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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
Instituto de Geociências
GUSTAVO SOARES IORIO
SEGURANÇA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO E GEOPOLÍTICA: A
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO INTERIOR NO BRASIL
(1964-1969)
Rio de Janeiro
2015
i
SEGURANÇA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO E GEOPOLÍTICA: A
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO INTERIOR NO BRASIL
(1964-1969)
GUSTAVO SOARES IORIO
Tese de Doutorado apresentado ao
Programa de Pós Graduação em
Geografia como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em
Geografia.
Orientadora: Profª Drª Ana Maria de
Lima Daou.
Rio de Janeiro
Março de 2015
ii
SEGURANÇA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO E GEOPOLÍTICA: A
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO INTERIOR NO BRASIL
(1964-1969)
GUSTAVO SOARES IORIO
TESE SUBMETIDA À BANCA EXAMINADORA COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM
GEOGRAFIA
Examinada por:
________________________________________________
Profª. Drª Ana Maria de Lima Daou – PPGG/UFRJ (orientadora)
________________________________________________
Profª Drª. Gisela Aquino Pires do Rio – PPGG/UFRJ (Presidente da banca)
________________________________________________
Profº Drª Lia Osório Machado (PPGG/UFRJ)
________________________________________________
Profº Drº. Antônio Carlos de Souza Lima (PPGAS/Museu Nacional/UFRJ)
________________________________________________
Profº. Drº Sérgio Luiz Nunes Pereira (DG/UFF)
________________________________________________
Profº. Drº Manoel Fernandes de Sousa Neto (DG/USP)
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
MARÇO DE 2015
iii
Ao meu filho Caio,
concebido no decorrer desse percurso,
fez de mim uma pessoa melhor.
Amarei-te sempre, até o mundo acabar.
iv
v
AGRADECIMENTOS
Esta tese é devedora de muitos, sinceros e genuínos sentimentos de
agradecimento. Ela não poderia existir sem a ajuda de muitas pessoas, todas elas muito
queridas.
Começo pela minha família, que ficou maior nesses quatro anos. Meu filho
Caio, nascido no decorrer desta tese, trouxe enorme ternura para minha vida, mesmo
assim, teve que dividir minha atenção com esta tese. Minha companheira Alessandra,
me deu carinho, me deu conforto, sacrificou seus objetivos pessoais para preencher
minha ausência, muito mais frequentes do que gostaria. Minha mãe Cecilia, sempre
apoio verdadeiro e importante, minha fonte de segurança e inspiração. Minha irmã,
mesmo distante sempre presente, trouxe-me outra fonte de ternura, meu sobrinho
Benjamin, que também veio ao mundo nestes tempos recentes.
Da parte dos amigos, a gratidão é enorme. Heitor e sua família, que foram o
esteio primeiro dessa “aventura” que é o Rio de Janeiro. Carolzinha e Isabela, amigas
queridas, companheiras e conselheiras, acolhedoras na maioria das vezes, fizeram das
minhas estadas no Rio muito mais interessantes. Zé Luís e Sandrão, velhos camaradas,
amigos, companheiros de risadas e broncas, também me deram muitas acolhidas no Rio.
Léo Dupin, Léo Leite, Harry e Mateusinho, amigos fraternos. Caio e Pietro, amigos da
mais longa data, sem vocês o mundo não seria o mundo. Clarinha, Amorinha e Godi,
família amiga que me acolheu com muito carinho em Brasília, fizeram do árduo
trabalho de campo uma temporada prazerosa. Eduardo Maia, professor, interlocutor de
grandes contribuições, e amigo. A todos esses, que foram muito mais meus amigos do
que eu deles, peço desculpas pelas minhas falhas. Vocês são todos muito mais do que
importantes, são essenciais.
Ao decorrer dessa jornada muitas amizades conquistei. Meus colegas de
doutorado, Igor, Mateus, Sara, Helena, Anice, Lenice, Sávio, Faber, Diogo, Simone e
Danielle. No IFMG fiz amigos para sempre; Fernando, Jaime, Brunão, Patrício,
Venílson, Flávio, Marcos (Física).
A vida acadêmica também me reservou encontros valiosos. Ana Daou, pessoa
muito especial, orientadora, amiga zelosa, conselheira, incentivadora. Obrigado por toda
a confiança e apoio, que nunca faltaram, mesmo nos momentos mais drásticos. Sérgio
Nunes, a quem devo muito do que foi minha vida acadêmica nos últimos seis ou sete
anos. Antônio Carlos de Souza Lima e Lia Osório Machado, professores no melhor
vi
sentido do termo, têm me acompanhado e enriquecido minhas investidas de pesquisa,
sempre com muita paciência, solicitude e inteligência. Manoel Fernandes, amigo que
conquistei nas jornadas acadêmicas Brasil afora, tenho hoje o prazer de tê-lo na minha
banca. Vincent Berdoulay, que sempre me atendeu, solicito e gentil. Agradeço também à
professora Gisela Aquino Pires do Rio, que aceitou com grande gentileza assumir as
incumbências para que essa banca ocorresse, e ainda contribuir com a leitura crítica
desta tese. Muito importantes são meus professores da graduação, especialmente
Leonardo Civale, Isabel Chrysostomo e Eduardo Maia, muito obrigado por me darem a
base necessária para trilhar essa jornada até aqui.
Gostaria ainda de agradecer aos funcionários de todas as repartições que
frequentei para realizar esta tese. Às secretárias e às bibliotecárias do PPGG e,
especialmente, à equipe de atendimento da área de consulta do Arquivo Nacional de
Brasília, sempre muito atenciosos e dispostos a ajudar, em especial à Dayse, que a tenho
como amiga, cujas sugestões foram cruciais para o rumo que tomou esta tese. Agradeço
À sociedade brasileira, em nome do CNPq, pelo financiamento deste doutoramento,
desenvolvido com bolsa de estudos em uma instituição pública que me ofereceu ensino
de qualidade.
Mais pessoas merecem meu agradecimento, a não menção a todos os nomes
não diminui meu sentimento de gratidão. Por tudo o que fizeram e são essas pessoas, o
meu imenso muito obrigado!
vii
“Il n´est pas moins vrai que ce que l’on désigne dans
les États moins développés comme <<absence de
structure>> ne teint pas seulement à l’absence d’une
armée de métier, d’une administration ou d’une
fiscalité, mais dépend d’une série de facteurs
géographiques, et, en particulier, de la faiblesse de la
population, de son inégale répartition, du manque de
voies de communication”.
(RATZEL, 1987[1897]. p 62)
viii
RESUMO
Esta tese se debruça sobre a institucionalização do Ministério do Interior (MINTER) no
Brasil (1964-1969), intervalo correspondente à criação do Ministério Extraordinário
para a Coordenação dos Organismos Regionais (MECOR) – seu precursor imediato – e
a renúncia do Ministro Afonso Augusto de Albuquerque Lima. Neste intervalo o
ministério em questão foi oficialmente criado pelo Decreto-Lei nº 200/1967 e chegou a
seu desenho institucional definitivo. Procura se demonstrar aqui que neste período o
MINTER foi definido enquanto um dispositivo de governamentalização, tributário de
um ideal de modernização do território, significado fundamentalmente pela estruturação
de dois campos de poder: o desenvolvimento e a segurança nacional. Mais do que dois
motes doutrinários, defende-se aqui, que estes dois vocábulos referem-se a campos
efetivos de poder, articulando instituições, sujeitos e discursos de escalas diversas. A
análise tem como fonte as Exposições de Motivos, expediente ministerial de
comunicação direta com o presidente da República, emitidas pelos ministros no
intervalo delimitado.
Palavras-chave: Ministério do Interior; Geopolítica; Desenvolvimento; Segurança
Nacional.
ix
ABSTRACT
This thesis focuses on the institutionalization of the Ministério do Interior (MINTER) in
Brazil (1964-1969), the corresponding range of the creation of the Ministério
Extraordinário dos Organismos Regionais (MECOR) - its immediate precursor - and the
resignation of Minister Afonso Augusto Albuquerque Lima. In this range the ministry
concerned was officially established by Decree-Law nº 200/1967 and reached its final
institutional design. Seeks to demonstrate that in this period the MINTER was set as a
governmentalisation device, tributary of an ideal to modernizing the territory, meant
mainly by the structuring of two fields of power: the development and national security.
More than two doctrinal motes, it is argued here, those two words refer to effective
fields of power, linking institutions, subject and speeches of various scales. The analysis
takes as source the “Exposições de Motivos”, ministerial expedient of direct
communication with the president, issued by ministers in the defined range.
Keywords: Ministério do Interior; Geopolitics; Development; National Security.
x
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ..................................................................................................... v
RESUMO ....................................................................................................................... vii
ABSTRACT .................................................................................................................... ix
LISTA DE FIGURAS E TABELAS ............................................................................... xii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .................................................................... xiii
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1
Contextos ...................................................................................................................... 2
O Ministério do Interior: primeiras incursões .............................................................. 4
O Ministério do Interior, a História da Geografia e a Geografia Histórica ................ 12
Sobre as fontes da pesquisa ........................................................................................ 18
Apresentação dos capítulos ........................................................................................ 27
1. O MINISTÉRIO DO INTERIOR NO CERNE DA MODERNIZAÇÃO
BRASILEIRA ................................................................................................................. 29
A modernização do país .............................................................................................. 31
Território, Estado e modernização no Brasil .............................................................. 35
A modernização segundo o Ministério do Interior ..................................................... 44
A modernização e sua antítese: identificando o atraso ............................................... 47
2. SUJEITOS, TRADIÇÕES DO CONHECIMENTO E FORMAÇÃO MILITAR: OS
FUNDAMENTOS DA GOVERNAMENTALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO ................ 54
Objetivação metodológica dos “sujeitos” ................................................................... 56
Profissionalização, corporação e intervencionismo: o Exército brasileiro na política
nacional ....................................................................................................................... 63
Os ministros do Interior .............................................................................................. 86
3. O INTERIOR ‘ATRASADO’ E A ‘FUNÇÃO ALTAMENTE CIVILIZADORA DO
DESENVOLVIMENTO’ .............................................................................................. 100
O desenvolvimento como campo de poder no Brasil ............................................... 100
xi
O MINTER no campo do desenvolvimento .............................................................. 111
A estruturação do desenvolvimento em bases regionais no Brasil ........................... 127
A modernização e suas contradições ........................................................................ 131
4. DESENVOLVIMENTO, SEGURANÇA NACIONAL E GEOPOLÍTICA NO
MINISTÉRIO DO INTERIOR ..................................................................................... 141
A mundialização da segurança nacional ................................................................... 142
A segurança nacional no Brasil ................................................................................ 148
Segurança nacional, desenvolvimento e geopolítica ................................................ 153
O MINTER, a segurança nacional, o desenvolvimento e a geopolítica ................... 158
Centralismo e geopolítica no Ministério do Interior ................................................ 164
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 173
FONTES DE PESQUISA ............................................................................................. 181
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 184
APÊNDICE .................................................................................................................. 194
Apêndice 1. ............................................................................................................... 194
Apêndice 2. ............................................................................................................... 195
ANEXOS ...................................................................................................................... 196
Anexo 1: Exposição de Motivos nº001/1964. .......................................................... 196
Anexo 2: Mapa “O território e a circulação” de Golbery do Couto e Silva ............. 197
Anexo 3: Quadro comparativo dos cortes de gastos segundo Albuquerque e Lima
(E.M 18/1969). ......................................................................................................... 198
xii
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
Figura 1: Viagem de S.Exa. o Sr. Ministro O. Cordeiro de Farias ao Vale do S. Francisco
(setembro de 1964). p. 85
Figura 2: Afonso Augusto de Albuquerque Lima (1909-1981). p. 91
Tabela 1: Exposição de Motivos por órgão (08/07/1964-27/01/1969). p. 112
Tabela 2: Exposição de Motivos por órgão (Cordeiro de Farias - 25/06/1964 a
16/06/1966). p. 113
Tabela 3: Exposição de Motivos por órgão (João G. de Souza - 16/06/1966 a
16/02/1967). p. 113
Tabela 4: Exposição de Motivos por órgão (Albuquerque Lima - 15/03/1967 a
27/01/1969). p. 114
Tabela 5: Exposição de Motivos por assunto (08/07/1964-27/01/1969). p. 119
Tabela 6: Exposição de Motivos por assunto (Cordeiro de Farias - 25/06/1964 a
16/06/1966). p. 120
Tabela 7: Exposição de Motivos por assunto (João G. de Souza - 16/06/1966 a
16/02/1967). p. 121
Tabela 8: Exposição de Motivos por assunto (Albuquerque Lima - 15/03/1967 a
27/01/1969). p. 121
Tabela 9: Exposição de Motivos – documentos de natureza administrativa. p. 167
xiii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABIN: Agência Brasileira de Inteligência.
ALN: Ação Libertadora Nacional.
BASA: Banco da Amazônia S.A.
BIRD: Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento.
BNB: Banco do Nordeste do Brasil S.A.
BNDE: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.
BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
BNH: Banco Nacional de Habitação.
CAT: Comissão de Assuntos Territoriais.
CM Brasil-Uruguai: Comissão Mista Brasil-Uruguai.
CCMI: Comissão Coordenadora do Ministério do Interior.
CEFF: Comissão Especial da Faixa de Fronteiras.
CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina e Caribe.
CNI: Confederação Nacional da Indústria.
CODAC: Coordenação de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo
Nacional.
CODENE: Conselho de Desenvolvimento do Nordeste.
CODES: Coordenação de Documentos escritos do Arquivo Nacional.
COREG. Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal.
CNP: Conselho Nacional do Petróleo.
CPDOC/FGV: Centro de Pesquisa de Documentação de História Contemporânea do
Brasil/Fundação Getúlio Vargas.
CMBEU: Comissão Mista Brasil-EUA.
CM Brasil-Uruguai: Comissão Mista Brasil-Uruguai.
CMN: Conselho Monetário Nacional.
COMESTRA: Comissão de Estudos de Reforma Administrativa.
DASP: Departamento Administrativo do Serviço Público.
DNOCS: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.
DNOS: Departamento Nacional de Obras de Saneamento.
DSN: Doutrina de Segurança Nacional.
ECEME: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
E.M.: Exposição de Motivos.
xiv
EMFA: Estado Maior das Forças Armadas.
EEM: Escola do Estado Maior do Exército.
EsAO: Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.
ESG: Escola Superior de Guerra.
FAO: Food and Agriculture Organization of the United Nations.
FBC: Fundação Brasil Central.
FEB: Força Expedicionária Brasileira.
FIESP: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
FIRTOP: Fundação Interestadual para o Desenvolvimento dos Vales do Tocantins e
Araguaia e Paraguai-Cuiabá.
FUNAI: Fundação Nacional do Índio.
GERAN: Grupo Especial para Racionalização da Agro-Indústria Canavieira do
Nordeste.
GI: Grupo de Operações.
GLC: Grupo de Levantamento da Conjuntura.
GTDN: Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.
IAA: Instituto do Açúcar e do Álccol.
IBAD: Instituto Brasileiro de Ação Democrática.
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IBRA: Instituto Brasileiro de Reforma Agrária.
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
INDA: Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário.
IPEA: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.
IPES: Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais.
IPM’s: Inquéritos Policiais Militares.
ISEB: Instituto Superior de Estudos Brasileiros.
LIDER: Liga Democrática Radical.
MACOP: Ministério da Agricultura, Comércio e Obras públicas.
MECOR: Ministério Extraordinário para Coordenação dos Organismos Regionais.
MINTER: Ministério do Interior.
MPCG: Ministério do Planejamento e Coordenação Geral.
ONU: Organização das Nações Unidas.
PAEG: Programa de Ação Econômica do Governo.
PND: Plano Nacional de Desenvolvimento.
xv
PROTERRA: Programa de Redistribuição de Terras.
RBG: Revista Brasileira de Geografia.
RFFSA: Rede Ferroviária Federal S.A.
SEMA: Secretaria Especial do Meio Ambiente.
SENAM: Secretaria Nacional dos Municípios.
SERFHAU: Serviço Federal de Habitação e Urbanismo.
SGRJ: Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.
SNI: Serviço Nacional de Informações.
SUDAM: Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia.
SUDECO: Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste.
SUDEFSO: Superintendência do Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste.
SPVERFSP: Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Região Fronteira
Sudoeste do País.
SUDENE: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
SUDESUL: Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul.
SUNAMA: Superintendência Nacional de Abastecimento.
SUFRAMA: Superintendência da Zona Franca de Manaus.
SUVALE: Superintendência de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.
SPI: Serviço de Proteção ao Índio.
SPVEA: Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia.
TVA: Tennesse Valey Authority.
UDN: União Democrática Nacional.
USAID: United States Agency for International Development.
USARSA: United States Army School of the Americas.
1
INTRODUÇÃO
As décadas de 1960 e 1970 foram, no Brasil, “tempos extremos”. As empresas
transnacionais, instaladas em território nacional, alteravam substancialmente a estrutura
econômica do país; movimentos migratórios do campo para a cidade concentravam a
população nas grandes metrópoles; Brasília, a nova capital, já estava erguida e em
funcionamento no longínquo Planalto Central; os conflitos sociais se acirravam com a
emergência de movimentos populares, como as Ligas Camponesas que evidenciavam
para o país as contradições entre latifundiários e segmentos sociais empobrecidos do
Nordeste; a Amazônia ainda soava como uma terra distante e desconhecida. Em 1964 se
passa uma inflexão nesse estado das coisas, o conflito, levado ao seu limite, acarretou
um desfecho autoritário. Implantou-se, por força de golpe de Estado, um governo
ditatorial que, a toque de caixa e graças à força do bastão, liquidou as contradições,
impondo uma ordem pretensamente homogênea.
As questões relativas ao território e ao seu governo estavam, como se pode ver,
no centro dos processos em curso. Os governos que se sucederam até então iam, a seu
tempo e a seu modo, implantando ações ou mesmo apenas intenções, para equacionar e
administrar o território. Órgãos, agências, Leis e Decretos foram criados de forma
dispersa, respondendo a demandas e princípios variados. A inflexão de 1964 incidiu
fortemente sobre este aspecto. Os mesmos princípios de ordem e coerência impostos no
campo social se fizeram valer também na administração e gestão das questões
territoriais. Os dispositivos dispersos foram enquadrados em um mesmo sentido, uma
mesma lógica. A tarefa de realizar este enquadramento coube ao Ministério do Interior
(MINTER), objeto de análise desta tese.
Para se compreender o significado da implantação de um ministério com a
forma e o conteúdo em que se desenhou o MINTER, é preciso antes situa-lo do ponto
de vista mais amplo, i.e., localizá-lo na ordem política e econômica que se construía no
mundo e no Brasil nesta segunda metade do século XX.
2
Contextos
Nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, até meados da década de
1970, houve um grande crescimento econômico e uma difusão deliberada das relações
capitalistas de produção mundo afora, o que Hobsbawm (1995) chamou de “a era de
ouro” do capitalismo. Pari passu ao desenvolvimento das forças produtivas, a Doutrina
Truman e a “Guerra Fria” que ia se definindo, provocaram o acirramento ideológico
que, no espectro ocidental, elegeu o comunismo como o maior inimigo.
O Brasil não esteve à parte desse contexto. Por aqui houve um recrudescimento
no combate ao comunismo e uma euforia com os horizontes apresentados pelo
desenvolvimentismo capitalista. Os anos áureos do capitalismo chegaram nesse país
através de corporações transnacionais que reestruturaram a ordem produtiva,
alicerçando-a a níveis expressivos de crescimento econômico e diversificação do parque
industrial. A base econômica foi efetivamente transformada (OLIVEIRA, 2011). A
presença das grandes corporações agravou ainda mais a concentração política e
econômica. Segundo Oliveira (1981), esse é o momento de formação do capital
monopolista no Brasil, com forte participação do Estado enquanto investidor direto e
facilitador político.
Politicamente, o pós-guerra repercutiu por aqui no esgotamento do modelo
político do Estado Novo (1937-1945), a ditadura comandada por Getúlio Vargas, que
ficou muito associada aos regimes nazifascistas derrotados pelos Aliados. Mas
perseverou o formato “populista”, substanciado no apoio das camadas populares como
fonte e base do poder político, lançado por Vargas nos derradeiros anos de seu governo
estadonovista. Com o retorno do sufrágio como meio de escolha do presidente, este
formato se manteve através do pacto populista de dominação, acordado entre as
tradicionais elites agrárias, sobretudo do Nordeste do país, e as elites urbanas do
Sudeste, o “Brasil desenvolvido”. Esse pacto se perpetuava através da popularidade do
voto e a política econômica de substituição de importações, acompanhado sempre de
perto pelo poder militar, em uma relação mais ou menos tensa.
Dada o dinamismo e a força das circunstâncias, este pacto mostrou-se
demasiadamente frágil e incapaz de acomodar os interesses rivais que se confrontavam.
Três fatores decretaram o fim do pacto: i) exaustão do modelo político-econômico; ii)
mudanças na economia que fugiram ao controle do Estado; iii) e o crescimento
populacional do sudeste, que provocou um desequilíbrio no pacto de dominação
3
vigente, provocando um imobilismo político (LAFER, 1974). As elites políticas ficaram
desencontradas e a instabilidade foi incontornável.
O desfecho desta história foi o golpe de Estado em março/abril de 1964 posto
em prática pelas Forças Armadas com o suporte de setores da sociedade civil. O ideário
conservador e anticomunista prevaleceu em um ambiente político, econômico e
ideologicamente conturbado. A “limpeza política” suprimiu os “elementos
indesejáveis”. João Goulart, o então presidente e herdeiro do trabalhismo varguista, foi
deposto. O receio da emergência de um regime comunista no Brasil, a exemplo da
Revolução Cubana de 1959, aproximou dos militares os investidores internacionais, o
empresariado brasileiro e parte da classe média. A partir de então, se instalou no Brasil
um governo ditatorial. Esse governo estava mantido através de um novo pacto de poder
sustentado em dois polos; i) positivo, oriundo dos bons resultados econômicos, e ii)
negativo, proveniente da coerção física no combate às oposições (LAFER, op.cit.).
O novo protagonismo político dava o modelo político “populista” como preso à
imobilidade graças às suas características estruturais, favorecendo a “politicagem”1 em
detrimento da eficiência administrativa. A alta inflação e outros problemas
macroeconômicos eram apontados como a prova da incapacidade que condenava o país.
Contra o “estado de desordem”, os agentes do novo regime prometiam uma reordenação
do Estado e da administração pública, mesmo que “medidas corretivas2” fossem
necessárias. Essa foi a preocupação central no governo do general Castello Branco
(1964-1967), e em nome dela adotou uma política econômica de austeridade e equilíbrio
macroeconômico e reestruturou a máquina pública através da Reforma Administrativa
de 1967 (BRASIL, 1967).
A inserção do Brasil nos “ditosos” caminhos do capitalismo mundial se dá,
portanto, através do endurecimento da política ao ponto da supressão dos procedimentos
da democracia representativa, tão cara ao espírito de liberdade da qual se envaidece o
sistema de mercado. Uma nova racionalidade econômica só pôde ser instaurada através
de mudanças bruscas tocadas através de uma intervenção brusca e autoritária através da
tomada do governo do Estado, convertendo sua ação em medidas vigorosas e
centralizadoras (MACHADO, 1992).
1 Termo comumente utilizado pelos generais de 1964 para se referir ao período político anterior. Ver as
memórias de Cordeiro de Farias (FARIAS, 2001). 2 “Medidas corretivas”, eufemismo para repreensão violenta, foi o termo utilizado por Márcio de Souza e
Mello, ministro da Aeronáutica em 1968, ao dar seu parecer a favor do Ato Institucional nº5 na reunião
do Conselho de Segurança Nacional. (Ver transcrição da reunião em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/reuniao/index.html>.
4
O regime autoritário tratou cuidadosamente do território, também através de
forte intervenção estatal associada ao capital nacional e internacional. O que se passou
foi um processo de fixação de valor (SOJA, 1993)3 impregnado de alto conteúdo
tecnológico que reconfigurou o território nacional, adequando-o aos imperativos
modernizantes do novo modelo de acumulação do capital (MACHADO, 1987;
SANTOS, SILVEIRA, 2011; BECKER, 1988, 1991, 2002, 2005). Mas essa tarefa não
foi simples, ao contrário, impôs uma readequação do dispositivo administrativo com
que contava o Estado para gestar o território. Os órgãos dispersos precisariam de um
formato coerente, articulado, dinâmico e próprio para atender aos novos imperativos.
Assim fez-se o MINTER.
O Ministério do Interior: primeiras incursões
Em termos gerais, o MINTER tem sido notado na bibliografia pertinente como
um ministério envolvido no cerne da produção e apropriação territorial do período
correspondente, e de fato ele o foi. Para Antônio C. R. Moraes (2005):
Essa visão centrada no território fica bem evidente na estrutura
institucional do aparelho de Estado adotada pela ditadura, com o
agrupamento de todas as políticas territoriais – pela primeira e única
vez na história brasileira – num único órgão executor, no caso o
Ministério do Interior, que englobava agências tão distintas (como o
INCRA, a Funai, o BNH, a Sema, as Superintendências de
Desenvolvimento Regional, entre outras), sendo o nexo entre tais
instituições o fato de todas operarem políticas de produção e
organização do espaço ( p. 100)
A assertiva parece válida, mas há de se notar um pouco de exagero no que
concerne ao “agrupamento de todas as políticas territoriais”, o que seria subestimar, por
exemplo, o papel seminal do Ministério dos Transportes, marcante para a visão de
integração nacional com a construção da rodovia Transamazônica (BR 230). Berta
Becker (1981) observa isso:
A malha do MINTER é apenas uma parte da malha imposta pelo
Estado. A malha urbana, programada igualmente ao nível nacional, os
pólos industriais também foram componentes-chave na estratégia
espacial do governo rompendo a organização econômica, social e
espacial preexistente. (BECKER, 1981. p. 118)
A transformação territorial que toma curso no Brasil pós-1964 é bem mais
ampla e complexa do que aquilo que se pode enquadrar no bojo de atribuições do
3 Ou valorização do espaço, como preferem Moraes e Costa (1999).
5
MINTER, mas este fato não invalida o reconhecimento desse ministério como um órgão
essencialmente voltado para a administração e gestão da produção territorial. Este fato é
notável ao examinar a sua institucionalização. Formalmente criado pelo Decreto-Lei nº
200 de fevereiro de 1967, sua gênese remonta a 1964, nos primeiros momentos de
implantação do regime militar, quando em 21 de junho de 1964 foi criado o cargo de
Ministro extraordinário através da Lei nº 4344. Não se sabe ao certo o que motivou o
surgimento deste ministério totalmente novo, aventa-se inclusive que poderia estar
ligada a uma “cortesia pessoal” do presidente nomeado, Castello Branco, para seu
antigo companheiro da Força Expedicionária Brasileira (FEB), Cordeiro de Farias, o
primeiro a assumir esse ministério. Esta hipótese é levantada pelo próprio Cordeiro de
Farias no registro de suas memórias:
Isso foi em junho, dois meses após a posse de Castello [Branco,
Presidente da República]. Eu me pergunto: terá sido idéia de um
Geisel, de um Golbery ou de em Ademar de Queirós? Auxiliares
diretos do presidente, não se conformavam com minha situação. Terão
eles tido a iniciativa de propor a criação do novo ministério, levando
minha indicação ao Castello? Ou terá sido idéia do próprio Castello?
Não sei, não tenho como sabê-lo. Geisel, Golbery e Tico-Tico4, muito
ligados ao Castello, jamais me diriam, caso a iniciativa tivesse partido
deles. Não iriam expor o presidente. De qualquer forma, eu percebia
em Castello uma sensação de desconforto diante de mim;
provavelmente sentia-se em falta comigo, com dores de consciência.
(FARIAS, 2001. p. 498)
Fato é que o ministério foi criado, e a ele se confiou as seguintes atribuições:
Art. 1º É criado um cargo de Ministro Extraordinário, ao qual caberá
coordenar as atividades dos seguintes órgãos e serviços, que lhe ficam
subordinados:
a) Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia;
b) Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Fronteira
Sudoeste do País;
c) Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste;
d) Comissão do Vale do São Francisco;
e) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
f) Fundação Brasil Central;
g) Administração dos Territórios Federais;
h) Serviço Nacional de Municípios;
i) Comissão de Desenvolvimento do Centro Oeste;
j) Comissão Especial de Faixa de Fronteiras;
l) Parque Nacional do Xingu.
4 Na publicação não há maiores esclarecimentos sobre a identidade formal da pessoa chamada por
Cordeiro de Farias de “Tico-Tico”.
6
No mês subsequente ele é renomeado, passa a ser o Ministério Extraordinário
para a Coordenação dos Organismos Regionais (MECOR) através da Lei nº 54026 de
17 de julho de 1964, com as mesmas atribuições. Basicamente, o ministério
extraordinário assumia para si onze órgãos agrupados em torno da alcunha “organismos
regionais”. Estes organismos refletem contextos, propósitos e modo de funcionamento
diferentes.
Estão aí dispostos o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
[Decreto-Lei nº 218/1938] e a Fundação Brasil Central (FBC) [Decreto-lei nº
5.878/1943], criados em pleno Estado Novo; aquele com o desafio de fornecer base
segura de dados sobre o país e este um projeto de natureza pouco clara, inserido no
espírito da “Marcha para Oeste”, uma primeira tentativa de institucionalizar um aparato
estatal de ocupação e apropriação territorial (MAIA, 2010; VELHO, 1979). Deste
mesmo contexto se tem a Comissão Especial da Faixa de Fronteiras (Decreto-Lei Nº
4.265/1939), política varguista que chamava para o governo central o poder de conceder
terras em zona fronteiriça, retirando dos governos estaduais essa prerrogativa em nome
da segurança nacional.
Perfilam junto a eles a Comissão do Vale do São Francisco (Lei nº 541/1948) e
a Comissão de Assuntos Territoriais (CAT) [Decreto nº 44.491/1958] que expressam
políticas territoriais muito antigas no Brasil, como o combate às secas (RIBEIRO, 2003)
e a administração dos Territórios Federais5. Está também a Comissão de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (Decreto nº 50741/1961), órgão pouco ambicioso
decretado pelo presidente Jânio Quadros; o Serviço Nacional de Municípios (SENAM)
[Decreto 50.334/ 1961], órgão mediador entre os governos da união e dos municípios.
Acrescente-se aí o Parque Nacional do Xingu, criado em 1961 (Decreto nº 50.455/1961)
como parte da política indígena que reproduzia as linhas de trabalho do antigo Serviço
de Proteção ao Índio (SPI) de tutela e aculturação6.
Mas as entidades mais destacadas eram as Superintendências, inicialmente
foram as Superintendências de planos de valorização econômica, da Amazônia
5 Território Federal foi uma modalidade administrativa utilizada no Brasil pra conferir regime especial de
administração de determinadas unidades da federação, diretamente subordinada ao governo da União. Foi
previsto pela primeira vez em 1926,regido e regulamentado pela Constituição de 1937 (ver Porto, 2000). 6 “Figura inexistente na legislação da época, que fundiria a imobilização de uma imensa quantidade de
terras com o fim duplo de preservar a flora e a fauna, e de criar uma espécie de ‘estufa’ para que os
grupos da região pudessem se aculturar paulatina e espontaneamente à experiência, sem paralelo até
aquele momento, de implantar o Parque Indígena do Xingu parece ter sido nodal para os planos e a ação
tutelar”. (LIMA, 1995. p.295)
7
(SPVEA) [Lei nº 1806/53] e da Fronteira Sudoeste do País (SPVEFSP) [Lei nº
2.976/1956]; esforços deliberados de planejamento e intervenção econômica, mas
frágeis devido à falta de instrumentos concretos de ação e metas objetivas e claras. Esta
fragilidade fora revertida com a criação em 1959 da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) [Lei nº 3692/1959]. Para além de “planos de
valorização econômica”, a SUDENE apresenta um projeto claro de desenvolvimento e
os mecanismos adequados para esse fim.
Este foi o conjunto considerado como “organismos regionais”, anteriormente
dispersos, a maioria deles diretamente subordinados à presidência da República,
exceção feita ao CAT, atrelado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Seria
precipitado dizer o que efetivamente sustentou esse arranjo sem uma pesquisa mais
detida sobre o assunto. O nexo territorial explica o que ficou dentro, mas o não que
ficou de fora, outras entidades poderiam estar nessa mesma classificação. Uma
curiosidade sobre a montagem do ministério está no caso do IBGE, que em 1964 estava
acoplado ao MECOR, mas no Decreto-Lei nº 200/1967, que formaliza o MINTER,
aparece subordinado ao Ministério do Planejamento. O que ocasionou esse fato,
segundo o testemunho de José de Nazaré Teixeira Dias, um dos principais componentes
da comissão responsável por elaborar o projeto da Reforma de 1967 (a Comissão de
Estudos de Reforma Administrativa – COMESTRA7), foi:
o Roberto Campos [então ministro do Planejamento] me chamou e
disse: ‘Você vai ao ministro [Cordeiro de Farias], e vai fazer o
seguinte: Vamos negociar com o ministro. Eu quero que o IBGE - que
estava lá – passe para o Planejamento e eu passe para lá esse Banco
Nacional de Habitação. Isso foi agregado aqui pelo governo porque
não tinha outro lugar onde pendurar.’ [então eu fui ao ministro e
disse:] ‘Ministro, eu trouxe aqui uma missão do ministro Roberto
Campos, a de trazer uma proposta para o senhor. o Banco de
Habitação ficou ligado lá no Planejamento, pendurado, e o IBGE está
aqui. No entanto o Ministério do Planejamento tem que funcionar com
estatísticas. É fundamental. Eu lhe proponho uma troca. Passe o IBGE
para lá, e o plano de habitação aqui. (DIAS, 1991. pp 274-275. )
Cordeiro de Farias parece ter outra versão sobre o fato. Em seus arquivos
pessoais depositados no Centro Brasileiro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV)8 há um
documento manuscrito (CFa 64.05.11 tv IV-1) de onde se extraiu a seguinte passagem:
7 A Comissão foi instituída pelo Decreto nº 54401 de 9 de outubro de 1964.
8 A explicação geral sobre as fontes de pesquisa está tratada mais adiante, nesta mesma introdução.
8
O IBGE estaria mal situado no Ministério do Interior. É (rasura) uma
autarquia, de âmbito nacional (federal), coletora e manipuladora de
dados, com o fim de registrar a realidade nacional. Assim, por
proposta nossa, deverá (rasura) ser colocado no Ministério do
Planejamento e Coordenação Econômica onde, a nosso ver, melhor se
situa. (p.26. riscos e rasuras no original)9
Nesta investigação, as razões que explicam o primeiro arranjo institucional do
MECOR interessam menos do que o que se sucede depois. O foco dessa pesquisa se
dirige muito mais para a institucionalização do MINTER, configurado por uma prática
de governamentalização do território cujo sentido e significado é o que pretende
compreender esta tese. Por ora, é mais importante observar o arranjo institucional
formal.
O MECOR torna-se MINTER através da Reforma Administrativa desenhada
pelo Decreto-Lei nº 200/1967, inserido no rol denominado “Setor econômico”,
qualificado com as seguintes atribuições:
I - Desenvolvimento regional.
II - Radicação de populações, ocupação do território. Migrações
internas.
III - Territórios federais.
IV - Saneamento básico.
V - Beneficiamento de áreas e obras de proteção contra sêcas (sic) e
inundações. Irrigação.
VI - Assistência às populações atingidas pelas calamidades públicas.
VII - Assistência ao índio.
VIII - Assistência aos Municípios.
IX - Programa nacional de habitação. (BRASIL, 1967)
Essa é a definição básica das atribuições que competem ao MINTER.
Organizacionalmente, aos moldes do que ficou estabelecido com a Reforma
Administrativa, ele também se dispôs em administração direta e indireta através do
Decreto 66.882/1970:
Art. 2º A estrutura básica do Ministério do Interior compreende os
seguintes órgãos da administração direta:
I - Órgãos de assistência direta e imediata ao Ministro:
a) Gabinete
b) Consultoria Jurídica
c) Divisão de Segurança e Informações
II - Órgãos Centrais de planejamento, coordenação e contrôle [sic]
financeiro:
a) Secretária Geral
9 No documento não há referência direta do que se trata o manuscrito. A suposição que parece mais
aceitável, pela leitura do documento, é de que se trata da preparação de uma conferência ou algo do
gênero para a Escola Superior de Guerra (ESG).
9
b) Inspetoria Geral de Finanças
III - Órgão Central de direção superior:
a) Departamento de Administração
§ 1º São vinculadas ao Ministério do Interior as seguintes entidades da
administração indireta:
I - Entidades de coordenação e planejamento regional:
a) Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM;
b) Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE;
c) Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste -
SUDECO;
d) Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul - SUDESUL;
II - Entidades de desenvolvimento sub-regional:
a) Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA;
b) Superintendência do Vale do São Francisco - SUVALE;
c) Departamento Nacional de Obras Contra as Sêcas - DNOCS;
III - Entidades relacionadas com o desenvolvimento urbano e local
integrado e a melhoria das condições do meio ambiente:
a) Banco Nacional de Habitação - BNH;
b) Serviço Federal de Habitação e Urbanismo - SERFHAU;
c) Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS.
IV - Entidades regionais e sub-regionais de financiamento:
a) Banco da Amazônia S.A. - BASA;
b) Banco do Nordeste S.A. - BNB;
c) Banco de Roraima S.A.
V - Entidade de integração sócio-econômica ao processo de
desenvolvimento:
a) Fundação Nacional do Índio - FUNAI.
§ 2º Os Territórios Federais, unidades descentralizadas da
Administração Federal, a nível sub-regional, com autonomia
administrativa e financeira, equiparados, para os efeitos legais, às
entidades da administração indireta, são vinculados ao Ministério do
Interior para os fins de supervisão ministerial de que tratam o Decreto-
lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, e as demais leis e regulamentos
pertinentes ao assunto. (BRASIL, 1970)
As diferenças entre os textos de 1964 e de 1970 são sensíveis. A primeira delas
já se falou sobre, a saída do IBGE. As superintendências dos planos de valorização e a
Comissão do Vale do São Francisco são extintas e dão lugar às superintendências de
desenvolvimento regional e sub-regional, todas conforme o modelo criado com
SUDENE. É criada a SUVALE, a SPVEA torna-se SUDAM, a SPVEFSP divide-se
entre a SUDESUL e a SUDECO, que abarca ainda a Comissão de Desenvolvimento do
Centro-Oeste e a Fundação Brasil Central, que deixam de existir. Mesmo destino tem o
CAT, os governadores dos Territórios Federais ficam subordinados diretamente ao
ministro do Interior. A SERFHAU, criada pela Lei nº 4380/64, transfere-se para o
MINTER – assim como o BNH, criado pela mesma Lei – e assume as funções da
extinta SENAM, convertida em um Departamento dentro da Superintendência. O
Parque Nacional do Xingu passa a ser dirigido pela nova entidade responsável pela
10
política indígena, a FUNAI, que substitui o antigo SPI, que não estava no formato
original do MECOR. A Comissão Especial da Faixa de Fronteiras deixa o MINTER e
passa a ser coordenada pela Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional
(CSN).
Trata-se de mudanças substanciais, muito mais do que mera nomenclatura. O
texto de 1970 apresenta um arranjo institucional muito mais coerente e coordenado de
entidades, que se uniformizam no que tange a modos de operação e metas a atingir. O
desenvolvimento se torna o caráter central desse ministério, suprimi qualquer
ambiguidade; fato visível pela proliferação de superintendências de desenvolvimento
justapostas aos bancos regionais, a maioria deles existentes previamente. Ao caráter
central soma-se a política voltada para os municípios e a política indígena. A política
migratória, prevista no Decreto-Lei de 1967 só será estabelecida efetivamente no
MINTER após 1970. O caráter e o sentido do MINTER ao longo de toda sua trajetória
são definidos em seus aspectos estruturais neste intervalo entre 1964 e 1970, doravante
chamado de fase de institucionalização.
Desde a criação do MECOR até a sua definitiva revogação, o MINTER teve
um total de nove ministros (sem contar os provisórios)10
, quase todos eles (até 1985)
militares, exceção feita a Maurício Rangel Reis (15/03/1974 a 15/03/1979), economista,
ministro durante o governo do general. Ernesto G. Geisel (03/1974 a 03/1979). A base
instituída em 1970 sofreu alterações em alguns aspectos específicos somente em 1975
através do Decreto 75.444, mas a estrutura geral se mantém. Em 1985 o MINTER perde
as funções relativas ao desenvolvimento urbano e meio ambiente11
pelo Decreto nº
91145/1985, em 1990 são extintas as superintendências de desenvolvimento regional e
outros órgãos subordinados ao MINTER via Medida Provisória nº 151/1990 e pela Lei
nº 8028 de abril de 1990 o ministério é definitivamente extinto.
Nestes primeiros anos duas figuras proeminentes das Forças Armadas estão
entre os ocupantes do cargo de ministro: o mar. Oswaldo Cordeiro de Farias (de junho
de 1964 a junho de 1966) e o gal. Afonso Augusto de Albuquerque Lima (abril de 1967
a janeiro de 1969). Entre eles, de junho de 1966 e abril de 1967, assume o cargo o
agrônomo João Gonçalves de Souza, superintendente da SUDENE enquanto Cordeiro
de Farias era o ministro.
10
Ver apêndice 1. 11
O MINTER foi pioneiro na formação de um aparato burocrático-administrativo voltado para a política
ambiental com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) através do Decreto nº
73.030/1973. Para outras informações sobre a SEMA ver Iorio (2010).
11
Esses anos revelam também dois estilos político-ideológicos de certa maneira
distintos: os “castellistas” de Cordeiro de Farias, e os “linha-dura”12
de Albuquerque e
Lima (SKIDMORE, 1988). Ambos renunciaram ao cargo por divergências políticas; o
primeiro por discordar do processo sucessório do mar. Humberto de Castello Branco,
quando eleito o mar. Arthur da Costa e Silva, e o segundo por discordar da política
econômica em vigor pelo então ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto. Com a
renúncia de Albuquerque Lima, assume o MINTER José da Costa Cavalcanti, outro
militar que até então ocupava o cargo de ministro das Minas e Energias. Quando José da
Costa Cavalcanti assume o cargo, a institucionalização da pasta e sua forma de ação já
estavam assentadas em bases claras. No exercício de João de Souza, o sentido geral da
institucionalização do MINTER impresso pelo seu ex-superior se manteve. Na
mensagem presidencial de sua posse, Castello Branco menciona:
Cabe a Vossa Excelência substituir o General Oswaldo Cordeiro de
Farias no Ministério da Coordenação dos Organismos Regionais. É
uma garantia de continuidade administrativa, de continuado esforço na
conquista de objetivos já planejados e de mesma eficiência.
Temos certeza dessa não solução de continuidade, porque conhecemos
o desempenho que Vossa Excelência deu ao cargo de Superintendente
da SUDENE e como enquadrou a sua gestão na orientação e nas
decisões do Ministro Cordeiro de Farias. (BIBLIOTECA DA
PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 1964)
O período entre a posse de Cordeiro de Farias e a renúncia de Albuquerque
Lima é o intervalo temporal da análise a que se propõe esta tese. O ministro João de
Souza não impôs uma marca própria à institucionalização do MINTER e, por esta razão,
não será analisado com a mesma efetividade. Não que este recorte seja representativo de
todo o exercício do MINTER, mas é nele que se define o conteúdo substantivo da
prática de governamentalização do território que irá ser praticada ao longo de seus vinte
e seis anos de existência.
12
Na verdade, a clivagem de “linha dura” denota um segmento diversificado e nem tão articulado de
militares, e a posição de Albuquerque Lima não converge plenamente com estes. Para uma análise mais
profunda que evidencia a pluralidade a não organicidade do que se convencionou chamar de “linha-dura”
ver Chirio (21012). Para o enquadramento dos segmentos políticos das Forças Armadas e das lutas
ideológicas na sociedade como um todo ver o capítulo dois desta tese.
12
O Ministério do Interior, a História da Geografia e a Geografia Histórica
Esta investigação enquadra-se, como gostaria de sugerir, numa apreciação da
história da geografia do Brasil. Não se trata, porém, de uma história das “teorias
teóricas”13
, criticada por Bourdieu (2007a); mas da história da geografia em sua forma
concreta; narrativa carregada de intencionalidade e significados, inserida em disputas e
conflitos simbólicos e concretos (op.cit.). O discurso geográfico14
sobre a ordem
espacial, a composição intelectual de nexos articulando as formas e os conteúdos
espaciais (GOMES, 2006) prescreve e orienta ações objetiva nas formações sociais,
inclusive nos próprios processos de territorialização (ou produção do espaço), ao que
David Harvey (1990), chamaria de estudo das representações geográficas como parte do
movimento geral de reprodução social.
Os discursos sobre o território convergem com a formação territorial em si,
implicando, do ponto de vista analítico, que os estudos de história da geografia se
encontrem com aqueles da geografia histórica (ZUSMAN, 2000). Essa confluência
destacou o papel das práticas, sujeitos e instituições que protagonizam a construção da
representação geográfica do mundo, manifestadas nas formações territoriais de fato15
. A
formação social brasileira em muito passa pela constituição de seu território, e a
formulação de um vasto e diverso imaginário geográfico do país atravessa esse processo
(MORAES, 2000). O discurso sobre a ordem espacial é parte da legitimação dos
projetos territoriais:
É possível que fique óbvio o fato de que, a certa formação territorial,
deva proceder uma modalidade discursiva e um conteúdo substantivo
e que, por intermédio de ambas, viabilize-se a legitimidade ideológica
e a consecução prática daquele projeto que o construiu
materialmente.” (ESCOLAR, 1996. p. 141)
13
“Diferentemente da teoria teórica – discurso profético ou programático que tem em si mesmo o seu
próprio fim e que nasce e vive da defrontação com outras teorias –, a teoria científica apresenta-se como
um programa de percepção e de acção só revelado no trabalho empírico em que se realiza. Construção
provisória elaborada para o trabalho empírico e por meio dele, ganha menos com a polémica teórica do
que com a defrontação com novos objetos” (BOURDIEU, 2007a. p. 59) 14
Emprego o termo “discurso geográfico” de forma genérica e maleável, sem preocupação nem intenção
de referência a um conceito estável e bem delimitado. Para este debate, ver Escolar (1996) e Moraes
(2002). 15
O trabalho de Zusman (op.cit.) sobre a fronteira é bastante ilustrativo neste sentido: “Las prácticas
materiales y discursivas respecto de la frontera se producen sobre las prácticas materiales y discursivas
del outro. Geografías materiales, discursivas, imaginadas, se yuxtaponen en la definición política de la
frontera”. (As práticas materiais e discursivas sobre a fronteira se produzem sobre as práticas materiais e
discursivas do outro. Geografias materiais, discursivas, imaginadas, se justapõem na definição política da
fronteira [Tradução Livre]) (ZUSMAN, op.cit., p. 46).
13
As modalidades discursivas de que fala Marcelo Escolar são instrumentos e
meios de ação e realização do poder simbólico convertido em poder de conformação da
realidade social. É relevante atentar para o fato de que, no campo científico ou fora dele,
as teorias e discursos ganham ou perdem legitimidade não somente pela sua eficácia
interna, mas também pelos instrumentos de ação e penetração sociais mais eficazes que
as teorias concorrentes (BERDOULAY, 2008).
A historiografia da geografia tem avançado na compreensão do significado de
seus enunciados nas formações sociais concretas. Compreender as histórias da geografia
através da análise de seus discursos concretos é uma tarefa empregada por Félix Driver
(1992) por meio da concepção segundo a qual as modalidades discursivas são práticas
sociais situadas:
Broadening the scope of the critical history of geography during the
age of empire would allow us to consider more directly the cultural
and political dimensions of geographical knowledge during this
period. This is not necessarily to abandon a materialist approach; the
development of ‘knowledge’ would instead be grasped as a situated
social practice rather than a spontaneous reflex of the imperatives of
economic development. (p.28)16
A meu ver, a concepção do discurso geográfico como prática social situada
resume o que foi dito até então nesta seção. Esta noção implica em reconhecer as
modalidades discursivas em seus sentidos intencionais e relacionais, visualizar os
sujeitos portadores e sua dinâmica íntima de produção. Este horizonte analítico também
é apontado por Vincent Berdoulay (1981) em sua abordagem contextual. O contexto a
qual se refere Berdoulay é mais objetivo do que aquele de que trata Harvey (op.cit.), não
está focado majoritariamente na escala ampla (que para Harvey é a da reprodução do
capital), atenta-se para questões mais palpáveis e bastante significativas. No foco da
análise sobre a história da geografia estão aspectos de continuidade e descontinuidade
de ideias; o resgate de “ideias vencidas”, tendências significativas à época abordada que
não podem ser negligenciadas; o contexto social mais amplo; os intercâmbios e debates
de pensamento e, por fim, as razões que justificam o uso destas ou daquelas ideias.
As investigações derivadas desta perspectiva metodológica têm se afastado da
busca pelos grandes sistemas teóricos no universo restrito das ideias, direcionando-se
16
“Ampliar o escopo da história crítica da geografia durante a era dos impérios poderia nos permitir
considerar mais diretamente as dimensões culturais e políticas do conhecimento geográfico durante este
período. Isto não é necessariamente abandonar uma abordagem materialista, o desenvolvimento do
‘conhecimento’ seria ao invés apreendido como uma prática social situada mais do que um reflexo
espontâneo dos imperativos do desenvolvimento econômico.” (Tradução Livre)
14
para os “pequenos usos” na história da geografia. Por “pequenos usos” – na falta de
expressão melhor – entenda-se os enunciados concretos, contextualizados, socialmente
situados por agentes reais em circunstâncias empíricas da formação social e territorial.
Esta abordagem historiográfica enriquece a análise da geografia histórica das formações
sociais em si, e também fornecem um instrumental capaz de acessar a riqueza e a
diversidade das ideias. Isto porque, em contextos concretos, as ideias são sempre
reinventadas, nunca são simples reprodução, cópias fiéis de concepções teóricas
anteriormente formuladas. Berdoulay (1988) expõe o caráter criativo com que ideias
distintas – mesmo que contraditórias entre si – são combinadas e ajustadas ao contexto
material e simbólico em que estão dadas, ganhando conteúdos novos em relação aos
originais17
. As tradições do conhecimento (LIMA, 2002, 2008), os conjuntos de saberes,
modos de ver e decodificar o mundo que funcionam como matrizes interpretativas,
formas de levantar questões e equacionar explicações são sempre recriadas nas
situações concretas em que são chamadas, nunca são tomadas em estado puro, mas sim
em resposta aos imperativos da ocasião e ajustadas aos conglomerados ideológicos já
estabelecidos (MACHADO, 2000).
As tradições são constantemente recriadas em novas modalidades discursivas
na medida em que se apresentam em cada contexto, orientado pela intencionalidade de
quem a emite. Representações formadas a partir destas tradições são materializadas
através dos mecanismos de poder (BOURDIEU, op.cit.), convertendo-se em objetos
ativos e prescritivos da vida social18
.
Por esta trilha a história da geografia é enriquecida não só quando é posta ao
lado da geografia histórica, mas também quando se dá conta das multiplicidades de
sujeitos que reinventam as tradições do conhecimento, ofertando grande diversidade de
discursos geográficos a serem investigados. Uma das linhas de investigações mais
17
“La façon dont ces idées sont utilisées ou invoquées n’implique pas toujours qu’elles le soient selon la
conception générale qu’en avait leur premier auteur. Elles peuvent très bien être coupées de leurs
ramifications avec la pensée totale du maître. C’est pourquoi elles ne dessinent pas, seules, une
configuration stable comme celle que la notion de paradigme a essayé de saisir. Leurs recompositions et
articulations changeantes avec des idées issues d’autres sources ne leur donne pas une structure durable. »
(p. 406). (“A forma cuja essas ideias são utilizadas ou evocadas não implica sempre que elas saiam
segundo a concepção geral que tinha seu primeiro autor. Elas podem muito bem ser cortadas de suas
ramificações com o pensamento total do mestre. É porque elas não desenham, sozinhas, uma
configuração estável como aquela que a noção de paradigma tentou alcançar. Suas recomposições e
articulações cambiáveis com ideias procedentes de outros autores fornecedores não lhes dá uma estrutura
durável.” Tradução Livre) 18
“na realidade, as lutas que tem lugar no campo intelectual têm o poder simbólico como coisa em jogo,
quer dizer, o que nelas está em jogo é o poder sobre um uso particular de uma categoria particular de
sinais e, deste modo, sobre a visão e o sentido do mundo natural e social” (BOURDIEU, 2007a. p. 72
nota 16)
15
profícuas e instigantes que se abre é sobre o papel dos discursos geográficos como
mediação no processo de formação dos Estados e das nações, tarefa que tem sido
buscada pela historiografia da geografia brasileira.
O Estado se faz através das relações sociais que o compõem. A afirmativa
parece óbvia, e de fato o é. Entretanto, é comum deparamos com certas análises que
acabam por reproduzir uma visão reificada do Estado, reduzindo suas funções e os seus
sentidos práticos a uma atitude pretensamente racional, apartada dos conflitos e dos
jogos de poder presentes na chamada “sociedade civil”. A concepção relacional do
Estado (ABRAMS, 1988) o interpreta como objeto em disputa, cuja natureza só pode
ser identificada em seu contexto social concreto.
Tomar o Estado como relações sociais implica também reconhecê-lo como
objeto em movimento, ou, dito de outra forma, processo em formação. Por isso Antônio
Carlos de Souza Lima (1995), inspirado em Michel Foucault, prefere falar de processos
de estatização ao invés de Estado. Os processos de estatização ocorrem através das
disputas operadas no interior do campo político19
, mas também além dele. Envolvem-se
nesse processo capitais simbólicos e econômicos. Tradições de conhecimento
convertem-se em formas estatais. O dispositivo estatal é montado por processos de
estatização, de diversas fontes sociais, em momentos históricos dispersos, e seu arranjo
atual é a acomodação entre as heranças do passado e os imperativos do presente. A
execução deste aparato, a maneira pela qual ela é exercida como mediação entre
governo e aqueles definidos como objeto de sua ação (a “sociedade civil”) é a
governamentalização do Estado20
. Dito de outra forma, a governamentalização do
Estado se faz em um complexo campo de disputas onde se define o objeto da ação, seus
meios e suas metas. A este campo chamarei de “campo de poder”. Refiro-me
diretamente à teoria dos campos de Bourdieu (op.cit.):
A teoria geral da economia dos campos permite descrever e definir a
forma específica de que se revestem, em cada campo, os mecanismos
e os conceitos mais gerais (capital, investimento, ganho), evitando
assim todas as espécies de reducionismo, a começar pelo
economicismo, que nada mais conhece além do interesse material e a
19
“O campo político é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes em que nele se acham
envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos,
entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher, com
probabilidades de mal-entendidos tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção.”
(BOURDIEU, 2007a. p. 164) 20
Segundo Foucault (1981): “O que é importante para nossa modernidade, para nossa atualidade, não é
tanto a estatização da sociedade mas o que chamaria de governamentalização do Estado” (p.292)
16
busca da maximização do lucro monetário. Compreender a génese
social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade
específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se
joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é
explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-
motivado os actos dos produtores e as obras por eles produzidas e não,
como geralmente se julga, reduzir ou destruir. (p.69. grifo no original)
Conceber o poder como campo implica em reconhecer a ordem dos conflitos e
os instrumentos das disputas. Significa lançar luz aos aspectos disjuntivos e conjuntivos,
os elementos que agremiam e os que sectarizam, conformando grupos de afinidades21
e
rivais. Lança luz também sobre as hierarquias e as posições de subordinação e
dominação, fazendo necessário compreender os fatores constitutivos de tudo isso.
Recuperar estes fatos constitutivos demanda uma análise genealógica. Conforme
Foucault (1981):
A questão de todas as genealogias é: o que é o poder […]? O que é o
poder, ou melhor – quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos,
em suas relações, os diversos dispositivos de poder que se exercem a
níveis diferentes da sociedade, em domínios e com extensões tão
variados? (p.174)
Assim como os processos de estatização e governamentalização do Estado não
se limitam ao campo político propriamente dito, sua análise também requer a
compreensão de um campo mais amplo, que abarque de maneira intercruzada o campo
intelectual, o político, o econômico, o profissional entre outros. Este entrecruzamento
também pode ser entendido como um campo em si mesmo, com seu próprio capital,
seus dispositivos peculiares.
Esta é a abordagem que orienta a análise do MINTER nesta tese. O MINTER é
uma prática de governamentalização do território, um mecanismo de ação cujo sentido
pode ser buscado através de seu significado enquanto dispositivo dentro de campos de
poder. Neste ponto se impõe uma questão escalar importante. Os campos de poder são
objetivados por agentes sociais cuja ação remonta a níveis diferentes, p.ex.; empresas
multinacionais, agências internacionais, órgãos governamentais nacionais, regionais,
estaduais e municipais, técnicos e empresários locais, etc. Todos esses agentes se
relacionam e através dessa relação forjam campos de poder. Para a compreensão desta
unidade exige-se o reconhecimento de toda aquela multiplicidade, fato que impõe a
21
A ideia de grupos de afinidades está aqui aplicada em sentido parecido aos círculos de afinidades que
Vincent Berdoulay usa em sua análise da formação da escola francesa de geografia(2008) em que se
revelam as interações e os princípios compartilhados entre os intelectuais e outros agentes sociais, como
os políticos e outras pessoas em posição de poder.
17
consideração da escala como relação social objetiva (MACKINNON, 2010) e a
multiescalaridade (BENSA, 1996).
Ao analisar a prática de governamentalização do MINTER é evidente que
fatores de ordens diferentes mas interdependentes são acionados. Na fase de
institucionalização do ministério – contemplado nessa pesquisa – é perceptível que a
montagem do desenho institucional do ministério responde a imperativos geopolíticos
relativos ao movimento de mundialização do capitalismo, assim como questões
específicas da formação social brasileira e também aspectos próprios dos sujeitos
envolvidos e seus agrupamentos políticos mais diretos. Não quero sugerir com isso um
“encaixe” entre escalas pré-estabelecidas (local, nacional, global, p.ex.), ao modelo do
russian dolls22
, que simplifica as menores escalas a meros arranjos simplificadores do
processo global. Esta concepção escalar pressuporia uma hierarquia entre os níveis da
análise, do mais simples ao mais complexo (o nested hierarchies23
), o que não me
parece apropriado.
