastante útil na medida em que através dele se deu

contornos definidos e claros ao “atraso”, sem nomear classes, grupos e sujeitos sociais

específicos. O Nordeste, a Amazônia, o Brasil Central, entre outros lugares geográficos,

identificaram um objeto a ser interposto, mas não apontaram exatamente as relações

sociais da interposição. Não que este “artifício” tenha sido deliberadamente aplicado

com esta finalidade, é mais contundente pensar que esta racionalidade se insere no

imaginário espacial que toma o espaço por unidades fechadas e estáticas, hierarquizadas

a partir do tempo.

Na prática, é possível se evidenciar que essa política de modernização foi

operacionalizada através da afirmação de campos de poder que se enraízam e passam a

conduzir, nomear, classificar e comandar uma parcela significativa da vida social do

Brasil. Estes campos de poder se concretizam em grande medida através de uma prática

de governamentalização assentada em tradições do conhecimento que remontam ao

pensamento social brasileiro, autores como Alberto Torres, Oliveira Vianna e Euclides

da Cunha (cada um a seu modo), reformuladas pela vigorosa mundialização do

capitalismo após a Segunda Guerra Mundial. Estas tradições do conhecimento foram

implantadas pelo MINTER nos planos de ação de governamentalização a partir dos

ministros responsáveis, Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima. Estes, por sua vez,

entraram em contato e debitaram crédito a estas modalidades discursivas ao longo de

suas respectivas formações e atuação profissional e política28

, decisivas nas

representações de cada um deles sobre o país, seus problemas e suas soluções. Estas

28

No caso da geração de militares da qual pertencem ambas as personalidades mencionadas, a atuação

profissional e política se interpenetram de maneira significativa, ver Svartman (2006).

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experiências nos respectivos movimentos, instituições e agremiações políticas são a

matéria do próximo capítulo.

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2. SUJEITOS, TRADIÇÕES DO CONHECIMENTO E FORMAÇÃO MILITAR:

OS FUNDAMENTOS DA GOVERNAMENTALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO

Na Introdução desta tese procurei mostrar que a institucionalização do

MINTER revelada a partir dos planos de governamentalização do território se devem,

em seus aspectos mais fundamentais, ao desígnio de campos de poder em formação no

Brasil da segunda metade do século XX, seguindo a proposição teórica dos campos de

Bourdieu (2007). Ainda segundo esta proposta, as ações internas a um campo, seja ele

de qualquer natureza, se devem a diferentes “propriedades atuantes”; ou seja, o capital

que circula, seja ele monetário, simbólico, político, etc. No campo de poder, o poder em

si é o capital circulante.

Este poder é relacional, e seu alcance é determinado pela posição social do

sujeito no conjunto das relações sociais do campo. Aproveitando as palavras de

Bourdieu (op.cit.):

A forma que se reveste, em cada momento e em cada campo social, o

conjunto das distribuições das diferentes espécies de capital

(incorporado ou materializado), como instrumentos de apropriação do

produto objectivado do trabalho social acumulado, define o estado das

relações de força – institucionalizadas em estatutos sociais duradoiros,

socialmente reconhecidos ou juridicamente garantidos –, entre agentes

objectivamente definidos pela sua posição nestas relações. Esta

posição determina os poderes actuais ou potenciais nos diferentes

campos e as probabilidades de acesso aos ganhos específicos que eles

ocasionam (p. 135)

A posição nas relações de poder derivam do capital circulante que dispõe seus

agentes, que os mobilizam para fazer valer seus programas e projetos. Ao analisarmos a

correlação de forças que se define com o golpe de 1964, salta aos olhos o enorme

capital de poder que dispõe a instituição das Forças Armadas, particularmente o

Exército, e, sobretudo, os oficiais de alta patente que, além de serem influentes no

interior da corporação, possuem bom trânsito em segmentos da sociedade que também

desfrutam de capital de poder considerável. Esta posição privilegiada não deriva

somente do poder das baionetas, mas sim de um poder acumulado ao longo da trajetória

do Exército desde o final do século XIX. Por esta razão que, neste capítulo, me

disponho a analisar esta trajetória institucional e também as trajetórias individuais dos

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dois ministros que imprimiram o conteúdo da institucionalização do MINTER, o mal.

Cordeiro de Farias e o gal. Albuquerque e Lima. Eles são apreciados enquanto

portadores de certas tradições do conhecimento e performadores da realidade social. Por

performadores entenda-se aquilo a que Bourdieu (2007a) chama de poder performativo,

como no caso do discurso regionalista:

O discurso regionalista é um discurso performativo, que tem em vista

impor como legítima uma nova definição das fronteiras e dar a

conhecer e fazer reconhecer a região assim delimitada – e, como tal,

desconhecida – contra a definição dominante, portanto, reconhecida e

legítima, que a ignora. O acto de categorização, quando consegue

fazer-se reconhecer ou quando é exercido por uma autoridade

reconhecida, exerce poder por si: as categorias ‘étnicas’ ou

‘regionais’, como as categorias de parentesco, instituem uma realidade

usando do poder de revelação e de construção exercido pela

objectivação no discurso.(p. 116)

Essa capacidade de objetivação do discurso é um elemento de primeira

relevância. A modalidade discursiva performativa do MINTER é o reconhecimento de

modos de ver e interpretar a realidade, ao mesmo tempo em que contribui para

fortalecê-las. A encarnação mais clara está nos planos de ação do ministério, que segue

uma ordem hierárquica da estrutura e funcionamento do Estado e do governo, que

começa pelo presidente da República e a política geral de governo, a quem o ministro é

subalterno. A pasta é encabeçada pelo titular, que escolhe seus assessores imediatos.

Esta cúpula da hierarquia define o plano de ação1 que será repassado para seus técnicos,

encarregados de executar os planos. Todos os momentos desse movimento

administrativo são relevantes e, pelo princípio da multiescalaridade (BENSA, 1996),

para cada qual tem uma preponderância diferente. Se o objetivo da investigação repousa

mais sobre os planos enquanto ideia primária, orientação geral, então a esfera

presidencial e/ou a cúpula ministerial são mais interessantes. Já se o que se procura são

os princípios da prática em si, então o papel dos técnicos tem que ser mais relevado.

Nesta pesquisa o mais relevante não está nem um nem noutro extremo. Importa

mais o intermediário entre eles. Interessa o plano ideal (idealizado) transformado em

plano de ação, modificado pelos imperativos da prática; ou seja, nem o plano nem a

ação, mas aquele confrontado a este. As Exposições de Motivos, material básico desta

1 O Artigo primeiro do Decreto nº 54026 de 17 de julho de 1964 diz em seu caput: “Incumbe ao

Ministério de Estado Extraordinário para a Coordenação dos Organismos Regionais:” alínea “f”:

“estabelecer o planejamento global das atividades do Ministério, fixando a coordenação, as propriedade

(sic) e os contrôles (sic) das obras e serviços”

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análise2, revelam exatamente isso, a mediação entre essas duas esferas. Esta mediação é

feita pelo ministro. É por ele, por exemplo, que muitas das reivindicações dos

funcionários se fazem chegar ao presidente, p.ex., enquadramento de carreira, liberação

para treinamento e aperfeiçoamento, liberação para prestar serviço em outro órgão, ou

mesmo sobre parte substancial da ação do MINTER, como pedido de máquinas e

equipamentos, revisão do orçamento, etc. Enfim, o ministro é o sujeito preponderante

da análise que esta investigação se presta a fazer. É ele o mentor fundamental (embora

não único) do plano de ação e governamentalização do MINTER.

Por esta razão que se dedica este capítulo à apreciação destes sujeitos.

Considera-se que as suas convicções, suas maneiras próprias de ler e interpretar a

realidade nacional são fundantes da prática de governamentalização que se forma. Estas,

por sua vez, definem-se, em grande medida, pelos espaços de formação profissional

desses sujeitos, as agremiações políticas que se associam e/ou se identificam, as

tradições do conhecimento pelas quais se familiarizam, simpatizam ou tomam ojeriza.

Tudo isto se confunde com os posicionamentos políticos e ideológicos dos sujeitos em

questão, revelados nos grandes debates nacionais em que eles se manifestaram.

Na primeira parte se faz uma apreciação metodológica para elucidar os termos

da investigação. Na seção seguinte o foco é o processo de profissionalização das Forças

Armadas no seio do campo político no Brasil – chegando ao ponto de configurar-se

enquanto uma classe de força expressiva – consoante com os grandes temas que

mobilizaram notórios e decisivos debates nacionais; a esta classe pertencem os generais

Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima. Este enquadramento se faz necessário porque é

um elemento decisivo na definição do capital social que circula nos campos de poder

em questão. Por fim, analiso a posição social dos sujeitos (ministros) a partir de suas

trajetórias pessoais.

Objetivação metodológica dos “sujeitos”

Os ministros têm posição privilegiada para a compreensão da prática de

governamentalização do MINTER, eles são efetivamente os sujeitos da pesquisa. Tal

assunção exige um recorte metodológico da noção de “sujeito” enquanto categoria de

análise. Os sujeitos aqui definidos tem uma identidade nominal, uma formalização que

os individualizam: Osvaldo Cordeiro de Farias e Afonso Augusto de Albuquerque Lima

2 Ver Introdução.

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são os nomes pelos quais identificamos estes indivíduos. Mas o que isso precisamente

quer dizer? Pierre Bourdieu (1996) levanta questionamentos sobre essa identidade

imediata e precisa, para ele:

Por essa forma inteiramente singular de nominação que é o nome

próprio, institui-se uma identidade social constante e durável, que

garante a identidade do indivíduo biológico em todos os campos

possíveis onde ele intervém como agente, isto é, em todas as suas

histórias de vida possíveis. (p.186)

E continua:

A nominação e a classificação introduzem divisões nítidas, absolutas,

indiferentes às particularidades circunstanciais e aos acidentes

individuais, no fluxo das realidades biológicas e sociais. Eis por que o

nome próprio não pode descrever propriedades nem veicular nenhuma

informação sobre aquilo que nomeia: como o que ela designa não é

senão uma rapsódia heterogênea e disparatada de propriedades

biológicas e sociais em constante mutação, todas as descrições seriam

válidas somente nos limites de um estágio ou de um espaço. (p.187)

A advertência de Bourdieu é – não sem causar alguma estranheza – bastante

válida. Sua crítica está dirigida à “ilusão biográfica”, título do seu artigo. Segundo este

autor, as biografias e autobiografias (sobretudo estas), valendo-se de um pressuposto

inquestionável da unidade e individualidade do sujeito, fundada em um aporte que

associa uma identidade a uma unidade biológica, incorrem em montar uma trajetória de

vida linear com um sentido, já anunciado e imanente à vida daquele sujeito desde a mais

tenra idade. Como se necessariamente, inevitavelmente, o transcorrer da história de vida

conduziria à condição atual do sujeito. A trajetória de vida passa a ser, por esta lógica,

uma recomposição de fatos que são sequencialmente ordenados para chegar-se a um

fim, aquele já conhecido ou, pelo menos, já manifesto desde o “início”. Trata-se de uma

criação artificial de sentido, que não parte da busca de uma coerência no processo em si

(a vida), mas a coerência é presumida, preestabelecida pela veracidade da unidade

biológica nominalmente identificada.

Os indivíduos, ainda para Bourdieu, fazem sentido em suas ações efetivas

dentro de relações objetivas:

Os acontecimentos biográficos se definem como colocações e

deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos

diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das

diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo

considerado. O sentido dos movimentos que conduzem de uma

posição a outra (de um posto profissional a outro, de uma editora a

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outra, de uma diocese a outra etc.) evidentemente se define na relação

objetiva entre o sentido e o valor, no momento considerado, dessas

posições num espaço orientado. O que equivale a dizer que não

podemos compreender uma trajetória (isto é, o envelhecimento social

que, embora o acompanhe de forma inevitável, é independente do

envelhecimento biológico) sem que tenhamos previamente construído

os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o

conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado –

pelo menos em certo número de estados pertinentes – ao conjunto dos

outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o

mesmo espaço dos possíveis. (Ibid, Ibidem. P.190)

Grosso modo, o que Bourdieu parece querer chamar a atenção é para uma

excessiva individualização do sujeito, isto é, o reconhecimento de sua identidade e ação

social determinada pela sua trajetória individual de vida. No entanto, esta trajetória não

é tão individual quanto possa parecer, ela é, outrossim, um percurso que atravessa

estruturas sociais diante das quais o indivíduo vai tomar partido, vai executar sua ação

em relação ao campo. Isto não implica em desconsiderar o corte longitudinal que

desenha a trajetória do sujeito, mas sim tirar o seu suposto papel determinante e evitar a

tomada essencializada, teleológica dessa trajetória.

O posicionamento de um sujeito não se encontra na sucessão justaposta de

fatos que recompõe a sua vida, mas sim pelo deslocamento da ação desse sujeito em

diferentes campos sociais. O sentido desse sujeito está no significado das experiências

vividas situadas em relação aos espaços sociais percorridos. Por esta perspectiva a

apreciação dos sujeitos sociais é elevada para o cômputo das instituições sociais que dão

sentido à sua ação social, e não se restringe à unidade biológica nominada que cumpre

um devir, uma história linear. As instituições e os campos sociais não servem apenas

como enquadramento do indivíduo, mas lhe são partes constitutivas. Este é o sentido de

“biografia” que está empregado neste texto: uma trajetória de vida cujo sentido reside

nos deslocamentos entre situações, instituições e campos sociais protagonizados pelo

sujeito.

A ideia de deslocamento cumpre papel importante nesse raciocínio, faz com

que a passagem de uma situação a outra continue a ser relevante, ainda que não

enquanto sucessão de fatos. A experiência vivida em uma dada circunstância, os

conhecimentos assimilados, os capitais simbólico, político, cultural, intelectual, etc.,

adquiridos são postergados e associados ao sujeito em suas situações futuras, não de

forma mecânica, mas relacional.

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As personalidades aqui em voga são de grande vulto na história do século XX

no Brasil, vivenciaram ativamente fatos importantes para os rumos políticos, sociais e

econômicos do país. Suas visões de mundo, seus projetos de país e, principalmente, seu

capital dentro do campo de poder são forjados nessas experiências. Há um fator de

relevância máxima nesta condição de classe desses sujeitos: a instituição que

compunham. O Exército brasileiro e suas transformações ao longo do século XX

imprimiu uma marca indelével na vida pessoal destes ministros e foram definidores de

seus capitais sociais.

A bem dizer, ambos fizeram parte de uma geração de militares que se

convenceram do “papel cívico” da corporação (i.e., legitimação da interferência na

política dos detentores das armas). Vivenciaram um processo de incremento da

relevância social das Foças Armadas, através de sua organização e profissionalização

impulsionada pela Guerra do Paraguai (1864-1870) e acirrada com os episódios de

abolição da escravatura e proclamação da República (1888 e 1889, respectivamente).

Tinham como ícones militares como o Marechal Floriano Peixoto, símbolo da

valorização da corporação e do ideal republicano, em um país dominado pelas

oligarquias regionais, escravistas e monarquistas. Esta geração formou-se com ímpeto

de atuação política e posicionamento intelectual, além das funções militares.

Esta geração encabeçará o movimento conspiratório que resulta no golpe de

1964. Seus oficiais transcendem as casernas para se fazerem ativos nos embates

políticos, ideológicos e intelectuais no tocante às questões sobre os rumos da

modernização brasileira., a bem da verdade, estes oficiais veem a si mesmos como a

própria encarnação da modernização. Esta representação da corporação e do país são

traços distintivos, bandeiras características de algumas das instituições e socializações

que tecem este enredo, como a ESG, o Clube Militar e a Força Expedicionária Brasileira

(FEB). Ou seja, as ideias e ideais gestadas nas Casernas penetram nos campos

intelectuais e políticos, fazem-se marcar no debate público.

Apesar de não serem intelectuais, no sentido mais usual do termo, Cordeiro de

Farias e Albuquerque Lima, entre outros desta geração, através desta institucionalidade

e sociabilidade, inundam o debate das ideias com suas formulações e projetos para o

país; inclusive, enquanto statemakers, instituiram meios de regulação da vida social,

legitimando e sendo legitimado por tradições do conhecimento; coo diz Sérgio Nunes

Pereira (s/d), os militares constituíram verdadeiros “domínios de saber a partir de

práticas sociais de controle do território e de populações” (s/pág.)

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60

As diversas esferas concedem a esses sujeitos, além de uma modalidade

discursiva com ampla penetração, legitimidade para alcançar posições mais distintas,

como a de ministros. Interessante notar que concorrem para essa legitimação não só as

ações legais, mais inclusive as práticas extraoficiais, como as conspirações e rebeliões,

que fazem parte da biografia de ambos, ao que Alfredo Wagner Almeida chama de

“legitimidade contrastante” (1978).

Também não é possível negligenciar o papel fundamental que os espaços

formais de ensino e formação desses sujeitos têm na formação de suas práticas. Não

foram poucos estes espaços que os ministros percorreram: Escola Militar, Escola

Superior de Guerra e Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) são

alguns exemplos por onde passaram ambos os ministros. Estes espaços institucionais

são fundamentais enquanto lugares do “saber legítimos”, definem esquemas de

pensamento, produzem uma homogeneidade lógica, uma comunhão de conceitos, um

compartilhamento de linguagens. A escola não apenas transmite saberes técnicos, mas

cria consenso cultural. É aí que se definem temas compartilhados, ainda que existam

divergências, a primazia da definição das “questões relevantes” e os modos de trata-los

é da escola (BOURDIEU, 2007b):

O que os indivíduos devem à escola é sobretudo um repertório de

lugares-comuns, não apenas um discurso e uma linguagens comuns,

mas também terrenos de encontro e acordo, problemas comuns e

maneiras comuns de abordar tais problemas comuns. (BOURDIEU,

2007b. p. 207)

A cultura é ordenada, os saberes hierarquizados; definem-se classes, elegem os

clássicos. Exemplo disso são os manuais didáticos, sínteses objetivas do que “realmente

é importante”. A escola faz muito mais do que transmitir conhecimentos, ela insere o

indivíduo em esquemas de habitus determinados. Seu próprio funcionamento – com

suas regras, o comportamento exigido, as rotinas, a hierarquia, etc. – cumpri também

esta função, não só os conteúdos. O habitus entendido como o comportamento dos

indivíduos dentro de determinados campos, segundo a estrutura interna do mesmo e o

seu ímpeto particular, sua condição e situação de classe (BOURDIEU, 2007a).

O ensino especializado gera identidades corporativas, nas quais cada sistema

de ensino se propõe a valorizar a si mesmo em detrimento do outro, construindo uma

hierarquia de valores que o favorece. Provido dessa hierarquia o próprio indivíduo

busca a valorização de si através da valorização de seu grupo. As escolas também são

eficientes em criar laços de solidariedade, compromissos mútuos, através do convívio

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cotidiano. O esprit de corps militar é exemplar disso. Muito forte nos sujeitos aqui

analisados, esse sentimento de pertencimento corporativo e respeito à hierarquia foi

determinante para a coesão entre os militares em alguns momentos agudos do regime

pós-64, o exemplo mais claro foi a sucessão presidencial de Castello Branco, em 1966 e

67, que desagradou parte significativa da corporação, que se resignou diante da

prerrogativa de manter a unidade. Dentre os insatisfeitos, um dos mais notórios foi o

Marechal Cordeiro de Farias, que abandona o posto de ministro do MECOR.

O sistema de ensino formalizado tem ainda a prerrogativa de distinguir

indivíduos, separa os letrados, que tem acesso a um sistema de linguagem sofisticado e

elaborado, dos populares, sujeitos a um sistema construído nas relações imediatas de

trabalho e necessidades concretas. A cultura letrada, diferentemente da popular, tem na

escola e outros estabelecimentos de ensino um instrumento de objetivação de seu saber.

Como será visto, essa identificação enquanto elite letrada é um dos componentes

básicos do discurso que defende a “missão cívica” dos militares.

Enfim, as instituições escolares cumprem papel destacado na conformação dos

sujeitos, seja por meio dos laços de intimidade, pelo compartilhamento de princípios, as

hierarquias, a delimitação de um nós em relação aos outros, p.ex., nós, os letrados, e os

outros, incultos e incapacitados. A escola consagra ainda modos de ver e interpretar a

realidade, esta função é um de seus mecanismos mais eficazes, pois pode contribuir em

grande medida à consagração de verdades, que são postergadas. É um componente

importante para o entendimento das modalidades discursivas convertidas em

governamentalização no MINTER. Alfredo Wagner de Almeida capta bem esta tarefa

em sua análise sobre os discursos sobre a Amazônia, donde ele resgata o conceito

foucaultiano de Archivo:

Archivo como genealogia, consiste num registro variado de

formulações, argumentos, noções operacionais, impressões, metáforas

e figuras de retórica, que se acham ‘arquivados’, de maneira

inconsciente, na representações de diferentes explicadores,

comentadores regionais e intérpretes, que os reproduzem

acriticamente, num automatismo de linguagem, de acordo com um

léxico singular que é acionado a cada vez que se fala de ou sobre a

Amazônia (ALMEIDA, 2008. p. 11)

As escolas efetivamente consagram tradições do conhecimento, compartilhadas

pelos grupos sociais em suas diferentes relações. Os saberes compartilhados, o esprit de

corps, os laços interpessoais de compromisso e identidade social, a constituição de

círculos de afinidades (BERDOULAY, 2008) na corporação militar e para fora dela,

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elevam o capital social dos seus agentes na medida em que essa corporação eleva sua

capacidade dentro dos campos de poder em que está concorrendo.

Este é o universo complexo que se materializa na noção de “sujeito”. O

universo biográfico dos ministros está concebido no conjunto relacional dos processos

sociais significativos na constituição deles. Por esta razão que é preciso um aporte sobre

as instituições, fatos e acontecimentos mais significativos na conformação desses

sujeitos em tela, o que, em grande parte, se confunde com a institucionalização das

Forças Armadas e a criação de um esprit de corps militar que será determinante nas

convicções políticas e ideológicas deles, e em suas inserções nos debates nacionais.

O material básico que se parte para interpretar essas biografias, sempre a luz do

que interessa a esta pesquisa, foi extraído dos Verbetes Biográficos com os respectivos

nomes dos ministros, que constam no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro

(BELOCH, 1984) do CPDOC/FGV. Para o ministro Cordeiro de Farias, contou-se ainda

com as suas próprias memórias feitas em depoimento concedido a Aspásia Camargo do

mesmo CPDOC/FGV e a Walder de Góes, publicadas em livro (FARIAS, 2001). A

ressalva de Almeida (1978) é cabível:

Os ‘dados biográficos’ porém, são erigidos com material extraído de

esboços realizados pelos intérpretes-biógrafos, que delineiam a

trajetória do autor, e cuja narrativa obedece a regras que perfazem um

modelo de como construir biografias. Um certo distinguir na escolha

do que deve constar no esboço biográfico, advém destas regras e

sendo sua própria atualização, leva os intérpretes do autor e sua obra a

registrar certos nomes e desprezar outros, a privilegiar certas

instâncias e instituições ignorando outras. (p. 24)

Para amenizar essa dependência à visão consagrada pelos seus biógrafos ou as

próprias memórias, utilizaram-se algumas fontes primárias disponíveis no arquivo

pessoal de Cordeiro de Farias, depositados no CPDOC/FGV do Rio de Janeiro, e outros

documentos sobre Albuquerque Lima, que constam no Arquivo Nacional de Brasília.

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Profissionalização, corporação e intervencionismo: o Exército brasileiro na política

nacional3

Manuel Domingos Neto (1980) abre seu texto com as seguintes palavras:

Explicar o posicionamento de políticos fardados sem levar em

consideração a instituição a que pertencem é pueril e arriscado. Pueril,

porque academicamente insustentável. Arriscado, porque seria difícil

não chegar a conclusões errôneas. O sentido da intervenção política

dos militares está necessariamente vinculado à realidade de suas

corporações (p.43)

Este é o sentido desta seção, apreciar a corporação militar enquanto parte

constitutiva dos sujeitos desta pesquisa. As Forças Armadas viveram acentuadas

transformações da segunda metade do século XIX no Brasil, passaram de uma condição

de ostracismo e desprestígio à elite protagonista. Este processo envolveu passagens

conturbadas e uma profissionalização da instituição considerável. Isto é o processo que

interessa nesta seção. Evidencia-se que as Forças Armadas atravessam esse processo

formando um verdadeiro esprit de corps vigoroso estre seus oficiais, identificam-se

como elite intelectual e técnica, difundem um sentimento de “dever cívico”, uma

espécie de compromisso moral de tutela para com a sociedade civil, se colocaram como

vanguarda da modernização brasileira.

O aprimoramento da corporação contou com a criação de espaços de formação

e aperfeiçoamento que abrangia vasta área do saber, não só restritamente militares, mais

a evocação de questões nacionais, políticas e econômicas. Isso foi sintetizado mais tarde

na ideia de “guerra total” (COUTO E SILVA, 1981), formulada na ESG, uma das

instituições militares mais intelectualizadas, razão pela qual lhe foi atribuía a alcunha de

Sorbonne militar brasileira (VLACH, 2002-2003). A ampliação do escopo de atuação

dos militares é consoante com uma auto identidade da corporação como reserva moral e

técnica do país, o que os credenciaria como aptos a assumir funções de condução

política, econômica e social, não só como um direito, mas como um dever cívico.

As questões territoriais não poderiam passar a esmo, dada mesmo a natureza da

corporação. Nelson Werneck Sodré (2010) chega a dizer que a missão militar, desde a

independência (que ele classifica como a fase autônoma), foi primordialmente defender

e garantir a unidade territorial, salvaguardar as fronteiras, policiar as províncias para

impedir separatismos. O envolvimento profissional dos militares com a manutenção do

3 Esta seção está estruturada fundamentalmente inspirada no trabalho de José Murilo de Carvalho (2006).

Feita essa advertência, o texto que segue evita fazer citações excessivas do trabalho mencionado.

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status quo territorial, assim como as próprias exigências do exercício de preparação para

o combate propriamente dito, fazem com que esta classe esteja sempre em íntimo

contato com o saber geográfico, incitada mesmo a formulá-lo em consonância com seus

objetivos particulares.

O envolvimento dos militares com o saber geográfico não é novidade,

tampouco privilégio da corporação brasileira. Na França, por exemplo, sabe-se de uma

geografia militar apurada desde a derrota na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871).

Phillipe Boulanger (2006, 2011) analisa a formação deste saber. A princípio, apartada

da escola francesa que contemporaneamente se forma nas universidades, a geografia

militar é influenciada pelo determinismo geográfico na procura por um conhecimento

majoritariamente físico dos terrenos onde no futuro poderiam ocorrer as batalhas.

Durante a Primeira Guerra, por intermédio do Serviço Geográfico do Exército (Service

Géographique de l’Armée), este saber converte-se em sofisticado arsenal técnico de

mapeamento e levantamento de dados sobre os terrenos. Após a Primeira Guerra, este

saber se encontra com aquele universitário, com alguns oficiais desenvolvendo

doutorado na Sorbonne inclusive, amplia seu escopo de análise para investigar questões

como as religiões e as línguas, influenciada pelos métodos da geografia humana

vidaliana. É neste momento que, segundo Boulanger, passa-se de uma geografia da

guerra para uma verdadeira Geografia Militar, que sofrerá posteriormente com certo

esvaziamento em função de abordagens como a geopolítica e a geoestratégia, mais

sedutoras para os parâmetros de combate do após Segunda Guerra Mundial, menos

preso às batalhas campais.

Portanto, a geografia militar é algo muito mais complexo do que o simples

inventário de formas terrestres e posições cartográficas. Mirando a Primeira República

brasileira, Sérgio Nunes Pereira (s/d) delimita, mesmo que preliminarmente, uma noção

de geografias militares:

Numa caracterização preliminar, as geografias militares podem ser

definidas como agrupamentos funcionais de saberes e práticas

desenvolvidas na instituição militar com o qualificativo geográfico.

Partindo do pressuposto de que um saber pode ser considerado como o

conjunto de elementos formado de modo regular por uma prática

discursiva, e com base no exame dos periódicos e currículos militares

do final do século XIX e início do seguinte, pude identificar quatro

campos de atuação que poderiam ser assim denominados: 1) o saber

cartográfico, tributário da geografia matemática e materializado na

elaboração de mapas; 2) o saber topográfico, representado pelas

atividades de reconhecimento e exploração do terreno; 3) a geografia

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militar stricto sensu, ou o estudo das variantes do meio geográfico no

teatro de operações e suas implicações no domínio da tática militar; e

4) o discurso geopolítico de defesa nacional, que desde o final do

século XIX já tinha seu delineamento em torno de temas como

fronteiras, colônias militares, estradas de ferro e linhas telegráficas.

(s/pág.)

Progressivamente, a noção de Geografia Militar (ou no plural, como prefere

Sérgio Nunes Pereira) ganha definição mais precisa que revela, por paradoxal que possa

parecer, a amplitude deste campo específico do saber, forjado muito estreitamente

próximo a uma prática profissional particular. Esta geografia militar permeia a

modalidade discursiva consubstanciada na governamentalização do território pelo

MINTER, entretanto, as tradições do conhecimento que substanciam esta modalidade

extravasam esses limites, elas afluem mais de fontes consagradas no pensamento social

brasileiro. Isto se deve ao fato de que, na medida em que ganhavam em relevo e

importância, os militares brasileiros ampliavam sistematicamente seu espaço de

intervenção na sociedade, ampliando consequentemente o escopo de suas reflexões, que

transbordavam para as áreas políticas, sociais e econômicas em geral. Dado o princípio

do “dever cívico”, o saber (entre eles o geográfico) da geração de militares que são

sujeitos desta pesquisa é mais abrangente que a geografia militar, mesmo em seu

sentido amplo. É preciso, pois, compreender melhor este processo.

O Exército, a Proclamação e a República

A passagem do século XIX para o XX foi singular para a formação social

brasileira em geral. Ali lançaram-se interpretações, projetos políticos e intelectuais para

o país que converteram-se em matrizes interpretativas do pensamento social e político

desde então (MACHADO, 2002). Em termos políticos, sociais e econômicos ocorrem

transformações de primeira ordem de importância, como o advento da República, o fim

do escravismo, a ascenção do café e as primeiras indústrias, etc. O mesmo se dá com as

Forças Armadas, que redefiniu radicalmente sua função e composição social, sua

filosofia, seus métodos, seus propósitos. Por esta razão que, para entendermos a posição

social da instituição militar no campo de poder no qual se enquadra o MINTER,

resgatamos a formação dessa instituição desde a participação dos militares na

Proclamação da República, em 1889. Este fato é evidenciado na memória dos

protagonistas de 1964, particularmente muito marcante em Cordeiro de Farias, cujo pai

era militar e vivenciou os acontecimentos republicanos, conforme se verá mais adiante.

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As Forças Armadas brasileiras do século XIX mantinham, a princípio, o

modelo europeu de organização, especialmente em relação ao recrutamento. Os oficiais

eram aliciados nas camadas nobres da sociedade, enquanto as praças nos estamentos

inferiores. O fato de a independência nacional não demandar um envolvimento militar

mais contundente, diferentemente dos outros países, não obrigou as Forças Armadas a

ampliarem seu recrutamento de imediato, garantindo a continuidade do modelo colonial

(CARVALHO, 2006). O recrutamento militar seguiu-se orientado pelo critério de

nobreza, riqueza e/ou poder. Esta tendência foi sofrendo alteração, tornando-se mais

endógena, cada vez mais os novos oficiais eram em grande parte filhos de militares.

Com as leis de ampliação do recrutamento militar (sobretudo a de 1874), os oficiais do

Exército tornam-se predominantemente de classe média e pobre, muitos dos quais

aderiam à carreira militar como única opção de ascenção social; os da Marinha tinham

maior vínculo com os altos estamentos da sociedade. As praças de ambas as armas eram

aliciadas entre as camadas mais pobres4.

A esta época existia ainda a Guarda Nacional (criada em1831), uma força

armada teoricamente auxiliar ao Exército5. A composição social desta força ela muito

mais elitizada:

O piso da renda para o serviço na Guarda excluía dela praticamente

todos os cidadãos que eram normalmente recrutados para o Exército e

a Marinha. A Guarda incorporava os grupos de renda mais alta do

país, ao passo que o Exército não se ligava a esses grupos nem mesmo

pela oficialidade, como em parte o fazia a Marinha. Criou-se assim

um verdadeiro divórcio entre o Exército e a sociedade civil.

Marginalizada, a oficialidade do Exército desenvolveu uma acentuada

agressividade contra essa elite, representada sobretudo pelos políticos.

(CARVALHO, Ibid. pp. 21-22)

A Guarda Nacional era a expressão armada das oligarquias regionais. Estava

sujeita às autoridades locais, não ao poder central. Os oficiais do Exército sentiam-se

escorraçados na ordem política imperial; aí se formou a repugnância dos militares do

Exército contra as elites políticas e as oligarquias tradicionais (SODRÉ, op.cit.)

4 José M. de Carvalho (op.cit.) observa a esse respeito: “Em 1913, 24 anos após o final do Império, Leitão

de Carvalho ainda dizia que as principais fontes de recrutamento do Exército eram: a) os nordestinos

afugentados pelas secas; b) os desocupados das grandes cidades que procuravam o serviço militar como

emprego; c) os criminosos mandados pela polícia; d) os inaptos para o trabalho. Era, segundo ele, uma

seleção invertida.” (p. 20) 5 “A Guarda Nacional era, segundo a lei que a criou, uma organização permanente, consistindo o seu

serviço ordinário, dentro e fora dos municípios, em destacamentos à disposição dos juízes de paz,

criminais, presidentes de províncias e ministro da Justiça, mediante requisição da autoridade civil.”

(Sodré, 2010. p .152). O alistamento era obrigatório a todos os homens de 18 a 50 anos, segundo Sodré; e

de 21 a 60 anos com renda maior de 100$000, segundo Carvalho (op.cit.).

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A profissionalização do Exército dá mais um passo quando a instrução militar

foi aperfeiçoada com a Escola Militar da Praia Vermelha (1874-1904), que herdou a

parte do ensino propriamente militar da antiga Academia Real Militar desmembrada

também em uma parte civil, transformada na Escola Central. Aprofunda- o ímpeto de

modernizar as Forças Armadas, o que implicou em uma tensão pela modernização da

sociedade brasileira como um todo:

No Brasil, a Escola Militar também foi a principal instituição a

desenvolver características ‘modernas’ no seio de uma sociedade

predominantemente tradicional – rural, patriarcal e hierarquizada –, e

que assim permaneceria até bem depois de instituída a República.

Dentre essas características, duas se destacam: a supervalorização do

princípio do mérito a predominância, entre os alunos, de uma

mentalidade ‘cientificista’. Eram esses dois elementos que, como já

apontei, constituíam a base da identidade social da ‘mocidade militar’.

(CASTRO, 1995. p.42)

A Escola da Praia Vermelha tornou-se parte obrigatória de todos os oficiais que

almejavam posições de comando, e por isso foi fundamental para a corporação. Ali

prevaleciam os “bacharéis militares”, em oposição aos “Tarimbeiros”, como

pejorativamente eram conhecidos os oficiais mais velhos no fim do Império, em geral

ex-combatentes da Guerra do Paraguai e sem passagem por instrução militar nas escolas

específicas, eram mais afeitos às técnicas de combate em si. Diz Carvalho (op.cit.): “Se

Benjamin Constant e Euclides da Cunha eram exemplos do primeiro tipo de oficial

[bacharéis], Deodoro era a personificação do segundo [tarimbeiros]” (p.26)

Para José M. de Carvalho, o estereótipo de bacharéis fardados deve-se à

difusão da doutrina positivista na Escola da Praia Vermelha, cujo principal responsável

seria Benjamin Constant, professor na escola a partir de 1872. É aí, segundo ele, que se

dá a aceitação à ideia de soldado-cidadão, a que se pode identificar como o primeiro

esboço do princípio interventor dos agentes militares, que desaguou na Revolução de

1930 e no golpe de 19646.

O credo positivista converteu-se entre os oficiais na valorização do mérito e da

ciência (CASTRO, 1995)7. Cabe lembrar que se trata de jovens oriundos dos estamentos

6 Há aí uma controvérsia que vale menção. Nelson Werneck Sodré (op.cit.) nega solenemente a influência

do positivismo na formação de um “espírito democrático” entre oficiais do Exército. Para ver sua

argumentação, consultar as páginas 215-216 de sua obra. Entretanto, a bibliografia mais atual é unânime

em identificar o positivismo com o papel político do Exército entre os oficiais (sobretudo os mais jovens)

desde o final do século XIX. Ver, entre outros, José Murilo de Carvalho (op.cit.), Alfredo Bosi (1992) e

Celso Castro (1995) 7 “Não é difícil entender o interesse despertado pela doutrina positivista entre os alunos. Em primeiro

lugar, pela importância que atribuía à matemática e às ciências. Em segundo lugar, pela oposição tenaz ao

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médios e baixos da sociedade, cujas pretensões de ascenção social colidiam diretamente

com o privilégio das aristocracias. Os intelectuais das elites assentadas, formados nas

tradicionais faculdades de Medicina e Direito, eram vistos por estes jovens como

diletantes e retóricos, avessos ao trabalho e à utilidade. Contra o privilégio de classe,

eles propunham o mérito e a meritocracia; contra o diletantismo, propunham a razão

científica. Ambos os critérios os favoreciam, os indicavam como elite mais preparada,

vanguarda da modernização. É esta crença que gera a ideia do soldado-cidadão,

fundamental para a Proclamação da República em 1889.

Enfim, o positivismo parece ser o traço característico da cisão ideológica entre

o oficialato antigo e os jovens oficiais8 (os “tarimbeiros” e os “bacharéis”), estes se

voltavam para o cientificismo, almejavam avançar na carreira, objetivavam maior

destaque e relevância na condução do Exército e do país, com fé no argumento do

mérito. Posição que colocava estes jovens oficiais também em antagonismo à sociedade

tradicional assentada, lançando-os à participação política enquanto elite intelectual,

científica. O positivismo foi a base da ideologia intervencionista que predominou entre

os jovens oficiais9 na Proclamação da República e nos anos subsequentes

10.

O fortalecimento da corporação do Exército se aprofundou através da

influência estrangeira (DOMINGOS NETO, 1980). Em 1906, 1908 e 1910, por

recomendação de Barão do Rio Branco, então ministro das relações exteriores, foram

enviados jovens oficiais para estagiar por dois anos na organização militar alemã, , este

grupo ganhou o codinome de “jovens turcos”. O ministro, que segundo Trevisan (1985)

era um admirador do exército alemão, teria sugerido ao Marechal Hermes da Fonseca,

ministro da Guerra na ocasião, que enviasse os oficiais brasileiros em função da crise de

imagem que vivia o exército diante das dificuldades em Canudos. Na Alemanha, esses

oficiais tiveram contato com um exército às vésperas da Primeira Guerra Mundial, e

espírito legista encarnado idealmente pelos bacharéis em direito – característico do ‘estágio metafísico a

ser superado. Terceiro, pelo lugar de destaque reservado à nova elite ‘científica’ no estágio positivo que se

avizinhava.” (CASTRO, op.cit. p. 67)

8 Para a hierarquia do oficialato do Exército ver Apêndice 2.

9 José Murilo de Carvalho (op.cit.) chamou esse movimento de primeiro tenentismo.

10 É válido lembrar que esta constatação destoa do clássico estudo de Sérgio Buarque de Holanda (1995),

já citado neste texto. Para o consagrado historiador o positivismo no Brasil não teria passado de uma

continuidade com as ideias liberais (pregadas pela elite aristocrática), mais uma versão de sofismas

ancorados na habilidade das ideias, e não na sua correspondência com a realidade, ilustrando seu

argumento justamente com Benjamin Constant.

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com as obras Clausewitz e Moltke11

, para quem as funções do exército não se

restringiam às armas.

