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104 ENGENHARIA/2006 578 e n g e n h a r i a HIDROVIAS WWW.BRASILENGENHARIA.COM.BR Adriano Murgel Branco* e Márcio Henrique Bernardes Martins** Navegação fluvial no Estado de São Paulo vasta rede hidrográfica brasi- leira é constituída por uma grande maioria de rios natu- ralmente navegáveis. Esses rios serviram, no início da co- lonização do país, como vias de transpor- te, de penetração e elo de integração dos diversos núcleos populacionais, dissemi- nados nas mais distantes regiões. Foi por eles que os bandeirantes enveredaram, desbravando as regiões Centro-Oeste e Norte e promovendo a expansão das fronteiras para além do meridiano de Tordesilhas. Dada a sua localização e característi- ca, o Rio Tietê, desde o século 16, vem sendo utilizado como via de transporte. De início, serviu de via de penetração, A durante o ciclo das Entradas e Bandeiras; num segundo momento, como via de li- gação para o abastecimento e deslocamen- to das comunidades que se instalaram ao longo de suas margens. O Tietê deixou de ser um simples curso d’água para tornar-se um verdadeiro mar dentro do Estado de São Paulo, com suas várias represas construídas para gerar ele- tricidade, incentivar a navegação, propor- cionar lazer e restabelecer os ciclos bioló- gicos da flora e da fauna. O rio nasce em Salesópolis, na Serra do Mar, a 1 027 me- tros de altitude. Apesar de estar a apenas 22 quilômetros do litoral, as escarpas da Serra do Mar o obrigam a caminhar no sentido inverso, rumo ao interior, atraves- sando o Estado de São Paulo de sudeste a noroeste até desaguar no lago formado pela Barragem de Jupiá no Rio Paraná, cerca de 50 quilômetros a jusante da ci- dade de Pereira Barreto. Em seus quase 1 100 quilômetros que se iniciam na Ser- ra do Mar e terminam no Rio Paraná, na divisa com o Estado do Mato Grosso do Sul, cruza uma das regiões mais ricas do hemisfério sul e uma das maiores me- trópoles do mundo atual. HISTÓRICO Embora utilizado desde os séculos 16 e 17 como meio de deslocamento para o centro do país, principalmente com as Bandeiras, a navegação do Tie- tê só se aperfeiçoou quando se tornou necessário estabelecer um sistema re- Eclusa de Barra Bonita (SP) Eclusa de Porto Primavera (SP) Comboio de 6000 toneladas Estaleiro Torque, em Pederneiras (SP)

HIDROVIAS Navegação fluvial no Estado de São Paulo 578 e n g e n h a r i a HIDROVIAS 4

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Adriano Murgel Branco* e Márcio Henrique Bernardes Martins**

Navegação fluvial noEstado de São Paulo

vasta rede hidrográfica brasi-leira é constituída por umagrande maioria de rios natu-ralmente navegáveis. Essesrios serviram, no início da co-

lonização do país, como vias de transpor-te, de penetração e elo de integração dosdiversos núcleos populacionais, dissemi-nados nas mais distantes regiões. Foi poreles que os bandeirantes enveredaram,desbravando as regiões Centro-Oeste eNorte e promovendo a expansão dasfronteiras para além do meridiano deTordesilhas.

Dada a sua localização e característi-ca, o Rio Tietê, desde o século 16, vemsendo utilizado como via de transporte.De início, serviu de via de penetração,

Adurante o ciclo das Entradas e Bandeiras;num segundo momento, como via de li-gação para o abastecimento e deslocamen-to das comunidades que se instalaram aolongo de suas margens.

O Tietê deixou de ser um simples cursod’água para tornar-se um verdadeiro mardentro do Estado de São Paulo, com suasvárias represas construídas para gerar ele-tricidade, incentivar a navegação, propor-cionar lazer e restabelecer os ciclos bioló-gicos da flora e da fauna. O rio nasce emSalesópolis, na Serra do Mar, a 1 027 me-tros de altitude. Apesar de estar a apenas22 quilômetros do litoral, as escarpas daSerra do Mar o obrigam a caminhar nosentido inverso, rumo ao interior, atraves-sando o Estado de São Paulo de sudeste a

noroeste até desaguar no lago formadopela Barragem de Jupiá no Rio Paraná,cerca de 50 quilômetros a jusante da ci-dade de Pereira Barreto. Em seus quase1 100 quilômetros que se iniciam na Ser-ra do Mar e terminam no Rio Paraná, nadivisa com o Estado do Mato Grosso doSul, cruza uma das regiões mais ricas dohemisfério sul e uma das maiores me-trópoles do mundo atual.

HISTÓRICOEmbora utilizado desde os séculos

16 e 17 como meio de deslocamentopara o centro do país, principalmentecom as Bandeiras, a navegação do Tie-tê só se aperfeiçoou quando se tornounecessário estabelecer um sistema re-

Eclusa de Barra Bonita (SP) Eclusa de Porto Primavera (SP)

Comboio de 6000 toneladasEstaleiro Torque, em Pederneiras (SP)

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gular de comunicações com o interior.Navegar por ele era tarefa ingrata. Pri-meiro os bandeirantes, quando busca-vam índios, ouro ou pedras preciosas;depois, os integrantes das monções¹,que se dirigiam principalmente paraCuiabá; e, finalmente, os tropeiros, mis-sionários, mascates, comerciantes e,eventualmente, soldados, que se utili-zam do curso de suas águas, todos, semexceção, enfrentavam focos de doençase uma vegetação densa nas margens,que os fez muitas vezes preterir o riopor trilhas de terra.

A descoberta das minas de ouro nascercanias de Cuiabá iniciou o período degrande euforia das monções. Nessa épo-ca, o Tietê foi o caminho inicial dos aven-tureiros que, em busca do sonho doura-do, desprezavam os perigos e sofrimen-tos da viagem sertão adentro.

Nessa marcha ao interior, antes daabertura de estradas e da construção debarragens, o Tietê, principalmente a par-tir de Itu, era o acesso obrigatório ao RioParaná, por onde se atingia as terrasparaguaias. Bandeirantes, como RaposoTavares, a ele se lançaram e a busca doouro do Mato Grosso acelerou, com asmonções, o tráfego em seu leito.

Além de buscar pedras preciosas ede prear os índios, ao lado da agricultu-ra de subsistência dos povoados quecresciam às margens do Tietê, desenvol-veu-se uma das lavouras mais antigasde São Paulo, responsável pelos princi-pais passos que viriam a transformar oEstado de São Paulo num dos locais maisprósperos do país. Coincidindo com odeclínio do ouro, a cana-de-açúcar en-controu no vale do Médio Tietê, uma dasregiões ideais para sua expansão, pas-sando, em pouco tempo, a dominar aeconomia paulista.