A formação de um campo de poder se faz em diferentes níveis, mas não
sobrepostos uns aos outros. Seria, na minha concepção, tanto errôneo reduzir esse
fenômeno às determinações da ordem mundial de reprodução do capital, quanto ignorar
este fato e reduzir o processo aos desígnios de seus sujeitos proponentes pura e
simplesmente. A compreensão do fenômeno não está nem em um nem noutro, mas em
ambos a uma só vez. E a simultaneidade não reside no encaixe, mais sim na
continuidade. Dito de outra forma, todas as escalas se encontram em uma coisa (ou um
processo) que só que se explica por fenômenos oriundos de diferentes níveis.
O exemplo da institucionalização da prática de governamentalização do
MINTER pode ser elucidativo. Ocorrido na segunda metade da década de 1960, ele
enquadra-se perfeitamente no contexto da Guerra Fria no Brasil, no fortalecimento das
empresas transnacionais. Por outro lado, se vertemos a mirada para a formação social e
territorial brasileira, percebe-se que o mesmo ministério é caudatário de uma longa
tradição de esforços no sentido de modernização do país e de seu território. Se, de outra
feita, contempla-se o MINTER pelos seus ministros, Cordeiro de Farias e Albuquerque
Lima, se nota uma visão do país marcada pelo peso de sua instituição profissional (o
Exército brasileiro) e pelas suas relações pessoais e políticas particulares. Todos estes
22
“Bonecas russas”, em referência ao brinquedo. Trata-se de uma metáfora muito utilizada na bibliografia
mais recente sobre escala para criticar as concepções escalares rígidas. Para esta crítica ver Marston,
Jones III, Woodward (2005). 23
“Ninhos hierarquizados” é a metáfora utilizada por Howitt (2008).
18
prismas representam muito mais que escalas sobrepostas, são múltiplas dimensões de
um mesmo processo. Os ministros são parte da Guerra Fria, assim como esta se define
em alguma medida pela ação daqueles; ambos também são significados pelos elementos
da formação territorial do Brasil que, por sua vez, ganha novo sentido a partir de então.
Não são três processos que somados formam uma unidade, é um só processo.
Desta forma, chegamos à delimitação definitiva dos contornos teórico e
metodológicos desta pesquisa. Interessa-me investigar o processo de institucionalização
do MINTER (1964-1969) enquanto uma prática de governamentalização do território e
dispositivo dentro de campos de poder. O que explica esta institucionalização? Ao que
pude examinar, o conteúdo e o significado deste processo pode ser explicado através da:
i) formação social e territorial brasileira e seus aspectos particulares da segunda metade
do século XX; ii) a posição social, política e institucional dos sujeitos que o encabeçam
(os ministros); iii) a lógica de dois campos de poder complementares, edificados a partir
do ocaso da Segunda Guerra Mundial: o do desenvolvimento e da segurança nacional.
Nesta prática de governamentalização não interessa investigar suas
consequências materiais, isto é, o que se fez e o que não se fez sobre o território.
Tampouco interessam as grandes planificações, que revelam um conjunto articulado e
abstrato de intenções. Apesar de serem ambas as hipóteses matéria valiosa para muitas
análises possíveis, nesta investigação pretendo alcançar o nível mais concreto da
governamentalização, sem perder a dimensão do plano. Situo minha análise no imediato
encontro entre a planificação e a execução, sem ser efetivamente nem um nem outro.
Entendo esse encontro como a governamentalização em si, fato que se revela nos
projetos de ação (LIMA, op.cit.). A apreciação sobre a base documental em que repousa
a análise pode contribuir ao esclarecimento dessa perspectiva.
Sobre as fontes da pesquisa
Meu contato com a documentação do MINTER vem da minha pesquisa de
mestrado, desenvolvida entre Março de 2008 e Março de 2009. Esta pesquisa (IORIO,
2010) estudou a revista INTERIOR, uma publicação oficial desse ministério editada
entre 1974 e 1989, em um total de setenta edições. Na ocasião, fui ao Arquivo Nacional
em Brasília, a instituição arquivística24
em que oficialmente está depositada a
documentação do MINTER. Pretendia nesta busca encontrar fontes relevantes que me
24
Expressão usada por Castro (2008).
19
pudessem esclarecer algo sobre a revista, o porquê de sua criação, orçamento, pessoal,
etc. A busca não logrou êxito, e pouco pude extrair dos documentos examinados;
felizmente consegui contatar a editora-chefe da revista, Valéria Velasco, que me
forneceu uma entrevista importante para responder muitas das perguntas que me
guiavam. A opção metodológica da pesquisa foi refeita a partir de então.
Ao ingressar no doutorado, desta vez disposto a pesquisar o MINTER em si,
pressupus esse mesmo arquivo como minha base fundamental de onde se extrairiam os
documentos que consubstanciariam a pesquisa. Foi munido da intenção de buscar
elementos suficientes para examinar a prática de governamentalização do MINTER que
me dirigi ao Arquivo Nacional novamente. Antes, foram necessárias algumas reflexões
de ordem metodológica.
As práticas de governamentalização não poderiam ser reduzidas à bases
legislativas, aos pronunciamentos e discursos; ou às compilações de dados, números e
estatísticas sobre ações e inversões. Seria necessária uma base documental que dê conta
de revelar no cotidiano do ministério aspectos que fundamentam os modos de ver e
conceber sua prática. Neste sentido, é pertinente e enriquecedora para a análise sobre a
administração pública a sugestão de Lima (1995):
Sua análise [da administração pública] não pode, porém, se resumir a um
trabalho de arrolamento de leis e regulamentos administrativos, muitas
vezes sem sequer declarar seu estatuto diferencial e limites de atribuição.
Ainda que estes sejam matérias-primas importantes não se pode nem
desprezá-los nem autonomizar o estudo do texto da lei, prescindindo-se
de interpretá-los como peças de projetos de ação, cujo sentido só pode
ser melhor apreendido em estudos que considerem também – mas não só
– sua execução, perceptível através de investigações específicas. (p.96.
grifo nosso.)
Esta base documental está em geral depositada em instituições arquivísticas,
responsáveis pela organização e disposição dos documentos, tarefas fundamentais que
se refletem nas possibilidades de alcance das pesquisas. A pesquisa arquivística é uma
maneira de “dar voz” a sujeitos históricos a partir daquilo que se quer compreender
contemporaneamente; é uma reconstrução histórica que tem como fim inserir o passado
no presente25
(ZUSMAN, 2000). Há aí dois extremos: os sujeitos que produziram a
25
“Pero también podríamos preguntarnos si este interés por la reconstrucción histórica no supone, de
manera contraria entonces, la necessidad actual de que el passado se inmiscuya em nuestro presente.”
(Mas também poderíamos perguntar se este interesse pela reconstrução histórica não supõe, de maneira
contrária então, à necessidade atual de que o passado se imiscua em nosso presente [Tradução Livre])
(ZUSMAN, op.cit. p.106).
20
documentação em suas práticas e o pesquisador que se dirige a essa documentação com
perguntas que são dele, e não do sujeito primeiro. Há ainda um terceiro elemento que é
a mediação entre os dois extremos, representada pela instituição arquivística, com seus
procedimentos próprios, regidos por princípios técnicos adaptados às especificidades
dos documentos geridos.
Vários encontros e desencontros resultam desta tripla incidência. Em primeiro
lugar, o pesquisador procura por algo que não forçosamente foi formulado de maneira
clara e objetiva pelo seu sujeito pesquisado, com isso, a resposta para o inquérito do
investigador estará, provavelmente, disperso em documentos avulsos, e não em um
documento pronto, definitivo e conclusivo. Em segundo lugar, o acesso a esses
documentos dispersos se dará por intermédio dos critérios de organização escolhidos
pelo arquivador; não necessariamente coincidentes com aqueles do sujeito e – menos
provável ainda – com os do pesquisador. Os princípios de ordenação do arquivamento
precisarão ser minimamente decifrados para facilitar o acesso àquilo que se busca.
Por todo este complexo percurso, os arquivos revelam aquilo que eles mostram
e também o que não mostram. O investigador carece de zelo para não reproduzir
acriticamente i) a intenção do sujeito, ao refletir justamente o que ele quis mostrar e
silenciar sobre o que não foi pronunciado; ii) ou os princípios e conceitos do arquivador,
que impôs (mesmo que de forma técnica, e não totalmente arbitrária) seus critérios de
ordem sobre os documentos.
Este zelo, recomenda Antônio C. de Souza Lima (op.cit.), implica em que o
pesquisador esteja munido de perguntas seguras, assentadas em critérios claros para que
o objetivo da consulta logre êxito. Em função de a lógica de ordenação dos documentos
serem alheias aos interesses de pesquisa, a clareza sobre aquilo que se busca auxilia o
pesquisador a encontrar as trilhas dos documentos necessários para responder sua
própria questão. Na medida em que vão se revelando os conteúdos dos documentos,
outras questões relevantes surgem, o que parece enriquecedor para a análise; mas há que
se ter sempre a precaução em não reproduzir princípios alheios à investigação.
Esses cuidados foram valiosos no enfrentamento da documentação do
MINTER. Os primeiros contatos com o arquivo passaram a nítida impressão de que eu
era um “geógrafo em terra estrangeira”, tão inusitada me era a “situação de campo” em
arquivo público. Lidar com arquivos é uma prática comum em outras disciplinas, daí
decorre certa familiaridade com pesquisas documentais, estranha à formação de um
geógrafo, ou mais particularmente à minha formação, em que não fui incitado a esta
21
prática, muito menos à reflexão teórica sobre ela. De toda sorte, busquei nos arquivos
por alguma base de documentos que revelasse a governamentalização praticada pelo
MINTER a partir de sua lógica própria. Como estava intencionado em verter a análise
para os projetos de ação, e não para as “grandes planificações” nem para o inventário de
obras e gastos, me era necessário encontrar algo que estivesse no intermédio destes dois
extremos. Busquei principalmente algo que pudesse ser organizado em sequências
seriadas, algo que identificasse sistematicamente uma prática.
A documentação disponível estava organizada em uma base digitalizada, mas a
consulta ao sistema de busca e aos documentos em si só pode ser efetuada na sede do
Arquivo Nacional de Brasília. Esta base chegou ao Arquivo Nacional via Ministério do
Planejamento, instituição responsável por organizar os documentos quando o MINTER
foi extinto, em 1990. No sistema digital a busca se faz por entradas livres nas
categorias: fundo, subfundo, grupo e subgrupo. Preenchi o fundo “Ministério do
Interior” com praticamente todas as combinações possíveis entre as demais categorias.
Desta busca deu-se uma primeira seleção de cerca de cinco mil documentos, a maioria
deles examinei pelas ementas e outros tantos pelo documento físico.
Fundamentalmente, estes documentos diziam respeito a pareceres jurídicos de projetos,
anteprojetos de leis, convênios e parcerias com prefeituras (para construir obras, liberar
recursos de assistência, projetos comunitários, etc.). Há também convênios com
institutos de pesquisa, como o IBGE, esboços de regimentos dos órgãos subordinados, e
coisas do gênero. Alguns documentos emitiam conteúdos que poderiam parecer mais
substantivos, mas estavam sempre isolados, o que dificultou os contextualizar e, a partir
daí, extrair qualquer significado. Além disso, esses documentos me forneciam uma
visão muito parcial e fragmentada da prática de governamentalização do MINTER. Não
encontrei ali qualquer possibilidade de seriação mais sistemática. Os documentos de
mesma natureza tinham procedências diversas ou intervalos temporais muito longos.
Trabalhei com essa documentação por dois anos, tentando estruturar alguma
base consistente e que me fornecesse conteúdos substantivos sobre a prática de
governamentalização do MINTER. Estava com muitas dificuldades, e as possibilidades
de se extrair elementos suficientes para realização da tese não eram animadoras; a
discrepância entre os documentos disponíveis e os propósitos da pesquisa era gritante.
Foram procurados relatórios ministeriais, atas de reuniões, cartas de ministros a seus
superiores ou subordinados, ou qualquer outro material que indicasse os propósitos que
orientaram a prática de governamentalização do MINTER. Entretanto, é flagrante a
22
ausência de documentos de conteúdos mais substantivos. Segundo Torres (1989), o
MINTER primou cuidadosamente da administração dos documentos produzidos26
,
porém, o trabalho dela se refere à prática de documentação iniciada já no fim da década
de 1970, quando já se passavam mais de dez anos de funcionamento desse ministério.
De toda forma, mesmo considerando a documentação a partir deste período, a flagrante
ausência de documentos com a natureza desejada permanece válida.
Esta me parecia uma situação incontornável, um empecilho difícil de superar e
que comprometeria forçosamente o bom andamento de minhas pesquisas. Cheguei a
crer que estes documentos poderiam não mais existir. Imaginei isso frente ao que
prescrevia o Decreto nº 79.099 de 06 de janeiro de 1977, assinado pelo então presidente
da República Ernesto Geisel e seu ministro da Justiça Armando Falcão. Este decreto
trata da salvaguarda de assuntos sigilosos, sua tipologia e aplicação, na seção seis
“Destruição” do capítulo IV “DOCUMENTOS SIGILOSOS” a prática de destruição de
documentos está prescrita da seguinte maneira:
Destruição
Art. 70. À autoridade que elabora documento ULTRA-SECRETO,
SECRETO ou CONFIDENCIAL, ou autoridade superior, compete
julgar da conveniência da respectiva destruição e ordená-la
oficialmente.
§ 1º Os documentos RESERVADOS não controlados serão destruídos
por ordem da autoridade que os tenha sob custódia, desde que, perdida
a oportunidade ou a utilidade, sejam por ela julgados desnecessários.
§ 2º A autorização para destruir documentos sigilosos constará do seu
registro.
Art. 71. Os documentos sigilosos serão destruídos pelo responsável
por sua custódia, na presença de duas testemunhas.
Art. 72. Para a destruição de documentos ULTRA-SECRETOS e
SECRETOS, bem como de CONFIDENCIAIS e RESERVADOS
controlados, será lavrado um correspondente "Termo de Destruição",
assinado pelo responsável por sua custódia e pelas testemunhas, o
qual, após oficialmente transcrito no registro de documentos sigilosos,
será remetido à autoridade que determinou a destruição e ou à
repartição de controle interessada. (BRASIL, 1977)
Frente a este decreto, imaginei que os documentos que buscava poderiam ter
sido objeto de destruição. Mesmo que tenha sido oficializado já no fim da década de
1970, quando já se tinham aí treze anos de funcionamento do MINTER (contando sua
26
“É importante salientar que o controle e a preservação da produção documentária do MINTER sempre
se constituiu numa grande preocupação para a Coordenadoria de Documentação - COD. Já em 1977, sua
programação incluía projetos voltados para esses aspectos. Haja visto o Projeto do Módulo Documentos
Oficiais do Sistem Eu. (sic) Documentação do Ministério do Interior, que definiu a política de
identilicaçao (sic), reunião, controle, normalização, tratamento técnico, distribuição e disseminação de
seus documentos oficiais.”(TORRES, 1989. p.188)
23
existência como MECOR), esse decreto revela uma prática oficial de destruição que
poderia se imaginar vinha sendo adotada corriqueiramente.
Em minha terceira visita ao arquivo, no último ano da pesquisa, em 2014,
vivia-se um movimento de elevação dos ânimos em relação às pesquisas e investigações
debruçadas sobre os arquivos do período do regime militar. Isto por duas razões
principais: i) porque neste ano completaram quarenta anos do golpe de 1964,
reacendendo o assunto na opinião pública em geral; ii) em função do andamento dos
trabalhos realizados pelo projeto “Memórias Reveladas” 27
. Este projeto, segundo a
página “Histórico” de seu site, começou em 2005 através do Decreto nº 5.584, que
transferiu a guarda dos documentos do Conselho de Segurança Nacional (CSN) da
Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para o Arquivo Nacional. Mas foi entre
agosto de 2013 e março de 2014 que cerca de treze milhões destes documentos, depois
de um longo processo, foram digitalizados. Esta digitalização facilitou a consulta aos
documentos. Interesses acadêmicos, de pesquisa, ou pessoais, sobre perseguição,
processos, etc., voltaram-se para estes documentos. Minha pesquisa que também
versava sobre o regime militar, estava agora em um ambiente mais favorável.
Assim, nesta terceira visita, alguns pesquisadores do projeto trabalhavam no
próprio prédio do Arquivo Nacional, em uma sala reservada ao lado da sala de consulta
pública28
. Durante um dos intervalos da busca, em uma conversa despretensiosa com a
funcionária do Arquivo que me atendeu29
, falávamos sobre o trabalho desses
pesquisadores e a questionei sobre a possiblidade deles encontrarem algo que poderia
ser do meu interesse. Foi desta questão que avançamos a conversa sobre a base em que
estava trabalhando, mencionei toda a dificuldade que estava encontrando e ela referiu-se
27 Segundo o site do programa:
“O Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado "Memórias Reveladas", foi
institucionalizado pela Casa Civil da Presidência da República e implantado no Arquivo Nacional com a
finalidade de reunir informações sobre os fatos da história política recente do País.
Dando continuidade a iniciativas dos últimos governos democráticos, em novembro de 2005, o Presidente
Lula assinou decreto regulamentando a transferência para o Arquivo Nacional dos acervos dos extintos
Conselho de Segurança Nacional, Comissão Geral de Investigações e Serviço Nacional de Informações,
até então sob custódia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e passou à Casa Civil a coordenação
do recolhimento dos arquivos.
O Centro constitui um marco na democratização do acesso à informação e se insere no contexto das
comemorações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um pedaço de nossa história
estava nos porões. O ‘Memórias Reveladas’ coloca à disposição de todos os brasileiros os arquivos sobre
o período entre as décadas de 1960 e 1980 e das lutas de resistência à ditadura militar, quando imperaram
no País censura, violação dos direitos políticos, prisões, torturas e mortes. Trata-se de fazer valer o direito
à verdade e à memória.” 28
Nas outras vezes em que estive no Arquivo Nacional de Brasília não notei a presença desses
pesquisadores, não sei dizer com exatidão se estavam lá ou não. 29
A funcionária chama-se Deyse, a quem agradeço fortemente.
24
à existência de alguns documentos de naturezas diversas que estavam dispersos e
depositados em outra base, oriundos de outra entrada, mas que ela sabia que encontraria
material do MINTER lá.
Esta base – doravante segunda base – (ARQUIVO NACIONAL, 2000) está
organizada em dois grandes fichários (o conteúdo não está digitalizado) que elencam
verbetes de entrada, agrupados em ordem crescente pelas caixas em que estão
depositados os documentos (1, 2, 3,…). Não foi possível, no entanto, acessar qualquer
pista sobre os critérios de ordenação das caixas. Segundo o guia de fundos do Arquivo
Nacional, em sua página 23, o Fundo/Coleção MINISTÉRIO DO INTERIOR foi
organizado pela Coordenação de Documentos Escritos (CODES) e Coordenação de
Documentos Audiovisuais e Cartográficos (CODAC) do Arquivo Nacional, e
identificada pela Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal
(COREG). A consulta aí foi difícil, a organização dos arquivos é intrincada, os referidos
fichários acusavam entradas as mais diversas. Mas o universo documental contido nesta
segunda base veio a ser, para os fins desta pesquisa, muito mais rico que o anterior. Aí
foram encontrados registros a respeito das Comissões Coordenadoras do Ministério do
Interior (CCMI)30
, atas sobre propostas de reforma do ministério, entre outros tantos
documentos que podem ser úteis às pesquisas de variados interesses, se houver
paciência e persistência para situar-se no arquivo.
Deste universo variado, considerei como material mais valioso para o que
estava buscando foram os cadernos com as Exposições de Motivos do MINTER.
Segundo o Manual de Redação da Presidência da República (BRASIL, 200231
), em seu
item 4:
Exposição de motivos é o expediente dirigido ao Presidente da
República ou ao Vice-Presidente para:
a) informá-lo de determinado assunto;
b) propor alguma medida; ou
c) submeter a sua consideração projeto de ato normativo.
Em regra, a exposição de motivos é dirigida ao Presidente da
República por um Ministro de Estado.
30
As CCMI’s eram comissões cuja finalidade era a de criar um espaço de interlocução entre as diferentes
esferas do MINTER com apresentações dos chefes do gabinete do ministro e dos órgãos subordinados, os
encontros ocorriam duas vezes ao ano, a partir de 1971. Tinha conhecimento prévio da existência destas
Comissões pelo trabalho que já vinha desenvolvendo sobre o MINTER e a revista INTERIOR (IORIO,
2010) e desde então busquei insistentemente informações sobre ela na primeira base de dados, em vão. 31
Uso uma definição atual de Exposição de Motivos por não ter encontrado a definição em manuais
contemporâneos ao período histórico estudado. De toda forma, ao acompanhar a definição do conceito
nos manais da década de 1990 para cá não houve nenhuma alteração, o que leva a crer que se trata de uma
definição consensual.
25
Nos casos em que o assunto tratado envolva mais de um Ministério, a
exposição de motivos deverá ser assinada por todos os Ministros
envolvidos, sendo, por essa razão, chamada de interministerial. (s/n)
Este foi um canal direto entre ministros e presidentes da República, através
dele aqueles se apresentam em seus princípios a este. Matérias como: pedidos de revisão
de orçamento, apresentação de anteprojetos de lei, movimentação de funcionários e tudo
o mais que o ministro julgue relevante de ser comunicado, solicitado ou reclamado
passa pelas E.M. Ao exporem seus motivos, os ministros revelaram quais as prioridades,
o que entendem como demandas, quais as formas de equacioná-las; em suma, a
orientação política com a qual coordenam sua pasta e também como esta se relaciona
com a orientação geral do governo.
Ao me deparar com as E.M. convenci-me que estes documentos estavam mais
próximos dos propósitos desta investigação. As E.M. expressam a comunicação entre o
planejamento e a execução, estão na imediata interface entre ambos. Elas são algo mais
palpável que os planejamentos que se fazem periodicamente baseados em intenções, ou
os discursos e escritos que idealmente tratam do que é e do que deveria ser feito. Ao
mesmo tempo, são mais abstratas, mais próximas do nível teórico do que um inventário
de obras, ou um orçamento de gastos e investimentos; seria a forma mais concreta dos
planos de ação de governamentalização. Dadas estas possibilidades, optei por tomar
definitivamente as E.M. como base de análise e abandonar o esforço feito até então, que
não havia surtido efeitos maiores, considerando a qualidade e a dispersão do material,
como já observado. Outras escolhas metodológicas precisaram ser feitas diante desse
material, como extrair dele as respostas às perguntas que eu carregava?
As E.M. do MINTER estão organizadas em brochuras por ano e distribuídas
em pastas. Para cada ano há cadernos suplementares distribuídos por setores (pessoal,
organização, administração geral, obras e orçamento) replicando os documentos
arquivados no caderno geral. Têm um formato padrão: cabeçalho com a data, lugar e
identificação da E.M.; cumprimento respeitoso ao presidente; o texto expondo os
argumentos; cumprimento formal e assinatura do ministro32
. O tamanho era variável,
entre uma lauda até cinquenta ou sessenta, mas a maioria tinha entre duas e três. Os
conteúdos também eram diversos, tratavam de questões relativas ao funcionalismo, de
obras e compra de equipamentos, anteprojetos de lei, demandas orçamentários, pedidos
32
Ver a E.M. nº01/1964 como exemplo no Anexo 1.
26
de isenção fiscal, relatórios ministeriais, prestação de contas e coisas afins33
.
O material, tomado em conjunto, tinha algumas vantagens evidentes. A
primeira delas é a anteriormente explicitada, a natureza do documento, que permite ao
analista observar o propósito do ministério, suas intenções e sentidos; mas sem assumi-
los em um nível demasiadamente abstrato. Outro ponto positivo é o fato deles estarem
dispostos de maneira seriada e numerada. Isto me ofereceu um conjunto unitário, uma
sequência segura, sem lacunas. As lacunas e a falta de sequência tinham me parecido
um grande empecilho na primeira base pesquisada, pois dificultava seguir as
recomendações de Perla Zusman (op.cit.) e evitar reproduzir uma visão parcial dos
documentos, cuja parcela visível poderia ser exatamente aquela que o sujeito produtor
do documento ou o organizador quis evidenciar; ou então mero acidente, nunca se
poderia saber. Também para evitar reproduzir a intenção dos produtores dos
documentos, optei por me debruçar sobre os cadernos principais, com todas as E.M.,
descartando os cadernos temáticos, o que totalizou mil cento e sessenta documentos no
intervalo entre oito de julho de 1964 e vinte e sete de janeiro de 1969.
Desenvolvi a análise dos documentos lendo-os individual e integralmente. Os
sistematizando em um quadro sintético a partir da sua finalidade (orçamento,
institucionalização, isenções fiscais, funcionalismo, etc.) procedências (órgão
interessado), descrição do conteúdo e observações suplementares, quando relevantes.
Este quadro ofereceu uma visão geral sobre o processo em análise. Esta organização me
permitiu ainda tomar o universo documental em seus aspectos tanto de conjunto quanto
individualmente, quando havia algo substantivo explicitado.
A visão do conjunto associada aos conteúdos individuais dos documentos mais
substantivos me permitiu buscar as respostas às minhas perguntas com mais segurança,
possibilitou que acompanhasse os planos de ação no cotidiano do ministério, defrontado
com as dificuldades e possibilidades impostas, como restrições orçamentárias,
desacordos com outros setores do governo ou alterações nos planos iniciais. Enfim, foi
possível, a partir daí, verificar a operacionalização dos planos de governo em planos de
ação de governamentalização propriamente ditos.
Além das E.M., vali-me também de documentos consultados em outras fontes.
Valioso foi o arquivo pessoal de Cordeiro de Farias disponível no arquivo do
CPDOC/FGV no Rio de Janeiro. Nesta base encontrei pronunciamentos e impressões
33
Os documentos foram organizados em tabelas que estão expostas nos capítulos três e quatro.
27
pessoais do ex-ministro do MECOR sobre sua própria atuação e o sentido que procurou
imprimir ao ministério que ele conduzia. A base documental que está sendo montada
pelo programa “Memórias Reveladas”, também do Arquivo Nacional, foi aproveitada
sobretudo pelos documentos relativos a Albuquerque e Lima. Alguns desses
documentos estão disponíveis na internet, outros estão digitalizados mas só podem ser
consultados nas sedes do Arquivo Nacional (de Brasília e do Rio de Janeiro), outros não
estão digitalizados. Utilizei ainda memórias, depoimentos e textos de autoria dos
ministros envolvidos, assim como de pessoas relacionadas diretamente com a
institucionalização do MINTER. Todo este material que concebi como documental está
referenciado na parte de “Fontes de Pesquisa”.
Apresentação dos capítulos
A disposição em capítulos obedece à ordem metodológica da investigação. A
tese está organizada em quatro capítulos, cada um deles corresponde a uma dimensão da
análise. A continuidade de uns aos outros se dá pelo princípio da multiescalaridade. O
capítulo um tem por finalidade contextualizar o MINTER em uma prática de
governamentalização mais geral, a saber, a governamentalização do território no Brasil.
Opera-se aqui em um nível bastante amplo e abstrato. O segundo capítulo pretende ser
uma genealogia dos sujeitos principais desta investigação, Cordeiro de Farias e
Albuquerque Lima. Atêm-se aí às suas respectivas posições e condições de classe
(BOURDIEU, 2007a). Importa compreender o significado da corporação militar no
país, das suas respectivas posições dentro da corporação, seus agrupamentos políticos
dentro das Forças Armadas, fora dela na sociedade como um todo e, principalmente, nas
articulações entre os dois níveis.
O capítulo três dedica-se à apreciação da prática de governamentalização do
MINTER através da genealogia do desenvolvimento enquanto campo de poder.
Interessa compreender como o MINTER configura-se enquanto dispositivo de poder
encarregado de fazer difundir e aprofundar o desenvolvimento, este entendido em sua
significação interna ao campo constituído em torno de si. O capítulo quatro faz
semelhante esforço que o anterior, entretanto o foco recai sobre a segurança nacional
como campo de poder. Explora-se aí o enraizamento deste campo, suas confluências e
divergências com o desenvolvimento (considerado como um campo de poder correlato)
e a geopolítica. Nestes dois últimos capítulos exploro mais detidamente a base
documental principal, as E.M. Encerro a discussão com algumas considerações finais.
28
29
1. O MINISTÉRIO DO INTERIOR NO CERNE DA MODERNIZAÇÃO
BRASILEIRA
A governamentalização do território pelo Estado é uma prática inerente à
formação dos estados e das nações. A formação social brasileira, pela sua herança
colonial, tem um peso ainda maior do processo de apropriação e valorização do
território (MORAES, 2000; 2005). Visto a partir de uma escala abrangente, o processo
de formação territorial brasileiro segue os imperativos da progressiva inserção
geopolítica do país no capitalismo mundial. Desta forma, é possível afirmar que a
constituição do território deve ser entendida, em caráter geral, a partir da lógica do
“fazer-se moderno”, ou, dito de outra forma, da modernização do país.
Por modernidade me refiro, grosso modo, a todos os processos adjacentes ao
advento e à estabilização do capitalismo moderno (HARVEY, 1992), cujas instituições
básicas seriam “o estado-nação e a produção capitalista sistemática” (GIDDENS,
1991. p. 173). Neste processo operou-se uma dissociação entre o tempo e o espaço, o
“desencaixe” de Giddens. Se tradicionalmente o tempo era preenchido por relações
sociais localizadas (em múltiplas e inter-relacionadas escalas, há de se reconhecer), que
só fazem sentido em um lugar específico (tempo de uma colheita, de uma estação do
ano, de um deslocamento, etc.), o quando inseparável do onde; modernamente o tempo
se associa ao espaço global, não ao lugar; introduz-se o tempo universalizado do
relógio, desprovido de seu conteúdo espacial; genérico, que mede e assenta no mesmo
patamar relações sociais em lugares distintos, acompanhando o processo de expansão e
mundialização do capitalismo.
A instituição deste “tempo universal” teria possibilitado a emergência de uma
socialização mundializada, moderna, em oposição àquela outra, localizada, tradicional.
Importante ressaltar que esta universalização não se deu através de um processo pacífico
que irradia de um ponto privilegiado para atingir outros lugares receptáculos (o “resto”
do mundo). Ao contrário do que prega a versão eurocêntrica da modernidade, a
formação do capitalismo e dos estados nacionais são entendidos aqui como um processo
difuso e correlacionado através de assimétricas geometrias do poder (MASSEY, 2009)
donde se estabeleceu a Europa Ocidental (identidade esta forjada nesse processo) como
30
centro de comando1. Fator decisivo foi o modelo de racionalidade empregado:
Com raízes que podem ser localizadas nas Utopias do século XVI,
mas sobretudo com o debate filosófico e teórico-social do século XVII
e com maior clareza no século XVIII, a nova entidade/identidade que
se constitui como Europa Ocidental, já sob o crescente predomínio das
regiões centro-norte, se assume e se identifica como moderna, ou seja:
como o mais novo e o mais avançado da história humana. E o signo
distintivo dessa modernidade da emergente identidade europeu-
ocidental é sua específica racionalidade. (QUIJANO, 2005. p. 22)
A racionalidade que emerge no âmago da modernidade se fundamenta na
filosofia do progresso e o crescente desencantamento da natureza, separada do sujeito e
submetida a uma lógica instrumental e operacional, transposta rapidamente para o
fenômeno humano, equiparado à natureza como objeto desencantado da razão,
sucumbido à prerrogativa do controle e do domínio (ADORNO; HORKHEIMER,
1985).
Acrescente-se a isso um caráter essencialmente transformador que caracteriza
os tempos modernos como essencialmente dinâmicos, alimentados pelo incessante
processo de alargar-se, aprofundar-se, transformar-se (inerente à própria dinâmica de
reprodução do capital), substituir o antigo pelo novo – a “destruição criativa”
(HARVEY, op.cit.; 2006). Já a modernização seria o processo adjacente à modernidade,
o caminho para atingi-la (HAESBAERT, 1997). Enquanto a modernidade é um fim
(intangível, poderia se dizer?), a modernização é um meio, um caminho indefinido que
se pavimenta no próprio caminhar2. É nesse caminhar também que se evocam
repertórios distintos de tradições do conhecimento que sustentam os projetos e se
enquadram aos imperativos das circunstâncias.
A tradição, por outro lado, é o que é negado (no sentido dialético) pela
modernidade. Não se trata daquela tradição evocada pelas comunidades nacionais e
outros grupos sociais que se ritualiza, torna-se rígida e cumpre função simbólica que
remete à continuidade com um passado (HOBSBAWM, 2008). Importante que fique
claro que, no mais das vezes, a expressão tradição está empregada neste texto para
1 “Em outros termos, do mesmo modo que a centralização do desenvolvimento do capital ,a centralidade
da Europa Ocidental na produção da modernidade era uma expressão da colonialidade do poder, isto é,
colonialidade e modernidade/racionalidade foram desde o início, e não deixaram de sê-lo até hoje, duas
faces da mesma moeda, duas dimensões inseparáveis de um mesmo processo histórico” (QUIJANO,
2005. p. 23) 2 Faz lembrar o poeta: “Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se
hace camino al andar”. (Caminhante, são suas pegadas o caminho e nada mais, caminhante, não há
caminho, se faz o caminho ao andar. [Tradução Livre]). Antônio Machado, poema: “Caminante, no hay
camino”.
31
evocar um suposto atraso, e não uma referência simbólica de identidade. Quando o
sentido referido for este e não aquele, virá acompanhado de prévio aviso.
Nesta parte da investigação interessam estes projetos de modernização, algo
conclamado corriqueiramente nos projetos para o país e seu território (MORAES,
2005), mas de definição imprecisa, de semântica vaga; ainda que eficiente enquanto
mote político. Sinteticamente, por modernização me refiro a: i) um processo de
transformação social capitalista – um desvincular do tradicional; ii) que legitima e se faz
legitimado pela racionalidade adjacente; iii) e se enquadrada em alguma medida pela
lógica do estado-nação, ainda que os objetivos pretendidos sejam apresentados como
universais, cosmopolitas.. Que formas se assumirá, o que é o tradicional a ser
transformado, como se darão as transformações (do ponto de vista político, econômico e
social), quais os objetivos que se almeja, a quem incidirá, etc.; é exatamente esse bojo
de questões que animará os projetos e os planos de ações que, aliado às circunstâncias
históricas, imputarão particularidade ao processo em si3.
Conforme anteriormente dito, modernidade e modernização não serão
examinadas na experiência de institucionalização do MINTER com a finalidade de
decifrar seu conteúdo substantivo, de precisar uma definição conceitual (o que é a
modernidade) – mesmo porque não há indícios de que sequer os protagonistas tenham
clareza o suficiente a respeito disso. Ao invés, interessa compreender como esse ideal é
objetivamente posto e operacionalizado enquanto um plano de ação e
governamentalização para o território brasileiro.
A modernização do país
No Brasil, o processo de modernização deu-se por uma contraditória via
consagrada na bibliografia mais crítica como “modernização conservadora”. O processo
de transformação capitalista não se deu por aqui através de rupturas profundas com a
ordem social anteriormente vigente. Este fenômeno foi observado largamente pelo
pensamento social brasileiro, quando o papel do legado ibérico dividia americanistas e
iberistas (VIANNA, 1991). Já na década de 1930, o célebre historiador Sérgio Buarque
de Holanda4 apontava:
3 “Foram modos de pensar diferenciados que se puseram em confronto com situações arcaicas, pré-
industriais, peculiares a cada formação. Desse jogo de forças modernizantes e tradicionais, situado no
tempo e no espaço, teriam resultado estilos nacionais de desenvolvimento” (BOSI, 1992. p. 275) 4 Segundo Antônio Cândido (1995), em seu Prefácio ao livro de Sérgio Buarque de Holanda, este autor
foi uma das três maiores referências intelectuais dos “jovens de esquerda” de sua geração, ao lado de
32
A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido.
Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-
la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos
privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da
burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à
situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa,
alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram
exaltados nos livros e discursos. (HOLANDA, 1995. p. 160)
A modernização brasileira ocorre em contradição aos ideais reformistas que
pautaram a transformação capitalista alhures. Segundo Florestan Fernandes (2005), a
formação do capitalismo no Brasil esteve submetida a uma lógica dupla de apropriação
do produto econômico: no plano interno, por parte de uma estrutura inexoravelmente
desigual, e externamente através de uma submissão orgânica à burguesia internacional.
Isto teria conduzido à constituição de um modelo “autocrático-burguês”, liberal no
plano econômico mais autoritário no âmbito político, impedindo transformações
radicalmente modernizantes, mantendo em vigor tradições arcaicas:
A dupla articulação faz com que vários focos de desenvolvimento
econômico pré ou sub-capitalistas mantenham, indefinidamente,
estruturas socioeconômicas e políticas arcaicas ou semiarcaicas
operando como impedimento à reforma agrária, à valorização do
trabalho, à proletarização do trabalhador, à expansão do mercado
interno etc. (p. 356)
Empregando a sugestiva expressão do “poder do atraso”, José de Souza
Martins (1994) reforça a interpretação anterior:
Na verdade, porém, tanto a experiência do desbloqueio representado
pela abolição da escravatura, quanto a do ocorrido com a Revolução
de 1930, quando, ainda, o do procurado e realizado pelo governo
Kubitschek, a constatação é uma só: as grandes mudanças sociais e
econômicas do Brasil contemporâneo não estão relacionadas com o
surgimento de novos protagonistas sociais e políticos, portadores de
um novo e radical projeto político e econômico. As mesmas elites
responsáveis pelo patamar de atraso em que se situavam numa
situação histórica anterior, protagonizaram as transformações sociais.
(MARTINS, 1994. p. 58)
A isto Otávio Velho (1979) chama de capitalismo autoritário, modalidade em
que o político prevalece sobre o econômico5. Velho alega que o capitalismo no Brasil é
eminentemente autoritário, independente de um governo autoritário ou não. Capitalismo
Gilberto Freyre e Caio Prado Jr., em oposição aos “jovens de direita”, afeitos a Oliveira Vianna e Alberto
Torres. 5 “[…] no que se refere à articulação entre o político e o econômico, o capitalismo autoritário caracteriza-
se em comparação com o capitalismo burguês por uma dominação particularmente intensa da instância
política.” (VELHO, op.cit., p. 43)
33
autoritário não se equivale a regime autoritário, aquele não prescinde deste.
Todas estas análises focalizam a modernização brasileira como uma ambígua –
mas coerente – conciliação com formas tradicionais. Do ponto de vista destes autores, o
moderno estaria caracterizado pelas relações de produção e forças produtivas típicas do
capitalismo (capital e trabalho, mediados pelo salário e a exploração do mais-valor), o
tradicional estaria associado às formas não tipicamente capitalistas, notadamente o
latifúndio e a renda da propriedade da terra.
Basicamente, estes autores (exclui-se Sérgio Buarque) se valem de uma
inspiração predominantemente marxista para interpretar a transformação capitalista
(MARX, 20136). Adjacente a esta inspiração está a influência da concepção sobre a
estratificação social advinda da economia política clássica, formulada sistematicamente
por David Ricardo (1978), que identifica três classes sociais: o proprietário fundiário, o
capitalista e o trabalhador; estes últimos tipicamente capitalistas e o primeiro pré-
capitalista, fadado a desaparecer na medida em que se aprofunda o engendramento das
relações capitalistas de produção. O proprietário fundiário aparece como agente nocivo
ao desenvolvimento capitalista7. Este seria o projeto típico (i.e. eurocêntrico) de
modernização, uma transformação capitalista plena.
O caráter excepcional da formação do capitalismo no Brasil seria o fato de que
o proprietário fundiário e o capitalista, ao invés de antagonizarem-se até a completa
transformação, fundiram-se em uma modernização contida, que concilia a
transformação capitalista com formas não capitalistas (tradicionais)8, alijando a classe
trabalhadora. Estas análises são de grande valor, indicam um caráter geral, relevante
para a compreensão dos processos particulares, mas não respondem além desse nível
mais abstrato. Resta saber objetivamente como se operacionalizou esta modernização
conservadora, como foi convertida em práticas diversas, p.ex., as interpretações dos
intelectuais, as peças de divulgação e vulgarização, as ações dos statemakers e de
governamentalização, etc.. Ou seja, é necessário particularizar os processos, períodos,
6 Sobre a transformação capitalista ver mais especificamente o Capítulo 24 “A assim chamada
acumulação primitiva” (MARX, op.cit.). 7 “Segue-se daqui que o interesse do proprietário de terras é sempre oposto ao interesse de todas as
demais classes da sociedade. Sua situação nunca é tão próspera como quando os alimentos são escassos e
caros, ao passo que para todos os demais indivíduos o fato de se poder contar com alimentos baratos é
altamente proveitoso.” (RICARDO, 1978. pp. 206-207). 8 “A determinação histórica do capital não destrói a renda nem preserva o seu caráter pré-capitalista –
transforma-a, incorporando-a, em renda capitalizada. Fiz dessa constatação uma hipótese que abrangesse
não apenas relações pré-capitalistas, mas o que o próprio Marx e, mais tarde, Rosa Luxemburgo
definiram como relações não capitalistas.” (MARTINS, 2004.p.3)
34
instituições e também instâncias distintas do fenômeno. Pesquisas empíricas têm
respondido a esta demanda, e esta tese segue essa linha.
Os projetos de modernização elaborados a partir deste amálgama tiveram que
lidar concretamente com o desafio de redefinir o objeto “tradição”, o arcaico; nomear e
mirar em um atrasado a ser superado. Efetivamente este desafio se fez refletir nas
interpretações da realidade brasileira. A intelectualidade nacional meditou sobre os mais
variados aspectos do país com o fito de formular teoricamente a passagem para a
modernidade, produzindo um profícuo repertório de tradições do conhecimento.
Aspectos como as instituições políticas, o regime de governo, a raça e o território foram
debatidos e estiveram no centro do ideal de modernização. Concomitantemente, os
processos de estatização aproveitaram estas tradições do conhecimento, converteram-
nas em governamentalização, planos de ação.
O MINTER é um desses casos de modernização promovidos pelo Estado que
projetava sobre o território nacional uma prática de governamentalização escorada em
tradições do conhecimento arregimentadas, acomodadas e reinventadas pelos
responsáveis maiores pela sua execução. Toda prática de governamentalização só tem
sentido se nomeia um objeto intervenção:
Estas coisas, de que o governo deve se encarregar, são os homens, mas
em suas relações com as coisas que são as riquezas, os recursos, os
meios de subsistência, o território em suas fronteiras, com suas
qualidades, clima, seca, fertilidade, etc.; os homens em suas relações
com as outras coisas que são os costumes, os hábitos, as formas de
agir ou de pensar, etc.; finalmente, os homens em suas relações com
outras coisas ainda que podem ser os acidentes ou as desgraças como
a fome, a epidemia, a morte, etc. (FOUCAULT, 1981.p. 282)
O MINTER teve o seu objeto, o território e seus conteúdos, entre as quais se
podem citar, além das listadas por Foucault, a produção, o consumo, o governo, etc. O
território como questão atravessa as ideias e os projetos de modernização do Brasil,
alimenta um vasto imaginário e consagra modos de ver e pensá-lo. O intuito deste
capítulo é trabalhar em escala ampla a parte deste legado que conflui para o
enquadramento do MINTER enquanto projeto de modernização do território nacional.
Na próxima seção é possível ver mais de perto certo modus operandi de lidar com a
questão que converge para uma prática semelhante à do ministério, busca-se – da
maneira mais sintética possível – apresentar as relações históricas entre modernização,
Estado e território no Brasil. Em seguida discute-se o projeto de modernização na
formação do ministério. Encerra este capítulo uma seção dedicada a debater a
35
imaginação espacial9 que alimentou teoricamente esta prática modernizante.
Território, Estado e modernização no Brasil
A interpretação crítica da modernidade, que tem nas noções de tempo e espaço
um dos pontos cruciais, foi trazida para o debate na geografia brasileira por Edward
Soja (1993), com ponderações dirigidas ao que ele chama de imaginação histórica
predominante na teoria social crítica, uma forma de pensar que se restringe à noção de
tempo como o único agente transformador:
Foi justamente o valor crítico e potencialmente emancipatório da
imaginação histórica, de pessoas ‘que fazem a história’, em vez de
presumi-la como certa, que a tornou tão compulsivamente atraente. A
constante reafirmação de que o mundo pode ser modificado pela ação
humana, pela práxis, sempre foi o eixo central da teoria social crítica,
sejam quais forem sua fonte e sua ênfase particularizadas. (p.22)
Mesmo as incursões baseadas em “insights teóricos”10
de autores como Michel
Foucault e John Berger não teriam, segundo Soja, logrado resultados satisfatórios na
inversão do historicismo dominante na teoria crítica. Exceção exclusiva seria a o
trabalho de Henri Lefebvre, o único que teria conseguido avançar uma interpretação
contundentemente espacial com formulações analíticas além de “demonstrativas” (Soja
emprega este vocábulo para se referir à espacialização de Foucault).
Essas formulações, mesmo que incompletas, teriam contribuído para o spatial
turn na teoria social no fin de siècle do século XX que indicaria uma nova forma de
entender a realidade social não só a partir da história mais também da geografia. Neste
ponto, é relevante a advertência de Felix Driver (1992), para quem esta “nova forma”
não seria tão nova assim, ao contrário, reclama ele que Soja parte uma noção de
pensamento social demasiadamente restritiva11
, ignorando o papel do conhecimento
geográfico, por exemplo, no imperialismo europeu no fin de siècle do XIX, um século
9 Emprego o termo “imaginação espacial” com o mesmo sentido de “discurso geográfico”, já explicitado
na Introdução desta tese. 10
Expressão do próprio autor. 11
Cabe dizer, para se fazer justiça a Soja, que este autor diz refletir especificamente sobre o que ele
considera como o pensamento social crítico, excluindo, por consequência, as teorias coloniais e
imperialistas: “[A teoria social crítica] busca de uma compreensão prática do mundo como meio de
emancipação, em contraste com a manutenção do status quo. As teorias sociais que meramente
racionalizam as condições existentes e, com isso, servem para promover o comportamento repetitivo, a
reprodução contínua das práticas sociais aceitas, não se enquadram na definição da teoria crítica” (SOJA,
op.cit. p 22)
36
antes, portanto12
.
Um exame breve da modernização brasileira, em seus aspectos relativos à
formação do Estado, do capitalismo e de seu pensamento social, dá razão à advertência
de Driver. Em um país de origem colonial, o ímpeto da conquista de espaços e a
formação territorial são centrais para a sua própria definição enquanto estado-nação
(MORAES, 2000; 1991). Para Antônio Moraes (2005), a reflexão sobre o território
esteve no centro dos debates intelectuais sobre a formação social do Brasil, sempre,
segundo ele, de um ponto de vista conservador, projetando o país pelo seu espaço e não
pelo seu povo. João Maia (2008) discorda, para ele o imaginário geográfico13
serviu não
só como projeto conservador, mas também de forma inventiva, prospectiva, a pensar o
nacional como um processo em construção, não como um essencialismo originário. Ao
invés de conservador, o espaço seria antes exatamente o recurso do qual se valeu certo
pensamento social brasileiro para pluralizar a modernidade, particulariza-la a cada
sociedade.
Aparentemente contraditórias entre si, as colocações de Moraes e Maia
parecem bastante oportunas, pois refletem o contraditório no processo de modernização
brasileira. O caráter conservador salientado por Moraes não exclui – a princípio – o
conteúdo inventivo, transformador. Lia Osório Machado bem observou isso no debate
intelectual da virada do século XIX para o XX:
Embora a introdução de ideias geográficas possa ser atribuída aos
intelectuais aos intelectuais que compartilhavam da crença na filosofia
do progresso, o processo de adoção dessas ideias mostra uma
coalescência com aspectos críticos do pensamento conservador.
(MACHADO, 2000. p.12)
Conforme se viu, o conservador está amalgamado na transformação
modernizante do Brasil. Não se tratam de duas interpretações divergentes, mais de duas
características imanentes, intrínsecas ao processo; o progressista e o retrógrado
caminham juntos, endossando a tese de que os projetos de modernização do território no
país sempre se coadunaram de alguma maneira com a ordem social tradicional.
O conhecimento geográfico esteve intimamente associado à modernização do
12
“Whereas Soja claims this period as the decisive moment of geography’s subordination, I would
suggest an alternative focus on the place that geographical knowledge has had in the construction of
modernity” (p. 25). (“Enquanto Soja reclama este período como o momento decisivo da subordinação da
geografia, eu sugeriria um foco alternativo no lugar que o conhecimento geográfico teve na construção da
modernidade”. [Tradução Livre].) 13
João Maia utiliza a noção de “terra” como sinônimo de “imaginação espacial”.
37
país, seja em seus aspectos econômicos ou tangíveis à constituição do Estado. José
Veríssimo da Costa Pereira (1956) relata a proliferação de viagens e explorações para
inventariar as terras do que hoje é o Brasil, inclusive as comissões de demarcação
territorial, como as do Tratado de Santo Ildefonso (1977), que acabaram por contribuir
para definir a posse portuguesa pelos princípios das fronteiras naturais e posteriormente
do utis possidetis (MAGNOLI, 1997) . Esta constatação foi fundamental para
aprofundar as bases econômicas da inserção daquele território no sistema do capitalismo
colonial. Função esta racionalizada pelo primeiro Vice-rei do Brasil, Marquês de
Pombal (1750-1777), orientado por um projeto modernizador da colônia e atento para
uma “forma mais funcional de controle do território” (MACHADO, 1997.p.21).
Estabelece-se com Pombal o equacionamento território, Estado e modernização já na
antevéspera do Brasil.
Manoel Fernandes de Sousa Neto (2012) se atenta para um momento
importante de aprofundamento da relação território, Estado e modernidade no Brasil: o
Segundo Império (1840-1889), onde as instituições brasileiras se viram forçadas a lidar
com o dilema entre o moderno e atrasado, este figurado pela persistência da Monarquia,
do escravismo e do latifúndio, e aquele almejado pela difusão do capitalismo mundial, a
emergência de uma nova elite econômica ligada ao café que se encantava pela
modernidade Europeia, a República, a abolição da escravatura e, em alguns casos, o
industrialismo. Outro aspecto do arcaísmo colocado em xeque foi a dispersão territorial
da população e a ausência de vias de comunicação entre elas, provocando uma
sociabilidade frágil.
Essa faceta do arcaico foi muito bem acusada por um grupo de profissionais
que começavam a reivindicar posição social mais destacada se propondo justamente
como os portadores da modernidade, os competentes para superar o atraso: os
engenheiros. Forma-se um corpo de técnicos que conformam uma classe profissional
especializada, delimitada e distinta das demais profissões pelo saber matemático. Surge
a figura de um novo intelectual, oriundo das classes médias, distantes das elites
tradicionais, que se legitimam na necessidade do saber técnico exclusivo. Essa classe
emerge econômica, politica e socialmente, introduzindo uma nova dinâmica à ordem
social, mas se adequa aos limites da sociedade estabilizada, compatibilizando ciência,
técnica e modernização com oligarquia agrário-exportadora, latifundiária e escravocrata.
Interpreto os Planos Viários estudados por Sousa Neto com peças de planos de ação
sobre o território cujo conteúdo se vincula à modernização conservadora.
38
A partir daí o ímpeto modernizador ganha progressivamente mais densidade:
dispersão espacial e intensificação das relações capitalistas de produção, adensamento
do estado com maior penetração na economia e na sociedade nacional, maior
valorização da ciência e suas instituições Proliferam-se instituições de cunho científico,
como por.):o Clube de Engenharia (1880), a Escola Central (1858) e o Instituto
Politécnico (1862) – todas elas de formação ou congregação de engenheiros – (SOUSA
NETO op.cit.) e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ) em 1883
(PEREIRA, 2005). O território vai sendo “desvendado”14
e os projetos de modernização
que o tem como objeto, adequando-o à expansão mundial do capitalismo, vão se
sofisticando, com grande inserção na máquina pública (vide o caso dos engenheiros e
seus saberes técnicos no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas -
MACOP [SOUSA NETO, op.cit.]). Estado, capitalismo e ciência se conjugam de
maneira cada vez mais intensa e os projetos de ação sobre o território ganham em vigor.
A passagem do século XIX para o XX foi determinante para a equação
território, Estado e modernização no século XX (MACHADO, 2000; 2002). Trata-se de
um momento chave na construção da identidade nacional brasileira, quando é extinta a
figura do Imperador, que representava a unidade nacional e emerge a República, sem
uma referência simbólica suficiente para manter a coesão nacional. Na ausência de uma
profundidade histórica e diante de uma latente fragmentação social devido ao
escravismo (ainda muito vivo) e à dispersão espacial, o recurso ao território e à
geografia como um todo foi supervalorizado na conformação do discurso que buscava
solidificar a unidade nacional (MORAES, 1991).
Os debates desse período remetiam ao ideal da civilização, compreendendo
questões sobre a natureza física do território e sua influência na composição social
brasileira. (MACHADO, 2000; 2002):
De fato, o pensamento geográfico esteve presente nos debates sobre a
natureza físico-climática do território, a adaptação do indivíduo ao
meio, as características raciais dos habitantes, e as possíveis
conseqüências desses aspectos sobre a formação social do povo
brasileiro. Em síntese, a questão principal era o estabelecimento do
potencial e dos limites da natureza física, social e política do país
diante das idéias programáticas do “progresso”. (MACHADO, 2002.
p. 310)
14
Os embates a respeito das nascentes do Rio Xingu, protagonizadas pelo viajante alemão Karl Von den
Steinen e Francisco Antônio Pimenta Bueno no seio da SGRJ evidenciam esse “desvendar” do território
(PEREIRA, op. cit.).
39
Olhar as raças e os povos do Brasil e determinar quais áreas eram mais ou
menos propensas para a modernização era o principal objetivo dessas reflexões que
tomaram a intelectualidade nativa naquele período. Esses intelectuais se voltaram a
teorias, conceitos e métodos já em voga na Europa para formar discursos sobre os
limites e as possibilidades de “civilizar” o país (MACHADO, 2000). Em geral, autores
como Silvio Romero (CONCEIÇÃO, 2000), Roquette-Pinto, Capistrano de Abreu,
Oliveira Vianna e Euclides da Cunha vão se valer das leituras de Le Play, Ratzel, La
Blache, Jean Brunhes, Lucien Febvre, entre outros, para inserir as condições ambientais
no balizamento da história e na projeção do progresso.
A geografia apresenta-se como um recurso de legitimação científica do
discurso da viabilidade do progresso (e, por extensão, da modernização). O viés
explicativo repousa em um artificio de conjugar fenômenos físicos e sociais, assentar
em bases naturais a interpretação do elemento humano. As fontes inspiradoras dessa
intelectualidade já estavam assentadas nesta base: a cosmografia Humboldtiana, a
antropogeografia de Ratzel e a noção de meio e adaptação lamarckista de La Blache e a
escola francesa (CLAVAL, 1981; MORAES, 1990; CAPEL, 1981; BERDOULAY,
2008; BERDOULAY, SOUBEYRAN, 1991).
O pensamento social brasileiro, através desses intérpretes, desvia o foco da
questão racial – que lhes era desfavorável, devido ao preceito da “raça degenerada” –
para as condições ambientais, geográficas, do progresso (MACHADO, 2000). Sobre
Vicente Licínio e Euclides da Cunha, João Maia (2008) enfatiza o esforço e o otimismo
em se projetar a modernização nacional através de seu território (que, vale lembrar, ele
prefere chamar de terra, ver nota 13):
O mergulho de ambos no mundo da terra não implicava, pois, rejeição
ao moderno, ou mesmo um ajuste de contas com uma identidade
nacional já fixada, mas antes a constatação de que o Brasil compunha-
se de um conjunto de espaços novos e periféricos, afinados com a
nova geografia do Ocidente. [...] A ‘energia inconsciente’ da terra
atraía-os, pois ambos enxergavam e vivenciavam o Brasil como uma
forma civilizatória a ser construída, numa combinação entre
pragmatismo, invenção e pedagogia que forjam o núcleo da
experiência que associo à expressão ‘Rússia Americana’.15
(p. 190)
15
Por “Rússia Americana” o autor se refere a uma matriz civilizacional própria do Brasil, elaborada pelos
autores que ele analisa, como inspiração na síntese dos casos russo e americano. Do caso americano teria
sido proclamada a valorização do inventivo, criador, e móvel, como simbolizaria a fronteira; ao mesmo
tempo a valorização da tradição para a constituição de uma matriz própria, com no caso russo.
40
Esse ponto é fundamental para a compreensão das interações entre território,
Estado e modernização desde então. A discussão sobre as possibilidades e os limites
impostos pelo meio (milieu16
) disponível para o progresso e a civilização no Brasil
orientou o imaginário social, os projetos e os planos de ação para a modernização
nacional. Estas discussões estabilizaram – ou mesmo estandardizaram – matrizes
interpretativas que resistiram aos idos e vindos do século XX, se afirmando nas
interpretações sobre o país e nos projetos e planos de ação sobre o território. Esta
longevidade das ideias equacionadas nesse contexto fazem com que elas sejam
particularmente importantes, e fazem desta passagem um momento histórico de inflexão
na formação social brasileira.