A demanda pela atuação estrangeira não foi consensual entre os oficiais,

sobretudo os mais velhos. Tanto os “tarimbeiros” quanto os “bacharéis” se opunham a

esta intervenção, entusiasmadamente defendida pelos mais novos no começo do século

XX12

, com destaque para os jovens turcos, que viam na influência dos estrangeiros a

possibilidade de ascender na carreira, processo até então pouco claro, mais alimentado

por “apadrinhamentos” do que por mérito. As inovações que trariam os estrangeiros

necessariamente mexeriam com as estruturas tradicionais que favoreciam os mais

antigos, estes, por sua vez, acusavam as expedições estrangeiras de ser uma ingerência,

crise de comando, quebra de hierarquia, etc. Temiam ainda, os oficiais mais antigos, que

a chegada de estrangeiros pudesse provocar a queda de seus prestígios na corporação, já

que as novas técnicas poderiam expor ao ridículo alguns feitos dos quais eles se

vangloriavam, como a Guerra do Paraguai.

Prevaleceu a vontade daqueles que queriam receber os estrangeiros e em 1919

chegou ao Brasil a Missão Francesa, liderada pelo general Maurice Gamelin. Entre as

alterações significativas causadas pela missão estiveram as novas regras de promoção e

a reforma no ensino, destacadamente na formação de oficiais para o Estado Maior. A

modernização do Exército seguia a passos largos. Esta força armada se vê limitada em

suas transformações por causa de problemas externos à corporação, estruturais do país.

Frente a esta nova concepção, o Exército atribui a si mesmo a obrigação de modernizar

também o país. A influência estrangeira faz ganhar relevância a doutrina que dilata a

função do Exército na sociedade:

A mudança permitiu ainda uma extraordinária expansão do escopo do

papel do Exército. A nova concepção de defesa abrangia todas as

dimensões relevantes da via nacional, desde a preparação militar

propriamente dita até o desenvolvimento de indústrias estratégicas

como a siderurgia. É significativo que já em 1927, por influenciada

missão, foi criado o Conselho de Defesa Nacional, cujo objetivo era

planejar a mobilização nacional para a defesa, incluindo aspectos

psicológicos e econômicos. (CARVALHO, op.cit. p. 29)

11

Clausewitz e Moltke eram teóricos de guerra prussianos, responsáveis pela difusão da ideia da guerra

como prolongamento da política. Segundo Trevisan (op. cit.), estes autores defendiam que uma Nação

deve definir os seus objetivos, e caberia ao exército a garantia de seu cumprimento, ao passo que a

própria Nação deveria então se submeter às estratégias do exército para cumprir os objetivos, seja qual for

a circunstância e a condição colocada. 12

Os “bacharéis”, que eram os jovens oficiais no momento anterior, agora já estavam com suas carreiras

consolidadas, assumindo posições relevantes na hierarquia e na instrução militar.

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70

No entanto, esta nova doutrina trazida pelos franceses se diferenciava daquela

que vigorou na Proclamação e nos primeiros anos da República. Ampliar o escopo de

preocupação e atuação do Exército não incluía as funções políticas. Os franceses trazem

a ideia do soldado a serviço da Nação. Ao povo cabe tomar as diretrizes políticas, e ao

exército garantir a realização destas. À doutrina do Exército interventor se contrapõe a

do soldado profissional. Mas esta não parece ter sido internalizada plenamente:

No entanto, uma coisa é certa, a influência da missão francesa, para

essa fração da jovem oficialidade, garantiu a internalização de um

senso de profissionalismo e um padrão de organização moderno sem

que houvesse, contudo, adoção da imagem do Exército como sendo o

grande mudo, alheio às questões políticas. (SVARTMAN, 2006. p.89)

Em 1911, como parte da profissionalização do Exército, foi fundada a Escola

Militar do Realengo, em substituição à Escola Militar da Praia Vermelha, extinta em

190413

em função das frequentes revoltas e levantes que de lá partiam. A nova Escola

foi uma da sequência de cinco reformas entre 1905 e 1929 do ensino militar objetivando

aprimorar a formação técnica, a disciplina militar e a ideologia do soldado profissional,

nitidamente inspirando-se nos modelos europeus. Com estas reformas o ensino ganhou

relevância como critério de promoção na carreira. Especificamente a Escola do

Realengo foi criada com o intuito de apartar os oficiais das atividades políticas. A

localização distanciava os oficiais do centro do Rio de Janeiro, o regime de internato foi

progressivamente implantado, um severo regime disciplinar conduzia as atividades,

mantinham-se os oficiais concentrados em práticas militares stricto senso, reduziam-se

os conteúdos “bacharelescos”.

A nova Escola do Realengo tentava diminuir a influência do positivismo, por

seu conteúdo excessivamente teórico e pela sua incitação à política. Ao mesmo tempo,

através das práticas e da convivência na Escola, extremamente rígidas e hierárquicas,

iam difundindo-se saberes militares e valores morais enaltecendo o esprit de corps da

corporação:

No Realengo, a formação curricular e o tipo de vivência em regime de

internato e com forte grau de solidariedade entre os cadetes, ia lhes

instituindo os saberes, gostos, afinidades, valores e expectativas de um

futuro oficial ao mesmo tempo que isso se fundia com uma espécie de

compromisso com a pátria que ia muito além da ‘defesa’ mas com

13

No interregno entre 1904 e 1911 a instrução militar funcionou no Rio Grande do Sul, na Escola de

Guerra em Porto Alegre.

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71

uma ‘tradição’ republicana de ‘arrancadas revolucionárias’ em defesa

da nação. (SVARTMAN, 2006. p.94)

A iniciativa de evocar o soldado profissional, acalmando os ímpetos de atuação

política dos cadetes e jovens oficiais não foi de toda bem sucedida. O profissionalismo

francês foi assimilado sem abalar completamente o senso de “dever cívico”, e a Escola

do Realengo, muito em função do esprit de corps, formou oficiais preparados

tecnicamente, mas exaltando o “espírito da Praia Vermelha”, que engrandecia a

representação do Exército que tinham os cadetes. A ativa consciência política dos

oficiais se fez perceber no tenentismo de 22, na oposição do Exército aos governos de

Arthur Bernardes (1922-1926) – quando se formou a famosa Coluna Prestes-Miguel

Costa – e Washington Luís (1926-1930).

Na década de 1920 o Exército já era uma instituição bastante complexa e

profissionalizada. Mesmo assim, o “espírito da Paria Vermelha” não se fez esquecer, e

os jovens oficiais, em sua maioria de famílias das classes baixas ou médias,

decepcionados com os rumos políticos do país após a eleição de Arthur Bernardes para

a presidência. O eleito, explicitamente comprometido com a oligarquia cafeeira, das

elites oligárquicas e do status quo, portanto, superou o seu rival Nilo Peçanha, apoiado

pelos militares mais novos. A partir de 1922 eclodiu uma série de levantes do oficialato

jovem, principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, mas também

em outros estados.

Os levantes levaram à formação da Coluna Prestes-Miguel Costa, que partiu de

Foz do Iguaçu, onde se encontraram a Coluna paulista, liderada por Miguel Costa,

oficial da cavalaria da Força pública de São Paulo, e a Coluna gaúcha, liderada por Luiz

Carlos Prestes, então capitão do Exército. Juntas, as duas colunas nunca foram vencidas,

percorreram o interior do país a partir de 1925, cessando as atividades em 1927, quando

já estava terminado o mandato de Arthur Bernardes. Em termos práticos, a Coluna não

resultou em nenhuma vitória significativa, mas simbolicamente ela foi muito bem

sucedida, por não ter sido derrotada nenhuma vez pelas tropas governistas, e por

entusiasmar o espírito transformador presente no Exército (ALEXANDER, 1979).

Em síntese, aproveitando a síntese elaborada por José Murilo de Carvalho

(op.cit.), é possível se dizer que em geral são três as ideologias predominantes no

Exército da Primeira República: i) soldado cidadão, ou intervenção reformista; ii)

soldado profissional, ou não-intervenção; iii) soldado-corporação ou a intervenção

moderadora.

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72

A primeira delas é característica da atuação do tenentismo, tanto na

Proclamação da República quanto nos levantes da década de 1920. Está ideologia está

calcada na influência do positivismo no meio militar, relaciona-se com a suposição de

serem os oficiais uma elite intelectualmente preparada e moralmente superior às elites

políticas civis, responsáveis pela política de privilégios. Esta crença difundiu o ideal

reformista, segundo o qual era preciso se enfrentar e transformar os atrasos da sociedade

nacional, mesmo que entre eles esteja o próprio Exército. É aí que reside o maior

problema de ordem prática desta doutrina. Para o reconhecimento dos oficiais militares

como superiores e preparados, é preciso se reconhecer o valor e o peso da corporação.

Mas o corporativismo é posto em xeque pelos jovens oficiais quando priorizam os

princípios reformistas em detrimento da hierarquia.

A segunda ideologia, do não intervencionismo, tem nos jovens turcos seus

principais arautos, mas em geral é compartilhada também pelos alunos da missão

francesa. Escorados no princípio do profissionalismo, estes oficiais veem o Exército

como subordinado ao presidente da República, encarregados tão somente da defesa do

interesse nacional, escolhido na esfera civil-política. Estes oficiais rechaçam os levantes

militares, como se proclamou na revista Defesa Nacional (marca registrada dos jovens

turcos) deslegitimando o movimento dos tenentes em 1922.

A terceira ideologia é algo como a superação dialética de ambas. É mantido o

apreço pela formação técnica e profissional do militar, mas também o ideal de

intervenção militar na política é mantido, mais uma vez com o respaldo na crença da

superioridade moral e técnica do oficialato. Entretanto, por essa doutrina, a intervenção

não pode partir de movimentos internos, mas sim de toda a corporação, obedecendo a

hierarquia. É esta a ideologia que prevalece na Revolução de 1930, quando os antigos

tenentes já eram coronéis e generais, muitos deles promovidos a toque de caixa pelas

circunstâncias, e Góes Monteiro talvez seja seu retrato mais bem acabado. O próprio

José Murilo de Carvalho (op. cit.) resume melhor esta doutrina:

A ideologia do poder moderador das Forças Armadas tem aí sua

primeira formulação sistemática. Era uma combinação do

intervencionismo tenentista com as transformações estruturais da

organização militar promovidas pelos reformadores. Em outras

palavras, era o intervencionismo de generais, ou do Estado-Maior, o

intervencionismo da organização e não apenas de alguns de seus

membros. (p. 42)

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Esta seria a marca da ação política dos militares a partir de então, marcante na

Revolução de 1930 e decisiva no golpe de 1964:

Desaparecera o soldado-cidadão para surgir a corporação e a classe.

Desaparecera a ideia de intervenção contestatória e surgira a de

intervenção controladora. A Primeira República viu o surgimento e o

auge da primeira mas gerou também as bases da segunda. (Ibid.

Ibidem. p.43)

Da Revolução de 1930 ao golpe de 1964

Se na Primeira República o Exército se transformou, se profissionalizou,

aperfeiçoou as técnicas militares, fortaleceu seu aspecto organizacional,

institucionalizou regras de ingresso e ascenção na carreira, aprofundou suas bases

sociais. Estava ainda em vias de enrijecer a submissão hierárquica, consolidar uma

doutrina sólida, criar consistência ideológica e homogeneidade. Em suma, o Exército

tornou-se uma poderosa corporação – mesmo que ainda com secções internas – em um

país em que as outras instituições não gozavam de força equivalente, as elites

tradicionais sucumbiam ao seu próprio modelo econômico mergulhado na crise

mundial, e no processo de urbanização que começava a solapar as bases oligárquicas

rurais.

Foi munido dessas condições que o Exército protagonizou o movimento de

1930 que depôs Washington Luís e ascendeu Getúlio Vargas ao governo, enterrou

definitivamente a República Velha com a qual se digladiava desde o fim do governo de

Floriano Peixoto (1894). Salvaguardada pelas doutrinas intervencionistas, a corporação

entrou no primeiro plano de relevância na política brasileira desde então. Participou

ativamente – em certos casos definitivamente – das principais questões que animaram a

política brasileira até 1985, quando toma posse o primeiro presidente civil (José Sarney)

desde o golpe de 1964.

O movimento de 1930, no entanto, não foi o suficiente para conter as

divergências internas entre os oficiais, e externas entre militares e as lideranças civis

que começavam a ver com desconfiança as intenções dos militares. No decorrer do

governo varguista de 1930 a 1945, operou-se outra transformação do Exército no

sentido de garantir a coesão interna e a força política da corporação através da doutrina

do intervencionismo controlador.

Isto porque, na Primeira República, os militares reivindicaram e conquistaram

a abertura do Exército à sociedade, i.e., ampliou-se sua base social, antes restrita às

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classes subalternas, agora atingia também setores mais elevados. O Serviço Militar

obrigatório, em toda a sua rede que se formou, possibilitou que civis se familiarizassem

com a corporação. Estas medidas ampliaram a composição social do Exército, o que era

o desejo dos oficiais. No entanto, colateralmente, os conflitos e clivagens políticas da

sociedade civil agora estavam mais bem representados internamente, os conflitos

políticos da sociedade ressonavam na corporação. Para contornar isso se optou pelo

fechamento do Exército à sociedade14

, torna-lo imune às divergências ideológicas e

políticas presentes na sociedade civil. Era preciso consolidar a força da hierarquia e

isolar divergências doutrinárias.

A primeira medida foi dificultar a passagem de praças a oficiais, evitando-se

clivagens políticas de cunho popular; a seleção dos cadetes na Escola Militar passou a

adotar critérios bem restritivos; fez-se uma base legal que proibia a atuação política dos

oficiais, inclusive desencorajando-os de participar de cargos eletivos, de associações e

agremiações. Tudo isso quem esteve a frente foi Góes Monteiro, ex-aluno da missão

francesa, combateu a Coluna Miguel Costa-Prestes pelas tropas governamentais, agora

Ministro da Guerra de Vargas, um dos pilares de sustentação do governo e

personificação do ideal de intervencionismo controlador. A ideia era restringir a

participação política do Exército à ação em bloco, e não isolada dos oficiais.

Mas para haver homogeneidade na corporação era preciso que ela existisse na

alta cúpula, e isso estava longe de existir no pós-1930. O movimento revolucionário,

como não contou com o suporte da alta hierarquia militar, causou constrangimentos e

mal-estar entre os jovens vitoriosos e os oficiais que lhes eram superiores. A solução foi

uma radical renovação da cúpula militar, alguns protagonistas de 1930 foram

rapidamente impulsionados às altas patentes e outros generais e coronéis foram

progressivamente apartados da instituição por alegações diversas, a exemplo da

acusação de sublevação direcionada aos alto-oficiais que apoiaram o levante paulista de

1932.

Havia ao todo em torno de 15 generais-de-divisão e 25 generais-de-

brigada. Entre 1930 e 1933 foram, por uma razão ou outra, excluídos

14 generais-de-divisão e 18 generais-de-brigada. No mesmo período,

foram nomeados dez novos generais-de-divisão e 26 novos generais-

de-brigada. Desses 26, dez foram promovidos em 1931 e dez em

1932, logo após a Revolução Constitucionalista. Assim é que em 1935

14

As expressões “abrir o Exército à sociedade” e “fechar o Exército à sociedade” são de José Murilo de

Carvalho (op. cit.).

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todos os generais-de-brigada já tinham sido promovidos pelo governo

revolucionário. (CARVALHO, op.cit. p.83)

Com essas medidas o Exército deu um salto qualitativo. Os tenentes de 1922,

misturados aos adeptos do profissionalismo preconizado pela influência estrangeira,

almejavam agora o comando da corporação, punem os levantes individuais e fazem da

doutrina do intervencionismo controlador sua linha de atuação.

A expressão mais bem acabada da doutrina foi a ditadura do Estado Novo,

proclamado em 1937 em resposta ao levantes comunistas de 1935. Ali se definiu

efetivamente a impossibilidade de um governo puramente civil. A ameaça fez crescer a

reivindicação e aparelhamento do Exército, elevando significativamente seu orçamento,

convertido em preparação técnica e bélica. Mais do que isso, Góes Monteiro e a nova

cúpula militar atribuíam ao governo civil o retrocesso, o atraso, a volta à política liberal

das elites agrárias. O Exército se viu incumbido de garantir as mudanças sociais, foi aí

que se viu comprometido com os ideais da industrialização e do desenvolvimento em

nome da segurança da Nação. Segurança e Desenvolvimento, palavras-chave

posteriormente sistematizadas explicitamente na Doutrina de Segurança Nacional da

ESG, são casadas nesse momento, já como justificativa para a intervenção militar:

Estava aí enunciado todo o projeto de intervencionismo controlador:

ampla interferência estatal em todos os setores; ênfase na defesa

externa e na segurança interna; preocupação com a eliminação do

conflito social e político em torno da ideia nacional; industrialismo

nacionalista; e a liderança das Forças Armadas, sobretudo do Exército,

na condução das mudanças, a partir de uma posição hegemônica

dentro do Estado. (CARVALHO, op. cit. p. 96)

A bandeira da intervenção militar deixa de ser a transformação social para ser a

sustentação do Estado e da Nação, figurados das ideias de desenvolvimento econômico.

A princípio, o incentivo de Vargas à modernização do Exército foi suficiente para o

apoio destes àquele. O presidente, por sua vez, precisava dos fardados como

componente de forças para se contrapor às oligarquias tradicionais. A ambos, Forças

Armadas e Getúlio Vargas, interessavam mudar a base política e econômica do país; a

urbanização e o industrialismo significava isolar e erodir cada vez mais os alicerces

oligárquicos.

O Estado Novo de 1937 foi a materialização do que pensava Góes Monteiro e

coincidia com os interesses políticos de Vargas, tanto no que se refere ao papel das

Forças Armadas quanto à economia. Foi a consolidação do Exército na arena política,

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agora ainda mais equipado, ainda mais profissional, coeso e homogêneo em como se

apresentava à sociedade civil:

Os militares se consolidaram como atores políticos assumindo, pelo

lado político, a garantia da base social das elites tradicionais e, pelo

lado econômico, a promoção dos interesses da burguesia industrial

emergente. A ênfase posta no controle político, na integração

nacional, na industrialização, reforçava a emergência do capitalismo

industrial, contrariando apenas os interesses políticos das oligarquias.

Era um reordenamento, via Estado e Forças Armadas, do antigo

sistema de dominação, feito, no entanto, sem ampliar a participação

política, isto é, sem democratização. Era um capítulo da modernização

conservadora. (CARVALHO, op. cit. p.110. grifo nosso)

Conforme se pode ver, a questão central desta pesquisa – a combinação entre o

moderno e o atraso – está diretamente relacionada ao processo de complexificação do

Exército no qual estão inseridos os primeiros representantes maiores do MINTER, mas

isso é uma demanda a ser discutida mais adiante.

Essa lua-de-mel tornou-se divórcio15

com o fim da Segunda Guerra Mundial,

quando Vargas foi deposto ainda em 1945. A partir daí as relações entre Vargas e os

militares passou a ser determinante na clivagem política interna à caserna. A maioria da

cúpula militar se apartou de Getúlio Vargas, inclusive Góes Monteiro. Isso porque o

getulismo, com o aproximar do fim da Segunda Guerra, voltava-se cada vez mais para o

apoio popular como esteio de seu comando, fundando suas bases no trabalhismo. Os

militares não aceitavam essa aproximação, primeiro porque estavam profundamente

envoltos no sentimento anticomunista – para eles, o trabalhismo era expressão do

comunismo –, em segundo lugar porque não aceitavam compartilhar o poder político e

o governo com mais um segmento social. Na medida em que o Exército conseguiu se

equipar, expandir suas bases sociais e fechar-se internamente em princípios de

obediência hierárquica se viu como o principal agente protagonista, condição que estaria

ameaçada em caso de adesão ao trabalhismo.

Foi assim que Vargas perdeu o apoio dos oficiais adeptos dos ensinamentos

estrangeiros, como Góes Monteiro, e dos tenentistas, como Juarez Távora. Esses dois

grupos, unidos em torno da doutrina da intervenção controlada, foi a base do golpe

político de 1964. Desde então, o posicionamento em relação a Vargas e seu governo

passou a ser um dos pontos determinantes das clivagens políticas dentro do Exército. Na

caserna refletiram-se os acalorados debates que mobilizavam a sociedade nacional em

15

Mais uma vez os termos são de Carvalho (2006).

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um dos seus períodos mais conturbados politicamente. Mas em 1945 a corporação não

era mais como em 1922, por obra da dupla dos Generais Góes Monteiro e Eurico

Gaspar Dutra, ela era mais complexa, mais preparada, com uma estrutura de mando bem

montada; já não havia mais espaço para intransigências e manifestações pessoais dos

subalternos, somente as altas patentes estavam autorizadas a falar e pensar pela

corporação. O esprit de corps falava mais alto que as convicções individuais.

O Estado Novo foi sucedido pelo governo do General Eurico Gaspar Dutra, ex-

ministro da guerra do presidente deposto que, em 1950, retornou ao posto máximo da

República, desta vez eleito em sufrágio universal. Neste intervalo até 1964 a acirrada

disputa política no plano civil se reproduziu nos meio militar, mas foi parcialmente

contida pelo princípio de não desautorizar os superiores. É por esta razão que o Clube

Militar desponta como estratégico do ponto de vista do posicionamento político do

oficialato. Na verdade, o Clube Militar, criado em 1887, era uma associação recreativa,

sem finalidade política direta, mas ganhou ares de “fórum de debate” desde tempos

remotos, que só foi interrompido em 1964, quando o golpe militar esfriou inclusive o

debate interno na corporação.

Esta conotação se deveu à autonomia formal que o Clube gozava frente à

hierarquia militar, ele não estava sujeito à autoridade militar, mesmo que indiretamente

isso pesasse sobre as suas atividades. Por esta razão, ele acabou convertendo-se em uma

espécie de indicador 16

das condições em que se encontravam as posições políticas rivais

na caserna, uma fonte fidedigna das cisões e dos agrupamentos políticos internos e suas

interpelações com a sociedade civil, tudo isso velado na estrutura oficial (PEIXOTO,

1980). Interessante notar que o esprit de corps prevalecia, mesmo aí. Nenhum dos

agrupamentos pretendeu-se sectarista, ao contrário, o que eles disputavam é o poder de

representar a corporação toda.

As divergências que se manifestaram no Clube Militar e expressaram

segmentos políticos concorrentes pela hegemonia ideológica das Forças Armadas se

diferenciam em muito por aquilo que se entende como modernização e o atraso.

Paradoxalmente, como se viu no capítulo anterior, a oligarquia rural, outrora tida como

atrasada, deixou de sê-lo em um determinado momento em função de uma convergência

de interesses, quando foi incorporada em um projeto particular de modernização. As

16

“…na medida em que as atividades do Clube eram de domínio público, as discussões e os confrontos

eleitorais tornaram-se acontecimentos que afetaram intensamente a vida política brasileira: as eleições do

Clube eram um instrumento que permitia avaliar a opinião militar.” (PEIXOTO, 1980. p.89)

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divergências e disputas entre os segmentos políticos no segmento militar clarifica essa

passagem, permite entender como o que outrora era o atraso passou a vigorar no novo

projeto de modernização conservadora. Basicamente, os agrupamentos políticos se

deram em torno das seguintes questões:

Desenvolvimento econômico, organização política e política

internacional, tais eram os grandes temas de debate no seio da

instituição militar. Foi em torno desses assuntos que se criaram cismas

político-ideológicos e se organizaram as correntes militares que agiam

no interior das Forças Armadas e disputavam o controle do Clube

Militar. (PEIXOTO, 1980. p. 77)

Uma das correntes que se formam é a dos nacionalistas, identificados

fundamentalmente pela rejeição ao capital estrangeiro. Uma figura simbólica desta

corrente foi o general Newton Estillac Leal, presidente eleito do Clube Militar no pleito

de 1950, derrotando Cordeiro de Farias (PEIXOTO, op.cit.). Entre 1951 e 1952 foi

ministro da guerra do segundo governo de Vargas, quando o nacionalismo despontou

efusivamente na vida civil do país. Defendiam, por exemplo, o monopólio estatal do

petróleo, o controle de lucros extraordinários, o não alinhamento aos EUA; criticavam a

intervenção militar na Coreia, todas essas pautas defendidas pelos setores à esquerda no

espectro político nacional.

Em primeiro lugar, é preciso que se diga que não havia uma pauta

propriamente militar dos nacionalistas que diferenciasse os oficiais. Eles não se

organizaram em instituições, escolas, congregações, etc. O nacionalismo era muito mais

de conteúdo popular do que militar; para eles não haveria forçosamente uma hegemonia

militar na condução do projeto político defendido, justamente o contrário, o

nacionalismo militar se criou e se identificava com o projeto do Estado Novo:

fortalecimento do poder popular como o principal elemento da coalizão política,

exatamente o que fez os generais Dutra e Góes Monteiro esquivarem-se de Vargas.

Eles eram também adeptos do aprofundamento da industrialização do país,

aliás, como o era praticamente toda a cúpula militar. Por esta razão, mantinham tenaz

oposição às elites oligárquicas, identificadas com o liberalismo econômico. Os

nacionalistas eram essencialmente antiliberais. Defendiam o intervencionismo estatal da

economia em prol da industrialização e a diversificação da pauta de exportações, o que

viam como emancipação política, sobretudo diante dos EUA. Para esta corrente, a

industrialização do país e os interesses dos EUA eram mutuamente excludentes, por isso

defendiam uma posição defensiva frente à “grande potência do Norte”.

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79

Em um momento de intensas transformações sociais, econômicas e políticas

que vivia o Brasil desde as vésperas da Segunda Guerra Mundial; quando culturalmente

sentia-se a crescente influência dos EUA em detrimento do modo devida europeu, a

industrialização já estava em curso e o país aderia ao modal rodoviário de transporte. O

petróleo torna-se uma questão crucial para esse grupo. Inicialmente, quando o debate

em torno da exploração do óleo ainda estava começando a acirrar-se, surge o Conselho

Nacional do Petróleo (CNP), presidido pelo general Horta Barbosa desde sua criação

em 1938 até 1943, um nacionalista defensor do monopólio estatal. Ele se afasta do

cargo quando diverge de Vargas, acusando-o de recuar em suas posições nacionalistas

na defesa do monopólio estatal.

A questão ganhou traços de campanha na década de 1950, famosa pelo slogan

“o petróleo é nosso!”, efusivamente defendido pelo próprio Vargas em seu segundo

governo. A campanha serviu de alicerce e teve um enorme valor simbólico para os

nacionalistas, que saíram vitoriosos com a criação da estatal Petrobrás, em 1953

(FARIAS, 2003). De toda sorte, existia entre os militares um setor nacionalista com as

características acima descritas, mas que não tinham na própria corporação um lugar

destacado17

.

Antagônicos aos nacionalistas, estava um grupo mais forte politicamente

dentro das Forças Armadas, que Peixoto (op.cit.) chama de antinacionalistas18

,

posteriormente os golpistas. Este grupo, assim como o anterior, também preconizava

um ideal industrializante, oposto ao mote de “vocação agrícola” com as quais se

resignavam as elites agrário-exportadoras. Entretanto, este grupo tomava posições

diferentes diante de questões como a participação do capital internacional e a relação

com os Estados Unidos.

Eram favoráveis a certo intervencionismo estatal (variável em grau e

intensidade) na economia e do ideal industrializante, mas se afastavam dos nacionalistas

pelo trabalhismo, que era, para eles, prenúncio comunista:

17 “Os grandes teóricos do nacionalismo são encontrados fora das Forças Armadas, e o aparelho

ideológico dos grupos nacionalistas civis e militares – o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros)

– jamais teve no interior das Forças Armadas uma influência e um poder comparáveis aos da ESG, tanto

mais porque a ESG fazia parte do aparelho militar, ao passo que o ISEB estava subordinado ao Ministério

da Educação.” (PEIXOTO, 1980. P. 87) 18

Esta alcunha “antinacionalista” deve-se muito mais ao efeito de contrastar com a anterior do que por

princípios próprios do grupo, que não se declaravam antinacionalistas, muitas vezes bem pelo contrário.

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Os grupos militares antinacionalistas não se opunham à

industrialização: eles eram contra a política de Vargas, com todas as

suas implicações. O que não aceitavam nessa política era sobretudo a

mobilização e a participação crescente da classe operária, além de uma

política externa que se afastava da aliança privilegiada com os Estados

Unidos. Para esses grupos, industrializar significava atrair o capital

estrangeiro, reforçar os laços com o Estados Unidos, enquanto se

mantinha a classe operária afastada do processo político. (PEIXOTO,

1980. p. 80)

Contra o modelo comunista oriental, adotaram como modelo a democracia

ocidental. Por isso tinham em bom conceito o alinhamento político e econômico com os

EUA. Diferentemente dos nacionalistas, para este grupo isto não era contraditório à

industrialização, ao contrário, esta poderia se beneficiar da parceria estratégia com

aquele país. Defendiam a abertura econômica e a plena atuação das grandes empresas,

nacionais ou internacionais, indistintamente, como motor propulsor das forças

produtivas.

Mesmo simpáticos à abertura econômica não eram plenamente liberais

(lembrando que o liberalismo, no Brasil, foi sempre o discurso dos setores agrário-

exportadores); aceitava, contraditoriamente, abrir mão de ritos tipicamente democráticos

em nome da democracia, como por exemplo, na defesa do país contra a “ameaça

comunista”, a qual manifestavam asco. Herdaram do tenentismo e da recepção das

influências estrangeiras uma autoimagem de elite técnica e preparada politicamente, por

isso, nas articulações com a sociedade civil, se impunham como agente principal.

Por esses ideais opuseram-se à Vargas. Por esta oposição, esse grupo se uniu

politicamente às oligarquias liberais e aos políticos tradicionais, como os da UDN

(União Democrática Nacional) mesmo com divergências no plano econômico. O que

uniu esses blocos foi a oposição a Vargas, este foi o cimento da união pragmática que

convergiu militares modernizantes com oligarcas tradicionais.

Os antinacionalistas veem em grande parte, pelo menos na sua cúpula, da Força

Expedicionária Brasileira (FEB). Lá tiveram muito contato com os EUA e o modelo

liberal. Nomes como Juarez Távora e Cordeiro de Farias (ex-membros da Coluna

Prestes-Miguel Costa), Humberto Castelo Branco, Golbery do Couto e Silva, entre

tantos outros, passaram por intenso treinamento militar por três meses na Escola de

Comando e Estado-Maior de Fort Leavenworth, no estado de Kansas, EUA (BELOCH;

ABREU, 1984), depois combateram na Itália sob ordens dos militares estadounidenses.

A experiência da FEB foi marcante para os oficiais brasileiros, especialmente

os graduados, que voltaram ao Brasil encantados com a imagem que tinham dos EUA.

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Imediatamente já se depararam com o acirrado debate sobre o petróleo, que envolvia

diretamente a natureza da relação a ser estabelecida com a “potência do Norte”, e a

questão mais ampla das “medidas necessárias” ao desenvolvimento do país. Estas

medidas foram receitadas pela Comissão Mista Brasil-EUA (CMBEU) em 1951, o

princípio que lançou as bases para todoo planejamento econômico governamental

subsequente no país (CORRÊA; de PAULA, 2012).

Para Eliezer Oliveira (1976) a FEB e a querela sobre o petróleo foram os dois

principais fatores que concorreram para o surgimento da Escola Superior de Guerra

(ESG), inspirado no National War College, dos EUA. A ESG, que teve Cordeiro de

Farias como seu primeiro diretor, é parte fundamental deste grupo e de sua atuação

desde então. Ela pode ser entendida como a continuidade de um ideal de

profissionalização do Exército difundido fortemente desde pelo menos os “jovens

turcos”. Segundo Trevisan (1985), os ideais de eficiência, competência e organização

foi o que inspirou a construção da ESG.

É importante caracterizar a ESG de acordo com o seu significado social em um

nível de abstração mais amplo. Oliveira (op. cit.) entende essa instituição como um

movimento, como uma conjunção de forças políticas atuantes do contexto de disputas

pelo “protagonismo da nação”. Segundo ele o significado fundamental da ESG seria:

a) A garantia da presença política de um grupo militar em alta posição

no aparelho de Estado, subordinado diretamente ao Estado Maior das

Forças Armadas (...); consequentemente;

b) A ESG garante a não dispersão deste agrupamento político militar.

c) Se especializa no Estudo da Segurança Nacional no âmbito da

guerra fria, inicialmente, e no da <<guerra revolucionária>> no

contexto seguinte.

d) Se assegura a possibilidade de difusão ideológica entre as <<elites

civis e militares>> (p, 20)

A ESG era uma instituição que possibilitou a difusão das doutrinas militares

nos meios civis, congregando setores que acabaram sendo decisivos para a ação

protagonizada em 1964. Intelectualmente, ali se produziu a Doutrina da Segurança

Nacional (DSN), que alavancou o ideário desenvolvimentista à condição de questão

militar de segurança e soberania. A sorbonne brasileira foi fundamental para vários

“ensaios de golpe” e desestabilizações contra Vargas, Juscelino Kubitschek e João

Goulart, antes da derradeira a quartelada em 1964; ali abrigaram-se os principais

conspiradores desses movimentos e a ideologia da intervenção moderadora atingiu seu

ápice.

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As elites civis incomodadas com os contornos popular dos governos

trabalhistas, por eles chamados de populistas, sentiam-se imobilizadas diante do pacto

de poder estabelecido (LAFER, 1975) e incapazes de inverter a lógica. Elas precisavam

dos militares que já estavam organicamente prontos para a intervenção. Diferentemente

dos nacionalistas, seus opositores se institucionalizaram com um grande poder de

organização e mobilização do oficialato. Foram assim que este grupo logrou conduzir a

corporação militar como uma totalidade a uma ação política radical.

Paralelo a estes dois principais segmentos militares, corre um terceiro, menos

expressivo e menos articulado, que transita de um grupo a outro, ao sabor das

circunstâncias e de suas próprias convicções ideológicas. A este grupo chama-se de

legalistas (PEIXOTO, op.cit.), por atuarem pautados pelos princípios de obediência à

ordem legal. Exemplos ilustres deste grupo foram os generais Henrique Lott e Odilo

Denys, que defenderam a posse de Juscelino Kubitschek em 1955 (que concorreu com

Juarez Távora), e amarraram o acordo pelo parlamentarismo que possibilitou a posse de

João Goulart em 1961. Do suicídio de Vargas até a deposição de João Goulart em

março/abril de 1964 este grupo esteve ao lado dos nacionalistas, mas não em nome dos

ideais destes, mas sim por obediência às normas legais. Inclusive Lott foi ministro da

Guerra entre 1954 e 1960, do governo provisório de Café Filho até o governo de JK19

.

No entanto, quando a conspiração dos antinacionalistas entoou com mais força

a interpretação do governo de João Goulart como uma ameaça comunista de subversão

da ordem democrática, os legalistas assumiram a posição dos conspiradores. Como

mostra José Murilo de Carvalho (op.cit.), João Goulart descuidou do seu suporte militar

e subestimou a predisposição do oficialato para armar uma radical sublevação de

tomada do governo. Quando o conflito já estava acirrado, João Goulart inflamou os

movimentos populares com medidas radicais e, o que lhe foi fatal, conclamou os

sargentos que vinham de frequentes insurgências. Para a alta cúpula militar isto era um

desafio explícito ao princípio de hierarquia militar. Estes fatos mudaram a posição dos

legalistas que passaram a fazer coro com os antinacionalistas pela inviabilidade de

19

Segundo o dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (BELOCH; ABREU, 1984), no verbete

biográfico de Lott: “Quando irrompeu a Revolução de 1930, Lott servia ainda como instrutor da Escola

Militar, onde comandava um batalhão. Segundo contou em entrevista ao CPDOC, já naquela ocasião

defendia a tese de que os militares tinham o dever de garantir o poder constituído, colocando-se por esse

motivo contra o movimento. Vitoriosa a revolução, manteve-se coerente com sua posição e teve aceito

seu pedido de demissão do cargo de instrutor, fato que, no seu entender, levou-o a ter sua carreira

prejudicada no Exército.” (sem página)

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Goulart na condição de chefe de Estado brasileiro. E assim deu-se o golpe militar de

1964:

O movimento de 1964 representou a vitória final do tenentismo de

Juarez Távora. Para usar expressão mais significativa do que

centrismo, poderíamos caracterizar esse tenentismo como defensor da

modernização pelo alto, ou da modernização conservadora, segundo a

terminologia cunhada por Barrington Moore. (CARVALHO, op.cit. p.

130)

Os três segmentos político-ideológico que protagonizaram o acirramento

político dentro das Forças Armadas e na interlocução desta com a sociedade civil

(nacionalistas, antinacionalistas e legalistas) antes de 1964 não resumem todas as

posições políticas daquele contexto. Quando já deflagrado o golpe que sacramentou o

triunfo dos antinacionalistas com o apoio dos legalistas, aparece outro segmento

usualmente chamado de linha dura. Cordeio de Farias, em suas memórias (2001), alude

a este segmento:

Mas existe nas Forças Armadas um grupo violentamente direitista, os

chamados linha dura. É curioso, mas muitos deles são homens que não

tomaram parte na evolução dos acontecimentos e nem nos

preparativos da Revolução de 1964. (p. 230)

Sobre Arthur da Costa e Silva, que sucedeu Castelo Branco através de um

conturbado processo decisório que expões fraturas nas Forças Armadas (conhecido

como o “golpe dentro do golpe”) e cuja presidência é tida como a ascenção ao governo

da tal linha dura, Cordeiro de Farias dizia:

Até aquele momento [31 de março de 1964], ele [Costa e Silva] não

havia dado um só passo em benefício do movimento. Chamava-me de

maluco, fui diversas vezes à casa dele, nas semanas anteriores àquela

reunião. Eu tinha o apoio da dona Iolanda. Ela, sim, tinha uma atitude

positiva, incentivando-o a ir em frente. Eu tinha muito empenho na

adesão do Costa e Silva, pois ele tinha uma boa posição no Exército.

Muito ligado ao Castello, Costa e Silva concordava que a situação do

País era péssima. Mas não se engajava. Nunca teve ardor, vontade.

Não era covarde, mas achava que não existia condições para um

levante militar. Enfim, era um homem que, em vez de nos ajudar,

atrapalhava o trabalho dos conspiradores. (pp. 478-479)

E, quando questionado de onde Costa e Silva teria extraído as condições para

assumir uma posição tão destacada no governo de Castello Branco (Costa e Silva foi

seu Ministro da Guerra) e na corporação militar, ele responde:

É muito difícil responder. A verdade, porém, é que Costa e Silva vivia

com um entourage enorme. Mas um entourage com qual finalidade?