As terras férteis, os trechos navegá-veis do rio atuando como via e escoa-mento da produção, o comércio que asmonções haviam propiciado com os nú-cleos de mineração, as condições econô-micas e sociais e, ainda, as medidas go-

vernamentais favoráveis ao comércioexterior e à valorização do Porto de San-tos, fizeram com que os engenhos doMédio Tietê se expandissem continua-mente, por toda a região, a partir de me-ados do século 18. Em pouco tempo a la-voura açucareira tornou-se o motor daeconomia paulista e, com ela, floresceramas cidades da região.

Ao escolher um longo caminho parachegar ao mar, o Tietê cruza o Estado deSão Paulo de sudeste a noroeste,ensejando a formação de vilarejos e pe-quenas cidades em todo seu trajeto. Nocomeço da colonização, as primeiras vilassurgiram em torno da pequena São Pau-lo: Mogi das Cruzes, Santana do Parnaí-ba, Pirapora do Bom Jesus, Itu, Tietê, Por-to Feliz. Mais tarde, com a expansão daagricultura, o Tietê influenciou diretamen-te a instalação de dezenas de outras cida-des e vilas, todas com importância mar-cante no povoamento e na economia pau-lista.

A NAVEGAÇÃO COMERCIALNO RIO TIETÊ

Seguramente, a primeira notícia quese tem sobre a navegação comercial noTietê data de mais de 100 anos quando,através dos decretos n.os 5290, de 4 de maiode 1873 e 5405, de 17 de setembro de 1873,foi outorgado, pelo governo imperial, oprivilégio (concessão) para que a Compa-nhia Fluvial Paulista, organizada naquelemesmo ano pelo senador Francisco Anto-nio de Souza Queiroz e por João LuizGermano Bruhns, explorasse a navegaçãoa vapor no trecho do Rio Tietê, entre Tietêe Salto de Avanhandava, e no Rio Piraci-caba, entre sua foz no Tietê e a cidade dePiracicaba.

Posteriormente, em 1882, a Estradade Ferro Sorocabana absorveu a Com-panhia Ituana, sucessora da CompanhiaFluvial Paulista e, assim, deu prossegui-mento à operação da navegação fluvialnos trechos citados dos rios Tietê e Piraci-caba. Nesse período, que se estendeu atéa década de 1940, quando a navegação

foi extinta, a Sorocabana construiu vári-os portos e armazéns. A mercadoria bá-sica era o café, principal produto da re-gião, que era descarregado no terminalde Porto Martins, onde existia um esta-leiro equipado para reparação das em-barcações como também para a constru-ção de barcos e chatas.

Dado o caráter intermitente da nave-gação, que praticamente deixava de ope-rar nos períodos de estiagem, a Soroca-bana implantou o sistema rodoferroviá-rio, convergindo para a Estação de Rodri-gues Alves as safras de café da região. Deoutro lado, a Companhia Paulista de Es-tradas de Ferro construía, em 1925, o ra-mal de Dois Córregos até Barreirinho,passando por Barra Bonita, fato este que,aliado à crise econômica de 1929, contri-bui decisivamente para o desuso da nave-gação fluvial no trecho.

Na década de 1940, entretanto, no-vos rumos foram dados à utilização dosrios paulistas. Catullo Branco, eminenteengenheiro da Secretaria de Serviços Pú-blicos, dotado de uma visão que trans-cendia à simples utilização das águascomo fonte de energia, propôs-se ao de-senvolvimento de um programa maior,de “uso múltiplo das águas”. Com baseno grande empreendimento realizadopelo presidente norte-americano FranklinDelano Roosevelt, no vale do RioTennessee, sob a condução da TVA,Tennessee Valley Authority, Catullo pro-pôs que o suprimento de eletricidade àregião central do Estado fosse feito atra-vés da construção de uma usina hidrelé-trica em Barra Bonita, no Médio Tietê,como parte de um conjunto de obras se-melhantes, cujas finalidades seriam: a ge-ração de energia elétrica, o controle deenchentes, a irrigação, a piscicultura, osaneamento e o restabelecimento da na-vegação fluvial.

A partir daí, uma série de obras foi re-alizada com o objetivo de proporcionar oaproveitamento da energia hidráulica con-comitantemente com a navegação, nocaso da construção de eclusas. No entan-

Canal Pereira Barreto Terminal em São Simão (SP) Terminal em Anhembi (SP) Terminal em Pederneiras (SP)

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to, embora as obras tenham sido planeja-das e executadas dentro da filosofia doaproveitamento múltiplo dos recursoshídricos, o fato é que a exploração dessesempreendimentos acabou sendo voltadaessencialmente para a produção de ener-gia elétrica. Não se instituiu nenhuma en-tidade para atuar nos moldes da TVA e,assim, a implantação das obras correlatasde navegação fluvial desenvolveu-se sem-pre a reboque do setor elétrico que, justi-ça se lhe faça, procurou sempre assegurara navegabilidade do Rio Tietê.

Com a construção das barragens nochamado Sistema Tietê-Paraná forma-

ram-se imensos lagos, oferecendo cala-do a barcos de porte, e começaram a to-mar forma as obras realizadas para esta-belecer a comunicação entre os váriosrios da região. Visava-se, com isso, esta-belecer um fluxo de transportes maisbaratos do que o rodoviário e o ferrovi-ário, economizar os combustíveis deri-vados do petróleo, interligar as regiõesgeoeconômicas do Estado de São Paulo,reativando os centros produtores distan-tes das áreas consumidoras e, ainda, atin-gir diversos municípios do Paraná, sulde Goiás, Mato Grosso do Sul, parte doTriângulo Mineiro e, finalmente, os paí-

ses vizinhos do chamado Cone Sul docontinente.

O governador de São Paulo, FrancoMontoro, em 1983, conhecedor destas re-percussões socioeconômicas que o Siste-ma de Navegação Tietê-Paraná acarreta-ria para a vasta região abrangida, deter-minou que o mesmo fosse tratado comprioridade e, desta forma, pela primeiravez, num lance que o projetou como ver-dadeiro estadista, traçou o plano globalde implementação e conclusão da gran-de hidrovia em termos de metas a seremalcançadas, cujo êxito ocorreu no gover-no Covas. A partir daí, a Secretaria dos

Transportes vem promovendoa organização do Sistema deNavegação, com o concurso dainiciativa privada.