Outro ponto de inflexão extremamente significativo na equação que orienta
esta seção foi a década de 1930, quando ocorre uma inversão do protagonismo político
no Brasil, começa a emergir uma classe burguesa-industrial em detrimento das camadas
oligárquicas (sempre aos moldes da modernização conservadora). A sociedade brasileira
se transforma, se redefine o mote de modernização, a população começa a se acumular
nas grandes cidade, as indústrias empregam parte relevante da população e geram
parcela considerável da recita nacional, o Estado se complexifica, se avolumam as
funções tecno-burocráticas, esmiuçando cada vez mais ciência e Estado, concretizado
pelo mote do planejamento. O modelo de Estado burguês começa a ser perseguido, mais
nunca alcançado plenamente. (IANNI, 1971). As palavras de Getúlio Vargas, alçado ao
cargo de presidente pelo movimento de 1930 são emblemáticas do que passa a se dar a
partir de então:
O problema da ocupação do nosso território é um postulado da própria
criação do Estado Nacional. Estamos fazendo a estruturação dos
núcleos básicos do nosso crescimento, não apenas ao longo da faixa
marítima, mas abrangendo a totalidade do País. E essa obra, que há de
ser o maior título de glória da geração atual, porque significa unir e
entrelaçar as forças vivas da Nação, retomou o sentido dos paralelos e
renovou o lema bandeirante da marcha para o Oeste. (VARGAS, apud
IANNI, op.cit. p. 64)
O vínculo entre formação do Estado, da Nação e do território não poderia estar
mais claro. O desafio de modernizar o território é colocado explicitamente ao lado da
própria modernização do país, e o feito encarado como “o maior título de glória da
geração atual”. É este mesmo contexto em que surge o IBGE, criado em 1938 como
16
Emprego o termo milieu do francês para diferenciar o significado a ideia de meio do sentido dado à
noção de meio ambiente, muito frequente no léxico atual.
41
parte desta estrutura tecno-burocrática em expansão, uma inovação na interação
território, Estado e modernização:
Se considerarmos, no entanto, o marco político-administrativo da
Revolução de 1930, podemos argumentar que os responsáveis pelo
gerenciamento do aparato de Estado do governo Vargas foram
insuperáveis na preocupação com as questões referentes ao controle
do território de forma mais abrangente. Esta afirmação se justifica
ainda mais se levarmos em conta que a questão da unidade político-
territorial brasileira do final da República Velha era um assunto
delicado, pois as elites de estados fortes no campo político e militar,
como São Paulo ,Minas Gerais ou Rio Grande do Sul, poderiam criar
movimentos emancipatórios que colocariam em risco a unidade
nacional (como São Paulo e Rio Grande do Sul criaram efetivamente,
no início dos anos 30). (ALMEIDA, 2002-2003. p.120 )
O IBGE funde em si atribuições diversas associadas à modernização do
território nacional. Uma delas, desvendar o território nacional, literalmente, o que
significava assumir a precariedade das informações prévias disponíveis sobre o país.
Outra, se incumbir das estatísticas, fundamentalmente os Censos, prerrogativa básica da
construção das “comunidades imaginadas” nacionais (ANDERSON, 2008). Necessário
se fez também estabelecer bases comuns para a formulação da política de gestão e
controle do território, como revela o clássico texto de Fábio Macedo Guimarães, na
Revista Brasileira de Geografia [RBG] (publicada pelo próprio IBGE) em 1941, no qual
ele institui as “bases corretas” (a região natural, inspirada, segundo ele próprio, pela
geografia francesa, notadamente Camille Vallaux e Lucien Febvre, os mais citados) para
a divisão regional do Brasil que servirá para o planejamento estatal17
. A grandeza do
IBGE seria tal que teria impressionado pesquisadores internacionais renomados, como
Étienne Juillard, que teria dito ser uma “fábrica de geografia” (PEREIRA; BOMFIM,
2014).
Em 1943, no “começo do fim” do Estado Novo (a ditadura varguista de 1937-
1945), é criada uma das formas estatais do século XX mais claramente voltadas para a
produção do território, a Fundação Brasil Central (FBC). A ideia de Brasil Central18
adjacente à FBC está, segundo João Maia (2010), ancorada em ideias cristalizadas no
pensamento social brasileiro, em especial de Couto Magalhães, Everaldo Backheuser e
Nelson Werneck Sodré, para quem o Brasil Central era um lugar rústico, impregnado de
17
Relevante notar que o IBGE ao longo do século XX notabilizou-se em grande parte pelas
regionalizações oficiais que de lá partiram. Sobre estas regionalizações ver Contel (2014). 18
Sérgio Nunes Pereira,(2010) apresenta o quão vago e impreciso era a ideia de Brasil Central na
primeira metade do século XX, em contradição com a frequente evocação ao termo.
42
relações produtivas arcaicas (tradicionais) a serem substituídas pelas relações de
produção modernas (capitalistas).
A FBC, na verdade, fez parte de um programa maior do governo varguista, a
proclamada “Marcha para o Oeste”, que segundo Otávio Velho, teve mais eficácia
simbólica do que concreta. Para este autor, esse programa reinventou o mito
bandeirante, reificado como herói nacional, ou mais ainda, como a própria essência do
“caráter nacional”. Valendo-se de seu conceito de capitalismo autoritário, Velho é muito
feliz com a qualificação que faz da empreitada varguista – propagandeada por Cassiano
Ricardo, que assume a função intelectual da jornada – com o sugestivo rótulo de
“Turner autoritário”. Seria a reencarnação do mito da fronteira de Turner, que atribuiu a
este fenômeno a origem democrática e afeita à liberdade dos EUA, mas reformada pela
modalidade autoritária do capitalismo brasileiro, quer dizer, com domínio político
acentuado pelo Estado sobre o campesinato, teoricamente o sujeito social propício a se
aventurar na fronteira. A “Marcha para Oeste” possibilitaria a efetiva ocupação do
território nacional até então reservado pela oligarquia escravista, sem enfrenta-la nem
incorrer no risco do campesinato ascender a pequenos burgueses, transformando a
estrutura social. Este parece ser um dos exemplos mais agudos da modernização
conservadora conduzida pelo Estado e mediada através do território.
Curioso notar que, em pleno ímpeto modernizador, substanciado cada vez mais
pela racionalidade econômica que vai configurando o IBGE e o Estado Novo como um
todo, a RBG lança uma seção em 1939 intitulada “Tipos e Aspectos do Brasil”,
ilustrações feitas pelo desenhista Percy Lau que retratavam “paisagens do Brasil”, onde
se fundiam tipos sociais e os meios que lhe eram particulares. Assumindo uma função
pedagógica, o IBGE se esforçava em difundir um imaginário nacional, fortalecer o
sentimento patriótico. O interessante é que, para isto, a série reproduz uma leitura
tradicional do Brasil, foca prioritariamente em paisagens rurais e tipos sociais
enraizados no território que remetem a uma tradição nacional. Ana Daou (2008) observa
que mais uma vez o território vem associado a uma modernização contraditória,
contida:
No mapa do Brasil composto pelo artista Percy Lau, as imagens
selecionadas sugerem a consonância desejada, a convivência
harmônica e a cooperação voluntária entre brasileiros inseridos em um
mundo de permanências e lentas transformações (DAOU, 2008. pp
147-148).
43
Essas imagens, os tipos e os aspectos, tomaram vida própria, ganhando livros
didáticos e mídia de grande circulação, sendo bem sucedida em sua eficácia como
imagem de representação (DAOU, op.cit.).
A formação social brasileira, sobretudo a partir da segunda metade do século
XIX, é indelevelmente marcada pela tensão constante de projetos modernizantes que
perpassam o território e o Estado. Neste sentido, o MINTER está desenhado em uma
“longa duração”19
de práticas discursivas, planos de ação e de governamentalização que
se apresentam deliberadamente como modernizantes e transformadoras. Entretanto, uma
vez aceita a ideia de que modernização implica em aprofundar as relações de produção
tipicamente capitalistas, sob os auspícios da ciência e da técnica no âmbito de um
Estado-Nação, então o que estas práticas revelam é a modernização conservadora e todo
o seu conteúdo contraditório.
Se o MINTER é efetivamente novo na máquina administrativa do Estado
brasileiro, em hipótese alguma é uma novidade em termos de ação estatal
modernizadora da sociedade projetada sobre e através do território. Outras práticas
poderiam ter sido citadas, como a “tutela aos índios” (LIMA, 1995) ou o combate às
secas no Nordeste (RIBEIRO, 2003), com maior ou menor ênfase na modernização e no
território em si.
O primeiro desenho institucional do ainda “Ministério Provisório”, depois o
MECOR e finalmente o MINTER evidenciam esta confluência nitidamente, basta um
olhar sobre as atribuições a ele incumbidas: “gestão”20
dos índios, ocupação do
território e as superintendências de desenvolvimento regional, que seriam um
aprofundamento do viés modernizante21
. O IBGE é um caso à parte. Acoplado ao
MECOR inicialmente, na Reforma Administrativa de 1967 ele aparece subordinado ao
MPCG. O porquê desta passagem não foi trabalhado pela historiografia do instituto
(pelo menos não que se tenha conhecimento), mas a partir do que se discute nesta tese é
possível formular alguns entendimentos. Por ora, na próxima e derradeira seção deste
capítulo, discute-se o caráter modernizador do MINTER, o que, em termos gerais22
, se
almeja como plano de ação sob a insígnia de modernização.
19
Pego emprestado o termo consagrado de Fernand Braudel. 20
Para uma contumaz e contundente crítica à esta noção de gestão e tutela dos índios no antigo Serviço de
Proteção ao Índio (SPI), antecessor da Funai, ver o trabalho de Antônio Souza Lima (1995). 21
Para as atribuições do MINTER ver a Introdução, para o desenvolvimento como aprofundamento da
ótica modernizante do território, ver capítulo três. Quanto ao IBGE, sobre o “pedido” de Roberto Campos
(ministro do MPCG) ver a Introdução. 22
Neste capítulo se faz esta discussão em termos gerais, nos capítulos três e quatro em termos objetivos.
44
A modernização segundo o Ministério do Interior
Foi visto que a modernização brasileira se reveste de um caráter todo
particular, no qual estão conjugadas de maneira contraditórias forças opostas,
modernizantes e tradicionais. Foi visto ainda que as práticas discursivas e as de
governamentalização sobre o território também expressam este caráter dúbio e
contraditório. O MINTER é mais uma destas práticas, além disso, o conteúdo de seu
plano de ação reproduz o caráter do governo em que foi formulado. Mesmo com a
advertência de Velho (op.cit.), segundo a qual a modalidade autoritária do capitalismo
brasileiro independe de um regime autoritário propriamente dito23
, é preciso ter em
conta a natureza do governo militar, suas relações exatas com o conservadorismo e o
autoritarismo.
Fernando H. Cardoso (1972) analisa o caráter do regime de 1964 questionando
se seu significado seria conservador/restaurador ou revolucionário/transformador
(poder-se-ia dizer: tradicional ou moderno):
Neste sentido, não fosse para evitar a confusão semântica e a
manipulação política óbvia que ela permite, seria mais correto dizer
que o golpe de 64 acabou por ter consequências ‘revolucionárias’, no
plano econômico. (p. 53)
A inflexão política representada pelo golpe de Estado em 1964 levou à
máquina estatal um grupo de tecnocratas como Roberto Campos, Antônio Gouveia de
Bulhões, Antônio Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen, João Paulo dos Reis Veloso,
etc., nos altos e médios escalões do governo (MARTINS, 1985). Ao longo do período, a
política econômica oscilou entre contração, como na vigência do Programa de Ação
Econômico do Governo (PAEG) que controlou a inflação, arrochou os salários e
diminuiu os déficits públicos; e o expansionismo, como no “milagre econômico” (1969-
1973), com grandes aportes de investimentos.
A política econômica dos tecnocratas transformou e diversificou a economia
brasileira, aprofundando as relações capitalistas de produção no país. Neste sentido ela
foi indubitavelmente modernizante. Todavia, eles só puderam implantar esta
transformação capitalista com o respaldo das baionetas dos militares, que os deixavam
imunes à pressão popular. Decorrente disso, Cardoso (op.cit.) apresenta o contraditório:
23
“Os regimes autoritários no contexto do capitalismo autoritário […] podem ser necessários para
reforça-lo, particularmente durante momentos cruciais do seu desenvolvimento, tal qual como em seus
estágios iniciais. Todavia, não se deve confundir um com o outro.” (VELHO, 1979. p. 136)
45
Efetivamente, o movimento de 64, em si mesmo e nos seus
desdobramentos, buscou e conseguiu consolidar a ordem social por
intermédio da repressão. Neste sentido ele teve consequências
claramente reacionárias (p. 68)
E continua:
Trata-se, pois, de um conservantismo moderno, que, no plano
ideológico, quer manter socialmente aberta uma sociedade
politicamente fechada que se baseia no dinamismo da empresa
capitalista, pública ou privada. (p. 67. grifo nosso.)
O caráter moderno do regime reside na esfera positiva de sua legitimidade
(LAFER, op.cit.) – o desenvolvimento; o conservantismo, por sua vez, se manifesta pela
forma política truculenta, inadequada ao ideal da democracia burguesa, mas também
pela composição das classes sociais. Fundamental para a sustentabilidade do governo
tecnocrático/modernizante foi a conciliação com as classes oligárquicas tradicionais, o
que inviabilizou o avanço da reforma agrária (uma pauta considerada importante para o
aproveitamento “mais racional” da terra) a despeito do Estatuto da terra (Lei nº
4504/64), que operacionalizou o conceito de latifúndio, facilitando conceitualmente a
desapropriação, inviabilizada pela prerrogativa da indenização aos proprietários
(MARTINS, 1994).
Um dos principais alvos da modernização pós 1964 foi a própria estrutura
administrativa, reformada em 1967 (Decreto-lei nº 200/64). O Decreto 54401/6424
criou
a COMESTRA, composta por doze membros – oito civis e quatro militares – com
Roberto Campos, ministro extraordinário do planejamento, como presidente (DIAS,
1969). A Reforma Administrativa foi elaborada quase que exclusivamente sob a tutela
do governo, sem participação social significativa, provendo ampla e segura liberdade de
ação à tecnocracia, que pôde atuar de maneira desimpedida de maiores pressões
(BARBOSA E SILVA. s/d). Os princípios básicos que nortearam o processo foram
inspirados nos ritos administrativos próprios da inciativa privada, com a finalidade de
racionalizar e dinamizar o funcionamento da máquina estatal.
O planejamento foi eleito como o instrumento por excelência dessa
racionalização, a descentralização de responsabilidades do executivo e a flexibilização
operacional assumiram papel central, ampliando e aprofundando o campo de
intervenção da tecnocracia no governo (MARTINS, 1985; DREIFUSS, 1981). A
24
Em seu livro sobre a Reforma, José N. Dias, que participou de sua formulação, se refere ao Decreto nº
54501, com a mesma data. Já na base de consulta do site do Senado esse Decreto se refere a outra
natureza, e o competente à Reforma é mesmo o nº 54401. (DIAS, 1969)
46
administração pública foi fragmentada em duas categorias: direta e a indireta. À
competência da primeira, os órgãos diretamente subordinados a presidência, já a
segunda estariam as autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, com
autonomia de gestão mantida através de um vínculo mínimo ou meramente formal à
presidência ou algum ministério. Esta nova modalidade criada – a administração
indireta – foi um dos elementos centrais dessa reforma no sentido de imprimir ao setor
público a lógica operacional do setor privado, inclusive da competitividade25
.
Seguindo a mesma lógica, o princípio da flexibilização deu maior autonomia
ao funcionamento administrativo, desburocratizando o serviço público. Na prática,
segundo Barbosa e Silva (op.cit.), o que se passou foi uma intensificação do poder de
influência do capital através dos setores empresariais, que passaram a ter acesso mais
fácil, rápido e isento de explicações (devido ao caráter fechado do regime) aos
tomadores de decisões do governo.
O fato mais notado na bibliografia sobre a Reforma administrativa de 1967 é a
criação Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (MPCG), que institucionaliza
definitivamente o planejamento como procedimento básico de governo. Ao gosto da
tecnocracia, o MPCG seria a concretização dos desejados princípios de racionalização e
planejamento do governo, dotado inclusive de um instrumento muito particular, alocado
no próprio ministério, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a esfera
privilegiada de produção do saber técnico especializado voltado diretamente para
instrumentalizar a gestão. O MPCG assume funções de coordenação sobre todos os
demais setores do governo, uma espécie de “superministério” esvaziando o antigo
Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), que exercia função
semelhante desde 1938.
No âmbito econômico, o qual é dado a maior ênfase da Reforma
Administrativa, merece destaque a institucionalização de um novo sistema de gestão
econômica e financeira, com centralidade para o Conselho Monetário Nacional (CMN)
e o Banco Central. O CMN era composto por todos os ministros do setor econômico
(inclusive o MINTER) e tinha responsabilidades de grande envergadura, como a
regulamentação dos incentivos monetários (recurso importante em todo o regime
militar) e a administração de programas como o Programa de Redistribuição de Terras
(PROTERRA).
25
“A lógica da administração indireta é estabelecer um vínculo estreito com o setor privado, sendo que a
livre iniciativa terá importante papel da atuação do Estado” (BARBOSA E SILVA. op. cit. p. 7).
47
Em suma, a Reforma Administrativa de 1967 foi um marco na formação de um
modo de governo muito próximo dos setores empresariais. Barbosa e Silva (op.cit.)
sintetiza bem o seu caráter geral:
A reforma administrativa de 1967 foi um fenômeno com duas faces
não necessariamente antagônicas. De um lado, correspondeu a um
esforço em preparar a máquina estatal para que pudesse responder
satisfatoriamente às demandas do modelo de desenvolvimento
associado ao capital externo. Para tanto, institucionalizou o
planejamento e buscou a eficiência administrativa. De outro lado,
abriu uma perigosa janela para a expansão estatal que, associada às
dificuldades de controle da administração indireta, contribuiu para a
expansão dos interesses privados no interior do Estado. (p. 14)
O economicismo é hegemônico na instalação do aparato governamental; em
torno do crescimento econômico se ajustam todas as demais funções. Modernizar
significou fundamentalmente proliferar o desenvolvimento. Mas o desenvolvimento não
é tangível pelo modelo liberal das revoluções burguesas clássicas, é necessária uma
força ativa, capaz de superar as debilidades do sistema econômico, social e político
local: o Estado centralizado, oposto ao federalismo e imune às coerções externas da
sociedade civil. O desenvolvimento é o vetor da modernização, mas, de acordo com os
planos de ação apresentados, é inviável da maneira moderna.
A partir desta ótica se dá o esforço em se identificar os “problemas brasileiros”
e as soluções objetivas para eles. Esta metodologia era difundida na Escola Superior de
Guerra (ESG) (SVARTMAN, 2006) – e foi significativa na formação de ambos os
ministros compreendidos nesta análise Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima – e
consistia em elencar os problemas para o desenvolvimento nacional e apontar o que
deveria ser feito para reverter estes problemas. Este “o que fazer” se pretendia
meramente técnico, visando o bem comum, acima dos interesses políticos. Foi por esta
metodologia dos “problemas brasileiros” que o MINTER projetou a modernização
desejada (não só este ministério, mais todo o governo) e orientou sua
governamentalização para superar os atrasos.
A modernização e sua antítese: identificando o atraso
A modernização conservadora mirou prioritariamente a transformação de
algumas instâncias da sociedade, como o Estado e as relações produtivas, visando
sempre superar através do desenvolvimento o que se objetivou como o atraso. Quase
que invariavelmente este atrasado foi identificado a uma categoria de fundamento
48
espacial, basicamente o Nordeste e a Amazônia, mas também a Fronteira Sudoeste, o
“Brasil Central”, os espaços “sub-regionais”, etc. O espaço geográfico foi primordial na
definição conceitual do atraso, lhe emprestou precisão e objetividade. Este fato, que na
maioria das análises passa despercebido, acaba por reiterar uma definição conceitual
problemática, uma obliteração de relações e sujeitos “ausentes” (SOUSA SANTOS,
2007) em nome de uma classificação que abstrai os seus conteúdos, como a região o foi
neste contexto (BOURDIEU, 2007a). Cabe uma análise mais detida sobre essa
imaginação espacial.
A filosofia do progresso imputou à racionalidade moderna a primazia do
tempo. A ele se associou o caráter fundamental da mudança (SOJA, op.cit.). O espaço
foi relegado a um caráter secundário, um produto mais do que um processo. As divisões
e categorizações espaciais foram alçadas a um nível quase que “natural”, intrínsecas,
reflexos dos movimentos da sociedade ao invés de substantiva deles. As formas
territoriais da modernidade eurocêntrica, dividida em espaços fechados de soberania
estatal que reproduzem a mesma lógica taylorista de divisão social do trabalho
(POULANTZAS, 2000), e a construção das identidades nacionais estreitamente
atreladas ao pertencimento a um território (HOBSBAWM, 1990), cristalizaram as
divisões territoriais como categorias intrínsecas.
O espaço esteve associado à estagnação, oposto ao dinamismo do tempo. Por
esta estagnação, foi convertido em representação, modelo congelado de uma dada
situação que só pode ser visualizada fora do fluxo incessante do tempo. O tempo seria
caótico por ser movimento, o espaço seria coerente por ser o repouso:
Para começar, notem que há duas coisas acontecendo aqui:
primeiramente, a questão de que a representação, necessariamente,
fixa e, portanto, amortece e deprecia o fluxo da vida; e, segundo, que
o produto desse processo de amortecimento é o espaço (MASSEY,
2008. p.52)
Condenado à condição de estável, as diferenças geográficas tornam-se
essencializadas, com estatuto ontológico próprio:
A conceituação do espaço moderna, territorial, compreende a
diferença geográfica como sendo constituída, primariamente, através
de isolamento e separação. A variação geográfica é pré-constitutiva.
(Idem, Ibid., p.106)
Forjada sob a clausura de partes perfeitamente delimitadas e justapostas, a
exemplo de um quebra-cabeça onde as peças se encaixam simetricamente, sem
49
sobreposição; as unidades compartimentadas da geografia são ainda expostas a uma
hierarquização cujo critério básico seria a localização no tempo. As diferenças
geográficas são reduzidas, por essa operação, por sequências em uma mesma evolução
histórica, uma história linear e universal:
Além disso, sob a modernidade, não apenas o espaço foi concebido
como dividido em lugares delimitados, como esse sistema de
diferenciação foi também organizado de uma maneira particular.
Resumindo, a diferença espacial era concebida em termos de
sequencia temporal. ‘Lugares’ diferentes eram interpretados como
estágios diferentes em um único desenvolvimento temporal. Todas as
estórias de progresso unilinear, modernização, desenvolvimento, a
seqüência de modos de produção…representam esta operação. A
Europa Ocidental é ‘avançada’, outras partes do mundo encontram-se
‘um pouco atrás’, e outras, ainda, são ‘atrasadas’. ‘A África’ não é
diferente da Europa Ocidental, é (apenas) atrasada. […] Requalificar
eufemisticamente ‘atrasado’ como ‘em desenvolvimento’, e assim por
diante, não contribui em nada para alterar o significado, e a
importação da manobra fundamental: a de tornar a heterogenia
espacial coexistente uma única série temporal (Idem, Ibid., p. 107)
Toma-se o espaço pelo tempo. O MINTER é emblemático desse imaginário.
Pode-se citar, por exemplo, o excerto a seguir, extraído de um artigo da revista
INTERIOR26
que faz referência a Roberto Cavalcanti de Albuquerque27
, técnico do
IPEA e Secretário Geral do MINTER entre 1979 e 1985, quando a pasta era comandada
por Mario David Andreazza, é reveladora:
E a dimensão espacial só vem preocupar quando se diagnosticam
desequilíbrios de níveis ou ritmos de desenvolvimento, especialmente
quando se localizam, regionalmente, defasagens ‘temporais’ de
crescimento, ou seja, ‘atrasos’ relativos, localizados na dinâmica do
processo econômico-social. (INTERIOR, n. 28, Setembro/Outubro de
1979. p. 4.)
A passagem de Roberto Albuquerque pelo MINTER não coincide com o
intervalo temporal exposto a esta análise. A bem dizer, ela é muito mais representativa
de um momento do ministério em que ele já estava muito mais adequado à linguagem e
o pensamento tecnocrático ortodoxo, muito mais familiarizado à ortodoxia econômica
do que à geografia. De toda forma, ela torna-se ilustrativa da prática do ministério com
26
A revista INTERIOR foi uma publicação bimestral editada pelo MINTER entre 1974 e 1989 e
distribuída gratuitamente para escolas e departamentos públicos de todos os municípios do Brasil. Ela foi
muito aproveitada como material informativo e até didático, nas escolas. Minha dissertação de mestrado
foi toda ela dedicada à revista (IORIO, 2010). 27
A matéria de onde se extraiu o excerto não traz identificação de autor, mas dá a entender que Roberto
Cavalcanti de Albuquerque é o autor das ideias veiculadas.
50
tal clareza que não havia até então, sobretudo no seu período de montagem e
institucionalização, que aqui se analisa mais pormenorizadamente.
Três anos depois, o mesmo autor retoma o mesmo tema na mesmíssima
INTERIOR para reforçar a crença na variável espacial:
O planejamento está comumente mais à vontade com a perspectiva
temporal do que com a dimensão espacial do desenvolvimento. Seus
métodos, seus modelos de análise têm se revelado mais aptos para
captar, compreender e explicar sua evolução no tempo do que sua
projeção no espaço.
Essa historicidade do planejamento ocorre tanto no plano teórico
como no aplicado: frequentemente faz-se abstração da variável
espaço, projetando-se, no tempo – passado e futuro –, todo esforço de
análise e previsão. E a dimensão espacial somente preocupa quando se
diagnosticam desequilíbrios de níveis ou de ritmos de
desenvolvimento – sintomaticamente, quando se localizam,
regionalmente, defasagens ’temporais’ de crescimento, ‘atrasos’
relativos localizados na dinâmica do processo econômico-social.
(INTERIOR, n. 43, Março/Abril de 1982. p. 33)
Perceba-se que há uma sutil diferença na perspectiva apresentada no primeiro
excerto. Esta diferença fica mais clara algumas páginas posteriores:
Essa inserção da variável espacial, no entanto, torna-se mais fácil
quando a preocupação obsessiva pelo desempenho se mescla com a
consideração da questão da repartição de seus benefícios (Ibid,
Ibidem. p.38)
O conjunto de excertos é sintomático. A imaginação desenvolvimentista é
inequivocamente temporal, o espaço deve ser percebido quando algum lugar “ficou para
trás”, e ficar para trás significa não estar de acordo com os imperativos da modernidade,
ser atrasado. Desenvolver é fazer avançar no tempo, como se o tempo fosse algo como
um circuito a ser percorrido.
Esse imaginário espacial foi muito bem acomodado no plano de modernização
conservadora que estava sendo empregado pelo MINTER e pelo regime militar como
um todo. A transformação capitalista proposta identificou a sua antítese a ser superada,
preservando determinadas relações sociais e mirando outras. O espaço adequou-se como
o enquadramento perfeito para tornar o atraso algo palpável sem nomear atores sociais
específicos, o que incorreria no risco de afrontar interesses poderosos: era preciso
desenvolver o Nordeste, ocupar a Amazônia, enfim, transformar os lugares atrasados.
Esta transformação visava recuperar defasagens temporais mensuradas basicamente pela
eficiência no ciclo de reprodução do capital. Os lugares modernos eram eficientes na
51
conversão do investimento em lucro, ao passo que os atrasados eram pouco dinâmicos
nesse sentido.
De fato, houve uma transformação técnica do território: “Objetivamente,
tratou-se de uma eficácia técnica inédita, na maneira através da qual se deram a infra-
estrutura setorial e as formas de intervenção do Estado no território” (BOMFIM, 2007.
p.338). A máxima geopolítica de “fazer coincidir o espaço econômico ao espaço da
nação” (Ibidem. p. 277) se fez valer. Avolumou-se a infraestrutura de circulação e
transportes, majoritariamente através das vias rodoviárias que cortaram o território do
país de Norte a Sul e de Leste a Oeste; no tocante às energias, um setor particularmente
relevante naquele contexto haja vista a crise internacional em curso, houveram
investimentos maciço em hidrelétricas (as alternativas, como a nuclear, não produziram
grandes resultados, e o álcool só foi pensado estrategicamente mais tarde); ocorreu
também um desenvolvimento quantitativo e qualitativo das telecomunicações,
propiciando vias de comunicação dentro do território muito mais eficientes que as
rodovias; na agricultura deu-se a intensa mecanização e avanço das fronteiras agrícolas;
na indústria se viu a implementação de um complexo de indústria de base,
principalmente de insumos básicos. Não se pode ignorar que esta modernização se deu a
expensas de custos significativos: a proliferação e o aprofundamento de conflitos
sociais, perseguições políticas, desapropriação de colonos e ribeirinhos nas áreas de
fronteira, empobrecimento da população através dos arrochos salariais e concentração
cada vez maior de renda.
Esta lógica de modernização teve por pretensão “aniquilar o espaço pelo
tempo” (HARVEY, 1992), pensar o espaço para diminuir suas fricções, favorecer o fluir
do capital. O tempo se conjugou à fluidez da modernidade e o espaço à resiliência do
atraso. Objetivamente, o discurso dos desequilíbrios regionais se norteou pela premissa
de homogeneização do espaço enquanto eficiente plataforma de produção do lucro.
Mas isso não foi suficiente para delimitar o atraso, pois se incluiria nesta
categoria as relações produtivas baseadas na propriedade da terra. Estas formas foram
preservadas, e os fazendeiros capitalizados e convertidos em empresários. Já os grupos
com menor expressão política, como índios, ribeirinhos e todas as formas da agricultura
familiar, foram vorazmente combatidos. A arbitrariedade desta escolha pôde ser
legitimada pela obliteração dos sujeitos representados por suas unidades geográficas
estáveis e essencializadas, situadas à frente ou atrás na corrida do tempo. A tomada do
espaço pelo tempo foi a expressão territorial da modernização conservadora, da
52
transformação social tutelada, na medida em que possibilitou definir o atraso sem
especificar relações sociais.
* * *
O que se procurou evidenciar neste capítulo foi a política de modernização –
por modernização entenda-se transformações sociais em direção ao aprofundamento das
relações capitalistas de produção baseadas na esfera política do estado-nacional
ancoradas na racionalidade moderna – levada a cabo pelo MINTER. Tentou-se mostrar
que esta modernização nunca foi plena (de acordo com a noção conceitual do termo), no
sentido de que nunca rompeu radicalmente com a sociabilidade precedente. O território
foi situado como fator de primeira ordem para a viabilidade desta política de
transformação/conciliação. Ele foi bastante útil na medida em que através dele se deu
contornos definidos e claros ao “atraso”, sem nomear classes, grupos e sujeitos sociais
específicos. O Nordeste, a Amazônia, o Brasil Central, entre outros lugares geográficos,
identificaram um objeto a ser interposto, mas não apontaram exatamente as relações
sociais da interposição. Não que este “artifício” tenha sido deliberadamente aplicado
com esta finalidade, é mais contundente pensar que esta racionalidade se insere no
imaginário espacial que toma o espaço por unidades fechadas e estáticas, hierarquizadas
a partir do tempo.
Na prática, é possível se evidenciar que essa política de modernização foi
operacionalizada através da afirmação de campos de poder que se enraízam e passam a
conduzir, nomear, classificar e comandar uma parcela significativa da vida social do
Brasil. Estes campos de poder se concretizam em grande medida através de uma prática
de governamentalização assentada em tradições do conhecimento que remontam ao
pensamento social brasileiro, autores como Alberto Torres, Oliveira Vianna e Euclides
da Cunha (cada um a seu modo), reformuladas pela vigorosa mundialização do
capitalismo após a Segunda Guerra Mundial. Estas tradições do conhecimento foram
implantadas pelo MINTER nos planos de ação de governamentalização a partir dos
ministros responsáveis, Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima. Estes, por sua vez,
entraram em contato e debitaram crédito a estas modalidades discursivas ao longo de
suas respectivas formações e atuação profissional e política28
, decisivas nas
representações de cada um deles sobre o país, seus problemas e suas soluções. Estas
28
No caso da geração de militares da qual pertencem ambas as personalidades mencionadas, a atuação
profissional e política se interpenetram de maneira significativa, ver Svartman (2006).
53
experiências nos respectivos movimentos, instituições e agremiações políticas são a
matéria do próximo capítulo.
54
2. SUJEITOS, TRADIÇÕES DO CONHECIMENTO E FORMAÇÃO MILITAR:
OS FUNDAMENTOS DA GOVERNAMENTALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
Na Introdução desta tese procurei mostrar que a institucionalização do
MINTER revelada a partir dos planos de governamentalização do território se devem,
em seus aspectos mais fundamentais, ao desígnio de campos de poder em formação no
Brasil da segunda metade do século XX, seguindo a proposição teórica dos campos de
Bourdieu (2007). Ainda segundo esta proposta, as ações internas a um campo, seja ele
de qualquer natureza, se devem a diferentes “propriedades atuantes”; ou seja, o capital
que circula, seja ele monetário, simbólico, político, etc. No campo de poder, o poder em
si é o capital circulante.
Este poder é relacional, e seu alcance é determinado pela posição social do
sujeito no conjunto das relações sociais do campo. Aproveitando as palavras de
Bourdieu (op.cit.):
A forma que se reveste, em cada momento e em cada campo social, o
conjunto das distribuições das diferentes espécies de capital
(incorporado ou materializado), como instrumentos de apropriação do
produto objectivado do trabalho social acumulado, define o estado das
relações de força – institucionalizadas em estatutos sociais duradoiros,
socialmente reconhecidos ou juridicamente garantidos –, entre agentes
objectivamente definidos pela sua posição nestas relações. Esta
posição determina os poderes actuais ou potenciais nos diferentes
campos e as probabilidades de acesso aos ganhos específicos que eles
ocasionam (p. 135)
A posição nas relações de poder derivam do capital circulante que dispõe seus
agentes, que os mobilizam para fazer valer seus programas e projetos. Ao analisarmos a
correlação de forças que se define com o golpe de 1964, salta aos olhos o enorme
capital de poder que dispõe a instituição das Forças Armadas, particularmente o
Exército, e, sobretudo, os oficiais de alta patente que, além de serem influentes no
interior da corporação, possuem bom trânsito em segmentos da sociedade que também
desfrutam de capital de poder considerável. Esta posição privilegiada não deriva
somente do poder das baionetas, mas sim de um poder acumulado ao longo da trajetória
do Exército desde o final do século XIX. Por esta razão que, neste capítulo, me
disponho a analisar esta trajetória institucional e também as trajetórias individuais dos
55
dois ministros que imprimiram o conteúdo da institucionalização do MINTER, o mal.
Cordeiro de Farias e o gal. Albuquerque e Lima. Eles são apreciados enquanto
portadores de certas tradições do conhecimento e performadores da realidade social. Por
performadores entenda-se aquilo a que Bourdieu (2007a) chama de poder performativo,
como no caso do discurso regionalista:
O discurso regionalista é um discurso performativo, que tem em vista
impor como legítima uma nova definição das fronteiras e dar a
conhecer e fazer reconhecer a região assim delimitada – e, como tal,
desconhecida – contra a definição dominante, portanto, reconhecida e
legítima, que a ignora. O acto de categorização, quando consegue
fazer-se reconhecer ou quando é exercido por uma autoridade
reconhecida, exerce poder por si: as categorias ‘étnicas’ ou
‘regionais’, como as categorias de parentesco, instituem uma realidade
usando do poder de revelação e de construção exercido pela
objectivação no discurso.(p. 116)
Essa capacidade de objetivação do discurso é um elemento de primeira
relevância. A modalidade discursiva performativa do MINTER é o reconhecimento de
modos de ver e interpretar a realidade, ao mesmo tempo em que contribui para
fortalecê-las. A encarnação mais clara está nos planos de ação do ministério, que segue
uma ordem hierárquica da estrutura e funcionamento do Estado e do governo, que
começa pelo presidente da República e a política geral de governo, a quem o ministro é
subalterno. A pasta é encabeçada pelo titular, que escolhe seus assessores imediatos.
Esta cúpula da hierarquia define o plano de ação1 que será repassado para seus técnicos,
encarregados de executar os planos. Todos os momentos desse movimento
administrativo são relevantes e, pelo princípio da multiescalaridade (BENSA, 1996),
para cada qual tem uma preponderância diferente. Se o objetivo da investigação repousa
mais sobre os planos enquanto ideia primária, orientação geral, então a esfera
presidencial e/ou a cúpula ministerial são mais interessantes. Já se o que se procura são
os princípios da prática em si, então o papel dos técnicos tem que ser mais relevado.
Nesta pesquisa o mais relevante não está nem um nem noutro extremo. Importa
mais o intermediário entre eles. Interessa o plano ideal (idealizado) transformado em
plano de ação, modificado pelos imperativos da prática; ou seja, nem o plano nem a
ação, mas aquele confrontado a este. As Exposições de Motivos, material básico desta
1 O Artigo primeiro do Decreto nº 54026 de 17 de julho de 1964 diz em seu caput: “Incumbe ao
Ministério de Estado Extraordinário para a Coordenação dos Organismos Regionais:” alínea “f”:
“estabelecer o planejamento global das atividades do Ministério, fixando a coordenação, as propriedade
(sic) e os contrôles (sic) das obras e serviços”
56
análise2, revelam exatamente isso, a mediação entre essas duas esferas. Esta mediação é
feita pelo ministro. É por ele, por exemplo, que muitas das reivindicações dos
funcionários se fazem chegar ao presidente, p.ex., enquadramento de carreira, liberação
para treinamento e aperfeiçoamento, liberação para prestar serviço em outro órgão, ou
mesmo sobre parte substancial da ação do MINTER, como pedido de máquinas e
equipamentos, revisão do orçamento, etc. Enfim, o ministro é o sujeito preponderante
da análise que esta investigação se presta a fazer. É ele o mentor fundamental (embora
não único) do plano de ação e governamentalização do MINTER.
Por esta razão que se dedica este capítulo à apreciação destes sujeitos.
Considera-se que as suas convicções, suas maneiras próprias de ler e interpretar a
realidade nacional são fundantes da prática de governamentalização que se forma. Estas,
por sua vez, definem-se, em grande medida, pelos espaços de formação profissional
desses sujeitos, as agremiações políticas que se associam e/ou se identificam, as
tradições do conhecimento pelas quais se familiarizam, simpatizam ou tomam ojeriza.
Tudo isto se confunde com os posicionamentos políticos e ideológicos dos sujeitos em
questão, revelados nos grandes debates nacionais em que eles se manifestaram.
Na primeira parte se faz uma apreciação metodológica para elucidar os termos
da investigação. Na seção seguinte o foco é o processo de profissionalização das Forças
Armadas no seio do campo político no Brasil – chegando ao ponto de configurar-se
enquanto uma classe de força expressiva – consoante com os grandes temas que
mobilizaram notórios e decisivos debates nacionais; a esta classe pertencem os generais
Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima. Este enquadramento se faz necessário porque é
um elemento decisivo na definição do capital social que circula nos campos de poder
em questão. Por fim, analiso a posição social dos sujeitos (ministros) a partir de suas
trajetórias pessoais.
Objetivação metodológica dos “sujeitos”
Os ministros têm posição privilegiada para a compreensão da prática de
governamentalização do MINTER, eles são efetivamente os sujeitos da pesquisa. Tal
assunção exige um recorte metodológico da noção de “sujeito” enquanto categoria de
análise. Os sujeitos aqui definidos tem uma identidade nominal, uma formalização que
os individualizam: Osvaldo Cordeiro de Farias e Afonso Augusto de Albuquerque Lima
2 Ver Introdução.
57
são os nomes pelos quais identificamos estes indivíduos. Mas o que isso precisamente
quer dizer? Pierre Bourdieu (1996) levanta questionamentos sobre essa identidade
imediata e precisa, para ele:
Por essa forma inteiramente singular de nominação que é o nome
próprio, institui-se uma identidade social constante e durável, que
garante a identidade do indivíduo biológico em todos os campos
possíveis onde ele intervém como agente, isto é, em todas as suas
histórias de vida possíveis. (p.186)
E continua:
A nominação e a classificação introduzem divisões nítidas, absolutas,
indiferentes às particularidades circunstanciais e aos acidentes
individuais, no fluxo das realidades biológicas e sociais. Eis por que o
nome próprio não pode descrever propriedades nem veicular nenhuma
informação sobre aquilo que nomeia: como o que ela designa não é
senão uma rapsódia heterogênea e disparatada de propriedades
biológicas e sociais em constante mutação, todas as descrições seriam
válidas somente nos limites de um estágio ou de um espaço. (p.187)
A advertência de Bourdieu é – não sem causar alguma estranheza – bastante
válida. Sua crítica está dirigida à “ilusão biográfica”, título do seu artigo. Segundo este
autor, as biografias e autobiografias (sobretudo estas), valendo-se de um pressuposto
inquestionável da unidade e individualidade do sujeito, fundada em um aporte que
associa uma identidade a uma unidade biológica, incorrem em montar uma trajetória de
vida linear com um sentido, já anunciado e imanente à vida daquele sujeito desde a mais
tenra idade. Como se necessariamente, inevitavelmente, o transcorrer da história de vida
conduziria à condição atual do sujeito. A trajetória de vida passa a ser, por esta lógica,
uma recomposição de fatos que são sequencialmente ordenados para chegar-se a um
fim, aquele já conhecido ou, pelo menos, já manifesto desde o “início”. Trata-se de uma
criação artificial de sentido, que não parte da busca de uma coerência no processo em si
(a vida), mas a coerência é presumida, preestabelecida pela veracidade da unidade
biológica nominalmente identificada.
Os indivíduos, ainda para Bourdieu, fazem sentido em suas ações efetivas
dentro de relações objetivas:
Os acontecimentos biográficos se definem como colocações e
deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos
diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das
diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo
considerado. O sentido dos movimentos que conduzem de uma
posição a outra (de um posto profissional a outro, de uma editora a
58
outra, de uma diocese a outra etc.) evidentemente se define na relação
objetiva entre o sentido e o valor, no momento considerado, dessas
posições num espaço orientado. O que equivale a dizer que não
podemos compreender uma trajetória (isto é, o envelhecimento social
que, embora o acompanhe de forma inevitável, é independente do
envelhecimento biológico) sem que tenhamos previamente construído
os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o
conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado –
pelo menos em certo número de estados pertinentes – ao conjunto dos
outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o
mesmo espaço dos possíveis. (Ibid, Ibidem. P.190)
Grosso modo, o que Bourdieu parece querer chamar a atenção é para uma
excessiva individualização do sujeito, isto é, o reconhecimento de sua identidade e ação
social determinada pela sua trajetória individual de vida. No entanto, esta trajetória não
é tão individual quanto possa parecer, ela é, outrossim, um percurso que atravessa
estruturas sociais diante das quais o indivíduo vai tomar partido, vai executar sua ação
em relação ao campo. Isto não implica em desconsiderar o corte longitudinal que
desenha a trajetória do sujeito, mas sim tirar o seu suposto papel determinante e evitar a
tomada essencializada, teleológica dessa trajetória.
O posicionamento de um sujeito não se encontra na sucessão justaposta de
fatos que recompõe a sua vida, mas sim pelo deslocamento da ação desse sujeito em
diferentes campos sociais. O sentido desse sujeito está no significado das experiências
vividas situadas em relação aos espaços sociais percorridos. Por esta perspectiva a
apreciação dos sujeitos sociais é elevada para o cômputo das instituições sociais que dão
sentido à sua ação social, e não se restringe à unidade biológica nominada que cumpre
um devir, uma história linear. As instituições e os campos sociais não servem apenas
como enquadramento do indivíduo, mas lhe são partes constitutivas. Este é o sentido de
“biografia” que está empregado neste texto: uma trajetória de vida cujo sentido reside
nos deslocamentos entre situações, instituições e campos sociais protagonizados pelo
sujeito.
A ideia de deslocamento cumpre papel importante nesse raciocínio, faz com
que a passagem de uma situação a outra continue a ser relevante, ainda que não
enquanto sucessão de fatos. A experiência vivida em uma dada circunstância, os
conhecimentos assimilados, os capitais simbólico, político, cultural, intelectual, etc.,
adquiridos são postergados e associados ao sujeito em suas situações futuras, não de
forma mecânica, mas relacional.
59
As personalidades aqui em voga são de grande vulto na história do século XX
no Brasil, vivenciaram ativamente fatos importantes para os rumos políticos, sociais e
econômicos do país. Suas visões de mundo, seus projetos de país e, principalmente, seu
capital dentro do campo de poder são forjados nessas experiências. Há um fator de
relevância máxima nesta condição de classe desses sujeitos: a instituição que
compunham. O Exército brasileiro e suas transformações ao longo do século XX
imprimiu uma marca indelével na vida pessoal destes ministros e foram definidores de
seus capitais sociais.
A bem dizer, ambos fizeram parte de uma geração de militares que se
convenceram do “papel cívico” da corporação (i.e., legitimação da interferência na
política dos detentores das armas). Vivenciaram um processo de incremento da
relevância social das Foças Armadas, através de sua organização e profissionalização
impulsionada pela Guerra do Paraguai (1864-1870) e acirrada com os episódios de
abolição da escravatura e proclamação da República (1888 e 1889, respectivamente).
Tinham como ícones militares como o Marechal Floriano Peixoto, símbolo da
valorização da corporação e do ideal republicano, em um país dominado pelas
oligarquias regionais, escravistas e monarquistas. Esta geração formou-se com ímpeto
de atuação política e posicionamento intelectual, além das funções militares.
Esta geração encabeçará o movimento conspiratório que resulta no golpe de
1964. Seus oficiais transcendem as casernas para se fazerem ativos nos embates
políticos, ideológicos e intelectuais no tocante às questões sobre os rumos da
modernização brasileira., a bem da verdade, estes oficiais veem a si mesmos como a
própria encarnação da modernização. Esta representação da corporação e do país são
traços distintivos, bandeiras características de algumas das instituições e socializações
que tecem este enredo, como a ESG, o Clube Militar e a Força Expedicionária Brasileira
(FEB). Ou seja, as ideias e ideais gestadas nas Casernas penetram nos campos
intelectuais e políticos, fazem-se marcar no debate público.
Apesar de não serem intelectuais, no sentido mais usual do termo, Cordeiro de
Farias e Albuquerque Lima, entre outros desta geração, através desta institucionalidade
e sociabilidade, inundam o debate das ideias com suas formulações e projetos para o
país; inclusive, enquanto statemakers, instituiram meios de regulação da vida social,
legitimando e sendo legitimado por tradições do conhecimento; coo diz Sérgio Nunes
Pereira (s/d), os militares constituíram verdadeiros “domínios de saber a partir de
práticas sociais de controle do território e de populações” (s/pág.)
60
As diversas esferas concedem a esses sujeitos, além de uma modalidade
discursiva com ampla penetração, legitimidade para alcançar posições mais distintas,
como a de ministros. Interessante notar que concorrem para essa legitimação não só as
ações legais, mais inclusive as práticas extraoficiais, como as conspirações e rebeliões,
que fazem parte da biografia de ambos, ao que Alfredo Wagner Almeida chama de
“legitimidade contrastante” (1978).
Também não é possível negligenciar o papel fundamental que os espaços
formais de ensino e formação desses sujeitos têm na formação de suas práticas. Não
foram poucos estes espaços que os ministros percorreram: Escola Militar, Escola
Superior de Guerra e Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) são
alguns exemplos por onde passaram ambos os ministros. Estes espaços institucionais
são fundamentais enquanto lugares do “saber legítimos”, definem esquemas de
pensamento, produzem uma homogeneidade lógica, uma comunhão de conceitos, um
compartilhamento de linguagens. A escola não apenas transmite saberes técnicos, mas
cria consenso cultural. É aí que se definem temas compartilhados, ainda que existam
divergências, a primazia da definição das “questões relevantes” e os modos de trata-los
é da escola (BOURDIEU, 2007b):
O que os indivíduos devem à escola é sobretudo um repertório de
lugares-comuns, não apenas um discurso e uma linguagens comuns,
mas também terrenos de encontro e acordo, problemas comuns e
maneiras comuns de abordar tais problemas comuns. (BOURDIEU,
2007b. p. 207)
A cultura é ordenada, os saberes hierarquizados; definem-se classes, elegem os
clássicos. Exemplo disso são os manuais didáticos, sínteses objetivas do que “realmente
é importante”. A escola faz muito mais do que transmitir conhecimentos, ela insere o
indivíduo em esquemas de habitus determinados. Seu próprio funcionamento – com
suas regras, o comportamento exigido, as rotinas, a hierarquia, etc. – cumpri também
esta função, não só os conteúdos. O habitus entendido como o comportamento dos
indivíduos dentro de determinados campos, segundo a estrutura interna do mesmo e o
seu ímpeto particular, sua condição e situação de classe (BOURDIEU, 2007a).
O ensino especializado gera identidades corporativas, nas quais cada sistema
de ensino se propõe a valorizar a si mesmo em detrimento do outro, construindo uma
hierarquia de valores que o favorece. Provido dessa hierarquia o próprio indivíduo
busca a valorização de si através da valorização de seu grupo. As escolas também são
eficientes em criar laços de solidariedade, compromissos mútuos, através do convívio
61
cotidiano. O esprit de corps militar é exemplar disso. Muito forte nos sujeitos aqui
analisados, esse sentimento de pertencimento corporativo e respeito à hierarquia foi
determinante para a coesão entre os militares em alguns momentos agudos do regime
pós-64, o exemplo mais claro foi a sucessão presidencial de Castello Branco, em 1966 e
67, que desagradou parte significativa da corporação, que se resignou diante da
prerrogativa de manter a unidade. Dentre os insatisfeitos, um dos mais notórios foi o
Marechal Cordeiro de Farias, que abandona o posto de ministro do MECOR.
O sistema de ensino formalizado tem ainda a prerrogativa de distinguir
indivíduos, separa os letrados, que tem acesso a um sistema de linguagem sofisticado e
elaborado, dos populares, sujeitos a um sistema construído nas relações imediatas de
trabalho e necessidades concretas. A cultura letrada, diferentemente da popular, tem na
escola e outros estabelecimentos de ensino um instrumento de objetivação de seu saber.
Como será visto, essa identificação enquanto elite letrada é um dos componentes
básicos do discurso que defende a “missão cívica” dos militares.
Enfim, as instituições escolares cumprem papel destacado na conformação dos
sujeitos, seja por meio dos laços de intimidade, pelo compartilhamento de princípios, as
hierarquias, a delimitação de um nós em relação aos outros, p.ex., nós, os letrados, e os
outros, incultos e incapacitados. A escola consagra ainda modos de ver e interpretar a
realidade, esta função é um de seus mecanismos mais eficazes, pois pode contribuir em
grande medida à consagração de verdades, que são postergadas. É um componente
importante para o entendimento das modalidades discursivas convertidas em
governamentalização no MINTER. Alfredo Wagner de Almeida capta bem esta tarefa
em sua análise sobre os discursos sobre a Amazônia, donde ele resgata o conceito
foucaultiano de Archivo:
Archivo como genealogia, consiste num registro variado de
formulações, argumentos, noções operacionais, impressões, metáforas
e figuras de retórica, que se acham ‘arquivados’, de maneira
inconsciente, na representações de diferentes explicadores,
comentadores regionais e intérpretes, que os reproduzem
acriticamente, num automatismo de linguagem, de acordo com um
léxico singular que é acionado a cada vez que se fala de ou sobre a
Amazônia (ALMEIDA, 2008. p. 11)
As escolas efetivamente consagram tradições do conhecimento, compartilhadas
pelos grupos sociais em suas diferentes relações. Os saberes compartilhados, o esprit de
corps, os laços interpessoais de compromisso e identidade social, a constituição de
círculos de afinidades (BERDOULAY, 2008) na corporação militar e para fora dela,
62
elevam o capital social dos seus agentes na medida em que essa corporação eleva sua
capacidade dentro dos campos de poder em que está concorrendo.
Este é o universo complexo que se materializa na noção de “sujeito”. O
universo biográfico dos ministros está concebido no conjunto relacional dos processos
sociais significativos na constituição deles. Por esta razão que é preciso um aporte sobre
as instituições, fatos e acontecimentos mais significativos na conformação desses
sujeitos em tela, o que, em grande parte, se confunde com a institucionalização das
Forças Armadas e a criação de um esprit de corps militar que será determinante nas
convicções políticas e ideológicas deles, e em suas inserções nos debates nacionais.
O material básico que se parte para interpretar essas biografias, sempre a luz do
que interessa a esta pesquisa, foi extraído dos Verbetes Biográficos com os respectivos
nomes dos ministros, que constam no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro
(BELOCH, 1984) do CPDOC/FGV. Para o ministro Cordeiro de Farias, contou-se ainda
com as suas próprias memórias feitas em depoimento concedido a Aspásia Camargo do
mesmo CPDOC/FGV e a Walder de Góes, publicadas em livro (FARIAS, 2001). A
ressalva de Almeida (1978) é cabível:
Os ‘dados biográficos’ porém, são erigidos com material extraído de
esboços realizados pelos intérpretes-biógrafos, que delineiam a
trajetória do autor, e cuja narrativa obedece a regras que perfazem um
modelo de como construir biografias. Um certo distinguir na escolha
do que deve constar no esboço biográfico, advém destas regras e
sendo sua própria atualização, leva os intérpretes do autor e sua obra a
registrar certos nomes e desprezar outros, a privilegiar certas
instâncias e instituições ignorando outras. (p. 24)
Para amenizar essa dependência à visão consagrada pelos seus biógrafos ou as
próprias memórias, utilizaram-se algumas fontes primárias disponíveis no arquivo
pessoal de Cordeiro de Farias, depositados no CPDOC/FGV do Rio de Janeiro, e outros
documentos sobre Albuquerque Lima, que constam no Arquivo Nacional de Brasília.
63
Profissionalização, corporação e intervencionismo: o Exército brasileiro na política
nacional3
Manuel Domingos Neto (1980) abre seu texto com as seguintes palavras:
Explicar o posicionamento de políticos fardados sem levar em
consideração a instituição a que pertencem é pueril e arriscado. Pueril,
porque academicamente insustentável. Arriscado, porque seria difícil
não chegar a conclusões errôneas. O sentido da intervenção política
dos militares está necessariamente vinculado à realidade de suas
corporações (p.43)
Este é o sentido desta seção, apreciar a corporação militar enquanto parte
constitutiva dos sujeitos desta pesquisa. As Forças Armadas viveram acentuadas
transformações da segunda metade do século XIX no Brasil, passaram de uma condição
de ostracismo e desprestígio à elite protagonista. Este processo envolveu passagens
conturbadas e uma profissionalização da instituição considerável. Isto é o processo que
interessa nesta seção. Evidencia-se que as Forças Armadas atravessam esse processo
formando um verdadeiro esprit de corps vigoroso estre seus oficiais, identificam-se
como elite intelectual e técnica, difundem um sentimento de “dever cívico”, uma
espécie de compromisso moral de tutela para com a sociedade civil, se colocaram como
vanguarda da modernização brasileira.
O aprimoramento da corporação contou com a criação de espaços de formação
e aperfeiçoamento que abrangia vasta área do saber, não só restritamente militares, mais
a evocação de questões nacionais, políticas e econômicas. Isso foi sintetizado mais tarde
na ideia de “guerra total” (COUTO E SILVA, 1981), formulada na ESG, uma das
instituições militares mais intelectualizadas, razão pela qual lhe foi atribuía a alcunha de
Sorbonne militar brasileira (VLACH, 2002-2003). A ampliação do escopo de atuação
dos militares é consoante com uma auto identidade da corporação como reserva moral e
técnica do país, o que os credenciaria como aptos a assumir funções de condução
política, econômica e social, não só como um direito, mas como um dever cívico.
As questões territoriais não poderiam passar a esmo, dada mesmo a natureza da
corporação. Nelson Werneck Sodré (2010) chega a dizer que a missão militar, desde a
independência (que ele classifica como a fase autônoma), foi primordialmente defender
e garantir a unidade territorial, salvaguardar as fronteiras, policiar as províncias para
impedir separatismos. O envolvimento profissional dos militares com a manutenção do
3 Esta seção está estruturada fundamentalmente inspirada no trabalho de José Murilo de Carvalho (2006).
Feita essa advertência, o texto que segue evita fazer citações excessivas do trabalho mencionado.
64
status quo territorial, assim como as próprias exigências do exercício de preparação para
o combate propriamente dito, fazem com que esta classe esteja sempre em íntimo
contato com o saber geográfico, incitada mesmo a formulá-lo em consonância com seus
objetivos particulares.
O envolvimento dos militares com o saber geográfico não é novidade,
tampouco privilégio da corporação brasileira. Na França, por exemplo, sabe-se de uma
geografia militar apurada desde a derrota na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871).
Phillipe Boulanger (2006, 2011) analisa a formação deste saber. A princípio, apartada
da escola francesa que contemporaneamente se forma nas universidades, a geografia
militar é influenciada pelo determinismo geográfico na procura por um conhecimento
majoritariamente físico dos terrenos onde no futuro poderiam ocorrer as batalhas.
Durante a Primeira Guerra, por intermédio do Serviço Geográfico do Exército (Service
Géographique de l’Armée), este saber converte-se em sofisticado arsenal técnico de
mapeamento e levantamento de dados sobre os terrenos. Após a Primeira Guerra, este
saber se encontra com aquele universitário, com alguns oficiais desenvolvendo
doutorado na Sorbonne inclusive, amplia seu escopo de análise para investigar questões
como as religiões e as línguas, influenciada pelos métodos da geografia humana
vidaliana. É neste momento que, segundo Boulanger, passa-se de uma geografia da
guerra para uma verdadeira Geografia Militar, que sofrerá posteriormente com certo
esvaziamento em função de abordagens como a geopolítica e a geoestratégia, mais
sedutoras para os parâmetros de combate do após Segunda Guerra Mundial, menos
preso às batalhas campais.
Portanto, a geografia militar é algo muito mais complexo do que o simples
inventário de formas terrestres e posições cartográficas. Mirando a Primeira República
brasileira, Sérgio Nunes Pereira (s/d) delimita, mesmo que preliminarmente, uma noção
de geografias militares:
Numa caracterização preliminar, as geografias militares podem ser
definidas como agrupamentos funcionais de saberes e práticas
desenvolvidas na instituição militar com o qualificativo geográfico.
Partindo do pressuposto de que um saber pode ser considerado como o
conjunto de elementos formado de modo regular por uma prática
discursiva, e com base no exame dos periódicos e currículos militares
do final do século XIX e início do seguinte, pude identificar quatro
campos de atuação que poderiam ser assim denominados: 1) o saber
cartográfico, tributário da geografia matemática e materializado na
elaboração de mapas; 2) o saber topográfico, representado pelas
atividades de reconhecimento e exploração do terreno; 3) a geografia
65
militar stricto sensu, ou o estudo das variantes do meio geográfico no
teatro de operações e suas implicações no domínio da tática militar; e
4) o discurso geopolítico de defesa nacional, que desde o final do
século XIX já tinha seu delineamento em torno de temas como
fronteiras, colônias militares, estradas de ferro e linhas telegráficas.