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Elaborar programas, idealizar políticas? Não, jamais. Eram elementos

que viviam juntos, jogavam muito juntos. Costa e Silva tinha um

passado muito complicado, de modo que em torno dele se reunia uma

turma, vamos dizer, ambiciosa. Consequentemente, quando se criou o

vazio de poder aqui no Rio e quando o nome do Castello já estava

lançado […], eles se deram conta de que forçar o nome de Costa e

Silva para presidente não seria possível e que deveriam se contentar

com o Ministério da Guerra. E foi aquele que o colocou no ministério,

mantendo-o sob controle e se apropriando dos cargos de comando da

Revolução. (p. 495)

Pelo que consta em seu verbete biográfico no dicionário histórico-biográfico

brasileiro (BELOCH; ABREU, 1984), Costa e Silva teria participado das conspirações

de 1931, inclusive ao lado do próprio Cordeiro de Farias e de Castello Branco:

Na segunda quinzena de março, Costa e Silva reuniu-se no Rio de

Janeiro com os generais Castelo Branco e Cordeiro de Farias, quando

foi feito um balanço da situação nos quartéis de todo o país, foram

revistos os códigos que seriam utilizados pelos insurretos e divididas

as tarefas. A Cordeiro de Farias coube a coordenação, a partir de São

Paulo, da região Sul do país, a Castelo Branco, as articulações com o

governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, e a Costa e

Silva, a coordenação da região em torno do Rio de Janeiro. (sem

página)

De toda forma, o que se está em questão não é o protagonismo ou não de Costa

e Silva, mas sim a organicidade do grupo convencionalmente chamado de linha dura (do

qual ele seria representante) enquanto um segmento político e ideológico de fato. Para

Mauad Chirio (2012) a expressão “linha dura” fez-se nas vésperas do março de 1964 e

fortaleceu-se no decorrer dos governos militares, cunhada primeiramente pela imprensa

e depois adotada e amplificada no interior das Foças Armadas; seria uma marca muito

mais de pressão autoritária do que uma posição política específica de um grupo

determinado:

Contudo, a ‘linha dura’, categoria nativa oriunda do vocabulário dos

próprios atores, não tem, a princípio, o sentido de um grupo ou facção

para os oficiais que a reivindicam, mas de linha política de contornos

imprecisos, de um ‘estado de espírito’ e de certa interpretação da

‘revolução’ de 31 de março de 1964. São jornalistas e analistas

políticos que, na mesma época, transformaram em grupo – dotados de

chefes, representantes, logo, de certa coesão interna – o que não passa

então de uma expressão de identificação (p. 50)

Progressivamente essa insígnia foi incorporada e reivindicada pelos militares,

na maioria das vezes associada a grupo que se formaram a partir de então, como a Liga

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Democrática Radical (LIDER)20

e os coronéis dos IPM’s (Inquéritos Policiais

Militares), responsáveis pelas investigações pretensamente (e mal disfarçadamente)

legais que levaram às medidas de repressão e expurgos militares, aniquilando a

oposição interna e reforçando a pressão pelo endurecimento do regime.

Portanto, findado o golpe e assentados os conflitos anteriores, o sucessivos

governos capitaneados pelos militares passaram a conviver com uma pressão interna

que ficou chamada de linha dura. Se o ilustrado general e ex-combatente da FEB

Castello Branco se cercou em seu governo de esguianos como Cordeiro de Farias no

MECOR; Costa e Silva, seu ministro da Guerra e sucessor na presidência fez-se

acompanhar de militares “linha dura”:

Com efeito, esses oficiais representavam uma versão política muito

diferente da castelista. Eles não eram da ‘Sorbonne’ nem jamais foram

influenciados por ela, não participaram da FEB e poucos tinham

vínculos estreitos com os Estados Unidos. O novo perfil ministerial

sugeria possivelmente uma posição mais nacionalista. (SKIDMORE,

1988. pp. 140-141)

Neste perfil “diferenciado” situa-se Albuquerque Lima, responsável pelo

MINTER.

Esta digressão situa bem os personagens que interessam a esta análise. Em

consonância com a orientação metodológica explicitada no começo do capítulo, a

biografia desses indivíduos mostra variações em suas posturas consoantes ao jogo

político e as inserções em que estiveram colocados. Formados no espírito do soldado-

interventor, ainda com alguma inspiração nos ideais do positivismo alimentados pelas

fábulas do espírito combativo da Escola Militar da Praia Vermelha, influenciados pelo

profissionalismo dos ensinamentos estrangeiros; esses oficias encontraram na trajetória

até o generalato acontecimentos decisivos da história do país no século XX: o

tenentismo, o governo Vargas, a oposição a ele, a FEB, o contato com os EUA, e todos

os dados citados aqui são variantes preciosas da condição e situação biográfica que

confluirá na participação de Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima enquanto peças-

20

“Movimento militar fundado e chefiado pelo coronel do Exército Osneli Leite Martinelli. Surgida após

o movimento político-militar de 31 de março de 1964, a liga fazia parte da chamada ‘linha dura’, setor

das forças armadas que pregava a luta sem tréguas à ‘corrupção’ e à ‘subversão comunista’, ao mesmo

tempo em que combatia a devolução do poder aos civis. Membro destacado desse grupo, o coronel

Martinelli chefiava o inquérito policial-militar, sobre a atuação dos grupos dos 11, que tinha como

principal indiciado o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.” (Verbete LIDER em:

BELOCH; ABREU, 1984. sem pág.)

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chave na arrumação de um instrumento de governamentalização para a modernização

do território.

Os ministros do Interior

Os processos contemplados na seção anterior cruzam com as biografias dos

dois primeiros ministros do interior depois de 1964, fazendo-se matéria de primeira

relevância para entender como eles projetaram planos de ações dispostos a equacionar

problemas e propor soluções alimentadas pelo fito de modernizar o território enquanto

parte da modernização da sociedade. É preciso agora contemplar a inserção exata de

cada um deles nos fatos descritos para se entender quem eram eles quando se tornaram

ministros.

Cordeiro de Farias21

FIGURA 1: Viagem de S.Exa. o Sr. Ministro O. Cordeiro de Farias ao Vale do S.

Francisco22

. (setembro de 1964)

Fonte: CPDOC/FGV. Arquivo Pessoal Cordeiro de Farias.

Oswaldo Cordeiro de Farias (1901-1981) nasceu no Estado do Rio grande do

Sul no primeiro ano do século XX. Sua mãe era oriunda de família abastada, e o pai de

21

As principais fontes deste subitem são as memórias do próprio (FARIAS, 2001), o verbete biográfico

dedicado a ele no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro 1930-1983 (BELOCH; ABREU,1984) e

documentos de seu arquivo pessoal sob a guarda do CPDOC/FGV. 22

Título original, conforme consta no site do CPDOC/FGV.

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classe média, oficial do Exército de inspiração florianista (um de seus irmãos chamava-

se Floriano Peixoto, em homenagem ao Marechal) e instrutor da Escola da Praia

Vermelha. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro em 1906, onde conviveu, por

intermédio de seu pai, com figuras como o próprio Floriano Peixoto, Pinheiro Machado,

Hermes da Fonseca e Nilo Peçanha. Em carta de despedida do cargo do MECOR, ele

assim se pronunciou sobre a influência de seu pai em sua formação:

A geração de meu Pai foi a dos que, com ardor, haviam concorrido

para a implantação da República e tomado parte ativa nas lutas que,

em seguida, a pontilharam, logo após o 15 de Novembro. Nesse

ambiente é que começou a germinar e mais tarde se plasmou o sentido

de minha vida. Já oficial, muito moço, fui decorrência, por certo, em

grande parte, dessa formação, atraído pelos acontecimentos políticos

que agitaram o País no princípio da década de 1920. Ao lado da

vibração de companheiros jovens como eu, sentia aí a influência

daqueles homens, civis ou militares, veteranos e calejados de outras

pelêjas (sic) cívicas.Acima de tôdos (sic) eles, já fisicamente

alquebrado, quase sem poder locomover-se, mas guiando-me e

orgulhosos de minha atitude, a figura de meu Pai. (p.7)

Frequentou o Colégio Militar, em 1918 entrou para a Escola Militar do

Realengo onde, segundo ele, fez parte da primeira geração com formação

especificamente militar23

, graças à Missão Francesa e a Missão “indígena”. No

Realengo teceu relações interpessoais que o acompanharam em sua trajetória de vida de

maneira marcante.

Em 1919 fez-se segundo-tenente e em 1921 já era primeiro-tenente. Nos

levantes tenentistas de 1922, estava na Escola de Aviação do Exército, que não aderiu

ao levante, fugiu para encontrar-se com os rebelados do Forte de Copacabana, mas

quando lá chegou o encontrou rendido. Foi preso por seis meses segundo suas memórias

(três meses segundo seu verbete biográfico). De lá foi enviado à Santa Maria (RS), de

onde acompanhou os levantes em 1924 – apesar desta cidade não ter sido foco relevante

de sublevação –, partiu para São Luiz das Missões, onde se formou a coluna gaúcha

liderada pelo Capitão Luiz Carlos Prestes. Esta partiu para Foz do Iguaçu e em 1925

encontrou-se com a Coluna Paulista de Miguel Costa, formando a Coluna Miguel

Costa-Prestes. Cordeiro de Farias foi uma das lideranças do movimento. A importância

desta passagem para a sua trajetória parece ser primordial; em seus relatos ele revela em

variados momentos uma profunda articulação pessoal e política que se formou entre os

23

“Também nesse sentido posso me considerar um privilegiado. Sou da primeira turma que saiu da

Escola com formação verdadeiramente militar, pois o treinamento especializado foi introduzido em 1919,

ano em que me formei.” (FARIAS, 2011. p.61)

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membros da Coluna, dispersada em 1927. Em sua carta de saída do MECOR,

supracitada, ele evoca o nome de vários companheiros dos levantes tenentistas e de

Coluna (p.8).

Cordeiro de Farias foi um ativo conspirador na reviravolta que entrou para a

história como a “Revolução de 1930”. Este movimento, liderado por Góes Monteiro

após o rompimento de Luiz Carlos Prestes, contou com intensa participação dos

tenentes em geral. Deflagrada a tomada do governo, a corporação militar viu-se dividida

entre os jovens oficiais que triunfaram no plano político e os seus hierarquicamente

superiores que não adeririam às conspirações. Mesmo entre os jovens oficiais havia

secções entre os que defendiam o engajamento dos tenentes em posições destacadas no

novo regime e aqueles que acreditavam ser obrigação dos militares retornar às casernas,

em nome da manutenção da ordem hierárquica. O futuro ministro do MECOR estava

neste último segmento, assumindo a preocupação com a hierarquia e a integridade

militar como prioridades. Segundo seu próprio relato:

Durante aquela fase, os ‘tenentes’ assumiram uma posição de

vanguarda e de autonomia. Uma vez reintegrados, tal situação

produziu uma subversão hierárquica inevitável. As tensões se

agravaram ainda mais porque, vitoriosa a Revolução, os postos de

comando foram entregues aos oficiais mais graduados, os quais em

sua maioria não tinham participado do movimento. Assim, a divisão

se processava em dois níveis: no primeiro, opondo-se os ‘tenentes’

radicais aos moderados. No outro, separando participantes e não

participantes do movimento revolucionário. Eu me batia muito pela

integridade do Exército, mas o fato é que entre 1930 e 1932 a

hierarquia se esfacelou. (FARIAS, op,cit. p. 170)

Conforme se viu na seção anterior, uma solução para estes conflitos foi a

ascenção rápida de alguns oficiais na carreira – o caso de Góes Monteiro como o mais

emblemático, como diz Carvalho (op. cit.). Cordeiro de Farias se beneficiou deste

movimento. Em 1930 ganha a patente de capitão, em 1931 major, entre 1935-36 faz o

curso de Estado Maior do Exército (EEM), em 1938 vira coronel e em 1942 atinge o

generalato como general-de-brigada, o general brasileiro de menos idade na época. Ou

seja, enquanto Vargas manteve-se na presidência entre 1930 e 1945, ele passou de

primeiro tenente a general, percorrendo praticamente todas as patentes do Exército.

Apesar de sua manifestada posição de apartar-se da vida política, já em 1931

foi nomeado chefe da polícia no estado de São Paulo. Abandonou o cargo em 1932,

mesmo assim retornou ao estado para combater o levante paulista no mesmo ano. Em

1938, já em plena ditadura do Estado Novo, foi nomeado interventor no Rio Grande do

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Sul pelo próprio Getúlio Vargas, com intenso combate ao nazismo que se difundia nas

colônias alemãs daquele estado. Em 1937 e 1938, defendeu o governo varguista dos

levantes comunista (1935) e integralista (1938). Ao que tudo indica, as suas relações

com Getúlio Vargas eram positivas até sua ida à Segunda Guerra Mundial, que começou

em 1943 quando partiu para o estágio preparatório em Fort Leavenworth nos EUA. Em

janeiro de 1944 foi nomeado comandante da Artilharia Divisionária da FEB e parte para

o campo de batalha na Itália.

Com o retorno da FEB Cordeiro de Farias encontra um conturbado momento

político no Brasil. Há suspeitas de que desde o front o general já estava articulando-se

para a derrubada de Getúlio Vargas, fato que ele nega. De toda forma, seu retorno foi

marcado pelo rápido engajamento político que resultou na destituição de Vargas

alegando-se que o então presidente tinha pretensões de manter-se no governo com o

apoio popular. Foi o próprio Cordeiro de Farias, articulado com a cúpula militar na

época, que foi o encarregado de transmitir o ultimato dos militares ao presidente. Em

seguida, com Vargas deposto, foi nomeado por Góes Monteiro para a chefia do Estado

Maior das Forças Armadas (EMFA) – um Estado Maior das três armas simultaneamente

– criado naquele exato momento por sugestão do próprio Cordeiro de Farias, segundo

seu relato. Em 1946 foi promovido a general-de-divisão.

Em 1949 foi nomeado o primeiro comandante da ESG, uma escola de

formação crucial para um novo entendimento do escopo de atuação das Forças Armadas

no Brasil. A ESG é a grande responsável por difundir no Brasil, nos meios civis e

militares, o ideal de “guerra total”, sistematizada em seus bancos e exposta em seus

pormenores por Golbery do Couto e Silva (1981)24

, uma das figuras intelectuais mais

realçadas da escola. Segundo o seu comandante:

Na Escola Superior de Guerra tratamos de uma nova concepção de

segurança interna, que deriva da antiga concepção de defesa nacional.

A evolução da noção de ‘defesa’ para a noção de ‘segurança’

decorreu, na verdade, do arremate da Segunda Guerra. Foi aí que se

começou a perceber que um país em guerra estava globalmente sujeito

aos seus efeitos nefastos. E foi por isso que em 1949 criamos a ESG.

(FARIAS, 2011, p.350)

No intuito da filosofia da “guerra total”, caberia à escola convencer as elites

civis:

24

Sobre a ideia da “guerra total”, tal qual explicitada por Golbery, ver o capítulo quatro desta tese.

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90

Segundo esse raciocínio, qual seria o objetivo principal da ESG? Criar

lideranças civis e militares para enfrentar a eventualidade de um novo

estilo de guerra não mais circunscrita à frente de batalha e ao palco de

lutas, mas transformada em fato total, que afeta a sociedade por inteiro

e toda a estrutura de uma nação. (Ibid, p. 354)

Com essa militância, Cordeiro de Farias contribuiu para cimentar o segmento

político ideológico anteriormente citado como antinacionalista – de acordo com a

classificação de Peixoto (op.cit.) – aquele que encarna o ideal soldado-corporação

(CARVALHO, op.cit.), que se opõem a Getúlio Vargas em nome do anti-comunismo. É

nesse espírito que ele concorre e perde a presidência do Clube Militar 1950, derrotado

pela chapa rival de Estillac Leal e Horta Barbosa, da corrente nacionalista, mas esteve

ao lado da chapa vencedora em 1952, auto representada como Cruzada Democrática.

No debate sobre o petróleo, indicador mais preciso do posicionamento político de então,

ele se posiciona ao lado de seu colega tenentista Juarez Távora, pra quem a participação

do capital internacional era bem vinda.

Em 1952, quando as relações entre Vargas e a cúpula militar estavam pra lá de

estremecidas, ele é promovido a general-do-exército. Com o apoio do Partido Social

Democrático (PSD), concorre e ganha a eleição para governador de Pernambuco em

1954, após o suicídio de Vargas, cargo que exerceu até 1958, quando ingressa na

Comissão Mista Brasil Estados Unidos, empenhado em fortalecer as relações militares

entre os dois países. Não se envolveu nas tentativas de impedir Juscelino Kubitschek de

assumir a presidência, nem para fortalecê-la nem para combatê-la. Na renúncia de Jânio

Quadros consentiu com a saída parlamentarista para que assumisse João Goulart. No

entanto, em 1964, foi um dos mais ativos e principais conspiradores do golpe de estado

que depôs João Goulart25

, instalando o regime político que criou o MECOR,

posteriormente MINTER. Em 1965 ganha a patente máxima das Forças Armadas

brasileiras, a de Marechal, exclusiva para combatentes.

É muito facilmente identificável a posição de Cordeiro de Farias no bojo dos

conflitos ideológicos e políticos instalados no Brasil na ocasião do golpe de 1964.

Ironicamente (pelas relações estreitas que teve com Getúlio outrora), ele estava muito

mais próximo das “forças obscuras” como Getúlio Vargas calhou nomear seus

opositores em sua carta suicídio. Objetivamente, isso significa dizer que o general-do-

25

Seus relatos das conspirações de 1964 levam a entender que Cordeiro de Farias teve posição estratégica

na tarefa de consorciar os revoltosos militares com as elites industriais e empresariais de São Paulo, que

segundo ele financiaram e eram a retaguarda da conspiração. Os nomes dos empresários por ele citados

são: Júlio Mesquita, Francisco Matarazzo Sobrinho, Toledo Piza, Quartim Barbosa, Morais e Barros e

Abreu Sodré (p. 470). Sobre as conspirações ver em suas memórias (FARIAS, op.cit. pp. 463-474)

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exército nesse momento cuidava de estreitar as relações com os EUA, aprofundar no

Brasil o capitalismo mundializado, capitanear uma ríspida defesa contra todas as

aspirações populares receosamente vistas como “golpe comunista” e manter as Forças

Armadas em stand-by para assumir o papel de elite dirigente, caso as elites políticas

civis não fossem capaz de implantar esse programa.

Ao que tudo indica, sua nomeação como ministro do MECOR deve-se em

grande medida a certo sentimento de gratidão diante de suas incursões como

conspirador, já que desde que o golpe foi deflagrado até então (junho de 1964),

Cordeiro de Farias não havia assumido nenhum cargo relevante no novo governo26

. Já

que se trata da vitória dos tenentistas, como nos diz José Murilo de Carvalho (op.cit.),

era imprescindível um lugar ao sol para um de seus principais líderes.

E a tarefa foi aceita de bom grado, pois, segundo ele “acho que nunca tive

missão mais gostosa do que aquela!”; “foi um forte reencontro com o Brasil da

Coluna” (p.497). Para Cordeiro de Farias, há uma relação direta de continuidade entre a

Coluna Miguel Costa-Prestes e toda sua atividade política posterior, sobretudo a

desenvolvida frente ao MECOR:

na coluna Miguel Costa-Prestes, na sua marcha de quase 30 mil

quilômetros, rasgando o País de Sul a Norte, varando o Nordeste,

cruzando o velho São Francisco, atingindo as fronteiras de Minas e

volvendo sôbre (sic) seus passos até emigrar na Bolívia, durante dois

anos e meio, vivi o contacto (sic) com o Brasil sofrido, com sua gente

– sem escolas, sem saúde, sem estradas, sem polícia, sem justiça, sem

nada, – paupérrimo e sem esperanças. Este quadro de nosso Povo e de

seus problemas nunca mais me abandonou. Foi êle (sic), e o é até

hoje, o incentivo para minhas lutas, a força que me aciona, o objetivo

que nunca deixei de perseguir, o alicerce de toda minha conduta

política. Sem o sentir naquela época, mais tarde compreendi, porém,

que desde então lutávamos para dar um mínimo de solidez às forças

componentes da Segurança Nacional e, daí, a estrutura que procurei

imprimir à Escola Superior de Guerra, quando me foi dado organizá-

la. (Arquivo pessoal. pp. 7-8. grifo nosso.)

Em 1966 ele se afasta do cargo (o último a ocupar na esfera pública, civil ou

militar) motivado pelas discordâncias com o processo sucessório do presidente Castello

Branco, ao qual ele mesmo chegou a se declarar candidato. Aqui ele sofre a adversidade

do conflito com o segmento que começa a tomar forma e identidade em torno da

alcunha linha dura. Na sua carta de despedida do cargo, disponível em seu arquivo

pessoal no CPDOC (CFa 64.05.11 tv II-3), ele diz:

26

A chegada de Cordeiro de Farias ao cargo de ministro do MECOR já foi comentada na Introdução

desta tese.

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É com tristeza que me afasto do trato direto dos problemas atinentes

às regiões desconhecidas e menos desenvolvidas do País. Sôbre (sic)

mim exerceram elas, sempre, um verdadeiro fascínio. Não poderia ter

no Govêrno (sic) Castello Branco outra função que tanto me

sensibilizasse. Sou, consequentemente, muito grato ao Senhor

Presidente da República pela tarefa de que me incumbiu. (p.5)

Albuquerque Lima27

FIGURA 2: Afonso Augusto de Albuquerque Lima (1909-1981).

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/personas/afonsoAlbuquerque.html.

Afonso Augusto de Albuquerque Lima (1909-1981) nasceu em Fortaleza - CE,

seu pai era advogado. O sobrenome Albuquerque Lima refere-se a uma das famílias

mais tradicionais do Nordeste, o que leva a crer que suas origens familiares pode

destoar um pouco da maior parte dos demais oficiais do Exército.

Entrou na Escola Militar do Realengo em 1927, nove anos após o ingresso de

Cordeiro de Farias, vivenciando uma formação na qual o profissionalismo militar já

havia se sedimentado em mais sólidas bases, conforme o sentido que foi

progressivamente sendo implantado na Escola após as sucessivas reformas entre 1905 e

1929. É sabido, contudo que este profissionalismo nunca logrou superar por completo o

27

Diferentemente de Cordeiro de Farias, Albuquerque Lima não publicou memórias escritas, tampouco

há notícias de um arquivo pessoal seu organizado em instituição arquivística acessível, o que prejudicou

sobremaneira a interpretação de sua biografia, que ficou restrita ao verbete biográfico dedicado a ele no

Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro 1930-1983 (BELOCH; ABREU,1984), a principal fonte deste

subitem. Além dele, foi utilizado também os relatórios do Sistema Nacional de Informações (SNI) que

faziam referência a seu nome, disponíveis na base de dados “Memórias Reveladas” do Arquivo Nacional

de Brasília.

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ideal de soldado interventor, herdado da Escola Militar da Praia Vermelha. Muito pelo

contrário, durante a década de 1920 a escola foi intensamente agitada pelos levantes

tenentistas, especialmente aquele de cinco de julho de 1922, que partiu do Forte de

Copacabana e teve a adesão da Escola. Enquanto aluno, Albuquerque Lima aderiu ao

tenentismo, se tornando próximo de Juraci Magalhães e de Jurandir de Bizarria

Mamede, figuras ilustres do movimento.

Em 1930 tornou-se segundo-tenente e foi enviado ao Amapá para dirigira a

construção de uma estrada, mas no percurso deparou-se com a deflagração do

movimento revolucionário, do qual se juntou sob o comando de Juarez Távora,

combatendo pelas tropas sublevadas no Nordeste.

No ano de 1931 foi promovido a primeiro tenente e foi servir como

subcomandante da Brigada Militar de Pernambuco, subordinado a Jurandir Mamede. Na

cisão que dividiu o Exército, grosso modo, entre antigos e jovens oficiais, e estes

últimos entre satisfeitos e descontentes, Albuquerque Lima aderiu ao Clube 3 de

Outubro, agremiação criada para expressar o descontentamento dos tenentistas

protagonistas do levante que galgou Getúlio Vargas à presidência e agora sentiam-se

preteridos na composição do governo revolucionário. O Clube existiu até 1935.

Participou dos combates à sublevação paulista em 1932. Opôs-se à Constituição Federal

promulgada em 1934 que, segundo ele, subvencionava os interesses das oligarquias de

São Paulo. No mesmo ano foi promovido a Capitão. Combateu o levante comunista de

1935 como comandante de brigada. Em 1937 cursa a Escola de Aperfeiçoamento de

Oficiais (EsAO) e opõe-se à instauração do Estado Novo. Esta oposição é importante

para situar Albuquerque Lima nos segmentos políticos das Forças Armadas de então.

Conforme se viu, a ditadura varguista foi, na verdade, a concretização do modelo de

Góes Monteiro (CARVALHO, op.cit.); neste momento as relações entre Vargas e

militares estavam em bom tom, não havia ainda receio quanto a apelos populares e,

pelas posturas assumidas pelo então Capitão do Exército posteriormente, não há de se

acreditar que o caráter autoritário do regime o tenha incomodado.

Sua postura na ocasião parece dever-se muito mais às mesmas razões que o

levaram ao Clube 3 de Outubro, ou seja, a insatisfação com o destino dado a parcela dos

tenentes que combatera as tropas situacionistas em 1930. Uma breve comparação com

as posições assumidas por Cordeiro de Farias pode ser bastante ilustrativa. Em 1930,

antes da deflagração do levante, o ex-integrante da Coluna era primeiro-tenente e

Albuquerque Lima segundo-tenente. Em 1942 aquele atingia o generalato e este se

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tornara major. Claro que há de se considerar a notabilidade de Cordeiro de Farias na

década de 1920, enquanto seu sucessor ministerial foi ingressar na Escola Militar

somente em 192728

. Mas, de toda forma, há um contraste na ascenção da carreira e de

postos políticos. Em 1931 Farias foi chefe da polícia do Estado de São Paulo, enquanto

o oficial cearense era subcomandante de brigada.

Em 1939 Albuquerque Lima foi mais uma vez comissionado para dirigira

construção de uma estrada, desta vez no Paraná. Em 1944 foi fazer o curso de instrução

de oficiais da Engineer School, em Fort Belvoir (EUA) como treinamento para

ingressar na FEB. Retornado dos campos de batalha na Itália atingiu a patente de

Coronel em 1953, quando foi alocado em Santa Catarina, de novo com incumbências de

chefiar a construção de estradas e rodovias.

Em 1954, nos acirrados embates entre Getúlio Vargas e sua oposição (incluso

aí a parte hegemônica das Forças Armadas), ele foi signatário do famoso “Manifesto

dos Coronéis” (assinado por 42 coronéis, entre eles Golbery do Couto e Silva, seu ex-

colega de turma na Escola Militar e outros 39 tenentes-coronéis) documento que

direcionou criticas diretas e ácidas ao governo varguista, acusando-o basicamente de

omissão e descaso com a corporação militar e compromisso com ideais comunistas.

Albuquerque Lima firma-se como um anti-getulista desde o Clube 3 de Outubro, e

assim se manteve no ferrenho combate aos herdeiros da tradição trabalhista. Foi contra

as manobras que viabilizaram a posse de Juscelino Kubtischek, tomou parte da “Revolta

de Aragarças”29

e depois conspirou pela deposição de Goulart.

Enquanto isso, contraditoriamente, se envolveu com grupos envolvidos em

formular uma política menos “americanizada” de desenvolvimento, diferente daquela

levada a cabo pelos seus colegas da FEB. Entre 1959 e 1960 representou as Forças

Armadas no Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (CODENE) – grupo que

formulou a SUDENE – presidida pelo economista de esquerda Celso Furtado em pleno

governo Kubitschek, que ele tanto combatia. Ali marcou posições nacionalistas radicais.

Ainda em 1960 fez o curso de treinamento em problemas do desenvolvimento

econômico, oferecido pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),

28

É preciso se considera ainda que Cordeiro de Farias, devido ao seu forte engajamento na década de

1920, demorou nove anos para passar de tenente para capitão (1921-1930), enquanto Albuquerque Lima

fez esta ascendência em dois anos (1930-1932). 29

Uma malograda tentativa de golpe que partiu do tenente-coronel da Aeronáutica João Paulo Moreira

Burnier e o major-aviador Haroldo Veloso previa um ataque aos palácios das Laranjeiras e do Catete e a

deposição de Juscelino Kubitschek.

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órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que tinha como secretário-geral Raúl

Prebisch, economista argentino, também de inspiração esquerdista.

Em 1961, já sob o governo de Jânio Quadros de inspiração conservadora,

assumiu o cargo de diretor-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas

(DNOCS). Em 1963 “estagiou”30

na ESG, instituição em que ele passou a exercer o

cargo de chefia da Divisão de Assuntos Econômicos e foi um dos responsáveis pela

adesão formal da escola à deposição de João Goulart. Após o golpe, foi nomeado

interventor na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) e promovido a general-de-

brigada.

No decorrer do governo Castello Branco fez parte do grupo de pressão que

reivindicava o recrudescimento do regime ao lado dos coronéis dos IPM’s, do grupo

LIDER e de jovens oficiais da EsAO, sobre os quais exercia grande influência devido a

sua postura intransigente e nacionalista. Em 1965, na ocasião das eleições estaduais

marcada pela derrota do partido governista em importantes estados como Guanabara

(hoje Rio de Janeiro) e Minas Gerais, chegou a participar de um plano de deposição de

Castello Branco articulado pelo LIDER que não logrou derrubar o presidente, mas

conseguiu que este cedesse à pressão combaixando o Ato Institucional nº2. Em março

de 1966 foi promovido a general-de-divisão, articulou também o processo sucessório de

Castello Branco em defesa de Costa e Silva. Assumiu o MINTER no mesmo dia da

posse de Costa e Silva no ano de 1967, cargo que exerceu até 1969. Na reunião do

Conselho de Segurança Nacional (CSN) que decidiu por aplicar o Ato Institucional nº 5

– considerado uma vitória da linha-dura – seu voto é objetivo e claro:

Senhor presidente, senhores membros do Conselho de Segurança. No

momento em que tomei conhecimento da decisão histórica dada por

Vossa Excelência, e comunicada a este conselho, damos a ele o nosso

apoio de modo integral e absoluto. Não no estrito dever funcional,

mas por motivos muito mais profundos e sérios, pois se identificam

com os interesses superiores da nação.

Esta revolução vinha sendo desafiada constantemente por forças da

corrupção e da subversão, ainda existentes e insatisfeitas com a

contenção que a revolução de março de 64 lhes impusera. Não

compreenderam a magnanimidade de sua posição, inspirada em

compromissos formais com sua vocação democrática. À compreensão

de Vossa Excelência, responderam com desafio e ofensa, e tinham

como destinatários não os titulares eventuais do poder, mas sim todo

aquele sistema que a revolução procurava fazer por consolidar, dentro

30

Termo utilizado na escola para se referir aos cursistas.

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de um justo equilíbrio entre seu sentido renovador e estruturas sócio-

jurídicas inadequadas, mas legitimadas pela tradição.

A revolução, porém, fôra parcial, limitada, permitindo a coexistência

de poderes com vício residuais e que faziam por contestar a revolução

nas oportunidades que se lhes apresentavam. Assim, o recente caso

ocorrido na Câmara Federal [pronunciamento do deputado Márcio

Moreira Alves, acusando as torturas cometidas pelo Exéricto],

atingindo profundamente nossas Forças Armadas, não era fenômeno

episódico e particular, mas tinha sim um inegável sentido de uma

contestação e de execução de um plano anti-revolucionário em

marcha. Portanto, inaceitável na medida em que entendemos a

revolução como instrumento de realização dos grandes objetivos

nacionais.

Aqui, senhor presidente, apresento a Vossa Excelência o meu integral

apoio e solidariedade, no sentido de conduzir a revolução ao seu

grande destino, concordando plenamente com o presente ato

institucional editado com a sugestão apresentada pelo ilustre ministro

da Fazenda, no sentido do poder de corrigir a própria Constituição. 31

Após a renúncia, Albuquerque Lima radicalizou seu discurso nacionalista, o

que atraiu a Frente Ampla, formada por Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João

Goulart, antes adversários que gora uniam forças para combater o regime instaurado

(anteriormente apoiado por Lacerda) e também alguns setores da esquerda. O ex

ministro do interior preferiu não se aproximar destes, mas mesmo assim era o candidato

a presidência favorito destas forças políticas e de parte numericamente considerável do

oficialato, mas em grande parte de baixa patente. Na corrida à sucessão de Costa e

Silva, dos vários candidatos do Exército, Albuquerque Lima era um dos favoritos, mas

foi preterido pela cúpula, receosa que estavam das posições nacionalistas dele. O

argumento utilizado para excluí-lo do pleito foi a graduação:

Ninguém teria deixado de observar que dos seis candidatos do

Exército todos menos um tinham quatro estrelas [general-de-exército].

A exceção era Albuquerque Lima, com apenas três [general-de-

divisão]. Até então, não se fizera um acordo explícito sobre a patente

mínima que os candidatos deveriam possuir. Mas, confrontados com a

ameaça da candidatura de Albuquerque Lima, os ministros militares

anunciaram que somente generais de quatro estrelas eram elegíveis.

OS ministros estavam aplicando à presidência a regra militar de que

nenhum comandante pode ter graduação inferior à dos seus

comandados. Como o presidente devia dar ordens a generais de quatro

estrelas, não podia ter graduação menor. (SKIDMORE, 1988. p. 199)

Em 1971, Albuquerque Lima foi transferido para a reserva como general-de-

divisão e, a partir de então, passou a dedicar-se à iniciativa privada no Nordeste.

31

Extraído de:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/personas/afonsoAlbuquerque.html.

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97

É curioso notar que seus atributos de general do Exército, sua postura sempre

dura em prol do enrijecimento do regime, ex ministro de estado e quase presidente da

República, tudo isso não foi suficiente para livrá-lo de um dos mais rigorosos aparelhos

estatais montados para fazer funcionar a violenta repressão do regime, o Serviço

Nacional de Informações (SNI). Documentos disponíveis na base de dados “Memórias

Reveladas” do Arquivo Nacional mostram que Albuquerque Lima e seus

correligionários foram observados de perto pelo aparelho de inteligência e repressão do

regime que ele ajudou a construir.

No dia cinco de setembro de 1969, por exemplo, o SNI produzia um relatório

confidencial32

com o título “GOLPE PARA DERRUBAR MINISTROS MILITARES”,

no qual o informante dizia:

-Êste (sic) serviço tomou conhecimento do seguinte informe:

‘Um informante do Cel Maciel, foi chamado ao Rio de Janeiro, com

urgência, para receber uma informação de uma pessoa do Supremo

Tribunal Federal que disse: Um grupo de militares ligados ao General

ALBUQUERQUE LIMA estariam preparando um golpe para derrubar

os ministros Militares e consequente deposição do presidente COSTA

E SILVA. A pessoa declarou também, ter ouvido quando elementos

do grupo propuseram ao general MEDICI participação no golpe e o

mesmo recusou prontamente. Soube que mandaram verificar também

em S. Paulo, pois elementos do governador SODRÉ estariam ligados

ao grupo. (ID: BR_AN_BSB_VAZ_037_0005)

Em 1971 outro informe “ATUAÇÃO COMUNISTA NO BRASIL” adverte a

aceitação das ideias de Albuquerque Lima entre comunistas da Ação Libertadora

Nacional (ALN):

Convém que seja ressaltada a aceitação que vem tendo, entre as

correntes comunistas, em particular dos militantes da ALN, o

movimento de cunho ‘nacionalista’, ainda que nascente, liderado pelo

Gen R/1 Afonso Augusto de Albuquerque Lima (Id: A0432544-1971)

Mas não era somente os comunistas que pareciam simpatizar pelo general

nacionalista, este, segundo o SNI, atraia também os ultra direitistas da Falange

Patriótica, grupo que vangloriava Hitler e Mussolini. Em informe de 1980 (um ano

antes do falecimento de Albuquerque Lima), circulou um informe do SNI “FALANGE

PATRIÓTICA ARMANDO ZANINI JUNIOR”, no qual diz o informante:

32

Segundo o Decreto nº 79.099 de 06 de janeiro de 1977, que cria a tipologia de salvaguarda de assuntos

sigilosos, em seu parágrafo terceiro do Artigo segundo, o conceito de confidencial é: “§ 3º O grau de

sigilo CONFIDENCIAL será atribuído aos assuntos cujo conhecimento por pessoa não autorizada possa

ser prejudicial aos interesses nacionais, a indivíduos ou entidades ou criar embaraço administrativo.”

(BRASIL, 1977).

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Não tem preconceitos raciais [a Falange Patriótica] e são favoráveis: a

existência da Lei de Segurança Nacional, à abertura política ‘sem

arrombamento’, a participação da Igreja nas questões sociais (sem

conotação marxista), à Lei de Imprensa, à política salarial do governo,

ao desenvolvimento de um movimento popular de direita. Fazem

algumas restrições à política de transportes do Governo e declaram-se

apoiadores da Revolução de março de 1964. Consideram os ex-

ministros SEVERO GOMES e ALBUQUERQUE LIMA como

aliados e acham que o Governo deve abrir mão de uma parcela dos

impostos em favor das empresas, para que haja um repasse para os

operários, através de ações ordinárias.(ID: C0034162-1980)

O general Afonso Augusto de Albuquerque Lima parece estar situado politica e

ideologicamente entre os oficiais das Forças Armadas oriundos da Revolução de 1930

que não galgaram posição de destaque imediatamente, diferentemente do que ocorrera

com grande parte do grupo político ligado a Cordeiro de Farias, anteriormente chamado

de antinacionalista. Este grupo nunca apareceu de maneira significativa e articulada nos

embates que agitaram a caserna desde 1930. Pelas posições extremistas, conquistou

progressivamente o oficialato novo através do estigma de linha dura. Entretanto, por

sua postura marcadamente nacionalista (sem aproximar-se dos nacionalistas como o

general Newton Estillac Leal) e distributiva (o que dava a seu discurso um ar de

“comunismo”), mesmo entre os linha dura ele parece não ter tanta acolhida. Ao

contrário, conquistava a simpatia dos grupos de esquerda, que em certos momentos

tentaram uma aproximação, mas que nunca o seduziram de fato.

Enfim, temos dois perfis de ministros que guardam entre si semelhanças e

também diferenças. Pode-se dizer que ambos tiveram suas vidas militares

profundamente marcadas pela ação política, compartilharam experiências como o

tenentismo33

, a Revolução de 30, a FEB, a oposição ao segundo governo de Getúlio

Vargas (1950-1954), a ESG e as conspirações de 1964. Mas tiveram em posições

opostas em outras circunstâncias em que, coincidência ou não, a hierarquia militar do

Exército esteve posta a prova: os primeiros momentos pós Revolução de 30 e o governo

Castello Branco, no regime militar.

Cordeiro de Farias foi muito mais reverenciado e agraciado, encerrou sua

carreira com o honorável título de Marechal, dá nome a prêmios e congratulações do

Exército e Forças Armadas, seu circulo de afinidades agregou civis e militares que

vieram a ser de primeira relevância na vida nacional, como Juarez Távora, os irmãos

Geisel (Orlando e Ernesto), Golbery do Couto e Silva, Castello Branco e, porque não, o

33

Apesar da participação menos intensa de Albuquerque Lima em função da idade, oito anos mais novo

que Cordeiro de Farias.

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próprio Getúlio Vargas, entre outro tanto inumerável de personagens que dignos de

citação. Albuquerque Lima foi não desfrutou do mesmo prestígio por parte daqueles que

ocupavam os cargos maiores, que poderiam lhe oferecer as honrarias. Retirou-se para a

reserva como general-de-divisão (obviamente que é uma patente ilustre), sem aliados de

grande porte, nem no meio civil nem no militar. Era venerado pelo jovem oficialato, de

onde sempre tirou seu cacife político, muitas vezes desafiando a cúpula, mas era tido

com reservas por todos os grupos: os antinacionalistas se opunham por sua postura linha

dura, os linha dura receavam seu caráter nacionalista e popular, os nacionalistas e

populares eram perseguidos pelo regime repressor que ele acreditava e defendia.

Inegavelmente são dois perfis extraordinários, com círculos de afinidades e

posição ideológica significante. As turbulentas trajetórias os colocaram em contato com

experiências de vida e modos de ver o mundo e o país que nutriram suas práticas

enquanto ministros.

* * *

Ao escrever esse capítulo, fica a certeza de que tratar da corporação militar no

Brasil desde os fins do século XIX até o regime militar de 1964-1985 é tratar de

protagonistas fundamentais da história nacional. Ao projetar esse processo em

operações objetivas de governamentalização – como a do território – acionadas por

pessoas que viveram intensa e diferentemente essa história, é possível entender com

mais segurança como esta governamentalização é instrumentalizada a partir da posição

social destes sujeitos e os projetos que vislumbram para o país. Projetos alimentados por

ideias formulados na vivência destes homens, testemunhas e sujeitos de “tempos

interessantes”34

. Cabe, a partir daqui, analisar os planos de ação de governamentalização

do território formulados por eles enquanto responsáveis maiores por uma pasta de

governo como o MECOR/MINTER, e identificar como esta prática esta imbricada em

campos de poder que definem o significado do ministério. Este é o desafio dos capítulos

seguintes.

34

Tomo emprestado o título do livro do historiador Eric Hobsbawm.