Assim, a particularidade doTietê, de cortar o Estado de SãoPaulo na direção Leste-Oeste,passando por regiões produto-ras de calcário, de materialcerâmico, produtos agrícolas,cana, álcool, material de cons-trução etc., associada ao poten-cial de transformação e de con-sumo da região, confere à hi-drovia um papel fundamentalpara o desenvolvimento des-centralizado da economia regi-onal, mediante a criação de pó-los agroindustriais às suas mar-gens, usufruindo de água abun-dante, energia elétrica farta etransporte barato, integradonuma malha rodo-ferro-hidro-viária eficiente, dentro de umadistribuição modal eqüitativa eracional, hoje objeto de estudosaprofundados pela Secretariados Transportes.

TRANSPORTEHIDROVIÁRIO: NOÇÕESFUNDAMENTAIS

Há uma idéia ainda preva-lecente de que o transporte hi-droviário só é econômico para

Tabela 1 - Evolução do transporte interior de cargas na Alemanha por grupos de produtos

1950 1960 1970 1980 1990 1993

Agricultura e Silvicultura 27.1 41.2 46.2 46.6 52.2 56.6

Gêneros Alimentícios e Forragens 12.6 26.6 44.7 76.8 98.5 106.5

Carvão 110.5 147.2 120.6 115.9 101.7 113.5

Petróleo Bruto 3.0 20.9 84.0 77.9 65.9 84.7

Derivados de Petróleo 7.4 33.0 86.5 95.5 93.1 103.5

Minerais e Resíduos Metálicos 28.8 78.5 92.7 91.8 82.1 77.0

Ferro, Aço e Metais não Ferrosos 20.0 52.7 86.1 94.6 97.7 91.9

Areias e Brita 60.3 110.7 151.7 154.8 156.8 171.3

Adubos 9.8 19.7 23.3 22.9 17.1 17.1

Produtos Químicos 8.8 21.0 42.7 60.4 80.0 76.4

Veículos, Máquinas, Produtos

Acabados e Semi-acabados 25.3 50.1 93.6 136.1 202.4 225.4

Total 313.6 601.6 872.1 973.3 1047.5 1123.9

Repartição por grupos de produtos em %

Agricultura e Silvicultura 8.6 6.8 5.3 4.8 5.0 5.0

Gêneros Alimentícios e Forragens 4.0 4.4 5.1 7.9 9.4 9.5

Carvão 35.2 24.5 13.8 11.9 9.7 10.1

Petróleo Bruto 1.0 3.5 9.6 8.0 6.3 7.5

Derivados de Petróleo 2.4 5.5 9.9 9.8 8.9 9.2

Minerais e Resíduos Metálicos 9.2 13.0 10.6 9.4 7.8 6.9

Ferro, Aço e Metais não Ferrosos 6.4 8.8 9.9 9.7 9.3 8.2

Areias e Brita 19.2 18.4 17.4 15.9 15.0 15.2

Adubos 3.1 3.3 2.7 2.4 1.6 1.5

Produtos Químicos 2.8 3.5 4.9 6.2 7.6 6.8

Veículos, Máquinas, Produtos

Acabados e Semi-acabados 8.1 8.3 10.7 14.0 19.3 20.1

Total 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0

MILHÕES DE TONELADAS

Fonte: Table Ronde 18 - Conferência Européia dos Ministros de Transportes - 1997

Na Europa muitos produtos são transportados por hidrovias

GRUPOS DE PRODUTOS

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cargas de baixo valor agregado, movi-mentadas a grandes distâncias.

Essa noção tem raízes históricas por-quanto o transporte feito em cidades ri-beirinhas muito antigas se voltava, efeti-vamente, para o carvão, a areia, os miné-rios. Quando mais tarde a industrializa-ção produziu bens de maior valor agre-gado, também produziu trens e, logo após,os caminhões.

Hoje, esta noção está ultrapassada.Cada vez mais, uma diversidade maior deprodutos é transportada pela água. Um ar-tigo europeu² cita alguns exemplos de bensde alto valor agregado, que são transpor-tados por hidrovias, tais como: combustí-veis líquidos e sólidos; minerais ferrosos enão-ferrosos; aço e ferro; materiais de cons-trução; produtos alimentícios; produtos de-rivados da indústria siderúrgica; fosfatos efertilizantes; líquidos químicos e materiaisperigosos; equipamentos industriais, veí-culos etc. A tabela 1, contida em outro do-cumento³, confirma a diversificação de pro-dutos ora citada.

Também não é mais verdade que so-mente a longas distâncias compensa trans-portar em hidrovias. A intermodalidadecrescente do transporte e a unitização dascargas, principalmente através de contêi-neres, tem possibilitado seu deslocamen-to em distâncias menores, sem inconveni-

entes, como vemocorrendo na Eu-ropa e nos Esta-dos Unidos.

Resta, nacomparação en-tre modos, a idé-ia de que a cargahidroviária é“sem pressa”.Ao tempo emque a inflaçãoera muito gran-de, o fator velo-cidade tinha im-portância capi-tal; mas hojenão. Não há dú-

vida, porém, de que, ao longo de toda acadeia produtiva, se as velocidades deabastecimento são baixas, os volumesem processo aumentam.

Tais fatores, no entanto, devem sercotejados com outros, como os custos dotransporte, os custos indiretos suporta-dos pela sociedade (acidentes, poluiçãoetc.), o uso de infra-estrutura etc. Mas aspróprias “velocidades” precisam de aná-lise mais acurada. O transporte rodoviá-rio é o mais rápido, especialmente por-que os motoristas dirigem por horas afio, muitas vezes consumindo drogas paranão dormir, sem os descansos obrigadospor lei.

Em contrapartida, os custos diretoscomparados seguem a escala: hidrovia, 1;ferrovia, 2; rodovia, 3.

Mas, levando em conta os custos indi-retos, a escala é: hidrovia, 1; ferrovia, 2;rodovia, 5.

É sabido que os transportes fluviaissão mais econômicos que os ferroviáriose estes, de menor custo que os rodoviá-rios. As relações entre estes custos, natu-ralmente, variam de país para país e se-gundo algumas especificidades do trans-porte requerido. Mas é possível, pelo me-nos, estabelecer ordem de grandeza en-tre os valores modais, como as informa-ções obtidas junto ao Sistema de Infor-

mações de Fretes (Sifreca), da Escola Su-perior de Agronomia Luiz de Queiroz(Esalq/USP), com base em maio de 2004,que permitiu a seguinte comparação comos modos rodoviário e ferroviário: ro-doviário, 0,1131 reais/TKU; ferroviário,0,0590 reais/TKU; hidroviário, 0,0388 re-ais/TKU.