(s/pág.)
Progressivamente, a noção de Geografia Militar (ou no plural, como prefere
Sérgio Nunes Pereira) ganha definição mais precisa que revela, por paradoxal que possa
parecer, a amplitude deste campo específico do saber, forjado muito estreitamente
próximo a uma prática profissional particular. Esta geografia militar permeia a
modalidade discursiva consubstanciada na governamentalização do território pelo
MINTER, entretanto, as tradições do conhecimento que substanciam esta modalidade
extravasam esses limites, elas afluem mais de fontes consagradas no pensamento social
brasileiro. Isto se deve ao fato de que, na medida em que ganhavam em relevo e
importância, os militares brasileiros ampliavam sistematicamente seu espaço de
intervenção na sociedade, ampliando consequentemente o escopo de suas reflexões, que
transbordavam para as áreas políticas, sociais e econômicas em geral. Dado o princípio
do “dever cívico”, o saber (entre eles o geográfico) da geração de militares que são
sujeitos desta pesquisa é mais abrangente que a geografia militar, mesmo em seu
sentido amplo. É preciso, pois, compreender melhor este processo.
O Exército, a Proclamação e a República
A passagem do século XIX para o XX foi singular para a formação social
brasileira em geral. Ali lançaram-se interpretações, projetos políticos e intelectuais para
o país que converteram-se em matrizes interpretativas do pensamento social e político
desde então (MACHADO, 2002). Em termos políticos, sociais e econômicos ocorrem
transformações de primeira ordem de importância, como o advento da República, o fim
do escravismo, a ascenção do café e as primeiras indústrias, etc. O mesmo se dá com as
Forças Armadas, que redefiniu radicalmente sua função e composição social, sua
filosofia, seus métodos, seus propósitos. Por esta razão que, para entendermos a posição
social da instituição militar no campo de poder no qual se enquadra o MINTER,
resgatamos a formação dessa instituição desde a participação dos militares na
Proclamação da República, em 1889. Este fato é evidenciado na memória dos
protagonistas de 1964, particularmente muito marcante em Cordeiro de Farias, cujo pai
era militar e vivenciou os acontecimentos republicanos, conforme se verá mais adiante.
66
As Forças Armadas brasileiras do século XIX mantinham, a princípio, o
modelo europeu de organização, especialmente em relação ao recrutamento. Os oficiais
eram aliciados nas camadas nobres da sociedade, enquanto as praças nos estamentos
inferiores. O fato de a independência nacional não demandar um envolvimento militar
mais contundente, diferentemente dos outros países, não obrigou as Forças Armadas a
ampliarem seu recrutamento de imediato, garantindo a continuidade do modelo colonial
(CARVALHO, 2006). O recrutamento militar seguiu-se orientado pelo critério de
nobreza, riqueza e/ou poder. Esta tendência foi sofrendo alteração, tornando-se mais
endógena, cada vez mais os novos oficiais eram em grande parte filhos de militares.
Com as leis de ampliação do recrutamento militar (sobretudo a de 1874), os oficiais do
Exército tornam-se predominantemente de classe média e pobre, muitos dos quais
aderiam à carreira militar como única opção de ascenção social; os da Marinha tinham
maior vínculo com os altos estamentos da sociedade. As praças de ambas as armas eram
aliciadas entre as camadas mais pobres4.
A esta época existia ainda a Guarda Nacional (criada em1831), uma força
armada teoricamente auxiliar ao Exército5. A composição social desta força ela muito
mais elitizada:
O piso da renda para o serviço na Guarda excluía dela praticamente
todos os cidadãos que eram normalmente recrutados para o Exército e
a Marinha. A Guarda incorporava os grupos de renda mais alta do
país, ao passo que o Exército não se ligava a esses grupos nem mesmo
pela oficialidade, como em parte o fazia a Marinha. Criou-se assim
um verdadeiro divórcio entre o Exército e a sociedade civil.
Marginalizada, a oficialidade do Exército desenvolveu uma acentuada
agressividade contra essa elite, representada sobretudo pelos políticos.
(CARVALHO, Ibid. pp. 21-22)
A Guarda Nacional era a expressão armada das oligarquias regionais. Estava
sujeita às autoridades locais, não ao poder central. Os oficiais do Exército sentiam-se
escorraçados na ordem política imperial; aí se formou a repugnância dos militares do
Exército contra as elites políticas e as oligarquias tradicionais (SODRÉ, op.cit.)
4 José M. de Carvalho (op.cit.) observa a esse respeito: “Em 1913, 24 anos após o final do Império, Leitão
de Carvalho ainda dizia que as principais fontes de recrutamento do Exército eram: a) os nordestinos
afugentados pelas secas; b) os desocupados das grandes cidades que procuravam o serviço militar como
emprego; c) os criminosos mandados pela polícia; d) os inaptos para o trabalho. Era, segundo ele, uma
seleção invertida.” (p. 20) 5 “A Guarda Nacional era, segundo a lei que a criou, uma organização permanente, consistindo o seu
serviço ordinário, dentro e fora dos municípios, em destacamentos à disposição dos juízes de paz,
criminais, presidentes de províncias e ministro da Justiça, mediante requisição da autoridade civil.”
(Sodré, 2010. p .152). O alistamento era obrigatório a todos os homens de 18 a 50 anos, segundo Sodré; e
de 21 a 60 anos com renda maior de 100$000, segundo Carvalho (op.cit.).
67
A profissionalização do Exército dá mais um passo quando a instrução militar
foi aperfeiçoada com a Escola Militar da Praia Vermelha (1874-1904), que herdou a
parte do ensino propriamente militar da antiga Academia Real Militar desmembrada
também em uma parte civil, transformada na Escola Central. Aprofunda- o ímpeto de
modernizar as Forças Armadas, o que implicou em uma tensão pela modernização da
sociedade brasileira como um todo:
No Brasil, a Escola Militar também foi a principal instituição a
desenvolver características ‘modernas’ no seio de uma sociedade
predominantemente tradicional – rural, patriarcal e hierarquizada –, e
que assim permaneceria até bem depois de instituída a República.
Dentre essas características, duas se destacam: a supervalorização do
princípio do mérito a predominância, entre os alunos, de uma
mentalidade ‘cientificista’. Eram esses dois elementos que, como já
apontei, constituíam a base da identidade social da ‘mocidade militar’.
(CASTRO, 1995. p.42)
A Escola da Praia Vermelha tornou-se parte obrigatória de todos os oficiais que
almejavam posições de comando, e por isso foi fundamental para a corporação. Ali
prevaleciam os “bacharéis militares”, em oposição aos “Tarimbeiros”, como
pejorativamente eram conhecidos os oficiais mais velhos no fim do Império, em geral
ex-combatentes da Guerra do Paraguai e sem passagem por instrução militar nas escolas
específicas, eram mais afeitos às técnicas de combate em si. Diz Carvalho (op.cit.): “Se
Benjamin Constant e Euclides da Cunha eram exemplos do primeiro tipo de oficial
[bacharéis], Deodoro era a personificação do segundo [tarimbeiros]” (p.26)
Para José M. de Carvalho, o estereótipo de bacharéis fardados deve-se à
difusão da doutrina positivista na Escola da Praia Vermelha, cujo principal responsável
seria Benjamin Constant, professor na escola a partir de 1872. É aí, segundo ele, que se
dá a aceitação à ideia de soldado-cidadão, a que se pode identificar como o primeiro
esboço do princípio interventor dos agentes militares, que desaguou na Revolução de
1930 e no golpe de 19646.
O credo positivista converteu-se entre os oficiais na valorização do mérito e da
ciência (CASTRO, 1995)7. Cabe lembrar que se trata de jovens oriundos dos estamentos
6 Há aí uma controvérsia que vale menção. Nelson Werneck Sodré (op.cit.) nega solenemente a influência
do positivismo na formação de um “espírito democrático” entre oficiais do Exército. Para ver sua
argumentação, consultar as páginas 215-216 de sua obra. Entretanto, a bibliografia mais atual é unânime
em identificar o positivismo com o papel político do Exército entre os oficiais (sobretudo os mais jovens)
desde o final do século XIX. Ver, entre outros, José Murilo de Carvalho (op.cit.), Alfredo Bosi (1992) e
Celso Castro (1995) 7 “Não é difícil entender o interesse despertado pela doutrina positivista entre os alunos. Em primeiro
lugar, pela importância que atribuía à matemática e às ciências. Em segundo lugar, pela oposição tenaz ao
68
médios e baixos da sociedade, cujas pretensões de ascenção social colidiam diretamente
com o privilégio das aristocracias. Os intelectuais das elites assentadas, formados nas
tradicionais faculdades de Medicina e Direito, eram vistos por estes jovens como
diletantes e retóricos, avessos ao trabalho e à utilidade. Contra o privilégio de classe,
eles propunham o mérito e a meritocracia; contra o diletantismo, propunham a razão
científica. Ambos os critérios os favoreciam, os indicavam como elite mais preparada,
vanguarda da modernização. É esta crença que gera a ideia do soldado-cidadão,
fundamental para a Proclamação da República em 1889.
Enfim, o positivismo parece ser o traço característico da cisão ideológica entre
o oficialato antigo e os jovens oficiais8 (os “tarimbeiros” e os “bacharéis”), estes se
voltavam para o cientificismo, almejavam avançar na carreira, objetivavam maior
destaque e relevância na condução do Exército e do país, com fé no argumento do
mérito. Posição que colocava estes jovens oficiais também em antagonismo à sociedade
tradicional assentada, lançando-os à participação política enquanto elite intelectual,
científica. O positivismo foi a base da ideologia intervencionista que predominou entre
os jovens oficiais9 na Proclamação da República e nos anos subsequentes
10.
O fortalecimento da corporação do Exército se aprofundou através da
influência estrangeira (DOMINGOS NETO, 1980). Em 1906, 1908 e 1910, por
recomendação de Barão do Rio Branco, então ministro das relações exteriores, foram
enviados jovens oficiais para estagiar por dois anos na organização militar alemã, , este
grupo ganhou o codinome de “jovens turcos”. O ministro, que segundo Trevisan (1985)
era um admirador do exército alemão, teria sugerido ao Marechal Hermes da Fonseca,
ministro da Guerra na ocasião, que enviasse os oficiais brasileiros em função da crise de
imagem que vivia o exército diante das dificuldades em Canudos. Na Alemanha, esses
oficiais tiveram contato com um exército às vésperas da Primeira Guerra Mundial, e
espírito legista encarnado idealmente pelos bacharéis em direito – característico do ‘estágio metafísico a
ser superado. Terceiro, pelo lugar de destaque reservado à nova elite ‘científica’ no estágio positivo que se
avizinhava.” (CASTRO, op.cit. p. 67)
8 Para a hierarquia do oficialato do Exército ver Apêndice 2.
9 José Murilo de Carvalho (op.cit.) chamou esse movimento de primeiro tenentismo.
10 É válido lembrar que esta constatação destoa do clássico estudo de Sérgio Buarque de Holanda (1995),
já citado neste texto. Para o consagrado historiador o positivismo no Brasil não teria passado de uma
continuidade com as ideias liberais (pregadas pela elite aristocrática), mais uma versão de sofismas
ancorados na habilidade das ideias, e não na sua correspondência com a realidade, ilustrando seu
argumento justamente com Benjamin Constant.
69
com as obras Clausewitz e Moltke11
, para quem as funções do exército não se
restringiam às armas.
A demanda pela atuação estrangeira não foi consensual entre os oficiais,
sobretudo os mais velhos. Tanto os “tarimbeiros” quanto os “bacharéis” se opunham a
esta intervenção, entusiasmadamente defendida pelos mais novos no começo do século
XX12
, com destaque para os jovens turcos, que viam na influência dos estrangeiros a
possibilidade de ascender na carreira, processo até então pouco claro, mais alimentado
por “apadrinhamentos” do que por mérito. As inovações que trariam os estrangeiros
necessariamente mexeriam com as estruturas tradicionais que favoreciam os mais
antigos, estes, por sua vez, acusavam as expedições estrangeiras de ser uma ingerência,
crise de comando, quebra de hierarquia, etc. Temiam ainda, os oficiais mais antigos, que
a chegada de estrangeiros pudesse provocar a queda de seus prestígios na corporação, já
que as novas técnicas poderiam expor ao ridículo alguns feitos dos quais eles se
vangloriavam, como a Guerra do Paraguai.
Prevaleceu a vontade daqueles que queriam receber os estrangeiros e em 1919
chegou ao Brasil a Missão Francesa, liderada pelo general Maurice Gamelin. Entre as
alterações significativas causadas pela missão estiveram as novas regras de promoção e
a reforma no ensino, destacadamente na formação de oficiais para o Estado Maior. A
modernização do Exército seguia a passos largos. Esta força armada se vê limitada em
suas transformações por causa de problemas externos à corporação, estruturais do país.
Frente a esta nova concepção, o Exército atribui a si mesmo a obrigação de modernizar
também o país. A influência estrangeira faz ganhar relevância a doutrina que dilata a
função do Exército na sociedade:
A mudança permitiu ainda uma extraordinária expansão do escopo do
papel do Exército. A nova concepção de defesa abrangia todas as
dimensões relevantes da via nacional, desde a preparação militar
propriamente dita até o desenvolvimento de indústrias estratégicas
como a siderurgia. É significativo que já em 1927, por influenciada
missão, foi criado o Conselho de Defesa Nacional, cujo objetivo era
planejar a mobilização nacional para a defesa, incluindo aspectos
psicológicos e econômicos. (CARVALHO, op.cit. p. 29)
11
Clausewitz e Moltke eram teóricos de guerra prussianos, responsáveis pela difusão da ideia da guerra
como prolongamento da política. Segundo Trevisan (op. cit.), estes autores defendiam que uma Nação
deve definir os seus objetivos, e caberia ao exército a garantia de seu cumprimento, ao passo que a
própria Nação deveria então se submeter às estratégias do exército para cumprir os objetivos, seja qual for
a circunstância e a condição colocada. 12
Os “bacharéis”, que eram os jovens oficiais no momento anterior, agora já estavam com suas carreiras
consolidadas, assumindo posições relevantes na hierarquia e na instrução militar.
70
No entanto, esta nova doutrina trazida pelos franceses se diferenciava daquela
que vigorou na Proclamação e nos primeiros anos da República. Ampliar o escopo de
preocupação e atuação do Exército não incluía as funções políticas. Os franceses trazem
a ideia do soldado a serviço da Nação. Ao povo cabe tomar as diretrizes políticas, e ao
exército garantir a realização destas. À doutrina do Exército interventor se contrapõe a
do soldado profissional. Mas esta não parece ter sido internalizada plenamente:
No entanto, uma coisa é certa, a influência da missão francesa, para
essa fração da jovem oficialidade, garantiu a internalização de um
senso de profissionalismo e um padrão de organização moderno sem
que houvesse, contudo, adoção da imagem do Exército como sendo o
grande mudo, alheio às questões políticas. (SVARTMAN, 2006. p.89)
Em 1911, como parte da profissionalização do Exército, foi fundada a Escola
Militar do Realengo, em substituição à Escola Militar da Praia Vermelha, extinta em
190413
em função das frequentes revoltas e levantes que de lá partiam. A nova Escola
foi uma da sequência de cinco reformas entre 1905 e 1929 do ensino militar objetivando
aprimorar a formação técnica, a disciplina militar e a ideologia do soldado profissional,
nitidamente inspirando-se nos modelos europeus. Com estas reformas o ensino ganhou
relevância como critério de promoção na carreira. Especificamente a Escola do
Realengo foi criada com o intuito de apartar os oficiais das atividades políticas. A
localização distanciava os oficiais do centro do Rio de Janeiro, o regime de internato foi
progressivamente implantado, um severo regime disciplinar conduzia as atividades,
mantinham-se os oficiais concentrados em práticas militares stricto senso, reduziam-se
os conteúdos “bacharelescos”.
A nova Escola do Realengo tentava diminuir a influência do positivismo, por
seu conteúdo excessivamente teórico e pela sua incitação à política. Ao mesmo tempo,
através das práticas e da convivência na Escola, extremamente rígidas e hierárquicas,
iam difundindo-se saberes militares e valores morais enaltecendo o esprit de corps da
corporação:
No Realengo, a formação curricular e o tipo de vivência em regime de
internato e com forte grau de solidariedade entre os cadetes, ia lhes
instituindo os saberes, gostos, afinidades, valores e expectativas de um
futuro oficial ao mesmo tempo que isso se fundia com uma espécie de
compromisso com a pátria que ia muito além da ‘defesa’ mas com
13
No interregno entre 1904 e 1911 a instrução militar funcionou no Rio Grande do Sul, na Escola de
Guerra em Porto Alegre.
71
uma ‘tradição’ republicana de ‘arrancadas revolucionárias’ em defesa
da nação. (SVARTMAN, 2006. p.94)
A iniciativa de evocar o soldado profissional, acalmando os ímpetos de atuação
política dos cadetes e jovens oficiais não foi de toda bem sucedida. O profissionalismo
francês foi assimilado sem abalar completamente o senso de “dever cívico”, e a Escola
do Realengo, muito em função do esprit de corps, formou oficiais preparados
tecnicamente, mas exaltando o “espírito da Praia Vermelha”, que engrandecia a
representação do Exército que tinham os cadetes. A ativa consciência política dos
oficiais se fez perceber no tenentismo de 22, na oposição do Exército aos governos de
Arthur Bernardes (1922-1926) – quando se formou a famosa Coluna Prestes-Miguel
Costa – e Washington Luís (1926-1930).
Na década de 1920 o Exército já era uma instituição bastante complexa e
profissionalizada. Mesmo assim, o “espírito da Paria Vermelha” não se fez esquecer, e
os jovens oficiais, em sua maioria de famílias das classes baixas ou médias,
decepcionados com os rumos políticos do país após a eleição de Arthur Bernardes para
a presidência. O eleito, explicitamente comprometido com a oligarquia cafeeira, das
elites oligárquicas e do status quo, portanto, superou o seu rival Nilo Peçanha, apoiado
pelos militares mais novos. A partir de 1922 eclodiu uma série de levantes do oficialato
jovem, principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, mas também
em outros estados.
Os levantes levaram à formação da Coluna Prestes-Miguel Costa, que partiu de
Foz do Iguaçu, onde se encontraram a Coluna paulista, liderada por Miguel Costa,
oficial da cavalaria da Força pública de São Paulo, e a Coluna gaúcha, liderada por Luiz
Carlos Prestes, então capitão do Exército. Juntas, as duas colunas nunca foram vencidas,
percorreram o interior do país a partir de 1925, cessando as atividades em 1927, quando
já estava terminado o mandato de Arthur Bernardes. Em termos práticos, a Coluna não
resultou em nenhuma vitória significativa, mas simbolicamente ela foi muito bem
sucedida, por não ter sido derrotada nenhuma vez pelas tropas governistas, e por
entusiasmar o espírito transformador presente no Exército (ALEXANDER, 1979).
Em síntese, aproveitando a síntese elaborada por José Murilo de Carvalho
(op.cit.), é possível se dizer que em geral são três as ideologias predominantes no
Exército da Primeira República: i) soldado cidadão, ou intervenção reformista; ii)
soldado profissional, ou não-intervenção; iii) soldado-corporação ou a intervenção
moderadora.
72
A primeira delas é característica da atuação do tenentismo, tanto na
Proclamação da República quanto nos levantes da década de 1920. Está ideologia está
calcada na influência do positivismo no meio militar, relaciona-se com a suposição de
serem os oficiais uma elite intelectualmente preparada e moralmente superior às elites
políticas civis, responsáveis pela política de privilégios. Esta crença difundiu o ideal
reformista, segundo o qual era preciso se enfrentar e transformar os atrasos da sociedade
nacional, mesmo que entre eles esteja o próprio Exército. É aí que reside o maior
problema de ordem prática desta doutrina. Para o reconhecimento dos oficiais militares
como superiores e preparados, é preciso se reconhecer o valor e o peso da corporação.
Mas o corporativismo é posto em xeque pelos jovens oficiais quando priorizam os
princípios reformistas em detrimento da hierarquia.
A segunda ideologia, do não intervencionismo, tem nos jovens turcos seus
principais arautos, mas em geral é compartilhada também pelos alunos da missão
francesa. Escorados no princípio do profissionalismo, estes oficiais veem o Exército
como subordinado ao presidente da República, encarregados tão somente da defesa do
interesse nacional, escolhido na esfera civil-política. Estes oficiais rechaçam os levantes
militares, como se proclamou na revista Defesa Nacional (marca registrada dos jovens
turcos) deslegitimando o movimento dos tenentes em 1922.
A terceira ideologia é algo como a superação dialética de ambas. É mantido o
apreço pela formação técnica e profissional do militar, mas também o ideal de
intervenção militar na política é mantido, mais uma vez com o respaldo na crença da
superioridade moral e técnica do oficialato. Entretanto, por essa doutrina, a intervenção
não pode partir de movimentos internos, mas sim de toda a corporação, obedecendo a
hierarquia. É esta a ideologia que prevalece na Revolução de 1930, quando os antigos
tenentes já eram coronéis e generais, muitos deles promovidos a toque de caixa pelas
circunstâncias, e Góes Monteiro talvez seja seu retrato mais bem acabado. O próprio
José Murilo de Carvalho (op. cit.) resume melhor esta doutrina:
A ideologia do poder moderador das Forças Armadas tem aí sua
primeira formulação sistemática. Era uma combinação do
intervencionismo tenentista com as transformações estruturais da
organização militar promovidas pelos reformadores. Em outras
palavras, era o intervencionismo de generais, ou do Estado-Maior, o
intervencionismo da organização e não apenas de alguns de seus
membros. (p. 42)
73
Esta seria a marca da ação política dos militares a partir de então, marcante na
Revolução de 1930 e decisiva no golpe de 1964:
Desaparecera o soldado-cidadão para surgir a corporação e a classe.
Desaparecera a ideia de intervenção contestatória e surgira a de
intervenção controladora. A Primeira República viu o surgimento e o
auge da primeira mas gerou também as bases da segunda. (Ibid.
Ibidem. p.43)
Da Revolução de 1930 ao golpe de 1964
Se na Primeira República o Exército se transformou, se profissionalizou,
aperfeiçoou as técnicas militares, fortaleceu seu aspecto organizacional,
institucionalizou regras de ingresso e ascenção na carreira, aprofundou suas bases
sociais. Estava ainda em vias de enrijecer a submissão hierárquica, consolidar uma
doutrina sólida, criar consistência ideológica e homogeneidade. Em suma, o Exército
tornou-se uma poderosa corporação – mesmo que ainda com secções internas – em um
país em que as outras instituições não gozavam de força equivalente, as elites
tradicionais sucumbiam ao seu próprio modelo econômico mergulhado na crise
mundial, e no processo de urbanização que começava a solapar as bases oligárquicas
rurais.
Foi munido dessas condições que o Exército protagonizou o movimento de
1930 que depôs Washington Luís e ascendeu Getúlio Vargas ao governo, enterrou
definitivamente a República Velha com a qual se digladiava desde o fim do governo de
Floriano Peixoto (1894). Salvaguardada pelas doutrinas intervencionistas, a corporação
entrou no primeiro plano de relevância na política brasileira desde então. Participou
ativamente – em certos casos definitivamente – das principais questões que animaram a
política brasileira até 1985, quando toma posse o primeiro presidente civil (José Sarney)
desde o golpe de 1964.
O movimento de 1930, no entanto, não foi o suficiente para conter as
divergências internas entre os oficiais, e externas entre militares e as lideranças civis
que começavam a ver com desconfiança as intenções dos militares. No decorrer do
governo varguista de 1930 a 1945, operou-se outra transformação do Exército no
sentido de garantir a coesão interna e a força política da corporação através da doutrina
do intervencionismo controlador.
Isto porque, na Primeira República, os militares reivindicaram e conquistaram
a abertura do Exército à sociedade, i.e., ampliou-se sua base social, antes restrita às
74
classes subalternas, agora atingia também setores mais elevados. O Serviço Militar
obrigatório, em toda a sua rede que se formou, possibilitou que civis se familiarizassem
com a corporação. Estas medidas ampliaram a composição social do Exército, o que era
o desejo dos oficiais. No entanto, colateralmente, os conflitos e clivagens políticas da
sociedade civil agora estavam mais bem representados internamente, os conflitos
políticos da sociedade ressonavam na corporação. Para contornar isso se optou pelo
fechamento do Exército à sociedade14
, torna-lo imune às divergências ideológicas e
políticas presentes na sociedade civil. Era preciso consolidar a força da hierarquia e
isolar divergências doutrinárias.
A primeira medida foi dificultar a passagem de praças a oficiais, evitando-se
clivagens políticas de cunho popular; a seleção dos cadetes na Escola Militar passou a
adotar critérios bem restritivos; fez-se uma base legal que proibia a atuação política dos
oficiais, inclusive desencorajando-os de participar de cargos eletivos, de associações e
agremiações. Tudo isso quem esteve a frente foi Góes Monteiro, ex-aluno da missão
francesa, combateu a Coluna Miguel Costa-Prestes pelas tropas governamentais, agora
Ministro da Guerra de Vargas, um dos pilares de sustentação do governo e
personificação do ideal de intervencionismo controlador. A ideia era restringir a
participação política do Exército à ação em bloco, e não isolada dos oficiais.
Mas para haver homogeneidade na corporação era preciso que ela existisse na
alta cúpula, e isso estava longe de existir no pós-1930. O movimento revolucionário,
como não contou com o suporte da alta hierarquia militar, causou constrangimentos e
mal-estar entre os jovens vitoriosos e os oficiais que lhes eram superiores. A solução foi
uma radical renovação da cúpula militar, alguns protagonistas de 1930 foram
rapidamente impulsionados às altas patentes e outros generais e coronéis foram
progressivamente apartados da instituição por alegações diversas, a exemplo da
acusação de sublevação direcionada aos alto-oficiais que apoiaram o levante paulista de
1932.
Havia ao todo em torno de 15 generais-de-divisão e 25 generais-de-
brigada. Entre 1930 e 1933 foram, por uma razão ou outra, excluídos
14 generais-de-divisão e 18 generais-de-brigada. No mesmo período,
foram nomeados dez novos generais-de-divisão e 26 novos generais-
de-brigada. Desses 26, dez foram promovidos em 1931 e dez em
1932, logo após a Revolução Constitucionalista. Assim é que em 1935
14
As expressões “abrir o Exército à sociedade” e “fechar o Exército à sociedade” são de José Murilo de
Carvalho (op. cit.).
75
todos os generais-de-brigada já tinham sido promovidos pelo governo
revolucionário. (CARVALHO, op.cit. p.83)
Com essas medidas o Exército deu um salto qualitativo. Os tenentes de 1922,
misturados aos adeptos do profissionalismo preconizado pela influência estrangeira,
almejavam agora o comando da corporação, punem os levantes individuais e fazem da
doutrina do intervencionismo controlador sua linha de atuação.
A expressão mais bem acabada da doutrina foi a ditadura do Estado Novo,
proclamado em 1937 em resposta ao levantes comunistas de 1935. Ali se definiu
efetivamente a impossibilidade de um governo puramente civil. A ameaça fez crescer a
reivindicação e aparelhamento do Exército, elevando significativamente seu orçamento,
convertido em preparação técnica e bélica. Mais do que isso, Góes Monteiro e a nova
cúpula militar atribuíam ao governo civil o retrocesso, o atraso, a volta à política liberal
das elites agrárias. O Exército se viu incumbido de garantir as mudanças sociais, foi aí
que se viu comprometido com os ideais da industrialização e do desenvolvimento em
nome da segurança da Nação. Segurança e Desenvolvimento, palavras-chave
posteriormente sistematizadas explicitamente na Doutrina de Segurança Nacional da
ESG, são casadas nesse momento, já como justificativa para a intervenção militar:
Estava aí enunciado todo o projeto de intervencionismo controlador:
ampla interferência estatal em todos os setores; ênfase na defesa
externa e na segurança interna; preocupação com a eliminação do
conflito social e político em torno da ideia nacional; industrialismo
nacionalista; e a liderança das Forças Armadas, sobretudo do Exército,
na condução das mudanças, a partir de uma posição hegemônica
dentro do Estado. (CARVALHO, op. cit. p. 96)
A bandeira da intervenção militar deixa de ser a transformação social para ser a
sustentação do Estado e da Nação, figurados das ideias de desenvolvimento econômico.
A princípio, o incentivo de Vargas à modernização do Exército foi suficiente para o
apoio destes àquele. O presidente, por sua vez, precisava dos fardados como
componente de forças para se contrapor às oligarquias tradicionais. A ambos, Forças
Armadas e Getúlio Vargas, interessavam mudar a base política e econômica do país; a
urbanização e o industrialismo significava isolar e erodir cada vez mais os alicerces
oligárquicos.
O Estado Novo de 1937 foi a materialização do que pensava Góes Monteiro e
coincidia com os interesses políticos de Vargas, tanto no que se refere ao papel das
Forças Armadas quanto à economia. Foi a consolidação do Exército na arena política,
76
agora ainda mais equipado, ainda mais profissional, coeso e homogêneo em como se
apresentava à sociedade civil:
Os militares se consolidaram como atores políticos assumindo, pelo
lado político, a garantia da base social das elites tradicionais e, pelo
lado econômico, a promoção dos interesses da burguesia industrial
emergente. A ênfase posta no controle político, na integração
nacional, na industrialização, reforçava a emergência do capitalismo
industrial, contrariando apenas os interesses políticos das oligarquias.
Era um reordenamento, via Estado e Forças Armadas, do antigo
sistema de dominação, feito, no entanto, sem ampliar a participação
política, isto é, sem democratização. Era um capítulo da modernização
conservadora. (CARVALHO, op. cit. p.110. grifo nosso)
Conforme se pode ver, a questão central desta pesquisa – a combinação entre o
moderno e o atraso – está diretamente relacionada ao processo de complexificação do
Exército no qual estão inseridos os primeiros representantes maiores do MINTER, mas
isso é uma demanda a ser discutida mais adiante.
Essa lua-de-mel tornou-se divórcio15
com o fim da Segunda Guerra Mundial,
quando Vargas foi deposto ainda em 1945. A partir daí as relações entre Vargas e os
militares passou a ser determinante na clivagem política interna à caserna. A maioria da
cúpula militar se apartou de Getúlio Vargas, inclusive Góes Monteiro. Isso porque o
getulismo, com o aproximar do fim da Segunda Guerra, voltava-se cada vez mais para o
apoio popular como esteio de seu comando, fundando suas bases no trabalhismo. Os
militares não aceitavam essa aproximação, primeiro porque estavam profundamente
envoltos no sentimento anticomunista – para eles, o trabalhismo era expressão do
comunismo –, em segundo lugar porque não aceitavam compartilhar o poder político e
o governo com mais um segmento social. Na medida em que o Exército conseguiu se
equipar, expandir suas bases sociais e fechar-se internamente em princípios de
obediência hierárquica se viu como o principal agente protagonista, condição que estaria
ameaçada em caso de adesão ao trabalhismo.
Foi assim que Vargas perdeu o apoio dos oficiais adeptos dos ensinamentos
estrangeiros, como Góes Monteiro, e dos tenentistas, como Juarez Távora. Esses dois
grupos, unidos em torno da doutrina da intervenção controlada, foi a base do golpe
político de 1964. Desde então, o posicionamento em relação a Vargas e seu governo
passou a ser um dos pontos determinantes das clivagens políticas dentro do Exército. Na
caserna refletiram-se os acalorados debates que mobilizavam a sociedade nacional em
15
Mais uma vez os termos são de Carvalho (2006).
77
um dos seus períodos mais conturbados politicamente. Mas em 1945 a corporação não
era mais como em 1922, por obra da dupla dos Generais Góes Monteiro e Eurico
Gaspar Dutra, ela era mais complexa, mais preparada, com uma estrutura de mando bem
montada; já não havia mais espaço para intransigências e manifestações pessoais dos
subalternos, somente as altas patentes estavam autorizadas a falar e pensar pela
corporação. O esprit de corps falava mais alto que as convicções individuais.
O Estado Novo foi sucedido pelo governo do General Eurico Gaspar Dutra, ex-
ministro da guerra do presidente deposto que, em 1950, retornou ao posto máximo da
República, desta vez eleito em sufrágio universal. Neste intervalo até 1964 a acirrada
disputa política no plano civil se reproduziu nos meio militar, mas foi parcialmente
contida pelo princípio de não desautorizar os superiores. É por esta razão que o Clube
Militar desponta como estratégico do ponto de vista do posicionamento político do
oficialato. Na verdade, o Clube Militar, criado em 1887, era uma associação recreativa,
sem finalidade política direta, mas ganhou ares de “fórum de debate” desde tempos
remotos, que só foi interrompido em 1964, quando o golpe militar esfriou inclusive o
debate interno na corporação.
Esta conotação se deveu à autonomia formal que o Clube gozava frente à
hierarquia militar, ele não estava sujeito à autoridade militar, mesmo que indiretamente
isso pesasse sobre as suas atividades. Por esta razão, ele acabou convertendo-se em uma
espécie de indicador 16
das condições em que se encontravam as posições políticas rivais
na caserna, uma fonte fidedigna das cisões e dos agrupamentos políticos internos e suas
interpelações com a sociedade civil, tudo isso velado na estrutura oficial (PEIXOTO,
1980). Interessante notar que o esprit de corps prevalecia, mesmo aí. Nenhum dos
agrupamentos pretendeu-se sectarista, ao contrário, o que eles disputavam é o poder de
representar a corporação toda.
As divergências que se manifestaram no Clube Militar e expressaram
segmentos políticos concorrentes pela hegemonia ideológica das Forças Armadas se
diferenciam em muito por aquilo que se entende como modernização e o atraso.
Paradoxalmente, como se viu no capítulo anterior, a oligarquia rural, outrora tida como
atrasada, deixou de sê-lo em um determinado momento em função de uma convergência
de interesses, quando foi incorporada em um projeto particular de modernização. As
16
“…na medida em que as atividades do Clube eram de domínio público, as discussões e os confrontos
eleitorais tornaram-se acontecimentos que afetaram intensamente a vida política brasileira: as eleições do
Clube eram um instrumento que permitia avaliar a opinião militar.” (PEIXOTO, 1980. p.89)
78
divergências e disputas entre os segmentos políticos no segmento militar clarifica essa
passagem, permite entender como o que outrora era o atraso passou a vigorar no novo
projeto de modernização conservadora. Basicamente, os agrupamentos políticos se
deram em torno das seguintes questões:
Desenvolvimento econômico, organização política e política
internacional, tais eram os grandes temas de debate no seio da
instituição militar. Foi em torno desses assuntos que se criaram cismas
político-ideológicos e se organizaram as correntes militares que agiam
no interior das Forças Armadas e disputavam o controle do Clube
Militar. (PEIXOTO, 1980. p. 77)
Uma das correntes que se formam é a dos nacionalistas, identificados
fundamentalmente pela rejeição ao capital estrangeiro. Uma figura simbólica desta
corrente foi o general Newton Estillac Leal, presidente eleito do Clube Militar no pleito
de 1950, derrotando Cordeiro de Farias (PEIXOTO, op.cit.). Entre 1951 e 1952 foi
ministro da guerra do segundo governo de Vargas, quando o nacionalismo despontou
efusivamente na vida civil do país. Defendiam, por exemplo, o monopólio estatal do
petróleo, o controle de lucros extraordinários, o não alinhamento aos EUA; criticavam a
intervenção militar na Coreia, todas essas pautas defendidas pelos setores à esquerda no
espectro político nacional.
Em primeiro lugar, é preciso que se diga que não havia uma pauta
propriamente militar dos nacionalistas que diferenciasse os oficiais. Eles não se
organizaram em instituições, escolas, congregações, etc. O nacionalismo era muito mais
de conteúdo popular do que militar; para eles não haveria forçosamente uma hegemonia
militar na condução do projeto político defendido, justamente o contrário, o
nacionalismo militar se criou e se identificava com o projeto do Estado Novo:
fortalecimento do poder popular como o principal elemento da coalizão política,
exatamente o que fez os generais Dutra e Góes Monteiro esquivarem-se de Vargas.
Eles eram também adeptos do aprofundamento da industrialização do país,
aliás, como o era praticamente toda a cúpula militar. Por esta razão, mantinham tenaz
oposição às elites oligárquicas, identificadas com o liberalismo econômico. Os
nacionalistas eram essencialmente antiliberais. Defendiam o intervencionismo estatal da
economia em prol da industrialização e a diversificação da pauta de exportações, o que
viam como emancipação política, sobretudo diante dos EUA. Para esta corrente, a
industrialização do país e os interesses dos EUA eram mutuamente excludentes, por isso
defendiam uma posição defensiva frente à “grande potência do Norte”.
79
Em um momento de intensas transformações sociais, econômicas e políticas
que vivia o Brasil desde as vésperas da Segunda Guerra Mundial; quando culturalmente
sentia-se a crescente influência dos EUA em detrimento do modo devida europeu, a
industrialização já estava em curso e o país aderia ao modal rodoviário de transporte. O
petróleo torna-se uma questão crucial para esse grupo. Inicialmente, quando o debate
em torno da exploração do óleo ainda estava começando a acirrar-se, surge o Conselho
Nacional do Petróleo (CNP), presidido pelo general Horta Barbosa desde sua criação
em 1938 até 1943, um nacionalista defensor do monopólio estatal. Ele se afasta do
cargo quando diverge de Vargas, acusando-o de recuar em suas posições nacionalistas
na defesa do monopólio estatal.
A questão ganhou traços de campanha na década de 1950, famosa pelo slogan
“o petróleo é nosso!”, efusivamente defendido pelo próprio Vargas em seu segundo
governo. A campanha serviu de alicerce e teve um enorme valor simbólico para os
nacionalistas, que saíram vitoriosos com a criação da estatal Petrobrás, em 1953
(FARIAS, 2003). De toda sorte, existia entre os militares um setor nacionalista com as
características acima descritas, mas que não tinham na própria corporação um lugar
destacado17
.
Antagônicos aos nacionalistas, estava um grupo mais forte politicamente
dentro das Forças Armadas, que Peixoto (op.cit.) chama de antinacionalistas18
,
posteriormente os golpistas. Este grupo, assim como o anterior, também preconizava
um ideal industrializante, oposto ao mote de “vocação agrícola” com as quais se
resignavam as elites agrário-exportadoras. Entretanto, este grupo tomava posições
diferentes diante de questões como a participação do capital internacional e a relação
com os Estados Unidos.
Eram favoráveis a certo intervencionismo estatal (variável em grau e
intensidade) na economia e do ideal industrializante, mas se afastavam dos nacionalistas
pelo trabalhismo, que era, para eles, prenúncio comunista:
17 “Os grandes teóricos do nacionalismo são encontrados fora das Forças Armadas, e o aparelho
ideológico dos grupos nacionalistas civis e militares – o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros)
– jamais teve no interior das Forças Armadas uma influência e um poder comparáveis aos da ESG, tanto
mais porque a ESG fazia parte do aparelho militar, ao passo que o ISEB estava subordinado ao Ministério
da Educação.” (PEIXOTO, 1980. P. 87) 18
Esta alcunha “antinacionalista” deve-se muito mais ao efeito de contrastar com a anterior do que por
princípios próprios do grupo, que não se declaravam antinacionalistas, muitas vezes bem pelo contrário.
80
Os grupos militares antinacionalistas não se opunham à
industrialização: eles eram contra a política de Vargas, com todas as
suas implicações. O que não aceitavam nessa política era sobretudo a
mobilização e a participação crescente da classe operária, além de uma
política externa que se afastava da aliança privilegiada com os Estados
Unidos. Para esses grupos, industrializar significava atrair o capital
estrangeiro, reforçar os laços com o Estados Unidos, enquanto se
mantinha a classe operária afastada do processo político. (PEIXOTO,
1980. p. 80)
Contra o modelo comunista oriental, adotaram como modelo a democracia
ocidental. Por isso tinham em bom conceito o alinhamento político e econômico com os
EUA. Diferentemente dos nacionalistas, para este grupo isto não era contraditório à
industrialização, ao contrário, esta poderia se beneficiar da parceria estratégia com
aquele país. Defendiam a abertura econômica e a plena atuação das grandes empresas,
nacionais ou internacionais, indistintamente, como motor propulsor das forças
produtivas.
Mesmo simpáticos à abertura econômica não eram plenamente liberais
(lembrando que o liberalismo, no Brasil, foi sempre o discurso dos setores agrário-
exportadores); aceitava, contraditoriamente, abrir mão de ritos tipicamente democráticos
em nome da democracia, como por exemplo, na defesa do país contra a “ameaça
comunista”, a qual manifestavam asco. Herdaram do tenentismo e da recepção das
influências estrangeiras uma autoimagem de elite técnica e preparada politicamente, por
isso, nas articulações com a sociedade civil, se impunham como agente principal.
Por esses ideais opuseram-se à Vargas. Por esta oposição, esse grupo se uniu
politicamente às oligarquias liberais e aos políticos tradicionais, como os da UDN
(União Democrática Nacional) mesmo com divergências no plano econômico. O que
uniu esses blocos foi a oposição a Vargas, este foi o cimento da união pragmática que
convergiu militares modernizantes com oligarcas tradicionais.
Os antinacionalistas veem em grande parte, pelo menos na sua cúpula, da Força
Expedicionária Brasileira (FEB). Lá tiveram muito contato com os EUA e o modelo
liberal. Nomes como Juarez Távora e Cordeiro de Farias (ex-membros da Coluna
Prestes-Miguel Costa), Humberto Castelo Branco, Golbery do Couto e Silva, entre
tantos outros, passaram por intenso treinamento militar por três meses na Escola de
Comando e Estado-Maior de Fort Leavenworth, no estado de Kansas, EUA (BELOCH;
ABREU, 1984), depois combateram na Itália sob ordens dos militares estadounidenses.
A experiência da FEB foi marcante para os oficiais brasileiros, especialmente
os graduados, que voltaram ao Brasil encantados com a imagem que tinham dos EUA.
81
Imediatamente já se depararam com o acirrado debate sobre o petróleo, que envolvia
diretamente a natureza da relação a ser estabelecida com a “potência do Norte”, e a
questão mais ampla das “medidas necessárias” ao desenvolvimento do país. Estas
medidas foram receitadas pela Comissão Mista Brasil-EUA (CMBEU) em 1951, o
princípio que lançou as bases para todoo planejamento econômico governamental
subsequente no país (CORRÊA; de PAULA, 2012).
Para Eliezer Oliveira (1976) a FEB e a querela sobre o petróleo foram os dois
principais fatores que concorreram para o surgimento da Escola Superior de Guerra
(ESG), inspirado no National War College, dos EUA. A ESG, que teve Cordeiro de
Farias como seu primeiro diretor, é parte fundamental deste grupo e de sua atuação
desde então. Ela pode ser entendida como a continuidade de um ideal de
profissionalização do Exército difundido fortemente desde pelo menos os “jovens
turcos”. Segundo Trevisan (1985), os ideais de eficiência, competência e organização
foi o que inspirou a construção da ESG.
É importante caracterizar a ESG de acordo com o seu significado social em um
nível de abstração mais amplo. Oliveira (op. cit.) entende essa instituição como um
movimento, como uma conjunção de forças políticas atuantes do contexto de disputas
pelo “protagonismo da nação”. Segundo ele o significado fundamental da ESG seria:
a) A garantia da presença política de um grupo militar em alta posição
no aparelho de Estado, subordinado diretamente ao Estado Maior das
Forças Armadas (...); consequentemente;
b) A ESG garante a não dispersão deste agrupamento político militar.
c) Se especializa no Estudo da Segurança Nacional no âmbito da
guerra fria, inicialmente, e no da <<guerra revolucionária>> no
contexto seguinte.
d) Se assegura a possibilidade de difusão ideológica entre as <<elites
civis e militares>> (p, 20)
A ESG era uma instituição que possibilitou a difusão das doutrinas militares
nos meios civis, congregando setores que acabaram sendo decisivos para a ação
protagonizada em 1964. Intelectualmente, ali se produziu a Doutrina da Segurança
Nacional (DSN), que alavancou o ideário desenvolvimentista à condição de questão
militar de segurança e soberania. A sorbonne brasileira foi fundamental para vários
“ensaios de golpe” e desestabilizações contra Vargas, Juscelino Kubitschek e João
Goulart, antes da derradeira a quartelada em 1964; ali abrigaram-se os principais
conspiradores desses movimentos e a ideologia da intervenção moderadora atingiu seu
ápice.
82
As elites civis incomodadas com os contornos popular dos governos
trabalhistas, por eles chamados de populistas, sentiam-se imobilizadas diante do pacto
de poder estabelecido (LAFER, 1975) e incapazes de inverter a lógica. Elas precisavam
dos militares que já estavam organicamente prontos para a intervenção. Diferentemente
dos nacionalistas, seus opositores se institucionalizaram com um grande poder de
organização e mobilização do oficialato. Foram assim que este grupo logrou conduzir a
corporação militar como uma totalidade a uma ação política radical.
Paralelo a estes dois principais segmentos militares, corre um terceiro, menos
expressivo e menos articulado, que transita de um grupo a outro, ao sabor das
circunstâncias e de suas próprias convicções ideológicas. A este grupo chama-se de
legalistas (PEIXOTO, op.cit.), por atuarem pautados pelos princípios de obediência à
ordem legal. Exemplos ilustres deste grupo foram os generais Henrique Lott e Odilo
Denys, que defenderam a posse de Juscelino Kubitschek em 1955 (que concorreu com
Juarez Távora), e amarraram o acordo pelo parlamentarismo que possibilitou a posse de
João Goulart em 1961. Do suicídio de Vargas até a deposição de João Goulart em
março/abril de 1964 este grupo esteve ao lado dos nacionalistas, mas não em nome dos
ideais destes, mas sim por obediência às normas legais. Inclusive Lott foi ministro da
Guerra entre 1954 e 1960, do governo provisório de Café Filho até o governo de JK19
.
No entanto, quando a conspiração dos antinacionalistas entoou com mais força
a interpretação do governo de João Goulart como uma ameaça comunista de subversão
da ordem democrática, os legalistas assumiram a posição dos conspiradores. Como
mostra José Murilo de Carvalho (op.cit.), João Goulart descuidou do seu suporte militar
e subestimou a predisposição do oficialato para armar uma radical sublevação de
tomada do governo. Quando o conflito já estava acirrado, João Goulart inflamou os
movimentos populares com medidas radicais e, o que lhe foi fatal, conclamou os
sargentos que vinham de frequentes insurgências. Para a alta cúpula militar isto era um
desafio explícito ao princípio de hierarquia militar. Estes fatos mudaram a posição dos
legalistas que passaram a fazer coro com os antinacionalistas pela inviabilidade de
19
Segundo o dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (BELOCH; ABREU, 1984), no verbete
biográfico de Lott: “Quando irrompeu a Revolução de 1930, Lott servia ainda como instrutor da Escola
Militar, onde comandava um batalhão. Segundo contou em entrevista ao CPDOC, já naquela ocasião
defendia a tese de que os militares tinham o dever de garantir o poder constituído, colocando-se por esse
motivo contra o movimento. Vitoriosa a revolução, manteve-se coerente com sua posição e teve aceito
seu pedido de demissão do cargo de instrutor, fato que, no seu entender, levou-o a ter sua carreira
prejudicada no Exército.” (sem página)
83
Goulart na condição de chefe de Estado brasileiro. E assim deu-se o golpe militar de
1964:
O movimento de 1964 representou a vitória final do tenentismo de
Juarez Távora. Para usar expressão mais significativa do que
centrismo, poderíamos caracterizar esse tenentismo como defensor da
modernização pelo alto, ou da modernização conservadora, segundo a
terminologia cunhada por Barrington Moore. (CARVALHO, op.cit. p.
130)
Os três segmentos político-ideológico que protagonizaram o acirramento
político dentro das Forças Armadas e na interlocução desta com a sociedade civil
(nacionalistas, antinacionalistas e legalistas) antes de 1964 não resumem todas as
posições políticas daquele contexto. Quando já deflagrado o golpe que sacramentou o
triunfo dos antinacionalistas com o apoio dos legalistas, aparece outro segmento
usualmente chamado de linha dura. Cordeio de Farias, em suas memórias (2001), alude
a este segmento:
Mas existe nas Forças Armadas um grupo violentamente direitista, os
chamados linha dura. É curioso, mas muitos deles são homens que não
tomaram parte na evolução dos acontecimentos e nem nos
preparativos da Revolução de 1964. (p. 230)
Sobre Arthur da Costa e Silva, que sucedeu Castelo Branco através de um
conturbado processo decisório que expões fraturas nas Forças Armadas (conhecido
como o “golpe dentro do golpe”) e cuja presidência é tida como a ascenção ao governo
da tal linha dura, Cordeiro de Farias dizia:
Até aquele momento [31 de março de 1964], ele [Costa e Silva] não
havia dado um só passo em benefício do movimento. Chamava-me de
maluco, fui diversas vezes à casa dele, nas semanas anteriores àquela
reunião. Eu tinha o apoio da dona Iolanda. Ela, sim, tinha uma atitude
positiva, incentivando-o a ir em frente. Eu tinha muito empenho na
adesão do Costa e Silva, pois ele tinha uma boa posição no Exército.
Muito ligado ao Castello, Costa e Silva concordava que a situação do
País era péssima. Mas não se engajava. Nunca teve ardor, vontade.
Não era covarde, mas achava que não existia condições para um
levante militar. Enfim, era um homem que, em vez de nos ajudar,
atrapalhava o trabalho dos conspiradores. (pp. 478-479)
E, quando questionado de onde Costa e Silva teria extraído as condições para
assumir uma posição tão destacada no governo de Castello Branco (Costa e Silva foi
seu Ministro da Guerra) e na corporação militar, ele responde:
É muito difícil responder. A verdade, porém, é que Costa e Silva vivia
com um entourage enorme. Mas um entourage com qual finalidade?
84
Elaborar programas, idealizar políticas? Não, jamais. Eram elementos
que viviam juntos, jogavam muito juntos. Costa e Silva tinha um
passado muito complicado, de modo que em torno dele se reunia uma
turma, vamos dizer, ambiciosa. Consequentemente, quando se criou o
vazio de poder aqui no Rio e quando o nome do Castello já estava
lançado […], eles se deram conta de que forçar o nome de Costa e
Silva para presidente não seria possível e que deveriam se contentar
com o Ministério da Guerra. E foi aquele que o colocou no ministério,
mantendo-o sob controle e se apropriando dos cargos de comando da
Revolução. (p. 495)
Pelo que consta em seu verbete biográfico no dicionário histórico-biográfico
brasileiro (BELOCH; ABREU, 1984), Costa e Silva teria participado das conspirações
de 1931, inclusive ao lado do próprio Cordeiro de Farias e de Castello Branco:
Na segunda quinzena de março, Costa e Silva reuniu-se no Rio de
Janeiro com os generais Castelo Branco e Cordeiro de Farias, quando
foi feito um balanço da situação nos quartéis de todo o país, foram
revistos os códigos que seriam utilizados pelos insurretos e divididas
as tarefas. A Cordeiro de Farias coube a coordenação, a partir de São
Paulo, da região Sul do país, a Castelo Branco, as articulações com o
governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, e a Costa e
Silva, a coordenação da região em torno do Rio de Janeiro. (sem
página)
De toda forma, o que se está em questão não é o protagonismo ou não de Costa
e Silva, mas sim a organicidade do grupo convencionalmente chamado de linha dura (do
qual ele seria representante) enquanto um segmento político e ideológico de fato. Para
Mauad Chirio (2012) a expressão “linha dura” fez-se nas vésperas do março de 1964 e
fortaleceu-se no decorrer dos governos militares, cunhada primeiramente pela imprensa
e depois adotada e amplificada no interior das Foças Armadas; seria uma marca muito
mais de pressão autoritária do que uma posição política específica de um grupo
determinado:
Contudo, a ‘linha dura’, categoria nativa oriunda do vocabulário dos
próprios atores, não tem, a princípio, o sentido de um grupo ou facção
para os oficiais que a reivindicam, mas de linha política de contornos
imprecisos, de um ‘estado de espírito’ e de certa interpretação da
‘revolução’ de 31 de março de 1964. São jornalistas e analistas
políticos que, na mesma época, transformaram em grupo – dotados de
chefes, representantes, logo, de certa coesão interna – o que não passa
então de uma expressão de identificação (p. 50)
Progressivamente essa insígnia foi incorporada e reivindicada pelos militares,
na maioria das vezes associada a grupo que se formaram a partir de então, como a Liga
85
Democrática Radical (LIDER)20
e os coronéis dos IPM’s (Inquéritos Policiais
Militares), responsáveis pelas investigações pretensamente (e mal disfarçadamente)
legais que levaram às medidas de repressão e expurgos militares, aniquilando a
oposição interna e reforçando a pressão pelo endurecimento do regime.
Portanto, findado o golpe e assentados os conflitos anteriores, o sucessivos
governos capitaneados pelos militares passaram a conviver com uma pressão interna
que ficou chamada de linha dura. Se o ilustrado general e ex-combatente da FEB
Castello Branco se cercou em seu governo de esguianos como Cordeiro de Farias no
MECOR; Costa e Silva, seu ministro da Guerra e sucessor na presidência fez-se
acompanhar de militares “linha dura”:
Com efeito, esses oficiais representavam uma versão política muito
diferente da castelista. Eles não eram da ‘Sorbonne’ nem jamais foram
influenciados por ela, não participaram da FEB e poucos tinham
vínculos estreitos com os Estados Unidos. O novo perfil ministerial
sugeria possivelmente uma posição mais nacionalista. (SKIDMORE,
1988. pp. 140-141)
Neste perfil “diferenciado” situa-se Albuquerque Lima, responsável pelo
MINTER.
Esta digressão situa bem os personagens que interessam a esta análise. Em
consonância com a orientação metodológica explicitada no começo do capítulo, a
biografia desses indivíduos mostra variações em suas posturas consoantes ao jogo
político e as inserções em que estiveram colocados. Formados no espírito do soldado-
interventor, ainda com alguma inspiração nos ideais do positivismo alimentados pelas
fábulas do espírito combativo da Escola Militar da Praia Vermelha, influenciados pelo
profissionalismo dos ensinamentos estrangeiros; esses oficias encontraram na trajetória
até o generalato acontecimentos decisivos da história do país no século XX: o
tenentismo, o governo Vargas, a oposição a ele, a FEB, o contato com os EUA, e todos
os dados citados aqui são variantes preciosas da condição e situação biográfica que
confluirá na participação de Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima enquanto peças-
20
“Movimento militar fundado e chefiado pelo coronel do Exército Osneli Leite Martinelli. Surgida após
o movimento político-militar de 31 de março de 1964, a liga fazia parte da chamada ‘linha dura’, setor
das forças armadas que pregava a luta sem tréguas à ‘corrupção’ e à ‘subversão comunista’, ao mesmo
tempo em que combatia a devolução do poder aos civis. Membro destacado desse grupo, o coronel
Martinelli chefiava o inquérito policial-militar, sobre a atuação dos grupos dos 11, que tinha como
principal indiciado o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.” (Verbete LIDER em:
BELOCH; ABREU, 1984. sem pág.)
86
chave na arrumação de um instrumento de governamentalização para a modernização
do território.
Os ministros do Interior
Os processos contemplados na seção anterior cruzam com as biografias dos
dois primeiros ministros do interior depois de 1964, fazendo-se matéria de primeira
relevância para entender como eles projetaram planos de ações dispostos a equacionar
problemas e propor soluções alimentadas pelo fito de modernizar o território enquanto
parte da modernização da sociedade. É preciso agora contemplar a inserção exata de
cada um deles nos fatos descritos para se entender quem eram eles quando se tornaram
ministros.
Cordeiro de Farias21
FIGURA 1: Viagem de S.Exa. o Sr. Ministro O. Cordeiro de Farias ao Vale do S.
Francisco22
. (setembro de 1964)
Fonte: CPDOC/FGV. Arquivo Pessoal Cordeiro de Farias.
Oswaldo Cordeiro de Farias (1901-1981) nasceu no Estado do Rio grande do
Sul no primeiro ano do século XX. Sua mãe era oriunda de família abastada, e o pai de
21
As principais fontes deste subitem são as memórias do próprio (FARIAS, 2001), o verbete biográfico
dedicado a ele no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro 1930-1983 (BELOCH; ABREU,1984) e
documentos de seu arquivo pessoal sob a guarda do CPDOC/FGV. 22
Título original, conforme consta no site do CPDOC/FGV.
87
classe média, oficial do Exército de inspiração florianista (um de seus irmãos chamava-
se Floriano Peixoto, em homenagem ao Marechal) e instrutor da Escola da Praia
Vermelha. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro em 1906, onde conviveu, por
intermédio de seu pai, com figuras como o próprio Floriano Peixoto, Pinheiro Machado,
Hermes da Fonseca e Nilo Peçanha. Em carta de despedida do cargo do MECOR, ele
assim se pronunciou sobre a influência de seu pai em sua formação:
A geração de meu Pai foi a dos que, com ardor, haviam concorrido
para a implantação da República e tomado parte ativa nas lutas que,
em seguida, a pontilharam, logo após o 15 de Novembro. Nesse
ambiente é que começou a germinar e mais tarde se plasmou o sentido
de minha vida. Já oficial, muito moço, fui decorrência, por certo, em
grande parte, dessa formação, atraído pelos acontecimentos políticos
que agitaram o País no princípio da década de 1920. Ao lado da
vibração de companheiros jovens como eu, sentia aí a influência
daqueles homens, civis ou militares, veteranos e calejados de outras
pelêjas (sic) cívicas.Acima de tôdos (sic) eles, já fisicamente
alquebrado, quase sem poder locomover-se, mas guiando-me e
orgulhosos de minha atitude, a figura de meu Pai. (p.7)
Frequentou o Colégio Militar, em 1918 entrou para a Escola Militar do
Realengo onde, segundo ele, fez parte da primeira geração com formação
especificamente militar23
, graças à Missão Francesa e a Missão “indígena”. No
Realengo teceu relações interpessoais que o acompanharam em sua trajetória de vida de
maneira marcante.