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100

3. O INTERIOR ‘ATRASADO’ E A ‘FUNÇÃO ALTAMENTE CIVILIZADORA

DO DESENVOLVIMENTO’

A nova ordem geopolítica mundial se expressa com transformações profundas

no Brasil. O mote de modernização do território e da sociedade no Brasil ganha

conteúdo renovado desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Um novo arranjo de

grupos e forças sociais se impõe através da estruturação de campos de poder. Este

capítulo trata de um deles: o campo de poder do desenvolvimento.

O mote do desenvolvimento se apodera o debate político, econômico e social

através de práticas concretas que o disseminaram e o alçaram para o topo de

importância da agenda pública, subjugando e inviabilizando toda e qualquer ideia que

pregasse algo que pudesse sem interpretado como oposto ao desenvolvimento. Esse

apoderar-se é resultado de práticas e relações de poder em escalas múltiplas.

O desenvolvimento como campo de poder no Brasil

A noção de desenvolvimento é uma peça fundamental do discurso geográfico

sobre o território nacional proclamado pelos experts da metade do século XX para cá,

assim como no plano de ação e governamentalização do território proposto pelo

MINTER. Considerando esse discurso como uma prática social situada (DRIVER,

1992), é preciso identificar suas formas de ação e penetração no mundo social;

identificar como e através do quê ele tornou-se tão difundido e tão aceito no Brasil, ou,

como diz Arturo Escobar (1995):

To see development as a historically produced discourse entails an

examination of why so many countries started to see themselves as

underdeveloped in the early post-World War II period, how ‘to develop’

became a fundamental problem for them, and how, finally, they embarked

upon task of ‘un-underveloping’ themselves by subjecting their societies to

increasingly systematic, detailed, and comprehensive interventions. (p.6)1

Segundo Escobar, o sentido contemporâneo de desenvolvimento é uma

invenção do pós-guerra, antes de 1940 essa palavra, muito menos utilizada, tinha

conotação mais vaga. É imanente à formação da modernidade, em seu conteúdo

eurocêntrico, o exercício de classificação e hierarquização social através de categorias

1 “Para ver o desenvolvimento como um discurso historicamente produzido implica um exame de como

tantos países começaram a ver a si mesmos como subdesenvolvidos no período do começo do pós

Segunda Guerra Mundial, como ‘desenvolver’ tornou-se um problema fundamental para eles, e como,

finalmente, eles embarcaram na tarefa de subverter o subdesenvolvimento de si mesmos pela subjugação

de suas sociedades a crescentes sistemáticas, detalhadas e abrangentes intervenções” (Tradução Livre)

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que tornam possível distinguir e situar claramente sujeitos nas relações de poder, a partir

de referências geográficas, raciais, de gênero, etc., de preferência com fundamento

natural (QUIJANO, 2010)2. Assim como a categoria de raça foi estruturante no

estabelecimento das relações de poder nos primeiros momentos da colonização, o

desenvolvimento passa a ser, a partir da década de 1940, o elemento estruturante que

define o lugar geográfico, econômico, político e social de países e pessoas em relações

de poder hierarquizadas. A palavra não é nova, novo é o seu significado.

A primeira legitimação ao desenvolvimento é argumento de combate a

pobreza. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial difundiu-se um ideal que

objetivou a pobreza associada a uma série de carências: analfabetismo, renda per capita,

saúde, etc. Esta difusão acompanhou pari passu a formação do mercado mundial do

capitalismo, que passou a demandar os recursos naturais e o mercado interno dos países

doravante chamados de subdesenvolvidos. Importante notar que se ignorou

completamente os efeitos dessa mundialização do capitalismo na fabricação da própria

pobreza, através de processos como o rompimento de relações tradicionais de produção

e o desapossamento de populações e seus recursos. Fato é que, a partir de então, a

pobreza passou a demandar intervenções sistemáticas com a finalidade alegada de

erradica-la, mas com o efeito de implantar um poderoso mecanismo de controle social

(ESCOBAR, op.cit.).

Agências internacionais foram criadas com o objetivo de “auxiliar” as

populações pauperizadas. O auxílio era financeiro e técnico, mais este que aquele. O

pressuposto era de que a superação da situação indesejada exigia, em primeira instância,

uma solução técnica, científica. O domínio deste tipo de saber legitimava as agências a

prescrever através de planos a política a ser adotada nos países subdesenvolvidos,

submetidos aos estandartes externos pela primazia do desenvolvimento:

Thus poverty became an organizing concept of the object of a new

problematization. As in the case of any problematization (Foucault

1986), that of poverty brought into existence new discourses and

practices that shaped the reality to wich they referred. That the

2 “As diferenças fenotípicas entre vencedores e vencidos foram usadas como justificação da produção da

categoria ‘raça’, embora se trate, antes do mais, de uma elaboração das relações de dominação como tais.

A importância e o significado da produção desta categoria para o padrão mundial do poder capitalista

eurocêntrico e colonial/moderno dificilmente poderiam ser exageradas: a atribuição de novas identidades

sociais resultantes e sua distribuição pelas relações de poder mundial capitalista estabeleceu-se também

como o fundamento das novas identidades geoculturais e das suas relações de poder no mundo. E,

também, chegou a ser parte por detrás da produção das novas relações intersubjetivas de dominação e de

uma perspectiva de conhecimento mundialmente imposta como a única racional.” (QUIJANO, 2010.p.

119)

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essential trait of the Third World was its poverty and that the solution

was economic growth and development became self-evident,

necessary, and universal truths. (ESCOBAR, op.cit. p.24)3

O desenvolvimento é apresentado como única saída desejável, o único

caminho. O Terceiro Mundo é representado por sua debilidade, fragilidade e

inferioridade diante do mundo desenvolvido. Este lugar social é representado por

metáforas médicas ou infantilizantes, como “fraco”, “doente” ou incapacitado, sujeito à

supervisão de um adulto. Esta infantilização atribuiu a outro ente capaz a complexa

tarefa da redenção desenvolvimentista. Agências especializadas se apresentam como se

fossem aclamadas como aquelas que dispõem das ferramentas certas para o feito

desejado. Estas ferramentas são a ciência, tecnologia e o planejamento, e a

confiabilidade se ancora na experiência bem sucedida de outro lugar geográfico: o

mundo ocidental, desenvolvido.

O desenvolvimento, a partir do pós-guerra, definiu-se como um regime

discursivo específico, i.e., uma formação discursiva que articula elementos em torno de

um novo significado. Não que esses elementos não existissem até então, o combate à

pobreza, a ação estatal coordenada para determinado fim, a conclamação dos experts

para propor diagnósticos e formular soluções; tudo isso tem precedentes desde pelo

menos o século XIX; a novidade é a articulação destes novos elementos em tornou de

um único significado. O desenvolvimento converteu-se em regime discursivo particular

na medida em que uma coisa passou a implicar a outra: a diversidade social limitou-se a

ser tratada como pobreza, que por sua vez exigia formas pré-determinadas de relações

produtivas para ser superada, estas relações produtivas deveriam ser prescritas por

especialistas técnicos e agências especializadas, e assim por diante. Este encadeamento

de problemas e soluções que Escobar chama de regime discursivo do desenvolvimento,

prefiro chamar de expressão discursiva do campo de poder do desenvolvimento.

Segundo Gustavo Ribeiro (2008):

O campo do desenvolvimento é constituído por atores que

representam vários segmentos de populações locais (elites locais e

líderes de movimentos sociais, por exemplo); empresários privados,

funcionários e políticos em todos os níveis de governo; pessoal de

corporações nacionais, internacionais e transnacionais (diferentes

3 “Assim a pobreza veio a ser um conceito organizador e o objeto de uma nova problematização. Como

nos casos de qualquer problematização (Foucault 1986), esta da pobreza trouxe à existência novos

discursos e práticas que deram forma à realidade a qual elas se referiam. Isto que o traço essencial do

Terceiro Mundo foi a pobreza e isto que a solução era crescimento econômico e desenvolvimento

tornaram-se auto evidências, necessárias e universais verdades.” (Tradução Livre)

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103

tipos de empreiteiros e consultores, por exemplo); e pessoal de

organizações internacionais de desenvolvimento (funcionários de

agências multilaterais e bancos regionais, por exemplo). As

instituições são parte importante desse campo; elas incluem vários

tipos de organizações governamentais, organizações não-

governamentais, igrejas, sindicatos, agências multilaterais, entidades

industriais e corporações financeiras. (p.110)

Este campo de poder estruturou-se nos países do chamado Terceiro Mundo e

desenhou uma particular geopolítica das relações de poder. Um campo de saber se

forma a partir desse eixo, centralizado na figura dos economistas, que converteram a

discussão social em objeto científico (i.e., matemático). Além de regime discursivo, o

desenvolvimento ganha a conotação de campo de poder, extremamente eficiente como

poder simbólico (BOURDIEU, 2007a), diga-se de passagem. Discute-se como

desenvolver, não o que deve ser o desenvolvimento. Desenvolvimento virou assunto de

especialista, aquém se suporia pensar a melhor conjugação de forças produtivas (mão de

obra, tecnologia, capital e matéria-prima) e componentes macroeconômicos (juros,

câmbio, regime fiscal, etc.). Estes especialistas e suas fórmulas “científicas” aparecem

como inquestionáveis aos outros sujeitos sociais, resignada à condição de objeto da

intervenção técnica (ESCOBAR, op.cit.)

Relações sociais objetivas se estabelecem no bojo do campo do

desenvolvimento através da proliferação de instituições e agências desenvolvimentistas,

por exemplo, a USAID [1961] (United States Agency for International Development4) e

a Aliança para o Progresso (1961-1969), firmada entre os EUA e os países da América

Latina (menos Cuba, que acabara de fazer sua revolução socialista), com a missão de

levar o desenvolvimento (ESCOBAR, op.cit.). Mas também a partir das próprias

empresas, agora imensas corporações mundializadas.

A conjugação da profissionalização e institucionalização do desenvolvimento

promoveu um extraordinário mecanismo de controle social sobre o Terceiro Mundo,

seus territórios e sua gente. Os profissionais especialistas diagnosticam os problemas e

dão as receitas; as instituições (que muitas vezes os empregam), por sua vez, se

encarregam de fazer circularem as receitas e as empregarem efetivamente em

“laboratórios” no mundo não desenvolvido. As decisões sobre os rumos e o destino

político desses povos lhes são alienadas por um formidável e eficiente método de

normatização do mundo pelo mote do desenvolvimento.

4 Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.

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Esta é a definição de desenvolvimento como campo de relações de poder que

guia a análise neste capítulo. Sumariamente, trata-se do processo material e simbólico

através do qual se consolidou um objetivo que normatiza politica, econômica e

culturalmente todas as sociedades “modernas”, subjugando-as aos imperativos de

controle social instransponíveis. A esse objetivo costuma-se chamar de

desenvolvimento.

Escobar (op. cit.) é conclusivo sobre isso:

At times, development grew to be so important for the Third World

countries that became acceptable for their rulers to subject their

populations to an infinitive variety of interventions, to more

encompassing forms of power and systems of control; so important

that First and Third World elites accepted the price of massive

impoverishment, of selling Third World resources to the most

convenient bidder, of degrading their physical and human ecologies,

of killing and torturing, of condemning their indigenous populations to

near extinction; so important that many in the Third World began to

think of themselves as inferior, underdeveloped, and ignorant and to

doubt the value of their own culture, deciding instead to pledge

allegiance to the banners of reason and progress, so important, finally,

that the achievement of development clouded the awareness of the

impossibility of fulfilling the promises that development seemed to be

making5. (pp. 52-53)

Em cada país e em cada formação social este processo provocou uma

reestruturação institucional, uma reordenação política toda disposta a favorecer o

desenvolvimento, ou seja, este conjunto de relações de produção, poder e de criação de

significados, conforme o conceitualizou Escobar (op.cit.). No Brasil, este processo foi

conduzido pela emergência da ordem tecnocrática, ou tecnoburocrática, como prefere

Bresser Pereira (1982), ou ainda tecno-empresarial, como prefere Dreifuss (1981).

Cada uma dessas definições acentua um aspecto que considera fundamental de

um mesmo processo, que é a emergência de uma forma de governo atribuída a uma

classe profissional baseado em uma suposta superioridade e neutralidade da técnica6.

5 “Por vezes, o desenvolvimento cresceu para ser tão importante para os países do Terceiro Mundo que

isso tornou aceitável para seus governantes submeter as suas populações a uma variedade infinita de

intervenções, as mais abrangentes formas de poder e sistemas de controle; tão importante que as elites do

Primeiro e Terceiro Mundo aceitaram o preço do empobrecimento maciço, da venda de recursos do

Terceiro Mundo ao licitante mais conveniente, da degradação de suas ecologias físicas e humanas, de

matar e torturar, de condenar suas populações tradicionais à quase extinção; tão importante que muitos no

Terceiro Mundo começaram a pensar em si mesmos como inferiores, subdesenvolvidos, e ignorantes e a

duvidar do valor de sua própria cultura, decidindo ao invés jurar lealdade às bandeiras da razão e do

progresso; tão importante, finalmente, que a realização do desenvolvimento obscureceu a consciência da

impossibilidade de cumprir as promessas que o desenvolvimento parecia estar fazendo.” (Tradução Livre) 6 Para todos estes conceitos, guardadas suas respectivas especificidades, a definição de Martins (1974)

parece satisfatoriamente precisa e sucinta: “Quando nos referimos, por outro lado, a tecnocratas e

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Bresser Pereira prefere salientar que o governo dos técnicos se consolida através da

formação de uma burocracia que se imunizadas tensões políticas; já Dreifuss, na

conceituação que parece ser a mais precisa, procura acentuar o envolvimento da classe

empresarial neste processo de consolidação da técnica como forma de governo. De toda

forma, a tecnocracia7 é um amadurecimento do racionalismo utilitarista do pensamento

moderno. Além de um sistema político e econômico, é também uma ideologia pautada,

segundo Bresser Pereira (op.cit.) em alguns pontos fundamentais: i) a crença absoluta

no desenvolvimento econômico, o objetivo último, que se impõe a todos, e viável

unicamente através da eficiência administrativa; ii) o conservadorismo dinâmico, que

assimila as mudanças tecnológicas, mas se mantém longe de qualquer mudança social;

iii) o princípio da segurança, requisito para a eficiência, porque desordem seria

sinônimo de ineficiência; iv) a crença segundo a qual todos os problemas são de ordem

técnica, e não sociais; v) por fim, a identificação do consumo com felicidade, quanto

mais se consome melhor se vive, e quanto mais se produz mais se consume.

Nos países subdesenvolvidos como o Brasil os estamentos militares foram um

dos grandes protagonistas da emergência da ordem tecnocrática (BRESSER PEREIRA,

op.cit.), devido a fatores internos à corporação – a burocratização mais avançada se

comparada às demais instituições e os laços com as congêneres europeias e

estadounidenses, conforme já foi visto no capítulo anterior – e externos – o

fortalecimento do nacionalismo que exigiu uma intervenção mais direta.

Desde o Estado Novo que os militares se puseram politicamente como uma

força tecnicamente superior porque seriam as únicas a conseguir almejar o crescimento

econômico. Depois da Segunda Guerra Mundial a parcela que se fez hegemônica nas

Forças Armadas foi exatamente aquela que perfilou a FEB e incorporou muito bem os

ideais estadounidenses, convertendo-se em entusiastas do desenvolvimento. Ou seja, a

operação de constituição do campo de poder do desenvolvimento que se formou

mundialmente iniciou precocemente entre os militares brasileiros:

Mas procuramos mostrar que transformações reais se vinham

processando no sentido de modificar o papel da organização militar na

tecnocracias, temos em mente fenômenos de outra ordem. Nesse caso, não estamos pura e simplesmente

mencionando a presença de um contingente técnico-científico num determinado contexto social; na

verdade, estamos sugerindo, no mínimo, que os tecnólogos podem ser apropriadamente descritos como

sendo algo mais do que meros tecnólogos e que o contingente técnico-científico assumiu, ou está em vias

de assumir, as funções de poder.” (p.18) 7 Apesar de o conceito de Dreifuss parecer mais apropriado, neste texto optou-se pela utilização do termo

tecnocracia por ser mais genérico e mais facilmente manuseado no texto.

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106

política nacional. A mudança independia em parte do discurso político

predominante e fazia parte das transformações maiores que se davam

na própria sociedade e no Estado. O enunciado dos projetos do novo

regime [o Estado Novo] em matéria de desenvolvimento econômico

revela um conteúdo que de muito extrapolava o autoritarismo político,

aspecto sempre salientado pelos opositores (CARVALHO, 2006. p.

99)

A entrada do desenvolvimentismo no Brasil se deu, em grande parte, através do

processo de penetração do capital monopolista multinacional que aterrissa no país a

partir da década de 1950. A entrada desse novo e poderoso agente reconfigura o

equilíbrio interno de poder, perturbando o pacto populista que acomodava o voto

popular e o controle político pelas oligarquias (CARDOSO, 1972). Esta perturbação se

definirá com o golpe de 1964, quando este novo agente se hegemoniza nacionalmente.

O bloco multinacional associado, como o chamou René Dreifuss, entra no

cenário político e econômico brasileiro com grande volume de capital e tecnologia

sofisticada, elementos significativos para se impor em uma concorrência capitalista,

principalmente no capitalismo brasileiro da metade do século passado, quando o

empresariado e a indústria nacional ainda não estavam consolidados. Entretanto,

transformações nas relações econômicas não são suficientes para edificar o campo do

desenvolvimentismo, que precisa estar adequado a um conjunto de relações de poder e

produção de significados que sejam favoráveis ao regime produtivo a ser implantado

(ESCOBAR, op.cit.).

As relações de poder adequadas foram construídas minuciosamente, num

processo que desestabilizou o regime populista que seguia seus rumos com forte apelo

nacional e popular no Brasil8 (principalmente nos governos de Getúlio Vargas [1951-

54], Juscelino Kubitschek [1956-1961]e João Goulart [1961-1963]). Este trabalho

ocorreu através de diretores nacionais das corporações internacionais, empresários,

técnicos do setor privado e público e os militares. Através destes agentes o capital

multinacional se fazia representado na política nacional, eles apresentavam seu projeto

político do qual eles faziam parte como associados. Estes defensores, os elementos

componentes do capital multinacional associado, eram o vínculo entre os interesses

internacionais e os nacionais:

A estrutura desse sistema nervoso central estava estabelecida no

interior das formações sociais nacionais dos países onde as

8 A análise que segue, da formação do bloco do capital multinacional associado no Brasil, está

fundamentalmente baseada em Dreifuss (1981).

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multinacionais operavam. Essas criavam ou favoreciam a formação de

‘elites’ locais ligadas organicamente por laços sócio-culturais, padrão

de vida, aspirações profissionais, interesses decorrentes da sua

condição de acionistas e atitudes econômico-políticas.

(DREIFUSS,1981. p. 72)

Esse bloco associado foi progressivamente capaz de deslocar a elite oligárquica

de sua posição até então privilegiada nas relações de poder e assumir para si essa

posição de comando, de maneira associada. Enquanto edificavam sua estrutura de ação

política, pavimentavam o caminho para a penetração e proliferação do campo de poder

do desenvolvimento.

Entre os militares, a conformação desse bloco associado ocorreu

predominantemente através da ESG e dos acordos militares entre Brasil e EUA. As

afinidades ideológicas entre ambos é óbvia, desde o tenentismo que os militares tinham

como alvo principal a oligarquia rural, a qual pretendiam substituir por um moderno

capitalismo industrial. Pois aí estava concretizada essa via, através do capital associado.

Tinham em comum também o arraigado anticomunismo, difundido fervorosamente nas

Forças Armadas brasileiras bem antes do desenvolvimentismo. Isto, em um contexto de

Guerra Fria, no qual o opositor são justamente os comunistas, é bastante considerável.

Além das afinidades, o contato pessoal e a vivência da Segunda Guerra aproximaram os

militares nativos e os EUA. Já na década de 1950 alguns militares transferiam-se para a

reserva para desempenhar funções de chefia em empresas multinacionais que iam se

instalando. Os militares também foram estratégicos na implantação do desenvolvimento

no Brasil através da ESG, meio pelo qual se estabeleceu ligações orgânicas com os civis

dos meios empresariais e da administração pública.

Além dos militares, foi muito significativa a participação de elites civis que

conformavam uma estrutura de poder tecno-empresarial, consolidada em anéis

burocráticos que assumiam competências de política administrativa, mas mantinham-se

alheios aos embates políticos normais. Esses anéis burocráticos eram, p.ex., o Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE – hoje BNDES, com o social

acoplado ao nome), o Banco Central e toda a gama de autarquias, empresas de

economia mistas e tantas outras agências posterirormente regularizadas sob a insígnia

de administração indireta na Reforma Administrava de 1967.

Os principais agentes civis do capital multinacional associado estavam

organizados em três frentes: os escritórios de consultoria empresarial, as associações de

classe empresariais, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e

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os grupos de ação, como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto

Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). As consultorias empresariais agiam no sentido

de dar conselhos e recomendar políticas econômicas aos setores privado e público.

Generosamente pagos pelo capital multinacional, em suas recomendações ao poder

público privilegiavam medidas que facilitassem o fluxo deste capital, as quais

costumavam chamar de modernização da economia, o que era, na prática, a

consolidação do campo desenvolvimentista. A classe empresarial brasileira viu o capital

multinacional como um sócio estratégico e promoveu uma defesa intransigente de seus

aportes nos seus negócios. Por fim, o IPES e o IBAD encarregaram-se da função que

Dreifuss (op. cit.) identifica como intelectuais orgânicos (na acepção gramsciniana no

termo), ou seja, elaboram a construção intelectual que promovia este processo como o

ideal para o país e, concomitantemente, difundiam estes ideais em toda a sociedade

civil.

O triunfo definitivo deste novo agente deu-se com o golpe de 1964, através do

qual foi demonstrado que a estrutura populista não estava adequada ao novo

protagonista político no país, o bloco multinacional associado. Consolidou-se também o

campo desenvolvimentista, em seus aspectos políticos, econômicos e ideológicos. A

partir de então:

A elite orgânica dos interesses financeiros-industriais multinacionais e

associados foi capaz de assegurar poder econômico e administrativo,

objetivamente transformando o aparelho de Estado em parte integrante

dos interesses monopolistas que controlavam a economia. Os

interesses multinacionais e associados foram capazes de controlar a

vida política do Estado e de forjar sua máquina de acordo com as

necessidades do capital monopolista, ocupando os cargos centrais de

poder e determinando suas metas, procedimentos e meios.

(DREIFUSS, op. cit. 419)

O poder econômico e administrativo foi o principal pivô da consolidação do

desenvolvimento enquanto prática e discurso no Brasil. Paralelamente, a intelligentsia

do domínio do saber que alçou-se a uma posição privilegiada a partir de então – os

economistas – se puseram a discutir as formas do desenvolvimento, pautando um debate

restrito ao como, sem questionar o porquê desenvolver-se, atitude típica deste campo de

poder. A este embate Ricardo Bielschowsky (2000) chamou de ciclo ideológico do

desenvolvimentismo. Por desenvolvimentismo9 o autor se refere a:

9 A definição de desenvolvimentismo do autor está focada no caráter discursivo, mais especificamente no

debate econômico. Nesta investigação, a palavra desenvolvimentismo se refere ao campo de poder ao

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Entendemos por desenvolvimentismo, neste trabalho, a ideologia de

transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto econômico

que se compõe dos seguintes pontos fundamentais:

a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do

subdesenvolvimento brasileiro;

b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional

no Brasil através de forças espontâneas de mercado; por isso, é

necessário que o Estado o planeje;

c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores

econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e

d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e

orientando recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos

naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente,

(BIELSCHOWSKY, 2000. p. 7)

Seu conceito resume basicamente o debate econômico brasileiro a partir de

193010

. A polêmica gira em torno de questões como: a industrialização, a participação

do capital privado, a centralidade do Estado, inflação, distribuição de renda, entre

outros; mas sempre visando a mesma finalidade, o desenvolvimento. O autor distingue

três; correntes desenvolvimentistas: i) do setor privado; ii) do setor público não-

nacionalistas; iii) setor público nacionalista.

Sua análise revela-se interessante não só pela explanação do entendimento das

diferenças teóricas da economia, mas, sobretudo, por demonstrar como cada uma dessas

concepções tornam-se baluarte de instituições diferentes com atuação significativa para

difundir e consagrar a crença no desenvolvimento, cada um com sua própria versão.

Todas as correntes organizaram-se em torno de entidades que atuavam publicamente e

dispunham de periódicos próprios para veicular suas ideias.

Os desenvolvimentistas do setor privado, representados por Roberto Simonsen,

estavam organizados em torno da FIESP e da Confederação Nacional da Indústria

(CNI). Suas preocupações são consideradas prematuras, pois ele se antecipa à

consolidação da teoria econômica do desenvolvimento do pós-Segunda Guerra

Mundial. Em suas defesas do desenvolvimentismo estas instituições pregavam

sinteticamente: i) a ação do Estado no sentido de dinamizar setores da indústria em que

a iniciativa privada não fosse capaz; ii) planejamento estatal; iii) o protecionismo

econômico, necessário pela condição “enfante” da indústria nacional; iv) não entendia o

projeto de industrialização como antagônico aos interesses agrícolas; v) defendia o

qual se refere Escobar (op.cit.), englobando, portanto, o conjunto de práticas, instituições e significações

simbólicas articuladas. 10

Na verdade, Bielschowsky exclui da categoria de desenvolvimentista somente os adeptos da teoria

neoliberal, representados sobretudo por Eugênio Gudin e Octávio Gouveia de Bulhões. Eles seriam não-

desenvolvimentistas por defenderem a livre ação do mercado (avessos, portanto, a intervenções estatais

como o planejamento) e não visarem a industrialização como meta.

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110

alinhamento aos EUA; vi) era favorável à entrada de capitais externos, desde que

direcionados para os setores não explorados pela indústria nacional.

Os desenvolvimentistas do setor público não nacionalista, encarnados na figura

de Roberto Campos (que depois veio a ser ministro do Planejamento de Castello

Branco), formaram-se já na década de 1950 em torno da Comissão Mista Brasil-EUA e

o BNDE. Estavam, portanto, no centro da operação anteriormente descrita de formação

do capital multinacional associado, mesmo que esta não se resuma àqueles. Como

observa Bielschowsky (op.cit.):

Observado retrospectivamente à luz do processo histórico

efetivamente ocorrido no país, Campos destaca-se nos anos 50 como

um pensador certeiro. Foi, sem dúvida, o economista da nova ordem

do Brasil, que passava da velha estrutura agrário-exportadora à nova

estrutura da economia industrial internacionalizada. Campos apostou

na industrialização pela via da internacionalização de capitais e do

apoio do Estado – e ganhou. (p.105)

A posição desse grupo pode ser sumarizada da seguinte forma: i) crítica à

política nacionalista de extensa participação do Estado na economia que, para eles,

deveriam restringir-se aos setores em que não concorressem com a iniciativa privada; ii)

defendia o planejamento setorial, ou seja, voltado aos setores considerados prioritários;

iii) favorável à participação de capital externo, na medida em que eram escassos no país

tanto o capital quanto o know-how. A diferença fundamental entre esta corrente e a

anterior está na ênfase da atuação do Estado. Para os primeiros, atuação do Estado era

importante para favorecer os industriais, como o protecionismo, p.ex., já para o segundo

grupo, o Estado fazia-se importante pela sua função orquestradora, facilitadora do

capital como um todo, por isso eram contra o protecionismo,

A terceira corrente desenvolvimentista, os nacionalistas, estava representada

fundamentalmente pela figura de Celso Furtado, pelo ISEB e pela Cepal: i) defendiam a

constituição de um capitalismo moderno e industrial no Brasil, ii) eram fortemente

favoráveis à intervenção estatal, principalmente em setores estratégicos; iii) defendiam a

subordinação da política monetária à política de desenvolvimento; iv) tinham

determinada inclinação por políticas de cunho social, como o distributivismo, que deu

origem ao planejamento regional (a SUDENE). Nesse sentido diferenciavam-se dos

desenvolvimentistas não nacionalistas, voltados para o planejamento setorial.

Enfim, todas estas três correntes são diferentes versões para o mesmo fato: a

inserção do Brasil no campo do desenvolvimento através da montagem de uma estrutura

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111

política, econômica e social muito eficaz de dominação e controle social. Este fenômeno

ia se completando; os agentes protagonistas já estavam colocados, a ideologia

desenvolvimentista já estava dada, instituições estavam criadas. É nesse processo que o

MINTER se insere. Na condição original de coordenador dos organismos regionais, a

função primordial deste ministério foi re-orientar a ação do planejamento regional, isso

significa assentá-lo em um caminho coerente e único. Como diz a E.M nº 71/1967, uma

das últimas de João Souza, uma das tarefas fundamentais a quais ele se propôs no

ministério, em continuidade a ação do seu sucessor, foi a “reformulação de planos e o

reagrupamento de organismos regionais, dentro da filosofia do desenvolvimento

econômico regional”.

A grande missão do MINTER foi, portanto, transformar os órgãos de

administração do território, antes dispersos (principalmente em seus objetivos), em

verdadeiras vias de penetração e aprofundamento do desenvolvimento como campo de

poder no Brasil.

O MINTER no campo do desenvolvimento

O MINTER, sem dúvida nenhuma, foi programado para ser um agente efetivo

da consolidação do campo do desenvolvimento no Brasil. Tomando o ministério pelo

sentido que seus ministros tentaram lhe empregar – perceptível pela comunicação destes

com o presidente da República expresso através das Exposições de Motivos – este

caráter é evidente. Em 9/01/1967, através da E.M nº09, o então ministro João Gonçalves

de Souza emite opinião a respeito da definição do futuro do MECOR na Reforma

Administrativa que estava em gestação (baixada em fevereiro do mesmo ano). Quanto

ao nome do futuro ministério, ele é da seguinte opinião:

No entendimento aqui adotado, a denominação de MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO REGIONAL é que atenderia aos grandes

objetivos diferenciadores e aos fins precípuos do Ministério, no

contexto da Reforma, MINSTÉRIO DO INTERIOR seria um conceito

de extensão menor do que o conteúdo das atribuições, com o

agravante de excluir a conotação primordial. Além disso, a

designação, por si mesma, sugere no sentido comum a idéia de um

Ministério voltado exclusivamente para a política, a política do

Interior. Há mesmo o precedente do Direito Administrativo

comparado (Itália, França, etc), em que o Ministério do Interior tem

uma estrutura clássica. (p.2. grifo e parênteses no original)

Esta opinião é compartilhada por seu sucessor, Albuquerque Lima, que retoma

o assunto no mesmo ano, já no mês de junho, através da E.M nº 173:

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112

Em consonância com essa indicação, o elenco de competências

conferido, no texto da lei em causa [a Reforma Administrativa], ao

Ministério do Interior dá destaque às matérias relacionadas com o

desenvolvimento econômico e, primordialmente, com o

desenvolvimento regional.

Tendo em vista êsses (sic) aspectos, a denominação de Ministério do

Interior e Desenvolvimento Regional é que atenderia aos grandes

objetivos diferenciadores e aos fins precípuos do Ministério, no

contexto da Reforma. (pp. 2-3)

Ambos os ministros procuravam um nome que estivesse adequado aos

objetivos do ministério, diferenciando-o do formato adotado em países como França e

Itália, no qual o Ministério do Interior se envolve muito mais com matérias de política e

segurança pública. O objetivo do ministério era aquele disseminado a partir do fim da

Segunda Guerra Mundial e que buscava se consolidar no Brasil como o regime de 1964,

o desenvolvimento.

A apreciação da documentação revela o desenvolvimento assumido como

finalidade inquestionável, muito associado a “função altamente civilizadora” (E.M

nº4/1964), e “condição irrecorrível para a plena efetivação do seu progresso social e

econômico.” (E.M nº58/1965) – para usar as palavras de Cordeiro de Farias. Expressões

como “promover o desenvolvimento” aparecem inumeráveis vezes, os exemplos

poderiam se multiplicar a exaustão. A totalidade dos documentos, sinteticamente

apresentados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4, oferece elementos importantes para a identificação

do caráter desenvolvimentista do MINTER.

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113

TABELA 1: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ÓRGÃO (08/07/1964-

27/01/1969)11

ÓRGÃO Ocorrências (%) Ocorrências

(números absolutos)

SUDENE 28,97% 336

MECOR/MINTER 11,12% 129

IBGE 8,19% 95

Comissão do Vale do São Francisco 7,59% 88

SPVEA 7,16% 83

TERRITÓRIOS FEDERAIS 5,60% 65

DNOCS 3,88% 45

Fundação Brasil Central 3,62% 42

não consta 2,93% 34

FUNAI 2,50% 29

BNH 2,41% 28

SUDAM 1,98% 23

SUVALE 1,98% 23

SUDEFSO 1,72% 20

DNOS 1,55% 18

CM Brasil-Uruguai 1,38% 16

SENAM 1,29% 15

SUFRAMA 0,86% 10

SPI 0,86% 10

SUDESUL 0,78% 9

SUDECO 0,69% 8

BNB 0,34% 4

Parque do Xingú 0,34% 4

SERFHAU 0,34% 4

Rodobrás 0,26% 3

Política Nacional de Saneamento 0,26% 3

RONDON 0,26% 3

GERAN 0,17% 2

BASA 0,17% 2

FIRTOP 0,17% 2

Grupo de trabalho para integração da

Amazônia 0,09% 1

CEFF 0,09% 1

SUNAMA 0,09% 1

Fundação do Vale do Parnaíba 0,09% 1

SPI 0,09% 1

CFF 0,09% 1

ILEGÍVEL 0,09% 1

Total Geral 100,00% 1160

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

11

Os nomes representados pelas siglas podem ser encontrados na lista de abreviaturas.

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114

TABELA 2: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ÓRGÃO (Cordeiro de Farias -

25/06/1964 a 16/06/1966)

ÓRGÃO Ocorrências (%)

Ocorrências

(números

absolutos)

SUDENE 31,45% 145

IBGE 16,49% 76

SPVEA 13,23% 61

Comissão do Vale do São

Francisco 9,54% 44

MECOR/MINTER 9,54% 44

TERRITÓRIOS 6,72% 31

Fundação Brasil Central 4,77% 22

Não consta 3,25% 15

SUDEFSO 2,82% 13

CM Brasil-Uruguai 0,87% 4

SENAM 0,65% 3

SUNAMA 0,22% 1

Rodobrás 0,22% 1

Parque do Xingú 0,22% 1

Total Geral 100,00% 461

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

TABELA 3: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ÓRGÃO (João G. de Souza -

16/06/1966 a 16/02/1967)

ÓRGÃO Ocorrência (%) Ocorrências

(números absolutos)

SUDENE 34,16% 69

Comissão do Vale do São

Francisco 15,35% 31

SPVEA 10,89% 22

MECOR/MINTER 9,90% 20

IBGE 8,91% 18

TERRITÓRIOS 4,95% 10

SUDAM 3,47% 7

Fundação Brasil Central 2,48% 5

CM Brasil-Uruguai 2,48% 5

SENAM 1,98% 4

SUDEFSO 1,49% 3

FIRTOP 0,99% 2

Fundação do Vale do Parnaíba 0,50% 1

GERAN 0,50% 1

SUDESUL 0,50% 1

CFF 0,50% 1

Parque do Xingú 0,50% 1

CEFF 0,50% 1

Total Geral 100,00% 202

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

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115

TABELA 4: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ÓRGÃO (Albuquerque Lima -

15/03/1967 a 27/01/1969)

ÓRGÃO Ocorrências (%) Ocorrências

(números absolutos)

SUDENE 24,55% 122

MECOR/MINTER 13,08% 65

DNOCS 9,05% 45

FUNAI 5,84% 29

BNH 5,63% 28

TERRITÓRIOS 4,83% 24

SUVALE 4,63% 23

não consta 3,82% 19

DNOS 3,62% 18

SUDAM 3,22% 16

Fundação Brasil Central 3,02% 15

Comissão do Vale do São Francisco 2,62% 13

SUFRAMA 2,01% 10

SPI 2,01% 10

SENAM 1,61% 8

SUDESUL 1,61% 8

SUDECO 1,61% 8

CM Brasil-Uruguai 1,41% 7

SUDEFSO 0,80% 4

BNB 0,80% 4

SERFHAU 0,80% 4

RONDON 0,60% 3

Política Nacional de Saneamento 0,60% 3

BASA 0,40% 2

Rodobrás 0,40% 2

Parque do Xingú 0,40% 2

IBGE 0,20% 1

GERAN 0,20% 1

ILEGÍVEL 0,20% 1

SPI 0,20% 1

Grupo de trabalho para integração da

Amazônia 0,20% 1

Total Geral 100,00% 497

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

Chama atenção a profusão de órgãos com o desenvolvimento no nome. Mas o

fato mais marcante é o predomínio da SUDENE. Seja considerando todo o intervalo ou

a gestão de cada ministro em separado, o órgão desenvolvimentista do Nordeste

mostrou ser o carro-chefe do MINTER. Praticamente uma em cada três E.M tiveram a

SUDENE como pauta. João Gonçalves de Souza foi o ministro que mais acionou o

presidente em razão da SUDENE (34,16%), enquanto Albuquerque Lima foi o que

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116

menos o fez (24,55%), praticamente 10 pontos percentuais a menos. Isto é bastante

compreensível, já que João Souza era o diretor da SUDENE antes de virar ministro do

MECOR, e, do outro lado, Albuquerque Lima ampliou muito a pauta de comunicações

com o presidente, o que gerou uma diminuição percentual mas não significou perda de

relevância efetiva da entidade.

A SUDENE foi no período de institucionalização do MINTER – que abarca

esta investigação – o órgão mais bem acabado da inspiração desenvolvimentista, sua via

mais eficiente, tanto em termos simbólicos quanto práticos, em transformar as relações

de produção e as forças produtivas. A proposta original da superintendência, elaborada

em 1959, sob a liderança de Celso Furtado, ainda sob governo “populista”, propunha

quatro planos de ação concomitantes: i) industrialização; ii) transformação da

agricultura na Zona da Mata; iii) transformação da economia do semiárido; iv)

deslocamento de uma fronteira de colonização no sentido do Maranhão. Sinteticamente,

pode-se dizer que o plano previa incorporar valor agregado à produção nordestina

aproveitando vantagens comparativas, ao mesmo tempo em que ruía a estrutura

econômica do latifúndio-minifúndio.

Este plano foi abortado pelos rumos políticos e econômicos assumidos após o

golpe militar de 1964, quando a SUDENE foi enquadrada no MINTER. Os quatro

planos de ação transformaram-se em dois: i) industrialização e ii) infraestrutura. O

mecanismo de incentivo fiscal conhecido como 34/18 (referência aos artigos que

criaram esse mecanismo nas leis que regulamentaram a SUDENE, de 1959 e 1961) foi

supervalorizado, por outro lado, as mudanças estruturais que se esperava foram

simplesmente ignoradas (DINIZ, 2009). Para Francisco de Oliveira (1981), a SUDENE

representa a concretização da dominação do capital monopolista no Brasil, aquele

mesmo descrito anteriormente por Dreifuss (op.cit.). Segundo ele, o modelo de

incentivos fiscais foi uma medida eficaz de conversão do Tesouro Público em capital

financeiro para as forças monopolistas.

Enfim, o MINTER adotou o desenvolvimento como fim e como meio de

atuação, contribuindo para a difusão e consolidação deste campo de poder no país

através de um projeto de modernização do território. Neste sentido, as figuras de

Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima são importantes para se entender essa função

assumida pelo ministério.

Cordeiro de Farias, a quem primeiro se confiou a tarefa de realizar o arranjo

institucional adequado ao objetivo demonstrado, tem uma trajetória de vida compatível

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117

com as demandas do desenvolvimento. Primeiramente por ser um oficial, homem12

,

militar respeitável, general de três estrelas (General de Exército), e depois marechal.

Como foi dito no capítulo anterior, a ideologia do soldado corporação (CARVALHO,

2006) entendia que os militares deveriam protagonizar a transformação do país (a

modernização conservadora), e nisso se enquadrava a tarefa de reconfigurar o território.