Uma outra base de informações é aapresentada no documento Hidrovia Tie-tê-Paraná, de setembro de 2003, do De-partamento Hidroviário da Secretaria deTransportes, que indica uma relação de,aproximadamente, 1: 2: 3 – modo rodovi-ário, custo operacional de 34 dólares/milton-km; modo ferroviário, custo operaci-onal de 21 dólares/mil ton-km; hidroviá-rio, custo operacional de 12 dólares/milton-km.

Entretanto, os custos para a socieda-de não são exatamente esses, porquantocada um dos modos de transporte geracustos indiretos que não recaem sobre astarifas, mas sobre a comunidade local emesmo mundial, como é o caso do efeitoestufa.

Assim, segundo dados do Porto Au-tônomo de Paris, citado no mesmo docu-mento do Departamento Hidroviário,pode-se acrescentar à diversidade dos cus-tos operacionais a seguinte escala de cus-tos indiretos: modo rodoviário, custos in-diretos de 32 dólares/mil ton-km; modoferroviário, custos indiretos de 7,4 dóla-res/mil ton-km; hidroviário, custos indi-retos de 2,3 dólares/mil ton-km.

Tais custos se devem aos acidentes,ruídos, poluição do ar, poluição do solo,efeitos de segregação e ocupação dosolo.

Somando-se os dois custos chegamosaos seguintes custos finais (incluindoaqueles de natureza socioambiental):modo rodoviário, custos finais de 66 dó-lares/mil ton-km; modo ferroviário, cus-tos finais de 28,4 dólares/mil ton-km; hi-droviário, custos finais de 14,3 dólares/mil ton-km.

Não há que duvidar dessa escala devalores (praticamente 1: 2: 5), quando se

Figura 1 - Frota necessária para

substituir barco de 4 400t

As hidrovias em vários países são muito utilizadas

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pode verificar a equivalência de volumestransportados apresentada na figura 1.

A visualização antes oferecida secompleta com a comparação das parce-las de solo e dos espaços de infra-estru-turas utilizados, conforme avaliação daConferência Européia de Ministros deTransportes (Table Ronde 108). A via flu-vial é o modo de transporte que fazmenor uso de espaço: para acomodarum mesmo tráfego, a rodovia utiliza290 000 hectares, a ferrovia, 84 000, e ahidrovia, apenas 30 000.

Um comboio hidroviário, como o dafigura 1, transportando 4 400 toneladas,substitui 220 caminhões que, dispostosnuma rodovia com as devidas distânciasde segurança entre eles, formariam umafila de cerca de 40 quilômetros.

É conseqüência dessa comparação decapacidades de transporte o confronto doscombustíveis consumidos, que importamtanto para a composição dos custos ope-racionais quanto para as emissões de po-luentes e para a conservação de energia,com vistas à escassez e ao encarecimentodos combustíveis. Segundo a publicaçãobelga, Dez Boas Razões para Preferir a Nave-gação Fluvial, a relação de consumos (emgrandes números, 1: 3: 5) é a apresentadana figura 2.

Na avaliação desses consumos é mui-to importante destacar o queocorre em relação ao efeitoestufa causado pelos váriosmodos de transporte, que édiretamente proporcional aoconsumo de combustíveis. OPlano Diretor de Desenvolvi-mento dos Transportes do Es-tado de São Paulo, por exem-plo, atribuiu ao transporte hi-droviário 0,2% das TKUs re-

lativas ao ano 2020. Se esse núme-ro vier a ser, por exemplo, da or-dem de 6%, como parece possível,a economia de combustível, no ho-rizonte do ano 2020, seria de 600milhões de litros anuais, com im-portante reflexo na emissão de ca-lor.

Estas comparações importamnão só sob o ponto de vista do efei-to estufa, mas também sob o ân-gulo dos créditos de carbono de-correntes da queima maior ou me-nor de combustíveis. Por exemplo,a economia de combustíveis pro-veniente do aumento de participa-ção do transporte hidroviário nadistribuição modal de 2020 para 6%poderia corresponder a créditos decarbono da ordem de 60 milhões

de dólares anuais, segundo os valoresunitários atribuídos pela Price Water-house.

Os parâmetros ambientais, dentreeles os créditos de carbono, constituemum indicador econômico que em breveestará sendo incorporado aos custosoperacionais. Assim, os operadores dotransporte não só estarão buscando so-luções mais econômicas através da ade-quada distribuição modal, mas tambématravés de alterações tecnológicas, comoo uso do álcool nos motores de tração,a sua substituição pelo hidrogênio e oretorno à tração elétrica dos trens,abandonada devido a uma estreita vi-são dos problemas energéticos e ambi-entais. Neste particular, é importanteverificar:(a) os veículos de combustão interna ra-ramente atingem rendimentos superio-res a 35%. A diferença, acima de 60%, res-ponde pela quantidade de calor transfe-rida à atmosfera;(b) os veículos a hidrogênio têm condi-ções de atingir 56% de rendimento, po-dendo esse número subir a cerca de 65%em prazo não muito longo (tais veículostêm duração maior, graças à tração elé-trica que os impulsiona, e não poluem);(c) os veículos de tração elétrica pura, pro-porcionada por redes de alimentação, po-

dem chegar a rendimentos da ordem de80%, tendo várias vantagens operacionais,entre elas a regeneração de corrente nasdescidas e nas frenagens e a não emissãode poluentes;(d) a escassez de petróleo, devido à quedados estoques mundiais, aumentará os cus-tos dos transportes a níveis inviáveis, reite-rando a necessidade do desenvolvimentode novas fontes renováveis de energia, bemcomo, no aprimoramento tecnológico paraobtenção de veículos detentores de alto ren-dimento energético.

A diferença de demanda energéticaentre os vários modos de transporte ficabem visível no quadro da tabela 2.

Em razão da baixa eficiência energé-tica dos veículos dotados de motores decombustão interna, nota-se grande dis-paridade entre os consumos de energiapara transporte e para a produção de ele-tricidade.

O consumo de energia de transporte emrelação à demanda de energia elétrica, da-dos de 2001, no Brasil é de 167%; e no Estadode São Paulo 181% (fonte: TCL Tecnologia).

Assim, a maior parte do consumo deenergia no transporte se transforma emperdas de impressionante dimensão: asperdas de energia no transporte, sob a for-ma de calor, em relação ao consumo deeletricidade, dados de 2001, no Brasil é de109%; e no Estado de São Paulo 118% (fon-te: TCL Tecnologia).