Em 1919 fez-se segundo-tenente e em 1921 já era primeiro-tenente. Nos
levantes tenentistas de 1922, estava na Escola de Aviação do Exército, que não aderiu
ao levante, fugiu para encontrar-se com os rebelados do Forte de Copacabana, mas
quando lá chegou o encontrou rendido. Foi preso por seis meses segundo suas memórias
(três meses segundo seu verbete biográfico). De lá foi enviado à Santa Maria (RS), de
onde acompanhou os levantes em 1924 – apesar desta cidade não ter sido foco relevante
de sublevação –, partiu para São Luiz das Missões, onde se formou a coluna gaúcha
liderada pelo Capitão Luiz Carlos Prestes. Esta partiu para Foz do Iguaçu e em 1925
encontrou-se com a Coluna Paulista de Miguel Costa, formando a Coluna Miguel
Costa-Prestes. Cordeiro de Farias foi uma das lideranças do movimento. A importância
desta passagem para a sua trajetória parece ser primordial; em seus relatos ele revela em
variados momentos uma profunda articulação pessoal e política que se formou entre os
23
“Também nesse sentido posso me considerar um privilegiado. Sou da primeira turma que saiu da
Escola com formação verdadeiramente militar, pois o treinamento especializado foi introduzido em 1919,
ano em que me formei.” (FARIAS, 2011. p.61)
88
membros da Coluna, dispersada em 1927. Em sua carta de saída do MECOR,
supracitada, ele evoca o nome de vários companheiros dos levantes tenentistas e de
Coluna (p.8).
Cordeiro de Farias foi um ativo conspirador na reviravolta que entrou para a
história como a “Revolução de 1930”. Este movimento, liderado por Góes Monteiro
após o rompimento de Luiz Carlos Prestes, contou com intensa participação dos
tenentes em geral. Deflagrada a tomada do governo, a corporação militar viu-se dividida
entre os jovens oficiais que triunfaram no plano político e os seus hierarquicamente
superiores que não adeririam às conspirações. Mesmo entre os jovens oficiais havia
secções entre os que defendiam o engajamento dos tenentes em posições destacadas no
novo regime e aqueles que acreditavam ser obrigação dos militares retornar às casernas,
em nome da manutenção da ordem hierárquica. O futuro ministro do MECOR estava
neste último segmento, assumindo a preocupação com a hierarquia e a integridade
militar como prioridades. Segundo seu próprio relato:
Durante aquela fase, os ‘tenentes’ assumiram uma posição de
vanguarda e de autonomia. Uma vez reintegrados, tal situação
produziu uma subversão hierárquica inevitável. As tensões se
agravaram ainda mais porque, vitoriosa a Revolução, os postos de
comando foram entregues aos oficiais mais graduados, os quais em
sua maioria não tinham participado do movimento. Assim, a divisão
se processava em dois níveis: no primeiro, opondo-se os ‘tenentes’
radicais aos moderados. No outro, separando participantes e não
participantes do movimento revolucionário. Eu me batia muito pela
integridade do Exército, mas o fato é que entre 1930 e 1932 a
hierarquia se esfacelou. (FARIAS, op,cit. p. 170)
Conforme se viu na seção anterior, uma solução para estes conflitos foi a
ascenção rápida de alguns oficiais na carreira – o caso de Góes Monteiro como o mais
emblemático, como diz Carvalho (op. cit.). Cordeiro de Farias se beneficiou deste
movimento. Em 1930 ganha a patente de capitão, em 1931 major, entre 1935-36 faz o
curso de Estado Maior do Exército (EEM), em 1938 vira coronel e em 1942 atinge o
generalato como general-de-brigada, o general brasileiro de menos idade na época. Ou
seja, enquanto Vargas manteve-se na presidência entre 1930 e 1945, ele passou de
primeiro tenente a general, percorrendo praticamente todas as patentes do Exército.
Apesar de sua manifestada posição de apartar-se da vida política, já em 1931
foi nomeado chefe da polícia no estado de São Paulo. Abandonou o cargo em 1932,
mesmo assim retornou ao estado para combater o levante paulista no mesmo ano. Em
1938, já em plena ditadura do Estado Novo, foi nomeado interventor no Rio Grande do
89
Sul pelo próprio Getúlio Vargas, com intenso combate ao nazismo que se difundia nas
colônias alemãs daquele estado. Em 1937 e 1938, defendeu o governo varguista dos
levantes comunista (1935) e integralista (1938). Ao que tudo indica, as suas relações
com Getúlio Vargas eram positivas até sua ida à Segunda Guerra Mundial, que começou
em 1943 quando partiu para o estágio preparatório em Fort Leavenworth nos EUA. Em
janeiro de 1944 foi nomeado comandante da Artilharia Divisionária da FEB e parte para
o campo de batalha na Itália.
Com o retorno da FEB Cordeiro de Farias encontra um conturbado momento
político no Brasil. Há suspeitas de que desde o front o general já estava articulando-se
para a derrubada de Getúlio Vargas, fato que ele nega. De toda forma, seu retorno foi
marcado pelo rápido engajamento político que resultou na destituição de Vargas
alegando-se que o então presidente tinha pretensões de manter-se no governo com o
apoio popular. Foi o próprio Cordeiro de Farias, articulado com a cúpula militar na
época, que foi o encarregado de transmitir o ultimato dos militares ao presidente. Em
seguida, com Vargas deposto, foi nomeado por Góes Monteiro para a chefia do Estado
Maior das Forças Armadas (EMFA) – um Estado Maior das três armas simultaneamente
– criado naquele exato momento por sugestão do próprio Cordeiro de Farias, segundo
seu relato. Em 1946 foi promovido a general-de-divisão.
Em 1949 foi nomeado o primeiro comandante da ESG, uma escola de
formação crucial para um novo entendimento do escopo de atuação das Forças Armadas
no Brasil. A ESG é a grande responsável por difundir no Brasil, nos meios civis e
militares, o ideal de “guerra total”, sistematizada em seus bancos e exposta em seus
pormenores por Golbery do Couto e Silva (1981)24
, uma das figuras intelectuais mais
realçadas da escola. Segundo o seu comandante:
Na Escola Superior de Guerra tratamos de uma nova concepção de
segurança interna, que deriva da antiga concepção de defesa nacional.
A evolução da noção de ‘defesa’ para a noção de ‘segurança’
decorreu, na verdade, do arremate da Segunda Guerra. Foi aí que se
começou a perceber que um país em guerra estava globalmente sujeito
aos seus efeitos nefastos. E foi por isso que em 1949 criamos a ESG.
(FARIAS, 2011, p.350)
No intuito da filosofia da “guerra total”, caberia à escola convencer as elites
civis:
24
Sobre a ideia da “guerra total”, tal qual explicitada por Golbery, ver o capítulo quatro desta tese.
90
Segundo esse raciocínio, qual seria o objetivo principal da ESG? Criar
lideranças civis e militares para enfrentar a eventualidade de um novo
estilo de guerra não mais circunscrita à frente de batalha e ao palco de
lutas, mas transformada em fato total, que afeta a sociedade por inteiro
e toda a estrutura de uma nação. (Ibid, p. 354)
Com essa militância, Cordeiro de Farias contribuiu para cimentar o segmento
político ideológico anteriormente citado como antinacionalista – de acordo com a
classificação de Peixoto (op.cit.) – aquele que encarna o ideal soldado-corporação
(CARVALHO, op.cit.), que se opõem a Getúlio Vargas em nome do anti-comunismo. É
nesse espírito que ele concorre e perde a presidência do Clube Militar 1950, derrotado
pela chapa rival de Estillac Leal e Horta Barbosa, da corrente nacionalista, mas esteve
ao lado da chapa vencedora em 1952, auto representada como Cruzada Democrática.
No debate sobre o petróleo, indicador mais preciso do posicionamento político de então,
ele se posiciona ao lado de seu colega tenentista Juarez Távora, pra quem a participação
do capital internacional era bem vinda.
Em 1952, quando as relações entre Vargas e a cúpula militar estavam pra lá de
estremecidas, ele é promovido a general-do-exército. Com o apoio do Partido Social
Democrático (PSD), concorre e ganha a eleição para governador de Pernambuco em
1954, após o suicídio de Vargas, cargo que exerceu até 1958, quando ingressa na
Comissão Mista Brasil Estados Unidos, empenhado em fortalecer as relações militares
entre os dois países. Não se envolveu nas tentativas de impedir Juscelino Kubitschek de
assumir a presidência, nem para fortalecê-la nem para combatê-la. Na renúncia de Jânio
Quadros consentiu com a saída parlamentarista para que assumisse João Goulart. No
entanto, em 1964, foi um dos mais ativos e principais conspiradores do golpe de estado
que depôs João Goulart25
, instalando o regime político que criou o MECOR,
posteriormente MINTER. Em 1965 ganha a patente máxima das Forças Armadas
brasileiras, a de Marechal, exclusiva para combatentes.
É muito facilmente identificável a posição de Cordeiro de Farias no bojo dos
conflitos ideológicos e políticos instalados no Brasil na ocasião do golpe de 1964.
Ironicamente (pelas relações estreitas que teve com Getúlio outrora), ele estava muito
mais próximo das “forças obscuras” como Getúlio Vargas calhou nomear seus
opositores em sua carta suicídio. Objetivamente, isso significa dizer que o general-do-
25
Seus relatos das conspirações de 1964 levam a entender que Cordeiro de Farias teve posição estratégica
na tarefa de consorciar os revoltosos militares com as elites industriais e empresariais de São Paulo, que
segundo ele financiaram e eram a retaguarda da conspiração. Os nomes dos empresários por ele citados
são: Júlio Mesquita, Francisco Matarazzo Sobrinho, Toledo Piza, Quartim Barbosa, Morais e Barros e
Abreu Sodré (p. 470). Sobre as conspirações ver em suas memórias (FARIAS, op.cit. pp. 463-474)
91
exército nesse momento cuidava de estreitar as relações com os EUA, aprofundar no
Brasil o capitalismo mundializado, capitanear uma ríspida defesa contra todas as
aspirações populares receosamente vistas como “golpe comunista” e manter as Forças
Armadas em stand-by para assumir o papel de elite dirigente, caso as elites políticas
civis não fossem capaz de implantar esse programa.
Ao que tudo indica, sua nomeação como ministro do MECOR deve-se em
grande medida a certo sentimento de gratidão diante de suas incursões como
conspirador, já que desde que o golpe foi deflagrado até então (junho de 1964),
Cordeiro de Farias não havia assumido nenhum cargo relevante no novo governo26
. Já
que se trata da vitória dos tenentistas, como nos diz José Murilo de Carvalho (op.cit.),
era imprescindível um lugar ao sol para um de seus principais líderes.
E a tarefa foi aceita de bom grado, pois, segundo ele “acho que nunca tive
missão mais gostosa do que aquela!”; “foi um forte reencontro com o Brasil da
Coluna” (p.497). Para Cordeiro de Farias, há uma relação direta de continuidade entre a
Coluna Miguel Costa-Prestes e toda sua atividade política posterior, sobretudo a
desenvolvida frente ao MECOR:
na coluna Miguel Costa-Prestes, na sua marcha de quase 30 mil
quilômetros, rasgando o País de Sul a Norte, varando o Nordeste,
cruzando o velho São Francisco, atingindo as fronteiras de Minas e
volvendo sôbre (sic) seus passos até emigrar na Bolívia, durante dois
anos e meio, vivi o contacto (sic) com o Brasil sofrido, com sua gente
– sem escolas, sem saúde, sem estradas, sem polícia, sem justiça, sem
nada, – paupérrimo e sem esperanças. Este quadro de nosso Povo e de
seus problemas nunca mais me abandonou. Foi êle (sic), e o é até
hoje, o incentivo para minhas lutas, a força que me aciona, o objetivo
que nunca deixei de perseguir, o alicerce de toda minha conduta
política. Sem o sentir naquela época, mais tarde compreendi, porém,
que desde então lutávamos para dar um mínimo de solidez às forças
componentes da Segurança Nacional e, daí, a estrutura que procurei
imprimir à Escola Superior de Guerra, quando me foi dado organizá-
la. (Arquivo pessoal. pp. 7-8. grifo nosso.)
Em 1966 ele se afasta do cargo (o último a ocupar na esfera pública, civil ou
militar) motivado pelas discordâncias com o processo sucessório do presidente Castello
Branco, ao qual ele mesmo chegou a se declarar candidato. Aqui ele sofre a adversidade
do conflito com o segmento que começa a tomar forma e identidade em torno da
alcunha linha dura. Na sua carta de despedida do cargo, disponível em seu arquivo
pessoal no CPDOC (CFa 64.05.11 tv II-3), ele diz:
26
A chegada de Cordeiro de Farias ao cargo de ministro do MECOR já foi comentada na Introdução
desta tese.
92
É com tristeza que me afasto do trato direto dos problemas atinentes
às regiões desconhecidas e menos desenvolvidas do País. Sôbre (sic)
mim exerceram elas, sempre, um verdadeiro fascínio. Não poderia ter
no Govêrno (sic) Castello Branco outra função que tanto me
sensibilizasse. Sou, consequentemente, muito grato ao Senhor
Presidente da República pela tarefa de que me incumbiu. (p.5)
Albuquerque Lima27
FIGURA 2: Afonso Augusto de Albuquerque Lima (1909-1981).
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/personas/afonsoAlbuquerque.html.
Afonso Augusto de Albuquerque Lima (1909-1981) nasceu em Fortaleza - CE,
seu pai era advogado. O sobrenome Albuquerque Lima refere-se a uma das famílias
mais tradicionais do Nordeste, o que leva a crer que suas origens familiares pode
destoar um pouco da maior parte dos demais oficiais do Exército.
Entrou na Escola Militar do Realengo em 1927, nove anos após o ingresso de
Cordeiro de Farias, vivenciando uma formação na qual o profissionalismo militar já
havia se sedimentado em mais sólidas bases, conforme o sentido que foi
progressivamente sendo implantado na Escola após as sucessivas reformas entre 1905 e
1929. É sabido, contudo que este profissionalismo nunca logrou superar por completo o
27
Diferentemente de Cordeiro de Farias, Albuquerque Lima não publicou memórias escritas, tampouco
há notícias de um arquivo pessoal seu organizado em instituição arquivística acessível, o que prejudicou
sobremaneira a interpretação de sua biografia, que ficou restrita ao verbete biográfico dedicado a ele no
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro 1930-1983 (BELOCH; ABREU,1984), a principal fonte deste
subitem. Além dele, foi utilizado também os relatórios do Sistema Nacional de Informações (SNI) que
faziam referência a seu nome, disponíveis na base de dados “Memórias Reveladas” do Arquivo Nacional
de Brasília.
93
ideal de soldado interventor, herdado da Escola Militar da Praia Vermelha. Muito pelo
contrário, durante a década de 1920 a escola foi intensamente agitada pelos levantes
tenentistas, especialmente aquele de cinco de julho de 1922, que partiu do Forte de
Copacabana e teve a adesão da Escola. Enquanto aluno, Albuquerque Lima aderiu ao
tenentismo, se tornando próximo de Juraci Magalhães e de Jurandir de Bizarria
Mamede, figuras ilustres do movimento.
Em 1930 tornou-se segundo-tenente e foi enviado ao Amapá para dirigira a
construção de uma estrada, mas no percurso deparou-se com a deflagração do
movimento revolucionário, do qual se juntou sob o comando de Juarez Távora,
combatendo pelas tropas sublevadas no Nordeste.
No ano de 1931 foi promovido a primeiro tenente e foi servir como
subcomandante da Brigada Militar de Pernambuco, subordinado a Jurandir Mamede. Na
cisão que dividiu o Exército, grosso modo, entre antigos e jovens oficiais, e estes
últimos entre satisfeitos e descontentes, Albuquerque Lima aderiu ao Clube 3 de
Outubro, agremiação criada para expressar o descontentamento dos tenentistas
protagonistas do levante que galgou Getúlio Vargas à presidência e agora sentiam-se
preteridos na composição do governo revolucionário. O Clube existiu até 1935.
Participou dos combates à sublevação paulista em 1932. Opôs-se à Constituição Federal
promulgada em 1934 que, segundo ele, subvencionava os interesses das oligarquias de
São Paulo. No mesmo ano foi promovido a Capitão. Combateu o levante comunista de
1935 como comandante de brigada. Em 1937 cursa a Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais (EsAO) e opõe-se à instauração do Estado Novo. Esta oposição é importante
para situar Albuquerque Lima nos segmentos políticos das Forças Armadas de então.
Conforme se viu, a ditadura varguista foi, na verdade, a concretização do modelo de
Góes Monteiro (CARVALHO, op.cit.); neste momento as relações entre Vargas e
militares estavam em bom tom, não havia ainda receio quanto a apelos populares e,
pelas posturas assumidas pelo então Capitão do Exército posteriormente, não há de se
acreditar que o caráter autoritário do regime o tenha incomodado.
Sua postura na ocasião parece dever-se muito mais às mesmas razões que o
levaram ao Clube 3 de Outubro, ou seja, a insatisfação com o destino dado a parcela dos
tenentes que combatera as tropas situacionistas em 1930. Uma breve comparação com
as posições assumidas por Cordeiro de Farias pode ser bastante ilustrativa. Em 1930,
antes da deflagração do levante, o ex-integrante da Coluna era primeiro-tenente e
Albuquerque Lima segundo-tenente. Em 1942 aquele atingia o generalato e este se
94
tornara major. Claro que há de se considerar a notabilidade de Cordeiro de Farias na
década de 1920, enquanto seu sucessor ministerial foi ingressar na Escola Militar
somente em 192728
. Mas, de toda forma, há um contraste na ascenção da carreira e de
postos políticos. Em 1931 Farias foi chefe da polícia do Estado de São Paulo, enquanto
o oficial cearense era subcomandante de brigada.
Em 1939 Albuquerque Lima foi mais uma vez comissionado para dirigira
construção de uma estrada, desta vez no Paraná. Em 1944 foi fazer o curso de instrução
de oficiais da Engineer School, em Fort Belvoir (EUA) como treinamento para
ingressar na FEB. Retornado dos campos de batalha na Itália atingiu a patente de
Coronel em 1953, quando foi alocado em Santa Catarina, de novo com incumbências de
chefiar a construção de estradas e rodovias.
Em 1954, nos acirrados embates entre Getúlio Vargas e sua oposição (incluso
aí a parte hegemônica das Forças Armadas), ele foi signatário do famoso “Manifesto
dos Coronéis” (assinado por 42 coronéis, entre eles Golbery do Couto e Silva, seu ex-
colega de turma na Escola Militar e outros 39 tenentes-coronéis) documento que
direcionou criticas diretas e ácidas ao governo varguista, acusando-o basicamente de
omissão e descaso com a corporação militar e compromisso com ideais comunistas.
Albuquerque Lima firma-se como um anti-getulista desde o Clube 3 de Outubro, e
assim se manteve no ferrenho combate aos herdeiros da tradição trabalhista. Foi contra
as manobras que viabilizaram a posse de Juscelino Kubtischek, tomou parte da “Revolta
de Aragarças”29
e depois conspirou pela deposição de Goulart.
Enquanto isso, contraditoriamente, se envolveu com grupos envolvidos em
formular uma política menos “americanizada” de desenvolvimento, diferente daquela
levada a cabo pelos seus colegas da FEB. Entre 1959 e 1960 representou as Forças
Armadas no Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (CODENE) – grupo que
formulou a SUDENE – presidida pelo economista de esquerda Celso Furtado em pleno
governo Kubitschek, que ele tanto combatia. Ali marcou posições nacionalistas radicais.
Ainda em 1960 fez o curso de treinamento em problemas do desenvolvimento
econômico, oferecido pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),
28
É preciso se considera ainda que Cordeiro de Farias, devido ao seu forte engajamento na década de
1920, demorou nove anos para passar de tenente para capitão (1921-1930), enquanto Albuquerque Lima
fez esta ascendência em dois anos (1930-1932). 29
Uma malograda tentativa de golpe que partiu do tenente-coronel da Aeronáutica João Paulo Moreira
Burnier e o major-aviador Haroldo Veloso previa um ataque aos palácios das Laranjeiras e do Catete e a
deposição de Juscelino Kubitschek.
95
órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que tinha como secretário-geral Raúl
Prebisch, economista argentino, também de inspiração esquerdista.
Em 1961, já sob o governo de Jânio Quadros de inspiração conservadora,
assumiu o cargo de diretor-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas
(DNOCS). Em 1963 “estagiou”30
na ESG, instituição em que ele passou a exercer o
cargo de chefia da Divisão de Assuntos Econômicos e foi um dos responsáveis pela
adesão formal da escola à deposição de João Goulart. Após o golpe, foi nomeado
interventor na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) e promovido a general-de-
brigada.
No decorrer do governo Castello Branco fez parte do grupo de pressão que
reivindicava o recrudescimento do regime ao lado dos coronéis dos IPM’s, do grupo
LIDER e de jovens oficiais da EsAO, sobre os quais exercia grande influência devido a
sua postura intransigente e nacionalista. Em 1965, na ocasião das eleições estaduais
marcada pela derrota do partido governista em importantes estados como Guanabara
(hoje Rio de Janeiro) e Minas Gerais, chegou a participar de um plano de deposição de
Castello Branco articulado pelo LIDER que não logrou derrubar o presidente, mas
conseguiu que este cedesse à pressão combaixando o Ato Institucional nº2. Em março
de 1966 foi promovido a general-de-divisão, articulou também o processo sucessório de
Castello Branco em defesa de Costa e Silva. Assumiu o MINTER no mesmo dia da
posse de Costa e Silva no ano de 1967, cargo que exerceu até 1969. Na reunião do
Conselho de Segurança Nacional (CSN) que decidiu por aplicar o Ato Institucional nº 5
– considerado uma vitória da linha-dura – seu voto é objetivo e claro:
Senhor presidente, senhores membros do Conselho de Segurança. No
momento em que tomei conhecimento da decisão histórica dada por
Vossa Excelência, e comunicada a este conselho, damos a ele o nosso
apoio de modo integral e absoluto. Não no estrito dever funcional,
mas por motivos muito mais profundos e sérios, pois se identificam
com os interesses superiores da nação.
Esta revolução vinha sendo desafiada constantemente por forças da
corrupção e da subversão, ainda existentes e insatisfeitas com a
contenção que a revolução de março de 64 lhes impusera. Não
compreenderam a magnanimidade de sua posição, inspirada em
compromissos formais com sua vocação democrática. À compreensão
de Vossa Excelência, responderam com desafio e ofensa, e tinham
como destinatários não os titulares eventuais do poder, mas sim todo
aquele sistema que a revolução procurava fazer por consolidar, dentro
30
Termo utilizado na escola para se referir aos cursistas.
96
de um justo equilíbrio entre seu sentido renovador e estruturas sócio-
jurídicas inadequadas, mas legitimadas pela tradição.
A revolução, porém, fôra parcial, limitada, permitindo a coexistência
de poderes com vício residuais e que faziam por contestar a revolução
nas oportunidades que se lhes apresentavam. Assim, o recente caso
ocorrido na Câmara Federal [pronunciamento do deputado Márcio
Moreira Alves, acusando as torturas cometidas pelo Exéricto],
atingindo profundamente nossas Forças Armadas, não era fenômeno
episódico e particular, mas tinha sim um inegável sentido de uma
contestação e de execução de um plano anti-revolucionário em
marcha. Portanto, inaceitável na medida em que entendemos a
revolução como instrumento de realização dos grandes objetivos
nacionais.
Aqui, senhor presidente, apresento a Vossa Excelência o meu integral
apoio e solidariedade, no sentido de conduzir a revolução ao seu
grande destino, concordando plenamente com o presente ato
institucional editado com a sugestão apresentada pelo ilustre ministro
da Fazenda, no sentido do poder de corrigir a própria Constituição. 31
Após a renúncia, Albuquerque Lima radicalizou seu discurso nacionalista, o
que atraiu a Frente Ampla, formada por Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João
Goulart, antes adversários que gora uniam forças para combater o regime instaurado
(anteriormente apoiado por Lacerda) e também alguns setores da esquerda. O ex
ministro do interior preferiu não se aproximar destes, mas mesmo assim era o candidato
a presidência favorito destas forças políticas e de parte numericamente considerável do
oficialato, mas em grande parte de baixa patente. Na corrida à sucessão de Costa e
Silva, dos vários candidatos do Exército, Albuquerque Lima era um dos favoritos, mas
foi preterido pela cúpula, receosa que estavam das posições nacionalistas dele. O
argumento utilizado para excluí-lo do pleito foi a graduação:
Ninguém teria deixado de observar que dos seis candidatos do
Exército todos menos um tinham quatro estrelas [general-de-exército].
A exceção era Albuquerque Lima, com apenas três [general-de-
divisão]. Até então, não se fizera um acordo explícito sobre a patente
mínima que os candidatos deveriam possuir. Mas, confrontados com a
ameaça da candidatura de Albuquerque Lima, os ministros militares
anunciaram que somente generais de quatro estrelas eram elegíveis.
OS ministros estavam aplicando à presidência a regra militar de que
nenhum comandante pode ter graduação inferior à dos seus
comandados. Como o presidente devia dar ordens a generais de quatro
estrelas, não podia ter graduação menor. (SKIDMORE, 1988. p. 199)
Em 1971, Albuquerque Lima foi transferido para a reserva como general-de-
divisão e, a partir de então, passou a dedicar-se à iniciativa privada no Nordeste.
31
Extraído de:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/personas/afonsoAlbuquerque.html.
97
É curioso notar que seus atributos de general do Exército, sua postura sempre
dura em prol do enrijecimento do regime, ex ministro de estado e quase presidente da
República, tudo isso não foi suficiente para livrá-lo de um dos mais rigorosos aparelhos
estatais montados para fazer funcionar a violenta repressão do regime, o Serviço
Nacional de Informações (SNI). Documentos disponíveis na base de dados “Memórias
Reveladas” do Arquivo Nacional mostram que Albuquerque Lima e seus
correligionários foram observados de perto pelo aparelho de inteligência e repressão do
regime que ele ajudou a construir.
No dia cinco de setembro de 1969, por exemplo, o SNI produzia um relatório
confidencial32
com o título “GOLPE PARA DERRUBAR MINISTROS MILITARES”,
no qual o informante dizia:
-Êste (sic) serviço tomou conhecimento do seguinte informe:
‘Um informante do Cel Maciel, foi chamado ao Rio de Janeiro, com
urgência, para receber uma informação de uma pessoa do Supremo
Tribunal Federal que disse: Um grupo de militares ligados ao General
ALBUQUERQUE LIMA estariam preparando um golpe para derrubar
os ministros Militares e consequente deposição do presidente COSTA
E SILVA. A pessoa declarou também, ter ouvido quando elementos
do grupo propuseram ao general MEDICI participação no golpe e o
mesmo recusou prontamente. Soube que mandaram verificar também
em S. Paulo, pois elementos do governador SODRÉ estariam ligados
ao grupo. (ID: BR_AN_BSB_VAZ_037_0005)
Em 1971 outro informe “ATUAÇÃO COMUNISTA NO BRASIL” adverte a
aceitação das ideias de Albuquerque Lima entre comunistas da Ação Libertadora
Nacional (ALN):
Convém que seja ressaltada a aceitação que vem tendo, entre as
correntes comunistas, em particular dos militantes da ALN, o
movimento de cunho ‘nacionalista’, ainda que nascente, liderado pelo
Gen R/1 Afonso Augusto de Albuquerque Lima (Id: A0432544-1971)
Mas não era somente os comunistas que pareciam simpatizar pelo general
nacionalista, este, segundo o SNI, atraia também os ultra direitistas da Falange
Patriótica, grupo que vangloriava Hitler e Mussolini. Em informe de 1980 (um ano
antes do falecimento de Albuquerque Lima), circulou um informe do SNI “FALANGE
PATRIÓTICA ARMANDO ZANINI JUNIOR”, no qual diz o informante:
32
Segundo o Decreto nº 79.099 de 06 de janeiro de 1977, que cria a tipologia de salvaguarda de assuntos
sigilosos, em seu parágrafo terceiro do Artigo segundo, o conceito de confidencial é: “§ 3º O grau de
sigilo CONFIDENCIAL será atribuído aos assuntos cujo conhecimento por pessoa não autorizada possa
ser prejudicial aos interesses nacionais, a indivíduos ou entidades ou criar embaraço administrativo.”
(BRASIL, 1977).
98
Não tem preconceitos raciais [a Falange Patriótica] e são favoráveis: a
existência da Lei de Segurança Nacional, à abertura política ‘sem
arrombamento’, a participação da Igreja nas questões sociais (sem
conotação marxista), à Lei de Imprensa, à política salarial do governo,
ao desenvolvimento de um movimento popular de direita. Fazem
algumas restrições à política de transportes do Governo e declaram-se
apoiadores da Revolução de março de 1964. Consideram os ex-
ministros SEVERO GOMES e ALBUQUERQUE LIMA como
aliados e acham que o Governo deve abrir mão de uma parcela dos
impostos em favor das empresas, para que haja um repasse para os
operários, através de ações ordinárias.(ID: C0034162-1980)
O general Afonso Augusto de Albuquerque Lima parece estar situado politica e
ideologicamente entre os oficiais das Forças Armadas oriundos da Revolução de 1930
que não galgaram posição de destaque imediatamente, diferentemente do que ocorrera
com grande parte do grupo político ligado a Cordeiro de Farias, anteriormente chamado
de antinacionalista. Este grupo nunca apareceu de maneira significativa e articulada nos
embates que agitaram a caserna desde 1930. Pelas posições extremistas, conquistou
progressivamente o oficialato novo através do estigma de linha dura. Entretanto, por
sua postura marcadamente nacionalista (sem aproximar-se dos nacionalistas como o
general Newton Estillac Leal) e distributiva (o que dava a seu discurso um ar de
“comunismo”), mesmo entre os linha dura ele parece não ter tanta acolhida. Ao
contrário, conquistava a simpatia dos grupos de esquerda, que em certos momentos
tentaram uma aproximação, mas que nunca o seduziram de fato.
Enfim, temos dois perfis de ministros que guardam entre si semelhanças e
também diferenças. Pode-se dizer que ambos tiveram suas vidas militares
profundamente marcadas pela ação política, compartilharam experiências como o
tenentismo33
, a Revolução de 30, a FEB, a oposição ao segundo governo de Getúlio
Vargas (1950-1954), a ESG e as conspirações de 1964. Mas tiveram em posições
opostas em outras circunstâncias em que, coincidência ou não, a hierarquia militar do
Exército esteve posta a prova: os primeiros momentos pós Revolução de 30 e o governo
Castello Branco, no regime militar.
Cordeiro de Farias foi muito mais reverenciado e agraciado, encerrou sua
carreira com o honorável título de Marechal, dá nome a prêmios e congratulações do
Exército e Forças Armadas, seu circulo de afinidades agregou civis e militares que
vieram a ser de primeira relevância na vida nacional, como Juarez Távora, os irmãos
Geisel (Orlando e Ernesto), Golbery do Couto e Silva, Castello Branco e, porque não, o
33
Apesar da participação menos intensa de Albuquerque Lima em função da idade, oito anos mais novo
que Cordeiro de Farias.
99
próprio Getúlio Vargas, entre outro tanto inumerável de personagens que dignos de
citação. Albuquerque Lima foi não desfrutou do mesmo prestígio por parte daqueles que
ocupavam os cargos maiores, que poderiam lhe oferecer as honrarias. Retirou-se para a
reserva como general-de-divisão (obviamente que é uma patente ilustre), sem aliados de
grande porte, nem no meio civil nem no militar. Era venerado pelo jovem oficialato, de
onde sempre tirou seu cacife político, muitas vezes desafiando a cúpula, mas era tido
com reservas por todos os grupos: os antinacionalistas se opunham por sua postura linha
dura, os linha dura receavam seu caráter nacionalista e popular, os nacionalistas e
populares eram perseguidos pelo regime repressor que ele acreditava e defendia.
Inegavelmente são dois perfis extraordinários, com círculos de afinidades e
posição ideológica significante. As turbulentas trajetórias os colocaram em contato com
experiências de vida e modos de ver o mundo e o país que nutriram suas práticas
enquanto ministros.
* * *
Ao escrever esse capítulo, fica a certeza de que tratar da corporação militar no
Brasil desde os fins do século XIX até o regime militar de 1964-1985 é tratar de
protagonistas fundamentais da história nacional. Ao projetar esse processo em
operações objetivas de governamentalização – como a do território – acionadas por
pessoas que viveram intensa e diferentemente essa história, é possível entender com
mais segurança como esta governamentalização é instrumentalizada a partir da posição
social destes sujeitos e os projetos que vislumbram para o país. Projetos alimentados por
ideias formulados na vivência destes homens, testemunhas e sujeitos de “tempos
interessantes”34
. Cabe, a partir daqui, analisar os planos de ação de governamentalização
do território formulados por eles enquanto responsáveis maiores por uma pasta de
governo como o MECOR/MINTER, e identificar como esta prática esta imbricada em
campos de poder que definem o significado do ministério. Este é o desafio dos capítulos
seguintes.
34
Tomo emprestado o título do livro do historiador Eric Hobsbawm.
100
3. O INTERIOR ‘ATRASADO’ E A ‘FUNÇÃO ALTAMENTE CIVILIZADORA
DO DESENVOLVIMENTO’
A nova ordem geopolítica mundial se expressa com transformações profundas
no Brasil. O mote de modernização do território e da sociedade no Brasil ganha
conteúdo renovado desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Um novo arranjo de
grupos e forças sociais se impõe através da estruturação de campos de poder. Este
capítulo trata de um deles: o campo de poder do desenvolvimento.
O mote do desenvolvimento se apodera o debate político, econômico e social
através de práticas concretas que o disseminaram e o alçaram para o topo de
importância da agenda pública, subjugando e inviabilizando toda e qualquer ideia que
pregasse algo que pudesse sem interpretado como oposto ao desenvolvimento. Esse
apoderar-se é resultado de práticas e relações de poder em escalas múltiplas.
O desenvolvimento como campo de poder no Brasil
A noção de desenvolvimento é uma peça fundamental do discurso geográfico
sobre o território nacional proclamado pelos experts da metade do século XX para cá,
assim como no plano de ação e governamentalização do território proposto pelo
MINTER. Considerando esse discurso como uma prática social situada (DRIVER,
1992), é preciso identificar suas formas de ação e penetração no mundo social;
identificar como e através do quê ele tornou-se tão difundido e tão aceito no Brasil, ou,
como diz Arturo Escobar (1995):
To see development as a historically produced discourse entails an
examination of why so many countries started to see themselves as
underdeveloped in the early post-World War II period, how ‘to develop’
became a fundamental problem for them, and how, finally, they embarked
upon task of ‘un-underveloping’ themselves by subjecting their societies to
increasingly systematic, detailed, and comprehensive interventions. (p.6)1
Segundo Escobar, o sentido contemporâneo de desenvolvimento é uma
invenção do pós-guerra, antes de 1940 essa palavra, muito menos utilizada, tinha
conotação mais vaga. É imanente à formação da modernidade, em seu conteúdo
eurocêntrico, o exercício de classificação e hierarquização social através de categorias
1 “Para ver o desenvolvimento como um discurso historicamente produzido implica um exame de como
tantos países começaram a ver a si mesmos como subdesenvolvidos no período do começo do pós
Segunda Guerra Mundial, como ‘desenvolver’ tornou-se um problema fundamental para eles, e como,
finalmente, eles embarcaram na tarefa de subverter o subdesenvolvimento de si mesmos pela subjugação
de suas sociedades a crescentes sistemáticas, detalhadas e abrangentes intervenções” (Tradução Livre)
101
que tornam possível distinguir e situar claramente sujeitos nas relações de poder, a partir
de referências geográficas, raciais, de gênero, etc., de preferência com fundamento
natural (QUIJANO, 2010)2. Assim como a categoria de raça foi estruturante no
estabelecimento das relações de poder nos primeiros momentos da colonização, o
desenvolvimento passa a ser, a partir da década de 1940, o elemento estruturante que
define o lugar geográfico, econômico, político e social de países e pessoas em relações
de poder hierarquizadas. A palavra não é nova, novo é o seu significado.
A primeira legitimação ao desenvolvimento é argumento de combate a
pobreza. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial difundiu-se um ideal que
objetivou a pobreza associada a uma série de carências: analfabetismo, renda per capita,
saúde, etc. Esta difusão acompanhou pari passu a formação do mercado mundial do
capitalismo, que passou a demandar os recursos naturais e o mercado interno dos países
doravante chamados de subdesenvolvidos. Importante notar que se ignorou
completamente os efeitos dessa mundialização do capitalismo na fabricação da própria
pobreza, através de processos como o rompimento de relações tradicionais de produção
e o desapossamento de populações e seus recursos. Fato é que, a partir de então, a
pobreza passou a demandar intervenções sistemáticas com a finalidade alegada de
erradica-la, mas com o efeito de implantar um poderoso mecanismo de controle social
(ESCOBAR, op.cit.).
Agências internacionais foram criadas com o objetivo de “auxiliar” as
populações pauperizadas. O auxílio era financeiro e técnico, mais este que aquele. O
pressuposto era de que a superação da situação indesejada exigia, em primeira instância,
uma solução técnica, científica. O domínio deste tipo de saber legitimava as agências a
prescrever através de planos a política a ser adotada nos países subdesenvolvidos,
submetidos aos estandartes externos pela primazia do desenvolvimento:
Thus poverty became an organizing concept of the object of a new
problematization. As in the case of any problematization (Foucault
1986), that of poverty brought into existence new discourses and
practices that shaped the reality to wich they referred. That the
2 “As diferenças fenotípicas entre vencedores e vencidos foram usadas como justificação da produção da
categoria ‘raça’, embora se trate, antes do mais, de uma elaboração das relações de dominação como tais.
A importância e o significado da produção desta categoria para o padrão mundial do poder capitalista
eurocêntrico e colonial/moderno dificilmente poderiam ser exageradas: a atribuição de novas identidades
sociais resultantes e sua distribuição pelas relações de poder mundial capitalista estabeleceu-se também
como o fundamento das novas identidades geoculturais e das suas relações de poder no mundo. E,
também, chegou a ser parte por detrás da produção das novas relações intersubjetivas de dominação e de
uma perspectiva de conhecimento mundialmente imposta como a única racional.” (QUIJANO, 2010.p.
119)
102
essential trait of the Third World was its poverty and that the solution
was economic growth and development became self-evident,
necessary, and universal truths. (ESCOBAR, op.cit. p.24)3
O desenvolvimento é apresentado como única saída desejável, o único
caminho. O Terceiro Mundo é representado por sua debilidade, fragilidade e
inferioridade diante do mundo desenvolvido. Este lugar social é representado por
metáforas médicas ou infantilizantes, como “fraco”, “doente” ou incapacitado, sujeito à
supervisão de um adulto. Esta infantilização atribuiu a outro ente capaz a complexa
tarefa da redenção desenvolvimentista. Agências especializadas se apresentam como se
fossem aclamadas como aquelas que dispõem das ferramentas certas para o feito
desejado. Estas ferramentas são a ciência, tecnologia e o planejamento, e a
confiabilidade se ancora na experiência bem sucedida de outro lugar geográfico: o
mundo ocidental, desenvolvido.
O desenvolvimento, a partir do pós-guerra, definiu-se como um regime
discursivo específico, i.e., uma formação discursiva que articula elementos em torno de
um novo significado. Não que esses elementos não existissem até então, o combate à
pobreza, a ação estatal coordenada para determinado fim, a conclamação dos experts
para propor diagnósticos e formular soluções; tudo isso tem precedentes desde pelo
menos o século XIX; a novidade é a articulação destes novos elementos em tornou de
um único significado. O desenvolvimento converteu-se em regime discursivo particular
na medida em que uma coisa passou a implicar a outra: a diversidade social limitou-se a
ser tratada como pobreza, que por sua vez exigia formas pré-determinadas de relações
produtivas para ser superada, estas relações produtivas deveriam ser prescritas por
especialistas técnicos e agências especializadas, e assim por diante. Este encadeamento
de problemas e soluções que Escobar chama de regime discursivo do desenvolvimento,
prefiro chamar de expressão discursiva do campo de poder do desenvolvimento.
Segundo Gustavo Ribeiro (2008):
O campo do desenvolvimento é constituído por atores que
representam vários segmentos de populações locais (elites locais e
líderes de movimentos sociais, por exemplo); empresários privados,
funcionários e políticos em todos os níveis de governo; pessoal de
corporações nacionais, internacionais e transnacionais (diferentes
3 “Assim a pobreza veio a ser um conceito organizador e o objeto de uma nova problematização. Como
nos casos de qualquer problematização (Foucault 1986), esta da pobreza trouxe à existência novos
discursos e práticas que deram forma à realidade a qual elas se referiam. Isto que o traço essencial do
Terceiro Mundo foi a pobreza e isto que a solução era crescimento econômico e desenvolvimento
tornaram-se auto evidências, necessárias e universais verdades.” (Tradução Livre)
103
tipos de empreiteiros e consultores, por exemplo); e pessoal de
organizações internacionais de desenvolvimento (funcionários de
agências multilaterais e bancos regionais, por exemplo). As
instituições são parte importante desse campo; elas incluem vários
tipos de organizações governamentais, organizações não-
governamentais, igrejas, sindicatos, agências multilaterais, entidades
industriais e corporações financeiras. (p.110)
Este campo de poder estruturou-se nos países do chamado Terceiro Mundo e
desenhou uma particular geopolítica das relações de poder. Um campo de saber se
forma a partir desse eixo, centralizado na figura dos economistas, que converteram a
discussão social em objeto científico (i.e., matemático). Além de regime discursivo, o
desenvolvimento ganha a conotação de campo de poder, extremamente eficiente como
poder simbólico (BOURDIEU, 2007a), diga-se de passagem. Discute-se como
desenvolver, não o que deve ser o desenvolvimento. Desenvolvimento virou assunto de
especialista, aquém se suporia pensar a melhor conjugação de forças produtivas (mão de
obra, tecnologia, capital e matéria-prima) e componentes macroeconômicos (juros,
câmbio, regime fiscal, etc.). Estes especialistas e suas fórmulas “científicas” aparecem
como inquestionáveis aos outros sujeitos sociais, resignada à condição de objeto da
intervenção técnica (ESCOBAR, op.cit.)
Relações sociais objetivas se estabelecem no bojo do campo do
desenvolvimento através da proliferação de instituições e agências desenvolvimentistas,
por exemplo, a USAID [1961] (United States Agency for International Development4) e
a Aliança para o Progresso (1961-1969), firmada entre os EUA e os países da América
Latina (menos Cuba, que acabara de fazer sua revolução socialista), com a missão de
levar o desenvolvimento (ESCOBAR, op.cit.). Mas também a partir das próprias
empresas, agora imensas corporações mundializadas.
A conjugação da profissionalização e institucionalização do desenvolvimento
promoveu um extraordinário mecanismo de controle social sobre o Terceiro Mundo,
seus territórios e sua gente. Os profissionais especialistas diagnosticam os problemas e
dão as receitas; as instituições (que muitas vezes os empregam), por sua vez, se
encarregam de fazer circularem as receitas e as empregarem efetivamente em
“laboratórios” no mundo não desenvolvido. As decisões sobre os rumos e o destino
político desses povos lhes são alienadas por um formidável e eficiente método de
normatização do mundo pelo mote do desenvolvimento.
4 Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.
104
Esta é a definição de desenvolvimento como campo de relações de poder que
guia a análise neste capítulo. Sumariamente, trata-se do processo material e simbólico
através do qual se consolidou um objetivo que normatiza politica, econômica e
culturalmente todas as sociedades “modernas”, subjugando-as aos imperativos de
controle social instransponíveis. A esse objetivo costuma-se chamar de
desenvolvimento.
Escobar (op. cit.) é conclusivo sobre isso:
At times, development grew to be so important for the Third World
countries that became acceptable for their rulers to subject their
populations to an infinitive variety of interventions, to more
encompassing forms of power and systems of control; so important
that First and Third World elites accepted the price of massive
impoverishment, of selling Third World resources to the most
convenient bidder, of degrading their physical and human ecologies,
of killing and torturing, of condemning their indigenous populations to
near extinction; so important that many in the Third World began to
think of themselves as inferior, underdeveloped, and ignorant and to
doubt the value of their own culture, deciding instead to pledge
allegiance to the banners of reason and progress, so important, finally,
that the achievement of development clouded the awareness of the
impossibility of fulfilling the promises that development seemed to be
making5. (pp. 52-53)
Em cada país e em cada formação social este processo provocou uma
reestruturação institucional, uma reordenação política toda disposta a favorecer o
desenvolvimento, ou seja, este conjunto de relações de produção, poder e de criação de
significados, conforme o conceitualizou Escobar (op.cit.). No Brasil, este processo foi
conduzido pela emergência da ordem tecnocrática, ou tecnoburocrática, como prefere
Bresser Pereira (1982), ou ainda tecno-empresarial, como prefere Dreifuss (1981).
Cada uma dessas definições acentua um aspecto que considera fundamental de
um mesmo processo, que é a emergência de uma forma de governo atribuída a uma
classe profissional baseado em uma suposta superioridade e neutralidade da técnica6.
5 “Por vezes, o desenvolvimento cresceu para ser tão importante para os países do Terceiro Mundo que
isso tornou aceitável para seus governantes submeter as suas populações a uma variedade infinita de
intervenções, as mais abrangentes formas de poder e sistemas de controle; tão importante que as elites do
Primeiro e Terceiro Mundo aceitaram o preço do empobrecimento maciço, da venda de recursos do
Terceiro Mundo ao licitante mais conveniente, da degradação de suas ecologias físicas e humanas, de
matar e torturar, de condenar suas populações tradicionais à quase extinção; tão importante que muitos no
Terceiro Mundo começaram a pensar em si mesmos como inferiores, subdesenvolvidos, e ignorantes e a
duvidar do valor de sua própria cultura, decidindo ao invés jurar lealdade às bandeiras da razão e do
progresso; tão importante, finalmente, que a realização do desenvolvimento obscureceu a consciência da
impossibilidade de cumprir as promessas que o desenvolvimento parecia estar fazendo.” (Tradução Livre) 6 Para todos estes conceitos, guardadas suas respectivas especificidades, a definição de Martins (1974)
parece satisfatoriamente precisa e sucinta: “Quando nos referimos, por outro lado, a tecnocratas e
105
Bresser Pereira prefere salientar que o governo dos técnicos se consolida através da
formação de uma burocracia que se imunizadas tensões políticas; já Dreifuss, na
conceituação que parece ser a mais precisa, procura acentuar o envolvimento da classe
empresarial neste processo de consolidação da técnica como forma de governo. De toda
forma, a tecnocracia7 é um amadurecimento do racionalismo utilitarista do pensamento
moderno. Além de um sistema político e econômico, é também uma ideologia pautada,
segundo Bresser Pereira (op.cit.) em alguns pontos fundamentais: i) a crença absoluta
no desenvolvimento econômico, o objetivo último, que se impõe a todos, e viável
unicamente através da eficiência administrativa; ii) o conservadorismo dinâmico, que
assimila as mudanças tecnológicas, mas se mantém longe de qualquer mudança social;
iii) o princípio da segurança, requisito para a eficiência, porque desordem seria
sinônimo de ineficiência; iv) a crença segundo a qual todos os problemas são de ordem
técnica, e não sociais; v) por fim, a identificação do consumo com felicidade, quanto
mais se consome melhor se vive, e quanto mais se produz mais se consume.
Nos países subdesenvolvidos como o Brasil os estamentos militares foram um
dos grandes protagonistas da emergência da ordem tecnocrática (BRESSER PEREIRA,
op.cit.), devido a fatores internos à corporação – a burocratização mais avançada se
comparada às demais instituições e os laços com as congêneres europeias e
estadounidenses, conforme já foi visto no capítulo anterior – e externos – o
fortalecimento do nacionalismo que exigiu uma intervenção mais direta.
Desde o Estado Novo que os militares se puseram politicamente como uma
força tecnicamente superior porque seriam as únicas a conseguir almejar o crescimento
econômico. Depois da Segunda Guerra Mundial a parcela que se fez hegemônica nas
Forças Armadas foi exatamente aquela que perfilou a FEB e incorporou muito bem os
ideais estadounidenses, convertendo-se em entusiastas do desenvolvimento. Ou seja, a
operação de constituição do campo de poder do desenvolvimento que se formou
mundialmente iniciou precocemente entre os militares brasileiros:
Mas procuramos mostrar que transformações reais se vinham
processando no sentido de modificar o papel da organização militar na
tecnocracias, temos em mente fenômenos de outra ordem. Nesse caso, não estamos pura e simplesmente
mencionando a presença de um contingente técnico-científico num determinado contexto social; na
verdade, estamos sugerindo, no mínimo, que os tecnólogos podem ser apropriadamente descritos como
sendo algo mais do que meros tecnólogos e que o contingente técnico-científico assumiu, ou está em vias
de assumir, as funções de poder.” (p.18) 7 Apesar de o conceito de Dreifuss parecer mais apropriado, neste texto optou-se pela utilização do termo
tecnocracia por ser mais genérico e mais facilmente manuseado no texto.
106
política nacional. A mudança independia em parte do discurso político
predominante e fazia parte das transformações maiores que se davam
na própria sociedade e no Estado. O enunciado dos projetos do novo
regime [o Estado Novo] em matéria de desenvolvimento econômico
revela um conteúdo que de muito extrapolava o autoritarismo político,
aspecto sempre salientado pelos opositores (CARVALHO, 2006. p.
99)
A entrada do desenvolvimentismo no Brasil se deu, em grande parte, através do
processo de penetração do capital monopolista multinacional que aterrissa no país a
partir da década de 1950. A entrada desse novo e poderoso agente reconfigura o
equilíbrio interno de poder, perturbando o pacto populista que acomodava o voto
popular e o controle político pelas oligarquias (CARDOSO, 1972). Esta perturbação se
definirá com o golpe de 1964, quando este novo agente se hegemoniza nacionalmente.
O bloco multinacional associado, como o chamou René Dreifuss, entra no
cenário político e econômico brasileiro com grande volume de capital e tecnologia
sofisticada, elementos significativos para se impor em uma concorrência capitalista,
principalmente no capitalismo brasileiro da metade do século passado, quando o
empresariado e a indústria nacional ainda não estavam consolidados. Entretanto,
transformações nas relações econômicas não são suficientes para edificar o campo do
desenvolvimentismo, que precisa estar adequado a um conjunto de relações de poder e
produção de significados que sejam favoráveis ao regime produtivo a ser implantado
(ESCOBAR, op.cit.).
As relações de poder adequadas foram construídas minuciosamente, num
processo que desestabilizou o regime populista que seguia seus rumos com forte apelo
nacional e popular no Brasil8 (principalmente nos governos de Getúlio Vargas [1951-
54], Juscelino Kubitschek [1956-1961]e João Goulart [1961-1963]). Este trabalho
ocorreu através de diretores nacionais das corporações internacionais, empresários,
técnicos do setor privado e público e os militares. Através destes agentes o capital
multinacional se fazia representado na política nacional, eles apresentavam seu projeto
político do qual eles faziam parte como associados. Estes defensores, os elementos
componentes do capital multinacional associado, eram o vínculo entre os interesses
internacionais e os nacionais:
A estrutura desse sistema nervoso central estava estabelecida no
interior das formações sociais nacionais dos países onde as
8 A análise que segue, da formação do bloco do capital multinacional associado no Brasil, está
fundamentalmente baseada em Dreifuss (1981).
107
multinacionais operavam. Essas criavam ou favoreciam a formação de
‘elites’ locais ligadas organicamente por laços sócio-culturais, padrão
de vida, aspirações profissionais, interesses decorrentes da sua
condição de acionistas e atitudes econômico-políticas.
(DREIFUSS,1981. p. 72)
Esse bloco associado foi progressivamente capaz de deslocar a elite oligárquica
de sua posição até então privilegiada nas relações de poder e assumir para si essa
posição de comando, de maneira associada. Enquanto edificavam sua estrutura de ação
política, pavimentavam o caminho para a penetração e proliferação do campo de poder
do desenvolvimento.
Entre os militares, a conformação desse bloco associado ocorreu
predominantemente através da ESG e dos acordos militares entre Brasil e EUA. As
afinidades ideológicas entre ambos é óbvia, desde o tenentismo que os militares tinham
como alvo principal a oligarquia rural, a qual pretendiam substituir por um moderno
capitalismo industrial. Pois aí estava concretizada essa via, através do capital associado.
Tinham em comum também o arraigado anticomunismo, difundido fervorosamente nas
Forças Armadas brasileiras bem antes do desenvolvimentismo. Isto, em um contexto de
Guerra Fria, no qual o opositor são justamente os comunistas, é bastante considerável.
Além das afinidades, o contato pessoal e a vivência da Segunda Guerra aproximaram os
militares nativos e os EUA. Já na década de 1950 alguns militares transferiam-se para a
reserva para desempenhar funções de chefia em empresas multinacionais que iam se
instalando. Os militares também foram estratégicos na implantação do desenvolvimento
no Brasil através da ESG, meio pelo qual se estabeleceu ligações orgânicas com os civis
dos meios empresariais e da administração pública.
Além dos militares, foi muito significativa a participação de elites civis que
conformavam uma estrutura de poder tecno-empresarial, consolidada em anéis
burocráticos que assumiam competências de política administrativa, mas mantinham-se
alheios aos embates políticos normais. Esses anéis burocráticos eram, p.ex., o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE – hoje BNDES, com o social
acoplado ao nome), o Banco Central e toda a gama de autarquias, empresas de
economia mistas e tantas outras agências posterirormente regularizadas sob a insígnia
de administração indireta na Reforma Administrava de 1967.
Os principais agentes civis do capital multinacional associado estavam
organizados em três frentes: os escritórios de consultoria empresarial, as associações de
classe empresariais, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e
108
os grupos de ação, como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto
Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). As consultorias empresariais agiam no sentido
de dar conselhos e recomendar políticas econômicas aos setores privado e público.
Generosamente pagos pelo capital multinacional, em suas recomendações ao poder
público privilegiavam medidas que facilitassem o fluxo deste capital, as quais
costumavam chamar de modernização da economia, o que era, na prática, a
consolidação do campo desenvolvimentista. A classe empresarial brasileira viu o capital
multinacional como um sócio estratégico e promoveu uma defesa intransigente de seus
aportes nos seus negócios. Por fim, o IPES e o IBAD encarregaram-se da função que
Dreifuss (op. cit.) identifica como intelectuais orgânicos (na acepção gramsciniana no
termo), ou seja, elaboram a construção intelectual que promovia este processo como o
ideal para o país e, concomitantemente, difundiam estes ideais em toda a sociedade
civil.
O triunfo definitivo deste novo agente deu-se com o golpe de 1964, através do
qual foi demonstrado que a estrutura populista não estava adequada ao novo
protagonista político no país, o bloco multinacional associado. Consolidou-se também o
campo desenvolvimentista, em seus aspectos políticos, econômicos e ideológicos. A
partir de então:
A elite orgânica dos interesses financeiros-industriais multinacionais e
associados foi capaz de assegurar poder econômico e administrativo,
objetivamente transformando o aparelho de Estado em parte integrante
dos interesses monopolistas que controlavam a economia. Os
interesses multinacionais e associados foram capazes de controlar a
vida política do Estado e de forjar sua máquina de acordo com as
necessidades do capital monopolista, ocupando os cargos centrais de
poder e determinando suas metas, procedimentos e meios.
(DREIFUSS, op. cit. 419)
O poder econômico e administrativo foi o principal pivô da consolidação do
desenvolvimento enquanto prática e discurso no Brasil. Paralelamente, a intelligentsia
do domínio do saber que alçou-se a uma posição privilegiada a partir de então – os
economistas – se puseram a discutir as formas do desenvolvimento, pautando um debate
restrito ao como, sem questionar o porquê desenvolver-se, atitude típica deste campo de
poder. A este embate Ricardo Bielschowsky (2000) chamou de ciclo ideológico do
desenvolvimentismo. Por desenvolvimentismo9 o autor se refere a:
9 A definição de desenvolvimentismo do autor está focada no caráter discursivo, mais especificamente no
debate econômico. Nesta investigação, a palavra desenvolvimentismo se refere ao campo de poder ao
109
Entendemos por desenvolvimentismo, neste trabalho, a ideologia de
transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto econômico
que se compõe dos seguintes pontos fundamentais:
a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do
subdesenvolvimento brasileiro;
b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional
no Brasil através de forças espontâneas de mercado; por isso, é
necessário que o Estado o planeje;
c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores
econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e
d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e
orientando recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos
naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente,
(BIELSCHOWSKY, 2000. p. 7)
Seu conceito resume basicamente o debate econômico brasileiro a partir de
193010
. A polêmica gira em torno de questões como: a industrialização, a participação
do capital privado, a centralidade do Estado, inflação, distribuição de renda, entre
outros; mas sempre visando a mesma finalidade, o desenvolvimento. O autor distingue
três; correntes desenvolvimentistas: i) do setor privado; ii) do setor público não-
nacionalistas; iii) setor público nacionalista.
Sua análise revela-se interessante não só pela explanação do entendimento das
diferenças teóricas da economia, mas, sobretudo, por demonstrar como cada uma dessas
concepções tornam-se baluarte de instituições diferentes com atuação significativa para
difundir e consagrar a crença no desenvolvimento, cada um com sua própria versão.
Todas as correntes organizaram-se em torno de entidades que atuavam publicamente e
dispunham de periódicos próprios para veicular suas ideias.
Os desenvolvimentistas do setor privado, representados por Roberto Simonsen,
estavam organizados em torno da FIESP e da Confederação Nacional da Indústria
(CNI). Suas preocupações são consideradas prematuras, pois ele se antecipa à
consolidação da teoria econômica do desenvolvimento do pós-Segunda Guerra
Mundial. Em suas defesas do desenvolvimentismo estas instituições pregavam
sinteticamente: i) a ação do Estado no sentido de dinamizar setores da indústria em que
a iniciativa privada não fosse capaz; ii) planejamento estatal; iii) o protecionismo
econômico, necessário pela condição “enfante” da indústria nacional; iv) não entendia o
projeto de industrialização como antagônico aos interesses agrícolas; v) defendia o
qual se refere Escobar (op.cit.), englobando, portanto, o conjunto de práticas, instituições e significações
simbólicas articuladas. 10
Na verdade, Bielschowsky exclui da categoria de desenvolvimentista somente os adeptos da teoria
neoliberal, representados sobretudo por Eugênio Gudin e Octávio Gouveia de Bulhões. Eles seriam não-
desenvolvimentistas por defenderem a livre ação do mercado (avessos, portanto, a intervenções estatais
como o planejamento) e não visarem a industrialização como meta.