A experiência da Coluna Prestes, a Interventoria no Rio Grande do Sul, o governo de

Pernambuco e o comando da Zona Militar do Norte o qualificavam como conhecedor

do Brasil em suas “profundezas”, o interior que ele dizia conhecer bem, saber dos seus

problemas, a saber: “O interior do país era muito atrasado. Os meios eram precários.

Tudo era precário.” (FARIAS, 2001. p. 212. grifo nosso). A imagem de pobreza, que

situou os países na geopolítica mundial, também foi referência para hierarquizar

internamente o território nacional: “vivi o contacto com o Brasil sofrido, com sua gente

– sem escolas, sem saúde, sem estradas, sem polícia, sem justiça, sem nada, -

paupérrimo e sem esperanças.” (Arquivo Pessoal, CPDOC/FGV. CFa 64.05.11 tv II-3.

p. 7. grifo nosso.)

A convicção ideológica de Cordeiro de Farias já estava afinada com o campo

do desenvolvimento, a pobreza justificava uma intervenção para superar o atraso,

alcançar a modernização via desenvolvimento. Sua convicção se expressa em termos

espaciais:

Mas forçoso é dizer-se que se o Nordeste, sob o ponto de vista social,

é a região problema do Brasil, mas onde, felizmente, estão

devidamente definidas as soluções previstas e já em vias de execução,

– a Amazônia é a zona crucial de nossa Terra, com questões, sob

todos os aspectos, transcendentais, e que continuam a desafiar a visão

e a coragem de nossos homens públicos. (Arquivo Pessoal, Anexo

XX. p. 5)

Vendo retrospectivamente (Cordeiro de Farias concede as entrevistas de suas

memórias entre 1976 e 1980), ele situa sua atuação no Rio Grande do Sul (entre 1938-

1943) como desenvolvimentista, dizia que “Promovi o desenvolvimento do estado”

(p.209). Sua ação destacada na FEB, na ESG e na Comissão Mista Brasil-EUA o

qualificam definitivamente como uma pessoa credenciada para gerir a missão do

MINTER.

12

O gênero é também um critério relevante na construção normativa do campo de discursos e práticas do

desenvolvimento, como o apresenta Escobar (op.cit.).

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118

João Gonçalves de Souza assume o ministério após a renúncia de Cordeiro de

Farias, muito provavelmente por estar à frente do mais importante dos seus órgãos (a

SUDENE) em um delicado momento de sucessão presidencial em que a nomeação de

um novo ministro poderia agravar as disputas lançadas, principalmente em um

ministério cujo chefe maior abandonou o cargo como fato político contra a candidatura

Costa e Silva, que ia se impondo a despeito da vontade do grupo governante de então. À

João de Souza coube manter o funcionamento daquilo que estava previsto por Cordeiro

de Farias. O fato mais notório de sua administração foi a criação da SUDAM, pensada

através da Operação Amazônia (MECOR, 1966), projetada por Cordeiro de Farias.

Afonso Augusto de Albuquerque Lima, que assume a pasta em 1967 no mesmo

momento em que Costa e Silva sobe à presidência, também tinha suas credenciais.

Primeiramente, homem nascido no Nordeste, uma das regiões cruciais da política em

andamento. Em segundo lugar, pela sua experiência com construção de estradas, no

Nordeste e no Sul do Brasil13

. Há também que se considerar que ele participou da FEB e

da ESG. Não se pode ignorar sua participação no Conselho de Criação da SUDENE (o

CODENE). Dreifuss (op. cit.) fala ainda de sua relação de parentesco (cunhado) de José

Luiz Moreira de Souza, um dos líderes do IPES. Porém, parece determinante para a

colocação de Albuquerque Lima como ministro do Interior a sua grande influência no

grupo que ganha força dentro do governo (os linha dura), e, mais do que tudo, seu

profundo envolvimento com a causa desenvolvimentista, de encaixe perfeito aos

desígnios do desenvolvimento como campo de poder:

Na realidade, o desenvolvimento regional deve ser compreendido a

partir de uma organização federal que abrange todas as entidades

econômicas, sociais e políticas, desde que se compreenda que existe

um povo, que ocupa uma região e que precisa de ajuda

governamental para desenvolver-se e melhorar seu padrão de vida,

tão atrasado em relação ao de outras regiões, aquelas que sempre

mereceram privilégios ao longo de largo tempo do Governo Federal

(ALBUQUERQUE LIMA, 1979. p. 44. grifo nosso.)

Este é um excerto de um texto seu publicado em 1979 reproduzindo um

discurso na Comissão do Interior da Câmara dos Deputados. Importante notar que a

publicação dista dez anos de sua renúncia no MINTER. É muito evidente a exata

sincronia com o desenvolvimento como campo de poder. É a compatibilidade

ideológica que o credencia a continuar o programa de institucionalização da difusão e

13

Aliás, Cordeiro de Farias também tinha experiência em gerenciar a construção de estradas quando

interventor do Rio Grande do Sul.

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119

aprofundamento do desenvolvimento no território brasileiro. E ele efetivamente o faz.

Suas tão proclamadas divergências com a equipe econômica do governo Costa e Silva

(Hélio Beltrão e Delfim Netto) de fato existiram e foram verdadeiramente significativas,

a ponto de o ministro do interior se sentir incapacitado de continuar no exercício do

cargo. Entretanto, não passam de divergências internas ao campo de poder do

desenvolvimento. Albuquerque Lima era um nacionalista, no plano econômico se

aproximava enormemente do grupo liderado por Celso Furtado, participou da criação da

SUDENE em sua fórmula original (sob a égide de Celso Furtado, antes do regime

militar) e fez curso na Cepal. Mas politicamente estava diametralmente posto a esse

grupo, situava-se à extrema direita, era um conservador radical. Um sujeito sui generis,

como ficou claro na apreciação de sua biografia no capítulo anterior.

Sua vocação nacionalista em matéria econômica se expressa publicamente de

maneira dispersa, em alguns artigos (ALBUQUERQUE LIMA, 1971; 1976), mas está

bem sumarizada em uma matéria feita pela revista Visão em 1969, logo após sua

renúncia:

Mas a questão básica refere-se ao campo econômico. Aí o

documento que elaborou explicita, entre outros, os seguintes

aspectos:

Admitir a ação do Estado na suplementação das atividades

econômicas nas quais isso seja indicado ou nas que, pela sua natureza,

não possuam ou então não devam ser entregues à iniciativa privada.

O combate ao subdesenvolvimento deve preceder o combate à

inflação, porque considera esta como uma das formas mais insidiosas

de manifestação daquele.

Com base nessas premissas, recomenda que o sistema de

controle fiscal e monetário seja utilizado como auxiliar do

desenvolvimento de programas que assegurem o equilíbrio entre as

diferentes áreas geo-econômicas da nação. Por isso mesmo, essa

política deve ser condicionada à política econômica global de fomento

das atividades produtivas e da expansão da taxa de investimentos.

Como ficou claro quando divergiu do Ministro Delfim Netto e

saiu do Governo Costa e Silva, prega a necessidade de um

desenvolvimento equilibrado entre as regiões do país e de

diminuírem-se as disparidades de renda entre os segmentos sociais,

mediante uma melhor distribuição da riqueza nacional.

Repelindo acusações de que abomina o lucro, diz considerá-lo

mostra mestra do desenvolvimento da emprêsa (sic). Sugere, apenas,

que se incorpore a êle (sic) um sentido social que inclua todos aquêles

(sic) que trabalham na partilha dos benefícios. (VISÃO, 1969, pp. 25-

26)

As duas biografias estão absolutamente de acordo com o projeto político do

desenvolvimento, os seus discursos já estavam alinhados no entendimento de uma

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120

pobreza a ser superada através de uma intervenção externa, os locais tidos como

“incapazes”. A atuação mais sensível deles nesse sentido foi adequar a estrutura

administrativa ao novo regime geopolítico desenhado no estabelecimento do mundo

desenvolvido e subdesenvolvido no que tange à implantação de uma política efetiva de

intervenção sobre o território, o que significou um controle social sofisticado sobre as

pessoas.

Os sujeitos protagonistas não são, por si só, força suficiente para consolidar o

do campo de poder do desenvolvimento na administração do território brasileiro via

MINTER. Outras medidas fizeram fluir este processo. Uma delas foi o treinamento a

qual os funcionário do ministério foram levados a buscar no exterior. O MINTER, no

intervalo entre 1964 e 1969, operou uma verdadeira internacionalização na formação de

seu quadro técnico, como se pode observar na Tabela 5:

TABELA 5: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ASSUNTO (08/07/1964-

27/01/1969)

ASSUNTO Ocorrências (%) Ocorrências

(números absolutos)

Funcionalismo 40,78% 473

Incentivos Fiscais

(Ne) 18,62% 216

Institucionalização 9,66% 112

Qualificação de

Pessoal 7,50% 87

Outros 7,24% 84

Planos de Ação 7,16% 83

Não consta 2,76% 32

Desapropriações 2,67% 31

Material 2,16% 25

Empréstimos

Externos 0,52% 6

Política

Econômica 0,43% 5

Incentivos Fiscais

(Am) 0,34% 4

Desenvolvimento

(outras áreas) 0,17% 2

Total Geral 100,00% 1160

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

A qualificação de pessoal respondeu por 7,5 % dos assuntos entre ministros do

interior e presidentes. Não é o assunto com maior ocorrência. A pauta de assuntos está

tomada pelas questões do funcionalismo, como exoneração, realocação, aproveitamento

de funcionários de outros setores, etc. Este fato parece normal se considerarmos que se

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121

trata de um ministério que está se inventando no período compreendido, não dispunha

de nenhum funcionário próprio e teve que readequar o funcionalismo dós órgãos que

passaram a lhe ser subordinados depois de uma mudança política abrupta. Isto explica a

intensa movimentação de pessoal. Em segundo lugar está a pauta mais importante do

MINTER, as concessões fiscais via SUDENE. Em seguida, representando pouco menos

de dez por cento de toda a comunicação oficial do ministro com o presidente, está a

questão da institucionalização do ministério, que trata dos assuntos pertinentes à

definição do escopo e métodos de atuação.

De toda forma, oitenta e sete vezes o tema foi objeto de E.M, o que parece uma

quantidade bastante razoável em um tempo histórico em que o intercâmbio técnico e

científico não tinha as mesmas proporções que assume hoje. Aí se enquadram todos os

pedidos de licença para participar de cursos, treinamentos, conferências, etc. Todos os

pedidos tinham como destino o exterior, esmagadoramente os EUA e Europa, mas

também Japão, Austrália, Israel, e, salvo alguns outros países classificados como

“subdesenvolvidos” principalmente na própria América Latina, em geral patrocinados

por organizações internacionais, como a USAID. Se visto individualmente por

ministros, este fenômeno demonstra alguma variação:

TABELA 6: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ASSUNTO (Cordeiro de Farias -

25/06/1964 a 16/06/1966)

ASSUNTO Ocorrências (%) Ocorrências

(números absolutos)

Funcionalismo 44,69% 206

Incentivos Fiscais

(Ne) 18,22% 84

Planos de Ação 9,11% 42

Qualificação de

Pessoal 8,03% 37

Institucionalização 5,86% 27

Outros 5,42% 25

Material 4,12% 19

Não consta 2,82% 13

Empréstimos

Externos 1,08% 5

Desenvolvimento

(outras áreas) 0,43% 2

Incentivos Fiscais

(Am) 0,22% 1

Total Geral 100,00% 461

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

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122

TABELA 7: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ASSUNTO (João G. de Souza -

16/06/1966 a 16/02/1967)

ASSUNTO Ocorrências (%) Ocorrências

(números absolutos)

Funcionalismo 40,10% 81

Incentivos Fiscais

(Ne) 23,76% 48

Planos de Ação 12,87% 26

Institucionalização 12,87% 26

Outros 6,93% 14

Incentivos Fiscais

(Ne) 1,49% 3

Qualificação de

Pessoal 1,49% 3

Material 0,50% 1

Total Geral 100,00% 202

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

TABELA 8: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ASSUNTO (Albuquerque Lima -

15/03/1967 a 27/01/1969)

ASSUNTO Ocorrências

(%)

Ocorrências

(números

absolutos)

Funcionalismo 37,42% 186

Incentivos Fiscais

(Ne) 16,90% 84

Institucionalização 11,87% 59

Qualificação de

Pessoal 9,46% 47

Outros 9,05% 45

Desapropriações 6,24% 31

Não consta 3,82% 19

Planos de Ação 3,02% 15

Política

Econômica 1,01% 5

Material 1,01% 5

Empréstimos

Externos 0,20% 1

Total Geral 100,00% 497

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

As tabelas demonstram que a qualificação de pessoal foi mais intensa nas

gestões de Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima, principalmente neste último. Em

geral, os órgãos que dominam esta modalidade são a SUDENE e o IBGE. No período

de Cordeiro de Farias foi mais este, e em Albuquerque Lima quase que exclusivamente

aquele, já que o órgão técnico de geografia e estatística já havia sido transferido para o

MPCG por obra da Reforma Administrativa. Isto indica que esta modalidade de

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treinamento tenha se tornado permanente com a definição do formato institucional da

pasta, mas isso é algo que demandaria o acompanhamento das EM por um intervalo

mais longo de tempo.

O simples fato de existir este tipo de contato com algum treinamento

estrangeiro não significa que necessariamente esteja em curso o aprofundamento do

desenvolvimento como campo de poder. É preciso um olhar atento às suas relações com

a dimensão discursiva desse campo. O desenvolvimento tem como ponto de partida o

reconhecimento da pobreza como objeto de intervenção técnica, e é esta técnica que se

converte em prática de controle social. Portanto, a modalidade de saber que identifica o

objeto de intervenção e dá a receita para fazê-lo é fundamental para o desenvolvimento

lograr êxito. É exatamente essa modalidade que será buscada nestes treinamentos.

Passagens como a seguinte, recorrentes ao longo da série de documentos, revelam o

sentido desses treinamentos:

Na oportunidade, permito-me esclarecer a Vossa Excelência que é do

interêsse (sic) da SUDENE aprimorar o conhecimento e a técnica de

seus servidores, principalmente em se tratando de estágio a ser feito na

França, país de tão elevado nível cultural. (E.M nº 03/1965)

Os técnicos da SUDENE vão buscar aperfeiçoamento em áreas como

pedologia, hidrogeologia, pavimentação de estradas, engenharia (de todas as

modalidades), irrigação, biologia, fitotecnia, economia, população, e toda sorte de

matérias que constam na lista de afastamentos pedidos pelo MECOR/MINTER. Os

convênios firmados com organizações estrangeiras são a principal via de intercâmbio,

alguns exemplo são a Société Centrale Pour l’Équipment du Territoire (França). Institut

de Recherches du Coton et des Textilles Exotiques (França), a Fundação Ford (EUA), a

Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), USAID (EUA), entre

outros.

O intuito é assimilar procedimentos técnicos para projetar a solução de

problemas relacionados ao subdesenvolvimento. Conhecimentos sobre solo e irrigação,

por exemplo, apontam para o melhor aproveitamento agrícola do Nordeste, elevando

seu produto interno, desenvolvendo a região. Estes treinamentos são parte da arquitetura

do campo de poder do desenvolvimento, servem como efetivação do poder simbólico do

saber vindo do país difusor. Há ainda a própria vivência nestes países, que muitas vezes

causa vislumbre, cria modelos e ideais a serem atingidos para tornar o país mais similar

aos desenvolvidos. Pese sobre isso ainda questões de ordem prática, como a importação

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de know how e equipamentos que serão necessários para operacionalizar as técnicas

aprendidas, introduzir novas tecnologias, novos problemas a serem equacionados, novas

demandas, etc.

Além do treinamento e aperfeiçoamento do quadro profissional do MINTER, o

aprofundamento do desenvolvimentismo em seus planos de ação e governamentalização

do território contou com o apoio técnico e financeiro direto de instituições estrangeiras

emaranhadas na rede de difusão do campo de poder do desenvolvimento. A

superioridade científica dessas instituições é reclamada para atender os problemas do

subdesenvolvimento. Cordeiro de Farias chama esta solução, por exemplo, em sua E.M

nº 28 de 1966:

Cientificamente comprovada a vocação oleífera do solo amazônico, e

fixado o dendê como oleoginosa ideal para aclimatar-se na região,

após sérios estudos de técnicos especializados, solicitou SPVEA a

cooperação do Institut de Recherches pour les Huiles et Oleagineux,

da França, para a execução de um Programa Piloto dessa cultura na

Amazônia.

O exemplo mais emblemático está expresso na E.M nº 90/1964, onde a

SUDENE – nunca é demais repetir, o órgão mais bem acabado de difusão do

desenvolvimento como campo de poder dentre os subordinados ao MINTER e questão

territorial de uma maneira geral – se envolve em uma trama financeira e técnica com

órgãos desenvolvimentistas internacionais. A argumentação utilizada segue o script:

primeiro detecta-se o problema e a urgência de sua solução, neste caso o problema foi o

abastecimento alimentício, já a solução demandou a intervenção internacional e passou

pela institucionalização de uma nova agência em prol do desenvolvimento:

Tomando como base o projeto apresentado à SUDENE, em 1962, por

uma missão composta de três peritos da ‘Societé Centrale Pour

L’Équipment du Territoire’, postos à disposição do Govêrno (sic)

brasileiro pelo ‘Service de Cooperation Tecnique du Secrétariat d’état

aux Affaires Economiques’ da França, foi constituído em 1º de

novembro de 196214

, uma sociedade de economia mista com a

denominação de ‘Centrais de Abastecimento do Nordeste S.A. –

CANESA’ em que o Gôverno (sic) Federal, por intermédio da

SUDENE, detém a maioria das ações.

Segundo seus Estatutos a CANESA se destina a promover a

racionalização e modernização do abastecimento dos gêneros

14

O fato de essa rede começar a ser tecida em 1962, dois anos antes do golpe de 1964, em plena vigência

do pacto populista, é indicativo de que a penetração do campo de poder do desenvolvimento no Brasil

precede o regime militar, remonta ao fim da Segunda Guerra de maneira mais objetiva. A mudança

política de 1964 foi um facilitador, uma maneira dessa penetração fluir com mais velocidade e menos

atrito.

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alimentícios na área de atuação da SUDENE, competindo-lhe praticar

todos os atos direta ou indiretamente relacionados com sua finalidade.

[…]

Pelos motivos expostos, a SUDENE, em 27 de maio do ano corrente,

entrou em entendimentos com a USAID no sentido de obter

assistência técnica daquela organização, para os trabalhos de

planejamento da Central de Abastecimento do Recife. Dêsses (sic)

entendimentos resultarão a ida de 5 (cinco) técnicos brasileiros (dois

da SUDENE e três da CANESA) à América do Norte e vinda de três

peritos escolhidos pela USAID para êsses (sic) fins. (pp. 3-4)

A cooperação, no caso acima exposto, começou com peritos franceses,

enviados por uma comissão especializada, que resultou em uma empresa mista, que

passou a modernizar e racionalizar a atividade a qual se destina. Feito tudo isso, dois

anos depois foi solicitada da USAID, agência estadounidense especializada em assistir o

mundo subdesenvolvido, outros peritos a serem recebidos em solo nacional, além do

treinamento dos técnicos nativos. Está desenhada uma rede de inserção e

aprofundamento do desenvolvimento como rede de poder que emana de focos distintos,

cria relações de produção, de poder e de significação.

Desta rede também fez parte o capital, o fator produtivo mais raro no lugar

geopolítico chamado de mundo subdesenvolvido, segundo a leitura difundida pelos

técnicos do desenvolvimento, não com a generosidade com que partiu dos EUA para a

Europa décadas antes com o Plano Marshall, e com juros bem mais elevados. As E.M

revelam a participação de empréstimos tomados pelo MINTER – mais precisamente da

SUDENE (apenas uma E.M 119/67 se referia ao BNH) – com grande significado para o

enraizamento do desenvolvimento como campo de poder. Os empréstimos mencionados

na documentação estão concentrados nos anos de 1964 e 1965 (única exceção é a E.M

anteriormente citada). Os valores no total somam aproximadamente US$ 34 000 000

(trinta e quatro milhões de dólares) a serem empregados na construção de estradas e

hidrelétricas. Mas não é a magnitude das inversões que interessam, e sim as práticas que

elas ensejam.

A grande parceira da SUDENE em seus empréstimos é a USAID (mais uma

vez a E.M de 1967 é exceção, pois menciona a negociação de empréstimo com o Banco

Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento [BIRD]). O Tesouro Nacional é,

em geral, o fiador das transações. Nos pedidos dos ministros (particularmente Cordeiro

de Farias, em cuja gestão se concentram os empréstimos), a justificativa é sempre a sua

relevância para o desenvolvimento:

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Tendo em vista a alta significação do presente acordo (sic), que vai

permitir a consolidação da rêde (sic) rodoviária nordestina, fator

indispensável para o desenvolvimento econômico e social da região,

tenho a honra de submeter o assunto a superior aprovação de Vossa

Excelência, para o que junto a minuta de contrato negociado entre a

SUDENE e a USAID. (E.M nº196/1964. p. 3)

O desenvolvimento, como se sabe, auto-justificável, exige operações

específicas, como a excepcional prerrogativa de abdicar de procedimentos normais do

serviço público. P.ex.:

Através das Exposições de Motivos nº0116, de 3 de dezembro de

1964, tive a honra de submeter à elevada consideração de Vossa

Excelência pedido formulado pela Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste, com fundamento no artigo 1º, inciso

IV, alínea ‘b’ e parágrafo 1º, da Lei nº 4.401, de 10 de setembro de

1964, no sentido de lhe ser concedida a necessária autorização para

contratar, independentemente de concorrência pública ou

administrativa, e coleta de preços, os serviços de consultoria

imprescindíveis à perfeita execução dos projetos financiados nos

têrmos (sic) do Acôrdo (sic) de Empréstimo firmado em 6 de junho

daquele ano, entre os Estados Unidos da América do Norte e os

Estados Unidos do Brasil. (E.M 119/1965. p.1. grifo nosso)

Este regime especial mira precisamente a contratação dos serviços técnicos

especializados, i.e., uma modalidade de saber bem específica, detalhadamente adequada

à profusão e enraizamento do desenvolvimentismo. Esta exigência é garantida em

termos contratuais:

Serão reservados US$ 7,850,000, 00 (sete milhões e oitocentos e

cinquenta mil dólares) exclusivamente para compra nos Estados

Unidos e US$ 950,000,00 (novecentos e cinquenta mil dólares) para

assistência técnica. (E.M nº196/1964. p. 3)

Em suma, o que se vê é uma sofisticada operação que fez prevalecer um campo

de poder sustentado através da interrelação entre elementos simbólicos e práticos. O

desenvolvimento se consolida como finalidade almejada, justifica um tipo de prática

específica que, por sua vez, só pode ser atendida por agências específicas. Estas

agências capazes de dar as soluções, técnicas e financeiras, atuam sobremaneira como

difusoras do desenvolvimento, e assim ampliam as práticas de controle social e

normatização política. Consolidam-se os lugares geopolíticos do desenvolvimento e do

subdesenvolvimento; este, carente e deficitário, demanda auxílio daquele. Estrutura-se

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um dispositivo de governamentalização e exercício de poder legitimado pela

incapacidade do “outro”15

.

O desenvolvimento se materializa em intervenção “de baixo para acima” e se

torna prática de governamentalização, neste caso, do território. Este ponto merece ser

investigado mais de perto: por que o recorte espacial? Como se justifica a primazia do

recorte regional em um arranjo institucional como o MINTER?

A estruturação do desenvolvimento em bases regionais no Brasil

O MINTER foi, definitivamente, o órgão chave na execução do desenvolvimento

regional no Brasil após 1964. Na seção anterior é possível entender como este

ministério corporifica a lógica particular do desenvolvimento, não como um simples

ideal, mas como um campo de poder. Esta corporificação entende-se pela lógica de

penetração e aprofundamento deste campo no Mundo e no Brasil após a Segunda

Guerra Mundial. É preciso sempre manter a atenção sobre estes aspectos, pois, do

contrário, ignorar ou subestimar o desenvolvimento como um verdadeiro campo de

práticas e discursos, implicaria fatalmente em perder o seu conteúdo mais substantivo e

mais significativo na conformação social.

Dito isso, é preciso salientar que o MINTER não foi nem o primeiro nem o único,

sequer o mais importante órgão de veiculação do desenvolvimentismo no Brasil. Este

fenômeno tem suas origens em período mais remoto, difícil de precisar já que uma das

razões do seu “sucesso” é o caráter difuso e bem articulado com que opera. Certamente

há que se dar grande relevância para a sistemática adoção do planejamento estatal – um

dos grandes corolários do desenvolvimento (ESCOBAR, op.cit.), eficiente instrumento

de retórica e receituário de otimização de resultados – e as instituições feitas em seu

nome: a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, O BNDE, o Plano de Metas de

Juscelino Kubitschek, a criação do Banco Central e por aí segue.

O que chama a atenção no MINTER como órgão desenvolvimentista é o seu

caráter eminentemente territorial, e é a isso que se busca uma resposta nesta seção. O

entendimento do caráter geográfico e territorial do MINTER não pode ser buscado em

aspectos estritamente teóricos, ao contrário, tudo leva a crer que fatores de ordem

prática é que foram decisivos na definição do escopo do MINTER. Como já está

15

“governamentalização de tecnologias de poder destinadas a atuar sobre determinados segmentos

sociais construídos na qualidade de carentes de uma intervenção qualificada como técnica, distinta de

uma ação política.” (LIMA, 2002. p. 18)

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mencionado na Introdução desta tese, a primeira definição do escopo deste ministério

está na Lei nº 4344 de 21 de junho de 1964:

Art. 1º É criado um cargo de Ministro Extraordinário, ao qual caberá

coordenar as atividades dos seguintes órgãos e serviços, que lhe ficam

subordinados:

a) Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia;

b) Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Fronteira

Sudoeste do País;

c) Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste;

d) Comissão do Vale do São Francisco;

e) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;

f) Fundação Brasil Central;

g) Administração dos Territórios Federais;

h) Serviço Nacional de Municípios;

i) Comissão de Desenvolvimento do Centro Oeste;

j) Comissão Especial de Faixa de Fronteiras;

l) Parque Nacional do Xingu.

Conforme se vê, trata-se da junção de órgãos preexistentes, até então dispersos,

mas que guardam entre si alguma semelhança: tratam da administração de recortes de

área, e não de setores econômicos ou sociais16

. Dentre estes órgãos, grande parte não

gozava de grande prestígio e relevância na máquina administrativa (ou pelo menos

passou a ser desprestigiada após o golpe de 1964), a não ser a SUDENE que, ao

contrário, gozava de enorme credibilidade. Este parece ser a característica que define a

parcela incumbida ao MINTER na administração pública. O processo de

institucionalização deste ministério no período entre 1964 e 1969 foi fundamentalmente

a extensão do modelo da SUDENE à governamentalização de quase todo o território

nacional, ou melhor, à parcela subdesenvolvida deste. O órgão desenvolvimentista do

Nordeste foi o carro-chefe deste ministério.

Não por coincidência, a Operação Amazônia (op.cit.), relatório ministerial do

MECOR de 1966 que traz a público pela primeira vez através do MINTER o

diagnóstico da impraticabilidade do modelo da SPVEA e reclama soluções semelhantes

ao modelo da SUDENE – o que subsidiou a criação da SUDAM, no mesmo ano – alude

diretamente à Operação Nordeste (1959), que deflagrou a congênere nordestina.

Por isso, o caráter regional de desenvolvimento do MINTER se deve à enorme

relevância dada pela SUDENE17

. E há aqui algo relevante para o entendimento do

significado do desenvolvimento regional que foi tão marcante até pelo menos a década

16

Exceção feita ao IBGE, que não era exatamente um órgão de administração. 17

Esta relevância pode se observa também na tabela 1, neste capítulo.

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de 1980. O MINTER é uma peça chave para este “sucesso”, já que foi através desta

pasta que o modelo SUDENE foi estendido tanto do ponto de vista da abrangência

territorial quanto da estrutura administrativa. O território, recortado em regiões, ficou

submetido à gerência de órgãos desenvolvimentistas subordinados ao governo federal,

pautados por um modus operandi particular. Por isso é tão importante se compreender a

SUDENE como o protótipo disso tudo.

A história do planejamento regional sistemático no âmbito do Estado Moderno

retroage até pelo menos o começo do século XX, quando se valeram deste expediente os

governos da URSS, na tentativa de dinamização da parte asiática do território russo,

atrás dos Montes Urais; e dos EUA, com a experiência pioneira do Tennesse Valey

Authority (TVA), em 1933. No Brasil, na primeira metade do século XX já se observa

certos esforços de planejamento regional através de órgãos como o de combate às secas

(Departamento Nacional de Obras Contra as Secas [DNOCS]) de 1945 e de

desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) de 1948, a Superintendência

do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) em 1953; etc.

A SUDENE, criada em 1959 sob a liderança política e intelectual de Celso

Furtado, acaba por herdar esse acúmulo, mesmo que de forma não linear. O economista

paraíbano já tinha grande bagagem internacional na França, pelo doutoramento, na

Inglaterra, como professor, e na Cepal, organismo da ONU sediado em Santiago do

Chile. Esta experiência permitiu a ele um contato com as experiências de planejamento

regional no mundo. Seu gabarito como economista também o permitiu estar atento ao

desenvolvimento da regional science entre os economistas, como os polos de

crescimento de Perroux e Boudeville, a causação circular de Myrdal, entre outros, ainda

que não seja possível identificar a mesma atenção às contribuições teóricas que vinham

sendo desenvolvidas pelos geógrafos, tanto franceses (Michel Rochefort, p.ex.) como

estadounidenses (Brian Berry, p.ex.). É bastante presumível que a direção da SUDENE

dominasse todo esse campo do desenvolvimento regional e que isso foi de fato

transplantado para a formulação da “questão regional” (BACELAR, 2000) do Nordeste,

institucionalizada pelo IBGE já na sua primeira regionalização oficial do Brasil em

1942 (CONTEL, 2014) e, ao que tudo indica, bem aceita no léxico corrente18

.

18

Sabe-se que a Revista Brasileira de Geografia, através de sua série “Tipos e Aspectos”, tem

participação na difusão dessas divisões regionais (DAOU, 2008). Certamente outros meios oficiais e não

oficiais tiveram relevância.

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A “Operação Nordeste”, que é o relatório do Grupo de Trabalho para o

Desenvolvimento do Nordeste (GTDN)19

fez o diagnóstico de que a região nordestina

sofria de um ritmo diferenciado de crescimento econômico em função da defasagem

tecnológica, de relações produtivas inadequadas (o latifúndio, precisamente falando), e

de uma relação de deterioração nos termos de trocas com o Centro-Sul que acirrava à

desigualdade. É um diagnóstico de desigualdade na distribuição desigual do

desenvolvimento20

entre regiões; uma apreciação muito mais atenta à economia

(distribuição da riqueza e produção do valor) do que à geografia.

Ao que tudo indica, o caráter regional deve-se fundamentalmente aos imperativos

do desenvolvimento como campo de poder. Conforme Cláudio Egler (1993):

A SUDENE nasce do diagnóstico de Celso Furtado (GTDN, 1959) de

que o mercado doméstico, que emerge da industrialização pesada, é

dividido em dois segmentos territoriais básicos, marcados por ritmos

distintos de acumulação que se refletem em desníveis flagrantes de

produtividade e, portanto, velocidades distintas de introdução e

incorporação do progresso técnico: o Centro-Sul e o Nordeste. (pp.

91-92)

Mais a frente o mesmo autor diz que “o processo de criação e implantação da SUDENE

foi um balão de ensaio para uma expressão tardia e periférica de ‘capitalismo

organizado’”. (p. 96). A SUDENE é, portanto, parte da profusão mundial que o

desenvolvimento regional vinha ganhando naquele momento.

A substância teórica na análise e prática política regionais ganhou em sofisticação

alguns anos mais tarde, principalmente nos I e II Planos Nacionais de Desenvolvimento

(PND) (1971-74 e 1975-1979, respectivamente), quando foram incorporados o método

de análise regional francês da Geografia Ativa e as metodologias quantitativas da New

Geography, de origem estadounidense com inspiração na economia espacial, de

orientação ortodoxa/marginalista (GOMES, 2000). Este processo já está muito bem

analisado por Paulo Bomfim (2007). A partir da aurora dos anos 70 o planejamento

regional sofre outra reformulação que acompanha sua derrocada, tornando-se mais

pontual e menos abrangente (VAINER, ARAÚJO, 1992; BACELAR, 1999).

Interessa que na institucionalização do MINTER prevalece a visão muito cara ao

desenvolvimento como campo de poder para objetivar, nomear e delimitar a pobreza,

primeiro passo para a intervenção e o controle social. A SUDENE é a concretização

19

Grupo executivo responsável pelo plano original da SUDENE. 20

Não se pode perder de vista que também o pensamento de Celso Furtado era desenvolvimentista, apesar

de uma abordagem mais nacionalista e distributiva.

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disso, delimita o Nordeste como área de intervenção e fundamenta sua ação em uma

causa social elevada. Não faltou respaldo em leituras históricas, como a obra clássica de

Euclides da Cunha (2007), a memória dos grandes flagelos das secas e o esforço

histórico em revertê-lo (RIBEIRO, 2003), que reforçaram o caráter necessário da

intervenção. Em 1959 o Nordeste já estava ilustrado pelas secas e a insígnia geral de

“região problema” (ANDRADE, 1983), não foi necessário esforço de convencimento

público quanto à existência do problema.

Em suma, o regional adjetivando o desenvolvimento parece explicar-se por ser a

maneira mais conveniente e adequada à administração e intervenção do

desenvolvimento. Foi um recorte claro e impessoal, referendado pela imagem da

pobreza já fortemente associada ao objeto. Quando se soma a isso o imaginário espacial

que toma o espaço pelo tempo, que considera as diferenças espaciais como atraso ou

avanço na escala linear da modernidade (MASSEY, 2008), se dramatiza o quadro e a

profundidade das mudanças, de tal maneira que uma intervenção rápida é exigida21

.

Com isso se quer dizer que o formato regional operado na administração do território

pelo MINTER, ao que tudo indica, foi apenas mais uma das formas convenientes de se

operar o desenvolvimentismo (não que isso seja pouca coisa).

A modernização e suas contradições

Se o ideal de modernização e progresso esteve encarnado no campo de poder do

desenvolvimento, do qual o MINTER é parte, este campo de poder não esteve imune às

contradições próprias da modernização conservadora brasileira. Enquanto agente de

transformação da sociedade brasileira pelo veio fundamental de sua estrutura territorial,

o MINTER elegeu e nomeou o atrasado e o moderno. Mesmo que, como se viu no

capítulo um, o regime militar tenha se colocado, em princípio, destinado a modernizar o

Brasil (i.e, homogeneizá-lo em relações tipicamente capitalistas de produção), adotar

valores culturais, formas de organização social etc; o projeto ocorreu apenas

parcialmente. Se, por um lado, medidas como o Estatuto da Terra (Lei nº 4504/54) e

criação do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA)22

– primórdio do INCRA,

convertido enquanto tal em 1970 – incitaram, de alguma forma, desafios às elites

21

O Brasil é um “país que tem pressa”, diz-se na revista Interior (INTERIOR, n. 15, Janeiro/Fevereiro de

1977. p. 22.). 22

“O IBRA foi útil ao esvaziar o controle que a oligarquia e a burguesia cafeeira tinham sobre as políticas

agrárias mudando o local de elaboração da política nesta área vital para outro órgão, composto de tecno-

empresários e empresários. Estes estimularam políticos que tentavam estimular o setor agrário dentro dos

planos mais amplos de desenvolvimento da grande modernização industrial.” (DREIFUSS, op.cit. p.435)

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agrárias tradicionais, no plano geral a alteração na estrutura de distribuição de terras no

país foi praticamente nula23

, tampouco houve iniciativa de flanquear o poder

oligárquico, ao contrário:

O modelo brasileiro inverteu o modelo clássico. Nesse sentido,

reforçou politicamente a irracionalidade da propriedade fundiária no

desenvolvimento capitalista, reforçando, consequentemente, o sistema

oligárquico nela apoiado. Com a diferença, porém, de que a injeção de

dinheiro no sistema de propriedade modernizou parcialmente o mundo

do latifúndio, sem eliminá-lo, como se viu, finalmente, nos últimos e

recentes anos, após o término do regime militar, em 1984, com o

aparecimento de uma nova elite oligárquica, com traços exteriores

muito modernos. (MARTINS, 1994. p. 80)

Um dos segmentos sociais mais tradicionais – os donos de terras, cuja existência

enquanto classe social estava fadada ao desaparecimento segundo as previsões dos

teóricos clássicos do capitalismo (RICARDO, op.cit.) – não se fez ausente nos planos

de ação e governamentalização do território do MINTER dentro do intervalo analisado.

Os senhores das oligarquias que Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima tanto

combateram desde o tenentismo; agora compartilhavam do mesmo projeto de

modernização focado no território. O latifúndio canavieiro era a representação dessa

oligarquia, personificada no Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).

O IAA foi um órgão governamental criado em 1933 com o intuito de proteger a

indústria de cana de açúcar no Brasil, principalmente a do Nordeste, em função de uma

crise de exportações que assolava esta produção. O controle político do IAA sempre

esteve nas mãos dos usineiros, figuras importantes da história social e econômica da

região Nordeste do Brasil. Essa classe social emerge no fim do século XIX e tem seu

ápice até as duas primeiras décadas do século XX. Trata-se das antigas famílias donas

dos engenhos que partem da prévia concentração e centralização do capital, incitando a

formação das usinas canavieiras24

. A decadência da demanda externa do açúcar

nordestino foi particularmente desastroso para estes produtores pois estavam menos

articulados a outros segmentos do capital internacional, o que os tornou mais

vulneráveis. (OLIVEIRA, 1981)

23

Segundo as Estatísticas do Meio Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD; DIEESE,

2006), o Índice de Gini, (neste caso utilizado para auferir a concentração de terras) era 0,836 em 1967,

subiu para 0,837 em 1972, 0854 em 1978, e caiu para 0,831 em 1992, sete anos após o fim do regime.

Onde 1,000 significa absoluta concentração e 0,000 concentração nula. 24

Progressivamente as usinas vão dominando a produção açucareira no Brasil, a partir de 1930 elas já

representavam a maior parte da produção, em detrimento dos engenhos (GODOY, 2007)

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133

Desta crise resultou que os usineiros assistiram a uma involução capitalista, ou

seja, retroagiram em seu movimento de assimilação das relações produtivas típicas do

capitalismo (o trabalho assalariado) para buscar sustentação nas formas tradicionais de

exploração do trabalho, nos moldes do velho modelo latifúndio-minifúndio25

. Desta

forma, o IAA é criado como a “salvação da lavoura” (permissão para o trocadilho)

destes usineiros do Nordeste, reforçando as características arcaicas de sua base

econômica e social.

O próprio financiamento que o IAA passou a dar ao parque açucareiro

não representou, por fim, nenhuma mudança significativa para o

‘Nordeste’ açucareiro: servia apenas para financiar o mesmo

mecanismo de reprodução do setor agrícola da atividade como um

todo, nos mesmos termos. Em outras palavras, enquanto para a

‘região’ industrial de São Paulo, o financiamento do IAA poderia

financiar tanto o capital variável quanto o constante, no ‘Nordeste’

açucareiro financiava êle (sic) a reposição arcaica das relações de

produção e, portanto, dialeticamente tornava nula a possibilidade de

financiar ou, em outras palavras, ‘modernizar’ o capital constante das

usinas. (OLIVEIRA, op.cit. p. 61)

As diferentes Exposições de Motivos analisadas são reveladoras da

convergência de interesses entre o MINTER e os usineiros nordestinos representados

pelo IAA. Em documento de 1966 (EM nº 46) Cordeiro de Farias relata o decorrido de

uma reunião interministerial ocorrida no Recife, donde estavam representados os

ministério da Indústria e Comércio, do Trabalho, e a SUDENE, IBRA, Instituto

Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), IAA e Banco do Brasil. Este encontro

teve como pauta a situação da indústria açucareira do Nordeste, encaminhada pelo

sindicato dos usineiros de Pernambuco26

através do IAA. Teria sido apresentado um

pedido de concessão de créditos a estes usineiros, segundo eles – com o consentimento

do ministro que assina a E.M – legitimamente requerido com base na Lei 4870/65 que

transfere os débitos do IAA para a União. Os usineiros pedem ainda uma revisão na

política de assentamento de preços, inserindo critérios que levem em conta os custos e a

remuneração dos fatores de produção, adotando uma prática de taxação mais elevada

nos centros de maior produtividade, a ser distribuído onde é esta produtividade é menor.