O TRANSPORTE HIDROVIÁRIOAPLICADO: O EXEMPLO EUROPEU

Historicamente, o transporte por ma-res e rios dominou a movimentação dealimentos e mercadorias pelo globo. NaEuropa, especialmente na Idade Média,as maiores cidades foram construídas àsmargens dos rios ou em seus estuáriosque, com seus portos, possibilitavam ex-traordinária atividade comercial nas cha-madas feiras. Com o passar do tempo, otransporte pelos rios foi sendo relegadoa cargas de produtos primários de baixovalor agregado, agrícolas e minérios,principalmente. Nas últimas décadas, en-tretanto, os conceitos vêm mudando:programas estão sendo executados e o

Figura 2 - Resultados do que cinco litros de

combustível por tonelada transportada podem

produzir

Tabela 2 - Demanda energética dos vários modos de transportes

Consumo, em l/1000 ton.km

kg transportado/HP

Quantidade de unidades para

transporte de 1.500 t

Comprimento do comboio (m)

para transportar 1.500 t

7,4 12,6 43,4

4.860 2.040 140

1 15 60

60 250 800 5

Fonte: Secretaria de Estado dos Transportes - Balanço Anual - 2005

RODOVIA4HIDROVIA FERROVIA

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panorama atual apresenta-se promissor,com características favoráveis ao trans-porte hidroviário de todos os tipos decargas.

A figura 3 mostra a evolução do trans-porte em bilhões de toneladas-km entre1970 e 1999 na Europa.

Observe-se que a facilidade do trans-porte porta a porta, sem necessidade detransbordo, possibilitado pelo caminhão,constituiu-se em significativa vantagemcompetitiva, transformando em majori-tário esse modo de transporte na Euro-pa. Entretanto, problemas como engar-rafamentos, necessidade de barreirasacústicas, volumes insustentáveis de po-luição e a impermeabilização de 10 hecta-res de solo por dia em áreas nobres paraatender à demanda desse modo de trans-porte, principalmente a partir da décadade noventa, indicavam a exaustão dessesistema, que começou a entrar em colap-so devido aos seus elevados custos soci-ais e ambientais.

Preocupada com o problema, a Co-munidade Européia criou, em 2001, umacomissão encarregada de redesenhar amatriz de transportes num horizonte de10 anos, cuja parte introdutória assim do-cumenta o assunto: “Com este novo re-latório Transport Policy White Paper (re-latório oficial de proposta de Política de

Transportes) a comissãopropôs um plano deação apontando para asmelhorias significativasna qualidade e eficiênciados transportes na Eu-ropa. Este plano propõetambém uma estratégiaque reduza gradualmen-te o vínculo de cresci-mento econômico como crescimento dos trans-portes, comprometidoscom congestionamen-tos e agressão ao ambi-ente e que ameaçam acompetitividade da eco-nomia européia”.

O projeto, intitulado“Europen Transport Policy for 2010:Time to decide”, é extremamente abran-gente e ambicioso e visa readequar osistema de transportes europeu. Estimu-la o crescimento de alguns modos detransporte, como o hidroviário e a ca-botagem, como alternativas principaisem favor do crescimento econômico eda redução dos problemas atuais comengarrafamentos rodoviários e polui-ção. Vencida a etapa de discussões, al-guns itens do projeto já elaborados es-tão sendo implementados.

Conforme mostra o gráfico apresen-tado na figura 3, o transporte rodoviá-rio e a cabotagem tiveram um cresci-mento expressivo nas últimas três déca-das. O nível de transações comerciais au-mentou sensivelmente com a globaliza-ção econômica e, com ela, o volume decargas. O transporte hidroviário interi-or, apesar de ter crescido em volume,teve sua participação percentual reduzi-da de 5% em 1990, para 4% em 1998 e,segundo as previsões, mantidas as mes-mas características de evolução, em 2010será de 3% (a navegação de cabotagemtransporta hoje 41% das mercadoriasmovimentadas dentro da ComunidadeEuropéia, entre 1970 e 1998, esse modocresceu 2,5 vezes, sendo responsável,juntamente com o transporte hidroviá-

rio, por 44% da movimentação de mer-cadorias, em milhões de toneladas-km,correspondendo em valores financeirosa 23%).

A comissão propõe que o transportepor cabotagem seja, em valor, de 40%em 2010, e projeta melhorar a participa-ção do transporte hidroviário na malha.Para tanto, o projeto está reformulandoe unificando toda a legislação de trans-portes e a política de fretes da Comuni-dade Européia, estabelecendo favoreci-mentos para o uso do transporte hidro-viário. Tais “favorecimentos”, na verda-de, significam ganhos de produtividadee reduções significativas nos desperdíci-os, que agravam a economia. Paralela-mente, os atores desse modo de trans-porte estão sendo incentivados economi-camente, por meio de financiamentospara infra-estrutura, modernização deequipamentos, instalações multimodaise sistema de comunicação e controle, en-tre outros.

A União Européia possui uma costade 35 000 quilômetros, entrecortada porbaías e foz de rios que possibilitam, pormeio de suas bacias, densas de rios e ca-nais navegáveis, que fluem para o Me-diterrâneo, o Atlântico e o Mar do Nor-te, verdadeiro dreno de cargas dos por-tos marítimos para o interior. Recente-mente, a Bacia do Rio Danúbio foi liga-da por canais aos rios Meno e Reno(Danube, Mine e Rhine), interligandopor hidrovia seis estados-membros, fi-cando responsável pelo transporte de9% de todas as mercadorias da Europa.Ao longo da ligação da Bacia do Danúbiocom os portos do Mar do Norte, conec-tando estados-membros e candidatos àComunidade Européia, há um volumede 425 milhões de toneladas/ano demercadorias a serem transportadas.

Constituem exemplos de eficiência osserviços entre o sul da Suécia e Ham-burgo, na Alemanha, entre Rotterdam,na Holanda, e Antuérpia, na Bélgica, eentre o sudoeste da Inglaterra e Duis-burg. Recentemente, foi disponibilizadoum serviço de embarcações rápidas en-

Figura 3 - Evolução do transporte em bilhões deFigura 3 - Evolução do transporte em bilhões deFigura 3 - Evolução do transporte em bilhões deFigura 3 - Evolução do transporte em bilhões deFigura 3 - Evolução do transporte em bilhões detoneladas/km entre 1970-1999 na Europatoneladas/km entre 1970-1999 na Europatoneladas/km entre 1970-1999 na Europatoneladas/km entre 1970-1999 na Europatoneladas/km entre 1970-1999 na Europa

Tabela 3 - Frota das empresas de navegação para transporte de cargas

EMPRESA GRUPO QTDE. POTÊNCIA POTÊNCIA TOTAL QTDE. TONELAGEM TONELAGEM TOTAL

UN. HP HP UN. t t

QUINTELLA COINBRA 4 920 3.680 16 1.500 24.000

EPN TORQUE 10 700/920 8.980 36 1.500 54.000

CNA LIBRA 5 860 4.300 10 1.500 15.000

SARTCO ADM 16 230/1.104 11.792 67 274/750 29.910

DIAMANTE COSAN 5 210/500 1.700 22 350/460 9.020

4 0 210/1 . 104 3 0 . 4 5 2 1 5 1 2 74 / 1 .500 1 3 1 . 9 3 0T O TA I S

BARCAÇASEMPURRADORES

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tre Genova e Barcelona, cujo percurso éfeito em 12 horas. Pontual e veloz, esteserviço está tendo grande aceitação e con-correndo diretamente com as rodoviascongestionadas que servem a região. Aliteratura registra dezenas de propostasassemelhadas de sucesso.