110
alinhamento aos EUA; vi) era favorável à entrada de capitais externos, desde que
direcionados para os setores não explorados pela indústria nacional.
Os desenvolvimentistas do setor público não nacionalista, encarnados na figura
de Roberto Campos (que depois veio a ser ministro do Planejamento de Castello
Branco), formaram-se já na década de 1950 em torno da Comissão Mista Brasil-EUA e
o BNDE. Estavam, portanto, no centro da operação anteriormente descrita de formação
do capital multinacional associado, mesmo que esta não se resuma àqueles. Como
observa Bielschowsky (op.cit.):
Observado retrospectivamente à luz do processo histórico
efetivamente ocorrido no país, Campos destaca-se nos anos 50 como
um pensador certeiro. Foi, sem dúvida, o economista da nova ordem
do Brasil, que passava da velha estrutura agrário-exportadora à nova
estrutura da economia industrial internacionalizada. Campos apostou
na industrialização pela via da internacionalização de capitais e do
apoio do Estado – e ganhou. (p.105)
A posição desse grupo pode ser sumarizada da seguinte forma: i) crítica à
política nacionalista de extensa participação do Estado na economia que, para eles,
deveriam restringir-se aos setores em que não concorressem com a iniciativa privada; ii)
defendia o planejamento setorial, ou seja, voltado aos setores considerados prioritários;
iii) favorável à participação de capital externo, na medida em que eram escassos no país
tanto o capital quanto o know-how. A diferença fundamental entre esta corrente e a
anterior está na ênfase da atuação do Estado. Para os primeiros, atuação do Estado era
importante para favorecer os industriais, como o protecionismo, p.ex., já para o segundo
grupo, o Estado fazia-se importante pela sua função orquestradora, facilitadora do
capital como um todo, por isso eram contra o protecionismo,
A terceira corrente desenvolvimentista, os nacionalistas, estava representada
fundamentalmente pela figura de Celso Furtado, pelo ISEB e pela Cepal: i) defendiam a
constituição de um capitalismo moderno e industrial no Brasil, ii) eram fortemente
favoráveis à intervenção estatal, principalmente em setores estratégicos; iii) defendiam a
subordinação da política monetária à política de desenvolvimento; iv) tinham
determinada inclinação por políticas de cunho social, como o distributivismo, que deu
origem ao planejamento regional (a SUDENE). Nesse sentido diferenciavam-se dos
desenvolvimentistas não nacionalistas, voltados para o planejamento setorial.
Enfim, todas estas três correntes são diferentes versões para o mesmo fato: a
inserção do Brasil no campo do desenvolvimento através da montagem de uma estrutura
111
política, econômica e social muito eficaz de dominação e controle social. Este fenômeno
ia se completando; os agentes protagonistas já estavam colocados, a ideologia
desenvolvimentista já estava dada, instituições estavam criadas. É nesse processo que o
MINTER se insere. Na condição original de coordenador dos organismos regionais, a
função primordial deste ministério foi re-orientar a ação do planejamento regional, isso
significa assentá-lo em um caminho coerente e único. Como diz a E.M nº 71/1967, uma
das últimas de João Souza, uma das tarefas fundamentais a quais ele se propôs no
ministério, em continuidade a ação do seu sucessor, foi a “reformulação de planos e o
reagrupamento de organismos regionais, dentro da filosofia do desenvolvimento
econômico regional”.
A grande missão do MINTER foi, portanto, transformar os órgãos de
administração do território, antes dispersos (principalmente em seus objetivos), em
verdadeiras vias de penetração e aprofundamento do desenvolvimento como campo de
poder no Brasil.
O MINTER no campo do desenvolvimento
O MINTER, sem dúvida nenhuma, foi programado para ser um agente efetivo
da consolidação do campo do desenvolvimento no Brasil. Tomando o ministério pelo
sentido que seus ministros tentaram lhe empregar – perceptível pela comunicação destes
com o presidente da República expresso através das Exposições de Motivos – este
caráter é evidente. Em 9/01/1967, através da E.M nº09, o então ministro João Gonçalves
de Souza emite opinião a respeito da definição do futuro do MECOR na Reforma
Administrativa que estava em gestação (baixada em fevereiro do mesmo ano). Quanto
ao nome do futuro ministério, ele é da seguinte opinião:
No entendimento aqui adotado, a denominação de MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO REGIONAL é que atenderia aos grandes
objetivos diferenciadores e aos fins precípuos do Ministério, no
contexto da Reforma, MINSTÉRIO DO INTERIOR seria um conceito
de extensão menor do que o conteúdo das atribuições, com o
agravante de excluir a conotação primordial. Além disso, a
designação, por si mesma, sugere no sentido comum a idéia de um
Ministério voltado exclusivamente para a política, a política do
Interior. Há mesmo o precedente do Direito Administrativo
comparado (Itália, França, etc), em que o Ministério do Interior tem
uma estrutura clássica. (p.2. grifo e parênteses no original)
Esta opinião é compartilhada por seu sucessor, Albuquerque Lima, que retoma
o assunto no mesmo ano, já no mês de junho, através da E.M nº 173:
112
Em consonância com essa indicação, o elenco de competências
conferido, no texto da lei em causa [a Reforma Administrativa], ao
Ministério do Interior dá destaque às matérias relacionadas com o
desenvolvimento econômico e, primordialmente, com o
desenvolvimento regional.
Tendo em vista êsses (sic) aspectos, a denominação de Ministério do
Interior e Desenvolvimento Regional é que atenderia aos grandes
objetivos diferenciadores e aos fins precípuos do Ministério, no
contexto da Reforma. (pp. 2-3)
Ambos os ministros procuravam um nome que estivesse adequado aos
objetivos do ministério, diferenciando-o do formato adotado em países como França e
Itália, no qual o Ministério do Interior se envolve muito mais com matérias de política e
segurança pública. O objetivo do ministério era aquele disseminado a partir do fim da
Segunda Guerra Mundial e que buscava se consolidar no Brasil como o regime de 1964,
o desenvolvimento.
A apreciação da documentação revela o desenvolvimento assumido como
finalidade inquestionável, muito associado a “função altamente civilizadora” (E.M
nº4/1964), e “condição irrecorrível para a plena efetivação do seu progresso social e
econômico.” (E.M nº58/1965) – para usar as palavras de Cordeiro de Farias. Expressões
como “promover o desenvolvimento” aparecem inumeráveis vezes, os exemplos
poderiam se multiplicar a exaustão. A totalidade dos documentos, sinteticamente
apresentados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4, oferece elementos importantes para a identificação
do caráter desenvolvimentista do MINTER.
113
TABELA 1: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ÓRGÃO (08/07/1964-
27/01/1969)11
ÓRGÃO Ocorrências (%) Ocorrências
(números absolutos)
SUDENE 28,97% 336
MECOR/MINTER 11,12% 129
IBGE 8,19% 95
Comissão do Vale do São Francisco 7,59% 88
SPVEA 7,16% 83
TERRITÓRIOS FEDERAIS 5,60% 65
DNOCS 3,88% 45
Fundação Brasil Central 3,62% 42
não consta 2,93% 34
FUNAI 2,50% 29
BNH 2,41% 28
SUDAM 1,98% 23
SUVALE 1,98% 23
SUDEFSO 1,72% 20
DNOS 1,55% 18
CM Brasil-Uruguai 1,38% 16
SENAM 1,29% 15
SUFRAMA 0,86% 10
SPI 0,86% 10
SUDESUL 0,78% 9
SUDECO 0,69% 8
BNB 0,34% 4
Parque do Xingú 0,34% 4
SERFHAU 0,34% 4
Rodobrás 0,26% 3
Política Nacional de Saneamento 0,26% 3
RONDON 0,26% 3
GERAN 0,17% 2
BASA 0,17% 2
FIRTOP 0,17% 2
Grupo de trabalho para integração da
Amazônia 0,09% 1
CEFF 0,09% 1
SUNAMA 0,09% 1
Fundação do Vale do Parnaíba 0,09% 1
SPI 0,09% 1
CFF 0,09% 1
ILEGÍVEL 0,09% 1
Total Geral 100,00% 1160
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
11
Os nomes representados pelas siglas podem ser encontrados na lista de abreviaturas.
114
TABELA 2: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ÓRGÃO (Cordeiro de Farias -
25/06/1964 a 16/06/1966)
ÓRGÃO Ocorrências (%)
Ocorrências
(números
absolutos)
SUDENE 31,45% 145
IBGE 16,49% 76
SPVEA 13,23% 61
Comissão do Vale do São
Francisco 9,54% 44
MECOR/MINTER 9,54% 44
TERRITÓRIOS 6,72% 31
Fundação Brasil Central 4,77% 22
Não consta 3,25% 15
SUDEFSO 2,82% 13
CM Brasil-Uruguai 0,87% 4
SENAM 0,65% 3
SUNAMA 0,22% 1
Rodobrás 0,22% 1
Parque do Xingú 0,22% 1
Total Geral 100,00% 461
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
TABELA 3: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ÓRGÃO (João G. de Souza -
16/06/1966 a 16/02/1967)
ÓRGÃO Ocorrência (%) Ocorrências
(números absolutos)
SUDENE 34,16% 69
Comissão do Vale do São
Francisco 15,35% 31
SPVEA 10,89% 22
MECOR/MINTER 9,90% 20
IBGE 8,91% 18
TERRITÓRIOS 4,95% 10
SUDAM 3,47% 7
Fundação Brasil Central 2,48% 5
CM Brasil-Uruguai 2,48% 5
SENAM 1,98% 4
SUDEFSO 1,49% 3
FIRTOP 0,99% 2
Fundação do Vale do Parnaíba 0,50% 1
GERAN 0,50% 1
SUDESUL 0,50% 1
CFF 0,50% 1
Parque do Xingú 0,50% 1
CEFF 0,50% 1
Total Geral 100,00% 202
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
115
TABELA 4: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ÓRGÃO (Albuquerque Lima -
15/03/1967 a 27/01/1969)
ÓRGÃO Ocorrências (%) Ocorrências
(números absolutos)
SUDENE 24,55% 122
MECOR/MINTER 13,08% 65
DNOCS 9,05% 45
FUNAI 5,84% 29
BNH 5,63% 28
TERRITÓRIOS 4,83% 24
SUVALE 4,63% 23
não consta 3,82% 19
DNOS 3,62% 18
SUDAM 3,22% 16
Fundação Brasil Central 3,02% 15
Comissão do Vale do São Francisco 2,62% 13
SUFRAMA 2,01% 10
SPI 2,01% 10
SENAM 1,61% 8
SUDESUL 1,61% 8
SUDECO 1,61% 8
CM Brasil-Uruguai 1,41% 7
SUDEFSO 0,80% 4
BNB 0,80% 4
SERFHAU 0,80% 4
RONDON 0,60% 3
Política Nacional de Saneamento 0,60% 3
BASA 0,40% 2
Rodobrás 0,40% 2
Parque do Xingú 0,40% 2
IBGE 0,20% 1
GERAN 0,20% 1
ILEGÍVEL 0,20% 1
SPI 0,20% 1
Grupo de trabalho para integração da
Amazônia 0,20% 1
Total Geral 100,00% 497
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
Chama atenção a profusão de órgãos com o desenvolvimento no nome. Mas o
fato mais marcante é o predomínio da SUDENE. Seja considerando todo o intervalo ou
a gestão de cada ministro em separado, o órgão desenvolvimentista do Nordeste
mostrou ser o carro-chefe do MINTER. Praticamente uma em cada três E.M tiveram a
SUDENE como pauta. João Gonçalves de Souza foi o ministro que mais acionou o
presidente em razão da SUDENE (34,16%), enquanto Albuquerque Lima foi o que
116
menos o fez (24,55%), praticamente 10 pontos percentuais a menos. Isto é bastante
compreensível, já que João Souza era o diretor da SUDENE antes de virar ministro do
MECOR, e, do outro lado, Albuquerque Lima ampliou muito a pauta de comunicações
com o presidente, o que gerou uma diminuição percentual mas não significou perda de
relevância efetiva da entidade.
A SUDENE foi no período de institucionalização do MINTER – que abarca
esta investigação – o órgão mais bem acabado da inspiração desenvolvimentista, sua via
mais eficiente, tanto em termos simbólicos quanto práticos, em transformar as relações
de produção e as forças produtivas. A proposta original da superintendência, elaborada
em 1959, sob a liderança de Celso Furtado, ainda sob governo “populista”, propunha
quatro planos de ação concomitantes: i) industrialização; ii) transformação da
agricultura na Zona da Mata; iii) transformação da economia do semiárido; iv)
deslocamento de uma fronteira de colonização no sentido do Maranhão. Sinteticamente,
pode-se dizer que o plano previa incorporar valor agregado à produção nordestina
aproveitando vantagens comparativas, ao mesmo tempo em que ruía a estrutura
econômica do latifúndio-minifúndio.
Este plano foi abortado pelos rumos políticos e econômicos assumidos após o
golpe militar de 1964, quando a SUDENE foi enquadrada no MINTER. Os quatro
planos de ação transformaram-se em dois: i) industrialização e ii) infraestrutura. O
mecanismo de incentivo fiscal conhecido como 34/18 (referência aos artigos que
criaram esse mecanismo nas leis que regulamentaram a SUDENE, de 1959 e 1961) foi
supervalorizado, por outro lado, as mudanças estruturais que se esperava foram
simplesmente ignoradas (DINIZ, 2009). Para Francisco de Oliveira (1981), a SUDENE
representa a concretização da dominação do capital monopolista no Brasil, aquele
mesmo descrito anteriormente por Dreifuss (op.cit.). Segundo ele, o modelo de
incentivos fiscais foi uma medida eficaz de conversão do Tesouro Público em capital
financeiro para as forças monopolistas.
Enfim, o MINTER adotou o desenvolvimento como fim e como meio de
atuação, contribuindo para a difusão e consolidação deste campo de poder no país
através de um projeto de modernização do território. Neste sentido, as figuras de
Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima são importantes para se entender essa função
assumida pelo ministério.
Cordeiro de Farias, a quem primeiro se confiou a tarefa de realizar o arranjo
institucional adequado ao objetivo demonstrado, tem uma trajetória de vida compatível
117
com as demandas do desenvolvimento. Primeiramente por ser um oficial, homem12
,
militar respeitável, general de três estrelas (General de Exército), e depois marechal.
Como foi dito no capítulo anterior, a ideologia do soldado corporação (CARVALHO,
2006) entendia que os militares deveriam protagonizar a transformação do país (a
modernização conservadora), e nisso se enquadrava a tarefa de reconfigurar o território.
A experiência da Coluna Prestes, a Interventoria no Rio Grande do Sul, o governo de
Pernambuco e o comando da Zona Militar do Norte o qualificavam como conhecedor
do Brasil em suas “profundezas”, o interior que ele dizia conhecer bem, saber dos seus
problemas, a saber: “O interior do país era muito atrasado. Os meios eram precários.
Tudo era precário.” (FARIAS, 2001. p. 212. grifo nosso). A imagem de pobreza, que
situou os países na geopolítica mundial, também foi referência para hierarquizar
internamente o território nacional: “vivi o contacto com o Brasil sofrido, com sua gente
– sem escolas, sem saúde, sem estradas, sem polícia, sem justiça, sem nada, -
paupérrimo e sem esperanças.” (Arquivo Pessoal, CPDOC/FGV. CFa 64.05.11 tv II-3.
p. 7. grifo nosso.)
A convicção ideológica de Cordeiro de Farias já estava afinada com o campo
do desenvolvimento, a pobreza justificava uma intervenção para superar o atraso,
alcançar a modernização via desenvolvimento. Sua convicção se expressa em termos
espaciais:
Mas forçoso é dizer-se que se o Nordeste, sob o ponto de vista social,
é a região problema do Brasil, mas onde, felizmente, estão
devidamente definidas as soluções previstas e já em vias de execução,
– a Amazônia é a zona crucial de nossa Terra, com questões, sob
todos os aspectos, transcendentais, e que continuam a desafiar a visão
e a coragem de nossos homens públicos. (Arquivo Pessoal, Anexo
XX. p. 5)
Vendo retrospectivamente (Cordeiro de Farias concede as entrevistas de suas
memórias entre 1976 e 1980), ele situa sua atuação no Rio Grande do Sul (entre 1938-
1943) como desenvolvimentista, dizia que “Promovi o desenvolvimento do estado”
(p.209). Sua ação destacada na FEB, na ESG e na Comissão Mista Brasil-EUA o
qualificam definitivamente como uma pessoa credenciada para gerir a missão do
MINTER.
12
O gênero é também um critério relevante na construção normativa do campo de discursos e práticas do
desenvolvimento, como o apresenta Escobar (op.cit.).
118
João Gonçalves de Souza assume o ministério após a renúncia de Cordeiro de
Farias, muito provavelmente por estar à frente do mais importante dos seus órgãos (a
SUDENE) em um delicado momento de sucessão presidencial em que a nomeação de
um novo ministro poderia agravar as disputas lançadas, principalmente em um
ministério cujo chefe maior abandonou o cargo como fato político contra a candidatura
Costa e Silva, que ia se impondo a despeito da vontade do grupo governante de então. À
João de Souza coube manter o funcionamento daquilo que estava previsto por Cordeiro
de Farias. O fato mais notório de sua administração foi a criação da SUDAM, pensada
através da Operação Amazônia (MECOR, 1966), projetada por Cordeiro de Farias.
Afonso Augusto de Albuquerque Lima, que assume a pasta em 1967 no mesmo
momento em que Costa e Silva sobe à presidência, também tinha suas credenciais.
Primeiramente, homem nascido no Nordeste, uma das regiões cruciais da política em
andamento. Em segundo lugar, pela sua experiência com construção de estradas, no
Nordeste e no Sul do Brasil13
. Há também que se considerar que ele participou da FEB e
da ESG. Não se pode ignorar sua participação no Conselho de Criação da SUDENE (o
CODENE). Dreifuss (op. cit.) fala ainda de sua relação de parentesco (cunhado) de José
Luiz Moreira de Souza, um dos líderes do IPES. Porém, parece determinante para a
colocação de Albuquerque Lima como ministro do Interior a sua grande influência no
grupo que ganha força dentro do governo (os linha dura), e, mais do que tudo, seu
profundo envolvimento com a causa desenvolvimentista, de encaixe perfeito aos
desígnios do desenvolvimento como campo de poder:
Na realidade, o desenvolvimento regional deve ser compreendido a
partir de uma organização federal que abrange todas as entidades
econômicas, sociais e políticas, desde que se compreenda que existe
um povo, que ocupa uma região e que precisa de ajuda
governamental para desenvolver-se e melhorar seu padrão de vida,
tão atrasado em relação ao de outras regiões, aquelas que sempre
mereceram privilégios ao longo de largo tempo do Governo Federal
(ALBUQUERQUE LIMA, 1979. p. 44. grifo nosso.)
Este é um excerto de um texto seu publicado em 1979 reproduzindo um
discurso na Comissão do Interior da Câmara dos Deputados. Importante notar que a
publicação dista dez anos de sua renúncia no MINTER. É muito evidente a exata
sincronia com o desenvolvimento como campo de poder. É a compatibilidade
ideológica que o credencia a continuar o programa de institucionalização da difusão e
13
Aliás, Cordeiro de Farias também tinha experiência em gerenciar a construção de estradas quando
interventor do Rio Grande do Sul.
119
aprofundamento do desenvolvimento no território brasileiro. E ele efetivamente o faz.
Suas tão proclamadas divergências com a equipe econômica do governo Costa e Silva
(Hélio Beltrão e Delfim Netto) de fato existiram e foram verdadeiramente significativas,
a ponto de o ministro do interior se sentir incapacitado de continuar no exercício do
cargo. Entretanto, não passam de divergências internas ao campo de poder do
desenvolvimento. Albuquerque Lima era um nacionalista, no plano econômico se
aproximava enormemente do grupo liderado por Celso Furtado, participou da criação da
SUDENE em sua fórmula original (sob a égide de Celso Furtado, antes do regime
militar) e fez curso na Cepal. Mas politicamente estava diametralmente posto a esse
grupo, situava-se à extrema direita, era um conservador radical. Um sujeito sui generis,
como ficou claro na apreciação de sua biografia no capítulo anterior.
Sua vocação nacionalista em matéria econômica se expressa publicamente de
maneira dispersa, em alguns artigos (ALBUQUERQUE LIMA, 1971; 1976), mas está
bem sumarizada em uma matéria feita pela revista Visão em 1969, logo após sua
renúncia:
Mas a questão básica refere-se ao campo econômico. Aí o
documento que elaborou explicita, entre outros, os seguintes
aspectos:
Admitir a ação do Estado na suplementação das atividades
econômicas nas quais isso seja indicado ou nas que, pela sua natureza,
não possuam ou então não devam ser entregues à iniciativa privada.
O combate ao subdesenvolvimento deve preceder o combate à
inflação, porque considera esta como uma das formas mais insidiosas
de manifestação daquele.
Com base nessas premissas, recomenda que o sistema de
controle fiscal e monetário seja utilizado como auxiliar do
desenvolvimento de programas que assegurem o equilíbrio entre as
diferentes áreas geo-econômicas da nação. Por isso mesmo, essa
política deve ser condicionada à política econômica global de fomento
das atividades produtivas e da expansão da taxa de investimentos.
Como ficou claro quando divergiu do Ministro Delfim Netto e
saiu do Governo Costa e Silva, prega a necessidade de um
desenvolvimento equilibrado entre as regiões do país e de
diminuírem-se as disparidades de renda entre os segmentos sociais,
mediante uma melhor distribuição da riqueza nacional.
Repelindo acusações de que abomina o lucro, diz considerá-lo
mostra mestra do desenvolvimento da emprêsa (sic). Sugere, apenas,
que se incorpore a êle (sic) um sentido social que inclua todos aquêles
(sic) que trabalham na partilha dos benefícios. (VISÃO, 1969, pp. 25-
26)
As duas biografias estão absolutamente de acordo com o projeto político do
desenvolvimento, os seus discursos já estavam alinhados no entendimento de uma
120
pobreza a ser superada através de uma intervenção externa, os locais tidos como
“incapazes”. A atuação mais sensível deles nesse sentido foi adequar a estrutura
administrativa ao novo regime geopolítico desenhado no estabelecimento do mundo
desenvolvido e subdesenvolvido no que tange à implantação de uma política efetiva de
intervenção sobre o território, o que significou um controle social sofisticado sobre as
pessoas.
Os sujeitos protagonistas não são, por si só, força suficiente para consolidar o
do campo de poder do desenvolvimento na administração do território brasileiro via
MINTER. Outras medidas fizeram fluir este processo. Uma delas foi o treinamento a
qual os funcionário do ministério foram levados a buscar no exterior. O MINTER, no
intervalo entre 1964 e 1969, operou uma verdadeira internacionalização na formação de
seu quadro técnico, como se pode observar na Tabela 5:
TABELA 5: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ASSUNTO (08/07/1964-
27/01/1969)
ASSUNTO Ocorrências (%) Ocorrências
(números absolutos)
Funcionalismo 40,78% 473
Incentivos Fiscais
(Ne) 18,62% 216
Institucionalização 9,66% 112
Qualificação de
Pessoal 7,50% 87
Outros 7,24% 84
Planos de Ação 7,16% 83
Não consta 2,76% 32
Desapropriações 2,67% 31
Material 2,16% 25
Empréstimos
Externos 0,52% 6
Política
Econômica 0,43% 5
Incentivos Fiscais
(Am) 0,34% 4
Desenvolvimento
(outras áreas) 0,17% 2
Total Geral 100,00% 1160
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
A qualificação de pessoal respondeu por 7,5 % dos assuntos entre ministros do
interior e presidentes. Não é o assunto com maior ocorrência. A pauta de assuntos está
tomada pelas questões do funcionalismo, como exoneração, realocação, aproveitamento
de funcionários de outros setores, etc. Este fato parece normal se considerarmos que se
121
trata de um ministério que está se inventando no período compreendido, não dispunha
de nenhum funcionário próprio e teve que readequar o funcionalismo dós órgãos que
passaram a lhe ser subordinados depois de uma mudança política abrupta. Isto explica a
intensa movimentação de pessoal. Em segundo lugar está a pauta mais importante do
MINTER, as concessões fiscais via SUDENE. Em seguida, representando pouco menos
de dez por cento de toda a comunicação oficial do ministro com o presidente, está a
questão da institucionalização do ministério, que trata dos assuntos pertinentes à
definição do escopo e métodos de atuação.
De toda forma, oitenta e sete vezes o tema foi objeto de E.M, o que parece uma
quantidade bastante razoável em um tempo histórico em que o intercâmbio técnico e
científico não tinha as mesmas proporções que assume hoje. Aí se enquadram todos os
pedidos de licença para participar de cursos, treinamentos, conferências, etc. Todos os
pedidos tinham como destino o exterior, esmagadoramente os EUA e Europa, mas
também Japão, Austrália, Israel, e, salvo alguns outros países classificados como
“subdesenvolvidos” principalmente na própria América Latina, em geral patrocinados
por organizações internacionais, como a USAID. Se visto individualmente por
ministros, este fenômeno demonstra alguma variação:
TABELA 6: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ASSUNTO (Cordeiro de Farias -
25/06/1964 a 16/06/1966)
ASSUNTO Ocorrências (%) Ocorrências
(números absolutos)
Funcionalismo 44,69% 206
Incentivos Fiscais
(Ne) 18,22% 84
Planos de Ação 9,11% 42
Qualificação de
Pessoal 8,03% 37
Institucionalização 5,86% 27
Outros 5,42% 25
Material 4,12% 19
Não consta 2,82% 13
Empréstimos
Externos 1,08% 5
Desenvolvimento
(outras áreas) 0,43% 2
Incentivos Fiscais
(Am) 0,22% 1
Total Geral 100,00% 461
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
122
TABELA 7: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ASSUNTO (João G. de Souza -
16/06/1966 a 16/02/1967)
ASSUNTO Ocorrências (%) Ocorrências
(números absolutos)
Funcionalismo 40,10% 81
Incentivos Fiscais
(Ne) 23,76% 48
Planos de Ação 12,87% 26
Institucionalização 12,87% 26
Outros 6,93% 14
Incentivos Fiscais
(Ne) 1,49% 3
Qualificação de
Pessoal 1,49% 3
Material 0,50% 1
Total Geral 100,00% 202
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
TABELA 8: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS POR ASSUNTO (Albuquerque Lima -
15/03/1967 a 27/01/1969)
ASSUNTO Ocorrências
(%)
Ocorrências
(números
absolutos)
Funcionalismo 37,42% 186
Incentivos Fiscais
(Ne) 16,90% 84
Institucionalização 11,87% 59
Qualificação de
Pessoal 9,46% 47
Outros 9,05% 45
Desapropriações 6,24% 31
Não consta 3,82% 19
Planos de Ação 3,02% 15
Política
Econômica 1,01% 5
Material 1,01% 5
Empréstimos
Externos 0,20% 1
Total Geral 100,00% 497
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
As tabelas demonstram que a qualificação de pessoal foi mais intensa nas
gestões de Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima, principalmente neste último. Em
geral, os órgãos que dominam esta modalidade são a SUDENE e o IBGE. No período
de Cordeiro de Farias foi mais este, e em Albuquerque Lima quase que exclusivamente
aquele, já que o órgão técnico de geografia e estatística já havia sido transferido para o
MPCG por obra da Reforma Administrativa. Isto indica que esta modalidade de
123
treinamento tenha se tornado permanente com a definição do formato institucional da
pasta, mas isso é algo que demandaria o acompanhamento das EM por um intervalo
mais longo de tempo.
O simples fato de existir este tipo de contato com algum treinamento
estrangeiro não significa que necessariamente esteja em curso o aprofundamento do
desenvolvimento como campo de poder. É preciso um olhar atento às suas relações com
a dimensão discursiva desse campo. O desenvolvimento tem como ponto de partida o
reconhecimento da pobreza como objeto de intervenção técnica, e é esta técnica que se
converte em prática de controle social. Portanto, a modalidade de saber que identifica o
objeto de intervenção e dá a receita para fazê-lo é fundamental para o desenvolvimento
lograr êxito. É exatamente essa modalidade que será buscada nestes treinamentos.
Passagens como a seguinte, recorrentes ao longo da série de documentos, revelam o
sentido desses treinamentos:
Na oportunidade, permito-me esclarecer a Vossa Excelência que é do
interêsse (sic) da SUDENE aprimorar o conhecimento e a técnica de
seus servidores, principalmente em se tratando de estágio a ser feito na
França, país de tão elevado nível cultural. (E.M nº 03/1965)
Os técnicos da SUDENE vão buscar aperfeiçoamento em áreas como
pedologia, hidrogeologia, pavimentação de estradas, engenharia (de todas as
modalidades), irrigação, biologia, fitotecnia, economia, população, e toda sorte de
matérias que constam na lista de afastamentos pedidos pelo MECOR/MINTER. Os
convênios firmados com organizações estrangeiras são a principal via de intercâmbio,
alguns exemplo são a Société Centrale Pour l’Équipment du Territoire (França). Institut
de Recherches du Coton et des Textilles Exotiques (França), a Fundação Ford (EUA), a
Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), USAID (EUA), entre
outros.
O intuito é assimilar procedimentos técnicos para projetar a solução de
problemas relacionados ao subdesenvolvimento. Conhecimentos sobre solo e irrigação,
por exemplo, apontam para o melhor aproveitamento agrícola do Nordeste, elevando
seu produto interno, desenvolvendo a região. Estes treinamentos são parte da arquitetura
do campo de poder do desenvolvimento, servem como efetivação do poder simbólico do
saber vindo do país difusor. Há ainda a própria vivência nestes países, que muitas vezes
causa vislumbre, cria modelos e ideais a serem atingidos para tornar o país mais similar
aos desenvolvidos. Pese sobre isso ainda questões de ordem prática, como a importação
124
de know how e equipamentos que serão necessários para operacionalizar as técnicas
aprendidas, introduzir novas tecnologias, novos problemas a serem equacionados, novas
demandas, etc.
Além do treinamento e aperfeiçoamento do quadro profissional do MINTER, o
aprofundamento do desenvolvimentismo em seus planos de ação e governamentalização
do território contou com o apoio técnico e financeiro direto de instituições estrangeiras
emaranhadas na rede de difusão do campo de poder do desenvolvimento. A
superioridade científica dessas instituições é reclamada para atender os problemas do
subdesenvolvimento. Cordeiro de Farias chama esta solução, por exemplo, em sua E.M
nº 28 de 1966:
Cientificamente comprovada a vocação oleífera do solo amazônico, e
fixado o dendê como oleoginosa ideal para aclimatar-se na região,
após sérios estudos de técnicos especializados, solicitou SPVEA a
cooperação do Institut de Recherches pour les Huiles et Oleagineux,
da França, para a execução de um Programa Piloto dessa cultura na
Amazônia.
O exemplo mais emblemático está expresso na E.M nº 90/1964, onde a
SUDENE – nunca é demais repetir, o órgão mais bem acabado de difusão do
desenvolvimento como campo de poder dentre os subordinados ao MINTER e questão
territorial de uma maneira geral – se envolve em uma trama financeira e técnica com
órgãos desenvolvimentistas internacionais. A argumentação utilizada segue o script:
primeiro detecta-se o problema e a urgência de sua solução, neste caso o problema foi o
abastecimento alimentício, já a solução demandou a intervenção internacional e passou
pela institucionalização de uma nova agência em prol do desenvolvimento:
Tomando como base o projeto apresentado à SUDENE, em 1962, por
uma missão composta de três peritos da ‘Societé Centrale Pour
L’Équipment du Territoire’, postos à disposição do Govêrno (sic)
brasileiro pelo ‘Service de Cooperation Tecnique du Secrétariat d’état
aux Affaires Economiques’ da França, foi constituído em 1º de
novembro de 196214
, uma sociedade de economia mista com a
denominação de ‘Centrais de Abastecimento do Nordeste S.A. –
CANESA’ em que o Gôverno (sic) Federal, por intermédio da
SUDENE, detém a maioria das ações.
Segundo seus Estatutos a CANESA se destina a promover a
racionalização e modernização do abastecimento dos gêneros
14
O fato de essa rede começar a ser tecida em 1962, dois anos antes do golpe de 1964, em plena vigência
do pacto populista, é indicativo de que a penetração do campo de poder do desenvolvimento no Brasil
precede o regime militar, remonta ao fim da Segunda Guerra de maneira mais objetiva. A mudança
política de 1964 foi um facilitador, uma maneira dessa penetração fluir com mais velocidade e menos
atrito.
125
alimentícios na área de atuação da SUDENE, competindo-lhe praticar
todos os atos direta ou indiretamente relacionados com sua finalidade.
[…]
Pelos motivos expostos, a SUDENE, em 27 de maio do ano corrente,
entrou em entendimentos com a USAID no sentido de obter
assistência técnica daquela organização, para os trabalhos de
planejamento da Central de Abastecimento do Recife. Dêsses (sic)
entendimentos resultarão a ida de 5 (cinco) técnicos brasileiros (dois
da SUDENE e três da CANESA) à América do Norte e vinda de três
peritos escolhidos pela USAID para êsses (sic) fins. (pp. 3-4)
A cooperação, no caso acima exposto, começou com peritos franceses,
enviados por uma comissão especializada, que resultou em uma empresa mista, que
passou a modernizar e racionalizar a atividade a qual se destina. Feito tudo isso, dois
anos depois foi solicitada da USAID, agência estadounidense especializada em assistir o
mundo subdesenvolvido, outros peritos a serem recebidos em solo nacional, além do
treinamento dos técnicos nativos. Está desenhada uma rede de inserção e
aprofundamento do desenvolvimento como rede de poder que emana de focos distintos,
cria relações de produção, de poder e de significação.
Desta rede também fez parte o capital, o fator produtivo mais raro no lugar
geopolítico chamado de mundo subdesenvolvido, segundo a leitura difundida pelos
técnicos do desenvolvimento, não com a generosidade com que partiu dos EUA para a
Europa décadas antes com o Plano Marshall, e com juros bem mais elevados. As E.M
revelam a participação de empréstimos tomados pelo MINTER – mais precisamente da
SUDENE (apenas uma E.M 119/67 se referia ao BNH) – com grande significado para o
enraizamento do desenvolvimento como campo de poder. Os empréstimos mencionados
na documentação estão concentrados nos anos de 1964 e 1965 (única exceção é a E.M
anteriormente citada). Os valores no total somam aproximadamente US$ 34 000 000
(trinta e quatro milhões de dólares) a serem empregados na construção de estradas e
hidrelétricas. Mas não é a magnitude das inversões que interessam, e sim as práticas que
elas ensejam.
A grande parceira da SUDENE em seus empréstimos é a USAID (mais uma
vez a E.M de 1967 é exceção, pois menciona a negociação de empréstimo com o Banco
Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento [BIRD]). O Tesouro Nacional é,
em geral, o fiador das transações. Nos pedidos dos ministros (particularmente Cordeiro
de Farias, em cuja gestão se concentram os empréstimos), a justificativa é sempre a sua
relevância para o desenvolvimento:
126
Tendo em vista a alta significação do presente acordo (sic), que vai
permitir a consolidação da rêde (sic) rodoviária nordestina, fator
indispensável para o desenvolvimento econômico e social da região,
tenho a honra de submeter o assunto a superior aprovação de Vossa
Excelência, para o que junto a minuta de contrato negociado entre a
SUDENE e a USAID. (E.M nº196/1964. p. 3)
O desenvolvimento, como se sabe, auto-justificável, exige operações
específicas, como a excepcional prerrogativa de abdicar de procedimentos normais do
serviço público. P.ex.:
Através das Exposições de Motivos nº0116, de 3 de dezembro de
1964, tive a honra de submeter à elevada consideração de Vossa
Excelência pedido formulado pela Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste, com fundamento no artigo 1º, inciso
IV, alínea ‘b’ e parágrafo 1º, da Lei nº 4.401, de 10 de setembro de
1964, no sentido de lhe ser concedida a necessária autorização para
contratar, independentemente de concorrência pública ou
administrativa, e coleta de preços, os serviços de consultoria
imprescindíveis à perfeita execução dos projetos financiados nos
têrmos (sic) do Acôrdo (sic) de Empréstimo firmado em 6 de junho
daquele ano, entre os Estados Unidos da América do Norte e os
Estados Unidos do Brasil. (E.M 119/1965. p.1. grifo nosso)
Este regime especial mira precisamente a contratação dos serviços técnicos
especializados, i.e., uma modalidade de saber bem específica, detalhadamente adequada
à profusão e enraizamento do desenvolvimentismo. Esta exigência é garantida em
termos contratuais:
Serão reservados US$ 7,850,000, 00 (sete milhões e oitocentos e
cinquenta mil dólares) exclusivamente para compra nos Estados
Unidos e US$ 950,000,00 (novecentos e cinquenta mil dólares) para
assistência técnica. (E.M nº196/1964. p. 3)
Em suma, o que se vê é uma sofisticada operação que fez prevalecer um campo
de poder sustentado através da interrelação entre elementos simbólicos e práticos. O
desenvolvimento se consolida como finalidade almejada, justifica um tipo de prática
específica que, por sua vez, só pode ser atendida por agências específicas. Estas
agências capazes de dar as soluções, técnicas e financeiras, atuam sobremaneira como
difusoras do desenvolvimento, e assim ampliam as práticas de controle social e
normatização política. Consolidam-se os lugares geopolíticos do desenvolvimento e do
subdesenvolvimento; este, carente e deficitário, demanda auxílio daquele. Estrutura-se
127
um dispositivo de governamentalização e exercício de poder legitimado pela
incapacidade do “outro”15
.
O desenvolvimento se materializa em intervenção “de baixo para acima” e se
torna prática de governamentalização, neste caso, do território. Este ponto merece ser
investigado mais de perto: por que o recorte espacial? Como se justifica a primazia do
recorte regional em um arranjo institucional como o MINTER?
A estruturação do desenvolvimento em bases regionais no Brasil
O MINTER foi, definitivamente, o órgão chave na execução do desenvolvimento
regional no Brasil após 1964. Na seção anterior é possível entender como este
ministério corporifica a lógica particular do desenvolvimento, não como um simples
ideal, mas como um campo de poder. Esta corporificação entende-se pela lógica de
penetração e aprofundamento deste campo no Mundo e no Brasil após a Segunda
Guerra Mundial. É preciso sempre manter a atenção sobre estes aspectos, pois, do
contrário, ignorar ou subestimar o desenvolvimento como um verdadeiro campo de
práticas e discursos, implicaria fatalmente em perder o seu conteúdo mais substantivo e
mais significativo na conformação social.
Dito isso, é preciso salientar que o MINTER não foi nem o primeiro nem o único,
sequer o mais importante órgão de veiculação do desenvolvimentismo no Brasil. Este
fenômeno tem suas origens em período mais remoto, difícil de precisar já que uma das
razões do seu “sucesso” é o caráter difuso e bem articulado com que opera. Certamente
há que se dar grande relevância para a sistemática adoção do planejamento estatal – um
dos grandes corolários do desenvolvimento (ESCOBAR, op.cit.), eficiente instrumento
de retórica e receituário de otimização de resultados – e as instituições feitas em seu
nome: a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, O BNDE, o Plano de Metas de
Juscelino Kubitschek, a criação do Banco Central e por aí segue.
O que chama a atenção no MINTER como órgão desenvolvimentista é o seu
caráter eminentemente territorial, e é a isso que se busca uma resposta nesta seção. O
entendimento do caráter geográfico e territorial do MINTER não pode ser buscado em
aspectos estritamente teóricos, ao contrário, tudo leva a crer que fatores de ordem
prática é que foram decisivos na definição do escopo do MINTER. Como já está
15
“governamentalização de tecnologias de poder destinadas a atuar sobre determinados segmentos
sociais construídos na qualidade de carentes de uma intervenção qualificada como técnica, distinta de
uma ação política.” (LIMA, 2002. p. 18)
128
mencionado na Introdução desta tese, a primeira definição do escopo deste ministério
está na Lei nº 4344 de 21 de junho de 1964:
Art. 1º É criado um cargo de Ministro Extraordinário, ao qual caberá
coordenar as atividades dos seguintes órgãos e serviços, que lhe ficam
subordinados:
a) Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia;
b) Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Fronteira
Sudoeste do País;
c) Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste;
d) Comissão do Vale do São Francisco;
e) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
f) Fundação Brasil Central;
g) Administração dos Territórios Federais;
h) Serviço Nacional de Municípios;
i) Comissão de Desenvolvimento do Centro Oeste;
j) Comissão Especial de Faixa de Fronteiras;
l) Parque Nacional do Xingu.
Conforme se vê, trata-se da junção de órgãos preexistentes, até então dispersos,
mas que guardam entre si alguma semelhança: tratam da administração de recortes de
área, e não de setores econômicos ou sociais16
. Dentre estes órgãos, grande parte não
gozava de grande prestígio e relevância na máquina administrativa (ou pelo menos
passou a ser desprestigiada após o golpe de 1964), a não ser a SUDENE que, ao
contrário, gozava de enorme credibilidade. Este parece ser a característica que define a
parcela incumbida ao MINTER na administração pública. O processo de
institucionalização deste ministério no período entre 1964 e 1969 foi fundamentalmente
a extensão do modelo da SUDENE à governamentalização de quase todo o território
nacional, ou melhor, à parcela subdesenvolvida deste. O órgão desenvolvimentista do
Nordeste foi o carro-chefe deste ministério.
Não por coincidência, a Operação Amazônia (op.cit.), relatório ministerial do
MECOR de 1966 que traz a público pela primeira vez através do MINTER o
diagnóstico da impraticabilidade do modelo da SPVEA e reclama soluções semelhantes
ao modelo da SUDENE – o que subsidiou a criação da SUDAM, no mesmo ano – alude
diretamente à Operação Nordeste (1959), que deflagrou a congênere nordestina.
Por isso, o caráter regional de desenvolvimento do MINTER se deve à enorme
relevância dada pela SUDENE17
. E há aqui algo relevante para o entendimento do
significado do desenvolvimento regional que foi tão marcante até pelo menos a década
16
Exceção feita ao IBGE, que não era exatamente um órgão de administração. 17
Esta relevância pode se observa também na tabela 1, neste capítulo.
129
de 1980. O MINTER é uma peça chave para este “sucesso”, já que foi através desta
pasta que o modelo SUDENE foi estendido tanto do ponto de vista da abrangência
territorial quanto da estrutura administrativa. O território, recortado em regiões, ficou
submetido à gerência de órgãos desenvolvimentistas subordinados ao governo federal,
pautados por um modus operandi particular. Por isso é tão importante se compreender a
SUDENE como o protótipo disso tudo.
A história do planejamento regional sistemático no âmbito do Estado Moderno
retroage até pelo menos o começo do século XX, quando se valeram deste expediente os
governos da URSS, na tentativa de dinamização da parte asiática do território russo,
atrás dos Montes Urais; e dos EUA, com a experiência pioneira do Tennesse Valey
Authority (TVA), em 1933. No Brasil, na primeira metade do século XX já se observa
certos esforços de planejamento regional através de órgãos como o de combate às secas
(Departamento Nacional de Obras Contra as Secas [DNOCS]) de 1945 e de
desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) de 1948, a Superintendência
do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) em 1953; etc.
A SUDENE, criada em 1959 sob a liderança política e intelectual de Celso
Furtado, acaba por herdar esse acúmulo, mesmo que de forma não linear. O economista
paraíbano já tinha grande bagagem internacional na França, pelo doutoramento, na
Inglaterra, como professor, e na Cepal, organismo da ONU sediado em Santiago do
Chile. Esta experiência permitiu a ele um contato com as experiências de planejamento
regional no mundo. Seu gabarito como economista também o permitiu estar atento ao
desenvolvimento da regional science entre os economistas, como os polos de
crescimento de Perroux e Boudeville, a causação circular de Myrdal, entre outros, ainda
que não seja possível identificar a mesma atenção às contribuições teóricas que vinham
sendo desenvolvidas pelos geógrafos, tanto franceses (Michel Rochefort, p.ex.) como
estadounidenses (Brian Berry, p.ex.). É bastante presumível que a direção da SUDENE
dominasse todo esse campo do desenvolvimento regional e que isso foi de fato
transplantado para a formulação da “questão regional” (BACELAR, 2000) do Nordeste,
institucionalizada pelo IBGE já na sua primeira regionalização oficial do Brasil em
1942 (CONTEL, 2014) e, ao que tudo indica, bem aceita no léxico corrente18
.
18
Sabe-se que a Revista Brasileira de Geografia, através de sua série “Tipos e Aspectos”, tem
participação na difusão dessas divisões regionais (DAOU, 2008). Certamente outros meios oficiais e não
oficiais tiveram relevância.
130
A “Operação Nordeste”, que é o relatório do Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN)19
fez o diagnóstico de que a região nordestina
sofria de um ritmo diferenciado de crescimento econômico em função da defasagem
tecnológica, de relações produtivas inadequadas (o latifúndio, precisamente falando), e
de uma relação de deterioração nos termos de trocas com o Centro-Sul que acirrava à
desigualdade. É um diagnóstico de desigualdade na distribuição desigual do
desenvolvimento20
entre regiões; uma apreciação muito mais atenta à economia
(distribuição da riqueza e produção do valor) do que à geografia.
Ao que tudo indica, o caráter regional deve-se fundamentalmente aos imperativos
do desenvolvimento como campo de poder. Conforme Cláudio Egler (1993):
A SUDENE nasce do diagnóstico de Celso Furtado (GTDN, 1959) de
que o mercado doméstico, que emerge da industrialização pesada, é
dividido em dois segmentos territoriais básicos, marcados por ritmos
distintos de acumulação que se refletem em desníveis flagrantes de
produtividade e, portanto, velocidades distintas de introdução e
incorporação do progresso técnico: o Centro-Sul e o Nordeste. (pp.
91-92)
Mais a frente o mesmo autor diz que “o processo de criação e implantação da SUDENE
foi um balão de ensaio para uma expressão tardia e periférica de ‘capitalismo
organizado’”. (p. 96). A SUDENE é, portanto, parte da profusão mundial que o
desenvolvimento regional vinha ganhando naquele momento.
A substância teórica na análise e prática política regionais ganhou em sofisticação
alguns anos mais tarde, principalmente nos I e II Planos Nacionais de Desenvolvimento
(PND) (1971-74 e 1975-1979, respectivamente), quando foram incorporados o método
de análise regional francês da Geografia Ativa e as metodologias quantitativas da New
Geography, de origem estadounidense com inspiração na economia espacial, de
orientação ortodoxa/marginalista (GOMES, 2000). Este processo já está muito bem
analisado por Paulo Bomfim (2007). A partir da aurora dos anos 70 o planejamento
regional sofre outra reformulação que acompanha sua derrocada, tornando-se mais
pontual e menos abrangente (VAINER, ARAÚJO, 1992; BACELAR, 1999).
Interessa que na institucionalização do MINTER prevalece a visão muito cara ao
desenvolvimento como campo de poder para objetivar, nomear e delimitar a pobreza,
primeiro passo para a intervenção e o controle social. A SUDENE é a concretização
19
Grupo executivo responsável pelo plano original da SUDENE. 20
Não se pode perder de vista que também o pensamento de Celso Furtado era desenvolvimentista, apesar
de uma abordagem mais nacionalista e distributiva.
131
disso, delimita o Nordeste como área de intervenção e fundamenta sua ação em uma
causa social elevada. Não faltou respaldo em leituras históricas, como a obra clássica de
Euclides da Cunha (2007), a memória dos grandes flagelos das secas e o esforço
histórico em revertê-lo (RIBEIRO, 2003), que reforçaram o caráter necessário da
intervenção. Em 1959 o Nordeste já estava ilustrado pelas secas e a insígnia geral de
“região problema” (ANDRADE, 1983), não foi necessário esforço de convencimento
público quanto à existência do problema.
Em suma, o regional adjetivando o desenvolvimento parece explicar-se por ser a
maneira mais conveniente e adequada à administração e intervenção do
desenvolvimento. Foi um recorte claro e impessoal, referendado pela imagem da
pobreza já fortemente associada ao objeto. Quando se soma a isso o imaginário espacial
que toma o espaço pelo tempo, que considera as diferenças espaciais como atraso ou
avanço na escala linear da modernidade (MASSEY, 2008), se dramatiza o quadro e a
profundidade das mudanças, de tal maneira que uma intervenção rápida é exigida21
.
Com isso se quer dizer que o formato regional operado na administração do território
pelo MINTER, ao que tudo indica, foi apenas mais uma das formas convenientes de se
operar o desenvolvimentismo (não que isso seja pouca coisa).
A modernização e suas contradições
Se o ideal de modernização e progresso esteve encarnado no campo de poder do
desenvolvimento, do qual o MINTER é parte, este campo de poder não esteve imune às
contradições próprias da modernização conservadora brasileira. Enquanto agente de
transformação da sociedade brasileira pelo veio fundamental de sua estrutura territorial,
o MINTER elegeu e nomeou o atrasado e o moderno. Mesmo que, como se viu no
capítulo um, o regime militar tenha se colocado, em princípio, destinado a modernizar o
Brasil (i.e, homogeneizá-lo em relações tipicamente capitalistas de produção), adotar
valores culturais, formas de organização social etc; o projeto ocorreu apenas
parcialmente. Se, por um lado, medidas como o Estatuto da Terra (Lei nº 4504/54) e
criação do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA)22
– primórdio do INCRA,
convertido enquanto tal em 1970 – incitaram, de alguma forma, desafios às elites
21
O Brasil é um “país que tem pressa”, diz-se na revista Interior (INTERIOR, n. 15, Janeiro/Fevereiro de
1977. p. 22.). 22
“O IBRA foi útil ao esvaziar o controle que a oligarquia e a burguesia cafeeira tinham sobre as políticas
agrárias mudando o local de elaboração da política nesta área vital para outro órgão, composto de tecno-
empresários e empresários. Estes estimularam políticos que tentavam estimular o setor agrário dentro dos
planos mais amplos de desenvolvimento da grande modernização industrial.” (DREIFUSS, op.cit. p.435)
132
agrárias tradicionais, no plano geral a alteração na estrutura de distribuição de terras no
país foi praticamente nula23
, tampouco houve iniciativa de flanquear o poder
oligárquico, ao contrário:
O modelo brasileiro inverteu o modelo clássico. Nesse sentido,
reforçou politicamente a irracionalidade da propriedade fundiária no
desenvolvimento capitalista, reforçando, consequentemente, o sistema
oligárquico nela apoiado. Com a diferença, porém, de que a injeção de
dinheiro no sistema de propriedade modernizou parcialmente o mundo
do latifúndio, sem eliminá-lo, como se viu, finalmente, nos últimos e
recentes anos, após o término do regime militar, em 1984, com o
aparecimento de uma nova elite oligárquica, com traços exteriores
muito modernos. (MARTINS, 1994. p. 80)
Um dos segmentos sociais mais tradicionais – os donos de terras, cuja existência
enquanto classe social estava fadada ao desaparecimento segundo as previsões dos
teóricos clássicos do capitalismo (RICARDO, op.cit.) – não se fez ausente nos planos
de ação e governamentalização do território do MINTER dentro do intervalo analisado.
Os senhores das oligarquias que Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima tanto
combateram desde o tenentismo; agora compartilhavam do mesmo projeto de
modernização focado no território. O latifúndio canavieiro era a representação dessa
oligarquia, personificada no Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).
O IAA foi um órgão governamental criado em 1933 com o intuito de proteger a
indústria de cana de açúcar no Brasil, principalmente a do Nordeste, em função de uma
crise de exportações que assolava esta produção. O controle político do IAA sempre
esteve nas mãos dos usineiros, figuras importantes da história social e econômica da
região Nordeste do Brasil. Essa classe social emerge no fim do século XIX e tem seu
ápice até as duas primeiras décadas do século XX. Trata-se das antigas famílias donas
dos engenhos que partem da prévia concentração e centralização do capital, incitando a
formação das usinas canavieiras24
. A decadência da demanda externa do açúcar
nordestino foi particularmente desastroso para estes produtores pois estavam menos
articulados a outros segmentos do capital internacional, o que os tornou mais
vulneráveis. (OLIVEIRA, 1981)
23
Segundo as Estatísticas do Meio Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD; DIEESE,
2006), o Índice de Gini, (neste caso utilizado para auferir a concentração de terras) era 0,836 em 1967,
subiu para 0,837 em 1972, 0854 em 1978, e caiu para 0,831 em 1992, sete anos após o fim do regime.
Onde 1,000 significa absoluta concentração e 0,000 concentração nula. 24
Progressivamente as usinas vão dominando a produção açucareira no Brasil, a partir de 1930 elas já
representavam a maior parte da produção, em detrimento dos engenhos (GODOY, 2007)
133
Desta crise resultou que os usineiros assistiram a uma involução capitalista, ou
seja, retroagiram em seu movimento de assimilação das relações produtivas típicas do
capitalismo (o trabalho assalariado) para buscar sustentação nas formas tradicionais de
exploração do trabalho, nos moldes do velho modelo latifúndio-minifúndio25
. Desta
forma, o IAA é criado como a “salvação da lavoura” (permissão para o trocadilho)
destes usineiros do Nordeste, reforçando as características arcaicas de sua base
econômica e social.
O próprio financiamento que o IAA passou a dar ao parque açucareiro
não representou, por fim, nenhuma mudança significativa para o
‘Nordeste’ açucareiro: servia apenas para financiar o mesmo
mecanismo de reprodução do setor agrícola da atividade como um
todo, nos mesmos termos. Em outras palavras, enquanto para a
‘região’ industrial de São Paulo, o financiamento do IAA poderia
financiar tanto o capital variável quanto o constante, no ‘Nordeste’
açucareiro financiava êle (sic) a reposição arcaica das relações de
produção e, portanto, dialeticamente tornava nula a possibilidade de
financiar ou, em outras palavras, ‘modernizar’ o capital constante das
usinas. (OLIVEIRA, op.cit. p. 61)
As diferentes Exposições de Motivos analisadas são reveladoras da
convergência de interesses entre o MINTER e os usineiros nordestinos representados
pelo IAA. Em documento de 1966 (EM nº 46) Cordeiro de Farias relata o decorrido de
uma reunião interministerial ocorrida no Recife, donde estavam representados os
ministério da Indústria e Comércio, do Trabalho, e a SUDENE, IBRA, Instituto
Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), IAA e Banco do Brasil. Este encontro
teve como pauta a situação da indústria açucareira do Nordeste, encaminhada pelo
sindicato dos usineiros de Pernambuco26
através do IAA. Teria sido apresentado um
pedido de concessão de créditos a estes usineiros, segundo eles – com o consentimento
do ministro que assina a E.M – legitimamente requerido com base na Lei 4870/65 que
transfere os débitos do IAA para a União. Os usineiros pedem ainda uma revisão na
política de assentamento de preços, inserindo critérios que levem em conta os custos e a
remuneração dos fatores de produção, adotando uma prática de taxação mais elevada
nos centros de maior produtividade, a ser distribuído onde é esta produtividade é menor.
25
Francisco de Oliveira afirma que estas formas tradicionais que persistem no nordeste foram sempre
estratégicas para a manutenção da base econômica das oligarquias porque, nos momentos de crise ou
entressafra, ao invés desses trabalhadores tornarem-se desempregados, passavam a dedicar-se a sua
própria subsistência. 26
Vale ressaltar que Pernambuco era o “centro de gravidade” do Nordeste açucareiro, segundo Oliveira
(op.cit.),
134
Cordeiro de Farias27
se coloca como mediador por excelência no sentido de
concatenar a demanda dos usineiros com os propósitos do projeto de desenvolvimento:
As reações desencadeadas pelas providências enumeradas nos
parágrafos anteriores, é fácil prever, alçariam diversos aspectos sociais
e econômicos, representados pelas oportunidades novas oferecidas ao
trabalho, ao crescimento econômico setorial e, mesmo, ao
desenvolvimento econômico regional. (p.7)
Poucas vezes a força do desenvolvimento como campo de poder se expressou
de maneira tão clara no MECOR. A conversão de dívida pública em privada parece
desejável na medida em que significa desenvolvimento. O desenvolvimento, se acredita,
é por si só benéfico e gera oportunidades, pouco importa que efetivamente o
investimento recaia sobre uma forma produtiva assentada em relações tradicionais de
aproveitamento da mão de obra. Isto, por motivar crescimento econômico, é
desenvolvimento – moderno, portanto.
Aliás, é o próprio ministro quem discorre sobre o problema do desemprego
(E.M nº 60, no mesmo mês de março de 1966 da E.M anteriormente citada) que ocorre
sistematicamente no período de entressafra. Este inconveniente não parece estar
associado à estrutura produtiva local, ao contrário, a solução estaria em reforça-la,
antecipando os créditos anteriormente acordados, para que eles sejam revertidos no
pagamento dos salários. Esta seria a solução planejada, a substituir as soluções
espontâneas:
O problema, que ainda permanece, está sendo equacionado, visando-
se a corrigir essa distorção do desenvolvimento, através de soluções
planificadas substituindo as frentes de trabalho de emergência para a
realização de obras ocasionais, quase sempre inconsistentes e sem o
caráter de investimento. (p. 3)
Estar-se-ia diante de uma “distorção do desenvolvimento”, corrigível pelo
próprio desenvolvimento, através do planejamento. O planejamento figura como a
solução técnica para os conflitos e os “problemas do desenvolvimento”. Esta
constatação é identificável quando, já sob a égide de João Gonçalves de Souza, aparece
pela primeira vez nas E.M a menção à criação do Grupo Especial para Racionalização
27
As relações de Cordeiro de Farias com os usineiros de Pernambuco remontam ao período em que
governou o estado, quando, segundo ele próprio “Eu, pessoalmente, fiz o que pude – em um sentido
muito nobre – para apoiar os usineiros, pois afinal eles representam a única fonte de riqueza do estado.”