25

Francisco de Oliveira afirma que estas formas tradicionais que persistem no nordeste foram sempre

estratégicas para a manutenção da base econômica das oligarquias porque, nos momentos de crise ou

entressafra, ao invés desses trabalhadores tornarem-se desempregados, passavam a dedicar-se a sua

própria subsistência. 26

Vale ressaltar que Pernambuco era o “centro de gravidade” do Nordeste açucareiro, segundo Oliveira

(op.cit.),

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134

Cordeiro de Farias27

se coloca como mediador por excelência no sentido de

concatenar a demanda dos usineiros com os propósitos do projeto de desenvolvimento:

As reações desencadeadas pelas providências enumeradas nos

parágrafos anteriores, é fácil prever, alçariam diversos aspectos sociais

e econômicos, representados pelas oportunidades novas oferecidas ao

trabalho, ao crescimento econômico setorial e, mesmo, ao

desenvolvimento econômico regional. (p.7)

Poucas vezes a força do desenvolvimento como campo de poder se expressou

de maneira tão clara no MECOR. A conversão de dívida pública em privada parece

desejável na medida em que significa desenvolvimento. O desenvolvimento, se acredita,

é por si só benéfico e gera oportunidades, pouco importa que efetivamente o

investimento recaia sobre uma forma produtiva assentada em relações tradicionais de

aproveitamento da mão de obra. Isto, por motivar crescimento econômico, é

desenvolvimento – moderno, portanto.

Aliás, é o próprio ministro quem discorre sobre o problema do desemprego

(E.M nº 60, no mesmo mês de março de 1966 da E.M anteriormente citada) que ocorre

sistematicamente no período de entressafra. Este inconveniente não parece estar

associado à estrutura produtiva local, ao contrário, a solução estaria em reforça-la,

antecipando os créditos anteriormente acordados, para que eles sejam revertidos no

pagamento dos salários. Esta seria a solução planejada, a substituir as soluções

espontâneas:

O problema, que ainda permanece, está sendo equacionado, visando-

se a corrigir essa distorção do desenvolvimento, através de soluções

planificadas substituindo as frentes de trabalho de emergência para a

realização de obras ocasionais, quase sempre inconsistentes e sem o

caráter de investimento. (p. 3)

Estar-se-ia diante de uma “distorção do desenvolvimento”, corrigível pelo

próprio desenvolvimento, através do planejamento. O planejamento figura como a

solução técnica para os conflitos e os “problemas do desenvolvimento”. Esta

constatação é identificável quando, já sob a égide de João Gonçalves de Souza, aparece

pela primeira vez nas E.M a menção à criação do Grupo Especial para Racionalização

27

As relações de Cordeiro de Farias com os usineiros de Pernambuco remontam ao período em que

governou o estado, quando, segundo ele próprio “Eu, pessoalmente, fiz o que pude – em um sentido

muito nobre – para apoiar os usineiros, pois afinal eles representam a única fonte de riqueza do estado.”

(FARIAS, 2001. p. 417)

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135

da Agro-Indústria Canavieira do Nordeste (GERAN)28

. Na E.M nº 145/1966 apresenta-

se um Anexo em que se apresenta o diagnóstico feito por esse grupo sobre a situação da

indústria açucareira e suas funções na economia regional. Este anexo é uma peça

interessante de ser observada, pois lança as diretrizes propostas para a racionalização

do setor naquela região. O documento sugere basicamente três coisas: i) articular os

financiamentos e incentivos pro setor com a modernização de seus equipamentos para

aumentar a produtividade; ii) diversificar a economia da área de influência, criando

complementaridades e mercado consumidor; iii) promover a distribuição de terras

ociosas para assentar a mão-de-obra liberada pelas usinas modernizadas, criando ainda

uma classe média rural, consumidora.

Eia aí a ambiguidade da modernização conservadora expressa de maneira

sumária e sucinta. Em um mesmo plano se prevê alterar o sistema de posse e uso das

terras e, ao mesmo tempo, fortalecer a estrutura produtiva tradicional, do latifúndio-

minifúndio. O primeiro parágrafo deste anexo diz:

A partir da compreensao (sic) de que a única forma de conseguir,

realmente, solucionar os complexos problemas da agroindústria

açucareira, reside em se dar a êsses (sic) problemas o tratamento

estrutural que os mesmos reclamam, as diretrizes aqui fixadas

extravasam a simples órbita da reorganização das unidades

produtoras, objetivando adequá-las à realidade, para atingir aspectos,

talvez, mais significativos, como aquêles (sic) resultantes de um

sistema inadequado de posse e uso da terra, da diversificação da

atividade econômica da área de influência da economia açucareira,

com vistas a reduzir a grande vulnerabilidade dessas áreas e a

capacitar o homem para o desempenho correto das grandes

responsabilidades que lhe serão atribuídas dentro e fora do sistema

açucareiro do Nordeste. (sem página. grifo nosso)

As sugestões apresentadas gravitam em torno de um plano de gerência de

créditos e incentivos, acessíveis somente aos grandes produtores devido à complexidade

de suas operações, que exigem planos e projetos viáveis somente em unidades

empresariais. Quanto ao “sistema inadequado de posse e uso da terra”, teoricamente

parte da modernização, não se diz exatamente de onde (e de quem) se tirará essa terra.

28

O GERAN foi criado pelo Decreto nº 59.033-A, de 8 de Agosto de 1966. A sua composição é definida

pelo: “Art. 4º O Conselho Deliberativo será integrado pelo Presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool

(IAA) que presidirá, pelo Superintendente da SUDENE e pelo Presidente do Instituto Brasileiro de

Reforma Agrária (IBRA), do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA) e do Banco do

Brasil S.A. e de um representante, respectivamente, da Fundação Açucareira do Nordêste (sic), dos

Fornecedores de Cana e dos trabalhadores rurais.” Na E.M nº 214 do mesmo ano o ministro João Souza

pede alteração da redação desse decreto, quando menciona direito de voto ao representante da Fundação

Açucareira do Nordeste. Ele sugere que se exclua esse direito, segundo ele ocasionado por erro de

redação, pois o voto se restringiria às representações governamentais.

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136

Ou seja, nada de concreto aparece efetivamente no horizonte apresentado pelo GERAN.

Mas a frente, no mesmo documento, os sujeitos sociais locais são identificados como

objeto de intervenção:

Tratando-se de uma população constituída, em sua grande maioria, de

analfabetos, doentes, de homens sem capacitação profissional, com

pouca prática de associativismo, etc., torna-se necessário que os

programas contemplem, com grande ênfase, as atividades destinadas a

integrar os recursos humanos aos objetivos dos programas, planos ou

projetos. (sem página. grifo nosso)

O projeto de modernização apresentado pelo desenvolvimentismo do MINTER

assim identifica o atraso. Ao mirar uma região subdesenvolvida ele sugere uma

intervenção planejada, racionalizada, que tem como princípio incrementar as relações

produtivas mais afinadas com a reprodução do capital, mesmo que através de relações

não capitalistas (como a grande produção extensiva). A população local é objeto e não

parte desse projeto, que prevê a ela instrução e adequação para integrar-se aos objetivos

dos programas, planos ou projetos. As pessoas que servem ao planejamento para o

desenvolvimento da região, e não o contrário, já que, aproveitando a crítica de Stacy

Leigh Pigg, “villagers dont understand things”29

(apud ESCOBAR, op.cit. p.49).

Este é, inclusive, o entendimento pessoal de Cordeiro de Farias:

Entretanto, quero dar minha opinião sobre a reforma agrária e sobre a

atuação do INCRA, mais recente. Estou me referindo, é claro, a

Pernambuco e ao Nordeste. Se quiserem fazer aqueles camponeses

mais infelizes, é só dar a eles um pedaço de terra, porque eles não tem

capacidade de se orientar. A não ser que lhes seja dada também, junto

com a terra, uma organização técnica, com toda a assistência de

agrônomos e professores. Assim é possível. Fora disso, a reforma

agrária só fabricará mais miseráveis.

[…]

Portanto, antes de dar a terra, é preciso educar o homem do campo e

dar a ele a proteção de um organismo de assistência técnica.

[…]

Quero deixar bem claro que não sou contra a reforma agrária. Acho

apenas que a massa humana, nas regiões mais atrasadas, infelizmente

ainda não tem capacidade para receber a terra. (FARIAS, op.cit. p.

414)

A delimitação do objeto a ser interposto, aquele que se opõe ao moderno, o

tradicional, exclui relações sociais como as que caracterizam a produção açucareira do

Nordeste. O atrasado é associado aos tipos de trabalho e modos de vida não afeitos à

reprodução do capital. É por essa lógica que estes sujeitos sociais serão caracterizados

29

“os locais não entendem as coisas” (Tradução Livre)

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como pobres e atrasadas, merecedoras de uma intervenção sistemática. É assim com o

sem-terra nordestino, com o extrativista amazônido, e com todos os grupos locais

objetos privilegiados da atuação do MINTER e suas agências.

O extrativismo na Amazônia ganha a conotação de maior sintoma do atraso, o

objeto a ser superado mais urgentemente. Através da E.M 187 de 1966, quando João

Souza explana sobre a Operação Amazônia, esse conteúdo é apresentado:

O extrativismo vem dando, ao longo do tempo, a conotação primordial

da economia regional; sobretudo o extrativismo vegetal, e neste, a

borracha. Sua característica fundamental tem sido a falta de fixação do

homem ao solo da Região, o que torna naturalmente antado em prol

do desenvolvimento/modernização a sua ocupação; e mais, o

extrativista operando a custos de fatôres (sic) elevadíssimos sucumbe

ao pauperismo. É imprescindível, portanto, um estudo aprofundado do

problema que possibilite o aumento da produtividade do sistema e ao

mesmo tempo ofereça alternativas de atividades compensadoras pela

sua diversificação. É uma tarefa primordial da ‘Operação Amazônia’

(pp. 3-4)

O extrativista amazônido – inclua-se aí os seringueiros, os ribeirinhos e os índios

– é caracterizado como um sujeito condenado pela irracionalidade de seus métodos de

trabalho que, ainda por cima, não propicia o adensamento populacional no “vazio

demográfico” da Amazônia. Este discurso não é antigo e duradouro, conforme Alfredo

Wagner de Almeida (2008):

As reformas pombalinas combinavam a noção de ‘progresso’ com o

que denominavam de ‘racionalidade econômica’. Este esquema

interpretativo é reproduzido no tempo, tornando-se uma sociologia

espontânea da explicação Amazônica […] Pelo menos até o final do

século XX, elementos básicos de tal esquema interpretativo podem ser

identificados sob uma forma de vulgarização cientifica, quando todos

discutem ou preconizam formas de exploração ‘racional’, ocupação

‘racional’ e ação ‘racional’ como ‘moderna’, suportando planos,

projetos e programas oficiais de desenvolvimento da região

amazônica. (p. 25)

É sobre essas populações e a sua necessária modernização que incide mais

diretamente a intervenção desenvolvimentista:

In a similar vein, patriarchy and ethnocentrism influenced the form

development took. Indigenous populations had to be ‘modernized’,

where modernization meant the adoption of the ‘right’ values, namely,

those held by the White minority or a mestizo majority and, in

general, those embodied in the ideal of the cultivated European;

programs for industrialization and agricultura development, however,

not only have made women invisible in their roles as producers but

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also have tended to perpetuate their subordination. (ESCOBAR,

op.cit. p.43)30

As formas “não cultivadas” de vida justificam, inclusive necessitam, de alguma

intervenção superior e racional sobre elas. Esse é o conteúdo que vigorou no documento

final da Operação Amazônia (1966):

As perspectivas do desenvolvimento da região pressupõem, contudo, a

interferência exógena do poder público central, que serve de meio

para alterar gradativamente hábitos e métodos de trabalho

prevalecentes. No entanto, é exigido aparato institucional a um

planejamento coerente com a realidade regional presente. (sem

página)

A pobreza, pedra angular e estrutura fundacional do desenvolvimento como

campo de poder, estampa como um rótulo essas populações tradicionais, resilientes,

incompatíveis ao progresso e ao capitalismo:

As lideranças da comunidade, no entanto, não vêm acompanhado as

exigências do progresso, o que se explica pelo baixo índice de

capitalismo existente, geralmente associado a relações sociais

insustentáveis fora do regime de trabalho previsto nos seringais e

áreas extrativistas. (Idem, sem página)

* * *

A modernização conservadora brasileira foi capturada pelo enraizamento do

desenvolvimento como campo de poder no país. Os aspectos significantes do

desenvolvimento deram sentido a um conjunto de práticas e articulações políticas que

causaram profundas transformações sociais, inclusivo no conteúdo do território. Estas

mudanças foram tocadas por uma série de novos arranjos – institucionais, políticos,

econômicos e simbólicos – ou a expressiva mudança no teor dos que já estavam. Como

ressalta Berta Becker, não se trata da simples integração física do território, mas sim da

mudança radical de seu conteúdo, agora impregnado de técnica e racionalidade

modernizante:

A integração do Território Nacional, a partir da fronteira tecnológica,

corresponde a uma ação rápida e combinada para, simultaneamente,

completara apropriação física do território – incorporando o centro-

30

“Na mesma linha, o patriarcalismo e o etnocentrismo influenciaram a forma tomada pelo

desenvolvimento. As populações tradicionais tiveram que ser ‘modernizadas’, onde a modernização

significou a adoção dos valores ‘certos’, ou seja, aqueles que tidos pela minoria branca ou uma maioria

mestiça e, em geral, aqueles encarnados no ideal da Europa cultivada; programas de industrialização e

desenvolvimento da agricultura, no entanto, não só fizeram as mulheres invisíveis em seus papéis como

produtoras, mas também tendem a perpetuar a sua subordinação.” (Tradução Livre)

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oeste e a ilha amazônica –, unificar, modernizar e expandir a o

controle do Estado por todas as atividades e todos os lugares, ainda

que sob um processo de transnacionalização crescente. (BECKER,

1988. p. 117)

O desenvolvimentismo foi o substrato deste projeto modernizante. A ele estava

associado o discurso da superação da pobreza e do atraso, assim como a racionalidade

técnica do planejamento como elemento normatizador do território e das relações

econômicas. O MINTER começa a ganhar forma enquanto ministério extraordinário

incumbido de coordenar algumas políticas dispersas, anteriormente criadas com

objetivos e sentidos nem sempre coerentes umas com as outras. A tarefa Inicial desta

pasta foi justamente correlacionar estes órgãos em torno de um significado unificado, eu

foi o desenvolvimento como campo de poder, que emergia do pós-Segunda Guerra

Mundial desenhando um quadro geopolítico desenhado na divisão entre países

capitalistas avançados, comunistas e subdesenvolvidos. Entidades internacionais

formaram uma rede de colaboração técnica e financeira, paralela e em colaboração à

própria mundialização da acumulação do capital que ocorria a passos largos. Neste

mesmo processo se difundiram os ideais desenvolvimentistas manifestados nos países

situados geopoliticamente no mundo subdesenvolvido enquanto políticas

intervencionistas, que tinham as populações locais como objetos e não sujeitos das

intervenções planificadas. O resultado disso foi a instalação de um poderoso sistema de

controle social, ao modelo da biopolítica de Foucault, conforme Arturo Escobar

(op.cit.).

Desde o começo de sua formação institucional, o MINTER assentou-se em um

modelo de planificação desenvolvimentista que adotou a região como enquadramento

de suas ações; isto devido a uma inspiração muito mais empirista do que de ordem

teórica ou programática31

. Este modelo foi herdado da SUDENE, criada em um período

imediatamente anterior, com objetivos igualmente desenvolvimentistas, mas com

conteúdo social de distribuição da riqueza, entre classes e entre regiões. A SUDENE,

que também sofreu alteração do seu formato original, serviu como base para a política

de governamentalização pensada pelo MINTER.

O recorte regional foi bastante adequado aos ímpetos desenvolvimentistas, pois

favoreceu a definição de um objeto concreto de intervenção, bem aceito e associado à

pobreza e ao atraso, necessário para o reconhecimento da incapacidade das populações

31

Neste momento, haja vista que em momentos posteriores o MINTER operou um planejamento muito

mais sofisticado teoricamente. Sobre este outro momento ver Bomfim (2007).

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locais em lidar com os problemas do desenvolvimento. Além disso, e ainda de maior

relevância, foi o fato de que este objeto não fazia referência direta a um conjunto de

relações sociais específicas. Por esta razão, o MINTER pôde definir ele mesmo o

moderno e o atrasado, o compatível e o incompatível ao desenvolvimento.

A objetivação do atraso em quadros espaciais, sobretudo em regiões, foi

particularmente eficiente na condução da conciliação de interesses, acomodando ao

invés de atacar um setor da sociedade que era, a rigor (pelo menos no nível teórico),

contraditório ao objetivo de aprofundar as relações capitalistas de produção. Em outras

palavras, dizer que o Nordeste estava atrasado era aceitável diante da opinião pública,

sem dizer exatamente qual a relação social que caracteriza esse atraso, o que não

implicou o reconhecimento do latifúndio como parte do atraso.

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141

4. DESENVOLVIMENTO, SEGURANÇA NACIONAL E GEOPOLÍTICA NO

MINISTÉRIO DO INTERIOR

Para se compreender os planos de ação e governamentalização do MINTER,

fundamental se faz compreender a disseminação em escala mundial da doutrina de

Segurança Nacional. Este processo é marcante e está na gênese da institucionalização

do MINTER. Para compreendê-lo é preciso se reportar ao imediato momento

subsequente à Segunda Guerra Mundial. Quando a guerra se definiu em 1945 o mundo

estava profundamente transformado; EUA elevado à condição de potência mundial,

formação do sistema ONU; o acordo de Bretton Woods com o padrão dólar, elevação

do papel e da importância das empresas transnacionais, e, finalmente, o próprio

significado da guerra e da paz no âmbito inter e intra estados nacionais.

A guerra demandou um elevadíssimo suprimento de recursos de toda a sorte.

As imensas tropas de combate que se formavam por terra, céu e mar exigiam dos países

beligerantes cada vez mais investimento em pessoal, produtos industriais, tecnologia,

energia e informação. Formaram-se complexos sistemas de informação, as indústrias

nacionais voltaram-se para a economia da guerra, pesquisas em tecnologia avançavam a

passos largos. Os investimentos invertidos neste processo todo tomaram proporções

inéditas. Esta demanda elevada de capital a ser convertido em máquinas de guerra

exigia também a profusão propagandística para disseminar a necessidade da guerra e do

comprometimento dos cidadãos1. Os generais e chefes do Estado Maior das Forças

Armadas e vários países (entre eles o Brasil), davam-se conta de que, diante da

monstruosidade da guerra, a finalidade militar deveria, a partir dali, envolver todos os

esforços nacionais, seja no âmbito político, social, econômico ou “psicológico”, como

costumavam se referir ao objeto da propaganda.

Os EUA lançaram-se como potência mundial primeiramente porque os países

beligerantes2 viram-se sem recursos para continuar as batalhas. Diante das

circunstâncias, aumentaram vertiginosamente as importações dos EUA e, para financiá-

las, recorriam a crédito oriundo do mesmo país. Já em 1941.a Inglaterra, acuada com o

perigo da iminente invasão alemã, para persuadir os EUA a se juntarem às fileiras de

combate ao lado dos Aliados, abriu mão de uma série de condições privilegiadas das

1 Ficou consagrada a famosa peça publicitária, amplamente divulgada, com a imagem do “Tio Sam” com

o dedo apontado acima de uma legenda escrita: “I want you for de U.S. Army” (“Eu quero você para as

Forças Armadas dos EUA”. Tradução Livre.). 2 Até 1941 os EUA mantiveram-se na condição de neutros.

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quais gozava antes da guerra, como tarifas especiais de comércio, postos comerciais,

etc. Some-se aí a força militar consolidada nos EUA, dada a economia de guerra que se

formou e a sofisticação das forças armadas com muita tecnologia, informações e

experiência de combate que se canalizava para esse fim. O resultado disso foi a

centralização das finanças, do poder político e militar no país da América do Norte,

condição que caracteriza uma hegemonia mundial consolidada (ARRIGHI; HUI; RAY;

REIFER, 2001).

Terminada a Segunda Guerra Mundial os EUA assumem imediatamente a

hegemonia mundial. Para isso foi necessário a superação de uma ambiguidade que

caracterizou sua política externa, sempre entre o isolacionismo e o expansionismo; a

primeira em relação aos países europeus e a segunda a postura típica de sua relação com

os demais países americanos, cujo formato mais bem acabado foi a Doutrina Monroe,

inaugurada na segunda década do século XVIII (ARON, 1975). Definitivamente os

EUA assumem o expansionismo como política externa, contribuindo com a articulação

do complexo sistema mundializado de finanças, comércio e política. É aqui que todo

esse processo ganha significado na formação de uma Doutrina de Segurança Nacional

no Brasil e, por conseguinte, em sua ressonância no MINTER.

O objetivo deste capítulo é compreender a genealogia da internalização no

Brasil da Segurança Nacional como campo de poder, mais precisamente, entender os

planos de ação e governamentalização do MINTER como a consagração dessa prática.

Para isso, necessário se faz não somente entender a formação e circulação da doutrina a

partir do seu centro difusor nos EUA, mas também as condições para a sua realização

no Brasil. O capítulo começa por analisar a edificação do “império da segurança

nacional”. Em seguida, discute-se a montagem e aprofundamento da segurança nacional

no Brasil para então, na seção seguinte, discutir as relações entre segurança nacional,

desenvolvimento e geopolítica. Na penúltima seção discute-se o MINTER no quadro de

interpelações especificado e, por fim, analisa-se o fenômeno do centralismo politico

associado à geopolítica na conformação da estrutura ministerial do MINTER.

A mundialização da Segurança Nacional

A Segurança Nacional como dispositivo político, tal qual se concebe nesta

pesquisa, tem suas origens nos EUA do pós-guerra. Dada a magnitude de tudo o que foi

despendido e organizado em torno do conflito mundial, o conceito de guerra foi

alterado. Além dos gigantescos arsenais, da sofisticação tecnológica e das sofisticadas

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143

instituições de inteligência e informação formadas para o combate, difundiu-se uma

ideia de que a guerra, a partir daquele momento, envolveria necessariamente todos os

esforços nacionais.

Segundo os estrategistas militares estadounidenses, o nazi-fascismo ganhou

grande magnitude devido à negligência do “mundo ocidental”, que menosprezando sua

periculosidade, não o combateu a contento antes que tomasse a proporção alcançada.

Para eles, o caráter totalitário e expansionista do fenômeno político-social que

alimentou o Eixo Alemanha, Itália e Japão foi ignorado e por isso tolerado. Ainda

segundo eles, o comunismo, por doutrina, seria igualmente totalitário e expansionista.

Para evitar outro colapso mundial seria necessário eliminar completamente a ameaça de

outra doutrina totalitária, a reencarnação do nazi-fascismo, desta vez representada por

outra superpotência, a URSS. Esta é a concepção que nutriu a ideologia da guerra

generalizada, um conflito absoluto, cujo resultado só poderia ser a completa eliminação

do perigo: “a guerra generalizada é o conflito armado entre grandes potências, na qual

os recursos totais dos beligerantes são postos em ação, e na qual a sobrevivência de um

deles representa um perigo” (COLLINS, J.M. Manual do National War College, apud

COMBLIN, 1978. p. 33).

A guerra generalizada foi encarnada por outro princípio, a guerra total,

conceito introduzido pelo geopolítico estadounidense Nicholas Spykman (COSTA,

op.cit.). Dada a intensidade e magnitude do conflito, somado à prerrogativa do “matar

ou morrer”, era preciso converter todos os recursos possíveis no combate ao inimigo.

Infelizmente, decretavam os estrategistas, o povo não estava suficientemente consciente

da ameaça, por isso era necessário um esforço de propaganda contra-ideológica, além

das ações militares convencionais. O princípio da guerra total subordina a si todas as

dimensões do social; a política, a economia, e a cultura (que aparece nos manuais de

segurança nacional como “dimensão psicológica”). A guerra total põe a “nação em

armas”, o patriotismo é evocado como elemento fundamental. Combater o inimigo não

é lutar por uma ou outra virtude material, mas sim lutar pela sobrevivência da nação. Se

não combatido a tempo, o comunismo pode arruinar o “mundo cristão-ocidental”,

profetizam os estrategistas. Esta leitura da guerra não é novidade, foi formulada no seio

da própria doutrina nazista e um de seus esteios (COMBLIN, op.cit).

A materialização da guerra total é a guerra fria, outro conceito chave no

nascedouro e sustentação da Doutrina de Segurança Nacional estadounidense. Guerra

fria é o estágio concreto do conflito:

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144

Para a Doutrina da Segurança Nacional, o grande desafio atual é a

grande novidade da guerra contemporânea: apresenta-se sob a forma

de guerra fria. Suas formas são novas, mas é preciso aplicar-lhes todas

as características de uma guerra, e responder a esta nova situação por

uma estratégia apropriada. A guerra fria é uma guerra permanente:

trava-se em todos os planos – militar, politico, econômico, psicológico

-, porém evita o confronto armado. A segurança nacional é exatamente

uma resposta a esse tipo de guerra. (COMBLIN, op.cit. p.39)

A evidência da guerra fria como uma guerra total coloca os EUA na posição de

salvaguarda da democracia mundial, em contraposição e combate ao que eles

consideravam como o novo totalitarismo. A expressão mais clara disso talvez seja a

declaração do então presidente dos EUA Harry S. Truman ao Congresso em 12 de

Março de 1947, no discurso que ficou conhecido como a inauguração da Doutrina

Truman, preconizando a contenção ao comunismo. Das palavras de seu discurso:

The gravity of the situation which confronts the world today

necessitates my appearance before a joint of the Congress. The foreign

and the national security of this country are involved. (p. 1)

[…]

At the present moment in world history nearly every nation must

choose between alternative ways of life. The choice is too often not a

free one.

One way of life is based upon of the will of the majority, and is

distinguished by free institutions, representative government, free

elections, guaranties of individual liberty, freedom of speech and

religion, and freedom from political oppression.

The second way of life is based upon the will of a minority forcibly

imposed upon the majority. Its relies upon terror and oppression, a

controlled press and radio, fixed elections, and the suppression of

personal freedoms.

I believe that it must be the policy of the United States to support free

peoples who are resisting attempted subjugation by armed minorities

or by outside pressures3. (TRUMAN, 1947. p. 4)

O pequeno excerto, extraído do discurso original, revela os aspectos

fundamentais da política exterior estadounidense desde então e a relevância do tema da

3 “A gravidade da situação em que se confronta o mundo de hoje exige minha aparição antes de uma

sessão conjunta do Congresso. A segurança estrangeira e nacional deste país estão envolvidas.

[...]

No presente momento da história do mundo quase todas as nações devem escolher entre modos de vida

alternativos. A escolha muito frequentemente não é livre.

Um modo de vida baseia-se na vontade da maioria, e distingue-se por instituições livres, governo

representativo, eleições livres, garantias de liberdade individual, liberdade de expressão e de religião, e

livre de opressões políticas.

O segundo modo de vida baseia-se na vontade de uma minoria imposta à força sobre a maioria. Ela

depende do terror e opressão, imprensa e rádio controlados, eleições fixadas, e a supressão das liberdades

pessoais.

Eu acredito que deve ser a política dos Estados Unidos apoiar os povos livres que estão resistindo às

tentativas de subjugação por minorias armadas ou por pressões externas.” (Tradução Livre).

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segurança nacional para tal política. De princípio o ex-presidente já adverte à tribuna

que ele abordará questões referentes a outros países – Grécia e Turquia – mas como

assunto de segurança interna. Segundo a interpretação de Truman, as revoltas de cunho

socialista em curso nos supracitados países mediterrâneos eram evidência do

expansionismo soviético, consequentemente, tratava-se da arrancada de outro regime

totalitário. Este era o mal a ser combatido nos termos da guerra generalizada, com a

prerrogativa de dar cabo ao inimigo. Por esta razão o assunto tornava-se de interesse da

segurança interna dos EUA.

O trecho também revela a cisão do mundo em dois blocos de países, os livres e

os não-livres, segundo a interpretação do presidente. Obviamente que ele se refere aos

capitalistas e comunistas. Diante da cisão, caberia aos EUA assegurar a perpetuação dos

países livres (capitalistas) protegendo-os das ofensivas opressoras oriundas da parte

não-livre do mundo.

Esta foi a maior evidência de que definitivamente os EUA abandonariam a

política de isolacionismo em relação à Europa e ao mundo, assumindo a posição de

vanguarda da democracia ocidental, identificando e combatendo um inimigo: o

comunismo. Em outro trecho do mesmo discurso ele inclusive se refere à incapacidade

do Reino Unido e perda do protagonismo que a terra da Rainha gozava até então,

cabendo aos EUA assumir a incumbência e, por extensão, a hegemonia mundial:

The United States must supply that assistance. We have already

extended to Greece certain types of relief and economic aid, but these

are inadequate.

There is no other country to which democratic Greece can turn.

No other nation is willing and able to provide the necessary support

for a democratic Greek government.

The British Government, which has been helping Greece, can give no

further financial or economic aid since after March 31. Great Britain

finds itself under the necessity of reducing or liquidating its

commitments in several parts of the World, including Greece4. (Idem)

Estavam aí estabelecidas as diretrizes da ordem mundial do pós-guerra, quando

a contenção ao comunismo fez com que tudo e qualquer coisa pudesse ser tratada como

4 “Os Estados Unidos devem fornecer essa assistência. Nós já aumentamos à Grécia certos tipos de

socorro e ajuda econômica, mas estes são insuficientes.

Não há nenhum outro país para o qual a Grécia democrática pode se voltar.

Nenhuma outra nação é solicita e capaz de fornecer o apoio necessário para um governo grego

democrático.

O governo britânico, que tem ajudado a Grécia, não pode dar mais nenhuma ajuda financeira ou

econômica desde depois de 31 de março. A Grã-Bretanha encontra-se sob a necessidade de reduzir ou

liquidar seus compromissos em diversas partes do mundo, incluindo a Grécia.” (Tradução Livre)

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potencial assunto de segurança dos EUA. Este é o marco fundacional da segurança

nacional como política externa, e um grande marco na implantação do intervencionismo

estadounidense no mundo, já que a amplitude e vaguidade do conceito possibilitavam

uma extensa gama de ações:

Ora, a guerra fria da Doutrina Truman forneceu uma chave para

interpretar, daí por diante, tudo o que poderia acontecer no mundo.

Cada vez que o status quo fosse questionado, em qualquer parte do

mundo, cada vez que surgisse um governo desfavorável aos Estados

Unidos, ou suscetível de tornar-se desfavorável, seria necessário ver

nisso o espectro da guerra fria: a presença do dedo de Moscou.

(COMBLIN, op.cit. p.40)

A Segurança Nacional tornou-se o mote político de maior expressão, segundo

Joseph Comblin (op.cit.); em seu nome tudo era válido, tanto interna quanto

externamente, em um contexto de guerra fria. No aparato estatal estadounidense criou-

se uma burocracia de especialistas do mais alto nível para operar independentemente

das pressões e disputas políticas imanentes à sociedade, tinham liberdade e anuência do

presidente para tomar as medidas que julgassem necessárias à segurança nacional. Os

cargos mais relevantes dessa burocracia criada pela Lei de Segurança Nacional

(National Security Act) de 1947 era ocupado por civis, em agências como a Central

Intelligence Agency5 (CIA) e o Pentágono (sede do Departamento de Defesa dos EUA).

Ainda segundo Comblin, esta burocracia atingiu tamanha relevância que chegou a ser a

principal responsável pela política externa:

os partidos fizeram um acordo para deixar os problemas de segurança

nacional fora do alcance de suas lutas políticas. O assunto segurança

nacional recebia assim uma espécie de aura sagrada. Todas as

condições estavam prontas para que uma nova burocracia tomasse a si

os assuntos de segurança nacional, à sombra da Presidência, fora do

alcance do Congresso, numa espécie de recinte privilegiado onde os

assuntos do Império estariam cuidadosamente protegidos contra todas

as tentativas de vigilância por parte do Congresso, da imprensa ou da

opinião pública. (COMBLIN, p. 120)

Importante notar que a concepção de guerra total aplicada à guerra fria gerava

certos inconvenientes, dada a radicalidade exigida. Tomada em sentido literal, isso

implicaria que toda e qualquer ação supostamente oriunda dos soviéticos deveria ser

combatida com força máxima, ou seja, bomba atômica. Difícil imaginar que os EUA

estariam dispostos a usar a bomba atômica nas diversas situações conflituosas que

5 Agência Central de Inteligência.

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apareciam. Exemplo dessa inviabilidade foram as Guerras da Coréia (1950-53) e do

Vietnã (1955-1975). Diante dessa ambivalência, o secretário de defesa dos EUA Robert

Macnamara formulou uma distinção de níveis da guerra: a guerra atômica, a guerra

convencional e a guerra revolucionária; esta distinção propiciou estratégias diferentes

para cada nível. No âmbito atômico, apesar do “clima” de guerra fria, avançou-se

significativamente em acordos com a URSS para o não uso e a não proliferação da arma

em outros países; na guerra convencional a estratégia de contenção ao comunismo se

manteve inalterada, a exemplo das guerras da Coreia e Vietnã; por fim, a guerra

revolucionária identificava o inimigo comunista em ações e intervenções internas aos

países através de guerrilheiros fomentados pelos soviéticos. Este foi o mote mais

eficiente para expandir a doutrina de segurança nacional para os países

subdesenvolvidos, e de fato foi o que se deu.

A guerra fria por si só foi motivo suficiente para edificar uma política de

segurança nacional como elemento estruturante da ordem mundial. O argumento foi

reforçado pela propagação direta da doutrina, que, a exemplo do desenvolvimento,

formou-se como um verdadeiro campo de poder, com as mesmas prerrogativas de

controle social através de um poder normativo majorado. Aliás, desenvolvimento e

segurança fizeram um casamento quase que inseparável na versão latino-americana da

doutrina. Basicamente, a mesma institucionalidade que fez difundir o desenvolvimento

como campo de poder, difundiu também o seu par complementar (Plano Marshall para a

Europa, Aliança para o Progresso na América Latina, p.ex.), com um particular, a

cooperação militar.

Um dos alicerces mais dinâmicos na propagação da doutrina de segurança

nacional e seu corolário para a América Latina deu-se na dimensão militar. Os EUA,

ainda escorados no ideário da doutrina Monroe, agiram fortemente para consolidar um

aparato militar interamericano, sob o comando e liderança dos EUA. Esse projeto nunca

chegou a consolidar-se nos moldes previstos originalmente, mas logrou grandes êxitos

no âmbito da consolidação do alinhamento militar dos países das Américas Central,

Caribe e do Sul. Militares de alta patente foram treinados em escolas especializadas dos

EUA (como Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima, que passaram pelo Fort

Leavenworth antes de partirem para os combates da FEB) e, inclusive, foi criada a

United States Army School of the Americas6 (USARSA) em 1946, especificamente

6 Escola do Exército Americano para as Américas.

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voltada para o treinamento de oficiais latino-americanos. Com a detecção da guerra

revolucionária, o sistema de segurança nacional estadounidense trabalhou para edificar

uma estrutura política de segurança nacional na América Latina voltada para esse tipo

de combate. Além do treinamento de oficiais armamentos foram oferecidos e vendidos

para equipar e modernizar as Forças Armadas desses países. Todas essas práticas

decretaram um vínculo estreito entre as instituições militares latino-americanas e os

EUA. Os interesses convergiam ideologicamente e na prática, pois viriam do norte os

meios necessários para a transformação militar que tanto clamavam os oficiais.

A exemplo da afirmação do desenvolvimento como campo de poder, a

segurança nacional também se estabelece enquanto tal. A bem da verdade, ambos

processos são concomitantes, se entrecruzam, se retroalimentam; operam basicamente

pelos mesmos canais. A transnacionalização da economia e a ordem geopolítica se

alimentaram basicamente da estruturação desses dois campos de poder; o

desenvolvimento e a segurança nacional. As convergências e divergências entre eles,

especificamente no que diz respeito ao processo brasileiro, serão analisadas mais

adiante.

A Segurança Nacional no Brasil

A segurança nacional passou a ser elemento fundamental para tecer as relações

interestatais que desenhou a geopolítica mundial do pós-guerra. A ação da política

externa estadounidense, orientada por esse princípio, situava os países na órbita

internacional e interferia profundamente na estrutura interna de cada um. O Brasil desde

muito cedo aderiu a esse princípio, devido a influência da FEB. Mas foi sobretudo após

a erupção da revolução cubana em 1959 e a emergência das guerras revolucionárias no

mundo subdesenvolvido que a política externa da segurança interna dos EUA voltou-se

de maneira mais direta à América Latina, repercutindo em uma política sistemática.

À bem da verdade, a concepção da segurança nacional já existia Brasil

efetivamente desde 1934, quando passou a funcionar o Conselho de Segurança Nacional

de Getúlio Vargas. Entretanto, este Conselho tinha um caráter mais pontual, mais

próximo da noção de defesa militar e de protecionismo econômico (ALMEIDA, 2011).

Não há a formação de um campo de poder propriamente dito, articulado a uma ordem

geopolítica mais profunda. Esta articulação enquanto campo de poder só ocorre no pós-

guerra, mais significativamente na década de 1960.É razoável considerar que o primeiro

órgão rigorosamente desta natureza no Brasil seja a ESG, não por coincidência formada

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por expedicionários da FEB, destacadamente Cordeiro de Farias que, como já se disse,

foi seu primeiro diretor.

A ESG, criada em 1947, se enquadrou na burocracia militar brasileira como um

estágio praticamente obrigatório para que os oficiais galgassem postos no alto escalão

da corporação. Fundamentalmente, ela se dedicou à formulação teórica da versão

nacional da DSN. Segundo Cordeiro de Farias:

A expressão ‘segurança nacional’ apareceu depois da Segunda Guerra.

Antes falávamos em ‘defesa nacional’ com uma significação derivada

da própria natureza da guerra, pois o confronto armado entre nações se

fazia em campos de batalha e era circunscrito a áreas específicas.

[…]

Na Escola Superior de Guerra tratamos de uma nova concepção de

defesa nacional. A evolução da noção de ‘defesa’ para a noção de

‘segurança’ decorreu, na verdade, do arremate da Segunda Guerra. Foi

aí que se começou a perceber que um país em guerra estava

globalmente sujeito aos seus efeitos nefastos. E foi por isso que, em

1949, criamos a ESG. (Ibidem. pp. 349-350)

De acordo com a leitura do marechal, o novo conceito foi uma readequação

conceitual frente a um imperativo material: a nova forma de guerra, a guerra total –

anteriormente explicitada. A defesa nacional parecia não alcançar a nova natureza da

guerra que demandava agora não só proteção de fronteiras e poderio militar, mas a

mobilização de todo os recursos nacionais. A guerra tornou-se mais complexa e, por

consequência, também o conceito de segurança.

Segundo Golbery do Couto e Silva (1981), o mais proeminente teórico da ESG,

segurança nacional é:

Ora, Segurança Nacional caberia defini-la, por certo, como: – o grau

relativo de garantia que o Estado proporciona à coletividade nacional,

para a consecução e salvaguarda de seus Objetivos, a despeito dos

antagonismos internos ou externos, existentes ou presumíveis. (p. 155)

Segurança é então a salvaguarda dos meios necessários a uma nação para

cumprir seus objetivos. O próprio Golbery se encarregada de listar quais seria eles.