O TRANSPORTE HIDROVIÁRIONO ESTADO DE SÃO PAULO

O Estado de São Paulo conta comuma série de trechos de rios potencial-mente navegáveis, sendo que, atual-mente, ocorre navegação comercialapenas nos rios Tietê e Paraná (figura4). A Rede Hidroviária Paulista, portan-to, tende a ser bastante ampliada namedida em que intervenções visando ànavegabilidade sejam estendidas a ou-tras bacias hidrográficas, estabelecen-do-se assim novas rotas de transportefluvial.

A Hidrovia Tietê-Paraná foi concebi-da na década de 1940, como parte doaproveitamento múltiplo das águas, eviabilizado com o Programa Energéticodo Estado de São Paulo iniciado na déca-da de 1950, através da sucessiva implan-tação de usinas hidrelétricas nos rios Tie-tê e Paraná.

Com a conclusão da eclusa de Jupiá,em janeiro de 1998, a hidrovia passou aintegrar um sistema multimodal detransporte, ao ampliar seu raio de açãoem mais 800 quilômetros, atingindo 2 400quilômetros de extensão. A interligaçãoentre o Tietê e o Paraná, com a conclu-são das eclusas do Rio Paraná e o trans-bordo de cargas no reservatório deItaipu, abriu uma rota eficiente de trans-porte entre São Paulo e Buenos Aires.

A Hidrovia Tietê-Paraná exerce influ-ência em uma área de 1,5 milhão de qui-lômetros quadrados, com 75 milhões dehabitantes, que responde por 73% do PIBbrasileiro. Integrados, os sistemas hidro-viários Tietê-Paraná e Paraná-Paraguaitêm uma área de influência de 4,8 milhõesde quilômetros quadrados, com 90 mi-lhões de habitantes, representando maisde 85% do PIB dos países do Mercosul.

Esta hidrovia liga, na direção de SãoPaulo, regiões produtoras de grãos ede bens agroindustriais, com mercadosconsumidores internos, particularmen-te na região de Campinas e São Paulo, ecom o mercado externo, através doPorto de Santos.

No sentido oposto de tráfego, in-terliga mercados produtores e consu-midores de matérias-primas e insumosenergéticos, como fertilizantes e deri-vados de petróleo.

A hidrovia tem estimulado a ampli-ação das fronteiras agrícolas no Oestedo Brasil, trazendo uma gama de opor-tunidades de bons negócios nas áreasde transporte hidroviário, terminaismultimodais, expansão do agronegócio,indústrias, armazéns, embarcações deserviço, comboios de carga, além demarinas e hotéis.

Hoje, a Hidrovia Catullo Branco, as-sim denominada, por lei, em homena-gem ao seu idealizador, é constituídade 30 terminais, sendo quatro com aintermodalidade hidro-ferro-rodoviá-ria e três associados a unidades pro-cessadoras de matéria-prima. Operan-do nesta infra-estrutura, encontram-se40 empurradores e 151 barcaças, so-mando 30 000 HP instalados e 132 000

toneladas de capacidade estática (tabela3). Alguns desses equipamentos e insta-lações estão ilustrados nas fotos apresen-tadas no artigo.

Em 2005, foram movimentadas pelahidrovia 3,5 milhões de toneladas de car-ga, que representaram um momento detransporte de 894 milhões de toneladas/km úteis. Com relação ao ano anterior,observou-se um crescimento de 12% nototal de toneladas transportadas.

O Departamento Hidroviário está re-visando os métodos estatísticos utiliza-dos para fazer a contagem das cargas,incluindo novas rotas e mercadorias,que até então não eram registradas,como grandes travessias e as cargas deareia, cascalho e pedra. Por outro lado,retirou do cômputo estatístico os movi-mentos inferiores a 10 quilômetros, oque resultou em uma nova base de da-

Figura 5 - Evolução das cargas

transportadas (em toneladas)

Figura 6 - Evolução da produção de transporte

(milhões TKU)

Figura 7 - Variação sazonal das cargas de longo

curso na Hidrovia Tietê-Paraná (em toneladas)

Figura 4 - Hidrovia Tietê-Paraná

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dos a partir do ano 2000 (ver figuras 5, 6,e 7, e tabela 4).

AÇÚCAR E ÁLCOOL PELA HIDROVIADurante todo o desenvolvimento do

plano estratégico do DH, em 2004 e2005, foram adotadas algumas medidasparalelas de antecipação de metas queo plano estabeleceria. Assim, procurou-se identificar algumas atividades “ân-coras” da navegação, que acabaram porapontar para o transporte de álcool ede açúcar.

Como se sabe, a pro-dução de cana-de-açúcarno Brasil foi de 383 mi-lhões de toneladas na sa-fra de 2005/2006, comprevisão de 425 milhõesde toneladas para 2006/2007. Desta atividade agrí-cola de imensa importân-cia, cuja participação doEstado de São Paulo é de70%, resultou a produçãode 26,1 milhões de tonela-

das de açúcar e 15,6 milhões de metroscúbicos de álcool, dos quais o Brasil ex-portou 66% (17,4 milhões de toneladas) e15% (2,3 milhões de metros cúbicos), res-pectivamente. Na última safra, o centro-sul respondeu por 88% da produção decana (336 milhões de toneladas), 84% daprodução de açúcar (22 milhões de tone-ladas) e 92% da produção de álcool (14,4milhões de metros cúbicos).