(FARIAS, 2001. p. 417)
135
da Agro-Indústria Canavieira do Nordeste (GERAN)28
. Na E.M nº 145/1966 apresenta-
se um Anexo em que se apresenta o diagnóstico feito por esse grupo sobre a situação da
indústria açucareira e suas funções na economia regional. Este anexo é uma peça
interessante de ser observada, pois lança as diretrizes propostas para a racionalização
do setor naquela região. O documento sugere basicamente três coisas: i) articular os
financiamentos e incentivos pro setor com a modernização de seus equipamentos para
aumentar a produtividade; ii) diversificar a economia da área de influência, criando
complementaridades e mercado consumidor; iii) promover a distribuição de terras
ociosas para assentar a mão-de-obra liberada pelas usinas modernizadas, criando ainda
uma classe média rural, consumidora.
Eia aí a ambiguidade da modernização conservadora expressa de maneira
sumária e sucinta. Em um mesmo plano se prevê alterar o sistema de posse e uso das
terras e, ao mesmo tempo, fortalecer a estrutura produtiva tradicional, do latifúndio-
minifúndio. O primeiro parágrafo deste anexo diz:
A partir da compreensao (sic) de que a única forma de conseguir,
realmente, solucionar os complexos problemas da agroindústria
açucareira, reside em se dar a êsses (sic) problemas o tratamento
estrutural que os mesmos reclamam, as diretrizes aqui fixadas
extravasam a simples órbita da reorganização das unidades
produtoras, objetivando adequá-las à realidade, para atingir aspectos,
talvez, mais significativos, como aquêles (sic) resultantes de um
sistema inadequado de posse e uso da terra, da diversificação da
atividade econômica da área de influência da economia açucareira,
com vistas a reduzir a grande vulnerabilidade dessas áreas e a
capacitar o homem para o desempenho correto das grandes
responsabilidades que lhe serão atribuídas dentro e fora do sistema
açucareiro do Nordeste. (sem página. grifo nosso)
As sugestões apresentadas gravitam em torno de um plano de gerência de
créditos e incentivos, acessíveis somente aos grandes produtores devido à complexidade
de suas operações, que exigem planos e projetos viáveis somente em unidades
empresariais. Quanto ao “sistema inadequado de posse e uso da terra”, teoricamente
parte da modernização, não se diz exatamente de onde (e de quem) se tirará essa terra.
28
O GERAN foi criado pelo Decreto nº 59.033-A, de 8 de Agosto de 1966. A sua composição é definida
pelo: “Art. 4º O Conselho Deliberativo será integrado pelo Presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool
(IAA) que presidirá, pelo Superintendente da SUDENE e pelo Presidente do Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária (IBRA), do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA) e do Banco do
Brasil S.A. e de um representante, respectivamente, da Fundação Açucareira do Nordêste (sic), dos
Fornecedores de Cana e dos trabalhadores rurais.” Na E.M nº 214 do mesmo ano o ministro João Souza
pede alteração da redação desse decreto, quando menciona direito de voto ao representante da Fundação
Açucareira do Nordeste. Ele sugere que se exclua esse direito, segundo ele ocasionado por erro de
redação, pois o voto se restringiria às representações governamentais.
136
Ou seja, nada de concreto aparece efetivamente no horizonte apresentado pelo GERAN.
Mas a frente, no mesmo documento, os sujeitos sociais locais são identificados como
objeto de intervenção:
Tratando-se de uma população constituída, em sua grande maioria, de
analfabetos, doentes, de homens sem capacitação profissional, com
pouca prática de associativismo, etc., torna-se necessário que os
programas contemplem, com grande ênfase, as atividades destinadas a
integrar os recursos humanos aos objetivos dos programas, planos ou
projetos. (sem página. grifo nosso)
O projeto de modernização apresentado pelo desenvolvimentismo do MINTER
assim identifica o atraso. Ao mirar uma região subdesenvolvida ele sugere uma
intervenção planejada, racionalizada, que tem como princípio incrementar as relações
produtivas mais afinadas com a reprodução do capital, mesmo que através de relações
não capitalistas (como a grande produção extensiva). A população local é objeto e não
parte desse projeto, que prevê a ela instrução e adequação para integrar-se aos objetivos
dos programas, planos ou projetos. As pessoas que servem ao planejamento para o
desenvolvimento da região, e não o contrário, já que, aproveitando a crítica de Stacy
Leigh Pigg, “villagers dont understand things”29
(apud ESCOBAR, op.cit. p.49).
Este é, inclusive, o entendimento pessoal de Cordeiro de Farias:
Entretanto, quero dar minha opinião sobre a reforma agrária e sobre a
atuação do INCRA, mais recente. Estou me referindo, é claro, a
Pernambuco e ao Nordeste. Se quiserem fazer aqueles camponeses
mais infelizes, é só dar a eles um pedaço de terra, porque eles não tem
capacidade de se orientar. A não ser que lhes seja dada também, junto
com a terra, uma organização técnica, com toda a assistência de
agrônomos e professores. Assim é possível. Fora disso, a reforma
agrária só fabricará mais miseráveis.
[…]
Portanto, antes de dar a terra, é preciso educar o homem do campo e
dar a ele a proteção de um organismo de assistência técnica.
[…]
Quero deixar bem claro que não sou contra a reforma agrária. Acho
apenas que a massa humana, nas regiões mais atrasadas, infelizmente
ainda não tem capacidade para receber a terra. (FARIAS, op.cit. p.
414)
A delimitação do objeto a ser interposto, aquele que se opõe ao moderno, o
tradicional, exclui relações sociais como as que caracterizam a produção açucareira do
Nordeste. O atrasado é associado aos tipos de trabalho e modos de vida não afeitos à
reprodução do capital. É por essa lógica que estes sujeitos sociais serão caracterizados
29
“os locais não entendem as coisas” (Tradução Livre)
137
como pobres e atrasadas, merecedoras de uma intervenção sistemática. É assim com o
sem-terra nordestino, com o extrativista amazônido, e com todos os grupos locais
objetos privilegiados da atuação do MINTER e suas agências.
O extrativismo na Amazônia ganha a conotação de maior sintoma do atraso, o
objeto a ser superado mais urgentemente. Através da E.M 187 de 1966, quando João
Souza explana sobre a Operação Amazônia, esse conteúdo é apresentado:
O extrativismo vem dando, ao longo do tempo, a conotação primordial
da economia regional; sobretudo o extrativismo vegetal, e neste, a
borracha. Sua característica fundamental tem sido a falta de fixação do
homem ao solo da Região, o que torna naturalmente antado em prol
do desenvolvimento/modernização a sua ocupação; e mais, o
extrativista operando a custos de fatôres (sic) elevadíssimos sucumbe
ao pauperismo. É imprescindível, portanto, um estudo aprofundado do
problema que possibilite o aumento da produtividade do sistema e ao
mesmo tempo ofereça alternativas de atividades compensadoras pela
sua diversificação. É uma tarefa primordial da ‘Operação Amazônia’
(pp. 3-4)
O extrativista amazônido – inclua-se aí os seringueiros, os ribeirinhos e os índios
– é caracterizado como um sujeito condenado pela irracionalidade de seus métodos de
trabalho que, ainda por cima, não propicia o adensamento populacional no “vazio
demográfico” da Amazônia. Este discurso não é antigo e duradouro, conforme Alfredo
Wagner de Almeida (2008):
As reformas pombalinas combinavam a noção de ‘progresso’ com o
que denominavam de ‘racionalidade econômica’. Este esquema
interpretativo é reproduzido no tempo, tornando-se uma sociologia
espontânea da explicação Amazônica […] Pelo menos até o final do
século XX, elementos básicos de tal esquema interpretativo podem ser
identificados sob uma forma de vulgarização cientifica, quando todos
discutem ou preconizam formas de exploração ‘racional’, ocupação
‘racional’ e ação ‘racional’ como ‘moderna’, suportando planos,
projetos e programas oficiais de desenvolvimento da região
amazônica. (p. 25)
É sobre essas populações e a sua necessária modernização que incide mais
diretamente a intervenção desenvolvimentista:
In a similar vein, patriarchy and ethnocentrism influenced the form
development took. Indigenous populations had to be ‘modernized’,
where modernization meant the adoption of the ‘right’ values, namely,
those held by the White minority or a mestizo majority and, in
general, those embodied in the ideal of the cultivated European;
programs for industrialization and agricultura development, however,
not only have made women invisible in their roles as producers but
138
also have tended to perpetuate their subordination. (ESCOBAR,
op.cit. p.43)30
As formas “não cultivadas” de vida justificam, inclusive necessitam, de alguma
intervenção superior e racional sobre elas. Esse é o conteúdo que vigorou no documento
final da Operação Amazônia (1966):
As perspectivas do desenvolvimento da região pressupõem, contudo, a
interferência exógena do poder público central, que serve de meio
para alterar gradativamente hábitos e métodos de trabalho
prevalecentes. No entanto, é exigido aparato institucional a um
planejamento coerente com a realidade regional presente. (sem
página)
A pobreza, pedra angular e estrutura fundacional do desenvolvimento como
campo de poder, estampa como um rótulo essas populações tradicionais, resilientes,
incompatíveis ao progresso e ao capitalismo:
As lideranças da comunidade, no entanto, não vêm acompanhado as
exigências do progresso, o que se explica pelo baixo índice de
capitalismo existente, geralmente associado a relações sociais
insustentáveis fora do regime de trabalho previsto nos seringais e
áreas extrativistas. (Idem, sem página)
* * *
A modernização conservadora brasileira foi capturada pelo enraizamento do
desenvolvimento como campo de poder no país. Os aspectos significantes do
desenvolvimento deram sentido a um conjunto de práticas e articulações políticas que
causaram profundas transformações sociais, inclusivo no conteúdo do território. Estas
mudanças foram tocadas por uma série de novos arranjos – institucionais, políticos,
econômicos e simbólicos – ou a expressiva mudança no teor dos que já estavam. Como
ressalta Berta Becker, não se trata da simples integração física do território, mas sim da
mudança radical de seu conteúdo, agora impregnado de técnica e racionalidade
modernizante:
A integração do Território Nacional, a partir da fronteira tecnológica,
corresponde a uma ação rápida e combinada para, simultaneamente,
completara apropriação física do território – incorporando o centro-
30
“Na mesma linha, o patriarcalismo e o etnocentrismo influenciaram a forma tomada pelo
desenvolvimento. As populações tradicionais tiveram que ser ‘modernizadas’, onde a modernização
significou a adoção dos valores ‘certos’, ou seja, aqueles que tidos pela minoria branca ou uma maioria
mestiça e, em geral, aqueles encarnados no ideal da Europa cultivada; programas de industrialização e
desenvolvimento da agricultura, no entanto, não só fizeram as mulheres invisíveis em seus papéis como
produtoras, mas também tendem a perpetuar a sua subordinação.” (Tradução Livre)
139
oeste e a ilha amazônica –, unificar, modernizar e expandir a o
controle do Estado por todas as atividades e todos os lugares, ainda
que sob um processo de transnacionalização crescente. (BECKER,
1988. p. 117)
O desenvolvimentismo foi o substrato deste projeto modernizante. A ele estava
associado o discurso da superação da pobreza e do atraso, assim como a racionalidade
técnica do planejamento como elemento normatizador do território e das relações
econômicas. O MINTER começa a ganhar forma enquanto ministério extraordinário
incumbido de coordenar algumas políticas dispersas, anteriormente criadas com
objetivos e sentidos nem sempre coerentes umas com as outras. A tarefa Inicial desta
pasta foi justamente correlacionar estes órgãos em torno de um significado unificado, eu
foi o desenvolvimento como campo de poder, que emergia do pós-Segunda Guerra
Mundial desenhando um quadro geopolítico desenhado na divisão entre países
capitalistas avançados, comunistas e subdesenvolvidos. Entidades internacionais
formaram uma rede de colaboração técnica e financeira, paralela e em colaboração à
própria mundialização da acumulação do capital que ocorria a passos largos. Neste
mesmo processo se difundiram os ideais desenvolvimentistas manifestados nos países
situados geopoliticamente no mundo subdesenvolvido enquanto políticas
intervencionistas, que tinham as populações locais como objetos e não sujeitos das
intervenções planificadas. O resultado disso foi a instalação de um poderoso sistema de
controle social, ao modelo da biopolítica de Foucault, conforme Arturo Escobar
(op.cit.).
Desde o começo de sua formação institucional, o MINTER assentou-se em um
modelo de planificação desenvolvimentista que adotou a região como enquadramento
de suas ações; isto devido a uma inspiração muito mais empirista do que de ordem
teórica ou programática31
. Este modelo foi herdado da SUDENE, criada em um período
imediatamente anterior, com objetivos igualmente desenvolvimentistas, mas com
conteúdo social de distribuição da riqueza, entre classes e entre regiões. A SUDENE,
que também sofreu alteração do seu formato original, serviu como base para a política
de governamentalização pensada pelo MINTER.
O recorte regional foi bastante adequado aos ímpetos desenvolvimentistas, pois
favoreceu a definição de um objeto concreto de intervenção, bem aceito e associado à
pobreza e ao atraso, necessário para o reconhecimento da incapacidade das populações
31
Neste momento, haja vista que em momentos posteriores o MINTER operou um planejamento muito
mais sofisticado teoricamente. Sobre este outro momento ver Bomfim (2007).
140
locais em lidar com os problemas do desenvolvimento. Além disso, e ainda de maior
relevância, foi o fato de que este objeto não fazia referência direta a um conjunto de
relações sociais específicas. Por esta razão, o MINTER pôde definir ele mesmo o
moderno e o atrasado, o compatível e o incompatível ao desenvolvimento.
A objetivação do atraso em quadros espaciais, sobretudo em regiões, foi
particularmente eficiente na condução da conciliação de interesses, acomodando ao
invés de atacar um setor da sociedade que era, a rigor (pelo menos no nível teórico),
contraditório ao objetivo de aprofundar as relações capitalistas de produção. Em outras
palavras, dizer que o Nordeste estava atrasado era aceitável diante da opinião pública,
sem dizer exatamente qual a relação social que caracteriza esse atraso, o que não
implicou o reconhecimento do latifúndio como parte do atraso.
141
4. DESENVOLVIMENTO, SEGURANÇA NACIONAL E GEOPOLÍTICA NO
MINISTÉRIO DO INTERIOR
Para se compreender os planos de ação e governamentalização do MINTER,
fundamental se faz compreender a disseminação em escala mundial da doutrina de
Segurança Nacional. Este processo é marcante e está na gênese da institucionalização
do MINTER. Para compreendê-lo é preciso se reportar ao imediato momento
subsequente à Segunda Guerra Mundial. Quando a guerra se definiu em 1945 o mundo
estava profundamente transformado; EUA elevado à condição de potência mundial,
formação do sistema ONU; o acordo de Bretton Woods com o padrão dólar, elevação
do papel e da importância das empresas transnacionais, e, finalmente, o próprio
significado da guerra e da paz no âmbito inter e intra estados nacionais.
A guerra demandou um elevadíssimo suprimento de recursos de toda a sorte.
As imensas tropas de combate que se formavam por terra, céu e mar exigiam dos países
beligerantes cada vez mais investimento em pessoal, produtos industriais, tecnologia,
energia e informação. Formaram-se complexos sistemas de informação, as indústrias
nacionais voltaram-se para a economia da guerra, pesquisas em tecnologia avançavam a
passos largos. Os investimentos invertidos neste processo todo tomaram proporções
inéditas. Esta demanda elevada de capital a ser convertido em máquinas de guerra
exigia também a profusão propagandística para disseminar a necessidade da guerra e do
comprometimento dos cidadãos1. Os generais e chefes do Estado Maior das Forças
Armadas e vários países (entre eles o Brasil), davam-se conta de que, diante da
monstruosidade da guerra, a finalidade militar deveria, a partir dali, envolver todos os
esforços nacionais, seja no âmbito político, social, econômico ou “psicológico”, como
costumavam se referir ao objeto da propaganda.
Os EUA lançaram-se como potência mundial primeiramente porque os países
beligerantes2 viram-se sem recursos para continuar as batalhas. Diante das
circunstâncias, aumentaram vertiginosamente as importações dos EUA e, para financiá-
las, recorriam a crédito oriundo do mesmo país. Já em 1941.a Inglaterra, acuada com o
perigo da iminente invasão alemã, para persuadir os EUA a se juntarem às fileiras de
combate ao lado dos Aliados, abriu mão de uma série de condições privilegiadas das
1 Ficou consagrada a famosa peça publicitária, amplamente divulgada, com a imagem do “Tio Sam” com
o dedo apontado acima de uma legenda escrita: “I want you for de U.S. Army” (“Eu quero você para as
Forças Armadas dos EUA”. Tradução Livre.). 2 Até 1941 os EUA mantiveram-se na condição de neutros.
142
quais gozava antes da guerra, como tarifas especiais de comércio, postos comerciais,
etc. Some-se aí a força militar consolidada nos EUA, dada a economia de guerra que se
formou e a sofisticação das forças armadas com muita tecnologia, informações e
experiência de combate que se canalizava para esse fim. O resultado disso foi a
centralização das finanças, do poder político e militar no país da América do Norte,
condição que caracteriza uma hegemonia mundial consolidada (ARRIGHI; HUI; RAY;
REIFER, 2001).
Terminada a Segunda Guerra Mundial os EUA assumem imediatamente a
hegemonia mundial. Para isso foi necessário a superação de uma ambiguidade que
caracterizou sua política externa, sempre entre o isolacionismo e o expansionismo; a
primeira em relação aos países europeus e a segunda a postura típica de sua relação com
os demais países americanos, cujo formato mais bem acabado foi a Doutrina Monroe,
inaugurada na segunda década do século XVIII (ARON, 1975). Definitivamente os
EUA assumem o expansionismo como política externa, contribuindo com a articulação
do complexo sistema mundializado de finanças, comércio e política. É aqui que todo
esse processo ganha significado na formação de uma Doutrina de Segurança Nacional
no Brasil e, por conseguinte, em sua ressonância no MINTER.
O objetivo deste capítulo é compreender a genealogia da internalização no
Brasil da Segurança Nacional como campo de poder, mais precisamente, entender os
planos de ação e governamentalização do MINTER como a consagração dessa prática.
Para isso, necessário se faz não somente entender a formação e circulação da doutrina a
partir do seu centro difusor nos EUA, mas também as condições para a sua realização
no Brasil. O capítulo começa por analisar a edificação do “império da segurança
nacional”. Em seguida, discute-se a montagem e aprofundamento da segurança nacional
no Brasil para então, na seção seguinte, discutir as relações entre segurança nacional,
desenvolvimento e geopolítica. Na penúltima seção discute-se o MINTER no quadro de
interpelações especificado e, por fim, analisa-se o fenômeno do centralismo politico
associado à geopolítica na conformação da estrutura ministerial do MINTER.
A mundialização da Segurança Nacional
A Segurança Nacional como dispositivo político, tal qual se concebe nesta
pesquisa, tem suas origens nos EUA do pós-guerra. Dada a magnitude de tudo o que foi
despendido e organizado em torno do conflito mundial, o conceito de guerra foi
alterado. Além dos gigantescos arsenais, da sofisticação tecnológica e das sofisticadas
143
instituições de inteligência e informação formadas para o combate, difundiu-se uma
ideia de que a guerra, a partir daquele momento, envolveria necessariamente todos os
esforços nacionais.
Segundo os estrategistas militares estadounidenses, o nazi-fascismo ganhou
grande magnitude devido à negligência do “mundo ocidental”, que menosprezando sua
periculosidade, não o combateu a contento antes que tomasse a proporção alcançada.
Para eles, o caráter totalitário e expansionista do fenômeno político-social que
alimentou o Eixo Alemanha, Itália e Japão foi ignorado e por isso tolerado. Ainda
segundo eles, o comunismo, por doutrina, seria igualmente totalitário e expansionista.
Para evitar outro colapso mundial seria necessário eliminar completamente a ameaça de
outra doutrina totalitária, a reencarnação do nazi-fascismo, desta vez representada por
outra superpotência, a URSS. Esta é a concepção que nutriu a ideologia da guerra
generalizada, um conflito absoluto, cujo resultado só poderia ser a completa eliminação
do perigo: “a guerra generalizada é o conflito armado entre grandes potências, na qual
os recursos totais dos beligerantes são postos em ação, e na qual a sobrevivência de um
deles representa um perigo” (COLLINS, J.M. Manual do National War College, apud
COMBLIN, 1978. p. 33).
A guerra generalizada foi encarnada por outro princípio, a guerra total,
conceito introduzido pelo geopolítico estadounidense Nicholas Spykman (COSTA,
op.cit.). Dada a intensidade e magnitude do conflito, somado à prerrogativa do “matar
ou morrer”, era preciso converter todos os recursos possíveis no combate ao inimigo.
Infelizmente, decretavam os estrategistas, o povo não estava suficientemente consciente
da ameaça, por isso era necessário um esforço de propaganda contra-ideológica, além
das ações militares convencionais. O princípio da guerra total subordina a si todas as
dimensões do social; a política, a economia, e a cultura (que aparece nos manuais de
segurança nacional como “dimensão psicológica”). A guerra total põe a “nação em
armas”, o patriotismo é evocado como elemento fundamental. Combater o inimigo não
é lutar por uma ou outra virtude material, mas sim lutar pela sobrevivência da nação. Se
não combatido a tempo, o comunismo pode arruinar o “mundo cristão-ocidental”,
profetizam os estrategistas. Esta leitura da guerra não é novidade, foi formulada no seio
da própria doutrina nazista e um de seus esteios (COMBLIN, op.cit).
A materialização da guerra total é a guerra fria, outro conceito chave no
nascedouro e sustentação da Doutrina de Segurança Nacional estadounidense. Guerra
fria é o estágio concreto do conflito:
144
Para a Doutrina da Segurança Nacional, o grande desafio atual é a
grande novidade da guerra contemporânea: apresenta-se sob a forma
de guerra fria. Suas formas são novas, mas é preciso aplicar-lhes todas
as características de uma guerra, e responder a esta nova situação por
uma estratégia apropriada. A guerra fria é uma guerra permanente:
trava-se em todos os planos – militar, politico, econômico, psicológico
-, porém evita o confronto armado. A segurança nacional é exatamente
uma resposta a esse tipo de guerra. (COMBLIN, op.cit. p.39)
A evidência da guerra fria como uma guerra total coloca os EUA na posição de
salvaguarda da democracia mundial, em contraposição e combate ao que eles
consideravam como o novo totalitarismo. A expressão mais clara disso talvez seja a
declaração do então presidente dos EUA Harry S. Truman ao Congresso em 12 de
Março de 1947, no discurso que ficou conhecido como a inauguração da Doutrina
Truman, preconizando a contenção ao comunismo. Das palavras de seu discurso:
The gravity of the situation which confronts the world today
necessitates my appearance before a joint of the Congress. The foreign
and the national security of this country are involved. (p. 1)
[…]
At the present moment in world history nearly every nation must
choose between alternative ways of life. The choice is too often not a
free one.
One way of life is based upon of the will of the majority, and is
distinguished by free institutions, representative government, free
elections, guaranties of individual liberty, freedom of speech and
religion, and freedom from political oppression.
The second way of life is based upon the will of a minority forcibly
imposed upon the majority. Its relies upon terror and oppression, a
controlled press and radio, fixed elections, and the suppression of
personal freedoms.
I believe that it must be the policy of the United States to support free
peoples who are resisting attempted subjugation by armed minorities
or by outside pressures3. (TRUMAN, 1947. p. 4)
O pequeno excerto, extraído do discurso original, revela os aspectos
fundamentais da política exterior estadounidense desde então e a relevância do tema da
3 “A gravidade da situação em que se confronta o mundo de hoje exige minha aparição antes de uma
sessão conjunta do Congresso. A segurança estrangeira e nacional deste país estão envolvidas.
[...]
No presente momento da história do mundo quase todas as nações devem escolher entre modos de vida
alternativos. A escolha muito frequentemente não é livre.
Um modo de vida baseia-se na vontade da maioria, e distingue-se por instituições livres, governo
representativo, eleições livres, garantias de liberdade individual, liberdade de expressão e de religião, e
livre de opressões políticas.
O segundo modo de vida baseia-se na vontade de uma minoria imposta à força sobre a maioria. Ela
depende do terror e opressão, imprensa e rádio controlados, eleições fixadas, e a supressão das liberdades
pessoais.
Eu acredito que deve ser a política dos Estados Unidos apoiar os povos livres que estão resistindo às
tentativas de subjugação por minorias armadas ou por pressões externas.” (Tradução Livre).
145
segurança nacional para tal política. De princípio o ex-presidente já adverte à tribuna
que ele abordará questões referentes a outros países – Grécia e Turquia – mas como
assunto de segurança interna. Segundo a interpretação de Truman, as revoltas de cunho
socialista em curso nos supracitados países mediterrâneos eram evidência do
expansionismo soviético, consequentemente, tratava-se da arrancada de outro regime
totalitário. Este era o mal a ser combatido nos termos da guerra generalizada, com a
prerrogativa de dar cabo ao inimigo. Por esta razão o assunto tornava-se de interesse da
segurança interna dos EUA.
O trecho também revela a cisão do mundo em dois blocos de países, os livres e
os não-livres, segundo a interpretação do presidente. Obviamente que ele se refere aos
capitalistas e comunistas. Diante da cisão, caberia aos EUA assegurar a perpetuação dos
países livres (capitalistas) protegendo-os das ofensivas opressoras oriundas da parte
não-livre do mundo.
Esta foi a maior evidência de que definitivamente os EUA abandonariam a
política de isolacionismo em relação à Europa e ao mundo, assumindo a posição de
vanguarda da democracia ocidental, identificando e combatendo um inimigo: o
comunismo. Em outro trecho do mesmo discurso ele inclusive se refere à incapacidade
do Reino Unido e perda do protagonismo que a terra da Rainha gozava até então,
cabendo aos EUA assumir a incumbência e, por extensão, a hegemonia mundial:
The United States must supply that assistance. We have already
extended to Greece certain types of relief and economic aid, but these
are inadequate.
There is no other country to which democratic Greece can turn.
No other nation is willing and able to provide the necessary support
for a democratic Greek government.
The British Government, which has been helping Greece, can give no
further financial or economic aid since after March 31. Great Britain
finds itself under the necessity of reducing or liquidating its
commitments in several parts of the World, including Greece4. (Idem)
Estavam aí estabelecidas as diretrizes da ordem mundial do pós-guerra, quando
a contenção ao comunismo fez com que tudo e qualquer coisa pudesse ser tratada como
4 “Os Estados Unidos devem fornecer essa assistência. Nós já aumentamos à Grécia certos tipos de
socorro e ajuda econômica, mas estes são insuficientes.
Não há nenhum outro país para o qual a Grécia democrática pode se voltar.
Nenhuma outra nação é solicita e capaz de fornecer o apoio necessário para um governo grego
democrático.
O governo britânico, que tem ajudado a Grécia, não pode dar mais nenhuma ajuda financeira ou
econômica desde depois de 31 de março. A Grã-Bretanha encontra-se sob a necessidade de reduzir ou
liquidar seus compromissos em diversas partes do mundo, incluindo a Grécia.” (Tradução Livre)
146
potencial assunto de segurança dos EUA. Este é o marco fundacional da segurança
nacional como política externa, e um grande marco na implantação do intervencionismo
estadounidense no mundo, já que a amplitude e vaguidade do conceito possibilitavam
uma extensa gama de ações:
Ora, a guerra fria da Doutrina Truman forneceu uma chave para
interpretar, daí por diante, tudo o que poderia acontecer no mundo.
Cada vez que o status quo fosse questionado, em qualquer parte do
mundo, cada vez que surgisse um governo desfavorável aos Estados
Unidos, ou suscetível de tornar-se desfavorável, seria necessário ver
nisso o espectro da guerra fria: a presença do dedo de Moscou.
(COMBLIN, op.cit. p.40)
A Segurança Nacional tornou-se o mote político de maior expressão, segundo
Joseph Comblin (op.cit.); em seu nome tudo era válido, tanto interna quanto
externamente, em um contexto de guerra fria. No aparato estatal estadounidense criou-
se uma burocracia de especialistas do mais alto nível para operar independentemente
das pressões e disputas políticas imanentes à sociedade, tinham liberdade e anuência do
presidente para tomar as medidas que julgassem necessárias à segurança nacional. Os
cargos mais relevantes dessa burocracia criada pela Lei de Segurança Nacional
(National Security Act) de 1947 era ocupado por civis, em agências como a Central
Intelligence Agency5 (CIA) e o Pentágono (sede do Departamento de Defesa dos EUA).
Ainda segundo Comblin, esta burocracia atingiu tamanha relevância que chegou a ser a
principal responsável pela política externa:
os partidos fizeram um acordo para deixar os problemas de segurança
nacional fora do alcance de suas lutas políticas. O assunto segurança
nacional recebia assim uma espécie de aura sagrada. Todas as
condições estavam prontas para que uma nova burocracia tomasse a si
os assuntos de segurança nacional, à sombra da Presidência, fora do
alcance do Congresso, numa espécie de recinte privilegiado onde os
assuntos do Império estariam cuidadosamente protegidos contra todas
as tentativas de vigilância por parte do Congresso, da imprensa ou da
opinião pública. (COMBLIN, p. 120)
Importante notar que a concepção de guerra total aplicada à guerra fria gerava
certos inconvenientes, dada a radicalidade exigida. Tomada em sentido literal, isso
implicaria que toda e qualquer ação supostamente oriunda dos soviéticos deveria ser
combatida com força máxima, ou seja, bomba atômica. Difícil imaginar que os EUA
estariam dispostos a usar a bomba atômica nas diversas situações conflituosas que
5 Agência Central de Inteligência.
147
apareciam. Exemplo dessa inviabilidade foram as Guerras da Coréia (1950-53) e do
Vietnã (1955-1975). Diante dessa ambivalência, o secretário de defesa dos EUA Robert
Macnamara formulou uma distinção de níveis da guerra: a guerra atômica, a guerra
convencional e a guerra revolucionária; esta distinção propiciou estratégias diferentes
para cada nível. No âmbito atômico, apesar do “clima” de guerra fria, avançou-se
significativamente em acordos com a URSS para o não uso e a não proliferação da arma
em outros países; na guerra convencional a estratégia de contenção ao comunismo se
manteve inalterada, a exemplo das guerras da Coreia e Vietnã; por fim, a guerra
revolucionária identificava o inimigo comunista em ações e intervenções internas aos
países através de guerrilheiros fomentados pelos soviéticos. Este foi o mote mais
eficiente para expandir a doutrina de segurança nacional para os países
subdesenvolvidos, e de fato foi o que se deu.
A guerra fria por si só foi motivo suficiente para edificar uma política de
segurança nacional como elemento estruturante da ordem mundial. O argumento foi
reforçado pela propagação direta da doutrina, que, a exemplo do desenvolvimento,
formou-se como um verdadeiro campo de poder, com as mesmas prerrogativas de
controle social através de um poder normativo majorado. Aliás, desenvolvimento e
segurança fizeram um casamento quase que inseparável na versão latino-americana da
doutrina. Basicamente, a mesma institucionalidade que fez difundir o desenvolvimento
como campo de poder, difundiu também o seu par complementar (Plano Marshall para a
Europa, Aliança para o Progresso na América Latina, p.ex.), com um particular, a
cooperação militar.
Um dos alicerces mais dinâmicos na propagação da doutrina de segurança
nacional e seu corolário para a América Latina deu-se na dimensão militar. Os EUA,
ainda escorados no ideário da doutrina Monroe, agiram fortemente para consolidar um
aparato militar interamericano, sob o comando e liderança dos EUA. Esse projeto nunca
chegou a consolidar-se nos moldes previstos originalmente, mas logrou grandes êxitos
no âmbito da consolidação do alinhamento militar dos países das Américas Central,
Caribe e do Sul. Militares de alta patente foram treinados em escolas especializadas dos
EUA (como Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima, que passaram pelo Fort
Leavenworth antes de partirem para os combates da FEB) e, inclusive, foi criada a
United States Army School of the Americas6 (USARSA) em 1946, especificamente
6 Escola do Exército Americano para as Américas.
148
voltada para o treinamento de oficiais latino-americanos. Com a detecção da guerra
revolucionária, o sistema de segurança nacional estadounidense trabalhou para edificar
uma estrutura política de segurança nacional na América Latina voltada para esse tipo
de combate. Além do treinamento de oficiais armamentos foram oferecidos e vendidos
para equipar e modernizar as Forças Armadas desses países. Todas essas práticas
decretaram um vínculo estreito entre as instituições militares latino-americanas e os
EUA. Os interesses convergiam ideologicamente e na prática, pois viriam do norte os
meios necessários para a transformação militar que tanto clamavam os oficiais.
A exemplo da afirmação do desenvolvimento como campo de poder, a
segurança nacional também se estabelece enquanto tal. A bem da verdade, ambos
processos são concomitantes, se entrecruzam, se retroalimentam; operam basicamente
pelos mesmos canais. A transnacionalização da economia e a ordem geopolítica se
alimentaram basicamente da estruturação desses dois campos de poder; o
desenvolvimento e a segurança nacional. As convergências e divergências entre eles,
especificamente no que diz respeito ao processo brasileiro, serão analisadas mais
adiante.
A Segurança Nacional no Brasil
A segurança nacional passou a ser elemento fundamental para tecer as relações
interestatais que desenhou a geopolítica mundial do pós-guerra. A ação da política
externa estadounidense, orientada por esse princípio, situava os países na órbita
internacional e interferia profundamente na estrutura interna de cada um. O Brasil desde
muito cedo aderiu a esse princípio, devido a influência da FEB. Mas foi sobretudo após
a erupção da revolução cubana em 1959 e a emergência das guerras revolucionárias no
mundo subdesenvolvido que a política externa da segurança interna dos EUA voltou-se
de maneira mais direta à América Latina, repercutindo em uma política sistemática.
À bem da verdade, a concepção da segurança nacional já existia Brasil
efetivamente desde 1934, quando passou a funcionar o Conselho de Segurança Nacional
de Getúlio Vargas. Entretanto, este Conselho tinha um caráter mais pontual, mais
próximo da noção de defesa militar e de protecionismo econômico (ALMEIDA, 2011).
Não há a formação de um campo de poder propriamente dito, articulado a uma ordem
geopolítica mais profunda. Esta articulação enquanto campo de poder só ocorre no pós-
guerra, mais significativamente na década de 1960.É razoável considerar que o primeiro
órgão rigorosamente desta natureza no Brasil seja a ESG, não por coincidência formada
149
por expedicionários da FEB, destacadamente Cordeiro de Farias que, como já se disse,
foi seu primeiro diretor.
A ESG, criada em 1947, se enquadrou na burocracia militar brasileira como um
estágio praticamente obrigatório para que os oficiais galgassem postos no alto escalão
da corporação. Fundamentalmente, ela se dedicou à formulação teórica da versão
nacional da DSN. Segundo Cordeiro de Farias:
A expressão ‘segurança nacional’ apareceu depois da Segunda Guerra.
Antes falávamos em ‘defesa nacional’ com uma significação derivada
da própria natureza da guerra, pois o confronto armado entre nações se
fazia em campos de batalha e era circunscrito a áreas específicas.
[…]
Na Escola Superior de Guerra tratamos de uma nova concepção de
defesa nacional. A evolução da noção de ‘defesa’ para a noção de
‘segurança’ decorreu, na verdade, do arremate da Segunda Guerra. Foi
aí que se começou a perceber que um país em guerra estava
globalmente sujeito aos seus efeitos nefastos. E foi por isso que, em
1949, criamos a ESG. (Ibidem. pp. 349-350)
De acordo com a leitura do marechal, o novo conceito foi uma readequação
conceitual frente a um imperativo material: a nova forma de guerra, a guerra total –
anteriormente explicitada. A defesa nacional parecia não alcançar a nova natureza da
guerra que demandava agora não só proteção de fronteiras e poderio militar, mas a
mobilização de todo os recursos nacionais. A guerra tornou-se mais complexa e, por
consequência, também o conceito de segurança.
Segundo Golbery do Couto e Silva (1981), o mais proeminente teórico da ESG,
segurança nacional é:
Ora, Segurança Nacional caberia defini-la, por certo, como: – o grau
relativo de garantia que o Estado proporciona à coletividade nacional,
para a consecução e salvaguarda de seus Objetivos, a despeito dos
antagonismos internos ou externos, existentes ou presumíveis. (p. 155)
Segurança é então a salvaguarda dos meios necessários a uma nação para
cumprir seus objetivos. O próprio Golbery se encarregada de listar quais seria eles.
Encabeça sua relação “a salvaguarda intransigente de nossa independência política
[…]”, seguido diretamente por “a manutenção de um estilo de vida democrático […]”
(Idem. p. 74). A mensagem é clara e direta, o Brasil deve estar no bloco oposto aos
soviéticos.
A obra de Golbery reflete uma nova atenção a qual a DSN (em nível mundial)
começa a dispensar para o fenômeno da guerra revolucionária, posteriormente
150
esquematizada pelo secretário de defesa dos EUA Robert MacNamara em três níveis
“distintos de guerra”: atômico, convencional e revolucionário7. Antes disso, estes níveis
já estavam muito claros pra Golbery. Em texto de 19588, ao analisar a “ameaça ao
ocidente”, ele se refere explicitamente a três formas de ameaça: a guerra atômica, a
guerra localizada e a guerra subversiva9. Para ele (1981.):
Outra técnica haveria de ser empregada para atuação mais no interior
do sistema defensivo do Ocidente. E, neste particular, é que a
ideologia comunista cumpre seu papel capital de ponta de lança
impalpável e insinuante, no mobilizar uma minoria disciplinada e
fanática de profissionais da revolução, no criar um ambiente de
agitação e tumultos, no aprofundar todas as dissenções e explorar
todos os ressentimentos, no insuflar constantemente o ódio em relação
ao Ocidente, tudo de modo a promover, na primeira oportunidade
favorável, a irrupção, conforme o caso, de um golpe de Estado – como
no Iraque – ou de uma insurreição de massas – como na Indochina. E
aí temos a guerra subversiva, insurrecional ou social-revolucionária,
que possibilita a agressão indireta e mesmo à distância, comandada do
exterior, apoiada com técnicos da subversão, os intitulados
voluntários, armas, dinheiro propaganda e ameaças de toda a natureza,
quando não a presença nas imediações dos próprios tanques ou aviões
soviéticos ou chineses. (pp.235-236. Grifo no original)
A ameaça da guerra subversiva impõe métodos severos de combate à
infiltração soviética, que fere a soberania nacional e o compromisso do Brasil com a
democracia. Golbery estava absolutamente convencido disso, o que o levou a articular o
imenso aparato de segurança nacional formado no território pátrio. Além de participar
ativamente dos debates da ESG, resolveu “colocar as mãos à massa”, e assim surge o
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES).
O Instituto fora criado em 1961 por obra de alguns intelectuais e empresários
anticomunistas, com forte proximidade de segmentos militares, sobretudo os esguianos.
Formalmente, tratava-se de um instituto que tinha por finalidade acompanhar e tomar
posição sobre os fatos em curso no Brasil, mais especificamente as reformas de base
anunciadas por Goulart. Apresentavam-se como homens notórios e desinteressados,
7 Esta delimitação já está apresentada o começo deste capítulo.
8 Este texto é parte componente da uma coletânea publicada sobre o título “Conjuntura política nacional e
o poder executivo & Geopolítica do Brasil”. A primeira parte “Conjuntura …” é uma palestra proferida
por ele na ESG em 1980, que tem grande valor, pois expõe suas razões para a “abertura lenta e gradual”.
O segundo livro “Geopolítica do Brasil” reúne ensaios e palestras feitos entre 1950 e 1960. Trata-se,
como diz ele, da exposição da evolução de uma análise geopolítica. 9 A tipologia dos dois não é absolutamente coincidente, apesar de bastante semelhantes. A diferença está
na guerra convencional para MacNamara em relação à guerra localizada de Golbery. O estadounidense se
refere a todo e qualquer enfrentamento frontal, mesmo que envolva as duas grandes potências
diretamente, já o brasileiro chama de guerras localizadas uma modalidade de “guerra por procuração”,
envolvendo satélites, não as potências diretamente.
151
dispostos a “promover a educação cultural, moral e cívica dos indivíduos” (IPES apud
DREIFUSS, op.cit. p. 164). Diziam também engajados em objetivos nobres, como a
angariação de fundos para combater o analfabetismo no Brasil, etc.
Independentemente de serem cumpridos ou não as finalidades alegadas, o fato
mais significativo é o trabalho de articulação minuciosa da conspiração que levou ao
golpe de 1964. O IPES funcionou como um laço de solidariedade e orquestração de
intelectuais, tecno-empresários e militares orientados para desestabilizar e, se possível,
derrubar o governo populista. Segundo Dreifuss (op.cit.), tratava-se de um sofisticado
órgão que dispunha de recursos financeiros e técnicos consideráveis, como por
exemplo, capacidade ilimitada de viagens para seus membros, concedidas como cortesia
pelas empresas de transportes. Não é preciso dizer o quanto isto é valioso para a
conspiração10
.
O IPES estava estruturado em diferentes unidades operacionais denominadas
de “grupos”, articuladas entre si. No que tange à institucionalização da segurança
nacional do Brasil, o trabalho de um desses grupos é particularmente relevante, o Grupo
de Levantamento da Conjuntura (GLC), liderado até 1964 por Golbery do Couto e
Silva. Este grupo alimentava a conspiração com informações levantadas, encaminhadas
para análise de conjuntura e formação da doutrina. Este grupo tinha amplo alcance,
contava com a solidária colaboração de militares de alta patente:
O GLC distribuía entre os militares uma circular bimestral
mimeografada sem identificação de fonte, que descrevia e analisava a
atividade ‘comunista’ por todo o país e que incitava a opinião militar
contra o Executivo e contra a mobilização popular. Com o mesmo
zelo que ele preparava os relatórios semanais, a partir de material
impresso, o GLC compilava dossiês dos indivíduos e grupos
‘comunistas’, bem como distribuía um mapa que identificava a
estrutura e pessoas-chave das supostas organizações subversivas. Para
ser possível obter um conhecimento acurado e eficiente da situação
política, o IPES se valia de uma amplamente distribuída rede de
informações dentro das Forças Armadas, da administração pública,
das classes empresariais, da elite política, das organizações estudantis,
dos movimentos de camponeses, do clero, da mídia e dos grupos
culturais. O GLC teria grampeado, só no Rio, cerca de três mil
telefones. (DREIFUSS, op. cit. p. 188)
10
Dreifuss (op.cit.) é enfático a esse respeito: “O IPES não era com certeza, como frequentemente é
descrito, um movimento amador de empresários com inclinações românticas ou um mero disseminador de
limitada propaganda anticomunista; era, ao contrário, um grupo de ação sofisticado, bem equipado e
preparado; era o núcleo de uma elite orgânica empresarial de grande visão, uma força-tarefa
estrategicamente formada, agindo como vanguarda das classes dominantes.” (p. 185)
152
Enfim, o IPES foi um sofisticado aparelho de informações e articulações
conspiratórias. Apesar de um órgão absolutamente legalizado, adota práticas ilegais de
observação e espionagem em nome da segurança nacional. Ao que tudo indica, essa foi
a aparelhagem mais significativa para o aprofundamento da segurança nacional
enquanto campo de poder no Brasil.
É válido lembrar que os militantes do IPES eram da classe de técnicos e
empresários nacionais fortemente associados ao capital transnacional, já citado no
capítulo anterior. A segurança nacional, a exemplo do desenvolvimento, estruturou-se
através de forte participação internacional. As influências estrangeiras não davam-se
somente na inspiração doutrinária, que ocorria mais explicitamente; se davam também
pelo financiamento, auxílio técnico e facilidades políticas oferecidas diretamente, sem o
intermédio do empresariado nativo.
A tarefa de captar os recursos financeiros para o funcionamento do IPES estava
incumbida ao Grupo de Integração (GI). Este grupo arrecadava fundos através de
doações corporativas e individuais dos próprios membros do IPES. Além de angariar o
dinheiro necessário, essa prática servia para ampliar a rede de cooperação em torno do
instituto. As redes pessoais serviam para atingir os grandes grupos internacionais, que
não se furtaram a contribuir com a causa:
Duzentos e noventa e sete corporações americanas deram apoio
financeiro ao IPES. Cento e uma empresas de outras proveniências
deram contribuição adicional. […] Em maio de 1962, J.B. Leopoldo
Figueiredo informava o Comitê Diretor das receitas ordinárias de São
Paulo, que naquela época montavam 9,5 milhões aproximadamente.
Relatava também sobre o trabalho desenvolvido com empresas firmas
britânicas e americanas. As americanas contribuíam com mais ou
menos sete milhões anuais, com expectativa de alcançar quinze
milhões. As britânicas participaram com 3,5 milhões. A perspectiva
seria de alcançar 20 milhões mensais e poderia até mesmo alcançar
índices mais altos. (DREIFUSS, op.cit. p. 206)
Com o triunfo do golpe de 1964, a segurança nacional estava definitivamente
assentada no Brasil, integrando-o como partícipe deste campo internacionalizado. A
estrutura montada e operacionalizada no IPES foi praticamente transferida para o seio
da máquina estatal, com o nome de Serviço Nacional de Informações, o famigerado
SNI. O primeiro encarregado foi ninguém menos que Golbery do Couto e Silva, o
mesmo que já havia montado o sistema de obtenção de informações do IPES. O SNI
consolidou-se como o centro nevrálgico dos governos militares que se sucederam.
153
Golbery foi sucedido por Médici em 1967, que abandonou o posto para assumir a
presidência da República em 1969.
O aparato de segurança nacional ganhou tamanha relevância que Maria Helena
Alves (1984) chega a tratar o Estado pós-1964 como “o Estado de Segurança Nacional”,
levando em conta todos os mecanismos de repressão instaurados, como o Departamento
de Ordem Política e Social (DOPS). Fato é que o SNI passou a exercer influência direta
e predominante em todos os setores dos governos militares, e o Conselho de Segurança
Nacional (CSN), composto por todos os ministros mais o presidente da República,
passou a fazer às vezes de reunião de cúpula governamental. As atas destas reuniões,
recentemente disponibilizadas na sede do Arquivo Nacional de Brasília através do
projeto “Memórias Reveladas”, revelam que pautas econômicas e políticas se
misturavam com apreciações e vereditos sobre indivíduos suspeitos de “subversão”11
.
Todo esse “Estado de Segurança Nacional” instituído, coube perfeitamente no
caráter autoritário do capitalismo brasileiro. As práticas obscuras de tortura e violação
de direitos humanos transformaram-se em mero instrumento de eliminação das
oposições e conflitos políticos (muitas vezes eliminação física literalmente), “limpando”
o caminho para implantar um modelo político, econômico e social sem perturbações de
projetos divergentes, desautorizados e depreciados através do rótulo de “subversivos”.
Mas, é importante que se diga, a institucionalização da segurança nacional no
Brasil não se limitou ao aparato de informação e coerção social, por mais que ela seja
mais facilmente reconhecível neste aspecto. Esta institucionalização foi inspirada por
uma versão nativa da doutrina, que tomava em cômputo não só características
particulares da formação brasileira como também clivagens já consagradas por aqui: as
tradições do pensamento autoritário brasileiro e a geopolítica (MIGUEL, 2002). O
MINTER é produto desta forma particular que a segurança nacional assume no Brasil.
Segurança Nacional, Desenvolvimento e Geopolítica
Os “generais de 1964” (SVARTMAN, op.cit.), aqueles que estiveram à frente
do regime militar, reverenciavam Alberto Torres e Oliveira Vianna, Golbery se refere a
este como “o mestre” repetidas vezes. Os mestres e suas obras eram referências centrais
para a interpretação do Brasil destes homens. Ambos vociferavam contra a
“desorganização nacional”, reversível apenas através de uma ação corretiva por parte de
11
Estas atas não foram sistematicamente analisadas por não estarem diretamente ligadas ao escopo desta
pesquisa. Mas formam um material de relevância primorosa para outras pesquisas.
154
um Estado forte e centralizador, capaz de neutralizar as “forças centrífugas”
características da formação social brasileira. Revestiam-se de nacionalismo para propor
um Estado corporativo e centralizado (IGLESÍAS, 1978).
Oliveira Vianna, inspirado em Capistrano de Abreu, acentuava o território
como força centrífuga dada sua grande extensão e parca ocupação, propícia ao
isolacionismo de latifúndios convertidos em feudos, unidades autossuficientes,
inibidoras do comércio da indústria, portanto retrógradas economicamente; e incapazes
de tecer laços solidários entre as classes sociais, causando a frágil consciência nacional
(ODALIA, 1997). Segundo Lia Machado (2002), o célebre intelectual defendia três
teses sobre o território: i) o sertão representava o somatório e as possibilidades da
nação, subentendendo que ali estariam as bases para a unificação nacional; ii) o Brasil
estaria em vias de alcançar a “pureza racial” através da miscigenação com os europeus;
iii) somente uma política centralizadora poderia garantir as potencialidades do Brasil.
De forma geral, Oliveira Vianna defendia que o país poderia vir a ser uma nação forte,
cuja força estava impressa nos sertões. Contrapunha-se às explicações demasiadamente
afeitas ao mundo urbano, ressaltando o papel que a hinterland teria na definição da
formação nacional através de um estado centralizado.
Interessante notar que, pela lógica destes intérpretes, em consonância com o
caráter conservador da modernização brasileira, a “grandiosa tarefa” de apropriação do
território não poderia ser obra espontânea, ao sabor das forças populares, consideradas
frágeis e despreparadas. Deveria ser obra de um Estado forte centralizador, o “novo
bandeirante” (VELHO, op.cit.). Para impedir que a reserva de terras disponíveis fossem
apropriadas pelos populares movidos por interesses particulares, mecanismos extra-
econômicos de repressão da força de trabalho – como a propriedade da terra
desvinculada da posse, o escravismo e outras relações de trabalho semelhantes –
contiveram a fronteira de tal maneira que ela pudesse ser efetivada sem provocar
mudanças na ordem social. Para Velho (op.cit.), a fronteira revela o caráter autoritário
do capitalismo no Brasil; fronteira aberta e capitalismo fechado, o “Turner autoritário”.
Esta filosofia alimentou a “Marcha para o Oeste” varguista, e também a apropriação
territorial com fins de segurança nacional da qual o MINTER é parte.
A preocupação com o território e mesmo o tratamento autoritário dado a ele é
compartilhado pelo pensamento geopolítico do qual os militares da segurança nacional
se muniam. No Brasil, em linhas gerais, com alguma variância de foco e intensidade, o
pensamento geopolítico – autores como Delgado de Carvalho, Elyseo de Carvalho,
155
Backheuser, Mário Travassos, e Francisco de Paula Cidade – se voltou
fundamentalmente para equacionar os problemas do progresso nacional através do
Estado, da garantia e defesa da integridade territorial e da projeção nacional no cenário
mundial (MIYAMOTO, 1981).
Everaldo Backheuser, um mestre da geopolítica nacional, assim como o
pensamento autoritário, era simpático aos princípios do centralismo estatal e
compartilhava a aversão aos poderes fragmentados das oligarquias regionais, o que se
refletia inclusive em sua proposta geopolítica de configuração territorial do país
(COSTA, 2008). Sua análise, inspirada em Ratzel e na escola geopolítica alemã,
voltava-se para a análise do Estado e suas relações com o território a partir de uma visão
organicista, requerendo uma integração efetiva do território.
O seguidor mais notório de Backheuser foi Mário Travassos, o general
geopolítico. A grande inovação de sua obra foi vincular a preocupação com a integração
do território nacional com a projeção internacional do país, principalmente no
continente sul-americano. Travassos punha-se a refletir sobre duas oposições básicas:
Atlântico x Pacífico e Bacia do Prata x do Amazonas; duas questões cruciais, segundo
ele, para elevar o papel do Brasil no cenário internacional (COSTA, op.cit.). A
geopolítica de Travassos tem papel importante na formulação da política territorial do
Brasil desde a década de 30:
O tema centra desses trabalhos [da geopolítica das décadas de 30 e 40,
destacadamente Travassos] era uma nova interpretação geopolítica da
história brasileira, focalizando a marcha para oeste do Estado, desde
sua origem na costa atlântica, e enfatizando a necessidade do Brasil
continuar sua projeção para oeste, especialmente ao longo de dois
eixos, um em direção à Bolívia e o outro à Amazônia. A expansão
política para o ocidente no Século XIX (Acre) deveria ser seguida de
ocupação efetiva e integração espacial, revitalizando as ‘fronteiras
mortas’ e tornando-as ‘vivas’. Esse desenvolvimento interno era
associado à ascenção de grandeza continental para o país, o que era
visto pelos Estados vizinhos como ameaça e expansionismo.
(BECKER, 1988. p. 111)
Após a Segunda Guerra emerge a DSN no cerne da ESG, a “Sorbonne militar
brasileira” (VLACH, 2002-2003). A esquematização mais célebre desta doutrina está
em Golbery (op.cit.). Em linhas gerais, suas teses geopolíticas seguem os temas e o
tratamento clássico da geopolítica nacional12
. Ele divide o Brasil em um Núcleo Central,
12
Para um exame mais detalhado das diferentes formulações geopolíticas brasileiras ver Miyamoto
(op.cit.) e Costa (op.cit.).
156
três penínsulas econômicas (Nordeste, Sul e Centro-Oeste) e uma ilha Amazônica13
. A
segurança nacional é um ponto capital, a começar pelo flanco aberto por Travassos, que
ele reproduz para formular um plano de apropriação e valorização do território nacional
para fins de segurança em relação ao continente sul-americano. Para garantir a máxima
eficiência em proteção, a orientação da ação geopolítica do país deve estar dividida em
três fases:
1ª-equipamento e reforço de nossa base ecumênica, articulando-a
solidamente de norte a sul, com prioridade para o sul;
-constituição de potenciais regionais que garantam o mínimo de
segurança à realização da manobra estratégica considerada, potenciais
esses proporcionais à importância das ameaças que se preveem
(volume, proximidade no tempo e no espaço, jogo de alianças que
motivem) – máximo face ao Prata, médio no Nordeste (um arcabouço
reforçável a tempo), mínimo na periferia amazônica;
2ª-integração da península do centro-oeste brasileiro, equipando-a de
meios que lhe permitam desempenhar seu duplo papel de sólida
plataforma para transbordamento sobre a Hiléia ou para ações visando
a contrapor-se ao avanço para o norte de um imperialismo platino,
sub-reptíceo ou virulento;
3ª-incorporação da Amazônia. (COUTO E SILVA, op.cit. pp. 60-61)
Assim, presume ele, o país garantiria um de seus objetivos permanentes, “a
manutenção do status quo territorial na América do Sul” (Idem., p. 75) – lembrando
que segurança nacional, na acepção de Golbery, é a garantia que o Estado oferece para o
país cumprir seus objetivos. Mais ainda restariam incólumes outros objetivos a serem
cumpridos, destaco dois deles:
-a incorporação efetiva de todo o território nacional, humanizando-se
e valorizando os largos espaços ainda vazios;
-o fortalecimento equilibrado da estrutura econômica, de modo a
assegurar elevados níveis de bem-estar e cultura a todo o povo, em
todas as regiões do país, e garantindo-se o grau de auto-suficiência
realmente indispensável ao pleno exercício da própria soberania
nacional. (Idem. p.75)
Integrar o território e “corrigir os desníveis” entre as regiões do país é questão de
segurança nacional, para Golbery, não só por uma questão de vulnerabilidade do
território, mas sobretudo diante do conceito de guerra subversiva. Segundo Comblin
(op.cit.), foi Robert MacNamara o primeiro a interligar diretamente desenvolvimento e
segurança. A associação teria sido óbvia; Grécia, Turquia, Coreia, Vietnã, Cuba, guerras
13
Ver mapa Anexo 2.
157
de independência na África... todas as ameaças de sublevações concentravam-se no
mundo subdesenvolvido14
. Em seu livro publicado em 196815
, ele dizia:
Numa sociedade em que se está modernizando, segurança significa
desenvolvimento. Segurança não é material militar, embora êste (sic)
possa ser incluído no conceito; não é fôrça (sic) militar, embora possa
ser abrangida; não é atividade militar tradicional, embora possa
envolvê-la. É desenvolvimento; e sem desenvolvimento não pode
haver segurança. Uma nação em desenvolvimento, que não se
desenvolve, não pode, na realidade, permanecer segura, devido à
desagradável razão de seus cidadãos não poderem desfazer-se da
natureza humana. (p. 173. Grifo nosso.)
Golbery do Couto e Silva (op.cit.) já havia dito coisa semelhante em um texto
de 1958, quando ele acentua a pobreza e as carências materiais como fatores que fazem
um país vulnerável ao comunismo:
Importa considerar, porém, que a América Latina – e, em seu
contexto, o Brasil –, por suas fraquezas econômicas, sua imaturidade
política e seu baixo nível cultural, acha-se sem dúvida alguma,
extremamente vulnerável à agressão comunista, mascarada sob a
forma de infiltração e subversão à distância e, pois, reforçar-lhe a
capacidades de resistência eliminando as condições locais tão
propícias à final implantação, nesta região, de capital importância para
todo o Ocidente, de uma cabeça de ponte comunista ou entreposto
favorável aos vermelhos é tarefa das mais relevantes e de maior
urgência que as grandes potências ocidentais e, em particular, os
E.UA. tão próximos não poderiam nem deveriam, de forma alguma,
descurar em nível muito inferior de sua ampla lista de prioridades
estratégicas. (p.247)
O general esguiano mostrava-se atento ao “perigoso desnível entre as várias
regiões do país, exacerbando os contrastes e criando zonas marginais e áreas-
problema” (Idem. p. 71). A segurança nacional se alia ao desenvolvimento
definitivamente. Arturo Escobar (op.cit.) notou esse entroncamento na sua análise sobre
o desenvolvimento:
The relationship between military concerns and the origins of the
development has scarcely been studied. Pacts of military assistance,
for example, were signed at the Rio conference of 1947 between the
United States and all Latin American countries (Varas 1985). In time,
14
Constatação nem tão óbvia quando se leva em conta que a maioria absoluta dos países são considerados
não-desenvolvidos. 15
É interessante notar que o livro foi traduzido e publicado em português no mesmo ano de lançamento
do original em inglês.