Encabeça sua relação “a salvaguarda intransigente de nossa independência política

[…]”, seguido diretamente por “a manutenção de um estilo de vida democrático […]”

(Idem. p. 74). A mensagem é clara e direta, o Brasil deve estar no bloco oposto aos

soviéticos.

A obra de Golbery reflete uma nova atenção a qual a DSN (em nível mundial)

começa a dispensar para o fenômeno da guerra revolucionária, posteriormente

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esquematizada pelo secretário de defesa dos EUA Robert MacNamara em três níveis

“distintos de guerra”: atômico, convencional e revolucionário7. Antes disso, estes níveis

já estavam muito claros pra Golbery. Em texto de 19588, ao analisar a “ameaça ao

ocidente”, ele se refere explicitamente a três formas de ameaça: a guerra atômica, a

guerra localizada e a guerra subversiva9. Para ele (1981.):

Outra técnica haveria de ser empregada para atuação mais no interior

do sistema defensivo do Ocidente. E, neste particular, é que a

ideologia comunista cumpre seu papel capital de ponta de lança

impalpável e insinuante, no mobilizar uma minoria disciplinada e

fanática de profissionais da revolução, no criar um ambiente de

agitação e tumultos, no aprofundar todas as dissenções e explorar

todos os ressentimentos, no insuflar constantemente o ódio em relação

ao Ocidente, tudo de modo a promover, na primeira oportunidade

favorável, a irrupção, conforme o caso, de um golpe de Estado – como

no Iraque – ou de uma insurreição de massas – como na Indochina. E

aí temos a guerra subversiva, insurrecional ou social-revolucionária,

que possibilita a agressão indireta e mesmo à distância, comandada do

exterior, apoiada com técnicos da subversão, os intitulados

voluntários, armas, dinheiro propaganda e ameaças de toda a natureza,

quando não a presença nas imediações dos próprios tanques ou aviões

soviéticos ou chineses. (pp.235-236. Grifo no original)

A ameaça da guerra subversiva impõe métodos severos de combate à

infiltração soviética, que fere a soberania nacional e o compromisso do Brasil com a

democracia. Golbery estava absolutamente convencido disso, o que o levou a articular o

imenso aparato de segurança nacional formado no território pátrio. Além de participar

ativamente dos debates da ESG, resolveu “colocar as mãos à massa”, e assim surge o

Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES).

O Instituto fora criado em 1961 por obra de alguns intelectuais e empresários

anticomunistas, com forte proximidade de segmentos militares, sobretudo os esguianos.

Formalmente, tratava-se de um instituto que tinha por finalidade acompanhar e tomar

posição sobre os fatos em curso no Brasil, mais especificamente as reformas de base

anunciadas por Goulart. Apresentavam-se como homens notórios e desinteressados,

7 Esta delimitação já está apresentada o começo deste capítulo.

8 Este texto é parte componente da uma coletânea publicada sobre o título “Conjuntura política nacional e

o poder executivo & Geopolítica do Brasil”. A primeira parte “Conjuntura …” é uma palestra proferida

por ele na ESG em 1980, que tem grande valor, pois expõe suas razões para a “abertura lenta e gradual”.

O segundo livro “Geopolítica do Brasil” reúne ensaios e palestras feitos entre 1950 e 1960. Trata-se,

como diz ele, da exposição da evolução de uma análise geopolítica. 9 A tipologia dos dois não é absolutamente coincidente, apesar de bastante semelhantes. A diferença está

na guerra convencional para MacNamara em relação à guerra localizada de Golbery. O estadounidense se

refere a todo e qualquer enfrentamento frontal, mesmo que envolva as duas grandes potências

diretamente, já o brasileiro chama de guerras localizadas uma modalidade de “guerra por procuração”,

envolvendo satélites, não as potências diretamente.

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dispostos a “promover a educação cultural, moral e cívica dos indivíduos” (IPES apud

DREIFUSS, op.cit. p. 164). Diziam também engajados em objetivos nobres, como a

angariação de fundos para combater o analfabetismo no Brasil, etc.

Independentemente de serem cumpridos ou não as finalidades alegadas, o fato

mais significativo é o trabalho de articulação minuciosa da conspiração que levou ao

golpe de 1964. O IPES funcionou como um laço de solidariedade e orquestração de

intelectuais, tecno-empresários e militares orientados para desestabilizar e, se possível,

derrubar o governo populista. Segundo Dreifuss (op.cit.), tratava-se de um sofisticado

órgão que dispunha de recursos financeiros e técnicos consideráveis, como por

exemplo, capacidade ilimitada de viagens para seus membros, concedidas como cortesia

pelas empresas de transportes. Não é preciso dizer o quanto isto é valioso para a

conspiração10

.

O IPES estava estruturado em diferentes unidades operacionais denominadas

de “grupos”, articuladas entre si. No que tange à institucionalização da segurança

nacional do Brasil, o trabalho de um desses grupos é particularmente relevante, o Grupo

de Levantamento da Conjuntura (GLC), liderado até 1964 por Golbery do Couto e

Silva. Este grupo alimentava a conspiração com informações levantadas, encaminhadas

para análise de conjuntura e formação da doutrina. Este grupo tinha amplo alcance,

contava com a solidária colaboração de militares de alta patente:

O GLC distribuía entre os militares uma circular bimestral

mimeografada sem identificação de fonte, que descrevia e analisava a

atividade ‘comunista’ por todo o país e que incitava a opinião militar

contra o Executivo e contra a mobilização popular. Com o mesmo

zelo que ele preparava os relatórios semanais, a partir de material

impresso, o GLC compilava dossiês dos indivíduos e grupos

‘comunistas’, bem como distribuía um mapa que identificava a

estrutura e pessoas-chave das supostas organizações subversivas. Para

ser possível obter um conhecimento acurado e eficiente da situação

política, o IPES se valia de uma amplamente distribuída rede de

informações dentro das Forças Armadas, da administração pública,

das classes empresariais, da elite política, das organizações estudantis,

dos movimentos de camponeses, do clero, da mídia e dos grupos

culturais. O GLC teria grampeado, só no Rio, cerca de três mil

telefones. (DREIFUSS, op. cit. p. 188)

10

Dreifuss (op.cit.) é enfático a esse respeito: “O IPES não era com certeza, como frequentemente é

descrito, um movimento amador de empresários com inclinações românticas ou um mero disseminador de

limitada propaganda anticomunista; era, ao contrário, um grupo de ação sofisticado, bem equipado e

preparado; era o núcleo de uma elite orgânica empresarial de grande visão, uma força-tarefa

estrategicamente formada, agindo como vanguarda das classes dominantes.” (p. 185)

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Enfim, o IPES foi um sofisticado aparelho de informações e articulações

conspiratórias. Apesar de um órgão absolutamente legalizado, adota práticas ilegais de

observação e espionagem em nome da segurança nacional. Ao que tudo indica, essa foi

a aparelhagem mais significativa para o aprofundamento da segurança nacional

enquanto campo de poder no Brasil.

É válido lembrar que os militantes do IPES eram da classe de técnicos e

empresários nacionais fortemente associados ao capital transnacional, já citado no

capítulo anterior. A segurança nacional, a exemplo do desenvolvimento, estruturou-se

através de forte participação internacional. As influências estrangeiras não davam-se

somente na inspiração doutrinária, que ocorria mais explicitamente; se davam também

pelo financiamento, auxílio técnico e facilidades políticas oferecidas diretamente, sem o

intermédio do empresariado nativo.

A tarefa de captar os recursos financeiros para o funcionamento do IPES estava

incumbida ao Grupo de Integração (GI). Este grupo arrecadava fundos através de

doações corporativas e individuais dos próprios membros do IPES. Além de angariar o

dinheiro necessário, essa prática servia para ampliar a rede de cooperação em torno do

instituto. As redes pessoais serviam para atingir os grandes grupos internacionais, que

não se furtaram a contribuir com a causa:

Duzentos e noventa e sete corporações americanas deram apoio

financeiro ao IPES. Cento e uma empresas de outras proveniências

deram contribuição adicional. […] Em maio de 1962, J.B. Leopoldo

Figueiredo informava o Comitê Diretor das receitas ordinárias de São

Paulo, que naquela época montavam 9,5 milhões aproximadamente.

Relatava também sobre o trabalho desenvolvido com empresas firmas

britânicas e americanas. As americanas contribuíam com mais ou

menos sete milhões anuais, com expectativa de alcançar quinze

milhões. As britânicas participaram com 3,5 milhões. A perspectiva

seria de alcançar 20 milhões mensais e poderia até mesmo alcançar

índices mais altos. (DREIFUSS, op.cit. p. 206)

Com o triunfo do golpe de 1964, a segurança nacional estava definitivamente

assentada no Brasil, integrando-o como partícipe deste campo internacionalizado. A

estrutura montada e operacionalizada no IPES foi praticamente transferida para o seio

da máquina estatal, com o nome de Serviço Nacional de Informações, o famigerado

SNI. O primeiro encarregado foi ninguém menos que Golbery do Couto e Silva, o

mesmo que já havia montado o sistema de obtenção de informações do IPES. O SNI

consolidou-se como o centro nevrálgico dos governos militares que se sucederam.

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Golbery foi sucedido por Médici em 1967, que abandonou o posto para assumir a

presidência da República em 1969.

O aparato de segurança nacional ganhou tamanha relevância que Maria Helena

Alves (1984) chega a tratar o Estado pós-1964 como “o Estado de Segurança Nacional”,

levando em conta todos os mecanismos de repressão instaurados, como o Departamento

de Ordem Política e Social (DOPS). Fato é que o SNI passou a exercer influência direta

e predominante em todos os setores dos governos militares, e o Conselho de Segurança

Nacional (CSN), composto por todos os ministros mais o presidente da República,

passou a fazer às vezes de reunião de cúpula governamental. As atas destas reuniões,

recentemente disponibilizadas na sede do Arquivo Nacional de Brasília através do

projeto “Memórias Reveladas”, revelam que pautas econômicas e políticas se

misturavam com apreciações e vereditos sobre indivíduos suspeitos de “subversão”11

.

Todo esse “Estado de Segurança Nacional” instituído, coube perfeitamente no

caráter autoritário do capitalismo brasileiro. As práticas obscuras de tortura e violação

de direitos humanos transformaram-se em mero instrumento de eliminação das

oposições e conflitos políticos (muitas vezes eliminação física literalmente), “limpando”

o caminho para implantar um modelo político, econômico e social sem perturbações de

projetos divergentes, desautorizados e depreciados através do rótulo de “subversivos”.

Mas, é importante que se diga, a institucionalização da segurança nacional no

Brasil não se limitou ao aparato de informação e coerção social, por mais que ela seja

mais facilmente reconhecível neste aspecto. Esta institucionalização foi inspirada por

uma versão nativa da doutrina, que tomava em cômputo não só características

particulares da formação brasileira como também clivagens já consagradas por aqui: as

tradições do pensamento autoritário brasileiro e a geopolítica (MIGUEL, 2002). O

MINTER é produto desta forma particular que a segurança nacional assume no Brasil.

Segurança Nacional, Desenvolvimento e Geopolítica

Os “generais de 1964” (SVARTMAN, op.cit.), aqueles que estiveram à frente

do regime militar, reverenciavam Alberto Torres e Oliveira Vianna, Golbery se refere a

este como “o mestre” repetidas vezes. Os mestres e suas obras eram referências centrais

para a interpretação do Brasil destes homens. Ambos vociferavam contra a

“desorganização nacional”, reversível apenas através de uma ação corretiva por parte de

11

Estas atas não foram sistematicamente analisadas por não estarem diretamente ligadas ao escopo desta

pesquisa. Mas formam um material de relevância primorosa para outras pesquisas.

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154

um Estado forte e centralizador, capaz de neutralizar as “forças centrífugas”

características da formação social brasileira. Revestiam-se de nacionalismo para propor

um Estado corporativo e centralizado (IGLESÍAS, 1978).

Oliveira Vianna, inspirado em Capistrano de Abreu, acentuava o território

como força centrífuga dada sua grande extensão e parca ocupação, propícia ao

isolacionismo de latifúndios convertidos em feudos, unidades autossuficientes,

inibidoras do comércio da indústria, portanto retrógradas economicamente; e incapazes

de tecer laços solidários entre as classes sociais, causando a frágil consciência nacional

(ODALIA, 1997). Segundo Lia Machado (2002), o célebre intelectual defendia três

teses sobre o território: i) o sertão representava o somatório e as possibilidades da

nação, subentendendo que ali estariam as bases para a unificação nacional; ii) o Brasil

estaria em vias de alcançar a “pureza racial” através da miscigenação com os europeus;

iii) somente uma política centralizadora poderia garantir as potencialidades do Brasil.

De forma geral, Oliveira Vianna defendia que o país poderia vir a ser uma nação forte,

cuja força estava impressa nos sertões. Contrapunha-se às explicações demasiadamente

afeitas ao mundo urbano, ressaltando o papel que a hinterland teria na definição da

formação nacional através de um estado centralizado.

Interessante notar que, pela lógica destes intérpretes, em consonância com o

caráter conservador da modernização brasileira, a “grandiosa tarefa” de apropriação do

território não poderia ser obra espontânea, ao sabor das forças populares, consideradas

frágeis e despreparadas. Deveria ser obra de um Estado forte centralizador, o “novo

bandeirante” (VELHO, op.cit.). Para impedir que a reserva de terras disponíveis fossem

apropriadas pelos populares movidos por interesses particulares, mecanismos extra-

econômicos de repressão da força de trabalho – como a propriedade da terra

desvinculada da posse, o escravismo e outras relações de trabalho semelhantes –

contiveram a fronteira de tal maneira que ela pudesse ser efetivada sem provocar

mudanças na ordem social. Para Velho (op.cit.), a fronteira revela o caráter autoritário

do capitalismo no Brasil; fronteira aberta e capitalismo fechado, o “Turner autoritário”.

Esta filosofia alimentou a “Marcha para o Oeste” varguista, e também a apropriação

territorial com fins de segurança nacional da qual o MINTER é parte.

A preocupação com o território e mesmo o tratamento autoritário dado a ele é

compartilhado pelo pensamento geopolítico do qual os militares da segurança nacional

se muniam. No Brasil, em linhas gerais, com alguma variância de foco e intensidade, o

pensamento geopolítico – autores como Delgado de Carvalho, Elyseo de Carvalho,

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155

Backheuser, Mário Travassos, e Francisco de Paula Cidade – se voltou

fundamentalmente para equacionar os problemas do progresso nacional através do

Estado, da garantia e defesa da integridade territorial e da projeção nacional no cenário

mundial (MIYAMOTO, 1981).

Everaldo Backheuser, um mestre da geopolítica nacional, assim como o

pensamento autoritário, era simpático aos princípios do centralismo estatal e

compartilhava a aversão aos poderes fragmentados das oligarquias regionais, o que se

refletia inclusive em sua proposta geopolítica de configuração territorial do país

(COSTA, 2008). Sua análise, inspirada em Ratzel e na escola geopolítica alemã,

voltava-se para a análise do Estado e suas relações com o território a partir de uma visão

organicista, requerendo uma integração efetiva do território.

O seguidor mais notório de Backheuser foi Mário Travassos, o general

geopolítico. A grande inovação de sua obra foi vincular a preocupação com a integração

do território nacional com a projeção internacional do país, principalmente no

continente sul-americano. Travassos punha-se a refletir sobre duas oposições básicas:

Atlântico x Pacífico e Bacia do Prata x do Amazonas; duas questões cruciais, segundo

ele, para elevar o papel do Brasil no cenário internacional (COSTA, op.cit.). A

geopolítica de Travassos tem papel importante na formulação da política territorial do

Brasil desde a década de 30:

O tema centra desses trabalhos [da geopolítica das décadas de 30 e 40,

destacadamente Travassos] era uma nova interpretação geopolítica da

história brasileira, focalizando a marcha para oeste do Estado, desde

sua origem na costa atlântica, e enfatizando a necessidade do Brasil

continuar sua projeção para oeste, especialmente ao longo de dois

eixos, um em direção à Bolívia e o outro à Amazônia. A expansão

política para o ocidente no Século XIX (Acre) deveria ser seguida de

ocupação efetiva e integração espacial, revitalizando as ‘fronteiras

mortas’ e tornando-as ‘vivas’. Esse desenvolvimento interno era

associado à ascenção de grandeza continental para o país, o que era

visto pelos Estados vizinhos como ameaça e expansionismo.

(BECKER, 1988. p. 111)

Após a Segunda Guerra emerge a DSN no cerne da ESG, a “Sorbonne militar

brasileira” (VLACH, 2002-2003). A esquematização mais célebre desta doutrina está

em Golbery (op.cit.). Em linhas gerais, suas teses geopolíticas seguem os temas e o

tratamento clássico da geopolítica nacional12

. Ele divide o Brasil em um Núcleo Central,

12

Para um exame mais detalhado das diferentes formulações geopolíticas brasileiras ver Miyamoto

(op.cit.) e Costa (op.cit.).

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156

três penínsulas econômicas (Nordeste, Sul e Centro-Oeste) e uma ilha Amazônica13

. A

segurança nacional é um ponto capital, a começar pelo flanco aberto por Travassos, que

ele reproduz para formular um plano de apropriação e valorização do território nacional

para fins de segurança em relação ao continente sul-americano. Para garantir a máxima

eficiência em proteção, a orientação da ação geopolítica do país deve estar dividida em

três fases:

1ª-equipamento e reforço de nossa base ecumênica, articulando-a

solidamente de norte a sul, com prioridade para o sul;

-constituição de potenciais regionais que garantam o mínimo de

segurança à realização da manobra estratégica considerada, potenciais

esses proporcionais à importância das ameaças que se preveem

(volume, proximidade no tempo e no espaço, jogo de alianças que

motivem) – máximo face ao Prata, médio no Nordeste (um arcabouço

reforçável a tempo), mínimo na periferia amazônica;

2ª-integração da península do centro-oeste brasileiro, equipando-a de

meios que lhe permitam desempenhar seu duplo papel de sólida

plataforma para transbordamento sobre a Hiléia ou para ações visando

a contrapor-se ao avanço para o norte de um imperialismo platino,

sub-reptíceo ou virulento;

3ª-incorporação da Amazônia. (COUTO E SILVA, op.cit. pp. 60-61)

Assim, presume ele, o país garantiria um de seus objetivos permanentes, “a

manutenção do status quo territorial na América do Sul” (Idem., p. 75) – lembrando

que segurança nacional, na acepção de Golbery, é a garantia que o Estado oferece para o

país cumprir seus objetivos. Mais ainda restariam incólumes outros objetivos a serem

cumpridos, destaco dois deles:

-a incorporação efetiva de todo o território nacional, humanizando-se

e valorizando os largos espaços ainda vazios;

-o fortalecimento equilibrado da estrutura econômica, de modo a

assegurar elevados níveis de bem-estar e cultura a todo o povo, em

todas as regiões do país, e garantindo-se o grau de auto-suficiência

realmente indispensável ao pleno exercício da própria soberania

nacional. (Idem. p.75)

Integrar o território e “corrigir os desníveis” entre as regiões do país é questão de

segurança nacional, para Golbery, não só por uma questão de vulnerabilidade do

território, mas sobretudo diante do conceito de guerra subversiva. Segundo Comblin

(op.cit.), foi Robert MacNamara o primeiro a interligar diretamente desenvolvimento e

segurança. A associação teria sido óbvia; Grécia, Turquia, Coreia, Vietnã, Cuba, guerras

13

Ver mapa Anexo 2.

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157

de independência na África... todas as ameaças de sublevações concentravam-se no

mundo subdesenvolvido14

. Em seu livro publicado em 196815

, ele dizia:

Numa sociedade em que se está modernizando, segurança significa

desenvolvimento. Segurança não é material militar, embora êste (sic)

possa ser incluído no conceito; não é fôrça (sic) militar, embora possa

ser abrangida; não é atividade militar tradicional, embora possa

envolvê-la. É desenvolvimento; e sem desenvolvimento não pode

haver segurança. Uma nação em desenvolvimento, que não se

desenvolve, não pode, na realidade, permanecer segura, devido à

desagradável razão de seus cidadãos não poderem desfazer-se da

natureza humana. (p. 173. Grifo nosso.)

Golbery do Couto e Silva (op.cit.) já havia dito coisa semelhante em um texto

de 1958, quando ele acentua a pobreza e as carências materiais como fatores que fazem

um país vulnerável ao comunismo:

Importa considerar, porém, que a América Latina – e, em seu

contexto, o Brasil –, por suas fraquezas econômicas, sua imaturidade

política e seu baixo nível cultural, acha-se sem dúvida alguma,

extremamente vulnerável à agressão comunista, mascarada sob a

forma de infiltração e subversão à distância e, pois, reforçar-lhe a

capacidades de resistência eliminando as condições locais tão

propícias à final implantação, nesta região, de capital importância para

todo o Ocidente, de uma cabeça de ponte comunista ou entreposto

favorável aos vermelhos é tarefa das mais relevantes e de maior

urgência que as grandes potências ocidentais e, em particular, os

E.UA. tão próximos não poderiam nem deveriam, de forma alguma,

descurar em nível muito inferior de sua ampla lista de prioridades

estratégicas. (p.247)

O general esguiano mostrava-se atento ao “perigoso desnível entre as várias

regiões do país, exacerbando os contrastes e criando zonas marginais e áreas-

problema” (Idem. p. 71). A segurança nacional se alia ao desenvolvimento

definitivamente. Arturo Escobar (op.cit.) notou esse entroncamento na sua análise sobre

o desenvolvimento:

The relationship between military concerns and the origins of the

development has scarcely been studied. Pacts of military assistance,

for example, were signed at the Rio conference of 1947 between the

United States and all Latin American countries (Varas 1985). In time,

14

Constatação nem tão óbvia quando se leva em conta que a maioria absoluta dos países são considerados

não-desenvolvidos. 15

É interessante notar que o livro foi traduzido e publicado em português no mesmo ano de lançamento

do original em inglês.

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158

they would give way to doctrines of national security intimately linked

to development strategies16

. (p. 34)

Forma-se um dos binômios mais propagados no imaginário político das décadas

de 1960 e 1970 no Brasil. Entretanto, nem só de convergências vive a fórmula

consagrada. O que fazer quando um contradiz o outro? Mais uma vez, a questão não

escapou do crivo de Golbery:

A presença dominante desse parâmetro inelutável – a Segurança

Nacional – impõe, entretanto, o ônus tremendo de uma economia

visceralmente destrutiva aos anseios normais de desenvolvimento e

bem-estar que animam a todos os povos e, sobretudo, àqueles que

ainda se vêem à margem das regiões mais adiantadas do mundo,

comprimidos em padrões de vida pouco elevados ou inelásticos. Daí

um novo dilema – o do Bem-Estar e da Segurança […] E, na verdade,

não há como fugir à necessidade de sacrificar o Bem-Estar em

proveito da Segurança, desde que esta se veja realmente ameaçada. Os

povos que se negaram a admiti-lo aprenderam, no pó da derrota, a

lição merecida. (p. 13. Grifos no original)

Desenvolvimento e segurança são dois campos de poder semelhantes e

complementares no que diz respeito aos seus valores, agentes de poder e normas

praticadas. No entanto, em seu funcionamento objetivo, na prática efetiva de exercício

do poder exercida pelas instituições correlatas, algumas fraturas surgem. O MINTER foi

inquestionavelmente um destes aparatos que serviu a ambos, no entanto, em sua ação de

governamentalização do território, fraturas se revelaram.

O MINTER, a segurança nacional, o desenvolvimento e a geopolítica

O MINTER deve ser entendido exatamente nesse enquadramento do

desenvolvimento como tema de segurança nacional projetado sobre o território. A tarefa

da segurança nacional no aparato estatal pós-1964 estava especialmente incumbida ao

SNI com os serviços de informação e contrainformação, ancorado na ideia do nível da

guerra revolucionária, entronizado na DSN nos EUA e também no Brasil. Entretanto,

uma parte relevante dessa repaginação da doutrina é o reconhecimento do

subdesenvolvimento como campo fértil de propagação da guerra revolucionária. No

Brasil, o subdesenvolvimento tinha enquadramento geográfico, estava objetivado em

regiões subdesenvolvidas, como se viu no capítulo anterior. É aí que o desenvolvimento

16

“A relação entre as preocupações militares e as origens do desenvolvimento tem sido pouco estudada.

Pactos de assistência militar, por exemplo, foram assinados na conferência do Rio, de 1947, entre os

Estados Unidos e todos os países latino-americanos (Varas 1985). Com o tempo, eles dariam lugar a

doutrinas de segurança nacional intimamente ligadas às estratégias de desenvolvimento.” (Tradução

Livre).

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159

regional entra em cena como política de segurança nacional, e o MINTER, criado com a

prerrogativa de coordenar os organismos regionais, passa a tratar da matéria da

segurança.

A prerrogativa da segurança nacional lança luzes e sombras sobre o campo do

desenvolvimento. Luzes porque os discursos e as práticas entre os dois polos do

binômio estavam afinadas. As mesmas instituições que se encarregavam de um também

respondiam pelo outro, um justificava o outro, se retroalimentavam. Por outro lado, o

discurso ortodoxo do crescimento econômico prevê a maximização dos rendimentos.

Grosso modo, a racionalidade dos investimentos deveria se orientar pelo maior retorno;

o problema é que, em geral, os retornos são maiores nos setores ou áreas consolidadas

da economia. Tem-se aí a tendência a acirrar as desigualdades e a concentração, o que

Myrdal (1965) chamou de “causação circular negativa”17

.

A perspectiva do desenvolvimento regional impunha-se como uma lógica

“distributivista” contrariando as expectativas ortodoxas que acreditavam na auto-

regulação do mercado (BIELSCHOWSKY, op.cit.). Já que a racionalidade econômica

stricto sensu nem sempre ajudaria a justificar a problemática regional, duas saídas eram

possíveis para defendê-la: i) humanitária, como o fazia Roberto Campos, antes de

tornar-se ministro da fazenda18

; ii) a segurança nacional, como se fez através da

geopolítica. O MINTER era a fundamentalmente justificativa da segurança nacional

para o desenvolvimento regional, sem renunciar a retoques de causa humanitária.

É importante estar claro que não se está querendo aqui dizer que o

desenvolvimento tomado por bases ortodoxas é contraditório ao regional; muito menos

que desenvolvimento e segurança foram princípios antagônicos. O desenvolvimento

regional foi uma expressão relevante e fundamental para a sustentação e defesa do

desenvolvimentismo, ao mesmo tempo em que este se valeu imensamente da segurança

nacional como alicerce. O fato é que circunstancialmente interesses pontuais de um de

outro colidiam. O MINTER é expressão desse movimento de convergência e

divergência do desenvolvimento e da segurança, e a manutenção deste ministério por

todo o tempo em que durou o regime militar demonstra que os altos e baixos foram

quase sempre passíveis de serem gerenciados.

17

“A principal ideia, que desejo veicular, é que o jôgo [sic] das forças do mercado tende, em geral, a

aumentar e não a diminuir as desigualdades regionais.” (Myrdal, op.cit. p.51) 18

“Já na questão das desigualdades regionais, Campos manifestou-se favoravelmente, por motivos de

cunho humanitário – e, portanto, alheios à racionalidade econômica –, a que se procurasse subsidiar o

desenvolvimento das regiões atrasadas, de modo a compensar a drenagem de recursos financeiros e

humanos que o desenvolvimento das outras regiões lhes impunha.” (BIELSCHOWSKY, op.cit. p. 126)

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160

O caráter desenvolvimentista do MINTER é inequívoco19

, mas muitas vezes,

em nome da segurança nacional, os ministros do Interior tiverem que se indispor com a

política global de desenvolvimento levada a cabo pelos governos de que faziam parte. O

tema da segurança nacional era bastante caro a Cordeiro de Farias, não poderia ser

diferente em relação ao primeiro comandante da ESG. Foi justamente em

pronunciamento nesta escola que ele explicitou seu ponto de vista. O pronunciamento

“A Segurança Nacional no Panorama Mundial da Atualidade” (FARIAS, 1961) é

bastante sucinto e basicamente faz ressoar as formulações geopolíticas de seu amigo

pessoal Golbery do Couto e Silva. A filiação é nítida e transparente: guerra total;

“natural” alinhamento do Brasil com o Ocidente; o papel do Brasil na América e no

Atlântico Sul; a liderança inconteste dos EUA no bloco Ocidental/democrático; ameaças

soviéticas agravadas pelo descompromisso desta para com as liberdades e opiniões

individuais que respeitadas no bloco ocidental, tinham que se submeter ao crivo da

opinião pública; etc.

O ministro do MECOR também compartilha da divisão territorial em

penínsulas econômicas de Golbery. A nomenclatura é quase que totalmente idêntica,

com exceção da parte Norte-Nordeste (Golbery usa só o termo Nordeste). Cordeiro de

Farias faz ecoar também o princípio da pouca integração territorial nacional como um

aspecto de vulnerabilidade (logo, insegurança):

A expressão real de um Estado no campo internacional é uma

decorrência, em última análise, de sua potencialidade interna. Dentro

dêsse [sic] princípio é que devemos sempre procurar situar,

compreendendo-a, nossa projeção no mundo. Somos um país do tipo

dos considerados médios. Estamos em franca evolução, é verdade,

mas com questões muito delicadas a enfrentar, resultantes da falta de

unidade relativa no nosso desenvolvimento. (FARIAS, op.cit. p.11)

Por esta feita, em nome da segurança nacional, os ministros do

MINTER/MECOR combatiam a política econômica global do governo. Cordeiro de

Farias utilizou no mínimo seis E.M20

para reclamar junto ao presidente da República de

cortes de orçamento previstos pelo Ministério da Fazenda. O teor aludido era sempre da

defesa do desenvolvimento regional e da segurança nacional, como se pode ver no

excerto a seguir, quando ele reclama do corte de orçamento para os Territórios Federais:

19

Ver capítulo três desta tese. 20

No mínimo porque está se desconsiderando aí reclamações semelhantes feitas sutil ou indiretamente

através de E.M. que teriam outros propósitos.

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161

Lembrando ainda a Vossa Excelência, que a criação dos Territórios

Federais decorre de imperativos de segurança nacional para colonizar,

povoar e sanear as regiões ao longo de nossas fronteiras, e que não se

deve paralisar ou mesmo retardar o seu desenvolvimento, é que

trazemos à alta consideração e decisão de Vossa Excelência o presente

assunto, sugerindo que os créditos orçamentários destinados aos

Territórios Federais, fiquem fora do Plano de Contenção de Despesas,

sendo suas verbas integralmente liberadas. (E.M. nº 77/1964)

Há que se fazer um desconto. No decorrer do período em que Cordeiro de

Farias encabeçava o ministério, apolítica econômica foi orientada fundamentalmente

pela estabilização macroeconômica através de um severo regime de austeridade fiscal.

Muito provavelmente estas reclamações eram compartilhadas por todos seus colegas

ministros.

Com o general Albuquerque Lima não é diferente a relevância dada à

segurança nacional e sua relação com o desenvolvimento. O ministro de Costa e Silva

também havia frequentado a ESG e a FEB, onde o contato com a DSN seria inevitável.

Em pronunciamento no II Fórum sobre a Amazônia em 1968, já enquanto ministro do

Interior, ele apresenta uma clareza maior que a de seu antecessor sobre o tema:

Por mais difusas ou sutis que sejam as aparências, não terá escapado à

inteligência e à aguda observação da maioria dos brasileiros a

existência de pressões em estado potencial – de origem externa e

interna. Esta, atuando sob motivação político-econômica, utilizando os

aspectos negativos resultantes do desequilíbrio estrutural e dos níveis

econômicos existentes entre a região Amazônica e o complexo

industrial no Centro-Sul, por exemplo. É necessário, pois, buscar-se a

superação dessas pressões, dessensibilizando-se as áreas-atrito,

eliminando-se as causas de desequilíbrio, atenuando-se os desníveis

existentes, transformando-se em causa comum o deslocamento, rumo

ao norte, das nossas fronteiras econômicas, realizando-se, em uma

palavra, a grande obra da integração nacional.

[…]

Portanto, o problema amazônico é, sem dúvida, para a consciência

nacional, uma questão de primordial importância para o

desenvolvimento e a segurança nacional, em face das afirmativas

anteriores e do nôvo [sic] conceito que, por outro lado, salienta não

admitir a vida sócio-econômica do presente ‘espaços vazios’, diante

da explosão demográfica existente no mundo atual, com profundo

agravamento no futuro. (ALBUQUERQUE LIMA, 1971. p. 23. grifos

no original)

Dentre os personagens aqui em foco, ele é o que se dedica de forma mais clara

e objetiva a meditar sobre a “existência de pressões internas em estado potencial” como

problema para a segurança nacional. Isto sete meses de véspera ao AI-5, ao qual ele foi

favorável sem ressalvas. Na E.M. nº 30/1968, ele sugere a criação de um novo órgão

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162

intitulado “Serviços Relevantes para a Segurança e o Desenvolvimento” para direcionar

jovens a prestarem o serviço militar obrigatório em áreas relevantes para a segurança

nacional. Não está pormenorizado como funcionaria esse órgão, mas ele diz querer

agregar as instituições de desenvolvimento e de segurança:

A iniciativa tem em vista apoiar adequadamente as atividades

complementares das Fôrças [sic] Armadas a serem levadas a efeito em

cumprimento do Programa Estratégico de Desenvolvimento, através

de convênios próprios com o Ministério do Interior. Êste [sic], através

dos órgãos de desenvolvimento – ao mesmo jurisdicionados, e outras

entidades empenhadas no desenvolvimento de áreas ou setores

carentes de maior auxílio participarão da administração do serviço

Mas o que mais se destaca é a objetividade com que Albuquerque Lima fala

dos desequilíbrios regionais como um fator de pressão interna, situando este como

problema de desenvolvimento e segurança. Neste sentido, ele afronta categoricamente o

ortodoxismo econômico naquilo em que este se opõe à correção das desigualdades

regionais:

o problema amazônico precisaria ser encarado urgentemente, mesmo

dentro das limitações impostas pelo objetivos governamentais de deter

a inflação, sem prejudicar o desenvolvimento, não satisfazendo essa

determinação à corrente dos tecnocratas puros que, antes, preferem

incrementar o desenvolvimento do desenvolvido para que outras áreas

venham-se a desenvolver por via indireta. (Idem. p. 25)

O excerto expressa toda a sua divergência com o então ministro da Fazenda

Delfim Netto e a sua famigerada máxima, “fazer o bolo crescer para depois reparti-lo”.

A indisposição de Albuquerque Lima diante do ministro da Fazenda foi uma constante

em sua passagem pelo MINTER e a razão de sua saída do governo. Este fato foi

amplamente divulgado pela imprensa na época, e não passou desapercebido para os

analistas:

Em janeiro de 1969, o ministro do Interior Albuquerque Lima,

considerado como provável candidato presidencial em 1970,

renunciou ao seu posto em protesto contra as políticas de Delfim. Ele

representava uma ameaça ao ministro da Fazenda porque defendia

mais gastos federais para a correção das desigualdades sociais do

Brasil. Por outro lado, sustentava opiniões mais nacionalistas sobre o

capital estrangeiro. Ambas as posições contraditavam a estratégia de

Delfim de crescimento rápido, que maximizava os investimentos

(inclusive estrangeiros) independentemente de seus efeitos regionais.

(SKIDMORE, op.cit. p. 183)

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163

O tenaz combate que o ministro do Interior abre contra a equipe econômica é

marcante. Nada menos do que dezessete E.M. são críticas explícitas e solicitações para

revogar decisões tomadas pela Fazenda. Estas críticas se acentuam, tornam-se ríspidas a

partir de janeiro de 1969, com a E.M. nº 08, da qual se extraiu o seguinte trecho:

Estamos convencidos de que, mantidos os dispositivos antes

mencionados, na sua forma atual, não haverá outro caminho que o de

proclamar inviável a própria atuação do Gôverno [sic] Federal, pelo

menos na sua parte mais importante, aquela relacionada com a

promoção do desenvolvimento econômico-social das áreas problemas

do Brasil. É indisfarçável tratar-se de uma reversão na política do

gôverno [sic] de apoio ao crescimento harmônico das diferentes

regiões brasileiras e da humanização do processo de desenvolvimento.

A retomada do desenvolvimento nacional à base das medidas citadas

será feita, dêsse [sic] modo , à custa da interrupção do processo de

desenvolvimento das regiões econômicas atrasadas, que tantos

esforços têm custado à nação, inclusive no Gôverno [sic] de Vossa

Excelência. (p.2)

Na E.M nº18/1969, quatro dias após a anterior, as críticas ficam ainda mais

ásperas:

Chega-se, enfim, à realística conclusão que o Gôverno [sic] Federal

parece demonstrar não dispor de condições mínimas para executar seu

próprio planejamento. A filosofia da Reforma Administrativa e os

Planos e Programas expostos perante a opinião pública perdem todo o

significado que poderiam ter nesse contexto se positivada a

incapacidade empresarial do Gôverno [sic].

[…]

Todos êsses [sic] fatos assumem maior gravidade por terem as

iniciativas a êles [sic] correspondentes , sido tomadas sem prévia

análise de suas repercussões. Comprovação cabal a respeito reside na

circunstância de não haver sido consultado o Ministério do Interior,

órgão que, por fôrça [sic] das suas atribuições, está naturalmente

capacitado a avaliar o grau e a forma das aludidas repercussões, assim

como está capacitado a demonstrar que tais medidas implicam em

tornar inviável a execução da política firmemente estabelecida pelo

próprio Gôverno [sic] Federal no âmbito deste Ministério. (pp. 4-5)

Albuquerque Lima reclama da flexibilização das políticas monetárias,

creditícias e fiscais operada pela equipe econômica de Delfim Netto que conduziu o

Brasil ao “milagre econômico” favorecendo os setores e as áreas já consolidadas

(LAGO, 1989). O ministro do Interior requeria uma política econômica que atraísse os

capitais para as regiões mais frágeis, o que exigiria investir em setores menos

dinâmicos. Grosso modo, sacrificar o crescimento (em curto prazo, segundo ele) em

prol da distribuição. Na prática, fortalecer as políticas encabeçadas pelo MINTER. Mas

o que se passa é o contrário, a pasta do interior, segundo o quadro comparativo anexado

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164

na E.M 18/196921

, estaria prejudicada com 30% da contenção orçamentária, percentual

bem acima das outras comparadas.

As divergências não puderam mais ser contornadas. No dia 27 de janeiro de

1969 é apresentado para o presidente dez E.M. com pedido de exoneração do primeiro

escalão do seu ministério, a começar pelo general Euler Bentes Monteiro,

superintendente da Sudene e correligionário de Albuquerque Lima como “linha-dura” e

nacionalista. No mesmo dia o próprio ministro abandona o cargo22

.

A tensão que Albuquerque Lima cria com seus colegas da equipe econômica

revela na verdade a ambiguidade do desenvolvimentismo; um apresentado em estado

“puro” (os “tecnocratas puros”, como ele se referiu em 1968) em oposição a outra

proposta sensível à noção de segurança nacional. O desenvolvimento regional encontra

no mote da segurança nacional um de seus esteios. A argumentação do ministro dirigida

ao presidente evoca frequentemente este preceito, em passagens como essa, por

exemplo:

A constituição do Fundo, ora proposta, permitirá que os Territórios,

com o devido côntrole [sic]do Ministério do Interior e do Banco

Central do Brasil, ofereçam garantia efetiva, por meio de Obrigações

Reajustáveis do Tesouro, tornando possível, assim, a obtenção de

empréstimos que permitam acelerar o desenvolvimento e a ocupação

de áreas indispensáveis à Segurança Nacional. (E.M. nº 07/1959. p. 2)

O objetivo da E.M. é solicitar a criação de um Fundo financeiro para

salvaguardar investimentos realizados nos Territórios Federais por parte dos governos

ou de autarquias. Objetivamente falando, dar garantias a operações econômicas

arriscadas em nome da segurança nacional. O presidente parece não ter se convencido,

pois não há registro de decreto sobre algum fundo semelhante23

.