Estudo elaborado em novembro de2003 identificou, para a safra de 2002/2003,uma região de influência da hidrovia onde

Tabela 4 - Movimentação de cargas

TIPO DE CARGA

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

mil

ton

milhão

TKU

SOJA

FARELO DE SOJA

ÓLEO VEGETAL

ÓLEO DIESEL

MILHO

SORGO

TRIGO

AÇÚCAR

ÁLCOOL

XAROPE DE CANA

CANA

CALCÁRIO

ADUBO

MADEIRA/CARVÃO

AREIA (1)

CASCALHO (1)

SUBTOTAL LONGITUDINAL

SOJA

MILHO

TRIGO

ADUBO

MADEIRA/CARVÃO

MANDIOCA

ARROZ

PNEUS

SUBTOTAL TRANSVERSAL(2)

TOTAL

233 151 166 101 315 177 363 211 460 278 544 337 680 433 589 401 630 442 512 365 705 473

78 37 196 121 143 100 335 241 321 226 255 192 287 208 362 246 391 269 644 430 373 249

2 2 18 14 26 20 36 22 15 10 1 1

2 1

81 56 52 36 2 2 10 6 30 19

35 22

27 11 12 6 144 76 30 16 7 8 7 7 7 8

3 2 2 1

71 23 52 17 72 24 22 8 14 6

46 23 24 13

581 33 673 35 811 41 778 41 792 41 594 29 631 32 641 36 689 39 779 46 808 49

8 4 10 4 6 3

8 5 119 4 3 0,2 9 4

125 52

305 12 509 48 563 58 545 49 618 58 681 49

47 3 23 1 31 2

1087 320 1271 320 1501 425 1591 550 1641 584 1724 590 2143 743 2173 752 2378 853 2583 907 2731 881

191 2 171 3 232 4

102 2 158 3 267 5

8 0,2 75 2 89 2

81 1 99 2 110 2

4 0,1 19 0,2 41 0,5

12 0,3 1 0,03 2 0,07

6 0,06

4 0,04

397 5 522 1 0 750 1 3

1087 320 1271 320 1501 425 1591 550 1641 584 1724 590 2143 743 2173 752 2774 858 3105 916 3481 894

Fonte: Departamento Hidroviário - SP(1) a partir de 2000 foram incluídas as cargas eclusadas e/ou transportadas por distâncias superiores a 10 km.

(2) a partir de 2003 foram incluídas as cargas transversais que percorrem distâncias superiores a 10 km.

se produziam anualmente 2,4 milhões demetros cúbicos de álcool e 3,4 milhões detoneladas de açúcar, passíveis, portanto,de navegação fluvial, até o Terminal deConchas, por exemplo. Desse terminal,portanto, poderia ser transportado o ál-cool para Paulínia, através de duto a serconstruído, bem como o açúcar, para oPorto de Santos, por meio de rodovias jáexistentes e/ou da ferrovia, que passa a15 quilômetros do terminal.

Acresce a isso que, na própria regiãode Conchas-Anhembi-Piracicaba, produzi-

am-se, em 2003, mais de 1 mi-lhão de litros de álcool e 2,4 mi-lhões de toneladas de açúcar,que poderiam se valer, respec-tivamente, do duto paraPaulínia e do sistema rodofer-roviário para Santos, reforçan-do muito o potencial de trans-porte pelos modos comple-mentares à hidrovia, já menci-onados, valendo-se de um ade-quado recurso à intermodali-zação.

Porto Autônomo de Liège, Bélgica

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É relevante notar que esses dados, ava-liados em 2003, correspondiam a aproxi-madamente 35% da produção do Centro-Sul, estimando-se que os outros 65% va-ler-se-iam das ferrovias e das rodovias parao seu transporte.

À demanda potencial de transportepor modo fluvial, avaliada em 2003, háque se acrescentar o transporte mais loca-lizado da própria cana-de-açúcar, ao lon-go do rio ou através das represas, que,em 2005, já chegou a 800 000 toneladasanuais.

A essas perspectivas de produção etransporte de cana-de-açúcar e dos pro-dutos industriais deles derivados, deve-se acrescentar que o setor sucro-alcooleirotem previsão de crescimento de 73% desua produção de álcool e de 34% de suaprodução de açúcar, até o ano 2010. Poroutro lado, estudos técnicos que vem sen-do desenvolvidos pelo próprio setorapontam para a possibilidade, dentro depoucos anos, de elevar em 60% a produ-ção de álcool, com a mesma cana, apro-veitando-lhe o bagaço e a palha, para talfim. A dimensão, enfim, desse importan-te segmento da economia nacional, justi-fica e exige um dedicado esforço de viabi-lização e barateamento dos transportes,como forma de contribuir para a sua com-petitividade no mercado internacional.

Um passo importante no sentido deconsagrar essas idéias foi dado junto àPetrobras, que designou a Transpetro e aBR Distribuidora para realizarem planoem conjunto com a Secretaria dos Trans-portes, já vislumbrando a viabilidade daimplantação do referido alcoolduto. Des-se entendimento preliminar resultou, em18/02/05, o Protocolo de Intenções pararealização de estudos de viabilidade téc-nica, econômica e ambiental para a infra-estrutura requerida para armazenamen-to, transporte hidroviário e dutoviário deálcool e derivados de petróleo na Baciada Hidrovia Tietê-Paraná, entre o OestePaulista e a Refinaria do Planalto Paulis-ta-Replan.

Mais ainda, o grupo Petrobras en-xerga a ampla possibilidade de utilizar omesmo sistema hidro-dutoviário paraenviar derivados de petróleo no senti-do inverso, abastecendo parcialmenteos estados de São Paulo, Paraná, MatoGrosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Empalestra realizada em 20/10/2005, emAraçatuba, a Transpetro apresentou oPrograma Transpetro Etanol, cujo obje-tivo principal é fomentar a logística dadistribuição do etanol para as regiões im-portadoras do País, bem como para ex-portação (figura 8). No cenário atual, aprodução de etanol é de 16 milhões de

metros cúbicos. Destes, 2milhões de metros cúbicosexportados, frente a um po-tencial, para 2010, de 27 mi-lhões de metros cúbicosproduzidos e 8 milhões demetros cúbicos por anopara exportação.

Os produtores de álco-ol e de açúcar se manifes-tam interessados nas solu-ções propostas, contribuin-do ainda com idéias com-plementares, conseqüentesdo seu conhecimento dosproblemas, das instalaçõesde álcool e de açúcar queeles já possuem em Santos

e do seu desejo de que boa parte dasexportações se dê pelo Porto de São Se-bastião, em complemento até da im-plantação do novo corredor de expor-tação que o Estado de São Paulo vemestudando. Para melhor aproximar aSecretaria de Estado dos produtores,minutou-se protocolo já mencionado.E, buscando melhor avaliação das téc-nicas e custos da intermodalidade, aUnica e a Secretaria programaram parao início de 2006 uma operação de trans-porte hidroviário de açúcar desde Pe-reira Barreto até Conchas, utilizandocontêineres e “big-bags”, com transfe-rência para carretas e caminhões gra-neleiros de açúcar, com destino ao Por-to de Santos.