158
they would give way to doctrines of national security intimately linked
to development strategies16
. (p. 34)
Forma-se um dos binômios mais propagados no imaginário político das décadas
de 1960 e 1970 no Brasil. Entretanto, nem só de convergências vive a fórmula
consagrada. O que fazer quando um contradiz o outro? Mais uma vez, a questão não
escapou do crivo de Golbery:
A presença dominante desse parâmetro inelutável – a Segurança
Nacional – impõe, entretanto, o ônus tremendo de uma economia
visceralmente destrutiva aos anseios normais de desenvolvimento e
bem-estar que animam a todos os povos e, sobretudo, àqueles que
ainda se vêem à margem das regiões mais adiantadas do mundo,
comprimidos em padrões de vida pouco elevados ou inelásticos. Daí
um novo dilema – o do Bem-Estar e da Segurança […] E, na verdade,
não há como fugir à necessidade de sacrificar o Bem-Estar em
proveito da Segurança, desde que esta se veja realmente ameaçada. Os
povos que se negaram a admiti-lo aprenderam, no pó da derrota, a
lição merecida. (p. 13. Grifos no original)
Desenvolvimento e segurança são dois campos de poder semelhantes e
complementares no que diz respeito aos seus valores, agentes de poder e normas
praticadas. No entanto, em seu funcionamento objetivo, na prática efetiva de exercício
do poder exercida pelas instituições correlatas, algumas fraturas surgem. O MINTER foi
inquestionavelmente um destes aparatos que serviu a ambos, no entanto, em sua ação de
governamentalização do território, fraturas se revelaram.
O MINTER, a segurança nacional, o desenvolvimento e a geopolítica
O MINTER deve ser entendido exatamente nesse enquadramento do
desenvolvimento como tema de segurança nacional projetado sobre o território. A tarefa
da segurança nacional no aparato estatal pós-1964 estava especialmente incumbida ao
SNI com os serviços de informação e contrainformação, ancorado na ideia do nível da
guerra revolucionária, entronizado na DSN nos EUA e também no Brasil. Entretanto,
uma parte relevante dessa repaginação da doutrina é o reconhecimento do
subdesenvolvimento como campo fértil de propagação da guerra revolucionária. No
Brasil, o subdesenvolvimento tinha enquadramento geográfico, estava objetivado em
regiões subdesenvolvidas, como se viu no capítulo anterior. É aí que o desenvolvimento
16
“A relação entre as preocupações militares e as origens do desenvolvimento tem sido pouco estudada.
Pactos de assistência militar, por exemplo, foram assinados na conferência do Rio, de 1947, entre os
Estados Unidos e todos os países latino-americanos (Varas 1985). Com o tempo, eles dariam lugar a
doutrinas de segurança nacional intimamente ligadas às estratégias de desenvolvimento.” (Tradução
Livre).
159
regional entra em cena como política de segurança nacional, e o MINTER, criado com a
prerrogativa de coordenar os organismos regionais, passa a tratar da matéria da
segurança.
A prerrogativa da segurança nacional lança luzes e sombras sobre o campo do
desenvolvimento. Luzes porque os discursos e as práticas entre os dois polos do
binômio estavam afinadas. As mesmas instituições que se encarregavam de um também
respondiam pelo outro, um justificava o outro, se retroalimentavam. Por outro lado, o
discurso ortodoxo do crescimento econômico prevê a maximização dos rendimentos.
Grosso modo, a racionalidade dos investimentos deveria se orientar pelo maior retorno;
o problema é que, em geral, os retornos são maiores nos setores ou áreas consolidadas
da economia. Tem-se aí a tendência a acirrar as desigualdades e a concentração, o que
Myrdal (1965) chamou de “causação circular negativa”17
.
A perspectiva do desenvolvimento regional impunha-se como uma lógica
“distributivista” contrariando as expectativas ortodoxas que acreditavam na auto-
regulação do mercado (BIELSCHOWSKY, op.cit.). Já que a racionalidade econômica
stricto sensu nem sempre ajudaria a justificar a problemática regional, duas saídas eram
possíveis para defendê-la: i) humanitária, como o fazia Roberto Campos, antes de
tornar-se ministro da fazenda18
; ii) a segurança nacional, como se fez através da
geopolítica. O MINTER era a fundamentalmente justificativa da segurança nacional
para o desenvolvimento regional, sem renunciar a retoques de causa humanitária.
É importante estar claro que não se está querendo aqui dizer que o
desenvolvimento tomado por bases ortodoxas é contraditório ao regional; muito menos
que desenvolvimento e segurança foram princípios antagônicos. O desenvolvimento
regional foi uma expressão relevante e fundamental para a sustentação e defesa do
desenvolvimentismo, ao mesmo tempo em que este se valeu imensamente da segurança
nacional como alicerce. O fato é que circunstancialmente interesses pontuais de um de
outro colidiam. O MINTER é expressão desse movimento de convergência e
divergência do desenvolvimento e da segurança, e a manutenção deste ministério por
todo o tempo em que durou o regime militar demonstra que os altos e baixos foram
quase sempre passíveis de serem gerenciados.
17
“A principal ideia, que desejo veicular, é que o jôgo [sic] das forças do mercado tende, em geral, a
aumentar e não a diminuir as desigualdades regionais.” (Myrdal, op.cit. p.51) 18
“Já na questão das desigualdades regionais, Campos manifestou-se favoravelmente, por motivos de
cunho humanitário – e, portanto, alheios à racionalidade econômica –, a que se procurasse subsidiar o
desenvolvimento das regiões atrasadas, de modo a compensar a drenagem de recursos financeiros e
humanos que o desenvolvimento das outras regiões lhes impunha.” (BIELSCHOWSKY, op.cit. p. 126)
160
O caráter desenvolvimentista do MINTER é inequívoco19
, mas muitas vezes,
em nome da segurança nacional, os ministros do Interior tiverem que se indispor com a
política global de desenvolvimento levada a cabo pelos governos de que faziam parte. O
tema da segurança nacional era bastante caro a Cordeiro de Farias, não poderia ser
diferente em relação ao primeiro comandante da ESG. Foi justamente em
pronunciamento nesta escola que ele explicitou seu ponto de vista. O pronunciamento
“A Segurança Nacional no Panorama Mundial da Atualidade” (FARIAS, 1961) é
bastante sucinto e basicamente faz ressoar as formulações geopolíticas de seu amigo
pessoal Golbery do Couto e Silva. A filiação é nítida e transparente: guerra total;
“natural” alinhamento do Brasil com o Ocidente; o papel do Brasil na América e no
Atlântico Sul; a liderança inconteste dos EUA no bloco Ocidental/democrático; ameaças
soviéticas agravadas pelo descompromisso desta para com as liberdades e opiniões
individuais que respeitadas no bloco ocidental, tinham que se submeter ao crivo da
opinião pública; etc.
O ministro do MECOR também compartilha da divisão territorial em
penínsulas econômicas de Golbery. A nomenclatura é quase que totalmente idêntica,
com exceção da parte Norte-Nordeste (Golbery usa só o termo Nordeste). Cordeiro de
Farias faz ecoar também o princípio da pouca integração territorial nacional como um
aspecto de vulnerabilidade (logo, insegurança):
A expressão real de um Estado no campo internacional é uma
decorrência, em última análise, de sua potencialidade interna. Dentro
dêsse [sic] princípio é que devemos sempre procurar situar,
compreendendo-a, nossa projeção no mundo. Somos um país do tipo
dos considerados médios. Estamos em franca evolução, é verdade,
mas com questões muito delicadas a enfrentar, resultantes da falta de
unidade relativa no nosso desenvolvimento. (FARIAS, op.cit. p.11)
Por esta feita, em nome da segurança nacional, os ministros do
MINTER/MECOR combatiam a política econômica global do governo. Cordeiro de
Farias utilizou no mínimo seis E.M20
para reclamar junto ao presidente da República de
cortes de orçamento previstos pelo Ministério da Fazenda. O teor aludido era sempre da
defesa do desenvolvimento regional e da segurança nacional, como se pode ver no
excerto a seguir, quando ele reclama do corte de orçamento para os Territórios Federais:
19
Ver capítulo três desta tese. 20
No mínimo porque está se desconsiderando aí reclamações semelhantes feitas sutil ou indiretamente
através de E.M. que teriam outros propósitos.
161
Lembrando ainda a Vossa Excelência, que a criação dos Territórios
Federais decorre de imperativos de segurança nacional para colonizar,
povoar e sanear as regiões ao longo de nossas fronteiras, e que não se
deve paralisar ou mesmo retardar o seu desenvolvimento, é que
trazemos à alta consideração e decisão de Vossa Excelência o presente
assunto, sugerindo que os créditos orçamentários destinados aos
Territórios Federais, fiquem fora do Plano de Contenção de Despesas,
sendo suas verbas integralmente liberadas. (E.M. nº 77/1964)
Há que se fazer um desconto. No decorrer do período em que Cordeiro de
Farias encabeçava o ministério, apolítica econômica foi orientada fundamentalmente
pela estabilização macroeconômica através de um severo regime de austeridade fiscal.
Muito provavelmente estas reclamações eram compartilhadas por todos seus colegas
ministros.
Com o general Albuquerque Lima não é diferente a relevância dada à
segurança nacional e sua relação com o desenvolvimento. O ministro de Costa e Silva
também havia frequentado a ESG e a FEB, onde o contato com a DSN seria inevitável.
Em pronunciamento no II Fórum sobre a Amazônia em 1968, já enquanto ministro do
Interior, ele apresenta uma clareza maior que a de seu antecessor sobre o tema:
Por mais difusas ou sutis que sejam as aparências, não terá escapado à
inteligência e à aguda observação da maioria dos brasileiros a
existência de pressões em estado potencial – de origem externa e
interna. Esta, atuando sob motivação político-econômica, utilizando os
aspectos negativos resultantes do desequilíbrio estrutural e dos níveis
econômicos existentes entre a região Amazônica e o complexo
industrial no Centro-Sul, por exemplo. É necessário, pois, buscar-se a
superação dessas pressões, dessensibilizando-se as áreas-atrito,
eliminando-se as causas de desequilíbrio, atenuando-se os desníveis
existentes, transformando-se em causa comum o deslocamento, rumo
ao norte, das nossas fronteiras econômicas, realizando-se, em uma
palavra, a grande obra da integração nacional.
[…]
Portanto, o problema amazônico é, sem dúvida, para a consciência
nacional, uma questão de primordial importância para o
desenvolvimento e a segurança nacional, em face das afirmativas
anteriores e do nôvo [sic] conceito que, por outro lado, salienta não
admitir a vida sócio-econômica do presente ‘espaços vazios’, diante
da explosão demográfica existente no mundo atual, com profundo
agravamento no futuro. (ALBUQUERQUE LIMA, 1971. p. 23. grifos
no original)
Dentre os personagens aqui em foco, ele é o que se dedica de forma mais clara
e objetiva a meditar sobre a “existência de pressões internas em estado potencial” como
problema para a segurança nacional. Isto sete meses de véspera ao AI-5, ao qual ele foi
favorável sem ressalvas. Na E.M. nº 30/1968, ele sugere a criação de um novo órgão
162
intitulado “Serviços Relevantes para a Segurança e o Desenvolvimento” para direcionar
jovens a prestarem o serviço militar obrigatório em áreas relevantes para a segurança
nacional. Não está pormenorizado como funcionaria esse órgão, mas ele diz querer
agregar as instituições de desenvolvimento e de segurança:
A iniciativa tem em vista apoiar adequadamente as atividades
complementares das Fôrças [sic] Armadas a serem levadas a efeito em
cumprimento do Programa Estratégico de Desenvolvimento, através
de convênios próprios com o Ministério do Interior. Êste [sic], através
dos órgãos de desenvolvimento – ao mesmo jurisdicionados, e outras
entidades empenhadas no desenvolvimento de áreas ou setores
carentes de maior auxílio participarão da administração do serviço
Mas o que mais se destaca é a objetividade com que Albuquerque Lima fala
dos desequilíbrios regionais como um fator de pressão interna, situando este como
problema de desenvolvimento e segurança. Neste sentido, ele afronta categoricamente o
ortodoxismo econômico naquilo em que este se opõe à correção das desigualdades
regionais:
o problema amazônico precisaria ser encarado urgentemente, mesmo
dentro das limitações impostas pelo objetivos governamentais de deter
a inflação, sem prejudicar o desenvolvimento, não satisfazendo essa
determinação à corrente dos tecnocratas puros que, antes, preferem
incrementar o desenvolvimento do desenvolvido para que outras áreas
venham-se a desenvolver por via indireta. (Idem. p. 25)
O excerto expressa toda a sua divergência com o então ministro da Fazenda
Delfim Netto e a sua famigerada máxima, “fazer o bolo crescer para depois reparti-lo”.
A indisposição de Albuquerque Lima diante do ministro da Fazenda foi uma constante
em sua passagem pelo MINTER e a razão de sua saída do governo. Este fato foi
amplamente divulgado pela imprensa na época, e não passou desapercebido para os
analistas:
Em janeiro de 1969, o ministro do Interior Albuquerque Lima,
considerado como provável candidato presidencial em 1970,
renunciou ao seu posto em protesto contra as políticas de Delfim. Ele
representava uma ameaça ao ministro da Fazenda porque defendia
mais gastos federais para a correção das desigualdades sociais do
Brasil. Por outro lado, sustentava opiniões mais nacionalistas sobre o
capital estrangeiro. Ambas as posições contraditavam a estratégia de
Delfim de crescimento rápido, que maximizava os investimentos
(inclusive estrangeiros) independentemente de seus efeitos regionais.
(SKIDMORE, op.cit. p. 183)
163
O tenaz combate que o ministro do Interior abre contra a equipe econômica é
marcante. Nada menos do que dezessete E.M. são críticas explícitas e solicitações para
revogar decisões tomadas pela Fazenda. Estas críticas se acentuam, tornam-se ríspidas a
partir de janeiro de 1969, com a E.M. nº 08, da qual se extraiu o seguinte trecho:
Estamos convencidos de que, mantidos os dispositivos antes
mencionados, na sua forma atual, não haverá outro caminho que o de
proclamar inviável a própria atuação do Gôverno [sic] Federal, pelo
menos na sua parte mais importante, aquela relacionada com a
promoção do desenvolvimento econômico-social das áreas problemas
do Brasil. É indisfarçável tratar-se de uma reversão na política do
gôverno [sic] de apoio ao crescimento harmônico das diferentes
regiões brasileiras e da humanização do processo de desenvolvimento.
A retomada do desenvolvimento nacional à base das medidas citadas
será feita, dêsse [sic] modo , à custa da interrupção do processo de
desenvolvimento das regiões econômicas atrasadas, que tantos
esforços têm custado à nação, inclusive no Gôverno [sic] de Vossa
Excelência. (p.2)
Na E.M nº18/1969, quatro dias após a anterior, as críticas ficam ainda mais
ásperas:
Chega-se, enfim, à realística conclusão que o Gôverno [sic] Federal
parece demonstrar não dispor de condições mínimas para executar seu
próprio planejamento. A filosofia da Reforma Administrativa e os
Planos e Programas expostos perante a opinião pública perdem todo o
significado que poderiam ter nesse contexto se positivada a
incapacidade empresarial do Gôverno [sic].
[…]
Todos êsses [sic] fatos assumem maior gravidade por terem as
iniciativas a êles [sic] correspondentes , sido tomadas sem prévia
análise de suas repercussões. Comprovação cabal a respeito reside na
circunstância de não haver sido consultado o Ministério do Interior,
órgão que, por fôrça [sic] das suas atribuições, está naturalmente
capacitado a avaliar o grau e a forma das aludidas repercussões, assim
como está capacitado a demonstrar que tais medidas implicam em
tornar inviável a execução da política firmemente estabelecida pelo
próprio Gôverno [sic] Federal no âmbito deste Ministério. (pp. 4-5)
Albuquerque Lima reclama da flexibilização das políticas monetárias,
creditícias e fiscais operada pela equipe econômica de Delfim Netto que conduziu o
Brasil ao “milagre econômico” favorecendo os setores e as áreas já consolidadas
(LAGO, 1989). O ministro do Interior requeria uma política econômica que atraísse os
capitais para as regiões mais frágeis, o que exigiria investir em setores menos
dinâmicos. Grosso modo, sacrificar o crescimento (em curto prazo, segundo ele) em
prol da distribuição. Na prática, fortalecer as políticas encabeçadas pelo MINTER. Mas
o que se passa é o contrário, a pasta do interior, segundo o quadro comparativo anexado
164
na E.M 18/196921
, estaria prejudicada com 30% da contenção orçamentária, percentual
bem acima das outras comparadas.
As divergências não puderam mais ser contornadas. No dia 27 de janeiro de
1969 é apresentado para o presidente dez E.M. com pedido de exoneração do primeiro
escalão do seu ministério, a começar pelo general Euler Bentes Monteiro,
superintendente da Sudene e correligionário de Albuquerque Lima como “linha-dura” e
nacionalista. No mesmo dia o próprio ministro abandona o cargo22
.
A tensão que Albuquerque Lima cria com seus colegas da equipe econômica
revela na verdade a ambiguidade do desenvolvimentismo; um apresentado em estado
“puro” (os “tecnocratas puros”, como ele se referiu em 1968) em oposição a outra
proposta sensível à noção de segurança nacional. O desenvolvimento regional encontra
no mote da segurança nacional um de seus esteios. A argumentação do ministro dirigida
ao presidente evoca frequentemente este preceito, em passagens como essa, por
exemplo:
A constituição do Fundo, ora proposta, permitirá que os Territórios,
com o devido côntrole [sic]do Ministério do Interior e do Banco
Central do Brasil, ofereçam garantia efetiva, por meio de Obrigações
Reajustáveis do Tesouro, tornando possível, assim, a obtenção de
empréstimos que permitam acelerar o desenvolvimento e a ocupação
de áreas indispensáveis à Segurança Nacional. (E.M. nº 07/1959. p. 2)
O objetivo da E.M. é solicitar a criação de um Fundo financeiro para
salvaguardar investimentos realizados nos Territórios Federais por parte dos governos
ou de autarquias. Objetivamente falando, dar garantias a operações econômicas
arriscadas em nome da segurança nacional. O presidente parece não ter se convencido,
pois não há registro de decreto sobre algum fundo semelhante23
.
Centralismo e geopolítica no Ministério do Interior
A referência do pensamento autoritário brasileiro encontra eco nas formas que
se procurou empregar ao MINTER enquanto prática de governamentalização do
território em um aspecto decisivo, o centralismo político. Por mais contraditório que
possa parecer, a Reforma Administrativa de 1967, mesmo instituindo princípios de
flexibilização e descentralização administrativa, reforçou os traços de centralismo
político. Isto porque a capacidade decisória concentrou-se no poder executivo central,
21
Ver Anexo 2 desta tese. 22
Seu pedido de exoneração não está nas E.M. 23
Ver no Portal da legislação da Presidência da República.
165
subordinando a si os poderes locais. As superintendências de desenvolvimentos, os
bancos regionais e todo o rol de órgãos criados com semelhante natureza enquadravam
as lideranças regionais à função coordenadora do governo federal24
. Não por acaso que
a primeira Lei que criava o Ministério Extraordinário (Lei nº 4344 de 21 de junho de
1964), posteriormente MECOR, instituía que à pasta “caberá coordenar as atividades
dos seguintes órgãos e serviços, que lhe ficam subordinados” (grifo nosso)25
. Esta
função centralizadora do MINTER já foi notada pelos observadores (DREIFUSS, 1981.
p. 445; MORAES, 2005. p. 100). Pretendia-se uma centralização política que não é
incompatível à descentralização administrativa, muito pelo contrário26
. Para usar os
termos de Cordeiro de Farias, “centralização da decisão e descentralização da execução”
(CFa 64.05.11 tv IV-1, CPDOC-FGV)27
.
O MINTER atende a esta função. A justificativa principal que o consubstancia
é a função de descongestionar a presidência da República, liberando-a da incumbência
de uma parcela significativa de órgãos, sem que isso represente prejuízo ao poder
centralizado do Estado:
A criação do cargo de Ministro Extraordinário para a Coordenação
dos Organismos Regionais, com a esfera de competência específica
que lhe foi outorgada, responde, de modo claro e inequívoco, à
necessidade, de longa data reconhecida e proclamada, de promover-se
o descongestionamento da Presidência da República, até então
assoberbada pela subordinação direta, que lhe era imposta ao sabor de
conveniências e critérios desordenados, de inúmeras entidades de
natureza e finalidades as mais diversas, que melhor e mais
apropriadamente ficariam situadas no nível da jurisdição ministerial,
24
“A partir do golpe militar de 1964 acelera-se e se amplia a intervenção centralizadora do Estado.
Institucionalizam-se as superintendências regionais, ato político que visa neutralizar as oligarquias
regionais através de novos pactos e a organizar as bases para a nova apropriação do espaço” (BECKER,
1988. P. 118) 25
Ver a Introdução desta tese. 26
O caráter de centralização dos governos ditatoriais pós-1964 é reconhecido retrospectivamente po
Golbery em sua famosa apreciação das sístoles e diástoles do Estado brasileiro: “A Revolução de 31 de
março, sem quaisquer propósitos definidos de centralização ou autoritarismo – ela que, afinal, nem
pensava em durar mais que um simples instante de redenção –, seria gradativamente empurrada a esposá-
los, afirmar e reafirmá-los: a princípio, como simples expedientes temporariamente indispensáveis à
própria manutenção da ordem pública recém-instaurada, ao saneamento da economia altamente
inflacionada e combalida e, pouco depois, às investidas irracionais de um terrorismo urbano-rural sem
compromissos quaisquer com a realidade nacional; lentamente, reinterpretados esses meros expedientes
como elementos essenciais à reconstrução nacional e à criação, afinal, da grande potência emergente de
nossos sonhos.” (COUTO E SILVA, op.cit. p. 12) 27
A frase citada foi extraída da página 20 do referido documento encontrado nos Arquivos Pessoais de
Cordeiro de Farias depositados no CPDOC/FGV. Não há referência sobre o contexto em que ele foi
produzido. Em sua fala, ele menciona uma Escola, sem denominá-la, muito provavelmente se trata de
uma conferência sobre o MINTER na ESG, o que acontecia com frequência até a época em que Mario
Andrezza foi ministro (15/03/1979 a 15.03.1985).
166
bem como, à conveniência de se fazer a coordenação de sua ação.
(E.M. 24/1965. p. 3)
Os ministros do MINTER, no intervalo considerado, dedicaram-se
deliberadamente a montar um aparato institucional “coordenador”, capaz de orquestrar
os organismos regionais em um sentido único e coeso. O primeiro passo é o diagnóstico
de que os organismos regionais e as políticas adotadas nas áreas de jurisdição do
MINTER sofrem de uma ineficiente “pulverização” na alocação de recursos e esforços.
O exemplo mais cabal da ineficiência seria, para os ministros, a SPVEA. Já em 20 de
agosto de 1964, dois meses após a criação do ministério extraordinário, Cordeiro de
Farias relata ao presidente da República um plano de emergência para o exercício da
entidade no ano de 1965 em que ele relata:
Julgo, outrossim, oportuno demonstrar quanto é impressionante, na
formulação dos orçamentos anteriores, a dispersão de verbas […];
verba de 1.331.000.000, 00 distribuídas por cerca de 118 destinos
específicos, variando de 500.000,00 a 40.000.000,00, em uma
dispersão inoperante e quase incontrolável. (E.M nº 22/1964. pp. 2-3)
A formulação mais bem acabada dos princípios centralizadores regidos pelo
MINTER está expressa na E.M nº 44/1965, em que o Ministro Cordeiro de Farias dá
parecer contrário à reivindicação do governador do estado do Paraná que pede maior
autonomia do estado para elaborar o plano regional, em detrimento da Superintendência
do Plano de Valorização Econômica da Região Fronteira Sudoeste do País
(SPVERFSP) [licença para a extensa citação]:
2) A reivindicação do Gôverno [sic] do Paraná que diz respeito
particularmente à SPVERFSP […] diz respeito a ‘Elaboração de Plano
Regionais do Desenvolvimento a cargo da Superintendência e da
Comissão da Faixa de Fronteira’ e sugere ‘que se delegue aos Estados,
competência para elaborar os programas a serem executados nas
respectivas áreas de jurisdição dos órgãos mencionados, para um
melhor entrosamento com as programações próprias dêsses [sic]
Estados.’
3) A sugestão do Excelentíssimo Senhor Governador do Paraná não
nos parece acertada, pelas razões seguintes:
a) […] A delegação de atribuições solicitadas anularia a ação da
Superintendência
b) A própria Lei que criou a Superintendência previu a conjugação
dos planejamentos dos diversos níveis governamentais […].
c) A Superintendência já está empenhada em orientar suas atividades
principais pelo estudo integrado de bacias hidrográficas – que, em
diversos casos, abrangem mais de um Estado.
d) Se atendida a solicitação do Excelentíssimo Senhor Governador do
Paraná, cada Estado tenderia a elaborar planos estaduais, sem a
necessária conjugação do planejamento para toda a região da Fronteira
167
Sudoeste e sujeitariam a êsses [sic] planos estaduais, a ação dos
órgãos federais que atuam nos quatro Estados, – quando caberia à
Superintendência fazer a supervisão dos diferentes setores da
administração federal.
e) pelo caráter especial da fronteira que possui a região sob jurisdição
daquela Superintendência, só um órgão federal poderá alcançar a
plena capacidade de promover o desenvolvimento de tôda unidade
geográfica […].
f) Cabe lembrar a importância da missão de desenvolvimento da
região da Fronteira Sudoeste, para a política de segurança nacional,
que seria enfraquecida se a missão fôsse [sic] delegada
quadripartidamente aos Gôvernos [sic] dos Estados. (pp. 1-3)
O documento é bastante explícito. Somente o governo central – representado
pelo MINTER – teria a força necessária, a escala apropriada e a coerência adequada
para o desenvolvimento da região e a segurança nacional. Estes argumentos lançam os
ministros na proliferação de superintendências de desenvolvimento. Em geral, elas são
administradas e orientadas por um Conselho (Consultivo ou Deliberativo) composto por
Ministérios afins, governadores e representantes da sociedade civil, a variar conforme o
caso. As superintendências regionais se apontam como o marco institucional ideal entre
a descentralização administrativa e a centralização política na prática de
governamentalização do território Nacional. No período entre 1965 e 1968 o ministério
define sua face administrativa. Os incentivos administrativos são universalizados à
todas as agências do MINTER, se converte em uma fórmula política e econômica
universal. A administração da rodovia Belém-Brasília, uma função que destoa das
superintendências de desenvolvimento em finalidades e procedimentos, é transferida
para o ministério dos transportes, aumentando a homogeneidade das agências.
Internamente a elas, os Conselhos Deliberativos, fórmula administrativa da SUDENE,
também é estendida às congêneres, se tornando mais um mecanismo político
universalizado. Estes Conselhos Deliberativos reforçam o poder do governo central,
pois sua composição é majoritariamente formada por ministros. A Tabela 9, a seguir,
ajuda a visualizar este processo.
168
TABELA 9: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS – DOCUMENTOS DE
NATUREZA ADMINISTRATIVA
E.M NATUREZA DO DOCUMENTO
58/1965 Pede Incentivos Fiscais na área da SPVEA
112/1965 Reformula a Fundação Brasil Central
147/1965 Pede Incentivos Fiscais na área da SPVEFSP
156/1965 Cria a Comissão Mista Brasil- Uruguai
157/1965 Institucionaliza os Incentivos Fiscais para a Amazônia
169/1965 Institucionaliza os Incentivos Fiscais para CM Brasil-Uruguai
142/1966 Aponta para a reformulação da SPVEA
143/1966 Reformula a SUDENE
168/1966 Normatiza os Incentivos Fiscais para a SPVEA
187/1966 Anuncia a SUDAM e a ‘Operação Amazônia’
221/1966 Cria a SUDAM e nomeia o Superintendente
224/1966 Normatização da SUDAM
7/1967 Normatização do BASA
48/1967 Cria a SUVALE em substituição à Comissão do Vale do São Francisco
49/1967 Readequação da SUDENE
50/1967 Readequação da SUDENE 51/1967 Readequação da SUDENE 52/1967 Readequação da SUDENE 53/1967 Normatização da SUDAM
54/1967 Normatização da SUDAM
55/1967 Extingue a SPVEFSP e cria a SUDEFSO
56/1967 Regulamenta os Incentivos Fiscais para a Amazônia
69/1967 Readequação da SUDENE
96/1967 Transfere a rodovia Belém-Brasília para o Min. dos Transportes
140/1967 Solicita criação do Conselho Deliberativo para a SUDAM
218/1967 Sugere a criação da Super. de Des. do Vale do Paraíba
220/1967 Adequação da SUDAM ao modelo da SUDENE
241/1967 Cria o Grupo de Trabalho para Integração da Amazônia
258/1967 Rebate a recusa do Congresso em estender os benefícios fiscais para a Amazônia
261/1967 Cria a SUDECO
266/1967 Cria a FUNAI
276/1967 Exclui o Mato Grosso da SUDEFSO
279/1967 Normatiza a SUDECO
340/1967 Cria o Projeto Rondon
341/1967 Cria o Conselho Deliberativo da SUDAM
2/1968 Normatiza a FUNAI
30/1968 Sugere a Criação dos Serviços Relevantes para o Des. e a Segurança Nacional
61/1968 Normatiza a SUFRAMA
Fonte: Exposição de Motivos (ARQUIVO NACIONAL, 2000). Organização do Autor.
169
Estão dispostos os documentos relativos às transformações no arranjo
burocrático do MINTER. Em abril de 1965 o ministro Cordeiro de Farias se vale da
E.M nº 58 para solicitar a extensão da política de incentivo fiscal para a Amazônia.
Progressivamente o expediente de adequar a estrutura de organismos regionais herdada
pelo MINTER a um modelo – cuja expressão maior é a SUDENE – que atraia a
participação do capital privado vai se generalizando no ministério. As referências são
claras e diretas, podendo ser ilustradas, por exemplo, na E.M nº 55/1967, que pede a
criação da Superintendência do Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste28
:
A necessidade de tornar mais eficaz a ação da referida
Superintendência, com o objetivo de promover o desenvolvimento
integrado e harmônico da extensa região da fronteira sudoeste do país
[…], aconselha sua autarquização e reestruturação dos seus serviços, a
exemplo dos dispostos nos diplomas legislativos referentes à
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, e à
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM –
promulgadas por Vossa Excelência. (pp.1-2)
Este é uma constante em todo o intervalo aqui compreendido. Principia-se na
administração de Cordeiro de Farias, que avança em um esvaziamento de entidades
como a Fundação Brasil Central, a SPVEA, Comissão do Vale do São Francisco e
SPVERFSP. Todas elas serão ao longo dos anos substituídas por superintendências
regionais de desenvolvimento nas áreas correlatas, respectivamente: SUDECO,
SUDAM, SUDEVALE e SUDESUL.
É possível perceber que no ano de 1965 o MINTER se empenhou em ampliar a
política de incentivo fiscal para a Amazônia e fronteira sudoeste. Já em 1966, o que se
fez mais foi discutir e procurar encontrar a fórmula ideal de funcionamento das
autarquias regionais. Também se empenhou em dar autonomia de funcionamento para
cada entidade, regidas pelos seus respectivos Planos Diretores plurianuais e pelos
Conselhos Deliberativos. Esta autonomia contribuiu para reforçar a centralização do
governo central, já que estes conselhos eram predominantemente compostos pelos
representantes dos ministérios. Como haveria de se esperar, a SUDENE é a vanguarda,
quando em uma extensa E.M (143/1966) o ministro João Gonçalves de Souza
encaminha o diagnostico dos problemas feito pelo Conselho Deliberativo:
28
A Superintendência de Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste não chegou a ser regulamentada pois, a
princípio, ela abrangia também o estado do Mato Grosso, incorporado à congênere SUDECO. A partir de
então ela foi designada como Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul (SUDESUL).
170
3. Entre os pontos de maior relêvo [sic], identificamos como entraves
ao adequado funcionamento da entidade, podem ser citados:
a) insuficiência da autoridade e do aparelhamento das Unidades
Fundamentais […];
b) mecanismos impróprios e incompletos de atividades de
administração geral […];
c) institucionalização imperfeita da atividade de planejamento […];
d) inexistência de procedimentos adequados de coordenação […];
e) inconveniente subordinação direta à Superintendência de vários
órgãos de natureza executiva e empresas subsidiárias da SUDENE
[…];
f) ausência de definição de competência dos Departamentos setoriais
[…];
4. Diversas outras incorreções técnicas estruturais. (pp. 2-3)
Ao Diagnóstico encaminham-se as adequações propostas. Não caberia aqui
elenca-las, basta salientar que a linha geral de todas as medidas propostas é o de facilitar
as operações de investimentos, diminuir os requisitos e o controle sobre a aplicação dos
incentivos e blindar os Conselhos Deliberativos de qualquer vigilância externa.
Pensando que estes conselhos eram presididos pelo MINTER, compostos por
representantes de todos os ministérios civis, das Forças Armadas, e da chamada
“sociedade civil”; em gritante minoria os governadores dos estados envolvidos. A
centralidade do controle político fica ainda mais evidente quando se toma em conta que
vivia-se em uma ditadura, donde muitos governadores foram cassados, tantos outros
nomeados pelo governo e não pareceria conveniente a nenhum governador que zele pelo
seu cargo (algumas vezes pela sua vida) afrontar o governo central. Eis aí á fórmula:
descentralização administrativa, promovendo agilidade e facilidades para o movimento
do capital; acompanhada de centralização política.
O ano de 1967 é marcado pela consolidação do modelo. Todas as
superintendências regionais são definitivamente criadas e regulamentadas. A sequência
de E.M da 48 a 56/1967 são todas de 27 de fevereiro, dois dias depois da assinatura da
Reforma Administrativa nº 200, que cria definitivamente o MINTER. Agregam-se aí a
FUNAI – em substituição à SPI e com a incumbência de administração do Parque do
Xingú, até então atribuição direta do ministro – e o projeto RONDON que, ao que tudo
indica, é de inciativa pessoal do ministro Albuquerque Lima.
Enfim, o desenho institucional do MINTER dá razão aos seus ministros quando
reivindicavam que o lema do Desenvolvimento Regional fosse acoplado a seu nome; ele
revela um arranjo político todo voltado para este conceito, tido como o mais adequado
para os imperativos do desenvolvimento equacionado com a segurança nacional. É
possível visualizar no arranjo administrativo um viés geopolítico da segurança muito
171
claro. É possível, inclusive, fazer algumas conexões com as fórmulas geopolíticas de
Golbery.
Para Golbery (op.cit.), a estratégia geopolítica no campo interno nacional,
como já foi visto, se efetuaria em três etapas sucessivas: i) no primeiro momento,
deveria se proceder à articulação do núcleo central (São Paulo-Rio de Janeiro-Minas
Gerais) com o Nordeste e o Sul, simultaneamente enrijecer as fronteiras para proteger o
interior despovoado, o “tamponamento”29
; ii) em segundo lugar, avançar a colonização
e integrar a península centro-oeste; iii) por fim, “inundar de civilização a Hiléia
Amazônica” (p. 92), avançar a colonização a partir da península centro-oeste (que já
estaria ocupada) pelo eixo do rio Amazonas.
No plano externo, a primeira ameaça seria as subversões provocadas por agente
externo que poderiam vir a desestabilizar o Núcleo Central do país. Aí, portanto, a
segurança seria meditada pelos serviços de informação e contrainformação. Quanto ao
“status quo territorial da América do Sul”, a bem dizer, da fronteiras do Brasil com os
países limítrofes, Golbery atenta que a parcela coberta pelas divisas com a Colômbia e
Peru são pouco ameaçadoras pois, mesmo diante da ocupação erma na parcela
brasileira, os vizinhos também não disporiam de meios rápidos para uma afronta à
fronteira. A fronteira sudoeste, com Argentina, Bolívia e Paraguai, lhe parece mais
ameaçadora, mas a efetiva ocupação do Centro-Oeste estabilizaria a ameaça. O risco
maior ele identifica na fronteira sul, com Uruguai e Argentina30
.
Os organismos que compuseram o MINTER coincidem com a geopolítica de
Golbery, não necessariamente na ordem de prioridades por ele elencadas. Tem-se a
SUDENE (1959) como articuladora da península Nordeste ao Núcleo Central;
posteriormente a SUDESUL (1967) seria a incumbida de fazer o mesmo com a
península Sul; e a SUDECO (1967), em substituição à Fundação Brasil Central (1943)
como a península Centro Oeste. A SUDAM (1966), antes SPVEA (1953) cumpriria a
tarefa de integração da Ilha Amazônica. Quanto ao plano externo, a ameaça ao Núcleo
Central escaparia às atribuições diretas do MINTER. A fronteira “mais viva e perigosa”
teria sido atendida através da Comissão Mista Brasil-Uruguai (1963); a fronteira
Sudoeste já dispunha de da SPVEFSP (1956), depois convertida em SUDESUL (1967).
29
“garantir a inviolabilidade da vasta extensão despovoada do interior pelo tamponamento
eficaz das possíveis vias de penetração” (op.cit. p. 92). 30
“Aí, onde não há barreiras que valham, se encontra pois nossa verdadeira fronteira viva – a única
‘realmente sentida que serve de testemunho à enorme abstração da quase totalidade das linhas divisórias
do imenso Brasil’, como escreveu embaixador Macedo Soares.” (Idem. p .58)
172
A função de “tamponamento” da fronteira Norte não gozou de entidade específica, pelo
menos não no bojo do MINTER. No entanto, esta parcela fronteiriça e pauta de diversas
E.M, no mais das vezes abordada através da política de Territórios Federais.
Enfim, como se pode perceber, as coincidências com a análise de Golbery são
reais, mas seria precipitado atribuir este arranjo administrativo especialmente ao
pensamento geopolítico de Golbery, já que, a bem dizer, trata-se de problemas e
soluções previstas desde muito no pensamento político e geopolítico brasileiro. Seria
um exagero dizer que o MINTER foi a materialização da geopolítica de Golbery do
Couto e Silva, no entanto não parece um exagero afirmar que foi um ministério da
geopolítica, da segurança e do desenvolvimento.
173
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão da apropriação territorial e formação social no Brasil é o tema geral
desta tese. Esta temática é bastante ampla e tem sido enfrentada por muitos
pesquisadores, geógrafos e demais cientistas sociais. Este campo de investigações tem
refletido sobre questões pertinentes ao entendimento da formação social brasileira. Esta
tese pretende se inserir neste processo.
A tomada do MINTER como objeto de pesquisa remonta à minha trajetória de
pesquisa desde o trabalho de encerramento do curso de graduação (IORIO, 2007)
quando, por sugestão do professor Sérgio Nunes, investi aquela análise sobre a revista
INTERIOR, publicada pelo ministério a partir de 1974. Esta pesquisa foi continuada em
minha dissertação de mestrado (IORIO, 2010), desenvolvida no PPGG/UFRJ, sob
orientação da professora Ana Daou. Desde então, motivado pelas reflexões oriundas do
curso sobre “Antropologia do Estado”1 do professor Antônio Carlos de Souza Lima no
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ,
versei-me à reflexão sobre o MINTER enquanto um processo de estatização e
governamentalização do território. Foi essa abordagem que procurei imprimir nesta tese.
No decurso de realização desta tese, a maior dificuldade que tive que enfrentar
foi o trato com os arquivos, conforme já relatei na Introdução desta tese. O descompasso
entre aquilo que buscava e considerava como relevante e o que o arquivo me oferecia
era enorme. Foi este descompasso que fez me lançar sobre a reflexão metodológica da
pesquisa arquivística, da qual os trabalhos de Antônio de Souza Lima (1995) e Perla
Zusman (2000) foram fundamentais. Minha experiência com os arquivos me fez ter a
certeza de que se trata de uma tarefa que exige meticulosidade e pode ser muitas vezes
frustrante. Até o momento em que não sabia da existência da segunda base de dados, de
onde se extraiu a parte substancial dos documentos, não conseguia encontrar
documentos satisfatórios no arquivo do MINTER disponível no Arquivo Nacional de
Brasília. A maneira pela qual cheguei à base de dados mais substantiva para minha
pesquisa – através de conversas com as atendentes do Arquivo Nacional – também
revela toda a complexidade do arquivo. Quando enfim me deparei com as Exposições
de Motivos, já no último ano da tese, pude sacramentar a base de análise desejada.
Agora, uma vez analisado esse material, sinto que a documentação disponível é farta e
promissora. A segunda base, da qual extrai as E.M., ainda oferece uma enormidade de
1 Curso oferecido no IIº Semestre de 2008.
174
fontes que podem substanciar outras pesquisas. Até mesmo a primeira base, até então
pouco aproveitada, poderia ser hoje mais bem trabalhada e tornar-se elemento relevante
de investigações futuras. Isso porque, feita toda a análise que expus nesta tese, cheguei
ao enquadramento e a contextualização que faltavam para atribuir o nexo entre os
documentos anteriormente encontrados. Uma vez mais familiarizado com os planos de
ação de governamentalização do MINTER, com seu modus operandi, sua estrutura e
funcionamento, aqueles documentos antes enigmáticos, poderiam ser peças
esclarecedoras para aprofundar novas questões.
Nesta tese, procurei investigar o MINTER enquanto um plano de ação de
governamentalização do território e dispositivo de campos de poder. Nisto estão
envolvidos fatores de natureza e escalas diversas e interpenetráveis; desde a ordem mais
geral de estruturação de um poder global até a dimensão individual dos sujeitos
envolvidos diretamente na trama de relações que dão significado ao processo em
análise. Incluam-se ainda aspectos particulares da formação social brasileira; classes,
grupos, agremiações, e toda a sorte de segmentos políticos e sociais relevantes;
tradições do conhecimento, modalidades discursivas, representações e visões de mundo
que embasam as ações.
Em termos globais, o MINTER está inserido na conformação de uma ordem
internacional edificada em torno da afirmação dos EUA como expoente de um bloco (o
ocidental) em contraposição ao rival comunista. Este protagonismo se deu desde o
desfecho da Segunda Guerra Mundial, quando o país da América do Norte converteu-se
no centro financeiro, industrial, militar, comercial e – a partir de então – político do
capitalismo mundial. A centralidade exerceu-se através de mecanismos os mais
complexos que normatizavam a economia e a política internacionais. Dois destes
mecanismos foram o desenvolvimento e a segurança nacional. Mais do que simples
vocábulos, estas palavras exprimem campos de poder bem articulados.
Conforme se mostrou nos capítulos três e quatro, há um campo discursivo que
alimenta e sustenta esses campos de poder. Criam-se valores e metas, denota-se uma
racionalidade válida, prescrevem-se ações e comportamentos, distinguem-se aptos dos
inaptos. Surge em torno do desenvolvimento e da segurança nacional – e em seus nomes
– uma gama de instituições e ações que operaram de modo multiescalar;
complementam-se organizações internacionais, a diplomacia dos países, a política
interna e o papel dos agentes individuais. Empresários, investidores, técnicos,
intelectuais, policy makers, órgãos governamentais, embaixadores, organizações
175
internacionais, agências de assistência e apoio, etc.; todos esses sujeitos operam em
consonância com os princípios do desenvolvimento e da segurança nacional, mas cada
um ao seu alcance, de acordo com seu interesse próprio, suas intenções particulares.
Há uma “coerência” relativa que garante a unidade desta multiescalaridade,
isso se não se está a tomar coerência por homogeneidade. São agentes múltiplos,
situados, contextualizados, mas também articulados, como se revela no caso do
MINTER. Os vínculos acontecem por via de financiamentos, treinamentos
internacionais, assessorias técnicas, cooperação, assim como por afinidade ideológica,
princípios compartilhados, valores apreendidos e exemplos a serem seguidos.
Uma geografia do mundo se redesenhou após a Segunda Guerra Mundial. Um
léxico conceitual foi criado como parte dessa nova ordem geográfica: Desenvolvidos e
Subdesenvolvidos; Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos; Ocidente e Oriente;
Capitalistas e Comunistas, etc.; são classificações utilizadas tanto para diagnósticos
como prognósticos, de definição do lugar geopolítico de segmentos sociais diversos. Ao
Brasil, coube sua relevância nesse processo todo. Seu lugar na nova geopolítica que se
desenhava fez-se de maneira concomitante à profundas transformações internas no país,
incluindo uma auto-imagem.
O país é todo ressignificado entre 1950 e 1980. A infraestrutura econômica é
alterada com a instalação das indústrias de bens intermediários e bens de capital através
das multinacionais, agricultura tecnificada implantada, elevada produção de
commodities como os minérios e a soja para exportação, o setor de serviços fica mais
sofisticado, novas cadeias de comércio varejistas associadas a grandes marcas, estradas
de rodagem espalham-se pelo país e dão vazão aos automóveis produzidos internamente
(SANTOS; SILVEIRA, 2011). O Estado é transfigurado, o novo capitalismo
monopolista transforma o Tesouro Nacional em capital financeiro (OLIVEIRA, 1981).
Sua estrutura burocrática é ampliada, o planejamento ganha status de ordenação
racionalizada da vida social e produtiva. Conforme Berta Becker (1988):
Nesse contexto, o Estado assume um papel a cada vez mais
abrangente, pois que se entende que só ele poderá, através de um
planejamento racional, acelerar o ritmo de desenvolvimento,
permitindo ao país ingressar na nova era. E a partir de então a atuação
do Estado não se reduzirá à conquista e defesa do território, nem a
uma atuação setorial e pontual; ela passa à produção do seu espaço
político, sendo assim sistemática e com vistas a todos os setores de
atividade e a todo espaço nacional. (p. 111)
176
A apropriação e ordenação territorial que a tanto alimentou o imaginário social
brasileiro e a formação do Estado no Brasil sofre uma mutação qualitativa, ganha um
conteúdo intenso em ciência e técnica de equipamentos, da organização econômica e do
exercício governamental. A segurança nacional e o desenvolvimento, princípios
ordenadores do sistema mundial, se convertem em política interna, são apropriados
como meios de racionalidade do Estado, convertem-se em campos de poder.
O atraso e a incapacidade do interior, associado à crença na necessidade de
intervenção de um ente competente, convertem-se em bases sólidas para a ação e
investidas que propugnavam e se justificavam como promotoras do desenvolvimento. A
pobreza e a infantilização do pobre são o diagnóstico e a prova cabal de que cabe ao
Estado reverter aquela situação (ESCOBAR, op.cit.). O Estado transfigurado se lança
nessa empreitada, mas com um conteúdo mais complexo, como bem diz Berta Becker
(1988; 1981). Não se trata apenas de “ocupar espaços”, mas sim de integra-los em uma
lógica racionalizada, técnica e científica do mercado globalizado. Não se está falando de
um processo de integração, mas sim de uma colonização seletiva, que atribui um
conteúdo bem direcionado a cada lugar, em consonância com o mercado cada vez mais
mundializado.
A velha geografia política de Ratzel (1987) alimenta o imaginário colonizador,
que associa o vigor de um Estado e de uma nação à densidade técnica com que ela se
apropria de seu território. É através desta geografia política que mais um elemento é
agregado à equação território e desenvolvimento, a segurança nacional. Apropriação
territorial tenra é sintoma de fragilidade e vulnerabilidade. Some-se aí o contexto da
guerra total, quando um inimigo poderoso (a URSS e comunismo) ameaça o lugar
geopolítico do Brasil (o mundo ocidental) e exige um esforço total de defesa. O
território se converte definitivamente em prisma privilegiado de ação e reflexão do
ponto de vista da segurança e do desenvolvimento.
As fronteiras internas do Brasil convertem-se em fronteiras do capitalismo
mundial, sempre respeitando ao modus operandi do “Turner autoritário” (VELHO,
op.cit.) ou seja, a fronteira como processo de transformação sem mudança, expansão
sem diferenciação social, abortando o surgimento de novas classes sociais que
pudessem por em risco o poder político oligárquico. O MINTER é a expressão da
expansão da fronteira por via autoritária em confluência com a implantação da
segurança nacional e do desenvolvimento como parâmetros normatizadores de sua
governamentalização e mediação social. Um capítulo específico na genealogia da
177
formação territorial brasileira, com suas rupturas e continuidades. A velha “Marcha para
Oeste”, nome do programa formulado por Vargas, continua a prevalecer, agora mais
vigorosa, mais equipada.
Algumas observações merecem destaque nesta prática de governamentalização.
Cordeiro de Farias, o primeiro ministro do MECOR, associou sua tarefa àquela outra de
sua mocidade, quando percorreu o território nacional com a Coluna Miguel Costa-
Prestes. Nos idos da década de 1920, a coluna se apresentava revolucionária,
apresentava-se como força subversiva, insurgente contra o poder estabelecido.
Conforme já foi dito no capítulo dois desta tese, o marechal reconhecia e atribuia uma
ligação direta e coerente entre sua subversão tenentista e sua posição de poder como
general e ministro. O vínculo, para ele, é o enfrentamento com o “Brasil sofrido”, o
“interior atrasado”. Mesmo enquanto ministro, Cordeiro de Farias via a si mesmo como
“revolucionário”.
Ironicamente, o guerrilheiro da coluna revolucionária, que fazia o encontro
daqueles tenentes com o Brasil do interior, foi combatido em armas pelo marechal
Cândido Rondon, um mito do mesmo imaginário geográfico que o pioneiro do MECOR
punha-se a defender 2. Se a coluna era, em sua época, um meio de intervenção e
redenção do interior atrasado, da mesma forma que o MINTER, como quer Cordeiro de
Farias, isto passou despercebido por Rondon. Mas, ao contrário, se a coluna era um ato
revolucionário a desvirtuar o “Turner autoritário”, Rondon a combateu com razão
(considerando a razão do ponto de vista do status quo), e Cordeiro de Farias que teria se
enganado.
Mas é fato que os planos de ação e governamentalização do MECOR
reencarnaram os ideais de colonizador da tradição de Rondon. Albuquerque Lima, outro
“filho” do tenentismo e ministro do MINTER, materializou esta reencarnação ao criar o
Projeto Rondon, laureando o velho marechal. Sua inspiração e idolatria a Rondon é
expressa com forte tom nacionalista e de exaltação ao pedir pensão para um ex-partícipe
de uma de suas comissões telegráficas:
1. Na oportunidade em que a Nação brasileira se engaja para
comemorar o primeiro centenário de nascimento de um de seus mais
ilustres filhos – o insígne (sic) Marechal Cândido Mariano da Silva
Rondon, é mister lembrar, também, não somente os feitos dêsse (sic)
grande sertanista, como, ainda, a ação e o desprendimento daquele
pugilo de destemidos patrícios, que souberam, junto com o Marechal
2 Este confronto é relatado por Reis (2014).
178
Rondon, penetrar os nossos sertões e fundar nos confins da nossa
Pátria, os verdadeiros marcos da nossa civilização.
2. Plantando as Linhas Telegráficas Estratégicas e com elas
atravessando tôdas (sic) as barreiras agressivas e inóspitas das
florestas brasileiras, em condições muito precárias de apoio,
conseguiram, à força do civismo, levar a bom termo verdadeira obra
ciclópica.
3 A grandeza sem par dessa epopéia só se tornou possível graças
Às condições criadas sob a liderança dêsse (sic) chefe predestinado,
que foi o Marechal Cândido Rondon, como também de cooperação
desse grupo de homens que constituiram (sic) o instrumento mais
eficaz da obra dêsse (sic) lidador. (E.M. nº 200/1967)
A ode a Rondon é também a exaltação de si próprio, da tarefa do
MECOR/MINTER, continuador de sua obra de “conquista do oeste”. A expansão da
fronteira por via autoritária é um meio eficiente através do qual todo o território
nacional é subordinado ao controle vigilante das normas impostas pela segurança
nacional e o desenvolvimento não como meros princípios norteadores, ou base
doutrinária, mas sim como campos de poder. Cordeiro de Farias e Albuquerque Lima
foram pessoas importantes na tarefa de concretizar um dispositivo de produção do
território próprio aos anseios da segurança e desenvolvimento. Compartilhavam dos
preceitos prescritos por estes campos de poder, desfrutavam de posição privilegiada
neste campo, detinham grande carga de poder simbólico e capital que circulava no
campo. Tinham também a sensibilidade e a vivência prática com o “Brasil profundo”,
conheciam e difundiam este imaginário geográfico.
Um importante papel deve ser conferido à evolução institucional das Forças
Armadas na edificação do desenvolvimento e da segurança nacional como campos de
poder no Brasil e, por conseguinte, à governamentalização praticada pelo MINTER.
Desde os fins do século XIX esta instituição sofreu profundas transformações que a
alçaram ao patamar de protagonista no cenário político, econômico e social no país.
Nesta instituição foi criado um esprit de corps e uma disposição para a ação política que
os equipararam às elites nacionais na conformação da modernização do país.
A afinidade entre desenvolvimento e a segurança enquadrados pelo prisma do
território se fez sentir nos planos de ação de governamentalização estabilizados no
formato definido pelo MECOR/MINTER entre 1964 e 1969. Fundamentalmente, o
projeto de institucionalização do MINTER se orientou pela proliferação do formato
desenvolvimentista definido pela SUDENE. As superintendências desenvolveriam o
território, incorporariam ao espaço produtivo nacional os lugares afastados e
179
reforçariam as relações capitalistas, assegurando a segurança frente ao perigo
comunista. Segurança requer desenvolvimento, e este se reforça com aquela.
Mas, mesmo complementares, estes princípios poderiam – e de fato foram –
antagônicos. As divergências entre um e outro eram basicamente a contraposição da
ortodoxia econômica à uma concepção mais distributivista. Aqueles primavam pelo
crescimento bruto do produto, estes primavam pela equalização de sua distribuição. A
segunda posição foi mais fortemente defendida por Albuquerque Lima. Enquanto
ministro do MINTER ele assumiu uma posição diretamente frontal à política econômica
de “fazer o bolo crescer”. A contraposição ao Ministério da Fazenda o levou a renúncia
em nome do desenvolvimento regional.
O desenvolvimento regional foi a expressão mais bem definida deste
ministério. O interior atrasado ganhou contornos mais objetivos, desenhado e recortado
em regiões. Estas unidades geográficas assim delimitadas possibilitaram a identificação
do objeto de intervenção sem precisar as relações sociais a serem interpeladas. O
Nordeste, o Centro-Oeste, a Amazônia, etc. Consumou-se a “modernização pelo alto”,
transformações sem mudanças. O latifúndio foi preservado, as formas tradicionais de
viver e produzir foram vigorosamente combatidas. O território nacional foi
homogeneizado em formas de reprodução de capital, mesmo que mantidas algumas
relações não capitalistas de produção.
O MINTER foi a expressão do novo caráter do Estado brasileiro que assumiu a
expansão das fronteiras e a ressignificação de seu território como fatores de inserção do
país na ordem do capitalismo mundial. Os planos de ação e governamentalização do
território que puderam ser vistos através das E.M assinadas pelos ministros do Interior
contribuem para a delimitação de um objeto e uma prática de intervenção que
possibilitou aprofundamento da segurança nacional e do desenvolvimento como campos
de poder.
* * *
Em suma, e a título de conclusão, vale dizer que esta pesquisa sobre o
MINTER procurou ser um entre tantos esforços no sentido de se interpretar o papel da
formação territorial na conformação da sociedade brasileira. A apropriação e
valorização do território exerce forte papel na constituição social do país, este fato já
está evidente na vasta bibliografia disponível, feita por geógrafo e não geógrafos. A
tarefa que vem sendo cumprida mais recentemente pela historiografia da geografia no
180
Brasil é a de interpretar esta relação em seus casos concretos, quer dizer, nas situações
objetivas que envolvem sujeitos e interesses materiais. Em outros termos, cumpre dizer
que as investigações sobre a formação territorial brasileira podem ser enriquecidas com
uma análise multiescalar, que compreendam a ação e o significado das ações em esferas
distintas, tanto em seus aspectos mais gerais como aqueles mais específicos. Esta
pesquisa pretende seguir esta linhagem, mesmo ciente de suas limitações consideráveis.
181
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194
APÊNDICE
Apêndice 1.
MINISTROS MECOR/MINTER1
Nome Formação Profissional Exercício
Oswaldo Cordeiro de
Farias (16/08/1901) Militar 25/06/1964 a 16/06/1966
João Gonçalves de Souza Agrônomo2 16/06/1966 a 16/02/1967
Afonso Augusto de
Albuquerque Lima (1909-
1981)
Militar 15/03/1967 a 27/01/1969
José Costa Cavalcanti
(1922-1991) Militar 28/01/1969 a 15/03/1974
Maurício Rangel Reis
(1922-1986) Engenheiro Agrônomo 15/03/1974 a 15/03/1979
Mário David Andreazza Militar 15/03/1979 a 15.03.1985
Ronaldo Costa Couto Economista 15/03/1985 a 30/04/1987
Joaquim Francisco de
Freitas Cavalcanti Advogado
3 30/04/1987 a 07/08/1987
João Alves Filho Engenheiro Civil 07/08/1987 a 15/03/1990
Fonte: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (CPDOC/FGV).
1 Com exceção de provisórios e interinos.
2 Informação extraída de René Dreifuss (1981).
3 Informação extraída do site Wikipédia, por falta de fonte mais segura.
195
Apêndice 2.
Marechal
General de Exército
General de Divisão
General de Brigada
Coronel
Tenente-coronel
Major
Capitão
1ºTenente
2º Tenente
Aspirante a oficial
Oficias superiores
Oficiais intermediários
Oficias generais
Oficiais subalternos
HIERARQUIA DOS OFICIAIS DO
EXÉRCITO
Fonte: http://www.eb.mil.br.
Organização do autor.
196
ANEXOS
Anexo 1: Exposição de Motivos nº001/1964.
Fonte: Arquivo Nacional (2000)
197
Anexo 2: Mapa “O território e a circulação” de Golbery do Couto e Silva
Fonte: Couto e Silva (1981. p. 41).
198
Anexo 3: Quadro comparativo dos cortes de gastos segundo Albuquerque e Lima (E.M 18/1969).
Fonte: Arquivo Nacional (2000)
199