Centralismo e geopolítica no Ministério do Interior

A referência do pensamento autoritário brasileiro encontra eco nas formas que

se procurou empregar ao MINTER enquanto prática de governamentalização do

território em um aspecto decisivo, o centralismo político. Por mais contraditório que

possa parecer, a Reforma Administrativa de 1967, mesmo instituindo princípios de

flexibilização e descentralização administrativa, reforçou os traços de centralismo

político. Isto porque a capacidade decisória concentrou-se no poder executivo central,

21

Ver Anexo 2 desta tese. 22

Seu pedido de exoneração não está nas E.M. 23

Ver no Portal da legislação da Presidência da República.

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165

subordinando a si os poderes locais. As superintendências de desenvolvimentos, os

bancos regionais e todo o rol de órgãos criados com semelhante natureza enquadravam

as lideranças regionais à função coordenadora do governo federal24

. Não por acaso que

a primeira Lei que criava o Ministério Extraordinário (Lei nº 4344 de 21 de junho de

1964), posteriormente MECOR, instituía que à pasta “caberá coordenar as atividades

dos seguintes órgãos e serviços, que lhe ficam subordinados” (grifo nosso)25

. Esta

função centralizadora do MINTER já foi notada pelos observadores (DREIFUSS, 1981.

p. 445; MORAES, 2005. p. 100). Pretendia-se uma centralização política que não é

incompatível à descentralização administrativa, muito pelo contrário26

. Para usar os

termos de Cordeiro de Farias, “centralização da decisão e descentralização da execução”

(CFa 64.05.11 tv IV-1, CPDOC-FGV)27

.

O MINTER atende a esta função. A justificativa principal que o consubstancia

é a função de descongestionar a presidência da República, liberando-a da incumbência

de uma parcela significativa de órgãos, sem que isso represente prejuízo ao poder

centralizado do Estado:

A criação do cargo de Ministro Extraordinário para a Coordenação

dos Organismos Regionais, com a esfera de competência específica

que lhe foi outorgada, responde, de modo claro e inequívoco, à

necessidade, de longa data reconhecida e proclamada, de promover-se

o descongestionamento da Presidência da República, até então

assoberbada pela subordinação direta, que lhe era imposta ao sabor de

conveniências e critérios desordenados, de inúmeras entidades de

natureza e finalidades as mais diversas, que melhor e mais

apropriadamente ficariam situadas no nível da jurisdição ministerial,

24

“A partir do golpe militar de 1964 acelera-se e se amplia a intervenção centralizadora do Estado.

Institucionalizam-se as superintendências regionais, ato político que visa neutralizar as oligarquias

regionais através de novos pactos e a organizar as bases para a nova apropriação do espaço” (BECKER,

1988. P. 118) 25

Ver a Introdução desta tese. 26

O caráter de centralização dos governos ditatoriais pós-1964 é reconhecido retrospectivamente po

Golbery em sua famosa apreciação das sístoles e diástoles do Estado brasileiro: “A Revolução de 31 de

março, sem quaisquer propósitos definidos de centralização ou autoritarismo – ela que, afinal, nem

pensava em durar mais que um simples instante de redenção –, seria gradativamente empurrada a esposá-

los, afirmar e reafirmá-los: a princípio, como simples expedientes temporariamente indispensáveis à

própria manutenção da ordem pública recém-instaurada, ao saneamento da economia altamente

inflacionada e combalida e, pouco depois, às investidas irracionais de um terrorismo urbano-rural sem

compromissos quaisquer com a realidade nacional; lentamente, reinterpretados esses meros expedientes

como elementos essenciais à reconstrução nacional e à criação, afinal, da grande potência emergente de

nossos sonhos.” (COUTO E SILVA, op.cit. p. 12) 27

A frase citada foi extraída da página 20 do referido documento encontrado nos Arquivos Pessoais de

Cordeiro de Farias depositados no CPDOC/FGV. Não há referência sobre o contexto em que ele foi

produzido. Em sua fala, ele menciona uma Escola, sem denominá-la, muito provavelmente se trata de

uma conferência sobre o MINTER na ESG, o que acontecia com frequência até a época em que Mario

Andrezza foi ministro (15/03/1979 a 15.03.1985).

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bem como, à conveniência de se fazer a coordenação de sua ação.

(E.M. 24/1965. p. 3)

Os ministros do MINTER, no intervalo considerado, dedicaram-se

deliberadamente a montar um aparato institucional “coordenador”, capaz de orquestrar

os organismos regionais em um sentido único e coeso. O primeiro passo é o diagnóstico

de que os organismos regionais e as políticas adotadas nas áreas de jurisdição do

MINTER sofrem de uma ineficiente “pulverização” na alocação de recursos e esforços.

O exemplo mais cabal da ineficiência seria, para os ministros, a SPVEA. Já em 20 de

agosto de 1964, dois meses após a criação do ministério extraordinário, Cordeiro de

Farias relata ao presidente da República um plano de emergência para o exercício da

entidade no ano de 1965 em que ele relata:

Julgo, outrossim, oportuno demonstrar quanto é impressionante, na

formulação dos orçamentos anteriores, a dispersão de verbas […];

verba de 1.331.000.000, 00 distribuídas por cerca de 118 destinos

específicos, variando de 500.000,00 a 40.000.000,00, em uma

dispersão inoperante e quase incontrolável. (E.M nº 22/1964. pp. 2-3)

A formulação mais bem acabada dos princípios centralizadores regidos pelo

MINTER está expressa na E.M nº 44/1965, em que o Ministro Cordeiro de Farias dá

parecer contrário à reivindicação do governador do estado do Paraná que pede maior

autonomia do estado para elaborar o plano regional, em detrimento da Superintendência

do Plano de Valorização Econômica da Região Fronteira Sudoeste do País

(SPVERFSP) [licença para a extensa citação]:

2) A reivindicação do Gôverno [sic] do Paraná que diz respeito

particularmente à SPVERFSP […] diz respeito a ‘Elaboração de Plano

Regionais do Desenvolvimento a cargo da Superintendência e da

Comissão da Faixa de Fronteira’ e sugere ‘que se delegue aos Estados,

competência para elaborar os programas a serem executados nas

respectivas áreas de jurisdição dos órgãos mencionados, para um

melhor entrosamento com as programações próprias dêsses [sic]

Estados.’

3) A sugestão do Excelentíssimo Senhor Governador do Paraná não

nos parece acertada, pelas razões seguintes:

a) […] A delegação de atribuições solicitadas anularia a ação da

Superintendência

b) A própria Lei que criou a Superintendência previu a conjugação

dos planejamentos dos diversos níveis governamentais […].

c) A Superintendência já está empenhada em orientar suas atividades

principais pelo estudo integrado de bacias hidrográficas – que, em

diversos casos, abrangem mais de um Estado.

d) Se atendida a solicitação do Excelentíssimo Senhor Governador do

Paraná, cada Estado tenderia a elaborar planos estaduais, sem a

necessária conjugação do planejamento para toda a região da Fronteira

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Sudoeste e sujeitariam a êsses [sic] planos estaduais, a ação dos

órgãos federais que atuam nos quatro Estados, – quando caberia à

Superintendência fazer a supervisão dos diferentes setores da

administração federal.

e) pelo caráter especial da fronteira que possui a região sob jurisdição

daquela Superintendência, só um órgão federal poderá alcançar a

plena capacidade de promover o desenvolvimento de tôda unidade

geográfica […].

f) Cabe lembrar a importância da missão de desenvolvimento da

região da Fronteira Sudoeste, para a política de segurança nacional,

que seria enfraquecida se a missão fôsse [sic] delegada

quadripartidamente aos Gôvernos [sic] dos Estados. (pp. 1-3)

O documento é bastante explícito. Somente o governo central – representado

pelo MINTER – teria a força necessária, a escala apropriada e a coerência adequada

para o desenvolvimento da região e a segurança nacional. Estes argumentos lançam os

ministros na proliferação de superintendências de desenvolvimento. Em geral, elas são

administradas e orientadas por um Conselho (Consultivo ou Deliberativo) composto por

Ministérios afins, governadores e representantes da sociedade civil, a variar conforme o

caso. As superintendências regionais se apontam como o marco institucional ideal entre

a descentralização administrativa e a centralização política na prática de

governamentalização do território Nacional. No período entre 1965 e 1968 o ministério

define sua face administrativa. Os incentivos administrativos são universalizados à

todas as agências do MINTER, se converte em uma fórmula política e econômica

universal. A administração da rodovia Belém-Brasília, uma função que destoa das

superintendências de desenvolvimento em finalidades e procedimentos, é transferida

para o ministério dos transportes, aumentando a homogeneidade das agências.

Internamente a elas, os Conselhos Deliberativos, fórmula administrativa da SUDENE,

também é estendida às congêneres, se tornando mais um mecanismo político

universalizado. Estes Conselhos Deliberativos reforçam o poder do governo central,

pois sua composição é majoritariamente formada por ministros. A Tabela 9, a seguir,

ajuda a visualizar este processo.

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TABELA 9: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS – DOCUMENTOS DE

NATUREZA ADMINISTRATIVA

E.M NATUREZA DO DOCUMENTO

58/1965 Pede Incentivos Fiscais na área da SPVEA

112/1965 Reformula a Fundação Brasil Central

147/1965 Pede Incentivos Fiscais na área da SPVEFSP

156/1965 Cria a Comissão Mista Brasil- Uruguai

157/1965 Institucionaliza os Incentivos Fiscais para a Amazônia

169/1965 Institucionaliza os Incentivos Fiscais para CM Brasil-Uruguai

142/1966 Aponta para a reformulação da SPVEA

143/1966 Reformula a SUDENE

168/1966 Normatiza os Incentivos Fiscais para a SPVEA

187/1966 Anuncia a SUDAM e a ‘Operação Amazônia’

221/1966 Cria a SUDAM e nomeia o Superintendente

224/1966 Normatização da SUDAM

7/1967 Normatização do BASA

48/1967 Cria a SUVALE em substituição à Comissão do Vale do São Francisco

49/1967 Readequação da SUDENE

50/1967 Readequação da SUDENE 51/1967 Readequação da SUDENE 52/1967 Readequação da SUDENE 53/1967 Normatização da SUDAM

54/1967 Normatização da SUDAM

55/1967 Extingue a SPVEFSP e cria a SUDEFSO

56/1967 Regulamenta os Incentivos Fiscais para a Amazônia

69/1967 Readequação da SUDENE

96/1967 Transfere a rodovia Belém-Brasília para o Min. dos Transportes

140/1967 Solicita criação do Conselho Deliberativo para a SUDAM

218/1967 Sugere a criação da Super. de Des. do Vale do Paraíba

220/1967 Adequação da SUDAM ao modelo da SUDENE

241/1967 Cria o Grupo de Trabalho para Integração da Amazônia

258/1967 Rebate a recusa do Congresso em estender os benefícios fiscais para a Amazônia

261/1967 Cria a SUDECO

266/1967 Cria a FUNAI

276/1967 Exclui o Mato Grosso da SUDEFSO

279/1967 Normatiza a SUDECO

340/1967 Cria o Projeto Rondon

341/1967 Cria o Conselho Deliberativo da SUDAM

2/1968 Normatiza a FUNAI

30/1968 Sugere a Criação dos Serviços Relevantes para o Des. e a Segurança Nacional

61/1968 Normatiza a SUFRAMA

Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.

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Estão dispostos os documentos relativos às transformações no arranjo

burocrático do MINTER. Em abril de 1965 o ministro Cordeiro de Farias se vale da

E.M nº 58 para solicitar a extensão da política de incentivo fiscal para a Amazônia.

Progressivamente o expediente de adequar a estrutura de organismos regionais herdada

pelo MINTER a um modelo – cuja expressão maior é a SUDENE – que atraia a

participação do capital privado vai se generalizando no ministério. As referências são

claras e diretas, podendo ser ilustradas, por exemplo, na E.M nº 55/1967, que pede a

criação da Superintendência do Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste28

:

A necessidade de tornar mais eficaz a ação da referida

Superintendência, com o objetivo de promover o desenvolvimento

integrado e harmônico da extensa região da fronteira sudoeste do país

[…], aconselha sua autarquização e reestruturação dos seus serviços, a

exemplo dos dispostos nos diplomas legislativos referentes à

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, e à

Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM –

promulgadas por Vossa Excelência. (pp.1-2)

Este é uma constante em todo o intervalo aqui compreendido. Principia-se na

administração de Cordeiro de Farias, que avança em um esvaziamento de entidades

como a Fundação Brasil Central, a SPVEA, Comissão do Vale do São Francisco e

SPVERFSP. Todas elas serão ao longo dos anos substituídas por superintendências

regionais de desenvolvimento nas áreas correlatas, respectivamente: SUDECO,

SUDAM, SUDEVALE e SUDESUL.

É possível perceber que no ano de 1965 o MINTER se empenhou em ampliar a

política de incentivo fiscal para a Amazônia e fronteira sudoeste. Já em 1966, o que se

fez mais foi discutir e procurar encontrar a fórmula ideal de funcionamento das

autarquias regionais. Também se empenhou em dar autonomia de funcionamento para

cada entidade, regidas pelos seus respectivos Planos Diretores plurianuais e pelos

Conselhos Deliberativos. Esta autonomia contribuiu para reforçar a centralização do

governo central, já que estes conselhos eram predominantemente compostos pelos

representantes dos ministérios. Como haveria de se esperar, a SUDENE é a vanguarda,

quando em uma extensa E.M (143/1966) o ministro João Gonçalves de Souza

encaminha o diagnostico dos problemas feito pelo Conselho Deliberativo:

28

A Superintendência de Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste não chegou a ser regulamentada pois, a

princípio, ela abrangia também o estado do Mato Grosso, incorporado à congênere SUDECO. A partir de

então ela foi designada como Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul (SUDESUL).

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170

3. Entre os pontos de maior relêvo [sic], identificamos como entraves

ao adequado funcionamento da entidade, podem ser citados:

a) insuficiência da autoridade e do aparelhamento das Unidades

Fundamentais […];

b) mecanismos impróprios e incompletos de atividades de

administração geral […];

c) institucionalização imperfeita da atividade de planejamento […];

d) inexistência de procedimentos adequados de coordenação […];

e) inconveniente subordinação direta à Superintendência de vários

órgãos de natureza executiva e empresas subsidiárias da SUDENE

[…];

f) ausência de definição de competência dos Departamentos setoriais

[…];

4. Diversas outras incorreções técnicas estruturais. (pp. 2-3)

Ao Diagnóstico encaminham-se as adequações propostas. Não caberia aqui

elenca-las, basta salientar que a linha geral de todas as medidas propostas é o de facilitar

as operações de investimentos, diminuir os requisitos e o controle sobre a aplicação dos

incentivos e blindar os Conselhos Deliberativos de qualquer vigilância externa.

Pensando que estes conselhos eram presididos pelo MINTER, compostos por

representantes de todos os ministérios civis, das Forças Armadas, e da chamada

“sociedade civil”; em gritante minoria os governadores dos estados envolvidos. A

centralidade do controle político fica ainda mais evidente quando se toma em conta que

vivia-se em uma ditadura, donde muitos governadores foram cassados, tantos outros

nomeados pelo governo e não pareceria conveniente a nenhum governador que zele pelo

seu cargo (algumas vezes pela sua vida) afrontar o governo central. Eis aí á fórmula:

descentralização administrativa, promovendo agilidade e facilidades para o movimento

do capital; acompanhada de centralização política.

O ano de 1967 é marcado pela consolidação do modelo. Todas as

superintendências regionais são definitivamente criadas e regulamentadas. A sequência

de E.M da 48 a 56/1967 são todas de 27 de fevereiro, dois dias depois da assinatura da

Reforma Administrativa nº 200, que cria definitivamente o MINTER. Agregam-se aí a

FUNAI – em substituição à SPI e com a incumbência de administração do Parque do

Xingú, até então atribuição direta do ministro – e o projeto RONDON que, ao que tudo

indica, é de inciativa pessoal do ministro Albuquerque Lima.

Enfim, o desenho institucional do MINTER dá razão aos seus ministros quando

reivindicavam que o lema do Desenvolvimento Regional fosse acoplado a seu nome; ele

revela um arranjo político todo voltado para este conceito, tido como o mais adequado

para os imperativos do desenvolvimento equacionado com a segurança nacional. É

possível visualizar no arranjo administrativo um viés geopolítico da segurança muito

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claro. É possível, inclusive, fazer algumas conexões com as fórmulas geopolíticas de

Golbery.

Para Golbery (op.cit.), a estratégia geopolítica no campo interno nacional,

como já foi visto, se efetuaria em três etapas sucessivas: i) no primeiro momento,

deveria se proceder à articulação do núcleo central (São Paulo-Rio de Janeiro-Minas

Gerais) com o Nordeste e o Sul, simultaneamente enrijecer as fronteiras para proteger o

interior despovoado, o “tamponamento”29

; ii) em segundo lugar, avançar a colonização

e integrar a península centro-oeste; iii) por fim, “inundar de civilização a Hiléia

Amazônica” (p. 92), avançar a colonização a partir da península centro-oeste (que já

estaria ocupada) pelo eixo do rio Amazonas.

No plano externo, a primeira ameaça seria as subversões provocadas por agente

externo que poderiam vir a desestabilizar o Núcleo Central do país. Aí, portanto, a

segurança seria meditada pelos serviços de informação e contrainformação. Quanto ao

“status quo territorial da América do Sul”, a bem dizer, da fronteiras do Brasil com os

países limítrofes, Golbery atenta que a parcela coberta pelas divisas com a Colômbia e

Peru são pouco ameaçadoras pois, mesmo diante da ocupação erma na parcela

brasileira, os vizinhos também não disporiam de meios rápidos para uma afronta à

fronteira. A fronteira sudoeste, com Argentina, Bolívia e Paraguai, lhe parece mais

ameaçadora, mas a efetiva ocupação do Centro-Oeste estabilizaria a ameaça. O risco

maior ele identifica na fronteira sul, com Uruguai e Argentina30

.

Os organismos que compuseram o MINTER coincidem com a geopolítica de

Golbery, não necessariamente na ordem de prioridades por ele elencadas. Tem-se a

SUDENE (1959) como articuladora da península Nordeste ao Núcleo Central;

posteriormente a SUDESUL (1967) seria a incumbida de fazer o mesmo com a

península Sul; e a SUDECO (1967), em substituição à Fundação Brasil Central (1943)

como a península Centro Oeste. A SUDAM (1966), antes SPVEA (1953) cumpriria a

tarefa de integração da Ilha Amazônica. Quanto ao plano externo, a ameaça ao Núcleo

Central escaparia às atribuições diretas do MINTER. A fronteira “mais viva e perigosa”

teria sido atendida através da Comissão Mista Brasil-Uruguai (1963); a fronteira

Sudoeste já dispunha de da SPVEFSP (1956), depois convertida em SUDESUL (1967).

29

“garantir a inviolabilidade da vasta extensão despovoada do interior pelo tamponamento

eficaz das possíveis vias de penetração” (op.cit. p. 92). 30

“Aí, onde não há barreiras que valham, se encontra pois nossa verdadeira fronteira viva – a única

‘realmente sentida que serve de testemunho à enorme abstração da quase totalidade das linhas divisórias

do imenso Brasil’, como escreveu embaixador Macedo Soares.” (Idem. p .58)

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A função de “tamponamento” da fronteira Norte não gozou de entidade específica, pelo

menos não no bojo do MINTER. No entanto, esta parcela fronteiriça e pauta de diversas

E.M, no mais das vezes abordada através da política de Territórios Federais.

Enfim, como se pode perceber, as coincidências com a análise de Golbery são

reais, mas seria precipitado atribuir este arranjo administrativo especialmente ao

pensamento geopolítico de Golbery, já que, a bem dizer, trata-se de problemas e

soluções previstas desde muito no pensamento político e geopolítico brasileiro. Seria

um exagero dizer que o MINTER foi a materialização da geopolítica de Golbery do

Couto e Silva, no entanto não parece um exagero afirmar que foi um ministério da

geopolítica, da segurança e do desenvolvimento.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão da apropriação territorial e formação social no Brasil é o tema geral

desta tese. Esta temática é bastante ampla e tem sido enfrentada por muitos

pesquisadores, geógrafos e demais cientistas sociais. Este campo de investigações tem

refletido sobre questões pertinentes ao entendimento da formação social brasileira. Esta

tese pretende se inserir neste processo.

A tomada do MINTER como objeto de pesquisa remonta à minha trajetória de

pesquisa desde o trabalho de encerramento do curso de graduação (IORIO, 2007)

quando, por sugestão do professor Sérgio Nunes, investi aquela análise sobre a revista

INTERIOR, publicada pelo ministério a partir de 1974. Esta pesquisa foi continuada em

minha dissertação de mestrado (IORIO, 2010), desenvolvida no PPGG/UFRJ, sob

orientação da professora Ana Daou. Desde então, motivado pelas reflexões oriundas do

curso sobre “Antropologia do Estado”1 do professor Antônio Carlos de Souza Lima no

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ,

versei-me à reflexão sobre o MINTER enquanto um processo de estatização e

governamentalização do território. Foi essa abordagem que procurei imprimir nesta tese.

No decurso de realização desta tese, a maior dificuldade que tive que enfrentar

foi o trato com os arquivos, conforme já relatei na Introdução desta tese. O descompasso

entre aquilo que buscava e considerava como relevante e o que o arquivo me oferecia

era enorme. Foi este descompasso que fez me lançar sobre a reflexão metodológica da

pesquisa arquivística, da qual os trabalhos de Antônio de Souza Lima (1995) e Perla

Zusman (2000) foram fundamentais. Minha experiência com os arquivos me fez ter a

certeza de que se trata de uma tarefa que exige meticulosidade e pode ser muitas vezes

frustrante. Até o momento em que não sabia da existência da segunda base de dados, de

onde se extraiu a parte substancial dos documentos, não conseguia encontrar

documentos satisfatórios no arquivo do MINTER disponível no Arquivo Nacional de

Brasília. A maneira pela qual cheguei à base de dados mais substantiva para minha

pesquisa – através de conversas com as atendentes do Arquivo Nacional – também

revela toda a complexidade do arquivo. Quando enfim me deparei com as Exposições

de Motivos, já no último ano da tese, pude sacramentar a base de análise desejada.

Agora, uma vez analisado esse material, sinto que a documentação disponível é farta e

promissora. A segunda base, da qual extrai as E.M., ainda oferece uma enormidade de

1 Curso oferecido no IIº Semestre de 2008.

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174

fontes que podem substanciar outras pesquisas. Até mesmo a primeira base, até então

pouco aproveitada, poderia ser hoje mais bem trabalhada e tornar-se elemento relevante

de investigações futuras. Isso porque, feita toda a análise que expus nesta tese, cheguei

ao enquadramento e a contextualização que faltavam para atribuir o nexo entre os

documentos anteriormente encontrados. Uma vez mais familiarizado com os planos de

ação de governamentalização do MINTER, com seu modus operandi, sua estrutura e

funcionamento, aqueles documentos antes enigmáticos, poderiam ser peças

esclarecedoras para aprofundar novas questões.

Nesta tese, procurei investigar o MINTER enquanto um plano de ação de

governamentalização do território e dispositivo de campos de poder. Nisto estão

envolvidos fatores de natureza e escalas diversas e interpenetráveis; desde a ordem mais

geral de estruturação de um poder global até a dimensão individual dos sujeitos

envolvidos diretamente na trama de relações que dão significado ao processo em

análise. Incluam-se ainda aspectos particulares da formação social brasileira; classes,

grupos, agremiações, e toda a sorte de segmentos políticos e sociais relevantes;

tradições do conhecimento, modalidades discursivas, representações e visões de mundo

que embasam as ações.

Em termos globais, o MINTER está inserido na conformação de uma ordem

internacional edificada em torno da afirmação dos EUA como expoente de um bloco (o

ocidental) em contraposição ao rival comunista. Este protagonismo se deu desde o

desfecho da Segunda Guerra Mundial, quando o país da América do Norte converteu-se

no centro financeiro, industrial, militar, comercial e – a partir de então – político do

capitalismo mundial. A centralidade exerceu-se através de mecanismos os mais

complexos que normatizavam a economia e a política internacionais. Dois destes

mecanismos foram o desenvolvimento e a segurança nacional. Mais do que simples

vocábulos, estas palavras exprimem campos de poder bem articulados.

Conforme se mostrou nos capítulos três e quatro, há um campo discursivo que

alimenta e sustenta esses campos de poder. Criam-se valores e metas, denota-se uma

racionalidade válida, prescrevem-se ações e comportamentos, distinguem-se aptos dos

inaptos. Surge em torno do desenvolvimento e da segurança nacional – e em seus nomes

– uma gama de instituições e ações que operaram de modo multiescalar;

complementam-se organizações internacionais, a diplomacia dos países, a política

interna e o papel dos agentes individuais. Empresários, investidores, técnicos,

intelectuais, policy makers, órgãos governamentais, embaixadores, organizações

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175

internacionais, agências de assistência e apoio, etc.; todos esses sujeitos operam em

consonância com os princípios do desenvolvimento e da segurança nacional, mas cada

um ao seu alcance, de acordo com seu interesse próprio, suas intenções particulares.

Há uma “coerência” relativa que garante a unidade desta multiescalaridade,

isso se não se está a tomar coerência por homogeneidade. São agentes múltiplos,

situados, contextualizados, mas também articulados, como se revela no caso do

MINTER. Os vínculos acontecem por via de financiamentos, treinamentos

internacionais, assessorias técnicas, cooperação, assim como por afinidade ideológica,

princípios compartilhados, valores apreendidos e exemplos a serem seguidos.

Uma geografia do mundo se redesenhou após a Segunda Guerra Mundial. Um

léxico conceitual foi criado como parte dessa nova ordem geográfica: Desenvolvidos e

Subdesenvolvidos; Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos; Ocidente e Oriente;

Capitalistas e Comunistas, etc.; são classificações utilizadas tanto para diagnósticos

como prognósticos, de definição do lugar geopolítico de segmentos sociais diversos. Ao

Brasil, coube sua relevância nesse processo todo. Seu lugar na nova geopolítica que se

desenhava fez-se de maneira concomitante à profundas transformações internas no país,

incluindo uma auto-imagem.

O país é todo ressignificado entre 1950 e 1980. A infraestrutura econômica é

alterada com a instalação das indústrias de bens intermediários e bens de capital através

das multinacionais, agricultura tecnificada implantada, elevada produção de

commodities como os minérios e a soja para exportação, o setor de serviços fica mais

sofisticado, novas cadeias de comércio varejistas associadas a grandes marcas, estradas

de rodagem espalham-se pelo país e dão vazão aos automóveis produzidos internamente

(SANTOS; SILVEIRA, 2011). O Estado é transfigurado, o novo capitalismo

monopolista transforma o Tesouro Nacional em capital financeiro (OLIVEIRA, 1981).

Sua estrutura burocrática é ampliada, o planejamento ganha status de ordenação

racionalizada da vida social e produtiva. Conforme Berta Becker (1988):

Nesse contexto, o Estado assume um papel a cada vez mais

abrangente, pois que se entende que só ele poderá, através de um

planejamento racional, acelerar o ritmo de desenvolvimento,

permitindo ao país ingressar na nova era. E a partir de então a atuação

do Estado não se reduzirá à conquista e defesa do território, nem a

uma atuação setorial e pontual; ela passa à produção do seu espaço

político, sendo assim sistemática e com vistas a todos os setores de

atividade e a todo espaço nacional. (p. 111)

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176

A apropriação e ordenação territorial que a tanto alimentou o imaginário social

brasileiro e a formação do Estado no Brasil sofre uma mutação qualitativa, ganha um

conteúdo intenso em ciência e técnica de equipamentos, da organização econômica e do

exercício governamental. A segurança nacional e o desenvolvimento, princípios

ordenadores do sistema mundial, se convertem em política interna, são apropriados

como meios de racionalidade do Estado, convertem-se em campos de poder.

O atraso e a incapacidade do interior, associado à crença na necessidade de

intervenção de um ente competente, convertem-se em bases sólidas para a ação e

investidas que propugnavam e se justificavam como promotoras do desenvolvimento. A

pobreza e a infantilização do pobre são o diagnóstico e a prova cabal de que cabe ao

Estado reverter aquela situação (ESCOBAR, op.cit.). O Estado transfigurado se lança

nessa empreitada, mas com um conteúdo mais complexo, como bem diz Berta Becker

(1988; 1981). Não se trata apenas de “ocupar espaços”, mas sim de integra-los em uma

lógica racionalizada, técnica e científica do mercado globalizado. Não se está falando de

um processo de integração, mas sim de uma colonização seletiva, que atribui um

conteúdo bem direcionado a cada lugar, em consonância com o mercado cada vez mais

mundializado.

A velha geografia política de Ratzel (1987) alimenta o imaginário colonizador,

que associa o vigor de um Estado e de uma nação à densidade técnica com que ela se

apropria de seu território. É através desta geografia política que mais um elemento é

agregado à equação território e desenvolvimento, a segurança nacional. Apropriação

territorial tenra é sintoma de fragilidade e vulnerabilidade. Some-se aí o contexto da

guerra total, quando um inimigo poderoso (a URSS e comunismo) ameaça o lugar

geopolítico do Brasil (o mundo ocidental) e exige um esforço total de defesa. O

território se converte definitivamente em prisma privilegiado de ação e reflexão do

ponto de vista da segurança e do desenvolvimento.

As fronteiras internas do Brasil convertem-se em fronteiras do capitalismo

mundial, sempre respeitando ao modus operandi do “Turner autoritário” (VELHO,

op.cit.) ou seja, a fronteira como processo de transformação sem mudança, expansão

sem diferenciação social, abortando o surgimento de novas classes sociais que

pudessem por em risco o poder político oligárquico. O MINTER é a expressão da

expansão da fronteira por via autoritária em confluência com a implantação da

segurança nacional e do desenvolvimento como parâmetros normatizadores de sua

governamentalização e mediação social. Um capítulo específico na genealogia da

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formação territorial brasileira, com suas rupturas e continuidades. A velha “Marcha para

Oeste”, nome do programa formulado por Vargas, continua a prevalecer, agora mais

vigorosa, mais equipada.

Algumas observações merecem destaque nesta prática de governamentalização.

Cordeiro de Farias, o primeiro ministro do MECOR, associou sua tarefa àquela outra de

sua mocidade, quando percorreu o território nacional com a Coluna Miguel Costa-

Prestes. Nos idos da década de 1920, a coluna se apresentava revolucionária,

apresentava-se como força subversiva, insurgente contra o poder estabelecido.

Conforme já foi dito no capítulo dois desta tese, o marechal reconhecia e atribuia uma

ligação direta e coerente entre sua subversão tenentista e sua posição de poder como

general e ministro. O vínculo, para ele, é o enfrentamento com o “Brasil sofrido”, o

“interior atrasado”. Mesmo enquanto ministro, Cordeiro de Farias via a si mesmo como

“revolucionário”.

Ironicamente, o guerrilheiro da coluna revolucionária, que fazia o encontro

daqueles tenentes com o Brasil do interior, foi combatido em armas pelo marechal

Cândido Rondon, um mito do mesmo imaginário geográfico que o pioneiro do MECOR

punha-se a defender 2. Se a coluna era, em sua época, um meio de intervenção e

redenção do interior atrasado, da mesma forma que o MINTER, como quer Cordeiro de

Farias, isto passou despercebido por Rondon. Mas, ao contrário, se a coluna era um ato

revolucionário a desvirtuar o “Turner autoritário”, Rondon a combateu com razão

(considerando a razão do ponto de vista do status quo), e Cordeiro de Farias que teria se

enganado.

Mas é fato que os planos de ação e governamentalização do MECOR

reencarnaram os ideais de colonizador da tradição de Rondon. Albuquerque Lima, outro

“filho” do tenentismo e ministro do MINTER, materializou esta reencarnação ao criar o

Projeto Rondon, laureando o velho marechal. Sua inspiração e idolatria a Rondon é

expressa com forte tom nacionalista e de exaltação ao pedir pensão para um ex-partícipe

de uma de suas comissões telegráficas:

1. Na oportunidade em que a Nação brasileira se engaja para

comemorar o primeiro centenário de nascimento de um de seus mais

ilustres filhos – o insígne (sic) Marechal Cândido Mariano da Silva

Rondon, é mister lembrar, também, não somente os feitos dêsse (sic)

grande sertanista, como, ainda, a ação e o desprendimento daquele

pugilo de destemidos patrícios, que souberam, junto com o Marechal

2 Este confronto é relatado por Reis (2014).

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Rondon, penetrar os nossos sertões e fundar nos confins da nossa

Pátria, os verdadeiros marcos da nossa civilização.

2. Plantando as Linhas Telegráficas Estratégicas e com elas

atravessando tôdas (sic) as barreiras agressivas e inóspitas das

florestas brasileiras, em condições muito precárias de apoio,

conseguiram, à força do civismo, levar a bom termo verdadeira obra

ciclópica.

3 A grandeza sem par dessa epopéia só se tornou possível graças

Às condições criadas sob a liderança dêsse (sic) chefe predestinado,

que foi o Marechal Cândido Rondon, como também de cooperação

desse grupo de homens que constituiram (sic) o instrumento mais

eficaz da obra dêsse (sic) lidador. (E.M. nº 200/1967)

A ode a Rondon é também a exaltação de si próprio, da tarefa do

MECOR/MINTER, continuador de sua obra de “conquista do oeste”. A expansão da

fronteira por via autoritária é um meio eficiente através do qual todo o território

nacional é subordinado ao controle vigilante das normas impostas pela segurança

nacional e o desenvolvimento não como meros princípios norteadores, ou base

doutrinária, mas sim como campos de poder. Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima

foram pessoas importantes na tarefa de concretizar um dispositivo de produção do

território próprio aos anseios da segurança e desenvolvimento. Compartilhavam dos

preceitos prescritos por estes campos de poder, desfrutavam de posição privilegiada

neste campo, detinham grande carga de poder simbólico e capital que circulava no

campo. Tinham também a sensibilidade e a vivência prática com o “Brasil profundo”,

conheciam e difundiam este imaginário geográfico.

Um importante papel deve ser conferido à evolução institucional das Forças

Armadas na edificação do desenvolvimento e da segurança nacional como campos de

poder no Brasil e, por conseguinte, à governamentalização praticada pelo MINTER.

Desde os fins do século XIX esta instituição sofreu profundas transformações que a

alçaram ao patamar de protagonista no cenário político, econômico e social no país.

Nesta instituição foi criado um esprit de corps e uma disposição para a ação política que

os equipararam às elites nacionais na conformação da modernização do país.

A afinidade entre desenvolvimento e a segurança enquadrados pelo prisma do

território se fez sentir nos planos de ação de governamentalização estabilizados no

formato definido pelo MECOR/MINTER entre 1964 e 1969. Fundamentalmente, o

projeto de institucionalização do MINTER se orientou pela proliferação do formato

desenvolvimentista definido pela SUDENE. As superintendências desenvolveriam o

território, incorporariam ao espaço produtivo nacional os lugares afastados e

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reforçariam as relações capitalistas, assegurando a segurança frente ao perigo

comunista. Segurança requer desenvolvimento, e este se reforça com aquela.

Mas, mesmo complementares, estes princípios poderiam – e de fato foram –

antagônicos. As divergências entre um e outro eram basicamente a contraposição da

ortodoxia econômica à uma concepção mais distributivista. Aqueles primavam pelo

crescimento bruto do produto, estes primavam pela equalização de sua distribuição. A

segunda posição foi mais fortemente defendida por Albuquerque Lima. Enquanto

ministro do MINTER ele assumiu uma posição diretamente frontal à política econômica

de “fazer o bolo crescer”. A contraposição ao Ministério da Fazenda o levou a renúncia

em nome do desenvolvimento regional.

O desenvolvimento regional foi a expressão mais bem definida deste

ministério. O interior atrasado ganhou contornos mais objetivos, desenhado e recortado

em regiões. Estas unidades geográficas assim delimitadas possibilitaram a identificação

do objeto de intervenção sem precisar as relações sociais a serem interpeladas. O

Nordeste, o Centro-Oeste, a Amazônia, etc. Consumou-se a “modernização pelo alto”,

transformações sem mudanças. O latifúndio foi preservado, as formas tradicionais de

viver e produzir foram vigorosamente combatidas. O território nacional foi

homogeneizado em formas de reprodução de capital, mesmo que mantidas algumas

relações não capitalistas de produção.

O MINTER foi a expressão do novo caráter do Estado brasileiro que assumiu a

expansão das fronteiras e a ressignificação de seu território como fatores de inserção do

país na ordem do capitalismo mundial. Os planos de ação e governamentalização do

território que puderam ser vistos através das E.M assinadas pelos ministros do Interior

contribuem para a delimitação de um objeto e uma prática de intervenção que

possibilitou aprofundamento da segurança nacional e do desenvolvimento como campos

de poder.

* * *

Em suma, e a título de conclusão, vale dizer que esta pesquisa sobre o

MINTER procurou ser um entre tantos esforços no sentido de se interpretar o papel da

formação territorial na conformação da sociedade brasileira. A apropriação e

valorização do território exerce forte papel na constituição social do país, este fato já

está evidente na vasta bibliografia disponível, feita por geógrafo e não geógrafos. A

tarefa que vem sendo cumprida mais recentemente pela historiografia da geografia no

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Brasil é a de interpretar esta relação em seus casos concretos, quer dizer, nas situações

objetivas que envolvem sujeitos e interesses materiais. Em outros termos, cumpre dizer

que as investigações sobre a formação territorial brasileira podem ser enriquecidas com

uma análise multiescalar, que compreendam a ação e o significado das ações em esferas

distintas, tanto em seus aspectos mais gerais como aqueles mais específicos. Esta

pesquisa pretende seguir esta linhagem, mesmo ciente de suas limitações consideráveis.

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194

APÊNDICE

Apêndice 1.

MINISTROS MECOR/MINTER1

Nome Formação Profissional Exercício

Oswaldo Cordeiro de

Farias (16/08/1901) Militar 25/06/1964 a 16/06/1966

João Gonçalves de Souza Agrônomo2 16/06/1966 a 16/02/1967

Afonso Augusto de

Albuquerque Lima (1909-

1981)

Militar 15/03/1967 a 27/01/1969

José Costa Cavalcanti

(1922-1991) Militar 28/01/1969 a 15/03/1974

Maurício Rangel Reis

(1922-1986) Engenheiro Agrônomo 15/03/1974 a 15/03/1979

Mário David Andreazza Militar 15/03/1979 a 15.03.1985

Ronaldo Costa Couto Economista 15/03/1985 a 30/04/1987

Joaquim Francisco de

Freitas Cavalcanti Advogado

3 30/04/1987 a 07/08/1987

João Alves Filho Engenheiro Civil 07/08/1987 a 15/03/1990

Fonte: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (CPDOC/FGV).

1 Com exceção de provisórios e interinos.

2 Informação extraída de René Dreifuss (1981).

3 Informação extraída do site Wikipédia, por falta de fonte mais segura.

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195

Apêndice 2.

Marechal

General de Exército

General de Divisão

General de Brigada

Coronel

Tenente-coronel

Major

Capitão

1ºTenente

2º Tenente

Aspirante a oficial

Oficias superiores

Oficiais intermediários

Oficias generais

Oficiais subalternos

HIERARQUIA DOS OFICIAIS DO

EXÉRCITO

Fonte: http://www.eb.mil.br.

Organização do autor.

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196

ANEXOS

Anexo 1: Exposição de Motivos nº001/1964.

Fonte: Arquivo Nacional (2000)

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197

Anexo 2: Mapa “O território e a circulação” de Golbery do Couto e Silva

Fonte: Couto e Silva (1981. p. 41).

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198

Anexo 3: Quadro comparativo dos cortes de gastos segundo Albuquerque e Lima (E.M 18/1969).

Fonte: Arquivo Nacional (2000)

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