Por outro lado, a Secretaria dosTransportes tem uma visão de futuroque transcende a solução dos problemasde hoje. Primeiramente, entende as gra-ves conseqüências da prevalência dotransporte rodoviário sobre os demais,em razão do contínuo crescimento doconsumo de petróleo, motivando o seuencarecimento, e da crescente pressãoda sociedade contra os efeitos ecológi-cos e sociais negativos desse modo detransporte. Além disso, acompanha aimplantação de novas destilarias (40 naregião Centro-Sul), que é a respostaimediata da indústria sucro-alcooleira àcrescente demanda de álcool combustí-vel pelos mercados interno e externo,bem como os progressos tecnológicosque tendem a elevar a produtividade dosetor.

CONCLUSÃOO Estado de São Paulo conta no seu

interior e nos seus limites com rios de gran-de importância e que poderão se tornarvias navegáveis, com pouco investimen-to. A hidrovia não nasce pronta: necessitado engenho e arte das pessoas para elimi-nar obstáculos. Entretanto, muitas vezesos obstáculos foram criados pelo própriohomem, como as barragens de Itaipu, noRio Paraná, de Rosana, no Rio Paranapa-

Alguns exemplos de mercadorias transportadas por hidrovias

Figura 8 - Estudo da logística da distribuição do etanol

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* Adriano Murgel Branco é engenheiro consul-tor, especialista em transportes, foi secretário deTransportes do Estado de São Paulo e é associadoao Instituto de Engenharia** Márcio Henrique Bernardes Martins é eco-nomista e consultor em políticas públicas, já reali-zou trabalhos para a Secretaria dos Transportes(SP), Departamento Hidroviário, Artesp e CDHU

nema, de Água Vermelha, no Rio Gran-de, de São Simão, no Rio Paranaíba, for-çando a configuração de sistema fechado,que tem a Hidrovia Tietê-Paraná.

Dentre os vários rios que o Departa-mento Hidroviário do Estado de São Pau-lo pretende dedicar os seus próximos es-tudos de navegação estão os rios Paraíba,Grande, Paranapanema, Pardo, Mogi-Guaçu, Piracicaba, Peixe (Rio Paraná-Marília), dentre outros. Sobressai nessesestudos o Rio Ribeira/Ribeira de Iguape,pelo qual também se navegou terra adentro, a partir de porto marítimo emIguape, na busca de ouro e prata, já noséculo 16. Num segundo momento, nodecorrer do século 18, a mineração e aagricultura local movimentaram a nave-gação daquele rio.

Entretanto, o progressivo abandonoda hidrovia permitiu que ela assoreasse,a ponto de ter hoje, no trajeto Registro/Iguape, locais em que o rio não tem maisdo que um metro de profundidade.

O escoamento dos produtos mine-rais do Vale, que é a principal provínciamineral do Estado de São Paulo, se fezdurante muitos anos por precárias ro-dovias. Procurando melhorar as condi-

ções de transporte daqueles produtos, aSecretaria dos Transportes, há não mui-to tempo, fez a linha férrea da antigaSorocabana, que terminava em Juquiá(traçado da velha Santos/Juquiá, inau-gurada em 1913), chegar até registro eCajati (1986). Mas os melhoramentosrodoviários que se seguiram e o aban-dono do transporte ferroviário no Esta-do de São Paulo, acabaram por induzirtodo o transporte dos minerais por ro-dovia, praticamente inviabilizando omercado daqueles produtos, cujo deslo-camento hoje até São Paulo custa deduas a três vezes o valor da carga trans-portada.

Esta marcha-a-ré nos meios de trans-porte precisa ser substituída por inicia-tivas novas, como as que estão sendoempreendidas pela Secretaria dos Trans-portes, particularmente no âmbito hi-droviário, para que se minimizem oscustos do transporte. Nessa linha deação, é de se cogitar da restauração dotransporte ferroviário para o Vale do Ri-beira, viabilizando, talvez, até mesmo,o transporte de produtos destinados àagricultura, através da Hidrovia Tietê-Paraná, a partir do terminal de Conchas,

criando assim ummovimento de re-torno das embarca-ções que trarão oaçúcar, a soja e ou-tros produtos. Porigual, é lícito pensarque insumos neces-sários à produçãodos fertilizantes emCajati, que são,como o enxofre,importados, pode-riam vir por maraté Iguape e pelahidrovia até a re-gião de utilização.

Tais elucubraçõesfazem já imaginarque na região doVale do Ribeira, aThe Falkirk Wheel, Escócia

mais pobre do Estado de São Paulo, po-deria vir a ser instalada uma importanteplataforma logística multimodal queensejará o desenvolvimento local.

O transporte hidroviário, que cedeuespaço ao rodoviário em todo o mundo –tal como ocorreu com o transporte ferro-viário – vem reconquistando a sua parti-cipação modal, como o demonstram es-tudos recentes, especialmente na Europa,onde, segundo o livro A Armadilha da Glo-balização de Hans-Peter Martins e HaroldSchumann (Globo, 1998), “os cidadãos daUnião Européia desperdiçam 1,5% do seuPIB em congestionamentos”.

É meta da Alemanha, nesse esforço,chegar a uma distribuição modal do tipo30%-30%-30% (hidroviário, ferroviário,rodoviário) nos próximos anos, moder-nizando instalações e equipamentos,como se pode ver nas fotos apresentadasno artigo.

A título de curiosidade é de se obser-var que, enquanto no Estado de São Pau-lo 93% dos transportes de carga se dãopor modo rodoviário, nos Estados Uni-dos, país da indústria automotiva e dasrodovias pavimentadas, a distribuiçãomodal das cargas, segundo dados doGeipot, de 1997, tem a seguinte configu-ração: rodoviário, 24,9%; ferroviário,38,9%; aquaviário, 22,6%; dutoviário,16,2%; aéreo, 0,4%.

Notas1As monções se referiam às expedições flu-viais povoadoras que partiam de PortoFeliz, navegando pelo Tietê e pela rede deafluentes dos rios Paraná e Paraguai até oRio Cuiabá.2Documento intitulado “L’Europe Fluvia-le”, um suplemento da revista Navigation,Ports & Industries, de 15 de março de 2000.3Table Ronde 18 - Conferência Européiados Ministros de Transportes, 1997.4Transporte em caminhões de 25 t.5Se for considerada uma distância de 100metros entre os caminhões em circulação,o comboio de 1 500 t terá cerca de 7km decomprimento.6FAT - Fundação de Apoio à Tecnologia.Plano Estratégico Hidroviário/DH - De-partamento Hidroviário. Relatório 5:Análise de Mercado. São Paulo, maio de2004.